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    oRoberto Cardoso de Oliveira

    o tr b lhodo antroplogo

    o aralelo 5

    apitulo 1o TRABALHO DO ANTROPLOGO:OLHAR, OUVIR, ESCREVER

    INTRODUOPareceu-me que abordar um tema freqentemente visitado e revisitadopor membros de nossa comunidade profissional no seria de todo impertinente, posto que sempre valer pelo menos como uma espcie de depoimento de algum que, h vrias dcadas, vem com ele se preocupandocomo parte de seu mtier de docente e de pesquisador; e como tal emboradirija-me especialmente aos meus pares, gostaria de alcanar tambm oestudante ou o estudioso interessado genericamente em cincias sociais,uma vez que a especificidade do trabalho antropolgico - pelo menos

    como o vejo e como procurarei mostrar - em nada incompativel com otrabalho conduzido por colegas de outras disciplinas sociais, particularmente quando, no exerccio de sua atividade, articulam a pesquisa empricacom a interpretao de seus resultados. Nesse sentido , o subtitulo escolhido - necessrio esclarecer - nada tem a ver com o recente livro deClaude Lvi-Strauss,2 ainda que, nesse titulo eu possa ter me inspirado, aosubstituir apenas o lire pelo cn re, o "ler" pelo "escrever". Porm, aqui, aocontrrio dos ensaios de antropologia esttica de Lvi-Strauss, trato dequestionar algumas daquelas que se poderiam chamar as principais "facul,dades do entendimento" scio-cultural que, acredito, sejam inerentes aomodo de conhecer das cincias sociais. Naturalmente, preciso dizer que- falar nesse contexto, de faculdades do entendimento - no estou mais

    2

    A primeira verso deste texto foi para uma "Aula Inaugural", do ano acadmico de1994, relativa aos cursos do Instituto de Filosofia e Cincias Human as da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, A presente verso, que agora se publica, devidamente revista e ampliada, f ~ d para uma conferncia na Fundao loaquimNabuco, em Recife, em 24 de maio do mesmo ano, em seu Instituto de Tropicologia.E s ~ o foi publicada pela Revista e Antropologia, vol. 39, n 1, 1996, pp. 13-37.Claude Lvi-Strauss, Regarder, Ecotlter, Lire.

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    Roberto CardoJo e Oliveira

    do que parafraseando, e com muita ~ b e r d a d e , o significado filosfico daexpresso "faculdades da alma", como Lelbr:tiz assim entendia a E,ercepco

    ~ p P i ~ , p m e Q t o . Pois sem percepo e pensamento, como ento podemosconhecer? ?e meu lado, 0'..1 do ponta de vista de minha disciplina - aantropologta- quero apenas enfatizar o carter constitutivo do olhar doouvir e do escrever, na elaborao do conhecimento prprio das disciplinas socia s, isto , ~ a q u e l a s que convergem para a elaborao do que Qiddens, mwto aprQpnadamente, chama "teoria social", para sintetizar, c o ~ aa:so.ciao desses dois termos, o amplo espectro cognitivo que envolve asdlsc1plinas que denominamos cincias sociais.3 Ressaltar rapidamente, porquanto no pretendo mais do que aflorar alguns problemas que comume?te passam despercebidos, no apenas para o jovem pesquisador, mas,multas vezes, para o profissional maduro, quando no se debrua para as

    } t 1 : ~ t e s e e i s t e _ m o g i c ~ ~ que c o n d i c i ~ ~ ~ m _ a } n y ~ s t i g ; a ~ ' 2 _ e m . r ~ ~ c ~ tatl.tQ..r quanto a ccmstruao do text(), r e s u l t ~ : n . t e da ees'l1 is.a. Desejo, assim, c h a ~

    n:ar a ateno para trs manelras - melhor i r i a Z r ~ - 4 e . apreens.ao dos fenmenos sociais, tematizando-as - o que significa dizer: ~ l ~ s tlonando-as - como algo merecddor de nossa reflexo no exerccio dapesquisa e da produo de conhecifnento. Tentarei mostrar como o olhar o

    o u ~ r e o escrever podem ser questio'nados em si mesmos, embora, em ~ mpnmelro momento, possam nos parecer to familiares e, por isso, to triviais, a ponto de sentirmo-nos dispensados de problematiz-los; todavia,em um segundo momento - marcado por nossa insero nas cinciassociais - essas "faculdades" ou, mel hor dizendo, esses atos cognitiva r delasdecorrentes assumem um sentido todo particular, de natureza epistmica,uma vez que com tais atos que logramos construir nosso saber. Assimprocurarei indicar que ~ q \ l a o t o no olhar e no OUvir "disciplinados"saber, 1isciplinados pela disciplina realiza-se nossa percepo, ser escrever i ~ l u e o nosso pensalJ/eJlto exercitar-se- da form;o t;tlQis cabal, comoprodutor de um discurso que seja to criativo como prprio das cinciasvoltadas construo da teoria social.

    3 Cf. Anthony Giddens, "Hermeneutics and social theory", in Gary Schapiro e AlanSica (orgs.), Hermeneu/cs:QueJ/onJ andprospectJ.18

    o rabalho do antropolgo: p/har; ouvir, 'escrever

    Talvez a primeira e x p ~ r i n c i a do pesquisador de campo - ou no campo - esteja na. domesticao terica skJeu olhar. Isso porque, a partir domomento em que nos sen timos preparadOS para a investigao emprica, oobjeto, sobre o qual dirigimos o nosso C)lhar, j foi previamente alteradopelo prpt:io modo de visualiz-Io. ~ u l for esse objeto, ele no escapade ser a reendido elo esquema o n c e i t u ; , ) A a c l i _ ~ c i u . ~ a J ( ) r adora de nossa

    ~ ~ ~ ~ ~ _ ~ Ler areaJ1dad-e -Esse e - s - q u ~ ~ ~ conceitual- disciplinadamenteapreendid() durante o nosso itinerrio ;; cadmico, da o termo disciplinapara as matrias que estudamos_ fundona como uma espcie de prismapor meio elo qual a realidade observada ,ofre um processo de refrao -se me p ~ r m i t i d a a imagem. certo qVe isso no e ~ c 1 u s i v o do olhar,uma vez q\.:te est presente em todo processo'de conheclmento, envolvendo, portanto, todos os atos cognitivos, 4ue mencionei, em seu conjunto.Contudo, certamente no olhar que ess9- refrao pode ser melhor compreendida. A prpria imagem tica _ rCfrao - chama a ateno paraisso.

