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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 3213 ONDE ESTÁ O TURISMO NO BRASIL? UMA EXPLORAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ACTs A PARTIR DA RAIS. MAURÍCIO RAGAGNIN PIMENTEL 1 Resumo: Este é um estudo exploratório da distribuição espacial das Atividades Características do Turismo (ACTs) no Brasil tendo como fonte a RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego, desagregada em nível municipal. Além dos números absolutos, buscou-se caracterizar a especialização dos territórios municipais em ACTs através da medida de seus Quocientes Locacionais (QLs). A apresentação dos resultados é composta por três momentos: 1) números absolutos de vínculos em ACTs; 2) ponderação dessa repartição com os índices de especialização dos municípios nessas atividades, medidos por seus QLs; 3) produto entre QLs e vínculos empregatícios apenas das atividades de alojamento. A distribuição apresenta-se desigual e concentrada do turismo no país, com destaque para as áreas urbanas e para o litoral. Palavras-chave: Distribuição espacial; ACTs; Turismo no Brasil. Abstract: This is an exploratory study about the spatial distribution of Tourism Characteristic Activities (TCA) in Brazil at a municipal level using RAIS, a Ministry of Labor dataset. Other than the absolute figures, the municipal territories specialization in TCAs was calculated through its Location Quotients (LQs). The results presentation is in a three-fold way: 1) TCAs absolute figures; 2) balance between TCAs absolute figures and LQs; 3) the product of LQs and occupational links only to the accommodation activities. The spatial distribution of tourism in Brazil is uneven and concentrated, with a highlight to urban areas and to the coastline. Key-words: Spatial distribution; TCAs; Tourism in Brazil. 1 Introdução A Geografia é caracterizada por sua preocupação com o espaço e com a dimensão espacial dos fenômenos (CLAVAL, 2011). Neste sentido, uma contribuição básica concerne à distribuição espacial de determinado objeto de estudo como passo para a compreensão teórica de sua lógica espacial. Pearce (1987, p.02) apontou como objetivo dos estudos sobre turismo e espaço “contribuir para o planejamento, desenvolvimento e gerenciamento do turismo desde uma perspectiva geográfica”. Já Lozato-Giotart (2002) indica os efeitos espaciais provocados pela expansão do turismo como objeto de interesse da Geografia, que deveria se debruçar sobre os problemas geográficos que o turismo como produto da relação entre sociedade e natureza engendra. Independente do 1 Acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E- mail de contato: [email protected]

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ONDE ESTÁ O TURISMO NO BRASIL? UMA EXPLORAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DAS ACTs A PARTIR DA RAIS.

MAURÍCIO RAGAGNIN PIMENTEL1

Resumo: Este é um estudo exploratório da distribuição espacial das Atividades Características do

Turismo (ACTs) no Brasil tendo como fonte a RAIS, do Ministério do Trabalho e Emprego, desagregada em nível municipal. Além dos números absolutos, buscou-se caracterizar a especialização dos territórios municipais em ACTs através da medida de seus Quocientes Locacionais (QLs). A apresentação dos resultados é composta por três momentos: 1) números absolutos de vínculos em ACTs; 2) ponderação dessa repartição com os índices de especialização dos municípios nessas atividades, medidos por seus QLs; 3) produto entre QLs e vínculos empregatícios apenas das atividades de alojamento. A distribuição apresenta-se desigual e concentrada do turismo no país, com destaque para as áreas urbanas e para o litoral. Palavras-chave: Distribuição espacial; ACTs; Turismo no Brasil.

Abstract: This is an exploratory study about the spatial distribution of Tourism Characteristic

Activities (TCA) in Brazil at a municipal level using RAIS, a Ministry of Labor dataset. Other than the absolute figures, the municipal territories specialization in TCAs was calculated through its Location Quotients (LQs). The results presentation is in a three-fold way: 1) TCAs absolute figures; 2) balance between TCAs absolute figures and LQs; 3) the product of LQs and occupational links only to the accommodation activities. The spatial distribution of tourism in Brazil is uneven and concentrated, with a highlight to urban areas and to the coastline.

Key-words: Spatial distribution; TCAs; Tourism in Brazil.

