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INTERAÇÕES - Cultura e Comunidade / v. 4 n.5 / p. 165-180 / 2009 165 O ORÁCULO DE DELFOS E A COLONIZAÇÃO GREGA O ORÁCULO DE DELFOS E A COLONIZAÇÃO GREGA DELPHIC ORACLE AND GREEK COLONIZATION Patrícia Boreggio do Valle Pontin (*) RESUMO A presente investigação visa oferecer uma melhor compreensão do papel da consulta oracular antes de grandes empreendimentos, em particular o grande movimento expan- sionista grego, que se desenvolveu em direção ao Ocidente a partir do século VIII a.C. Com isso, propomos dar uma contribuição: a uma melhor compreensão da sociedade e cultura no Ocidente Grego; a um melhor conhecimento do culto de Apolo; a uma melhor compreensão das razões da escolha dessa divindade como emblema cívico. PALAVRAS-CHAVE: Apolo. Colonização grega. Oráculo de delfos. ABSTRACT This paper aims at providing a better understanding of the role of oracle consultation before major enterprises, in particular the great movement of Greek expansion that spread towards West in the eight century b. C. The objective is to provide a contribution to: a better un- derstanding of culture and society in the Western Greek colonies; a better understanding of Apollo’s cult; and a better view of the reasons leading the colonies in their choices of this deity as a civic emblem. KEYWORDS: Apollo. Greek colonization. Delphic oracle 1. INTRODUÇÃO Nosso objetivo no presente artigo é abordar, ainda que resumidamente, as principais questões que dizem respeito ao movimento de colonização grega na Itália do Sul e na Sicília. Com efeito, tradicionalmente aceita-se – como veremos adiante – a participação direta do oráculo de Apolo na orientação das (*) Doutora em Arqueologia pelo Museu da Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Pós-doutoranda em Arqueologia Histórica MAE-USP. Pesquisadora do Laboratório de Es- tudos sobre a Cidade Antiga LABECA- MAE-USP <http://www.mae.usp.br/labeca>. Bolsista FAPESP. E-mail: [email protected]

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O ORÁCULO DE DELFOS E A COLONIZAÇÃO GREGA

O ORÁCULO DE DELFOS E A COLONIZAÇÃO GREGA

DELPHIC ORACLE AND GREEK COLONIZATION

Patrícia Boreggio do Valle Pontin(*)

RESUMOA presente investigação visa oferecer uma melhor compreensão do papel da consulta oracular antes de grandes empreendimentos, em particular o grande movimento expan-sionista grego, que se desenvolveu em direção ao Ocidente a partir do século VIII a.C. Com isso, propomos dar uma contribuição: a uma melhor compreensão da sociedade e cultura no Ocidente Grego; a um melhor conhecimento do culto de Apolo; a uma melhor compreensão das razões da escolha dessa divindade como emblema cívico.PALAVRAS-CHAVE: Apolo. Colonização grega. Oráculo de delfos.

ABSTRACTThis paper aims at providing a better understanding of the role of oracle consultation before major enterprises, in particular the great movement of Greek expansion that spread towards West in the eight century b. C. The objective is to provide a contribution to: a better un-derstanding of culture and society in the Western Greek colonies; a better understanding of Apollo’s cult; and a better view of the reasons leading the colonies in their choices of this deity as a civic emblem.KEYWORDS: Apollo. Greek colonization. Delphic oracle

1. INTRODUÇÃO

Nosso objetivo no presente artigo é abordar, ainda que resumidamente, as principais questões que dizem respeito ao movimento de colonização grega na Itália do Sul e na Sicília. Com efeito, tradicionalmente aceita-se – como veremos adiante – a participação direta do oráculo de Apolo na orientação das

(*) Doutora em Arqueologia pelo Museu da Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Pós-doutoranda em Arqueologia Histórica MAE-USP. Pesquisadora do Laboratório de Es-tudos sobre a Cidade Antiga LABECA- MAE-USP <http://www.mae.usp.br/labeca>. Bolsista FAPESP. E-mail: [email protected]

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expedições fundadoras.Com relação ao movimento expansionista grego, que se desenvolveu em

direção ao Ocidente a partir do século VIII a.C., procuraremos apresentar os autores que assumem a importância de Apolo na fundação de poleis, até aqueles que questionam as causas tradicionalmente apontadas como as que levaram à colonização grega no Ocidente e põem em evidência a existência de uma propa-ganda que embelezou posteriormente o papel de Apolo.

2. A COLONIZAÇÃO GREGA

O termo colonização, assentado na historiografia tradicional, aparece em destaque em nosso texto, pois conduz a um engano. O termo é equivocado porque a maior parte das novas bases gregas do século VIII a.C. ao VI a.C. co-meçou como comunidades políticas independentes, e não como postos avança-dos do império, nem como dependências dos seus fundadores metropolitanos (CARTLEDGE, 2002, p. 86).