    I m a g i n ~ m o s um antroplogo no iniCio de uma pesquisa junto a umdeterminaelo grupo indgena e ent rando cm uma maloca, uma moradia deuma ou mqjs dezenas de indivduos, sero ainda conhecer uma palavra doidioma nativo. Essa moradia de to ampl1 S propores e de estilo to peculiar, com(), por exemplo, as tradicionais clsas coletivas dos antigos Tkoa,do alto rio Solimes, no Amazonas, terifm o seu interior imediatamenter \ v ~ s c . u l ~ a d o pelo ~ ] g ~ ~ ~ , por : e i ~ d ~ qual toda a ~ e o r i a q ~ e ad1sclplina .dispe relativamente as residrlc1as l n d l g e ~ a s passana a s ~ r lnS~ r u m . e n t a l i z a d a pelo pesquisador, isto , ?or ~ l e referida. Nesse s e n t J d o ~ oI ~ t e n o r ~ a maloca no seria visto com ingcnwdade, ~ o m o uma m e ~ a . ~ u n o sldade diante do extico, porm com Um olhar d ~ l d a m e n t e senslbilizadop ~ l a =t;:oria clisponvel. Ao basear-se nessa teoria, o observador bem preparado, co:n0 e t n 6 1 o g o ~ T r i a olh-la como . i r ~ v e s t i g a o p_reviament;constrwdo e,0r ele, pelo menos em um;; pnmelta prefigura:?: passara,ento, a C0t1.tar os fogos _ pequenas c o ~ i n h a s primitivas - cujos resduos de cinza e carvo iro indicar que, m torno de cada um, estiveramreunidos no apenas indivduos, pormptssoas o r t a ~ t ~ seres socia s, m e ~ -bras de um nico grupo domstico"; o tjue lhe dara a mformaao SUbSl-

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    Roberto Cardoso e Oliveira

    diria que pelo menos nessa maloca, de conformidade com o nmero defogos, estaria abrigada uma certa poro de grupo's domsticos, formadospor uma ou mais familias elementares e, ~ v e n t u a l m e n t e , de indivduos agregados - originrios de outro grupo tribal. Conhecer, igualmente, o nmero total de moradores -, ou quase - contando as redes dependuradasnos moures da maloca dos membros de cada grupo domstico. Observar, tambm, as caractersticas arquitetnicas da maloca, classificando-a se-gundo uma tipologia de alcance planetrio sobre estilos de residncias, ensinada pela literatura etnolgica existente.Ao se tomar, ainda, os mesmos Tkna, mas em su; feio moderna, oetnlogo que visitasse suas malocas observaria de pronto que elas diferenciavam-se radicalmente daquelas descritas por cronistas ou viajantes que,no passado, navegaram pelos igaraps por eles habitados. Verificaria que asamplas malocas, ento dotadas de uma cobertura em forma de semi-arcodescendo suas laterais at ao solo e fechando a casa a toda e qualquerentrada de ar - e do olhar externo- alvo por portas removveis, achamse agora totalmente remodeladas. A maloca j se apresenta amplamenteaberta, constituida por uma cobertura de duas guas, sem paredes - oucom paredes precrias - e, internamente, impondo-se ao olhar externo,vem-se redes penduradas nos moures, com seus respectivos mosquiteiros - um elemento da cultura nhterial indgena desconhecido antes docontato intertnico e desnecessrib para as casas antigas, uma vez que seufechamento impedia a entrada de' qualquer tipo de inseto. Nesse sentido,para esse etnlogo moderno, ~ d < . ? a o seu alcance uma ~ c u m e n t a ohistrica, a primeira concluso ser sobre a existncia de uma mudanacultural de tal monta que, se, de um lado, facilitou a construo das casasindgenas, uma vez que a antiga residncia exigia um grande dispndio detrabalho, dada sua complexidade arquitetnica, por outro, afetou as relaes de trabalho, por no ser mais necessria a mobilizao de todo o clpara a edificao da maloca, ao mesmo tempo em que tornava o gruporesidencial mais vulnervel aos insetos, posto que os mosquiteiros somente pOl ,eriam ser teis nas redes, ficando a famlia merc desses insetosdurante todo o dia. Observava-se, assim, literalmente, o que o saudosoHerbert Baldus chamava de uma espcie de natureza morta da aculturao.Como torn-la viva, seno pela pene trao na natureza das relaes sociais?

    O trabalho o elnlropolgo: olhar oI/vir escrever

    Retomemos nosso exemplo para vermos que para dar-se conta da natureza: das relaes sociais mantidas entre as pessoas da unidade residencial- e delas entre si, em se tratando de uma pluralidade de malocas de umamesma aldeia ou grupo local - o olhar l;>or si s no seria suficiente.Como alcanar, apenas pelo olhar,' o significado d ~ s s ~ ~ r e i a e ~sem conhecermos a nomenclatura do parentesco, por meio da qual poderemos ter acesso a um dos sistemas simblicos mais importantes das sociedades grafas e sem o qual no nos ser possvel prosseguir em nossacaminhada? O dominio das teorias de parentesco pelo pesquisador tornase, ento, indispensvel. Para se chegar, entretanto, estrutura dessas relaes sociais, o etnlogo dever se valer, preliminarmente, de outro recursode obteno dos dados. Vamos nos deter um pouco no ouvir.

