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SIDEREUM ANA I El río Guadiana en Época Post-orientalizante Anejos de AEspA XXXIX, 2008, p. 219-249 RESUMO As prospecções desenroladas nas margens da ribeira de Vale de Vasco conduziram à identificação de quatro peque- nas instalações rurais datadas na idade do Ferro na Heredade de Sapatoa. Duas deles (Sapatoa 1 e 3) foram escavadas entre 1999 e 2003. A arquitectura destos sítios, muito similar, revela uma inspiraçao mediterrânea, mais no conjunto ar- tefactual as influencias do litoral parecem mais filtradas. A cronología se processou entre finais do séc. VI e meados do V a.C., com um possível ligeiro desfaseamento entre as duas estaçoes escavadas. Estas pequenas instalaçoes occupa- riam territórios margináis e de escassa produtividade numa área onde a ocupaçao romana difficulta a percepçao dos si- tios sidéricos assentados nos terrenos mais férteis. Em estes territórios pouco atractivos e escassamente produtivos, dever-se-iam ter desenvolvido pequenas comunidades de cariz aldeão, vivendo em regimes de relativa autarcia. RESUMEN Las prospecciones efectuadas en el Valle de Vasco han permitido identificar varias instalaciones rurales de la Pri- mera Edad del Hierro en la Heredade de Sapatoa. Dos de ellas (Sapatoa 1 y 3) han sido excavadas entre 1999 y 2003. La arquitectura de estos enclaves, muy similar, revela influjos mediterráneos, pero en la cultura material las influencias del litoral parecen menos evidentes. La cronología de estos sitios de desarrolla entre fines del VI y mediados del V si bien es posible que haya algún ligero desfase entre los yacimientos excavados. Estas pequeñas instalaciones ocuparían áreas periféricas y de escasa productividad en un territorio donde la ocupación romana dificulta la percepción de los asen- tamientos coetáneos situados en los terrenos más fértiles. En estos territorios poco atractivos y escasamente producti- vos se habrían asentado pequeñas comunidades de carácter aldeano viviendo en un régimen de práctica autarquía. ABSTRACT Archaeological surface explorations on Vale de Vasco (Centre of Portugal) allowed locating many IronAge rural lit- tle sites, in the Heredade de Sapatoa. Two of them (Sapatoa 1 and 3) were excavated between 1999 and 2003. These sites have an architecture whose technical features and morphology show clear Mediterranean influences. But the archaeo- logical finds (mainly pottery) denote a very less coastal influence. The chronology of these sites runs between the end of the 6 th and the middle 5 th centuries B.C., although a little difference can be established between the excavated ones. These sites occupied peripheral and scanty productive areas into a territory where the roman expansion makes difficult perceive the Iron Age settlement, which would be located on theirs more fertile parts. In these unattractive and barely productive territories little villager communities, living in a regime of relative autarky, would be seated. O PÓS-ORIENTALIZANTE QUE NUNCA O FOI … UMA COMUNIDADE CAMPONESA NA HERDADE DA SAPATOA (REDONDO, ALENTEJO CENTRAL) Rui MATALOTO Câmara Municipal de Redondo

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SIDEREUMANA IEl río Guadiana en Época Post-orientalizanteAnejos de AEspA XXXIX, 2008, p. 219-249

RESUMO

As prospecções desenroladas nas margens da ribeira de Vale de Vasco conduziram à identificação de quatro peque-nas instalações rurais datadas na idade do Ferro na Heredade de Sapatoa. Duas deles (Sapatoa 1 e 3) foram escavadasentre 1999 e 2003. A arquitectura destos sítios, muito similar, revela uma inspiraçao mediterrânea, mais no conjunto ar-tefactual as influencias do litoral parecem mais filtradas. A cronología se processou entre finais do séc. VI e meados doV a.C., com um possível ligeiro desfaseamento entre as duas estaçoes escavadas. Estas pequenas instalaçoes occupa-riam territórios margináis e de escassa produtividade numa área onde a ocupaçao romana difficulta a percepçao dos si-tios sidéricos assentados nos terrenos mais férteis. Em estes territórios pouco atractivos e escassamente produtivos,dever-se-iam ter desenvolvido pequenas comunidades de cariz aldeão, vivendo em regimes de relativa autarcia.

RESUMEN

Las prospecciones efectuadas en el Valle de Vasco han permitido identificar varias instalaciones rurales de la Pri-mera Edad del Hierro en la Heredade de Sapatoa. Dos de ellas (Sapatoa 1 y 3) han sido excavadas entre 1999 y 2003.La arquitectura de estos enclaves, muy similar, revela influjos mediterráneos, pero en la cultura material las influenciasdel litoral parecen menos evidentes. La cronología de estos sitios de desarrolla entre fines del VI y mediados del V sibien es posible que haya algún ligero desfase entre los yacimientos excavados. Estas pequeñas instalaciones ocuparíanáreas periféricas y de escasa productividad en un territorio donde la ocupación romana dificulta la percepción de los asen-tamientos coetáneos situados en los terrenos más fértiles. En estos territorios poco atractivos y escasamente producti-vos se habrían asentado pequeñas comunidades de carácter aldeano viviendo en un régimen de práctica autarquía.

ABSTRACT

Archaeological surface explorations on Vale de Vasco (Centre of Portugal) allowed locating many IronAge rural lit-tle sites, in the Heredade de Sapatoa. Two of them (Sapatoa 1 and 3) were excavated between 1999 and 2003. These siteshave an architecture whose technical features and morphology show clear Mediterranean influences. But the archaeo-logical finds (mainly pottery) denote a very less coastal influence. The chronology of these sites runs between the endof the 6th and the middle 5th centuries B.C., although a little difference can be established between the excavated ones.These sites occupied peripheral and scanty productive areas into a territory where the roman expansion makes difficultperceive the Iron Age settlement, which would be located on theirs more fertile parts. In these unattractive and barelyproductive territories little villager communities, living in a regime of relative autarky, would be seated.

O PÓS-ORIENTALIZANTE QUE NUNCAO FOI …UMACOMUNIDADE CAMPONESANAHERDADE DA

SAPATOA (REDONDO, ALENTEJO CENTRAL)

Rui MATALOTOCâmara Municipal de Redondo

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proveniência, do Mediterrâneo Oriental. É certoque o grau de efectivação destas transformações, asunidades sociais que nele foram abrangidas, entreoutros aspectos, originou forte debate em torno dasua aplicação e do âmbito geográfico abarcado pelamesma. Deste modo, e principalmente nos últimosanos, têm vindo a surgir autores a propor o aban-dono da sua utilização ou a sua aplicação apenas acertas franjas sociais, que sofreram efectivamenteum processo global e profundo de aculturação, no-meadamente as elites sociais e religiosas (Blázquez2005: 141 e 144).

A investigação da Idade do Ferro do interior Suldo território hoje português tem sido, desde sem-pre, fortemente marcada pela investigação proto-histórica da área extremenha, onde desde cedo sefez assinalar a presença de elementos de origem oucariz oriental, sendo justamente um dos trabalhospioneiros de A. Blanco, sobre o jarro de Valdega-mas, assinalado como o arranque da noção de“orientalização” das populações proto-históricas dosul peninsular (Blázquez 2005; Torres 2002: 30).Todavia, creio que terá sido o já “clássico” trabalhode Martin Almagro (1977) “El Bronce Final y elPeríodo Orientalizante en Extremadura” que aca-baria por traçar os principais conceitos crono-cul-turais em que se tem vindo a subdividir,principalmente, a primeira metade do Iº milénio a.C. nesta região. Assim, o período “Orientalizante”caracterizar-se-ia, inicialmente, pela introduçãopaulatina de produtos e elementos técnicos e cultu-rais de origem mediterrânea nas populações locais,nummovimento que acabaria por se intensificar ge-rando a sua profunda assimilação, ao ponto de atin-girem um domínio quase absoluto, quer ao níveldas presenças materiais, com a sua produção e re-produção nas diversas áreas regionais, quer ao nívelda aculturação e enraizamento nas tradições indí-genas (Almagro-Gorbea 1977: 497); consequente-mente a este processo verificar-se-ia a implantaçãode toda uma nova realidade social e religiosa forte-mente marcada pela tradição mediterrânea.

Todavia, o continuar da investigação proto-his-tórica extremenha, mas igualmente do desenrolardas novas tendências de investigação, com maior

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“O mundo rural, pelo contrário, é o espaço da sujeição às mutações climatéricas e sazonais, dos rit-mos cósmicos, das frágeis protecções sacrais ou das solidariedades colectivas contra os anos maus e as chu-vas demasiado tardias que apodrecem os frutos, ou contra as secas incompreensíveis e as geadas ou granizosque destroem as plantas. Por isso é necessária a solidariedade de parentes numerosos …”

J. Mattoso. Identificação de um País (1985)

1. O PÓS-ORIENTALIZANTE CENTROALENTEJANO: O DEIXAR DE SER,SEM NUNCAO TER SIDO…

No contexto da investigação arqueológicaproto-histórica do Sul de Portugal, nas três últimasdécadas, a questão terminológica encontrava-se, noparadigma vigente, fortemente marcada por umacentuado cunho cultural; assim, a uma Iª Idade doFerro de cariz mediterrâneo “orientalizante”, suce-dia-se uma IIª Idade do Ferro de feição continental“celtizante” (Beirão e Gomes 1980; Beirão et al.1979).

Nos inícios da década de 90 este quadro expli-cativo viria a sofrer forte contestação (Arruda1993; Arruda et al. 1993), para ser bastante mati-zado nas grandes sínteses subsequentes (Fabião1998; Arruda 1999-2000; 2005), ainda que nãotenha sido completamente posto de parte (Correia1995; 1997).

Assim, apenas nummomento relativamente tar-dio, e por associação aos grandes patamares crono-culturais estabelecidos para as áreas cultural egeograficamente contíguas ao Sul do território ac-tualmente português, se foram implantando opçõesterminológicas como “Orientalizante”, “Orientali-zante Tardio” ou “Post-Orientalizante” (Arruda1993; 1994). A sua disseminação acabaria por re-sultar do progressivo desmantelamento do pano-rama explicativo precedente, com a identificaçãode um “conservadorismo orientalizante” no litoralatlântico (Arruda 1993), o que acabaria por origi-nar, obviamente, um quadro conceptual distinto.

Sem querer, de algum modo, historiar a im-plantação do conceito “Orientalizante” na penín-sula, o que de resto foi intentado recentemente(Blázquez 2005; Torres 2002), resulta particular-mente relevante verificar que o conceito, ainda querevestido de evidentes balizas cronológicas, enun-ciava principalmente um conjunto de transforma-ções sócio-culturais de largo espectro, efectivadaspelas populações peninsulares após o contacto eimplantação das populações fenícias, materializa-das num conjunto de evidências artefactuais e ar-quitectónicas de clara inspiração, e mesmo

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pendor indigenísta, acabaria por matizar bastanteesta perspectiva, despojando cada vez mais os vá-rios conceitos das suas densidades culturais, paraos assumirem principalmente como grandes blocoscronológicos, evidentemente revestidos de signifi-cados culturais, caso do conceito de “Post-orienta-lizante” (v. Jiménez Ávila 1997).

Sendo este o grande conceito de enquadramentodo “SidereumAna – El rio Guadiana en época Post-orientalizante”, é com alguma facilidade que se per-cepciona o seu conteúdo iminentementecronológico, dando uma espessura de tempo ao “fiocondutor” que o rio Guadiana foi entre as váriasáreas regionais.

