Oliveira Viana e a crítica ao marginalismo politico das elites

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Oliveira Viana e a crítica ao “marginalismo” político das elites Introdução Este trabalho tem por objetivo o estudo das críticas de Oliveira Viana ao que ele intitula “marginalismo” político das elites, assim como da solução apresentada pelo autor para superar esta visão simplificadora dos problemas políticos brasileiros. O estudo será realizado tendo por base as idéias apresentadas no livro Instituições Políticas Brasileiras (1949), do mesmo autor. 1

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Oliveira Viana

e a

crítica ao “marginalismo” político das elites

Introdução

Este trabalho tem por objetivo o estudo das críticas de Oliveira Viana ao que ele

intitula “marginalismo” político das elites, assim como da solução apresentada pelo

autor para superar esta visão simplificadora dos problemas políticos brasileiros. O

estudo será realizado tendo por base as idéias apresentadas no livro Instituições

Políticas Brasileiras (1949), do mesmo autor.

O “marginalismo” político das elites se constitui no total desconhecimento e

indiferença das elites políticas e intelectuais brasileiras em relação à importância que a

realidade do “povo-massa” tem sobre os projetos políticos voltados para o progresso da

nação.

Para Oliveira Viana, é o “povo-massa” brasileiro, com seu “direito público

costumeiro”, suas instituições, tipos sociais, usos e costumes constituídos ao longo de

uma história de quatro séculos e meio, que influencia de forma direta qualquer proposta

política e que vai decretar a viabilidade ou não das idéias e propostas políticas

implementadas pelas elites dirigentes do país.

Esta influência deformadora do “povo-massa” sobre os projetos políticos é vista

pela elite como um problema dos indivíduos, como se estes não valorizassem a

nobreza dos princípios destes projetos quando, na verdade, são os projetos políticos

propostos por esta elite, que costumam estar inadequados à realidade brasileira,

exatamente por terem-na desprezado.

Esta indiferença em relação à realidade brasileira resulta numa total dessintonia

entre as propostas feitas pelas elites para a evolução das instituições políticas e do

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direito público e os resultados práticos dessas propostas, gerando, muitas vezes,

resultados contrários aos pretendidos.

Segundo Oliveira Viana, a forma como nossas constituições vinham sendo

elaboradas são um grande exemplo deste “marginalismo”. Neste processo, nossas

elites copiavam as “Chartas” estrangeiras, como se a simples existência de novas leis

pudesse trazer modificações ao comportamento do povo.

As constituições de 1824 e 1891 são dois grandes exemplos. A primeira

inspirada na Constituição inglesa, e a segunda na dos Estados Unidos da América.

Através dessas “Chartas” esperava-se implementar um regime liberal no Brasil,

esquecendo-se que, para estabelecer um sistema liberal de governo, é necessário uma

sociedade com uma mentalidade liberal anteriormente estabelecida, o que não existia

aqui.

Um bom sistema de leis, para que se torne efetivo, necessita, para Oliveira

Viana, fazer o costume preceder e inspirar a feitura da lei. O autor mostra a diferença

entre direito-lei e direito-costume, ressaltando que nos países desenvolvidos, como os

de origem anglo-saxônica, o direito-costume já existente nos costumes e tradições do

povo é incorporado às leis, havendo, portanto, correspondência entre o comportamento

real dos indivíduos e o que suas leis estabelecem enquanto comportamento ideal.

Oliveira Viana mostra que esta “cegueira” das elites em relação à realidade do

“povo-massa” está diretamente relacionada com a corrente metodológica de

interpretação das questões políticas e de direito público, denominada clássica ou

dialética, da qual Rui Barbosa era o representante maior.

No processo de superação desta limitação do pensamento “marginalista”,

Oliveira Viana relata o surgimento de outras duas correntes metodológicas: a objetiva

ou realista, defendida por Alberto Torres, e a sociológica, da qual diz ser ele mesmo o

primeiro a aplicar ao exame da sociedade brasileira e sua instituições políticas e de

direito público.