    OUVIRCreio necessrio mencionar que o exemplo indgena - tomado comoilustrao do olhar etnogrfico - no pode ser considerado incapaz degerar analogias com outras situaes de pesquisa, com outros objetos concretos de investigao. O socilogo ou o politlogo, por certo, ter exemplos tanto ou mais ilustrativos para mostrar o quanto a teoria social prestrutura o nosso olhar e sofistica a nossa capacidade de observao. Julguei, entretanto, que exemplos bem simples so geralmente os mais inteligveis, e como a antropologia minha disciplina, continuarei a valer-me de

    seus ensinamentos e de minha prpria experincia, na esperana de proporcionar uma boa noo dessas etapas aparentemente corriqueiras da investigao' cientfica. Portanto,:: o olhar possui uma significao especfica para um cientista social, o ouvir tambm goza dessl',tQprieda,qe. -Evidentemente ~ t o o ouvir como oolhar no podem ser tomadoscoms> faculdades t P . J ~ E : 1 e E - t e i n d ~ p _ ~ l . d e n t e s o o e : x e . t c i c i o _ d a j m r ~ s . t i . g a - - g ~~ b s c o m p l e m e n t a m : : ~ servem para o pesquisador como duas muletas - que no nos percamos com essa metfora to negativa - que lhepermitem caminhar, ainda que tropegamente, na estrada do conhecimento. A metfora, propositalmente utilizada, permite l embrar que a caminhada da pesquisa sempre difcil, sujeita a muitas quedas. nesse mpeto de,conhecer que o ouvir, complementando o olhar, participa das mesmas p r ~ ,condies desse ltimo, na medida em gue eli

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    nenhum sentido no corpus terico de sua disciplina ou para o paradigma noIIerior do fllll.O eesquisador foi t r e i ' n ~ d o : N i i o ' q ~ ~ r o discutiraqui a que5=to dos paradigmas; pude faz-lo em meu livro Sobre pensamento antropol-gico e no penso ser indispensvel abord-la aqui. Bastaria entendermosque as disciplinas e seus paradigmas so condicionantes tanto de nossoolhar como de nosso ouvir.Imaginemos uma entrevista por meio da qual o pesquisador pode obterinformaes no alcanveis pela estrita observao. Sabemos que autorescomo Radcliffe-Brown sempre recomendaram a observao de rituais paraestudarmos sistemas religiosos. Para ele, no empenho de compreenderuma religio, d e ~ e m o s primeiro concentrar ateno mais nos ritos que nascrenas .4 O que significa dizer que a religio podia ser mais rigorosamenteobservvel na conduta ritual por ser essa o elemento mais estvel e duradouro , se a o ~ p a r ~ ~ s - o m a s c r e n a ~ Porm, s s ~ n o q u e r dizer quemesmo essa conduta, sem as idias que a sustentam, jamais poderia serinteiramente compreendida. Descrito o ritual, por meio do olhar e do ouvir - suas msicas e seus cantos - faltava-lhe a Iena o m p r _ ~ e n s o ~ .seu Jel/tido para o povo que o realizava e sua . ni ca para o antroplogoque o observava em toda sua exterioridade.s Por isso, a obteno de explicaes fornecidas pelos prprios membros da comunidade investigadapermitiria obter aquilo que os antroplogos chamam de ~ o d e l o l1ativo - ,matria-prima para o entendimento antropolgico. Tais explicaes nativas s poderiam ser obtidas por meio da entrevista, portanto, cie um ouvirtodo especial. Contudo 12ara isso, se saber ouvir. . ~

    Se, a p ~ l r e n t e m e n t e a entrevista tende is i encarada como algo semmaiores dificuldades, salvo, naturhlmente, a limitao lingilistica - isto ,o fraco dominio do idioma nativ;o pelo etnlogo - ela torna.-se muitomais complexa quando consideramos que a maior dificuldade es t na difu-

    4 Cf. Radcliffe-Brown, Religio e sociedade , in Estrutura efuno na sociedadepn mitiva,p 194.

    5 Aqui fao uma distino entre sentido e significao . O primeiro termo consagra-se ao horizonte semntico do nativo - como no eXmplo de que estou mevalendo - enquanto o segundo termo serve para designar o horizonte do antroplogo - que constituido por sua disciplina. Essa distino apia-se em E. D HirschJr.',- Va/idity in Interpretation, apndice 1 - que, por sua vez, apia-se na lgica fregeana.

    l l

    I:I

    O rabalho do antropo{go: olhar, ouvir, escreVer

    , e n ~ a entre idiomas culturais , a saber, entre o mundo do pesquisadot;-O)~ - a o n ~ esse mundo estranho n() . . t : l . < J : : l 9 _ ~ j a m o s penetrar. De resto, hde se entender o nosso mundo, :do p e s q u i s ~ ~ como sendo Ocidental,

    c ~ n s t i t u i d o minimamente pela sobreposio deduas subculturas: ~Qp e l o m.enos no caso da maioria do pblico leitor; e a : - : 1 . t r o p ~no caso parucular daqueles que foram t remados para se tornarem profissionais da disciplina. E o confronto entre esses dois mundos que constituio contexto no qual ocorre a entrevista. , portanto, em um contexto essencialmente problemtico que tem lugar o nosso ouvir. Como poderemos, ento, questionar as possibilidades da entrevista nessas condies todelicadas?Penso que esse questionamento comea com a pergunta sobre qual anatureza da relao entre entrevistador e entrevistado. Sabemos que huma longa e arraigada tradio, na literatura etnolgica, sobre a relaopesguisador/informante . Se tomarmos a clssica obra de Malinowskicomo referncia, ~ o m o essa tradio se consolida e, praticamente,trivializa-se na realizao da entrevista. No ato de ouvir o informante oetnlogo exerce um poder x ~ ~ a ( ) r d i n r i o sobre o mesmo, ainda que p r e t e ~da posicionar-se como observador o mais neut ro possvel, como pretendeo objetivismo mais r a d i c ~ . : Esse poder, subjacente s relaes humanas _que autores como F u c ~ u l : U a m a i s se cansaram de denunciar - na relao pesquisador/informante desempenhar uma fU{1o profundamenteempo r e c e d l _ a _ . s t o ~ ~ o r : . < ? g n i t i v o : as p e r g u n . ~ a s ' feitas em busca de respo'stas pontuais lado a lado da ~ t o r i d a ~ - q u e m s ~ - com ou semautoritarismo - criam um campo l u s r . i _ ( ) ~ e i n t e r a ~ A rigor, no hverdadeira interao entre nativo e pesquisador, porquanto na utilizaodaquele como informante, o etnlogo no cria condies de efetivo dilogo..A relao no d i a l g i c a ~ Ao passo que transformando esse informanteem interlocutor , uma nova modalidade de relacionamento pode - edeve - ter lugar.6

