Onde se mora não é onde se trabalha

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA Onde se mora não é onde se trabalha Estudo etnográfico de itinerários urbanos, formas de sociabilidade e trabalho de moradores de Alvorada/RS que trabalham em Porto Alegre/RS Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais Luciana Tubello Caldas Porto Alegre 2012

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Monografia apresentada como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

Onde se mora não é onde se trabalha

Estudo etnográfico de itinerários urbanos, formas de sociabilidade e

trabalho de moradores de Alvorada/RS que trabalham em Porto

Alegre/RS

Trabalho de Conclusão de Curso em Ciências Sociais

Luciana Tubello Caldas

Porto Alegre2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

Onde se mora não é onde se trabalha

Estudo etnográfico de itinerários urbanos, formas de sociabilidade e

trabalho de moradores de Alvorada/RS que trabalham em Porto

Alegre/RS

Autor: Luciana Tubello Caldas

Profa. Orientadora: Cornelia Eckert

Monografia apresentada como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais

Porto Alegre2012

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no curso de Ciências Sociais, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre,

BANCA EXAMINADORA:

________________________________

Professora Doutora Viviane Vedana

________________________________

Professora Doutora Denise Fagundes Jardim

________________________________

Professora Doutora Cornelia Eckert (UFRGS)Orientadora

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AGRADECIMENTOS

Após tantas madrugadas em claro ao longo do curso, estes agradecimentos não

poderiam ser escritos em momento diferente. Agradeço a todos amigos e colegas de

curso que partilharam destas madrugadas incansáveis e intermináveis, seja em

conversas via mundo virtual ou com um café no dia seguinte para nos mantermos

acordados, após a longa noite de estudos. Sem esta prática social, tipicamente

acadêmica, não estaria socialmente apta para dar forma a estas linhas.

Agradeço à Secretaria de Assuntos Estudantis – SAE, pela bolsa trabalho

concedida em meu ano de ingresso no curso. À todos os professores do Instituto de

Filosofia e Ciências Humanas – IFCH, pela formação que recebi. Ao Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de Iniciação

Científica concedidas entre 2009 e 2011, no âmbito do Banco de Imagens e Efeitos

Visuais – BIEV, local onde aprendi muito sobre antropologia e sobre a vida.

À Dra Ana Luiza Carvalho da Rocha, coordenadora do BIEV que me ensinou a

importância, o valor e a grandiosidade da escrita etnográfica. À Dra Cornelia Eckert

pela orientação, dedicação e paciência. Por não desistir e seguir acreditando neste

trabalho.

Ao professor de história Nei Nordin, por ser o profissional dedicado e apaixonado

em que me inspiro desde o ensino médio. Ao Dr. Rafael Devos por me “iniciar” na

Antropologia Visual fazendo com que ela se tornasse minha grande paixão.

Aos amigos Mariana Petersen, Karin Bauken e Wagner Wingert: foi muito bom

conhecer vocês. À Priscila Farfan por todas as discussões antropológicas, sonoras,

afetivas e profissionais: aprendi muito com elas! Ao Diogo Schmidt por todas sessões

cinematográficas, conversas e principalmente, pela amizade que nasceu ainda no

primeiro semestre e que certamente irá durar pelo resto de nossas vidas. À Stéphanie

Bexiga por nascer, ter cruzado o meu caminho e ensinado o significado da palavra

“amizade”. À Dra e amiga Viviane Vedana por me ensinar a “escutar”, por apoiar as

ideias absurdas que estão “esquematizadas na minha cabeça” e principalmente: por

amar a antropologia (e todos deveriam te agradecer por isso).

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À Neca, Heloisa, Vera e Marion e os demais interlocutores desta pesquisa, por

compartilharem comigo suas vidas e seus cotidianos. Sem o acolhimento e engajamento

de vocês este trabalho não existiria.

E por fim, agradeço à Carlos Valdir, meu pai, pelo empenho e coragem em suprir

os anos de ausência permanecendo ao meu lado neste caminho acadêmico de forma

amiga, apoiando minhas escolhas e decisões. À minha mãe, amiga e interlocutora de

pesquisa Vera Tubello, pelo exemplo de “mulher guerreira”, pelo amor e dedicação.

Muito obrigada!

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RESUMO

Parte-se de uma etnografia das trajetórias e narrativas de um grupo de empregadas

domésticas que residem em Alvorada e que trabalham em Porto Alegre e de suas formas

de interação e sociabilidades a bordo da linha de ônibus que utilizam diariamente para ir

trabalhar. Metodologicamente desenvolvo observações participantes, construção de

redes sociais, etnografia audiovisual e descrições densas junto a esse grupo de

trabalhadoras. Neste estudo seguem-se referenciais teóricos pertinentes ao estudo de

antropologia urbana e da imagem, orientada pelos conceitos de formas de sociabilidade

(Simmel, 2006), de trajetória (Velho, 1994) e a reflexão sobre memória, imagem e

tempo no contexto citadino proposta por Eckert e Rocha, 2005.

Palavras-Chave: Alvorada, empregadas domésticas, formas de sociabilidade, trajetória.

ABSTRACT

This is based on ethnography of the trajectories and narrative of a group of housekeeper

who live in Alvorada and work in Porto Alegre and their forms of interaction and

sociability on board of the bus line they use every day to go to work. Methodologically I

develop participant observation, building social networks, audiovisual and ethnographic

deep descriptions next to that group of workers. In this study the following are relevant

to the theoretical references of urban anthropology studies and image, guided by the

concepts of sociability ways (Simmel, 2006), trajectory (Velho, 1994) and reflection on

memory, image and time in the context of city proposed by Eckert and Rocha, 2005.

Key-words: Alvorada, housekeeper, forms of sociability, trajectory

Where you lives is not where you work: Ethnographic study of urban routes, forms of

sociability and work of Alvorada residents in RS who working in Porto Alegre /RS

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LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Rede de sociação “amigas do ônibus”. Autora: Luciana Tubello Caldas. Ano: 2010 22

Conjunto de fotos do trabalho doméstico de Vera e Marion. Autora: Luciana Tubello

Caldas. Ano: 2010. 40

Gráfico dos direitos trabalhistas incorporados à categoria de trabalhadores domésticos.

Autora: Luciana Tubello Caldas. Ano: 2011 56

Cartaz da campanha “Legalize sua doméstica”. Autoria: Doméstica Lega. Fonte:

www.domesticalegal.or.br/vote 57

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I – ANTROPOLOGIA URBANA: IMAGENS NAS E DAS SOCIEDADES COMPLEXAS 12

1.1 – Primeiros passos: o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV 121.2 – Percurso de campo: partindo de uma cultura do trânsito 141.2.1 – Olhos e ouvidos: uma etnografia sonora e visual 19

CAPÍTULO II – DE PASSAGEIRAS A TRABALHADORAS: “AS AMIGAS DO ÔNIBUS” E AS “EMPREGADAS DOMÉSTICAS” 21

2.1 – As “amigas do ônibus” e o cotidiano de ir e vir de uma cultura do trânsito 212.2 – No tempo da viagem 232.3 – O tempo de espera 272.4 – Desembarque: Bairro Menino Deus 332.5 – “A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem” 362.6 – O “uso das mãos” no trabalho doméstico 372.7 – “Tenho a minha carteira assinada ali, assinada como empregada doméstica”: A trajetória de Marion 402.8 – “A gente não assinou carteira, mas ele dava tudo”: A trajetória de Vera 43

CAPÍTULO III – AS PASSAGEIRAS, AS TRABALHADORAS: SEUS CAMPOS DE POSSIBILIDADE E PROJETOS 46

3.1 – Casar, trabalhar: campos de possibilidade e projetos 463.2 – Desvalorização e discriminação do trabalho doméstico 513.3 – A produção acadêmica acerca do tema 'empregadas domésticas' 57

CAPÍTULO IV – COLEÇÕES ETNOGRÁFICAS NA FEITURA DE UM DOCUMENTÁRIO ETNOGRÁFICO 60

4.1 – Coleções e suas narrativas 604.2 – O documentário (DVD) 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS 62

REFERÊNCIAS 63

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INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste em um estudo antropológico da e na vida cotidiana de

trabalhadores urbanos pertencentes a grupos populares residentes na cidade de

Alvorada, que dista 01h10min da capital (Porto Alegre/RS). Nessa cidade reside uma

grande maioria de trabalhadores dos mais diversos ramos; empregadas domésticas,

diaristas, manicures, auxiliares de serviço, balconistas, garçons, etc. Marcada pela

horizontalidade de suas residências, a grande maioria dos trabalhadores são

proprietários ou locatários de pequenos terrenos com casas simples, pátios, jardins ou

hortas. Seus cotidianos são marcados pelo ritmo de deslocar-se à capital para o trabalho

diário. Para esse deslocamento contam, sobretudo com o serviço rodoviário oferecido

por uma empresa privada de transportes que detém o monopólio.

O tema da cultura do trânsito a partir das narrativas desses usuários sobre suas

condições de vida e de transporte e de como configuram essas condições em formas de

interação, sociabilidade tanto quanto experiências de risco e insegurança, se colocavam

como universo potencial para reconhecer “trajetórias”, “projetos” e “campos de

possibilidade”1. Metodologicamente desenvolvi observações participantes, entrevistas

não diretivas (THIOLENT, 1980) construção de redes sociais, etnografia audiovisual e

descrições densas a partir de um compartilhamento de situações diversas vividas pelos

usuários interpretando suas interações cotidianas (DE CERTEAU, 1994), formas de

sociabilidade e conflitos (SIMMEL, 1983) referentes às condições de transporte e a

análise de suas representações sobre a cultura do trânsito (CAIAFA, 2007), assim como

a adoção de uma perspectiva temporal acerca dos estudos dos “jogos da memória”2

(ECKERT; ROCHA, 2005) e do “imaginário” (BACHELARD, 1993), que são

fundamentais para se compreender os re-arranjos sociais estabelecidos neste ir e vir

cotidiano.

Com pesquisa de campo iniciada em janeiro de 2009, priorizei o uso da linha

Passo da Figueira via Ipiranga – com um tempo de viagem de aproximadamente

1 Pretendo abordar este tema seguindo a tradição de uma antropologia urbana que analisa a cidade em suas transformações de formas de vida e na complexidade de universos simbólicos. Tendo como referência teórica os estudos de Gilberto Velho (1989, 1994, 1999) acerca da trajetória social, campos de possibilidade e projetos para interpretação das identidades sociais que vivem e narram essa cidade.2 Do ponto de vista da investigação das trajetórias sociais e biográficas dos interlocutores desta pesquisa, é a elaboração de entrevistas não diretivas (THIOLENT, 1980), que orientem estes trabalhadores a tecer suas lembranças, o instrumento adequado para produzir os “jogos da memória” que irão compor suas narrativas e apresentar suas histórias e reflexões sobre a vida, o trabalho e a cidade.

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01h10min. A referida linha parte na Estrada Cândido Pinheiro de Barcelos (Bairro Passo

da Figueira – Alvorada) e tem o seu final de linha na Avenida Padre Cacique (Bairro

Menino Deus – Porto Alegre), transpassando grandes Avenidas como: Avenida Protásio

Alves (POA), Avenida Antonio de Carvalho (POA) e Avenida Ipiranga (POA), sendo

assim uma linha que traz grande oportunidade de acesso para aqueles que trabalham em

Porto Alegre. A partir da “observação participante” (MALINOWSKI, 1978) realizada a

bordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga, desenhou-se uma rede de trabalhadoras

domésticas, iniciada pela minha mãe Vera (empregada doméstica e usuária da referida

linha) e estendendo-se até Marion, Neca, Heloísa, etc. Desta rede de trabalhadoras me

dediquei a compreender a questão do trabalho doméstico a partir da trajetória social de

Vera e Marion.

Tendo em vista que esta pesquisa se insere no campo de estudos sobre

antropologia das sociedades complexas que, segundo Gilberto Velho (1981, p.17), “está

fundamentalmente ligada a uma acentuada divisão social do trabalho, a um espantoso

aumento da produção e do consumo, à articulação de um mercado mundial e a um

rápido e violento processo de crescimento urbano”, abordo o tema do trabalho

doméstico a partir dos conceitos de “práticas cotidianas” (DE CERTEAU, 1994) e de

“campo de possibilidades” (VELHO, 1981) das trabalhadoras deste setor, tendo em

vista a interpretação das “formas da vida social” (SIMMEL, 1983) que esta prática de

trabalho conforma.

Convergindo na análise dos campos de possibilidade e da construção de trajetórias

sociais irei me valer da perspectiva dos estudos de gênero “como um sistema simbólico

que organiza relações de poder, igualdades e desigualdades no mundo do trabalho”

(HEILBORN, 1999, p. 20), assim como, a problematização da categoria empregada

doméstica tensionada com a de identidade social – precedida por Suely Kofes (1990).

No capítulo inicial trago meu aprendizado como bolsista de iniciação científica no

âmbito do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV, assim como minha inserção na

linhagem teórica acerca dos “estudos antropológicos na cidade” (OLIVEN, 1987) com

adesão à Antropologia visual e sonora, apresentando a metodologia, o contexto

etnográfico e de imersão em campo.

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O segundo capítulo é resultado do esforço em apresentar e analisar

antropologicamente o cotidiano destas moradoras de Alvorada que trabalham como

empregadas domésticas e diaristas em Porto Alegre.

No terceiro capítulo atento para a análise das trajetórias sociais de Vera e Marion.

Refletindo sobre a questão da desvalorização e discriminação do trabalho doméstico,

finalizando com uma breve revisão bibliográfica sobre o tema.

Por último, trago no quarto capítulo uma discussão acerca do método de “coleções

etnográficas” (ROCHA, 2008) relacionando-o com a realização do documentário

etnográfico “Onde se mora não é onde se trabalha”, assim como o DVD contendo esta

produção.

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Capítulo I

Antropologia urbana: imagens nas e das sociedades complexas

1.1 – Primeiros passos: o projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV

Em 2008 fui selecionada para a bolsa de iniciação científica CNPq no projeto

cidade e memória: a cultura do trânsito, da circulação do transporte e dos

deslocamentos dos transeuntes em Porto Alegre, RS3 – no âmbito do Banco de Imagens

e Efeitos (BIEV) – que propunha o estudo das trajetórias sociais e narrativas biográficas

de representantes de classes trabalhadoras urbanas.

Iniciei meu aprendizado no grupo de trabalho em fotografia – um dos GTs que

constituem o BIEV4 – através da atividade de nomeação e identificação das fotografias

produzidas e acervadas por seus pesquisadores e bolsistas e que migrarão do Sistema

BIEV-DATA para uma nova interface de sistema de dados. O objetivo desses

recadastramentos era o de identificar as fotografias a partir dos campos: assunto, autor,

fonte, data e logradouro, com a preocupação de que essas imagens circulem

preservando uma “identidade” de origem para novas consultas. A partir deste contato

com um vasto acervo fotográfico e etnográfico no interior do BIEV e incentivada pelas

coordenadoras dei início a minha etnografia mergulhando nas imagens que

circunscrevem uma cultura do trânsito, dos itinerários e dos deslocamentos. Também

procurei tomar ciência das narrativas midiáticas acerca da questão do trânsito,

acompanhando as reformas urbanas que buscam revitalizar o trânsito de Porto Alegre

com as diversas facetas temporais do fenômeno urbano que o trânsito representa no

viver da cidade. Assim, realizei pesquisa e classificação de jornais como Zero Hora,

Correio do Povo e Diário Gaúcho de novembro de 2007 a julho de 2010. Esse material

de acervo me ajudou a perceber, em uma dimensão temporal, a potência que as imagens

tem de se ligarem para além das contradições em uma perspectiva histórica. Assim, ao

realizar uma etnografia a partir de um acervo fotográfico para posteriormente produzir

3 Projeto financiado pelo CNPq e Coordenado pela Professora Dra. Cornelia Eckert. Desenvolvido no âmbito do Banco de Imagens e Efeitos Visuais, (LAS, PPGAS, ILEA, UFRGS) coordenado pelas professoras Dra. Cornelia Eckert e Dra. Ana Luiza Carvalho da Rocha. 4 BIEV constitui-se de Grupos de Trabalho (GTs) nos quais se pesquisa: etnografia sonora, fotografia, escrita etnográfica e narrativas etnográficas em vídeo, através de reuniões semanais realizadas pelas equipes de pesquisadores e bolsistas. Mais informações sobre o Banco de Imagens e Efeitos Visuais, acesse www.biev.ufrgs.br .

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imagens homólogas em campo, visava reconhecer os ritmos temporais presentes no

fenômeno estudado, que ao passar por um processo de reflexão e acomodação são

estruturados como representações subjetivas, produto do pensamento antropológico

provocado a partir do uso destas fotografias, que narram o processo de urbanização da

cidade.

