Olhai Os Lírios Do Campo

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OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO, TALVEZ ELES VOS ENSINEM ALGO Prof. Dr. Antônio Jorge Soares - Filosofia – UFERSA Na vida, a gente está sempre aprendendo até mesmo com os mais singelos dos seres. Hoje mesmo recebi uma bela e profunda lição de uma planta. Explico-me. As ervas daninhas são assim chamadas por serem entes indesejáveis a jardineiros e agricultores, notadamente por possuírem a propriedade de, beirando à imortalidade, serem de difícil extermínio. O agricultor as arranca de sua seara e o jardineiro as extrai dos canteiros dos jardins, mas, em ambos os casos, elas voltam a nascer, muitas vezes a partir de uma única raiz que no solo ficara. Eu passei a querer cultivar a pixanana no meu jardim desde quando Roberto Lima me chamou a atenção para a “beleza e singeleza” desta erva daninha da qual brota uma flor branca e que insiste em nascer por entre as frestas dos paralelepípedos do calçamento das ruas, malgrado as perseguições cotidianas e rotineiras que sofre dos garis da Prefeitura, como assinala o poeta. Construí um canteiro lá em casa e enchi-o de girassóis. Em poucos dias, com surpresa, vi as belas flores desabrocharem. Foi, então, que eu vi chegada a oportunidade de, entre os pés dos girassóis, plantar pixananas. Uma das “singelezas” da pixanana é que ela abre suas flores quando amanhece e as fecha quando a temperatura se eleva. Isto contrastaria com o movimento da flor dos girassóis. Quando capinava o quintal, sinto-me privilegiado por morar numa casa que ainda tem quintal, descobri maravilhado, fora do canteiro, um pé de pixanana. Imediatamente cavei em volta e com muito cuidado retirei-o e levei-o, ainda com bastante terra em volta de suas raízes, para o canteiro do jardim. Plantei-o, pus adubo orgânico e água. No dia seguinte a pixanana amanheceu morta.

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Poema Olhai os lírios do campo - professor Antonio Jorge - Lógica e Argumentação

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OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO, TALVEZ ELES VOS ENSINEM ALGO

Prof. Dr. Antônio Jorge Soares - Filosofia – UFERSA

Na vida, a gente está sempre aprendendo até mesmo com os mais singelos dos seres. Hoje mesmo recebi uma bela e profunda lição de uma planta. Explico-me.

As ervas daninhas são assim chamadas por serem entes indesejáveis a jardineiros e agricultores, notadamente por possuírem a propriedade de, beirando à imortalidade, serem de difícil extermínio. O agricultor as arranca de sua seara e o jardineiro as extrai dos canteiros dos jardins, mas, em ambos os casos, elas voltam a nascer, muitas vezes a partir de uma única raiz que no solo ficara.

Eu passei a querer cultivar a pixanana no meu jardim desde quando Roberto Lima me chamou a atenção para a “beleza e singeleza” desta erva daninha da qual brota uma flor branca e que insiste em nascer por entre as frestas dos paralelepípedos do calçamento das ruas, malgrado as perseguições cotidianas e rotineiras que sofre dos garis da Prefeitura, como assinala o poeta.

Construí um canteiro lá em casa e enchi-o de girassóis. Em poucos dias, com surpresa, vi as belas flores desabrocharem. Foi, então, que eu vi chegada a oportunidade de, entre os pés dos girassóis, plantar pixananas. Uma das “singelezas” da pixanana é que ela abre suas flores quando amanhece e as fecha quando a temperatura se eleva. Isto contrastaria com o movimento da flor dos girassóis.

Quando capinava o quintal, sinto-me privilegiado por morar numa casa que ainda tem quintal, descobri maravilhado, fora do canteiro, um pé de pixanana. Imediatamente cavei em volta e com muito cuidado retirei-o e levei-o, ainda com bastante terra em volta de suas raízes, para o canteiro do jardim. Plantei-o, pus adubo orgânico e água. No dia seguinte a pixanana amanheceu morta.

Fiquei triste. Aprendi, porém, a profunda lição que, com sua morte, ela me ensinou. Primeiro, ela me disse que “erva daninha” não pode ser cultivada como uma planta qualquer, pois se tivesse aceitado sobreviver teria perdido sua identidade de erva daninha, teria sido domesticada e aí teria traído a característica básica de sua espécie; em segundo lugar, uma vez que ela fora arrancada por um ato violento, com sua morte, fez-me ver que a violência não viceja, mas leva sempre à morte, mesmo que tal ato tenha sido praticado em nome de um amor; em terceiro lugar, sua morte foi a maneira que ela arranjou para me fazer ver que o amor que me movera àquele ato fora, decerto, um amor egoísta, por querer vê-la brilhando num único jardim, como objeto de exibição e orgulho doentio; em quarto lugar, que muitas vezes é preferível a morte do que partilhar do mesmo espaço com aqueles que não sabem respeitar a liberdade contida na natureza das coisas, que dão primazia aos atos violentos e que não aprenderam a superar a forma egoísta de amar.

Mossoró (RN), 01 de maio de 2001.