    6 Esse um tema que tenho explorado seguidamente em diferentes publicaes, Indicaria especialmente a conferncia, intitulada Y\, antropologia e a crise dos modelosexplicativos , reproduzida neste volume como seu captulo 3.23

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    Essa relao dialgica - cujas conseqncias epistemolgicas, todavia,no cabem aqui desenvolver - guarda pelo menos uma grande superioridade sobre os procedimentos tradicionis de entrevista. Faz com que os horizontes semnticos em confronto - o do pesquisador e o do nativo ----------abram-se um ao outo de maneira a transformar um tal confronto em umverdadeiro ncontro etilo r . Cria um espaSJ21:': P}qm p a r t j b a ~.. 20r ambos interlocutorss., graas ao qual pode-ocorrer aquela "fuso dehorhontes;' como os hermeneutas chamariam esse espao - desde queo pesquisador tenha a habilidade de ouvi r o nativo e por ele ser igualmenteI ouvido, encetando formalmente um.di ogo entre "iguai(. sem receio deestar, :ssim, contaminando o d i s c u r s ~ do nativo c ~ m e l e m e n t ~ s de s.ell p.t-

    . pt lO discurso. Mesmo porque, acred1tar ser pOSSIVel a neutralidade Idealizada pelos defensores da objetividade absoluta, apenas viver em uma doceiluso. Ao trocarem idias e informaes entr e si, etnl ogo e nativo, ambosigualmente guindados a interlocutores, abrem-se a um dilogo em tudo e portudo superior, metodologicamente falando, antiga relao pesquisador/informante.,? ouvir ganha em qualidade e altera uma relao, qual estrada demo nica, em uma outra t?()AY121al p _ o r t a n ~ ( ) L u m < t y e r d ~ d e i r a i n t e r a s ; o .Tal interao na realizao de uma etnografia, envolve, em regra, aquiloque os antroplogos chamam de "observao E a r d ~ i R a i t e ; ' , o que significa dizer que pesquisador assume u m p a p e l p e r f e i t a m e n R d i g e r ~ ~ . l i l _sociedade ghserv2da, a pOnto de viabilizar uma aceitao seno tima pelos membros daquela ~ o c i e d a d e , pelo menos afvel, de modo a no impedir a necessria interao. Mas essa observao participante nem sempretem sido considerada como geradora de conhecimento efetivo, sendo-lhefreqentemente atribuda a funo de geradora de hipteses, a serem testadaspor procedimentos ~ o l g i c o s - esses sim, explicativos por excelncia,capazes de assegurar u ~ n h e c i m e n t o proposicional e positivo da reali-

    i i dade estudada. No meu entender, h um certo equvoco na reduo daobservao participante e na empatia que ela gera a um mero processo deconstruo de hipteses. Entendo que tal modalidade de observao realiza um inegvel ato cognitivo, desde que a compreenso - Verstehen - quelhe subjacente capta aquilo que um hermeneuta chamaria de "exedente ,de sentidQ", isto as significaes - por conseguinte, os dados - quee - ~ ~ a p a m a quaisquer metodologias de pretenso nomolgica. Voltarei aotema da observao participante na concluso. . , j , (( C ( ~ ' ~ ~ ' o

    O lrabalho do antropolgo: olhar, ouvir, escrever

    e o olhar e o ouvir podem ser considerados como os atos cognitivosmais preliminares no trabalho de campo - atividade que os antroplogosdesignam pela expresso inglesa fteldwork - , seguramente, no ato deescrever, portanto na configurao final do produto desse trabalho, que aquesto do conhecimento torna-se tanto ou mais crtica. Um interessantelivro de Clifford Geertz - Trabalhos evidas: oantroplogo como utor oferece importantes pistas para o desenvolvimento desse tema. ~ r t e daidia de separar e, naturalmente, avaliar duas etapas bem distintas na investigao emprica: a primeira, que procura qualificar como a do antroplogo ~ n d o ~ f 2 rey, isto , vivendo a situao de estar nocampo; e a egunda, que seguiria essa, corres onderia experincia deviver, melhor dizendo , trabalhar etgfldo a ui -, - bein ere ,a saber,bem instalado em seu gabinete urbano, gozando o convvio com seus colegas e usufruindo tudo o que as instituies universitrias e de pesquisapodem oferecer. Nesses termos" o olha r e o ouvir seriam parte da primeiraetapa, enquanto o escrever seria p rte d l ~ e g w A e Q . , .