1 –Introdução

A Geografia é caracterizada por sua preocupação com o espaço e com a

dimensão espacial dos fenômenos (CLAVAL, 2011). Neste sentido, uma

contribuição básica concerne à distribuição espacial de determinado objeto de

estudo como passo para a compreensão teórica de sua lógica espacial.

Pearce (1987, p.02) apontou como objetivo dos estudos sobre turismo e

espaço “contribuir para o planejamento, desenvolvimento e gerenciamento do

turismo desde uma perspectiva geográfica”. Já Lozato-Giotart (2002) indica os

efeitos espaciais provocados pela expansão do turismo como objeto de interesse da

Geografia, que deveria se debruçar sobre os problemas geográficos que o turismo

como produto da relação entre sociedade e natureza engendra. Independente do

1 Acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-

mail de contato: [email protected]

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sentido dado à abordagem geográfica do turismo, a produção de uma cartografia

temática com indicadores que lhes são proxys2 é uma constante metodológica.

Dados como os indicadores de fluxo obtidos através do controle de fronteiras, a

capacidade de oferta de equipamentos turísticos, a receita tributária de empresas

turísticas, ou estoque de empregados em atividades características do turismo

(ACTs) são alguns dos subsídios utilizados na busca por compreender o

comportamento espacial deste fenômeno. No entanto, cada um traz restrições e

implicações para o que é definido como turismo. Duas dificuldades principais são:

distinguir o turismo de outras formas de mobilidade e diferenciar o consumo de

visitantes daquele de moradores.

Neste trabalho a proposta é realizar um estudo exploratório da

distribuição espacial das ACTs no Brasil, a partir da base de dados da Relação

Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Assim, procura-se caracterizar em que medida os territórios municipais têm sua

população engajada na produção no setor de turismo, sendo esse um indicador de

sua “turisticidade”.

As ACTs incluem bens e serviços que são Produtos Característicos do

Turismo, definidos como “aqueles que deixariam de existir em quantidade

significativa ou para os quais o nível de consumo seria sensivelmente diminuído em

caso de ausência de visitantes” (IBGE, 2010, p.9). De modo geral, as ACTs

envolvem: alojamento, alimentação, transportes, serviços de agências e operadoras

de turismo, e atividades vinculadas ao entretenimento e à produção cultural.

Particularmente neste estudo optamos por também incluir atividades imobiliárias,

como uma forma de melhor contemplar destinos que têm nas residências

secundárias a principal oferta de alojamento para seus visitantes. A Organização

Mundial do Turismo (OMT) tem feito recomendações sobre o agrupamento das

ACTs para a produção de estatísticas internacionais. No Brasil, o Ministério do

Turismo (2011) compatibilizou essa seleção à Classificação Nacional de Atividades

Econômicas (CNAE 2.0) do IBGE.

2 Proxy: termo de língua inglesa que pode ser traduzido como procurador, ou seja, um termo que atua no lugar de

outro. Por exemplo, as medidas de PIB seriam um proxy da riqueza produzida em determinado território.

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2 – Metodologia

Nesta seção apresentamos as principais escolhas e os procedimentos

que realizamos para obter os resultados que estão expostos no próximo subtítulo. A

opção pela RAIS deveu-se à sua cobertura nacional em escala municipal e à sua

disponibilidade de acesso online. Outra motivação foi o fato de não termos

encontrado trabalhos que utilizassem a mesma fonte com o mesmo propósito.

É interessante ressaltar algumas limitações dos dados da RAIS. A

primeira é que a fonte diz respeito apenas aos vínculos em emprego formal, não

incluindo os proprietários, familiares não remunerados, bem como trabalhadores

autônomos ou que não têm carteira assinada. Outros trabalhos utilizam os

microdados do Censo e da PNAD como meio de também captar o mercado informal

(COELHO, 2011; RIBEIRO el al, 2014). A taxa de formalidade do emprego varia

tanto entre as ACTs, quanto entre as macrorregiões brasileiras. Outra possível

insuficiência para o propósito de uma análise de distribuição espacial é a

probabilidade de alguns estabelecimentos com sedes em distintos municípios

registrarem seus vínculos apenas na matriz. Por fim, há de se considerar que não é

