Olavo de Carvalho_O Império Da Ignorância

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http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/16051-2015-09- 11-15-20-58.html O império da ignorância Escrito por Olavo de Carvalho | 11 Setembro 2015 Artigos - Cultura Só pessoas prodigiosamente incultas podem ter alguma dificuldade de compreender que uma eleição presidencial com apuração secreta, sem transparência nenhuma, é inválida em si mesma. Vamos falar o português claro: Aquele que não dá o melhor de si para adquirir conhecimento e aprimorar-se intelectualmente não tem nenhum direito de opinar em público sobre o que quer que seja. Nem sua fé religiosa, nem suas virtudes morais, se existem, nem os cargos que porventura ocupe, nem o prestígio de que talvez desfrute em tais ou quais ambientes lhe conferem esse direito. Discussão pública não é mera troca de opiniões pessoais, nem torneio de auto-imagens embelezadas: é eminentemente intercâmbio de altos valores culturais válidos para toda uma comunidade humana considerada na totalidade da sua herança histórica e não só num momento e lugar. O direito de cada um à atenção pública é proporcional ao seu esforço de dialogar com essa herança, de falar em nome dela e de lhe acrescentar, com as palavras que dirige à audiência, alguma contribuição significativa. O resto, por "bem intencionado" que pareça, é presunção vaidosa e vigarice. Todos os males do Brasil provêm da ignorância desses princípios. Políticos, empresários, juízes, generais e clérigos incultos, desprezadores do conhecimento e usurpadores do seu prestígio, são os culpados de tudo o que está acontecendo de mau neste país, e que, se esses charlatães não forem expelidos da vida pública, continuarão aumentando, com ou sem PT, com ou sem

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Só pessoas prodigiosamente incultas podem ter alguma dificuldade de compreender que uma eleição presidencial com apuração secreta, sem transparência nenhuma, é inválida em si mesma.

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O império da ignorância Escrito por Olavo de Carvalho | 11 Setembro 2015 Artigos - Cultura

Só pessoas prodigiosamente incultas podem ter alguma dificuldade de compreender que

uma eleição presidencial com apuração secreta, sem transparência nenhuma, é inválida

em si mesma.

Vamos falar o português claro: Aquele que não dá o melhor de si para adquirir

conhecimento e aprimorar-se intelectualmente não tem nenhum direito de opinar em

público sobre o que quer que seja. Nem sua fé religiosa, nem suas virtudes morais, se

existem, nem os cargos que porventura ocupe, nem o prestígio de que talvez desfrute em

tais ou quais ambientes lhe conferem esse direito. Discussão pública não é mera troca de

opiniões pessoais, nem torneio de auto-imagens embelezadas: é eminentemente intercâmbio

de altos valores culturais válidos para toda uma comunidade humana considerada na

totalidade da sua herança histórica e não só num momento e lugar. O direito de cada um à

atenção pública é proporcional ao seu esforço de dialogar com essa herança, de falar em

nome dela e de lhe acrescentar, com as palavras que dirige à audiência, alguma

contribuição significativa. O resto, por "bem intencionado" que pareça, é presunção vaidosa

e vigarice. Todos os males do Brasil provêm da ignorância desses princípios. Políticos,

empresários, juízes, generais e clérigos incultos, desprezadores do conhecimento e

usurpadores do seu prestígio, são os culpados de tudo o que está acontecendo de mau neste

país, e que, se esses charlatães não forem expelidos da vida pública, continuarão

aumentando, com ou sem PT, com ou sem "impeachment", com ou sem "intervenção

militar", com ou sem Smartmatic, com ou sem Mensalão e Petrolão. Desprezo pelo

conhecimento e amor à fama que dele usurpa mediante o uso de chavões e macaquices são

os pecados originais da "classe falante" no Brasil.

Só o homem de cultura pode julgar as coisas na escala da humanidade, da História, da

civilização. Os outros seguem apenas a moda do momento, criada ela própria por

jornalistas incultos e professores analfabetos, e destinada a desfazer-se em pó à primeira

mudança da direção do vento. A cultura pessoal é a condição primeira e indispensável do

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julgamento objetivo. A incultura aprisiona as almas na subjetividade do grupo, a forma

mais extrema do provincianismo mental.

Vou lhes dar alguns exemplos de desastres nacionais causados diretamente pela incultura

dos personagens envolvidos.