Estas novas correntes surgem como uma reação à metodologia clássica e ao

“marginalismo” político das elites. No entanto, o autor enfatiza a existência de

diferenças fundamentais entre as duas, estando a sociológica num estágio explicativo

mais avançado, em relação aos problemas brasileiros de ordem política.

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Para entender a crítica ao “marginalismo” político das elites elaborada por

Oliveira Viana e a solução proposta pelo autor para superar esta condição, iremos

estudar as análises do autor acerca das metodologias clássica e objetiva e,

posteriormente, sua proposta de uma nova metodologia explicativa dos problemas

políticos da nação, a metodologia sociológica.

Capítulo I – O Idealismo utópico das elites e o seu “marginalismo” político

Oliveira Viana relata que na execução de Cartas políticas “emprestadas” ou

“outorgadas” pode-se perceber a influência deformadora que estas sofrem quando se

confrontam com as condições sociais reais do “povo-massa”. No entanto, nossa elite de

legisladores e constitucionalistas não dá a devida importância a este fato e permanece

indiferente à sua existência.

Para o autor, nossa elite política e intelectual considera que a realidade do “povo-

massa”, com suas tradições, instituições, usos e costumes, pertence ao campo de

estudo de sociólogos, etnógrafos e historiadores sociais, e não tem importância quando

da elaboração das estruturas políticas e constitucionais.

Seguindo esta forma de pensar, nossas elites elaboraram as constituições de

1824 e 1891, como se pudessem ser implantados, de forma “automática”, o

parlamentarismo inglês no primeiro caso, ou o regime federativo americano no

segundo, “regimes ou sistemas de conduta política que o nosso povo, por quatro

séculos e meio de sua história nunca praticou; regimes ou sistemas inteiramente fora

dos seus hábitos mentais e sociais, inteiramente alheios às linhas habituais do seu

comportamento social na vida pública e que, portanto – para que fossem por ele

praticados com acerto e eficiência – seria preciso que ele realizasse uma mudança

radical de hábitos, de usos, de formas de conduta, com todas as dificuldades que esta

mudança importaria” (IPB, vol.II, p.16).

Os intelectuais brasileiros, segundo Oliveira Viana, valorizam excessivamente a

cultura estrangeira, tornando-se distantes das realidades à sua volta, e “podem ser, mui

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legitimamente, incluídos dentro da categoria dos “homens marginais” (marginal man) da

classificação de Park. Porque – como o tipo de Park – vivem todos eles entre duas

“culturas”: uma – a do seu povo, que lhes forma o subconsciente coletivo; outra – a

européia ou norte-americana, que lhes dá as idéias, as diretrizes do pensamento, os

paradigmas constitucionais, os critérios do julgamento político” (IPB, vol.II, p. 17).

O autor ressalta que esta supervalorização da cultura estrangeira levou a elite

intelectual e política a substituir o verdadeiro “animal político” brasileiro, com seus

usos, costumes e tradições, por um “animal político” só existente em suas teorizações,

quase uma entidade metafísica, um cidadão- tipo, um cidadão ideal. E é para este

cidadão ideal que são elaboradas nossas constituições, um modelo que não tem

realidade objetiva, e para o qual o citizen anglo-saxônico é quem mais se aproxima.

É a estes pensadores que Oliveira Viana chama “idealistas utópicos”, por

elaborarem suas teses e doutrinas a partir de “abstrações: - sobre meras hipóteses,

logo admitidas como verdades dogmáticas; sobre teses vagas, logo consideradas como

realidades objetivas. E tudo se passa como se a massa viva do povo, como se os

homens de carne e osso que deverão executar estas teses, por em prática estas

conclusões, deduzidas de premissas assim abstratas, não importassem no caso e

fossem apenas “des quantités negligéables...” ” (IPB, v. II, p.19).

