OlintoSilvaINFORMARE OK.pdf

download OlintoSilvaINFORMARE OK.pdf

of 14

Transcript of OlintoSilvaINFORMARE OK.pdf

  • 24 INFORMARE - CadernosdoProgramadePs-GraduaoemCinciadaInformao

    CAPITAL CULTURAL, CLASSEE GNEROEM BOURDIEU

    Gilda Olintodo ValleSilvaECOIUFRJ - IBICTICNPq

    Palavras-ChaveCultura- Bourdieu

    Informao- AcessoCultura- Informao

    Cultura- Gnero- ClasseSocial

    1 O conceitodecapitalcultural

    Capital cultural umaexpressocunhadae utilizadapor Bourdieuparaanalisarsituaesde classenasociedade.Deumacertaformaocapitalculturalserveparacaracterizarsubculturasdeclasseoudesetoresdeclasse.Comefeito,umagrandepartedaobradeBourdieudedicadadescriominuciosadacultura-numsentidoamplodegostos,estilos,valores,estruturaspsicolgicas,etc.-quedecorredascondiesdevidaespecficasdasdiferentesclasses,moldandoassuascaracteristicasecontribuindoparadistinguir,porexemplo,a burguesiatradicionaldanovapequenaburguesiaeestadaclassetrabalhadora.Entretanto,o capitalculturalmaisdoqueumasubculturadeclasse;tido comoumrecursodepoderqueequivaleesedestaca- no duplosentidodesesepararedeterumarelevnciaespecial- deoutrosrecursos,especialmente,etendocomorefernciabsica,os recursoseconmicos.Da o termocapitalassociadoaotermocultura;umaanalogiaaopodereaoaspectoutilitriorelacionado possededeterminadasinformaes,aosgostoseatividadesculturais.Almdocapitalculturalexistiriamasoutrasformasbsicasdecapital:o capitaleconmico,o capitalsocial(oscontatos)eo capitalsimblico(o prestgio)quejuntosformamas classessociaisou o espaomultidimensionaldasformasdepoder:

    INFORMARE - Cad Prog Ps-GradoCioInf.,v.l, n.2,p.24-36,jul./dez.1995

    CamilaHighLight

  • CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu 25

    "o mundosocialpodeserconcebidocomoumespao multi-dimensional construidoempiricamentepelaidentificaodosprincipaisfatoresde diferenciaoquesoresponsveispordiferenasobservadasnumdadouniversosocialou,emoutraspalanas,peladescobertadospoderesouformasdecapitalquepodemvira atuar,comoazesnumjogo de cartasnesteuniversoespecficoquealuta(oucompetio)pelaapropriaodebensescassos...ospoderessociaisfundamentaisso:emprimeirolugarocapitaleconmico,emsuasdiversasformas;emsegundolugaro capitalcultural,oumelhor,ocapitalinformacionaltambmemsuasdiversasformas;emterceirolugar,duasformasdecapitalqueestoaltamentecorrelacionadas:o capitalsocial,queconsistede recursosbaseadosemcontatose participaoemgrupose o capitalsimblicoqueaformaqueosdiferentestiposdecapitaltomaumavezpercebidosereconhecidoscomolegtimos."(BOURDIEU,P. 1987.p.4).l

    Essa concepomultidimensionaldeclasseso-cial no coloca a dimensocultural subordinada

    dimensosciCMlconmica;a cultura apresentadacomoumaoutraformadepoderquesedistinguedasdemaisemborapossaestara elasrelacionada.A rele-vncia da cultura na obra de Bourdieu tambmse

    depreendeda nfasedadapor elea essetemano seutrabalhotericoeemprico.Assim,mostraro papeldacultura na formaoe na luta de classe pode serconsideradaa principal caractersticada obra deBourdieu(JOPKE, C. 1986).

    Bourdieuutiliza o conceitode capitalculturalcomenormeambigidadeeabrangncia,servindoparaindicartodasasmaneirasemquea culturarefleteouatuasobre as condiesde vida dos indivduos.Astentativasfeitasparaidentificaralgunsaspectosbsi-cosdo conceitomostramquea tendncia recairemnoestoentrelaadasqueessetipodeesforotorna-setambmambguo,artificialeumreflexodaspriori-dadesdo analista.Portanto,os aspectosdo capitalculturalaquitrabalhadosno se livram dessasambi-gidades,alm de representara minha leitura, as

    minhasprioridadeseasinflunciasdeoutrasrevises.

    Alguns autoresconsideramqueno conceitodecapitalcultural destacam-sedois aspectosdistintos,masintimamenteligados.H o aspecto"incorporado"que significa "capacidadesculturais especficasdeclassetransmitidasintergeracionalmenteatravsdasocializao primria" e h o aspecto"institucionalizado"querepresentaos titulos, diplo-mas e outras credenciaiseducacionais.O capitalinstitucionalizadoestarialigadoaocapitalincorporadona medidaemquea escolase estruturade forma afacilitaro trnsitono processoescolarquelesindiv-duosquepossuemdeterminadotipodecapitalincorpo-rado.E ambosatuamcomomecanismodereproduodasclassessociais(JOPKE, C. 1986.p. 58).

    Assimclassificado,ocapitalculturalrefletebemorealcedadoporBourdieuaosintangveisesminciasda culturade classee, tambm,aopapeldo sistemaescolarnavalorizaodaculturadominante.H,entre-tanto,umagamaenormedecamPosenveisdeatuaodaparte"incorporada"docapitalculturaleconsiderotil, para essetrabalho, a utilizaode duas sub-classificaes. Assim destaco: 1) as disposiesinternalizadasquesoclassifcatriase2)asinforma-esligadasaumaculturadeelitequesoestratgicas.

    As disposiesinternalizadassoformadaspe-lastendnciase inclinaesdoindivduoqueresultamdoscondicionamentossociais.Essastendnciasesto

    expressasno conceitodehabituimuitoutilizadoporBourdieue definidocomo:

    ,'sistemadedisposiesdurveisetransponveisque,integrandoexperinciaspassadas,funcionaacadamomentocomoumamatrizdepercepes,apreciaese aes".(BOURDIEU, P. apudBRUBAKER, R. 1985.p.760).

    Tal sistemadedisposiesincluitantoformasdepercepodomundosocialmaisligadasestruturasdepersonalidade,quantoformasdeapreciacomaisliga-dasa gostos,preferncias,escolhas.

    O que determinao habitusde classeso as

    1 Bourdieuutilizao"capitalsimblico"comoumdostiposbsicosdecapital.Entretanto,comobemargumentaBrubaker(BRUBAKER, R, 1985),estetipodecapitalnoseriapropriamenteumafonteindependentedepoderpoisrepresentaoprestgioatribudoaosoutroscapitaistomando-oslegtimos.Osoutroscapitaisspodemtervalorseforemlegitimados.Almdisso,oconceitodecapitalsimblicoseconfundecomoconceitodecapitalcultural,poisestehimopodeserconsideradocomooaspectosimblicodoconceitodeclasse.

    2 Emborao habilUs sejaaquiapresentadocomoumaspectodocapitalcultural.umconceitonopareceestartotalmentecontidonooutro.Naminhainterpretaohapenasumazonadeinterseoentreosdoisconceitos.CertosaspectosdohabilUs declassequenoafetamoacessoarecursosnoteriamaconotaoeconIDcaatribudaaos"'capitais".Damesmaforma,o capitalculturalnoserestringeaohabilUspois ascredenciaiseducacionaiseautilizaoestratgicadainformaoparecemescaparaoCOllceitOdehabllUs. Almdetudo,o habilUsnosugere,comoocapitalcultural,wnagradao,ouseja,apossibilidadededimensiooamentodoCOllceitO:pode-seCOllceberum"quanlUm" decapitalculturalmasnoumquanlUm dehabilUs.

    INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoCioIn, v.l, n.2,p.24-36,jul./dez.1995

    CamilaHighLight

    CamilaHighLight

    CamilaHighLight

    CamilaHighLight

  • 26 CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu

    INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoCioInL v.l. n.2,p.24-36,jul./dez.1995

    3 Da mesmaformaqueBourdieu, Kohntambmno sepreocupaemtraaraorigeminteledual doseuconceitodeselfdlrection.suaobraacadmicavoltada,sobretudo,paraaanliseempricadarelaoentreclassesocial easelfdirectionnotrabalhoena escola.Haller sugerequeumadasfontesinspradorasdesseconceitoseria ateoria do locusde controle de Rotter (HALLER 1985).

