Olimpíadas são oportunidade, mas em si não alteram a desigualdade

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Evento não resolve questões básicas do país de 8 a 14 de outubro de 2009 4 brasil Em Copenhague, na Dinamarca, a delegação brasileira comemora a escolha do Rio de Janeiro como cidade-sede das Olimpíadas de 2016 Ricardo Stuckert/PR Renato Godoy de Toledo da Redação Após a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olim- píadas de 2016, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o seu discurso mais emocio- nado desde que foi diploma- do no cargo, em 2003. O tom do mandatário foi de mudan- ça de época. O Brasil enm conquistou a cidadania inter- nacional, tornando-se país de primeira classe, disse o presi- dente. A Olimpíada veio comple- tar sucessivas vitórias do go- verno brasileiro em plano in- ternacional. Ao mesmo tempo em que cumpre papel decisi- vo em Honduras, o país é vis- to como protagonista na ex- tinção do G-8 e formação do G-20, o que aparentemente deve consolidar uma ordem mundial que gira menos em torno das determinações dos EUA e da União Europeia. Na cerimônia do Comitê Olímpico Internacional (COI) em Copenhague (Dinamarca), a candidatura do Rio de Janei- ro derrotou potências como Madri, Tóquio e a então favo- rita Chicago, representada pe- lo presidente dos EUA, Barack Obama – talvez o maior der- rotado nesse processo. Apoio de Chicago Após a decisão, a imprensa internacional atribuiu gran- de parte do êxito brasileiro ao presidente Lula. Esta foi a quarta vez que o Brasil plei- teou sediar os Jogos Olímpi- cos. A candidatura de Brasília 1992 nem chegou a ser votada. As do Rio de Janeiro, 2004 e 2012, foram derrotadas antes da fase nal. Pela evolução dos votos nos três turnos da eleição da se- de, pode-se notar que pra- ticamente todos os votos de Chicago, eliminada na pri- “A autoestima não pode ser baseada no que os outros pensam de nós, mas sim em nossas condições; ela tem que estar baseada na qualidade de vida” , diz a historiadora Virgínia Fontes Rio 2016: chance histórica de criar legado esportivo e social OLIMPÍADAS Brasil obtém vitória, mas jogos em si não acarretam obrigatoriamente desenvolvimento social e ganho de autoestima meira rodada, migraram pa- ra o Rio, assim como os votos de Tóquio, eliminada na se- gunda rodada. O Rio somou 66 votos, contra 32 de Madri, congurando um recorde de vantagem. No entanto, nem só de bo- as expectativas vive o país, que lembra-se dos gastos ex- cessivos com o Pan-ameri- cano 2007 e a falta de lega- dos sociais e esportivos (veja matéria na página 5).O Pan do Rio contou com um orça- mento 793% maior do que o previsto inicialmente, saltan- do de R$ 410 milhões para R$ 3,7 bilhões. O Comitê Olím- pico Brasileiro (COB) plane- ja um orçamento de R$ 27 bi- lhões para o Rio 2016. da Redação Para o sociólogo Maurí- cio Murad, especialista em Esporte da Universidade Estadual do Rio de Janei- ro (Uerj), a realização dos jogos na capital uminense abre uma janela de oportu- nidade de desenvolvimen- to social que deve ser apro- veitada. “Acho ótimo o Bra- sil poder sediar um megae- vento desse porte, especial- mente dois anos depois de outro megaevento, que é a Copa do Mundo de 2014. É uma grande oportunida- de para a cidade do Rio de Janeiro e para o Brasil, do ponto de vista dos investi- mentos, do turismo, da vi- sibilidade internacional, da geração de empregos, de po- líticas públicas de inclusão social, meio ambiente, edu- cação, cultura e segurança. Agora, o mais importante é como vamos aproveitar tu- do isso, é a herança social e democrática que os Jogos poderão (e deverão!) dei- xar sobretudo para as cama- das desfavorecidas de nos- sa sociedade, tão carentes de oportunidades básicas, e mais ainda na autoestima da cidade e, por extensão, do Brasil”, analisa. Exagero