    Devemos entender, assim, por escrever o ato exercitado por excelnciano gabinete, cujas caractersticas o singularizam de forma marcante, sobretudo quando o compararmos com o que se e s c r e y e J l o ~ ~ t } 2 , seja_-fazermos nossg d . i ~ r i o seja nas anotaes que rabiscamos em nossas ca

    ~ ' t a s . E se tomarmos ainda Geertz por referncia, ven;\os que na maneira pela qual ele encaminha suas reflexes,. o escrev:r ~ t a n d o ~ ' ~portanto fora da s i t u a ~ o de campo, que cumpre sua a I s m . ~ a ~ a - c o g ~ ,nitiva. Por qu? Devdo ao fato de iniciarmos propriamente no gabinete oproc;;so de ~ a l i ~ : a ~ o s f e n ~ e n ~ s s . c i o ~ c u l t u r a i s observados "estando l".] as ondioes de textualtzaao, ISto e, sle trazer os f a t o ~ observados - vistos' e ouvidos - para" o plano do discurso,_no deixam de ser; n u i t ~ p a r t i c ~ l ~ r e s e e x e r ~ e r r ; , por'sua vez, um ~ e l d%fiiillIYIDtanto noprocesso de comunicao interpares - isto , no seio da comunidade profissional - como no de conhecimento propriamente dito. Mesmo por-

    7 O ttulo da edio original Works and /ives: The anthropologist as aulhor. H uma traduo espanhola, publicada em Barcelona.

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    que h uma r e ~ ~ d i a l t i c a s : . m ~ s o m u n i c a r e oconhecer, pois ambospa:tjlham de uma mesma condio: a que dad];e1alin,li;UageJD. Emboraa linguagem, como tema de reflexo, seja importante em si mesma, nessemovimento que poderamos chamar "guinada lingistica" - ou linguisticstUrJi- , que perpassa atualmente tanto a filosofia como as cincia sociais oaspecto que desejo tratar aqui, mesmo se muit o sucintamente, o da d i s ~ i plina e de seu prprio idioma, por meio dos quais os que exercitam a antropologia - ou outra cincia social - pensam e comunicam-se. Algumj escreveu qne O homem no pensa sozinho, em um monlogo solitrio,lmas o faz soci:almeQte, no interior de uma "comunidade de c

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    movimento que vem conquistaE:.?Jtlgar na disciplina, a partir dos anos1960, e que, mlgrado seus ~ ~ __ 9 _ ~ ~ - sendo, talvez, o principal,a i ~ c a ~ _ ( i l : l : ~ f a ~ dagpktividade com a s u ~ _ ~ ( ) d a l i d a d e perversa, o

    o o / e ~ v i s m o - canta a seu favor o fato de trazer a questo do.texto etnogrfico como tema de reflexo sistemtica, como algo que no pode ser tomado Iracitamente, como tende a ocorrer em nossa comunidade profissional,ll Apesar de Geertz ser considerado como o grande inspirador dessemovimento, que rene um extenso grupo de antroplogos, seus membrosno participam de uma P?sio univoca eventualmente ditada pelo mestre,12 A rigor, a grande idia que os une, afora o fato de possurem uma0.E.entao de base h e r m e n u t i c ~ } n s p i r a d a em pensadores o m ~ ~

    H e i d e g ~ r , G a d a m e ~ ) o u Ricoeur, essa idia a de se colocarem contra oque cnsideranisero mocftr'dicional de se fazer antropologia e isso, aoque parece, com o intuito de rejuvenescerem a antropologia cultural norteamericana, rf de um grande terico desde Franz Boas,

    Quais os pontos que poderamos assinalar como condutores questocentral do texto etnogrfico? Texto, alis, que bem poderia ser sociogrfico,se pudermos estender, por analogia, para aqueles mesmos resultados a quechegam os cientistas sociais, no 'importando sua vinculao disciplinar,Talvez o que torne o texto etnogrfico mais singular, quando o comparamos com outros devotados teoria social, seja a, articulao que buscaentre o t r . ~ , ~ a l ~ ~ ~ . ? e ~ ? - m p o e a construo do texto. George Marcus e DickCushman,13 chegam a considerar ue a etno rafia poderia ser definida comoa representao do- ; a b ~ _ .. ~ : : . cam o em texto 14 Todavia, isso temv t l ~ m p - c a o r e s , como eles ~ ~ s m o s reconhecem. Tentarei indicar al

    guns, seguindo esses mesmos autores, alm de outros que, como eles - e, de

    11 Cf. meu artigo, "A categoria de (des)ordem e a ps-mod ernida de da antropologia , inAllllcn'o Alltropolgico, n 86, 1988, pp.57 -73; tambm no livro Sobre o ensa J/ento alltropO"lgico, Captilo 4.

    12 Para uma boa idia sobre a variedade de posies no interior do movimento hermenutico, vale consultar o volume Wn'fillg m/fure: iDe pOe/ia lI1d politic i ethllograpqy,James Clifford e George E, Marcus (orgs,),

    13 Cf. George E, lvIarcus e Dick Cushman, Ethno graphie s as textes , in llllual Reviewej/1.1t ;ro/;c ogy, r? 11, 1982,pp, 25-69,

    14 Idem, p 27,

    O trabalho do alltropo/go: olhar, OI/vir, eScrever

    certo modo, multos de ns, atualmente - refletem sobre a peculiaridadedo r e v e r um texto que seja Cclntr?lvel pelo l e i t ~ e i ~ s . o n: m e d i ~ a e ~que distinguimos tal texto da narratlva meramente literatla. Ja menCIOne ,momentos atrs, o dirio e a caderneta de campo como modos de escrever=> .s,ue se d i f e r e n c i ~ - c l a r a m e n t e do t e x t ( ) ~ t : t : ( ) q r _ ~ ? C O f i ~ i 1 , I:ocleria a c r e s c e ~ -tar segw'ndo os mesmos autores que tambem os, os e as teseS cade-,micas devem ser consideradas como verses escritas interme arlas , umavez que, na elaborao da monografia - essa sim, ; texto flnal-, exigncias especficas devem ou deveriam ser feitas. Mencionarei simplesmentealgumas, preocupado em no me alongar multo nestas C < : l 1 1 ~ } 9 ~ r : e s .Desde logo, cabe uma distino entre as ~ n o g r a f i a s clssi e asmodernas.; Enquanto as primeiras foram concebidas de conformidade com~ r u t u r narrativa normativa que se pode aferir a partir de uma)

    d i s p o s i ; - c l ~ - ~ ~ p i t u l o s quase ~ ; ~ 6 c i c a - territrio, economia, organizao social e parentesco, religio, mitologia, cultura e personalidade, entreoutros- s segundas priorizam um tema, por meio do qual toda a o c i e dade ou cultura passa a ser descrita, a n a l i s a _ ~ ~ . i ~ ~ E E . ~ _ t a d a . Um bomexemplo de mOfiografiasaesSesG;i1do dpo a de Victor Turner, ' : C i s m . a ~ )e continuidade em uma sociedade africana , gue manifesta com mwta feli-) .cidade as possibilidades de uma a . r n s . o h - ; ~ , porm concentradaem um nico grande tem2.,_ capaz de proporcionar uma idia dessa socieda--de como entidade extraordinariamente viva. ,Essa viso holstica, todavia,