    4 Bourdieu apresenta,recorrentemente,dadoscotejandoindicadores de origemsocial comprefernciasculturais. Observa,assim,empiricamente,COmo

    a ocupaoou aeducaodo indivduo serelacionam ssuas escolhasmusicais, suafrequnciaa museus,teatrose concertos; literaturaqueconsome;

    aOusoque faz dosmeiosde comunicaodemassa,etc. (B\JRDIEU, P. 1977 e1979).

    caracteristicasespecficasdas experinciasobjetivasdecadaclasse.Assim,a classetrabalhadoraeapeque-na burguesiatendem humildade, aquiescncia,aosentimentodeincompetnciae aceitaoincontesteda autoridadeque decorremde um "conformismolgico",um"sentimentodoseulugar"querepresentamumajustedapersonalidadescondiesobjetivaseschancesreaisdessesgrupossociais(BOURDIEU, P.1979. p.549). O habitus, segundoexpressodoprprioBourdieu,uma"inconscinciadeclasse"que,paraasclassesmenosfavorecidas,atuano sentidodainaoe reproduode suascondiesdevida. Comessesexemplosobserva-sequeosaspectosmaispsico-lgicosdoconceitodehabitusincorporamasidiasdeKohn, j mencionadas,emboraesteautor no faapartedasfontestericasdeBourdieu:O habitusexpli-caria o conformismoe a submisso autoridadedas

    classessubalternaseaautonomiaouself-directiondasclassesdominantes.J

    Ainda caminhandono terrenodosvalorese da

    formaodapersonalidade,Bourdieumostracomoasdiferentesclassesdesenvolvemdiferentescaracteristi-

    cas de acordocoma sua trajetriasocial. Assim, apequenaburguesiaascendenteapresentamodoseedu-caoestudada;japequenaburguesiaemprocessodemobilidade descendenteapresenta uma rigidezrepressora.Essasmaneirasde ser so incutidasnosindivduosa partir das experinciase perspectivassociaisdogrupoemqueeleseinsere(BOURDIEU, P.1979.p. 77;BRUBAKER, R. 1986.).

    Mas o habitusdeBourdieuseestendealmdas

    formasdepercepoligadasa umaestruturapsicol-gica e valorativa.Aplica-setambm,e sobretudo,sformasdeapreciaoquetambmresultamde situa-esobjetivasdeclasse.A anlisedogosto,dosestilos,dosvaloresestticosdeummodogeral,tmumdesta-que especialna sua obra. O gosto para ele umacaracteristicadeclasse:

    ,'adiSfXlsioesttica...umamanifestaodosistemade disposiesque produzemoscondicionamentossociaisassociadosaumaclasseparticular..." (BOURDIEU, P. 1979.p.59).

    E o gostose destacaentreos outrostipos dedisposiessocialmentedeterminadas:

    "o gosto o principiode tudoo quetemos(pessoasecoisas),detudoo quesomosparaosoutroseatravsdelequeclassificamosesomosclassificados".(BOURDIEU, P. 1979.p.59).

    Cadaclassesocial,ousegmentodeclasse,apre-sentaseusprpriospadresestticosquevo contri-buir paraqueaquelequeexpresseessesvaloressejaimediatamente("brutalmente")classificadoecontinu-amentereclassificadodentrodo seuprpriogrupo.

    Analisandoasprefernciasespecficasdasdife-rentesclasses,Bourdieuconsideraquea classetraba-lhadoratendea mostraruma atitudenegativacomrelaoa valoresestticosdeummodogeral. o seu"anti-esteticismo"quedecorredapremnciade viveremfunoda satisfaodenecessidadesimediatas;ohabitusproletriodominadopelopragmatismo.J aalta burguesiapodese desprenderdasnecessidadesmaisprementesemostrarpropensoparaexperinciasnodiretamenterentveis,comoo interessepelasartesde um modo geral. Entretantoas escolhasestticasexistemem todas as camadassociais e o prprioBourdieu classifica em trs os principaistipos degostos:ogostodasclassespopulares,ogostodaclassemdiaeogostodaclassedominante.Cadaumadessasclassesformao seupadroestticoemvriasreas.Uma dasreasemqueo gostoatuafortementecomoclassificadorehierarquisadordosindivduos a reamusical:

    "no h nadato poderosoquantoo gostomusicalparaclassificarosindivduoseporondesomos infalivelmente classificados".(BOURDIEU, P. 1979.p.l7).

    As classessociaistambmdivergemcomrela-o a padresestticosemoutrasreascomoartesplsticas, literaturae teatro.E para exemplificar,Bourdieumostra,em seuslevantamentosempiricos,comoasclassesousetoresdeclassereagemdiferente-menteaestmulosestticos'Cadagruposocialtende-ria aformarumpadroespecificodeprefernciasque,

    CamilaHighLight

  • A culturadaclassedominanteteriaumadinmi-

    cademudanaquedecorredanecessidadedemanteradistinodaquelesque produzeme carregamessaculturaou- comoumreversodamesmamedalha- das

    tentativasde indivduosou gruposqueestofora daclassedominantedeseapropriardessacultura.Assim,novastendnciasvogarantirqueo acesso culturalegtimaseja facilitadoa uns - pela familiaridadeesensibilidadeeadquiridacomohabitus- edificultadaaoutros- aosqueestosocialmentedistanteseinterna-mentedespreparadospelaausnciado habitus.

    A dinmicadamudanatomadificil o acessoaogostolegtimoqueestsempresendoredefinido.Refe-rindo-se reamusicalBourdieuconsideraqueobrasvalorizadasnumtempoXO,deixamdes-IonumtempoXl. D comoexemploasobrasdeVivaldi queperdemo carterespecialdedescobertasepassama caracteri-zar o gostopequeno-burgus(BOURDIEU, P. 1979.p.13).A mudanana culturalegtimainclui,tambm,os modismosqueestofora da culturaeruditae quereforamo carterarbitrriodocapitalcultural:soossaberesgratuitosque servemapenaspara distinguiraquelesquedominamessasinformaes.

    A exclusividade,a dinmicade mudanae oaspectoestratgicodaculturalegtimasoinseparveisdeurnabasecomunicacional:o capitalsocial.Capitalculturalecapitalsocialreforam-semutuamente:urnaculturaspodesetomarexclusivacombasenadelimi-tao dos contatossociais e estes,por sua vez, seformame seperpetuamapartirdeumabasecultural.As relaesdeamizade,asescolhasmatrimoniais,asprofissionaise posiesocupacionaistendema serculturalmentehomogneas.As relaessociaistam-bmformamredesde comunicaoquepoderoseracionadasparaa obtenodevantagens,recursosoupara a formaode novoscontatosquepor sua vezgarantemoacessoanovasvantagensenovosrecursos.

    O capital cultural assim considerado porBourdieu,nosentidoestratgico,ainda,basicamente,ummecanismoreprodutordascondiessociaisrefor-adopelas suas ligaescom as outras formas decapital:o capitalsocial,o econmicoe o simblico.

    CapitalCultural,ClasseeGneroemBourdieu 27

    classessociaisestabelecemcustos(econmicos,sociaisefsicos)elucrosaosdiferentesesportes...lucrosfsicosimediatos... lucroseconmicosesociais (promoo social, etc.), lucrossimblicos... ligadosaovalordistribucionalouposicionalconferidoa cadaum dosesportesconsiderados".(BOURDIEU, P. 1979. p.18-19).

    A culturalegtimanoserestringeaogostopeloclssicoou erudito;incluitambmoutrasprefernciasehbitosmaissutscomoasmaneirasdeseexpressar,vestir,comer,etc.,easescolhasdeatividadessociaise

    esportivasqueexpressamo estidode vda da classedominante.Considerandoespecificamenteo esporte,Bourdieumostracomoestaatividadequedeveriaestardesprovidadeumvalorsocial,naverdade,altamentesignificativapeloretomooulucroqueproporcionaemoutrasreas:

    " ...em funodosesquemasde percepoeapreciaoquelhessoprprias,asdiferentes

    comoj mencionei,promovea aproximaodentrodeummesmogrupoe dificultao trnsito,a mobilidadesocial,entreosgrupos.