No interior do projeto Banco de Imagens e Efeitos Visuais e do projeto Cidade e

memória: a cultura do trânsito, da circulação do transporte e dos deslocamentos dos

transeuntes em Porto Alegre, RS, imbuída das imagens e narrativas que permeiam o

processo de urbanização da cidade de Porto Alegre e Alvorada me insiro no contexto

das cidades moderno-contemporâneas e no “estudo antropológico na cidade” (OLIVEN,

1987) que é motivado por conceitos como identidade, sociabilidade, interação, redes

sociais; conceitos que seguem uma linhagem teórica clássica, como Simmel que propõe

como conceitos chaves para tratar do fenômeno urbano, sociação e interação; Weber

que junto a outros clássicos da antropologia como Durkheim trata de identidade social e

das complexas estruturas de poder na cidade industrial; e por fim a Escola de Chicago

com os estudos da distribuição espacial entre o centro e periferia das cidades que

consolida as pesquisas sobre e nas cidades como universo de estudo primordial.

Das imagens de acervos, dos recortes de jornais e de todo esse apanhado teórico e

conceitual que do qual fui tomando conhecimento acabei por (re)conhecer Alvorada,

não mais a Alvorada do meu cotidiano e de minhas lembranças, mas de uma Alvorada

que se localiza na Região Metropolitana de Porto Alegre, RS e que obteve a sua

emancipação política do Passo do Feijó em 17 de setembro de 1965, passando a

chamar-se Alvorada. Nome que referencia a população constituída em sua maioria por

trabalhadores que acordam nas primeiras horas da manhã para trabalhar em Porto

Alegre. Uma cidade que apesar de sua emancipação política ainda é dependente de

Porto Alegre, já que seus moradores (e a própria pesquisadora) necessitam deslocar-se

até a capital para poder trabalhar, estabelecendo assim, uma relação entre cidade do

trabalho e cidade dormitório. Alvorada se mostra uma cidade com as características

deste mundo urbano industrial, com a vocação do trabalho em todos os setores, do

industrial, do comercial e de serviços. Uma cidade que se constrói na proporção das

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demandas da capital, sendo uma espécie de satélite5 da cidade de Porto Alegre6 apesar

do forte crescimento de outras cidades como Canoas e Novo Hamburgo.

1.2 – Percurso de campo: partindo de uma cultura do trânsito

Mais do que dar inicio ao processo de inserção em campo, dei início à um

processo de relativização das noções de proximidade e familiaridade – sendo eu

moradora de Alvorada há mais de 15 anos e usuária do transporte coletivo da cidade.

Como propõe Gilberto Velho (1980, p.15), o ponto básico é que distância assim como

proximidade e familiaridade são noções que devem ser relativizadas e colocadas no

contexto adequado de discussão. Familiaridade e proximidade física não são sinônimos

de conhecimento...”. Assim, começo a me defrontar com o desconhecido, que até então

era minha morada e o meu cotidiano.

Com o foco na questão dos itinerários urbanos e do deslocamento dos moradores

de Alvorada que trabalham em Porto Alegre, iniciei minha inserção em campo no dia 16

de dezembro de 2008, indo ao setor de compras de passagem da empresa de ônibus

Sociedade de Ônibus União Ldta – SOUL e, ao comprar alguns créditos (a empresa

trabalha com bilhete eletrônico), aproveitei para perguntar para o atendente quem era a

pessoa responsável pelas informações acerca da história da empresa. O atendente

indicou que eu me informasse, a esse respeito no setor administrativo, localizado em um

prédio ao lado do setor de compra de passagens. Me dirigi ao setor administrativo,

apertei a campainha e após alguns minutos de espera um rapaz – muito simpático e

solícito – que se chamava Pablo veio me atender, e me informou que Fernanda Cardoso

era quem ficava a frente da parte histórica e do acervo fotográfico, ela era a responsável

pela Central de Relacionamento da empresa. Peguei com Pablo o contato da Fernanda,

para assim poder marcar uma conversa com ela e conhecer um pouco da história da

empresa. Após ter realizado algumas trocas de e-mails com Fernanda e realizado o

preenchimento de alguns formulários de intenção de pesquisa, Fernanda e eu marcamos

5 Entendo por cidade satélite núcleos urbanos de caráter amplamente residencial e que contam, apenas, com serviços básicos de educação, saúde e comércio. Estas cidades possuem uma forte relação com o transporte coletivo, principal meio de locomoção que liga a população trabalhadora à capital.6 Segundo dados da FEE de 2010, Alvorada conta com uma população de mais de 195 mil habitantes. Sua economia, é baseada no setor de serviços que corresponde a 82,56% de seu PIB, sendo outros 17,3% gerado pela indústria. Apresenta o pior PIB per capita de todos os 496 municípios do RS (R$ 4.551,08).

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um encontro para que ela me apresentasse o acervo de fotos e reportagens da empresa.

A ideia era a de me apropriar daquilo que considerava uma “história oficial” de

Alvorada, visto que, a história da SOUL se confundia com a história da própria cidade.

No dia 26 de janeiro de 2009 fui ao encontro de Fernanda na empresa SOUL.

Fernanda me recebeu sorridente, perguntando como eu estava. Logo após aos

cumprimentos seguimos para a sala de reuniões. Era uma sala ampla com duas mesas

redondas cada uma posicionada em um extremo da sala, nos acomodamos na que estava

mais próxima da porta no extremo esquerdo da sala. Enquanto eu tirava o caderno e a

lapiseira da bolsa, Fernanda perguntou o que eu precisava para a pesquisa, respondi que

gostaria de ter acesso a jornais, revistas, documentos históricos e fotografias antigas que

ajudassem a contar a história da empresa, comentei da dificuldade que estava tendo em

ter acesso a história de Alvorada e que pretendia obter isso através da SOUL. Fernanda

me informou a respeito de um livro que havia sido lançado em 2006 pela Prefeitura de

Alvorada e que contava a história de Alvorada. O livro se chamava “Raízes de

Alvorada”, e podia ser encontrado Secretaria Municipal de Cultura. Fernanda

acrescentou que neste livro havia um capítulo que contava a história da SOUL –

Sociedade de Ônibus União Ltda, única empresa responsável pelo transporte coletivo da

cidade, fundada em julho de 1951 – quando Alvorada ainda se chamava Passo do Feijó

e suas vias ainda eram de chão batido – por José Antônio Ohlweiler, hoje com 84 anos:

Fernanda: Início dos anos 50 o Sr. José Antônio Ohlweiler trabalhava como caixeiro viajante. Entre contatos e negócios acabou se tornando o credor de uma pessoa que lhe pagou a dívida com um caminhão. Esse caminhão ele trocou por um ônibus, e nessa mesma época viu um anúncio no jornal de uma empresa de ônibus (SOUL) que procurava pessoas para entrar como sócio no negócio. Diante da oportunidade o Sr. José Antônio Ohlweiler entrou, junto com o seu ônibus, como o 18º sócio da empresa SOUL e hoje é o único que mantém a empresa.

Seguindo o percurso de minha inserção em campo, balizada pelo referencial

teórico do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – BIEV e da técnica de pesquisa de

“etnografia de rua” (ECKERT; ROCHA, 2008) que consiste em caminhadas, sem um

destino fixo – mas com um roteiro prévio de intenções conceituais de produção de

imagens – que visam a exploração e investigação do espaço urbano. Assim, ao longo

das orientações e das reuniões semanais realizadas no âmbito do BIEV, me foi colocado

o desafio de realizar uma “etnografia de rua” e “observação participante” na situação

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cotidiana de deslocamento em um transporte coletivo ao mesmo tempo que me

defrontava com um cotidiano familiar, que acabara de se tornar estranho.

No dia 06 de janeiro de 2009, fui a campo com a intenção de realizar uma

“etnografia de rua” no interior de um ônibus e a partir dessa técnica experienciar um

novo olhar sobre essa situação de deslocamento. A empresa SOUL possuiu

aproximadamente 150 linhas diferentes, diante de tamanha diversidade de linhas, fiquei

reticente sobre por onde começar. Optei pela linha Passo da Figueira via Ipiranga das

07h40min. Esta linha também era utilizada pela minha mãe7 (Vera) para ir até o

trabalho. Pelo intermédio de Vera soube que esta linha é predominantemente utilizada

por mulheres, que em sua maioria são empregadas domésticas (como ela) e diaristas.

Embarquei no ônibus por volta das 08h00min da manhã, estava lotado, mas no fundo do

ônibus havia um banco vago. Comecei a observar as pessoas que embarcavam no

ônibus, a grande maioria dos que embarcavam cumprimentavam alguns passageiros,

que já eram conhecidos, dando bom dia e perguntando sobre os passageiros que

estavam ausentes. As respostas eram unânimes: “tá de férias!”. E esse foi o assunto que

permeou toda a viagem, pelo menos do que eu pude ouvir, já que existiam vários focos

de conversas o que impossibilitou a minha compreensão acerca das mesmas. O maior

fluxo de embarque foi na parada 48 de Alvorada, onde se localiza a Prefeitura e a Praça

Central. Nessa parada subiu uma moça loira, aparentando ter uns 20 anos, que

cumprimentou aproximadamente quatro pessoas no ônibus. Como havia um último

banco vago ela se sentou (era um banco atrás do que eu estava), logo após, um rapaz

que ocupava um banco próximo se levantou para desembarcar do ônibus e, nesse meio

tempo uma moça morena de aproximadamente 30 anos – que foi cumprimentada pela

moça loira – ocupou esse assento vago. Logo as duas começaram a conversar sobre o

feriadão e que estavam ansiosas pelas suas férias. Esse também era o assunto de duas

mulheres que estavam sentadas em um banco à frente do meu lado direito. Uma delas

comentou que o seu chefe nunca dava férias no verão e que por esse motivo iria pedir

suas férias em agosto, como não podia tirar férias no verão iria tirar no auge do inverno.

7 Conforme Luis Fernando Dias Duarte (2008, p. 35): “Não chega a ser uma novidade a ativação dos contatos pessoais para a abertura de redes que possibilitem a entrada em campo”. O contato pessoal para dar início à “observação participante” no interior da linha Passo da Figueira via Ipiranga – se deu através de Vera, minha mãe, com quem moro. No processo da negociação de papéis (intersubjetivas) entre mãe, filha, pesquisadora e pesquisada é que se acirrou processo de “estranhamento do familiar” e de relativização da imagem da cidade que ao mesmo tempo em que eu habitava, era também habitada por mim.

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Também, na parada 48, embarcou uma mulher possuindo em torno de 40 anos de idade

e que cumprimentou aproximadamente seis pessoas, entre elas essas duas mulheres que

se encontravam próximas do meu banco à minha direita. Essas três mulheres foram

protagonistas da cena que mais me chamou a atenção: a mulher que embarcou por

último, ficou um pouco afastada (em pé) das outras duas que já se encontravam no

ônibus (sentadas a minha direita); quando o ônibus se encontrava na Avenida Protásio

Alves, uma delas chamou a que estava em pé e, esta por sua vez se dirigiu até o banco,

enquanto a outra se levantava e lhe cedia o lugar. Ao lado dessas mulheres, que estavam

sentadas, havia outra senhora que estava em pé, mas como esta, aparentemente, não era

conhecida delas, foi privada de sentar-se, já a outra que se encontrava mais longe, mas

era conhecida das mesmas foi chamada a se sentar.

A partir desta situação, que provavelmente deve ter ocorrido inúmeras vezes ao

longo de minhas idas e vindas como estudante e trabalhadora, usuária do transporte

coletivo, uma pergunta passou a orientar esse estudo etnográfico: “como se dá a

configuração destas formas de sociabilidade e interação no interior de um transporte

coletivo?”. Para responder a essa pergunta segui com as observações participantes no

interior da linha Passo da Figueira via Ipiranga das 07h40min e no trânsito entre a

cidade de Alvorada e a cidade Porto Alegre conheci e acompanhei um grupo de

empregadas domésticas que residem em diferentes bairros de Alvorada e que trabalham

no Bairro Menino Deus em Porto Alegre. Assim, começou a se configurar uma rede de

sociação e de laços sociais que se tecem a partir desta condição cotidiana de

deslocamento e de sua condição como trabalhadoras domésticas, se conformando em

um estudo a respeito destas moradoras de Alvorada, usuárias do transporte coletivo e

trabalhadoras do setor doméstico.

Após algumas incursões em campo – a bordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga

das 07h40min – observando e participando da sociabilidade existente entre “as amigas

do ônibus” (Vera, Neca, Heloísa e Marion) se fez necessário o aprofundamento deste

cotidiano não somente acompanhando o grupo em sua rotina de ida para o trabalho, mas

também em sua rotina de retorno para casa. Certamente, que algumas questões de ordem

prática corroboraram para que o itinerário de volta ao lar fosse incluído em um roteiro

de saída de campo, como por exemplo, o fato de que “as amigas do ônibus” embarcam

na linha Passo da Figueira via Ipiranga das 14h45min na segunda parada após o fim da

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18

linha, logo a maioria dos assentos do ônibus estavam desocupados e as companheiras de

viagem podiam sentar-se próximas para poderem conversarem. É flagrante que neste

contexto de volta eu também teria a oportunidade de sentar próxima ao grupo e,

portanto – a partir dessa proximidade física – poderia estreitar os meus laços de

pesquisadora com o grupo.

Voltando o meu olhar para aquilo que acontece após o desembarque em Porto

Alegre, ou melhor, para o cotidiano de trabalho de minhas interlocutoras de pesquisa

iniciei uma negociação com Vera e Marion para que eu pudesse acompanhar e

fotografar essa rotina de trabalho na casa de seus patões. Pelo laço de parentesco entre

Vera e seu patrão (Vicente, tio de Vera) e entre Vera e eu, tive pronto consentimento para

adentrar na casa em que Vera trabalha. Porém, a vigilância epistemológica e o esforço

em estranhar aquela morada que me era tão familiar se fizeram presentes. A negociação

com os patrões de Marion foi mediada pela própria, que também definiu a data em que

seria realizada essa saída de campo, optando pelo dia em que seus patões não estariam

presentes, já que – em suas palavras – ela “ficaria mais à vontade”. Coadunava-se a isso

o inicio do projeto Trabalho e cidade: antropologia da memória do trabalho na cidade

moderno-contemporânea”, desenvolvido no âmbito do BIEV, tendo por objeto a

etnografia da memória do trabalho na cidade moderno-contemporânea, suas redes e suas

práticas cotidianas no contexto metropolitano. No interior deste projeto foi desenvolvido

um sub-projeto de iniciação científica intitulado Memória e trabalho: estudo

antropológico de itinerários urbanos, trajetórias sociais e narrativas biográficas de

moradores da cidade Alvorada que trabalham em Porto Alegre. Este sub-projeto, além

de ter por objeto os itinerários urbanos de moradores da cidade de Alvorada que

trabalham em Porto Alegre, contemplava uma etnografia das trajetórias sociais,

narrativas biográficas e do cotidiano de trabalhadores urbanos pertencentes a grupos

populares; analisando de forma privilegiada a cidade de Alvorada/RS em contraposição

com a cidade de Porto Alegre/RS que absorve a maior parte da mão-de-obra da

primeira.

Seguindo a linha teórica do “estudo de sociedades complexas” (VELHO, 1981) e

suas fronteiras simbólicas estabelecidas entre particularizações e universalizações, na

tensão entre experiências de vida e experiências sócio-históricas, este percurso

etnográfico culmina na investigação do trabalho doméstico a partir da trajetória social e

Page 19: Onde se mora não é onde se trabalha

19

das experiências cotidianas de Vera e Marion analisando as relações sociais em que elas

estão imersas e deste modo estabelecer uma convergência entre a reflexividade que

emerge de suas narrativas e o processo histórico e social em que a questão do trabalho

doméstico está inserida. Neste ponto da etnografia, no qual realizei uma entrevista

valendo-se do uso do vídeo com Vera, foi necessário me manter vigilante para não

conduzir a entrevista a partir de minhas memórias como filha e sim a partir de sua

narrativa, relativizando as escolhas feitas ao longo de sua trajetória. Perceber o

agenciamento de papéis que existem nestas escolhas (ela não é simplesmente a minha

mãe!). Também foi preciso reforçar o meu papel nesta entrevista, criando uma

cumplicidade entre mulheres, entre pesquisadora e interlocutora em uma “relação

dialógica”. (OLIVEIRA, 2006). Com Marion, em que a entrevista também foi realizada

com o uso do vídeo, o desafio foi manter a cumplicidade conquistada entre

pesquisadora e interlocutora com a inserção daquele objeto (a câmera), que até então,

não havia se feito presente em nossos encontros e aventuras etnográficas.

1.2.1 – Olhar e ouvir: uma etnografia sonora e visual

Realizar uma iniciação científica como bolsista do Banco de Imagens e Efeitos

Visuais proporcionou um aprendizado antropológico pelo viés da antropologia urbana8

(e das sociedades complexas) e visual, em que a produção e manipulação de fotos, sons,

vídeos e textos está ligada a uma etnografia da duração (ECKERT; ROCHA, 2005), por

onde perpassa o tema da memória coletiva e do imaginário. Motivada pela teoria do

imaginário de Gilbert Durand (1997) foi possível provocar o pensamento antropológico

partindo das imagens visuais e sonoras que compõe o fenômeno investigado e que

evocam conceitos e sentidos.

