Oração serenidade Philip_St_Romain

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Oração da Serenidade

Philip St. Romain

Page 2: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Concede-me Senhor,

A serenidade necessária para aceitar as coisas que eu não posso

modificar;

Coragem para modificar as que eu posso;

E Sabedoria para distinguir umas das outras –

Vivendo um dia de cada vez;

Desfrutando um momento de cada vez;

Aceitando as dificuldades como um caminho para alcançar a paz;

Considerando, como Tu,

Este mundo pecador como ele é

E não como eu gostaria que fosse;

Confiando que endireitarás todas as coisas

Se eu me render à Tua Vontade –

Para que eu possa ser moderadamente feliz nesta vida

E sumamente feliz contigo na eternidade.

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Sumário Prefácio ......................................................................................................................................... 4

Capítulo 1 – Concede-me, Senhor, a serenidade necessária. ....................................................... 6

Tudo está bem ........................................................................................................................... 6

Sabor do céu .............................................................................................................................. 7

Reflexão e prática ...................................................................................................................... 8

Capítulo 2 – Para aceitar as coisas que eu não posso modificar................................................... 9

Fragmentação do homem ....................................................................................................... 10

Aceitação ................................................................................................................................. 11

Reflexão e prática .................................................................................................................... 12

Capítulo 3 – Coragem para modificar as que posso. ................................................................... 14

Enfrentando seus temores ...................................................................................................... 14

Agindo com coragem .............................................................................................................. 16

Reflexão e prática .................................................................................................................... 17

Capítulo 4 – E sabedoria para distinguir umas das outras .......................................................... 18

Sabedoria e imparcialidade ..................................................................................................... 18

Sabedoria sagrada ................................................................................................................... 19

Crescendo em Sabedoria ........................................................................................................ 20

Reflexão e prática .................................................................................................................... 21

Capítulo 5 – Vivendo um dia de cada vez.................................................................................... 22

Ritmo diário ............................................................................................................................. 22

Viver disperso .......................................................................................................................... 23

Resoluções diárias ................................................................................................................... 25

Administração do tempo ......................................................................................................... 25

Reflexão e prática .................................................................................................................... 26

Capítulo 6 – Desfrutando um momento de cada vez ................................................................. 28

Três experiências com relação ao tempo ............................................................................... 28

Viver atento ............................................................................................................................. 30

Reflexão e prática .................................................................................................................... 32

Capítulo 7 – Aceitando as dificuldades como um caminho para alcançar a paz ........................ 34

Dois tipos de sofrimento ......................................................................................................... 34

A sabedoria da cruz ................................................................................................................. 35

O caminho da cruz ................................................................................................................... 36

Reflexão e prática .................................................................................................................... 37

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Capítulo 8 – Considerando, como tu, este mundo pecador como ele é e não como eu gostaria

que fosse. .................................................................................................................................... 39

A teologia e o mal .................................................................................................................... 39

Cristo e o mal .......................................................................................................................... 40

O mal e a espiritualidade ........................................................................................................ 41

Reflexão e prática .................................................................................................................... 42

Capítulo 9 – Confinado que endireitarás todas as coisas ........................................................... 44

Endireitarás todas as coisas .................................................................................................... 44

Confiando em Deus ................................................................................................................. 45

Assumindo o risco com Deus .................................................................................................. 46

Reflexão e Prática .................................................................................................................... 47

Capítulo 10 – Se eu me render à Tua vontade ............................................................................ 48

Imagens da vontade de Deus .................................................................................................. 49

Rendendo-se à vontade de Deus ............................................................................................ 50

Discernindo a vontade de Deus .............................................................................................. 51

Reflexão e Prática .................................................................................................................... 52

Capítulo 11 – Para que eu possa ser moderadamente feliz nesta vida ...................................... 53

Felicidade e desejo .................................................................................................................. 53

Cristianismo e desejo .............................................................................................................. 54

Felicidade e Cristo ................................................................................................................... 55

Reflexão e Prática .................................................................................................................... 56

Capítulo 12 – E sumamente feliz contigo na eternidade ............................................................ 57

A verdadeira meta do cristianismo ......................................................................................... 57

Esperança e céu ....................................................................................................................... 58

Esperança e morte .................................................................................................................. 60

Reflexão e prática .................................................................................................................... 61

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Prefácio

“Concede-me Senhor,

A serenidade necessária para aceitar as coisas que eu não posso modificar;

Coragem para modificar as que eu posso;

E sabedoria para distinguir umas das outras.”

Essa breve oração tornou-se uma das mais apreciadas na América, se não no mundo

todo. Pode ser encontrada nas mais variadas formas, como marcadores de páginas, placas,

adesivos de para choques e antologias de poesias inspiradoras. Milhões de pessoas a rezam

todos os dias nas reuniões de recuperação de Doze Passos, e outros milhões a utilizam para

enfrentar os problemas estressantes da vida. Em poucas palavras ela sintetiza uma sabedoria

intemporal, colaborando assim para que a mente e o espírito se voltem mais decisivamente

para uma profunda união com Deus.

Eventualmente poderá ser encontrada na versão mais extensa da oração, que

prossegue assim:

“Vivendo um dia de cada vez,

Desfrutando um momento de cada vez;

Aceitando as dificuldades

Como um caminho para alcançar a paz

Considerando, como tu;

Este mundo pecador como ele é

E não como eu gostaria que fosse,

Confiando que endireitarás todas as coisas

Se eu me render à tua vontade –

´ para que eu possa ser moderadamente feliz

Nesta vida

E sumamente feliz contigo na eternidade.”

Como esses versos não cabem num adesivo de para-choques, não são muito

conhecidos. São mais difíceis de lembrar e de rezar do que a versão mais breve. Quando li pela

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primeira vez essa versão mais longa, fui imediatamente tocado pela perspicácia e sabedoria

que encerra, e então decorei.

No ano passado, quando escrevi estes breves capítulos, empreendi uma intensa

pesquisa em bibliotecas e através da internet, mas ainda não consegui encontrar a história

inteira dessa oração. É atribuída a Reinhold Niebuhr (1892-1971), teólogo protestante que

lecionou durante anos no Union Theological Seminary. As linhas iniciais da oração constituem

a base de um sermão que ele fez em 1934. Até onde sei, esta é a versão original da oração:

“Concedei-nos, Senhor, a graça de aceitar com serenidade as coisas que não podem ser

modificadas; coragem para modificar as que podem ser modificadas; e sabedoria para

distinguir umas das outras.”

Não consegui descobrir como a oração veio a se desenvolver dessa formulação (que

refiro à outra mais comumente empregada) para sua redação atual, mais simples. Tampouco

tive conhecimento sobre a origem da segunda parte da oração, que constitui a assim chamada

versão mais extensa.

De qualquer forma, é enorme a minha estima por essa oração. Depois da Oração do

Pai Nosso, é aquela em que mais confio para guiar-me em minha jornada espiritual. Desse

modo fico feliz por ajudar outras pessoas a encontrarem a sabedoria e as riquezas da Oração

da Serenidade. Que estas meditações e as práticas por elas sugeridas possam conduzi-lo a uma

paz e a uma felicidade mais profunda.

Philip St. Romain

16 de outubro de 1996

Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz.

(Jo. 14,27).

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Capítulo 1 – Concede-me, Senhor, a serenidade necessária.

Serenidade é uma palavra tão bela! Sugere paz, calma, tranquilidade... E muito mais.

Na Bíblia, é shalom, palavra usualmente interpretada como paz, mas que também apresenta a

conotação de inteireza, e plenitude de vida. É sem dúvida, algo que todo mundo deseja. Mas

como obtê-la?

Como afirma a epígrafe do Evangelho de João, a paz é um dom que Cristo promete a

seus seguidores. São Paulo também considera um dos frutos do Espírito Santo (Gl. 5,22). Por

que, então, parece que tantas pessoas necessitam de paz?

Julgo oportuno observar que Jesus faz uma distinção entre dois tipos de paz. Há uma

paz que o mundo oferece – vamos chamá-la de paz do mundo. E há a paz que ele oferece – paz

espiritual.

A paz do mundo é aquela trégua inquietante, abalada pelo medo em nosso coração,

quando finalmente conseguimos obter dinheiro suficiente ou conquistar a aprovação e a

admiração dos outros. Está muito relacionada com os conceitos de ter e ganhar. Como,

entretanto, parece que nunca conseguiremos realmente obter absoluta segurança econômica

e em nossos relacionamentos, a paz do mundo vem sempre permeada pela ansiedade. Mesmo

quando estamos prestes a conquista-la, nossa mente ainda fica agitada diante da ideia de

podermos vir a perdê-la de alguma forma. A paz do mundo pode ser de nós retirada, e bem

sabemos disso. É esse o motivo por que Jesus estabelece uma diferença entre essa paz do

mundo e a paz espiritual, que o mundo não pode absolutamente tomar de nós.

Tudo está bem

O que é, então essa paz espiritual, shalom ou serenidade?

Considerada de forma simples, é uma sensação interior profunda de que tudo esta

bem. A experiência ultrapassa nossos sistemas de inteligência emocional ou racional. Antes, é

um conhecimento intuitivo ou espiritual que nos leva a uma experiência interior de

tranquilidade, lucidez e consciência. Em estado de serenidade, podemos viver mais

plenamente o momento presente, aceitando a realidade que se apresenta, sem querermos

assumir o controle das coisas para satisfazer nossos próprios desejos egoístas. Não há outra

necessidade além daquela que o momento apresenta; viver em serenidade já é, por si só

suficiente.

Consideramos brevemente o testemunho poderoso de um homem que chegou a

conhecer a serenidade. Seu nome é Bill W., um dos co-fundadores dos Alcoólicos Anônimos.

Tendo tentado de tudo para ser curado de seu alcoolismo, estava num leito de hospital,

desiludido, sem esperança de poder vir algum dia a se sentir bem outra vez. Seu médico, Dr.

William Silkworth lhe havia dito que algumas pessoas que ele conhecia haviam se libertado do

vício através da fé, mas Bill W. era um agnóstico que acreditava ser a fé em Deus incompatível

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com a razão. Além disso, era um corretor de ações, um homem prático, que sabia por

experiência própria que “Deus ajuda quem se ajuda”. Apesar disso, Bill nada mais podia fazer

para ajudar a si mesmo.

“Minha depressão agravou-se insuportavelmente e, por fim, sentia como se estivesse

no fundo do poço. Eu ainda relutava contra a ideia de um Poder maior do que eu mesmo, mas,

finalmente, por um momento apenas, foi eliminado o último vestígio de minha teimosa

obstinação. De repente me vi clamando: “Se existe um Deus, que Ele se revele a mim! Estou

disposto a fazer qualquer coisa, qualquer coisa mesmo!” Subitamente o quarto iluminou-se

com uma forte claridade, aos meus olhos da mente, que eu me encontrava numa montanha e

que um vento, não de ar, mas de espírito, estava soprando. E em seguida ele irrompeu de tal

forma sobre mim que me transformei num novo homem. Aos poucos o êxtase foi cessando. Eu

continuava na cama, mas a partir de então me encontrava em outro mundo: um novo mundo

de consciência. Em tudo o que me cercava e me perpassava havia um maravilhoso sentimento

de presença, e pensei comigo mesmo: “Então... esse é o Deus dos pregadores!”. Uma grande

paz se apoderou de mim e concluí: “Não importa quão ruins as coisas possam parecer, mesmo

assim está tudo bem. As coisas estão todas muito bem com Deus e com o seu mundo".

A experiência de Bill W. faz-me lembrar de um tema central das visões (ou revelações,

como ela as chamava) de Juliana Norwich: tudo está bem. Em uma de suas visões, concedidas

por Deus, ele assim lhe fala: “Tudo está bem, e tudo estará bem e, estejam as coisas como

estiverem, tudo estará bem.” Tudo esta bem no mundo de Deus e sempre estará.

É evidente que existe um nível no qual nem tudo está bem. Povos estão morrendo de

fome, gangues aterrorizam nossas cidades, as nações se hostilizam, ocorrem crises econômicas

cíclicas, adoecemos adquirindo todos os tipos de doenças, envelhecemos e perdemos nossas

forças, morremos. Seria desonesto negar tais realidades e seria ridículo afirmar que são

maravilhosas. Estratégias para obter a paz do mundo costumam enfocar a superação desses

problemas ou defender-nos deles de alguma forma. E não há mal algum em fazermos o que

pudermos para promover nossa segurança a justiça e a saúde, é lógico, desde que saibamos

que nossos esforços com vistas a esses fins não nos trarão a paz que desejamos. Tudo aquilo

que é ganho através de nossos esforços pode ser perdido num só momento, e estamos cientes

disso. É esse o motivo por que a ansiedade nunca é realmente superada através do emprego

dessas estratégias para obter a paz no mundo.

Sabor do céu

Paz espiritual, portanto, não significa ausência de problemas, pois sempre os teremos.

Tampouco é ausência de sofrimento emocional, nem garantia de que nossas orações serão

atendidas da maneira que desejamos. Como Bill W. e Juliana Norwich nos mostram, a paz

espiritual é a consciência experienciada de que, em meio à dor e às devastações de nossa vida,

tudo esta bem. Nossa vida está se processando como deveria, se estivermos buscando

caminhar em união com Deus. A paz espiritual é a experiência de nossa conexão com Deus

cujo reino já existe no céu, mesmo que ele não se tenha estabelecido totalmente na terra. A

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serenidade é um sabor de céu na terra: através dela experimentamos o Espírito de Deus

habitando em nosso coração, dando-nos energia para nos firmarmos sobre nossos próprios

pés e ficarmos livre da necessidade de ter sucesso, impressionar os outros, obter poder ou

segurança. Tal paz é o alicerce do verdadeiro amor e alegria, capacitando-nos a dar noções de

nós mesmos sem qualquer outro objetivo que não seja a satisfação de ver o outro crescer.

Como podemos conhecer a serenidade?

A reposta vem explicada com detalhes e mais claramente no restante da Oração da

Serenidade. A serenidade é um dom concedido por Deus e, portanto, vem a nós através do

relacionamento de fé com Deus. Sem fé em Deus não podemos abrir-nos para receber seus

dons. Fé é mais do que crença; é nossa abertura confiante àquele que nos criou. É fazer o que

fez Bill W., colocar de lado nosso orgulho e racionalismo e convidar Deus para ser Deus para

nós.

Tudo está bem no mundo de Deus. Quando percebemos isso através de nossa união

de fé com Deus, experimentando a serenidade. Podemos perder essa serenidade, entretanto,

deixando de alimentar nossa fé. Nesses momentos, somos deixados por conta de nossos

próprios recursos. A preocupação ansiosa retorna com o desejo voluntarioso de manipular o

mundo e as outras pessoas para conformá-los com nosso ilusório modelo de felicidade.

Precisamos reconhecer como fazemos isso e temos de renunciar à paz que o mundo dá. É

necessário apenas que nos voltemos para Deus, entregando nossa vida aos cuidados dele, e a

paz retornará sem demora. Se fizermos isso diariamente, a serenidade vai se intensificar.

“Não vos inquieteis com nada; mas apresentai a Deus todas as vossas necessidades

pela oração e pela súplica, em ação de graças. Então a paz de Deus, que excede toda

compreensão, guardará os vossos corações e pensamentos em Cristo Jesus”(Fl. 4, 6-7).

Reflexão e prática

Você sente serenidade? Se a resposta for positiva, como isso acontece para você? Se

a resposta for negativa, você algum dia já experimentou esse sentimento? Tente

entrar em contato com uma experiência de serenidade.

Como é que você esta tentando criar a paz no mundo e para si mesmo? Que

consequências você tem de assumir por causa desse esforço de autossuficiência?

Como isso passa a ser um obstáculo para a serenidade?

Como é que você vive a ligação entre a fé e a serenidade?

Como você coloca sua vida sob os cuidados de Deus?

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Capítulo 2 – Para aceitar as coisas que eu não posso modificar.

Durante o verão de 1985, participei de um retiro dirigido de oito dias. Um de meus

principais objetivos era discernir se deveria continuar em um emprego seguro e bem

remunerado, mas que me aborrecia ao máximo, ou trabalhar por conta própria como escritor

autônomo e coordenador de retiros. Enumerei os prós e contras de ambas as possibilidades,

visualizei-me atuando nas duas carreiras, orei sobre a questão, conversei com o meu diretor

espiritual a respeito do assunto – tudo isso, e nenhum resultado! Parecia que o Espírito Santo

não estava abençoando os meus esforços, visto que eu não conseguia perceber qualquer

indicação para um ou outro caminho. Ao contrário, as principais questões que vieram à tona

durante o retiro diziam respeito à minha necessidade de estar no controle de todas as coisas.

Meu diretor de retiro propôs-me um exercício que se confirmou muitíssimo benéfico.

Ele me pediu para fazer uma lista de todas as coisas que contribuíam para minha felicidade, e

eu fiz. Anotei esposa, filhos, fé em Deus, saúde física, inteligência, dinheiro e outras mais.

Refleti sobre tudo isso por mais ou menos um dia. Em seguida, ele me pediu que analisasse

quanto controle me era possível exercer sobre aqueles diversos itens que havia listado como

causa da felicidade. Foi desanimador, mas esse exame expôs meticulosamente os medos com

os quais eu vinha lidando naquela fase de minha vida. A verdade era esta: eu não tinha

controle absoluto sobre nenhum dos itens que havia colocado em minha lista. Por exemplo,

minha esposa e eu nos amávamos um ao outro – eu sabia disso. Mas não podia ter certeza de

que seria assim: eu não tinha controle sobre o amor dela por mim, sobre a sua saúde ou sobre

sua sobrevivência. Também não tinha controle sobre minha saúde física e mental, ambas

muito importantes para mim. A fé é um dom que me foi concedido por Deus, e, embora tenha

certeza de que Deus não vá retirá-lo de mim, não posso controlar a minha fé. Dinheiro é algo

que vem e vai. O sistema econômico pode vir a falir, e nada poderei fazer quanto a isso.

Tal reflexão quanto à minha falta de controle sobre as coisas que me proporcionavam

felicidade expôs minuciosamente meu eu mundano e falso. Também foi em vão que me

atemorizou. Lembro-me de que uma noite acordei tremendo em minha cama, apavorado

diante da ideia de possuir tão pouco controle sobre o que quer que fosse. Minhas ilusões e

defesas haviam sido tiradas de mim, e o que restara parecia frágil e vulnerável que eu não

tinha certeza de que valesse a pena. Incapaz de dormir e desejando algum alívio de meus

sentimentos de terror, dirigi-me à capela para estar com o Cristo eucarístico. No passado,

frequentemente viera a encontrar a paz simplesmente estando com ele em meus momentos

de ansiedade. De fato melhorei, após ficar muito frágil. Durante aquele período de

vulnerabilidade, entretanto, passei a ver, mais claro do que nunca, que todas as coisas que

contribuíram para minha felicidade eram dons, apesar de não ter domínios algum sobre eles. A

gratidão restaurou meu senso de serenidade e, finalmente, começou a gerar alegria. Eu havia

passado por uma experiência de conversão, morrendo para um velho estilo de vida e

despertando para algo que eu já conhecia, mas a que ainda não havia alcançado

profundamente.