No entanto, e perspectivando a partir do Alen-tejo Central em particular, e do interior Sul de Por-tugal em geral, é sempre com alguma apreensãoque aceitamos conceitos como este, facilmente co-notados com determinadas características culturais,tendo em conta um passado de investigação tão for-temente marcado por terminologias culturalmenteestanques e deterministas, como as vigentes du-rante mais de uma década para todo este território.

Ainda que possamos reconhecer as vantagensde utilização de alguns destes conceitos, como“Orientalizante” ou “Post-orientalizante”, na justamedida em que podem evidenciar a inclusão do in-terior do território alentejano num contexto maisvasto de disseminação das influências coloniais fe-nícias, não só no Sul peninsular como em toda abacia do Mediterrâneo centro-ocidental, parecem-me particularmente redutores por diluírem as mui-tas especificidades locais/regionais que esteprocesso de “mediterranização” conheceu na pri-meira metade do Iº milénio a. C..

Na realidade, o processo de interacção cultural,social e económica resultante da presença e assen-tamento das populações coloniais fenícias no Sulpeninsular apresentou uma enorme diversidade depercursos, estando muito longe de ser breve e uni-forme, ou apenas geograficamente determinista;assim, resumir esta enorme diversidade de respos-tas e de interacção indígena apenas à sua “orienta-lização”, seria excessivamente redutor. Por outrolado, enquadrar o processo de desenvolvimento econsolidação das realidades locais, após a dissemi-nação alargada das influências coloniais, como“post-orientalizante”, padeceria igualmente damesma ineficácia que o conceito inicial.

A utilização de ambos conceitos apenas comoexpressão cronológica, indicadores de um intervalode tempo, parece-me igualmente ineficaz pelas inú-meras conotações culturais que se lhe encontramsubjacentes.

No que diz respeito aoAlentejo Central, e aten-tando nos dados actualmente disponíveis, dificil-mente poderíamos resumir o “períodoOrientalizante” a escassos artefactos cerâmicos im-portados, como foi possível registar na ocupaçãode São Gens (Mataloto 2004b), ou raros artefactosmetálicos de proveniência pouco clara (Correia1986; Teichner 2000). Deste modo, e para o Alen-tejo Central, sem uma implantação efectiva de todoo verdadeiro processo “civilizacional” de que se re-vestiu o período Orientalizante na bacia do Oci-dente mediterrâneo, na área “pré-mediterrânea” dascostas daAndaluzia e doAlgarve, ou mesmo na fa-chada atlântica peninsular, dificilmente poderíamoscaracterizar os séculos subsequentes de “post-orientalizantes”.

Assim, sem um período efectivamente “Orien-talizante”, teríamos um “post-orientalizante” queefectivamente nunca o tinha sido …

2. O CAMPO, POVOAMENTO RURALERURALIDADE: CONCEITOS EPERSPECTIVAS

O campo, entendido aqui como o resultado dapresença e acção do Homem noMeio Físico, cons-titui, desde o advento daAgricultura e até à Era In-dustrial, o elemento estruturante da sociedadehumana, de características iminentemente agro-pe-cuárias. Há cerca de meio século Georges Duby de-finia o Campo de um modo não muito distantedeste: “uma paisagem organizada pelo Homem àvolta de pontos fixos em que se estabelece” (Duby1987).

Estes “pontos fixos” dispersos no agro consti-tuem o povoamento rural assumindo-se, assim,como agentes de um processo de construção e mo-delação da paisagem através da acção e presençahumana. O espaço rural é, então, uma realidade es-sencialmente ecológica e uma criação humana(Bertrand 1975); é, no fundo, o meio natural adap-tado às necessidades produtivas humanas queforam, até muito recentemente, principalmenteagrícolas e pecuárias (Fig. 1).

A ruralidade destas comunidades dispersas nocampo resulta, em primeiro lugar, da sua total de-pendência dos ritmos regulares e repetitivos im-postos pelo cultivo da terra e pelo pastoreio dosanimais. Será esta “servidão” dos campos que aca-bará por vincar o carácter atávico, rotineiro e en-raizado da condição rural; todavia, e como noslembra mais uma vez G. Duby (1987: 20), tambémnos campos existe alguma margem de mobilidade,

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lar, quer se afaste esta hipótese lendo-as como dis-tintos modelos de agrupamento humano, por exem-plo aldeias complexas (Wagner 1993: 109), o queme parece ser de reter é a diferenciação clara que énecessário fazer entre grandes conjuntos habitacio-nais, dotados de importantes estruturas comunitá-rias e uma organização social complexa, e aspequenas estruturas dispersas no agro, que temosvindo a intervencionar no Alentejo Central.

Face ao sentido comunitário, que partilha econstrói a dimensão urbana, física e mental, con-trapõe-se o sentido familiar, base, creio, da vivên-cia camponesa na Idade do Ferro (Mataloto 2004a).

É certamente estreita a linha que define e separaas instalações rurais de outras modalidades de po-voamento, de tipo concentrado, eventualmente decarácter aldeão.

A dimensão é um critério que dificilmente po-deremos seguir pois, além da escassez de grandesintervenções, poderemos assinalar a presença deamplos complexos arquitectónicos, habitacionais eprodutivos, dispersos no campo, caso do Espinhaçode Cão (Calado 2003; Mataloto 2004a) com pertode um milhar de metros quadrados de área edifi-cada, eventualmente plurifamiliar, para não men-cionar outros casos como Cancho Roano (Celestino1996) ou La Mata (Rodríguez Díaz e Navascués2001), que se aproximam dos valores das massasedificadas de sítios que em outras paragens, comoa Catalunha (Sanmartí e Belarte 2003: 164) ou oLevante (Bonet e Mata 2003: 180) estão associa-dos a aglomerações de cariz aldeão.Assim, deverãoprocurar-se outros critérios, como a presença de es-

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relacionada com o pastoreio a longa distância, ou asgrandes colheitas, que necessitam de “ranchos” dehomens, em ritmos e caminhadas que se mantive-ram até muito recentemente; ainda assim, a terraagarrava o Homem, impondo-lhe os ritmos e di-tando-lhe a existência.

Esta é pois uma ruralidade que existe sem ne-cessidade de oposição à condição urbana, que tan-tos problemas levantaria caso tivéssemos queidentificá-la no Ocidente peninsular (Mataloto2004a: 34). A forte dependência que as aglomera-ções humanas de então teriam do seu campo ime-diato, acabaria por ditar uma condição dificilmentedestrinçável da rural, como nos lembra este últimohistoriador para a Europa medieval (Duby 1987:20). Assim, e para o Ocidente peninsular durantegrande parte do Iº milénio a. C., seria um debateum tanto estéril tentar discorrer sobre a urbanidadede algumas aglomerações, por oposição a outras demenor entidade; todavia, é provável que algumasaglomerações, principalmente litorais, como Lis-boa (Arruda 1999-2000), tivessem já iniciado umprocesso de aproximação a outras formas de agre-gação humana mais afins da noção “mediterrânea”de “cidade”.

Na realidade, a investigação proto-histórica naPenínsula Ibérica tem vivido sob a égide daquiloque O. Buchsenschutz (2001) definiu como “laTentation Urbaine”, como se fosse o modelo ur-bano mediterrânico um fim a atingir, e a aproxima-ção a este uma escala de desenvolvimento.

Assim, quer se aceite o carácter urbano dasaglomerações populacionais do sudoeste peninsu-

Fig. 1.– Paisagem rural alentejana.

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truturas ou espaços comunitários, tal como ruas,praças, celeiros, que nos indiquem uma forma su-perior de organização humana.

Creio que o Campo, ao menos noAlentejo Cen-tral, teria desenvolvido, ao longo dos séc. VII, VI eV a. C. uma existência própria, distante de entida-des populacionais maiores, mas ainda assim, com acapacidade de se integrar numa rede de contactos,onde circulavam certamente pessoas, bens e ideias,que lhe permitiram acompanhar, à distância, as mu-tações culturais produzidas no litoral através docontacto e presença das populações do mediterrâ-neo oriental.

A ocupação camponesa, apesar da enorme ex-pressividade dos efectivos populacionais que sem-pre teve, permanece, ainda hoje, como um dosmodelos de instalação menos conhecido e valori-zado do Sul peninsular ao longo do Iº milénio a. C..

A dificuldade da sua detecção, e a longa tradi-ção de investigação sobre a vertente concentradado povoamento da Idade do Ferro peninsular, aca-baram por estruturar uma visão do campo exclusi-vamente na dependência e periferia das grandesaglomerações, com uma ocupação rural apenas in-tuída e raras vezes documentada.

O sudoeste peninsular, e em particular o BaixoAlentejo, conheceu, desde cedo, um movimentopioneiro de estudo das realidades rurais, promovidona sequência da análise dos testemunhos epigráfi-cos (Beirão 1972; 1986; Maia e Correa 1985; Maiae Maia 1986), continuando a representar ainda hoje,e apesar da escassez de estudos sistemáticos, umadas áreas onde o povoamento rural foi mais exten-samente escavado.

Todavia, o facto desta modalidade de povoa-mento se encontrar principalmente associada ao âm-bito de distribuição geográfica das estelasepigráficas, acabou por acentuar as especificidadesregionais, levando à assunção de que este modelo deinstalação resultaria de um qualquer particularismoregional; assim, no que diz respeito às modalidadesde povoamento rural, só mais recentemente se viriaa matizar esta perspectiva regionalista, ainda que apresença epigráfica mantenha a sua especificidade.

As intervenções levadas a efeito nos finais dadécada de 90 do século passado, no âmbito doPlano de Minimização de Impactes da barragem deAlqueva, permitiram, desde logo, expandir estemodelo de instalação para o Alentejo Central, am-pliando o número de sítios rurais intervencionadospara mais de duas dezenas, no Sul do actual terri-tório português (Mataloto 2004a; Calado et al.n.p.), o que torna esta região num caso único a nívelpeninsular.

A par do processo de estudo do espaço rural doSul do território hoje português decorreu o arran-que da investigação sistemática do “palácio-san-tuário” de Cancho Roano, na região extremenha, oque viria a conferir um largo destaque às realida-des em espaço rural de meados do Iº milénio a. C..Todavia, e tal como aconteceu com a realidadebaixo alentejana, o carácter de excepção deste sítioacabou por introduzir alguma resistência à análisedo campo enquanto realidade global, procurando-se sempre linhas explicativas derivadas de contex-tos sociais e económicos substancialmente distintosdaqueles que poderiam presidir na região nesse mo-mento; como exemplo, atente-se na sua leitura en-quanto possível “santuário-entreposto comercial”,de origem fenícia, relacionado com rotas comer-ciais para o interior (López Pardo 1990).Apenas nasegunda metade da década de 90, com a identifica-ção de diversas realidades arqueológicas asseme-lháveis a Cancho Roano, os chamados Túmulos“post-orientelizantes”, se começou a entender o es-paço rural extremenho como uma rede complexade instalações diferenciadas, aparentemente orga-nizadas em torno de estruturas de índole aristocrá-tica ou de prestígio (Jiménez Ávila 1997;Rodríguez Díaz e Ortiz Romero 1998).

Assim, desde então, tem sido cada vez mais as-sumida a relevância e complexidade do Mundorural face à ocupação concentrada, tanto no espaçoextremenho (Rodriguez Díaz e Enríquez Navascués2001: 233; Rodríguez Díaz 2004; Jiménez Ávila1997: 154; Celestino 2005), como também no inte-rior sul de Portugal (Mataloto 2004a;Arruda 2001:288; Fabião 1998: 392; Correia 1997: 75).