Os “idealistas utópicos” têm plena confiança na norma escrita, como se esta

pudesse modificar, de forma “mágica”, as atitudes, costumes e tradições dos homens.

E esta confiança nas leis, no direito-lei, faz com que projetem todos os seus esforços

em atividades legísticas e hermenêuticas, buscando a perfeição dos textos, de forma a

adequa-los a uma Constituição- tipo ou a um regime- padrão, modelos esses

normalmente de inspiração européia ou norte-americana.

O processo de que se utiliza esta elite “marginal” na elaboração do direito-lei

torna patente, portanto, o desprezo pelo direito-costume. E é sobre a relação entre o

direito-lei, a lei escrita, e o direito-costume da “sociedade viva”, que focaremos o estudo

das metodologias “para a investigação do nosso direito público positivo: a metodologia

clássica...; a metodologia objetiva...; e a metodologia sociológica”. (IPB, v. II, p.28).

Através do estudo dessas metodologias vamos tentar entender as críticas e a solução

de Oliveira Viana para os desacertos políticos de nossas elites na condução da nação.

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Capítulo II – A metodologia clássica ou dialética de Rui Barbosa

Oliveira Viana aludindo à metodologia clássica, diz: “Os que tomam o caminho

exclusivo da norma e praticam a metodologia dialética, a que alude Rogher Pinto. Estes

desdenham a sociedade – e acreditam na existência de tipos universais de Estado. É o

caso de Rui” (IPB, v. II, p.28)

Rui Barbosa foi considerado por Oliveira Viana como o grande divulgador desta

metodologia no Brasil, sendo “o responsável supremo pela cultura política das gerações

republicanas e também por esta metodologia formalista ou dialética, que ainda persiste,

tenaz, nas gerações de agora...” (IPB, v.II, p.38).

Os defensores da metodologia clássica são os principais responsáveis, segundo

o autor, pelo já citado idealismo utópico e “marginalismo” político das elites.

Normalmente partidários do liberalismo e da democracia, acreditam poder copiar os

modelos de governo de países desenvolvidos e transformar a sociedade brasileira,

como num passe de mágica, numa sociedade liberal e avançada.

Oliveira Viana considera que os defensores desta metodologia esquecem-se de

nossa realidade, caracterizada pelo facciosismo e pela política de clã, e que, entre nós,

a descentralização e a defesa do self-government local, nos moldes liberais,

normalmente ocasiona a “anarquia rural”, e faz surgir a figura do caudilho, do coronel, e

de toda uma política contrária aos ideais democráticos, apesar de terem estes como

objetivo.

Julgam que é possível transpor instituições políticas características de outros

povos, com formação cultural e política totalmente diferentes da nossa, como os anglo-

saxões. Esquecem-se que “cada povo é uma entidade inconfundível; que cada um tem

a sua fórmula sociológica própria, o seu modo de vida privativo, que deriva das

peculiaridades da sua formação histórica e social; que, em cada povo, há uma

subestrutura de modos de ser, que não permitem a sua transformação nos modos de

ser de nenhum outro: - e que esta irreversibilidade estrutural se verifica principalmente

no campo das instituições políticas” (IPB, v.II, p.40).

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Oliveira Viana faz críticas contundentes à metodologia utilizada por Rui Barbosa

e seus contemporâneos, mas ressalta a existência de três motivos que justificam os

erros e fragilidade desta doutrina política.

Primeiramente, “O estado ainda embrionário das ciências sociais e da ciência

política na sua época” (IPB, v.II, p.50), pois estas sofreram grande evolução após a 1a

Guerra Mundial, momento de grandes transformações sociais e políticas. Destaca-se

ainda que, na década de 1920, as ciências sociais desprendem-se da filosofia social e

adquirem status de ciência objetiva, tornando-se menos especulativas e dedutivistas e

mais científicas.