Colonização e movimento de populações sempre foram características da vida helênica. A grande expansão para fora do Egeu deu-se do século VIII a.C. ao VI a.C., ressaltando que os antigos gregos sempre se movimentaram em torno da área do Mediterrâneo, fundando ou participando de novos povoados permanentes – não apenas do século VIII a.C. ao VI a.C. (CARTLEDGE, 2002, p. 86). São diversas as causas que deram origem a este movimento colonial. Uma das mais importantes foi, segundo as fontes textuais, a falta de terra. Quis-se, por vezes, concluir dessa explicação, que a Grécia do primeiro milênio era superpovoada. Nem a tradição, nem as descobertas arqueológicas permitem crer que as cidades gregas tenham tido no século IX a.C. ou no VIII a.C. uma população muito numerosa, dados os recursos do seu território. Mesmo as mais povoadas eram nessa época apenas pequenas cidades rodeadas de uma po-pulação rural pouco densa. E deve-se notar que várias dentre elas – Mileto ou Calcis, por exemplo – são o centro de regiões férteis onde podia subsistir, em Época Clássica e até em Época Romana, isto é, na altura em que a expansão co-lonizadora na Grécia deixara de se realizar havia muitos séculos, uma população certamente mais densa do que o era a que as ocupava no começo do primeiro milênio (HOLLOWAY, 1991, p. 47-49).

Mas, se a Grécia do século VIII a.C. não estava superpovoada, o regime jurídico sob o qual vivia explica que o seu solo não tenha sido suficiente para to-

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dos os seus habitantes. As tribos gregas tinham repartido entre as famílias que as compunham os territórios onde se estabeleceram. Essas propriedades familiares eram inalienáveis e indivisíveis. O homem excluído do genos, o banido, o estran-geiro e o bastardo não tinham direito à propriedade do solo; em cada família, os próprios descendentes deviam limitar-se a cultivar em comum o lote consignado aos seus antepassados. Tal regime não era feito nem para os considerados fora da lei da família por causa da sua origem ou dos seus atos, nem para os ambiciosos; e compreende-se como a pôde estimular uns e outros e procura-rem as terras que a sua cidade lhes recusava (HOLLOWAY, 1991, p. 48).

Por outro lado, a existência das cidades helênicas foi muito perturbada no período que se seguiu à queda da realeza. As lutas entre as famílias nobres e as famílias reais, que sem dúvida não se resignavam facilmente a abandonar a sua autoridade e o seu prestígio, as querelas das famílias nobres entre si, ori-ginaram uma série de revoluções. Numerosas poleis, como Cirene e Tarento, entre outras, foram fundadas por um partido vencido que preferiu o exílio à submissão (HOLLOWAY, 1991, p. 49).

As causas do movimento colonial permitem compreender o caráter que ele apresenta logo em seu começo. O que esses banidos e descontentes procura-vam fora da Grécia era, antes de tudo, terras boas. Por conseguinte, vemo-los estabelecidos, primeiramente nas regiões férteis e pouco povoadas do Sul da Itália, onde fundam cidades, cuja principal razão de ser foi, em princípio, a agricultura. Metaponto, Síbaris e Crotona foram criadas no meio de planícies fecundas, cuja insalubridade não deteve os primeiros colonos. Da mesma ma-neira, na Sicília – a terra do trigo, por excelência, na Antiguidade Clássica - os Gregos se instalaram em Naxos, em Catânia, situada na próspera região que as cinzas do Etna fertilizam, e em Leontinos, centro frumentário da Sicília em Época Romana (GUZZO, 1997, p. 18).

Mas, essas cidades novas não podiam ficar isoladas no meio de popula-ções desconhecidas e muitas vezes hostis. Desejavam manter comunicação com suas áreas de origem; logo viram que podiam vender facilmente os produtos gregos entre os povos nativos que os envolviam, e, por outro lado, levar para a Grécia gêneros alimentícios e matérias-primas que abundavam nessas terras novas. Daí, serem necessários portos e os gregos fundadores se preocuparem com a configuração das costas e com a direção das correntes. Depois das ci-dades agrícolas surgiram as cidades marítimas: Tarento, na Magna Grécia e Siracusa, na Sicília (GUZZO, 1997, p. 47).

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Quando se trata de fundar estabelecimentos agrícolas ou marítimos, os gregos levam consigo os hábitos religiosos e políticos da sua área de origem. Não são aglomerados amorfos que se constituem na Itália; são cidades, onde se encontram os magistrados, as assembléias e os deuses da área de origem. Não se admira que elas tenham tomado um caráter nitidamente urbano mais depressa que as cidades de onde derivaram (CARRATELLI, 1996, p. 141).