No entanto, Murad diz considerar um exagero a armação de Lula de que O antiexemplo do Pan-americano País carece de política esportiva efetiva, dizem especialistas o país ganhou “cidadania internacional” com a con- quista do direito de sediar o evento. “A Olimpíada é uma grande oportunidade e um imenso esforço, mas nenhum evento esportivo resolverá nossas questões sociais básicas, que são es- truturais e históricas. Pode- rá ajudar, sem dúvida, mas não será panaceia de na- da. A empolgação justa não pode fazer com que a gen- te perca o espírito crítico. O ‘legado’ do Pan 2007 está aí ou, melhor dizendo, não está aí, para servir de pro- va. Fizemos um evento es- portivo de alto nível, mas o ‘legado’ foi e é lamentá- vel, sem nenhuma explica- ção de qualquer governante que seja. Lamentável tam- bém para a nossa democra- cia”, critica. O historiador e jornalista José Geraldo Couto arma que a falta de apoio aos atle- tas tem sido a principal mar- ca da política esportiva bra- sileira. “O que temos visto é a escassez de investimento no setor e, de um modo ge- ral, uma ausência de política nacional de esportes. Conti- nuamos dependendo do ta- lento e da abnegação pesso- al de alguns atletas, que no mais das vezes não contam com apoio algum, público ou privado”, relata. (RGT) da Redação O projeto olímpico carioca não está isolado do contexto de grandes empreendimen- tos econômicos no Estado u- minense, que correspondem unicamente ao interesse do capital nacional e internacio- nal. Esta é a análise de Sandra Quintella, economista do Ins- tituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). De acordo com ela, dois pro- jetos estão em curso no Rio de Janeiro. Um primeiro, de em- belezamento e criação de uma cidade-modelo, com a revita- lização de áreas degradadas, como a zona portuária. Outro, de expansão empresarial, so- bretudo siderúrgicas, que en- volve poluição e o emprego de uma pequena massa de mão- de-obra, mas com lucros as- tronômicos para empresários como Eike Batista, que inves- te na construção de portos no norte uminense e na baía de Sepetiba. Batista, aliás, é tido como um dos grandes mecenas dos jogos no setor privado. Suas empresas já realizam traba- lhos de despoluição na Lagoa Rodrigo de Freitas, que deve sediar as competições de ve- la. “O que está acontecendo no Rio é um processo de cho- que de capital, no qual a po- pulação negra, pobre e favela- da não está incluída”, resume Quintella. Mesmo modelo Na apresentação da candi- datura brasileira em Cope- nhague, o presidente do Ban- co Central, Henrique Meirel- les, propagandeou aos mem- bros do COI que, em 2016, o país deve ter a 5ª maior eco- nomia do mundo. Para Quin- tella, o fato pode até ocorrer, mas não signica desenvolvi- mento social. “Acho essa previsão meio megalomaníaca. Mas o pro- duto interno bruto do país po- de até crescer com a Copa e as Olimpíadas, mas com base na exportação de milhões de to- neladas de minério de ferro e commodities. E isso não au- menta a renda no país. Po- demos ser a 5ª economia do mundo, mas isso não men- sura as condições humanas”, arma a economista, que acredita que o Brasil continu- ará mal posicionado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). No dia 5 de outubro, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento di- vulgou que o Brasil se man- tém na 75ª posição no IDH, apesar de uma pequena me- lhora em relação ao ano pas- sado. Segregação De acordo com a economis- ta, as mudanças na cidade fa- zem parte de um projeto de exclusão territorial dos povos mais pobres. “Está prevista a constru- ção de uma arquibancada pa- ra 10 mil pessoas para as com- petições na Lagoa, sendo que são esportes para os quais não há público. Na prática há uma privatização da orla da Lagoa. Na região portuária, estão planejando uma