O segundo motivo indicado é “O estado ainda rudimentar , em sua época, do

conhecimento do nosso povo”, que só após 1920 começou a ser pesquisado de forma

científica, e Rui Barbosa, tendo falecido em 1923, não chegou a conhecer o Brasil real,

concreto, objetivo. (IPB, v.II, p.52)

O terceiro motivo relatado é o fato de que “Como todos os seus contemporâneos,

Rui – nestes assuntos de ciência política e direito público – identificava os meios da sua

tecnologia com os fins da sua ideologia”, de forma que não via outros meios de

alcançar seus “fins (governo do povo, liberdades civis e políticas, administração local,

ordem pública, paz social, progresso, grandeza nacional)”, a não ser pelos meios já

constituídos na democracia inglesa ou norte-americana, desconhecendo a

possibilidade, que sobreveio depois de sua morte, quando a “ciência política mostrou

ser possível atingirem-se estes mesmos ideais adotando meios diferente dos

consagrados pelo Estado Liberal. Como, por exemplo, os que substituem o sufrágio

universal pelo sufrágio corporativo. Ou os partidos políticos pelos grupos corporativos.

Ou que reduzem o primado do Poder Legislativo, assegurando-lhe apenas uma

competência limitada...Sem que nada disso, entretanto, significasse deixar de manter

fidelidade aos ideais da Democracia...” (IPB, v.II, p. 52 e 53)

Um dos erros mais relevantes dos defensores da metodologia clássica é a

crença de que uma técnica ou instituição aplicada a um determinado povo terá os

mesmos resultados se aplicados a qualquer outro povo, mesmo que este tenha se

desenvolvido em condições sociais e ecológicas totalmente diferentes. Oliveira Viana

ressalta que a ciência social e a experiência histórica de “hoje” (refere-se a 1948, data

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de elaboração do livro) mostram exatamente o contrário, e que, na verdade, os

resultados deste transplante podem ser totalmente diferentes e possivelmente

contrários ao esperado.

E o Brasil, durante muito tempo sob a influência da metodologia clássica, que

“ainda persiste, tenaz, nas gerações de agora – já meio contagiada das ciências sociais

e suas lições” (IPB, v.II, p.38), termina por sofrer os inconvenientes e as inadaptações

de muitas Constituições e estruturas políticas transplantadas, “estranhas” ao

comportamento político do “povo-massa”, o verdadeiro Soberano da nação.

Capítulo III – A metodologia objetiva ou realista de Alberto Torres

A metodologia objetiva, assim como a metodologia sociológica, surge de um

processo de reação à metodologia clássica, quando as ciências jurídica e política

começam a adquirir maior cientificidade e objetividade.

As três metodologias têm seus cernes ideológicos na interpretação que fazem do

fenômeno jurídico. Oliveira Viana divide o fenômeno jurídico em dois aspectos, o direito

como norma que é a lei escrita, e o direito na sua face sociológica, o costume. “O

primeiro tipo de estudo – do nosso direito constitucional – tem o seu fulcro na obra de

Rui... O segundo tipo de estudo... tem o seu primeiro padrão nos ensaios de Torres,

começando com a pioneiragem de Silvio e Euclides. Depois, no estudo sistemático e

rigorosamente científico que, nos meus livros, venho fazendo da história e da sociologia

das nossas instituições políticas e partidárias” (IPB, v.II, p.61).

Ao observarmos a inclusão de Torres e Oliveira Viana no grupo incluído no

segundo tipo de estudo citado acima, vemos que as duas novas metodologias têm um

caminho metodológico inicial único. O que trazem de novo é uma análise dos

problemas políticos e constitucionais como problemas objetivos, da realidade cultural

brasileira. Passa-se a buscar, então, o conhecimento do comportamento do “animal

político” brasileiro, suas instituições, usos e costumes para que se possibilite a

composição de leis e constituições adequadas e capazes de serem executadas de

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forma real. Supera-se, desta forma, a especulação doutrinária e filosófica característica

da metodologia clássica de Rui Barbosa.