Um mundo de dados invade o pesquisador em campo, na descontinuidade do

instante etnográfico e na própria descontinuidade do fenômeno observado em seu

processo de “configuração” (RICOEUR, 1994) a aprendiz de antropóloga poderá contar

com os mais diferentes suportes: vídeo, som, foto na tentativa de apreender e

“refigurar” (RICOEUR, 1994) os acontecimentos vividos e observados em campo.

8 A antropologia urbana foi proposta originalmente por Eunice Durham e por Ruth Cardoso na Universidade de São Paulo – USP, sendo a sua segunda linha criada por Gilberto Velho no Museu Nacional, UFRJ.

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20

Ao me inserir no grupo de trabalho narrativas etnográficas em vídeo – no âmbito

do BIEV – inicio o uso metodológico do suporte videográfico, buscando apreender o

cotidiano com seus deslocamentos, embarques, desembarques e trazer para o diálogo,

com estas imagens cotidianas, as imagens da memória de meus interlocutores de

pesquisa. Respectivamente me insiro no grupo de trabalho em “etnografia sonora”

(ROCHA; VEDANA, 2007), que me oportunizou – em um primeiro momento –

convergir as imagens fotográficas de acervo com relatos sonoros de interlocutores que

narram suas lembranças e percepções acerca do deslocamento cotidiano; e em um

segundo momento pude perceber quais imagens sonoras evocam a situação cotidiana de

deslocamento na cidade ou melhor, quais sons são produzidos nesse viver urbano e

narram uma história. Estas narrativas (sonoras e visuais) produzidas a partir destes

encontros etnográficos se pautam pelo ponto de vista do “Outro” em que o pesquisador

estabelece escolhas de captação em campo, balizado por conceitos antropológicos que

exigem do pesquisador uma constante interpretação do fenômeno pesquisado e

etnografado revelando as camadas de tempo que conformam o “fenômeno urbano”

(VELHO, 1967).

Page 21: Onde se mora não é onde se trabalha

21

Capítulo II

De passageiras a trabalhadoras: “as amigas do ônibus” e as “empregadas domésticas”

2.1 – As “amigas do ônibus” e o cotidiano de ir e vir de uma cultura do trânsito

O grupo do qual tive a oportunidade de vivenciar e compartilhar seu itinerário e

cotidiano, é formado por Vera, 60 anos, usuária da linha Passo da Figueira/Ipiranga há

aproximadamente dois anos, utilizando-a de segunda a sábado. Ela embarca com o

ônibus já lotado todos os dias na Parada 51, Bairro Formosa, em Alvorada. Neca Maria,

42 anos, diarista. Utiliza a linha Passo da Figueira/Ipiranga nas terças, quintas e sextas-

feiras. Normalmente, ao embarque de Vera, Neca encontra-se sentada, pois é moradora

do Bairro Passo da Figueira e embarca no fim da linha. Marion, 57 anos, empregada

doméstica/diarista há 34 anos. Utiliza a linha Passo da Figueira via Ipiranga nas terças e

quintas-feiras, segundas, quartas e sextas-feiras é usuária da linha Alvorada via Assis

Brasil, onde reside a mãe da sua patroa no Bairro Menino Deus. Seu embarque ocorre

na parada 52, Bairro Bela Vista, em Alvorada. Heloisa, mais de 40 anos, é empregada

doméstica no Bairro Menino Deus há seis anos. Utiliza a linha Passo da Figueira de

segunda a sexta-feira, seu embarque ocorre na parada 52 em Alvorada, assim como

Vera, é moradora do Bairro Formosa.

Segundo relato das próprias informantes a sociação entre elas partiu de Heloisa e

Marion, nas palavras de Heloisa:

As “amigas” começaram eu e a Marion... Eu já via a Vera há horas, mas a Vera não conversava... A Vera sempre séria... E eu dizia para a Marion: “aquela senhora vem sempre no ônibus, mas ela não fala nada... Ela não ri, não conversa com ninguém”... Daí um dia a Marion disse bem assim: “Deixa que eu vou falar com ela!”.

Assim, Marion “puxou” conversa com Vera, na parada de ônibus no Bairro

Menino Deus, perguntando se Vera também iria para Alvorada. Vera respondeu que

sim. Insistindo na aproximação, Marion perguntou onde Vera morava. Vera respondeu

que na Rua Hermes da Fonseca. Partindo desta informação Marion comentou que o seu

pai também morava na Hermes da Fonseca e que era irmã da Daiane que também

morava na mesma rua. Quem nos fala da chegada de Neca ao grupo é Vera:

Page 22: Onde se mora não é onde se trabalha

22

A Neca no começo, bem no começo que eu comecei a trabalhar, eu só via as outras mulheres falando da Neca... Falando de bem, comentando a Neca não veio hoje... Essas coisas... Mas não lembro como a gente começou a se falar...

É possível representar a “sociação” (SIMMEL, 1983) entre Heloísa, Marion, Vera

e Neca a partir da rede que se segue:

A partir do estudo de redes sociais (LOMNITZ, 1994; BOTH,1976; FOOTE-

WHYTE, 2005), torna-se possível ordenar os dados obtidos através das observações

participantes, dos relatos de como essas mulheres se conheceram e se sociaram, isto é, a

ordem de adesão de cada uma no grupo. Assim, como refletir sobre o quanto as

dinâmicas de transporte (e a fluidez de seus usuários e trabalhadores), a mobilidade

urbana e o seu ordenamento no espaço aludem a interações e a criação de laços afetivos,

ao mesmo tempo em que revelam redes de solidariedade, de vizinhança, de parentesco,

etc. Esta rede contempla os bairros em que cada uma das “amigas de ônibus” reside,

dando dimensão da abrangência de bairros que fazem parte do itinerário da linha Passo

Page 23: Onde se mora não é onde se trabalha

23

da Figueira – Ipiranga. Também é feita uma distinção entre diaristas e empregadas

domésticas, diferença que está ligada ao cotidiano destas mulheres, já que as que são

diaristas não pegam a mesma linha todos os dias, diferentemente das que são

empregadas domésticas que tem uma rotina e itinerário fixo. A rede também procura

evidenciar o local de observação da pesquisadora, tendo como ponto de origem o

parentesco com Vera, possibilitando a entrada da pesquisadora no grupo.

2.2 – No tempo da viagem

No dia 16 de junho de 2009, Vera, Marion e eu desembarcamos da linha Passo da

Figueira via Ipiranga por volta das 09h30min da manhã, na Avenida Borges de

Medeiros, atravessamos a rua para chegarmos à Rua José de Alencar, por onde

seguiríamos caminhando. Vera me apresentou para Marion dizendo que eu era a sua

filha. Marion me deu oi e perguntou-me se eu estava trabalhando ali perto. Vera tomou a

frente, e disse que eu estava fazendo uma pesquisa para a faculdade, completou a sua

fala com a constatação de que naquele dia “o ônibus estava calmo”. Marion assentiu

com a constatação de Vera dizendo: “É... Tu viu que a crente não me olha mais, né? Ela

não é nem louca”. Interpelei-a sobre qual o motivo. Marion contou-me que na semana

anterior a “crente” havia lhe chutado as canelas para poder sentar-se em um banco que

havia ficado vago e em tom indignado completou: “Mas que ela faça isso de novo que

eu vou ter o prazer de desmanchar aquele “coquinho” na unha... Dentro do ônibus

mesmo”. Vera e Marion deram risada. Marion seguiu o seu relato dizendo: “Sabe... Tem

que ver que o ônibus é um lugar coletivo, tu tem que saber respeitar as pessoas, o

limite... Sabe?”.

Partindo de uma análise simmeliana, podemos observar que esse exemplo de

conflito existente no interior do transporte coletivo ao mesmo tempo em que segmenta,

surge como “força de coesão no grupo” (SIMMEL, 1983), isso se evidencia no relato

etnográfico descrito acima, em que o conflito de Marion com uma passageira acabou

tornando-se um elo unificador entre ela e Vera. Pude perceber no decorrer da pesquisa

que essas formas de “sociação” ocorridas no interior do ônibus operam em uma mesma

“província de significado” (SCHUTZ, 1979) e interagem através de uma “rede de

significados” (VELHO, 1994) comum a esse grupo de trabalhadores que utilizam o

Page 24: Onde se mora não é onde se trabalha

24

transporte coletivo. Esse relato etnográfico exemplifica o “sistema de valores”

(VELHO, 1994) compartilhado por Vera e Marion, ou seja, um entendimento ético a

cerca da “situação social” (VELHO, 1994) vivida por Marion, que percebendo a postura

da “crente”, como fora de seus padrões éticos e morais de se portar em um ônibus,

promove a sociação com Vera que, assim como Marion, vê a prática da “crente” em

“chutar as canelas de Marion”, como uma prática desviante desse entendimento ético

acerca da situação de deslocamento em um transporte coletivo.

No dia 24 de novembro de 2009, abordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga,

por volta das 08h30min da manhã os desembarques se iniciaram, estava em pé ao lado

de Vera, próxima à articulação do ônibus – local esse que Vera chamava de “redondo”,

fazendo clara alusão ao seu formato. Ali, igualmente em pé, estava Marion e na sua

frente estava o seu neto. Marion perguntou quando eu iria terminar a pesquisa.

Respondi que tinha muito tempo de pesquisa ainda, que era provável que iria até o

término da faculdade. Pouco tempo depois Vera virou-se para mim e disse: Cuida se um

banco desocupar para a Marion poder se sentar com o gurizinho dela. Prontamente

concordei com o pedido. Uma mulher que estava sentada ao lado da janela num banco

em frente ao banco em que eu me segurava levantou-se para desembarcar. Vera fez sinal

para que eu me sentasse para guardar o lugar para Marion, mas a outra mulher que

estava sentada no banco, no lado do corredor, chamou uma senhora – de cabelos

grisalhos e aparência cansada – que estava em pé, do meu lado esquerdo. Vera viu que a

senhora estava indo sentar-se no lugar que havia ficado vago e me cutucou, disse a ela

que a moça que ainda ocupava o banco havia dado o lugar para a senhora que estava em

pé ao meu lado. Marion já havia se aproximado de Vera, quando esta lhe avisou que o

banco já havia sido ocupado.

No decorrer da aproximada 1h10min de deslocamento diário esse espaço do

ônibus torna-se um “espaço vivido” (BACHELARD, 1993), um espaço que concentra

“o jogo do exterior e da intimidade” (BACHELARD, 1993), ainda que público, de

passagem, proporciona a construção de laços por troca de olhares, de palavras ou de

bancos. Chamo de “espaço vivido” não apenas por ser um espaço em que brotam laços

de cumplicidade, mas também por ser um espaço habitado por histórias, espaço que

evoca lembranças de experiências vividas e apreendidas. “Espaço vivido” que se

apresenta repleto de imagens, que se configuram a partir da experiência diária desse

Page 25: Onde se mora não é onde se trabalha

25

deslocamento, das interações, conflitos e reciprocidades vividas no interior da linha

Passo da Figueira/Ipiranga; culminando em narrativas construídas no âmbito dessa

perspectiva urbana de deslocamento. Faço essa reflexão a partir de um trecho de

entrevista realizada com Marion, em sua casa, no dia 24 de abril de 2010:

Luciana: Mas aí, tu começou a ferver no Romeu e Julieta? Como assim? A ferver como?Marion: Brincando, bagunçando... Nós tinha uma turma que naquela época seria quase que nem a nossa turma de agora. Só que naquela época era gurizada, tudo da idade tua da Jú, assim... Quando nós dizia: “Hoje ninguém vai pagar a passagem!”, nós pulava a roleta (erguendo as mãos para cima). Todo mundo pulava a roleta, era uma... A anarquia era grande. Teve muita época... Que logo no começo, assim... Teve roleta, teve o talãozinho, depois teve roleta... Tudo assim, né? Era uma coisa de tudo assim, sabe? Mas era bom trabalha... Anda assim prá lá e prá cá... Sempre foi, né? Sabe... Eu me conheço por gente assim... Trabalhando! (...) O que eu posso te dizer é assim... Me dou bem com todo mundo, dentro do ônibus, como tu vê, todo mundo vê... Os dia que eu não vou prá lá parece que falta uma coisa, porque essa turma do Alvorada o pessoal já é mais calmo que tem “menas” hora dentro do ônibus, né? Se eu tô quieta dentro do ônibus tá todo mundo quieto, então... Mas é bom...

Na tentativa de ampliar essa reflexão, acerca dessas imagens que habitam o

espaço do ônibus, trago a imagem de uma situação conflituosa, objeto de análise na

pesquisa de campo realizada no dia 16 de junho de 2009, em que Vera relata a respeito

de um dia em que ela estava em pé em frente a um banco, um senhor que estava sentado

levantou-se para descer, no momento em que Vera se preparava para ocupar o lugar do

passageiro que desembarcava, ela foi empurrada por uma senhora, que segundo ela nem

estava próxima ao banco (estava mais ou menos umas duas pessoas depois do banco), e

lhe deu um “cotovelaço” para poder sentar-se naquele lugar. Essa situação que me foi

narrada me deixou intrigada: qual teria sido a “ofensa” nessa situação? A agressão

física, ou a transgressão da norma implícita de que, quem está mais próximo ao banco

que foi desocupado tem direito ao lugar? Nas observações feitas nessa linha durante o

trajeto foi possível perceber a importância corporal e gestual nas situações recorrentes

de superlotação, situações essas que acabam configurando-se em uma “luta

competitiva” (SIMMEL, 1983) pelo espaço. Nessa concepção temos a construção do

espaço a partir da demarcação de uma fronteira, como pude observar em minhas saídas

de campo, ela começa a ser estabelecida já no momento de embarque, através de

disputas veladas para poder sentar-se na janela, no lado da sombra ou próximo da porta

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de desembarque. No interior do ônibus, em uma situação de superlotação essa fronteira

se estabelece simbólica e moralmente.

Outra imagem que se apresenta com força nesse espaço vivido que é o ônibus são

os “pretextos para diálogo” (GOMES, 2005), que examinarei pela perspectiva da

sociologia formal de Simmel (1983). Conforme o relato de campo do dia 21 de maio de

2009:

Abordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga das 16h45min (no sentido Porto Alegre – Alvorada), sentei-me no primeiro banco após passar a roleta, o lado do banco que dava para a janela estava ocupado por uma mulher, que devia ter em torno de 40 anos. Acomodei-me no banco, percebi que a mulher ao meu lado havia me olhado com espanto, já que muitos bancos estavam vagos e eu havia sentado justamente ao seu lado. Nesse momento alguns passageiros ainda embarcavam e Samuel (o cobrador) cumprimentava a todos. Sentada em um banco do lado oposto do banco em que eu estava sentada havia uma mulher, morena de cabelos encaracolados. Ela reclamou para o cobrador que já não aguentava mais a “lerdeza” do motorista, acrescentou que desde que o Rogério havia saído de férias (deduzi que era o antigo motorista) ela não conseguia mais assistir a novela “Paraíso”. Samuel na tentativa de contornar a situação disse para a passageira que ela chegava a tempo da novela “Caras e Bocas” que era muito boa. A passageira afirmou que assistia a “Caras e Bocas”, mas que gostava mesmo da novela “Paraíso”.

A partir dessa observação pude perceber que esses pretextos para diálogo são

“símbolos compartilhados” (VELHO, 1994) em um processo de interação e

“negociação da realidade” (VELHO, 1994). Também foi possível verificar que alguns

dos temas que surgem significantemente no decorrer de uma viagem de ônibus são:

novela, futebol, violência e as próprias condições da viagem. Podemos pensar, a partir

da ideia de “conversação” de Simmel (1983, p.176), esses pretextos para diálogo como

uma prática “puramente sociável, em que o assunto é simplesmente o meio

indispensável para que a viva troca de palavras revele seus encantos” , isto é, esses

diferentes temas são compartilhados e utilizados como códigos sociais de aproximação

e reciprocidade pertencentes a um jogo de relações em que o conteúdo é o que menos

importa, já que esses pretextos para diálogo são um meio para a reciprocidade, para

troca e interação durante o tempo de viagem. É com estes pretextos para diálogo e seus

diferentes temas e conteúdos que em uma situação de conversação se estabelece uma

relação, que constrói laços dando vida ao espaço do ônibus.

