ORATÓRIA E RETÓRICA

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ORATÓRIA E RETÓRICA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Neivor Schuck

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ORATOacuteRIA E RETOacuteRICA

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo EAD

UNIASSELVI-POacuteS

Autoria Neivor Schuck

CENTRO UNIVERSITAacuteRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470 Km 71 no 1040 Bairro Benedito

Cx P 191 - 89130-000 ndash INDAIALSCFone Fax (47) 3281-90003281-9090

Reitor Prof Hermiacutenio Kloch

Diretor UNIASSELVI-POacuteS Prof Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Poacutes-Graduaccedilatildeo EAD Prof Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da Poacutes-Graduaccedilatildeo EAD Profordf Baacuterbara Pricila Franz Profordf Tathyane Lucas Simatildeo Prof Ivan Tesck

Revisatildeo de Conteuacutedo Welder Lancieri MarchiniRevisatildeo Gramatical Equipe Produccedilatildeo de Materiais

Diagramaccedilatildeo e Capa Centro Universitaacuterio Leonardo da Vinci ndash UNIASSELVI

Copyright copy UNIASSELVI 2018Ficha catalograacutefica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI ndash Indaial

808025 S383o Schuck Neivor

Oratoacuteria e retoacuterica Neivor Schuck Indaial UNIASSELVI 2018

119 p il

ISBN 978-85-69910-92-3

1Retoacuterica - TeacutecnicasI Centro Universitaacuterio Leonardo Da Vinci

Neivor Schuck

Doutor em Ciecircncias da Religiatildeo pela PUCSP Mestre em Ciecirccias da Religiatildeo) pela PUCSP Poacutes Graduado em Psicopedagogia pelo Centro Universitario Satildeo Camilo Graduado em Filosofia

pelo Centro Universitaacuterio Satildeo Camilo Professor de Filosofia atuando principalmente nos seguintes

temas eacutetica poliacutetica educaccedilatildeo liacutengua alematilde pesquisa espiritualidade sauacutede e religiatildeo

Sumaacuterio

APRESENTACcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria 9

CAPIacuteTULO 2A Retoacuterica e a Oratoacuteria 49

CAPIacuteTULO 3

CAPIacuteTULO 4

A Arte de Argumentar 85

Implicaccedilotildees da Retoacuterica 101

APRESENTACcedilAtildeOEntendemos a necessidade do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica para os

estudantes de teologia devido agraves particularidades conceituais envolvidas Para podermos construir bons argumentos precisamos entender como estes satildeo produzidos e expostos E eacute neste momento que a disciplina de oratoacuteria e retoacuterica merece ser apresentada como uma maneira fundamental de entender os conceitos teoloacutegicos estudados

Na disciplina de oratoacuteria e retoacuterica o estudante pode desenvolver seu entendimento das diferentes formas de argumentar e constitui uma ideia Eacute no curso desta que o estudante poderaacute ampliar suas capacidades argumentativas de construccedilatildeo e explicaccedilatildeo de um argumento

Neste sentido esperamos que o estudante desenvolva essas capacidades

CAPIacuteTULO 1

Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Compreender a concepccedilatildeo da retoacuterica e sua finalidade identificando suas funccedilotildees e caracteriacutesticas

Identificar as fontes da retoacuterica grega e a discussatildeo com perspectiva platocircnica

Analisar as relaccedilotildees interpessoais e reconhecer as diferentes definiccedilotildees de retoacuterica e oratoacuteria

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

ContextualizaccedilatildeoO contexto do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica no mundo contemporacircneo eacute

bastante amplo Nesta disciplina queremos enfatizar a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade Vejamos como se considerava a arte retoacuterica na antiguidade

Havia-se deixado de lado ateacute aqui um ponto importante sobre o escopo da arte retoacuterica Por vezes a retoacuterica foi e ainda eacute apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes De fato muitos satildeo os que associam uma boa retoacuterica a um discurso bem elaborado destacado por diversos recursos de linguagem enfim ornamentado Essa definiccedilatildeo guarda correspondecircncia com os primeiros discursos dos sofistas ndash portanto anteriores ao aparecimento do tratado de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica ndash mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isoacutecrates (436-338 aC) haacutebil e longevo retor que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas predominantemente literaacuterias (o Paideia) Isoacutecrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialeacutetica eriacutestica (aqueles que se propunham agraves disputas a partir de posiccedilotildees antagocircnicas de mundo objetivando chegar a uma pretensatildeo de descoberta a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza eou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas que ensinavam a arte dos discursos poliacuteticos aos nobres Isoacutecrates natildeo acreditava que da dialeacutetica eriacutestica pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais ou que o simples fato de se arrebatar o maior nuacutemero possiacutevel de seguidores fosse um medidor da correccedilatildeo de um dado conhecimento Tampouco poder-se-ia fazer qualquer juiacutezo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos poliacuteticos mecanicamente jaacute que as condiccedilotildees para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL 1994 apud VIEIRA 2012 p 8)

Estudar oratoacuteria e retoacuterica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos mas se observarmos o cotidiano perceberemos que estamos permeados de argumentos retoacutericos apresentando cada qual um tipo de oratoacuteria A vocecirc estudante desta disciplina convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas

Conceito de Retoacuterica e Oratoacuteria

A retoacuterica no conhecimento humano especificamente na filosofia eacute uma forma de expressatildeo de exposiccedilatildeo de ideias utilizada pelos sofistas Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade natildeo existe uma verdade o que haacute eacute apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao iniciarmos a discussatildeo sobre a retoacuterica queremos expor quais satildeo suas caracteriacutesticas fundamentais e como estas caracteriacutesticas se relacionam com o modo com o qual nos expressamos

A vitalidade dos estudos retoacutericos ateacute os nossos dias foi o que levou agrave organizaccedilatildeo de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retoacuterica se tem havido ao longo de sua histoacuteria cheia de pontos altos mas tambeacutem de crises e questionamentos A bem dizer eacute esta mesma dialeacutetica que estaacute no bojo de sua proacutepria natureza que implica em controveacutersia discussatildeo e consequentemente em influecircncia e formaccedilatildeo de opiniatildeo De fato a Retoacuterica tem sido colocada agrave prova pelos mesmos princiacutepios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresccedila sempre aceitaccedilatildeo da mudanccedila o respeito agrave alteridade a consideraccedilatildeo da liacutengua como lugar de confronto das subjetividades Partindo-se do princiacutepio de que a argumentatividade estaacute presente em toda e qualquer atividade discursiva tem-se tambeacutem como baacutesico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe satildeo apresentadas Equivale portanto a conferir-lhe status e a qualificaacute-lo para o exerciacutecio da discussatildeo e do entendimento atraveacutes do diaacutelogo Na verdade o envolvimento natildeo eacute unilateral tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam quando o clima eacute de negociaccedilatildeo e em que prevalece o anseio de influecircncia e de poder (MOSCA 2001 p 16)

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga apontamos para alguns autores deste periacuteodo que representam muito bem a figura de um retoacuterico Nesse sentido merece destaque o filoacutesofo Goacutergias que muito bem definiu o natildeo ser Podemos citar ainda o filoacutesofo Protaacutegoras de Abdera que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade

A nossa discussatildeo sobre a retoacuterica e o papel da oratoacuteria na formulaccedilatildeo e na exposiccedilatildeo de argumentos passaraacute necessariamente por Platatildeo e Aristoacuteteles Estes dois filoacutesofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retoacuterica ou do bem dizer se assim quisermos De acordo com estes dois filoacutesofos e com os sofistas devemos estar atentos para a boa formulaccedilatildeo retoacuterica de um argumento e a boa oratoacuteria de exposiccedilatildeo do mesmo Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para que possamos entender expor e transmitir uma mensagem

Podemos observar isso na discussatildeo da Antiguidade desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo ao expor e escrever as ideias socraacuteticas nos passa a mensagem de que Soacutecrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade Jaacute alguns sofistas como Soacutefocles apresentam Soacutecrates como amigo dos sofistas e

Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante

que a forma de bem dizer as palavras ou

a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para

que possamos entender expor e transmitir uma

mensagem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

um retoacuterico Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve

O surgimento da Retoacuterica na Greacutecia antiga prende-se agrave luta reivindicatoacuteria de defesa de terras na Siciacutelia que haviam caiacutedo em poder de usurpadores Esse caraacuteter praacutetico aliado agrave eficaacutecia esteve sempre presente nas finalidades da Retoacuterica e eacute o que modernamente a situa junto agrave Pragmaacutetica De fato para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz haacute que levar em conta as caracteriacutesticas fundamentais da situaccedilatildeo em que ele se daacute e as relaccedilotildees de intersubjetividade dos interlocutores Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos satildeo produtos natildeo de um simples ato ilocutoacuterio como tambeacutem de elementos extraiacutedos da forccedila ilocucionaacuteria da situaccedilatildeo Cabe ainda lembrar que o ato de informar natildeo existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si proacuteprio Assim eacute que discursos que se tecircm como informativos tais como o cientiacutefico e o jornaliacutestico satildeo o exemplo disso uma vez que existem em funccedilatildeo de determinada finalidade praacutetica a ser atingida Por esse motivo coloca-se em questatildeo a tradicional divisatildeo das modalidades dos gecircneros jornaliacutesticos em informativos interpretativos e opinativos que na realidade serve apenas para balizar a praacutexis jornaliacutestica quando natildeo mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA 2001 p 26)

Segundo Platatildeo a retoacuterica eacute uma teacutecnica indispensaacutevel para quem quisesse governar a cidade porque quem rege deve saber falar e dominar a exposiccedilatildeo de um argumento Essa capacidade do governante impediria a manipulaccedilatildeo e o controle por outros membros do governo Contudo Platatildeo coloca a retoacuterica abaixo da filosofia e no diaacutelogo Goacutergias expotildee que o bem falar eacute uma arte de convencimento independentemente do conteuacutedo e por isso estaacute abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que eacute o filosoacutefico

Podemos entender que esta discussatildeo eacute muito importante para as pessoas que desejam lidar com o puacuteblico em geral pois haacute sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem sem se preocupar com a verdade ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou natildeo aos interlocutores Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diaacutelogo ou expressar uma ideia em puacuteblico Neste sentido o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica precisa conhecer os tipos formas e meacutetodos empregados pela retoacuterica para formular um argumento e da oratoacuteria para expor o mesmo

Outro filoacutesofo jaacute citado Aristoacuteteles desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retoacuterica De acordo com ele a retoacuterica eacute uma arte empiacuterica e cotidiana

Neste sentido precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso Neste aspecto a retoacuterica natildeo eacute pura transmissatildeo da verdade atraveacutes da oratoacuteria ela envolve diferentes aspectos do ser humano de sua personalidade e

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ambiente Para Aristoacuteteles devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento pois se tivermos uma boa teacutecnica poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade

Aleacutem disso Aristoacuteteles desenvolveu profundamente as caracteriacutesticas e a forma de refutaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo de um argumento Seguindo essa linha de raciociacutenio podemos concluir que Aristoacuteteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retoacuterica Ela serve tanto ao indiviacuteduo que quer discutir assuntos morais quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade Em outras palavras a retoacuterica deve ser uacutetil ao cidadatildeo

Segundo Aristoacuteteles devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias Neste sentido a retoacuterica contribui para aperfeiccediloar a qualidade e a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de um argumento

Aristoacuteteles foi o primeiro a desenvolver uma organizaccedilatildeo detalhada desta ferramenta do saber humano Inicialmente precisamos entender que todos noacutes fazemos uso da retoacuterica e da oratoacuteria pois satildeo formas de nos expressarmos Para Aristoacuteteles convencer o outro eacute a essecircncia de toda discussatildeo sobre retoacuterica Ao estabelecer formas de comportamento para o orador modelos de raciociacutenio tipos de premissas e a divisatildeo desta ferramenta o filoacutesofo classifica e padroniza a retoacuterica A divisatildeo apresentada por Aristoacuteteles eacute exoacuterdio construccedilatildeo refutaccedilatildeo e epiacutelogo Em alguns momentos o filoacutesofo coloca a narraccedilatildeo apoacutes o exoacuterdio

Ao contrapor a dialeacutetica com a retoacuterica Aristoacuteteles configurou a ela elementos e caracteriacutesticas que estavam dispersos

Apoacutes a elaboraccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica e a oratoacuteria foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores Mencionamos aqui os estoicos os empiacutericos e a tradiccedilatildeo romana de filoacutesofo Dioacutegenes filoacutesofo estoico grego entendia que a retoacuterica dialeacutetica

eacute parte da loacutegica neste sentido retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica eacute a arte de bem raciocinar Isso significa que a retoacuterica eacute a invenccedilatildeo de argumentos e desdobra-se em oratoacuteria quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes Para este grupo de filoacutesofos a retoacuterica se ocupa da forma de um argumento enquanto que a dialeacutetica deve se ater agrave veracidade ou agrave falsidade de um argumento

Retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica

eacute a arte de bem raciocinar

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

O grupo de pensadores empiacutericos pode ser representado pelo epicurismo que entende a retoacuterica como argumentos possiacuteveis derivados de signos Segundo este o meacutetodo utilizado eacute a conjetura Dito de outro modo a retoacuterica eacute uma ciecircncia que se opotildee agraves ciecircncias exatas isto eacute para bem falarmos e bem construirmos um argumento devemos seguir regras que provecircm da experiecircncia como o objetivo de considerar vaacuterios graus de probabilidade De acordo com esses filoacutesofos devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e ao mesmo tempo natildeo cairmos no simplismo do cotidiano Por exemplo em debates com amigos geralmente usamos laacutegrimas e dramas para convencer o outro

Entre os romanos destacamos Ciacutecero que entendia a retoacuterica e a oratoacuteria como algo fruto de muito conhecimento filosoacutefico artiacutestico e da ciecircncia Para ele sem o saber aprofundado a retoacuterica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero de oratoacutere I 17)

Para ser um bom orador devemos conhecer todos os grandes problemas filosoacuteficos cientiacuteficos e artiacutesticos Devemos pensar com sabedoria e eacute nisto que a retoacuterica consiste para Ciacutecero O saacutebio consegue desenvolver bem a arte retoacuterica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questotildees Ciacutecero entende que a teacutecnica da retoacuterica deve produzir natildeo soacute belos textos e belas oratoacuterias mas tambeacutem saacutebios justos

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retoacuterica antiga passamos agora a expor algumas caracteriacutesticas do desenvolvimento da retoacuterica no periacuteodo chamado de Idade Meacutedia Neste periacuteodo o Trivium a partir do seacuteculo IX constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais nesta eacutepoca a retoacuterica era entendida como arte do discurso Destacamos que a constituiccedilatildeo dos argumentos natildeo era puramente literaacuteria havia uma preocupaccedilatildeo com todas as aacutereas de conhecimento para expor e defender os argumentos

O desenvolvimento da retoacuterica medieval encontrou amparo em grandes teoacutelogos e filoacutesofos Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradiccedilatildeo platocircnica articulando as suas ideias com a de Ciacutecero e outros retoacutericos romanos Retomou tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelica da loacutegica para discutir os grandes problemas nesta aacuterea de conhecimento

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Oratoacuteria e Retoacuterica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboraccedilatildeo dos problemas retoacutericos baseados na eloquecircncia ou no bem falar remetendo agrave iluminaccedilatildeo do intelecto satisfaccedilatildeo da imaginaccedilatildeo desencadear as paixotildees e por uacuteltimo evocar a vontade Este processo culminou na completa distinccedilatildeo entre filosofia e retoacuterica Se em Platatildeo e Aristoacuteteles filosofia oratoacuteria e retoacuterica caminham juntas no iniacutecio da modernidade elas se separaram constituindo campos de saber distintos dentro de um espaccedilo geral de conhecimento

Para explicarmos de maneira detalhada o que eacute retoacuterica evocamos o pensador Reboul que define o termo retoacuterica eacute ldquoa arte de persuadir pelo discurso Por discurso entendemos toda a produccedilatildeo verbal escrita ou oral constituiacuteda por uma frase ou uma sequecircncia de frases que tenha comeccedilo e fim e apresente certa ordem de sentido De fato um discurso incoerente feito por um becircbado ou por um louco satildeo vaacuterios discursos tomados por um soacuterdquo (REBOUL 2004 p 14)

Para este autor soacute podemos chamar de retoacutericos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes Citamos alguns exemplos ldquopleito advocatiacutecio alocuccedilatildeo poliacutetica sermatildeo folheto cartaz de publicidade panfleto faacutebula peticcedilatildeo ensaio tratado de filosofia de teologia ou de ciecircncias humanas Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satiacuterico ou laudatoacuterioldquo (REBOUL 2004 p 14)

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratoacuteria de algo Neste sentido queremos fazer uma distinccedilatildeo entre convencer algueacutem a crer em noacutes e convencer algueacutem a fazer algo Do ponto de vista estritamente retoacuterico queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em noacutes eacute o nuacutecleo da retoacuterica enquanto arte de persuasatildeo Neste aspecto levar algueacutem a

fazer algo jaacute eacute um passo aleacutem Pascal (apud Reboul 2004) destaca que podemos usar elementos como o dinheiro para persuadir os outros de que nossa causa eacute justa mas isso natildeo eacute um convencimento retoacuterico pois os argumentos natildeo foram contrapostos e natildeo houve sequer uma argumentaccedilatildeo

Lembremos que a teacutecnica retoacuterica eacute ambiacutegua pois pode representar uma habilidade espontacircnea ou uma capacidade adquirida Se considerarmos a retoacuterica espontacircnea como forma de convencimento dos outros precisamos entender que

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre

procura persuadir seus interlocutores

pela oratoacuteria de algo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sem a teacutecnica adquirida com o tempo natildeo conseguiremos ter ecircxito em nossa tarefa Segundo Reboul ldquoo verdadeiro orador eacute um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava figuras de que ningueacutem teria ideia e que se mostram ajudadas artistas cujos desempenhos natildeo satildeo programaacuteveis e que soacute se fazem sentir posteriormenterdquo (REBOUL 2004 p 16)

Neste sentido a constituiccedilatildeo de um argumento retoacuterico e a expressatildeo deste por um orador dependem da escolha que este fizer Tudo isso implica em considerar a finalidade da retoacuterica Queremos convencer ou enganar

Como vimos a persuasatildeo eacute a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponiacuteveis Persuadir natildeo eacute a mesma coisa que enganar Existe uma sutil diferenccedila mas que eacute substancial enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir eacute convencer utilizando os argumentos disponiacuteveis

Para comeccedilarmos a responder a este questionamento explicaremos o que significa a arte da persuasatildeo Eis pois a mais antiga definiccedilatildeo de retoacuterica que conhecemos ou seja a arte de persuadir Neste sentido vale lembrar que eacute importante distinguir o que eacute argumentaccedilatildeo e oratoacuteria

A competecircncia racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes os que satildeo componentes silogiacutesticos e os que se apoiam em exemplos Neste sentido vale lembrar que para Aristoacuteteles a competecircncia afetiva de um argumento eacute mais eficiente que o silogismo Isso significa que um silogismo encadeamento loacutegico de raciociacutenios eacute destinado a um grupo teacutecnico de ouvintes por exemplo um juacuteri enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande puacuteblico

Segundo Reboul (2004) no que tange agrave afetividade podemos distinguir o caraacuteter do ethos em portuguecircs caraacuteter eacutetico do orador que procura convencer os interlocutores e o pathos em portuguecircs a paixatildeo ou compaixatildeo gerada pelo discurso cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compotildee de duas partes o argumentativo e o oratoacuterio Assim quando um orador se expressa ele estaacute no modo oratoacuterio neste sentido metaacuteforas e hipeacuterboles constituem artifiacutecios retoacutericos e satildeo argumentativas quando condensam um argumento

Hermenecircutica Passaremos agora ao modelo hermenecircutico Quando expressamos um

discurso ele nunca estaacute soacute sempre estaacute em diaacutelogo com outros oradores se antepotildee a este e dialoga com os mesmos

Para convencer um interlocutor eacute preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo Este processo soacute eacute possiacutevel por causa da possibilidade de interpretaccedilatildeo que possuiacutemos Neste sentido a arte de interpretar textos chamada de hermenecircutica eacute fundamental ao orador que quer ser compreendido

HeuriacutesticaOutra caracteriacutestica eacute a heuriacutestica que significa encontrar algo remetendo ao

grego euro ou eureka ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano Natildeo nos referimos diretamente agrave ciecircncia falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto Neste aspecto a heuriacutestica contribui para o confronto de ideias na demonstraccedilatildeo delas e na descoberta de coisas que natildeo sabemos

Ainda merece menccedilatildeo a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica que constitui um caminho que engloba vaacuterias aacutereas de saber De acordo com Reboul (2004 p 22)

[] no fim do seacuteculo XIX a retoacuterica foi abolida do ensino francecircs e o proacuteprio termo foi riscado dos programas Todavia como em geral acontece no ensino em se apagando a palavra natildeo se suprimiu a coisa A retoacuterica permaneceu soacute que desarticulada privada de sua unidade interna e de sua coerecircncia em todo caso os professores quase sempre sem saber fazem retoacuterica

Assim a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica e o estilo das construccedilotildees verbais

permaneceram mesmo que com dificuldades Neste sentido entendemos que para bem dizer precisamos tambeacutem aprender a ser visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu proacuteprio estado confuso da existecircncia

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Para Que Serve a RetoacutericaVocecirc aluno de Oratoacuteria e Retoacuterica pode se aprofundar no significado e na

serventia da retoacuterica se observar o seu cotidiano A retoacuterica e a oratoacuteria podem servir a diferentes fins Destacamos alguns servem para persuadir interlocutores em debates filosoacuteficos religiosos acadecircmicos ou em outros ambientes sociais Na filosofia costumamos entender a retoacuterica como o modo de formular bons argumentos para posteriormente pela oratoacuteria expocirc-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos Na religiatildeo costuma-se usar a oratoacuteria para desenvolver argumentos e convencer os fieacuteis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras

Assim os religiosos utilizam a retoacuterica com a finalidade de explicar as questotildees controversas e consequentemente elucidar as dificuldades dos fieacuteis Jaacute os acadecircmicos utilizam meacutetodos de retoacuterica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem tiacutetulos promoccedilotildees e debater ideias no acircmbito da conjetura intelectual Destacamos ainda o uso da retoacuterica e oratoacuteria no meio social no cotidiano das nossas existecircncias falamos da famiacutelia do ciacuterculo de amigos e da convivecircncia em nossos locais de trabalho

Algumas pessoas pensam que argumentar eacute apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova Eacute por isso que muita gente considera que argumentar eacute desagradaacutevel e inuacutetil confundindo argumentar com discutir Dizemos por vezes que discutir eacute uma espeacutecie de luta verbal Contudo argumentar natildeo eacute nada disso [] laquoargumentarraquo quer dizer oferecer um conjunto de razotildees a favor de uma conclusatildeo ou oferecer dados favoraacuteveis a uma conclusatildeo [] argumentar natildeo eacute apenas a afirmaccedilatildeo de determinado ponto de vista nem uma discussatildeo Os argumentos satildeo tentativas de sustentar certos pontos de vista com razotildees Neste sentido os argumentos natildeo satildeo inuacuteteis na verdade satildeo essenciais Os argumentos satildeo essenciais em primeiro lugar porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista Nem todos os pontos de vista satildeo iguais Algumas conclusotildees podem ser defendidas com boas razotildees e outras com razotildees menos boas No entanto natildeo sabemos na maioria das vezes quais satildeo as melhores conclusotildees Precisamos por isso apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusotildees e depois avaliar tais argumentos para ver se satildeo realmente bons Neste sentido um argumento eacute uma forma de investigaccedilatildeo Alguns filoacutesofos e ativistas argumentaram por exemplo que criar animais soacute para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que portanto eacute injustificado e imoral Seraacute que tecircm razatildeo Natildeo podemos decidir consultando os nossos preconceitos Estatildeo envolvidas muitas questotildees Por exemplo temos obrigaccedilotildees morais para com outras espeacutecies ou o sofrimento humano eacute o uacutenico realmente mau Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne Alguns vegetarianos vivem ateacute idades muito avanccediladas Seraacute que este fato mostra que as dietas vegetarianas satildeo mais saudaacuteveis Ou seraacute irrelevante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tendo em conta que alguns natildeo vegetarianos tambeacutem vivem ateacute idades muito avanccediladas (Eacute melhor perguntarmos se haacute uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem ateacute idades avanccediladas) Teratildeo as pessoas mais saudaacuteveis tendecircncia para se tornarem vegetarianas ao contraacuterio das outras Todas estas questotildees tecircm de ser apreciadas cuidadosamente e as respostas natildeo satildeo a partida oacutebvia (WESTON 1996 p 5)

A arte retoacuterica e a oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausiacuteveis no que se refere agrave arguiccedilatildeo e exposiccedilatildeo de ideias A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento uma convicccedilatildeo ou um projeto Este meacutetodo de persuasatildeo pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas vaacuterias especificidades ou pode servir para enganar ludibriar e prejudicar outras pessoas

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retoacuterica e da oratoacuteria Platatildeo e Aristoacuteteles cada qual ao seu modo procuraram estabelecer criteacuterios ou maneiras para evitarmos destruir a existecircncia alheia Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias inquiriu o mesmo sobre a implicaccedilatildeo moral de determinadas posturas retoacutericas Assim a arte da persuasatildeo natildeo eacute um vale-tudo mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questotildees que queremos discutir Aristoacuteteles defendeu uma separaccedilatildeo entre retoacuterica e oratoacuteria para que ficasse claro qual estilo de argumentaccedilatildeo o indiviacuteduo estava praticando Deste modo a retoacuterica serviria para desenvolvermos raciociacutenios claros e silogiacutesticos sobre um assunto especiacutefico enquanto que a oratoacuteria serviria para expormos poesias e formas literaacuterias de estilo proacuteprio