Este caminho metodológico inicial das metodologias objetiva e sociológica já

estava revolucionando a Europa e a América do Norte, e sua aplicação foi feita

inicialmente no Brasil por Sílvio Romero e Alberto Torres. Este último foi responsável

por uma aplicação mais sistematizada do método e de ter construído “senão uma

ciência política, pelo menos uma pragmática política para o nosso Brasil” (IPB, v.II,

p.62).

No entanto, Torres ainda tinha, segundo Oliveira Viana, uma visão mais ligada à

filosofia social e não propriamente à ciência social, em virtude de sua ligação com a

forma de pesquisa dos sociólogos europeus, que não discriminavam de forma correta a

filosofia e a ciência social. Distinção, que “só a América do Norte, com suas ativas e

dinâmicas coortes de sociologistas, investigadores, estatistas, ecologistas, etc.,

conseguiu realizar com nitidez e precisão” (IPB, v.II, p.63). Torres, para Oliveira Viana,

estudava a realidade mais como um filósofo do que como um investigador à moda

americana, sendo na verdade um pensador e não um sociólogo.

Torres, utilizando a metodologia objetiva, agia como um filósofo social quando

abordava os fatos, analisando-os do geral para o particular, o que Oliveira Viana

considera um erro metodológico, pois afirma que o correto ao se fazer ciência social é a

análise feita do particular para o geral. Em suas palavras: “do fato local para o fato

nacional; da célula para o tecido; do tecido para o órgão; do órgão para o organismo

nacional: - do “grande domínio” para o “clã” e do “clã” para o “partido”; do governo

dominical para o governo municipal...” (IPB, v.II, p.65).

Vemos então, que a metodologia objetiva apresenta-se, na visão de Oliveira

Viana, como uma evolução em relação à metodologia clássica, pois não acredita na

existência de tipos universais de Estado, e vê a necessidade de adaptar a Constituição

à realidade social de cada povo para a qual é elaborada.

No entanto, ainda apresenta deficiências. Uma delas em sua parte investigativa,

ao apresentar-se, quando da análise dos fatos, mais como uma filosofia social do que

como uma ciência social. Outra deficiência aparece no âmbito ideológico, devido à

excessiva confiança no “poder transformador do Estado e na capacidade da lei e das

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elites para remodelarem as sociedades e darem-lhes novos fundamentos ou novas

estruturas” (IPB, v.II, p.29).

Capítulo IV – A metodologia sociológica de Oliveira Viana

Como já vimos no capítulo anterior, Oliveira Viana mostra haver um objetivo

comum a ele e Alberto Torres. Ambos propõem-se a estudar o Estado brasileiro

inserido em sua realidade social, atividade que, com a metodologia clássica, era

realizada somente “in abstrato, de acordo com os “princípios” e as doutrinas – e não de

acordo com as realidades do nosso povo” (IPB, v.II, p.70).

No estudo das instituições políticas brasileiras, Oliveira Viana decide investigar

os resultados da aplicação, na realidade brasileira, das Constituições de origem

“marginalista” transplantadas por nossas elites, desde 1824. Para o autor, tudo indicava

que estas Constituições, ao se defrontarem com as tradições, usos e costumes do

“povo-massa” teriam sofrido distorções de tal ordem que, quando não perderam

totalmente sua aplicação, tornaram-se deturpadas em relação a seus objetivos.

O projeto de Oliveira Viana é totalmente diferente de todos que anteriormente a

ele estudaram as instituições políticas e analisaram as estruturas constitucionais do

país. Sua proposta é analisar as Constituições brasileiras em sua relação com a

realidade do “povo-massa”, de acordo com os princípios das ciências sociais, e não da

forma hermenêutica até então utilizada.