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Fragmentação do homem

Aceitar as limitações de nossa condição humana não é tarefa fácil. Cada um de nós foi

educado num mundo onde impera o amor condicional (dualidade polarizada). Aprendemos de

muitas formas que nosso valor como seres humanos depende daquilo que podemos fazer,

daquilo que possuímos, daquilo que conhecemos ou daquilo que aparentamos. Esse meio

ambiente sempre atuante coloca nossa mente num estado constante de sobreaviso para

buscar meios de atender às condições através das quais possamos obter amor e aceitação.

Acabamos comprometidos com criar tais condições para nós mesmos, ainda que isso signifique

nos tornarmos dependentes de outros para fazê-lo para nós. Todos esses fatores contribuem

para o egoísmo e a obstinação de todo o mundo. É a forma que encontramos de nos

compensarmos pelos nossos profundos sentimentos de medo e vergonha (culpa), os quais são

consequências emocionais do amor que nos foi dado condicionalmente ou da rejeição e abuso

que nos foram diretamente infligidos.

Infelizmente transmitimos nossa enfermidade às outras pessoas, expressando-a de

muitas formas. Convencidos de que não somos amáveis e aceitáveis nem e por nós mesmos,

tentamos reverter esse estado de coisas transformando o mundo exterior. Tentamos usar

outras pessoas para que elas nos façam felizes – e talvez isso funcione por algum tempo.

Quando elas deixam de satisfazer nossos anseios, procuramos fazê-las mudar, criticando-as ou

adulando-as, esperando dessa forma instiga-las pela vergonha e pelo medo a que se amoldem

ao nosso próprio modelo de realidade. Além disso, tentamos, de diversos modos, impressionar

as pessoas para obter sua aprovação e, se isso dá certo, sentimo-nos melhor por algum tempo.

Quando, porém, o resultado não é aquele que esperamos – como frequentemente acontece -,

sentimo-nos desajustados e inúteis. Essas e muitas outras estratégias constituem tentativas

para compensar os sentimentos profundos de medo e de vergonha. Com o tempo vamos

também acrescentando escapes ou experiências de alteração de humor a nossos esforços.

Trabalho, tv, má-alimentação, compras, jogatina, álcool, drogas, relacionamentos e sexo

podem funcionar como escapes quando os usamos para evitar emoções negativas.

Não é minha intenção, com essa breve descrição de nossa arruinada condição humana,

retratar um panorama totalmente negativo; apenas desejo realçar que todos nós sofremos por

crescer num mundo de amor condicional (dar e receber). Compulsividade, egocentrismo,

apegos, vícios, medo, vergonha, ressentimento, relacionamentos rompidos – eis os frutos do

amor condicional, que são o mesmo que o pecado. Não podemos ser curados de nossa

enfermidade se primeiramente não tomarmos consciência de que ela existe. Uma vez que

passemos admitir a fragmentação, nossa ruína, entendemos melhor o próximo passo: a

aceitação.

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Aceitação

Aceitar as coisas que não podemos modificar significa, antes e acima de qualquer

outra coisa, renunciar ao projeto que chamo de “obrigar-me a estar bem”. Não há nenhuma

necessidade de fazer ou de obter o que quer que seja para ser feliz. Todos os nossos esforços

despendidos para alcançar a felicidade através de realizações, relacionamentos, pressão

exercida sobre os outros e fuga nos vícios apenas conseguem resultados de curto prazo,

quando muito. Coração inquieto, memória perturbada, mente ansiosa – não deveríamos

tentar mudar essas realidades apenas buscando obter alguma coisa mais (ou desfazer-nos de

algo, se é o caso). Cada um de nós é uma pessoa que esta sendo continuamente criada por

Deus – uma pessoa que neste momento já é boa e até mesmo feliz; assim, não há necessidade

de fazer nada para criar felicidade. A felicidade vem espontaneamente quando aceitamos o

fato de que somos plenamente amados e cuidados por Deus em todo momento. Não há

nenhum lugar para onde possamos ir ou nada que possamos fazer para sermos felizes. Temos

apenas que parar de nos inquietarmos, e a felicidade surgirá.

A auto-aceitação incondicional a que me refiro requer muito mais do que uma

afirmação intelectual. Precisamos aprender a nos abrir cada vez mais ao amor incondicional de

Deus. Isso exige amadurecimento na fé. Exige também oração, na qual aprendemos a repousar

em Deus, deixando que o seu Espírito opere em nosso interior para curar-nos. Temos ainda

que parar de julgar e criticar a nós mesmos, pois isso somente acrescenta maior desarmonia

aos nossos sistemas interiores. Em vez disso, precisamos aprender a ser bondosos conosco e

permiti-nos amplamente a cometer erros. Aprendemos muito com eles.

A aceitação também requer que abracemos as realidades de nossa vida, procurando

tirar delas o máximo proveito possível. Pode ser que estejamos doentes, desempregados,

deprimidos, num casamento difícil. Sejam quais forem nossos problemas, seria bom aceitá-los

como parte do ponto que estamos em nossa jornada de vida. Se nossa situação pode ser

modificada ótimo! Vamos em frente e vamos agir nesse sentido. (Mas sobre esse aspecto será

desenvolvido no próximo capítulo.) Mas não deveríamos adiar a felicidade até que essas

mudanças ocorram. Independentemente de qual possa ser o problema, é nos possível pensar

que, neste mesmo momento, tudo está bem no mundo de Deus. Os que vivem em união com

Deus acabam por descobrir isso como o grande fato de sua vida. Por diversas vezes enfrentam

mais problemas do que muitas outras pessoas, mas a aceitação incondicional de si mesmos e o

seu sentido de vida os capacitam a tirar o maior proveito possível das adversidades, as

mesmas sob as quais outros se tornariam críticos e amargos.

Naturalmente a parte mais complicada da aceitação é o fato de sabermos que alguns

dos aspectos problemáticos e desagradáveis de nossa vida provavelmente não poderão ser

modificados. A aceitação de nós mesmos à luz do amor de Deus é especialmente difícil quando

temos pouca esperança de modificar a situação que nos aflige. A alternativa para isso é a falta

de esperança e o desespero, os quais, porém, apenas acrescentarão peso ao nosso fardo. Por

exemplo, se eu tenho um problema de saúde aparentemente incurável, isso constitui uma

verdadeira cruz para carregar! Mas se, ademais, eu também me amargurar em razão desse

problema e me tornar depressivo e desaminado, passo a ter então outro problema, pior,

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talvez, do que o primeiro. Uma atitude negativa e condenatória provavelmente irá apenas

agravar o problema de saúde, intensificando o sofrimento e acrescentando mais lenha ao fogo

do ressentimento. Essa espiral viciosa e descendente só pode ser interrompida se aceitarmos a

realidade da vida – ainda que isso seja difícil – sem julgamento, crítica ou acusação.

É possível agir assim: aceitar uma situação desagradável que não podemos modificar?

Certamente que sim! Não apenas vim a fazer isso em diversas áreas de minha própria vida,

mas também observei muitas outras pessoas aprendendo a tirar o melhor partido possível de

situações muito difíceis. A testemunha definitiva dessa possibilidade foi Jesus Cristo, que

escolheu amar e perdoar seus algozes mesmo estando ele pendurado numa cruz. Qualquer

pessoa que pretendesse descartar seu exemplo, chamando a atenção para o seu parentesco

filial com Deus, deveria considerar os exemplos citados por Vitor Frankl em seu convincente

livro “Man´s Search for Meaning” (Em busca de sentido). Sobrevivente de um campo de

concentração nazista. Frankl detalha as terríveis condições de vida naquele local. Apesar disso,

mesmo num ambiente como aquele, alguns foram capazes de manter sua dignidade:

“As experiências de vida no campo de concentração mostram que o homem realmente

tem escolha de ação. Houve exemplos suficientes, frequentemente de natureza

heroica, que provaram que a apatia podia ser superada, a irritabilidade dominada.

Pode-se preservar um vestígio de liberdade espiritual, de independência de

pensamento, até mesmo em condições tão terríveis de estresse psíquico e físico.

Nós, que tivemos em campos de concentração, podemos nos lembrar das pessoas que

caminhavam pelos alojamentos confortando os outros, desfazendo-se de seu último

pedaço de pão. É possível que tenham sido poucos em número, mas oferecem prova

suficiente de que tudo pode ser tirado de uma pessoa, com exceção de uma coisa, a

última das liberdades humanas: escolher a própria atitude num determinado conjunto

de circunstâncias, escolher o próprio caminho.

Com certeza o leitor não enfrenta uma situação tão difícil como foi a de Jesus Cristo ou

a de Vitor Frankl. Se eles puderam aceitar as realidades de sua situação e fazer escolhas para

afirmar sua dignidade e a de outras pessoas, então também nós o podemos. E isso se torna

mais fácil à medida que nós formos abandonando à convicção do amor incondicional de Deus

por nós. Não precisamos de muito para sermos felizes se Deus é nossa pérola de grande

valor, pois Deus sempre está nos amando.

Reflexão e prática

Como é que estou tentando obrigar-me a estar bem? Que consequências enfrento por

causa dessa preocupação?

Costumo julgar, criticar e acusar outras pessoas e circunstância, responsabilizando-as

por minha infelicidade? Quais consequências enfrento por causa disso?

Quais das realidades de minha vida que não consigo modificar, mas que preferiria não

ter de enfrentar? Como é que tenho lidado com essas questões?

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Que é que posso fazer para aceitar as realidades desagradáveis de minha vida que não

podem ser modificadas?

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Capítulo 3 – Coragem para modificar as que posso.

“Coragem é o medo que já fez suas orações”. Assim diz o broche com que uma de

nossas filhas presenciou minha esposa há alguns anos. Gosto muito dessa frase, pois, parece

encerrar a essência do significado de coragem.

Medo é o atroz veneno presente na alma daqueles que não alcançaram a plenitude de

união com Deus. Bem cedo na vida tornamo-nos medrosos em consequência de sermos

amados condicionalmente. “O perfeito amor lança fora o temor”, observa João em sua

primeira carta. (4,18). Quando somos amados de maneira imperfeita ou condicional, o medo

se insinua em nossa vida. Para contrabalançarmos esse medo, desenvolvemos um eu dividido,

que ostenta para o mundo uma aparência, mas experimenta por dentro uma realidade

completamente diferente. Criamos defesas para manter esse medo longe de nossa consciência

e passamos a buscar a paz do mundo para satisfazer o mal estar. Essa perseguição produz

prazer ou alívio apenas momentâneo, aprofundando, porém, dentro de nós o medo.

A maioria das pessoas sente medo de muitas coisas. Na verdade, estamos tão

acostumados a conviver com o medo que podemos até pensar que essa seja a condição

normal da humanidade. Afinal de contas, parece que todo o mundo teme as mesmas coisas

que nós.

Bem... nem todas!

Há gente que, em geral, parece ignorar o medo. Não me refiro aqui às pessoas

temerárias, que arriscam a própria vida para demonstrar a sua grande habilidade nas corridas,

ou nas acrobacias em corda bamba, ou em outras atividades de alta periculosidade. Tais

pessoas confiam ao máximo em sua habilidade, mas têm, muitas vezes, medo de errar.

Existem também aquelas que perderam o respeito por sua vida, e então sua intrepidez reflete

um ato suicida. O tipo de pessoas destemidas às quais aqui me refiro são os santos e os

místicos do mundo, aqueles que vieram a conhecer o amor perfeito que lança fora todo o

temor. Contudo, sua caminhada para a serenidade não tem consistido em fugir do temor,

como no caso da jornada em busca da paz do mundo. Antes, sua caminhada para a

serenidade se faz através do medo.

Esse ponto é muito importante. Não vencemos nossos medos simplesmente evitando-

os ou fazendo de conta que não existem. Vencemos o medo enfrentando seja o que for que

estejamos querendo evitar, sentindo as emoções e agindo corajosamente diante desse medo.

Quando fazemos isso repetidas vezes, acabamos superando nossos temores. A maior

dificuldade, entretanto, é que nenhum de nós quer assumir essa tarefa.

Enfrentando seus temores Quais são seus temores? Você conseguiria nomeá-los? Quanto mais específico você

puder ser na identificação de seus temores e ansiedades, tanto melhor. Vamos dar uma olhada

numa lista das mais usuais:

Page 16: Oração serenidade Philip_St_Romain

15

Desaprovação dos outros

Erros

Fracasso

Doença

Perda de uma pessoa querida

Dificuldade financeira

Desemprego

Morte

São esses os temores mais comuns da raça humana. Se a humanidade pudesse se ver

livre desses temores... que maravilha seria! Talvez você tenha também outros temores. Vá em

frente e escreva-os. Faça a lista mais completa e honesta possível. Esse é o primeiro passo para

encarar seus medos de frente.

O passo seguinte consiste em determinar quais de seus temores têm prevalecido

ultimamente. Pode não ser muito fácil fazer isso, já que o medo costuma surgir ao mesmo

tempo em muitos pontos. Selecione, entretanto, apenas um deles e reflita sobre estas

perguntas.

Quando é que costumo sentir esse medo? (Lembre-se de casos específicos e permita-

se experimentar as emoções vinculadas a eles)

Como é que esse medo limita minha experiência de vida? Em outras palavras, como é

que esse medo limita os tipos de escolha que faço?

Que outras consequências enfrento por causa desse medo?

Essas três perguntas vão capacitá-lo a descobrir como o temor age em sua vida.

Considere cada um de seus medos, examinando-os à luz dessas perguntas. Essa simples prática

lhe trará alívio, pois o medo não pode se desenvolver quando a mente se mostra consciente.

Após ter percorrido os passos acima recomendados, você estará pronto para encarar

os aspectos mais amedrontadores de sua vida. Não será necessário esforçar-se muito para

isso. As oportunidades vão surgir, e, quando isso acontecer, você ou pensará e agirá como

sempre fez anteriormente, permitindo que o medo cresça, ou fará algo novo e criativo,

diminuindo o medo em sua vida.

Onde é que encontramos coragem para enfrentar o temor e assumir então um

comportamento diferente?

“Coragem é o medo que já fez suas orações”. Essa frase pode soar simplista, mas

lembre-se de que apenas o perfeito amor pode lançar fora todo o temor. E somente

encontramos esse perfeito amor em Deus. Assim como a serenidade e aceitação têm sua raiz e

alicerce na fé e na oração, o mesmo ocorre com a coragem.

Page 17: Oração serenidade Philip_St_Romain

16

Agindo com coragem

A coragem possui dois aspectos. Um é passivo: é dom do Espírito Santo. Isso significa

que aqueles que alcançam maior intimidade com Deus, especialmente através da oração, se

tornarão mais inspirados e estimulados a agir com coragem. Foi o que aconteceu aos

amedrontados apóstolos, que se tornaram capazes de levantar-se diante de multidões, no

domingo de Pentecostes, e proclamar o Evangelho quando, apenas algumas horas antes,

tinham estados escondidos de todos. Os antigos manuais espirituais refere-se a tal coragem

como um dom infuso do Espírito Santo, querendo significar que ele é derramado em nosso

coração por Deus e não consequência de uma façanha de nossa parte. Se necessitamos de tal

dom, podemos pedir que Deus o derrame sobre nós.

O outro aspecto da coragem é a virtude. É uma disciplina ativa que precisa ser posta

em prática. Significa que , mesmo que você não se sinta inspirado ou estimulado a agir de

forma diferente daquela indicada pelo seu medo, você deve fazer um esforço para agir assim.

Tais atos de coragem praticados ao longo de semanas e meses acabarão, pouco a pouco, por

diminuir seus medos. Seus atos de corajosos também possibilitarão que o dom infuso da

coragem seja derramado mais abundantemente sobre você.

Atos corajosos não precisam ser sensacionais, embora até mesmo o menor deles possa

contribuir para mudar o mundo. Como apregoa esta parte da Oração da Serenidade, você só

tem que agir para modificar as coisas que você pode. Quando examinou seus temores, você

sem dúvida notou muitos exemplos específicos de coisas que podem ser modificadas. Agir com

coragem significa deliberadamente tomar partido contra o medo, escolhendo um modo de

ação mais racional e criativo. Aqui estão alguns dos exemplos do que quero dizer:

Dar o primeiro passo para reconciliar-se com alguém com quem não é fácil conviver;

Levantar-se um pouco mais cedo para dedicar tempo para a oração;

Questionar alguém cujo comportamento incomoda;

Recusar-se a ceder ao hábito da fofoca;

Escolher buscar ajuda para resolver um problema emocional ou de relacionamento.

Essa lista poderia se estender, é lógico, mas o objetivo aqui é leva-lo a fazer sua

própria lista. Se você não sabe por onde começar, lembre-se de que, embora nem sempre seja

possível modificar o mundo exterior, quase sempre é possível modificar sua atitude diante de

uma determinada situação. Esse é um dos grandes dons concedidos ao ser humano: a

liberdade de escolher o modo como concebemos os acontecimentos e situações de nossa vida.

Se você começar a exercitar mais plenamente esse dom, experimentará mais energia, alegria e

serenidade. Você se sentirá menos controlado por outras pessoas e por circunstâncias

externas. Virá a descobrir que a felicidade é um estado de espírito e não uma consequência de

alcançar e possuir coisas certas ou estar no controle.

Naturalmente o maior dos obstáculos para fazer sua opção pela nova atitude são os

hábitos inconscientes de pensamento que já estão operando em sua mente. Esses hábitos

racionais automáticos foram se desenvolvendo através de anos de pensamento e de escolha e,

por isso, estão profundamente enraizados. É necessário coragem para examiná-los, motivo

Page 18: Oração serenidade Philip_St_Romain

17

pelo qual há tantas pessoas que preferem nem mesmo se incomodar com isso. Têm medo do

que poderão encontrar se começarem a refletir sobre suas atitudes e motivos e não querem

perder o senso do “eu” que, embora precário, vieram desenvolvendo através de anos.

Contudo, qualquer “eu” que possa ser perdido em razão de uma reflexão honesta não é o “eu

verdadeiro”. E somente uma estrutura ilusória, criada pela mente para contrabalancear o

medo.

A vida espiritual é uma luta para você se tornar totalmente autêntica – a pessoa que

você realmente é – à luz do amor incondicional de Deus por você. Exige coragem; mas o risco

vale a pena.

Reflexão e prática

“Tende coragem: eu venci o mundo!” (Jo. 16,33), diz o Senhor. Você está disposto a

acordar e viver? Que é que pode estar refreando você, se é que existe algo?

Complete os exercícios de reflexão sugeridos neste capítulo, que visam ajudá-lo a dar

nome aos seus medos, para que você possa verificar como eles limitam sua

experiência de vida.

Faça uma lista de maneiras através das qual você pode agir com mais coragem. Peça a

alguém a quem você confia para ajudá-lo a ser responsável por agir dessas maneiras.

Ore pedindo o dom da coragem e creia que Deus o concedeu a você.

Page 19: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Capítulo 4 – E sabedoria para distinguir umas das outras

Tal sabedoria se refere à habilidade de discernir quais as coisas que não podemos

modificar e quais as que podemos. Ela nos leva aceitar os aspectos não negociáveis da vida e

também nos dá coragem para agir quando e como devemos. Uma sabedoria desse tipo é

eminentemente prática, por informar as decisões a serem tomadas na vida diária.

De que forma podemos alcançar essa sabedoria?