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As amigas começaram eu e a Marion... Marion completou a fala de Heloísa dizendo: É mesmo, né? A Heloísa tímida na parada e eu também... Heloísa tomou a palavra novamente dizendo: Eu já via a Vera há horas, mas a Vera não conversava... A Vera sempre séria... E eu dizia para a Marion: “aquela senhora vem sempre no ônibus, mas ela não fala nada... Ela não ri, não conversa com ninguém...” Daí um, dia a Marion disse bem assim: “Deixa que eu vou falar com ela!” Um dia a Marion veio e eu não vim. Depois no outro dia a Marion disse: “Mas ela fala até demais”. Marion tomou a palavra para contar em detalhes o início da primeira conversa entre ela e Vera: Na parada do ônibus eu dizia: “tu vai pra Alvorada também?”. E ela: “Eu também vou”. Daí depois: “Onde é que tu mora?”. “Eu moro ali na Hermes da Fonseca”. E eu respondi: o meu pai também, eu sou irmã da Daiane que também mora ali... Assim a gente começou a se falar...

Conforme o relato de campo acima, do dia 03 de janeiro de 2010, a conversa entre

Vera e Marion é reveladora dos elementos de sociabilidade que não visam nenhum

conteúdo em particular e ainda assim, são elementos fundadores dos laços que as unem.

É interessante ressaltar que este relato de campo foi produzido durante uma

confraternização de final de ano (amigo secreto) na casa de Vera e organizado por Neca,

Marion, Heloísa e pela própria Vera. Este fato corrobora a análise da conversação e seus

pretextos para diálogo como fundadores dos laços estabelecidos entre “as amigas de

ônibus”, já que é possível inferir essa confraternização como sendo um subterfúgio para

manutenção e consolidação dos laços estabelecidos através de conversações ao longo

das viagens de ônibus e durante a espera pelo mesmo.

2.3 – O tempo de espera

Nas situações de espera, que oscilaram entre 15 e 40 minutos, confrontei-me com

narrativas e “retóricas de práticas e táticas” (DE CERTEAU, 1994) densas. Também

pude observar as formas de se posicionar e de interação daqueles que esperam. Para

análise, trago três situações etnográficas vividas em campo. Inicio com um relato

etnográfico referente à pesquisa de campo realizada no dia 12 de agosto de 2009 que

mostra a ambiência e a sociabilidade existente no Terminal Conceição em Porto Alegre,

terminal que abriga mais de 15 linhas de ônibus da empresa SOUL – Sociedade de

Ônibus União Ltda.

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Segui caminhando pela Rua Voluntários da Pátria, quanto mais me aproximava do Terminal Conceição mais forte eram os sons dos motores e das freadas dos ônibus. O sol já não se fazia mais presente, a noite já estava caindo. Na esquina da Rua Voluntários da Pátria com a Rua da Conceição se encontrava o Terminal Conceição, não vi pessoas esperando o ônibus, vi uma enorme fila de aproximadamente cinco ônibus esperando o sinal abrir para que eles pudessem seguir caminho pela Avenida Farrapos. Aproveitando que o sinal encontrava-se fechado para os ônibus, atravessei a rua em direção a parada de ônibus da linha Alvorada que ficava próxima a Rua Voluntários da Pátria e era uma das primeiras paradas, assim, podia observar as outras paradas que ficavam logo atrás desta. Havia poucas pessoas esperando, era provável que um ônibus havia acabado de partir. O espaço entre as paradas (que era uma em frente à outra) era pequeno, fazendo com que, as filas de pessoas que esperavam o ônibus acabassem se misturando, gerando uma pequena confusão e a pergunta frequente: “Essa é a fila de qual ônibus?”. Havia também no meio do terminal alguns pequenos comércios, como: banca de frutas, lojas de doces, carrocinha de cachorro quente, etc... O que acabava ocupando um espaço considerável para o deslocamento dos transeuntes em direção as suas respectivas paradas. Olhei no relógio: 18h20min. Já estava totalmente noite. O movimento no terminal continuava intenso. O som dos ônibus era ensurdecedor. As pessoas que estavam na fila e queriam manter um diálogo tinham que praticamente gritar. Uma mulher (mais ou menos 40 anos) loira, de cabelos curtos, maquiada e bem vestida, cheia de sacolas começou a gritar: “Fiscal! Fiscal!” para um rapaz negro, que passava ao seu lado, usando o uniforme da SOUL e que carregava uma prancheta. Prontamente o fiscal perguntou para a mulher o que ela queria. Rapidamente ela perguntou para ele que horas havia um Taimbé. O fiscal sem muitos rodeios respondeu: “É para ter um às 18h15min... Mas ele sempre atrasa, pois ele saí da Salomé 17h15min, pra tá aqui às 18h15min... Nunca que isso vai acontecer... Não tem como... Mas eles não querem nem saber”. A mulher loira quase que sem reação diante da sinceridade do fiscal apenas se limitou a perguntar: “Será que vai demorar muito?”. Um pouco mais otimista, o fiscal respondeu: “Acho que não! Deve tá chagando em 5 ou 10 minutos!”.

Neste relato etnográfico percebe-se que os pretextos para diálogo e para as

conversações além de se fazerem presentes no decorrer de uma viagem de ônibus são

comuns também nas situações de espera. Na maioria das vezes consistem em perguntar

se determinado ônibus já passou ou simplesmente comentários a respeito do tempo. As

situações de espera em paradas de ônibus também propiciam o encontro entre

conhecidos e vizinhos, como é possível observar neste segundo relato etnográfico

referente à pesquisa de campo realizada no dia 24 de novembro de 2009 que retrata,

além das formas de sociabilidade, os laços de vizinhança que se atualizam em conversas

fugidias e interações rápidas.

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Eu e Vera Tubello saímos de casa (Rua Hermes da Fonseca, Alvorada, Bairro Formosa) às 7h45min. Era uma manhã quente, o sol brilhava no céu. Fizemos o nosso trajeto costumeiro de ida até a parada de ônibus – Rua Hermes da Fonseca, dobrando a esquerda na Péricles Simões Ferreira até a Av. Presidente Getúlio Vargas. Durante o percurso fomos falando amenidades, assuntos cotidianos. Chegando na parada, observei que a mesma se encontrava com muitas pessoas dispersas, não estavam aglomeradas entorno do abrigo. Aproximamo-nos do abrigo, abri a minha mochila e peguei o dinheiro da passagem: R$ 2,85. Vera perguntou-me que horas eram, peguei o celular e disse: 7h55min. Vera disse que o ônibus estava atrasado. Nesse momento se aproximou de nós uma vizinha, a Beth – que sentou-se no banco que fica embaixo do abrigo, que estava em nossa frente – Vera comentou que fazia bastante tempo que não a via. Beth respondeu: “É... Um dia eu venho mais tarde, no outro eu vou mais cedo... Ontem eu nem vim, ah... Já vou me aposentar mesmo”. Vera e eu começamos a ficar apreensivas, já eram 8hs e nem sinal do ônibus, nesse momento se aproximava um ônibus da linha Alvorada/Assis Brasil, Beth levantou-se do banco e se dirigiu para embarcar, despedindo-se de nós.

Este contexto de tensão por um ônibus que demora a chegar pode ser mediado por

esta situação de conversa rápida, ao mesmo tempo em que atualiza um laço de

vizinhança é um pretexto para diálogo no sentido de facilitar a passagem desse tempo

de espera.

A segunda situação etnográfica que será tratada pode ser intitulada de o homem

ordinário que se torna narrador, em clara referência a Michel de Certeau em “A

invenção do Cotidiano”. O homem ordinário a quem me refiro chama-se Júlio, um

antigo morador de Alvorada e usuário do transporte coletivo da cidade que conheci em

uma saída de campo no dia 9 de fevereiro de 2010, cujo objetivo era o de se aventurar

em situações de espera em paradas de ônibus visando aplicar um pequeno roteiro de

entrevista especifico para essa situação. Essa situação etnográfica, mais do que tratar de

interações possíveis em paradas de ônibus, dimensiona um tempo de espera que

proporcionou a construção de uma narrativa, fazendo com que Júlio – o homem

ordinário – deixasse de ser um usuário do transporte coletivo para tornar-se narrador de

sua condição. O encontro com Júlio ocorreu na parada 53 de Alvorada, localizada na

Avenida Presidente Getúlio Vargas, principal avenida da cidade e com um grande fluxo

de veículos. Era uma manhã quente e ensolarada, há alguns metros de distância avistei a

parada de ônibus, apenas duas pessoas esperavam o ônibus: uma senhora baixinha, de

cabelos curtos e que aparentava ter mais ou menos de 60 anos e um senhor negro

aparentando mais de 70 anos (Júlio). Ambos vestiam roupas simples e confortáveis

(bermuda e camiseta). As condições da parada não eram as melhores. Avaliei que

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estavam reformando a calçada, muitas pedras estavam reviradas pelo chão, no entorno

da parada, o que dificultava a locomoção e limitava ainda mais o espaço de espera do

ônibus. Desviando-me das pedras soltas da calçada me aproximei do senhor que ali

esperava o ônibus – Júlio – desejando-lhe bom dia. Falei da pesquisa e lhe perguntei se

eu poderia conversar com ele a respeito da condição de espera e de transporte em

Alvorada. Prontamente ele respondeu que sim. Tirei o MP3 da bolsa e comecei a gravar,

direcionando o gravador próximo aos seus lábios, pois tinha o receio de que o som do

trânsito “abafasse” a voz do entrevistado, que com tranquilidade e sem

constrangimentos diante do aparelho que eu lhe apontava iniciou a sua fala, ou melhor,

“o homem ordinário se tornava narrador”9.

Júlio narra sobre a formação de Alvorada – um município que nasceu sob o

estigma de ser uma cidade dormitório – sob a perspectiva da fundação da empresa

SOUL. Seguindo a premissa da descontinuidade bachelardiana pode-se inferir que Júlio

tece a memória a partir da própria situação cotidiana de deslocamento. Júlio começa sua

narrativa falando da antiga Alvorada, no tempo que a empresa SOUL tinha apenas 90

carros, segue falando de Carlos – um dos fundadores da empresa – fazendo menção ao

monopólio da empresa e a interferência que isso tem na vida dos moradores usuários do

transporte coletivo. O narrar de seu Júlio vem carregado de suas lembranças, não apenas

como um morador antigo de Alvorada, mas também como usuário da já referida

empresa de transporte e das suas percepções acerca do deslocamento cotidiano:

Luciana: Ahhhh... E como é essa espera?Júlio: Ah, é isso que a senhora tá vendo aí, né? Agora... Ficar aí meia hora, 40 minutos é... Não dá pra admirar, né? Uma hora ou mais é de costume. Isso que na minha época que eu vim pra cá mudou, né? Quando eu vim pra cá, essa empresa tinha 90 carros só... Tudo era barro aqui. Ela já vendeu umas três ou quatro frota e é uma das maiores empresa de ônibus que tem por aí... Apesar de que Alvorada, aqui é só ela... Era uma sociedade... Tinha, quando eu vim pra cá, diz... Tinha... Cinco ou sete dono... É o que me contaram quem já morava aqui. Hoje, os donos são um só, daí fazem o que querem. Tem que ser sardinha sempre.Luciana: Como é ser sardinha?Júlio: Sardinha se ela não tá cheia é porque já mexeram nela. Prolonga os horário... Os horário eles controlam pelo movimento. Sábado, feriados e domingo... Se precisa de pegar o ônibus 10 horas então saí ali pelas 9 pelo menos pra vê se pega até as 10... Domingo pior... Passou das 8 horas da noite é uma tristeza.

9 Este encontro etnográfico resultou em uma crônica etnográfica intitulada “Do barro ao asfalto” que pode ser assistida em: http://www.youtube.com/user/tubellocaldas/videos .

Page 31: Onde se mora não é onde se trabalha

31

A narrativa de Júlio sobre uma antiga Alvorada e a situação cotidiana de

deslocamento de seus moradores em conjunto com o som do trânsito que se faz presente

durante toda a sua narrativa evoca imagens de uma cultura do trânsito relacionada aos

itinerários urbanos cotidianos de trabalhadores em perspectiva com a formação de um

município que nasceu sob o estigma de ser uma cidade dormitório. Sendo esse o caráter

etnográfico da narrativa de seu Júlio, infere-se que a história que pode ser contada é

dessa Alvorada antiga – sua formação a partir da empresa de ônibus SOUL –

confrontada com problemas cotidianos ligados a política de sua empresa de transporte

que acaba interferindo indiretamente no “campo de possibilidades” (VELHO, 1994) dos

moradores de Alvorada – a falta de emprego em sua cidade de morada que os obriga a

buscar trabalho longe da cidade de morada ou o escasso rendimento do trabalho que os

obriga a buscar moradia longe da cidade em que trabalham (capital metropolitana). Ou

seja, conforme apontado por Katzman (2008): a distribuição espacial da população nas

grandes cidades é caracterizada por uma configuração onde os trabalhadores de baixa

qualificação ocupam as áreas periféricas, ou seja, um desencaixe entre as estruturas de

oferta de moradia e de emprego.

Júlio: As empresas grandes compram os prefeitos, pra certas coisas... Porque o velho [refere-se ao patronato] molhava a mão dos prefeitos... Claro, ele vai deixar... Se não vai abri a mão para os prefeitos, entra outras empresas... Entra firma. Por que quase não tem firma na Alvorada? Porque o prefeito não deixa. O que entra uma porção de firma pra Alvorada... O que eles perdem de passageiro pra ir trabalhar? Por dia. Eu trabalhei quase sempre lá pra dentro de Porto Alegre, Novo Hamburgo, essas coisas, assim... São Leopoldo... Então já sabendo... Sempre saio adiantado, daí nos horário de serviço eu pegava os horário de ônibus, pra mim os horário de pico... Sempre larguei na frente pra não atrasar lá atrás... Mas agora, aí... Assim... Quem tiver um horário: “em tal hora tenho que tá em tal lugar”, se adiante porque não chega...

Para ampliar essa questão do tempo de espera em uma parada de ônibus trago

elementos da crônica etnográfica – realizada no Terminal Conceição , Centro de Porto

Alegre em 14 de janeiro de 2010 – “Cidade viajante”, disponível em

http://bievufrgs.blogspot.com , que trata do cotidiano e da condição de espera dos

moradores de Alvorada que trabalham no Centro de Porto Alegre.

Page 32: Onde se mora não é onde se trabalha

32

Aline: Eu acho que eles como uma empresa grande tinha que botar ônibus em mais horários, entendeu? Não botar de 40 em 40...Luciana: É de 40 em 40?Aline: É! De 40 em 40, entendeu? Aí fica complicado... Como é que vai caber todo mundo? Toda uma população inteira? Não sei se tu já reparou nesse Jardim Aparecida? Olha, vêm uns três ônibus seguidos, um atrás do outro... Tudo lotado!

Nesta terceira situação etnográfica, também se apresentaram homens ordinários

que tornam-se narradores de suas práticas e táticas implícitas no deslocamento diário.

Foi possível perceber que o tempo de espera corresponde a uma atualização de táticas e

práticas que se projetam na estratégia do outro, daquele que estabelece intervalos de 40

minutos entre um ônibus e outro. Táticas que se coadunam com maneiras de fazer – de

se locomover, de se deslocar – em um ônibus lotado por conta do longo intervalo de 40

minutos. Falo de atualização de táticas e práticas valendo-se da afirmação que Michel

de Certeau faz em “A invenção do Cotidiano”:

[...] o caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial. E se, de um lado, ele torna efetivas algumas somente das possibilidades fixadas pela ordem construída (vai somente por aqui, mas não por lá), do outro aumenta o número dos possíveis (por exemplo, criando atalhos ou desvios) e o dos interditos (por exemplo, ele se proíbe de ir por caminhos considerados lícitos ou obrigatórios). Seleciona, portanto. O usuário da cidade extrai fragmentos do enunciado para atualizá-los em segredo.” (DE CERTEAU, 1994, p. 178)

Assim, percebe-se que o tempo de espera além de proporcionar a conversação

entre aqueles que esperam o ônibus, provoca atualização de suas táticas e práticas

(pegar uma linha via Freeway na tentativa de escapar do congestionamento da Avenida

Assis Brasil é um bom exemplo de decisão que pode ser tomada durante a espera na

parada de ônibus); mas não em segredo, esta atualização é verbalizada, compartilhada e

trocada timidamente através de informações sobre que linha pegar para se chegar mais

rápido ou exaltada diante das condições de transporte:

Entrevistado: Às vezes a gente saí de manhã com o ônibus lotado e às vezes volta com o ônibus cheio...Luciana: Mas qual é a linha que tu usa?Entrevistado: SOUL, Jardim Aparecida ou Stella... Às vezes de manhã eu vou sentado no chão... Na escadaria para poder ir sentado... Tem dia que o ônibus solta gente pelo latrão.

Page 33: Onde se mora não é onde se trabalha

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Atentando o olhar para essas falas, veremos que no pano de fundo desses relatos

permeia a questão do trabalho. “Assim como a gente tem que ir a gente tem que vir do

trabalho”, dessa afirmação feita por Aline, desvenda-se que a condição do transporte

enquanto cultura do trânsito é lhes é uma situação passiva ou alienada, ao contrário, as

formas de deslocamentos estão repletas de múltiplas experiências e eivadas de formas

plurais de sociabilidade e interações sociais. O estudo aqui se detém sobremaneira na

mobilidade dinamizada pela condição do trabalho (profissional ou empregatício) e

configura as determinações sociais as quais essa população residente na cognominada

“cidade dormitório” de Alvorada, vivencia em suas rotinas diárias. O trajeto, as

condições de transporte, as sociabilidades no espaço do deslocamento são assim

arranjos sociais que identificam uma condição de vida de trabalhadores. E como diz

uma entrevistada Aline, “toda uma população” Alvoradense, tem que ir trabalhar em

Porto Alegre.