Oliveira Viana começa por tentar entender a realidade do “povo-massa”, “sua

formação histórica e antropogeográfica, o povo brasileiro na realidade da sua vivência

política – vivência quotidiana, íntima, doméstica por assim dizer” (IPB, v.II, p.71).

Seu objetivo inicial era analisar o homem brasileiro em geral, mas, por prudência,

resolve concentrar sua pesquisa sobre o homem do centro-sul e posteriormente, sobre

o homem do extremo-sul. O autor continua: “Busquei então – deste campo limitado –

fixar objetivamente o comportamento destes grupos provinciais em face dos poderes

públicos, e a sua capacidade, não só para criarem os órgãos políticos e administrativos

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do Estado, como também para exercê-los nos diversos estágios de sua tríplice

estruturação (municípios; províncias; nação). Mais ainda: procurei precisar,

cientificamente, a amplitude e a profundidade da consciência cívica de cada um deles,

o grau da sua vocação política e de seu interesse pela vida pública, que os regimes das

Constituições em vigência presumiam” (IPB, v.II, p.71).

Em suas investigações acerca da realidade do “povo-massa”, uma das primeiras

constatações de Oliveira Viana é o fato de que o Brasil não se apresenta como uma

uniformidade, como pensava Alberto Torres, e sim como um país descontínuo e

ganglionar, e que isto seria uma conseqüência, principalmente da forma pela qual se

processou a colonização brasileira.

Nos povos europeus, o crescimento populacional e a conseqüente expansão da

área habitada se deu na forma de “mancha de azeite”, que estimulou o espírito de self-

government, de participação dos habitantes na atividade política do governo local. A

concentração dos indivíduos em uma determinada região ocasionou a dependência de

uns para com os outros na gerência de bens e atividades comuns, como utilização da

água, construção de pontes, utilização da terra comum, entre outros. Em conseqüência,

os povos europeus foram educados através dos séculos a entender a importância da

cidadania. Ressalta-se, ainda, que esta forma progressiva de povoamento garantiu uma

certa uniformidade cultural entre os povos europeus e também no povo norte-

americano.

No Brasil, entretanto, o povoamento ocorreu de forma bem característica,

totalmente diferente do europeu e norte-americano. No processo inicial de colonização,

as normas ditadas pela metrópole para a ocupação das terras, obrigavam que as

propriedades tivessem enormes distâncias desocupadas entre elas. O objetivo de

Portugal era, desta forma, conseguir ocupar um país de dimensões continentais como o

Brasil, para que o mesmo não ficasse à mercê da invasão de outros países. Agravando

este processo, aparece no século XVII, o ciclo bandeirante, realizando a “colonização

por saltos”. Esses dois fatores de ordem histórica inviabilizaram o contato e intercâmbio

material e espiritual entre os núcleos populacionais. Por conseguinte, formaram-se no

Brasil, núcleos de povoamento isolados entre si, com características próprias.

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Estes núcleos populacionais se fixavam, normalmente, em torno do domínio de

um senhor fazendeiro ou de engenho. Seu isolamento trouxe uma realidade comum, a

necessidade dos proprietários de contarem apenas com sua própria força e trabalho,

dependendo do mundo além de suas propriedades o mínimo possível e tornando-se,

portanto, auto-suficientes. Esta necessidade de ordem histórica foi um dos fatores

geradores do espírito de “clã” e do facciosismo característico da personalidade do

homem brasileiro e de sua história política.

Oliveira Viana ressalta que, na determinação das características do

desenvolvimento específicas de cada grupo local, existe uma fórmula sociogênica, que

vai determinar estas características através de infinitas combinações entre os fatores:

meio, raça e cultura. É dessa combinação que surgem as características dos diferentes

grupos regionais.