    ) ~ a : ~ ~ ~ C ~ ; ~ ~ ~ ~ ~ ~ - : : ; ~ ~ : ; ; r ~ ~ : ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ 1 ~ ~ ~ J t ~ ~ ~ ~ : -pre deve ser tomada ar e f e r _ ~ n c i a , " ,--,.- Um t rceiro tlp seria o das chamadas mono&9fias e x l ' e r i _ t p ~ : :

    . ~ l J l o d e Q a s " , c o m o defendidas por Marcus e u s h ~ a n , ma,s ~ u e , nes-te momento, no gostaria de trat-las sem um exame crtiCO prelitnlnar queme parece indispensvel, pois iria envolver precisamente minhas restriesao que considero como caracterstica dessas monografias: o desprezo gueseus autores demonstram em relao necessidade de controle dos dados

    e t ~ o g f i ~ ~ S , tema, alis, sobre o-quaCtenh-me :frrdpor diverssvez ~ s , -quando procuro mostrar que alguns desenvolvimentos da antropolo-gia ps-moderna resultam em uma ~ d o _ ~ r ? E i ? 2 ~ ~ c w a hermenutica, Essas monografias chegam a ser q l l a S ~ l l 1 ~ t 1 : 1 . s t " s , 1mpondo ao

    ' ~ i t o r a constante presena do autor no texto. um tema sobre o qual tem

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    Roberto Cardoso e Oliveira

    havido muita controvrsia, mas no penso que seja aqui o melhor lugarpara aprofund-lo. 5

    , Porm, o fato ele se escrever na primeira pessoa do singular - como) parecem recomendar os defensores desse terceiro tipo de monografia -. no significa, necessariamente, que o t exto deva ser intimista. Deve signifi-

    car, simplesmepte - e quanto a isso creio que todos os pesquisadorespodem estar de acordo - que o autor no deve se esconder siste.maticamente sob a capa de um observador impessoal, coletivo, onipresente eonisciente, valendo-se da primeira pessoa d ~ plural: n6s.- dar que sempre haver situaes em que esse ns pode ou deve ser evocado pelo autor.No deve, contudo, ser o padro na retrica do texto. Isso me parece importante porque com o rescente reconhecimento da pluralidade de vozesque compem a cena de investigao etnogrfica, essas vozes tm de serdistinguidas e jamais caladas pelo tom nperial e muitas vezes autoritriode um autor esquivo, escondid o no interior dessa primeira pessoa do plural. No meu entendimen to, a chamada antropologi a polifnica - na qualteoricamente se oferece espao para as ;ozes de todos o s ~ t o r ~ s do cenrioetnogrfico - remete, sobretudo, para a responsabilidade especfica day02.l;;Lilt1r P]ggQ autor do d j s c l ) r s Q m p : p ' ~ i 9 s 1 ~ - ' f I T ~ c : i . l 2 l i E . a , qu";;-no podeficar obscurecido ou substitudo pelas transcries das falas dos entrevistados. Mesmo porque, sabemos, um bom reprter pode usar tais tmnscries com muito mais arte.

    15 De uma perspectiva crtica, ainda que simptica a essas monografias experimentais,leia-se o artigo da antroploga 1 ~ r e s a Caldeira, intitulad o . ~ presena do autor aps-modernidade da antropologia , em Novos E/tudos, Cebrap, n 21, jul. 1988, pp.133-15 7.] de uma pers pectiva meno s favorvel, cf., por exemplo, o artigo-resenha deWilson Trajano ri1ho, Que barulho esse, o dos ps-modernos e o de Carlos rausto, A antropologia xamanstica de Michael Taussig e as desventuras da etnografia ,ambos publicados no AIIJ{n'o AI1/ropolgico, 86, 1988, respectivamente s pp.133-151 e pp. 183-198; e o de Mariza Peirano, O encontro etnogrfico e o dilogoterico , inserido em sua coletnea de ensaios Uma all/rop gia 11 plllra/, como seuCaptulo 4. Para uma apreciao mais genrica dessa antropologia ps-moderna, naqual se procura apontar tanto seus aspectos positivos - no que se refere contribuio do paradigma hermenut ico para o enrig ueciment o da matriz disciplinar da antropologia - omo os aspectos negativos daquilo gue considero ser o desenvolvimento perverso desse paradigma, conferir artigo - verso final de conferncias proferidas em 1986 - indicado na nota 11.