2.4 – Desembarque: Bairro Menino Deus

O bairro Menino Deus se localiza na região centro-sul de Porto Alegre, pode ser

encarada como uma região de transição entre o Centro e a Zona Sul. O nome do bairro

se deu por conta da devoção ao Menino Deus, introduzida pelos açorianos no século

XIX. Ele é considerado um bairro de classe média. Conforme dados da Associação

Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) de 2006 ele possuí o 17º melhor

IDH dos bairros de Porto Alegre/RS – oficialmente Porto Alegre possuí 79 bairros. A

renda média fica no entorno de R$ 1600,00, R$ 2400,00 a menos que o bairro Três

Figueiras que possuí a maior média.

No século XIX, o bairro Menino Deus caracterizava-se pela presença de casas

bem arranjadas e hortas, ligadas a uma camada da população de maior poder aquisitivo,

que desfilava por suas ruas em finas carruagens. Destacava-se como o mais

movimentado de Porto Alegre, em função de suas festas paroquiais e pela instalação, em

1888, do hipódromo Rio-Grandense, que funcionava entre as ruas Botafogo e Saldanha

Marinho.

Nos anos de 1940, o bairro sofreu sua primeira grande modificação urbana, em

decorrência da canalização do Arroio Dilúvio, que produzia graves enchentes. A

Page 34: Onde se mora não é onde se trabalha

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realização do aterro (onde hoje se situa o Parque Marinha do Brasil), no final dos anos

50 e início dos anos 60, possibilitou o prolongamento da Av. Borges de Medeiros que,

por sua vez, providenciou melhor acesso e consequente expansão do bairro. Uma nova

configuração aconteceu com o “Projeto Renascença”, que abriu a Av. Erico Verissimo e

criou o Centro Municipal de Cultura, na área onde antigamente situava-se a Vila

conhecida como “Ilhota10”.

A partir desta descrição do bairro Menino Deus e retomando os apontamentos

feitos no capítulo anterior acerca da cidade de Alvorada podemos pensar em termos de

uma segregação urbana, ou como apontado por Guattari (1992), observar que as

“engrenagens urbanas” modelam subjetividades e valores onde a questão da cidade de

morada e a cidade de trabalho passam a ser entendidas como uma questão político-

ideológica, que procura através da segregação, garantir a hegemonia burguesa nos

centros da cidade, ou seja, os trabalhadores habitam as periferias e as regiões

metropolitanas das grandes cidades com o propósito de priorizar a valorização dos

espaços centrais da cidade, reafirmando o compromisso burguês com o progresso e a

modernidade11. É neste tradicional bairro de Porto Alegre que o grupo formado por Vera,

Neca, Marion e Heloísa desembarcam e trabalham, consequentemente, é neste mesmo

bairro que ocorre o embarque do grupo na linha Passo da Figueira via Ipiranga das

14h45min.

No dia 24 de novembro de 2011, após acompanhar o grupo na linha Passo da

Figueira via Ipiranga das 07h40min, em seu trajeto de ida para o trabalho, combinei

com Vera de lhe buscar na casa em que trabalha às 14h30min e de lá iríamos direto para

a parada de ônibus onde pegaríamos a Linha Passo da Figueira/Ipiranga das 14h45min.

A parada de ônibus ficava na Avenida Padre Cacique, em frente a um prédio comercial,

ali havia três mulheres: uma negra com os cabelos compridos e todo trançado que devia

em torno de 40 anos, uma jovem de cabelos lisos e claros que devia ter mais ou menos

20 anos e uma senhora de cabelos curtos e loiros, baixinha e acima do peso, que

também devia estar na casa dos 40 anos. Era um dia muito quente e todas elas trajavam

roupas justas, decotadas e confortáveis, como calça no estilo legging e regata ou baby

10 Cabe salientar que a maioria dos moradores desta vila eram negros e foram removidos e realocados na Restinga a 22 quilômetros do Centro de Porto Alegre. Para este assunto ver Pesavento (1999).11 Sobre esta questão ver Caldeira (2000), em que a autora analisa a questão da segregação social e espacial nas cidades, a partir da organização do espaço urbano.

Page 35: Onde se mora não é onde se trabalha

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look. Cinco minutos após a nossa chegada, Neca também chegou. Fazia muito calor,

Neca estava pingando suor, segundo ela:

Desci aquela lomba da Silvério a mil... Tava lavando o chão quando a “véia” disse para eu ir embora se não eu iria perder o ônibus das 14h30min, Não pensei duas vezes... Terminei de passar o pano no chão e me mandei!

Aproveitei para perguntar como havia sido a faxina e se a patroa era “boa”. Neca

disse que havia sido ótima, que ela não era daquelas patroas chatas que ficavam em

cima, cheia de exigências. Neca comentou que a casa estava imunda, que a dona da casa

era uma senhora bem velhinha, que já não tava dando conta do serviço, então, como ela

mesmo disse, “teve que pegar duro para limpar a casa”. Neca acrescentou que os

armários da cozinha, que eram de um verde claro, estavam marrons de tanta poeira.

Entre risadas, comenta que esfregou tanto os armários que chegou até a descascar,

acrescentou que para a sua sorte havia um vidro de lustra móveis, o que ajudou a

disfarçar o descascado. Neca finaliza a sua fala dizendo que a velhinha havia adorado a

faxina e nem havia reconhecido o seu armário, de tão limpo que havia ficado. Neca

aproveitou para contar que aquele era o dia de fazer faxina em outra casa, mas que ela

resolveu não ir e nem ligou para avisar que não iria, pois na semana passada a dona da

casa havia exigido que Neca limpasse o chão da casa de joelhos – nesse momento Neca

ergueu a sua calça para mostrar os seus joelhos que havia ficado roxo. Neca completou a

sua fala dizendo que havia achado isso um absurdo e que a mulher era louca.

Nesse contexto de espera pelo ônibus fui me aproximando de um mundo que ia

para além das passageiras, comecei a me deparar com mulheres trabalhadoras,

empregadas domésticas. Ainda neste momento do campo o meu olhar não estivesse

voltado para a questão do trabalho, mas sim, para a questão das formas de sociabilidade

existentes no contexto dos itinerários urbanos. Porém, um dos pretextos para diálogo

que eram recorrentes ao longo destes itinerários era o cotidiano de trabalho destas

mulheres. Quanto mais me imergia nos deslocamentos diários destas trabalhadoras, mais

tomava conhecimento de suas práticas de trabalho.

Page 36: Onde se mora não é onde se trabalha

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2.5 – “A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem”

No dia 10 de março de 2010 cruzei o território dos itinerários urbanos, seguindo a

caminhada após o desembarque. Descemos na Avenida Padre Cacique, atravessamos a

rua, chegamos na José de Alencar. Heloisa comentou que estava com muita preguiça.

Concordei com Heloisa dizendo que estava me sentindo cansada e Marion acrescentou:

“É essa viagem de ônibus que deixa a gente assim!”. Heloisa respondeu ao comentário

dizendo: “É... A gente já chega pra trabalhar cansada da viagem”. Heloisa despediu-se

do grupo dizendo: “Até as 15hs!” – que é o horário do ônibus que elas pegam para

voltar para casa – dobrou a direita seguindo pela Rua Silvério. Demos mais alguns

passos e também nos despedimos: Marion seguira em frente pela Rua José de Alencar

enquanto Vera e eu atravessamos a rua e dobramos a esquerda – Rua Itororó,

caminhamos mais uma quadra e dobramos a direita – Rua Costa, onde se localiza a casa

em que Vera trabalha. Era uma casa antiga – acredito que da década de 50/60 – de dois

andares. De cor bege e com grades e telhados da cor marrom. Entramos. Não havia

ninguém em casa. A casa era muito espaçosa, o chão era de parquet coberto por um

grande tapete. Entrando vemos disposto, do lado esquerdo da sala, um grande sofá, no

centro da sala há uma mesinha de mármore, no canto direito há uma mesa para TV e no

lado direito, em perspectiva com o sofá uma estante de madeira escura coberta por porta

retratos dos netos, bisnetos e filhos de Vicente (o tio e patrão de Vera). Vera dobrou a

direita, em uma porta que ficava ao lado, mas um pouco mais afastada, da porta de

entrada. Era a entrada para o corredor que dava para o banheiro e para os quartos. Na

primeira porta a esquerda ficava o banheiro, na primeira porta a direita ficava o quarto

de Vicente e na segunda porta a esquerda ficava uma espécie de quarto para hospedes,

mas que também, acolhia diversos outros objetos e utensílios da casa. Foi para este

quarto que Vera se dirigiu para despir-se de sua blusa e calça social e vestir uma calça

com um tecido mais leve e uma blusa mais folgada, para assim, poder dar início as

atividades de limpeza da casa.

Page 37: Onde se mora não é onde se trabalha

37

2.6 – O “uso das mãos” no trabalho doméstico

A saída de campo realizada no dia 10 de março de 2010 tinha como objetivo

construir uma narrativa fotográfica acerca da rotina de trabalho de Vera, trazendo a

dimensão da prática cotidiana de limpeza e de cuidados com a casa. A primeira tarefa de

Vera era arrumar a cama de Vicente. Vera era ágil e enquanto eu batia as fotografias (em

plano aberto) precisei pedir para que ela arrumasse a cama mais devagar, pois as fotos

estavam saindo desfocadas. Com a cama arrumada Vera seguiu em direção a cozinha –

localizada em uma porta a direita de quem sai do corredor. A cozinha era ampla como a

sala. Possuía uma grande mesa, próxima a porta, dois armários, uma geladeira e um

fogão (em perspectiva com a porta de entrada da cozinha). No lado esquerdo de quem

entra na cozinha localizava-se a pia que estava com algumas louças sujas, como: xícara,

faca, copo, prato, etc. E era essa a segunda tarefa cotidiano de Vera: lavar a louça do

café da manhã. Procurei captar essa tarefa doméstica utilizando dois enquadramentos

diferentes: um plano aberto abrangendo assim, a postura corporal de Vera exercendo a

tarefa doméstica e um plano fechado nas mãos de Vera (infelizmente esses plano

fechados ficaram muito escuros), enquadrando o gesto de limpeza de um copo. Após a

louça ser lavada Vera começou a varrer a cozinha, novamente recorri ao enquadramento

em plano aberto. Vera, em todas as suas tarefas, era muito rápida, tanto, que enquanto

ela varria a cozinha eu precisava pedir para que ela fosse mais devagar, para que as

fotos não saíssem tremidas. Novamente recorri ao plano aberto para capturar a limpeza

do banheiro e ao plano fechado nas mãos/gestos de Vera. Perguntei para Vera o que ela

ainda tinha para fazer. Vera respondeu que ainda teria que varrer a sala e o pátio.

No dia 24 de agosto de 2010 realizei com Marion uma saída de campo com o

mesmo objetivo – de construir uma narrativa fotográfica acerca do trabalho doméstico.

Marion iniciou suas atividades recolhendo o lixo da cozinha, procurei fotografa-la em

seus gestos (plano fechado) e em seu contexto (plano aberto) sem sucesso, pois os

movimentos de Marion eram rápidos e as fotos em close acabaram ficando desfocadas e

as em que deveriam ser em plano aberto acabaram ficando em plano médio por conta do

pequeno espaço na cozinha. Após recolher o lixo, Marion seguiu para o quarto, para

arrumar a cama. Novamente a agilidade de Marion não permitiu que eu tirasse

fotografias com um bom foco. Para poder evocar a ideia de movimento e agilidade

Page 38: Onde se mora não é onde se trabalha

38

presentes no cotidiano do trabalho doméstico foi preciso utilizar o dispositivo de

captação contínua em três quadros, tendo assim, um encadeamento de três planos, que

juntos evocam essa ideia do movimento e da agilidade do trabalho doméstico. Ainda

que as fotos saíssem desfocadas, poderia explorar a ideia de movimento que aquele

“desfoque” trazia tirando as fotos em sequencia. Do quarto seguimos para a área de

serviço onde Marion pôs as roupas sujas de molho. Marion explicou que como ela vai à

casa de Ana as terças e quintas-feiras ela sempre procura lavar as roupas na terça-feira e

passá-las na quinta-feira. Após colocar as roupas de molho Marion seguiu para o

banheiro, onde iria iniciar a limpeza. No banheiro observei que Marion limpava o chão

de joelhos com um pano. Perguntei se não era melhor utilizar um esfregão do tipo

bruxa. Marion respondeu que Ana havia comprado uma bruxa, mas que ela não gostava

de usar, pois parecia que não deixa o chão limpo. Acrescentou que também não gostava

de usar luvas, tinha a sensação de que atrapalhavam o movimento das mãos na hora de

limpar. Terminada a limpeza no banheiro seguimos para a cozinha para lavar a louça!

Em tom de confissão Marion disse: “Sabe, ela não faz nada! Se cair um papel no chão,

fica! Fica tudo pro dia que eu venho!”.

Destas descrições é possível inferir o quanto a câmera fotográfica participou como

mediadora deste processo de interação, realizando um recorte do espaço em que se dá a

situação etnográfica e um recorte da duração temporal deste “estar-lá” (GEERTZ,

2002). A partir do encadeamento destas imagens realizadas no processo denominado de

pós-campo, processo este que se refere ao tratamento das imagens produzidas (escrita

do formulário de avaliação, análise, conceituação e nomeação das fotografias) e a partir

das discussões semanais realizadas no âmbito GT Fotografia, que me foi possível pensar

os gestos, movimentos e as práticas que circunscrevem o trabalho doméstico.

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Algumas fotos foram tiradas valendo-se do plano aberto, para assim trazer a ideia

de todo contexto em que aquela prática está inserida. Já a opção para a maioria das fotos

foi o do plano fechado nas mãos e gestos de Vera e Marion, enquanto realizam suas

tarefas domésticas. Conforme nos aponta François Soulages em Esthétique de la

Photographie (1998), para vários pontos de vistas, temos várias fotografias que

engendram universos diferentes. Nesta análise estética da fotografia o autor concluiu

que a fotografia não é somente material ou ferramenta, mas ela é o principal vetor

estrutural da criação. Sensível a esta potência criadora da fotografia e privilegiando o

ponto de vista do plano fechado nos gestos e práticas destas trabalhadoras atento o meu

olhar para o “uso das mãos” (FRANCO, 1997) o que nos faz perceber o quanto este

trabalho manual é significativo para a conformação simbólica do trabalho doméstico.

Oriundo de um sistema econômico escravista, o trabalho doméstico, carrega os valores

negativos que circunscreveram esse sistema, dentre eles a degradação do trabalho

manual. Logo, o menosprezo pelo “uso das mãos” – atrelado a escravidão – arraigou-se

culturalmente no imaginário brasileiro, corroborando para a desvalorização e

discriminação do trabalho doméstico.

2.7 – “Tenho a minha carteira assinada ali, assinada como empregada doméstica”:

A trajetória de Marion

No dia 24 de abril de 2010 às 15h30min da tarde saí de minha casa na Rua

Hermes da Fonseca rumo à casa de Marion. Dobrando a direita na Péricles Simões

Ferreira, atravessando a Av. Presidente Getúlio Vargas, segui em frente na Avenida

Wenceslau Fontoura. Era uma Avenida, com muitos prédios públicos: secretaria da

educação, secretaria da cultura, secretaria da habitação, entre outras. O movimento de

pedestres e de ciclistas era intenso, já que era uma tarde de sábado ensolarada, o que

convidava as pessoas a saírem à rua. Após uns cinco minutos de caminhada pela

Avenida Wenceslau Fontoura avistei a Rua Natal que conforme orientação da Marion

era a rua que eu devia entrar. Dobrei a primeira à direita (Rua Natal). Esta, já não era

uma rua asfaltada, era uma rua de chão batido. Na esquina ficava a Secretaria de

Educação, ao longo de todo o lado esquerdo da rua havia um descampado terreno baldio

e do lado direito algumas casas pequenas e de madeira se faziam presentes. Após alguns

Page 41: Onde se mora não é onde se trabalha

41

minutos de caminhada dobrei à esquerda, esta era a Rua em que Marion morava (Pp

Três). Era uma rua bem estreita, cheia de casinhas grudadas umas nas outras, algumas

de madeira, mas a grande maioria era de material. Seguindo em frente fiquei atenta a

numeração das casas, o fluxo de pessoas era intenso, algumas pessoas caminhavam,

outras varriam suas calçadas ou simplesmente estavam sentados em frente as suas casas

conversando e/ou tomando chimarrão. Olhei para a minha direita e havia uma casa de

material sem reboco e com uma janela de cor verde. Olhei atentamente para a casa em

busca do seu número. Rapidamente segui para frente da casa e bati palmas. Havia dois

cães que estavam presos e começaram a latir assim que eu me aproximei. Alguns

segundos depois Marion saiu de sua casa por uma porta localizada no lado esquerdo.

