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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
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ONDE ESTÁ O TURISMO NO BRASIL? UMA EXPLORAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ACTs A PARTIR DA RAIS.
MAURÍCIO RAGAGNIN PIMENTEL1
Resumo: Este é um estudo exploratório da distribuição espacial das Atividades Características do
Turismo (ACTs) no Brasil tendo como fonte a RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego, desagregada em nível municipal. Além dos números absolutos, buscou-se caracterizar a especialização dos territórios municipais em ACTs através da medida de seus Quocientes Locacionais (QLs). A apresentação dos resultados é composta por três momentos: 1) números absolutos de vínculos em ACTs; 2) ponderação dessa repartição com os índices de especialização dos municípios nessas atividades, medidos por seus QLs; 3) produto entre QLs e vínculos empregatícios apenas das atividades de alojamento. A distribuição apresenta-se desigual e concentrada do turismo no país, com destaque para as áreas urbanas e para o litoral. Palavras-chave: Distribuição espacial; ACTs; Turismo no Brasil.
Abstract: This is an exploratory study about the spatial distribution of Tourism Characteristic
Activities (TCA) in Brazil at a municipal level using RAIS, a Ministry of Labor dataset. Other than the absolute figures, the municipal territories specialization in TCAs was calculated through its Location Quotients (LQs). The results presentation is in a three-fold way: 1) TCAs absolute figures; 2) balance between TCAs absolute figures and LQs; 3) the product of LQs and occupational links only to the accommodation activities. The spatial distribution of tourism in Brazil is uneven and concentrated, with a highlight to urban areas and to the coastline.
Key-words: Spatial distribution; TCAs; Tourism in Brazil.
1 –Introdução
A Geografia é caracterizada por sua preocupação com o espaço e com a
dimensão espacial dos fenômenos (CLAVAL, 2011). Neste sentido, uma
contribuição básica concerne à distribuição espacial de determinado objeto de
estudo como passo para a compreensão teórica de sua lógica espacial.
Pearce (1987, p.02) apontou como objetivo dos estudos sobre turismo e
espaço “contribuir para o planejamento, desenvolvimento e gerenciamento do
turismo desde uma perspectiva geográfica”. Já Lozato-Giotart (2002) indica os
efeitos espaciais provocados pela expansão do turismo como objeto de interesse da
Geografia, que deveria se debruçar sobre os problemas geográficos que o turismo
como produto da relação entre sociedade e natureza engendra. Independente do
1 Acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-
mail de contato: [email protected]
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sentido dado à abordagem geográfica do turismo, a produção de uma cartografia
temática com indicadores que lhes são proxys2 é uma constante metodológica.
Dados como os indicadores de fluxo obtidos através do controle de fronteiras, a
capacidade de oferta de equipamentos turísticos, a receita tributária de empresas
turísticas, ou estoque de empregados em atividades características do turismo
(ACTs) são alguns dos subsídios utilizados na busca por compreender o
comportamento espacial deste fenômeno. No entanto, cada um traz restrições e
implicações para o que é definido como turismo. Duas dificuldades principais são:
distinguir o turismo de outras formas de mobilidade e diferenciar o consumo de
visitantes daquele de moradores.
Neste trabalho a proposta é realizar um estudo exploratório da
distribuição espacial das ACTs no Brasil, a partir da base de dados da Relação
Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Assim, procura-se caracterizar em que medida os territórios municipais têm sua
população engajada na produção no setor de turismo, sendo esse um indicador de
sua “turisticidade”.
As ACTs incluem bens e serviços que são Produtos Característicos do
Turismo, definidos como “aqueles que deixariam de existir em quantidade
significativa ou para os quais o nível de consumo seria sensivelmente diminuído em
caso de ausência de visitantes” (IBGE, 2010, p.9). De modo geral, as ACTs
envolvem: alojamento, alimentação, transportes, serviços de agências e operadoras
de turismo, e atividades vinculadas ao entretenimento e à produção cultural.
Particularmente neste estudo optamos por também incluir atividades imobiliárias,
como uma forma de melhor contemplar destinos que têm nas residências
secundárias a principal oferta de alojamento para seus visitantes. A Organização
Mundial do Turismo (OMT) tem feito recomendações sobre o agrupamento das
ACTs para a produção de estatísticas internacionais. No Brasil, o Ministério do
Turismo (2011) compatibilizou essa seleção à Classificação Nacional de Atividades
Econômicas (CNAE 2.0) do IBGE.