Por outro lado, julgo relevante assinalar o casoparticular das leituras efectuadas em torno de Me-dellín, onde a ocupação do espaço rural foi princi-palmente intuída, descrita e integrada no processohistórico como elemento fulcral na construção deum modelo social, digamos “transregional”, daemergência das sociedades “estatizantes” hierar-quizadas, sediadas em oppida, que obviamente nãopoderiam sobreviver sem a sua “chora” ou “agger”(Almagro-Gorbea: 1996).Assim, a proposta de ummovimento de colonização interna derivaria, es-sencialmente, do processo de consolidação da rea-lidade urbana, seguindo um modelo decorrente doreconhecido nas grandes sociedade clássicas doMediterrâneo. Todavia, a ausência de uma base ar-queológica suficientemente sólida continua a per-mitir outras leituras, como a possibilidade de teremdecorrido outros processos de consolidação das rea-lidades locais, onde a vertente dispersa do povoa-mento se poderá entrosar de modo distinto com as

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3. AHERDADE DA SAPATOA:ARQUEOLOGIAE PAISAGEM

3.1. PAISAGEM AGORA, PAISAGEM OUTRORA…

Quando tratamos da vivência em meio rural, oconhecimento da Paisagem e dos seus recursos epossibilidades representa uma componente absolu-tamente fulcral para um melhor entendimento daexistência e entrosamento da presença Humanacom o Meio. Na realidade, a estreita dependênciaque a vida do campo conhece face aos caprichos daNatureza marca de modo indelével o seu modo deactuar. Por outro lado, a Paisagem acaba por ser aprimeira modelação Humana do Meio Físico, querpela sua transformação directa (arroteamento, pas-tagens, campos de cultivo, etc), quer pela sua con-ceptualização e modelação ideológica, com acriação de marcadores de paisagem, lugares de me-mória, entre outros.

Neste sentido, é absolutamente determinanteefectuar uma primeira aproximação a uma caracte-rização biofísica da paisagem, de modo a recriar-mos o “cenário” mental e produtivo que presidiu àvivência rural.

A Herdade da Sapatoa localiza-se na área Suldo concelho do Redondo, distrito de Évora, emambas as margens da Ribeira de Vale de Vasco, per-tencente à bacia da margem direita do Rio Degebee, desde logo, à bacia do Guadiana.

A paisagem, de grande individualidade fisio-gráfica, é caracterizada por um relevo muito ondu-lado, por vezes declivoso, que se abre a espaços emamplas rechãs junto das principais linhas de água,como a Ribeira de Vale de Vasco e daAlcorovisca.

Na região, os horizontes são largos e os cami-nhos fáceis; todavia, no espaço da Herdade da Sa-patoa, o ondular do terreno confina a paisagem e asvivências ao fundo dos vales dos pequenos cursosde água temporários, abrindo-se aqui e além parahorizontes mais vastos, marcados pelo recorte daselevações da serra d’Ossa, para Norte, e o leve on-dular da planura a Sul (Fig. 2).

A geologia da área da Herdade da Sapatoa, ca-racterizada pelo substrato xistoso de base, cobertopor uma cascalheira terciária, traduz-se num solopobre, particularmente pedregoso e pesado, ondese abrem pequenas várzeas de solos mais leves, fa-cilmente agricultáveis, junto das principais linhasde água.

Um montado por vezes denso, com abundantesespécies arbustivas (estevas, giesta, etc.), apenaspontualmente agricultado em regime de sequeiro,

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realidades de fundo urbano (Jiménez Ávila 2001;Rodríguez Díaz 2004; Celestino 2005).

Enquanto no Sudoeste peninsular a vertenterural tem vindo a ganhar um enorme destaque noquadro actual da investigação proto-histórica, já noSul e Levante nos surge um contexto de estudo do-minado pela análise dos grandes aglomerados po-pulacionais, onde o processo urbano ganhou umrelevo e uma evolução sem paralelo a nível penin-sular. Todavia, este facto não obsta a que a vertenterural não tenha vindo a ser detectada, por vezescom particular intensidade (Molinos et al. 1995:239; Murillo e Morena 1992) e complexidade (Mo-linos et al. 1994).

NaAndaluzia, e principalmente no que diz res-peito ao espaço e tempo “tartéssico”, o cerne daabordagem à ocupação rural permanece focado na“questão colonial” e na relevância do impacto fe-nício na exploração do campo; por outro lado, oforte desenvolvimento urbano conhecido pelas so-ciedades sidéricas desta região marcou, desde sem-pre, o percurso da investigação. Todavia, edecorrente do processo de consolidação da noçãode “cidade”, começam a esboçar-se os primeiros in-tentos de estudos territoriais, valorizando o per-curso histórico do binómio cidade-campo,enquanto entidade territorial única de elementos in-terdependentes (Ferrer e Bandera 2005).

No território “ibérico”, e mais em particular naárea levantina (Bonet e Mata 2003) e catalã (San-martí e Belarte 2003: 180), tem vindo a ser regis-tada uma enorme diversidade de modelos depovoamento, com o crescente destaque para as co-munidades camponesas, presentes em pequenasinstalações dispersas ou aldeamentos rurais, porvezes com alguma complexidade arquitectónica.Os diversos estudos territoriais têm vindo a detec-tar um espaço rural complexo, hierarquizado e di-verso, principalmente na segunda metade do Iºmilénio a. C., mas com um arranque claramenteno início da Idade do Ferro, particularmente bematestado na área catalã (Sanmartí e Belarte 2003:164).

Este processo de acentuada ruralização do ter-ritório começa a estar bem atestado um pouco portodo o arco Norte mediterrâneo, logo desde o inícioda Idade do Ferro, como acontece no Sul de França(Mauné 1999) ou na fachada Ocidental italiana(Atema 2000).

Assim, o Mundo rural assume-se, de modo in-discutível, como uma componente essencial daconstrução do território em todo o Sul peninsular efachada mediterrânea peninsular.

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Fig. 2.– A Herdade da Sapatoa e a aba sul da serra d’Ossa.

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caracteriza o actual coberto vegetal da Herdade daSapatoa, tendo o curso das citadas ribeiras sidoacompanhado por uma galeria ripícola (choupos,freixos, faias, etc), entretanto eliminada pela cons-trução da barragem da Vigia.

Os primeiros resultados das análises paleoam-bientais, muito sumários pela reduzida dimensão equalidade das amostras, começam a revelar-nosuma paisagem muito próxima desta.

Os dados antracológicas, com poucos vestígiosrecolhidos nos sítios 1 e 3 da Herdade da Sapatoa,permitiram verificar a presença de azinheira e es-teva (Queiroz e Leeuwaarden 2004), o que poderáindiciar a presença de uma paisagem de bosqueaberto, de clara origem antrópica. No mesmo sen-tido parecem apontar os estudos palinológicos, aorevelarem uma baixa densidade arbórea, acompa-nhada pela presença de espaços abertos de pasta-gens e campos de cereal, a par de escassos indíciosde videira (Hernández 2005). Estes dados vão aoencontro de outros obtidos para esta região, juntoao rio Guadiana, que demonstram uma intensa an-tropização do Meio Físico a partir do final da Idadedo Bronze (Hernández 2005), acompanhando oprocesso de intensificação da ocupação rural(Fig. 3).

A Herdade da Sapatoa localiza-se, então, nasimediações, para Sul, de um caminho natural que,marginando a aba meridional da serra d’Ossa, co-nectaria em pouco mais que uma jornada, atravésdo Alentejo Central, o curso descendente do Gua-diana à desembocadura do Tejo e do Sado.

De facto, o longo corredor centro alentejano,onde as realidades proto-históricas da Herdade daSapatoa se enquadram, medeia e conecta duas en-tidades histórico-geográficas de marcada indivi-dualidade ao longo do Iº milénio a. C., a BaixaExtremadura e o Baixo Tejo e Sado.

A enorme fluência de comunicações entreambas regiões tem vindo a tornar-se patente no de-senvolvimento de leituras historiográficas quefazem depender de uma ou outra região o processode mediterranização das entidades culturais do in-terior do sudoeste peninsular no arranque da Idadedo Ferro, quer num processo litoral-interior (Pelli-cer 2001), quer interior-litoral (Torres 2005).

Será, com alguma certeza, no entrecruzar des-tas realidades que se terá estruturado a identidadecultural das unidades rurais da Herdade da Sapa-toa.

3.2. UMA COMUNIDADE CAMPONESA NAHERDADE DASAPATOA

3.2.1. Breve historial dos trabalhos

Em 1997, aquando da realização do Levanta-mento arqueológico do concelho do Redondo (Ca-lado e Mataloto 2001) tinham sido efectuadosalguns trabalhos esporádicos de prospecção naHerdade da Sapatoa; todavia, ao cingir-nos essen-cialmente às cotas mais elevadas, os resultadosforam pouco mais que nulos. Nesse momento, aescassez de ocupações antigas em toda esta uni-dade paisagística do Sul do concelho deixava al-guma segurança sobre os resultados dos trabalhos,que revelaram densas manchas de povoamento emoutras áreas do concelho (Calado e Mataloto2001).

No entanto, as prospecções intensivas desen-volvidas em 1998, no âmbito do Bloco 8 do Planode Minimização de Impactes do futuro regolfo deAlqueva, permitiram alterar significativamente oquadro geral de conhecimentos das estratégias deimplantação das ocupações sidéricas, derivado daidentificação de uma intensa malha de povoamentorural proto-histórico. Assim, o que antes era vistocomo algo relativamente raro e excêntrico, peque-nos sítios abertos implantados em áreas aplanadas,traduzia-se agora numa estratégia clara e padroni-zada de implantação, impondo, desde logo, o re-gresso à Herdade da Sapatoa.

Deste modo, numa primeira visita ocasional em1999 registou-se o sítio 1 da Herdade da Sapatoa,que se encontrava em acentuado processo de des-mantelamento pela oscilação do nível da barragemda Vigia.

Uma intervenção de emergência foi então pro-gramada para o Verão desse mesmo ano, dando-seinício ao processo de estudo desta comunidade, quese desenrola até ao presente, com diversas varia-ções de intensidade.

No decurso dos trabalhos de escavação proce-deu-se a alguns trabalhos de prospecção na envol-vente do sítio SAP 1, tendo-nos sido possívelidentificar dois outros, os sítios 2 e 3, e posterior-mente um terceiro, o sítio 4; todos eles estão loca-lizados entre as escassas três centenas de metros eum quilómetro, para jusante e montante do sítio 1.À superfície eram todos bastante discretos, resu-mindo-se a uma concentração diferencial de pedra,associada a escassa cerâmica manual e a torno.

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ajustando-se a área a escavar à zona onde surgiammais blocos levantados pela lavoura. Após um iní-cio algo atribulado, marcado pela dificuldade emdefinirmos a natureza do sítio, foi-nos possível de-senvolver, em 2003, uma extensa campanha ondese detectou um conjunto arquitectónico de peque-nas dimensões, ainda em razoável estado de con-servação. Os trabalhos desenvolveram-seposteriormente de modo algo irregular devido às li-mitações financeiras. Em 2006 realizou-se, umavez mais, uma extensa campanha, que nos permitiualargar amplamente para Nascente a área de inter-venção, contando-se actualmente com cerca de300m2 em escavação.