Quaisquer que tenham sido as motivações que levaram um grupo de gregos fundadores a deixar a sua área de origem, a cidade que fundassem fora da Grécia mantinha relações com a sua terra natal. Merecia-lhes respeito, que se traduzia pelo envio de embaixadores em dados momentos, evitando tanto quanto possível os conflitos, e pelo estabelecimento de relações tanto comer-ciais como militares, quando fosse caso disso, entre as duas cidades. Embora o princípio da independência política das cidades fundadas em relação à sua área de origem tivesse sido sempre respeitado, a existência de numerosas fundações era uma razão de prestígio e uma fonte de riqueza para a cidade da qual provi-nham, sobretudo a partir do momento em que se acentuou o caráter comercial destes estabelecimentos. A partida de emigrantes era um acontecimento por tal forma importante que sobre ela eram consultados os deuses: a cidade podia oficialmente intervir para decidir a fundação de uma cidade e para designar o contingente que nela deveria tomar parte, o chefe da expedição e até os ma-gistrados especiais encarregados de repartir, à chegada, as novas terras entre os gregos fundadores (CARRATELLI, 1996, p. 141).

Afirma-se com frequência que o incremento da manufatura e o aumento do comércio na Grécia tornaram desejável a fundação de cidades com o fim de criar mercados para seus produtos. Segundo Woodhead, uma afirmação destas denuncia uma visão demasiado sofisticada do comércio da Antiguidade e da atitude dos governos de então perante ele. Para este autor, a visão modernista que imputa aos governos da antiguidade grega uma política comercial planeja-da, não procede já que não consideravam o comércio empreendido pelos seus cidadãos um fator que poderia legitimamente conduzir a obrigações políticas a seu favor. No Ocidente apenas Siracusa foi “colônia de uma grande cidade comercial”, Corinto. (WOODHEAD, 1972, p. 33)

Para Polignac, o antigo debate a propósito da primeira vocação (comer-cial ou agrícola) dessas fundações hoje perdeu seu interesse: o movimento de colonização é um “processo de aquisição” cuja forma imediatamente manifesta é, na maioria dos casos, a conquista de novas terras, mas o excesso de bens

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assim procurados gera novas atividades, novas correntes de trocas graças aos quais o mundo grego por inteiro, e não somente as cidades coloniais, pôde sustentar esse crescimento (POLIGNAC, 1984, p. 94).

Ainda segundo Polignac, a colonização contribuiu, sem dúvida, ao pro-cesso de formação da pólis, requerendo, de partida, a existência de um quadro comunitário onde pôde ser colocado o problema do fracionamento da socie-dade em termos que fossem aceitos por todos. Este quadro, seus termos, eram segundo este autor, os da mediação cultual; e exigente, no ponto de conseguir, uma coesão reforçada e permanente entre todos os membros da expedição. As expedições fundadoras, na verdade, partiram de poleis em fase de formação, cujas referências não estavam todas configuradas. Logo, essas novas fundações, em busca de soluções imediatas para os problemas colocados no confronto com uma nova realidade, em muito teriam contribuído para a formação da pólis grega. (POLIGNAC, 1984, p. 94)

Contrariamente a uma idéia difundida, nos diz Guzzo, as fundações da Antiguidade não são um “prolongamento” além-mar da cidade mãe. Os mem-bros do corpo expedicionário e seus chefes não são mais cidadãos de sua cidade de origem. Uma vez instalados na nova região, eles se dão leis e instituições que não são forçosamente as mesmas que aquelas de sua pátria de origem. Para dizer “colônia” a língua grega utiliza a palavra apoikia, que significa “habitação (oikia) afastada (apo)” (GUZZO, 1997, p. 14).

3. APOLO E A COLONIZAÇÃO

Há muito tempo que estudiosos como Pease (1917), Dempsey (1918), Defraldas (1954), Parke e Wormell (1956), Nilsson (1955) e Flacelière (1961), entre muitos outros, se interrogaram sobre o papel que o oráculo de Delfos re-presentou na história da colonização grega. O problema é difícil de resolver e está longe de se conseguir um acordo sobre a solução que lhe convém.

Segundo o historiador alemão E. Curtius, a atividade dos fundadores foi inteiramente submissa à autoridade de Apolo. Plenos de zelo pela religião e de solicitude pelas diferentes poleis, preocupados sobretudo em aumentar o prestí-gio do oráculo, os sacerdotes do deus teriam tomado “a direção suprema des-se grande movimento nacional”. Para guiar os fundadores com eficácia, para evitar que eles cometessem erros e dispersassem seus esforços, eles teriam que amontoar e concentrar todos os conhecimentos que possivelmente recolheram

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de uma maneira ou de outra sobre o mundo e sobre as diversas populações (CURTIUS, 1881, p. 47 apud LACROIX, 1965, p. 130).