possível avaliar em que medida a existência de postos de trabalho se deve à

demanda turística, ou à demanda de residentes3. Isso é particularmente crítico nas

atividades vinculadas à alimentação, que também agrupam o maior número de

vínculos dentre as ACTs. Neste sentido, além do conjunto das ACTs, analisamos

individualmente as atividades de alojamento, por ser um serviço altamente

demandado por visitantes e pouco requisitado por residentes. Pearce (1987) aponta

a oferta de alojamento como um proxy adequado para estudar a distribuição do

turismo doméstico. Além disso, o setor de hospedagem é o que apresenta maior

proporção de vínculos formais (COELHO, 2011) em nível nacional, com 72% no ano

de 2008.

Entre as diversas variáveis disponíveis da RAIS, utilizamos: o estoque de

vínculos de emprego formal e número de estabelecimentos declarantes. Os dados

foram estratificados por município e realizamos consultas sobre o conjunto

3 O IPEA, com apoio do Ministério do Turismo, desenvolveu no âmbito do Sistema de Informações sobre o

Mercado de Trabalho no Setor de Turismo metodologias para lidar com essa questão. No entanto, ainda não

abrangem a escala municipal que é o foco deste estudo.

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selecionado como ACTs (tabela 01), bem como sobre o conjunto de todas as

atividades existentes. O recorte temporal utilizado foi o agregado de 2002 a 2013,

período em que a consulta pela CNAE 2.0 está disponível. Optamos pela forma

agregada por objetivar a análise de uma tendência geral e não sua dinâmica de

variação ano a ano. Ao trabalhar com conjunto também visamos minimizar as

possíveis distorções de registros que, por ventura, possam estar equivocados para

algum munícipio em determinado ano. Outra variável utilizada de forma

complementar foram os dados populacionais dos municípios do Censo de 2010

(IBGE, 2015), bem como a classificação que este Instituto faz dos municípios

baseada em seu número de habitantes.

Tabela 1 Grupo das atividades consultadas como ACTs

Classe CNAE 2.0

Descrição da atividade

49124 Transporte metroferroviário de passageiros

49221 Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacional

49299 Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormente

49507 Trens turísticos, teleféricos e similares

50220 Transporte por navegação interior de passageiros em linhas regulares

50912 Transporte por navegação de travessia

50998 Transportes aquaviários não especificados anteriormente

51111 Transporte aéreo de passageiros regular

51129 Transporte aéreo de passageiros não-regular

55108 Hotéis e similares

55906 Outros tipos de alojamento não especificados anteriormente

56112 Restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas

56121 Serviços ambulantes de alimentação

56201 Serviços de catering, bufê e outros serviços de comida preparada

68102 Atividades imobiliárias de imóveis próprios

68218 Intermediação na compra, venda e aluguel de imóveis

68226 Gestão e administração da propriedade imobiliária

77110 Locação de automóveis sem condutor

77217 Aluguel de equipamentos recreativos e esportivos

79112 Agências de viagens

79121 Operadores turísticos

79902 Serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente

90019 Artes cênicas, espetáculos e atividades complementares

90027 Criação artística

90035 Gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades

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artísticas

91023 Atividades de museus e de exploração, restauração artística e conservação de lugares e prédios históricos e atrações similares

91031 Atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental

92003 Atividades de exploração de jogos de azar e apostas

93115 Gestão de instalações de esportes

93191 Atividades esportivas não especificadas anteriormente

93212 Parques de diversão e parques temáticos

93298 Atividades de recreação e lazer não especificadas anteriormente

Fonte: elaboração dos autores.

Como parâmetro para escolha das ACTs utilizamos o trabalho do DEPES

do Ministério do Turismo (2011). Cabe pontuar que, além desse conjunto,

agregamos as atividades imobiliárias, embora essas não tenham demonstrado

influência significativa no quadro geral de distribuição espacial do conjunto das

ACTs.