3.2.2. O sítio 1 da Herdade da Sapatoa

No sítio 1 da Herdade da Sapatoa escavou-seintegralmente um conjunto arquitectónico comcerca de uma centena de metros quadrados, que de-veria ser originalmente maior, na medida em quese encontrava fortemente truncado no seu desen-volvimento para Sul e Este. Este sítio foi já objectode um estudo monográfico (Mataloto 2004a), peloque me limitarei a apresentar uma breve síntese.

Ainda assim, foi-nos possível isolar dez am-bientes, destinados a cumprir diversas actividadesde âmbito doméstico. A arquitectura revelava uma

Estas apresentavam ummodelo de implantaçãobastante semelhante, instalando-se na extremidadede amplas rechãs, sobranceiras à Ribeira de Vale deVasco, seguindo um padrão que se tinha tipificadonas recentes descobertas na área do Alqueva.

É conveniente registar que, todavia, ainda nãofoi realizado um levantamento completo e sistemá-tico de toda a Herdade, ainda que as margens da Ri-beira de Vale de Vasco, dentro da Herdade tenhamjá sido extensamente prospectadas.

Os trabalhos no sítio 1 da Herdade da Sapatoadesenrolaram-se em quatro curtas campanhas deVerão, tendo-se intervencionado uma área total de200m², abarcando todo o conjunto arquitectónicoconservado. Se a maioria dos estratos da última faseforam largamente escavados, já os referentes aomomento mais antigo foram apenas pontualmenteintervencionados.

Quando a intervenção do sítio 1 se encontravaquase concluída, em finais de 2001, uma lavouraprofunda afectou o sítio 3 desta Herdade, revol-vendo grandes pedras, muito provavelmente resul-tantes da desagregação de estruturas. No âmbito doplano de trabalhos para o sítio 1 foi pedida, e con-cedida, uma intervenção de emergência para o sítio3, dando início ao projecto de escavação de maisesta instalação na Herdade da Sapatoa.

Os trabalhos iniciaram-se em Setembro de2002, em paralelo com a intervenção do sítio 1,

Fig. 3.– A Paisagem da Herdade da Sapatoa, com o sítio 3 ao fundo, na curva da ribeira, e o 1 em primeiro plano.

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forte inspiração nos modelos arquitectónicos decariz mediterrâneo, quer do ponto de vista técnico,quer ao nível da organização do espaço edificado,onde pontuavam compartimentos de planta qua-drangular, dispostos em torno de um espaço não co-berto, com acessos indirectos ao interior docomplexo arquitectónico. A nível técnico, a cons-trução fazia uso de uma técnica mista, com recursoa pedra e terra, sendo o embasamento das paredesem pedra recolhida nas imediações, nomeadamentexisto e escassos quartzo, de maiores dimensões nabase, sobre o qual se desenvolvia um muro emterra, tal como nos indica a presença de estratos ar-gilosos, com frequente cascalho, sobre os pisos. Osvestígios das coberturas são nulos, ainda que a de-tecção sobre os piso de algum barro cozido, asso-ciado a entramados de materiais perecíveiscarbonizados, poderá estar a remeter para as solu-ções utilizadas na cobertura. Os pisos apresentamconstituições variadas, como por exemplo a sim-ples terra batida sem qualquer especificidade, pas-sando pelos pisos de argila vermelha ruborescida,na melhor tradição mediterrânea, ou pelos lajeados,utilizado neste caso num espaço exterior (Fig. 4).

O conjunto edificado era composto principal-mente por dois espaços de cariz iminentemente re-sidencial, Amb. I e II, com cerca de 18/20 m2,virados a Sul, que apresentavam um pequeno anexode cerca de 4/5m2 adossado do lado Nascente, pro-vavelmente destinado a funções de armazenagem.Os conjuntos artefactuais aqui recolhidos sugeremuma utilização multifuncional, relacionada comuma armazenagem quotidiana e com o consumo dealimentos.

Associados a estes encontravam-se outros es-paços destinados a cumprir funções de cariz do-méstico, como a preparação/confecção dealimentos, caso do Amb. III ou V. O Amb. IV cor-respondia, aparentemente, a um pequeno vestíbulo,na melhor tradição mediterrânea. Os diversos es-paços delimitados pareciam organizar-se em tornode um espaço aberto, o Amb. IX.

Os equipamentos domésticos, onde poderemosincluir bancos, poiais, lareiras, entre outros, encon-travam-se dispersos por todos os compartimentos,independentemente das suas dimensões. As larei-ras encontram-se em quase todos osAmbientes, porvezes em posição central, apresentando quase sem-pre generosas dimensões, cerca de 1m2, e estruturacomplexa, de caixa de xisto preenchida por acu-muladores térmicos.

Num espaço aparentemente exterior, o Am-biente IX, registou-se uma estrutura de planta cir-cular, de embasamento pétreo, aparentemente

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semelhante a diversas outras identificadas em ElPalomar (Jiménez Ávila e Ortega Blanco 2001) eEl Chaparral (Jiménez Ávila et al. 2003) e inter-pretadas como estruturas de armazenagem.

Este conjunto arquitectónico, pelas suas redu-zidas dimensões, deveria albergar não mais queuma unidade familiar alargada, eventualmente pró-xima da dezena de indivíduos.

Todavia, este conjunto edificado teve um pri-meiro momento, imediatamente antecedente a este,onde as estruturas detectadas apontam para umaconstrução e uma ocupação bastante mais fruste,com uma importante componente de materiais pe-recíveis, indiciada pela presença de vários buracosde poste, além de um murete bastante fruste e umalareira de simples placa de argila.

Se o forte cariz “mediterranizante” se faz aquisentir nas expressões arquitectónicas, já no conjuntoartefactual, principalmente cerâmico, as influênciasvindas do litoral parecem bastante mais filtradas, eapensas a uma forte realidade de pendor local e ar-caizante. Neste aspecto em concreto, ainda que sereconheça uma evidente filogenia de parte dos con-juntos cerâmicos nas realidades “mediterraneizan-tes” do litoral, é, então, no Médio Guadiana ondeencontramos as maiores afinidades das baixelas, ouse atestam com clareza os modelos anfóricos aquiconstatados, caso das CR-I (Guerrero 1991).

A forte implantação e dispersão deste tipo an-fórico acaba por funcionar como verdadeiro de-marcador de um amplo espaço de transacção einteracção desenvolvido com eixo no Médio Gua-diana, afectando ainda o primeiro tramo do seu per-curso descendente. O facto destes grandescontentores resultarem de uma readaptação tardia,que conhece o seu máximo expoente nummomentoonde o protótipo litoral já havia caído em desusohá mais de 100 anos, não deixa de ser particular-mente revelador de um processo histórico e econó-mico bastante peculiar no Médio Guadiana,

O cariz local da baixela cerâmica poderá aindavir a marcar alguns distanciamentos e ritmos dife-renciados dentro desta ampla região, que apenas ocontinuar dos trabalhos permitirá destrinçar. Estessão mais evidentes no percurso da cerâmica ma-nual, que atinge ainda cerca de 40% do total, sendotambém aquela que mais fortemente transmite osatavismos típicos das realidades rurais (Fig. 5).

No sítio 1 da Herdade da Sapatoa os recipientescerâmicos encontraram-se dispersos pelos váriosAmbientes, numa localização relativamente afimdo seu contexto de abandono, permitindo, então,uma aproximação à funcionalidade dos espaçosidentificados. Quase todos os compartimentos en-

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provavelmente arrumados para uso; aqui regista-ram-se, essencialmente, recipientes relacionadoscom a preparação e confecção dos alimentos, rea-lizados a torno, nomeadamente duas grandes ba-cias/alguidares, dois potes, e eventualmente um oudois potes/panelas de produção manual.

No Ambiente IV recolheu-se um pequeno pú-caro de produção manual, registado junto da parededo compartimento.

No Ambiente V, por seu lado, localizavam-serecipientes de armazenagem, nomeadamente umaânfora, de tipo afim das CR-I e um pote/panela deprodução manual, com decoração incisa no bordo.

Nos restantes Ambientes as presenças são rela-tivamente mais discretas, ainda que se deva assina-lar que apenas no Ambiente II, tal como no I, seregistou a presença de recipientes de consumo in-dividual, uma tigela, deixando clara a sua associa-ção a contextos de habitação/estadia. Todavia, creioque a tónica deveria ser a multiplicidade funcional

tregaram conjuntos cerâmicos fracturados em co-nexão, ainda que estes se concentrassem principal-mente nos Ambientes I, III e V.

No primeiro caso detectaram-se recipientes dearmazenagem, armazenagem do quotidiano e deconfecção dos alimentos, além de recipientes deconsumo individual; nos dois primeiros tipos inte-gravam-se ao menos três potes de produção ma-nual, bastante toscos, com decoração incisa nobordo, estando o maior de todos enterrado no cantoNW do compartimento; além destes surgiram trêsrecipientes de produção a torno, correspondentes adois potes e uma possível ânfora; os recipientes deconsumo individual eram um pequeno vaso e umatigela. A sua distribuição, em pequenos conjuntospresentes junto às paredes do compartimento, deixaentender que se encontravam próximos da sua lo-calização habitual.

NoAmbiente III, os recipientes concentravam-se junto do que deveria ter sido um poial, estando

Fig. 4.– Planta geral do sítio 1 da Herdade da Sapatoa, com representação da distribuição dos recipientes cerâmicosda fase de abandono.

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de cada espaço, o que de certo modo se intui pelapresença de lareiras em quase todos os comparti-mentos.

Apesar das inúmeras limitações que o espólionos impõe, condicionado pelos atavismos ineren-tes à sua condição rural, e pela ausência de mate-riais importados de grande circulação, creio poderassinalar que o grosso da ocupação do local se pro-cessou, principalmente, entre os finais do séc. VI a.C. e inícios da primeira metade do séc. V a. C..

Todavia, o registo de uma fase arquitectónicaanterior a esta, de características mais frustes e for-temente marcada pela presença de estruturas emmateriais perecíveis, permitiu valorizar de modo di-ferente algum espólio que se encontrava remobili-zado em estratos superiores, correspondentes àderrocada das paredes; assim, algumas presençasainda fortemente vinculadas a uma tradição do finalda Idade do Bronze, como pegas mamilares alon-

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gadas e outras de pequena dimensão, fundo em ôn-falo, além da frequente cerâmica manual, comabundante decoração incisa, associada a escassa ce-râmica de engobe vermelho, de produção local/re-gional, parecem remeter o arranque da ocupaçãoneste sítio para contextos talvez pouco posterioresaos meados do séc. VI a. C. (Fig. 6).

Como se terá oportunidade de constatar, o co-nhecimento deste conjunto arquitectónico revelar-se-á essencial para compreender e interpretar oedifício registado no sítio 3 da Herdade da Sapatoa.

Por outro lado, não será alheia à leitura globaldestes sítios a presença de duas outras instalaçõesrurais na sua envolvente imediata: o sítio 2, im-planta-se entre os sítios 1 e 3, enquanto o 4 se lo-caliza cerca de 1km a montante do sítio 1.

Assim, mais que uma ocupação rural isolada,do tipo “monte” (Mataloto 2004a), começamos aencontrar uma pequena comunidade aldeã, even-tualmente de base familiar, estruturada ao longo dasmargens da ribeira.

3.2.3. O sítio 3 da Herdade da Sapatoa

Implantado numa suave rechã, escassas cente-nas de metros para jusante do sítio 1, junto da Ri-beira de Vale de Vasco, integra-se num mesmoprocesso histórico.