A primeira delas vem através das experiências da vida. Às vezes, não há outro jeito de

sabermos aquilo que podemos modificar e aquilo que não podemos, a não ser indo ao

encontro do desconhecido e fazendo alguma coisa. Se o resultado for positivo, ótimo; se não,

ainda extraímos daí lições que podem nos orientar nas decisões futuras.

Por exemplo, tenho sempre lutado com a questão da aceitação versus controle nos

meus relacionamentos com as pessoas. Como pai, especialmente, sinto-me compelido a tentar

influenciar meus filhos em certos aspectos. Quero que aprendam a ser responsáveis e, por

isso, encarrego-os de realizar tarefas. Para mim é inaceitável que deixem de cumpri-las (a

menos que tenham uma boa desculpa). Que é que eu deveria fazer quando não as realizavam?

Aceitar o fato como algo que eu não possa modificar e livrá-los das consequências? Ou falar

com eles e ameaçá-los até que executem as suas tarefas.

A resposta envolve um pouquinho de cada uma dessas atitudes: preciso aceitar o fato

de que crianças são crianças e não “fazem um carnaval” em função de suas quebras de

responsabilidade. Afinal de contas era assim que eu agia quando jovem (e, verdade seja dita,

de vez em quando, ainda me pego agindo assim). Mas também preciso continuar a tentar

influenciá-las a adotar comportamentos mais disciplinados. Se eu não fizer isso e meus filhos

saírem de casa sem antes terem adquirido tais hábitos, não será bom para eles como adultos.

Então procuro impor consequências para o trabalho não executado e algumas vezes até

mesmo insisto com eles quando realmente preciso que determinada tarefa seja executada a

tempo. A sabedoria, nesse caso, envolve ao mesmo tempo a aceitação das partes da situação

que eu não posso modificar e a insistência em firmar posição quanto àquelas partes que eu

posso modificar. Parece-me que, mais frequente do que rara, essa dupla abordagem é como as

coisas funcionam. A sabedoria deve levar em conta ambas as situações da vida em acréscimo a

esta ou aquela atitude.

Sabedoria e imparcialidade

A sabedoria prática pressupõe que sejamos um tanto imparciais em nossa abordagem

de certa situação. A imparcialidade é muitas vezes interpretada de forma errônea, como se

equivalesse a passividade e indiferença, mas a verdadeira imparcialidade significa que

realmente estamos desejando agir, se necessário, ou rejeitar, se essa for a melhor solução.

Page 20: Oração serenidade Philip_St_Romain

19

Devemos querer aquilo que vai colaborar para resolver uma situação e não tentar manipular

as coisas para alcançar determinado fim.

O que mais frustra o nosso crescimento em direção à sabedoria é a ausência dessa

imparcialidade. Na maior parte das vezes realmente queremos que as coisas aconteçam de

uma certa maneira e empregamos a manipulação para realizar nossos desejos, por exemplo,

de prazer, segurança, poder, riqueza, aprovação e outros valores mundanos como esses.

Podemos empenhar uma quantidade extraordinária de inteligência e até de esperteza para

conseguirmos concretizar esses desejos, mas isso não é a mesma coisa que sabedoria.

Por exemplo, há muitas pessoas que aprenderam a beirar o limite do que é

considerado legal a fim de enriquecer financeiramente. Conheço um advogado que trabalhava

com corporações para ajudá-las a fazer isso (e ele mesmo juntou uma dinheirama por causa

desse serviço). O fato assombroso é que aqui não se trata do que é certo, mas do que é

legalmente permitido. A motivação que os impulsiona a ambos – a ele e a essas companhias –

é fazer tanto dinheiro quanto possível dentro dos limites da lei. Isso talvez não pareça

inaceitável, mas jamais levará alguém a crescer em sabedoria.

Verificamos a atuação da imparcialidade da vida de Jesus no jardim de Getsêmani.

Sabendo que as autoridades estavam conspirando contra ele, assim ora ao Pai: “Pai, se queres,

afasta de mim este cálice”! Contudo, não a minha vontade, mas a tua seja feita!”(Lc. 22,42).

Jesus preferiria ser poupado do cálice da tortura e da morte. Todos nós podemos

compreender isso. Mas seu desejo de cumprir a vontade do Pai era mais forte do que sua

preferência. Seu amor ao Pai capacitou-o a dizer confiante: “Contudo, não a minha vontade,

mas a tua seja feita!”. Esse é um exemplo de imparcialidade perfeita a disposição de sofrer até

mesmo a morte se é essa a exigência do amor.

Verificamos, a partir desse exemplo, que nada há de errado com o fato de se terem

preferências ou mesmo de se orar para que elas se realizem. É natural preferir saúde a doença,

riqueza a pobreza, e assim por diante. Será que, entretanto, nosso desejo de fazer a vontade

de Deus é mais forte do que qualquer outra preferência? Se não for, estaremos então

limitados em nosso crescimento em sabedoria (e em serenidade, em amor e em alegria,

igualmente). Somente esse desejo de amar a Deus com todo o nosso coração, alma, mente e

força nos capacitará a atingir a imparcialidade de que conduz à sabedoria. Sem dúvida,

realizaremos isso com imperfeição, às vezes; não obstante, é o progresso nessa intenção

original que importa, não a perfeição.

Sabedoria sagrada

Assim como a coragem pode ser tanto uma virtude adquirida quanto um dom infuso, o

mesmo é verdade com relação a sabedoria. A sabedoria prática colocada em discussão até

aqui é uma consequência de nossas próprias experiências em amar de modo imparcial. É essa

a real sabedoria que pode crescer através do tempo e produzir maravilhosos frutos.

Page 21: Oração serenidade Philip_St_Romain

20

Há uma outra espécie de sabedoria sobre a qual se fala nas Escrituras, porém: a

sabedoria que é o próprio Espírito de Deus. Nas Escrituras hebraicas, a sabedoria (sophia) é

personificada em sua expressão feminina. Provérbios, Sabedoria e Eclesiástico cantam seus

louvores:

“Ela é um eflúvio do poder de Deus, uma emanação puríssima da glória do Onipotente,

pelo que nada de impuro nela se introduz, Pois ela é um reflexo da luz eterna, um espelho

nítido da atividade de Deus e uma imagem de sua bondade. Sendo uma só, tudo pode; sem

nada mudar, tudo renova” (Sb 7; 25-27).

Mais tarde, o profeta Isaias vai falar sobre o Espírito de Deus abençoando os

seguidores do trono de Jessé com o “espírito de sabedoria e de discernimento, espírito de

conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor de Iahweh” (11,2). Dessa forma

realmente o espírito de sabedoria das Escrituras hebraicas e identifica com o Espírito Santo,

derramado sobre a Igreja por ocasião do Pentecostes.

Assim como podemos orar pedindo o dom da coragem, o mesmo podemos fazer com

relação ao Espírito de Sabedoria, para que seja derramado em nosso coração. Deus deseja

partilhar sua sabedoria conosco: “Os ingênuos venham aqui quero falar aos sem juízo: Vinde

comer do meu pão e beber do vinho que misturei. Deixai a ingenuidade e vivereis, segui o

caminho da inteligência” (Pr. 9, 4-6). A seguir vem a promessa de Jesus:

“Também eu vos digo: Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto.

Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e aos que bate, se abrirá. Quem de

vós, sendo pai, se o filho lhe pedir um peixe, em vez do peixe lhe dará um escorpião?

Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o Pai

do céu dará o Espírito Santo aos que pedirem!” (Lc. 11, 9-11).

Podemos orar para que o Espírito Santo de Sabedoria nos seja concedido. Na verdade,

quanto mais unidos a Deus ficamos através da oração, mais contagiaremos com essa sabedoria

sagrada, Muitos dos santos e místicos foram teólogos consumados mesmo sem terem

recebido suficiente formação acadêmica. Foi com a própria Sabedoria – certamente o melhor

dos mestres! – que aprenderam os caminhos de Deus.

Crescendo em Sabedoria

Embora a sabedoria prática seja diferente da sabedoria que é o Espírito de Deus,

ambas estão relacionadas. A sabedoria sobrenatural não pode ser captada com o intelecto e

com a vontade humana, mas aqueles que crescem em sabedoria prática estão prontos a

receber a sabedoria sobrenatural de Deus. Na medida em que utilizamos nossos poderes

humanos para refletir a realidade divina, somos capazes de receber as graças que nos

transformam em semelhança de Deus. Se amamos os seres humanos, abrimo-nos para receber

o amor divino e, consequentemente, para amar igualmente com essa energia divina. Da

mesma forma, se praticamos a imparcialidade amorosa em nossos discernimentos e

resoluções, nós nos abrimos para receber a sabedoria do alto. Tal sabedoria se torna cada vez

Page 22: Oração serenidade Philip_St_Romain

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mais disponível para guiar-nos afazeres diários da vida, proporcionando-nos continuar a viver a

imparcialidade do amor. É assim que levamos a bondade e o amor de Deus ao nosso mundo

hoje.

Reflexão e prática

Que tipos de motivo costumam guia-lo em suas tomadas de decisão? Até que ponto

você consegue ser imparcial quando as coisas não saem de acordo com a sua

expectativa?

Quão determinada é sua intenção de realizar a vontade de Deus em todas as coisas?

Quais as consequências que você enfrenta quando essa é sua intenção primeira? O

que é que acontece quando predominam outras intenções e motivos?

Diante de uma decisão difícil a ser tomada, procure se revestir com o máximo de

imparcialidade possível com relação ao um fato. Ore, então, para que Deus ilumine sua

consciência com o dom da sabedoria. Em seguida, confie que a inclinação de seu

coração manifestará a direção dada pela sabedoria e aja de acordo com ela. Isso

funciona!

Page 23: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Capítulo 5 – Vivendo um dia de cada vez

“Só por hoje” é o lema predileto das pessoas que estão se recuperando de algum vício.

Durante os anos em que trabalhei em aconselhamento a dependentes químicos, vim eu

mesmo a descobrir a sabedoria desse lema. Muitas vezes a pessoa em recuperação fica

desanimada diante do fato de pensar em permanecer sóbria pelo resto da vida. A motivação

existe, mas o futuro parece fantasticamente amplo e duvidoso; permanecer sóbria para

sempre parece uma resolução impossível de ser cumprida. O conselho sábio dos Alcoólicos

Anônimos é reconhecer que, embora ninguém possa garantir qualquer coisa para sempre, a

vida é mais administrável se vivida um dia de cada vez. O desafio para hoje é ficar sóbria e

viver o dia tão plenamente quanto possível. Essa advertência é geralmente aceita com espírito

de gratidão. Qualquer pessoa que seja capaz de permanecer sóbria um dia depois do outro

também estará apta a cumprir o alvo da sobriedade eterna: um dia de cada vez, só por hoje.

Não se trata de uma simples estratégia, relevante apenas para as pessoas que se

encontram em recuperação de algum vício. No Evangelho de Mateus, Jesus nos diz: “Não vos

preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã se preocupará consigo

mesmo. A cada dia basta o seu mal (6,34). Jesus não nos esta encorajando que passemos a

viver apenas para o momento presente. Planejar o futuro é um procedimento elogiável e

saudável. Observe que é a nossa preocupação com o futuro que ele desaconselha. Essa era a

dificuldade com as pessoas em recuperação com as quais eu trabalhava, e é uma verdadeira

aflição que, de tempo em tempo, atormenta a maior parte de nós.

Ritmo diário

Não tenho a menor dúvida de que a maioria de nós perdeu contato com nossos ritmos

diários. Criamos uma cultura tecnológica que esta sincronizada com o “tempo cronológico” e

nos comprometemos em preservar essa tecnologia de acordo com o seu próprio ritmo

temporal. Trabalhamos oito horas por dia governado pelo relógio, alimentamo-nos segundo o

relógio, com ele que estabelecemos intervalos. Na verdade, um dos grandes agentes

estressantes de nossos dias é a pressão do horário. A maioria dos ataques cardíacos ocorre nas

manhãs de segunda-feira, mais do que em qualquer outra ocasião. A razão disso é óbvia.

A ideia do controle mental absoluto – mente sobre a matéria – é pura ilusão. Cremos

que deveríamos ser capazes de nos educar para realizar os diversos tipos de trabalhos que

fazemos na hora em que fazemos sem acarretar consequências negativas para nosso corpo. A

prevalência da mente sobre a matéria é uma realidade, mas para nós, seres humanos, não

existe mente sem matéria. Nossos ritmos biológicos naturais são diariamente violados pelas

exigências que nós mesmos nos impomos. Por exemplo, pesquisas revelam que a maioria das

pessoas dorme pouco e dorme mal. Só esse fato já é o bastante para prejudicar a saúde. Além

do que, parece coisa natural aos seres humanos tirar um soninho à tarde. Muitas culturas

proporcionam isso. Não é assim, porém, na América, onde o que manda é o horário da

máquina.

Page 24: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Cada pessoa possui seu próprio ritmo diário para dormir, acordar, comer, trabalhar e

assim por diante. Para algumas faz bem tomar o café da manhã imediatamente ao acordar;

outras precisam esperar algum tempo antes de comer. Se pretendemos viver de acordo com o

relógio, será impossível atendermos a esses ritmos. Os ritmos da natureza estão também

entranhados em nossos sistemas. Precisamos do ar fresco, da luz do sol e do contato com a

natureza para sermos plenamente humanos. Em vez disso, muitos de nós respiramos ares

poluídos e passamos mais tempo diante da televisão do que o ar livre.

Para recuperarmos a plenitude de nossa humanidade, precisamos fazer o máximo

possível para honrar nossos ritmos diários. Dormir o suficiente e comer de forma apropriada

ajuda a proporcionar sólido alicerce biológico para o crescimento espiritual. O contato com a

natureza e a atenção para com os cuidados do corpo são aspectos essenciais. Estar em contato

com os ritmos diários é pré-requisito para a recuperação da sabedoria interior. Não somos

mente sem matéria. Como disse um amigo: “A matéria é importante!”. A mente afeta a

questão do corpo em aspectos que estamos apenas começando a compreender.

Viver disperso

Como seres humanos possuidores de consciência espiritual, podemos estar

conscientes do passado e do futuro. Não é esse o caso com a relação aos outros animais, cuja

consciência é primordialmente sensorial e instintiva. Um gato ficará vigilante e inquieto

enquanto um cão estiver por perto, mas, após alguns instantes, tendo partido o cão, estará

dormindo profundamente. Longe dos olhos, longe do coração – assim é com os animais. Não

ocorre o mesmo com os seres humanos, porém. Se somos insultados por alguém, é possível

que nos ponhamos a remoer esse fato durante horas, ou até mesmo dias, após o evento.

Pensamos sobre o que poderíamos ter replicado, vivendo, assim, no passado; ou ficamos

imaginando o que vamos dizer e fazer quando nos encontramos novamente com essa pessoa,

projetando nossa consciência no futuro. Em qualquer dos casos, as consequências emocionais

daquele encontro infeliz dirigem nossa mente consciente, contaminando nossa experiência do

momento presente com pensamentos e fantasias distorcidos. Projetamos longe nossa

emoção... e fazemos isso todos os dias. É isso que os místicos se referem quando dizem que

muitas pessoas vivem em estado de ilusão.

A primeira condição para sair disso é tomar consciência do que está acontecendo. Já

enfatizamos isso em capítulos anteriores, mas sem dúvida trata-se de um ponto em que tem

de ser salientado. “Que é que estou fazendo?” é uma das melhores perguntas que podemos

nos propor no decorrer do dia. “Estou planejando o que vou dizer a Joe quando encontra-lo de

novo: “Ele vai ver só uma coisa!”. Até aqui, tudo bem! O que precisamos reconhecer então é

que, seja onde for que estejamos pondo a atenção, estamos gerando energia. Se dirijo minha

atenção à vingança que pretendo envidar contra Joe, aumento a raiva que sinto contra ele e

acelero o fluxo de pensamentos perturbadores em minha mente. O problema é que, uma vez

que tenhamos dado muita atenção e energia a uma determinada questão, ela passa a ganhar

vida própria. Continua a agir em nós mesmo após termos decidido colocar um ponto final na

situação. Os pensamentos e as energias emocionais que eles carregam não podem ser

Page 25: Oração serenidade Philip_St_Romain

24

interceptados por um simples ato de força de vontade, assim como não podemos parar

repentinamente um carro que esta correndo a uma velocidade de quase cem quilômetros por

hora. Pensamentos e emoções tem um movimento de inércia que os mantém em ação

durante algum tempo, proporcional à quantidade de energia e atenção que investimos neles

no decorrer dos dias.

Sempre que ficamos em silêncio, vivenciamos o movimento inercial de nossos

pensamentos fragmentados. Isso é desagradável e é uma das razões pelas quais muitos evitam

o silêncio – especialmente a oração. Em vez de encararem a si mesmos no silêncio, muitos

procuram criar um ambiente barulhento à sua volta para abafar sua fragmentação interior. Por

exemplo, conheço pessoas que ligam a televisão ou o rádio logo que acordam; vão dirigindo

para o trabalho com o rádio ligado e mantêm a mente ocupada com afazeres da vida diária

durante o tempo todo. Enquanto isso, sob a superfície, torrentes de atividade mental,

profundas torrentes de pensamento e emoção, continuam a agir, levando, às vezes, à

destruição.

Inevitavelmente, todo pensamento e emoção afetam o corpo. Nos últimos anos,

cientistas identificaram uma classe de bioquímicos chamados peptídeos, substâncias químicas

que tem relação com os pensamentos. Todas as células de nosso corpo possuem milhares de

pontos de recepção desses peptídeos. Quando a mente se põe a cogitar: “Não sei se vou

conseguir chegar até o fim deste dia... Estou me sentindo tão mal...”, esse pensamento

estimula a produção de peptídeos que comunicam um equivalente químico dessa mensagem a

todas as células de nosso corpo. Imagine, então, seu fígado ou seu sistema imunológico

“pensando” essa mesma mensagem. A descoberta dos peptídeos ajudou-nos a entender por

que nossa saúde mental e a física caminham lado a lado.

Exatamente como os pensamentos e as emoções acabam por ter um momento inercial

difícil de reverter, assim também a saúde do corpo. Quando nosso sistema orgânico foi

condicionado através de energias negativas e depressivas, ele começa a funcionar dessa forma

habitualmente. Essa é a razão pela qual é tão difícil as pessoas fazerem um regime ou

manterem um programa de exercícios. É como tentar parar um carro em alta velocidade numa

fração de segundo.

Finalmente, o movimento inercial de uma vida não saudável faz à nossa vontade um

apelo muito maior do que nossas resoluções positivas, e acabamos voltando ao antigo hábito

de comer mal e a uma vida de vadiagem. Não deveríamos nos surpreender nem nos

desencorajar quando isso acontecer. Reverter essa situação vai exigir aceitação, a coragem e a

sabedoria discutidas nos capítulos anteriores, além da disciplina (dever) da vida diária que é

aqui o centro de nosso interesse.

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25

Resoluções diárias

Não podemos ficar sóbrios para sempre, ou fazer dieta para sempre, ou fazer qualquer

coisa para sempre – nem mesmo permanecer casados com a mesma pessoa. Mas podemos

fazer o que podemos hoje. Além disso, podemos fazer o que precisa ser feito hoje tão bem

quanto nos for possível, sem termos de fazê-lo perfeitamente. O importante é o progresso,

não a perfeição. Se pudermos reduzir o movimento de nossa vida não saudável de cem

quilômetros por hora para noventa e nove, isso significa progresso! Se fizermos isso todos os

dias, então mais cedo ou mais tarde estaremos vivendo uma vida mais saudável.