Essas ideias são repetidas por Bouché-Leclercq que supõe a existência em Delfos de uma vasta documentação, notas de viagem, cartas redigidas de-pois destas notas, produtos de diversas regiões. O sacerdócio de Delfos “colo-cou-se assim em condição de dar a todos a ele vindos, com conhecimento de causa, as indicações cuja exatidão depois da verificação, pareciam milagrosas” (BOUCHÉ-LECLERCQ, 1880, p. 132 apud LACROIX, 1965, p. 130).

Para alguns autores, os caminhos do Ocidente eram conhecidos pelo que contavam os mercadores, mas principalmente, porque se ía a Delfos ouvir os conselhos do oráculo de Apolo. Os fundadores das cidades passaram por lá e foram não apenas encorajados mas também favorecidos com instruções precisas sobre a área a colonizar e o melhor local para iniciar o assentamen-to. Segundo Roland Martin, toda campanha de colonização era precedida pela consulta do oráculo, o que valia tanto para o período arcaico como para o clássico; consulta que era feita na expectativa de se saber se a escolha de um determinado lugar traria prosperidade para os que lá se instalassem (MARTIN, 1956, p. 39). Graham afirma que o oráculo em Delfos devia ter acumulado conhecimentos geográficos e, com isso, podia dirigir os colonos para áreas ainda não ocupadas e desestimular a ida a locais que não ofereciam as melhores condições (GRAHAM, 1983, p. 25-26). Carratelli, por sua vez, refere-se a Apolo Pítio como o arquegueta, que teria sido, na pólis aristocrática, o regulador do culto público da nova comunidade (CARRATELLI, 1996, p. 146).

Todas as teorias fundamentam-se sobretudo nos testemunhos escritos que vêm desde Homero passando por Heródoto e repetem-se por toda a An-tiguidade clássica. Essa tradição textual criada já na Antiguidade foi conside-rada muito imprecisa por muitos autores nas últimas décadas. Pode-se atribuir ao sacerdócio de Delfos desígnios tão ambiciosos? Os gregos do século VIII a.C. tinham o espírito de disciplina e o sentido de organização e planejamento que parecem necessários para realizar um programa assim vasto? Poderíamos admitir que os sacerdotes de Apolo procuravam documentar-se de uma manei-ra sistemática constituindo dossiers, como fazem hoje em dia os organismos destinados a facilitar as trocas internacionais? Parece-nos, antes, que se esses sacerdotes recolheram as informações suscetíveis de interessar os fundadores de cidades, foi de uma maneira mais ocasional e menos premeditada.

Os estudiosos do último século, que vêem na colonização grega o resulta-

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do de uma ação combinada e sabiamente organizada pelo sacerdócio de Delfos, exageraram o papel do oráculo. A esse respeito Amandry faz as seguintes obser-vações: “O santuário pítio não dirigiu o movimento de colonização. Os sacerdotes do Parnaso não tinham um escritório de informações geográficas e econômicas. Pediam a Apolo a sanção da decisão a tomar, sua benção, e quaisquer prescrições de ordem religiosa. Esse papel assinala por sua vez a celebridade pan-helênica de Delfos e os limites de sua influência” (AMANDRY, 1950, p. 279).

Angelo Brelich, não concorda com a maioria dos autores de que Del-fos fosse já às vésperas da colonização um santuário pan-helênico de prestígio – como aconteceria só mais tarde, no século VI a.C. Acrescenta que, mesmo os historiadores contemporâneos, têm dificuldade de atribuir ao seu orácu-lo, antes do século VII a.C., influência direta sobre a colonização (BRELICH, 1964-1965, p. 42-45) pois a documentação é nesse sentido escassa e imprecisa. B.Bilinsky praticamente confirma esse posicionamento quando nos diz que, no início da colonização, a sociedade grega ainda não era homogênea e monolítica, mas estava num processo de estratificação social ao que corresponde, da mes-ma forma, a estratificação das divindades do panteão grego (BILINSKY, 1964-1965 apud BRELICH, 1964-1965, p. 60).