    O capitalculturalenquantohabitus,conformeosexemplosapresentadosataqui,novaimuitoalmda idia de queexisteumasubculturade classequeauxiliao processodereproduosocial.Entretanto,oconceitode capital culturaltambm utilizado porBourdieunumaacepoum poucodiferente.Capitalcultural indicaacessoa conhecimentoe informaes

    ligadasaumaculturaespecfica;aquelaqueconside-radacomoa maislegtimaou superiorpelasociedadecomoumtodo.Uma dascaracteristicasconsideradas

    tpicasdo grupodominante conseguirselegitimarelegitimarsuaculturacomoa melhor,i.e., a quetemvalor simblico.Tambma classedominanteteria o

    poderde delimitaras informaesqueseroou noincludas no conjunto das informaes legtimas(BOURDIEU, P. 1979.p.l69). Aquelesquetmaces-so a essecapitalcultural,a essasinformaes,teromaior valor, mais "distino", assim como acessofacilitadoaoutrosrecursosescassos.Nestaacepo,oconceitode capitalculturaldeixade ser apenasurnasub-culturadeclasseepassaa serurnaestratgia,uminstrumentode poder.Em que consisteessaculturalegitimae o quea domina?

    A cultura legtima incluiria a cultura jinstitucionalmenteaceitacomoerudita:osautorescls-

    sicos,a arteexpostaemmuseus,a msicatacadanassalasdeconcerto.A essetipodeculturasteroacessoindivduosquedesenvolveramum esquemadeapreci-aonecessrioparatal.Resultaessaculturadedispo-sies "cultivadas" num duplo sentido, segundoBrubaker,sopois,consideradaspelasociedadecomomais refinadase resultadode um longoprocessodecultivaoquesed, sobretudo,atravsda socializa-o familiar caracterstica da classe dominante.(BRUBAKER, R. 1985.p.757).

    INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoCiornf.,vi, n.2,p.24-36,jul./dez.1995

    CamilaHighLight

    CamilaHighLight

    CamilaHighLight

  • CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu28

    Entretanto,aodescreverosprocessose estratgiasdeativaodaculturalegtima,observa-sequeumadin-mica de mudanada estruturasocial pode ocorreratravsdacultura.AlgtmsaspectosdateoriadeBourdieusugeremquea culturapodeserutilizadacomoveculodemobilidadesocial.Essaposturatericanoexpli-citamenteassumidapor Bourdieumas apareceemvrios momentosde suaobra. "La distinction",porexemplo, emgrandepartededicadaa mostrarcomoagemosdiferentessetoresdaburguesiaparamanteroseu statusou conseguirgalgarmelhoresposiesnoespaosocial.Cadagrupo(ouindivduo)pareceadotaruma estratgiaprpria,calcadanas disponibilidadesquetemdemanipularos diferentestiposdecapital:

    "O valor relativodasdiferentesespciesdecapitaleconmicoeculturaloudasvriasespciesdecapitalcultural...continuamentequestionadaereavaliadaatravsdelutasparaaumentaroudesvalorizarum ou outrotipo de capital."(BOURDIEU,P. 1987.p.10)

    Assim,Bourdieuserefere"trajetriasocialdegrupos"ou a "trajetriasindivduais"quepodemsig-nificar as lutasdegruposnovosou emdeclinioou osesforos de indivduos que procuram "escaparaodeclinio coletivode sua classe". (BOURDIEU, P.1979. p.127). Essas lutas, esforosou estratgiasocorrememvriosramosdacultura.Investirnaeduca-

    o dos filhos visto comoumanecessidadequeseimpea setoresda burguesiaquedependemmaisdecapitalculturaldo quedeoutroscapitaisparamantera suaposiosocial,comoseriao casodeprofessoresuniversitrios.Criarprofissesquelidamcomadisse-minaocomercialda cultura(jornalismo,meiosdecomunicaodemassa)ou coma comercializaodeestilos de vida (butiques,propaganda,psicoterapia,ginstica)seriacaracteristicodesetoresdanovabur-guesiatambmrica emcapitalculturalmaspobreemcapitaleconmicoe social. Essas estratgiasfariampartede umadinmicasocial ligada mudananospatrimniosoucapitaisdegruposepossibilidadedeconversode um tipo de capital em outro, o queBourdieu denomina "estratgiasde reconverso"(BOURDIEU, P. 1979.p.145-147).

    Estratgiasindivduaistambmpoderiamga-rantir o deslocamentode pessoasno espaosocial,

    promovendoa sua mobilidadesocial. Bourdieu serefere,assim,a "deslocamentosverticais"queseriam,por exemplo,caminhospercorridosdentrode umamesmareaprofissional(deprofessorprimrioapro-fessoruniversitrio)e "deslocamentostransversais"queseriammudanasderamoprofissionalquegaran-temum ganhosocialpara o indivduo(deprofessorprimrioa donodeindstria).Nestasestratgiasesta-riam sendoacionadosou reconvertidosos diferentes

    tipos de capital,especialmenteo capitalcultural,deacordocomas disponibilidadesindividuais.

    nestesentido,comomecanismodemudanasocial,queaculturaadquiredefatoumaindependnciacomrelaosoutrasdimensesdeclasse;nomomentoemqueela,por si mesma,podecontribuirparadeter-minaraposiosocialdeindivduosougrupos.Mas aqui,tambm,quefica evidenteo "paradoxoprofun-do" dateoria deBourdieu.Esseparadoxoresultadeuma abordagemtericaque destacapor um lado agrandeinrciasocial,calcadanoconceitodehabitusena imagemda perfeitareproduosocial. Por outrolado,aodescreverousoestratgicodocapitalcultural,Bourdieusugerea situaodeluta entregrupose deequilbriodepoderinstvel.(JOPKE, C. 1986.p.62).

    O paradoxodeBourdieupareceter inspiradootrabalho de Dimaggio. Este autor consideraque aparticipaoemculturasdeprestgiopoderiadecorrerdeesforosdemobilidadesocialcaractersticosdeumasociedademodernaem que os grupossociais estorelativamenteabertos,constituindo-seemredesexten-sas e no circulos fechados.Nessascircunstncias,dominardeterminadasinformaesprpriasdaculturalegtimaeacionarcertoscontatosseriammecanismosdemobilidadesocial(DIMAGGIO, P. 1980.p.85).5

    Caracterizandoo capitalculturalcomodisposi-es e estratgiasabordeio aspecto"incorporado"deste conceito; resta considerar o seu aspecto"institucionalizado".Isto porqueo termotambmutilizadoparafazerrefernciaacredenciais,i.e.,diplo-masettulostambmdenominadosde"capitaleduca-cional".SegundoBourdieu,asociedademodemapassaa exigir queo capitalherdadose legitimeatravsdecredenciais.Entretanto,a educaoe os ttulosmaisvalorizadosno se abremdemocraticamentepara a

    5 DiMaggioaproximaoconceitodecapitalsocialaoconceitoderecursossociaisutilizadoporNanLin (LIN, N. 1982).EsteautoranalisacomoposiesvantajosasnahierarquiasocialfacilitamamobilizaoderedesdecomunicaoquevogarantiracessoainformaesteisvidadiriaegarantiadaposiosociaLGrannovetter(GRANOVETTER.,}"i1974)tambmtrabalhanessalinhamostrando,porexemplo,comooprocessodeobtenodeempregosdependedecontatossociais.

    INFORMARE - CadProg.Ps-GradoCioInf.,v.l, n.2,p.24-36,jul./dez.1995

    CamilaHighLight

  • CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu

    sociedadecomoumtodo;estoreservadosparaaquelesquetmcapitalcultural,socialeeconmico.Sehumaexpansodasoportunidadeseducacionais,ocorre,pa-ralelamente,umadesvalorizaodedeterminadosttu-losevalorizaodenovosnumadinmicasemelhante

    quelaque regeas mudanasnos valoresestticos.Essadinmicagarantequeasposiescomaltovalorsimblicosejampreenchidaspor determinadogruposocial

    Na anlisedocapitalculturalinstitucionalizado,Bourdieuaproxima-sedaperspectivade Collins quedescrevea "sociedadecredencialista".Para Collins, atendnciade se exigir a diplomaona sociedademodernano decorredenecessidadesda economiae

    nogarantea democratizaoatravsdaeducao,oua meritocracia,comopropeBell (BELL, D. 1976).Essatendnciadecorredoconflitoentreos gruposdestatus:unsprocurandomantersuasituaoprivilegia-daoutrosdesejandoacessosmesmasoportunidades.Destadinmicaresultama expansodo ensinoe acrescentenecessidadede credenciaiseducacionais.