2 Proxy: termo de língua inglesa que pode ser traduzido como procurador, ou seja, um termo que atua no lugar de
outro. Por exemplo, as medidas de PIB seriam um proxy da riqueza produzida em determinado território.
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2 – Metodologia
Nesta seção apresentamos as principais escolhas e os procedimentos
que realizamos para obter os resultados que estão expostos no próximo subtítulo. A
opção pela RAIS deveu-se à sua cobertura nacional em escala municipal e à sua
disponibilidade de acesso online. Outra motivação foi o fato de não termos
encontrado trabalhos que utilizassem a mesma fonte com o mesmo propósito.
É interessante ressaltar algumas limitações dos dados da RAIS. A
primeira é que a fonte diz respeito apenas aos vínculos em emprego formal, não
incluindo os proprietários, familiares não remunerados, bem como trabalhadores
autônomos ou que não têm carteira assinada. Outros trabalhos utilizam os
microdados do Censo e da PNAD como meio de também captar o mercado informal
(COELHO, 2011; RIBEIRO el al, 2014). A taxa de formalidade do emprego varia
tanto entre as ACTs, quanto entre as macrorregiões brasileiras. Outra possível
insuficiência para o propósito de uma análise de distribuição espacial é a
probabilidade de alguns estabelecimentos com sedes em distintos municípios
registrarem seus vínculos apenas na matriz. Por fim, há de se considerar que não é
possível avaliar em que medida a existência de postos de trabalho se deve à
demanda turística, ou à demanda de residentes3. Isso é particularmente crítico nas
atividades vinculadas à alimentação, que também agrupam o maior número de
vínculos dentre as ACTs. Neste sentido, além do conjunto das ACTs, analisamos
individualmente as atividades de alojamento, por ser um serviço altamente
demandado por visitantes e pouco requisitado por residentes. Pearce (1987) aponta
a oferta de alojamento como um proxy adequado para estudar a distribuição do
turismo doméstico. Além disso, o setor de hospedagem é o que apresenta maior
proporção de vínculos formais (COELHO, 2011) em nível nacional, com 72% no ano
de 2008.
Entre as diversas variáveis disponíveis da RAIS, utilizamos: o estoque de
vínculos de emprego formal e número de estabelecimentos declarantes. Os dados
foram estratificados por município e realizamos consultas sobre o conjunto
3 O IPEA, com apoio do Ministério do Turismo, desenvolveu no âmbito do Sistema de Informações sobre o
Mercado de Trabalho no Setor de Turismo metodologias para lidar com essa questão. No entanto, ainda não
abrangem a escala municipal que é o foco deste estudo.
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selecionado como ACTs (tabela 01), bem como sobre o conjunto de todas as
atividades existentes. O recorte temporal utilizado foi o agregado de 2002 a 2013,
período em que a consulta pela CNAE 2.0 está disponível. Optamos pela forma
agregada por objetivar a análise de uma tendência geral e não sua dinâmica de
variação ano a ano. Ao trabalhar com conjunto também visamos minimizar as
possíveis distorções de registros que, por ventura, possam estar equivocados para
algum munícipio em determinado ano. Outra variável utilizada de forma
complementar foram os dados populacionais dos municípios do Censo de 2010
(IBGE, 2015), bem como a classificação que este Instituto faz dos municípios
baseada em seu número de habitantes.
Tabela 1 Grupo das atividades consultadas como ACTs
Classe CNAE 2.0
Descrição da atividade
49124 Transporte metroferroviário de passageiros
49221 Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacional
49299 Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormente
49507 Trens turísticos, teleféricos e similares
50220 Transporte por navegação interior de passageiros em linhas regulares
50912 Transporte por navegação de travessia
50998 Transportes aquaviários não especificados anteriormente
51111 Transporte aéreo de passageiros regular
51129 Transporte aéreo de passageiros não-regular
55108 Hotéis e similares
55906 Outros tipos de alojamento não especificados anteriormente
56112 Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas
56121 Serviços ambulantes de alimentação
56201 Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada
68102 Atividades imobiliárias de imóveis próprios
68218 Intermediação na compra, venda e aluguel de imóveis
68226 Gestão e administração da propriedade imobiliária
77110 Locação de automóveis sem condutor
77217 Aluguel de equipamentos recreativos e esportivos
79112 Agências de viagens
79121 Operadores turísticos
79902 Serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente
90019 Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares
90027 Criação artística
90035 Gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades
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artísticas
91023 Atividades de museus e de exploração, restauração artística e conservação de lugares e prédios históricos e atrações similares
91031 Atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental
92003 Atividades de exploração de jogos de azar e apostas
93115 Gestão de instalações de esportes
93191 Atividades esportivas não especificadas anteriormente
93212 Parques de diversão e parques temáticos
93298 Atividades de recreação e lazer não especificadas anteriormente
Fonte: elaboração dos autores.