Assim, estudiosos passam de um extremo a outro atribuindo demasiada importância ao oráculo ou indo ao outro extremo, recusando ao deus de Delfos toda a influência em matéria de colonização, ao menos antes do século VII a.C. Para definir o papel de Delfos na colonização, temos, na maior parte dos casos, os testemunhos - posteriores de muitos séculos dos acontecimentos ligados à colo-nização - de oráculos de uma autenticidade discutível. É compreensível pois que muitos estudiosos mostrem muita reserva em sua apreciação com relação ao pa-pel desempenhado pelo oráculo na colonização. Na obra que a ele foi consagrada aos temas da propaganda délfica, J. Defraldas denuncia as “usurpações” de Apo-lo Pítio; descreve os efeitos de um “imperialismo” que lhe conduz a substituir outros deuses, concluindo da maneira seguinte: “Assim se criou, em uma época necessariamente tardia, em todo caso posterior ao grande período da colonização, o mito de um Apolo delfínio arquegueta” (DEFRALDAS, 1954, p. 237).

Podemos crer que este engrandecimento foi adquirido de um dia para outro? Se admitirmos, como J. Defraldas, que o triunfo de Apolo em Delfos data somente do século VI a.C., reduzimos a interpolações posteriores todas as passagens do poema homérico onde figura o nome de Pítio, ou onde aparecem alusões à consulta do oráculo (Od., VIII, 80). Sabemos também de uma passa-

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gem da Ilíada, onde o poeta evoca as riquezas “que encerra o umbral de pedra de Febo Apolo, o Atirador de flechas, na rocha de Pito” (Il., IX, 405). O autor do Hino homérico a Apolo acrescenta outras precisões quando são referidos os esplendores do santuário, com seus trípodes preciosos, com os cânticos que en-toam em honra do deus e as vítimas que degolam sobre os altares (Hino homér. a Apolo, 440 ss). Heródoto na primeira metade do século V a.C. informa-nos a respeito de luxuosas oferendas que teriam sido feitas no santuário de Apolo délfico por Midas rei da Frígia e por Giges rei da Lídia. De acordo com De-fraldas, trata-se de atribuir estas oferendas a personagens célebres de uma data mais antiga com a finalidade de aumentar o prestígio do oráculo, pondo assim em dúvida a autoridade de Heródoto (DEFRALDAS, 1954, p. 214).

Por outro lado, Lacroix não vê nenhum argumento que nos obrigue a rejeitar um após o outro os testemunhos que favorecem a tese da maior antiguidade do santuário. Tudo indica, segundo Lacroix, ao contrário, que, bem antes do século VI a.C., Delfos já era um oráculo reputado. Seu renome atravessou as fronteiras da Grécia propriamente dita e sua autoridade era re-conhecida pelos soberanos da Ásia Menor (LACROIX, 1965, p. 133). Podemos todavia perguntar se os fundadores das poleis tiveram razões particulares para se dirigir a esse deus do Parnaso especificamente. Por quais motivos Apolo de Delfos foi considerado como o guia da colonização?

Hesitamos, para dizer a verdade, a nos aventurar em um domínio tam-bém mal conhecido e é bem certo que os caminhos pedidos para o deus para ganhar a confiança dos fundadores das cidades ainda são, para nós, misteriosos. É todavia uma qualidade de Apolo à qual dificilmente poderemos recusar uma importância considerável na questão que nos ocupa. Apolo é por excelência o deus ancestral. Ele porta o título de Arquegueta, termo que “se aplica”, como escreve P. Foucart, “a ele que é o começo, o princípio, o autor de uma coisa que se perpetuou, cidade, tribo, família e que, muitas vezes, a ele emprestou seu nome” (FOUCART, 1922, p. 51).

Quanto às fundações das poleis, em Homero, Laomedon narra como Apolo passa por ter construído os muros de Tróia com a colaboração de Posi-dão (Il., VII, 452). Em Mégara igualmente, Apolo é apresentado como sendo o construtor de uma das duas acrópoles da cidade (Il., VII, 30). Esses episó-dios revelam-nos um aspecto da fisionomia do deus que não podemos despre-zar ainda que a instalação do culto de Apolo Delfínio seja mais relevante para o nosso tema.

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Uma investigação recente, fundamentada sobre um exame atento e pru-dente de testemunhos filológicos e da documentação arqueológica, consegue dar a essas opiniões mais matizes. Eles não erram em levar em conta igualmen-te as informações fornecidas pelas escavações arqueológicas. A consideração do estudo da cerâmica é muito instrutiva, porque ela mostra que, desde a segunda metade do século VIII a.C., Delfos estava em contato com as cidades que vão participar da colonização no Ocidente (VALLET,1958, p. 70). Mas, para Cathe-rine Morgan, mesmo que tenham existido extensivos estabelecimentos micê-nicos na área mais antiga do santuário, não existe evidência material específica que comprove atividade no santuário antes de c. 800 a.C. e nada indica que a adivinhação oracular tenha sido praticada em Delfos antes do século VIII a.C. (MORGAN, 1994, p. 148).