Só pessoas prodigiosamente incultas podem ter alguma dificuldade de compreender que

uma eleição presidencial com apuração secreta, sem transparência nenhuma, é inválida em

si mesma, independentemente de fraudes pontuais terem ocorrido ou não. O número de

jumentos togados e cretinos de cinco estrelas que, mesmo opondo-se ao governo,

raciocinam segundo a premissa de que a Sra. Dilma Rousseff foi eleita democraticamente

em eleições legítimas, premissa que lhes parece tão auto-evidente que não precisa sequer

ser discutida, basta para mostrar que o estado de calamidade política e econômica em que

se encontra o país vem precedido de uma calamidade intelectual indescritível, abjeta,

inaceitável sob todos os aspectos.

Quando na década de 90 os militares aceitaram e até pediram a criação do “Ministério da

Defesa”, foi sob a alegação de que nas grandes democracias era assim, de que só

republiquetas tinham ministérios militares. Respondi várias vezes que isso era raciocinar

com base no desejo de fazer boa figura, e não no exame sério da situação local, onde a

criação desse órgão maldito só serviria para aumentar o poder dos comunistas. Mil vezes o

Brasil já pagou caro pela mania de macaquear as bonitezas estrangeiras em vez de fazer o

que a situação objetiva exige. Esse caso foi só mais um da longa série. Mesmo agora,

quando a minha previsão se cumpriu da maneira mais patente e ostensiva, ainda não

apareceu nenhum militar honrado o bastante para confessar sua incapacidade de relacionar

a estrutura administrativa do Estado com a disputa política substantiva. Continuam

teimando que a idéia foi boa, apenas, infelizmente, estragada pelo advento dos comunistas

ao poder – como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra, como se fosse tudo uma

soma fortuita de coincidências, como se a demolição do prestígio militar não fosse um item

constante e fundamental da política esquerdista no país e como se, já no governo FHC, a

criação do Ministério não fosse concebida como um santo remédio, com aparência

legalíssima, para quebrar a espinha dos militares. Um dos traços mais característicos da

incultura brasileira, já assinalado por escritores e cientistas políticos desde a fundação da

República pelo menos, é a subserviência mecânica a modelos estrangeiros copiados sem

nenhum critério.

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Numa sociedade culturalmente atrofiada, a coisa mais inevitável é que todas as correntes de

opinião que aparecem na discussão pública sejam apenas cópias ou reflexos de modelos

impostos, desde o exterior, por lobbies e grupos de pressão que têm seus próprios objetivos

globais e não estão nem um pouco interessados no bem-estar do nosso povo. Cada

“formador de opinião” é aí um boneco de ventríloquo, repetidor de slogans e chavões que

não traduzem em nada os problemas reais do país e que, no fim das contas, só servem para

aumentar prodigiosamente a confusão mental reinante.

Como é possível que, num país onde cinqüenta por cento dos universitários

são  reconhecidamente analfabetos funcionais e os alunos dos cursos secundários tiram

sistematicamente os últimos lugares nos testes internacionais, o currículo acadêmico de um

professor continue sendo aceito como prova inquestionável de competência? Não deveria

ser justamente o oposto? Não deveria ser um indício quase infalível de que, ressalvadas

umas poucas exceções, o portador dessa folha de realizações é muito provavelmente, por

média estatística, apenas um incompetente protegido por interesses corporativos? Terá sido

revogado o “pelos frutos os conhecereis”? A interproteção mafiosa de carreiristas semi-

analfabetos unidos por ambições grupais e partidárias tornou-se critério de qualificação

intelectual?

Não é mesmo um sinal, já não digo de mera incultura, mas de positiva debilidade mental,

que os mesmos apologistas do establishment universitário fossem os primeiros a apontar

como mérito imarcessível do candidato Luís Ignácio Lula da Silva, em duas eleições, a sua

total carência de quaisquer estudos formais ou informais? Não chegava a prodigiosa

incultura do personagem a ser louvada como sinal de alguma sabedoria infusa? Todo

sujeito que, à exigência de conhecimento, opõe o louvor evangélico aos “simples”, é um

charlatão. Jesus prometeu aos “simples” um lugar no paraíso, não um palanque ou uma

cátedra na Terra.

 

Publicado no Diário do Comércio.

http://olavodecarvalho.org