Além de tratar dos registros de emprego nas ACTs em termos absolutos,

buscamos considerar o peso relativo desse conjunto para a economia de cada

município. Ou seja, em que medida os territórios são especializados na produção de

bens e serviços para demanda turística? Em que medida tal produção é considerada

uma atividade propulsiva e diferenciadora daquele subespaço em relação a outros

arranjos territoriais? A noção de especialização indica que determinada produção é

exportada, atingindo um mercado que transborda os limites do público composto

pelos consumidores que residem em determinado território (PAIVA, 2013).

Um indicador para considerar o grau de especialização produtiva de

determinada área é o Quociente Locacional (QL). Como podemos ler em Paiva

(2013, p.77), North (1955, p.300) aponta que o QL “compara a concentração de

emprego de uma determinada indústria em uma área (a economia objeto) com outra

área (a economia referência)”. Assim, o QL resulta do quociente entre: A – emprego

em determinado setor da área objeto dividido pelo emprego total naquela área, e B –

emprego em determinado setor da área referência dividido pelo emprego total da

área de referência. Considerando que os padrões de consumo são semelhantes

entre as áreas pesquisadas, a área objeto e a área referência, um QL elevado

significa que a área objeto possui proporcionalmente mais mão de obra empregada

para produção naquela determinada atividade, e provavelmente sendo ela mais

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especializada que a área referência sob esse aspecto. Neste caso a área objeto

eram os municípios individualmente e área referência o conjunto desses, o Brasil.

Uma consideração a ser feita em relação à especialização territorial no

setor de serviços, é que grande parte dessas atividades solicita o deslocamento da

demanda para seu consumo, e não o trânsito dos produtos, como no setor primário

e secundário. Geram-se, portanto, mobilidades, que são tomadas indistintamente

como sinônimo de turismo em definições deste fenômeno centradas no prisma

econômico.

Cabe ainda registrar que para a produção dos mapas temáticos utilizamos

a base cartográfica da divisão administrativa municipal brasileira disponibilizada pelo

Ministério das Cidades (CIDADES, 2015). Testamos diferentes procedimentos para

realizar o agrupamento e categorização dos municípios, tendo em vista os

resultados obtidos. Ao fim o método hierárquico Ward, da soma dos quadrados

(HAIR, 2010), nos pareceu o mais apropriado para a definição dos clusters nos

níveis superiores. Para a elaboração dos mapas os valores inferiores à soma entre

média e desvio padrão foram agrupados como um conjunto único, pois sua

consideração não era pertinente ao objetivo proposto.

3 – Resultados

Dividimos a apresentação dos resultados em três partes: números

absolutos de vínculos em ACTs; a ponderação dessa repartição com a

especialização territorial dos municípios nessas atividades, medida por seus QLs; e

o produto entre as variáveis padronizadas QLs e Vínculos apenas das atividades de

alojamento.

Em termos absolutos, a consulta realizada apontou a existência de

23.542.344 de vínculos em ACTs no período de 2002 a 2013. Isso representa 3,42%

do conjunto total de 687.864.814 de vínculos no período. A distribuição do número

de vínculos e de estabelecimentos por setores (agrupamento de atividades) pode

ser conferida na tabela 02.

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Tabela 2 - Distribuição do número de vínculos e de estabelecimentos por setores das ACTs

Vínculos % Estabelecimentos %

Agências de viagem 757.189 3,22% 208.165 4,21% Entretenimento e cultura 1.023.451 4,35% 468.023 9,47% Imobiliária 1.192.903 5,07% 508.230 10,28% Transportes 3.482.058 14,79% 351.315 7,11% Hospedagem 3.663.169 15,56% 330.554 6,69%

Alimentação 13.423.574 57,02% 3.075.783 62,24% Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS.

Outra análise realizada foi o cruzamento do número de vínculos, e de

estabelecimentos, em ACTs com a população dos municípios, segundo o censo de

2010 (IBGE, 2015).

Tabela 3 - Número de vínculos e de estabelecimento por classe de município.

População do município

Vínculos ACTs % Estabelecimentos ACTs %

Até 5 mil 112.770 0% 88.357 2%

De 5 a 10 mil 251.335 1% 152.769 3%

De 10 a 20 mil 629.218 3% 338.503 7%

De 20 a 50 mil 1.796.509 8% 658.219 13%

De 50 a 100 mil 1.746.040 7% 509.896 10%

De 100 a 500 mil 6.414.954 27% 1.342.255 27%

Mais de 500 mil 12.591.518 53% 1.852.071 37%

Total 23.542.344 100% 4.942.070 100%

Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS e no Censo 2010.