    Entretanto,novas credenciaisesto sendoexigidaspara o exercciodasmesmasfunes,sendoquenopreenchimentode cargosvaloriza-se,veladamente,aproximidadecom a cultura de elite mais do que acompetncia.No seutrabalhoempricoCollinsdestacaque os empregadoresprocuramselecionarpara asposiesde mandoaquelesque foram socializadosnuma cultura de elite e para posies subahernasaquelesque foramtreinadosa respeitaressacultura(COLLINS, R. 1979).Em resumo,o capitalculturalinstitucionalizadooprocessodelegitimaodocapi-tal herdadonumasociedadequeadota,formalmente,processosdemocrticos.

    2 Capitalculturale escola

    Os diversosmatizesdoconceitodecapitalcultu-ral,especialmenteo seuaspectoincorporado,sugeremque sobretudono ambientefamiliar,no processodesociali2.aoconduzidopelafamlia,queseconfiguraessecapital A fanliaa insttuiosocialencarrega-dadatransmissointergeracionaldestecapital.Mesmoo aspectoinstitucionalizadodo capital cuhural no

    29

    atribuiumpapelsignificativo escola:

    ,'Oqueacomunicaopedaggicaconsegueproduzirfunodacompetnciaculturalqueoreceptordeve sua educaofamiliar."(BOURDIEU, P. 1977.p.493).

    A escola, entretanto,umdosprincipaisfocosde atenodos estudosempricosde Bourdieue deoutrosautoresquetrabalhamcomo conceitodecapitalcuhural.A escolamereceestaatenoporque,nestaperspectivaterica,na escolaqueo capitalculturalcomeaadarlucroouprejuzo.Diferentesmecanismosvoseracionadosnasituaoescolarparadardestaqueao capitalcultural.

    Inicialmente,aescolaseriaapenasumambienteem que as disposiestpicas de classecomeamacontribuirparahierarquizaros indivduos,afetandooseudesempenho.Trazendoparaaescolaascaracters-ticas psicolgicasqueexpressamadaptaos suascondiesde classe, como "atituderesignadacomrelaoaofracasso"e"baixaauto-estima",asgrandesmassastendemao desempenhomais fraco e a terexpectativasprofissionaismaisbaixas,o quesignificaapenasuma"avaliaoinconscientedasprobabilida-desobjetivasdesucesso". a foradeterminantedohabitusde classefazendocom queos membrosdasclassesinferioresse"auto-releguem"ao desempenhosofrvele a baixasexpectativasprofissionais.6

    Alm dessasdisposiespsicolgicas,tambmsemanifestamna escolaosgostos,aspreferncias,asmaneirascaractersticasdeclassequevo auxiliar oconstantereenquadramentodos indivduosnas suasclassesdeorigem.E nesseprocessodeclassificaoereclassificaoapartirdohabitusqueaescolapassaater umpapelatuante., segundoBourdieu,a melhorinstituioparaa reproduodosprivilgiosdeclasseporqueexerceessafunodeformavelada,"aparen-tandoneutralidade".(BOURDIEU, P. 1977.P 488).

    So diversasas formasveladasde atuaodaescola.Emprimeirolugar,aculturaquetransmiteestmaisprximadaculturadominanteeaquelesquetmfamiliaridadecomessacuhurateromaisfacilidadede

    compreensodo que delesesperado.Somenteestesdispemdo cdigolinguisticoculturalapropriadoaoambienteescolar.(BOURDIEU, P. 1977.p.488).7

    6 Observa-seai,naanlisedasituaoescolar,aaproximaoentreasabordagensdeBourdieueKo!m. aconformidadedasclassesbaixassendodeterminadaporexperinciasobjetivasdeclasseesendotrazidasparaaescolacomofatorexplicativododesempenho.

    7 Observa-seai,a influnciadeBemsteinqueconsideraodomniodeumcdigolinguisticoempr-requisitoparaoprocessodeaprendizagem:ou"cdigorestrito"daclassetrabalhadoraprejudicandoo desempenhoeo ,.cdigoelaborado"dasclassesmaiscuhasfavorecendO-{).(BERNSTEIN, B. 1977).

    INFORM..ARE- Cad.Prog Ps-GradoCioInf.,V. L n.2,p.24-36,jul./dez.1995

  • CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu30

    Alm detornara competncialingusticaumapror no assumidodatransmissoda informao,aescolatenderiaadarvaloratodasascaractersticasda

    culturalegtima;desdeasmaissutis,comomaneirasegostos, at as mais palpveis,como o interesseeenvolvimentoemculturaerudita.Essascaracteristicas

    nofazempartedasexignciascurriculareseno sopassveisdeaprendizadonaescola;servemparaqueaescoladistingaelegitimea culturaqueo alunotraz doambientefamiliar.Assim,nosexamesseriadadovalordesmesurados formasdeusoda lnguae emoutrasavaliaesentrariamemconsideraoo capitalcultu-ral do alunoea suafacilidadedecomunicaocomo

    professor.8Este, pela sua extraosocial e preparoprofissional,tenderiaa valorizaraculturalegtimaeacriar expectativascomrelaosperspectivasprofis-sionaisdo alunocondizentecomessacultura.Esses

    mecanismosdesenvolvidospelaescolafazemcomqueos condicionamentossocaispareamdecorrentesdomritoindividual:

    "Fazendohierarquiassociais...pareceremestarbaseadasemhierarquiade"dons",mritoouhabilidade...o sistemaeducacionalpreencheafunode legitimao... da ordemsocial."(BOURDIEU,P. 1977.p.496)

    Assim,o queBowleseGintis descrevemparaasociedadeamericana,Bourdieufaz para a Frana: oquestionamentodo sistemado mrito nas escolas.(BOWLES, S.,GINTIS, H 1976).

    Tanto asmanifestaesespontneasdo capitalculturalquantoas contribuiesespecficasdaescolatenderiama setomarcadavezmaisatuantesmedida

    emqueo alunoavananas sries.Especialmenteemrelao culturaeruditanotransmitidapelaescolaBourdieuafirma:

    "a instituioescolardumvalorcadavezmaiselevado culturalivre... medidaemqueosnveismaisaltosdeescolaridadesoatingidos."(BOURDIEU,P. 1979.p.22).

    O capitalculturalatuaria,assim,progressiva-mentedo primrio at o terceirograu. Entretanto,observa-seque o secundrioe a passagempara ouniversitriotm sido um dos principais focos deatenodeestudosempricosbaseadosnestaperspec-tivaterica.Estemomentodaescolaridadeconfigura-

    se como relevanteporqueno secundriotomam-se

    maisntidasas manifestaesculturaisde classee,tambm,aquecomeama sedefinirasperspectivasprofissionais.Tambmcomaaberturadasoportunida-deseducacionais,a sadado sistemaeducacional,porpartedasclassesmenosfavorecidas,tendeaserposter-gadaparao secundrio:

    ,'aexclusodasgrandesmassasnoocorremaisnapassagemdoprimrioparao ginsiomas,progressivamente,insensivelmente,ao longodasprimeirassriesdosecundrio...peloatraso...repetio...escolhadetitulasdesvalorizados."(BOURDIEU,P. 1979.p.173).

    Ataqui,todososaspectosabordadosdocapitalculturalqueatuamna escolaestoligados ao efeitoexclusivamentereprodutordas condiesde classe.Indicamquenaescolaocapitalculturallevaossetoresdesprivilegiadosa desistire incentivaosprivilegiadosa progredir.Entretanto,aodescrevera situaoesco-lar, Bourdieuabrecaminhoparaumaoutraperspecti-va: a escolavistacomoumambientequefavoreceamobilidadesocial atravsda cultura. o paradoxoterico,a quej mereferi,sobressaindona anlisedasituaoescolar.

    Em vriosmomentosdasuadiscussoterica,Bourdieuconsideraaescolacomoumcamposocialquepossuiumalgicainternae umacertaautonomiaemrelaoa outroscampossociais.Considera,tambm,queaescolacomplementaafamliacomoummercadoemqueseformamcompetnciasculturaiseseestabe-lecemopreodessascompetncias.A escolatambmumlugarondeo habitusdeclasseadquirido:

    "O habitusadquiridona famlia (est)noprincpiodarecepoeassimilaodamensagemescolar,e (...) o habitusadquiridona escola(est)no princpioda recepoe do graudeassimilaodas mensagensproduzidas edifundidaspela indstria cultural e maisgeralmentedetodamensagemeruditaousemi-erudita."(BOURDIEU,P., PASSERON, J. C.1975.p.54).