Entramos, conversamos um pouco sobre sua família e sobre a sua rotina de

trabalho aos sábados (temas que seriam retomados no momento da entrevista com a

câmera ligada) enquanto ela preparava o café. Enquanto tomávamos o café Marion

demonstrava-se nervosa com a entrevista que seria registrada em vídeo, procurei

tranquiliza-la dizendo que não passaria de uma conversa. Terminado o café seguimos

conversando sobre a sua rotina de trabalho, percebi que Marion estava mais relaxada e

menos apreensiva. Marion seguiu falando até que determinado momento ela disse:

“Sabe Luciana... Eu pego ônibus desde os meus 17 anos...”. Rapidamente interrompi

Marion e disse: “Ahhh, mas essa história eu vou ter que gravar...”. Comecei a tirar a

câmera da bolsa e Marion comentou que estava nervosa. Liguei a câmera enquadrando

Marion, em plano fechado dizendo-lhe que não havia porque ela ficar nervosa, que ela

só precisava continuar contando a história de quando ela pegava ônibus aos dezessete

anos:

Marion: Então foi assim... É que eu me acostumei... Me criei assim, né? Trabalhando prá lá e prá cá... Andando de ônibus prá lá, prá cá... Eu sempre trabalhei fora.

Marion nasceu em Porto Alegre e com um mês de vida veio morar em Alvorada

com sua família. Era o ano de 1953, tempo em que Alvorada ainda se chamava Passo do

Feijó. Morou até os 11 anos de idade na Parada 45, depois se mudou para o Bairro Passo

da Figueira, onde se criou e se casou. Em 1970, já com 17 anos, foi surpreendida com a

visita de uma prima que acabara de dar a luz e que estava com a mãe acometida por uma

trombose no braço. Essa prima foi até a sua casa para falar com o seu pai e perguntar se

Page 42: Onde se mora não é onde se trabalha

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ele conhecia alguém que tivesse o interesse em trabalhar como doméstica ajudando-a no

serviço da casa, prontamente seu pai lhe indicou dizendo: “Tem a Marion aqui que quer

trabalhar”. Buscando sua independência, aos 17 anos, ela começa a trabalhar como

empregada doméstica. Mais do que se ater ao serviço doméstico Marion acabou

agregando a função de babá ao ajudar sua prima – agora patroa – na criação de Ana

Lúcia. Após, aproximadamente, 12 anos de trabalho, Marion casa-se e para de trabalhar,

ficando aproximadamente nove anos afastada do trabalho junto à família de Ana Lúcia.

Nesse período ela exerceu alguns trabalhos como auxiliar de serviços gerais em lojas e

como diarista em “faxinas avulsas”, época de grande instabilidade, já que, nos finais de

ano, grande parte dos empregadores viajava de férias.

Durante seu primeiro casamento Marion morou em Porto Alegre, no bairro Parque

dos Maias, não se adaptando a nova morada ela retorna para Alvorada. Vai morar com

seu irmão no bairro Passo da Figueira. Após determinado período de tempo, ele pede a

casa em que ela estava morando. Assim, ela acaba comprando uma casa no Bairro

Formosa. Lá ela morou por 14 anos, até o dia em que a Prefeitura, devido ao

planejamento urbano pelo qual a cidade estava passando, solicitou o terreno em que

Marion morava, pois ali seria construída a abertura de uma rua. Este terreno pertencia a

prefeitura e Marion possuía um contrato comodato com a mesma, sendo realocada para

o antigo Bairro “Mutirão”, hoje chamado de Bela Vista.

O Bairro “Mutirão” começou a ser construído a partir de um programa da

Prefeitura para realocar moradores da Vila “Beira do Valão”, composta, em sua maioria,

por uma população que saiu do interior do Rio Grande do Sul em busca de emprego em

Porto Alegre. Marion estava inscrita nesse programa, mas como na época ela não sabia

como construir uma casa e nem o seu marido, decidiu permanecer no Bairro Formosa.

Ainda morando no Bairro Formosa, Marion se separa. Seu filho do meio (Diego), fruto

do primeiro casamento, já estava com nove meses de vida. Marion casa-se novamente,

deste segundo casamento nasce Juliana. A prefeitura entra em contato com Marion,

comunicando-a que ela tinha direito a quatro terrenos no “Mutirão” devido à realocação

por conta da abertura da Rua Almirante Barroso, no Bairro Formosa. Com a ajuda de

seu pai iniciou a desconstrução de sua casa no Bairro Formosa com a intenção de

reaproveitar o material para a construção de sua nova casa no Bairro “Mutirão” que,

com dificuldades foi adquirida pelo valor de 10% sobre o salário mínimo ao longo de

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cinco anos. Reitero que este período de mudança do Bairro Formosa para o “Mutirão”

está compreendido nos nove anos de afastamento do trabalho junto à família de Ana

Lúcia, em que exerceu trabalhos esporádicos de faxina e serviços gerais. Marion – 14

anos depois – volta a trabalhar para a família de Ana Lúcia como diarista na casa da

mãe de sua prima (que seria sua tia, já que ela é filha de criação da prima da mãe de Ana

Lúcia), e também na casa de Ana Lúcia (duas vezes por semana e com pagamento

diário). No que diz respeito ao seu retorno, Marion enfatiza que o mesmo se deu não por

ela ter pedido para voltar, mas sim, por que “elas” pediram. Após o advento da Lei no

11.324/200612 e da intensificação das campanhas para formalização do trabalho

doméstico – ela tem a sua carteira assinada como empregada doméstica. Ainda que

trabalhando em uma casa fixa e com sua carteira assinada Marion segue trabalhando,

esporadicamente, como diarista aos sábados para outra família: a filha que mora na Rua

Nova York, a mãe que mora na Rua dos Andradas e a irmã da mãe que mora na Avenida

Plínio Brasil Milano.

2.8 – “A gente não assinou carteira, mas ele dava tudo”: A trajetória de Vera

Por volta das 16hs do dia 25 de novembro de 2010, Vera e eu já havíamos

almoçado e terminado nossas tarefas. Vera disse que poderíamos iniciar a entrevista.

Respondi que iria arrumar a câmera e que após poderíamos começar. Vera pediu para

ver o roteiro de entrevistas, alegando que precisava saber o que eu iria perguntar, para

não pegá-la desprevenida. Arrumando a câmera lhe disse que não haviam perguntas

fechadas e que o roteiro girava mais por temáticas, assuntos. Acrescentei que era

importante saber a sua trajetória. Mostrei para Vera que o primeiro ponto do roteiro se

relacionava com a sua experiência de morada no Bairro Menino Deus, a sua experiência

de morada em Alvorada e que a partir destes pontos poderíamos adentrar na questão do

trabalho13. Vera deu mais uma olhada no roteiro, virando a segunda página Vera leu que

a filmagem iria ocorrer na cozinha, prontamente Vera comentou: “Ah, na cozinha eu

12 Discorrerei sobre este assunto no próximo capítulo. 13 Diferentemente da entrevista realizada com Marion, esta entrevista se deu no período do projeto Trabalho e Cidade: Antropologia da memória do trabalho na cidade moderno-contemporânea, financiado pelo CNPq e coordenado pela Professora Cornelia Eckert. Este projeto procura investigar as práticas de trabalhos, trajetória social e o cotidiano de trabalhadores urbanos pela perspectiva do tempo e de suas memórias. Logo, o roteiro desta entrevista foi construído a partir do conceito “trabalho” e “trajetória” que permeia o projeto.

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não quero! A Marion fez na cozinha e todos aqueles filmes com entrevista que tu

trouxe, quando aparecia uma empregada doméstica era na cozinha”. Sem me conter eu

ri e perguntei se ela estava falando sério. Vera respondeu que sim, mas que se não desse

tudo bem, mas que ela preferia na sala. Eu disse que não havia problema e que

poderíamos fazer na sala. Esta conversa ocorreu no meu quarto, posteriormente

seguimos para a sala. Esta situação é reveladora da proximidade existente entre

pesquisadora e interlocutora de pesquisa, Vera sendo a minha mãe, partilhando meu

cotidiano de pesquisa, tendo acesso ao material etnográfico, se mostra atuante na

construção desta etnografia. Deixa claro como quer ser representada e do quanto a sua

participação é importante para a construção deste dado etnográfico, ou seria o

imperativo materno que “ordenou” ver o roteiro de perguntas e escolheu o local em que

seria realizada a entrevista?

Conforme a escolha de Vera, sentamos-nos no sofá da sala – a iluminação não era

muito boa, pois o dia estava nublado. Eu fiquei em uma das pontas do sofá, ficando de

costas para a porta e para a janela. Vera ficou na outra ponta de frente para mim,

recebendo a iluminação que entrava pela janela e de costas para a porta que dava acesso

a cozinha. Para melhorar a iluminação do ambiente abri as cortinas da janela e fechei a

porta da cozinha (bloqueando a contraluz). Vera demonstrou-se um pouco reticente

dizendo que não tinha muito que falar. Respondi que o importante era ela contar a sua

história.

Vera nasceu no bairro Teresópolis em Porto Alegre em 1950 e lá morou por 15

anos, mudando-se em 1965 para o bairro Cavalhada. Após a morte do pai e do avô ela

se muda – com sua mãe e mais três irmãos – para o bairro Menino Deus, também em

Porto Alegre. Em 1967, diante das dificuldades financeiras, Vera começa a procurar

emprego. Mas, por conta das restrições de idade (quando iniciou a sua procura ela ainda

era menor de idade) e da falta de experiência, Vera só consegue o seu primeiro emprego

em 1975. Graças a indicação de seu irmão, ela consegue um emprego em um

laboratório fotográfico na Ernesto Alves. Na década de 80 Vera conhece o seu marido,

que vai trabalhar no mesmo laboratório fotográfico em que ela trabalha. Em 1982 eles

se casam e ela vai morar em Guaíba com o marido, pouco tempo depois ela pára de

trabalhar. Diante das imposições de seu marido Vera acabou investindo o dinheiro do

seu fundo de garantia em uma banca na feira livre de Porto Alegre. O negócio não

Page 45: Onde se mora não é onde se trabalha

45

prospera, sobraram apenas dívidas e a banca precisa ser vendida. Vera e Valdir (seu

marido) ficam desempregados. Valdir começou a trabalhar de motorista de táxi, Vera

seguiu desempregada por imposição do marido que não queria que ela trabalhasse.

Em 1984 nasce a sua filha (Luciana). Vera e seu marido voltam para Porto Alegre

para trabalharem como zeladores de um prédio no bairro Mont'serrat. Após cinco anos

trabalhando como zeladores desse prédio, Vera se sentia incomodada com ideia de estar

morando de zeladora em um prédio e queria ter sua casa própria. Nesse período o pai de

Valdir falece, deixando uma pequena quantia de dinheiro. Foi com o dinheiro dessa

herança que, na década de 90, eles compraram uma casa em Alvorada, região

metropolitana de Porto Alegre. No final dos anos noventa Vera passa por dificuldades

no casamento, que chega ao fim. Após, aproximadamente dez anos de afastamento do

mercado de trabalho, Vera precisou de muita persistência e perseverança para enfrentar

as dificuldades financeiras em que se encontrava (dívidas de água, luz, alimentação) e

também, para enfrentar a árdua procura por um trabalho. Com a ajuda e indicação de

amigos Vera volta para o mercado de trabalho como auxiliar de serviços gerais em um

laboratório fotográfico no centro de Porto Alegre. Neste laboratório fotográfico ela

trabalhou por cinco anos, até ele ser vendido para outra pessoa e alguns meses depois

falir. Novamente, Vera estava desempregada, sua filha estava trabalhando como

atendente em uma vídeo locadora e assim, podia manter as despesas da casa.

Em 2008, sua tia – esposa do irmão de sua mãe – Dona Cema adoeceu. Assim,

Vera teve a oportunidade de trabalhar como acompanhante de Dona Cema, enquanto

esta se encontrava hospitalizada e também, quando ela retornou para casa, mas ainda

necessitando de cuidados e acompanhamento. Vera permaneceu neste trabalho por cerca

de seis meses, até a sua tia falecer. Como o seu tio ficou sozinho e precisando de

alguém para cuidar da casa – uma grande casa de dois andares no bairro Menino Deus –

ele sugeriu que Vera trabalhasse para ele. Assim, Vera começa a trabalhar como

empregada doméstica. Ela permaneceu neste trabalho por cerca de dois anos, até o seu

tio – Vicente – também, vir a falecer. Um pouco antes do falecimento de seu tio/patrão

Vera encaminhou a documentação para requerer a sua aposentadoria. Assim, o trabalho

como empregada doméstica acabou sendo a sua última experiência profissional.

Page 46: Onde se mora não é onde se trabalha

46

Capítulo III

As passageiras, as trabalhadoras: seus campos de possibilidades e projetos de vida

3.1 – Casar, trabalhar: campos de possibilidades e projetos de vida

Na análise da trajetória de Marion, podemos destacar três pontos que nos

permitirão investigar a noção de “projeto” e “campo de possibilidade” que conduzem a

tomada de consciência dos tempos superpostos que hierarquizam projetos de vida e

delineiam o percurso desta trajetória. Primeiro, nos deparamos com a escolha feita por

Marion, aos 17 anos, em trabalhar como empregada doméstica visando um projeto

individual de independência formulado no interior de um campo de possibilidade

circunscrito historicamente pelo fato de que “o trabalho doméstico tem sido a porta de

entrada no mercado de trabalho para mulheres que possuem menor escolaridade e não

têm qualificação ou experiência de trabalho” (OIT, 2010, p. 11), por conta de ser

associado e naturalizado como um trabalho feminino.

Luciana: Mas como é essa relação, assim de vocês... Há 34 anos, né. Que tu trabalha com eles...Marion: É... A nossa relação é assim: Quando eu tava trabalhando, quando comecei, o meu primeiro emprego foi nessa casa, lá. Eu tinha dezessete ano, eu comecei a trabalha lá. Aí a minha tia tinha dado trombose, que vem a ser a mãe da minha prima agora. A minha prima tinha a recém ganhado a Ana Lúcia, essa que eu trabalho lá na Ipiranga, e ela não tinha com quem ficasse a guria e a mãe dela doente. Que a mãe dela não podia trocar a menina, que tinha dado trombose no braço, então não podia trocar ela. Aí ela foi ali em casa e falou com o pai, né? E o pai: “não, tem a Marion aqui que quer trabalhar”. Eu não aguentava mais tá em casa... Aí eu... “Tá eu vou”. Aí eu fiquei trabalhando lá...

O segundo ponto para análise desta trajetória está ligado, não mais a tempos

superpostos, mas sim, a um tempo cíclico ritmado por um projeto familiar imputando a

Marion a escolha de a cada casamento e/ou gravidez, interromper seu cotidiano de

trabalho, retornando quando os filhos já estavam maiores e podiam ir para a creche.

Este retorno era o que dava continuidade ao seu projeto individual de independência ao

mesmo tempo em que interagia com um projeto familiar formulado no interior de um

campo de possibilidade que ensejava a “tomada de decisão” (GIDDENS, 2002) pelo

retorno ao mercado de trabalhado visando a manutenção financeira do lar. Neste ponto

Page 47: Onde se mora não é onde se trabalha

47

podemos inferir a existência de uma hierarquização do projeto familiar, onde o trabalho

masculino seria dotado de mais valor em relação ao trabalho feminino, especialmente

em se tratando do trabalho doméstico, que além de sua herança escrava conta com o

estatuto de “ajuda” devido ao fato que após a abolição, famílias abastadas recebiam

moças de origem humilde para ajudarem no trabalho doméstico.

A ajudante era enviada como um passo intermediário entre a casa de sua família e o matrimônio. A industrialização e a urbanização, com a expansão da classe média, transformaram a chamada 'ajuda' em serviço doméstico — realizado sobre as bases de casa e comida — para a população migrante de mulheres jovens brancas e não-brancas nascidas no campo (Melo, 1998. p. 01).