O conjunto edificado da Herdade da Sapatoa 3encontra-se apenas parcialmente conhecido, peloque somente poderemos efectuar uma aproximaçãogeral à fase mais recente e traçar o quadro evolutivode parte da área intervencionada.

Por agora, e tendo em conta que os trabalhosprosseguem neste momento, é certo que o conjuntoarquitectónico conheceu um percurso ligeiramentedistinto do registado no sítio 1, porque mais dinâ-mico. No entanto, a nível técnico, a construçãosegue soluções concordantes com as anotadas nooutro sítio da Herdade da Sapatoa, mas também nageneralidade das instalações rurais sidéricas centroalentejanas.

O conjunto arquitectónico da Herdade da Sa-patoa 3 conheceu ao menos dois, eventualmentetrês, grandes momentos de construção/reconstru-ção, tendo resultado um complexo edificado com-posto por dois grandes blocos, num total dequinzes Ambientes. Destes dois blocos arquitectó-nicos, apenas o lado Poente se encontra razoavel-mente caracterizado, sendo já possível traçar a suaevolução (Fig. 7).

Assim, no que poderíamos designar de blocoPoente, a fase construtiva mais antiga, designada

Fig. 5.– Grelha dos principais recipientes cerâmicos daHerdade da Sapatoa 1.

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melha, claramente compactada e ruborescida, deixaentrever todo o cuidado posto no que teria sido, cer-tamente, o espaço mais relevante da casa, mas tam-bém o mais intensamente utilizado. OAmbiente VIde planta igualmente rectangular, apresentava umaárea de cerca de 5,5 m2, encontrando-se relacionadocom oAmbiente III através de um vão posicionadono canto sudoeste, não tendo sido registado qual-quer indício funcional, ainda que pela sua relaçãocom o ambiente que lhe sucedeu seja possível en-trever uma utilização relacionada com a armazena-gem. Este compartimento, e mais tarde oAmbienteII, conhece paralelos exactos nos Ambientes I e IIdo sítio 1 da Herdade da Sapatoa, devendo corres-ponder, nestes conjuntos rurais, à célula habitacio-nal base, sem que tenha sido possível registá-la,com clareza, em outras ocupações rurais escavadasno Alentejo Central (Calado et al. n.p.). A sua pre-sença evidencia a existência de modelos arquitec-tónicos aplicáveis a conjuntos semelhantes, emresposta a necessidades idênticas, podendo igual-mente ser lido como mais um indício da proximi-

como A, teria sido a mais extensa, dispondo-se osvários espaços em “L”, virados a um pequeno ter-reiro. O edifício compunha-se de quatro comparti-mentos bem delimitados, aos que se associavamoutros menos bem caracterizados, além de áreasaparentemente exteriores.

OAmbiente III era o maior de todos, tendo sidoigualmente o primeiro a ser edificado, adossando-se os restantes a ele. Apresentava uma planta rec-tangular alongada, com cerca de 16m2, com um vãoaberto a sudeste, com cerca de 1,5m de largura; nointerior, axializada com o vão de entrada, mas des-centrada para o fundo do compartimento, detectou-se uma lareira estruturada com pedras de xisto, deplanta quadrangular, com cerca de 1m2, que, decerto modo, organizaria a vivência do espaço. Exis-tia ainda, ao fundo, um estreito vão de ligação aoAmbiente VI, no seu canto NW. OAmbiente III de-veria, então, desempenhar uma função eminente-mente residencial, ainda que tivesse conhecidomúltiplas utilizações associadas à vida quotidiana.A presença de um piso inicial de argila muito ver-

Fig. 6.– Planta geral da Fase I da Herdade da Sapatoa 1.

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Fig. 7.– Faseamento arquitectónico do sítio 3 da Herdade da Sapatoa.

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Fase seguinte, apresentando então uma curta dia-cronia de ocupação, o que de resto é coerente coma sua reduzida qualidade construtiva.

O Ambiente VI, ainda no que se pode conside-rar a FaseA, viria a conhecer uma relevante altera-ção, eventualmente coincidente com a construçãodo Ambiente V, tendo-se aberto um vão virado aNorte, favorecendo a circulação com esta área,onde se viria a erigir um novo compartimento oualpendre, Ambiente XI.

Também a parede sudoeste doAmbiente III co-nheceu uma pequena alteração, patente no distintoaparelho utilizado.

A este momento intermédio sucede-se uma re-modelação mais alargada, aqui designada de FaseB, que afecta, na área em questão, principalmente oespaço doAmbiente VI, dando origem aoAmbienteII. A sua construção amortiza por completo o Am-biente anterior, ainda que apresente característicassemelhantes, seguindo-lhe inclusivamente a planta,apesar de ligeiramente menor; no seu interior er-guem-se três poiais adossados às paredes, exceptoa sudeste. O conjunto artefactual aqui recuperado,tratado em seguida, confirma a sua utilização comoespaço de armazenagem. Nos restantes espaços asalterações são menos sensíveis. No Ambiente Ifecha-se o lado sudeste, transformando o alpendreem compartimento fechado, amortizando-se, si-multaneamente, a estrutura circular localizada noseu interior. No Ambiente III edifica-se um bancocorrido na parede do fundo, sobrelevando-se o piso,que perde a sua cor muito vermelha e a textura deargila ruborescida. O Ambiente VII surge com ofecho do lado Sul do Ambiente VIII, que enqua-drava a estrutura circular, sendo certo que foi eli-minado na totalidade ou em parte antes doabandono do local, continuando a dita estrutura cir-cular em utilização. No terreiro exterior, o lajeado éamortizado e as lareiras abandonadas, surgindo ou-tras no mesmo local. Igualmente no terreiro, nummomento bastante avançado, ergueram-se duas es-truturas de pedra, maciças, de planta quandrangular,a [15] com 1,4 m x 0,85 m e a [18] com1,7mx1,25m, de funcionalidade desconhecida. De-veriam apresentar um desenvolvimento em alturafazendo uso de terra e materiais perecíveis, aten-dendo aos derrubes de blocos de barro cozido, commarcas e vestígios de pequenos troncos de esteva,como evidenciou a análise antracológica (Queiroz eLeeuwaarden 2004), detectados na sua imediação.Estas estruturas poderiam ter sido sequenciais,sendo a [18], de maiores dimensões, a mais antiga,substituída em determinado momento desta últimaFase pela estrutura [15]. Os paralelos para estas não

dade cronológica entre a construção de ambos edi-fícios. Serão, igualmente, resultado do mesmo mes-tre construtor ou da mesma “escola” deconstrutores (Fig. 8).

O Ambiente I, de planta quadrandular, corres-pondia a um pequeno alpendre, com cerca de2,5m2, em cujo interior se construiu, em lajes dexisto dispostas na horizontal, uma estrutura deplanta circular, de funcionalidade desconhecida,que ocupava todo espaço disponível. Este parecesurgir num momento precoce do sítio, mas poste-rior à construção dos dois Ambientes já descritos,tendo vindo provavelmente substituir uma constru-ção emmateriais perecíveis indiciada pela presençado buraco de poste [328], que lhe subjaz. A edifi-cação deste Ambiente deverá estar associada àconstrução do Ambiente VIII, que englobava umaprimeira estrutura circular do tipo silo ou forno, eque seria eventualmente aberto ao terreiro que lheficava fronteiro a Sul, tal como acontecia com oAmbiente anterior. Todo este lado reforçaria o con-junto Sudeste do edifício, interligando, provavel-mente, o conjunto inicial com outros espaçosexistentes, mas ainda de difícil faseamento.

Fronteiro ao Ambiente III desenvolvia-se umterreiro que, num dado momento, foi parcialmentelajeado, e onde se detectou uma lareira de simplesplaca de argila ruborescida.

Nas traseiras situa-se o Ambiente IV, a poentedoAmbiente III, constituindo um espaço rectangu-lar, com cerca de 8m2, aparentemente aberto a su-doeste, ainda que as condições de preservação nãopermitam interpretações taxativas. Nada no seu in-terior indicia a funcionalidade do espaço, ainda queseja sugestiva a reconstituição como alpendre, talcomo foi avançada por Varela Gomes (Gomes1992), para um espaço de características seme-lhantes detectado em Neves II, Castro Verde (Maia1988). Os alpendres são relativamente conhecidosem diversos conjuntos arquitectónicos rurais alen-tejanos (Mataloto 2004a).

Numa fase ainda indeterminada, mas posteriora um primeiro momento de utilização, edificou-seo Ambiente V, no canto sudoeste do Ambiente III;trata-se de um pequeno espaço de planta rectangu-lar, não superior a 2m2, de construção tosca, apa-rentemente interligado com este último Ambiente.No seu interior registou-se a presença de um pe-queno poial, possivelmente relacionado com o de-senvolvimento de alguma actividade doméstica,eventualmente a moagem, como houve oportuni-dade de constatar em “La Mata” (Rodríguez Díaz2004: 208). Este compartimento parece ter sido eli-minado ainda no final da Fase A ou no início da

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são abundantes, mesmo entre os sítios rurais centroalentejanos; no sítio rural andaluz de Calañas deMarmolejo, em Jaén, registaram-se diversas destasestruturas, de dimensões algo menores, tendo sidogenericamente relacionadas com a produção oleira,bem atestada por outros vestígios no local (Molinoset al. 1994: 22). Não deixa de ser relevante verifi-car também a sua presença em Los Caños, um sítiorural na área extremenha (Rodríguez Díaz et al.2006), mas aqui no interior de um compartimento,em particular porque se encontra igualmente ates-tada uma interessante actividade oleira.

No início da Fase B edificou-se sobre a já exis-tente uma nova estrutura circular, em xisto, comcerca de 2 m de diâmetro, aparentemente maciça,com um piso em argila ruborescida, que se deviadesenvolver em altura através de uma estrutura embarro cozido, de que se encontrou o derrube.A fun-

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cionalidade deste tipo de construção não se encon-tra ainda devidamente esclarecida, surgindo duashipóteses, mutuamente excluentes, a de forno e ade silo (Mataloto 2004a: 55). Em território alente-jano são conhecidas diversas estruturas similaresem sítios rurais, tão próximos como o sítio 1 daHerdade da Sapatoa, ou um pouco mais distantescomo o Espinhaço de Cão, junto ao Guadiana (Ca-lado et al. n.p.). Igualmente nos últimos anos têmvindo a ser detectadas diversas estruturas similaresno vizinho território da Extremadura espanhola, emsítios de índole urbana como El Palomar (JiménezÁvila e Ortega 2001) ou aldeão como El Chaparral(Jiménez Ávila et al. 2005.). Em trabalho recentedeu-se a conhecer um conjunto destas estruturaspresente nos grandes povoados da antiga Oretaniasetentrional (Garcia Huerta et al. 2006). São apre-sentadas como fornos comunitários de pão, adu-

Fig. 8.– Célula habitacional base.

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De momento, não é ainda possível assinalar adiacronia interna do conjunto, sendo bastante ho-mogéneo entre as duas Fases construtivas detecta-das, o que nos pode remeter para um tempo deocupação relativamente curto.

O conjunto cerâmico do sítio 3 da Herdade daSapatoa pode, genericamente, subdividir-se emdois grandes grupos: o das cerâmicas abandonadascom o sítio, geralmente fracturadas em conexão, eas resultantes da utilização diacrónica e quotidianado edifício, usualmente bastante fragmentadas.

