OK - Texto - Celebrar Também é Viver
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Culto: celebrar também é viver Um estudo da liturgia a partir de Isaías 6.1-8
Suely Xavier dos Santos
Nas palavras do autor de Lamentações: Quero trazer à memória..., inicio este estudo no desejo de trazer à memória que a liturgia surge como espaço para celebrar a nossa fé que é vivenciada no cotidiano e reafirmada nos cultos. Assim, a proposta deste texto é apontar uma das possibilidades de como surgiu a liturgia, bem como sua estrutura (prelúdio, adoração, confissão, louvor, edificação e dedicação) a partir de Isaías 6.1-8.
Uma herança do culto hebraico
A origem do culto hebreu se dá processualmente e tem influências das diversas religiões do Antigo Oriente Médio. Eles se utilizavam das práticas de seus antepassados, bem como de outras culturas e as adequavam à sua forma de adorar a Javé.
Entretanto, um diferencial que se pode notar, em relação ao culto hebraico e outras religiões, é que no seu processo de formação este culto celebrava a divindade de Deus, ofertava-se em gratidão pelas dádivas alcançadas e impetrava-se a bênção da proteção, segurança e providência (cf. Nm 6.22. Neste aspecto, os hebreus viam o culto como um momento para celebrar aquele que é criador de todas as coisas e louvá-lo pelas graças recebidas.
Nos livros do Êxodo e Levítico é perceptível a intenção de organizar o culto prestado a Deus. Deste modo, há como notar a importância de que três elementos integrassem o culto, a saber:
1. O sacrifício como oferta pela salvação, paz e perdão dos pecados; 2. A celebração da Páscoa realizada anualmente; 3. A dedicação das primícias em gratidão a Deus pelas bênçãos; Em razão do nomadismo hebreu os cultos não aconteciam em lugares fixos. Somente com
Davi é programada a construção de um lugar para o culto, o Templo, o que só ocorreu com Salomão, e a partir de então ritos são instituídos, tais como: hinos, preces, lamentações, ações de graças, liturgias de entrada e canções individuais de confiança e outros.1
O profeta Isaías e o culto Isaías, um profeta do século VIII, descreve no capítulo 6.1-8 sua visão do culto celestial,
com isso há o indício que o mesmo deveria ocorrer no Templo terrestre, pois ainda naquela época havia a concepção de que aquilo que ocorria na terra era (ou deveria ser) um reflexo do que acontecia no céu. Assim, aquele culto celeste deveria imprimir um modelo para a comunidade, a fim de celebrar a santidade de Deus. E estemodelo inspirou a Igreja a elaborar uma estrutura para o culto conforme o texto em questão. Dessa forma observa-se a seguinte descrição do evento celeste e sua correspondência com a liturgia hoje:
Contexto do culto
“No ano da morte do rei Uzias” (1) Esta indicação do texto nos reporta ao ano 740 a.C., no qual Isaías recebe sua missão
profética de assinalar a importância de uma sociedade baseada na justiça e no direito, para o estabelecimento do xalom. Assim, é possível observar que o culto não é algo que ocorre numa esfera atemporal, sem um contexto específico. Ele está inserido em uma conjuntura maior, a saber, uma cultura da qual deve-se levar em conta os acontecimentos da vida cotidiana do povo.
Para o culto hodierno, a partir da perspectiva de que a celebração acontece num determinado lugar, percebe-se a importância de contextualizar o mesmo com a utilização tanto do calendário litúrgico, como civil. Com estes instrumentos a comunidade encontrará a especificação do
tempo litúrgico, bem como haverá uma liturgia dentro do contexto no qual a comunidade está inserida.
Prelúdio
“...eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo” (1).
Quando o profeta descreve que vê o Senhor, ele alude à contemplação de Deus e as conseqüências da presença do mesmo. Diferentemente da tradição do Êxodo, na qual Moisés não pode contemplar a face do Altíssimo, neste caso o profeta vê a Deus e permanece vivo.
O momento de contemplação, ou de sentir a presença de Deus e preparar-se para a celebração, é aludido neste texto quando o profeta percebe que há uma mudança quando Deus se deixa perceber por aqueles/as que o buscam. A presença do Altíssimo enche o Templo, assim aqueles/as que se encontram no recinto devem ter um momento de introspecção para o que vem a seguir no culto.
Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas; com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava;
Neste verso encontramos a questão da experiência com o transcendente, ou seja, o culto também ultrapassa os limites de um contexto específico, sem preterir o mesmo, a fim de que a comunidade tenha uma experiência mística com o divino. Serafins são ministros a serviço de Deus. Cobrir o rosto significa reverência na casa de Deus, ou perante sua face; exemplo disso foi quando Deus manifestou a Moisés no Monte Horebe (Ex 3.6). Por isso o momento do prelúdio no culto indica a reverência na casa de Deus, no qual os membros da comunidade devem ater ao fato de que celebração já está acontecendo, a partir do momento que adentramos ao recinto propício para tal evento.