O que temos então, é um grande corpo de mitologia refletida na tradi-ção textual relatando a antiga história délfica bem como a prática oracular. Um verdadeiro “pedigree” mitológico que, pontuando toda a história do santuário desde a sua origem, reforça a antiguidade e a primazia do oráculo de Apolo. Muitos especialistas acreditam que todo este longo “pedigree” do santuário de Apolo em Delfos foi criado tendo em vista a rivalidade dos santuários pan-helênicos que se desenvolveram no final do período arcaico.

O santuário de Zeus em Dodona, em particular, foi rival de Delfos. Do-dona reivindica antiguidade para seu oráculo nos fundamentos que Zeus fala diretamente via sussuro do galho do carvalho, enquanto em Delfos, Apolo, o mais recente membro do panteão Olímpico, fala indiretamente através da Pítia. Delfos consequentemente procura estabelecer uma genealogia mitológica do passado da hierarquia olímpica, unindo o oráculo de Apolo na linha de su-cessão originada por Gaia, a terra, e assim reforçando sua antiguidade via esta primeva origem (PARKE, 1967, p. 36-9).

Por outro lado, C. Morgan assinala como a história do oráculo de Delfos esteve sujeita a uma linha interpretativa que o associa a um estágio pré-racional no desenvolvimento do pensamento grego. (MORGAN, 1994, p. 151) Robert Flacelière, por exemplo, também comenta a posição ambígua dos gregos, divi-didos entre razão, a escolha de um guia que eles sabiam ser inadequado, e sua sagacidade, crença instintiva em poderes misteriosos (FLACELIÈRE, 1976, p. 87).

Igualmente Jean-Pierre Vernant apresenta o retrato do oráculo délfico como essencialmente um fenômeno pré-racional contrário e gradualmente substituído por instituições racionais de estados governamentais (VERNANT,

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1974, p. 18-19). Na opinião de Morgan, para perpetuar semelhante dicoto-mia entre o irracional e o racional, o oráculo e o estado governamental, é fundamental representar o caráter e a função de adivinhação no mundo grego (MORGAN, 1994, p. 151).

A adivinhação no mundo grego tem recebido em geral dois tipos de abor-dagem. A primeira, seguida por Parke e Wormell e Fonterose, tem concentrado esforços na compilação de respostas a partir de textos antigos para estabelecer a natureza dos eventos no passado do oráculo, a cronologia da consulta, e desta forma um modelo de participação ampla da pólis. Estes autores analisaram o papel do oráculo délfico em relação às ações do consulente das poleis juntamente com a estrutura da prática religiosa contemporânea sustentada sobre o oráculo (PARKE e WORMELL, 1956; FONTEROSE, 1978 apud MORGAN, 1994, p. 151).

A segunda envolve uma aproximação mais cultural ao examinar o pa-pel da adivinhação no mundo grego. Esta abordagem que busca inspiração no estudo de antropólogos na África consiste na comparação de Delfos com oráculos africanos, nessa direção as considerações de Whittaker (1965) cons-tituem um passo importante na direção de refutar o exame simplista sobre o supersticioso e a natureza mágica da religião primitiva, buscando estabelecer a racionalidade de uma adivinhação, assim como o seu relacionamento com a ampla estrutura da religião da comunidade (MORGAN, 1994, p.151- 52).

Robert Parker e Simon Price examinaram a adivinhação délfica do pon-to de vista sociológico, partindo da premissa de que o oráculo é suscetível de comparação com outras culturas onde a adivinhação tinha um papel importan-te (PARKER, 1985; PRICE, 1985). Por considerar tanto a natureza geral como a função da adivinhação na especificidade da consulta oracular em Delfos, eles pintaram um retrato de um sistema de trabalho firmemente incrustado no reli-gioso e na estrutura política das poleis consulentes. Robert Parker, por exemplo, pressupõe um exame particular das relações entre poleis e adivinhação discutin-do em que grau as poleis gregas estavam preparadas para ceder a Apolo uma parte importante nas decisões que afetavam seus próprios interesses (PARKER, 1985, p. 198). Ainda que Joseph Fonterose não persiga qualquer comparação sistemática entre Delfos e outros oráculos (FONTEROSE, 1978, p. 228-32 apud MORGAN, 1994, p. 152).