Assim sendo, que é que, de forma prática, podemos fazer hoje?

Esse é o ponto em que os lemas básicos dos grupos de recuperação se fazem úteis.

Você já entrou em contato com alguns dos aspectos de sua vida que podem ser modificados;

comece então, colocá-los em prática. Isso quer dizer que você deve passar a fazer menos

daquilo que o prejudica e mais daquilo que você sabe que pode ajudá-lo.

Por exemplo, você fuma? Pois tente fumar menos hoje. Costuma comer alimentos

pouco saudáveis? Coma menos hoje. Se você puder evitar ambos totalmente hoje, melhor,

mas um pouco menos hoje em relação a ontem, é progresso também.

E quanto a hábitos saudáveis? Você pratica exercício? Se não, dedique a eles cinco

minutos, pelo menos. Costuma reservar tempo para a oração? Comece com cinco minutos.

Seu casamento esta abalado? Discuta menos hoje e faça alguma gentileza para seu cônjuge.

Passe a incorporar em seu sistema algo que contribua para instaurar um movimento inercial

de energias saudáveis. Isso é tudo o que você tem a fazer todos os dias. A parte mais difícil é

começar, porque a inércia de energias negativas pode ser muito forte.

Algumas práticas saudáveis a cada dia podem contribuir imensamente com o seu

senso de saúde e bem-estar. Saúde é normal; doença, não. Todos os níveis de nossa existência

foram criados para conhecer e experimentar a felicidade que Deus reserva para nós. Peptídeos

saudáveis têm grande poder de rejuvenescer nossas células, e sistemas orgânicos investidos de

um movimento que traduza a determinação: “Eu posso fazer isto”, dificilmente vêm a adoecer.

O bem é mais poderoso do que o mal. Podemos realmente experimentar essa boa-nova em

nosso corpo.

Administração do tempo

Alguns anos atrás, quando passei de empregado a autônomo, cai na armadilha do

“tempo é dinheiro”. Diante das pressões financeiras e de uma família para sustentar, tentei

fazer em meu serviço o máximo possível a cada dia. À semelhança da maioria das pessoas, fui

educado sob o lema: “Nunca deixe para amanhã o que pode fazer hoje”. O problema de tal

pensamento é que as pessoas que trabalham como autônomas jamais conseguem terminar o

seu trabalho e, quanto mais conseguem fazer hoje, mais dinheiro ganham. Isso funcionou

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26

durante algum tempo, mas então comecei a me sentir distante de minha esposa e de meus

filhos. Também passei a dormir mal, tão preocupado ficava com as finanças e com o trabalho.

Finalmente, meu entusiasmo por quase tudo foi diminuindo: eu estava esgotado.

Foi por essa época e de forma aparentemente inesperada que um amigo me disse

algo, certamente inspirado por Deus. Quando lhe contei o que estava acontecendo comigo, ele

me ouviu com simpatia e, a seguir, me alertou para o fato de que eu deveria tomar cuidado

para não fazer coisas demais. Eu já sabia disso, naturalmente; na verdade, eu até ensinava isso

em algumas de minhas aulas sobre como lidar com o estresse. O que foi muito significativo foi

que eu o ouvi, e sabia que era isso que estava ocorrendo comigo.

Como consequência desse encontro, modifiquei meu comportamento. Fui para casa,

peguei uma folha de papel de parede e fiz as colunas seguintes:

Tarefas Prazo para entrega Horas necessárias

Procurei preencher o máximo possível da lista conforme cada tarefa que devia realizar,

o que aliviou completamente minha mente, pois assim eu não precisava ficar pensando sobre

o assunto. Em seguida passei a analisar a lista e identificar o que precisava ser feito no dia

seguinte. Fixei para mim mesmo um período de oito horas de trabalho por dia, procurando

cumprir as tarefas correspondentes a cada dia. Se havia tempo de sobra e eu me sentia

disposto a trabalhar mais durante minhas oito horas, eu fazia. Finalmente, nos workshops que

eu ministrava sobre como lidar com o estresse, passei a ensinar um novo lema: “Nunca faça

hoje o que pode deixar para amanhã – a não ser que isso lhe dê prazer.” Não se trata de uma

receita para esticar a preguiça ou procrastinação. Fazemos hoje o que precisa ser feito,

conforme o Senhor nos encoraja: “A cada dia basta o seu mal” (Mt. 6: 34). E o trabalho de hoje

é suficiente para hoje.

Naturalmente, existe gente cujo o problema é o oposto ao meu. Existem realmente

procrastinadores e folgados entre nós. Tais pessoas também poderão se beneficiar do

exercício que estou recomendando. Faça sua lista, veja o que precisa ser feito e, então, mãos à

obra! Não faça nada além do que se propôs, a menos que você queira realmente, mas execute

pelo menos o que está programado. Agir de outro modo é cair no marasmo da lentidão e da

negatividade.

Reflexão e prática

Você é o tipo de pessoa que, durante o dia, tenta realizar coisas em excesso? Ou então

coisas de menos? Procure colocar em prática a sugestão para administração do tempo,

proposta neste capítulo.

Qual é o hábito pouco saudável que você pode procurar praticar menos hoje? Qual é a

prática saudável que você pode intensificar hoje?

Como é que seu planejamento diário influencia sua experiência dos ritmos diários?

Page 28: Oração serenidade Philip_St_Romain

27

O que é que você pode fazer para entrar mais em contato com seus ritmos diários

naturais?

Page 29: Oração serenidade Philip_St_Romain

28

Capítulo 6 – Desfrutando um momento de cada vez

Podemos conhecer um aspecto importante de nossa natureza espiritual através da

experiência que temos no tempo. Como vimos no capitulo anterior, os animais vivem

plenamente no momento presente. Não se preocupam com o futuro ou com ressentimentos.

À medida que reagem às circunstâncias do momento, vão desenvolvendo um conjunto de

respostas condicionadas que utilizam no momento seguinte, e no outro, e assim por diante.

Nós também trazemos nossos condicionamentos para cada momento, mas além disso

possuímos a habilidade de recordar conscientemente um incidente passado e de sonhar com

possibilidades futuras. Embora vivamos inseridos num espaço e num tempo, existe uma

dimensão de nossa percepção que é capaz de se posicionar fora do espaço e do tempo, e é

desse ponto favorável que podemos considerar o passado e o futuro como se estivessem de

realizando neste mesmo momento.

Essa dimensão espiritual da consciência é para nós uma imensa dádiva. Como

podemos refletir sobre o passado e reviver imediatamente muitas experiências, somos

capazes de tirar boas lições do passado e, como Nossa Senhora, guardar todas essas

lembranças em nosso coração (Lc. 2,51). Podemos inclusive nos visualizar no futuro. Aqueles

que buscam estimular o crescimento pessoal valorizam cada vez mais essa capacidade. Se não

formos capazes de nos visualizar fazendo determinada coisa, haverá pouca chance de que

algum dia possamos vir fazê-la. A visualização criativa é uma forma de reverter essa tendência:

através da imagem visual de resultados positivos, nós efetivamente direcionamos nossas

energias para concretizar aquilo que concebemos. Portanto, é perfeitamente natural, para nós,

recordarmos o passado e visualizarmos o futuro: é a própria natureza espiritual da consciência

humana que nos possibilita isso, e nada há de errado em fazê-lo.

Três experiências com relação ao tempo

O tempo é um fenômeno interessante que durante décadas tem intrigado os físicos.

Nosso interesse especial aqui não se prende a uma compreensão científica do tempo, mas sim

à experiência que temos dele. São três as possibilidades.

A primeira experiência que as pessoas têm, e a mais comum, é a do tempo linear. É

também conhecido como tempo horizontal ou cronológico e refere-se à experiência que dele

temos como um movimento do passado para o futuro. Um bom exemplo disso é nossa

percepção de que as coisas têm começo e fim. Cientes desse fato, experimentamos nossa vida

como um contínuo desenvolver-se de nossa concepção até a morte, e isso nos dá a impressão

de viver numa linha de tempo. O tempo parece ter uma dimensão quantitativa. Se somos

jovens, acreditamos que temos tempo de sobra para viver e nem pensamos muito a respeito

da morte. Se somos idosos, sentimos talvez que nosso tempo já se está esgotando e,

dependendo do modo como vivemos, ficamos alegres e tristes com respeito ao tempo. Há

então toda uma série de outras linhas do tempo que ora nos estressam ora nos excitam.

Podemos aguardar com ansiedade uma festa, mas também podemos temer a manhã de

Page 30: Oração serenidade Philip_St_Romain

29

segunda-feira e a consequente volta ao trabalho; podemos antecipar a alegria que nos causará

a visita de um amigo, mas podemos também recear o confronto com uma agenda lotada.

Nossa capacidade de experimentar o tempo de acordo com a linearidade é uma

grande dádiva, que nos capacita a recordar de onde viemos e planejar para onde gostaríamos

de ir. O aspecto negativo é que o tempo linear também contribuí para um tipo de estresse, o

estresse do tempo. Como o tempo é linear e mensurável, podemos sentir-nos como se

estivéssemos em uma luta contra ele ou como se ele estivesse se esgotando. Não são

inúmeras as pessoas que hoje se queixam por não terem tempo suficiente para aquilo que

querem fazer? A luta pela sobrevivência, na qual tantas delas se encontram envolvida, é

completamente permeada pelo estresse do tempo. As pessoas sentem sua vida avançar do

passado para um futuro que não parece dispor de tempo suficiente. É possível perceber isso

em seus olhos e suas expressões verbais. Estão perturbadas e preocupadas encontram-se num

determinado lugar, mas não presentes de fato; em constante atividade, mas não vivenciando

realmente. Se os dias pudessem estender-se para trinta e seis horas, seu sofrimento não seria

aliviado, pois simplesmente acabariam preenchendo-os com mais coisas para fazer. São “seres

realizadores”, não seres humanos, e nunca têm tempo suficiente para fazer tudo aquilo que

acham que precisam fazer para ser felizes.

Nossa segunda experiência com respeito ao tempo também pode ser positiva ou

negativa. O tempo cairótico refere-se à nossa experiência com as fases da vida. Por exemplo,

vivemos a infância, a adolescência, a juventude, etc. Vivemos a primavera, e verão, o outono e

o inverno. Essas fazes se constituem de muitos momentos do tempo linear, mas cada uma

delas guarda alguma impressão que conservamos na memória de uma forma especial. Além

disso, cada um de nós tem fases que lhe são peculiares. Pessoas que se mudam de um lugar

para o outro experimentarão esse momento como um período diferente em sua vida; outras

talvez se lembrem de mudanças de emprego, ou de divórcio, ou de uma doença prolongada,

como uma época especial da vida.

Sob muitos aspectos, o tempo cairótico representa uma experiência espiritual mais

elevada do que o tempo linear, pois nos capacita a nos posicionarmos fora do tempo

(transcendência temporal) para entendermos nossa vida. Podemos até mesmo reingressar

numa fase anterior por um breve período e assim contrastar, por experiência, a situação em

que então nos encontrávamos com nosso momento presente. Isso é algo que me acontece

muitas vezes ao ouvir música. Uma canção específica provoca uma lembrança e, por alguns

rápidos instantes, eu me sinto com num outro momento, tempos atrás, quando ouvi essa

mesma canção. Um mar de lembranças e sentimentos daquela época da vida vem à tona, e, se

eu consentir com eles, poderei reviver a pessoa que então eu era. Sou geralmente grato por

essas lembranças cairóticas e às vezes até nostálgico pelos dias felizes que se foram. Elas

sempre me trazem a dádiva de me fazer enxergar como minha vida se modificou.

Experiências cairóticas, porém, nem sempre são agradáveis. Às vezes uma fase

acarreta muita dor e sofrimento, e o pesar é tanto que procuramos esquecer, o mais rápido

possível, até mesmo o fato de ela ter acontecido. Podemos tentar evitar a qualquer pessoa ou

qualquer coisa que venha nos fazer lembrar daquele tempo, ou então levantar defesas

interiores para emparedar aquelas lembranças. Isso às vezes se faz necessário, mas, a longo

Page 31: Oração serenidade Philip_St_Romain

30

prazo é prejudicial. Recordar passagens não saudáveis de nossa vida pode ser uma experiência

importante de aprendizado, se estivermos preparados para isso ou se contarmos com o apoio

de um profissional da área de aconselhamento. Como essa época nos afetou? Que lições –

saudáveis e não saudáveis – aprendemos? Como foi que esse período influiu na forma como

nos abrimos agora a experiências emocionais? Finalmente, precisamos recuperar as estações

de nossa vida, sejam elas agradáveis ou não. O tempo cairótico nos dá o sentido da história de

nossa vida. Como pode ser boa uma história, se omitimos alguns de seus capítulos

importantes?

O terceiro tipo de tempo é a vida eterna. Muitas pessoas leem nas Escrituras sobre a

vida eterna e a interpretam como uma existência infinita. E é verdade. No que diz respeito ao

tempo, entretanto, a experiência não é aquela que equivaleria a ter uma quantidade ilimitada

de tempo, estendendo o tempo linear até o infinito. Antes, significa entrar na própria

experiência de tempo de Deus, a que os teólogos chamam “o agora sempre presente”. O

tempo cairótico e nos proporciona um exemplo de como períodos extensos podem se fazer

presentes a nós num determinado momento, fato que nos possibilita intuir alguma coisa

daquilo que todo o tempo é para Deus. Sendo totalmente espiritual, a consciência de Deus

transcende a matéria e não é absolutamente determinada pelo espaço tempo. Deus não vive o

tempo linear, mas tudo o que se desenvolve no tempo linear está presente em Deus, o tempo

nunca é antes ou depois, apenas agora. Muitos denominam isso de “tempo vertical” em

oposição à dimensão horizontal do tempo linear. Se tivéssemos que representar isso de

alguma forma, poderíamos fazê-lo como segue:

Observe que o tempo vertical cruza todos os pontos na linha do tempo horizontal.

Cada ponto de intersecção é um “momento-agora”. Da perspectiva de Deus, todos os

momentos do tempo linear são sempre conhecidos. Contudo, como vivemos no espaço e no

tempo, experimentamos o tempo linear e as fases de nossa vida como um processo em

andamento. Com atenção adequada ao momento presente, porém, podemos também começar

a ter vislumbres de experiência da vida eterna.

Viver atento

Para ter uma ideia daquilo com que parece a experiência de vida eterna, pense num

momento recente, em que você realmente tenha se divertido. Talvez um filme, ou a visita de

um amigo... Durante esse período, não lhe pareceu que o tempo não existia? “O tempo voa

quando a gente está se divertindo”!, diz o ditado. Naturalmente, o tempo linear estava se

arrastando, e no fim você teve que abrir mão do momento e continuar com outra coisa. Se

Tempo Horizontal

Tempo Vertical

Page 32: Oração serenidade Philip_St_Romain

31

essa outra coisa era uma tarefa desagradável, você provavelmente ficou muito consciente do

tempo e passou a consultar o relógio com frequência.

O que tudo isso tem a nos dizer sobre o tempo e atenção? A conclusão mais óbvia: é

esta: o tempo parece escoar lentamente quando nos sentimos infelizes com o que estamos

fazendo e parece passar depressa demais quando estamos nos divertindo intensamente. A

diferença entre essas duas experiências nada tem a ver com o tempo em si mesmo, mas tem

tudo a ver com o como estamos nós no tempo. Quando nos divertimos, ficamos inconscientes

de nós mesmos: não nos dispomos a pensar muito sobre nós porque nos encontramos muito

ocupados a experimentar a vida que está acontecendo. O eu consciente esta lá, é lógico, mas

nós não estamos refletindo sobre ele. Quando a experiência termina e pensamos nela, damo-

nos conta como estávamos nos sentindo e pensando; então revivemos alguma coisa da

experiência (tempo cairiótico) Enquanto está acontecendo, entretanto é como se estivesse

apenas o “não-eu e o não tempo”.

Essas experiências comuns de prazer dão-nos a chance de sentir o gostinho de como é

a vida eterna. Destacamo-nos duas características essenciais da experiência. Uma, como já

mencionamos, é que o eu não esta refletindo sobre suas experiências, mas está tão

ativamente engajado no momento que se encontra inconsciente de si mesmo. Isso descreve

bem a atitude básica de Deus, que os teólogos nos ensinam como o “amor que transcende a si

mesmo”. Para experimentarmos estar aqui e agora, sem interferência do passado e do futuro.

O tempo horizontal e o vertical se encontram no momento presente, e assim a dimensão

eterna do tempo só pode ser experimentada quando nos desprendemos do passado e

deixamos de projetar o futuro. Essa é a parte mais complexa.

Desprender-se do passado não quer dizer esquecer-se dele, mas sim que desistimos de

agir para compensar sofrimentos já vividos. Esses sofrimentos mantêm parte significativa de

nossa atenção no passado e nos levam a projetar de forma apreensiva um mundo de

possibilidades negativas no futuro (e assim, talvez, elas acabem se realizando). Jamais seremos

capazes de nos abandonar completamente experimentar um outro momento em que nos

vemos livres da inquietação com nós mesmos, e isso nos impulsiona para a frente. Contudo

viver plenamente no presente é algo que requer cura total do passado.

Uma prática simples, então, é esforçar-se para estar aqui e agora em amor. Cada

momento apresenta uma nova e única intersecção entre o tempo horizontal e vertical –

experiência que é privilégio da natureza espiritual da consciência humana. O momento

presente é onde a vida está realmente acontecendo; se não estivermos nele, então deixamos

escapar a vida. Podemos viver no agora apenas quando nossa atitude é aquela do “estar

presente em amor”. De outra forma nos achegamos ao momento cheios de defesas e

expectativas que convertem nossa experiência de tempo numa experiência linear ou cairiótica.

Por amor quero dizer que devemos estar abertos para receber aquilo que o momento nos

proporciona e não com base em nossas expectativas com relação àquilo que gostaríamos

que acontecesse; mas precisamos levar essas expectativas de maneira serena e estar

dispostos a abrir mão delas se essa for á exigência do amor. Somente aqueles que amam

dessa forma podem experimentar a vida eterna. Não é essa a essência da boa nova?

Page 33: Oração serenidade Philip_St_Romain

32

Alguns objetarão que estar aqui e agora em amor parece algo imprudente e

irresponsável. Afinal de contas, não deveríamos planejar mais cuidadosamente a nossa vida e

dispor de tempo para recordar as lições que aprendemos? Se o momento presente requer

planejamento e recordação, é isso então que devemos fazer. Não há qualquer conflito entre

planejar ou recordar e estar aqui e agora em amor. Mesmo a administração do tempo não se

choca com o viver plenamente o momento presente. O ponto importante é colocarmos toda

atenção naquilo que estivermos fazendo, em vez de focarmos dispersos por todo lugar:

Digo:

- Que é que está fazendo agora, Zorba?

- Estou dormindo.

- Durma bem, então...

- Que é que você está fazendo agora, Zorba?

- Estou beijando uma mulher.

- Então, trate de beijá-la bem, Zorba! E esqueça tudo mais enquanto isso: não há mais

nada na terra a não ser você e ela!