Ambos grupos são compostos unicamente porproduções locais/regionais, ainda que surjam raroselementos que remetam para as grandes categoriascerâmicas de meados do Iº milénio a. C. no su-doeste peninsular, como a cerâmica cinzenta ou asde engobe vermelho, igualmente de produção apa-rentemente regional.

O abandono do sítio 3 da Herdade da Sapatoaprocessou-se, tal como no sítio 1 (Mataloto 2004a),de ummodo rápido, deixando no local grande partedas cerâmicas da última fase no contexto de uso;foram, então, registados recipientes fragmentados

zindo-se um conjunto de argumentos neste sentido;todavia, não deixam de assinalar, devidamente, quepara cozer pão, em particular sem fermento, não énecessário uma estrutura muito complexa, nem degrandes dimensões, sendo factível em simples la-reiras e fornos domésticos, de modestas dimensões,de que se conhecem variadíssimos casos (GarciaHuerta et al. 2006: 164). Por outro lado, realçam aproximidade destas estruturas com espaços de ar-mazenagem e moagem dos cereais, assinalando apresença frequente de restos de cereais (trigo e ce-vada) na envolvente.

O facto destas estruturas estarem associadas, noAlentejo Central, a pequenos núcleos arquitectóni-cos rurais, de cariz familiar, tal como acontece noespaço urbano de El Palomar (Jiménez Ávila e Or-tega 2001), entra em clara contradição com a pro-posta avançada de fornos comunitários, na justamedida em que o fornecimento de pão poderia,como bem assinalam, ser assegurado pelas múlti-plas lareiras documentadas, sem necessidade de umforno comunitário. Por outro lado, a clara associa-ção a espaços de armazenagem talvez favoreça umaligação a esta funcionalidade, ou outra a ela rela-cionada. Também o caso de El Chaparral (JiménezÁvila et al. 2005), onde se documentou uma bate-ria de quatro destas estruturas, também não favo-rece a interpretação como fornos comunitários depão, dada a sua concentração (Fig. 9).

Assim, no sítio 3 da Herdade da Sapatoa, o finalda Fase B parece caracterizar-se, principalmente,por uma evidente redução da área edificada, man-tendo, ou mesmo recuperando, a organização ar-quitectónica inicial de alguns compartimentos,enquanto outros espaços se abandonam ou remo-delam por completo, caso do Amb. VII/VIII.

O que se designou como bloco Nascente, poroposição ao Poente, é composto, até ao momento,por um total de sete Ambientes distribuídos pelasduas fases construtivas, também aqui registadas. Asua organização faz-se, igualmente, em função deumAmbiente principal, X, e um pátio lajeado,Am-biente XIII. Numa fase inicial, ambos conjuntosedificados parecem apresentar uma existência in-dependente, com poucas interligações; todavia,num momento subsequente, pelo que é de mo-mento possível entrever, vão progressivamente in-tegrar-se num todo organizado principalmente emtorno do pátio Poente.

Numa perspectiva geral, o conjunto artefactualda Herdade da Sapatoa 3 apresenta característicastipológicas e tafonómicas genericamente seme-lhantes às reconhecidas no sítio 1, ainda que nãodeixem de ser notadas ligeiras diferenças.

Fig. 9.– Vista geral da estrutura circular forno/silo e dosAmbiente VII e VIII.

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em conexão em três áreas distintas: terreiro exte-rior, Ambiente II e Ambiente III.

No pátio fronteiro ao edifício da Fase B reco-lheu-se um grande pote, elaborado a torno, fractu-rado sobre a estrutura [18], ou o que restava dela.No interior do Ambiente II registou-se um interes-sante contexto de abandono, na medida em que per-mite não só uma aproximação à funcionalidade doespaço, como à distribuição dos recipientes nocompartimento. Assim, foram aqui identificadascom clareza duas ânforas, um grande pote manual,de bordo denteado, semelhante a vários outros re-gistados no sítio 1, e um pequeno copo manual,morfologicamente semelhante ao anterior; sem quese possa ser peremptório, registou-se tambémmaisum pote e uma tigela. O grande pote deveria en-contra-se sobre o poial Nascente, [70], enquanto asânforas deveriam encontrar-se sobre os poiaisNorte, [69], e Sul, [76]. Estas enquadram-se dentrodo tipo CR-I (Guerrero Ayuso 1991), bem docu-mentado nos sítios rurais alentejanos.

Atendendo, então, às presenças, é com algumasegurança que se lhe atribui uma função de espaçode armazenagem quotidiana, eventualmente de pro-dutos líquidos (ânforas e copo) e sólidos (pote).

No Ambiente III, o maior do conjunto edifi-cado, próximo do canto Sul, detectou-se, igual-mente, um grande pote manual, que continha umatigela no seu interior, servindo eventualmente paraextrair o seu conteúdo, muito provavelmente só-lido, atendendo à utilização deste recipiente para oefeito. Neste mesmo Ambiente, mas em fase ante-rior ao abandono, foi amortizado sob um dos pisosum pote manual, facto igualmente constatado nointerior do Ambiente III do sítio 1 da Herdade daSapatoa (Mataloto 2004a: 43) (Fig. 10).

Um pequeno balanço sobre este conjunto per-mite traçar um carácter geral muito próximo ao re-gistado no sítio 1 da Herdade da Sapatoa,principalmente na relação espaço/função onde, umavez mais, se verifica a presença de recipientes ma-nuais de armazenagem e confecção de alimentos nosespaços habitacionais, como é o caso do AmbienteIII do sítio 3, ou do I no sítio 1. Por outro lado, ficoupela primeira vez clara a atribuição funcional dospequenos espaços anexos aos compartimentos resi-denciais, ao detectar-se uma concentração de reci-pientes de armazenagem noAmbiente II. Não deixade ser relevante assinalar a quase completa ausênciade recipientes de consumo individual, atestados,ainda que em número reduzido, no espólio de aban-dono do sítio 1.

Em termos cronológicos, é impossível de mo-mento, com base nas evidências cerâmicas, tentar

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estabelecer qualquer diacronia de abandono entreo sítio 3 e o sítio 1 da Herdade da Sapatoa, nãosendo descabido, atendendo ao contexto e tafono-mia das realidades recuperadas, sugerir-se umaacção coordenada de abandono.

O segundo grupo cerâmico, respeitante à cerâ-mica presente nos Estratos de construção e des-truição, é ainda bastante difícil de caracterizar demodo satisfatório, na medida em que se encontraapenas parcialmente tratado e num estado de frag-mentação elevado; todavia, creio já possível assi-nalar que, tal como seria de esperar, se aproximabastante do recolhido no sítio 1 da Herdade da Sa-patoa. Por outro lado, é de igual forma razoavel-mente semelhante ao recuperado na fase deabandono, evidenciando uma possível curta dia-cronia de ocupação. Na realidade, a ausência, atéao momento, de formas de cariz arcaizante, comomamilos alongados, carenas e fundos em ônfalo,presentes no sítio 1, pode remeter para um arranqueda ocupação ligeiramente posterior do sítio 3 rela-tivamente a este.

Atendendo a um quadro geral profundamentelocal, sem aparentes indícios de riqueza ou capaci-dade aquisitiva de material de grande circulação emambos locais da Herdade da Sapatoa, não deixa deser relevante assinalar a presença de um pequenoelemento de vidro azul escuro, pertencente a umpendente maior, possivelmente em espiral, na FaseA da Herdade da Sapatoa 3. Será de realçar, igual-mente, a presença de uma pequena barra de cobreou bronze, material completamente ausente no sítio1.

Perante o cenário traçado, cremos que a ocupa-ção do sítio da Herdade da Sapatoa 3 se deve terdesenrolado entre os finais do séc. VI a. C. e prin-cipalmente dentro da primeira metade do século se-guinte, logo muito semelhante ao sítio 1.

Assim, é possível que estas ocupações da Her-dade da Sapatoa tenham sofrido um processo coor-denado de abandono algures pelos meados do séc.V a. C., prenunciando, talvez, novos tempos.

3.2.4. Vivência e ruralidade de uma comunidadecamponesa na Herdade da Sapatoa

Para além do sítio 1 e 3 conhecem-se junto damargem da ribeira de Vale de Vasco, na Herdade daSapatoa, duas outras ocupações, a 2 e a 4. A pri-meira destas, com uma reduzida área de dispersãode materiais, situa-se entre as duas já intervencio-nadas, igualmente na extremidade de uma rechãimediata ao sítio 3. O sítio 4 tem uma implantação

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Fig 10.– Conjunto de cerâmicas recolhidas no sítio 3 da Herdade da Sapatoa.

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muito semelhante, igualmente em ampla rechã, mascerca 1km para montante do sítio 1, apresentando àsuperfície uma área similar aos sítios 1 e 3.

Como se viu, a ocupação rural da Herdade daSapatoa parece, então, ter-se processado, no má-ximo, ao longo de um século, tempo curto e aindaassim não sem dificuldades, como nos pode indi-car a redução da área edificada na Herdade da Sa-patoa 3 (Fig. 11).

A sustentação económica desta pequena comu-nidade deveria estar estreitamente relacionada comas disponibilidades da paisagem envolvente; assim,e atendendo aos indícios palinológicos e antracoló-gicos, é de supor uma economia local agro-silvo-pastoril, com o cultivo de cereais e o pastoreio,vindo do mato alguma caça e mel, como nos pareceindiciar a presença de um pote meleiro, em ambosos sítios escavados. Esta era, então, uma economiaessencialmente virada para a auto-subsitência, for-temente dependente dos caprichos da Natureza,onde qualquer desequilíbrio poderia ser fatal para acomunidade.

Este modo de vida agarrado à terra, condiçãoinerente aos ritmos do campo, traduzir-se-ia numapopulação com traços fortemente locais, que ape-nas pontualmente integraria produtos exteriores,quer forâneos, quer mesmo regionais, caso das ân-foras, e do seu provável conteúdo vínico, do ele-mento de vidro ou dos raros metais registados.

Por outro lado, não creio que seja de descartar,ainda que me pareça difícil neste caso concreto, quea presença destes artigos possa resultar de esque-mas de redistribuição social de produtos, de modoa consolidar sistemas próximos dos clientelares emespaço rural.

Na Herdade da Sapatoa os solos pesados e pe-dregosos, difíceis de agricultar, não permitiriamcertamente grandes veleidades expansivas; os pas-tos, que exigiam o desbravamento dos matos de es-teva existentes, poderiam suportar alguns rebanhosque, no Verão, acorreriam aos poucos pegos deágua existentes.

Assim, a ocupação rural na Herdade da Sapa-toa não teria sido certamente fácil; todavia, a den-sidade de sítios e o seu provável arranqueligeiramente desfasado, parece evidenciar que aenorme pressão sobre os recursos e sobre a terra,teria empurrado para estas paragens, mais oumesmo inóspitas, grupos humanos que acabariampor formar pequenas comunidades muito prova-velmente interligadas por laços de sangue.

Esta verdadeira “fome de terra” parece ter de-corrido no Alentejo Central entre os séc. VI a. C. emeados do séc. V a. C., decorrente de uma intensa

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ocupação do campo, que acabaria por determinar aexploração das piores áreas agrícolas, num movi-mento sem precedentes e provavelmente sem suce-dâneos; não deixa de ser muito relevante registar aprática ausência de ocupação de época romana naHerdade da Sapatoa, e em grande parte da vastaunidade geográfica onde esta se integra, o que creiodeixar bem patente o desinteresse destes terrenos.