Assim conforme aponta Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retoacuterica

A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente

na tentativa do convencimento

alheio para podermos transmitir

um pensamento uma convicccedilatildeo ou

um projeto

A QUE SE REFERE UM DISCURSO ndash TRECHO DE PLATAtildeO

Soacutecrates mdash Entatildeo diz a respeito de quecirc A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retoacuterica

Goacutergias mdash Aos negoacutecios humanos Soacutecrates e os mais importantes

Soacutecrates mdash Mas isso Goacutergias tambeacutem eacute ambiacuteguo e nada preciso Creio que jaacute ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeraccedilatildeo dos bens e dizer que

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

o melhor bem eacute a sauacutede o segundo ser belo e o terceiro conforme se exprime o poeta da cantilena enriquecer sem fraude

Goacutergias mdash Jaacute ouvi mas a que vem isso

Soacutecrates mdash Eacute que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena a saber o meacutedico o pedoacutetriba e o economista e falasse em primeiro lugar o meacutedico Soacutecrates Goacutergias te engana natildeo eacute sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens poreacutem a minha E se eu lhe perguntasse Quem eacutes para falares dessa maneira Sem duacutevida responderia que era meacutedico Queres dizer com isso que o produto de tua arte eacute o melhor dos bens Como poderia Soacutecrates deixar de secirc-lo se se trata da sauacutede Haveraacute maior bem para os homens do que a sauacutede E se depois dele por sua vez falasse o pedoacutetriba Muito me admiraria tambeacutem Soacutecrates se Goacutergias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha A esse do meu lado eu perguntara Quem eacutes homem e com que te ocupas Sou professor de ginaacutestica me diria e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto Depois do pedoacutetriba falaria o economista quero crer num tom depreciativo para os dois primeiros Considera bem Soacutecrates se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza tanto na atividade de Goacutergias como na de quem quer que seja Como Decerto lhe perguntaacuteramos eacutes fabricante de riqueza Responderia que sim Quem eacutes entatildeo Sou economista E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza Voltariacuteamos a falar-lhe Como natildeo me responderia No entanto lhe diriacuteamos o nosso Goacutergias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua Eacute fora de duacutevida que a seguir ele me perguntaria Que espeacutecie de bem eacute esse Goacutergias que o diga Ora bem Goacutergias imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor

Goacutergias mdash Que eacute de fato o maior bem Soacutecrates e a causa natildeo apenas de deixar livres os homens em suas proacuteprias pessoas como tambeacutem de tornaacute-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades

Soacutecrates mdash Que queres dizer com isso

Goacutergias mdash O fato de por meio da palavra poder convencer os juiacutezes no tribunal os senadores no conselho e os cidadatildeos nas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

assembleias ou em toda e qualquer reuniatildeo poliacutetica Com semelhante poder faraacutes do meacutedico teu escravo e do pedoacutetriba teu escravo tornando-se manifesto que o tal economista natildeo acumula riqueza para si proacuteprio mas para ti que sabes

Fonte Platatildeo (2005 p 6-7)

A serventia do pensamento retoacuterico e da oratoacuteria tambeacutem varia conforme o repertoacuterio do sujeito que se dispotildee a praticar tal arte Se considerarmos um sujeito de aptidotildees variadas e qualidades profissionais e acadecircmicas bem desenvolvidas a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existecircncia Por outro lado se considerarmos um sujeito que possui restriccedilotildees intelectuais e profissionais natildeo poderemos concluir a mesma coisa Lembremos que natildeo estamos falando de condiccedilotildees sociais nos referimos ao interesse profissional e acadecircmico de cada indiviacuteduo

Por isso a retoacuterica serve a diversos fins dependendo como jaacute disseram os filoacutesofos relativistas gregos do contexto em que estaacute inserida Conforme aponta Protaacutegoras ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo artes distintas que servem conforme a conveniecircncia humana Este modo de pensar eacute atual e estaacute presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e natildeo nos preocupamos com os problemas alheios

Natildeo eacute de hoje a presenccedila da retoacuterica entre noacutes no cotidiano Na Antiguidade observamos argumentaccedilotildees puacuteblicas debates e relaccedilotildees costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitaccedilotildees

No periacuteodo chamado de Idade Meacutedia a retoacuterica foi usada como meacutetodo de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo a tradiccedilatildeo platocircnica em Agostinho e aristoteacutelica em Tomaacutes de Aquino A apropriaccedilatildeo desta arte no pensamento medieval cedeu devido agrave necessidade de impor e apresentar o meio de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados visto que a comunidade estava imersa na visatildeo de mundo do catolicismo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Ao retomarem as ideias platocircnicas os exegetas do periacuteodo chamado primeira Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo IX desenvolveram meacutetodos e sugestotildees de interpretaccedilatildeo fundados na ideia de convencimento alheio Configura-se neste periacuteodo uma grande ecircnfase na retoacuterica argumentativa que quer persuadir o outro sobre uma verdade que estaacute sendo transmitida

Jaacute os seguidores da tradiccedilatildeo aristoteacutelica desenvolveram uma retoacuterica e uma oratoacuteria mais sofisticadas com diferentes gecircneros e estruturas formais Tomaacutes de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teoloacutegico utilizando o princiacutepio da refutaccedilatildeo de provas fundado por Aristoacuteteles bem como seguiu a divisatildeo proposta por Aristoacuteteles

Percebemos neste periacuteodo que a retoacuterica e a oratoacuteria encontram-se submersas em meio a toda a discussatildeo teoloacutegica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregaccedilotildees dentro das igrejas

Este processo comumente chamado de adoccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade remonta ao livro da criaccedilatildeo pois eacute no livro dos Gecircneses 217 que Deus faz uma pregaccedilatildeo ldquoporque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morreraacutesrdquo isso significa que tambeacutem o Criador utilizou de argumentos retoacutericos para explicar a sua criaccedilatildeo para suas criaturas Assim a retoacuterica e a oratoacuteria no periacuteodo chamado de medieval estatildeo embebidas por conteuacutedos religiosos

Verificamos pregaccedilotildees por todo esse periacuteodo desde Agostinho (354-430 dC) ateacute o seacuteculo XV Esse periacuteodo eacute claramente marcado pela eloquecircncia fervor e tentativa de persuasatildeo que resultou na expansatildeo do modelo de religiatildeo por grande parte do mundo conhecido Podemos atribuir a retoacuterica da predicaccedilatildeo a Agostinho e organizaccedilatildeo do Trivium grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade como constituintes da estrutura da retoacuterica Tambeacutem os seguidores de Aristoacuteteles desencadearam classificaccedilotildees e tipificaccedilotildees para os estudos biacuteblicos A principal mudanccedila que esses fizeram foi adaptar o princiacutepio do verossiacutemil transformando de uma possibilidade para uma verdade uacuteltima e dogmas Merece destaque o teoacutelogo Isidoro (560-636) que dividiu a retoacuterica em exoacuterdio narraccedilatildeo argumentaccedilatildeo e por uacuteltimo conclusatildeo Esta divisatildeo didaacutetica da retoacuterica serve para fins de entendimento da interpretaccedilatildeo dos diferentes pensadores sobre o problema da separaccedilatildeo das partes da retoacuterica

Muitos satildeo os autores que nesta eacutepoca configuraram uma retoacuterica cristatilde O que podemos entender eacute que haacute uma imensa variedade de soluccedilotildees para problemas teoloacutegicos apresentados durante a chamada Idade Meacutedia Assim percebemos que a adoccedilatildeo de princiacutepios platocircnico-aristoteacutelicos configurou por volta do seacuteculo XIII a retoacuterica comumente usada nos sermotildees Essa nova oratoacuteria servia muito bem para convencer os coraccedilotildees dos fieacuteis e lhes trazer o conforto

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Oratoacuteria e Retoacuterica

religioso Neste periacuteodo se incluiacuteram faacutebulas ou pequenas histoacuterias durante o sermatildeo para que os fieacuteis geralmente leigos pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva

A funccedilatildeo desta formulaccedilatildeo retoacuterica pode ser resumida em trecircs partes 1) ler o texto 2) discutir o texto e 3) fazer uma pregaccedilatildeo Esta divisatildeo serve ateacute nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica em uma faculdade de Teologia Os sermotildees mais elaborados ocorriam nas universidades medievais mas nas igrejas especialmente nos finais de semana podiacuteamos observar pregaccedilotildees com organizaccedilatildeo e estrutura retoacuterica Um exemplo eacute o estudo biacuteblico em que se pode utilizar deste meacutetodo retoacuterico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto

Neste sentido a retoacuterica claacutessica se expandiu na chamada Idade Meacutedia e configurou um imenso campo de discussatildeo que outrora estava restrito agrave Greacutecia ou a Roma

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos Veja a seguir

1 Transmitir uma mensagem nesta perspectiva a retoacuterica serve aos indiviacuteduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendecirc-las2 Persuadir os interlocutores neste quesito a retoacuterica praticamente natildeo se modificou desde Platatildeo em seu diaacutelogo Goacutergias eacute que se encontra esta definiccedilatildeo

3 Finalidade este aspecto pode ser encontrado em Aristoacuteteles que com sua classificaccedilatildeo entendia que um discurso deve ter um propoacutesito um fim portanto ela serve agravequilo que tivermos como fim

A retoacuterica em nosso meio serve a diversas finalidades mas nem sempre percebemos Quando temos uma enfermidade e consultamos um meacutedico temos que convencecirc-lo atraveacutes de palavras e explicaccedilotildees de que sofremos de uma moleacutestia Caso nossa moleacutestia natildeo seja aparente entatildeo fica ainda mais difiacutecil pois ele precisa acreditar nos argumentos retoacutericos que noacutes propusemos para que continue a consulta e nos traga uma soluccedilatildeo para a moleacutestia

Este exemplo deixa claro como a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo presentes em nosso meio sem ao menos percebermos por isso sua finalidade vai aleacutem da produccedilatildeo e configuraccedilatildeo de discursos argumentos e debates

Se considerarmos a retoacuterica como parte do nosso meio perceberemos a importacircncia do estudo e da dedicaccedilatildeo a tal arte do bem falar proporcionando aos interlocutores e a noacutes maior qualidade e eficaacutecia na transmissatildeo de ideias

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos1 Transmitir uma

mensagem2 Persuadir os interlocutores3 Finalidade

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Se retomarmos o pensamento da retoacuterica claacutessica isto eacute da Antiguidade notaremos que quando organizamos um raciociacutenio conforme aponta Aristoacuteteles estamos organizando tambeacutem nossas proacuteprias ideias visto que em geral noacutes temos ideias desarticuladas e eacute pelo exerciacutecio da retoacuterica que conseguimos contrapor ideias e contribuiacutemos para o meacutetodo dialeacutetico que opotildee verdades Deste modo retirarmos algo provisoacuterio para montarmos nosso raciociacutenio

Sob esta oacutetica precisamos entender o que satildeo silogismos Aristoacuteteles explica que silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo especiacutefico da razatildeo do contraacuterio seratildeo somente ideias desconexas Os raciociacutenios silogiacutesticos antes de qualquer coisa devem versar sobre algum assunto particular distinguindo-se lugares espeacutecies gecircneros e formas Para entendermos isto precisamos saber quais satildeo os gecircneros da retoacuterica segundo Aristoacuteteles Este assunto eacute um dos constituintes mais importantes da arte retoacuterica de modo que os elementos que compotildeem o gecircnero retoacuterico satildeo 1) O orador 2) o assunto 3) o ouvinte Sem estes elementos natildeo se faz a arte retoacuterica portanto o orador deve expor o seu discurso precisa estar atento ao seu assunto e os interlocutores precisam ouvir e por conseguinte saber distinguir as diversas finalidades de um discurso

Caracteriacutesticas da Arte de Falar Bem As caracteriacutesticas para desenvolvermos uma boa retoacuterica e uma boa oratoacuteria

podem ser resumidas em trecircs aspectos fundamentais 1) conteuacutedo do discurso 2) forma do discurso 3) objetivo do discurso

bull No primeiro elemento denominado conteuacutedo do discurso o orador

deve estar atento agrave formulaccedilatildeo retoacuterica dos argumentos Neste sentido o conteuacutedo deve abranger aquilo a que ele se propotildee e expor sem dificuldades e correccedilotildees ou ambiguidades

bull A segunda caracteriacutestica eacute a forma do discurso que deve deixar claro se os argumentos retoacutericos elencados pelo orador satildeo narrativos metafoacutericos paraacutebolas ou explicaccedilotildees cientiacuteficas como silogismos loacutegicos Isto significa que antes de comeccedilarmos um discurso e expor a forma que iremos usar pode ser falada qual eacute a forma ou durante a apresentaccedilatildeo expor esta forma

bull A terceira caracteriacutestica de uma boa formulaccedilatildeo retoacuterica eacute o objetivo de um discurso Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Dito isso seguimos a esteira dos passos iniciais da retoacuterica inaugurada pelos sofistas na Greacutecia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano Eacute no pensamento sofiacutestico que encontramos esboccedilo de gramaacutetica formas de prosa tanto ornada como erudita Segundo esses filoacutesofos natildeo haacute transmissatildeo da possibilidade da verdade em um debate isto eacute completamente contraacuterio ao ideal socraacutetico que sempre estaacute em busca de uma verdade

Esses pensadores desenvolveram caracteriacutesticas que a partir do Kairoacutes tempo oportuno possibilitaram entender que uma discussatildeo sempre estaacute tentando evitar a fuga das coisas ela se agarra agrave oportunidade de uma reacuteplica eis que haacute elementos substanciais para formulaccedilatildeo posterior da retoacuterica aristoteacutelica

Os sofistas constituiacuteram o fundamento da retoacuterica ocidental sob a ideia da controveacutersia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussotildees O mundo desses filoacutesofos sofistas natildeo tem realidade objetiva muito menos verdade para eles a uacutenica coisa viaacutevel eacute o discurso ou seja a retoacuterica Neste sentido dizer que um discurso eacute verdadeiro ou verossiacutemil eacute soacute um artifiacutecio retoacuterico para calar a boca de algueacutem

A retoacuterica inaugurada pelos sofistas natildeo estaacute abaixo do saber seu objetivo eacute o poder em outras palavras os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam ldquoa governar bem suas casas e suas cidadesrdquo (REBOUL 2004 p 10) Isso significa que o que importa eacute servir o poder

Sob esta perspectiva podemos entender que a retoacuterica satisfez agrave necessidade teacutecnica juriacutedica bem como a prova literaacuteria agrave filosofia e ao ensino na Greacutecia antiga Isoacutecrates pensador grego desenvolveu uma retoacuterica que abrange esses aspectos mencionados Em sua longa vida de 99 anos Isoacutecrates (436-338 aC) libertou a retoacuterica da sofiacutestica grega ele contribuiu para desenvolver e ampliar as caracteriacutesticas da arte retoacuterica Apoacutes sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa tendo ele escrito sua proacutepria defesa resolveu publicar o texto intitulado ldquoA trocardquo foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retoacuterica

Seu meacutetodo de ensino partia da reflexatildeo dos alunos com os quais ele sentava e discutia as questotildees corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos Segundo ele natildeo satildeo todas as pessoas que podem praticar a boa oratoacuteria deve haver algumas condiccedilotildees para que o sujeito possa desenvolver esta arte

Para ele eacute necessaacuterio aptidatildeo natural praacutetica constante e ensino sistemaacutetico para que se configure um bom orador Haacute uma clara discordacircncia entre ele e os

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sofistas pois para Isoacutecrates natildeo se pode criar um bom orador apenas se pode aperfeiccediloar algueacutem com aptidatildeo para tal arte De acordo com Reboul Isoacutecrates queria um modelo de retoacuterica ldquosoacutebria clara precisa isenta de termos raros de neologismos de metaacuteforas brilhantes de ritmos marcados mas sutilmente bela e profundamente harmoniosardquo (REBOUL 2004 p 11)

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber Isoacutecrates afirma que a retoacuterica deve seguir uma causa honesta e nobre Para ele as pessoas satildeo livres para bem usar os artifiacutecios retoacutericos mas devemos estar preocupados com a formaccedilatildeo moral e literaacuteria dos oradores para que estes natildeo caiam no acaso logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existecircncia Segundo ele o que nos distingue dos animais eacute a palavra e essa caracteriacutestica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos Neste sentido eacute a liacutengua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar agraves guerras

A retoacuterica eacute um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condiccedilatildeo de linguagem e arguiccedilatildeo persuasiva frente aos seus interlocutores O orador pode falar de virtudes paixotildees e outros assuntos com qualidade e precisatildeo caso saiba estruturar o seu discurso

A razatildeo de ser da retoacuterica que constitui uma das suas principais caracteriacutesticas eacute justamente o fato de ela querer convencer algueacutem logo ela aborda elementos que satildeo comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade O orador deve saber formular silogismos que satildeo raciociacutenios loacutegicos sobre as provas empiacutericas que ele escolher Um bom silogismo deve conter premissas plausiacuteveis sendo que natildeo pode haver confusatildeo entre as partes descritas

Um bom orador estabelece as caracteriacutesticas mais provaacuteveis para um acontecimento seu raciociacutenio sempre considera probabilidades e natildeo descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem Ele deve considerar todas as situaccedilotildees viaacuteveis e por eliminaccedilatildeo e contradiccedilatildeo sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstraacutevel

Para entendermos como se configurou a retoacuterica moderna devemos entender como se deu o processo de assimilaccedilatildeo durante o periacuteodo medieval pois este periacuteodo herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Claacutessica De acordo com Costa (2008)

Diretamente herdeira da Retoacuterica claacutessica a Retoacuterica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de trecircs fontes a Retoacuterica a Herecircnio a Doutrina oratoacuteria (Institutio oratoacuteria de Quintiliano [35-95]) e a tradiccedilatildeo cristatilde (desde Satildeo Jerocircnimo [340-420] ateacute Santo Agostinho [354-430])

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Um dos manuais de Retoacuterica mais estimados na Idade Meacutedia foi a Retoacuterica a Herecircnio (Rethorica ad Herennium) texto entatildeo atribuiacutedo a Ciacutecero (106-43 aC) mas na verdade de autor desconhecido Escrito no seacuteculo I antes de Cristo em meio agrave crise da Repuacuteblica romana o tratado natildeo deixava de destacar as teacutecnicas para se obter a docilidade e a benevolecircncia dos ouvintes ndash como eacute tiacutepico dos toacutepicos da Retoacuterica ndash mas as fundamentava no conceito de justiccedila e especialmente na diferenccedila entre o bem e o mal como se depreende nessa passagemConveacutem que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplaacute-la No debate poliacutetico a utilidade divide-se em duas partes a segura e a honesta [] A mateacuteria honesta divide-se em reto e louvaacutevel Reto eacute o que se faz com virtude e dever Subdivide-se em prudecircncia justiccedila coragem e modeacutestia Prudecircncia eacute a destreza que pode com certo meacutetodo discernir o bem e o mal []Esse soacutelido alicerce eacutetico exposto na Retoacuterica a Herecircnio tem por sua vez raiz em Aristoacuteteles (384-322 aC) Em sua Retoacuterica o Estagirita sustentou as bases filosoacuteficas da virtude da justiccedila do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retoacuterica [] os homens tecircm uma inclinaccedilatildeo natural para a verdade e a maior parte das vezes alcanccedilam-na E por isso ser capaz de discernir sobre o plausiacutevel eacute ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade [] Mas a retoacuterica eacute uacutetil porque a verdade e a justiccedila satildeo por natureza mais fortes que os seus contraacuterios De sorte que se os juiacutezos se natildeo fizerem como conveacutem a verdade e a justiccedila seratildeo necessariamente vencidas pelos seus contraacuterios e isso eacute digno de censura (COSTA 2008 p 31)

Essa assimilaccedilatildeo da retoacuterica no periacuteodo medieval permitiu que ela fosse

adotada para o acircmbito religioso As exegeses e sermotildees comeccedilaram a conter elementos da forma grega de argumentar Depois de algum tempo jaacute havia sistemas estruturados de interpretaccedilatildeo dos textos que permitiam anaacutelises e explicaccedilotildees detalhadas das escrituras sagradas

Um bom argumento deve conter raciociacutenios irrefutaacuteveis pois do contraacuterio natildeo chegaremos a uma conclusatildeo viaacutevel

Entre as caracteriacutesticas da retoacuterica gostariacuteamos de fazer uma pequena distinccedilatildeo entre a funccedilatildeo teoloacutegica e a funccedilatildeo filosoacutefica da retoacuterica Para a filosofia a retoacuterica deve elucidar argumentos filosoacuteficos e o conteuacutedo de seus conceitos permitindo ao puacuteblico e ao estudante desta arte uma compreensatildeo clara e distinta acerca dos problemas da filosofia

Na filosofia a arte da persuasatildeo deve servir agrave elucidaccedilatildeo dos grandes problemas teoacutericos e para exposiccedilatildeo de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais Os primeiros manuais de retoacuterica publicados por Coacuterax e Tiacutesias por volta do seacuteculo V aC formularam os elementos para tais exposiccedilotildees Jaacute Goacutergias (483-380 aC) valorizou o significado da palavra como fundadora pois para este eacute a palavra que comanda um exeacutercito faz um porto ou determina

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

a natureza de um Estado Durante este periacuteodo inuacutemeras caracterizaccedilotildees diferenciaram a retoacuterica mas em geral todas concordam que uma boa retoacuterica proporcionaraacute uma possibilidade de se formar um orador Neste sentido distinguimos a caracteriacutestica da retoacuterica de formular discursos da oratoacuteria que definimos pela arte de se expressar em puacuteblico

Na teologia a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram caracteriacutesticas de eloquecircncia nos sermotildees e nos debates teoloacutegicos Destacamos que os principais motivos desta formulaccedilatildeo remetem agrave tentativa de converter os infieacuteis e produzir uma interpretaccedilatildeo biacuteblica

De modo resumido podemos dizer que os modos de persuasatildeo ajudam os indiviacuteduos em um debate para que estes possam formular pela retoacuterica e expor pela oratoacuteria as suas verdades Se na Idade Meacutedia o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formaccedilatildeo humana na Modernidade percebemos uma pulverizaccedilatildeo destas artes e uma constante divisatildeo que gerou uma teacutecnica distinta do conteuacutedo da retoacuterica

Os significados de Trivium e Quadrivium satildeo respectivamente Os trecircs caminhos que levam ao homem a eloquecircncia 1) gramaacutetica 2) retoacuterica 3) loacutegica Quadrivium Os quatro caminhos para a sabedoria do homem que satildeo 1) aritmeacutetica 2) muacutesica 3) geometria 4) astronomia

Neste sentido se na Antiguidade e na Idade Meacutedia retoacuterica e oratoacuteria se articulavam e completavam-se formando uma aacuterea de saber na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificaccedilatildeo que resultou em uma retoacuterica especiacutefica para profissatildeo

Embora a Retoacuterica de Aristoacuteteles tenha sido pouco lida o fato eacute que a tradiccedilatildeo grega contraacuteria aos sofistas elevou a Retoacuterica agrave categoria de valor Mesmo Platatildeo (c 429-347 aC) tatildeo avesso agrave Retoacuterica em sua Repuacuteblica ideal fez Soacutecrates afirmar que ela para deixar de ser uma adulaccedilatildeo deveria estar a serviccedilo da filosofia da educaccedilatildeo como ldquoarte de guiar a alma por meio de raciociacutenios (Fedro 261a) para se chegar agrave verdade agrave justiccedila e ao bemrdquo Assim desde a filosofia de Platatildeo a verdadeira finalidade da Retoacuterica natildeo deveria ser o ato de agradar aos homens como defendiam os sofistas mas agradar a Deus (Fedro 273e)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Em outras palavras a tradiccedilatildeo claacutessica grega legou aos romanos a noccedilatildeo de que a verdadeira Retoacuterica deveria estar a serviccedilo da eacutetica e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retoacuterico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas accedilotildees com o intuito de infundir a justiccedila nas almas dos cidadatildeos fazendo com que neles reinassem a prudecircncia a moderaccedilatildeo e sobretudo desaparecesse o destempero todas as energias do Estado e do indiviacuteduo deveriam portanto dedicar-se agrave busca do bem natildeo agrave satisfaccedilatildeo dos desejos Esses pressupostos estatildeo muito presentes em Quintiliano afamadiacutessimo professor de Retoacuterica do primeiro seacuteculo de nossa era Ao escrever sua obra-prima em 95 dC a Doutrina oratoacuteria este romano-espanhol de Calahorra natildeo teve qualquer receio em seguir a tradiccedilatildeo de Catatildeo (234-149 aC) e definir em seu Livro XII o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer mas sobretudo um homem bom (ldquovir bonus dicendi peritusrdquo) particularmente por seus costumes Todo esse manancial eacutetico claacutessico que norteou a Retoacuterica foi generosamente sorvido pela tradiccedilatildeo cristatilde especialmente atraveacutes de Satildeo Jerocircnimo (c 340-420) e Santo Agostinho (354-430) que a retransmitiram aos medievais (Jerocircnimo atraveacutes de suas cartas e Agostinho em suas Confissotildees) Isidoro de Sevilha (560-636) por fim fortaleceu a ponte entre os dois mundos e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) agrave Retoacuterica e agrave Dialeacutetica Nele o bispo realizou uma importante compilaccedilatildeo de excertos e circunscreveu a Retoacuterica ao discurso forense sem contudo abandonar seu cariz eacutetico ldquoRetoacuterica eacute a ciecircncia do bem dizer nos assuntos civis com a eloquecircncia proacutepria para persuadir o justo e o bomrdquo Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Meacutedia A partir de entatildeo o estudo da Retoacuterica ficou restrito ao universo monaacutestico ou seja tanto educandos quanto educadores salvo rariacutessimas exceccedilotildees natildeo a colocavam em praacutetica Isso soacute ocorreria a partir do seacuteculo XI quando a Retoacuterica passou a ser utilizada na composiccedilatildeo de cartas e documentos e tornou-se uma epistolografia era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi) E foi dessa eacutepoca a defesa acadecircmica da Retoacuterica feita por Gilberto de la Porreacutee e Joatildeo de Salisbury contra os cornificianos (COSTA 2008 p 32)