Ao estudar a capacidade política destes grupos locais, ou seja, “sua capacidade

para organizar e exercer os poderes públicos”, Oliveira Viana destaca, a grosso modo,

três grandes grupos, “de acordo com as nossas três grandes diferenciações regionais,

antropogeograficamente caracterizadas: a) o grupo do Centro-Sul (paulistas, mineiros,

fluminenses); b) o grupo do Nordeste (populações sertanejas propriamente ditas); c) o

grupo do Extremo-Sul (populações pastoris dos pampas)“ (IPB, v.II, p.81).

O que deve ser destacado é o fato de que cada um destes grupos tem sua

própria cultura política, o que se contrapõe à idéia de Brasil como uma unidade cultural

constituída, como acreditam os seguidores das metodologias clássica e objetiva. O

autor considera que a unidade culturológica é um objetivo a ser atingido, mas que é um

erro considerá-la um fato da nossa realidade.

Oliveira Viana ressalta que, desde 1700, há uma ação consciente do Estado no

intuito de estabelecer uma unidade brasileira, mas que esta só foi conseguida, até

então, “no espírito das elites cultas – e não na consciência do povo-massa” (IPB, v.II,

p.82). “Objetivamente – ou melhor, cientificamente considerada – a nossa população

nacional constitui apenas um conglomerado de nódulos culturais que caminham para

uma unificação geral – à medida que a circulação material e espiritual cresce e se

intensifica. Esta unificação o Império procurou realizá-la – e assim mesmo sob o

aspecto político e jurídico – apenas pelos cimos, como já demonstrei; não chegando,

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porém, aos alicerces, às substruções da nacionalidade – à massa, ao povo

propriamente dito” (IPB, v.II, p.84).

É esta característica pluricultural brasileira que as elites legisladoras não

respeitam, quando propõem constituições copiadas a modelos de outros povos, como o

inglês, onde existe uma unidade cultural única e consciente.

Oliveira Viana, referindo-se ao povo brasileiro, destaca a importância de “levar

em conta sempre as diferenciações da capacidade política dos seus diversos grupos

populacionais, as suas variações regionais indiscutíveis...” E completa: “Esta

compreensão do Brasil, na sua peculiar estruturação morfológica e cultural é a base de

toda a minha doutrina política” (IPB, v.II, p.84).

Podemos então concluir a existência de alguns pontos centrais da metodologia

sociológica. Assim como os defensores da metodologia objetiva, não acredita nos

modelos universais de Estado. Além disso, não confia que o Estado tenha uma força tal

capaz de agir como elemento de reestruturação da sociedade, como acredita a

metodologia de Alberto Torres. “Acreditam ou reconhecem a capacidade criadora do

povo-massa e aceitam estas criações como fatos naturais da sua vida social e

orgânica. Fatos que os técnicos do direito público estão no dever preliminar de

considerar e estudar antes de erigirem as suas construções jurídico-políticas: - as suas

Constituições” (IPB, v.II, p.28).

Capítulo V – Conclusão

Oliveira Viana ao utilizar a metodologia sociológica na análise da realidade

política e social da sociedade, inaugura um novo estágio de entendimento do processo

evolutivo das instituições políticas brasileiras.

O autor mostra que existe um conjunto de fatores, a cultura, a raça e o meio, que

fizeram com que o “povo-massa” adquirisse características de tal forma peculiares que,

qualquer projeto político, qualquer nova doutrina ou constituição que se tentasse

executar, deveriam estar atentos a estas peculiaridades.

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Enfatizou que tentar “copiar” uma constituição ou um sistema de governo

estranhos aos usos, costumes e tradições do povo brasileiro, e que não comportasse

sua característica de povo pluricultural, poderia trazer graves inconvenientes e até

mesmo efeitos contrários aos pretendidos.

As elites intelectuais, que Oliveira Viana critica, tentaram implantar no Brasil

constituições e regimes políticos de base liberal e democrática, considerados os mais

adiantados e progressistas da época.