O abandono simultâneo, ou faseado mas numespaço de tempo relativamente breve, associado àcurta existência desta comunidade, poderá estar atraduzir-nos a exposição total de uma pequena co-munidade agrícola aos desígnios da natureza, ondeos terrenos agricultáveis são escassos, e onde a águanão abunda; assim, uma sequência de maus anosagrícolas, provocados por secas ou inundações, po-deria ser fatal para uma comunidade sem capacidadede produção de excedentes suficiente para cobrir oimpacto dos imprevistos da Natureza. Por outrolado, assim que a pressão sobre a terra diminuísse,os grupos que ocupavam as margens menos produ-tivas sentir-se-iam imediatamente tentados a buscaráreas mais férteis, provocando a sua desagregação eo abandono de terrenos que apenas milhares de anosmais tarde se tornarão de novo produtivos.

Assim, como não poderia deixar de ser, o pro-cesso histórico da Herdade da Sapatoa encontra-seestreitamente ligado com as profundas transforma-ções registadas não só no espaço rural da aba Sul daserra d’Ossa, como também de todo o AlentejoCentral.

3. AABA SULDA SERRAD’OSSANAPRIMEIRAMETADE DO Iº MILÉNIOA.C.: APROXIMAÇÃO INTEGRADAAOSEU PROCESSO HISTÓRICO

O Alentejo Central, ampla unidade histórico-geográfica com alguma individualidade, tem co-nhecido nos últimos dez anos importantes avançosna investigação da ocupação humana do Iº milénioa. C., principalmente derivado do grande projectoda barragem deAlqueva, onde se intervencionarammais de uma dezena de sítios proto-históricos, lo-calizados nas imediações do grande rio do Sul (Ca-lado et al. n.p.). Todavia, os fortes condicionalismostopográficos impostos pela cota de afectação da bar-ragem limitam uma visão mais abrangente sobre asdinâmicas do povoamento na primeira metade do Iºmilénio a. C..

Neste sentido, os trabalhos desenvolvidos naaba Sul da serra d’Ossa, dentro do concelho do Re-dondo, especialmente desde 1997, com a elabora-

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ções, que irá ser o palco de um processo históricopleno de dinamismo e transformações ao longo doIº milénio a. C..

No arranque do milénio as malhas de povoa-mento constituem-se, principalmente, por grandespovoados aparentemente fortificados, com mais de10ha, instalados nas cristas mais elevadas da serra,como o Castelo ou Evoramonte (Calado e Rocha1997; Mataloto 2004a). Nos contrafortes da serra enas primeiras elevações junto da planície surgem-nos outros povoados de menores dimensões, igual-mente com fortes preocupações defensivas, comoas Martes ou a Fonte Ferrenha, esta já virada aNorte (Calado e Rocha 1997). Para além destes, nointerior da própria serra, mas igualmente em toda aplanície que a margina a Sul, parecem surgir indí-cios de várias pequenas outras instalações, bemmenos conspícuas, como o sítio de Vale de Infante,na serra, ou o das Lajes na planície (Calado e Ma-taloto 2001) (Fig. 13).

A serra foi então perspectivada como um terri-tório polarizador de uma malha de povoamento

ção da Carta Arqueológica (Calado e Mataloto2001), as escavações sistemáticas na Herdade daSapatoa (Mataloto 2004a) e a intervenção de emer-gência no sítio de São Gens (Mataloto 2004b), per-mitem uma visão bastante mais aproximada ao queterão sido as dinâmicas de povoamento da Idade doFerro na primeira metade do Iº milénio a. C. doAlentejo Central.

A vertente e a aba Sul da serra d’Ossa, enten-didas como uma extensa unidade paisagística queabarca desde os cumes da serra até à Herdade daSapatoa, apresenta uma interessante diversidadefisiográfica, marcada pelos xistos e gnaisses daserra, os granitos da planície central do Redondoe os depósitos terciários da Herdade da Sapatoa.Esta área caracteriza-se, então, pelas paisagensabertas e os caminhos fáceis, principalmente noeixo Nascente-Poente, ao longo da margem daserra, interligando as bacias do Guadiana e do Tejo(Fig. 12).

Será esta paisagem aberta, de vertentes vigoro-sas na serra e pendentes suaves nas suas imedia-

Fig. 11.– Povoamento sidérico da Herdade da Sapatoa na CMP 462 1:25mil .

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coordenada e hierarquizada (Calado 1993; Parreira1995), eventualmente centralizada nos grandes po-voados de cumeada. O mesmo padrão parece poderreconhecer-se na serra de Portel, menos de umacentena de quilómetros para Sul, onde pontuam po-voados como a Serra Murada, o Outeirão ou o Len-tisca 3, além de outros menores instalados em áreasbaixas.

Se esta é uma perspectiva tentadora, não é semdificuldade que se aceita, na justa medida da com-pleta ausência da variável tempo, que poderá intro-duzir desfasamentos cronológicos que tornarãobem mais complexa esta leitura coordenada do po-voamento.

Neste sentido parecem apontar os resultados daintervenção noAlto de São Gens, no cume da serra(Mataloto 2004b). Foi aqui levada a efeito umacurta campanha de escavação que incidiu em ape-nas 150m2, junto ao topo, no qual foi possível re-gistar apenas um único momento de ocupação,aparentemente centrado no séc. VII a. C., onde já seencontram bem atestadas as presenças artefactuaisintroduzidas no litoral pelo comércio fenício.Assim, a um fundo artefactual claramente devedordas realidades do final da Idade do Bronze, ondepontuam as formas carenadas e os acabamentosbrunidos, exclusivamente de fabrico manual,apensa-se toda uma nova realidade de grandes for-mas a torno como as ânforas de importação, dostipos 10.1.2.1 ou 10.1.1.1. de J. Rámon (1995),

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além de uma provável ânfora de bordo pintado cla-ramente de importação e os pithoi de produção jálocal ou regional. Na área intervencionada, em mo-mento algum foi possível estabelecer uma ocupa-ção aparentemente anterior, ainda que não seja fácilaceitar que, no contexto local, se viesse a estabele-cer um extenso povoado de altura num momentotão tardio, em particular quando os dados apontampara que seja, justamente, este o momento onde asgrandes aglomerações humanas do final da Idadedo Bronze do interior centro alentejano se come-cem a desagregar, tal como é possível constatarcom a solução de continuidade em sítios comoCoroa do Frade (Arnaud 1979), Arraiolos (mate-riais em depósito no MNA) ou na recente interven-ção dos Ratinhos, mesmo que aqui se assuma umdesfasamento cronológico entretanto revisto (Silvae Berrocal 2005 e comunicação pessoal).

Seja como for, o São Gens representa não a as-censão de um novo momento, mas sim o epílogode outro, na justa medida em que, com os dados ac-tualmente disponíveis, nenhuma outra destas gran-des instalações de altura sobreviveu aos primeirosmomentos da Idade do Ferro. Mesmo povoadosmenores, como o Castelo Velho das Hortinhas, nãomuito distante dos contrafortes da serra, num al-cantilado do Lucefécit, parecem ser abandonados,ou largamente despovoados, depois de uma apa-rentemente importante ocupação do final da Idadedo Bronze (Calado 1993).

Fig. 12.– A serra e a planície: a aba sul da serra d’Ossa.

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qualquer informação concreta que caracterize asentidades arqueológicas aqui reconhecidas.

As propostas do Prof. Pellicer (2000) e de Ma-riano Torres (2005), mas igualmente deAnaArruda(2005: 297), pretendem ler o processo histórico de“orientalização” do litoral atlântico e do interior ex-tremenho, e por arrasto do Alto Alentejo, de ummodo interdependente. De certo modo, e no que dizrespeito ao espaço alto alentejano, o cerne da ques-tão estrutura-se em torno do processo cultural re-gistado no Médio Guadiana e das entidades étnicasenvolvidas no mesmo.

Com os dados actualmente disponíveis para oterritório alto alentejano, ou como lhe chama M.Torres “del codo del Guadiana”, dificilmente po-deremos definir um processo histórico semelhanteao interior extremenho ou ao litoral atlântico, quejustifique ou suporte processos de colonização ouforte interacção cultural em qualquer dos sentidosatravés deste território. Não que o espaço alente-jano fosse uma região fechada e afastada das reali-dades “orientalizantes”, mas unicamente porqueparece ter conhecido um percurso distinto, o qualaparenta ter sido igualmente partilhado por boaparte do território extremenho, não sendo absolutoque a realidade arqueológica detectada em Medel-lín corresponda a um paradigma cultural e materialque abranja todo o Médio Guadiana.

Não creio, portanto, com os dados hoje dispo-níveis, que o espaço centro alentejano tenha de-sempenhado um qualquer papel de “territóriocondutor” dos processos de “orientalização” querdo litoral atlântico (Torres 2005) ou do interior ex-tremenho (Pellicer 2000;Arruda 2005: 297); creio,efectivamente, que foram dois processos paralelosque correram fluxos de trocas de pessoas e bens hámuito conhecidos.

Apesar da enorme carestia de dados, creio quecomeça a esboçar-se, claramente, que o territórioalentejano sofreu um processo inverso ao detectadono litoral Oeste e Sul, ou mesmo de algumas áreasdo Médio Guadiana. Nesta medida, se no litoral oreforço das realidades urbanas, ou proto-urbanas,parece acompanhar efectivamente as profundastransformações sociais, económicas e culturais de-sencadeadas no âmbito da interacção com as enti-dades coloniais, já nas realidades interiores, osgrandes aglomerados do final da Idade do Bronzesão em larga medida abandonados na sequência dosprimeiros contactos com as realidades introduzidasno litoral (Mataloto 2003; 2004a; Silva e Berrocal2005). Por outro lado, mesmo nos casos onde pa-rece efectivamente ter existido uma continuidadede ocupação, caso de Vaiamonte (Fabião 1998) ou

Julgo agora oportuno comentar, apenas breve-mente, duas recentes propostas que colocam o ter-ritório alto alentejano no centro do debate.

A descoberta de uma intensa ocupação “Orien-talizante” no litoral do Ocidente peninsular, que pa-rece desde cedo acompanhar as grandestransformações despoletadas pela interacção com asrealidades coloniais fenícias, impôs a alteração daescala de análise dos processos culturais (Fig. 14).

As enormes afinidades, materiais e culturais,das realidades sidéricas da desembocadura do Tejoe do Sado com as de há longa data conhecidas notramo baixo do Guadalquivir impunham uma lei-tura conjunta. Idêntico processo desde cedo se re-gistou no espaço extremenho, particularmentereconhecido no povoado e necrópole de Medellín(Almagro-Gorbea 1977).

Será o processo de interacção entre estas reali-dades que colocará o território alentejano literal-mente no centro de um debate onde não se esgrime

Fig. 13.– Conjunto cerâmico do final da idade doBronze da Fonte Ferrenha (FFE 1-3) e do Castelo(CAST 4-8); 3, 4, 7 e 8 decoração de ornatos brunidos;2-4 e 7-8 (seg. Calado e Mataloto 2001).

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Alto do Castelinho da Serra (Gibson et al. 1998),mas também Badajoz (Berrocal 1994; RodríguezDíaz e Ortiz 1998), só com manifesto exagero estapoderá ser caracterizada como “Orientalizante”,mesmo valorizando os escassos elementos de cariz“mediterraneizante” detectados.

Assim, à falta de uma realidade de cariz “ur-bano”, dificilmente poderemos assumir como “tar-téssica” a realidade alentejana, para além daenorme distância existente na trajectória artefac-tual. Perante esta realidade, parece-me manifesta-mente forçado querer traçar rotas de colonizaçãoatravés deste território, em particular para termospontos de chegada como a desembocadura do Tejoe do Sado ou o interior extremenho, em torno deMedellín.