    O trabalho o alltropolgo: olhar, ollvir, escreuer

    importan te tambm reavivar um outro aspecto do processo de construo do texto:'apesar das crticas, o terceiro tipo de monografia traz umainegvel contribuio para a teoria social. Marcus e Cushman observam,relativamente influncia de Geertz na antropologia, que, com ele,

    a etnografia tornou-se um meio ~ e falar sobre teoria, f i l o s ~ ~ a e epist.emO-\)logia simultaneamente no cumpnmento de sua tarefa tradiclOnal de mterpretar diferentes modos de vida. 16Evidentemente. que, ao ~ e v a r a produo do texto em uivel de reflexo.sobre o escrever, a disciplina est orientando sua camjnhada paro as itfWi -ds -ineta-teri$$?gue poucos alcanaram.:e-Talvez O exemplo mais conhecido, entre os antroplogos vivos, s l ~ j a o de Lvi-Strauss no mbito doestruturalismo, de reduzida eficcia na pesquisa emogrfica. Com Geertz esua antropologia interpretativa, verifica-se o surgimento de uma prticameta-terica em processo de padronizao, em que pes em alguns escorreges de seus adeptos para o incimismo, como mencionado h pouco. Entendo que .para se elaborar o bom texto etnogrfico, deve-se pensar as)condies, de S2 } produco a partjr das etapas iniciais da obtepo qQsdados - o olhar e o ouvir- o que no quer dizer que ele deva emaranhar-se n a ' s u b j i ~ v i a a o autor/pesquisador. Antes, o que est em jogo ~ ' l n t e r s u b } e t i v ~ - esta de carter epistmico - graas qual searticulam em um mesmo hotizoJ/le len'co, os membros de sua comunid:)de. - ~ - - - -profissional. E o reconhecimento dessa intersubjetividade que torna oantro-p6logo moderno um cientista social menos ingnuo. Tenho pata m mque talvez seja essa uma das mais forres contribuies do paradigma hermenutico para a disciplina.

    xaminados o olhar, o ouvir e o escrever. A que concluses podemoschegar? Como procurei mostra r desde o inicio, essas faculdades do esprito tm caractersticas bem precisas quando exercitadas na rbita das cincias sociais e, de um modo todo especial, na da antropologia: Se o olhar e oouvir constituem a nossa percepo da realidade focalizada na pesguisa

    ~ m p r i c a , o escrever passa a ser parte quase indissocivel do nosso p e n s ~16 Geotge E. Marcus e Dick Cushman, Ethnographies as textes , p. 37.

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    Roberto Cardoso de Oliveira

    2 . ~ n t o , 1 llllil vez que o ato de e s c r ~ v e r simultneo ao ato de pensar. Quero chamar a ateno sobre isso, de modo a tornar-clOcjue =pelo menosno meu modo de ver 1 no processo de redaco de um texto que PQSSOensamento caminha, e9contrando solues ue dificilmente a arecero

    a n t e s ~ a textualiza o o s - - d a d o ~ rovenienres--da obsrvao sistemtica.Assim . --o, s e r i ~ ~ m e q ~ ~ ~ c o imaginar que, primeiro, chegamos a concluses relativas a esses mesmos dados, para, em seguida, podermos inscrever essas concluses no texto. Portanto, dissociando-se o pensar do

    I escrever. Pelo menos minha experincia indica que 2 ato de escrever e o d ~. "eensar so de tal forma solidrios entre si que, juntos, formam pratica

    jll.eAt um mesmo t o cO@2itivb.;JsSO significa que, nesse caso, o texto noespera que seu auto r tenha primeiro todas as respostas para, s ento, poder ser iniciado. Entendo que na elaborao de uma boa narrativa, o pesquisador, de posse de suas observaes devidamente organizadas, inicia oprocesso de textualizao - uma vez que essa no apenas uma formaescrita de simples exposio, pois h tambm a forma' oral - concomitante ao processo de produo do conhecimento. No obstante, gndo oato de escrever pm ato ig;J12 ;;pegte cognitivo, esse ato tende a ser regetiqoquantas v e z ~ s fqrpccessrio: potl:;lPto, ele ~ e _ s r i O e .reescrito re.eetida

    ,ment,;., no apep? pat;a lperfeioar o texto do ponto vista formal quantoI ara melhorar a veracidade das descries e da narrativa, aprofundar a an:lise e consolidar ;u;gJlmeQtos.Isso, por si s, no caracteriza o olhar, o ouvir e o escrever antropolgicos, pois est presente em toda e qualquer escrita rio interior das cinciassociais. Contudo, 90 que tange antropologia, como procurei mostrar,

    "esses atos esto prev;am.eAte comprometidos com prprio horizonte dadisciplina. em que olhar, ouvir e escrever esto cksde seml2re s i n t O J 1 i ~ a d g , . $com o sistemq . . ~ j 4 . i a s valores g ue. so L; r6p1'ios da d i s c i ~ O quadroconceitual da antropologia abriga, nesse sentido, idias e valores de difcilseparao. Louis Dumont,)esse e ~ c e l e n t e antroplogo francs, chama issode i ~ J . . : : ~ y a l o r , 6 unindo assim, em uma nica expresso, idias que possuem uma carga valorativa extremamente grande. Ao trazer essa questo

    16 Cf. Louis Dumont, "La valeur chc7. les modernes et che7. les autres", in Essais sur/'individl/alisme: Une perspective anthropologiql/e sI/r J idoJogie moderne, Captulo 7. H umatraduo brasileira.

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    O trabalho do antropolgo: olhar, OI/vir, escrever

    para a prtica da disciplina, diramos que pelo menos duas dessas "idias~ m ~ c a m o fazer antropolgico: ~ ~ 5 * 2 a o e ~ ~ ; e ar e l a t i v i z a ~ Entre ns, Roberto Da iYf'atta chamou a ateno sobre a~relativizao em seu livro fulativizando: Uma introduo antropologia sodal,17

    mostrando em que medida,o relativizar c o ~ s t i t i n t e do prprio conhecimento antrof201gico. Pessoalmente, entendo por relativizar uma_atitudee p i s t _ ~ t i t i ~ a , ~ ~ n e n t e m e n t e antropolgica, graas qual o p e s q u i s a d ~ r logra escapar da ameaa do etnocentrismo - essa forma habitual de ver omundo que cirqinda o leigo, cuja maneira de olhar e de ouvir no foramdisciplinadas pela antropologia. E se poderia estender isso ao escrever, namedida em que, para falarmos com Crapanzano,18 o escrever etnografia uma continuao do confronto" intercultural, Eorranto entre p ~ s g u i s a d o t

    pesquisado. Por conseguinte, uma continuidade do olhar e do ouvir no.::screver, esse ltimo igualmente marcado pela atitude relativista. 9

    17 Editado pela Vozes, em 1981, o volume uma boa introduo antropologia socialque recomendo ao leitor interessado na disciplina, precisamente por no se tratar deum manual, porm de um livro de ref1exiio sobre o fazer antropolgico, apoiada narica experincia de pesquisa do autoJ:J em uma i r e ~ o um pouco diferente, posicionando-se contra certos exageros anti-relativistas, Clifford Geert7. escreve seu ' ~ t : ianti-relativismo", tradu7.ido para o portugus na Revista Brasileira de Cincias Sociais, voJ.3, nO 8, out. 1988, pp. 5-19, que vale a pena consultar.

