Olavo.Carvalho.~.Quatro.Décadas.De.Fraude

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  • 2/4/2014 Quatro dcadas de fraude

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    Quatro dcadas de fraude

    Olavo de Carvalho

    Jornal do Brasil, 17 de abril de 2008

    Em 1965, o clebre editor comunista nio Silveira lanou o livro de Edmar Morel, O Golpe Comeou em

    Washington . Desde ento, cada ano traz uma nova safra de livros, teses universitrias e reportagens

    que, com pequenas variaes, reiteram ad nauseam a mesma tese: o golpe que derrubou o presidente

    Joo Goulart foi obra da CIA.

    Embora a insistncia em buscar novas provas sugira que as provas anteriores no provaram nada, o efeito

    dessa produo editorial se exerce automaticamente pelo nmero de obras, que no precisam ser lidas para

    funcionar como smbolos onipresentes de uma verdade venervel.

    No entanto, essa imensa literatura vale rigorosamente nada. Toda ela, de alto a baixo, puro charlatanismo,

    ainda mais criminoso quando praticado por historiadores e politlogos de ofcio que a adornam com o

    prestgio do conhecimento acadmico, da "cincia".

    Cincia ou mesmo jornalismo, quando digno do nome no nunca empilhar indcios em favor de umaafirmativa. No nem mesmo organiz-los de modo a dar ares de consistncia lgica a essa afirmativa.

    Cincia ou mesmo investigao jornalstica confrontar uma afirmativa com suas opostas, somando os

    fatores em favor de todas as alternativas com igual iseno, at que uma concluso se imponha racionalmente

    contra ou a favor das preferncias do investigador.

    Se no h confrontao de hipteses, no h cincia, no h jornalismo, no h conhecimento: h apenas

    oratria poltica, propaganda.

    A obrigao do confronto to indispensvel na busca da verdade, que, mesmo quando os prprios fatos

    no sugiram desde logo uma hiptese alternativa, o investigador tem a obrigao de cri-la como instrumentode aferio.

    Mas se a alternativa j est presente, manifesta, visvel, declarada no prprio tecido dos fatos, a teimosia em

    ignor-la, a fuga confrontao, a insistncia obsessiva em argumentar a favor de uma nica hiptese

    denotam algo mais que parcialidade: denotam a fraude pura e simples.

    No caso da alegada participao americana na derrubada de Joo Goulart, o principal agente da inteligncia

    sovitica no Brasil na poca, o tcheco Ladislav Bittman, j confessou claramente que ele prprio e seus

    colaboradores inventaram essa histria em abril de 1964, produziram os documentos falsos necessrios para

    dar-lhe verossimilhana e conseguiram impingi-la a toda a grande mdia brasileira (v. Sugesto aos colegas).

    Na Histria, na investigao jornalstica ou num inqurito policial, nenhuma prova ou indcio tem mais valor

    que a confisso do acusado. At o momento, nenhum ex-agente da CIA ou de qualquer rgo do governo

    americano apareceu confessando intromisso em assuntos brasileiros, malgrado a mania notoriamente

    endmica que, na terra de Phillip Agee e Daniel Elsberg, essas criaturas tm de abrir todas as caixas pretasto logo saem do emprego. Na verdade, nenhuma das obras do vasto gnero aqui considerado jamais

    forneceu um s nome de agente da CIA comprovadamente lotado no Brasil em 1964. O nico nome lquido

    e certo o do homem da KGB e ele confessa ter inventado ponto por ponto a verso que se consagrou

    como clusula ptrea da memria nacional.

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    No mnimo, o golpe de 64 foi um episdio da Guerra Fria, e a Guerra Fria no se travou entre o malvadoImprio e meia dzia de desamparados brasileirinhos. Travou-se entre uma democracia capitalista e duas

    ditaduras comunistas. impossvel descrever honestamente a ao de uma dessas foras num pas do

    Terceiro Mundo sem levar em conta a presena da fora contrria. A histria da suposta interferncia

    americana no golpe de 64 suprime sistematicamente metade do cenrio, e tem dois bons motivos para faz-

    lo. Primeiro: a prova da sua mendacidade est guardada na metade suprimida. Segundo: Bittman confessa

    que tinha a seu servio algumas dezenas de jornalistas brasileiros. Eles no podem contar essa histria direito

    porque ela a sua prpria histria.