    Bourdieuconsideraaindaquea escola,ao setomarumapassagemobrigatriadareproduosocial,torna-setambmumlugarondesemanifestaa lutadeclassesexpressapor umademandasemprecrescentepelaaberturadeoportunidadeseducacionais.

    Sob esta tica de mudanaque contradiza

    8 Dimaggio refere-seespecificamente competnciacomooicativa como um aspectodo capitalsocial, querelaciona-seao capital cultural dosalunos.

    (DIMAGGIO. P 1985).

    INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoC. Inf.,v.l, n.2,p.24-36,jul./dez.1995

  • CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu30

    Alm detornara competncialingusticaumapriori no assumidodatransmissoda informao,aescolatenderiaadarvaloratodasascaractersticasda

    culturalegtima;desdeasmaissutis,comomaneirasegostos, at as mais palpveis,como o interesseeenvolvimentoemculturaerudita.Essascaracteristicas

    nofazempartedasexignciascurricularesenosopassveisdeaprendizadonaescola;servemparaqueaescoladistingaelegitimea culturaqueo alunotrazdoambientefamiliar.Assim,nosexamesseriadadovalordesmesurados formasdeusoda lnguae emoutrasavaliaesentrariamemconsideraoo capitalcultu-ral do alunoea suafacilidadedecomunicaocomoprofessor.8Este, pela sua extraosocial e preparoprofissional,tenderiaa valorizaraculturalegitimaeacriar expectativascomrelaosperspectivasprofis-sionaisdo alunocondizentecomessacultura.Esses

    mecanismosdesenvolvidospelaescolafazemcomqueos condicionamentossociaispareamdecorrentesdomritoindividual:

    "Fazendohierarquiassociais...pareceremestarbaseadasemhierarquiade"dons",mritoouhabilidade...o sistemaeducacionalpreencheafunode legitimao... da ordemsocial."(BOURDIEU,P. 1977.p.496)

    Assim,o queBowleseGlntis descrevemparaasociedadeamericana,Bourdieufaz para a Frana: oquestionamentodo sistemado mrito nas escolas.(BOWLES, S., GINTIS, H. 1976).

    Tanto asmanifestaesespontneasdo capitalculturalquantoas contribuiesespecficasda escolatenderiama setornarcadavezmaisatuantesmedida

    emqueo alunoavananas sries.Especialmenteemrelao culturaeruditanotransmitidapelaescolaBourdieuafirma:

    ,'ainstituioescolardumvalorcadavezmaiselevado culturalivre... medidaemqueosnveismaisaltosdeescolaridadesoatingidos."(BOURDIEU,P. 1979.p.22).

    O capitalculturalatuaria,assim,progressiva-mentedo primrio at o terceirograu. Entretanto,observa-seque o secundrioe a passagempara ouniversitriotm sido um dos principais focos deatenodeestudosempiricosbaseadosnestaperspec-tivaterica.Estemomentodaescolaridadeconfigura-se como relevanteporque no secundriotomam-se

    maisntidasas manifestaesculturaisde classee,tambm,aquecomeama sedefinirasperspectivasprofissionais.Tambmcomaaberturadasoportunida-deseducacionais,a sadado sistemaeducacional,porpartedasclassesmenosfavorecidas,tendeaserposter-gadaparao secundrio:

    ,'aexclusodasgrandesmassasnoocorremaisnapassagemdoprimrioparao ginsiomas,progressivamente,insensivelmente,ao longodasprimeirassriesdosecundrio...peloatraso...repetio...escolhadettulosdesvalorizados."(BOURDIEU,P. 1979.p.173).

    Ataqui,todososaspectosabordadosdocapitalculturalqueatuamna escolaestoligados ao efeitoexclusivamentereprodutordas condiesde classe.Indicamquenaescolaocapitalculturallevaossetoresdesprivilegiadosa desistire incentivaosprivilegiadosa progredir.Entretanto,aodescrevera situaoesco-lar, Bourdieuabrecaminhoparaumaoutraperspecti-va: a escolavistacomoumambientequefavoreceamobilidadesocal atravsda cultura. o paradoxoterico,a quej mereferi,sobressaindona anlisedasituaoescolar.

    Em vriosmomentosdasuadiscussoterica,Bourdieuconsideraaescolacomoumcamposocalquepossuiumalgicainternae umacertaautonomiaemrelaoa outroscampossociais.Considera,tambm,queaescolacomplementaafamliacomoummercadoemqueseformamcompetnciasculturaiseseestabe-lecemopreodessascompetncias.A escolatambmumlugarondeo habitusdeclasseadquirido:

    "O habitusadquiridona famlia (est)noprincpiodarecepoeassimilaodamensagemescolar,e (...) o habitusadquiridona escola(est)no princpioda recepoe do graudeassimilaodas mensagensproduzidas edifundidaspela indstria cultural e maisgeralmentedetodamensagemeruditaousemi-erudita."(BOURDIEU,P., PASSERON, J. C.1975.p.54).

    Bourdieuconsideraaindaquea escola,ao setornarumapassagemobrigatriadareproduosocial,torna-setambmumlugarondesemanifestaa lutadeclassesexpressapor umademandasemprecrescentepelaaberturadeoportunidadeseducacionais.

    Sob esta tica de mudanaque contradiza

    8 Dimaggio refere-seespecificamente competnciacomilllicativa como um aspectodo capitalsocial, querelaciona-seao capital cultural dosalunos.(DIMAGGIO. P 1985).

    INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoC. Inf.,v.1,n2, p.24-36,jul./dez.1995

  • CapitalCultural Classee GneroemBourdieu 31

    FIGURA 1

    Representaogrficadeclassestericasdefinidasa partirdetrsdimensesdepoder

    ,,...agentesqueocupamposiesvizinhasnesseespao... estosujeitosaos mesmosfatorescondicionantes;consequentementeelestmtodaachancededesenvolverasmesmasdisposieseinteressesedeproduzirasmesmasprticaserepresentaes.Aquelesqueocupamposiessemelhantestmtodaachancededesenvolveromesmohabitus..." (BOURDIEU,P. 1987.p.5).

    Noh,entretanto,nestaabordagemaoconceitode classe em Bourdieu, uma relao necessria,determinstica,entreclassescomoprobabilidadeseclassesreais.O movimentoda probabilidadepara arealidadeno dado, dependede outros princpiosaglutinadorese formadoresdeidentidadesgrupais.

    As classesreais, concretas,tm propriedadescomunsquesovisveis:compartilhamlocaldemora-dia,prticasculturais,estilodevida,agememfunodeseusinteresses,etc.E oquefazemtorna-selegitima-dopeloprestgio,ovalorsimblico,quelheconferido.

    A cultura,o capital cultural, se destacaemBourdieu,tantona concepodasclassesprovveisquantona formaodas classesreais. Como essaconcepodeclassee essedestaquedado culturaseinseremnasteoriasclssicasdeMarx eWeber?

    Bourdieutemsidofrequentementeassociadocorrenteneo-marxista.De fato,comoMarx, eleadota

    Indivduosque ocupamposiesaproximadasnesteespaotmmaiorprobabilidadedeformargruposconcretos:

    -a

    .~I o I .0. I I Classe provvelS'-u

    oobjetivodesteitemanalisarcomoateoriadeBourdieuseinserenateoriaclssicadeMarx eWeber

    eoquantoestemsintoniacomasnovastendnciasdateoriada estratificaosocial.

    Para introduzira comparaoentreBourdieueosautoresclssicostil considerarasduasmaneiras

    comqueBourdieuutilizaoconceitodeclasse,poisesteautorfazumadistinoentreclassestericasouprov-veis e classesconcretasou reais.As classestericas

    seriamdefinidaspelosocilogoapartirdeumaavali-aodasdisponibilidadesqueindivduosougrupostmdasformasbsicasdepoder(os capitais).Comosovriasasformasdepoder,o indivduoservistocomoocupandoum determinadopontonum espaosocialmultidimensional;asclassesseroosgruposqueocu-

    pam posiesprximasnestemesmoespao.Essaconceposugereuma imagemgrfica das classescomoumaestruturadeprobabilidades(ouchancesdevida), emborao grfico aqui apresentadono sejautilizadoporBourdieueat,decertaforma,violesuaspropostas.Esse grfico construdoa partir detrsdimensesde poder:o capital econmico,o capitalsociale o capitalcultural.9

    3 Capitalculturale teoriadeclasse

    imagemdaperfeitareproduosocial,aescolapodeservistacomouma instituioquepropiciaa difusodacultura legtima. isso que sugerem,conformejmencionado,osestudosdeDimaggio.TambmHalseymostraevidnciasempricasdo efeitofavorveldoingressonas escolasde elite na Inglaterrapara asperspectivaseducacionaisdo individuo.Essasescolasmaisseletivasparecemfornecerumambienteculturalquegaranteboasoportunidadeseducacionais,indepen-dentementedas condiesou origemdo individuo.(HALSEY, A. H. 1980).