Essa fragmentaccedilatildeo da retoacuterica apoacutes o seacuteculo XVII (Idade Moderna) conforme aponta Reboul (2004) Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica praticamente fez desaparecer do meio acadecircmico a disciplina de Retoacuterica Depois da metade do seacuteculo XX a retoacuterica se recuperou gradativamente mas o processo comeccedilou pelo acircmbito do marketing Aos poucos e de fora para dentro o debate sobre a retoacuterica recomeccedilou e em nossos dias jaacute temos algumas instituiccedilotildees de Ensino Superior que retomaram essa disciplina contudo no ensino baacutesico simplesmente se ignora o papel da retoacuterica e da oratoacuteria

Retoacuterica e Oratoacuteria em Nosso MeioPassamos agora a discutir um pouco o problema da retoacuterica em nosso

meio para entendermos que ela natildeo eacute uma coisa distante e sem sentido que foi esquecida por ser sem utilidade Para Duran (2009 p 9)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Trecircs autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retoacuterica e da eloquecircncia no Brasil do seacuteculo XIX Roberto de Oliveira Brandatildeo com seus estudos sobre os manuais de retoacuterica e poeacutetica brasileiros do seacuteculo XIX (1972) Roberto Aciacutezelo de Souza com o livro O Impeacuterio da Eloquecircncia Retoacuterica e Poeacutetica no Brasil Oitocentista (1999) e Eduardo Vieira Martins com a Fonte subterracircnea (2005) Roberto de Oliveira Brandatildeo selecionou os manuais e compecircndios de retoacuterica e poeacutetica publicados ao longo do seacuteculo XIX como seus objetos de estudo Sua preocupaccedilatildeo foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional Em trabalhos posteriores como no texto Os manuais de retoacuterica brasileiros do seacuteculo XIX (1988) o autor apresentou avanccedilos acerca dessa temaacutetica abordando a funccedilatildeo e a permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na educaccedilatildeo nacional Roberto Aciacutezelo de Souza por sua vez estudou a retoacuterica e a poeacutetica por meio dos planos de ensino da segunda metade do seacuteculo XIX no Coleacutegio Pedro II Souza esforccedilou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado tendo em vista algumas oraccedilotildees da eacutepoca e as praacuteticas educativas de entatildeo Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos agrave mudanccedila estrutural da disciplina que em meados de 1830 deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referecircncia e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair A permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura brasileira tambeacutem foi abordada nesta pesquisa a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e Joseacute de Alencar Em seus trabalhos esses trecircs autores referiram-se agrave segunda metade do seacuteculo XIX quando a disciplina jaacute possuiacutea certa uniformidade Entre suas fontes se pode encontrar manuais compecircndios planos de ensino registros de aulas decisotildees e ordens do Estado brasileiro fontes que lhes serviram como referecircncia para localizar a contribuiccedilatildeo que a retoacuterica e a eloquecircncia forneceram agrave educaccedilatildeo Quanto agrave formaccedilatildeo de um discurso brasileiro senatildeo de uma literatura nacional um deles recorreu a um literato da eacutepoca Joseacute de Alencar enquanto os demais mantiveram-se atentos agrave produccedilatildeo de uma literatura didaacutetica ou pedagoacutegica Excetuando a distinccedilatildeo de gecircnero pode-se afirmar que ambas possuiacuteam uma unidade prescritiva de caraacuteter edificante

Neste aspecto pensar a retoacuterica em nossas terras eacute importante para

sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadecircmico se manifestou ficando agrave literatura o papel de preservar sua existecircncia de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio Em alguns lugares do paiacutes foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos

A longevidade da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura local foi garantida por meio dos perioacutedicos cariocas que a partir de 1822 tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em ldquoarrogar no coraccedilatildeo do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo aquela zelosa energia que constituem verdadeiro meacuterito moral e poliacutetico e acrisola decidido patriotismordquo (JORNAL SCIENTIacuteFICO ECONOMICO E LITERAacuteRIO 1826 NUacuteMERO 1 MAIO p 81) Regrada pela retoacuterica a comunicaccedilatildeo dos cariocas do primeiro quartel do seacuteculo XIX modelou uma

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Oratoacuteria e Retoacuterica

eloquecircncia que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular formal e temaacutetico para a invenccedilatildeo de uma literatura nacional e paralelamente de uma identidade brasileira (DURAN 2009 p 9)

Os jesuiacutetas contribuiacuteram de modo muito importante sobre a preservaccedilatildeo e difusatildeo da arte retoacuterica sobretudo no meio religioso Seus textos exegeacuteticos foram fundamentais para que as vertentes de retoacuterica e oratoacuteria se espalhassem no meio literaacuterio brasileiro

Foi publicado em 23 de dezembro de 1770 o Compecircndio histoacuterico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasatildeo dos denominados jesuiacutetas no Palaacutecio Nossa Senhora da Ajuda em Lisboa O opuacutesculo dava notiacutecia de aspectos do meacutetodo de ensino dos jesuiacutetas durante o seacuteculo XVIII nos cursos de Teologia Cacircnones Leis e Medicina da Universidade de Coimbra apresentando as mateacuterias conforme a sucessatildeo das aulas durante a semana Prima Terccedila e Veacutespera eram aulas permanentes que aconteciam respectivamente agraves segundas terccedilas e quartas-feiras certamente muito importantes a julgar pelo maior honoraacuterio pago aos mestres As quintas-feiras eram livres como na Franccedila e os domingos reservados para o descanso e a missa Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades geralmente as sextas-feiras quando se realizava a Noa Nas Catedrilhas Institutas ou Avicena que se seguiam irregularmente durante a semana realizava-se a revisatildeo dos temas jaacute estudados ou a leitura dos textos das proacuteximas aulas de Prima Terccedila ou Veacutespera Dedicadas a rememorar os temas jaacute discutidos tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a mateacuteria e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante O passante era na maioria dos casos um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiecircncia ou ainda um jovem receacutem-formado com as mesmas qualidades Aleacutem do passante havia o lente um tipo de mestre responsaacutevel pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Veacutespera antecedendo a explicaccedilatildeo do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terccedila A relevacircncia dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exerciacutecio contiacutenuo de memorizaccedilatildeo da mateacuteria pois a intenccedilatildeo era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importacircncia fato que num mundo de poucos impressos era um traccedilo distintivo de inteligecircncia Em todas as mateacuterias o estudo era guiado por uma obra de referecircncia impreterivelmente em latim A predominacircncia do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa liacutengua eram considerados os mais importantes e aprofundados Soma-se a isso a crenccedila de que o estudo da obra original das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor tinha maior meacuterito por constituiacuterem um conhecimento puro capaz de sustentar um saber genuiacuteno (DURAN 2009 p 15)

Aleacutem desse caraacuteter de decorar um assunto o ensinamento de um argumento

possibilita aos indiviacuteduos uma capacidade de memorizaccedilatildeo que os distingue dos demais visto que haacute poucos textos escritos nessa eacutepoca e a eloquecircncia com que se elencava um argumento fazia toda a diferenccedila quando se queria convencer algueacutem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Segundo Duran (2009) para alguns pensadores do final do seacuteculo XVIII natildeo era mais possiacutevel seguir sem a disciplina de retoacuterica em nossos bancos escolares e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias

No sistema criado por Verney as mateacuterias Histoacuteria Geografia e Gramaacutetica deveriam ser acompanhadas da Retoacuterica depois disso Grego e mais Histoacuteria deveriam ser as mateacuterias dos anos subsequentes A Retoacuterica alinhavava esses saberes disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniotildees acerca das mateacuterias estudadas [O mestre de Retoacuterica] Logo mandaraacute compor alguma coisa em Portuguecircs comeccedilando por assuntos breves nos trecircs gecircneros de Eloquecircncia Comeccedilaraacute primeiro pelas cartas portuguesas dando somente aos rapazes o argumento delas e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua proacutepria liacutengua e contra a Gramaacutetica E por esta razatildeo eacute supeacuterfluo neste ano ler mais autores portugueses porque esta composiccedilatildeo eacute o melhor estudo que se pode fazer da liacutengua portuguesa Depois passaraacute ao estilo histoacuterico e tiraraacute algum argumento da mesma Histoacuteria que se explica pela manhatilde para que os estudantes a dilatem escrevendo o dito caso mui circunstanciado e variando isto segundo o arbiacutetrio do Mestre ou tambeacutem a descriccedilatildeo de um lugar e de uma pessoa ou coisa semelhante Em terceiro lugar segue-se dar-lhe algum argumento declamatoacuterio mas breve Para facilitar isto o melhor meio eacute este Quando o mestre propotildee algum argumento que se deve provar perguntaraacute ao rapaz que razotildees ele daacute sobre aquele ponto Ouccedila as que ele daacute e ajude-o a produzi-las pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY 1952 p 63) Para Verney o exerciacutecio repetido da comunicaccedilatildeo era propiacutecio para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do disciacutepulo Esse agora natildeo era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala natildeo se destinava somente aos grandes nem deveria seguir os padrotildees de apenas um uacutenico modelo por isso estudariam os discursos deliberativo demonstrativo e judicial e [] quando o estudante tiver bastante notiacutecia dos trecircs gecircneros de Eloquecircncia em tal caso pode empregar-se em compor Latim e isto pelo mesmo meacutetodo que o fez em Vulgar Nesta composiccedilatildeo latina natildeo teraacute dificuldade alguma visto ter vencido todas na composiccedilatildeo portuguesa somente lhe faltaratildeo as palavras latinas e frases particulares da liacutengua ao que deve acudir e suprir o Mestre emendando-as ou sugerindo-as Encomende tambeacutem aos rapazes que leiam muito as oraccedilotildees de Ciacutecero natildeo digo as Verrinas que satildeo enfadonhas e soacute se podem ler salteadas mas as outras mais faacuteceis e breves das quais com facilidade se passa para as outras E esta classe eacute necessaacuterio que frequentem todos os que estudam Latinidade porque sem ela nenhum pode entender e escrever bem Latim e com ela pode saber muita coisa uacutetil para todos os exerciacutecios da vida e principalmente para toda a sorte de estudos (VERNEY 1952 apud DURAN 2009 p 15)

O retorno da retoacuterica aos acircmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indiviacuteduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos fiacutesicos e materiais Com a retomada

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Oratoacuteria e Retoacuterica

da retoacuterica temos tambeacutem o retorno de figuras de linguagem comparaccedilotildees e estruturas mais rebuscadas

Platatildeo e AristoacutetelesSegundo Platatildeo a retoacuterica se caracteriza pela capacidade de persuasatildeo dos

interlocutores essa capacidade nos traz a atualidade do diaacutelogo em Goacutergias de Platatildeo acerca de uma educaccedilatildeo retoacuterica Embora estejamos enfeiticcedilados pela tecnologia quando encontramos algueacutem que sabe se expressar muito bem percebemos quatildeo importante eacute saber falar e organizar as ideias

No diaacutelogo Goacutergias Calicles e Soacutecrates iniciam a discussatildeo sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra e ao incorporarem Querefonte na discussatildeo Calicles propotildee ouvirmos o que Goacutergias pensa sobre o ato de dialogar Neste sentido Soacutecrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar Goacutergias se dispotildee a responder todas as perguntas gabando-se de que ningueacutem havia o pego desprevenido

Em determinado momento do diaacutelogo Soacutecrates inquire Goacutergias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequecircncias desta pois para Soacutecrates existe uma diferenccedila entre oratoacuteria e diaacutelogo sendo a oratoacuteria instrumento dos falaciosos Segundo Goacutergias ldquome prezo de serrdquo um bom orador (PLATAtildeO 1970 p 52) Ao se considerar como tal Goacutergias assume que eacute capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo Na sequecircncia do diaacutelogo Soacutecrates pede para que Goacutergias exponha sua arte de maneira clara e concisa Goacutergias concorda em expor esta oratoacuteria de que tanto se fala e compara concordando com Soacutecrates com a tecelagem e a muacutesica

Ao responder a Soacutecrates Goacutergias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes por exemplo a medicina pois a oratoacuteria natildeo trata de todas as palavras Segundo Goacutergias seguindo Soacutecrates a oratoacuteria capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem E aparece assim a primeira contradiccedilatildeo de Goacutergias que dissera haacute pouco no diaacutelogo com Soacutecrates que a oratoacuteria natildeo tem nada a ver com a medicina mas agora quando Soacutecrates reformula a questatildeo Goacutergias concorda que a medicina reflete sobre

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

as doenccedilas e por conseguinte usa a palavra Ao falarmos de moleacutestias segundo Soacutecrates utilizamos palavras tambeacutem faz uso de palavras a ginaacutestica que se refere ao corpo logo concluiacutemos que seguindo o raciociacutenio socraacutetico todas as demais artes utilizam palavras para se expressar e surge a principal questatildeo ateacute o momento ldquopor que natildeo dar o nome de oratoacuteria agraves demais artesrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54) A resposta de Goacutergias eacute que as demais artes trabalham com as matildeos enquanto a oratoacuteria eacute a arte da palavra isto eacute ldquosua atividade e operaccedilatildeo se realizam todas por meio de palavrasrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54)

Na sequecircncia do diaacutelogo a discussatildeo se encaminha para artes que usam as palavras sendo que a oratoacuteria natildeo abarca estas atividades Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmeacutetica que usam termos palavras e sinais na escrita mas em nenhum momento se expressam sendo que a estas tambeacutem natildeo chamamos de oratoacuteria logo a oratoacuteria eacute a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras

Devemos questionar agora se a oratoacuteria possui realmente este poder de persuasatildeo defendido por Platatildeo na obra que estamos utilizando para aplicar o debate Para Goacutergias a palavra eacute uma das formas que pode congregar cidadatildeos e colocar todos os demais que natildeo dominam esta arte sob seus peacutes Eacute a arte retoacuterica do uso das palavras que pode convencer as massas ldquoCom ecircnfase exalta Goacutergias a sua arte Na apologia Soacutecrates conta como saiacutera a interrogar os homens que passavam por saacutebios poliacuteticos poetas artiacutefices cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientiacutessimo nos demais domiacuteniosrdquo (PLATAtildeO 1970 p 59) Aqui a palavra massa natildeo tem nenhuma referecircncia moderna Eacute uma referecircncia agrave assembleia grega

Neste sentido a retoacuterica eacute um modo de persuasatildeo que cria convicccedilotildees nos interlocutores Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasatildeo A persuasatildeo que eacute uma consequecircncia da oratoacuteria eacute o convencimento por meio de bons argumentos retoacutericos e o bom uso da oratoacuteria No diaacutelogo Soacutecrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim e mais se a arte pode produzir uma persuasatildeo parecida ou igual agrave da retoacuterica Antes de continuar esta reflexatildeo sobre a persuasatildeo precisamos explicar que existe uma diferenccedila entre persuasatildeo didaacutetica e persuasatildeo pateacutetica A didaacutetica se refere ao convencimento do intelecto enquanto a pateacutetica indica um convencimento mediante as emoccedilotildees

Seguindo a linha de raciociacutenio de Soacutecrates no diaacutelogo com Goacutergias entendemos que outras artes tambeacutem produzem o convencimento cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retoacuterica produz Para responder a isso Goacutergias diz que a persuasatildeo produzida pela oratoacuteria eacute aquela que se refere ao justo e ao injusto

Percebemos que a oratoacuteria referida por Goacutergias eacute aquela juriacutedica e que estaacute restrita aos tribunais Soacutecrates distingue dois tipos de persuasatildeo 1) a crenccedila sem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

o saber e 2) a ciecircncia logo conclui-se que o orador fala da crenccedila e natildeo da ciecircncia visto que no tribunal ele natildeo expotildee o que eacute justo e injusto simplesmente quer convencer os interlocutores

Neste sentido devemos indagar assim como Soacutecrates indagou Goacutergias que proveito haacute em estudar esta arte retoacuterica A resposta a esta pergunta eacute a seguinte quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente procuramos um profissional meacutedico quando queremos falar bem procuramos um especialista em oratoacuteria Assim quem aprende uma habilidade como esta ou seja a arte retoacuterica estaacute habilitado a discutir com qualquer pessoa pois domina os conceitos Deste modo cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis

Ateacute agora a exposiccedilatildeo da arte retoacuterica e o modelo de oratoacuteria em Platatildeo situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso de modo a permitir que o estudante entenda a retoacuterica como uma forma de construccedilatildeo de argumentos e a retoacuterica como um modo de persuasatildeo dos interlocutores O diaacutelogo platocircnico Goacutergias trouxe a discussatildeo para o patamar da escolha individual de cada indiviacuteduo assim eacute o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo

Seguindo o diaacutelogo platocircnico Soacutecrates retoma a questatildeo que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador Nesta perspectiva Goacutergias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posiccedilatildeo O diaacutelogo se inclina agora para a discussatildeo da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquecircncia de um orador Neste aspecto Soacutecrates pede a Goacutergias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratoacuteria Goacutergias concorda seguindo em tudo o que Soacutecrates diz a respeito do conhecimento de um orador Concluindo este raciociacutenio Soacutecrates e Goacutergias concordam que a oratoacuteria eacute um tipo de arte injusta

No pensamento platocircnico o debate acerca da retoacuterica e da oratoacuteria remete ao diaacutelogo Goacutergias apontando na direccedilatildeo esteacutetica e literaacuteria ldquoNascido por volta do ano 485 aC Goacutergias viveu 109 anos sobrevivendo pois a Soacutecrates Tambeacutem siciliano e disciacutepulo de Empeacutedocles em 427 aC foi para Atenas numa embaixada diz-se que ali sua eloquecircncia encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltariardquo (REBOUL 2004 p 4) Percebemos aqui como a arte retoacuterica ganhou forccedila a partir dos textos e argumentaccedilotildees neste periacuteodo citado Ateacute entatildeo na Greacutecia literatura e poesia eram consideradas idecircnticas Por sua vez a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Goacutergias criou o discurso epidictieo que significa um elogio puacuteblico tambeacutem desenvolveu uma prosa eloquente que com suas rimas metaacuteforas e periacutefrases formula um modelo que captura os espectadores Citamos um exemplo de tamanha eloquecircncia o Elogio de Helena que era uma mulher perfeita bela esposa de Menelau que permitiu ser capturada por Paacuteris lanccedilando os gregos em uma guerra de uma deacutecada Goacutergias expotildee a beleza de Helena em um discurso proferido ao puacuteblico na eacutepoca da guerra no texto Goacutergias daacute as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada Dentre elas destacamos algumas foi um decreto dos deuses ou foi o destino teria ela sido levada agrave forccedila Ou convencida por belas palavras E ainda o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos

Para Goacutergias Helena foi convencida pela arguiccedilatildeo de um belo discurso e como tal natildeo eacute culpada Goacutergias defende Helena como pretexto para defender a retoacuterica ldquoO discurso eacute um tirano poderosiacutessimo esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisiacutevel alccedila agrave plenitude as obras divinas porque a palavra pode pocircr fim ao medo disse para a tristeza estimular a alegria aumentar a piedade (GOacuteRGIAS apud REBOUL 2004 p 5)

Para Goacutergias Helena eacute inocente pois ela natildeo pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos logo para Goacutergias a argumentaccedilatildeo sofiacutestica de que um ato involuntaacuterio natildeo implica em culpa Assim a arte retoacuterica expressa na oratoacuteria de Goacutergias passou a ser chamada de sofista

Eis aiacute um dos momentos marcantes da retoacuterica antiga pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquecircncia e sua arte de convencimento Inaugura-se neste periacuteodo um modo de educaccedilatildeo intelectual profundo que natildeo tem a ver com uma profissatildeo ou religiatildeo pois era o conhecimento pelo conhecimento em outras palavras Goacutergias deu agrave retoacuterica a capacidade de falar do belo

Aleacutem do debate entre Platatildeo e Goacutergias protagonizado por Soacutecrates e seus interlocutores temos outros preacute-socraacuteticos que desenvolveram a retoacuterica como a arte de argumentar Destacamos a figura de Protaacutegoras de Abdera (486-410 aC) como um destes representantes que aleacutem de defender o agnosticismo formulou a famosa maacutexima retoacuterica em relaccedilatildeo agrave moral ldquoo homem eacute a medida de todas as coisas das que satildeo enquanto satildeo e das que natildeo satildeo enquanto natildeo satildeordquo No que se refere aos seres sagrados ou deuses Protaacutegoras formulou ldquoquanto aos deuses natildeo estou em condiccedilatildeo de saber se existem ou natildeo existem nem mesmo o que satildeordquo (REBOUL 2004 p 7) Este pensamento retoacuterico lhe custou a pena de morte mas como tinha medo da morte fugiu

Quanto agrave oratoacuteria e agrave retoacuterica a principal preocupaccedilatildeo de Protaacutegoras era com os substantivos suas formas e variaccedilotildees Tambeacutem desenvolveu uma nova gramaacutetica e fundou a eriacutestica que significa a contraposiccedilatildeo de ideias resultando tempos depois na dialeacutetica Por eacuteris Protaacutegoras entendeu que uma boa discussatildeo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

deve conter ideias contraditoacuterias visto que em grego a palavra eriacutestica vem de eacuteris que significa controversa Desta maneira segundo Protaacutegoras qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando eis que esta eacute a condiccedilatildeo da teacutecnica eriacutestica ou seja os modos e formas para vencer um debate A discussatildeo e a controveacutersia mediante o uso da retoacuterica e da oratoacuteria eacute que conferem a condiccedilatildeo de um debate

Estas caracteriacutesticas que elencamos ateacute agora representam a propedecircutica ou preparaccedilatildeo para iniciar a discussatildeo acerca do fundamento da retoacuterica e da oratoacuteria Em Aristoacuteteles a retoacuterica se configura em diaacutelogo com a dialeacutetica Neste sentido ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado

No pensamento retoacuterico aristoteacutelico haacute uma distinccedilatildeo entre saber como arte e conhecimento como ciecircncia No desenvolvimento da retoacuterica desde Aristoacuteteles ateacute nossos dias ocorreu uma transformaccedilatildeo desta que passou da arte persuasiva para uma hermenecircutica interpretativa

Retomamos o cuidado com o significado da retoacuterica e da oratoacuteria em nossos tempos Em Aristoacuteteles a retoacuterica natildeo eacute simplesmente persuadir ou convencer os outros ela eacute tambeacutem fruto da experiecircncia de vaacuterios oradores que desenvolvem teacutecnicas para melhorar e exercitar esta arte A tradiccedilatildeo grega desde Homero sempre se preocupou em formular bons argumentos retoacutericos e excelentes oradores assim aleacutem de agir heroicamente as personagens gregas deviam falar bem

Inuacutemeros satildeo os exemplos na histoacuteria grega que relatam estes acontecimentos Todo o processo de transformaccedilatildeo da oratoacuteria grega passa basicamente por Platatildeo Isoacutecrates e Aristoacuteteles chegando agraves legiotildees romanas atraveacutes de Ciacutecero que com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano imortalizou a retoacuterica no meio latino De acordo com Lausberg (1960) nunca houve um sistema retoacuterico claacutessico isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indiviacuteduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retoacuterica e da oratoacuteria

Para explicarmos de maneira resumida as definiccedilotildees de retoacuterica elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento mas todas essas definiccedilotildees concordam em um ponto a retoacuterica possui fins persuasivos

a) A definiccedilatildeo de Coacuterax Tisias Goacutergias Platatildeo segundo estes a retoacuterica eacute geradora de persuasatildeo

b) Aristoacuteteles eacute capaz de descobrir as formas de persuasatildeo sobre um assunto

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) Hermaacutegoras eacute a forma de bem falar no que tange aos assuntos puacuteblicos

d) Quintiliano retoacutericos estoicos que significa a ciecircncia de falar bem

Essas definiccedilotildees partem do princiacutepio de que retoacuterica eacute um corpo de conhecimento ou meacutetodo para se expressar bem assim como pensamos a retoacuterica devemos levar em conta os seus usos No que tange agrave finalidade de um discurso natildeo haacute muita diferenccedila entre o acircmbito teoacuterico e praacutetico da eloquecircncia

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo caminham juntas

Passamos agora ao entendimento de retoacuterica segundo Aristoacuteteles que escreveu em seu livro Retoacuterica sobre os fins persuasivos desta arte e no livro Poeacutetica defende a evocaccedilatildeo imaginaacuteria para discursos poeacuteticos e literaacuterios Faz assim uma distinccedilatildeo fundamental entre o caraacuteter retoacuterico e o poeacutetico

Percebemos aqui uma severa criacutetica de Aristoacuteteles para os seus antecessores que mantinham unidas dimensotildees tatildeo distintas A novidade apresentada por Aristoacuteteles eacute a presenccedila do argumento loacutegico logo haacute uma relaccedilatildeo entre prova raciociacutenio silogismo e argumentaccedilatildeo persuasiva Este meacutetodo serve tanto agraves ciecircncias empiacutericas quanto agrave filosofia e aleacutem disso pode ser usado tambeacutem para interpretar textos

Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em sete partes 1) A distinccedilatildeo de duas categorias formais de persuasatildeo provas teacutecnicas e natildeo teacutecnicas 2) Identificaccedilatildeo de trecircs meios de prova [] a loacutegica do assunto o caraacuteter do orador e a emoccedilatildeo dos ouvintes 3) A distinccedilatildeo de trecircs espeacutecies de retoacuterica judicial deliberativa e epidiacutectica 4) A formulaccedilatildeo de duas categorias retoacutericas entimema prova dedutiva o exemplo usado na argumentaccedilatildeo indutiva [] 5) A concepccedilatildeo e o uso de vaacuterias categorias de toacutepicos na construccedilatildeo dos argumentos toacutepicos de cada gecircnero de discurso toacutepicos aplicaacuteveis a todos os gecircneros e toacutepicos de estrateacutegias de argumentaccedilatildeo 6) concepccedilatildeo de normas baacutesicas de estilo e composiccedilatildeo nomeadamente de clareza agrave compreensatildeo de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicaccedilatildeo do papel da metaacutefora 7) a classificaccedilatildeo e ordenaccedilatildeo das vaacuterias partes do discurso (ARISTOacuteTELES 2005 p 35)

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas

de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se

distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo

e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo

caminham juntas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A classificaccedilatildeo proposta por Aristoacuteteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades

A sistematizaccedilatildeo de regras do discurso observando ao mesmo tempo as interaccedilotildees necessaacuterias aos trecircs elementos envolvidos o orador o ouvinte e o objeto do discurso teve por finalidade dar consistecircncia a essa teacutecnica inserindo-a no campo das artes Esse era sem duacutevida o objetivo de Aristoacuteteles no seu tratado sobre a arte retoacuterica e a arte poeacutetica retirar das sombras essa parte da dialeacutetica ndash como o autor considerava a retoacuterica ndash neutralizando de certo modo algumas acusaccedilotildees como as de Platatildeo sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA 2012 p 7)

Se quisermos falar a um puacuteblico ou a um grupo seleto de pessoas devemos escolher o meacutetodo apropriado e o estilo conforme a classificaccedilatildeo aristoteacutelica indica Para o pensador grego retoacuterica e oratoacuteria se complementam mas satildeo distintas enquanto sua finalidade pois a retoacuterica serve para a boa formulaccedilatildeo de raciociacutenio e a oratoacuteria possui uma finalidade literaacuteria que implica na beleza do discurso

Atividades de Estudos

1) Leia o texto indicado a seguir e responda agraves questotildees

Artigo Retoacuterica e nova retoacuterica a tradiccedilatildeo grega e a teoria da argumentaccedilatildeo de Chaim Perelman Disponiacutevel em lthttpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfilesanexos25334-25336-1-PBpdfgt

a) O que eacute retoacuterica ____________________________________________________

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b) Para que serve a retoacuterica ____________________________________________________

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) O que eacute oratoacuteria ____________________________________________________

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d) Para que serve a oratoacuteria ____________________________________________________

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O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma caracteriacutestica humana que diferencia

pessoas de qualidade daquelas com outras aptidotildees A retoacuterica e a oratoacuteria ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem e por isso merecem a nossa atenccedilatildeo

Ao falar temos diferentes opccedilotildees para nos expressarmos podemos optar pelo cinismo pelo relativismo pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmaacutetica A escolha que fizermos implicaraacute em um modo de exposiccedilatildeo dos argumentos e justificaccedilatildeo das ideias e consequentemente em implicaccedilotildees morais

Conforme jaacute apontamos a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo possuem necessariamente um compromisso com a verdade pois satildeo uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem A transmissatildeo de uma mensagem atraveacutes de argumentos ou pela exposiccedilatildeo loacutegica de ideias pode levar em conta uma verdade por exemplo como ocorre com Platatildeo que tem em vista uma verdade uacuteltima que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias Por outro lado falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referecircncia agrave verdade conforme aponta Protaacutegoras Para este filoacutesofo grego a verdade eacute inatingiacutevel e por isso natildeo existe nada a ser transmitido neste sentido o que haacute eacute a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos

A verdade e a retoacuterica natildeo andam juntas o tempo todo agraves vezes elas se aproximam e agraves vezes elas se distanciam Neste sentido somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam

No acircmbito cotidiano a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante relaccedilatildeo com a verdade mas geralmente passam desapercebidas Quando estamos no trabalho

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ou em um conviacutevio social de lazer somos inquiridos e formulamos respostas nem percebemos que este exerciacutecio eacute o mesmo que em pequena escala um modo de fazer retoacuterica e oratoacuteria Por exemplo vocecirc quer convencer seu chefe de que um projeto seu eacute bom para a empresa vocecirc usaraacute argumentos retoacutericos e a forma como os apresentar seraacute a sua oratoacuteria

Eacute Aristoacuteteles quem define a retoacuterica com mais modeacutestia do que Platatildeo e os sofistas reabilitando assim uma visatildeo sistemaacutetica que se incorpora no mundo Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em quatro partes a primeira parte chamou de invenccedilatildeo a segunda denominou de disposiccedilatildeo agrave terceira parte deu o nome de elocuccedilatildeo e agrave quarta denominou de accedilatildeo Esta divisatildeo permaneceu vaacutelida ateacute nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes

bull A invenccedilatildeo do grego se chama de heureacutesis eacute o modo como o orador articula a persuasatildeo como o tema do discurso aspectos satildeo os meios de persuasatildeo presentes no tema que iratildeo contribuir para a organizaccedilatildeo do discurso

bull A disposiccedilatildeo em grego taxis eacute o modo como se organizam estes argumentos ou o plano interno do discurso Nesta parte haacute uma necessidade de organizaccedilatildeo para que possamos perceber a sequecircncia dos argumentos

bull A elocuccedilatildeo do grego lexiseacute o estilo do discurso Posteriormente alguns autores chamaram estas formas de expressatildeo de um discurso de figuras de estilo

bull Por fim a accedilatildeo do grego hypocrisis eacute a expressatildeo do discurso pela voz com gestos ou miacutemicas Lembramos que no periacuteodo romano acresceu-se a memoacuteria

Para o indiviacuteduo que deseja formular um bom discurso de retoacuterica e oratoacuteria lembramos que caso negligencie um destes elementos sua retoacuterica e oratoacuteria seraacute inaudiacutevel mal escrita ou vazia No cotidiano chamamos isso de opiniotildees de senso comum que satildeo desarticuladas e sem sentido

Quando falamos em verdade e retoacuterica devemos lembrar que para Aristoacuteteles a retoacuterica eacute parecida ou ao menos comparada com a dialeacutetica Usamos a definiccedilatildeo de dialeacutetica expressa no coro grego que canta uma estrofe e na sequecircncia ouve a antiacutestrofe (ARISTOacuteTELES 2005 p 36)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Eacute na contraposiccedilatildeo de verdades que a retoacuterica adquire sua utilidade segundo Aristoacuteteles A utilidade da retoacuterica se daacute justamente por causa da sua capacidade argumentativa Por isso um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate visto que temos que considerar as evidecircncias e os meios de persuasatildeo Para determinar a natureza da retoacuterica Aristoacuteteles afirma

[] a retoacuterica eacute a outra face da dialeacutetica pois ambas se ocupam de questotildees mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e natildeo correspondem a nenhuma ciecircncia em particular De fato todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento defender-se ou acusar (ARISTOacuteTELES 2005 p 89)

Assim as pessoas praticam a retoacuterica com o resultado do haacutebito no cotidiano

sem se dar conta do oacutebvio

Queremos esclarecer que aqui falamos da retoacuterica e da oratoacuteria como um meacutetodo para elaboraccedilatildeo estruturaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos mas algo que valorize a experiecircncia praacutetica do indiviacuteduo Segundo Aristoacuteteles

[] os que ateacute hoje compuseram tratados de retoacuterica ocuparam-se apenas de uma parte desta arte pois soacute os argumentos retoacutericos satildeo proacuteprios dela e todo o resto eacute acessoacuterio Eles poreacutem nada dizem dos entimemas que satildeo afinal o corpo da prova antes dedicam maior parte de seus tratados a questotildees exteriores ao assunto porque o ataque verbal a compaixatildeo a ira e outras paixotildees da alma semelhantes a estas natildeo afetam o assunto mas sim o juiz (ARISTOacuteTELES 2005 p 90)

Ao expor esta dificuldade Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para a necessidade

de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para por intermeacutedio da retoacuterica esclarecer os problemas de argumentaccedilatildeo retoacuterica pois verdade e justiccedila satildeo mais fortes que seus opostos

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protaacutegoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retoacuterica a um patamar superior queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retoacuterica e a oratoacuteria no seu cotidiano a saber devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou eacute mais pertinente a beleza de um discurso

Evidentemente que Aristoacuteteles responderia que devemos utilizar a retoacuterica em consonacircncia com a dialeacutetica para evitarmos a postura relativista Na praacutetica esta escolha metodoloacutegica implica que os indiviacuteduos devem conhecer aleacutem da estrutura gramatical e loacutegica de um argumento a finalidade o conteuacutedo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratoacuteria condizente

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo pretendemos esclarecer que dependendo da escolha que fizermos o bem falar e o bem argumentar teratildeo implicaccedilotildees que precisam ser conhecidas Se optarmos pela forma em detrimento do conteuacutedo de um argumento colocaremos em risco a transmissatildeo da verdade Por outro lado se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma teremos dificuldades em ser ouvidos devido agrave robustez e falta de polimento de uma argumentaccedilatildeo Eacute por isso que Aristoacuteteles ao dividir e organizar a retoacuterica defende um equiliacutebrio entre as partes pois sem este equiliacutebrio estaremos em algum exagero

Eacute sabido que no mundo contemporacircneo ocorrem diversos exageros no que se refere agrave retoacuterica e oratoacuteria praticadas em diferentes acircmbitos da sociedade Citamos como exemplo os poliacuteticos que utilizam vaacuterios tipos de sofismas argumentos falsos para poder convencer seus eleitores e posteriormente uma vez eleitos esquecer e ateacute desmentir o que prometeram Se pensarmos esta realidade no meio grego especialmente no periacuteodo de Aristoacuteteles teriacuteamos seacuterias dificuldades em considerar plausiacutevel tal atitude

De acordo com Aristoacuteteles argumentar persuasivamente eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para que os indiviacuteduos possam fazer bom uso da arte retoacuterica e por conseguinte se evite a imoralidade Devemos estar atentos para que ningueacutem argumente contra a justiccedila pois se algueacutem o fizer devemos estar atentos para refutar o indiviacuteduo Satildeo entimemas ou seja silogismos que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contraacuterios para permitir o bom uso da retoacuterica para Aristoacuteteles

Eacute neste ponto ou seja na contraposiccedilatildeo de ideias que retoacuterica e dialeacutetica se aproximam A retoacuterica eacute uacutetil aos indiviacuteduos porque permite esclarecer quais satildeo os meios de persuasatildeo utilizados em uma disputa logo a retoacuterica eacute a forma de descobrir o que eacute adequado para se persuadir em uma determinada situaccedilatildeo

Platatildeo tambeacutem se preocupou em demasia com a necessidade de uma definiccedilatildeo acabada do que viria a ser a retoacuterica e natildeo a encontrando clara (a natildeo ser pela sua associaccedilatildeo com a persuasatildeo) alimentou alguns preconceitos Em Aristoacuteteles por outro lado nota-se maior preocupaccedilatildeo em demarcar os limites e o alcance da arte retoacuterica na obra que leva esse mesmo nome ao estabelecer as bases para o uso e a compreensatildeo dessa arte Associando a retoacuterica a um saber praacutetico ou teacutecnica que se diferenciaria de muitas ciecircncias e mesmo de outras artes por natildeo se concentrar em algum objeto em si Aristoacuteteles

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

disse que a retoacuterica seria ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeo [] descobrir o que eacute proacuteprio para persuadir Por isso [] ela natildeo aplica suas regras a um gecircnero proacuteprio e determinadordquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 33) Para esse autor a retoacuterica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do puacuteblico (o uso das metaacuteforas por exemplo foi tratado formalmente nessa obra) Apontando para todo esse conjunto de regras explicitamente Aristoacuteteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em trecircs gecircneros o deliberativo o demonstrativo e o judiciaacuterio os quais teriam finalidades diferentes Assim sendo seriam variados os tipos de argumentos vaacutelidos para a conversaccedilatildeo e tambeacutem as reaccedilotildees esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes Nessa claacutessica obra de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica o autor apresentou uma longa discussatildeo destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese as ocasiotildees e os objetos que deveriam ser reunidos a forma de apresentaacute-los ao puacuteblico etc (VIEIRA 2012 p 6)

Nisto a retoacuterica difere das demais artes pois ela abrange todas as demais no que tange agrave instruccedilatildeo e agrave persuasatildeo Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasatildeo proacuteprias da retoacuterica Algumas estatildeo no caraacuteter do orador outras no ouvinte e por uacuteltimo temos aquelas presentes nos discursos Eacute importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasatildeo

bull A persuasatildeo pelo caraacuteter ocorre quando o orador eacute digno de feacute Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais Esse meio eacute o modo mais importante de persuasatildeo faz com que os indiviacuteduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito

bull Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido agrave emoccedilatildeo que sentem durante o mesmo Neste aspecto quando estamos sob efeito de emoccedilotildees temos mais facilidade em acreditar especialmente se o orador explorar as paixotildees do puacuteblico

bull Por uacuteltimo precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteuacutedo do discurso pois aquilo que estaacute sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos Parece que a retoacuterica eacute um ramo da dialeacutetica e que desaacutegua na poliacutetica entendendo esta uacuteltima como a busca pelo bem da polis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Para Aristoacuteteles ldquo[] a retoacuterica eacute uma parte da dialeacutetica e a ela se assemelha como dizemos no princiacutepio pois nenhuma das duas eacute ciecircncia de definiccedilatildeo de um assunto especiacutefico mas mera faculdade de proporcionar razotildees para os argumentosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 97)

Segundo Aristoacuteteles estruturar um argumento leva em conta a retoacuterica

porque eacute atraveacutes dela que se constituiraacute uma argumentaccedilatildeo detalhada e se faraacute o exame das provas Aristoacuteteles inaugurou um modelo de verificaccedilatildeo de argumento que vigorou na histoacuteria da filosofia ateacute o pensamento moderno Somente com Immanuel Kant eacute que se distinguiu prova de demonstraccedilatildeo Desde entatildeo sabemos que prova eacute algo rigoroso quando estamos argumentando enquanto que demonstraccedilatildeo eacute algo mais racional e sem verificaccedilatildeo empiacuterica

A retoacuterica eacute a ciecircncia da construccedilatildeo de bons argumentos enquanto a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo destes Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e natildeo somente em demonstraccedilotildees loacutegicas Mesmo sendo difiacutecil distinguirmos uma prova de uma demonstraccedilatildeo precisamos nos esforccedilar para que formulemos uma argumentaccedilatildeo convincente

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retoacuterica filosoacutefica um argumento deve ser curto e claro isto eacute deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenocircmenos possiacuteveis sem ambiguidades No acircmbito da linguagem humana expressar tais ideias nem sempre eacute faacutecil pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades

A tarefa de um bom orador eacute proporcionar uma clareza em sua exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere Ele pode fazer uso de ambiguidades mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos Assim se em Platatildeo convencer com bons argumentos era o objetivo da retoacuterica para os sofistas todo o resto acerca da verdade natildeo importa por isso devemos convencer a todo custo

Enquanto isso a retoacuterica em Aristoacuteteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificaccedilatildeo para uso dos acadecircmicos Jaacute em Roma os oradores como Secircneca por exemplo se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam

No processo de assimilaccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade notamos que Agostinho e posteriormente Tomaacutes de Aquino desenvolveram a exegese e a interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo as orientaccedilotildees das propostas da retoacuterica platocircnica e aristoteacutelica respectivamente

Apoacutes desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por um periacuteodo de dificuldades no iniacutecio da Modernidade e ganharam ares profissionais ficando em segundo plano

A tarefa de um bom orador eacute

proporcionar uma clareza em sua

exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retoacuterica precisamos retomar as propostas da Antiguidade visto que no seacuteculo XX a retoacuterica quase desapareceu do acircmbito do debate acadecircmico

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retoacuterica e oratoacuteria para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto

bull Primeiro entre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos e os sofistas a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram um caraacuteter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendecirc-las sem distinccedilatildeo exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas

bull Segundo para Platatildeo e Aristoacuteteles a retoacuterica e a oratoacuteria possuem caracteriacutesticas que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa praacutetica da justiccedila

bull Terceiro a retoacuterica e a oratoacuteria medieval possuem particularidades que natildeo podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium logo os autores deste periacuteodo utilizaram de modo genuiacuteno os elementos propostos por Platatildeo e Aristoacuteteles para fazer suas reflexotildees religiosas bem como para estruturar suas doutrinas

bull Quarto a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por periacuteodos de esquecimento na Modernidade ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influecircncia do marketing nos EUA apoacutes os anos de 1950

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didaacutetico para o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retoacutericas que encontramos no mundo contemporacircneo

Algumas ConsideraccedilotildeesEste capiacutetulo abordou a histoacuteria da retoacuterica e da oratoacuteria para distinguir

algumas caracteriacutesticas Deste modo argumentar bem natildeo significa enganar o interlocutor eacute antes de tudo saber escolher a estrateacutegia adequada como nos ensinam Platatildeo Soacutecrates Aristoacuteteles e os outros autores referidos no texto

Por isso cabe a vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher quais os

caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponiacuteveis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Arte Poeacutetica e Arte Retoacuterica Rio de Janeiro Ediouro 2005

COSTA R A Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia a Retoacuterica Nova (1301) de Ramon Llull Notandum ESDC Porto 2008

DURAN M R da C Retoacuterica e eloquecircncia no Rio de Janeiro 1759-1834 Franca UNESP 2009

LAUSBERG H Handbuch der literarischen Rhetorik Muumlnchen Max Huumlber 1960

MOSCA L L S Retoacutericas de Ontem e de Hoje Velhas e novas retoacutericas convergecircncias e desdobramentos Satildeo Paulo Humanitas FFLCHUSP 2001

PLATAtildeO Goacutergias ou a Retoacuterica Satildeo Paulo Difel 1970

PLATAtildeO Fedro Trad Carlos Alberto Nunes Beleacutem EDUFPA 2005

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

VIEIRA J G S A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso Curitiba 2012

WESTON A A arte de argumentar Lisboa Gradiva 1996

CAPIacuteTULO 2

A Retoacuterica e a Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apresentar as formas de se expressar

Conhecer os modos de formulaccedilatildeo de um argumento estrutura e modelo

Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos

Averiguar as diferentes formas de convencimento e construccedilatildeo de discursos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo destacamos a formulaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um argumento

Partimos da noccedilatildeo e conceituaccedilatildeo grega pois retoacuterica e oratoacuteria natildeo nasceram na modernidade e nos colocamos no caminho dos grandes saacutebios e pensadores que refletiram sobre o problema Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos

O Que eacute Argumentar BemA retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons

argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formaccedilatildeo dos modos de falar para tanto deve conhecer um pouco a formaccedilatildeo histoacuterica da retoacuterica no Ocidente Diferentemente do que muitos podem pensar a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo satildeo jovens e natildeo comeccedilaram ontem haacute um longo caminho para chegarmos agraves formas atuais de exposiccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos

Consideremos a possibilidade de construir uma retoacuterica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar O conhecimento da retoacuterica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre este tema de extrema importacircncia

A retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer

esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos

expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada

parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

A FORMACcedilAtildeO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETOacuteRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE ACcedilAtildeO NO PRINCIPADO

[] a retoacuterica soacute apareceu em Roma em sua forma latina por volta do seacuteculo I aC A primeira escola de retoacutericos latinos foi aberta em 93 aC por L Ploacutecio Galo um cliente de Caio Maacuterio sendo fechada no ano seguinte pelos cocircnsules Cneu Domiacutecio Ahenobarbo e Luacutecio Liciacutenio Crasso por ser considerada uma transgressatildeo aos costumes ancestrais Essa primeira iniciativa relevando as hostilidades poliacuteticas contra a sua intenccedilatildeo foi a primeira a propor um

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tipo ldquomodernordquo de retoacuterica oposto em certo grau agrave retoacuterica claacutessica das escolas gregas

Apesar de influenciada por fundamentos da retoacuterica grega a obra Retoacuterica dedicada a Herecircnio composta por um aluno desta escola reage contra a acumulaccedilatildeo de regras e defende um ensino aproximado da praacutetica e da vida Questotildees da poliacutetica contemporacircnea passam a ser incluiacutedas Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquecircncia soacute se elevasse novamente com Ciacutecero em finais do seacuteculo I aC momento no qual optimates e populares discutem no Senado

Deixando por um momento as condiccedilotildees do ensino da retoacuterica em Roma iremos falar do desenvolvimento da gramaacutetica antiga e de sua evoluccedilatildeo Se existe jaacute na Antiguidade uma reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo entre as palavras e as coisas desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem como Platatildeo em Craacutetilo tentaram realizar mediante uma anaacutelise das correlaccedilotildees possiacuteveis entre forma e sentido das palavras o encontro de uma forma supostamente ldquoverdadeirardquo o acerto entre o nome e a coisa representada

Jaacute por volta do seacuteculo II aC uma nova questatildeo entraraacute em pauta associada agraves perspectivas do primeiro debate Passou-se a discutir se havia ou natildeo uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanccedilas de significados das palavras ao longo do tempo O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade na analogia e anomalia

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idecircnticas terminaccedilotildees e semelhante estrutura prosoacutedica podendo ser autocomparaacuteveis enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse ldquonaturalrdquo A liacutengua para estes devido as suas raiacutezes deveria ser encarada tal qual era apresentada mesmo que parecesse irracional

A claacutessica definiccedilatildeo de gramaacutetica remonta a Dioniacutesio Traacutecio Representante da escola alexandrina este definiria a disciplina como o conhecimento praacutetico do uso linguiacutestico comum a poetas e prosadores A arte de escrever bem se tornaria mais tarde tambeacutem a arte de falar corretamente Agrave gramaacutetica caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legiacutetimos enquanto agrave retoacuterica caberia a atualizaccedilatildeo num discurso de determinados usos com vistas a tornaacute-lo eficiente e persuasivo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Retornando ao panorama latino sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramaacutetica Varatildeo de Reate propotildee o respeito ao latim padratildeo em detrimento do latim vulgar falado pelo populus na Repuacuteblica e no Principado Em sua obra de liacutengua latina ele propotildee a divisatildeo da gramaacutetica em morfologia sintaxe e etimologia que natildeo chegaram a ser aplicadas

Com Prisciano e Donato aplica-se um aprofundamento da sintaxe que em definiccedilatildeo seria ldquo[] assim como a palavra eacute a unidade miacutenima da estrutura da frase esta eacute a expressatildeo de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae oratio est ordinatio dictionum congrua sententiam perfectam demonstratus)rdquo Dentro do quadro da educaccedilatildeo aplicada ao cidadatildeo romano como foi dito um pouco acima no ensino superior trata-se em primeiro lugar do ensino da retoacuterica Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana vemos que o ensino da arte oratoacuteria eacute confiado a um mestre especializado o rhetor

Numa hierarquia de valores o rhetor ocupa um posto mais elevado em relaccedilatildeo aos seus colegas o magister ludi e o grammatici responsaacuteveis pelo ensino primaacuterio e secundaacuterio respectivamente Ensinando agrave sombra dos poacuterticos dos foros tinha a sua disposiccedilatildeo salas arranjadas como pequenos teatros abertas ao fundo dos poacuterticos O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domiacutenio da arte oratoacuteria a princiacutepio assegurada na teacutecnica tradicional o sistema complexo das regras procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas

Para Marrou natildeo haacute retoacuterica propriamente latina esta arte teria sido inventada elaborada e aperfeiccediloada pelos gregos O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulaacuterio dos gregos transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinocircnimo em latim A retoacuterica latina permanece durante todo o Impeacuterio em contato muito estreito com a retoacuterica grega

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar jamais desconheceram a forccedila poderosa e sedutora da palavra pois oradores satildeo conhecidos desde os primoacuterdios da histoacuteria de Roma Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde periacuteodos sem relatos as relaccedilotildees entre as duas civilizaccedilotildees comeccedilaram a ganhar forccedila a partir do seacuteculo III aC O domiacutenio poliacutetico de Roma sobre a Greacutecia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura hiacutebrida helenizada e de bilinguismo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Greacutecia e depois do helenismo

Uma clara verificaccedilatildeo disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas atraveacutes de homens cultos da aristocracia que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas O Ciacuterculo dos Cipiotildees cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo forneceu base teoacuterica grega ao ideal da virtus romana

Efetivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra) existe a probabilidade da noccedilatildeo de um ldquoser terrenordquo ligado a modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios incluindo o comportamento e a natureza dos homens Certos exemplos de Ciacutecero indicam tambeacutem outras variantes complementares deste termo

Quem poderaacute chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadatildeos como todo o gecircnero humano qualquer comunidade juriacutedica solidariedade humana (humanitas societas) A essas obras de arte natildeo as compreendia o famoso Cipiatildeo homem tatildeo instruiacutedo e culto (humanissimus) E tu que natildeo tens saber nem humanitas nem talento nem letras eacute que as compreende e avalias

Nestes extratos vemos que Ciacutecero emprega humanitas como termo de acumulaccedilatildeo de civilidade doutrina saber humanitas eacute aquilo que torna o homem profundamente homem e se perpetua mesmo com a expiraccedilatildeo do ser Humanitas torna o homem digno fazendo-o humanus e politus ajustando este conceito as suas gravitas auctoritas e dignitas atitudes de caraacuteter romano

Ferrenho opositor a essa assimilaccedilatildeo foi dentre muitos Marco Poacutercio Catatildeo cuja facccedilatildeo senatorial tentou impedir a invasatildeo maciccedila da cultura e costumes gregos que somada agraves mudanccedilas poliacuteticas inevitaacuteveis da expansatildeo imperialista poderia corroer as bases eacutetico-poliacuteticas do Estado romano e de seu regime autocraacutetico