Zorba tem a disposição adequada! Esteja fazendo o que for, faça-o com o máximo

possível de atenção e amor. Atenção é o músculo espiritual da alma, e é necessário que ele se

fortaleça se a alma quer experimentar a vida eterna. Se a atenção se dispersa, o momento não

é aproveitado e perde-se a vida eterna.

Quando a experiência agradável do tempo que cativa é a presença divina, chagamos a

conhecer de forma mais pura o significado da vida eterna. Considere, por exemplo a

experiência de J. Krishnamurti, recontada a seguir:

“Havia, ao acordar nessa manhã bem cedo, um lampejo de “visão”, de olhar que

parecia estar contínuo movimento para sempre. Começava em nenhum lugar e ia a

nenhum lugar, mas naquela visão toda percepção além dos rios, das colinas, das

montanhas, deixando atrás a terra e o horizonte e as pessoas. Nessa visão havia uma

luz penetrante e de uma rapidez incrível. O cérebro não poderia segui-la, nem a mente

contê-la. Era pura luz e de uma rapidez que desconhecia qualquer resistência.”

Essa visão e olhar que Krishnamurti descreve e encerra a consciência da vida eterna.

Transcende nossa experiência psicológica do tempo; é nosso destino conhecer essa realidade

sempre.

Reflexão e prática

Desenhe uma linha do tempo para representar os anos que vão desde seu nascimento

até o momento presente, demarcando aquilo que você considera os períodos ou fases

Page 34: Oração serenidade Philip_St_Romain

33

mais importantes de sua vida. Dê um nome a cada uma delas e relacione suas

características.

Que tipo de impressão você geralmente tem quanto ao tempo?

Em que ocasiões de sua vida você sentiu o tempo voar? Que tipo de experiências o

ajudaram a se livrar do estresse causado pelo tempo?

Assuma o compromisso de estar aqui e agora em amor. Observe quando sua atenção

se transvia dessa atitude e retome-a. Faça com que esse seja o enforque básico do

tempo que você reserva para a oração e meditação.

Page 35: Oração serenidade Philip_St_Romain

34

Capítulo 7 – Aceitando as dificuldades como um caminho para

alcançar a paz

Numa surpreendente passagem das Escrituras, São Paulo escreve que “a linguagem da

cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder

de Deus”. Recordando as reflexões sobre a vida eterna, feitas no capítulo 6, podemos observar

agora a conexão entre a experiência da vida eterna e a cruz de Jesus Cristo.

A cruz talvez seja, entre todos os ensinamentos cristãos, um dos mais mal

compreendidos. Embora constitua o símbolo de nossa fé, para muitos ela significa que

deveríamos tomar sobre nós o sofrimento dos outros. Isso a longo prazo raramente dá bons

resultados, pois sobrecarrega a pessoa que assim age e priva a outra de lições que precisam

ser aprendidas. Uma outra interpretação é que Jesus morreu para nos salvar de nossos

pecados e por isso nada temos que fazer para alcançar a salvação que ele já conquistou para

nós. Essa linha de pensamento da cruz nos levará à irresponsabilidade. A verdadeira sabedoria

da cruz é muito mais profunda e revela algo essencial sobre o sentido do sofrimento humano.

Dois tipos de sofrimento

As pessoas sofrem devido a uma enorme variedade de causas. Além disso, há

diferentes tipos de sofrimento, aos quais usualmente chamamos de físicos, emocionais e

mentais: os físicos incluem enfermidade, parto, agressões ao corpo e outras formas de dor

carnal; medo, vergonha, raiva e desapontamento são exemplos de sofrimento emocional; por

fim, o sofrimento mental, que é confusão e ignorância. Esses três níveis de sofrimento quase

sempre coexistem. A doença física pode causar sofrimento emocional e mental – por exemplo,

tristeza e confusão, - mesmo sendo o nível físico o mais afetado. A tristeza pode criar

sofrimento mental e físico – por exemplo, confusão e doença física. Sempre que existe uma

dor, seja ela de que tipo for, é natural que a mente (nível mental) fique envolvida no esforço

de se livrar da causa e da experiência da dor. Encaramos nossa dor como um problema que, de

alguma forma, precisa ser resolvido, para ficarmos livres dela. Não há nada de condenável

nisso é lógico! Muitas descobertas dos remédios modernos surgiram a partir de tais esforços

do intelecto.

Um outro problema se faz notar, porém, quando interpretamos nosso sofrimento em

termos de julgamento. Afirmamos então que é algo injusto e terrível ter de passar por esse

sofrimento e concluímos que não podemos ser felizes a menos que ele tenha um fim. Sempre

que agimos assim, ainda que de maneira sutil, caímos na experiência do tempo linear e

geramos o estresse do tempo. Rejeitamos a experiência do instante presente como

inadequada e situamos a felicidade em algum tempo futuro, quando, supomos, existirão

condições mais favoráveis para nós. Como a vida eterna nada mais é do que viver plenamente

no instante presente, não podemos conhecê-la enquanto rejeitarmos.

Page 36: Oração serenidade Philip_St_Romain

35

A rejeição do sofrimento inevitável é a raiz do sofrimento que não redime e de todas as formas

de neuroses. Não redime porque não nos conduz a um crescimento, mas a partir dele nos

tornarmos piores; é o sofrimento suportado com impaciência e ansiedade. Muitas vezes, no

desejo de escapar do sofrimento, as pessoas tentam também superar o problema através do

abuso de álcool, das drogas e de outras substâncias que pode até ferir profundamente outras

pessoas, envolvendo-as numa espiral de dor e julgamento. Naturalmente, a estratégia que

muita gente adota para lidar com a dor é tentar modificar o mundo exterior de modo a

eliminar a causa de seu sofrimento. Assim, tentamos controlar as pessoas e circunstâncias fora

de nosso domínio, contribuindo com mais dor e frustração para nossa vida e para a vida das

outras pessoas (para não mencionar a contribuição com a destruição do planeta). Ao final, o

sofrimento não redentor conduz a depressão, à desolação e ao desespero. Sentimo-nos numa

armadilha, incapazes de modificar suficientemente o mundo, as outras pessoas ou a nós

mesmos para ficarmos livres da dor. Como acreditamos que a felicidade é incompatível com o

sofrimento, desistimos de vir algum dia a experimentá-la.

O outro tipo de sofrimento é o redentor. Podemos realmente crescer sob muitos

aspectos quando aprendemos a caminhar com nossos sofrimentos. Como acontece isso? É

exatamente aí que entra a lição da cruz.

A sabedoria da cruz

Quando São Paulo nos diz que a cruz é a sabedoria de Deus, é lógico que não está

afirmando com isso que o sofrimento seja algo bom. Jesus realizou muitas curas para ajudar as

pessoas a se libertarem da dor, e, à semelhança dele, deveríamos fazer todo o possível para

ajudar os outros sem, contudo, provocar dependências doentias. Que é então que,

exatamente, São Paulo queria dizer?

Para ele e para os primeiros cristãos não existia separação entre a crucificação e a

ressurreição de Jesus. Foi a ressurreição que estabeleceu Jesus como o ungido de Deus e não

apenas como mais um entre muitos seres humanos espiritualmente iluminados que andaram

pela terra. Experimentar a energia de sua vida de ressuscitado era, para eles, o grande dom

que elevava a consciência humana ao nível da vida eterna. Tal dom passou a ser acessível à

raça humana porque o Filho de Deus tomou a vida na carne e tornou-se um de nós. E foi de

maneira tão absoluta que assumiu a condição humana, que padeceu o destino de um

criminoso e morreu como morrem todas as pessoas. Dessa forma a vida de Deus se tornou

diretamente presente na espécie humana, elevando-nos a um nível de existência que de longe

excedeu nosso estado precedente.

A cruz como sabedoria de Deus é contrastada por São Paulo com a sabedoria humana,

com filosofia e com sinais miraculosos:

“Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria; nós, porém,

anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo, para os gentios é

loucura, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, é Cristo,

Page 37: Oração serenidade Philip_St_Romain

36

poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que

os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1 Cor. 1, 22-

25)

O poder de Deus atua através da fraqueza humana. Aquilo que parece ser fracasso em

termos humanos – a crucificação – converte-se em vitória! Não precisamos ser inteligentes,

bonitos, ricos ou populares para chegar à vida eterna. Que alívio! Em razão da crucificação e

ressurreição de Cristo, descobrimos que aquilo que o mundo considera vantajoso significa

realmente muito pouco e que o que ele considera insignificante é muito importante para Deus.

A conclusão de São Paulo depois de toda essa reflexão é a pergunta: “Quem nos

separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo,

a espada?” (Rm. 8,35). Em outras palavras, o sofrimento não deve ser um obstáculo à vida

eterna; na verdade, deve ser um meio através do qual chegamos a reconhecer mais

profundamente o poder absolutamente penetrante do amor de Deus.

O caminho da cruz

A questão que nos impõe, então, não é: Vamos sofrer? “Como agir em face do

sofrimento?” O sofrimento não redentor é uma possibilidade, como já observamos. Mas o

sofrimento redentor – o caminho da cruz – é uma outra possibilidade que podemos vir a

escolher.

Em termos práticos, o que isso iria exigir? Pense no que vem a seguir:

Aceitar os sofrimentos inevitáveis que se apresentam em seu caminho, sem proferir

julgamento negativo contra si mesmo ou contra o motivo do sofrimento;

Fazer o que for possível para aliviar o sofrimento, sem entregar-se a vícios que

apenas serviriam para distorcer seu ânimo ou bloquear a experiência da dor;

Evitar que outras pessoas venham a sofrer só porque você não esta se sentindo bem;

Perdoar àqueles que contribuíram para o seu sofrimento;

Não se identificar totalmente com sua dor, pois os pensamentos, os sentimentos ou

as partes do corpo que estão padecendo não constituem seu eu real.

Esse último aspecto é muito importante. A dimensão espiritual da consciência não

conhece a dor, e é exatamente nessa dimensão que nós experimentamos a vida eterna. A dor

nada mais é do que resultado da desarmonia entre os níveis físico, emocional e mental, e esse

distúrbio é posteriormente alvoroçado pelos julgamentos e pela identificação com a dor.

Quando falo em identificação, estou me referindo a afirmações como “Sou deprimido”; ou

“Sou medroso”. Esta expressão, “sou”, é uma identificação. Assim, se afirmo: “Sou

depressivo”, identifico-me com meus sentimentos depressivos e defino-me com base neles.

Isso apenas aumenta minha experiência de melancolia e me exclui de fontes mais elevadas de

sabedoria e orientação, que me são acessíveis através do nível espiritual de meu ser. O eu

verdadeiro, por outro lado, contém o nível emocional, mas também vai além. Sobre o eu

Page 38: Oração serenidade Philip_St_Romain

37

verdadeiro, tudo o que pode ser dito é: “Eu sou”. À medida que você puder caminhar com o

seu sofrimento estando ao mesmo tempo desperto para seu eu verdadeiro, você realmente

contribuirá para diminuir a dor.

Nada do que foi refletido até aqui pretende sugerir que o sofrimento seja uma ilusão, é

lógico. Ele é real! Mais que isso, ele é importante. O sofrimento é o meio pelo qual tomamos

consciência da desarmonia existente nos diversos níveis de nosso ser. Ignorar o sofrimento ou

simplesmente esperar que ele desapareça sem corrigir a desarmonia é tolice tão grande

quanto ignorar uma luz de advertência acesa num painel de um veículo ou tampá-la com um

pedaço de fita para não mais tomar conhecimento dela. É impossível corrigir a desarmonia se

primeiramente não a observamos e descobrimos o que é que esta acontecendo. Em seguida,

precisamos nos empenhar para entender a causa da desarmonia e, então, eliminá-la de nosso

interior. Tudo isso precisa ser feito sem autocondenação, caso contrário a desarmonia

aumentará.

A melhor maneira de aceitar as dificuldades, portanto, é simplesmente tomar

consciência delas, com uma atitude não condenadora. Podemos dizer simplesmente: “Estou

com uma tristeza hoje!”; ou: “Estou triste”, em vez de: “Sou triste”. Como expressa a Oração

da Serenidade, esse simples ato de aceitação é por si só, um caminho para a paz: maior cura há

de vir dessa aceitação do que qualquer disciplina corretiva que pudéssemos empregar. A

aceitação é o meio mais eficaz para aquietar a desarmonia e é a chave para nos abrirmos à

sabedoria que se revela a cada momento. Quando ela agir em união com a sabedoria revelada

pelo Espírito em nosso interior, acabará finalmente restaurando a harmonia.

Para a maioria das pessoas, a parte mais difícil é essa aceitação. Receiam que, se

realmente permitirem que seu sofrimento venha à tona, não sejam capazes de lidar com ele.

Por essa razão, elas não apenas carregam o sofrimento, mas, em acréscimos, sentem medo

dele. Isso também contribui com o sofrimento não redentor. O que a maioria descobre,

contudo, é que o medo do sofrimento é, na verdade, muito pior do que o sofrimento em si.

Quando o aceitamos e continuamos a viver atentos ao instante presente, percebemos que é

possível lidar com qualquer coisa que aconteça. E isso gera a libertação do medo de sofrer –

um enorme alívio!

Tudo o que refletimos até aqui vai contra a sabedoria convencional do mundo.

Aqueles que decidem tomar a cruz que lhes cabe e seguir as pegadas de Cristo são de fato

pessoas de uma contracultura. São também mais felizes e mais autênticas, o que, sem dúvida,

é muito mais importante.

A vida eterna – união com Deus – não precisa ser perdida por causa do sofrimento.

Essa é a sabedoria da cruz. Aqueles que a aceitam encontrarão a paz.

Reflexão e prática

Como é que você tenta escapar do sofrimento inevitável?

Que consequências lhe advêm em razão disso?

Page 39: Oração serenidade Philip_St_Romain

38

Quais são as mais importantes cruzes que você esta carregando neste momento de

sua vida?

Que lições você esta recebendo a partir de suas cruzes?

Faça um esforço para desidentificar-se de seus sofrimentos. Ao percebê-los, diga: “Eu

sinto... (tipo de dor)” e não “eu sou...”. Encare-os com amor e aceitação, como se

fossem mestres que lhe estivessem trazendo importantes ensinamentos.

Page 40: Oração serenidade Philip_St_Romain

39

Capítulo 8 – Considerando, como tu, este mundo pecador como ele

é e não como eu gostaria que fosse.

O mundo está longe de ser um lugar perfeito para se viver. Todos nós sabemos disso.

A mídia nos mantém bem informados sobre tudo que há de errado por aí, e a virtude sabe que

muita coisa fica por ser relatada. Distúrbios políticos, instabilidade econômica, poluição e

crimes violentos são os temas que quase sempre vêm encabeçando as manchetes.

São muitas as formas pelas quais as pessoas reagem a essas informações sombrias.

Talvez a mais comum delas seja tornar-se indiferente a tudo isso. Ouvem-se tantas notícias

ruins ao longo dos anos que, depois de um tempo, nada mais nos surpreende. Deparamo-nos

com descrições vívidas de calamidades tais como terremotos, enchentes, quedas de avião,

epidemias e guerras... e isso não nos abala. “É realmente muito ruim, mas acho que a vida é

assim mesmo”, é o que poderíamos responder, com alguma consternação. Tornamo-nos

entorpecidos ao sofrimento do mundo, porque já nos parece muito corriqueiro.

Para muitas pessoas, a experiência da vida como um assunto preocupante afeta-as

mais diretamente. Aquelas que cresceram em meios familiares doentios experimentaram na

própria pele o significado da rejeição ou até mesmo da agressão. Possivelmente tenham sérias

dúvidas quanto à existência real da bondade, do cuidado e do amor. Feridas em todos os níveis

de seu ser, são frequentemente cínicas com respeito ao sentido da vida. Como alguém

escreveu certa vez: “A vida é um banquete, mas muitas pessoas estão morrendo de fome.”

A teologia e o mal

Esse trecho da Oração da Serenidade admite a realidade do mal e propõe uma atitude

para enfrentá-la. Nenhuma filosofia ou teologia pode resistir ao teste do tempo, se deixar de

considerar um senso de significado da vida diante de tal negatividade é demasiado difícil, pois

o mal parece negar a supremacia do poder e da bondade de Deus. Como inúmeras vezes foi

dito por muita gente, o mal sugere que Deus ou é infinitamente bondoso, mas não todo

poderoso, ou então é todo poderoso, mas não infinitamente todo bondoso.

Teólogos cristãos vêm se batendo com essa questão durante séculos e parecem

sempre a chegar a conclusões similares. O mal, afirmam eles, é antes e acima de tudo um

mistério. Não conseguimos compreender completamente todas as coisas a respeito de sua

existência e de seu papel no plano de Deus para o universo. Ao mesmo tempo, afirmam que

tudo o que foi criado por é bom; Deus não criou nada para ser mau. O mal, então, é a

perversão de alguma coisa que certa vez já foi bom, mas tornou-se desordenado ou

corrompido. As únicas criaturas que podem ser más são os seres espirituais, pois somente

eles podem escolher rejeitar o bem. Costumamos qualificar como mau um tornado, mas na

realidade ele não é bom nem mau: é tão-somente um tornado e não pode ser diferente disso.

Não se passa o mesmo com os anjos ou com os homens, seres espirituais que tem consciência

de sua inteligência e de sua liberdade. Dependendo de como utilizamos esses dons, podemos

Page 41: Oração serenidade Philip_St_Romain

40

ser bons ou maus. No caso do anjo, as consequências são absolutas: como ele tem plena

consciência do que está fazendo, suas escolhas expressam total aceitação ou rejeição a

vontade de Deus. Com seres humanos é um pouco diferente, já que somos um tanto bons e

um tanto maus, pois simplesmente não temos total compreensão das implicações de nossas

decisões.

Mas... e quanto a Deus e ao mal? Se Deus cria um ser que pode se tornar mau, será

então que o mal não existe como uma possibilidade dentro do próprio Deus? Deus não

poderia fazer alguma coisa para deter o mal?

Os teólogos cristãos respondem a essa questão observando que, como o mal não é

realmente alguma coisa, mas a perversão do bem, consequentemente não foi criado por Deus.

A única coisa que Deus poderia fazer para deter a ação do mal seria retirar o dom da liberdade

concedido por ele a todas as criaturas que se tornaram más. Deus com certeza poderia fazer

isso, mas o que finalmente restaria seria uma criatura instintiva e robótica, não um ser

espiritual.

O aspecto inescrutável de tudo isso é que, criando-nos livres – livres até para praticar o

mal -, Deus optou por permitir que nós e toda a criação experimentássemos as consequências

do uso e abuso que fazemos da liberdade. É como se, ao nos ter criado livres, Deus tivesse

aceitado certas restrições à sua própria reação ao nosso uso da liberdade. Certamente, Deus

pode nos impedir de cometer erros, mas fazer isso seria violar a própria liberdade de errar (a de

acertar) que ele nos deu em primeiro lugar. O ser que Deus criou é bom e livre, mas o mal que

se desenvolveu através dos séculos e séculos de más escolhas nos contamina com um

condicionamento que influencia negativamente muitas de nossas escolhas com respeito ao

mal. Como as Escrituras enfatizam repetidas vezes, essa situação causa um imenso sofrimento

a Deus, e mesmo assim ele se recusa a retirar de nós o precioso dom da liberdade. Que é que

Deus pode fazer, entretanto, além de nos observar caminhando em direção à nossa própria

ruína? Certamente, o seu coração deve se comover no sentido de fazer alguma coisa com

relação a isso – alguma coisa que não invalide o dom da liberdade. É onde o Cristo entra.