Na sequência do abandono dos grandes povoa-dos de altura começa-se a estruturar uma intensaocupação das regiões mais baixas, de maior fertili-dade agrícola, onde a vivência era bem mais sim-ples e fácil que na aspereza dos cumes da serra.Será então, ao longo do séc. VII a. C., se não desdeantes, que se processará a desagregação dos gran-des povoados de cumeada, nummovimento que es-tará certamente concluído, na região em causa, nosfinais desse século ou no início do seguinte.

É possível afirmar que a primeira metade do Iºmilénio a. C. conheceu o arranque e auge de umaintensa ocupação do espaço rural, entendido na suavertente ecológica (Mataloto 2004a: 35). Não meparece adequado referir este processo de instalaçãohumana emmeio rural, a partir pelo menos de mea-dos do séc. VII a. C., como uma colonização agrí-cola ou agrária, como foi proposto para outras áreaspeninsulares, caso da Andaluzia (Ferrer e Bandera2005: 566), na medida em que creio não existir umabase minimamente sustentável para entendê-locomo um movimento de ocupação desencadeadopor uma unidade política de modo dirigido e coor-denado, como se esperaria dos processos de colo-nização. Por outro lado, parece ser claramenteperceptível na região da serra d’Ossa, e logo na suaaba Sul, que o engrossar dos contingentes rurais re-sulta da desagregação dos grandes povoados de cu-meada, e não de uma explosão demográficadecorrente da sua consolidação como centros polí-ticos e populacionais.

Assim, creio ser mais adequado, porque menoscomprometido, definir este processo como ocupa-ção do espaço rural, ao menos neste momento epara a aba Sul da serra, mas também para o Alen-tejo Central.

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Fig. 14.– Conjunto cerâmico do povoado do Alto de São Gens (seg. Mataloto 2004a).

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A forma como e porquê se terá desencadeado odesmantelamento total das malhas de povoamentodas primeiras duas ou três centúrias do miléniosurge-nos como questão fulcral para ummelhor en-tendimento das novas realidades sociais daí decor-rentes. Ao invés do que parece ter acontecido emgrande parte do Sul peninsular, com a consolidaçãodas elites do final da Idade do Bronze, creio que,na região em apreço, apenas o seu colapso, e da rea-lidade ideológica que as mantinha no poder, poderájustificar a desestruturação completa das malhashumanas existentes, dando origem a uma nova rea-lidade. Talvez seja esta a forma de entender a rela-tiva isonomia que parece vingar nos momentosiniciais da intensa ocupação rural que se tem vindoa registar no Alentejo.

O processo social tendente à complexificação ehierarquização pode efectivamente conter momen-tos conjunturalmente regressivos na sua progres-são, não tendo que ser total e objectivamente lineare cumulativo (Démoule 1999), nem um fim inexo-ravelmente irrefutável. Como nos diz este mesmoautor (Démoule 1999: 130), geralmente após o des-mantelamento de um poder político forte é a soli-dariedade familiar que emerge como elementocentral e estruturador da sociedade.

Assim, creio que o momento subsequente aodesmantelamento total das malhas de povoamentodo final da Idade do Bronze será marcado por umanova realidade social, caracterizada por novas for-mas de entrosamento e integração das comunida-des humanas, onde a diferenciação social seria bemmenos evidente. A ourivesaria transmite-nos, creioque de ummodo claro, esta imagem, se atendermosao pesado torques de Portel ou à bracelete de Es-tremoz, excelentes exemplares da ourivesaria dofinal da Idade do Bronze, sem correspondentes nomomento subsequente, quer na joalharia quer emqualquer outro elemento de prestígio conhecido.

Deste modo, após a desagregação de um podersocial, e eventualmente político, bastante vincadodurante o final da Idade do Bronze, arranca com aIdade do Ferro nesta região, e em grande parte doAlentejo Central, uma profunda reorganização dasociedade, marcada por um momento inicial de re-lativa isonomia, ao menos no campo, sobre a qual seirá constituir uma nova realidade social que se irácomplexificar rapidamente nos séculos seguintes.

No que é hoje o território do concelho do Re-dondo, na aba Sul da serra, são conhecidas apenascerca de uma dezena de pequenas ocupações rurais,possivelmente com as mesmas características queas da Herdade da Sapatoa. A grande planície quemargina pelo lado Sul a serra d’Ossa surge como

um território relativamente rico em termos agríco-las, apto para culturas cerealíferas de sequeiro, uti-lização que em grande medida mantém (Fig. 15).

Esta ocupação rural surge-nos relativamente es-parsa; todavia, a intensa ocupação rural romana emtodo este território parece, verdadeiramente, eclipsaras ocupações precedentes, dificultando, de sobre-maneira, a sua identificação. Nos últimos anos a re-visão dos materiais recolhidos nas grandesocupações rurais romanas tem vindo a registar, demodo relativamente sistemático, ocupações sidéri-cas vários séculos anteriores, sem que se possa as-segurar qualquer tipo directo de continuidades,ainda que não seja impossível a perpetuação da suamemória, ou até evidências arruinadas das mesmas.No fundo, creio hoje possível afirmar que, os mo-delos de instalação humana de cariz agro-pecuárioforam basicamente semelhantes nos inícios/meadosda Idade do Ferro e em época romana, evidenciandouma efectiva optimização da relação com o territó-rio de exploração. No entanto, é certamente prema-turo, e altamente improvável, que este mesmoterritório se estruturasse social e economicamentede modo semelhante entre os dois momentos.

Assim, e neste quadro, torna-se particularmentecomplexo delinear o enquadramento local das ocu-pações da Herdade da Sapatoa.

Todavia, o facto da comunidade da Herdade daSapatoa, tal como outras agregações ou ocupaçõesisoladas que temos vindo a identificar, caso do sítiodo Gordez, se instalarem nas piores terras agrícolas,poderá evidenciar, como já se referiu, uma enormepressão sobre os recursos e a terra, empurrandopara as margens menos produtivas grupo popula-cionais, eventualmente de raiz familiar, que acaba-riam por se estruturar em pequenas comunidades.

O processo de ocupação do espaço rural da abaSul da serra d’Ossa parece ter conhecido um claropercurso diacrónico, ainda difícil de precisar.

Neste sentido parecem apontar alguns indíciosrecolhidos em pequenas ocupações rurais como oPomarinho e o Monte do Gapete (Calado e Mata-loto 2001), ou o Moinho de Entre Águas (Mataloto2004a), escassos quilómetros para nascente da pla-nície central do Redondo, onde os conjuntos arte-factuais evidenciam claros traços de arcaísmo, degrande afinidade com as principais categorias ce-râmicas do final da Idade do Bronze. Estes dadosforam de certo modo confirmados nas intervençõesde salvaguarda da barragem de Alqueva, em sítioscomo o Moinho da Cinza, Miguens 10 ou nos ní-veis inferiores do Espinhaço de Cão (Calado et al.n.p.). É, contudo, necessário assinalar devidamenteque em nenhum caso se pode assegurar uma conti-

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Fig. 15.– Ocupação proto-histórica, romana e medieval do concelho do Redondo.

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nuidade de ocupação de um mesmo núcleo de po-voamento rural durante o Bronze Final e o inícioda Idade do Ferro.

A segunda metade do séc. VI a. C. e a primeirametade do seguinte parecem ter constituído, efecti-vamente, o pico máximo da ocupação rural centroalentejana, e o momento de maior pressão sobre oterritório, resultando os momentos subsequentesnuma considerável diminuição da ocupação rural,que se prolongará até à implantação doMundo pro-vincial romano. Efectivamente, e atendendo ao co-nhecido na aba Sul da Serra d’Ossa, os sítios ruraiscorrespondentes à segunda metade do Iº miléniosão escassos, caso do Monte do Cabaço, Herdadedas Casas, com uma interessante necrópole asso-ciada, ou ainda do sítio da Capitoa, onde o conjuntoparece ser efectivamente tardio (Fig. 16).

Assim, creio possível que a enorme pressãosobre os recursos, tal como a progressiva consoli-dação e expansão de algumas realidades rurais, emmeados do séc. V a. C., possa ter despoletado o pro-cesso gregário que irá marcar, principalmenteno final deste século e o início do seguinte, aregião.

Atendendo ao que se tem vindo a registar nou-tras paragens doAlentejo Central, a aba Sul da serrad’Ossa teria, então, presenciado, ao longo do pro-cesso de consolidação da realidade camponesa,principalmente séc. VI e V a. C., à construção detodo um novo território, social e economicamentecomplexo, onde as instalações rurais se acabarampor entrosar, no tempo e no espaço, de modo hie-rarquizado.

Do conjunto das ocupações conhecidas, data-das de meados do Iº milénio a. C., destaca-se comclareza o sítio da Silveira, ou Horta da Ribeira (Ca-lado e Bairinhas 1995; Calado e Mataloto 2001),pela imponência das suas estruturas. Trata-se, narealidade, e atendendo ao que se encontra visível,de um edifício de planta quadrangular, com 16m delado, dotado de um forte embasamento de grandesblocos, parcialmente aparelhados, sobre os quais sedesenvolveria uma estrutura provavelmente emadobe, como o atestam grandes blocos de barro co-zido. Os escassos materiais cerâmicos recolhido pa-rece coincidir com o conhecido na região para osmeados do Iº milénio a. C. (Fig. 17).

Este acabaria, com alguma certeza, por ter cons-tituído um elemento coordenador de um territóriode exploração alargado, na dependência do qual seencontrariam, provavelmente, algumas ocupaçõesde menor entidade.

Na periferia deste território surgiriam outrasinstalações de índole rural, algumas relativamente

extensas, caso do sítio do Gordez, que poderiamigualmente coordenar um campo de exploração, ealgumas instalações menores.

A dificuldade de avaliar a extensão de algunsdestes estabelecimentos, porque sobrepostos porocupações romanas, poderá inviabilizar a identifi-cação de pequenos aglomerados de cariz aldeão, oumesmo urbano, como os que se têm vindo aregistar na área extremenha (Palomar ou ElChaparral).

O espaço rural da aba Sul da serra d’Ossa,acompanhando uma tendência já reconhecida nou-tras paragens centro alentejanas (Calado et al. n.p.),encontrar-se-ia em exploração por uma rede hie-rarquizada e coordenada de ocupações rurais, dotipo “monte”, composta por unidades produtivo-ha-bitacionais, que poderiam oscilar entre as escassasdezenas e os vários milhares de metros quadradosde área edificada. A nível social, surge-nos relati-vamente simples assumir, nummomento avançado,tal como para outras áreas peninsulares, a presençade grande senhores terratenentes, eventualmente debase aristocrática, a par dos quais existiria umgrupo de pequenos proprietários rurais e uma

Fig. 16.– Conjunto cerâmico do sítio do Pomarinho(seg. Mataloto 2004b).

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enorme massa de camponeses, vivendo em regimesprovavelmente não muito distantes da servidão.

Por outro lado, na margem das melhores terras,em territórios pouco atractivos e escassamente pro-dutivos, poder-se-iam ter desenvolvido pequenascomunidades de cariz aldeão, vivendo em regimesde relativa autarcia.

O campo teria, então, sido um espaço múltiplode vivências que dificilmente se encaixaria em es-quemas politico-sociais rígidos e inflexíveis, ondea diversidade nunca teria lugar.

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