A influecircncia de Catatildeo no seacuteculo II aC foi a uacuteltima defesa da sobrevivecircncia da retoacuterica nos moldes claacutessicos que eram caracterizados por uma linguagem agressiva robusta direta desprovida de ornamentos o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

De Catatildeo podemos extrair a maacutexima que define o caraacuteter do orador nos moldes da retoacuterica claacutessica ldquoVir bocircnus peritus dicendirdquo O homem nobre haacutebil no falar E tambeacutem diz respeito a uma visatildeo pragmaacutetica e de certa forma desintelectualizada do discurso uma genuiacutena retoacuterica romana Na passagem do seacuteculo II para o seacuteculo I aC dois oradores satildeo lembrados Marco Antocircnio e Luacutecio Liciacutenio Crasso Dois optimates que divergiam quanto agrave maneira de abordar a importacircncia da mateacuteria do discurso ou da teacutecnica de elocuccedilatildeo a persuasatildeo

Fonte Campos (2008 p 4-6)

Por isso conhecer estas divergecircncias expostas no texto entre retoacuterica e oratoacuteria permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele natildeo eacute o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos Conforme aponta Campos (2008) em seu artigo acadecircmico a retoacuterica romana assumiu muitos elementos da retoacuterica grega na questatildeo da estrutura e ao mesmo tempo assumiu caracteriacutesticas novas devido ao meio romano na qual estava imersa

Embora saibamos que a essecircncia da retoacuterica e da oratoacuteria natildeo se altera com o passar do tempo eacute importante entendermos que a forma estaacute sempre em desenvolvimento Este modo de exposiccedilatildeo das nossas ideias constitui a vida da oratoacuteria ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que estaacute sendo produzida

Este processo de desenvolvimento da retoacuterica mesmo em Roma (sec I aC sec I dC) natildeo foi tranquilo e sem problemas Segundo Silveira (2012) existiram muitas crises e dificuldades na formaccedilatildeo da oratoacuteria e da retoacuterica romanas

O crescimento da cidade de Roma sua organizaccedilatildeo e suas conquistas que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade natildeo foi algo que se deu da noite para o dia Seu crescimento enquanto Impeacuterio deu-se principalmente pela organizaccedilatildeo de seu comeacutercio suas instituiccedilotildees seu exeacutercito e sobretudo pelo corpo social forte e unido chamado Nobilitas (ALFOLDY 1975 p 59) Lembrando que a formaccedilatildeo do Impeacuterio Romano foi um longo processo podemos no entanto destacar trecircs fases que fizeram parte deste imperialismo Na primeira fase conhecida como ldquoGuerra de Defesardquo Roma natildeo promove ataques mas se defende daqueles que atraiacutedos pelo seu crescimento resolvem atacaacute-la Eacute importante destacarmos que ao se defender dos ataques e invasotildees Roma anexa as cidades vencidas a regiatildeo da ldquoSalinardquo a mais proacutexima foi a primeira regiatildeo conquistada Mais tarde em 273 aC teremos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a conquista das cidades da Magna-Greacutecia estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos Apoacutes ter conquistado toda a peniacutensula itaacutelica Roma daacute iniacutecio agrave conquista do Impeacuterio Cartaginecircs o qual possuiacutea a hegemonia da regiatildeo da Siciacutelia Esta fase eacute conhecida como Guerra de expansatildeo hegemocircnica ou ldquoGuerras Puacutenicasrdquo esta culminaraacute com a destruiccedilatildeo da cidade de Cartago no norte da Aacutefrica Quanto agrave terceira fase esta tem iniacutecio em 133 aC quando financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos Roma inicia a chamada ldquoGuerra de Expansatildeo Econocircmicardquo passando assim de Cidade-Estado a Cosmo-Poacutelis dominando todo o mundo conhecido Eacute importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido devido ao seu poder que foi aumentado bem como seu aparelho militar o qual se encontrava mais organizado e poderoso contando com generais de renome vistos muitas vezes como deuses Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos derivado de suas conquistas esta conhece um periacuteodo de inflaccedilotildees seu custo de vida eacute aumentado o que iraacute gerar mudanccedilas nas formas de produccedilatildeo (SILVEIRA 2012 p 2-3)

Estes caminhos antigos da retoacuterica e da oratoacuteria nos permitem entender

como podemos convencer algueacutem sobre as mensagens que queremos passar em uma eacutepoca como a atual A dinacircmica das relaccedilotildees de trabalho no mundo contemporacircneo se modifica rapidamente mas os elementos substanciais dos oradores antigos satildeo os mesmos ateacute hoje

A moral de orador a sua eloquecircncia a credibilidade etc nada disso pode ser

dispensado em um mundo como o nosso E vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem percebemos que elas destacam algumas caracteriacutesticas que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos

Assim saiba que vocecirc soacute conseguiraacute convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar Fica evidente que a credibilidade eacute um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicaccedilatildeo Por isso eacute importante saber quais os requisitos para conquistar a confianccedila das pessoas construir sua reputaccedilatildeo como orador que inspire respeito credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistecircncias Para que vocecirc conquiste credibilidade falando dentro ou fora dos parlatoacuterios precisaraacute de pelo menos seis requisitos fundamentais Naturalidade a mais importante qualidade da oratoacuteria Natildeo existe teacutecnica em comunicaccedilatildeo ndash por mais elaborada que seja ndash mais relevante que a naturalidade Vocecirc precisa ser um orador natural e espontacircneo Agora veja ser natural no entanto natildeo significa por exemplo levar para o auditoacuterio os erros e as negligecircncias da comunicaccedilatildeo deficiente como a pronuacutencia incorreta das palavras Emoccedilatildeo e envolvimento aleacutem da naturalidade vocecirc precisa falar com disposiccedilatildeo com energia com envolvimento com emoccedilatildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Como convenceraacute o puacuteblico se nem mesmo vocecirc mostrar interesse no que diz Revele sua emoccedilatildeo no entusiasmo com que abraccedila o seu discurso Gerry Spence advogado americano que em mais de 40 anos nunca perdeu uma uacutenica causa criminal diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte ldquoConcentradas em seus sentimentos as pessoas que estatildeo dizendo a verdade falam com o coraccedilatildeo que eacute incapaz de compor precisamente o raciociacutenio linear de um ceacuterebro laborioso E ao ouvir o que eacute expresso pelo coraccedilatildeo o ouvinte tambeacutem eacute levado a ouvir com o coraccedilatildeordquo Imagem bem construiacuteda na poliacutetica pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construccedilatildeo da imagem do poliacutetico perante a sociedade O orador por sua vez deve estar ciente de que independentemente de marqueteiros ele tem que gerenciar seu proacuteprio marketing pessoal construindo e preservando a boa imagem ancorada na honestidade na justiccedila no respeito na honra na eacutetica bem como em todos os bons valores sociais e individuais Conhecimento e autoridade sobre o assunto a sua credibilidade como orador estaacute intimamente relacionada ao conhecimento que vocecirc demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa Empenhe-se para ter muito mais informaccedilotildees do que aquelas que vocecirc necessitaraacute em sua exposiccedilatildeo Leia estude pesquise se possiacutevel entreviste outras pessoas mais experientes que jaacute tratam do tema de sua exposiccedilatildeo Prepare-se com antecedecircncia e durante o maior tempo possiacutevel sobre a ideia que iraacute defender em seu discurso Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentaccedilatildeo Ensaie todos os detalhes teste os equipamentos que pretende utilizar enfim natildeo deixe nada ao acaso Confianccedila a confianccedila em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo De acordo com Lena Souza (2011) ldquoa fisiologia do medo eacute caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer as pernas tremerem as matildeos suarem o coraccedilatildeo bater mais forte etcrdquo E diz ainda que ldquoningueacutem perde o medo e sim o vence E o medo eacute como o sal na dose certa ele nos eacute muito importante inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do oradorrdquo (SILVA 2012 p 8-9)

Estas indicaccedilotildees natildeo satildeo prontas a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica

na verdade satildeo indicaccedilotildees para que vocecirc possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem tambeacutem satildeo Lembre-se ningueacutem nasceu com todos os conhecimentos se vocecirc quiser melhorar deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades

Antes de entrarmos na definiccedilatildeo de retoacuterica e oratoacuteria queremos esclarecer uma questatildeo fundamental ao estudante Na academia natildeo podemos simplesmente emitir opiniotildees pois conforme ensina Platatildeo a doxa opiniatildeo natildeo eacute o conhecimento ela eacute o ponto de partida de uma tentativa de conhecer Portanto doxa opiniatildeo natildeo eacute conhecimento episteme Conhecimento eacute o resultado de uma reflexatildeo racional que em filosofia sempre pode ser repensado de forma minuciosa e profunda (Platatildeo) O conhecimento eacute algo minimamente seguro para

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Oratoacuteria e Retoacuterica

se dizer que temos um conceito Sem um conceito natildeo podemos fazer academia Deste modo propomos a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica um pequeno exerciacutecio que pode contribuir no entendimento deste problema

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacutegina 77 a 79 e identifique de acordo com o texto quando opiniatildeo eacute diferente de conhecimento e explique o que vocecirc entendeu sobre este problema Como se entende o papel da retoacuterica

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Agora que vocecirc jaacute sabe que o conhecimento acadecircmico natildeo eacute uma mera opiniatildeo de qualquer pessoa passamos ao entendimento da arte retoacuterica e da oratoacuteria como formas de compreensatildeo da expressatildeo do intelecto humano de maneira mais clara e distinta

Neste sentido um estudo aprofundado sobre a retoacuterica eacute importante para desenvolver uma maneira de argumentaccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos De acordo com Platatildeo a retoacuterica serve basicamente para o convencimento e para a persuasatildeo dos interlocutores Para sofistas como Isoacutecrates e Protaacutegoras a retoacuterica serve para produzir uma boa reflexatildeo um modo de defender uma hipoacutetese sem se preocupar com a verdade No caso de Aristoacuteteles a retoacuterica serve para uma forma mais praacutetica e se aproxima da dialeacutetica oposiccedilatildeo de conceitos para produzir um debate

Ao pensarmos a retoacuterica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta atraveacutes de seu discurso levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas nos deparamos com uma praacutetica tatildeo antiga quanto difiacutecil de estabelecer o seu iniacutecio na humanidade A retoacuterica natildeo eacute um privileacutegio reservado aos povos antigos e nos dias de hoje ela continua envidada na poliacutetica nas campanhas publicitaacuterias em mensagens midiaacuteticas no comeacutercio e em tantas outras relaccedilotildees que nos circundam Eacute nesse sentido que Halliday (1990 p 26) professora de

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Comunicaccedilatildeo Puacuteblica que realizou pesquisas sobre a retoacuterica afirma que todos noacutes agimos retoricamente partindo do princiacutepio de que isso significa ldquo[] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendamrdquo Essa autora tambeacutem tem em vista que cada indiviacuteduo pode fazer uso da persuasatildeo para convencer a si proacuteprio sobre alguma ideia haja vista que ldquoa consciecircncia eacute o primeiro puacuteblicordquo e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte Embora a praacutetica persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas o estudo dessa arte recebeu significativa atenccedilatildeo de antigos filoacutesofos gregos entre os quais destacamos Aristoacuteteles (384 ndash 322 aC) pensador que escreveu a obra Retoacuterica sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho Aristoacuteteles viveu em uma eacutepoca de fortes transformaccedilotildees e agitaccedilotildees sociais na antiga Greacutecia O ceticismo se expandia com cada indiviacuteduo querendo viver para os seus proacuteprios negoacutecios e principalmente em Atenas uma cidade que servira como referecircncia intelectual e poliacutetica havia uma carecircncia do espiacuterito coletivo assim como de orientaccedilotildees que conquistassem a confianccedila dos cidadatildeos para guiaacute-los no campo discursivo da verossimilhanccedila Diante de uma sociedade ameaccedilada por posturas egoiacutestas e confusas e do risco da desarticulaccedilatildeo extrema das inter-relaccedilotildees sociais o filoacutesofo de Estagira percebeu a importacircncia de ordenar a construccedilatildeo dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (juriacutedicos fuacutenebres deliberativos etc) A arte retoacuterica ganha com Aristoacuteteles o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que eacute capaz de gerar a persuasatildeo o exame acurado das formas que compotildeem o discurso (ou rethoacuten) levando em conta cada situaccedilatildeo social de acordo com o momento o ambiente a cultura e as pessoas envolvidas Diante dessa concepccedilatildeo aristoteacutelica a presente investigaccedilatildeo procura responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel identificar conexotildees entre a Retoacuterica de Aristoacuteteles e o que este filoacutesofo idealiza para o exerciacutecio das inter-relaccedilotildees sociais na poacutelis grega Adiantamos nesse momento que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA 2011 p 14-15)

Logo definimos de acordo com Reboul (2004) a retoacuterica como a arte de

construir bem um argumento e a oratoacuteria como a arte de expor com qualidade e teacutecnica este argumento

Isso significa que a construccedilatildeo da arte retoacuterica envolve tanto o convencimento por intermeacutedio do texto escrito quanto pelo convencimento oral Por ter estas diferentes dimensotildees eacute que se costuma separar retoacuterica de oratoacuteria Retoacuterica escrita e elaborada metodicamente e oratoacuteria oral com uma conotaccedilatildeo mais apaixonada

O termo arte techneacute em grego eacute visto por Reboul (2004 p XVI) como detentor de uma ambiguidade sendo ldquoateacute duplamente ambiacuteguordquo O autor ressalta que o termo faz referecircncia tanto a uma habilidade espontacircnea quanto ao que eacute adquirido por meio do ensino Ora traduz o sentido de uma simples teacutecnica ora ao contraacuterio ldquo[] o que na criaccedilatildeo ultrapassa a teacutecnica e pertence

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Oratoacuteria e Retoacuterica

somente ao lsquogecircniorsquo do criador Em qual ou em quais desses sentidos se estaacute pensando quando se diz que a retoacuterica eacute uma arte Em todosrdquo Cabe aqui perguntarmos qual eacute o sentido de techneacute concebido por Aristoacuteteles Para este filoacutesofo a techneacute eacute um saber fazer bem feito o que se faz seja na construccedilatildeo de um artefato ou de um discurso um fazer com arte cujo sentido eacute o de produzir tecnicamente bem com habilidade o que o indiviacuteduo se propotildee a produzir Isto fica claro na Eacutetica a Nicocircmaco (ARISTOacuteTELES VI 5 1140b) assim como o caraacuteter imitativo da arte frente agrave natureza Poreacutem tal imitaccedilatildeo natildeo significa copiar pois na visatildeo aristoteacutelica a imitaccedilatildeo artiacutestica metamorfoseia reproduzindo como nos lembra Stirn (1999 p 65) em sua obra Compreender Aristoacuteteles Sendo assim o artista natildeo estaacute limitado a copiar mecanicamente o que vecirc havendo uma abertura para a transformaccedilatildeo e a criatividade Isso tambeacutem ocorre na proposta aristoteacutelica de Retoacuterica Ao defini-la como ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo Aristoacuteteles (Ret I II 1) natildeo exclui o caraacuteter de a retoacuterica ser uma arte mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte Pois logo em seguida ele acrescenta ldquoNenhuma outra arte possui esta funccedilatildeo porque as demais artes tecircm sobre o objeto que lhes eacute proacuteprio a possibilidade de instruir e de persuadirrdquo Com isso deixa impliacutecito que a retoacuterica tambeacutem eacute uma arte entre as demais por ele observadas Na Retoacuterica embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral preacute-organizada natildeo eacute raro ele se deparar com aspectos imprevisiacuteveis da vida praacutetica e do mundo das opiniotildees Frente a estes o Estagirita situa a arte retoacuterica tambeacutem como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais) e de possivelmente transformar (ou manter) situaccedilotildees praacuteticas a partir do discurso persuasivo Eacute aqui que a ideia aristoteacutelica de thechneacute nos permite uma aproximaccedilatildeo do sentido de ldquorsquogecircniorsquo criadorrdquo citado por Reboul A arte retoacuterica requer (do retor) conhecimento e criatividade pois natildeo basta copiar e decorar foacutermulas quando a vida praacutetica tem sua margem de misteacuterio e de imprevisibilidade fatores estes que exigem mais do que a mera coacutepia de um modelo de discurso Afinal pela retoacuterica aristoteacutelica aquele que discursa busca persuadir o ouvinte e natildeo necessariamente copiar para persuadir (LIMA 2011 p 24-25)

Neste sentido o modo de construccedilatildeo de uma argumentaccedilatildeo estaacute diretamente

relacionado ao modelo de expressatildeo de cada indiviacuteduo que se propotildee a um discurso puacuteblico Natildeo basta como afirma Lima (2011) copiar foacutermulas para construir discursos eacute preciso construir um modo de escrever e falar Ao citar Reboul Lima (2011) esclarece que para explicar a questatildeo da persuasatildeo precisamos dois cenaacuterios

Reboul (2004 p XV) ao procurar esclarecer o sentido de persuasatildeo utiliza dois exemplos satildeo eles ldquo1) Pedro persuadiu-me de que sua causa era justa 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causardquo Vejamos a distinccedilatildeo feita pelo autor (id ibid p XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasatildeo [] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa natildeo se sabendo se acredito nela ou natildeo A nosso ver a persuasatildeo retoacuterica consiste em (1) sem redundar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

necessariamente no levar a fazer (2) Diferentemente de Reboul Perelmam (2004 p 58) filoacutesofo do direito cujos estudos de retoacuterica recebem fortes influecircncias aristoteacutelicas destaca a accedilatildeo (o fazer) como sendo essencial agrave persuasatildeo Para quem se preocupa sobretudo com o resultado persuadir eacute mais do que convencer a persuasatildeo acrescentaria agrave convicccedilatildeo a forccedila necessaacuteria que eacute a uacutenica que conduziraacute agrave accedilatildeo Abramos a enciclopeacutedia espanhola Dir-nos-atildeo que convencer eacute apenas a primeira fase ndash o essencial eacute persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicccedilatildeo que lhe foi comunicada Por outro lado Reboul (2004 p XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente ldquopersuadirrdquo de ldquoconvencerrdquo afirmando que tal distinccedilatildeo se fundamenta numa filosofia ndash ou mesmo ideologia ndash exageradamente dualista ldquo[] visto que opotildee no homem o ser de crenccedila e sentimento ao ser de inteligecircncia e razatildeo e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro ou mesmo contra o primeirordquo Entretanto vale observar que Perelman natildeo joga o ser de razatildeo contra o ser de sentimento e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro ele apenas potildee o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo Por tal caracteriacutestica (entre outras) as ideias de Perelman estatildeo em afinidade com a Retoacuterica aristoteacutelica como jaacute percebera Guimaratildees (2004 p 145) em seu artigo Figuras de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo ldquoAssim modernamente a obra de C Perelman autor belga diligencia reabilitar uma teoria da argumentaccedilatildeo que reencontre a tradiccedilatildeo aristoteacutelicardquo (LIMA 2011 p 30-31)

Para entendermos essa dinacircmica de formaccedilatildeo de um modo proacuteprio de

expressatildeo de nossas ideias atraveacutes de argumentos propomos um exerciacutecio de entendimento do desenvolvimento da retoacuterica antiga Sabemos que para convencermos algueacutem temos que usar de eloquecircncia precisamos ser convincentes Entre os gregos a retoacuterica e a oratoacuteria ganharam forccedila quando se desenvolveram teacutecnicas de argumentaccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de discursos

Atividade de Estudos

1) Sabemos que a retoacuterica surge entre os gregos antigos Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacuteginas 5 a 8 e explique o que vocecirc entende dessa leitura proposta

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ora o modo de eloquecircncia se relacionava diretamente com a honestidade com o compromisso com a verdadeira filosofia Evidentemente que na histoacuteria posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e natildeo o conteuacutedo do discurso Nos regimes democraacuteticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna pois sem a retoacuterica sofiacutestica a democracia natildeo se sustentaria Eacute a rejeiccedilatildeo da

verdade na antiguidade que transformou a retoacuterica em modo sagaz de convencimento Neste sentido podemos falar em um triunfo dos sofistas em relaccedilatildeo a Platatildeo uma vez que para o autor dos Diaacutelogos platocircnicos a retoacuterica e a verdade se mantinham unidas

Essa separaccedilatildeo entre retoacuterica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisatildeo fundamental Eacute Maquiavel que constatou que poliacutetica e eacutetica natildeo pertenciam mais ao mesmo espectro Deste modo a retoacuterica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasatildeo sem compromisso com a verdade

A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere Observamos isso no diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental Segundo devemos estar atentos agrave forma do discurso Se for uma forma de explanaccedilatildeo ao puacuteblico em geral ou se eacute um discurso particular E terceiro a quem se dirige o discurso se eacute uma plateia que possui um repertoacuterio amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso Esse entendimento permite ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estatildeo diretamente articulados

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttprepositorioulptbitstream10451184573ulfl183093_tm_3pdfgt paacuteginas 3 a 5 e responda Como vocecirc entende esse desenvolvimento da retoacuterica

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A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos

fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso

articular bem a verdade com o discurso que se

profere Segundo devemos estar

atentos agrave forma do discurso

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como

montar um discurso e qual a finalidade de um discurso

Esse entendimento permite ao

estudante de oratoacuteria e retoacuterica

desenvolver o entendimento

de que pensar e falar bem estatildeo

diretamente articulados

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Quando estamos diante de um texto religioso por exemplo devemos estar atentos ao processo hermenecircutico ou seja de interpretaccedilatildeo para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido Eacute por isso que para se desenvolver uma boa oratoacuteria e uma boa retoacuterica o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto Eacute condiccedilatildeo preacutevia para se montar um bom discurso saber interpretar um texto dominar a liacutengua em que se escreve e fundamentar bem suas posiccedilotildees nos autores escolhidos

Deste modo argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto conforme aponta Descartes em seu discurso do Meacutetodo pois algo confuso e misturado natildeo pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possiacutevel pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser visto que a oratoacuteria e a retoacuterica natildeo visam somente ao convencimento dos outros Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida visto que vivemos em um mundo plural Ningueacutem precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relaccedilatildeo aos argumentos enunciados

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior podemos utilizar alguns artifiacutecios retoacutericos que nos ajudam a convencer os interlocutores Esses artifiacutecios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade Conforme defende o sofista Goacutergias no diaacutelogo platocircnico eacute o orador que escolhe como e de que modo quer convencer Evidentemente que Platatildeo por ter um compromisso maior com a verdade natildeo concorda com isso Por isso falamos no iniacutecio deste capiacutetulo que depende do compromisso com a verdade que noacutes temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento eacute de fato verdadeiro e bem exposto

Uma boa exposiccedilatildeo de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes Deste modo cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequecircncias de suas afirmaccedilotildees Lembremos tambeacutem que de acordo com Reboul (2004) o estilo de discurso deve estar em consonacircncia com o orador e o puacuteblico a que se expotildee os argumentos

Logo a arte de falar bem natildeo eacute exata como as pessoas que natildeo estudam a aacuterea pensam emitindo opiniotildees vazias Devemos evitar generalidades ensina o grande retoacuterico antigo Aristoacuteteles em seu texto chamado posteriormente de Metafiacutesica pois elas produzem efeitos contraditoacuterios e enganosos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Desta maneira falar bem eacute consequecircncia direta da boa construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Se bem formularmos um argumento poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir

Neste sentido falar bem eacute aprender a pensar bem escrever bem e expor bem um determinado argumento Se natildeo formos capazes de explicar um argumento natildeo podemos dizer que falamos bem pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que noacutes queremos passar

A Construccedilatildeo do ArgumentoA construccedilatildeo de um argumento se processa de maneira muito

detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que queremos

Inicialmente para se fazer e expor um bom argumento eacute preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposiccedilatildeo deste Depois precisamos escolher o modo como se faraacute esta exposiccedilatildeo Eacute claro que supomos

uma determinada mensagem que jaacute foi escolhida para ser transmitida Logo para se construir um bom argumento eacute preciso ter um assunto a ser transmitido um estilo de exposiccedilatildeo um modo pelo qual o orador iraacute se manifestar e um plano loacutegico para executar todo o processo de transmissatildeo da mensagem

Como podemos escolher um tema para expor Ora se estamos interessados em apresentar um argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos expor Se existe esta motivaccedilatildeo interior ela deve ser elaborada pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero Eacute neste momento que a retoacuterica e a oratoacuteria podem ajudar vocecirc a se manifestar de maneira clara e eloquente

Para construir um argumento segundo Platatildeo precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor Se soubermos por exemplo um determinado argumento e dominamos suas variaccedilotildees estamos aptos a expocirc-lo

Com efeito o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo Se dominamos por exemplo o argumento da lei da gravidade ou seja todos os objetos sobre a superfiacutecie da Terra caem agrave mesma velocidade devido

Desta maneira falar bem eacute

consequecircncia direta da boa construccedilatildeo

e exposiccedilatildeo de argumentos Se

bem formularmos um argumento

poderemos apresentar bem

a mensagem que queremos transmitir

A construccedilatildeo de um argumento se

processa de maneira muito detalhada e

existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que

queremos

Ora se estamos interessados em apresentar um

argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos

expor

Com efeito o conhecimento de um determinado

argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo

Se dominamos por exemplo o

argumento da lei da gravidade

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

agrave lei da gravidade podemos explicar isso aos outros bem como suas variaccedilotildees Agora se temos duacutevidas e natildeo sabemos qual eacute a lei da gravidade universal natildeo conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento Deste modo devemos antes de tudo averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade Conforme ensina Soacutecrates referido por Luz (2010 p 49-50)