Cristo e o mal

Deus conhece muito bem a triste situação em que a raça humana se encontra –

contaminada pelo mal e incapaz de se ver completamente livre dele. Todas as religiões do

mundo lidam de várias formas, com essa questão. Todas elas enfatizam a importância da

moralidade e da renúncia a buscas compulsivas, e todas prometem a experiência de algum

tipo de libertação. Isso se aplica igualmente ao cristianismo, com uma diferença significativa,

entretanto. O cristianismo fala não apenas de um caminho para a libertação do mal (e para a

recuperação da liberdade e da virtude verdadeira), mas também de “uma nova natureza

humana” na qual isso pode ser cumprido. Deus viu que a natureza humana estava

irreparavelmente ferida pelo pecado e então gerou um novo ser humano – Jesus Cristo -, ao

mesmo tempo divino e humano. Através de sua morte, ressurreição e ascensão, ele passou a

ser imediatamente presente junto a todos os que vivem, tornando acessível para nós a

Page 42: Oração serenidade Philip_St_Romain

41

sabedoria e o poder para vencermos o mal. Reagindo ao mal dessa maneira. Deus não destruiu

a natureza humana já criada: sua liberdade e sua inteligência permanecem, e é a essas

qualidades humanas que a Igreja apela ao convocar as pessoas à fé. Pois, embora o Cristo se

apresente para todos nós, é pela fé que nós, plena e conscientemente, ingressamos em sua

vida e partilhamos de seu Espírito. Foi dessa forma que Deus operou na tradição judaico-cristã

para responder ao problema do mal.

O mal e a espiritualidade

A espiritualidade põe em prática as verdades afirmadas pela teologia. O que o cristão

experimenta é precisamente o que a teologia afirma: a fé em Cristo nos concede realmente

poder para fazer o bem e resistir ao mal. Entretanto, o mal apresenta muitos problemas

difíceis para a prática espiritual. Mesmo sendo curados pelo poder de Cristo, persiste, todavia,

o ferimento que o pecado causou em nossa natureza. Precisamos aprender a ir a Cristo que

nos aceita exatamente como somos, com todas as nossas fraquezas e tendências ao mal;

então ele começa a nos impelir rumo à saúde e à harmonia mais verdadeiras.

É necessário apreendemos a perceber esses movimentos de seu Espírito e a reagir a

eles. Se lhe opomos resistência, ele nos permite viver as consequências desse nosso ato.

Parece ser esse o jeito como ocorrem as coisas – reagir, cair, levantar-se, começar de novo,

cair e... assim por diante - , até aprendermos a caminhar com ele e viver mais plenamente a

vida nova que ele nos veio oferecer. Para isso, vamos ter de nos valer de muitos recursos. As

Escrituras, os ensinamentos da igreja, os sacramentos, a oração e o apoio de outros cristãos

são indispensáveis. Todos esses dons nos capacitam a nos sustentarmos mais plenamente na

vida cristã.

Mas... e quanto ao mundo mau lá fora? Não deveríamos fazer alguma coisa para torná-

lo mais puro – principalmente uma vez que viemos a conhecer a realidade de Cristo?

Na verdade, deveríamos, mas existem algumas formas que funcionam melhor do que

outras. O idealismo entusiasta, por exemplo, é uma resposta que vemos em muitas pessoas,

principalmente nas recém-convertidas. Elas descobriram quão bom e justo Cristo tem sido

para com elas e querem que todos experimentem o mesmo. Pregam sobre ele sempre que

podem e gostariam que as próprias instituições leigas fossem explicitamente fundamentadas

em Cristo. Tal entusiasmo tem seu espaço, mas raramente consegue subsistir e é, muitas

vezes, contraproducente. Vivemos numa sociedade pluralista que jamais (pelo menos nestes

tempos) se deixará guiar totalmente pelos princípios evangélicos.

Apesar disso, como afirmar as Escrituras e os documentos do Vaticano II, os cristãos

têm o dever de levar o Evangelho ao mundo e de se tornarem o fermento através do qual a

bondade se propagará. A maneira de fazermos isso é a mesma utilizada por nosso Mestre:

amando o mundo com bondade. E aí que se aplica a recomendação dada nesta frase da

Oração da Serenidade: “considerando, como tu, este mundo pecador como ele é e não como

eu gostaria que ele fosse.”

Page 43: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Jesus Cristo certamente sabia que o mundo era pecador – que determinadas

estruturas sociais haviam se tornado suportes para o mal e não para o bem e que as

autoridades religiosas estavam fazendo uso incorreto de sua influência, entre muitos outros

males. Sabia igualmente que não adiantaria muito tentar melhorar a sociedade se o coração

das pessoas não fosse modificado. Ele enfrentava o mal – inclusive o mal de certas estruturas

sociais – sempre que podia, mas concentrava-se em ajudar as pessoas a ter vidas

modificadas. O trecho “considerado, como tu, este mundo pecador como ele é” significava,

para ele, aceitar esse fato como a realidade à qual ele foi enviado para amar. Ele conhecia

muito bem o tipo de reino que existe no céu e desejava que esse reino viesse a se tornar

manifesto na terra (o mundo como ele gostaria que fosse). Mas ele sabia também que a forma

de fazer com que a realidade pecaminosa se transforme em reino totalmente manifesto se

inicia com o amor incondicional por aquilo que ele é. Ele veio a nós como pecadores que somos

e foi nessa situação que nos amou, capacitando-nos a que nos tornemos mais bondosos e a

que nos amemos.

Somos chamados a fazer o mesmo. Se crescemos numa família problemática, podemos

aceitar e amar os seus membros exatamente do jeito que são. Talvez com o tempo venha a

mudar. Se trabalharmos numa instituição onde as leis e as práticas são injustas, podemos amar

as pessoas que as dirigem e, eventualmente, desafiá-las a alterar a situação. Se somos

perseguidos por alguém, podemos resistir a pagar insulto com ofensa e, em vez disso, amar

essa pessoa tanto quanto pudermos.

Naturalmente os primeiros com que devemos começar somos nós mesmos. Amamos e

aceitamos a nós mesmos exatamente como somos? Já dissemos alguma coisa sobre isso em

capítulos anteriores, mas não podemos afirmar o mesmo quanto a este. A contaminação do

pecado em nossa alma nos pressiona a negligenciar a nós mesmos, às vezes até em nome do

amor cristão. Por exemplo, quando que é mais importante amar uma outra pessoa do que

amar e aceitar a nós mesmos, corremos o risco da co-dependência. Esta frase da Oração da

Serenidade precisa ser aplicada ao eu tanto quanto aos outros e às instituições.

“Considerando, como tu, esta pessoa pecadora exatamente como eu sou e não como eu

gostaria que fosse” quer dizer que não podemos adiar nossa abertura ao amor de Deus até o

momento em que formos bons, ou morais, ou perfeitos (seja lá o que for que isso possa

significar). A pessoa que Deus ama é essa criatura boa que foi infectada pelo pecado. Deus

ama essa pessoa neste instante , neste momento. Não é necessário esperar que isso venha a

acontecer: já aconteceu! Abrir-nos a isso é experimentar a vida eterna.

Reflexão e prática

Análise as condições de amor e aceitação que você estipulou para si mesmo, para os

outros e para o mundo. Por exemplo, para mim: eu poderia amar mais a mim mesmo

contanto que eu:

- perdesse 10 quilos

- deixasse de fumar.

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43

Após ter entrado em contato com esse aspecto condicional de seu amor, faça uma

afirmação de fé: “Deus me ama totalmente, mesmo com meus quilos extras e apesar

de eu fumar.”

Repita a afirmação lentamente e em espírito de oração, deixando-se penetrar pela

verdade dessa declaração. Se você se sentir movido a exprimir gratidão, remorso ou

alguma outra emoção a Deus, vá em frente e faça-o. Continue a reiterar essa

afirmação a cada dia, até você sentir, nessa área de sua vida, a experiência do amor

incondicional de Deus.

Continue esse mesmo exercício, agora com seu cônjuge, filhos, trabalho, parentes,

governo e quaisquer pessoas e instituições significativas em sua vida. Comece

observando a condicionalidade de seu amor e prossiga com uma afirmação que

expresse o seu amor incondicional por Deus.

Tais afirmações não justificam as faltas das quais você está consciente, mas colocam-

no em contato com o amor e com a aceitação através dos quais você talvez possa,

finalmente, modificá-las.

Page 45: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Capítulo 9 – Confinado que endireitarás todas as coisas

Dizem-nos os psicólogos especialistas em educação que a confiança na bondade básica

da vida é uma das primeiras questões com a qual lidamos após o nascimento. Dependendo de

como somos tratados por nossos pais e pelas outras pessoas que cuidam de nós,

desenvolvemos convicções íntimas profundas sobre a confiabilidade da vida. Se tudo correr

bem, carregaremos conosco para sempre essa impressão básica de que a vida é boa – mesmo

que mais tarde venhamos a sofrer algum tipo de agressão. Se não recebermos logo no início o

tipo de sustento adequado de que precisamos - muitos afagos e abraços -, iremos armazenar

medo e ansiedade com relação as outras pessoas e à vida em geral. Em resposta a esse medo,

desenvolvemos defesas e adotamos uma atitude de quem pretende assumir o controle da

situação em que nos encontramos. Como não existe ninguém que tenha crescido num

ambiente de perfeito amor, todos nós possuímos em certo grau essa atitude de defesa e

desconfiança.

De muitas formas, a vida espiritual nos oferece oportunidade de reiniciar nosso

desenvolvimento. Muitos e profundos são os ferimentos que carregamos, mas o Espírito

Santo que em nós habita pode tocar em nossas áreas mais profundas. Se estivermos

praticando atitudes e as disciplinas recomendadas na Oração da Serenidade até este ponto,

nós nos veremos abrindo-nos cada vez mais à realidade e à orientação do Espírito. A questão

que agora nos depara é a da confiança em Deus. Deus pode nos tocar muito profundamente,

mas será que desejamos realmente continuar nos abrindo a ele? Queremos que nosso

desenvolvimento daqui por diante se faça sob a direção do Espírito? Se assim for, para onde

seremos conduzidos?

Endireitarás todas as coisas

A Oração da Serenidade oferece uma resposta a essas indagações: Deus nos conduzirá

de tal maneira que tudo estará bem em nossa vida. Voltamos à afirmação feita no capítulo 1:

“no reino de Deus, tudo esta bem”. Mas... que é que isso significa? Afinal, é natural que

fiquemos a pensar no que vamos lucrar, investindo tanto de nós mesmos em alguma coisa.

Jamais assinaríamos aderindo a um plano de financiamento, por exemplo, sem antes termos

uma ideia geral do que poderíamos lucrar com ele. Por que não agiríamos da mesma forma

com relação a Deus?

Percorrendo os Evangelhos, encontraremos muita ajuda para entendermos o

significado de “endireitando todas as coisas”. Aprendemos que não existem garantias de

riqueza monetária, de popularidade junto às pessoas ou até mesmo da aprovação de nossa

família. Se temos colocado nossa confiança nessas coisas, esperando dela felicidade e

segurança, ficaremos desapontados ao saber que seguir a Jesus nos traz o oposto disso. A

única segurança absoluta que temos é a de que nada pode nos separar do amor do Cristo.

Mesmo na aflição ou perseguição, na fome ou nudez, ameaçados ou mesmo agredidos,

Cristo estará sempre presente para nos ajudar com seu amor (cf. Rm. 8,35). Isso é tudo. A

Page 46: Oração serenidade Philip_St_Romain

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revelação dessa verdade é o que Cristo nos trouxe através de sua vida, morte e ressurreição.

Deus está conosco, amando-nos neste exato momento, sem quaisquer amarras. Tudo estará

bem para aqueles que acreditam nessas grandes boas novas e vivem de acordo com elas!

Num livro anterior relacionei algumas promessas de Deus para aqueles que se dispõem

a seguir a Cristo:

1. Aqueles que dão esmolas aos pobres serão recompensados (cf. Mt. 6,4).

2. Deus ouve nossas orações e conhece nossas necessidades (cf. Mt. 6, 5-9).

3. Aqueles que pedem, buscam e batem às portas da vida para pedir graça, recebê-la-ão

(cf. Mt. 7,11).

4. Deus concederá o Espírito Santo àqueles que o pedirem (cf. 11,9-13).

5. Viver de acordo com a orientação do Cristo trará estabilidade à vida (cf. Mt. 7,25).

6. Aqueles que seguem a Cristo encontrarão repouso para sua alma (cf. 11, 28-30).

7. Cristo se fará presente quando dois ou mais se reunirem em seu nome (cf. Mt. 18, 19-

20).

8. Os cristãos que renunciarem à própria vida e dispuserem a seguir a Jesus receberão

uma recompensa muito maior nesta vida (cf. LC 18, 28-30).

9. Aqueles que creem em Jesus farão as mesmas obras que eles fez (cf. Jo. 14-12).

10. Jesus dará aos seus seguidores uma paz que ultrapassa o entendimento (cf. Jo. 14,27).

11. Se permanecermos em Cristo, poderemos pedir o que quisermos e nós o

conseguiremos (cf. Jo. 15,7).

12. Viver a vida cristã nos trará alegria (cf. Jo. 16,24).

Isso nos dá uma ideia do que significa para nós a afirmação: Deus endireita todas as

coisas. Muitas dessas promessas têm a ver com cura, integridade, paz e alegria. João as

resume com excelência quando transcreve o que Cristo diz: “Eu vim para que tenham vida e a

tenham em abundância” (10,10).

Confiando em Deus

Como é fácil ler (ou até mesmo pregar ou escrever) sobre o fato de Cristo endireitar

todas as coisas, mas como é difícil alicerçar nossa vida nessa verdade! Temos estado tão

condicionados à ansiedade que o ideal de nos abandonarmos completamente aos cuidados de

Deus parece inatingível.

Talvez precisemos modificar essa expectativa, entretanto. Talvez o abandono

completo em Deus simplesmente não seja possível neste momento. Talvez tudo o que

possamos esperar é confiar o máximo que pudermos, conscientes de que sempre poderemos

vir a confiar mais. Isso é mais atingível e é, de qualquer forma, tudo o que podemos fazer.

Mas como é que isso funciona?

Confiança é fé no caráter, capacidade, força ou autenticidade de alguém. Confiança é

diferente de amor. O amor é dom, mas a confiança tem que ser merecida. Os pais sabem

muito bem que é possível amar um filho, embora não necessariamente confiando nele com

Page 47: Oração serenidade Philip_St_Romain

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relação a determinada questão. Se minha filha violar o horário estipulado para sua chegada em

casa, eu ainda continuarei a amá-la, mas não vou mais depositar muita confiança em sua

palavra até que ele passe a demonstrar, de forma consistente, fidelidade ao horário. Ela tem

de merecer minha confiança, mas sempre contará com meu amor.

Por que não se daria o mesmo em nosso relacionamento com Deus? Podemos apenas

confiar em Deus até o ponto em que acreditamos que podemos depender de seu caráter,

habilidade, força e autenticidade. Não podemos confiar absoluta e totalmente neste exato

momento, e tenho certeza de que Deus sabe muito bem disso. Poderia soar como irreverência

essa afirmação, mas Deus sabe que nossa confiança precisa ser conquistada, e é sob essas

condições que ele está desejando iniciar um relacionamento conosco. O que Deus deseja,

portanto, é uma chance de provar sua confiabilidade. Como podemos dar essa chance a ele?

É aqui que entra a questão do risco. Não tenho outro meio de aprender a confiar em

minha filha quanto ao cumprimento do horário a não ser dando-lhe a chance de demonstrá-lo.

Se ela consegue fazê-lo, passo então a confiar mais nela e a assumir com ela outros riscos. Da

mesma forma, temos de aprender a assumir riscos com Deus também. Se não o fizermos,

continuaremos então no controle, restringindo a ação de Deus. Assim precisamos ousar

arriscar em alguma área de nossa vida, pegando Deus pela palavra e agindo como se ele

estivesse falando a verdade sobre a questão em que o estamos pondo à prova.

Assumindo o risco com Deus

Como é que você assumiria um risco com Deus?

Há diversas formas de fazer isso. Primeiramente, você pode considerar algumas das

promessas bíblicas relacionadas acima. Muitas delas são bastante gerais, e todas são difíceis

de avaliar. Mas suponhamos que você decida provar a Cristo, segundo a palavra que exorta a

pedir, buscar e bater à porta, em oração. Talvez você tenha um pedido pelo qual orar; ou,

ainda melhor, talvez tenha o desejo de crescer em intimidade com Cristo pela oração. Assumir

o risco, nesse caso, iria exigir que você realmente dedicasse um tempo para orar – e

regularmente! Se você ainda não está reservando um tempo diário para a oração, teria que

arranjá-lo. O que significa que precisaria abrir mão de alguma outra coisa para poder orar.

Todos os riscos exigem sacrifícios; de outra forma, não constituíram realmente riscos.

Às vezes sua decisão de arriscar-se pode não estar tão explicitamente orientada para

Deus como no exemplo acima. Por exemplo, você pode renunciar a um mau hábito, como

fumar ou alimentar-se mal, e começar, em vez disso, a fazer algo de bom por sua saúde. Ao

experimentar as consequências positivas por agir assim, você aprende a confiar mais na

bondade na vida e na realidade de uma vida mais plena. Isso não pode deixar de aumentar sua

confiança no Criador, que torna possível tal crescimento.

Concluindo, ofereço esse maravilhoso poema (autor desconhecido). Ele capta muito

sutilmente a importância de assumir riscos, e eu acredito que sua relevância para a vida

espiritual ficará óbvia:

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“Risco:

Rir é arriscar-se a parecer tolo.

Chorar, arriscar-se a parecer sentimental.

Estender a mão ao outro é arriscar-se a um envolvimento.

Expressar os sentimentos, arriscar-se à exposição de seu eu verdadeiro.

Colocar ideias ou sonhos diante das pessoas é arriscar-se a perde-las.

Amar, arriscar-se a não ser correspondido.

Viver é arriscar-se a desesperar.

Esperar, arriscar-se a não ser correspondido.

Tentar é arriscar-se a falhar.

Mas riscos precisam ser assumidos, porque o perigoso é não correr risco nenhum.

Aqueles que nada arriscam e nada fazem, não tem nada e nada são.

Podem evitar sofrimento e tristeza, mas simplesmente não podem aprender, sentir,

mudar, crescer, amar, viver.

Acorrentados por seus próprios medos, são escravos; perderam o direito à liberdade.

Só quem se arrisca é livre.”

Reflexão e Prática

Qual é a dificuldade que você tem para confiar em Deus?

Quando confrontado com uma situação na qual você é chamado a assumir um risco,

ore: “Jesus, confio em ti”; em seguida, atenda ao chamado, lembrando que Cristo está

em você.