revitalização, junto com entidades patro- nais, sobre a qual as cerca de 45 mil pessoas que moram no local não serão consultadas”, critica a economista. Para a historiadora Virgínia Fontes, da UFF, o mais prová- vel, com a realização dos jo- gos, é que “os recursos sejam investidos em bairros de clas- se média emergente, como a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes, que já têm maior infraestrutura, e ainda aproveitando para expulsar as pessoas pobres dessas regi- ões”. (RGT) Olimpíada faz parte de “choque de capital”, diz economista Para Sandra Quintella, país pode até crescer com evento, mas sem distribuir renda Autoestima Para Heloísa Reis, douto- ra em Sociologia do Espor- te pela Universidade Estadu- al de Campinas (Unicamp), as Olimpíadas em si não de- vem alterar as relações sociais na cidade. “O evento por si só não altera nada. O que se pode esperar, caso os políticos tra- balhem de maneira adequa- da, é a construção de políti- cas públicas de acesso à prá- tica esportiva e a consolida- ção de uma cultura esporti- va no Brasil. Se isso for feito de modo adequado, podemos conseguir um número recor- de de participantes brasilei- ros nos jogos. É a maior opor- tunidade histórica de equipar a cidade com rede hoteleira e transporte público, coisa que a maioria das cidades brasilei- ras não tem. E o Rio não foge a essa regra”, explica. A professora diz conside- rar “lamentável” o discurso de que o evento pode recuperar a autoestima do povo cario- ca, que vem tendo perdas des- de 1960, com a transferência da capital para Brasília e com o estigma de cidade violen- ta. “É lamentável que se pen- se que os indivíduos do Rio te- nham que esperar a promoção de um evento para recuperar sua autoestima. Antes acredi- távamos que, com o Brasil al- cançando o status de país em desenvolvimento, a popula- ção tivesse melhorias no sis- tema de transporte e no sis- tema público de esportes, mas isto não ocorreu. É lamentável que se espere um evento pa- ra que as pessoas tenham es- sas condições, que são direi- tos”, avalia. A historiadora Virgínia Fon- tes, da Universidade Fede- ral Fluminense (UFF), acre- dita que o termo autoestima tem sido mal empregado. “A autoestima não pode ser ba- seada no que os outros pen- sam de nós, mas sim em nos- sas condições; ela tem que es- tar baseada na qualidade de vida – que a população mais pobre do Rio hoje não tem”, defende. Já para o historiador e cro- nista esportivo José Geraldo Couto, a escolha do Rio de Ja- neiro trouxe uma melhora na autoestima, mas esta não po- de ser considerada denitiva. “Como pudemos ver pelas co- memorações no Rio e pelos depoimentos das pessoas nas ruas das principais cidades, a escolha do Rio 2016 já te- ve um efeito imediato de ele- vação da autoestima dos bra- sileiros. Mas é cedo para sa- ber o quanto a escolha da ci- dade poderá alterar de mo- do permanente e substancial a lógica do complexo de vira- lata. Na verdade houve outros momentos de euforia que de- pois tiveram a sua ressaca, a sua contrapartida de depres- são. Vai depender muito de como o Brasil vai se desem- penhar nas Olimpíadas, tan- to na organização do evento como nos resultados esporti- vos”, prevê. Para Couto, os jogos podem alterar a imagem do Brasil no mundo ou reforçar a imagem vigente sobre o país. “De todo modo, o Brasil tem uma gran- de chance agora de mostrar ao mundo que é um país sé- rio. Ou, ao contrário, de refor- çar o estereótipo de repúbli- ca da corrupção e da bagun- ça”, dene. “Na região portuária, estão planejando uma revitalização, junto com entidades patronais, sobre a qual as cerca de 45 mil pessoas que moram no local não serão consultadas” , critica Sandra Quintella “A empolgação justa não pode fazer com que a gente perca o espírito crítico” , alerta o sociólogo Maurício Murad Ricardo Stuckert/PR