[] em vez de censurar o que eacute preciso eacute desculpar os que por desconhecimento da dialeacutetica natildeo estatildeo em condiccedilotildees de definir o que seja retoacuterica Com toda sua ignoracircncia por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos pensam que descobriram a retoacuterica e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noccedilotildees estatildeo convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar A dialeacutetica eacute o caminho da alma para que se possa alcanccedilar a beleza e a justiccedila base para todo ensino verdadeiramente filosoacutefico ndash conhecimento da alma e amor agrave verdade na busca dos princiacutepios eternos Ao passar por todas estas definiccedilotildees ambicionadas a colocar a retoacuterica a serviccedilo do conhecimento filosoacutefico e verdadeiro Platatildeo ndash utilizando-se do discurso socraacutetico ndash parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemoloacutegico e eacutetico opondo-se aos oradores de sua eacutepoca A retoacuterica portanto depende da dialeacutetica que por se esforccedilar em atingir o verdadeiro depende do verossiacutemil procurado por ela que depende ldquodiretamenterdquo de valores que satildeo da ordem do inteligiacutevel (levando em consideraccedilatildeo que o homem natildeo eacute a medida de todas as coisas) Ao longo de suas obras Platatildeo define a retoacuterica sofista como um longo discurso contiacutenuo que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vaacuterios procedimentos que se sustentam uns aos outros fazendo com que o retoacuterico impressione pelo conjunto da obra mais do que pela solidez de cada argumento explicitado Entretanto quando em vista do meacutetodo dialeacutetico cada raciociacutenio se desenvolve pouco a pouco sendo cada passo testado e confirmado pela concordacircncia do interlocutor soacute havendo uma passagem para a ldquotese seguinterdquo para uma segunda argumentaccedilatildeo quando a primeira for apreendida corretamente quando a adesatildeo daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentaccedilatildeo No caso do diaacutelogo eriacutestico haacute uma preocupaccedilatildeo uacutenica em se vencer o adversaacuterio o que implicaria numa total indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave verdade Tal retoacuterico eacute motivado pelo desejo de vencer de deixar o interlocutor embaraccedilado fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado e natildeo a verdade triunfe Predigo-te que este jovem seja qual for a sua resposta seraacute obrigado a contradizer-se O diaacutelogo criacutetico caracteriacutestica eminente do discurso socraacutetico o interlocutor trata-se de testar uma tese na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentaccedilotildees formuladas por ele A coerecircncia interna do discurso eacute que fornece o criteacuterio para investigaccedilatildeo ou ainda interrogaccedilatildeo criacutetica que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa Quando o diaacutelogo deixa de ser criacutetico para adentrar no caraacuteter verdadeiramente filosoacutefico ndash adquirindo um interesse construtivo para aleacutem da coerecircncia interna do discurso ndash os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antematildeo foi considerado dialeticamente verdadeiro O diaacutelogo filosoacutefico eacute impreterivelmente dialeacutetico eacute ele que determina

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as caracteriacutesticas do meacutetodo dialeacutetico ndash ldquonele a concordacircncia dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentaccedilatildeo natildeo porque se trataria de um concurso de duas opiniotildees divergentes mas porque essa concordacircncia seria a expressatildeo de uma adesatildeo generalizada agraves preposiccedilotildees em questatildeordquo O meacutetodo dialeacutetico eacute o meacutetodo de toda filosofia que pretende dar conta das consideraccedilotildees inesgotaacuteveis do saber filosoacutefico

Ora embora a retoacuterica e a dialeacutetica sejam distintas haacute uma relaccedilatildeo que

permite ao orador formular argumentos retoacutericos para ser um bom debatedor Neste sentido a retoacuterica eacute um modo para se buscar a verdade

Quando falamos de leis da fiacutesica parece um tanto mais distinto e direto agora quando falamos de argumentos filosoacuteficos e teoloacutegicos a situaccedilatildeo eacute um pouco mais complicada Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenecircutica ou seja a interpretaccedilatildeo de textos o argumento muitas vezes eacute confundido com a interpretaccedilatildeo

Cabe a vocecirc estudante de retoacuterica e oratoacuteria distinguir um argumento de uma interpretaccedilatildeo Um argumento eacute sempre a exposiccedilatildeo loacutegica de uma ideia por exemplo ldquoDeus eacute o ser do qual natildeo podemos pensar nada maiorrdquo (ANSELMO 1991) e a interpretaccedilatildeo que vocecirc faz dessa frase do pensador Anselmo

Este argumento eacute chamado de argumento ontoloacutegico pois independentemente do lugar onde se aplique Deus sempre seraacute para Santo Anselmo o maior de todos os seres que podem ser pensados

Satildeo vaacuterias as formas como vocecirc entende este argumento E mesmo sendo loacutegico e formalmente irrefutaacutevel vocecirc pode ignoraacute-lo logo a interpretaccedilatildeo eacute sempre um movimento subjetivo e introspectivo Mesmo com meacutetodo determinado e um argumento eacute a mensagem loacutegica que se passa por intermeacutedio da linguagem

Os Gecircneros do DiscursoUm gecircnero de discurso eacute antes de tudo a opccedilatildeo que o orador faz para expor

seu argumento e seu modo de pensar O pensar pode ser exposto de diferentes modos podemos fazer textos construir esculturas montar peccedilas de teatro pintar quadros fazer gestos e muito mais

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Aristoacuteteles nos fornece uma classificaccedilatildeo dos gecircneros retoacutericos que praticamente natildeo mudou em mais de dois mil anos De acordo com Lima (2011) ao citar Artistoacuteteles

Aristoacuteteles (Ret I III 11) uma vez tendo considerado que cada gecircnero retoacuterico ndash deliberativo judiciaacuterio e epidiacutetico - deve ser baseado numa demonstraccedilatildeo (eacutentechnos) tem em vista que a retoacuterica deve se desenvolver a partir do meacutetodo das evidecircncias e sendo a demonstraccedilatildeo uma evidecircncia afirma ldquopois que a nossa confianccedila eacute tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstraccedilatildeordquo A evidecircncia retoacuterica conforme Aristoacuteteles eacute caracterizada pela aplicaccedilatildeo do entimema ou seja pelo uso de um raciociacutenio que natildeo tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo mas que busca ser evidente O silogismo deriva de premissas loacutegicas enquanto o entimema tem origem nas premissas retoacutericas (LIMA 2011 p 48)

Na retoacuterica e na oratoacuteria se configuram gecircneros de um discurso as maneiras

que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos Platatildeo e Aristoacuteteles fizeram uma classificaccedilatildeo dos gecircneros de um discurso conforme apontamos no capiacutetulo primeiro do texto

O Tratado do Amor de Liacutesias comeccedila pelo fim pela conclusatildeo a que o orador chegou e pretende que todos cheguem ndash como o amante deve se portar com seu amado ndash fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam ldquonuma grande emburrilhadardquo A criacutetica socraacutetica consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas Enfatiza que a carta estaacute calcada nos saberes natildeo filosoacuteficos sendo uma peccedila bem trabalhada mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes ndash poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso Segundo Soacutecrates esta deveria ser constituiacuteda por um todo artisticamente considerado no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto [] todo discurso precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo A fim de natildeo mais aborrecer Fedro atraveacutes da criacutetica ferrenha agrave construccedilatildeo do discurso de seu adorado Liacutesias o diaacutelogo socraacutetico passa agrave anaacutelise da arte da eloquecircncia tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relaccedilatildeo entre amado e amante ndash em que ldquoum pretende que soacute deve ceder agraves instacircncias

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do indiviacuteduo que ama e o outro agraves de quem natildeo revele amorrdquo (265 a) ndash se contradizem reciprocamente fazendo com que Soacutecrates retomasse a ideia das Manias Divinas e principalmente aquela referida ao amor

Fonte Luz (2010 p 47)

Para retomarmos agrave discussatildeo lembramos ao estudante de retoacuterica e oratoacuteria estes gecircneros de discurso Em Platatildeo haacute um compromisso com as premissas e com a verdade Haacute uma divisatildeo entre verdade e forma de um discurso

Platatildeo por sua vez pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essecircncia e o valor de verdade da retoacuterica (dita como tal) instituiacuteda pelos sofistas O filoacutesofo afirmava ainda que a retoacuterica deveria ser considerada segundo razotildees de todo anaacutelogas agravequelas pelas quais a arte deve ser condenada A retoacuterica eacute a contrafaccedilatildeo da verdade Tal como a arte tem a pretensatildeo de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento imitando puramente as suas aparecircncias a retoacuterica atraveacutes do meacutetodo persuasivo pretende convencer o homem acerca de tudo sem ter conhecimento algum A retoacuterica cria crenccedilas ilusoacuterias O retoacuterico eacute aquele que devido a sua habilidade persuasiva joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparecircncias da verdade em verossimilhanccedilas e natildeo na verdade em si mesma Tanto quanto acontece na arte a retoacuterica se dirige agrave pior parte da alma agravequela que eacute creacutedula e instaacutevel suscetiacutevel de emoccedilatildeo e sensiacutevel ao prazer Pode-se dizer que o retoacuterico lida com o falso para aleacutem do artista tendo em vista que esse uacuteltimo ao menos representa as aparecircncias do verdadeiro enquanto que o retoacuterico tem a maliacutecia do conhecimento calcado num falso saber A filosofia dialeacutetica deve corromper e substituir a retoacuterica no que diz respeito ao seu caraacuteter de verdade No Fedro Platatildeo explicita que na arte dos discursos enquanto retoacuterica eacute reconhecido um direito agrave existecircncia entretanto sob a condiccedilatildeo de que se submeta agrave verdade e por conseguinte agrave filosofia E para alcanccedilar a verdade pela qual a retoacuterica teria de se submeter se faz necessaacuteria a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialeacutetica ndash ldquoseja no seu momento ascendente que leva do muacuteltiplo ao uno seja no seu momento descendente e diaireacutetico que ensina a dividir as Ideias segundo as articulaccedilotildees que lhe satildeo proacutepriasrdquo e conhecer a alma visto que a arte da persuasatildeo se dirige necessariamente agrave alma Soacute se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos conhecendo a natureza das coisas e a natureza da alma humana A escritura soacute faz aumentar a aparecircncia (doxa) do saber natildeo fortalecendo a memoacuteria mas oferecendo meios para trazer agrave memoacuteria aquilo que de antematildeo jaacute era conhecido pela alma O escrito eacute sem alma sendo incapaz de defender-se sozinho contra criacuteticas exigindo sempre a intervenccedilatildeo constante do seu autor O discurso oral e soacute ele eacute capaz de penetrar na alma daquele que o apreende sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

se encontra na dimensatildeo da oralidade Para ser conduzido segundo as regras da arte o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e por conseguinte implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige ndash haacute um jogo metoacutedico pelo qual quem escreve deve se submeter Por definiccedilatildeo a palavra eacute um aspecto da realidade eacute uma palavra eficaz No entanto a potecircncia da palavra natildeo se encontra apenas orientada para o real ela se mostra da mesma forma irrevogavelmente tal como uma potecircncia sobre o outro Logo a potecircncia da palavra se mostra perigosa visto que pode ser tomada como a ilusatildeo do real Ou seja a seduccedilatildeo da palavra eacute tal que pode se fazer passar pela realidade o logos pode impor objetos que se assemelhem agrave realidade confundindo-se com ela sendo entretanto natildeo mais do que uma imagem vatilde Este fato levanta uma nova questatildeo traz um problema fundamental pertinente agrave relaccedilatildeo entre palavra e verdade A ambiguidade da palavra entatildeo torna-se polo de reflexatildeo sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional onde haacute por um lado o problema da potecircncia da palavra sobre a realidade e por outro lado o problema da potecircncia da palavra sobre o outro ndash perspectiva fundamental no desvelamento retoacuterico e sofiacutestico (LUZ 2010 p 43-44)

Ainda de acordo com Platatildeo um discurso deve ser entendido como um

modo de produccedilatildeo de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias que para Platatildeo eacute o uacutenico mundo real

Sabemos que Platatildeo (428-7 ndash 348-7 a C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da eriacutestica e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questatildeo conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate Isso fica claro nos diaacutelogos platocircnicos Goacutergias e Eutidemo nos quais o filoacutesofo procura mostrar que a retoacuterica natildeo eacute uma ciecircncia e nem uma verdadeira arte pois pelo que consta no Goacutergias (465 a) ela eacute somente uma empeiria ou seja uma habilidade praacutetica decorrente da experiecircncia A negaccedilatildeo dessa praacutetica como ciecircncia natildeo eacute novidade naquele contexto social pois na tradiccedilatildeo retoacuterica dos pitagoacutericos a Goacutergias como concorda Plebe (1978) a retoacuterica era situada no mundo da doxa (opiniatildeo) e natildeo da ciecircncia Entretanto Platatildeo acrescenta uma provocaccedilatildeo ao afirmar que a retoacuterica tambeacutem natildeo eacute uma arte ou seja natildeo eacute theacutecnerhetorikeacute como defendia Goacutergias considerando-a apenas como habilidade Este filoacutesofo estaacute mais interessado na dialeacutetica a qual eacute vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteuacutedo Entretanto ele (Platatildeo) discute sobre a retoacuterica por reconhecer que tal atividade tendo o caraacuteter de experiecircncia tecno-praacutetica natildeo seria de todo inuacutetil Na visatildeo platocircnica portanto a retoacuterica seria diferente da dialeacutetica e tambeacutem da sofiacutestica como pode ser constatado no Goacutergias (465) no qual a sofiacutestica aparece como contrafaccedilatildeo da arte de legislar (nomothetikeacute) e a retoacuterica como contrafaccedilatildeo da arte de administrar a justiccedila (dikaiosyne) (LIMA 2011 p 43)

Ainda seguindo a definiccedilatildeo precisa apresentada por Platatildeo as fontes das habilidades devem ser distinguidas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Platatildeo considera que essas duas formas de habilidades satildeo contrafaccedilotildees de um gecircnero de habilidade que natildeo eacute arte o qual ele denomina kolakeiacutea (adulaccedilatildeo) mas admite que tal gecircnero eacute contrafaccedilatildeo da arte Em resumo embora reconheccedila que os sofistas satildeo dotados de um espiacuterito ousado e imaginativo a filosofia platocircnica vecirc a retoacuterica como discurso vazio de conteuacutedo Jaacute na sua maturidade Platatildeo passa a considerar a retoacuterica como sendo uma versatildeo disparatada e distorcida da dialeacutetica conforme consta em seu diaacutelogo Fedro e por outro lado a idealizar a existecircncia de uma verdadeira retoacuterica a qual ele identifica com a proacutepria dialeacutetica Assim Platatildeo equipara a falsa dialeacutetica com a retoacuterica ao mesmo tempo em que identifica a retoacuterica verdadeira com a dialeacutetica tornando a retoacuterica reprovaacutevel somente quando esta uacuteltima natildeo se identifica com a primeira Por conseguinte segundo Platatildeo qualquer sofista uma vez natildeo praticante da dialeacutetica da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia natildeo merece confianccedila por maior que seja a sua habilidade oratoacuteria Nesse sentido em um trecho do Fedro (LII 268 b-c) ele faz uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas da retoacuterica e o perfil de um falso meacutedico Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio de provocar vocircmitos ou evacuaccedilotildees entre outros efeitos e que o mesmo acrescenta ldquoE porque sei tudo isso tenho-me na conta de meacutedico e tambeacutem com a capacidade de fazer um meacutedico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos rdquo Esse trecho eacute seguido imediatamente pela citaccedilatildeo que registramos adiante Soacutecrates ndash Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira Fedro ndash Que mais poderia fazer a natildeo ser perguntar se tambeacutem sabia a quem aplicar tudo aquilo o tempo certo e a dose para cada caso Soacutecrates ndash E se ele contestasse Dessas coisas natildeo entendo patavinas poreacutem suponho que quem aprender comigo aquilo tudo ficaraacute em condiccedilotildees de responder a tais perguntas Fedro ndash Diriam segundo penso Este homem eacute louco Soacute porque leu um livro ou porque encontrou casualmente alguns remeacutedios considera-se meacutedico ainda que nada entenda de tal arte Ao considerar o praticante da retoacuterica como algueacutem cujo conhecimento natildeo eacute confiaacutevel Platatildeo (opus cit LVII 272 d-e) afirma que ldquoNos tribunais por exemplo ningueacutem se preocupa no miacutenimo com a verdade soacute se esforccedilando por persuadirrdquo e que toda a arte da oratoacuteria consiste em manter a verossimilhanccedila do iniacutecio ao fim do discurso Portanto esse pensador tem em vista que todo filoacutesofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade ao inveacutes de priorizar as aparecircncias dos discursos soacute para persuadir a qualquer custo Por outro lado embora tenha feito tantas criacuteticas agrave retoacuterica o citado filoacutesofo reconhece a importacircncia de se identificar os diferentes tipos de auditoacuterios que podem inspirar construccedilotildees oratoacuterias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade - e sendo assim jaacute prepara de certo modo o caminho para a sistematizaccedilatildeo aristoteacutelica da retoacuterica que viraacute logo depois Tanto eacute assim que alguns aspectos que seratildeo valorizados por Aristoacuteteles em sua obra Retoacuterica jaacute constam nas seguintes palavras de Platatildeo (Ibid LVIII 273d-274a) [] quem natildeo fizer a enumeraccedilatildeo exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espeacutecies e natildeo souber reduzir a uma ideia uacutenica todas as ideias particulares jamais dominaraacute a arte da oratoacuteria dentro das possibilidades humanas Mas sem trabalho ningueacutem consegue chegar a esse ponto Natildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

eacute para falar com os homens nem para tratar com eles que o saacutebio despende tanto esforccedilo mas para falar o que agrade aos deuses e tambeacutem para lhes comprazer com suas accedilotildees na medida do possiacutevel Porque o homem de senso [] natildeo deveraacute esforccedilar-se para agradar seus companheiros de escravidatildeo pelo menos natildeo poraacute nisso o principal intento nem o faraacute de ligeiro poreacutem a bons mestres e de boa origem Eis que fica clara a preocupaccedilatildeo de Platatildeo em estabelecer paracircmetros eacuteticos para a praacutetica da oratoacuteria e nesse sentido veremos apoacutes alguns paraacutegrafos adiante que a mesma preocupaccedilatildeo pode ser identificada em Aristoacuteteles no que concerne a sua sistematizaccedilatildeo (LIMA 2011 p 44)

Segundo Aristoacuteteles a exposiccedilatildeo de um argumento se divide em invenccedilatildeo disposiccedilatildeo elocuccedilatildeo e accedilatildeo

Deste modo a invenccedilatildeo consiste na escolha do material para se formular um argumento Nesta etapa o retoacuterico ou orador se ateacutem aos elementos dispersos e reuacutene aqueles que ele considerar adequados

Na disposiccedilatildeo o retoacuterico ou orador se preocuparaacute em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso

Na elocuccedilatildeo o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para natildeo cair em contradiccedilatildeo e se perder na execuccedilatildeo do discurso

Jaacute a accedilatildeo consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos trecircs aspectos anteriores de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir Neste momento o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui

Desta maneira Aristoacuteteles difere de Platatildeo por entender que a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo importantes para o debate natildeo soacute para o convencimento dos interlocutores Conforme confirma Lima (2011 p 47)

Aristoacuteteles diferentemente de Platatildeo vecirc a retoacuterica como algo que normalmente faz parte da vida social e poliacutetica como uma arte importante para o desenvolvimento dessas aacutereas Tal pensador tem em vista que a distinccedilatildeo conceitual envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composiccedilatildeo loacutegica e persuasiva dos argumentos eacute fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicaacute-las socialmente Eacute nessa perspectiva que ele propotildee a formaccedilatildeo de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construccedilatildeo de cada discurso visando estabelecer conforme suas proacuteprias palavras ldquo[] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos quando falamos a favor ou contra uma propostardquo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Logo em Aristoacuteteles existe uma mudanccedila da retoacuterica que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentaccedilotildees poliacuteticas juriacutedicas e dos problemas mais simples da existecircncia humana Conforme aponta Lima (2011) ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema

O Estagirita pensando na vida praacutetica situaccedilotildees reais do dia a dia em que geralmente natildeo se dispotildee de muito tempo para os encontros discursivos tem em vista a importacircncia de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciociacutenio do orador com tatildeo pouca demora Mas ele tambeacutem alerta para que natildeo se cometa excessos no uso dos entimemas Natildeo se deve tambeacutem a propoacutesito de toda e qualquer questatildeo procurar empregar os entimemas pois nesse caso chegariacuteeis ao mesmo resultado que certos filoacutesofos que demonstram por meio de silogismos proposiccedilotildees mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciociacutenios (Ret III XVII 7) Os lugares comuns de entimemas demonstrativos e refutativos compotildeem uma ampla variedade de argumentos que satildeo estudados enumerados e tipificados por Aristoacuteteles hierarquizados segundo a eficaacutecia de persuasatildeo Os lugares comuns satildeo assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussatildeo Vejamos por exemplo o seguinte toacutepoi (lugar) que consta no Livro II da Retoacuterica de Aristoacuteteles (XXIII1) Primeiramente haacute um lugar para os entimemas demonstrativos aquele que se tira dos contraacuterios Com efeito importa examinar se o contraacuterio estaacute contido no contraacuterio se natildeo estaacute compreendido refutaremos o adversaacuterio se estaacute compreendido estabeleceremos nossa proacutepria tese por exemplo defenderemos que ser temperante eacute bom porque viver na licenciosidade eacute nocivo Ou entatildeo como no discurso sobre Messecircnia ldquoVisto a guerra ser a causa dos males atuais eacute pela paz que devemos remediaacute-losrdquo Em mais um exemplo Aristoacuteteles (Ret II 23 4) apresenta entre outros entimemas o seguinte ldquose os deuses natildeo sabem tudo muito menos os homensrdquo E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte toacutepoi ldquose um atributo natildeo pertence a um sujeito ao qual mais deveria pertencer evidentemente que tambeacutem natildeo pertence ao sujeito ao qual deveria pertencer menosrdquo E tambeacutem eacute do Estagirita (ibid II XXIII 7) o seguinte trecho ldquoUm outro lugar tira-se das palavras contra noacutes e que voltamos contra o adversaacuterio Este lugar eacute excelente []rdquo (LIMA 2011 p 50-51)

Em Aristoacuteteles a retoacuterica assumiu uma conotaccedilatildeo praacutetica ou seja ela deve servir ao homem para argumentar na resoluccedilatildeo de problemas do cotidiano Assim a retoacuterica passa a ser uma ferramenta acessiacutevel a todos os sujeitos que queiram pleitear algo

Em sua Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles (I 8 1099 a) considera a finalidade da vida poliacutetica como o melhor dos fins e que ldquoo principal empenho dessa ciecircncia eacute fazer com que os cidadatildeos sejam bons e capazes de nobres accedilotildeesrdquo Tal nobreza inclui a observaccedilatildeo de que embora jaacute seja desejaacutevel o bem

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

para um soacute indiviacuteduo eacute mais nobre e mais divino alcanccedilar o bem para uma naccedilatildeo ou para as cidades-Estado (opus cit I 1094 b) Para o Estagirita (idibid) a ciecircncia poliacutetica eacute a mais prestigiosa de todas visto que a ciecircncia poliacutetica utiliza as demais ciecircncias e ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster a finalidade dessa ciecircncia deve necessariamente abranger a finalidade das outras de maneira que essa finalidade deveraacute ser o bem humano ldquoA cosmologia de Aristoacuteteles coloca certo nuacutemero de seres superinteligentes as inteligecircncias que governam as estrelas e os planetas acima do Homem na escala do ser assim como Deus o Movimentador Imoacutevelrdquo (LIMA 2011 p 53)

Neste caso o homem que se dedica agrave praacutetica retoacuterica eacute capaz de resolver os

problemas da vida cotidiana pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos Sendo o retoacuterico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se estaacute transmitindo eacute importante mencionar o significado da honestidade do orador na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que os sujeitos interlocutores se convenccedilam da mensagem

Atividade de Estudos

1) Explique com suas palavras por que eacute importante a honestidade retoacuterica Leia o texto para poder entender melhor o problema

LIBERDADE OU MANIPULACcedilAtildeO

Eacute por isso que este mesmo autor considerando que a caracteriacutestica da boa argumentaccedilatildeo natildeo eacute suprimir o aspecto retoacuterico pois em nenhum caso uma argumentaccedilatildeo inexpressiva se torna soacute por isso obrigatoriamente mais honesta ndash adianta dois criteacuterios gerais a que se deve submeter a boa retoacuterica

1 Criteacuterio da transparecircncia que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo dos meios pelos quais a crenccedila estaacute a ser modificada

2 Criteacuterio de reciprocidade que a relaccedilatildeo entre o orador e o

auditoacuterio natildeo seja assimeacutetrica para que fique assegurado o direito de resposta

Respeitados tais criteacuterios Reboul considera que a argumentaccedilatildeo natildeo se torna por isso menos retoacuterica e sim mais honesta Mas parece evidente que sem pocircr em causa a eficaacutecia destes dois

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Oratoacuteria e Retoacuterica

criteacuterios o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo e natildeo seja assimeacutetrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretizaccedilatildeo Por outro lado pode acontecer tambeacutem que a incompetecircncia argumentativa do auditoacuterio crie a ilusatildeo de uma relaccedilatildeo retoacuterica desigual e leve a que se veja manipulaccedilatildeo no orador quando na realidade essa desigualdade se fica a dever agrave insuficiente capacidade criacutetica revelada por aqueles a quem se dirige

Fonte Sousa (2000 p 96)

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Ethos Pathos Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de eacutetica pathos no sentido de paixatildeo e logos no sentido de discurso

Passamos agora agrave discussatildeo de aspectos da estrutura do conteuacutedo dos argumentos e a forma como satildeo usados para expor determinados discursos

O ethos da retoacuterica estaacute ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso O ethos do comportamento humano para Reboul (2004) passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar