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Capítulo 10 – Se eu me render à Tua vontade

A noção de entrega à vontade de Deus é cheia de incompreensões. Na verdade, é

sensato observar que a frase fazer a vontade de Deus raramente é usada na Escritura. Não é

uma linguagem usual do Novo Testamento, mas sim de um período posterior da história da

igreja, quando predominava a escola chamada escolástica. Essa abordagem teológica dominou

o pensamento católico compreendido entre o século XIII e a metade do século XX, e causou

um forte impacto também no protestantismo. Baseava-se na filosofia de Aristóteles,

principalmente interpretada por São Tomás de Aquino à luz da revelação divina. Dificilmente

encontramos traços do pensamento escolástico na maioria dos atuais livros de teologia e

espiritualidade. E embora ainda nos restem uns tantos conceitos escolásticos, a noção da

vontade de Deus não está entre os mais marcantes.

Para demonstrar quão deficientemente nossa moderna compreensão da vontade de

Deus está ligada a compreensão escolástica, vou partilhar uma história verdadeira sobre um

amigo, cujo nome é Troy. Ele cresceu na igreja católica como fiel praticante. Frequentava a

igreja regularmente, casou-se na igreja regularmente, nela batizou seus três filhos e pertencia

à sociedade Knights of Columbus. Aos 32 anos, participou de um retiro do cursilho e

experimentou, de uma forma nova, o reavivamento de sua fé. Prosseguiu, envolvendo-se

depois com a renovação carismática católica, onde experimentou mais uma vez a realidade do

Espírito Santo. Em poucas semanas, Troy deixou de ser um “católico normal” para ser um

homem totalmente abrasado pelo Evangelho. Tudo o que desejava era orar, ler as Escrituras, ir

a grupos de oração e falar sobre Jesus para as pessoas. Perdeu o interesse pelo trabalho e

causava-lhe sério aborrecimento a fé morna da esposa (comparada à dele, naturalmente). Não

se passou muito tempo e ele começou a questionar qual seria a vontade de Deus para sua

vida, chegando ao ponto de cogitar se a vontade de Deus não seria que ele deixasse a esposa

que lhe parecia indiferente a fé, obtivesse anulação e ingressasse no sacerdócio. Começou

então com uma nova suposição: se tanto sua decisão inicial de se casar como a carreira à qual

havia se dedicado não haviam contrariado a vontade de Deus. Em resumo, Troy estava muito

confuso, e suas ideias sobre a vontade de Deus se encontravam na raiz de seus problemas.

Fico feliz por contar que Troy finalmente conseguiu resolver todas essas questões.

Aconselhando-se com um amigo padre e com um diretor espiritual, recebeu ajuda para

reconhecer que Deus havia estado com ele o tempo todo, mesmo antes do reavivamento de

sua fé. Veio a descobrir que amar sua esposa e cuidar dos filhos era a vontade de Deus para

ele, como também a escolha da carreira. Entretanto, seu recém-descoberto amor pelo

ministério recebeu atenção especial, e assim ele se tornou voluntário, orientando-se mais para

colaborar com a liturgia e retiros. Alguns anos depois, Troy ingressou no programa de

diaconato de sua diocese e recentemente ordenou-se diácono permanente.

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Imagens da vontade de Deus

Quando a expressão vontade de Deus é mencionada, o que lhe vem à mente? Para

muitas pessoas, existe um peso com relação a esse conceito, quase como se a vontade de

Deus fosse um fardo acrescentado à vida já bastante difícil. Posso pensar na vontade de Deus

como sinônimo de algo que devo fazer: Deus quer que eu faça alguma coisa, e tenho de

descobrir em que ela consiste para que eu possa realizá-la e, assim, agradar a Deus. Isso se

assemelha à imagem de um teatrólogo divino: Deus me reservou um papel para ser

desempenhado na vida, e devo descobrir qual é para poder realizar o plano de Deus para mim.

Nessas duas imagens, a vontade de Deus já conhece, mas tenho que tenho de descobrir. Se,

além disso, fui educado numa cultura religiosa em que se acredita que os ministros estão mais

próximos de Deus do que as pessoas em geral, eu poderia facilmente vir a concluir que o

melhor caminho para seguir a vontade de Deus é tornar-se um ministro. Essa é a imagem que

foi responsável pela confusão de Troy. Como ele havia experimentado maior intimidade com

Deus, pensou que isso significava um chamado ao ministério sacerdotal.

Nenhuma dessas imagens, entretanto, corresponde àquilo que os teólogos

escolásticos têm em mente quando se referem à vontade de Deus. A vontade, para eles, é uma

característica do ser espiritual, assim como também o é a inteligência. Afirmar que Deus é o

Ser Supremo significa que Deus tem inteligência e vontade supremas. A suprema inteligência

de Deus é examinada nos termos da onisciência de Deus: ele tem pleno conhecimento de tudo

o que pode e vai acontecer ou até o que poderia acontecer. A onipotência de Deus – ele é

todo-poderoso – era a qualidade suprema da vontade de Deus como todo-poderoso e

onisciente: que representam para você essas imagens?

Tendo reconhecido essas qualidades de Deus, os escolásticos prosseguem

descrevendo a maneira pela qual os seres espirituais menores, como os homens e os anjos,

poderiam chegar a uma união com Deus. E observam que, sendo Deus onisciente e a extensão

de seu conhecimento infinita, é então impossível para um espírito menor chegar a ser um com

Deus em matéria de conhecimento. Os caminhos de Deus não são os nossos, e os

pensamentos de Deus estão tão acima dos nossos assim como os céus estão acima da terra,

observou o profeta Isaias (cf. Is. 55, 8-9). Podemos saber muito de teologia e de Escritura, mas

esse conhecimento não quer dizer que tenhamos algum tipo de união muito aprofundada com

Deus.

Dado que os escolásticos julgam impossível chegar à união com Deus através do

conhecimento, podemos imaginar que a união através da vontade seja muito mais difícil, pois

o poder de Deus é com certeza infinito, o que não ocorre com o nosso. E, contudo, é

exatamente aqui que entra a surpresa. O poder de Deus é na verdade, infinito, mas não é o

poder da força bruta. O poder de Deus, ou a forma pela qual influencia a criação, tem se

revelado como puro amor. Dizer que Deus é todo poderoso é reconhecer que ele é todo-

amoroso. Esse fato se revela com mais clareza na crucificação de Jesus, quando ele se recusa a

convocar legiões de anjos para dominar seus inimigos. Ao invés, ele continua amando até o

fim, a energia onipotente de seu amor ressuscita-o no terceiro dia para ser eternamente o

Senhor do amor.

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O que os escolásticos concluíram disso é que, embora não seja possível alcançar a

união com Deus pelo conhecimento, é possível estar totalmente unido com Deus pelo amor.

Assim como duas velas acesas podem se juntar para formar uma só chama, assim também a

vontade de Deus e a de um ser humano podem se unir para formar um grande amor. Neste

amor, o homem ainda é homem e Deus ainda é Deus, mas ambos não estão separados. A luz

que brilha pertence aos dois, e essa é a luz que o mundo precisa ver.

Rendendo-se à vontade de Deus

Agora que compreendemos o sentido da expressão vontade de Deus, temos melhores

condições de realizar o que foi proposto nessa frase da Oração da Serenidade. No capítulo

anterior, observamos que Deus endireitaria todas as coisas; agora afirmamos que esse será

realmente o caso se nos rendermos à vontade dele. Em termos práticos, isso significa que

escolhemos o amor em si mesmo como nossa maior prioridade da vida. Todos nós vivemos

de acordo com valores e damos prioridade diferente a cada um deles. Escolher o amor como

o mais importante entre todos os nossos valores significa que o colocamos acima da vontade

de obter prazer, riqueza, poder e reconhecimento, ou qualquer outra coisa. Quando

precisarmos tomar uma decisão, consideraremos os aspectos práticos da situação, mas

prestaremos mais atenção às solicitações do amor nessa determinada situação.

Naturalmente, podemos estar sofrendo em razão de crenças prejudiciais com respeito

ao amor em si, assim como acontece com relação à vontade de Deus. É por essa razão que é

importante ler as Escrituras, estudar os ensinamentos da igreja e, mais importante conhecer

melhor a Jesus Cristo. Nós realmente sofremos por causa de ideias loucas e co-dependentes

sobre o amor, e Cristo pode nos ajudar a entender o verdadeiro sentido do amor.

Consideremos alguns exemplos de imagens de Deus, saudáveis e não saudáveis.

Pense, por exemplo, na ligação entre o amor de Deus e a felicidade que você vive. Às

vezes as pessoas pensam que se estiverem verdadeiramente amando como Cristo amou, não

deverão se preocupar com a própria felicidade, mas apenas com a dos outros. Diante de uma

grande oportunidade para sentirem maior felicidade, elas quase que automaticamente

rejeitam a oferta, pensando que estão fazendo algo muito espiritual. Você pode imaginar

como é que Deus deve se sentir diante de um fato desses? Coloque-se no lugar de Deus. Lá

está você, amando plenamente uma pessoa, esperando que esse amor a capacite a

experimentar a plenitude da vida... e ela escolhe, ao invés, a infelicidade! Deus deseja nossa

felicidade: disso nunca deveríamos esquecer. (Vamos refletir mais sobre isso no próximo

capítulo). Se nossa luz interior e a de Deus brilharem como uma só, aceitaremos a felicidade

como um dom de Deus e não recusaremos a nós mesmos as bênçãos da vida.

Tentemos ainda uma outra ligação: o amor de Deus e sua singularidade, o fato de você

ser único. Muitas pessoas acham que é vontade de Deus que elas se tornem diferentes do que

já são. Isso é verdadeiro, é lógico, no que diz respeito aos nossos maus hábitos ou às nossas

inclinações ao pecado. Defeitos de caráter precisam desaparecer, mas seria injusto dizer que

tais defeitos definem quem você é. Deus fez cada um de nós único; essa foi a sua intenção.

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Você consegue imaginar agora como é que Ele deve se sentir quando, em nome da religião ou

da vontade de Deus, negamos nossa singularidade e tentamos imitar outra pessoa? Imitar

alguém – um santo ou até mesmo o próprio Cristo – é, em geral, psicologicamente prejudicial,

a menos que estejamos falando sobre imitá-lo em virtude. Não podemos nem deveríamos

tentar fazer o que outra pessoa faz, a não ser que seja uma expressão autêntica de nossa

própria vontade de amar.

O importante é fazer a vontade de Deus sendo você mesmo – não uma outra pessoa –

e encontrar sua felicidade nisso. Esse é o jugo sobre o qual Jesus fala em Mateus 11, 29-30:

“Tomais sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e

encontrareis descanso para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.”

O jugo do amor total de Deus por você é o que o capacita aceitar sua singularidade e sua

felicidade como uma grande dádiva para você.

Discernindo a vontade de Deus

Uma compreensão saudável da vontade de Deus fica mais crítica na área do

discernimento. Sua vontade é o amor, e ele deseja nossa singularidade e felicidade.

Entretanto, isso não invalida a possibilidade de que, em determinadas circunstâncias, Deus nos

esteja chamando a fazer um certo tipo de trabalho. Existe uma distinção entre a vontade

genérica de Deus para nós e a vontade específica de Deus para um indivíduo numa situação

dada. Refletimos de forma resumida sobre a vontade genérica de Deus, e é exatamente ela que

deve ser o contexto no qual tentamos discernir a vontade específica de Deus para nós.

Devemos nos casar ou não? Seguir esta carreira ou aquela outra? Mudar de emprego? Mudar

para outra cidade? Muitas vezes na vida nos deparamos enfrentando tais tipos de questão.

Como tomar decisões sobre elas? Que critérios usar? Como podemos dizer se Deus nos esta

chamando para um caminho e não outro?

A primeira coisa que podemos afirmar com toda a segurança é que o verdadeiro

discernimento não se prende à questão de devermos nos proceder bem ou mal. Como a

vontade de Deus é o amor, nunca é sua vontade que pequemos. Quando falamos de

discernimento, estamos nos referindo à escolha entre opções que não são pecaminosas, mas

boas. É possível, porém que uma opção seja melhor que outra em função daquilo que um

indivíduo necessita, num determinado momento da vida, para crescer na vontade de Deus?

É com tais questões que a direção espiritual lida. Podem ser complexas, e seria

impossível tratar delas exaustivamente neste pequeno espaço. Geralmente o fator tempo se

faz necessário para discernir uma questão importante, e é melhor fazer isso conversando com

um diretor espiritual ou uma pessoa sintonizada com os caminhos de Deus. Quase nunca há a

manifestação de algum grande sinal mágico – nada de tabuas de pedra onde possamos

encontrar nossas respostas. Através do processo de pesar as alternativas, conversar com as

pessoas e orar sobre as questões, uma opção especial começa a despontar como a melhor.

Sei que isso não soa muito promissor, mas é realmente a melhor orientação para a tomada de

decisão. Se não chagamos dessa forma a uma convicção interior, simplesmente empregamos

Page 53: Oração serenidade Philip_St_Romain

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nossa razão para fazer aquilo que nos parece ser uma boa escolha, cientes de que Deus estará

conosco independentemente daquilo que tenhamos escolhido. (Isso também é verdade caso

tomemos decisões infelizes ou impulsivas; apenas teremos que, provavelmente, assumir

consequências negativas por causa delas.)

Ninguém – nem, mesmo um santo ou um diretor espiritual – pode indicar qual é a

vontade de Deus para você. Se alguém tentar fazer isso, não lhe dê ouvidos! O discernimento

da vontade de Deus é uma questão de coração, não de obediência a alguma autoridade

externa. Render-se à vontade de Deus é um ato que esta relacionado ao despertar para a

realidade da própria autoridade interior de cada pessoa, aspecto que ficou perdido para

muita gente. Essa autoridade interior é aquele espaço onde nosso espírito e o Espírito de

Deus estão em concordância quanto ao curso de uma ação. Invalidar tal autoridade é algo

muito sério; se for perdida, também se perde a experiência de união com Deus. Quando somos

fiéis a essa autoridade, entretanto, nós nos damos conta do sentido verdadeiro desta parte da

Oração da Serenidade: confiamos que Deus endireitará todas as coisas, se nos rendermos à

sua vontade.

Reflexão e Prática

A que se parece a imagem que você tem com relação a fazer a vontade de Deus? Em

que aspecto a discussão desenvolvida neste capítulo influenciou sua compreensão do

sentido da expressão a vontade de Deus?

Como você pode confiar melhor sua vontade aos cuidados de Deus?

Como é que você entrega sua autoridade interior a outras pessoas?

Quais os tipos de decisão com os quais você tem de lutar para discernir a vontade de

Deus?

Page 54: Oração serenidade Philip_St_Romain

53

Capítulo 11 – Para que eu possa ser moderadamente feliz nesta

vida

Sob muitos aspectos, tudo o que foi escrito nos capítulos anteriores a respeito de

serenidade aplica-se também a felicidade. Entretanto, a serenidade é um estado de espírito

que decorre da união com Deus, enquanto a felicidade se origina da realização de um desejo.

Há evidentemente uma relação entre esses dois aspectos, mas há também diferenças. Uma

pessoa pode experimentar a serenidade, por exemplo, sem que haja grande dose de

felicidade, e uma outra pode saborear profundamente a felicidade sem todavia conhecer a paz

que ultrapassa o entendimento. É o desejo que faz a diferença entre esses dois tipos de

experiência. Algumas pessoas podem permanecer serenas sem sentir muito desejo, caso em

que a experiência da felicidade será mínima. Ou, muita serenidade e saboreiam a felicidade

quando têm os desejos satisfeitos. O problema é que, se alguém acalenta tipos inconvenientes

de desejo, então a felicidade é passageira e a infelicidade vem como consequência.

Felicidade e desejo

Vamos refletir mais profundamente sobre a experiência do desejo e como é que ele

funciona. Todas as religiões do mundo se preocupam com o problema do desejo. No budismo,

por exemplo, o desejo é indicado como a causa essencial da infelicidade. O propósito da Senda

de Oito Trilhas do budismo é extinguir o desejo e, com ele, a experiência da infelicidade (ou

sofrimento, como descrevem os budistas). A sabedoria aqui é perfeita: se alguém não deseja

nada, então nunca haverá de ficar desapontado, ferido ou ansioso. Muitas pessoas alcançaram

a paz e a realização através desse caminho. Seria errôneo concluir que o desapego budista

nega o cuidado e o interesse pelo bem-estar do próximo. A compaixão é, para os budistas, um

sinal seguro de que esta trilhando o caminho da liberdade. Místicos altamente avançados

(bodisatvas) também renunciam aos estágios finais da iluminação até que todo ser consciente

tenha sido iluminado e dedicam-se a trabalhar por esse objetivo até a morte.

Como o budismo, também o cristianismo enfatiza o desapego das coisas do mundo, as

quais só servem para nos desapontar se e quando as perdemos. Nada do que foi criado é

permanente; assim, concentrar nossa felicidade em alguém ou em alguma coisa é um requisito

básico para infelicidade. Nesse ponto, estamos de acordo com os budistas. Há, porém, no

cristianismo um aspecto positivo para o desejo que não esta presente no budismo. O budismo

é não teísta (o que difere de ateísta: os budistas não negam a existência de Deus, enquanto os

ateus negam. Os budistas simplesmente não falam de Deus). O cristianismo é teísta (isto é, nós

cremos em Deus). Como os cristãos acreditam que tudo o que Deus criou é bom, encaram o

desejo não como algo que deva ser extinto, mas como uma característica positiva e sagrada

de nossa condição de criatura. Nós desejamos porque temos necessidades, e o que se espera

é que o desejo nos impulsione a satisfazer nossas necessidades.

O problema é que nossos desejos se tornaram muito numerosos e desordenados por

causa do pecado. Assim, muitas vezes não buscamos aquilo que vai preencher nossas

Page 55: Oração serenidade Philip_St_Romain

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verdadeiras necessidades. Ao invés, perseguimos aquilo que pode apenas temporariamente

aliviar a experiência de ansiedade e vergonha resultante de nossa perda de união total com

Deus. Voltamo-nos à comida, aos relacionamentos, à televisão, ao sexo, ao trabalho e a outros

envolvimentos não tanto pelo que podem oferecer à nossa vida, mas pelo escape que

proporcionam. E então nos agarramos a eles como se nos pertencessem. Tentamos controla-

los para que sempre estejam à nossa disposição quando deles precisarmos.

Sem qualquer dúvida, temos de dar um basta aos desejos desordenados e aos vícios. O

programa dos Doze Passos, utilizado nos grupos de recuperação, tem representado uma

verdadeira dádiva às pessoas para ajudá-las a dizer esse basta. Acredito que o budismo pode

também nos ensinar muito a respeito do crescimento na liberdade interior através de suas

Quatro Verdades Nobres. Aqueles que usam essa abordagem no contexto da espiritualidade

cristã terão de enfatizar o aspecto positivo do desejo tanto quanto a dimensão do desapego.

Com isso quero dizer que, ao desvencilharmos a energia do desejo de suas preocupações

prejudiciais, precisamos reorientar o desejo ao seu propósito verdadeiro. E qual seria esse

propósito? Como prega o antigo catecismo, nosso propósito é conhecer, amar e servir a

Deus.

Cristianismo e desejo

A solução do problema do desejo no cristianismo, então, se consegue, em última

análise, fazendo do amor de Deus nosso maior desejo. O primeiro grande mandamento,

segundo Jesus nos diz, é amar ao Senhor nosso Deus com todo nosso coração, com toda

nossa alma, com toda a nossa mente e com todas as nossas forças (cf. Mc 12;30). Se

cultivarmos esse desejo acima de todos os outros, viremos então a conhecer a união com Deus

e a conhecer a serenidade. Ainda sentiremos outros desejos, naturalmente. Quando

estivermos famintos, vamos desejar comer; quando estivermos trabalhando, vamos desejar

remuneração.