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Jogos Olímpicos Rio 2016

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Evento não resolve questões básicas do país

de 8 a 14 de outubro de 20094

brasil

Em Copenhague, na Dinamarca, a delegação brasileira comemora a escolha do Rio de Janeiro como cidade-sede das Olimpíadas de 2016

Ricardo Stuckert/PR

Renato Godoy de Toledoda Redação

Após a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olim-píadas de 2016, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o seu discurso mais emocio-nado desde que foi diploma-do no cargo, em 2003. O tom do mandatário foi de mudan-ça de época. O Brasil enfi m conquistou a cidadania inter-nacional, tornando-se país de primeira classe, disse o presi-dente.

A Olimpíada veio comple-tar sucessivas vitórias do go-verno brasileiro em plano in-ternacional. Ao mesmo tempo em que cumpre papel decisi-vo em Honduras, o país é vis-to como protagonista na ex-tinção do G-8 e formação do G-20, o que aparentemente deve consolidar uma ordem mundial que gira menos em torno das determinações dos EUA e da União Europeia.

Na cerimônia do Comitê Olímpico Internacional (COI) em Copenhague (Dinamarca), a candidatura do Rio de Janei-ro derrotou potências como Madri, Tóquio e a então favo-rita Chicago, representada pe-lo presidente dos EUA, Barack Obama – talvez o maior der-rotado nesse processo.

Apoio de ChicagoApós a decisão, a imprensa

internacional atribuiu gran-de parte do êxito brasileiro ao presidente Lula. Esta foi a quarta vez que o Brasil plei-teou sediar os Jogos Olímpi-cos. A candidatura de Brasília 1992 nem chegou a ser votada. As do Rio de Janeiro, 2004 e 2012, foram derrotadas antes da fase fi nal.

Pela evolução dos votos nos três turnos da eleição da se-de, pode-se notar que pra-ticamente todos os votos de Chicago, eliminada na pri-

“A autoestima não pode ser baseada no que os outros pensam de nós, mas sim em nossas condições; ela tem que estar baseada na qualidade de vida”, diz a historiadora Virgínia Fontes

Rio 2016: chance histórica decriar legado esportivo e socialOLIMPÍADAS Brasil obtém vitória, mas jogos em si não acarretam obrigatoriamente desenvolvimento social e ganho de autoestima

meira rodada, migraram pa-ra o Rio, assim como os votos de Tóquio, eliminada na se-gunda rodada. O Rio somou 66 votos, contra 32 de Madri, confi gurando um recorde de vantagem.

No entanto, nem só de bo-as expectativas vive o país, que lembra-se dos gastos ex-cessivos com o Pan-ameri-

cano 2007 e a falta de lega-dos sociais e esportivos (veja matéria na página 5).O Pan do Rio contou com um orça-mento 793% maior do que o previsto inicialmente, saltan-do de R$ 410 milhões para R$ 3,7 bilhões. O Comitê Olím-pico Brasileiro (COB) plane-ja um orçamento de R$ 27 bi-lhões para o Rio 2016.

da Redação

Para o sociólogo Maurí-cio Murad, especialista em Esporte da Universidade Estadual do Rio de Janei-ro (Uerj), a realização dos jogos na capital fl uminense abre uma janela de oportu-nidade de desenvolvimen-to social que deve ser apro-veitada. “Acho ótimo o Bra-sil poder sediar um megae-vento desse porte, especial-mente dois anos depois de outro megaevento, que é a Copa do Mundo de 2014. É uma grande oportunida-de para a cidade do Rio de Janeiro e para o Brasil, do ponto de vista dos investi-mentos, do turismo, da vi-sibilidade internacional, da geração de empregos, de po-líticas públicas de inclusão social, meio ambiente, edu-cação, cultura e segurança. Agora, o mais importante é como vamos aproveitar tu-do isso, é a herança social e democrática que os Jogos poderão (e deverão!) dei-xar sobretudo para as cama-das desfavorecidas de nos-sa sociedade, tão carentes de oportunidades básicas, e mais ainda na autoestima da cidade e, por extensão, do Brasil”, analisa.