Segundo Aristoacuteteles podemos construir uma parte do ethos mas a outra parte eacute totalmente natural Por isso precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

As virtudes dianoeacuteticas entre as quais a sapiecircncia (shofia) eacute tida como a mais importante satildeo vistas por Aristoacuteteles como mais elevadas do que as virtudes eacuteticas pois lidam com a captaccedilatildeo intuitiva de princiacutepios por meio do intelecto coincidindo com as ciecircncias teoreacuteticas (principalmente com a metafiacutesica) Por outro lado as virtudes eacuteticas lidam com o contingente e o variaacutevel no humano apoiando-se numa prudecircncia (phroacutenesis) que eacute razatildeo praacutetica Na abertura do livro II (opus cit) Aristoacuteteles observa que as virtudes intelectuais satildeo geradas e crescem em grande parte em decorrecircncia do ensino e por isso precisam de experiecircncia e tempo enquanto as virtudes eacuteticas satildeo adquiridas em resultado do haacutebito Esse termo ndash haacutebito ndash decorre da traduccedilatildeo de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethikeacute) palavra que tambeacutem pode significar costume (LIMA 2011 p 71)

Um ethos no debate eacute um modo de se expressar eacute a maneira com a qual

nos expressamos Saber se expressar eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para sermos verdadeiramente humanos

No iniacutecio de sua Retoacuterica (2007 I 1 p19) Aristoacuteteles estabelece que ldquoos modos de persuasatildeo satildeo as uacutenicas verdades constituintes dessa arte tudo o mais eacute mero acessoacuteriordquo Diante de tais palavras poderiacuteamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituiacutedo de propostas eacuteticas ou seja meramente instrumental sem necessariamente manifestar um viacutenculo efetivo com a busca pelo bem comum pela justiccedila pela cidadania entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social Entretanto podemos identificar que Aristoacuteteles assume em vaacuterios momentos de sua Retoacuterica um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a eacutetica em sintonia com um exerciacutecio de livre escolha de ideias Em vaacuterios trechos (opus cit) o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade e natildeo o faz por considerar tais preceitos como meros acessoacuterios pois em vez disso procura mostrar que um homem de boa formaccedilatildeo moral tem no seu proacuteprio caraacuteter um referencial em que pode alicerccedilar o seu discurso Sendo assim como bem esclarece o autor a consistecircncia moral do orador tambeacutem deve compor o modo pelo qual o ouvinte eacute persuadido Aristoacuteteles toma o cuidado de firmar a arte retoacuterica em uma responsabilidade social propondo uma produccedilatildeo discursiva que possa participar da construccedilatildeo moral do homem e por conseguinte da sua condiccedilatildeo poliacutetica (Ret2007 p 23) (LIMA 2011 p 74)

O homem ao se apresentar como um ser que escreve e fala precisa dominar estes dois modos de se apresentar Por isso um haacutebito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como noacutes falamos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A primeira questatildeo tratada eacute que para se realizar um discurso eacute preciso ter conhecimento sobre aquilo que estaacute sendo dito em prol de sua autenticidade enquanto verdade Os sofistas se servem da persuasatildeo utilizando o domiacutenio que tecircm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa com uma mesma ecircnfase ou intensidade ndash natildeo se baseiam num conhecimento verdadeiro mas no senso comum ldquoA perversatildeo da retoacuterica transforma a escrita em teacutecnica de simulaccedilatildeo e converte a habilidade oratoacuteria em exploraccedilatildeo verbal e persuasiva do verossiacutemilrdquo Atraveacutes de uma loacutegica da ambiguidade contrariam o que deveria ser indissociaacutevel no interior de um discurso a ligaccedilatildeo entre dizer pensar e ser ndash limitam-se a uma tautologia do logos que eacute voltado sobre si mesmo A eficaacutecia alcanccedilada pelo discurso entretanto natildeo significa que tais ldquoretoacutericosrdquo tinham o conhecimento real do assunto que tratavam eles natildeo tinham a preocupaccedilatildeo de se interrogar sobre suas referecircncias ndash calcavam-se na probabilidade no verossiacutemil para o estabelecimento de suas conclusotildees que de antematildeo eram estabelecidas ndash utilizando-se da potecircncia da palavra como uma arma para persuadir pessoas tatildeo ignorantes quanto eles ldquoO estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migraccedilatildeo da enunciaccedilatildeo para o enunciadordquo (LUZ 2010 p 45)

Neste sentido retoacuterica e oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que se articulam na existecircncia e o ajudam a expor seu sentido na linguagem O ethos da oratoacuteria e da retoacuterica eacute uma forma eacute a maneira de dizermos os modos de se apresentar A linguagem escrita e falada eacute uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos

Ainda de acordo com Reboul (2004) o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar

Ao falarmos de pathos ou afetamento de um discurso podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso

Ao falarmos de pathos ou

afetamento de um discurso podemos

entender que quando nos referimos a um determinado

grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel

do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos

envolve ou dispersa em um determinado

discurso

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Por isso ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala estamos optando em ser ou natildeo apaixonantes em nossa exposiccedilatildeo escrita ou oral Eacute no pathos de um discurso ou seja na paixatildeo que se iraacute prender ou natildeo os interlocutores As belas palavras podem levar os sujeitos agraves mais absurdas atitudes ou simplesmente natildeo significar nada aos ouvintes Tudo depende do modo com o qual vocecirc que se expressa o faz

O pathos de um discurso eacute determinante em relaccedilatildeo agrave longevidade de uma mensagem Por exemplo Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas seu modo de ser serve de conduta religiosa moral e eacutetica para todas as eacutepocas

Deste modo eacute a forma de se expressar em uma linguagem clara direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcanccedilar seu objetivo

O logos o discurso propriamente dito precisa de um ritmo de uma forma de um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

De acordo com Reboul (2004) um discurso eacute uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem Eacute a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado esperado em um discurso Se soubermos transmitir a mensagem poderemos alcanccedilar maior ecircxito em nossas intenccedilotildees Fica evidente que mesmo quando natildeo queremos dizer algo relevante sempre haacute um sentido no discurso proferido

Estamos falando de transmissatildeo de conteuacutedos atraveacutes da linguagem mas antes de seguirmos para os elementos do discurso precisamos esclarecer o que eacute a verossimilhanccedila pois sem entender isso natildeo podemos entender por que a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante tensatildeo com a verdade

O logos o discurso propriamente dito

precisa de um ritmo de uma forma de

um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer

ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

Atividade de Estudos

1) Explique o que vocecirc entende por verossimilhanccedila Leia o artigo disponiacutevel em lthttpsrepositorioufrnbrjspui

bitstream123456789164822MarcosAL_DISSERT_PARCIALpdfgt para lhe ajudar a responder

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Disposiccedilatildeo Elocuccedilatildeo Accedilatildeo e Invenccedilatildeo

Jaacute nos referimos agrave invenccedilatildeo que eacute a escolha dos argumentos pelo orador Passamos agora para a disposiccedilatildeo que de acordo com Reboul (2004) eacute a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala Eacute a retoacuterica da organizaccedilatildeo formal de um discurso seu plano de execuccedilatildeo

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul (2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase oral do discurso como muita gente pode pensar

Para Aristoacuteteles a retoacuterica assume uma dimensatildeo de amor agrave sabedoria Eacute o amor agrave sabedoria que permite agrave retoacuterica se aproximar da dialeacutetica pois eacute a oposiccedilatildeo de argumentos que produz um desenvolvimento da discussatildeo

Assim o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruccedila o retor As praacuteticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construccedilatildeo oratoacuteria ou seja sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniotildees e tambeacutem com as opiniotildees sobre o mundo Por conseguinte a retoacuterica eacute pensada por Aristoacuteteles como uma manifestaccedilatildeo de amor agrave sabedoria e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade inclusive com o aprimoramento do proacuteprio saber exposto nesse jogo social que eacute a arte retoacuterica Pelas razotildees acima citadas Reboul (2004 p 40) compara a retoacuterica de Aristoacuteteles com a de Isoacutecrates A retoacuterica de Aristoacuteteles estaacute bem proacutexima da retoacuterica de Isoacutecrates em termos de conteuacutedo A diferenccedila eacute que em Aristoacuteteles a retoacuterica eacute uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciecircncias exatas Estas ldquodemonstrativasrdquo atingem verdades ldquonecessaacuteriasrdquo que como os teoremas soacute podem ser o que satildeo possibilitando compreender e prever A retoacuterica por sua vez soacute atinge o verossiacutemil aquilo que acontece no mais das vezes mas que poderia acontecer de outra forma Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria a retoacuterica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinacircmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e ao mesmo tempo do aprimoramento de suas leis e costumes Creio natildeo ser exagero afirmar que em Aristoacuteteles a retoacuterica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul

(2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase

oral do discurso como muita gente

pode pensar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

que liguem o homem agraves soluccedilotildees de seus problemas pessoais e coletivos e agraves melhores opccedilotildees para a educaccedilatildeo dos jovens Essa arte tambeacutem eacute compromisso em educar para a sabedoria e nesse sentido cada cidadatildeo necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto os seus sentimentos desejos ambiccedilotildees natildeo esquecendo o bem da sociedade em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA 2011 p 80)

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo dos argumentos que

queremos apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer

Quando a accedilatildeo retoacuterica se manifesta por intermeacutedio de um discurso destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execuccedilatildeo daquilo que se propotildee a fazer Neste sentido Aristoacuteteles destaca na antiguidade que o sujeito que natildeo transmitir confiabilidade em seu discurso natildeo convence ningueacutem

Diante de ideias conflitantes entre si eacute comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiaacuteveis merecedoras de creacutedito Nessa perspectiva os encontros sociais entre retores podem ser bastante uacuteteis como oportunidades para tal busca e na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz surge um sentimento de grandeza da proacutepria razatildeo naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicaacutevel compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo Eacute esse o sentimento denominado de sublime ou sublimidade Para melhor compreendermos o sentimento do sublime recapitulemos que a verossimilhanccedila eacute caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que natildeo possibilitam respostas irrefutaacuteveis e que natildeo eacute raro o homem sentir-se constrangido inseguro e com medo diante do que eacute apenas verossiacutemil ou seja do que natildeo lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutaacutevel Visto por esse lado o que pomos em foco natildeo eacute o constrangimento diante de forccedilas fenomecircnicas de uma natureza ameaccediladora e externa ao ser humano (como vendavais tempestades maremotos terremotos etc) pois numa abordagem mais voltada para a produccedilatildeo dos discursos em um contexto social e cotidiano em muitos casos o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando natildeo encontra por exemplo respostas suficientemente confiaacuteveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhanccedila A superaccedilatildeo desse momento de constrangimento a ldquovolta por cimardquo atraveacutes do intelecto que identifica qual eacute o melhor discurso a vitoacuteria de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razatildeo gerando um aliacutevio pela suposta seguranccedila diante da diversidade de ideias antagocircnicas entre si Em Aristoacuteteles o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhanccedila - deve ser decorrecircncia direta da atitude genuiacutena de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiaacutevel possiacutevel) e nesse encaminhamento o faz sob o predomiacutenio da parte intelectiva da alma (a racionalidade) que seria segundo o Estagirita a melhor parte do homem (conforme jaacute vimos anteriormente) Nessa

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo

dos argumentos que queremos

apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final

do discurso que foi planejado de modo a

se expor o que se quer

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Oratoacuteria e Retoacuterica

perspectiva revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar natildeo soacute entre o que eacute o bem do que eacute o seu extremo contraacuterio mas tambeacutem distinguir o que eacute um bem maior diante de um bem menor escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser eacutetico aleacutem da importacircncia de saber defender as suas escolhas publicamente Eis que o sentimento do sublime nos termos aqui propostos aparece quando a razatildeo humana se depara com o verossiacutemil em busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial rumo ao possiacutevel sentimento de superioridade da razatildeo A inseguranccedila argumentativa que levaria a um natildeo saber identificar uma resposta confiaacutevel como costuma ocorrer na verossimilhanccedila seria algo anaacutelogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza esteacutetica de algum fenocircmeno da natureza Neste uacuteltimo caso o sentimento do sublime eacute tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquecircs de existirem os fenocircmenos ameaccediladores (como tempestades maremotos vendavais etc) cuja grandiosidade esteacutetica constrange inicialmente o ser humano Em se tratando da retoacuterica o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniotildees e encontra formas de identificar quais satildeo as ideias mais confiaacuteveis entre tantas que se oferecem para creacutedito Portanto em Aristoacuteteles na sua obra Retoacuterica o homem eacute idealizado como aquele cuja determinaccedilatildeo e coragem devem servir para a busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial frente agrave verossimilhanccedila Nesta o ser humano sente-se humilhado diante das proacuteprias incertezas e das ldquoverdadesrdquo oferecidas por discursos diversos que o circundam natildeo sabendo em qual delas - as supostas ldquoverdadesrdquo ndash acreditar mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiccediloamento dos discursos (LIMA 2011 p 104-105)

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhanccedila poderaacute desenvolver uma retoacuterica de boa qualidade que natildeo se confunde com aquilo que parece ser a verdade mas natildeo eacute a verdade loacutegica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto sobre o problema da presunccedilatildeo antever um argumento disponiacutevel em lthttpw3ufsmbrppgfwp-contentuploads201110PERELMANpdfgt paacutegina 35 e 36 e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar Por exemplo o seu trabalho seu lazer etc O texto eacute inspiraccedilatildeo para a construccedilatildeo do argumento

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

O desenvolvimento da retoacuterica atraveacutes dos seacuteculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa eacutepoca atual por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem Sem dominar bem o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retoacuterico Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa dominar o conteuacutedo a ser exposto de modo a permitir que natildeo seja enganado pela proacutepria linguagem

Este capiacutetulo eacute fundamental a vocecirc estudante para saber como a histoacuteria da retoacuterica trabalhou o problema da formulaccedilatildeo estruturaccedilatildeo e divisatildeo dos discursos Lembre-se vocecirc natildeo eacute o primeiro a querer expor uma ideia um argumento por isso natildeo se engane seus interlocutores entendem ou natildeo o que vocecirc quer expor na medida em que vocecirc se coloca de modo claro e distinto Se sua linguagem natildeo for adaptada ao local em que vocecirc fala sua mensagem natildeo seraacute transmitida como vocecirc quer

BRISSON Luc Leituras de Platatildeo Trad Socircnia Maria Maciel Porto Alegre EDIPUCRS 2003

BRUNSCHWIG J Diccionaire Critique Le Savoir Grecce Org Geossvey Lloyd Paris Flammarion 1996

CLAIumlM PERELMAN Retoacutericas Trad Maria Ermantina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

DELEUZE G Loacutegica dos Sentidos Trad Luiz Roberto Salinas Fontes Satildeo Paulo Ed Perspectiva 2000

DERRIDA Jacques A Farmaacutecia de Platatildeo Trad Rogeacuterio da Costa 3 ed Satildeo Paulo Iluminuras 2005

GOLDSCHMIDT V Os Diaacutelogos de Platatildeo Estrutura e Meacutetodo Dialeacutetico Trad Dion Davi Macedo Satildeo Paulo Loyola 2002

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos

e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para um bom orador

dominar seu tema para poder transmitir

essa mensagem Sem dominar bem

o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar

e demonstrar suas qualidades como retoacuterico

Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa

dominar o conteuacutedo a ser exposto de

modo a permitir que natildeo seja enganado

pela proacutepria linguagem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

MARCUSE H Eros e Civilizaccedilatildeo Trad Aacutelvaro Cabral 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1969

MORAES J Q Epicuro as luzes da eacutetica Satildeo Paulo Ed Moderna 1998

NIETZSCHE F O Nascimento da Trageacutedia Trad J Guinsburg Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos Sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Coleccedilatildeo Estudos Platocircnicos Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2009

Algumas ConsideraccedilotildeesA histoacuteria da oratoacuteria e da retoacuterica permite o entendimento de como somos

capazes de organizar e exprimir uma ideia Desta maneira um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforccedilo do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispotildee de modo adequado

Com efeito este capiacutetulo se empenhou em apresentar uma parte da histoacuteria da retoacuterica para deixar vocecirc estudante em condiccedilotildees de escolher bem suas formas de argumentar

ReferecircnciasANSELMO Monoloacutegio Satildeo Paulo Victor Civita 1991

CAMPOS R C A Formaccedilatildeo Educacional do Orador e a Retoacuterica como seu Instrumento de Accedilatildeo no Principado Fecircnix ndash Revista de Histoacuteria e Estudos Culturais JaneiroFevereiroMarccedilo de 2008 v 5 Ano V n 1 Disponiacutevel em ltwwwrevistafenixprobrgt Acesso em 26 maio 2017

SOUSA A de A Persuasatildeo - Estrateacutegias da comunicaccedilatildeo influente 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt Acesso em 22 maio 2017

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

LIMA M A A retoacuterica em Aristoacuteteles da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia Natal IFRN 2011

LUZ A R L Ensaios Filosoacuteficos V 1 outubro2010 Disponiacutevel em lthttpwwwensaiosfilosoficoscombrArtigosArtigo2Ana_Rosapdfgt Acesso em 27 maio 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SILVA R Curso de Oratoacuteria A Arte de Falar em Puacuteblico ou a Habilidade de Falar em Puacuteblico 2012 Disponiacutevel em lthttpconsulpamcombrwp-contentuploads2013084-OratC3B3riapdfgt Acesso em 26 maio 2017

SILVEIRA Caacutessio Rodrigo Paula Relendo Ciacutecero A formaccedilatildeo do orador e sua inserccedilatildeo na poliacutetica romana (Seacuteculo I a C) 2012

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Oratoacuteria e Retoacuterica

CAPIacuteTULO 3

A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apontar as diferentes formas de argumentos

Apresentar as implicaccedilotildees de um argumento Compromisso com a verdade ou com a forma

Fazer um argumento suas fragilidades e pontos fortes

Convencer ou defender a verdade

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

ContextualizaccedilatildeoEste capiacutetulo se destina a apresentar a vocecirc estudante uma perspectiva

filosoacutefica com desdobramentos teoloacutegicos para a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Destacaremos brevemente a sutil conexatildeo com a loacutegica sobretudo a silogiacutestica concatenaccedilatildeo em sequecircncia de premissas para formular um argumento

Oratoacuteria e Retoacuterica Filosoacutefica Na filosofia a oratoacuteria e retoacuterica cumprem um papel substancial pois eacute por

intermeacutedio dos argumentos e da exposiccedilatildeo destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades Observamos que nas maiores universidades da Europa a retoacuterica e a oratoacuteria perderam muito espaccedilo no ambiente acadecircmico

A Retoacuterica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituiccedilotildees europeias de ensino ao contraacuterio do que aconteceu nos Estados Unidos da Ameacuterica Embora tenham surgido na Europa algumas revistas sociedades de Retoacuterica reimpressotildees de textos claacutessicos e se tenham publicado seacuteries de estudos sobre Retoacuterica em editoriais de renome eacute impossiacutevel hoje qualquer consenso quanto agrave asserccedilatildeo de M Capella sobre a Retoacuterica como laquopotens rerum omnium reginaraquo ou quanto agrave promoccedilatildeo da Retoacuterica a laquorainha antiga e nova das ciecircnciasraquo assinada pelo professor de Retoacuterica de Tuebingen W Jens que antecipou a visatildeo utoacutepica da Retoacuterica como laquouma ciecircncia do futuroraquo proposta por J Dubois Poreacutem o fim da Retoacuterica como disciplina ou laquoRhetoricadocensraquo natildeo coincide com o desaparecimento da praacutexis retoacuterica (Rhetoricautens Oratoria Eloquentia) tampouco com a extinccedilatildeo da sua existecircncia residual em teorias de composiccedilatildeo literaacuteria em regras de comportamento em expressotildees do discurso pragmaacutetico nem com a cessaccedilatildeo da sua eficaacutecia histoacuterica na tipologia variada da histoacuteria das ideias e da cultura Eacute sobretudo a teoria retoacuterica do texto e a sua influecircncia histoacuterica a que o Ocidente se expocircs que merecem uma particular atenccedilatildeo dadas as suas estreitas relaccedilotildees com a Hermenecircutica e a Filosofia (PEREIRA 1994 p 6)

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo

consideradas subaacutereas de conhecimento filosoacutefico entendemos que para discutir bem o problema da argumentaccedilatildeo precisamos de uma discussatildeo profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retoacuterica no debate de ideias

A histoacuteria da Retoacuterica foi de fato a de uma laquorestriccedilatildeo generalizadaraquo na expressatildeo de G Genette ou de uma laquoextinccedilatildeo progressivaraquo segundo R Barthes ateacute se confundir com uma teoria dos tropos se recordarmos que a queda da cidade democraacutetica arrastou consigo a morte da intervenccedilatildeo poliacutetica da Retoacuterica e forccedilou o seu exiacutelio esteacutetico de cuja impotecircncia brotou a figura de uma laquoeloquentia tacensraquo embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retoacuterica judiciaacuteria e epidiacutectica respectivamente Expressotildees

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Oratoacuteria e Retoacuterica

como laquorenascimentoraquo ou laquoreabilitaccedilatildeo da Retoacutericaraquo laquoRhetorica redivivaraquo laquoRhetoric revaluedraquo laquoreturn of Rhetoricraquo laquoRhetoric resituatedraquo etc natildeo soacute repotildeem a Retoacuterica na raiz histoacuterica de muitas disciplinas modernas mas fazem dela um laquopotencial sugestivoraquo para a reformulaccedilatildeo da problemaacutetica do homem contemporacircneo embora se reconheccedila com P Ricoeur que a sua existecircncia como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos coleacutegios em meados do seacutec XIX A Retoacuterica de Aristoacuteteles foi uma teoria da argumentaccedilatildeo que se articulava com a sua vizinha loacutegica da demonstraccedilatildeo e com a filosofia uma teoria da elocuccedilatildeo e uma teoria da composiccedilatildeo do discurso Com a sua reduccedilatildeo tradicional a uma simples teoria da elocuccedilatildeo e depois a uma teoria dos tropos a Retoacuterica perdeu o laccedilo que a prendia agrave Filosofia e tornou-se laquouma disciplina erraacutetica e fuacutetilraquo O esquema da Retoacuterica de Aristoacuteteles representou a racionalizaccedilatildeo de uma disciplina que se propusera reger todos os usos da palavra puacuteblica sobretudo o seu poder de decisatildeo e o seu domiacutenio no tribunal na assembleia poliacutetica no elogio e no panegiacuterio O poder de dispor dos homens mediante o domiacutenio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de seduccedilatildeo e mentira a histoacuteria do discurso humano A loacutegica da verossimilhanccedila aparecia como uma soluccedilatildeo de recurso para uma Retoacuterica ferida de substancial ambiguidade As suas provas natildeo se regem pela loacutegica da necessidade mas do verossiacutemil e do contingente porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias natildeo obedecem aos quadros riacutegidos de uma axiomaacutetica dogmaacutetica O grande meacuterito de Aristoacuteteles foi ter elaborado o laccedilo entre o conceito retoacuterico de persuasatildeo e o conceito loacutegico de verossiacutemil e ter construiacutedo sobre esta relaccedilatildeo o edifiacutecio inteiro de uma Retoacuterica filosoacutefica (PEREIRA 1994 p 7)

Assim a retoacuterica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo Ao retomarmos o estudo dos gregos percebemos o grande valor desta na construccedilatildeo dos argumentos filosoacuteficos

Deste modo a oratoacuteria grega surge como um modo de exposiccedilatildeo de conceitos e definiccedilotildees que permitem o entendimento das grandes questotildees filosoacuteficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiaacuteveis

Sabemos que a discussatildeo filosoacutefica somente eacute possiacutevel se considerarmos a existecircncia de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias Eis que a retoacuterica para vocecirc estudante eacute uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se vocecirc quiser transmitir com qualidade a sua mensagem Por isso a importacircncia da retoacuterica eacute substancial na organizaccedilatildeo e difusatildeo de um discurso elaborado e de boa qualidade

A Retoacuterica partilha com a Poeacutetica e a Hermenecircutica o terreno do discurso articulado em configuraccedilotildees mais extensas do que a frase ou unidade miacutenima em que algueacutem diz algo a algueacutem sobre alguma coisa realizando a triacuteplice mediaccedilatildeo entre homem e mundo homem e outro homem e homem e si-mesmo O discurso retoacuterico eacute o mais antigo discurso racional hiperfraacutestico do Ocidente nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no seacutec VI aC mas dominado pela ambiccedilatildeo de cobrir o campo inteiro

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

do uso discursivo da linguagem Por isso o modelo retoacuterico de argumentaccedilatildeo pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razatildeo praacutetica (moral direito poliacutetica) e do campo inteiro da Filosofia Orientada para o ouvinte a argumentaccedilatildeo retoacuterica eacute uma teacutecnica de persuasatildeo em que dizer eacute fazer eacute conquistar o assentimento do auditoacuterio e por isso o discurso retoacuterico eacute ilocutoacuterio e perlocutoacuterio Neste caso a argumentaccedilatildeo natildeo inova porque o orador se adapta agrave temaacutetica das ideias admitidas limitando-se a transferir para as conclusotildees a adesatildeo concedida agraves premissas e desenvolvendo teacutecnicas intermediaacuterias sempre em funccedilatildeo da adesatildeo efetiva ou presumida do auditoacuterio A vulnerabilidade do discurso retoacuterico estaacute patente pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar do acordo preacutevio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos da arte de agradar para a arte de seduzir do discurso da constituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade e da sua identidade para a perversatildeo do discurso ideoloacutegico No iniacutecio da deacutecada de 80 falava-se da marcha imparaacutevel da Retoacuterica que invadia a Estiliacutestica Estrutural a Teoria do Texto e da Literatura e a Semacircntica Linguiacutestica enquanto as Ciecircncias Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influecircncias marcantes da Retoacuterica regressada para os mais entusiastas do exiacutelio apoacutes a caluacutenia de que teria sido viacutetima (PEREIRA 1994 p 8)