Adoração
“E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda terra está cheia da sua glória”. (2) Observa-se a universalidade da glória de Deus. Ao recitar o kedushá, Santo, Santo, Santo, o
texto indica a adoração por aquilo que Deus é. No futuro, os/as cristãos/ãs identificam nessa expressão o culto que celebra a trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Esta é a parte do culto em que há o diálogo entre congregação-Deus, e a comunidade expressa sua adoração em expressão comunitária.
“As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça” (4) No momento da Adoração ainda há o fato de que quando Deus se manifesta vidas são
transformadas. A fumaça indica a presença de Deus no culto, da mesma forma que Ele esteve presente por meio de uma coluna de fogo no deserto, Ele se faz presente quando a comunidade o adora “em espírito e em verdade”.
Confissão “Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!” (5) A contrição e confissão são conseqüências da visão do Ser Perfeito revelado por diversas
formas no culto. Ao defrontar-se com uma partícula da perfeição, o ser humano confessa sentir-se pequeno, frágil e pecador, no meio de pessoas que também o são. Por isso, a confissão deve ocorrer na esfera individual e coletiva. A comunidade como um todo ao sentir-se compelida pela presença divina e confessar seu pecado está pronta para receber o perdão e louvar a Deus.
Proclamação de Perdão “Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios, a tua iniqüidade foi tirada, e perdoado o teu pecado” (6-7)
Os Serafins, mais uma vez representado o serviço prestado a Deus por aqueles que lhes são fiéis, tira uma brasa do altar e toca a boca do profeta, como que o destituindo de toda e qualquer culpa que ele tenha, quer por palavras ou ações. Vale ressaltar que a brasa representa o fogo que purifica o ser humano de seus pecados e lhe declara o perdão.
É interessante que o pecador precisa purificar-se para receber a palavra de Deus. Nas comunidades essa perspectiva da confissão de pecados deve ser preservada, pois nela se reconhece a presença divina e a necessidade do ser humano em tornar-se mais puro para o ofício cultual.
Edificação “Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, em quem há de ir por nós?” (8) Neste momento o profeta ouve a voz do Senhor. A palavra é proclamada. Todo o processo
ocorrido até agora, a contemplação, a adoração, o perdão dos pecados apontam para o momento em que o próprio Deus se manifestará através de sua palavra. No caso dos/as cris
tãos/ãs quando a Bíblia é lida, a mensagem da parte de Deus é ensinada para a comunidade.
Esta mensagem é desafiadora, deve nos inquietar para o serviço. Uma vez que esta proclamação de Javé diz respeito ao envio, à obra que depende do ser humano para ser realizada.
Dedicação
“...Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim” (8). A dedicação é expressão máxima de que a palavra de Deus foi acolhida, entendida e aceita.
Quando o profeta responde ao chamado, ele está se prontificando a proclamar a mesma mensagem a outros para que dentro de uma esfera maior, a saber, a sociedade na qual o culto está inserido, também se possa sentir a presença de Deus de diversas formas.
Há aqui uma indicação de que os/as servos/as que se dedicam ao serviço, não devem circunscrever ao recinto cultual, mas sair a proclamar a mensagem libertadora em todos os aspectos da vida humana, pois a salvação é integral.
Considerações finais
Observa-se, portanto, que no texto de Isaías há uma questão essencial para a comunidade que é a inteireza no serviço, na liturgia, o profeta tem todos os seu sentidos alterados quando percebe a presença de Deus no recinto, ele: vê: Eu vi (v.1); ouve: E clamavam (v.3); sente: As bases do limiar se moveram (v.4); fala: Então disse eu (v.5). Isso demonstra que o culto deve perpassar e utilizar todos os sentidos, envolver os presentes com símbolos, cânticos, atitudes que façam os mesmos perceberem a presença de Deus.
Assim, pode-se concluir que a liturgia é o serviço dedicado à Deus em culto quando as pessoas se reúnem para adorar e louvar. Liturgia é composta por acontecimentos cúlticos que apontam para a adoração por aquilo que Deus é e gratidão, louvor, por aquilo que ele faz. Liturgia é a ordem do culto. Assim, é possível concluir que a Liturgia tanto para o Antigo Testamento, como para o Novo Testamento e também na atualidade, deve sempre apontar a direção do serviço e amor ao próximo na execução de cultos que celebram a vida e a arte. E como salientou João Wesley, o fundador do movimento metodista:
Que a nossa intenção seja esta e só esta, de glorificar o nosso Pai que está nos céus; de expressar a nossa tristeza e vergonha pelas nossas muitas transgressões da sua lei santa; de esperar um aumento da graça purificadora, trazendo as nossas afeições mais perto das coisas do alto, de aumentar a seriedade e empenho das nossas orações; de desviar a ira de Deus, e de obter todas as grandes e preciosas promessas que Ele nos tem feito em Jesus Cristo.
Nota
* FOHRER, George. História da religião de Israel. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 257.