ExageroNo entanto, Murad diz

considerar um exagero a afi rmação de Lula de que

O antiexemplo do Pan-americanoPaís carece de política esportiva efetiva, dizem especialistas

o país ganhou “cidadania internacional” com a con-quista do direito de sediar o evento. “A Olimpíada é uma grande oportunidade e um imenso esforço, mas nenhum evento esportivo resolverá nossas questões sociais básicas, que são es-truturais e históricas. Pode-rá ajudar, sem dúvida, mas não será panaceia de na-da. A empolgação justa não pode fazer com que a gen-te perca o espírito crítico. O ‘legado’ do Pan 2007 está aí ou, melhor dizendo, não está aí, para servir de pro-va. Fizemos um evento es-portivo de alto nível, mas o ‘legado’ foi e é lamentá-

vel, sem nenhuma explica-ção de qualquer governante que seja. Lamentável tam-bém para a nossa democra-cia”, critica.

O historiador e jornalista José Geraldo Couto afi rma que a falta de apoio aos atle-tas tem sido a principal mar-ca da política esportiva bra-sileira. “O que temos visto é a escassez de investimento no setor e, de um modo ge-ral, uma ausência de política nacional de esportes. Conti-nuamos dependendo do ta-lento e da abnegação pesso-al de alguns atletas, que no mais das vezes não contam com apoio algum, público ou privado”, relata. (RGT)

da Redação

O projeto olímpico carioca não está isolado do contexto de grandes empreendimen-tos econômicos no Estado fl u-minense, que correspondem unicamente ao interesse do capital nacional e internacio-nal. Esta é a análise de Sandra Quintella, economista do Ins-tituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs).

De acordo com ela, dois pro-jetos estão em curso no Rio de Janeiro. Um primeiro, de em-belezamento e criação de uma cidade-modelo, com a revita-lização de áreas degradadas, como a zona portuária. Outro, de expansão empresarial, so-bretudo siderúrgicas, que en-volve poluição e o emprego de uma pequena massa de mão-de-obra, mas com lucros as-tronômicos para empresários como Eike Batista, que inves-te na construção de portos no norte fl uminense e na baía de Sepetiba.

Batista, aliás, é tido como um dos grandes mecenas dos jogos no setor privado. Suas empresas já realizam traba-lhos de despoluição na Lagoa Rodrigo de Freitas, que deve sediar as competições de ve-la. “O que está acontecendo

no Rio é um processo de cho-que de capital, no qual a po-pulação negra, pobre e favela-da não está incluída”, resume Quintella.

Mesmo modeloNa apresentação da candi-

datura brasileira em Cope-nhague, o presidente do Ban-co Central, Henrique Meirel-les, propagandeou aos mem-bros do COI que, em 2016, o país deve ter a 5ª maior eco-nomia do mundo. Para Quin-tella, o fato pode até ocorrer, mas não signifi ca desenvolvi-mento social.

“Acho essa previsão meio megalomaníaca. Mas o pro-duto interno bruto do país po-de até crescer com a Copa e as Olimpíadas, mas com base na exportação de milhões de to-neladas de minério de ferro e commodities. E isso não au-

menta a renda no país. Po-demos ser a 5ª economia do mundo, mas isso não men-sura as condições humanas”, afi rma a economista, que acredita que o Brasil continu-ará mal posicionado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). No dia 5 de outubro, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento di-vulgou que o Brasil se man-tém na 75ª posição no IDH, apesar de uma pequena me-lhora em relação ao ano pas-sado.

SegregaçãoDe acordo com a economis-

ta, as mudanças na cidade fa-zem parte de um projeto de exclusão territorial dos povos mais pobres.

“Está prevista a constru-ção de uma arquibancada pa-ra 10 mil pessoas para as com-petições na Lagoa, sendo que são esportes para os quais não há público. Na prática há uma privatização da orla da Lagoa. Na região portuária, estão planejando uma revitalização, junto com entidades patro-nais, sobre a qual as cerca de 45 mil pessoas que moram no local não serão consultadas”, critica a economista.