Um outro aspecto a ser considerado é a natureza “marítima” de Apolo. O autor do Hino Homérico a Apolo nos conta a história da navegação milagrosa que conduziu os comerciantes cretenses até o golfo de Crisa (Hino homér. à Apolo,

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388 ss). Apolo, ele mesmo, metamorfoseia-se em golfinho, tendo saltado sobre o navio que ele conduziu à sua vontade sem ajuda do leme. Este deus navegador devia gozar de um certo prestígio junto aos fundadores da cidades. Sabe-se que os fundadores não podiam realizar seus desígnios sem se expor aos riscos de uma travessia às vezes longa e perigosa, compreenda-se, que eles estavam pondo sua confiança em um deus capaz de cumprir tais proezas e de ultrapassar em destreza o piloto mais experimentado. O golfinho, cujo nome é associado ao de Delfos tomou o epíteto de Delfínio, devendo de resto inspirar confiança no marinheiro, que viu com a aparição deste animal um presságio favorável.

Tem que se levar em conta também a posição geográfica do santuário, que lhe assegurou a clientela das cidades do golfo de Corinto e das regiões vizinhas. Delfos tinha um acesso fácil para os peloponésios e para os habitantes da Grécia central e sua posição em relação às cidades que vão ter um papel de primeiro plano na colonização grega no Ocidente deve ter contribuído ao sucesso do orá-culo. É muito provável que Delfos fosse também, nestas circunstâncias, um polo promotor de contatos e trocas entre fundadores vindos de regiões diferentes.

Um moderno, habituado a considerar os fatos no seu aspecto econô-mico e social, poderá achar estranho que um oráculo tenha tido um papel tão importante na fundação de cidades. Por outro lado, nossa apreciação poderá ficar prejudicada se tal fenômeno for analisado apenas segundo as nossas con-cepções. Um empreendimento assim vasto, que coloca em obra todas as forças do povo grego, poderá se conceber sem uma intervenção da divindade? Se os gregos pensaram nas responsabilidades que deveriam inspirar-lhes as longín-quas viagens em regiões em parte inexploradas, acreditamos que dificilmente eles teriam ousado se colocar em rota sem ter pedido o parecer de um deus ou sem ter procurado obter sua proteção. Foi, sobretudo no começo da coloniza-ção, quando os riscos eram maiores, que eles tinham que provar a necessidade de pesquisar as intenções da divindade.

As tradições relativas à colonização estão de acordo ao sublinhar o pa-pel do oráculo e, se as considerarmos todas juntas, é difícil admitir que elas não repousem sobre nenhum fundamento histórico. Heródoto bem explicou o prejuízo de Dorieu por ter se omitido de consultar Apolo (HERÓDOTO, V, 42). Por outro lado, a intervenção de Delfos é mencionada expressamente por nu-merosas das poleis gregas do Ocidente que vão ter um papel de primeira ordem, Siracusa e Gela na Sicília, Crotona, Tarento e Régio na Itália meridional. Os autores antigos nos dão mesmo precisões sobre as circunstâncias da fundação

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e eles nos contam as respostas do oráculo. É útil examinarmos algumas destas tradições para descobrirmos sua importância.

Em uma tradição que concerne tanto a Siracusa quanto a Crotona, quando Arquias e Miscelos consultaram Apolo ao mesmo tempo, o deus lhes teria deixado a escolha entre a riqueza e a saúde. Arquias escolheu a riqueza, e ele foi o fundador de Siracusa; Miscelos escolheu a saúde, e ele foi o fundador de Crotona (ESTRABÃO, VI, 269). Estrabão esqueceu-se apenas de acrescentar que esta história supunha o conhecimento já existente a respeito do destino das duas cidades, renomadas, uma por sua opulência, outra pela salubridade de seu clima.

Em uma outra versão da fundação de Siracusa, que foi conservada por Pausânias (PAUSÂNIAS, V, 7, 3), o oráculo designa como local da fundação co-ríntia a ilha de Ortígia, onde o Alfeu vem misturar suas águas àquelas da fon-te de Aretusa. Nesses documentos textuais aparece frequentemente alusões às particularidades geográficas que determinam muitas vezes a escolha do local da fundação da cidade. E os rios são, nestes casos, muito importantes. Quando a Pítia envia Antifemo e Entimos instalar na Sicília os cretenses e os ródios, ela lhes prescreve de se estabelecerem próximos da embocadura do rio Gelas (DIODORO, VIII, 23, 1). No oráculo relativo à fundação de Crotona, a Pítia recomenda a Miscelos de não deixar passar o Cabo lacínio, a Crimisa e o rio Esaro (DIODORO, VIII, 17). Para Tarento, ela indica o local da fundação mencionando o Satyrion e “água brilhante do Taras”. Para Régio, ela ordena aos calcídicos de se instalarem “no lugar onde Apsias, o mais sagrado dos rios, se lança ao mar”.