    9 Neste quadrono foi includo ocapitalsimblico. Istoporque.emprimeiro lugar. asquatrodimensesdepodernopoderiamserrepresentadasgraficamente.

    Em segundolugar, porque o capitalsimblico, tem uma conotaodiferente dos outroscapitais.Em terceiro lugar porque o capital simblico parece mais

    ligado concepode grupos"concretos" do que de grupos"provveis".

    INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoCioInf.,v.l, n.2,p.24-36,jul./dez.1995

  • 32 CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu

    um estilo radical e faz uso de termose conceitos

    familiaresabordagemmarxista:o capitalcomoprin-cpioconstitutivodasclasses,asclassescomopriorida-desdeanlise,anfaseemmecanismosutilizadospelaclassedominanteparagarantira suareproduo.ParaMarx, tambm,as condiessociaistipicas de umaclasse estoassociadasa dimensespsicolgicaseculturais,cornoa conscinciadeclassee a utilizaodas idiasda classedominantecomoinstrumentosde

    dominao.Entretanto,na anlisede Marx tudo sereduz ao nvel econmico, esferade produo,relaocapita1Jtraballio.As dimensessociaisecultu-rais apenasdecorrem,necessariamente,das relaeseconmicasbsicas;no sofontesindependentesdepoder.

    Apesardedefinirclasseatravsdeum critrioestritamenteeconmico,Webernoenfatizaaesferade

    produomasa esferademercadoondeos indivduoscompartilliamasmesmaschances,osmesmosrecursosque no so exclusivamentecapitale traballio masincluemoutrosrecursoscomoashabilidadesespecfi-cas queadvmdo treinamentoprofissional.E essasclassesconcebidascornochancesdevdana esferade

    mercadono sogruposconcretos:

    "Em nossaterminologia,classesno socomunidades;representamapenasa possvelefrequentebaseparaaaocomunal." (WEBERM. 1966.p.21).

    Paralelamenteao conceitode classe,Weber

    desenvolveo conceitode"gruposdestatus"quepodemser entendidoscomo grupos concretosformados apartir doprestgioquedetm:

    "Em contrastecomas classes,os gruposdestatusso normalmentecomunidades... Emcontrastecomasituaodeclassedeterminadaeconomicamente,designamoscomosituaodestatusoscomponentestipicosdosdestinosdevidaquesodeterminadospelaestimasocialouhonraque podeser positivaou negativa."(WEBER,M. 1966.p.21).

    Osgruposdestatuspodemserformadosapartirde situaesdeclasse,que um fatorcondicionantemasnonecessrioemsuaconstituio.Essesgruposdestatuspodemacionaroutrasfontesdepoderpoistmum "estilo de vida", uma culturade statusprpriagarantidapor relaesdeamizadeecasamento.

    Tantopeloconceitodeclasse,emquesodesta-cadas as chancesde vida e no a relaocapital!traballio,quantopeloconceitodestatus,comoformadeestratficaosocialqueacionarecursossimblicose

    culturais,ateoriadeBourdieutemsidotambmconsi-derada como mais Weberiana do que marxista(BRUBAKER, R. 1985,JOPRE, C. 1986).O prprioBourdieurelacionaapassagemdasclassestericassclassesreaiscoma formaodosgruposdestatusemWeber (BOURDIEU, P. 1985.p.730). Com efeito,parecehaverurnaestreitasemellianaentreas classescomochancesdevidaeasclassesprovveisdeBourdieu.Da mesmaforma,asclassese os gruposdestatusdeWeberseassemelliamaosgruposconcretosdeBourdieu.Entretanto,BourdieusetomamaisWeberianodoqueo prprio Weber por incluir a dimensocultural esimblicana definiodasprpriaschancesdevda enoapenasnaformaodegruposreais.EmBourdieu,o capitalqueestabeleceessasclassestericasno apenaseconmico,mas tambmsocial, cultural esimblico.

    Ao se identificartantocomMarx quantocomWeber,oumaiscomWeberdoquecomMarx.,ateoriadeBourdieunosemostrainconsistenteoureacionria

    mas,ao contrrio,seguea tendnciaconvergentequecaracterizaabordagensmaisrecentesteoriadeclasse.

    SegundoWalters (WALTERS, M. 1991), arevivnciae o fortalecimentodo conceitode classe

    decorreda convergnciaentrediversascorrentesdesociologiacomrelaoavriosprincpios.Emprimei-ro lugarhaveriaurnatendnciaa concordarquecrit-rios econmicos,seja a posseou no dos meios deproduo,sejaa situaode mercado,notmdadocontadasexperinciasconcretasdeclassenassocieda-descontemporneas.Nessassociedadespesamnafor-maodasclassesoutrasdinmicasqueextrapolamasrelaeseconmicasbsicas.Na estnrturaodasocu-paes,por exemplo,podesersignificativoconsideraraspectoscomoasnovasfunesdo estado,o cresci-mentodaburocracia,ascondiesdegnero,etc.

    Apesardesugerira inclusodenovosaspectos,a anliseempricadesenvolvidapor diversascorrentestemdestacadoquea formaodasclassesnomostrasinaisdedesaparecimentooudiluio.Ao contrrio,asclassesparecemseestruturardemaneiraestvele emnmerorelativamentereduzido;ascondiesdeclassepermanecemcomofortedeterrninantedaschancesdevidadosindividuos,especialmentedassuasoportuni-dadeseducacionaiseprofissionais;o trnsitoentreasclassespequenoecomindicesequivalentesao longodotempo.Ou seja,sobvriosngulosobserva-seumclaro processode fechamento,demarcandoclassessociaise apresentandournaestabilidadetemporalquereforaa teoriadeclasse(WALTERS, M. 1991).

    INFORMARE - Cad Prog.Ps-GradoCio1nf,v.l, n.2,p.24-36,jul.ldez.1995

  • 00

    CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu

    A contribuiode Bourdieupara essetemamostrarcomoa culturafavoreceessefechamentode

    classe, determinandodiversosaspectosda vida doindivduo.Ocupa-seespecialmenteemdescrevercomoa classe dominanteutiliza a cultura na sua aoexcludente,i.e., mantendoafastadosos membrosdeoutrosgrupossociais.

    Um outroaspectoemquea teoriadeBourdieuconvergeemrelaos mais recentesabordagensdateoria de classe na anliseda questodo gnero.Juntamentecomoutrostericos,Bourdieuinsereesteassuntonassuasdiscussessobreclassee cultura.

    4 A questodognero

    A questodognerotemsidotratadanaliteraturasobreclassecomoumelementoperturbador:nopodeserignoradaporqueatuajuntamentea classesocialnaexplicaodedesigualdadessociais;entretanto,nohdesenvolvimentoterico suficientesobre o assunto

    para a sua integrao teoria de classe.Abordo, aseguir, alguns tpicos que surgemem Bourdieu eoutrosautoresmostrandocomoo gnerocompeteeinteragecoma classesocialgerandoprocessosseme-lhantesaos da situaode classe,como o casodasegregaopor gnerona ocupao.Essesprocessoscolocamempautaparaaanlisesociolgica,damesmaformaquenateoriadeclasse,as diferenasculturaisqueseestabelecementregruposdegnerocontribuindoparaperpetuardesigualdades.

    Bourdieureconhecequeexistemdiversosprinc-piosdedesigualdadequeoperamfora da dinmicadeclasseanteriormenteanalisada.Os princpiosbsicosdepoder(oscapitais)"tmquecompetirna realidadecomoutrosprincpios", comoetnias,raas,gneros,etc.E essesprincpiostambmgeramclassescomseusespecficoscapitaisculturais:

    "O conhecimentoprti:'0domundosocialfazfuncionaresquem:c-'sLV depercepoeaprE'~jaoquesooprodutodadivisoobjetivae:'1classes(classesde idade,classesse:\"Uas.classes sociais) que funciona aqum eUconscinciae do discurso". (BOURDIEU, P.1979.p.544).