Constata-se a correlação entre turismo, medido através dos vínculos em

ACTs, e urbanização, identificada pela concentração do número de habitantes. Os

municípios com população superior a 100 mil habitantes concentram 80% dos

vínculos em ACTs. O que recorda que “o turismo não constitui uma simples

atividade funcional assentada em uma organização de suporte urbano, mas sim um

elemento e um vetor de afirmação da urbanidade contemporânea” (LUSSAULT &

STOCK, 2012).

Da mesma forma, se observa uma concentração das ACTs nas regiões

mais populosas e urbanizadas do país (tabela 04 e mapa 01). O destaque é a região

sudeste, em que o Estado de São Paulo concentra 30,4% dos vínculos formais em

ACTs no Brasil, seguido de Rio de Janeiro (13%), Minas Gerais (10,2%). Cabe

ressalvar a limitação da RAIS em considerar apenas os vínculos formais. Em

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estudos que buscam incluir vínculos informais (COELHO, 2011), a região nordeste

tem maior participação que a região sul.

Tabela 4 - Número de vínculos e de estabelecimentos por macrorregião.

Macrorregião Vínculos ACTs % Estabelecimentos ACTs %

Norte 872.927 4% 133.655 3%

Centro-oeste 1.900.141 8% 325.420 7%

Nordeste 3.592.947 15% 621.079 13%

Sul 4.064.454 17% 1.167.840 24%

Sudeste 13.111.875 56% 2.694.076 55%

Total 23.542.344 100% 4.942.070 100%

Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS.

Mapa 1 - Distribuição espacial dos vínculos em ACTs

Fonte: elaboração dos autores.

Além da distribuição absoluta dos vínculos em ACTs, nelas consideramos

ainda a especialização dos territórios através do cálculo dos QLs. Do total de 5.564

registros municipais verificou-se que 3.840 tinham um QL inferior à média. Por outro

lado, 591 municípios apresentam QL acima de 1, indicando certa especialização, e

desses 373 com ao menos um desvio padrão superior à média (acima de 1,25).

Esse resultado aponta o desenvolvimento desigual e concentrado do turismo, pois

para a grande maioria dos municípios as ACTs não empregam significativamente a

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sua população. A tabela 05 apresenta as estatísticas principais dos QLs tendo em

vista a classe populacional dos municípios.

Tabela 5 Estatísticas dos QLs das ACTs por classe de municípios

População do município Média de QL ACTs

Mín. Máx. σ QL ACTs

Até 5 mil 0,28 0,00 14,74 0,76

De 5 a 10 mil 0,35 0,00 9,19 0,71

De 10 a 20 mil 0,40 0,00 11,04 0,81

De 20 a 50 mil 0,59 0,00 10,72 0,89

De 50 a 100 mil 0,75 0,00 5,10 0,66

De 100 a 500 mil 0,98 0,07 7,42 0,67

Mais de 500 mil 1,09 0,70 1,55 0,23

Fonte: elaboração dos autores com base na RAIS e IBGE.

Os municípios com maior população apresentam uma média de seus QLs

mais alta, no entanto o menor desvio padrão e os valores máximos pouco elevados

indicam sua pouca especialização em ACTs, justificada por sua economia

diversificada. Em contrapartida, dos municípios menores alguns têm um QL

elevado, indício de especialização em ACTs, embora em termos absolutos o número

de vínculos seja, muitas vezes, pouco expressivo. Para balancear essas situações

utilizamos como indicador o produto dos escores padrão das varáveis QLs e número

de vínculos em ACTs. Os resultados foram classificados em seis agrupamentos pelo

método Ward (tabela 6). Os valores negativos a para maioria dos municípios

reforçam a noção de que as ACTs são espacialmente concentradas. A tabela ainda

apresenta o número de municípios em cada classe por macrorregião.