Como parâmetro para escolha das ACTs utilizamos o trabalho do DEPES
do Ministério do Turismo (2011). Cabe pontuar que, além desse conjunto,
agregamos as atividades imobiliárias, embora essas não tenham demonstrado
influência significativa no quadro geral de distribuição espacial do conjunto das
ACTs.
Além de tratar dos registros de emprego nas ACTs em termos absolutos,
buscamos considerar o peso relativo desse conjunto para a economia de cada
município. Ou seja, em que medida os territórios são especializados na produção de
bens e serviços para demanda turística? Em que medida tal produção é considerada
uma atividade propulsiva e diferenciadora daquele subespaço em relação a outros
arranjos territoriais? A noção de especialização indica que determinada produção é
exportada, atingindo um mercado que transborda os limites do público composto
pelos consumidores que residem em determinado território (PAIVA, 2013).
Um indicador para considerar o grau de especialização produtiva de
determinada área é o Quociente Locacional (QL). Como podemos ler em Paiva
(2013, p.77), North (1955, p.300) aponta que o QL “compara a concentração de
emprego de uma determinada indústria em uma área (a economia objeto) com outra
área (a economia referência)”. Assim, o QL resulta do quociente entre: A – emprego
em determinado setor da área objeto dividido pelo emprego total naquela área, e B –
emprego em determinado setor da área referência dividido pelo emprego total da
área de referência. Considerando que os padrões de consumo são semelhantes
entre as áreas pesquisadas, a área objeto e a área referência, um QL elevado
significa que a área objeto possui proporcionalmente mais mão de obra empregada
para produção naquela determinada atividade, e provavelmente sendo ela mais
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especializada que a área referência sob esse aspecto. Neste caso a área objeto
eram os municípios individualmente e área referência o conjunto desses, o Brasil.
Uma consideração a ser feita em relação à especialização territorial no
setor de serviços, é que grande parte dessas atividades solicita o deslocamento da
demanda para seu consumo, e não o trânsito dos produtos, como no setor primário
e secundário. Geram-se, portanto, mobilidades, que são tomadas indistintamente
como sinônimo de turismo em definições deste fenômeno centradas no prisma
econômico.
Cabe ainda registrar que para a produção dos mapas temáticos utilizamos
a base cartográfica da divisão administrativa municipal brasileira disponibilizada pelo
Ministério das Cidades (CIDADES, 2015). Testamos diferentes procedimentos para
realizar o agrupamento e categorização dos municípios, tendo em vista os
resultados obtidos. Ao fim o método hierárquico Ward, da soma dos quadrados
(HAIR, 2010), nos pareceu o mais apropriado para a definição dos clusters nos
níveis superiores. Para a elaboração dos mapas os valores inferiores à soma entre
média e desvio padrão foram agrupados como um conjunto único, pois sua
consideração não era pertinente ao objetivo proposto.
3 – Resultados
Dividimos a apresentação dos resultados em três partes: números
absolutos de vínculos em ACTs; a ponderação dessa repartição com a
especialização territorial dos municípios nessas atividades, medida por seus QLs; e
o produto entre as variáveis padronizadas QLs e Vínculos apenas das atividades de
alojamento.
Em termos absolutos, a consulta realizada apontou a existência de
23.542.344 de vínculos em ACTs no período de 2002 a 2013. Isso representa 3,42%
do conjunto total de 687.864.814 de vínculos no período. A distribuição do número
de vínculos e de estabelecimentos por setores (agrupamento de atividades) pode
ser conferida na tabela 02.
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Tabela 2 - Distribuição do número de vínculos e de estabelecimentos por setores das ACTs
Vínculos % Estabelecimentos %
Agências de viagem 757.189 3,22% 208.165 4,21% Entretenimento e cultura 1.023.451 4,35% 468.023 9,47% Imobiliária 1.192.903 5,07% 508.230 10,28% Transportes 3.482.058 14,79% 351.315 7,11% Hospedagem 3.663.169 15,56% 330.554 6,69%
Alimentação 13.423.574 57,02% 3.075.783 62,24% Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS.