Na verdade, amar a Deus sobre todas as coisas nos permite desejar mais coisas do que

nunca. Você deseja prosperidade? Procure consegui-la! Sexo? Desfrute dele tanto quanto você

e seu cônjuge desejem! Desde que você ame a Deus sobre tudo o mais, fique à vontade para

perseguir seja lá qual for o seu desejo. A não-realização desses desejos menores trará grande

infelicidade. É possível que você fique desapontado quando seus desejos não se realizarem,

mas deixe de lado esses contratempos e prossiga com sua vida.

Evidentemente aquilo que costuma acontecer é que, quando amamos a Deus acima de

tudo o mais, nossos desejos com relação a pessoas e a coisas se modificam sob muitos

aspectos. Começamos a ansiar por aquilo que nos ajuda a viver em união com Deus e a rejeitar

tudo o que nos afasta dele. Podemos ainda sofrer tentações, mas elas já não tem sobre nós o

poder que tinham no passado. Podemos ainda desejar coisas mundanas como riquezas, por

exemplo, mas controlamos esse desejo mais livremente. Se vier a passar, ótimo; se não, então

já possuímos a pérola de grande valor, que é o amor de Deus.

Page 56: Oração serenidade Philip_St_Romain

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O segundo grande mandamento proporciona uma orientação complementar para o

desejo: amar o próximo como a nós mesmos (cf. Mc 12,31). Ademais, a Oração do Pai-Nosso

nos instiga a rezar: “Venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como

no céu.” Não podemos simplesmente nos entregar ao repouso, num estado de serenidade no

qual experimentamos que tudo está bem em nossa vida pessoal porque conhecemos o amor

de Deus. A libertação definitiva do desejo cristão acontece quando tal desejo alcança tanto a

terra como o céu. A Oração do Pai-Nosso nos manda esperar pela vinda do reino e orar pelo

“pão de cada dia” que nos capacitará a trabalhar por essa vinda. Como o místico budista

espera pela libertação de todas as criaturas conscientes, assim os cristãos esperam pela

vinda do reino de Deus em todos os níveis da sociedade. Cada um de nós é chamado a fazer

isso de modo único, pessoal: assim, não há como nos compararmos uns com os outros ou com

grandes reformadores sociais, como Mahatma Gandhi, Dotothy Day ou Madre Teresa. “Como

queres que eu construa o teu reino Senhor?” Essa é a pergunta que deveria dirigir nossos

desejos.

Felicidade e Cristo

Os dois grandes mandamentos e a Oração do Pai-Nosso nos proporcionam um

vislumbre dos desejos de Cristo. Aqueles que vivem como discípulos seus perceberão que, à

medida que crescem em intimidade com ele, seus desejos vão se transformando. Passaremos

a querer o que ele quer e, por isso, a fazer o que ele faz. Isso é o ideal, mas trata-se de algo

que só podemos realizar até certo ponto. Já que a felicidade decorre da satisfação do desejo,

podemos experimentar a felicidade como Cristo experimenta, se desejarmos como ele deseja.

É possível que isso pareça estranho para muita gente, mas encontra-se lá nos

Evangelhos, como uma das promessas de Cristo. No capítulo 1, observamos que ele nos

prometeu a paz não como o mundo a dá, mas como ele a dá. Agora vamos refletir

rapidamente sobre um surpreendente discurso de Cristo, em João 15, 7-11:

“Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que

quiserdes e vós o tereis. Meu Pai é glorificado quando produzis muito fruto e vos

tornais meus discípulos. Assim como o Pai me amou também eu vos amei.

Permanecei em meu amor. Se observais meus mandamentos, permanecereis no meu

amor, como eu guardei os mandamentos de meu Pai e permaneço no seu amor. Eu

vos digo isso para que a minha alegria esteja em vós e vossa alegria seja plena.”

Conservando esses dois mandamentos, permanecemos em Cristo ao unirmos nossos

desejos com os dele. Assim como, observamos em nosso capítulo anterior, é a maneira de

alcançarmos a união com Deus pelo amor. O que é digno de nota nessa passagem é que Jesus

está encorajando aqueles que alcançaram a união a que “peçam o que quiserem” e promete

isso “lhes será feito”. Ele nos quer agindo assim para que possamos dar muito fruto para a

glória de Deus e para que nossa alegria seja completada por sua própria alegria. Em outras

palavras, ele deseja partilhar sua própria felicidade conosco e quer fazer isso dando-nos aquilo

Page 57: Oração serenidade Philip_St_Romain

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que lhe pedimos. Ele tem prazer em nos conceder o que lhe pedimos, assim como um pai ou

mãe tem prazer em dar ao filho aquilo que o fará feliz.

Que mensagem positiva! Como somos lentos para levar Cristo a sério! Será que muitos

de nós deixamos de ser tão felizes quanto desejaríamos por não estarmos exercitando nosso

desejo de felicidade, que depende também de pedirmos as bênçãos de Deus? Desconfio que

entristecemos a Deus dessa forma tanto quanto o fazemos quando caímos em pecado. Deus

quer nos abençoar com a alegria de Cristo. Se é isso que desejamos também, então não

ficaremos desapontados.

Reflexão e Prática

Quais são seus desejos predominantes? Como contribuem eles para suas experiências

de felicidade e de infelicidade?

Que é que você quer de Deus? Como é que você está pedindo e buscando por isso?

Deus deseja inundá-lo de bênçãos. Você acredita nisso? Por quê?

Utilize a afirmação: “Abençoa-me, Senhor”.

Page 58: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Capítulo 12 – E sumamente feliz contigo na eternidade

Essa frase final da Oração da Serenidade está bem compatível com a afirmação de

esperança. A esperança é, por tradição, considerada uma das três virtudes teologais, junto

com a fé e o amor. Em Coríntios 13,13, São Paulo declara que “permanecem fé, esperança,

caridade, estas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade”. Não tenho a menor dúvida,

nem por um segundo sequer, de que a experiência do amor é a mais significativa do que a

esperança, mas fico a imaginar se tal amor pode se sustentar sem esperança. Tenho minhas

dúvidas.

O que é esperança? O Catecismo da Igreja Católica define esperança como “o aguardar

confiante a bênção divina e visão beatífica de Deus; é também o temor de ofender o amor de

Deus e de provocar o castigo”. A esperança está relacionada com os desejos e anseios

espirituais de que falamos no capítulo anterior, mas a esperança tem duas orientações muito

explícitas. Primeira, é um anseio pela visão beatífica; segunda, é um anseio por evitar a

perda de tal bênção. O presente capítulo vai tratar desses dois tópicos.

A verdadeira meta do cristianismo

Qualquer organização que venha a ignorar sua meta fundamental está fadada ao

fracasso. Você pode imaginar o que aconteceria se, por exemplo, o Serviço de Correios se

esquecesse de que a sua primeira meta é enviar correspondências e pacotes com a maior

presteza e pelo preço mais baixo possível? Suponha, em lugar disso, que começasse a agir com

um objetivo diferente, como arranjar emprego para quem necessita. É possível que tal medida

fizesse a felicidade de muitos de seus empregados, mas não iria com certeza servir muito bem

ao consumidor. Suponha, mais uma vez, que a meta de um professor fosse conquistar a boa

opinião de seus alunos... Possivelmente os alunos gostariam de frequentar suas aulas, mas é

de se duvidar que algum deles viesse aprender muito.

Quase todas as empresas de hoje trabalham tendo em vista uma missão, que, por sua

vez, oferece estímulo através da fixação de metas e objetivos. Muitos consultores de

corporações estão prontos em salientar que empresas que atentam para suas verdadeiras

metas e prioridades terão mais sucesso do que aquelas que se deixam desviar por outros

interesses. Colocar as coisas mais importantes em primeiro lugar é algo que parece prender-se

a assuntos meramente profissionais, mas é também um lema que funciona bem no campo

dos relacionamentos. Uma esposa e um marido que permitam que o trabalho, filhos ou outras

questões se intrometam em seu relacionamento, logo irão descobrir que seu amor diminuiu. A

vida implica fazer escolhas, e, se a pessoa não fizer escolhas de acordo com suas prioridades,

os resultados serão, então desapontadores.

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E quanto ao campo da religião e da espiritualidade? As coisas aí funcionam da mesma

maneira?

Com certeza – pelo menos é o que se supõe. Jesus nos exorta a fazer o reino de Deus

e de sua justiça nossa primeira prioridade (cf. Mt. 6,33). Os primeiros Padres da Igreja

falavam sobre isso no sentido de divinização. É um termo raramente ouvido, mas é uma ideia

poderosa que hoje permanece tão válida e inspiradora quanto naquela época, pois descreve o

que realmente vai sucedendo na vida espiritual.

A título de simplificação, divinização é o processo através do qual nossa consciência

humana se transforma, de modo a ser absorvida pela consciência de Deus. É bem fácil, para

nós, sabermos em que consiste nossa consciência humana: é nosso modo humano de

conhecer, sentir, desejar, lembrar, etc. É fácil, também, reconhecermos que essa consciência

humana individual que é nossa não é a mesma de Deus. Seja como for a consciência de Deus

(se é que se pode falar em Deus nesta forma), sabemos muito bem que não somos Deus – ao

menos não o Deus que a religião fala (onipotente, onisciente, todo-poderoso e todo amoroso).

E surpreendentemente, mesmo assim, a verdadeira meta e a promessa de Cristo são que esta

consciência humana muito limitada vá se transformando, de formas muito sutis, através da

graça do Espírito, de modo a que possamos entrar cada vez mais plenamente na vida e na

consciência de Deus.

É à plena realização disso que se denomina visão beatífica. Numa reflexão sobre tal

visão em seu dicionário de Teologia, Karl Rahner observa que “na visão beatífica, a realidade

da mente como conhecedora é o ser do próprio Deus”. A visão beatífica é “um mergulhar na

fonte... É somente na visão beatífica que a incompreensibilidade total é contemplada em si

mesma com toda sua radicalidade” São Paulo parece estar dizendo algo parecido ao observar:

“Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas depois, conhecerei como sou

conhecido” (I Cor. 13,12).

Isso! – e não ficar flutuando nas nuvens e tocando harpa – é o céu do cristianismo. É a

total integração do humano no divino, que nos capacita a conhecer com o conhecimento de

Deus, amar com o amor de Deus e exultar na felicidade suprema da qual somente desfruta. É

uma possibilidade que nos foi conquistada por Cristo, que em sua pessoa uniu ambos os

modos de ser – humano e divino – e agora nos capacita a nos tornarmos semelhantes a ele

através do dom de seu próprio Espírito. É também um processo que está operando em nós e

que pode se concretizar na “felicidade moderada” que podemos experimentar durante esta

vida, mas que será finalmente plenificada depois da morte.

Esperança e céu

Como o catecismo descreve: “A esperança é o aguardar confiante de bênção divina e

da visão beatífica”. Fico a duvidar, às vezes, se é forte a esperança entre os cristãos. Será que

procuramos dirigir nosso coração com vista à realização do céu? Não acho nem de longe que

prestemos muita atenção à nossa meta e prioridade verdadeiras como deveríamos. Se nos

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dedicássemos aos nossos negócios como nos dedicamos a nossa vida espiritual, muitos de nós

iriamos a bancarrota – que é precisamente a situação espiritual em que milhões de pessoas

encontram.

Há alguns mal-entendidos que prevalecem quanto a essa questão de esperar pelo céu.

O primeiro é que nossa compreensão popular de céu fica muito longe do verdadeiro

significado da visão beatífica. O conceito de céu que a maioria das pessoas tem é

extremamente confuso e sem imaginação. Como recentemente observou um jovem

estudante: “Não tenho certeza se quero ir para o céu. Parece ser um lugar muito chato” The

Far Side, do cartunista Gary Larson, mostra a cena de um homem vestido com um robe sentado

numa nuvem com sua harpa e mantendo a face uma expressão de tédio, pensando em como

gostaria de ter trazido uma revista. É algo parecido com isso que aquele estudante tinha em

mente. Devo acrescentar que ele não tinha qualquer dúvida quanto aos seus objetivos

materiais: queria fazer formatura e tinha um plano para conseguir isso.

Não posso dizer que responsabilizo o estudante por seu desinteresse com relação ao

céu, porque penso que a igreja não conseguiu desenvolver em nós uma boa motivação para

nos estimular a desejá-lo. Tirando o fato de que, para sermos justos, esse não é um tópico nada

fácil, ainda assim não podemos esperar que as pessoas cresçam na virtude da esperança se

nunca refletem sobre o céu, que justamente a orientação mais verdadeira e profunda da

esperança. Não podemos esperar que os fiéis sejam capazes de encarar a morte com coragem

– nem pensar no antegozo dela! -, se têm pouca esperança.

O que acontece quando as pessoas têm pouca esperança no futuro – no seu próprio ou

no futuro do mundo como um todo? Sem um futuro pelo qual esperar e se sacrificar, as pessoas

podem mergulhar nas possibilidades prazerosas do momento presente ou, com nostalgia e

remorso, lançar olhar sobre o passado. Parece-me que um pouco de ambas as atitudes é o

que estamos encontrando em nossos dias. Nem é necessário citar exemplos específicos –

estão aí bem à vista, por toda a parte. Tanto conservadores como liberais lamentam o colapso

da disciplina na sociedade atual, mas quem é que se dispõem a fazer sacrifícios sem um futuro

no qual acreditar?

Se você acha que estou exagerando sobre tudo isso, pergunte a alguns cristãos o que é

que eles realmente esperam de seu futuro. Atrevo-me a dizer que nem mesmo um cem

expressará o desejo de santidade. Mas por que não? Santidade é o modo de que a igreja lança

mão para afirmar a realização da bem-aventurança beatífica! É escândalo o fato de existirem

muito mais pessoas que acalentam o desejo de ser executivos de corporações do que o de ser

santos!

Mais uma vez, todavia, não acredito que tenhamos conseguido realizar um bom

trabalho na tentativa de promover a santidade como um ideal pelo qual devamos lutar. Temos

a tendência de retratar os santos como pessoas muito diferentes de nós mesmos, quanto à

santidade e à sobrenaturalidade. Alguns deles foram excêntricos, as foram também pessoas

muitíssimo felizes, que viveram a vida em sua plenitude. Num mundo carente de heróis

saudáveis, por que os santos não tem inspirado nossa esperança e nossa imaginação? Não

seria, repito, pelo simples motivo de não estarmos usando nossa criatividade e imaginação

quando falamos deles?

Page 61: Oração serenidade Philip_St_Romain

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Esperança e morte

A esperança tem o seu alvo no futuro, e a única coisa sobre o futuro com a qual

podemos ter certeza é a morte. Como escritos Ernest Becker, vencedor do prêmio Pulitzer,

registrou em seu livro. “The Denial of Death”, todos nós passamos boa parte do tempo

negando a realidade de que vamos morrer. Como seres espirituais que experimentam

consciência de si mesmos, o fato da morte parece um absurdo. Temos consciência de que há

algo em nós que transcende o espaço e o tempo, mas a morte parece ser o final da vida, ao

menos pelo que sabemos. Assim, rejeitamos a morte e a mortalidade a fim de evitar o

confronto com o absurdo.

Não podemos negá-la completamente, porém. Amigos e parentes morrem;

envelhecemos e experimentamos a diminuição de nossas energias; ficamos sabendo de

acidentes que matam pessoas jovens e saudáveis. Aqueles que não têm esperança de alcançar

o céu sofrem de uma ansiedade extrema sempre que a realidade da morte se faz evidente. Tal

ansiedade possui raízes muito profundas em nós, e é com afinco que nos empenhamos para

não ter de encará-la. Tendo-me encontrado com muitas pessoas na direção espiritual a que

me dedico, convenci-me de que não existe qualquer outra solução para nossa ansiedade com

relação à morte que não seja algo semelhante a esperança que o cristianismo nos garante.

A grande verdade revelada a nós por Cristo é que a morte não é o fim da vida, mas a

transição para uma outra vida, para uma forma de existência mais espiritual. Se pudermos

aceitar isso como a verdade sobre nossa morte e sobre nosso futuro, muitas de nossas

profundas ansiedades existenciais se dissiparão. É possível que venhamos até a pensar na

morte não como a grande inimiga da vida, mas como uma parte essencial dela. Desde o

momento em que somos concebidos, passamos pela experiência tanto da vida como da morte.

Viver significa renunciar àquilo que já passou – literalmente, morrer para o eu que um dia

fomos para poder experimentar o que ainda está por vir. Há centenas e centenas de mortes e

ressurreições em nossa vida. Isso é o que o cristianismo chama de mistério pascal. Para que

alguma coisa nova e maravilhosa possa surgir, aquilo que anteriormente estava lá tem de

morrer e abrir caminho. Entre todas essas experiências de renúncia, nossa morte será a

última, e nós temos a revelação de Cristo para ajudar-nos a aguardar aquilo que esta por vir.

Naturalmente existem muitas pessoas que opõem resistência ao mistério de pascal,

que querem definir-se de acordo com os seus propósitos preconceitos, que desejam controlar

a vida e burlar a morte. Esse é o motivo pelo qual, suponho, o catecismo também declara que a

esperança inclui “o temor de ofender o amor de Deus e de provocar o castigo”. Provavelmente

andamos enfatizando demais a ofensa a Deus e o castigo consequente, durante a história do

cristianismo, mas isso não significa que agora devamos ignorar totalmente a questão. Em certo

sentido, a declaração do catecismo pode induzir a erro, pois sugere uma rejeição absoluta da

parte de um Deus condenador. Deus não age assim, é lógico. Deus apenas nos ama: isso é

tudo. Se nos fecharmos ao amor de Deus por tentarmos controlar nossas vidas sermos

autossuficientes, nós mesmos nos excluímos do fluxo da graça que representa a vida divina em

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nós e na criação. Trata-se, portanto, não de Deus ficar ofendido e então nos punir, mas de

assumirmos nós as consequências de nos desgarrarmos da vida de Deus.

Embora esperando pelo céu, é igualmente importante não contar com ele como coisa

certa. “Entrai pela porta estreita”, diz Jesus, “porque largo e espaçoso é o caminho que

conduz à perdição. E muitos são os que entram por ele. Estreita, porém, é a porta e apertado

o caminho que conduz à vida. E poucos são os que encontram” (Mt. 7 13-14). O céu pode ser

perdido ou adiado para além do tempo que poderíamos desejar: é o que nos ensinam as

doutrinas sobre o inferno e purgatório. Vamos, portanto, confiar que não nos enganaremos

tomando o “caminho que conduz a perdição”. Ao contrário, que possamos ansiar pela

felicidade da visão beatífica . Como cristãos, vamos também ensinar que “o que os olhos não

viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou

para aqueles que o amam” (I Cor. 2, 9)

Reflexão e prática

Que imagens lhe ocorrem quando você pensa no céu?

Que é que você acha da santidade como meta de sua vida cristã?

Como você se sente diante da possibilidade de sua morte? Como é que a fé e a

esperança o capacitam a encarar sua morte?

Utilize a afirmação: “Jesus, espero em ti!”, quando se sentir ansioso com relação à

morte e ao sofrimento.