    18 Cf. Vincent Crapanzano, On the writing of ethnography", in DialecticalAnthropology,nO 2, 1977, pp. 69-73. Muitas vezes, por razes estilsticas - observa Crapanzano"isola-se o ato de escrever, e seu produto final (o texto), da prpria confrontao.Qualquer que seja a razo para essa dissociao, permanece o fto de que a confrontao no termina antes da etnografia mas, se se pode dizer ao fim de tudo, que elatermina com a etnografia" [p. 70].

    19 Eu fao uma distino entre "atitude relativista" - que considero ser inerente postura antropolgica - e "relativismo", uma ideologia cientfica. Esse relativismo, porseu carter radical e absolutista, no consegue visualizar adequadamente questes demoralidade e de eticidade, sobrepondo, po r exemplo, hbito a now moral e justificando esta por aquele. Tive a ocasio de tratar desse tema mais detalhadamente em meu"Etnicidad y as possibilidades de la tica planetria", inAntropolgicas: Revista de D lI/JlIdei Institl/to de Investigaciones Antropolgicas, Mxico: UNAM, nO 8, out 1993, pp. 20-33;uma segunda verso foi publicada na Revista Brasileira de Cincias Sociais, ANPOCS, ano9, nO 24,1994, pp. 110-121, com o ttulo '\\ntropologia e moralidade", inserida nacoletneaEnsaios antropolgicos sobre moral e tica, de Roberto Cardoso de Oliveira e LuisR. Cardoso de Oliveira, Captulo 3.

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    Roberto Cardoso e Oliveira

    Uma outra idia-valor a ser destacada como constituinte do ofcio antropolgico a "bservao p a r t i c i p a n t e ~ que j mencionei momentosatrs. Permito-me dizer que talvez seja la'a responsvel pela caracterizao do trabalho de campo antropolgico, distinguindo-a, enquanto disciplina, de suas irms nas cincias sociais. Apesar dessa observao participante ter alcanado sua forma mais consolidada na investigao etnolgica, junto a populaes grafas e de pequena escala, isso no significa queela no ocorra no exerccio da pesquisa com segmentos urbanos ou ruraisda sociedade a que pertence o prprio antroplogo. Dessa observaoparticipante, sobre a qual muito ainda se poderia dizer, no acrescentareimais do que umas poucas palavras; apenas para chamar a ateno para umamodalidade de observao que ganhou, ao longo do desenvolvimento dadisciplina, um statlls elevado na hierarquia das idias-valor que a marcamemblematicamente. Nesse sentido, o s ' a t o ~ d e o l h a r e de ouvir so, a rigQ "

    ,funes q e u m _ g n e L Q ~ e .observao muito peculiar - isto , peculiar antropologia ~ , E o r meio daqual o ~ e s q l j s a d o r busca interpretar ouco.mpreender - a socied'de e a cultura do outro de dentr e'm sua'jerdIlra r r i o r i d a ~ e Ao tentar penetrar em f o r m ~ ~ d e v i d ~ q ~ e lhe soestranhas, a vivncia que delas passa a ter cumpre uma funo estratgicano ato de elaborao do texto, uma vez que essa vivncia - s asseguradapela observao participante e ~ t a n d o l passa a ser evocada durantetoda a interpretao do material etnogrfico no processo de sua inscrio

    , no discurso da disciplina. Costumo dizer aos meus alunos que os dados/ contidos no dirio e nas cadernetas de campo ganham em inteligibilidade\ \ sempre que rememorados pelo pesquisador; o que equivale dizer, que a

    r?e1l2?Eyonstitui provavelmente o elemento mais rico na redao de umtexto, contendo ela mesma uma massa de dados cuja significao melhoralcanvel quando o pesquisador a traz de volta do passado, tornando-a

    p r e s e n t e ~ de escrever, Seria uma espcie de presentificao do passado, com tudo que isso possa implicar do ponto de vista hermenutico, ou,em outrlS palavras, com toda a ?-fluncia que o estando aqui pode trazerpara a compreenso - Verstehm - e interpretao dos dados ento obtidos no campo.

    Paremos por aqui. Em resumo, vimos, por intermdio da experinciaantropolgica, como a disciplina condiciona as possibilidades de observao e de textualizao sempre de conformidade com um horizonte que lhe

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    O trabalho o antropolgo: olhar ouvir escrever

    prprio. E, por analogia, poder-se-ia dizer que isso ocorre tambm emoutras cincias sociais, em maior ou em menor grau. Isso significa que oolhar, o ouvir e o escrever devem ser sempre tematizados ou, em outraspalavras, questionados enquanto etapas de constituio do conhecimentopela pesquisa emprica - essa ltima vista como o programa prioritriodas cincias sociais. Trazer esse tema considerao, pareceu-me, enfim,apropriado porque entendo que talvez venha a contribuir ao estmulo dereflexes de carter interdisciplinar, uma vez que os diferentes atos cognitivos examinados no so estranhos s demais cincias sociais. O que to r- \Jna qualquer experincia antropolgica - e no apenas a minha - objetode interesses que transcendem a disciplina. E foi com esse intuito que -colhi o presente tpico - e me darei por satisfeito se houver conseguidotransformar atos aparentemente to banais, como os aqui examinados, emtemas de reflexo e de questionamento,

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