    Quando se constata que esses grupos tm

    "chancesdevida"edisposiesdiferentes,elespreen-chemosrequisitosbsicosparaaformaodasclassestericas (BOURDIEU, P. 1979. p.1l2). Como asmulheresparecemapresentar,comogrupo, disposi-esespecficas(capitalincorporado)esedirigemparadeterminadasprofissescaracteristicamentefemininas(capitalculturalinstitucionalizado),existem,emprin-cpio,as"classessexuais"l0Assim,Bourdieumencio-na seguidamenteque o gnero uma varivel queinterferena anlisedeclasse,ora comoumfator queapresentaumadinmicaindependente(ascaracteristi-cascomunsaosgruposdegneroatravessamtodasasclassessociaisproduzindoculturaseestratgiasespe-cficas); ora comoum fatorque interagecom classesocial(cadaclassedesenvolverprticaserepresenta-esdiferentesparaosdoissexos):

    "Uma classesedefineporaquiloquetemdemaisessencial,pelolugarevalorqueatribuiaosdoissexose porsuasdisposiessocialmenteconstrudas.Issofaz comqueexistamtantasmaneirasde realizara feminilidadequantoexistemclassesoufraesdeclasse.Tambm,adivisodotrabalhoentreossexosserevestedeformastotalmentediferentes,em prticaserepresentaes,noseiodasdiferentesclasses".(BOURDIEU,P. 1979.p.1l9-120).

    Bourdieutambmabordaa questodasegrega-o sexualdasprofissese a desvalorizaosocial(reduodecapitalsimblico)daquelasemqueexisteuma proporo significativa de mulheres. ParaBourdieu,asprofissesquesefeminizamperdemo seuvalorsocialeessadesvalorizaotendea acompanharo progressodaeducaofemininae a entradamaciadasmulheresnomercadodetrabalho.O sexo,assim,umdos "critriosescondidos"acionadosno mercado

    detrabalho.(BOURDIEU, P. 1979.p.1l3, 149-150).

    Emboraidentfique"classessexuais"comsuasdisposiesprpriasdegneroqueinteragemou com-petemcom as disposiesde classesocial, emboraaindaabordea questoda segregaode gneronasocupaes,Bourdieunotrabalhacom esteassuntocomamesmaespecificidadeeriquezacomquetrabalhaa questodeclassesocial.Tambmno sedetmnadiscussosobregneroemsua anlisede dadosouetnogrfica,o queenvolveriao examedarelaoentregneroe escolhasculturaisou descriesminuciosasdohabitusdegnero.Sobreesseassuntoapenasalguns

    10Brubaker(BRtJBMER, R. 1985)consideraqueaogeneralizaroconceitodeclasseapontodeincorporargnero,etniasegruposdeidade,Bourdieutambmesva2aesteconceitodesignificado,poisclassesocialpassaaserequivalente estruturasociaL

    INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoCi. Inf.,v.I, n.2,p.24-36,jul.ldez.1995

  • INFORMARE - Cad.Prog.Ps-GradoCi.lllf., v.I, n.2,p.24-36,jul./dez.1995

    Portanto,classesocialteriaumperfil degnero.

    O outroaspectodasegregaoocupacionalporgneroocorreanvelindividual.Dentrodeumamesmacategoriaprofissional,asmulheressopreteridasnaspromoes,noatingemosmesmosnveisderespon-sabilidadequeoshomens,tmmenoscontrolesobreotrabalhodosoutros.

    Essa segregaoocupacionalpor gneropodeter sidoparcialmentefacilitadapelaconcomitnciadaexpansodaeducaoeprofissionalizaodamulhercoma expansodasresponsabilidadesdo estado.Se-gundoWalters(WALTERS, M. 1991),o Estadopas-sa,cadavezmaisemaiscedo,a assumirfunesqueeram inicialmenteda famlia ligadas educaoesocializaodacrianaeassistnciasocial.Assim,asmulheres,contratadasparaessasatividades,transfor-mama subordinaona esferadomsticapara umasubordinaonomercadodetrabalhoedependnciadoestado.

    , entretanto,a dinmicafamiliar,enoa din-mica do mercadoou o estado,quevai explicaressasubordinaodamulher:

    ,,Aalocaodepessoasemposiomodificadapor mecanismosanti-mercado,mecanismosadscritosgeradosnoambientedomstico.Esseambienteconferediferentesidentidadestnicasedegneroquecriamasoportunidadesparaasestratgiasdeexclusoqueexistemnomercado".(WALTERS, M. 1991.p.158).

    A mulherna esferaprofissionalseinclina (dis-posiointemalizada)paratarefasqueseespelhamemsuas tarefas domsticastradicionais. o trabalhofemininodomstico,encarregadodacriaodosfilhos,sade,nutrio,etc. que setransportapara o setorpblicode:finudoasprofissesfeminnasdaeducao,assistnciasocial,etc.Outratarefadomsticadamu-lher que influenciariasuasorientaesprofissionais,seria,segundoCollins (COLLINS, R. 1989),atarefadeproduodaculturadestatus.Na casaa mulherencarregadadaapresentaopessoal,limpeza,estilo,atividadesde lazer e dos contatossociais.Na rea

    profissional,refletindoessasincumbncias,asmulhe-ressedirigemparaas atividadesde"colarinhorosa",comunicaosocial,artes,etc.

    As colocaestericase evidnciasempricassobrea situaoocupacionaldamulhersugeremqueognero um fator determinantedas desigualdadessociaisqueatuajuntamentecomo fatorclassesocialparaexplicarosdestinosprofissionais.Essa literatura

    CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu

    aspectossoabordadoscorno,porexemplo,asdiferen-tesestratgiasdeenvolvimentocomo capitalcultural:a nfasenaculturaliterriaporpartedasmulhereseanfasena cultura cientficapor parte dos homens(BOURDIEU, P. 1979.p.ll7). Abordatambmocasi-onalmenteoternadasculturasdegnerodentrodecadaclasseaodescrever,por exemplo,a multiplicaodasatividadesde"colarinhorosa"- manicures,cabeleirei-

    ras, esteticistas,professorasde ginstica,atividadesligadasa moda,etc.- quesedesenvolvememfunodasdisposiesestticasedocultodocorpoquefazemparteda culturadanovapequenaburguesia.

    Outrosautorestambmtmsepreocupadocoma questodo gnerona estrati:ficaoocupacional.(BIERKELUND, G. E. 1986,1992)argumentaqueognero um problemasriopara a teoriade classeDiantedatradicionaldivisodetrabalhoentreossexos

    (emqueoshomenssesituarnnaesferadaproduoeasmulheresnaesferadareproduo)edaatualparti-cipaodiferenciadano mercadodetrabalho(asmu-lheresocupandoposiesinferioressdoshomens),ateoriadeclasseouignoraasmulheresouterquelevaremcontaa questodo gnero.

    O gnero,portanto,temsidoconsideradocornoumavarivelsociolgicaquetemumimpactoequiva-lenteao impactodeclassesocial:

    "estarnaposiofemininasignificateracessolimitadoarecursosfsicosparaasobrevivncia,terescolhasocupacionaisquesolimitadasemstatuseretomoeserdependentedeoutrosparaobteno de informaes e habilidadesimportantes..." (SPRAGE, J. 1986.p.l7).

    Chancesdevidadiferenciadaspor gneroumaspectoenfatizadona anliseempricade Bierkelundquedistinguedoistiposdesegregaoocupacionaldamulher.Primeiramente,oaspectoestruturalindicaqueasmulheressoempregadasemdiferentesprofissesemenosvalorizadas:

    "na mdia,as profissesdominadaspeloshomenstmmelhorsalrio,melhoreducaoeperspectivade carreira, mais autonomia,envolvem mais tomada de deciso eautoridade..." (BlERKELUND, G. E. 1992.p.49).

    Essetipodeefeitoestruturalocorreindependen-tementedo sexo dos individuosespecficos; urnaconstataoempricadadesvalorizaodasprofissesfemininasa queBourdieuserefere.As profissescomaltasproporesdemulherestendema estarsituadasnumabaixa hierarquiaem termosde classesocial.

    34

  • CapitalCultural,ClasseeGneroemBourdieu

    tambmsugereque,portraz dasdiferenasdegnerono mercadode trabalho,existeuma dinmicamaiscomplexaquecomeaa se estabelecerno ambientedomstico.Essadinmicapodeenvolverestratgiasdereproduosocialatravsdaculturaquesodiferentesparaos doisgruposdegnero.