Juntamente com o “uso das mãos”, o caráter de “ajuda” do trabalho doméstico

corrobora para que seja desvalorização em relação ao trabalho masculino, ou seja, em

detrimento do trabalho doméstico, a família é priorizada. É importante atentar que

embora haja uma hierarquia no âmbito do projeto familiar em que Marion está inserida,

esta não impediu que Marion retomasse o seu seu projeto individual de independência,

ainda que este sofresse resistências por conta de uma “ordem social” nos termos John

Law (1992) que afirma não haver “uma coisa tal como “a ordem social', com um único

centro, ou um conjunto único de relações estáveis. Ao contrário, há ordens, no plural. E,

obviamente, há resistências”. Nesta perspectiva podemos resumir este segundo ponto

dizendo que esta ordem social é estabelecida pela conformação de um trabalho

doméstico historicamente ligado ao feminino e à atividades que se restringem ao âmbito

da casa (privado, doméstico), ou seja, prática e espaço definidos culturalmente como

femininos, tensionado com um projeto individual de independência. Arrisco afirmar que

Marion tenha sido bem sucedida em seu projeto, pois hoje ela possui sua carteira de

trabalho registrada e sustenta seus dois filhos sozinha, estabelecendo uma nova ordem

social – que resistiu a uma ordem social que concebe o trabalho doméstico como

hierarquicamente inferior ao trabalho masculino – ressignificando este trabalho e

reafirmando sua independência.

Page 48: Onde se mora não é onde se trabalha

48

Luciana: Tu falou que tu trabalhava lá, daí tu casou e parou de trabalha lá?Marion: Eu casei, aí eu parei de trabalhar. Aí na minha primeira gravidez, o Fábio... Eu parei. Aí a outra gravidez do Diego, eu parei. Aí, quando eu tava com os dois um parelhinho com o outro, eu voltei de novo... Voltei como faxina! Eu fazia faxina num, faxina noutro, fazia outro... Aí passou... Aí continuei, assim... Aí, depois, voltei de novo quando eu ganhei a Jú. Trabalhando de faxina.

O terceiro ponto consiste na análise a partir de um campo de possibilidades

circunscrito historicamente pela questão da regulação do trabalho doméstico nos

últimos anos. No decorrer de sua narrativa percebemos, ainda que implicitamente, como

se dá as condições de trabalho para uma empregada doméstica que, na maioria dos

casos, trabalha sem o registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e

consequentemente sem o sistema de proteção à maternidade – um dos direitos sociais

atribuídos na Constituição Federal de 1988, quatro anos antes de Marion engravidar de

sua filha Juliana. Marion seguiu trabalhando ao longo dos nove meses de gestação, não

suportando mais os mal estar e o sobrepeso por conta da gravidez; após dois anos de

trabalho, sem um contrato formal, ela pede para sair. A partir da ampliação de seu

campo de possibilidade – com o registro de sua Carteira de Trabalho por Ana Lúcia –

Marion retoma o trabalho ressignificando a sua experiência como trabalhadora do setor

doméstico, em que reconhecimento e respaldo legislativo corroboram para a construção

de si, para construção de um sujeito de direito. Reconhecendo-se como cidadã,

conformando e reafirmando sua identidade como trabalhadora, sem restringir o uso das

“táticas” e “estratégias” empreendidas dentro deste “campo de possibilidade”, como por

exemplo o fato de Marion seguir trabalhando informalmente – ainda que, com respaldo

legislativo – como diarista, para assim, complementar sua renda14.

É oportuno chamar a atenção para duas questões que permeiam este terceiro

ponto: a questão da proteção à maternidade e a questão dos salários dignos para as

trabalhadoras domésticas. Estas duas questões perpassam a trajetória de trabalho de

Marion e também falam sobre esta categoria de trabalho e de outras mulheres que estão

inseridas nesta categoria. No que concerne a proteção à maternidade a Nota OIT nº 6

(2011) estabelece a proteção à maternidade como um dos pontos chave para garantir um

trabalho decente a esta categoria de trabalho, já que, as trabalhadoras domésticas têm

um baixo nível de acesso aos sistemas de proteção social em praticamente todos os

14 Neste quesito inferimos a questão de Marion ter que complementar o seu salário fazendo faxinas aos sábados.

Page 49: Onde se mora não é onde se trabalha

49

países. Desta forma, são importantes as medidas relacionadas a regulação do trabalho

doméstico e sua incorporação aos sistemas de previdência e seguridade social. Esta

preocupação ainda se faz presente 19 anos após Marion – por não estar amparada por

uma proteção à maternidade – trabalhar ao longo de seus 9 meses de gestação.

Marion: Eu trabalhei até... As duas últimas semanas de ganha ela eu trabalhei... Não fechava... Faltava duas semanas pra fechar nove meses eu parei. Que a mulher mandou eu pára. Era a doutora Maria “Zotta”... Marieta Zotta, lá no número 500... Bem, bem próxima a... Um pouquinho... Uma parada antes do Praia de Belas. Eu já pegava esse ônibus aí! Sabe? Aí eu comecei a engordar, comecei a passar mal, aquela coisa toda... Na gravidez da Juliana! Aí eu pedi pra saí... Saí...

Na Nota OIT nº 2 (2011) temos a informação de que as trabalhadoras domésticas

ocupam os graus mais baixos na escala de remunerações e de que recebem, em média,

salários inferiores ao total de trabalhadores. Especificamente no Brasil, o rendimento

mensal das trabalhadoras no trabalho doméstico ficou em 45,5% abaixo do total de

mulheres ocupadas em 2009, dado que se relaciona perfeitamente com o fato de Marion

necessitar complementar a sua renda trabalhando como diarista aos sábados, tendo em

vista que “em muitos países, as mensalistas com contratos formais e que dormem nos

domicílios recebem remuneração inferior às que trabalham sem dormir no trabalho. As

remunerações nestas modalidades de trabalho, por sua vez, são também inferiores à das

trabalhadoras diaristas.” (OIT, 2011, p. 02).

Na análise da trajetória de Vera, também se destacam as noções de projeto e

campo de possibilidade. Observar-se que o projeto familiar de ficar em casa, cuidando

do marido e da filha se sobrepôs a um projeto individual de seguir no mercado de

trabalho. Neste ponto é interessante retornarmos para a noção de desigualdade de

gênero que se pauta pela dicotomia entre público e privado. Como afirma Susan Okin

(2008, p. 315) “(...) a distinção liberal existente entre público e doméstico é ideológica

no sentido de que apresenta a sociedade a partir de uma perspectiva masculina

tradicional baseada em pressupostos sobre diferentes naturezas e diferentes papéis

naturais de homens e mulheres...”. Nesta tensão latente entre projeto individual e

familiar, presente tanto na trajetória social de Vera quanto na de Marion, converge para

a afirmação de Colbari (1995, p. 64) “que a instituição do mercado de trabalho livre no

Brasil ocorreu em um sistema cultural no qual a família patriarcal e o trabalho escravo

Page 50: Onde se mora não é onde se trabalha

50

constituíram os parâmetros articuladores da vida social”. A partir deste contexto,

gostaria de atentar para a associação recorrente entre os valores familiares aos valores

ligados ao trabalho, em que “a política social do Estado Novo interferiria diretamente

na organização da família reforçando os papéis do homem como provedor do lar e da

mulher como administradora do lar” (COLBARI, 1995, p. 64). Ou seja, novamente

contexto histórico e social conformando ideologicamente uma naturalização do espaço

privado como feminino e do espaço público como masculino. O seu retorno ao mercado

de trabalho se deu pela mesma via que a de muitas mulheres: “postos de trabalho

localizados, preferencialmente, nas áreas mais tradicionalmente ligadas à atividade

feminina, como funções no setor de serviços, associadas à educação de crianças e

jovens; aos cuidados da saúde; aos serviços de limpeza; etc.” (DIEESE, 2001 p. 104).

As amarras ideológicas não impediram que Vera retornasse ao mercado de trabalho

retomando sua independência financeira e assumindo o papel de provedora do lar,

ensejando um projeto individual a partir das alternativas construídas no contexto de

determinado processo sócio-histórico, tendo como potencial interpretativo o mundo

simbólico da cultura e mobilidade destas alternativas por parte de Vera.

Vera: Daí, depois ele... Ele sempre trabalhou em táxi, daí ele começou a trabalhar, a procurar serviço de táxi de novo, daí ele conseguiu, daí ele ficou no táxi e eu fiquei desempregada... Morando em Guaíba, né. Daí, depois... Eu não consegui mais trabalhar. Ele não queria que eu trabalhasse... Porque ele é machista! Bem, bem machista! (Risos). Daí... Daí, eu fiquei em casa... Saí...

Outra questão que permeia estas duas trajetórias e de outras interlocutoras desta

pesquisa é a questão das redes de trabalho que se constroem a partir de uma rede

familiar. Eunice Durham em “A caminho da cidade” (1973, p. 10) diz:

Tomamos como foco de investigação, de um lado, o trabalho, concebido como aspecto central do processo de integração dos migrantes rurais a uma sociedade urbano-industrial; de outro, a família e o grupo de parentes que são os grupos que persistem na passagem de uma para outra ordem de vida social e orientam a participação no novo universo sociocultural.

Na entrevista realizada com Claudete, no dia 17 de agosto de 2011 ela conta que

sua experiência como empregada doméstica se deu aos 24 anos. Este emprego foi

conseguido através da indicação de sua cunhada e nele permaneceu por 6 anos. Assim

como Vera e Marion, Claudete contou com uma rede familiar neste processo de

Page 51: Onde se mora não é onde se trabalha

51

mediação/indicação entre patroa e empregada. Tanto na trajetória de Vera como na de

Marion observamos que “do ponto de vista do patrão, o trabalho doméstico, não raras

vezes, é apresentado como um 'favor' a algum membro da família pobre.” (BOSI, 2010,

p. 149). Neste ponto, trago para discussão a noção de “identidade” de Giddens (2002),

já que a imagem da empregada doméstica como “parte da família” acaba atuando como

constituidora de uma identidade social em relação a empregada doméstica. Porém, é

necessário realizar uma diferenciação entre esta identidade social que corrobora para

reprodução de uma estratificação social, reforçando um sistema hierárquico a partir de

uma “ambiguidade afetiva” (Brites, 2007); de uma “auto-identidade” (GIDDENS,

2002), que depende de uma narrativa sobre si produzida através da “consciência

discursiva” (GIDDENS, 2003) destas duas personagens que habitam uma história

cotidiana de trabalho, escolhas e decisões.

Luciana: E ele por ser o teu tio, como é que era a relação?Vera: Ah, era muito boa, era mais até como um pai, não parecia patrão, só era patrão mesmo nos pagamentos, pagava tudo direitinho. A gente não assinou carteira, mas ele dava tudo... Era passagem, ele me dava passagem de dois ônibus, até nem precisava porque só pegava dois ônibus aos sábados, né. Mas ele fazia questão de dá... décimo terceiro, tudo direitinho, ele era correto em tudo, não...

Deste entrelace conceitual de identidades, que emerge da análise destas trajetórias,

podemos tratar de uma “representação científica” (BECKER, 2007) conduzida por esta

etnografia e da interpretação da identidade social de uma trabalhadora doméstica

investigando a interação dialética entre o vivido (regras, práticas, recursos) e a lógica

que perpassa a trajetória de trabalho destas mulheres “organizada à maneira de uma

narrativa” (RICOEUR, 1994).

3.2 – Desvalorização e discriminação do trabalho doméstico

A primeira legislação acerca do trabalho doméstico data de 30 de julho de 1923, 88

anos se passaram e no congresso nacional ainda tramitam projetos de leis que

pretendem estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre as empregadas

domésticas15. A discriminação da categoria é histórica, na maior parte dos casos essa é a

única alternativa de trabalho para mulheres pobres e semi alfabetizadas. Hoje, o 15 Vou utilizar o termo no feminino, já que mulheres representam 93% de trabalhadores nesta categoria.

Page 52: Onde se mora não é onde se trabalha

52

contingente de empregadas domésticas no Brasil representa mais de 7 milhões16 de

trabalhadoras. O que representa 93% de mulheres empregadas no setor doméstico.

Dentro deste percentual, 60% são formados por mulheres negras. Portando, a

desvalorização e discriminação do trabalho doméstico presente em nossas leis17 deixam

uma dúplice discriminatória que parte da raça18 superpondo-se a condição feminina.

Cabe destacar a importância das relações de gênero, já que estas comportam uma

lógica de associação do trabalho doméstico como trabalho de mulher. É justamente essa

definição de lugares entre masculino e feminino – conformada em uma divisão sexual

do trabalho – que define quem será o trabalhador doméstico. Ainda com a questão da

divisão sexual do trabalho é possível se valer de Heilborn (1999, p. 20) que define

gênero “como um sistema simbólico que organiza relações de poder, igualdades e

desigualdades no mundo do trabalho”. Esta definição corrobora com o fato de que, no

início do século XX as mulheres já eram responsáveis por mais de 80% de todas as

ocupações relacionadas ao espaço doméstico. A respeito desta dicotomia entre esfera

pública e privada trago uma passagem do texto “Gênero, o público e o privado” de

Susan Okin:

A divisão do trabalho entre os sexos tem sido fundamental para essa dicotomia desde seus princípios teóricos. Os homens são vistos como, sobretudo, ligados às ocupações da esfera da vida econômica e política e responsáveis por elas, enquanto as mulheres seriam responsáveis pelas ocupações da esfera privada da domesticidade e reprodução. As mulheres têm sido vistas como “naturalmente” inadequadas à esfera pública, dependentes dos homens e subordinadas à família (2008, p. 308).

Sugere-se que esta passagem seja esclarecedora para se perceber o quanto essa

dicotomia está presente na divisão sexual do trabalho, na tentativa de enriquecer o

argumento trago um relato etnográfico do dia 5 de abril de 2011, data em que realizei

uma “etnografia de rua” em busca de espaços públicos e instituições em que pudesse

entrar em contato com uma rede ou famílias de trabalhadores. Foi nesta caminhada pelo

Bairro Formoza em Alvorada/RS que passei em frente a uma escolinha infantil e pude

16 Conforme dados obtido em março de 2010 na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgados em setembro de 2010.17 Um bom exemplo reside no fato de, somente no ano de 2001, promulgou-se a Lei nº 10.208, dando direito ao seguro desemprego para as empregadas domésticas, que ainda assim, é facultativo para o empregador.18 Como discutido na seção anterior deste capítulo, a origem escravocrata do trabalho doméstico – e a construção do imaginário de um trabalho degradador – incide sobre o contexto atual de desigualdade e precarização do trabalho doméstico.

Page 53: Onde se mora não é onde se trabalha

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ouvir os sons das crianças brincando, era uma escolinha pequena e bem colorida. Anotei

o número de telefone exposto em uma placa onde, também se podia ler o nome da

escolinha: “Brincando e Aprendendo”. Após reunião de orientação com a professora

Cornelia decidimos que entrar em contato com a proprietária da escolinha seria

interessante para a pesquisa, já que possivelmente teria acesso a uma grande rede de

trabalhadores – as mães e pais que deixam seus na escolinha. Após entrar em contato

com Claudete, proprietária da Escolinha Brincando e Aprendendo, marquei uma visita

em sua casa – que fica no mesmo pátio em que funciona a escolinha, mais precisamente

em frente à escolinha. No dia 3 de maio de 2011, fui ao encontro de Claudete, perguntei

como havia se dado o início do trabalho como cuidadora de criança. Claudete contou

que, como ela estava em casa cuidando dos seus filhos, ela considerou que podia cuidar

“dos filhos dos outros” e ganhar dinheiro com isso. Assim, começou a oferecer seus

serviços de cuidadora. Começou com uma, duas, três crianças e quando havia se dado

conta já estava com dez crianças pela casa e foi assim que ela resolveu se

profissionalizar e regulamentar a sua escolinha. Antes de trabalhar como cuidadora de

crianças Claudete havia sido empregada doméstica, mas acabou abandonando o

emprego por conta, nas palavras de dela: “Saí porque a Greyce nasceu em maio e em

março o Cristiano iniciou as aulas... Daí, fui levando. A Greyce nasceu e eu voltei da

licença... Até tentei conciliar, mas não deu!”19. A partir deste relato e da afirmação de

Susan Okin torna-se evidente que as ocupações da esfera privada (trabalho doméstico e

o trabalho de cuidado infantil) tem estado, historicamente, sob responsabilidade

feminina, reificando “a fragilidade do trabalho feminino, em função do mesmo ser

realizado no domicílio” (FERREIRA, 2009, p. 21). Ou ainda, uma vinculação

naturalizante da mulher ao espaço privado.

Neste contexto histórico e social, de desigualdades é flagrante a ausência de regras

legais que conformem e valorizem o trabalho doméstico positivamente. Conforme a

cartilha “Trabalho doméstico: direitos e deveres”20 distribuída pelo Ministério do

Trabalho, é considerada empregada doméstica aquela maior de 16 anos que presta

serviços de natureza contínua (freqüente, constante) e de finalidade não-lucrativa à

19 Voltaremos a esta questão no próximo, quando irei apresentar a trajetória social e de trabalho de Vera e Marion, onde iremos observar a recorrência do fato de que estas mulheres pararam de trabalhar para poder cuidar dos filhos.20 Trabalho doméstico: direitos e deveres: orientações. 3 ed. Brasília: MTE, SIT, 2007.