Para a historiadora Virgínia Fontes, da UFF, o mais prová-vel, com a realização dos jo-gos, é que “os recursos sejam investidos em bairros de clas-se média emergente, como a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes, que já têm maior infraestrutura, e ainda aproveitando para expulsar as pessoas pobres dessas regi-ões”. (RGT)

Olimpíada faz parte de “choque de capital”, diz economistaPara Sandra Quintella, país pode até crescer com evento, mas sem distribuir renda

AutoestimaPara Heloísa Reis, douto-

ra em Sociologia do Espor-te pela Universidade Estadu-al de Campinas (Unicamp), as Olimpíadas em si não de-vem alterar as relações sociais na cidade. “O evento por si só não altera nada. O que se pode esperar, caso os políticos tra-balhem de maneira adequa-da, é a construção de políti-cas públicas de acesso à prá-tica esportiva e a consolida-ção de uma cultura esporti-va no Brasil. Se isso for feito de modo adequado, podemos conseguir um número recor-de de participantes brasilei-ros nos jogos. É a maior opor-tunidade histórica de equipar a cidade com rede hoteleira e

transporte público, coisa que a maioria das cidades brasilei-ras não tem. E o Rio não foge a essa regra”, explica.

A professora diz conside-rar “lamentável” o discurso de que o evento pode recuperar a autoestima do povo cario-ca, que vem tendo perdas des-de 1960, com a transferência da capital para Brasília e com o estigma de cidade violen-ta. “É lamentável que se pen-se que os indivíduos do Rio te-nham que esperar a promoção de um evento para recuperar sua autoestima. Antes acredi-távamos que, com o Brasil al-cançando o status de país em desenvolvimento, a popula-ção tivesse melhorias no sis-tema de transporte e no sis-

tema público de esportes, mas isto não ocorreu. É lamentável que se espere um evento pa-ra que as pessoas tenham es-sas condições, que são direi-tos”, avalia.

A historiadora Virgínia Fon-tes, da Universidade Fede-ral Fluminense (UFF), acre-dita que o termo autoestima tem sido mal empregado. “A autoestima não pode ser ba-seada no que os outros pen-sam de nós, mas sim em nos-sas condições; ela tem que es-tar baseada na qualidade de vida – que a população mais pobre do Rio hoje não tem”, defende.

Já para o historiador e cro-nista esportivo José Geraldo Couto, a escolha do Rio de Ja-neiro trouxe uma melhora na autoestima, mas esta não po-de ser considerada defi nitiva. “Como pudemos ver pelas co-memorações no Rio e pelos depoimentos das pessoas nas ruas das principais cidades, a escolha do Rio 2016 já te-ve um efeito imediato de ele-vação da autoestima dos bra-sileiros. Mas é cedo para sa-ber o quanto a escolha da ci-dade poderá alterar de mo-do permanente e substancial a lógica do complexo de vira-lata. Na verdade houve outros momentos de euforia que de-pois tiveram a sua ressaca, a sua contrapartida de depres-são. Vai depender muito de como o Brasil vai se desem-penhar nas Olimpíadas, tan-to na organização do evento como nos resultados esporti-vos”, prevê.

Para Couto, os jogos podem alterar a imagem do Brasil no mundo ou reforçar a imagem vigente sobre o país. “De todo modo, o Brasil tem uma gran-de chance agora de mostrar ao mundo que é um país sé-rio. Ou, ao contrário, de refor-çar o estereótipo de repúbli-ca da corrupção e da bagun-ça”, defi ne.

“Na região portuária, estão planejando uma revitalização, junto com entidades patronais, sobre a qual as cerca de 45 mil pessoas que moram no local não serão consultadas”, critica Sandra Quintella

“A empolgação justa não pode fazer com que a gente perca o espírito crítico”, alerta o sociólogo Maurício Murad

Ricardo Stuckert/PR