Oliveira Viana, quando se opôs a estes intelectuais, direcionou suas críticas não

para os fins liberais e democráticos de suas idéias, e sim aos meios utilizados, como a

“outorga” de constituições de inspiração estrangeiras que, para o autor, terminam por

constituir-se em “idealismo utópico”, ao não levarem em consideração as características

da nação e tentarem “transplantar” sistemas de leis e regimes de governo estranhos ao

“povo-massa”.

Oliveira Viana defende a centralização do poder, constituído em um governo

forte, e critica os defensores do federalismo. Entretanto, seu objetivo final é também

uma nação liberal e democrática.

O autor se coloca como um nacionalista e considera que, para a situação política

brasileira, um governo central forte tem maiores possibilidade de instituir uma

verdadeira democracia do que um sistema que favoreça a autonomia de províncias e

municípios, situação essa que, segundo ele, tende a estimular a política oligárquica em

detrimento de uma política de integração nacional.

É daí que decorre a noção de Oliveira Viana como ideólogo do autoritarismo

instrumental, doutrina que defende a necessidade de um governo central forte e

autoritário agindo como instrumento de implantação de uma sociedade liberal e

democrática.

Antônio Paim, num artigo incluído no livro de Oliveira Viana intitulado “Oliveira

Vianna e o Pensamento Autoritário no Brasil” cita os comentários de Wanderley

Guilherme acerca do autoritarismo instrumental. Wanderley Guilherme destaca algumas

idéias de Oliveira Viana que o colocam como um dos ideólogos desta doutrina, na fala

deste último: “Quando os conservadores reagiram e deram início à centralização

imperial, os perdedores teriam sido os proprietários de terra e não os“cidadãos”. O

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sistema republicano, continua Oliveira Viana, não alterou o padrão básico das relações

sociais e econômicas. A sociedade brasileira ainda era basicamente oligárquica,

familística e autoritária. A intervenção do Estado não representava, portanto, uma

ameaça para os “cidadãos”, mas sim sua única esperança, se é que havia alguma, de

proteção contra os oligarcas. Qualquer medida de descentralização, enquanto a

sociedade continuasse a ser o que era, deixaria o poder cair na mão dos oligarcas, e a

autoridade seria exercida mais para proteger os interesses privados dos oligarcas, do

que para promover o bem público. Em conseqüência, o liberalismo político conduziria,

na realidade, à oligarquização do sistema e à utilização dos recursos públicos para

propósitos privados” (IPB, v.II, p.179).

É importante destacar a força que esta doutrina alcançou, tendo sido aceita e

utilizada por grande número de políticos que, após a revolução de 1930, buscaram o

estabelecimento de um governo forte, com o objetivo de desmontar as bases da antiga

sociedade não liberal. Em 1964, quando novamente questiona-se a validade do sistema

democrático para o bem da nação, o autoritarismo instrumental aparece novamente, em

feição renovada, não mais em oposição ao sistema representativo, mas como suporte

às reformas econômico-sociais necessárias ao objetivo de instalar um verdadeiro

sistema liberal no Brasil.

Podemos notar, portanto, uma dupla contribuição de Oliveira Viana, uma delas

de ordem doutrinária, a partir de suas idéias políticas que influenciaram fortemente sua

geração e as gerações seguintes, e outra, a metodologia sociológica implantada por ele

no Brasil, trazendo uma nova abordagem metodológica de análise das realidades socio-

políticas brasileiras, possibilitando que o estudo da nossa sociedade viesse a se

realizar de forma mais objetiva e científica.

Oliveira Viana, apesar de considerar a cultura dos povos europeus e norte-

americano superior à cultura brasileira, acreditava no potencial evolutivo da nação e,

buscava, da sua forma, contribuir para superar as idéias que considerava impeditivas

desta evolução, entre elas, o pensamento “marginalista” das elites brasileiras. Oliveira

Viana sofre muitas críticas acerca de suas idéias racistas e autoritárias, mas

acreditamos não poder-se negar seu espírito nacionalista e suas contribuições

metodológicas e mesmo doutrinárias ao pensamento político brasileiro.

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