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pessoa ou à família, no âmbito residencial destas21. A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro

de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, dispõe sobre a

profissão, conceituando e atribuindo-lhe direitos. Somente na Constituição Federal de

1988, foram atribuídos direitos sociais, como: salário mínimo; irredutibilidade salarial;

repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3

a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do

salário, com duração de 120 dias; licença paternidade; aviso prévio; aposentadoria e

integração à Previdência Social. Nos anos 2000, a Medida Provisória nº 1.986,

acrescenta dispositivos à Lei no 5.859, possibilitando o acesso dos(as) empregados(as)

domésticos(as) ao FGTS. Sendo o Seguro-desemprego concedido, exclusivamente, à

empregada inscrita no FGTS, por um período mínimo de 15 meses nos últimos 24

meses contados da dispensa sem justa causa. Sendo pago com recursos do FAT,

extensão dos benefícios do FGTS as trabalhadoras domésticas. Em 06 de março de 2006

foi editada a medida provisória Nº 284, que altera a legislação do imposto de renda das

pessoas físicas e introduz a possibilidade de deduzir a contribuição patronal paga à

Previdência Social pelo empregador doméstico incidente sobre o valor da remuneração

do empregado. Esta medida provisória teve a intenção de elevar o registro em carteira

do trabalhador doméstico, através de concessão de benefício aos empregadores. Ainda

no ano de 2006, em 19 de julho, foi editada a Lei n.º 11.324, alterando artigos da Lei n.º

5.859. Nesta edição os trabalhadores domésticos passaram a ter direito a férias de 30

dias, estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, além da

proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados

no local de trabalho.

21 Nesses termos, integram a categoria os(as) seguintes trabalhadores(as): cozinheiro(a), governanta, babá, lavadeira, faxineiro(a), vigia, motorista particular, jardineiro(a), acompanhante de idosos(as), entre outras. O(a) caseiro(a) também é considerado(a) empregado(a) doméstico(a), quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa.

Page 55: Onde se mora não é onde se trabalha

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Estes são alguns dos principais

direitos e benefícios que amparam a

trabalhadora doméstica e que devem ser

considerados como verdadeiros avanços

no campo jurídico, ainda assim, cabe

assinalar os direitos e benefícios que

ainda não foram incorporados à

categoria: recebimento do abono salarial

e rendimentos relativos ao Programa de

Integração Social (PIS), em virtude de

não ser o(a) empregador(a) contribuinte

desse programa; salário-família;

benefícios por acidente de trabalho

(ocorrendo acidente e necessitando de

afastamento, o benefício será auxílio-doença); adicional de periculosidade e

insalubridade; horas extras; jornada de trabalho fixada em lei e adicional noturno.

A questão dos dieitos trabalhistas acerca do trabalho doméstico está muito em

voga no momento, inclusive, é possível se estabelecer uma relação com a questão dos

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direitos humanos22. Exemplo disto são os debates acerca do tema em nível internacional

– como exemplo cito as Conferências Internacionais do Trabalho (CIT) de 2010 e 2011,

organizada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) – que poderá resultar na

adoção de um instrumento internacional que regule o trabalho doméstico remunerado. O

Programa Regional de Gênero e Trabalho Decente da OIT desenvolveu uma série de

oito Notas Técnicas sob o título “O Trabalho Doméstico na América Latina e Caribe”

com a intenção de promover o trabalho decente para as trabalhadoras do setor

doméstico,além de abordar a questão dos salários dignos para estas trabalhadoras, a

erradicação do trabalho infantil doméstico, ampliação da proteção para as trabalhadoras

domésticas e o direito de organização das mesmas. Basta uma leitura rápida por alguma

destas notas para se perceber o contexto de desigualdades e precariedade em que se

encontra o trabalho doméstico na atualidade23:

Considerando que o trabalho doméstico continua sendo subvalorizado e invisível e é executado principalmente por mulheres e meninas, muitas das quais são migrantes ou membros de comunidades desfavorecidas e, portanto, particularmente vulneráveis à discriminação em relação às condições de emprego e trabalho, bem como outros abusos de direitos humanos. (…) Regulamentar e registrar com exatidão as horas de trabalho realizadas, inclusive as horas extras, definir e informar sobre a taxa de remuneração ou forma de compensação das horas extras e das horas de disponibilidade de trabalho imediata, com fácil acesso dos trabalhadores e trabalhadoras domésticas a esta informação. (OIT, 2011, p. 08).

Valendo-se de Lynn Hunt que afirma: “os direitos do homem apenas serviram para

instituir uma nova, e mais insidiosa, forma de disciplina” (HUNT, 2005, p. 278). É

possível inferir que as recomendações feitas pela OIT, isto é, uma regulamentação

efetiva da categoria de trabalhadores domésticos, corrobora com a ideia de controle por

parte do Estado e por parte do patrão(a). Em um primeiro momento tendemos a encarar

essas mudanças como benéficas para a classe trabalhadora do setor doméstico, porém

creio ser necessário olhar o outro lado da moeda questionando se as propostas de

mudança e as mudanças ocorridas no âmbito da legislação do trabalho doméstico

seriam mudanças que beneficiariam apenas a classe trabalhadora ou, também, a classe

22 Seguindo a perspectiva de um alargamento discursivo e da ampliação de sentidos da ideia de direitos humanos perpassando a noção de sujeito de direitos, que foi objeto de discussão na disciplina Antropologia e Direitos Humanos, ministrada pela Professora Dra Denise Fagundes Jardim, no ano de 2012.23 Cabe ressaltar que estas Notas dizem respeito ao trabalho doméstico em contexto latino americano.

Page 57: Onde se mora não é onde se trabalha

57

que se vale deste serviço. Neste ponto, coloca-se em xeque a dimensão das "táticas" e

"estratégias" exercidas pelas trabalhadoras do setor doméstico que se expressa no

trabalho como diarista e que permite a estas trabalhadoras um maior controle sobre o

seu tempo e sua força de trabalho, algo que provavelmente se perderia, ou se

restringiria, na regulamentação plena do trabalho doméstico em que o controle do

tempo e da força de trabalho ficariam a cargo do Estado e do patrão.

3.3 – A produção acadêmica acerca do tema 'empregadas domésticas'

A partir da narrativa trabalhista exposta acima gostaria de delinear um panorama

do que tem sido produzido a respeito do tema 'empregadas domésticas'. Inicio este

panorama trazendo o resultado de buscas no Scielo (www.scielo.org) no mês de junho

de 2012, utilizando os indicadores: empregadas domésticas, trabalho doméstico e

trabalho doméstico. Desta busca encontrei sete trabalhos produzidos a partir de

diferentes áreas de conhecimento.

Na área das ciências humanas temos os artigos de Brites (2007) e Sanches (2009)

respectivamente intitulados: Afeto e desigualdade: gênero, geração e classe entre

empregadas domésticas e seus empregadores e Trabalho doméstico: desafios para o

trabalho decente. Brites (2007) centra a sua análise na questão da ambiguidade afetiva

entre os empregadores e as trabalhadoras domésticas reforçando um sistema

estratificado e hierárquico de gênero, classe e cor. Sanches (2009) atenta para a

importância do conceito de trabalho decente, promovido pela Organização Internacional

do Trabalho (OIT), para o trabalho doméstico e a equiparação de seus direitos em

relação aos demais trabalhadores e trabalhadoras que que contam com a regulação da

CLT.

Na área da saúde temos os artigos: Emprego em serviços domésticos e acidentes

de trabalho não fatais e Representações do trabalho informal e dos riscos à saúde entre

trabalhadoras domésticas e trabalhadores da construção civil; respectivamente de

Santana (2003) e Iriart (2008). O primeiro trabalho trata da alta incidência de acidentes

de trabalho entre as trabalhadoras do setor doméstico. O segundo aponta para a questão

dos trabalhadores informais da construção civil e das trabalhadoras domésticas,

igualmente informais, analisando representações e percepções sobre a informalidade do

Page 58: Onde se mora não é onde se trabalha

58

contrato de trabalho e dos riscos à saúde entre trabalhadores informais acidentados,

apontando para a necessidade de construção de políticas públicas visando a segurança e

saúde destes trabalhadores e trabalhadoras.

Na psicologia temos Santana e Dimenstein (2005) com o artigo Trabalho

doméstico de adolescentes e reprodução das desiguais relações de gênero, que utiliza os

resultados de uma pesquisa realizada com jovens trabalhadoras do setor doméstico –

menores de 18 anos – que acumulam tarefas escolares e de trabalho, sob condições

trabalhistas desiguais e irregulares. O objetivo deste estudo, realizado em Natal (RN), é

analisar o trabalho doméstico de adolescentes na perspectiva das relações de gênero

com a categoria de classe social.

Por fim, o mais recente artigo encontrado é da economia: Impacto da redução dos

encargos trabalhistas sobre a formalização do trabalho doméstico de Theodoro e

Scorzafave (2011), em que avaliam o impacto causal da Lei 11.3241 sobre a

formalização do trabalho doméstico no Brasil. Os dados foram extraídos do banco

Mensal de Empregos do IBGE entre os anos 2004 e 2007, tendo um resultado

inconclusivo, já que, algumas estimativas mostraram efeitos positivos enquanto outras

não foram significativas.

No Banco de Teses da CAPES (www.capes.gov.br), no mês de junho de 2012,

utilizando o descritor: “empregadas domésticas”, foi localizado 10 trabalhos, na área

das ciências sociais sobre o tema, publicados a partir de 2000.

Nos anos 2000, temos a publicação de Brites (2000): Afeto, desigualdade e

rebeldia – bastidores do serviço doméstico; tese de doutorado em que realizou um

estudo etnográfico sobre as relações de poder entre as empregadas domésticas e

empregadores entre os anos de 1996 e 1998, no estado do Espírito Santos. Também

contamos com a publicação da dissertação de mestrado de Barbosa (2000): Articulação

casa trabalho: migrantes nordestinos nas ocupações de empregada doméstica e

empregado de edifício, este estudo buscou explorar a integração de trabalhadores –

homens e mulheres de origem camponesa da região Nordeste – empregadas/os em casa

de família ou em edifícios como porteiros ou auxiliares de limpeza.

Após quatro anos, temos nova publicação: Minha área é casa de família: o

trabalho doméstico na cidade de São Paulo, tese de doutorado de Brandt (2004) que

Page 59: Onde se mora não é onde se trabalha

59

analisa a inserção feminina no mercado de trabalho, atentando para a diminuição de

empregadas domésticas que dormem no emprego.

No ano de 2007, houve a publicação de dois trabalhos referentes ao tema: Cursos

para trabalhadoras domésticas: estratégias de modelagens de Oliveira (2007) e O que é

viver com os patrões? Trabalho e cidadania das empregadas que moram com os patrões

de Dias (2007), ambas dissertações de mestrado. O primeiro trabalho trata-se de uma

etnografia dos cursos oferecidos para trabalhadoras domésticas e as nuances de seus

discursos. O segundo trata do desinteresse que as empregadas domésticas, que dormem

no emprego, têm pela atividade.

No ano seguinte temos a dissertação de mestrado de Harris (2008): Você vai me

servir: desigualdade, proximidade e agência nos dois lados do Equador, que parte de um

estudo etnográfico comparativo das relações entre empregadas domésticas e seus

empregadores, no Brasil e nos Estados Unidos, analisando as particularidades históricas

do trabalho doméstico em cada país.

Quatro trabalhos foram publicados em 2009: Ávila (2009) apresentou as práticas

de trabalhadoras domésticas na cidade do Recife com a tese de doutorado, buscando

compreender as tensões cotidianas em torno do uso do tempo. Oliveira (2009) em

Conflitos sobre a categoria trabalho doméstico: entre (in)definições, lutas e mudanças,

dissertação de mestrado, analisa a regulação do trabalho doméstico e seu processo de

disputas e debates acerca de sua legitimação. Pineyro (2009) também trata da

dificuldade de reconhecimento e legitimação do trabalho doméstico pela perspectiva

ambiguidade afetiva entre trabalhadoras e empregadoras, em sua dissertação de

mestrado intitulada: O pedaço doméstico: empregadas domésticas na luta pelo

reconhecimento. Por fim, Santana (2009) na dissertação de mestrado Entre os discursos,

as representações e as práticas: crianças e jovens empregadas domésticas na cidade de

Marília, trata do serviço doméstico remunerado como um espaço de inserção no

mercado de trabalho, que a pesar de seu caráter compulsório e exploratória, era visto

como uma oportunidade para a melhoria de vida.

Page 60: Onde se mora não é onde se trabalha

60

Capítulo IV

Coleções etnográficas na feitura de um documentário etnográfico

4.1 – Coleções e suas narrativas

Neste capítulo, busco tecer algumas considerações acerca do método de “coleções

etnográficas”, desenvolvido no seio do BIEV, a partir do documentário etnográfico

"Onde se mora não é onde se trabalha". O documentário parte do estudo das trajetórias

sociais de duas mulheres (Vera e Marion), moradoras de Alvorada que trabalham como

empregadas domésticas em Porto Alegre e enfrentam, diariamente, cerca de 1h10min de

viagem abordo da linha Passo da Figueira via Ipiranga. Cenas cotidianas de

deslocamento e trabalho narram, a partir dos gestos e práticas de Marion, a rotina desse

viver urbano de embarques e desembarques, de conversas e interações, de espera e de

trabalho. À estas cenas cotidianas cruzam-se as lembranças de Vera, lembranças do

bairro que um dia foi sua morada e hoje abriga a casa em que ela trabalha.

A escolha destas imagens não é arbitrária, ela se constituí a partir do “método de

convergência” de Gilbert Durand (2002) que conforma o método de coleções

etnográficas. Ou seja, as imagens sonoras, fílmicas e fotográficas, produzidas ao longo

da etnografia – bem como as consultadas em acervos – e que compõe este documentário

foram reunidas e orientadas através de categorias conceituadas no projeto BIEV,

provocando um diálogo entre essas imagens, fazendo com que eu pensasse essas

imagens no âmago de sua potência narrativa. Sob a adesão deste método, percorrendo o

trajeto etnográfico munida de câmera e microfone, pude construir um olhar sobre estas

duas mulheres e sobre este encontro etnográfico.

No processo de edição/montagem conformei este olhar balizado pela constelação

de imagens que compõe esta coleção, estabelecendo o “sentido” (EISENSTEIN, 2002)

entre as imagens colecionadas e “(re)configurando” (RICOEUR, 1994) o encontro

etnográfico e a dinâmica de (re)conhecimento do Outro. É preciso atentar para o fato

que Eisenstein ao dizer que no processo de edição chegamos a um sentido, ele está em

diálogo direto com o cinema, ou seja, com um processo de criação ficcional que respeita

as convenções do espaço fílmico, cuja sua experiência corresponde a realidade. Para

Page 61: Onde se mora não é onde se trabalha

61

poder compreender a importância destas coleções etnográficas convido o leitor a pensar

estas imagens que conformam uma coleção etnográfica como uma fragmentação dos

sentidos evocados pela etnografia. Sentidos que no processo de edição serão justapostos

configurando-se em uma narrativa que será apresentada sob a forma de um

documentário etnográfico.

4.2 – O documentário (DVD)

Page 62: Onde se mora não é onde se trabalha

62

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa dedicou-se a problematizar a questão urbana acerca dos itinerários

vividos e narrados pelos interlocutores desta pesquisa, atentando o olhar para as “formas

de sociabilidade”, “táticas” e “práticas” presentes nesse deslocamento entre uma cidade

e outra e que configuram uma forma de viver esta cultura do trânsito, atentando para a

transformação das relações das pessoas com o espaço urbano, ressignificando a parada e

o ônibus, não apenas como um espaço de circulação mas sim, como um espaço de

encontro, fazendo do tempo de espera e do tempo de viagem a oportunidade para se

criar laços, compartilhar e trocar experiência desse viver urbano. Foi a partir deste

tempo de viagem e da criação/solidificação destes laços com minhas interlocutoras de

pesquisa – passageiras da linha Passo da Figueira via Ipiranga – que pude adentrar no

cotidiano de trabalho destas mulheres, culminando na análise da condição de

trabalhadoras domésticas sob a perspectiva do “trabalho como valor” (LEITE LOPES,

1976) – na medida em que constitui subjetividades e identidades – como sob a

perspectiva do trabalho como “prática social” que constitui “trajetórias sociais e de

trabalho” (ECKERT, 1993) e agencia a vida cotidiana no meio urbano. Ao me pautar

pelo “estudo de sociedades complexas” e suas fronteiras simbólicas estabelecidas entre

particularizações e universalizações, na tensão entre experiências de vida e experiências

sócio-históricas tornou-se evidente que estas mulheres vivem a cidade, imbuem-se de

suas transformações e participam socialmente e historicamente da configuração do

trabalho doméstico. É na cidade que agenciam o seu cotidiano e trabalho, estabelecem

“táticas” e “estratégias” e refletem, para assim, “configurar” a vida e narrar uma

história. Não a história “universal” de suas conquistas por respaldos legais, mas sim,

uma história “particular”, a conquista da casa própria ou o orgulho de ter “criado quatro

filhos trabalhando como doméstica”.

Page 63: Onde se mora não é onde se trabalha

63

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