É muito frequente ver o deus recorrer a esses jogos de palavras e a essas prescrições enigmáticas. Para Tarento, o oráculo joga sobre o sentido da palavra , que pode designar um bode, mas também uma espécie de figueira (DIODORO, VIII, 21, 3). A alusão a uma fêmea enlaçando um macho fica misteriosa para os fundadores de Régio, até o dia em que eles desco-briram junto ao rio Apsias um “hermafrodita”, isto é uma vinha enlaçada a uma figueira selvagem (DIODORO, VIII, 23, 2). Em Gela, o nome da cidade é explicado pelo verbo α(rir) o fundador Antifemo se pôs a rir no mo-mento em que ele interrogou a Pítia. Nessa coleção de singularidades, vem a tona a história do lacedemônio Falanto. Tinha dito o oráculo que ele não podia fundar uma cidade sem que a chuva caísse de um céu sereno, Falanto se desesperou e sua mulher se pôs a chorar. De repente a predição se achou

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realizada, porque a mulher de Falanto se chamava Aethra, que quer dizer “céu sereno” (PAUSÂNIAS, X, 10, 6).

A maioria destes oráculos não deve ser considerada autêntica, mas como bem observou P. Amandry, “a forma literária dos oráculos é uma coisa, a realidade das consultas é uma outra, o conteúdo das respostas e seu alcance prático são ainda uma outra”. Diz-nos ainda Amandry, “Que o texto dos orá-culos seja apócrifo não prova nada contra a autenticidade de uma intervenção do oráculo” (AMANDRY, 1950, p. 279).

Por outro lado, parece pouco verossímil que a composição dos orácu-los seja inteiramente fantasiosa, sem ter em conta as respostas do deus, de seu conteúdo e de sua aparência habitual.

Acrescentamos que os oráculos que foram conservados não se referem a tradição lendária que, como mostra J. Bérard, deve ser cuidadosamente distinguida da tradição histórica (BÉRARD, 1957, p 2). Os oráculos não se situam nos tempos da guerra de Tróia ou em uma época ainda mais antiga, quando Héracles percorreu as regiões mediterrâneas levando o rebanho de Gerião. Os acontecimentos aos quais eles são associados pertencem ao do-mínio da história. Do mesmo modo, os fundadores que passaram por ter in-terrogado o oráculo de Delfos antes de ir se estabelecer na Sicília ou na Itália meridional - Arquias de Corinto, Antifemo de Rodes, Miscelos de Rhypae e Falanto da Lacedemônia - não são míticos, mas personagens humanos, que são reputados por ter existido verdadeiramente (BÉRARD, 1957, p. 9).

Enfim, não podemos estudar a influência de Delfos sobre a colonização nos transportando unicamente aos textos dos autores antigos. Existe, com efeito, outras fontes de informação que não devem ser negligenciadas e con-vém fazer um apelo todo particular ao testemunho das moedas.

Com efeito, J. Bérard vê na presença de um trípode nas moedas de Cro-tona a prova que “desde a metade do século VI a.C. a cidade passou por ter sido fundada sobre a ordem do oráculo de Delfos” (BÉRARD, 1957, p. 153).

A observação é exata e G. Vallet, no livro que consagrou às cidades do estreito – Zancle e Régio -, chama igualmente a atenção sobre este emblema revelador, portanto uma investigação sobre o conjunto das moedas emitidas pelas cidades gregas da Sicília e da Itália meridional merecem esta empreitada (VALLET, 1958, p. 70). A moeda nos traz preciosas informações sobre o papel atribuído ao oráculo de Delfos na colonização e completará em vários pontos os testemunhos que reunimos até o presente recorrendo às fontes literárias.

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4. CONCLUSÃO

Por tudo o que foi apresentado acima, podemos concluir que a adivi-nhação oracular em Delfos foi instituída pelo fim do século VIII a.C. como instrumento para ajudar as autoridades das cidades emergentes a lidar com problemas surgidos na formação da pólis. A adivinhação, dessa forma, serviu como um meio de legitimar a introdução gradual da mudança social durante a afirmação dos valores básicos da comunidade. O oráculo délfico foi segura-mente enraizado no desenvolvimento da estrutura religiosa das primeiras po-leis, e a dirigiu continuamente dentro da estrutura formal da religião grega. Estudar as origens do oráculo pode, portanto, fornecer informações valiosas não somente sobre a história da prática do culto défico, mas também sobre o desenvolvimento sócio-político das poleis consulentes. Além disso, o exame da cronologia e dos problemas relativos à consulta podem realçar mudanças no desenvolvimento da pólis. Quase todas as primeiras cidades consulentes eram poleis, e, além disso, eram as poleis mais prováveis de ter sofrido por causa de uma crise na conjunção do poder e o aparecimento de novos problemas da comunidade, que acabaram por levar ao escape da colonização.

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Recebido em 16/03/1009Aprovado em 13/06/2009