Outra análise realizada foi o cruzamento do número de vínculos, e de
estabelecimentos, em ACTs com a população dos municípios, segundo o censo de
2010 (IBGE, 2015).
Tabela 3 - Número de vínculos e de estabelecimento por classe de município.
População do município
Vínculos ACTs % Estabelecimentos ACTs %
Até 5 mil 112.770 0% 88.357 2%
De 5 a 10 mil 251.335 1% 152.769 3%
De 10 a 20 mil 629.218 3% 338.503 7%
De 20 a 50 mil 1.796.509 8% 658.219 13%
De 50 a 100 mil 1.746.040 7% 509.896 10%
De 100 a 500 mil 6.414.954 27% 1.342.255 27%
Mais de 500 mil 12.591.518 53% 1.852.071 37%
Total 23.542.344 100% 4.942.070 100%
Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS e no Censo 2010.
Constata-se a correlação entre turismo, medido através dos vínculos em
ACTs, e urbanização, identificada pela concentração do número de habitantes. Os
municípios com população superior a 100 mil habitantes concentram 80% dos
vínculos em ACTs. O que recorda que “o turismo não constitui uma simples
atividade funcional assentada em uma organização de suporte urbano, mas sim um
elemento e um vetor de afirmação da urbanidade contemporânea” (LUSSAULT &
STOCK, 2012).
Da mesma forma, se observa uma concentração das ACTs nas regiões
mais populosas e urbanizadas do país (tabela 04 e mapa 01). O destaque é a região
sudeste, em que o Estado de São Paulo concentra 30,4% dos vínculos formais em
ACTs no Brasil, seguido de Rio de Janeiro (13%), Minas Gerais (10,2%). Cabe
ressalvar a limitação da RAIS em considerar apenas os vínculos formais. Em
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estudos que buscam incluir vínculos informais (COELHO, 2011), a região nordeste
tem maior participação que a região sul.
Tabela 4 - Número de vínculos e de estabelecimentos por macrorregião.
Macrorregião Vínculos ACTs % Estabelecimentos ACTs %
Norte 872.927 4% 133.655 3%
Centro-oeste 1.900.141 8% 325.420 7%
Nordeste 3.592.947 15% 621.079 13%
Sul 4.064.454 17% 1.167.840 24%
Sudeste 13.111.875 56% 2.694.076 55%
Total 23.542.344 100% 4.942.070 100%
Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS.
Mapa 1 - Distribuição espacial dos vínculos em ACTs
Fonte: elaboração dos autores.
Além da distribuição absoluta dos vínculos em ACTs, nelas consideramos
ainda a especialização dos territórios através do cálculo dos QLs. Do total de 5.564
registros municipais verificou-se que 3.840 tinham um QL inferior à média. Por outro
lado, 591 municípios apresentam QL acima de 1, indicando certa especialização, e
desses 373 com ao menos um desvio padrão superior à média (acima de 1,25).
Esse resultado aponta o desenvolvimento desigual e concentrado do turismo, pois
para a grande maioria dos municípios as ACTs não empregam significativamente a
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sua população. A tabela 05 apresenta as estatísticas principais dos QLs tendo em
vista a classe populacional dos municípios.
Tabela 5 Estatísticas dos QLs das ACTs por classe de municípios
População do município Média de QL ACTs
Mín. Máx. σ QL ACTs
Até 5 mil 0,28 0,00 14,74 0,76
De 5 a 10 mil 0,35 0,00 9,19 0,71
De 10 a 20 mil 0,40 0,00 11,04 0,81
De 20 a 50 mil 0,59 0,00 10,72 0,89
De 50 a 100 mil 0,75 0,00 5,10 0,66
De 100 a 500 mil 0,98 0,07 7,42 0,67
Mais de 500 mil 1,09 0,70 1,55 0,23
Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS e IBGE.
Os municípios com maior população apresentam uma média de seus QLs
mais alta, no entanto o menor desvio padrão e os valores máximos pouco elevados
indicam sua pouca especialização em ACTs, justificada por sua economia
diversificada. Em contrapartida, dos municípios menores alguns têm um QL
elevado, indício de especialização em ACTs, embora em termos absolutos o número
de vínculos seja, muitas vezes, pouco expressivo. Para balancear essas situações
utilizamos como indicador o produto dos escores padrão das varáveis QLs e número
de vínculos em ACTs. Os resultados foram classificados em seis agrupamentos pelo
método Ward (tabela 6). Os valores negativos a para maioria dos municípios
reforçam a noção de que as ACTs são espacialmente concentradas. A tabela ainda
apresenta o número de municípios em cada classe por macrorregião.