    OtrabalhoempricodeDiMaggio(DIMAGGIO,P. 1982,1985)eRobinsoneGarnier(ROBINSON, R.V., GARNIER, M. 1985)do suportea essa idia.Essesautorestmdemonstradoqueomodelodarepro-duosocialatravsdocapitalculturaldiferenteparameninosemeninas.A hiptesedequea classesocialsereproduzatravsdocapitalculturalparecesesustentarmelhorentreasmulheres.H indiciosdequeaheranadeumaposiosocialdestacada maisfcil paraoshomens;paraestesascondiessociaisprivilegiadasso transmitidasde pai para filho, independentedeinvestimentosem capital cultural (tantono sentidoincorporadode domnio de uma cultura de statusquantono sentidoinstitucionalzadode obtenodetituloseducacionais).Alm disso,quandoh investi-mentoem educaoe cultura, seusefeitossobre amobilidadesocialparecemmaisfortesentreoshomens.Dessasevidnciaspode-seconcluir queas mulheresnecessitam,maisdoqueoshomens,decapitalculturalparagarantirasuaposiodeclasse.Damesmaforma,elasteriamqueinvestirrelativamentemaisemeduca-opara obteros mesmosganhos,i.e., uma melhorposiosocial.Evidnciase argumentosnestesentidoapontamparaaexistnciadeestratgiasdereproduosocialdiferentesparahomense mulheres,estratgiasessasqueenvolveminvestimentosdiferentesna reacultural.

    Emboraessaliteraturaquelidasimultaneamen-tecomclasseegnerovejaa culturadegnerosobre-tudocomoummecanismodeproduode desvanta-genspara as mulheres,a anliseaqui desenvolvidasobreateoriadeBourdieuvisualizaapossibilidadedousodaculturacomoestratgiademudanasocial.Estetipo deestratgia,j consideradaparamudanasnas

    35

    situaesdeclasse,tambmpoderiaocorrerparaalte-rar assituaesdegnero.Comefeito,certasdiferen-asde gnerona reaeducacional,especialmentenodesempenhoescolar,sugeremquealgunsaspectosdacultura femininatambmpodemestar contribuindoparaa mudanadascondiessociaisdasmulheres.

    5 Concluso

    o capitalculturalou capitalinformacionalemPierreBourdieufoiaquiapresentadocomoumconceitocomplexocommltiplasdimensesereasdeatuao.Seessacomplexidadeeabrangnciatornamo conceitod.i.ficildelidar,tantotericaquantoempiricamente,poroutrolado,ajudama destacarasdiversasformascomquea culturapodesetornarumafontedepoder.

    De ummodogeral,tantoosestudosquefocali-zama atuaodo capitalculturalna escola,quantoaliteraturaqueabordao conceitodeclassesocialsuge-rem quena idiade capitalcultural destacam-seas"informaesestratgicas"quetmumpapeldecisivonaperpetuaodascondiesdeclassena sociedade.Entretanto,diversasanlisesdoprprioBourdieuedeoutrosautoresmostramque,essasinformaestam-bmpodemseconstituirnummecanismodemudana,contribuindoparaamobilidadesocial.Caracteriza-se,assim,o que foi chamadodeparadoxoda teoria deBourdieu:a culturaoraatuandocomomecanismode

    reproduodascondiessociais,oracomoumveculodemudanasocial.

    As diferenasdeatuaodocapitalculturalparahomense mulheres,conformeapontadopor algumaspesquisas,ea possibilidadedequea culturafemininaapresenteaspectosquecontribuamparaa mudanadecondiessociaisdamulher,sugeremqueaquestodognero um fator a ser consideradonos estudosdarelaoentreclasseecultura.

    Abstract

    Thevarioususesofthe "cultural capital" conceptby Pieme Bourdieuareanalysedhere,with emphasisgivento

    a paradoxinvolved,as culturalcapitalseemsto contributesimultaneouslyto social reproductionandto socialchange.A parallelbetween"cultural capital" and "habitus" is made.Othertopicsconsideredare:how cultural

    capitalactsin school,howit is relatedto theconceptof socialclass,andhowithasbeenusedn studiesthatfocus

    ongender.

    INFORl\1ARE - Cad. Prog. Ps-GradoCioInf., v.L n.2, p.24-36,juI./dez. 1995

  • BELL, D. Theculturalcontradictions01capitalism.New York: Basic Books, 1976.301p.

    BERNSTElN, B. Socialclass,languageandsocialization.In:KARABEL, J., HALSEY, A H. Powerandideologyin education.New York: Oxford University,1977.475p.

    BIERKELUND, G. E. Stratificationandsegregation.ActaSociologica,n. 35,p.47-62,1992.

    ___ . Womenworkchallengesclassanalysis:thecaseolNorway./s.l.l UniversityofWisconsin, 1986.(Workingpaper,n. 31).

    BOURDIEU, P. CulturalreproductionandsocialreproductionJn: KARABEL, I., HALSEY, A H. Powerandideologyineducation.New York: Oxford University,1977.p.487-511.

    ___ .La distinction:critiquesocialedujugement.Paris: Minuit, 1979.

    ___ . The socialspaceandthegenesisofgroups. TheoryandSociety,v. 14,n. 6,p.723-775,nov. 1985.

    ___ . Whatmakesa socialclass?On thetheoreticalandpracticalexistenceof groups.BerkeleyJournal01Sociology,n. 32,p. 1-49,1987.

    BOURDIEU, P., PASSERON, 1.C. A reproduo:elementosparaumateoriadosistemadeensino.Rio deJaneiro:FranciscoAlves, 1975.

    BOWLES, S., GINTIS, H. SchoolingincapitalistAmerica:educationalrelormandthecontradictions01economiclile.New York: Basic Books, 1976.

    BRUBAKER, R Rethinkingclassicaltheory:thesociologicalvisionof PierreBourdieu.TheoryandSociety,v.14,n. 6,p. 745-775,1985.

    COLLlNS, R Femmes,stratificationsocialeetproductiondeIaculture.SociologieetSocits,v. 21,n. 2,p. 27-45, 1989.

    DIMAGGIO, P., MOHR, J. Culturalcapital,schoolattainrnent,andmaritalselection.AmericanJournal01Sociology,v. 90, n. 6, p. 1231-1261,1985.

    ___ o Culturalcapitalandschoolsuccess:theimpactofstatus cultureparticipationonthegradesofUS. highschoolstudents.AmericanSociologicalReview,nA7,p. 189-201,Apr. 1982.

    ___ o On PierreBourdieu.AmericanJournalolSociology,v. 84,n. 6, p. 1460-1474,1979.

    GRANNOVETIER, M. Gettingajog:astudy01contactsandcareer.Massachussets:HarvardUniversity,1974.

    HALSEY, A H., HEATH, A F., RIDGE, 1.M. Originsanddestinations.Oxford: ClaredonPress,1980.JOPPKE, C. Theculturaldimensionsof classformationandc1assstruggle:onthesocialtheoryofPierreBourdieu.

    BerkeleyJournalolSociology,n. 31,p. 53-78, 1986.

    LlN, N. Socialresourcesandinstrumentalaction.In: MARSDEN, P. v.,LlN, N. Socialstructureandnetworkanalysis.New York: Sage,1982.p.131-145.

    ROBlNSON, R. V, GARNIER, M. ClassreproductionamongmenandwomeninFrance:reproductiontheoryonitshomegroundAmericanJournalolSociology,v. 91,n. 2, p. 250-280,1985.

    SILVA, G. O.doV Reproduodeclasseeproduodegneroatravsdacultura.Orient.:Aldo deAlbuquerqueBarreto.Rio deJaneiro, 1993.138p. Tese(Dout. Com.) ECO/UFRJ - IBICT/CNPq.

    SPRAGE,1. Genderasanindependentvariable./s.l./ UniversityofWisconsin, 1986.(Working Paper,n. 32).

    WALTERS, M. Collapseandconvergencein classtheory.TheoryandSociety,n. 20,p. 14-172,1991.

    WEBER, M. Class,statusandparty.In: BENDIX, R, LIPSET, S. M. Class,statusandpower.New Y ork: FreePress,1966.p. 21-28.

    36

    6 Bibliografia

    CapitalCultural,Classee GneroemBourdieu

    INFORMARE - CactoProg. Ps-Gract.Ci. 1nf.,v.L n.2, p.24-36,jul./dez. 1995