Tabela 6 - Distribuição por classes dos produtos entre QLs e Vínculos (valores padronizados)

Classes Nº. municípios % N CO NE S SE

Classe F de -0,21 a -0,02 4058 72,93% 346 319 1521 841 1031

Classe E de -0,02 a 0,29 1051 18,89% 80 109 182 256 424

Classe D de 0,29 a 1,15 354 6,36% 18 28 64 71 173

Classe C de 1,18 a 3,36 77 1,38% 5 8 17 13 34

Classe B de 3,86 a 8,49 22 0,40% 2 9 7 4

Classe A acima de 8,49 2 0,04% 2

Total 5564 100% 449 466 1793 1188 1668 Fonte: elaboração dos autores.

No mapa com a distribuição espacial das classes de valores mais

elevados (mapa 02) nota-se que além da concentração em áreas urbanizadas há

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uma presença importante das ACTs no litoral, embora não de modo homogêneo.

Afora os balneários marítimos, ainda se distingue a presença de estações termais,

estâncias climáticas e destinos ecoturísticos.

Mapa 2 - Produto entre variáveis padronizadas QLs e vínculos em ACTs

Fonte: elaboração dos autores

A aglomeração urbana figura-se como um fator significativo na

distribuição do conjunto das ACTs, visto que além de concentrarem os importantes

equipamentos de transportes, constituem a principal localização tanto da oferta

quanto da demanda por serviços caracterizados como turísticos. Todavia, essa

aglomeração é própria de uma sociedade pautada pela mobilidade, cujo motivo nem

sempre é recreativo, podendo ser de propósito corporativo, em busca de serviços de

saúde, ou para visitar familiares, por exemplo. Para alguns autores (ÉQUIPE MIT,

2002; VIOLIER, 2008) essas mobilidades não se caracterizam como turísticas, dada

a limitação de escolha da destinação e a ausência de propósitos de lazer. Por isso,

em um terceiro momento, consideramos utilizar apenas as atividades de alojamento

como proxy do turismo. Tais atividades têm baixo consumo por locais, não são

solicitadas por excursionistas e são requisitadas pelos turistas em seu projeto

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habitar temporariamente outro lugar com propósito recreativo (VIOLIER, 2008).

Para Pearce (1987, p.114):

Estatísticas de alojamento tendem a ser usadas principalmente para indicar variações espaciais da importância do turismo [...]. Como medida da importância do setor turístico, é lógico o uso do alojamento, visto que a estada fora de casa é uma das características definidoras do turismo.

Conforme o mapa 03, percebe-se a emergência de um outro quadro:

Mapa 3 - Produto entre as variáveis padronizadas QLs e vínculos de alojamento.

Fonte: elaboração dos autores.

Ganham destaque os municípios cujo grau de influência do turismo na

produção de sua espacialidade parece ser maior, e cuja imagem coincide com a

percepção de espaços turísticos devotados à recreação. Outra proeminência é maior

diversidade de classes, reflexo da acentuada dispersão dos indicadores, embora

para maioria dos municípios os valores continuem não sendo expressivos.

4 – Encaminhamentos

Desde este estudo exploratório percebemos que o turismo se apresenta

espacialmente concentrado e distribuído de forma desigual no território brasileiro.

Esse resultado é um convite para aplicarmos futuros esforços em estudar os locais

em que se concentram as ACTs e, assim, buscar a compreensão das implicações

do turismo na formação desses territórios, bem como o entendimento da lógica da

Page 12: ONDE ESTÁ O TURISMO NO BRASIL? UMA EXPLORAÇÃO … · A DIVERSIDADE DA G EOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 3213 ONDE ESTÁ O

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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configuração espacial do turismo no Brasil. Por outro lado, também questionamos as

produções calcadas nas noções de “potencial” ou “vocação” turística. Elas parecem

não explicar, por exemplo, o que os balneários presentes em nossos mapas têm de

distinto do restante do litoral. Isso porque escondem a dimensão situada e

processual de um sistema que interliga atores, lugares e práticas, e cujos

componentes isolados não são suficientes para a emergência do turismo.

Ressalta-se, por fim, as limitações das fontes utilizadas e a necessidade

de realizar-se estudos complementares para dotar de maior consistência os

resultados obtidos quanto à distribuição espacial do turismo no Brasil.

5 – Referências bibliográficas

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