Tabela 6 - Distribuição por classes dos produtos entre QLs e Vínculos (valores padronizados)
Classes Nº. municípios % N CO NE S SE
Classe F de -0,21 a -0,02 4058 72,93% 346 319 1521 841 1031
Classe E de -0,02 a 0,29 1051 18,89% 80 109 182 256 424
Classe D de 0,29 a 1,15 354 6,36% 18 28 64 71 173
Classe C de 1,18 a 3,36 77 1,38% 5 8 17 13 34
Classe B de 3,86 a 8,49 22 0,40% 2 9 7 4
Classe A acima de 8,49 2 0,04% 2
Total 5564 100% 449 466 1793 1188 1668 Fonte: elaboração dos autores.
No mapa com a distribuição espacial das classes de valores mais
elevados (mapa 02) nota-se que além da concentração em áreas urbanizadas há
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uma presença importante das ACTs no litoral, embora não de modo homogêneo.
Afora os balneários marítimos, ainda se distingue a presença de estações termais,
estâncias climáticas e destinos ecoturísticos.
Mapa 2 - Produto entre variáveis padronizadas QLs e vínculos em ACTs
Fonte: elaboração dos autores
A aglomeração urbana figura-se como um fator significativo na
distribuição do conjunto das ACTs, visto que além de concentrarem os importantes
equipamentos de transportes, constituem a principal localização tanto da oferta
quanto da demanda por serviços caracterizados como turísticos. Todavia, essa
aglomeração é própria de uma sociedade pautada pela mobilidade, cujo motivo nem
sempre é recreativo, podendo ser de propósito corporativo, em busca de serviços de
saúde, ou para visitar familiares, por exemplo. Para alguns autores (ÉQUIPE MIT,
2002; VIOLIER, 2008) essas mobilidades não se caracterizam como turísticas, dada
a limitação de escolha da destinação e a ausência de propósitos de lazer. Por isso,
em um terceiro momento, consideramos utilizar apenas as atividades de alojamento
como proxy do turismo. Tais atividades têm baixo consumo por locais, não são
solicitadas por excursionistas e são requisitadas pelos turistas em seu projeto
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habitar temporariamente outro lugar com propósito recreativo (VIOLIER, 2008).
Para Pearce (1987, p.114):
Estatísticas de alojamento tendem a ser usadas principalmente para indicar variações espaciais da importância do turismo [...]. Como medida da importância do setor turístico, é lógico o uso do alojamento, visto que a estada fora de casa é uma das características definidoras do turismo.
Conforme o mapa 03, percebe-se a emergência de um outro quadro:
Mapa 3 - Produto entre as variáveis padronizadas QLs e vínculos de alojamento.
Fonte: elaboração dos autores.
Ganham destaque os municípios cujo grau de influência do turismo na
produção de sua espacialidade parece ser maior, e cuja imagem coincide com a
percepção de espaços turísticos devotados à recreação. Outra proeminência é maior
diversidade de classes, reflexo da acentuada dispersão dos indicadores, embora
para maioria dos municípios os valores continuem não sendo expressivos.
4 – Encaminhamentos
Desde este estudo exploratório percebemos que o turismo se apresenta
espacialmente concentrado e distribuído de forma desigual no território brasileiro.
Esse resultado é um convite para aplicarmos futuros esforços em estudar os locais
em que se concentram as ACTs e, assim, buscar a compreensão das implicações
do turismo na formação desses territórios, bem como o entendimento da lógica da
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configuração espacial do turismo no Brasil. Por outro lado, também questionamos as
produções calcadas nas noções de “potencial” ou “vocação” turística. Elas parecem
não explicar, por exemplo, o que os balneários presentes em nossos mapas têm de
distinto do restante do litoral. Isso porque escondem a dimensão situada e
processual de um sistema que interliga atores, lugares e práticas, e cujos
componentes isolados não são suficientes para a emergência do turismo.
Ressalta-se, por fim, as limitações das fontes utilizadas e a necessidade
de realizar-se estudos complementares para dotar de maior consistência os
resultados obtidos quanto à distribuição espacial do turismo no Brasil.
5 – Referências bibliográficas
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