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retoacuterica e da

oratoacuteria existem outros tantos que reconhecem seu caraacuteter imprescindiacutevel na elaboraccedilatildeo e exposiccedilatildeo de textos filosoacuteficos e teoloacutegicos Ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve ficar bem explicado que haacute um meacutetodo que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulaccedilotildees retoacutericas de todo o pensamento ocidental Pereira (1994) reconhece essa influecircncia e explica o problema de maneira bastante detalhada

A filosofia de Protaacutegoras eacute uma fundamentaccedilatildeo da Retoacuterica pois o laquohomo mensuraraquo enquanto laquohomo loquensraquo condensa a Antropologia da Retoacuterica em que o acordo eacute realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades praacuteticas de cooperaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo porque faltam no ponto de vista bioloacutegico laquoregulaccedilotildees preacuteviasraquo e laquoestruturas de adaptaccedilatildeoraquo e esta falha natildeo pode ser compensada com ecircxito por evidecircncias teoacutericas e normativas nem por mecanismos de coaccedilatildeo poliacutetica A Sofiacutestica como resposta agrave crise provocada pela perda de crenccedila nas grandes narraccedilotildees coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicaccedilatildeo linguiacutestica sem qualquer referente real mas com poder de decidir do sentido da realidade Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor deixou a Retoacuterica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassaacutevel e jamais definitiva mas sempre convencional e provisoacuteria Com o laquolinguisticturnraquo proveniente da Filosofia Analiacutetica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L Wittgenstein a linguagem deixou de ser mera expressatildeo da consciecircncia mas o acontecimento da proacutepria consciecircncia cuja estruturaccedilatildeo linguiacutestica se tornou objeto da reflexatildeo filosoacutefica Enquanto J Habermas soacute no comeccedilo dos anos 80 realizou a sua viragem linguiacutestica tomando por modelo de accedilatildeo comunicativa

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a concepccedilatildeo de linguagem de K Buehler os estudos realizados por K O Apel nos anos 50 prepararam jaacute a transformaccedilatildeo linguiacutestico-hermenecircutica do Kantismo e a sua tese de habilitaccedilatildeo intitulada A Ideia de Linguagem na Tradiccedilatildeo do Humanismo de Dante ateacute Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova laquoPrima Philosophiaraquo que substituiacutea a velha Ontologia por ser a radicalizaccedilatildeo da criacutetica kantiana do conhecimento e a sua transformaccedilatildeo em criacutetica da linguagem que eacute uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicaccedilatildeo sem exclusotildees nem repressotildees A valorizaccedilatildeo da Sofiacutestica e da Retoacuterica natildeo reprimiu a consciecircncia dos perigos dos equiacutevocos histoacutericos do discurso retoacuterico e por isso K O Apel distingue da Retoacuterica da persuasatildeo psicoloacutegica a Retoacuterica da convicccedilatildeo cuja loacutegica de argumentaccedilatildeo pragmaacutetica permite reconstruir idealmente as condiccedilotildees de um consenso verdadeiro e universalizaacutevel ou do auditoacuterio universal segundo a terminologia de Ch Perelman Na comunicaccedilatildeo argumentativa de J Habermas eacute indissoluacutevel a vinculaccedilatildeo de teoria e praacutexis pois a ciecircncia natildeo eacute neutra mas orientada por determinados interesses que satildeo as suas condiccedilotildees transcendentais de possibilidade J Habermas apropriou-se de uma divisatildeo do saber que em 1929 Max E Scheler propusera na sua obra Visatildeo Filosoacutefica de Mundo laquosaber de domiacutenioraquo laquosaber formativoraquo e laquosaber salvadorraquo (PEREIRA 1994 p 50-51)

O caminho percorrido pela retoacuterica referenciado anteriormente mostra as variaccedilotildees entre teoria e praacutetica ao longo dos seacuteculos no Ocidente Com efeito as variaccedilotildees apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes agrave argumentaccedilatildeo

Oratoacuteria e Retoacuterica TeoloacutegicaA retoacuterica e a oratoacuteria teoloacutegica natildeo satildeo muito diferentes da retoacuterica e oratoacuteria

filosoacutefica mas o objetivo eacute outro Se a retoacuterica filosoacutefica se propotildee ao debate de ideias e sua contraposiccedilatildeo para produzir um debate e uma estrutura dialeacutetica a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento Para construir um argumento que convenccedila a plateia o orador deve observar alguns criteacuterios Reboul (apud SEGUNDO 2006 p 75)

[] pontua as cinco caracteriacutesticas que diferenciam fundamentalmente a demonstraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo1 nesta o discurso sempre se dirige a um auditoacuterio que para Reboul eacute sempre particular de modo que o auditoacuterio universal se constitui apenas em uma pretensatildeo abstraccedilatildeo ou ideal argumentativo 2 aleacutem disso a argumentaccedilatildeo expressa-se em liacutengua natural sofrendo as consequecircncias de sua opacidade

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

3 por trabalhar com o verossiacutemil as premissas argumentativas nunca satildeo verdades propriamente ditas o que demanda uma relaccedilatildeo interpessoal de confianccedila atenccedilatildeo e reconhecimento de autoridade da parte do auditoacuterio em relaccedilatildeo ao orador 4 nesse sentido a progressatildeo dos argumentos depende do orador que procuraraacute ordenaacute-los de modo a satisfazer as condiccedilotildees de persuasatildeo projetadas por ele acerca daquele auditoacuterio 5 por conseguinte as conclusotildees tornam-se sempre contestaacuteveis jaacute que o auditoacuterio pode rejeitaacute-las ou aceitaacute-las mediante seu julgamento Consequentemente natildeo cabe na argumentaccedilatildeo isolar razatildeo e emoccedilatildeo As duas caminham necessariamente juntas na medida em que crenccedilas satildeo intrinsecamente afetivas e afetaratildeo o julgamento e a conclusatildeo independentemente do caminho racional da disposiccedilatildeo argumentativa apresentada (SEGUNDO 2006 p 75)

Desta maneira a principal diferenccedila presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teoloacutegicas em questatildeo Por isso a verdade teoloacutegica transmitida pela chamada oratoacuteria e retoacuterica teoloacutegica deve levar o interlocutor ao convencimento Neste aspecto o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem

A vocecirc estudante da disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ficar claro que na teologia natildeo podem ser produzidas questotildees que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem soluccedilatildeo Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposiccedilotildees sobre aquilo que a dimensatildeo teoloacutegica abarca e o que escapa a este modo de pensar Citamos na sequecircncia um exemplo de discurso para que vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica entenda como podemos interpretar os diversos significados A discussatildeo toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte

Figura 1 ndash Exemplo de discurso tirinha Mafalda

Fonte Disponiacutevel em lthttpastroptorgblogwp-contentuploads201201Mafalda1jpggt Acesso em 10 jul 2017

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Observamos que a discussatildeo natildeo possui nenhum argumento empiacuterico que sustente a possibilidade evocada mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor

Na teologia observamos uma terminologia proacutepria que o indiviacuteduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer vejamos um exemplo

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica Jesus lhe responde com outra pergunta ldquoQue estaacute escrito na Lei Como interpretasrdquo - que embora de forma impliacutecita estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princiacutepios da sagrada Lei de Deus Inquirido o inteacuterprete da Lei respondeu ldquoAmaraacutes o Senhor teu Deus de todo o teu coraccedilatildeo de toda a tua alma com toda a tua forccedila e de todo o teu entendimento e a teu proacuteximo como a ti mesmordquo A resposta evidencia uma correlaccedilatildeo de dois textos mosaicos Deuteronocircmio 6 5 e Leviacutetico 19 18 Utilizados assim permitem ao inteacuterprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essecircncia de toda a religiatildeo Ao findar o primeiro instante do debate Jesus respondeu de maneira notaacutevel agrave pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar ldquoRespondeste corretamente faze isto e viveraacutesrdquo O verbo grego ποιέω comumente traduzido por ldquofazerrdquo ldquopraticarrdquo encontra-se nesse versiacuteculo no particiacutepio imperfeito ποίει expressando dessa forma uma ideia de accedilatildeo constante de praacutetica vitaliacutecia Com efeito a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergecircncia entre ortodoxia e ortopraxia A premissa teoloacutegica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e concomitantemente com o evangelho de Jesus Entretanto o cerne da questatildeo era Seraacute que este inteacuterprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo A disposiccedilatildeo cognitiva deste doutor era excelente no entanto seu desempenho ainda era questionaacutevel Ao analisar essa paraacutebola Joachim Jeremias afirma O fato de Jesus surpreendentemente remetecirc-lo ao agir como sendo a vida para a vida deve se entender a partir igualmente desta situaccedilatildeo concreta todo o conhecimento teoloacutegico de nada serve se o amor para com Deus e para com o proacuteximo natildeo determinar a direccedilatildeo da vida A proposta filosoacutefica da eacutetica da alteridade encontra profundas raiacutezes nesta premissa teoloacutegica Eacute inevitaacutevel a identificaccedilatildeo do projeto filosoacutefico levinasiano com a Lei de Moiseacutes uma vez que Levinas fora instruiacutedo em um contexto marcado por um profundo espiacuterito de dedicaccedilatildeo agrave Lei Nilo Ribeiro Juacutenior ao descrever a relaccedilatildeo entre Levinas e as Escrituras sublinha que ldquoo ponto de partida do pensamento filosoacutefico levinasiano eacute a Escritura considerada como fonte natildeo filosoacutefica da filosofiardquo Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profeacutetico de amor a Deus e ao proacuteximo Essa nova concepccedilatildeo da tarefa da filosofia rompeu com a claacutessica definiccedilatildeo da filosofia enquanto ldquoamor agrave sabedoriardquo estabelecendo-a como ldquosabedoria de amarrdquo Em Levinas a verdadeira sabedoria natildeo consiste em uma reflexatildeo teoreacutetica ou mesmo em um vil conhecimento cientiacutefico que tende a reduzir os sujeitos a objetos mas consiste em uma vivecircncia de amor compassivo que se faz responsabilidade pelo outro como expressatildeo radical do amor a Deus e escopo do ser humano Dessa forma toda a reflexatildeo levinasiana eacute um postulado do amor proposto pela Lei mosaica interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON ALMEIDA 2016 p 51-52)

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Deste modo o teoacutelogo articula uma sequecircncia teoloacutegica de argumentos com um pensamento filosoacutefico de um autor contemporacircneo tomando o cuidado de complementar as ideias

Por isso a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica possuem forte inclinaccedilatildeo ao convencimento e agrave persuasatildeo que dependem sobretudo do caraacuteter e da formaccedilatildeo do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos Em outras palavras a formaccedilatildeo moral dos dirigentes religiosos padres pastores e outros precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito

Moral e Retoacuterica Aspectos Fundamentais

A relaccedilatildeo entre moral e retoacuterica eacute uma das questotildees muito importantes para vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica pois eacute uma questatildeo que implica na exposiccedilatildeo dos argumentos Antes de detalharmos o problema da moral precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicaccedilatildeo de fenocircmenos e de seus signos e representaccedilotildees

Das narraccedilotildees miacuteticas chegaram-nos as metaacuteforas da morada e do caminho da retidatildeo da vida e da erracircncia e foi ainda em termos de ecircxodo que I Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova eacutepoca da razatildeo laquoAufklaerung eacute a saiacuteda do homem da sua menoridade culpaacutevelraquo Esta libertaccedilatildeo da casa-prisatildeo da razatildeo menor teve uma provocante traduccedilatildeo na secularizaccedilatildeo dos quatro sentidos da Escritura em vez do sentido literal ou histoacuterico da realidade a posiccedilatildeo transcendental constituinte de objetos para noacutes com a suspensatildeo da inatingiacutevel coisa-em-si em vez do sentido tropoloacutegico ou moral inseparaacutevel da teologia a pergunta eacutetica racional pelo que eu devo fazer em vez do sentido alegoacuterico ou simboacutelico a pergunta da razatildeo pelo que se pode humanamente conhecer em vez do sentido anagoacutegico ou miacutestico a pergunta racional pelo que se pode esperar A maioridade da razatildeo estaacute na reduccedilatildeo de todas as perguntas agrave pergunta pelo homem e consequentemente de todas as respostas a proposiccedilotildees racionais dentro dos limites humanos do conhecer do agir e do esperar Apoacutes a eliminaccedilatildeo kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploraccedilatildeo dentro da filosofia da vida da linguagem enquanto notificadora de vivecircncias do sujeito G Frege distinguiu em 1892 na concepccedilatildeo global de sentido dois momentos o do sentido propriamente dito e o da relaccedilatildeo agraves coisas que a versatildeo francesa traduziu por laquodenotaccedilatildeoraquo e a inglesa por laquoreferecircnciaraquo Agrave distinccedilatildeo entre a realidade material e as dimensotildees psicoloacutegica loacutegica e referencial do signo G Frege acrescentou que natildeo eacute o ato do intelecto mas o signo que pelo sentido e pela referecircncia realiza a verdade como adequaccedilatildeo ou tracircnsito do sentido para a referecircncia modelarmente realizado pelas ciecircncias (PEREIRA 1994 p 23)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relaccedilatildeo agrave linguagem e o alcance de seus discursos retoacutericos Conforme entende Reboul (2004) a retoacuterica e a oratoacuteria possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variaccedilotildees natildeo haacute evoluccedilatildeo no pensamento filosoacutefico retoacuterico Eacute a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento

Neste sentido a moral (Kant) do orador ou seja as virtudes morais do orador satildeo importantes para que se possa produzir um modo de exposiccedilatildeo adequado das ideias ou argumentos

A questatildeo da autoridade moral ligada agrave pessoa do orador se recoloca em um primeiro sentido trata-se realmente dos seus caracteres reais Assim Bourdaloue afirma que ldquo1 o orador convenceraacute por argumentos se para bem dizer ele comeccedilar por pensar bem 2 Ele agradaraacute pelos seus modos se para pensar bem ele comeccedilar por bem viverrdquo Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espiacuteritos No entanto Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retoacutericas de Gibert de Crevier e de outros para mostrar que a questatildeo da moralidade natildeo elidia nos claacutessicos a ideia de uma construccedilatildeo do orador pelo seu discurso Eacute o sentido dos ldquocaracteres oratoacuteriosrdquo ou imagem produzida pelo discurso a ser distinguido dos caracteres reais Distinguimos caracteres oratoacuterios de caracteres reais Isso natildeo apresenta dificuldades pois quer algueacutem efetivamente honesto quer seja piedoso religioso modesto justo faacutecil no conviacutevio com o mundo ou ao contraacuterio quer seja corrompido [] aqui estaacute o que chamamos caracteres reais Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso isso se chama caracteres oratoacuterios quer ele seja tal como pareccedila ser quer pareccedila mesmo sem o ser Pois pode-se mostrar algo sem secirc-lo e pode-se natildeo parecer tal e ainda assim o ser pois isso depende da maneira como se fala A preocupaccedilatildeo com a moral impede a dissociaccedilatildeo clara dos dois planos assim distinguidos Gibert nota que os caracteres ldquomarcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o oradorrdquo Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais claacutessicos que a eficaacutecia do discurso deriva claramente dos caracteres oratoacuterios e natildeo dos caracteres reais Eacute interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma anaacutelise do ethos definido como a construccedilatildeo de uma imagem de si correspondente agrave finalidade do discurso (AMOSSY 2005 p 18)

Com efeito a moral do orador ou da retoacuterica natildeo eacute regra aplicada aos outros mas a vocecirc que deseja ser um bom expositor de pensamentos Eacute fundamental a intenccedilatildeo do orador se sua intenccedilatildeo eacute ludibriar convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais Na retoacuterica de nossos dias muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexatildeo mais profunda

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Uma teoria do ethos fundada na uniatildeo entre a retoacuterica e a narratologia foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W Halsal para a ldquonarrativa pragmaacuteticardquo Ela se funda no exame da concepccedilatildeo aristoteacutelica de autoridade aplicada a uma questatildeo frequentemente debatida na poeacutetica da narrativa a da credibilidade do narrador A escola americana do ldquoponto de vistardquo iniciada por Percy Lubbock a narratologia de Kaumlte Hamburguer e de Doritt Cohn as taxionomias de Geacuterard Genette e de Mieke Bal fornecem noccedilotildees (como a voz e o modo narrativos a focalizaccedilatildeo) e as distinccedilotildees (entre autornarradorpersonagem e tambeacutem entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questatildeo da imagem do locutor no quadro especiacutefico da narraccedilatildeo Halsall combina esses dados com os fornecidos natildeo soacute pela Retoacuterica mas tambeacutem pela Poeacutetica de Aristoacuteteles para ver como e em que condiccedilotildees o enunciador parece confiaacutevel aos olhos do leitor Ao fazecirc-lo Halsall reformula a problemaacutetica do ldquonarrador digno de confianccedilardquo em termos greimasianos de ldquocontrato fiduciaacuteriordquo Toda comunicaccedilatildeo estaacute fundada em uma confianccedila miacutenima entre os protagonistas e cabe a uma retoacuterica narrativa segundo o autor determinar como ldquoa enunciaccedilatildeo contribui para criar no enunciataacuterio uma relaccedilatildeo de confianccedila fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencerrdquo O interesse pela narrativa proveacutem segundo Halsall da complexidade e frequentemente da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas De fato o ponto de vista e a voz do personagem natildeo remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegeacutetico A autoridade acordada a um ou a outro natildeo eacute natural e deve ser negociada As diferentes possibilidades satildeo o apanaacutegio do narrador que se manteacutem fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual por exemplo) e do narrador intradiegeacutetico (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar) Entretanto a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar oferecendo assim numerosos casos de indefiniccedilatildeo acerca da confiabilidade do enunciador e consequentemente do sentido do enunciado A narrativa pragmaacutetica que visa a persuadir tende a reduzir ao maacuteximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso Nessa oacutetica Halsall examina as diferentes figuras que a retoacuterica coloca agrave disposiccedilatildeo da narraccedilatildeo para assegurar a autoridade do narrador O autor as divide seguindo Aristoacuteteles em dois grupos o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos e o dos argumentos internos ao discurso Na primeira categoria ele agrupa o apelo aos princiacutepios atestados ou apodeixis (a nota aforiacutestica) o proveacuterbio ou a sentenccedila o apelo agrave proacutepria experiecircncia ou martyria as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc A segunda categoria compreende o panegiacuterico dos ouvintes (comprobatio) a declaraccedilatildeo de boas intenccedilotildees (eucharistie) etc Outras figuras pertencem ao pathos a simulaccedilatildeo de submissatildeo (philophronegravese) e o eulogie ou becircnccedilatildeo A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptaacute-las agraves estrateacutegias narrativas Halsall o demonstra em diversas narrativas literaacuterias entre as quais O uacuteltimo dia de um condenado de Victor Hugo (AMOSSY 2005 p 20-22)

Essa teoria que une a retoacuterica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada Natildeo basta um modelo estiliacutestico eacute preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt paacutegina 25 a 26 e explique o que vocecirc entende sobre a possibilidade de uma retoacuterica integrada agrave linguiacutestica Explique com suas palavras

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Argumentaccedilatildeo Pedagoacutegica Filosoacutefica

A argumentaccedilatildeo retoacuterica pode ser pedagoacutegica ou filosoacutefica Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica eacute aquela que produz um efeito educativo quer constranger o outro indiviacuteduo a seguir aquilo que estaacute sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI 2012) Jaacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica eacute aquela em que se prioriza a exposiccedilatildeo de ideias e que implica necessariamente em um debate ou na exposiccedilatildeo linear e concatenada de argumentos

Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte Com efeito para falarmos de uma retoacuterica e de uma oratoacuteria pedagoacutegica precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas

A Pedagogia Retoacuterica por conseguinte ressaltou especialmente o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores Por essa razatildeo era por natureza canocircnica Segundo Burton (1994 p 96) a Pedagogia Retoacuterica repousa numa iacutentima relaccedilatildeo entre leituraescrita e observaccedilatildeocomposiccedilatildeo Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas anaacutelise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecaccedilatildeo do texto modelo praelectio) e gecircnese A observaccedilatildeo de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiccediloa a fala e a escrita Assim o incentivo agrave leitura natildeo se deve somente agrave busca do conteuacutedo mas tambeacutem agrave busca de teacutecnicas e estrateacutegias uacuteteis Tais teacutecnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes atraveacutes de vaacuterios tipos de exerciacutecios de imitaccedilatildeo ndash

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Imitatio Esse termo imitatiomiacutemesis (imitaccedilatildeo) em sua origem refere-se agrave accedilatildeo ou faculdade de imitar de copiar de reproduzir ou representar a natureza o que para Aristoacuteteles eacute o fundamento da arte Entretanto a imitatio natildeo eacute exclusividade da gecircnese da arte Toda accedilatildeo humana inclui procedimentos mimeacuteticos a aptidatildeo do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitaccedilatildeo Desse modo Aristoacuteteles defendia que eacute a miacutemesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1 IV) Portanto a imitatio eacute sem duacutevida o maior pilar da Pedagogia Retoacuterica Outra concepccedilatildeo basilar para a Retoacuterica eacute a divisatildeo entre ldquoo que eacuterdquo comunicado por meio da linguagem e ldquocomordquo isso eacute comunicado a distinccedilatildeo entre forma e conteuacutedo ndash para Aristoacuteteles logos e lexis res e verba para Quintiliano bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luiacutes Vives Essa divisatildeo embora questionaacutevel e questionada ndash jaacute que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisiacutevel da expressatildeo verbal e das ideias ndash eacute muito uacutetil se entendida como um artifiacutecio para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retoacuterica na qual a praacutetica da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteuacutedo (SOUKI 2012 p 2)

Nesse sentido o sujeito que utiliza da argumentaccedilatildeo pedagoacutegica sempre se preocupa em expor um argumento para algueacutem e como consequecircncia quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor

Se a opccedilatildeo do orador for utilizar argumentaccedilatildeo filosoacutefica deve ficar claro que o sujeito supotildee uma oposiccedilatildeo de argumentos ou uma exposiccedilatildeo com sequecircncia loacutegica e com uma finalidade de expor as ideias natildeo necessariamente o convencimento

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposiccedilatildeo de argumentos Vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ter em mente essa distinccedilatildeo para escolher o modo adequado de argumentaccedilatildeo

Eacute importante recordar alguns pontos fundamentais da retoacuterica e da oratoacuteria para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela

Embora se deva a Hermaacutegoras o mais antigo tratamento dos estudos retoacutericos foi Ciacutecero que efetivamente legou para a posteridade essa divisatildeo dos estudos retoacutericos como os Cacircnones da Retoacuterica (Ciacutecero De Inuentione 17 Ciacutecero De Oratore 131-142 Quintiliano Institutio Oratoria 33) Foram organizados em cinco categorias invenccedilatildeo (Inuentio) arranjo (Dispositio) estilo (Elocutio) memoacuteria (Memoria) e apresentaccedilatildeoperformance (Pronuntiatio) Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a criacutetica do discurso e portanto se configuravam em um padratildeo para a educaccedilatildeo retoacuterica e para o ensino da gecircnese dos discursos Particularmente o cacircnone heuresisinuentio que significa descoberta de fontes para a persuasatildeo discursiva estaacute latente em todo problema retoacuterico O proacuteprio termo latino

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Oratoacuteria e Retoacuterica

inuentio do grego heuresis em portuguecircs significa invenccedilatildeo ou descoberta Esse cacircnone foi na antiguidade um dos processos mais teorizados por estudiosos retoacutericos da eacutepoca principalmente por Aristoacuteteles que definia a Retoacuterica como invenccedilatildeo Por isso a categoria invenccedilatildeo estaacute relacionada agrave essecircncia da persuasatildeo e argumentaccedilatildeo dessa arte milenar Para ele a Retoacuterica era uma das melhores formas de persuasatildeo (ARISTOacuteTELES Retoacuterica I 2) A Retoacuterica pode ser considerada uma disciplina praacutetica cujos preceitos se datildeo a partir de ferramentas a serem aplicadas na praacutetica E como a Retoacuterica na antiguidade natildeo dispunha de uma mateacuteria proacutepria os oradores tinham como meacuterito poder falar sobre qualquer assunto Na praacutetica entretanto os discursos eram para os oradores um desafio Isso na medida em que era necessaacuterio propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender Como preconizava Ciacutecero aleacutem do gecircnio inato era necessaacuterio ao orador o meacutetodo isto eacute a Retoacuterica para entatildeo buscar os melhores argumentos Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retoacuterica jaacute estaria em vantagem e que na falta dele era imperioso ao orador buscar artifiacutecios para descobrir argumentos Nesse caso a invenccedilatildeo ou heuresisinuentio era o meacutetodo para demarcar a descoberta desses argumentos Dessa maneira eacute fundamental nesta parte salientar os dois grandes tipos de argumentos de acordo com Aristoacuteteles Satildeo os seguintes os natildeo retoacutericos e os retoacutericos Os primeiros natildeo faziam parte da Retoacuterica eram argumentos externos agrave arte Os oradores ao utilizaacute-los natildeo necessitavam inventaacute-los descobri-los Dessa maneira precisavam apenas localizaacute-los e adequaacute-los ao discurso Acontece entre outros processos por meio do raciociacutenio loacutegico Por sua vez ocorre por induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentaccedilatildeo ou seja a utilizaccedilatildeo dos argumentos natildeo retoacutericos jaacute que se faz importante conhececirc-los compreendecirc-los e entatildeo utilizaacute-los adequadamente quando conveniente (SOUKI 2012 p 4)

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um

pensamento eacute a capacidade que iraacute distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um puacuteblico Desta maneira conforme jaacute apontou Soacutecrates devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a anaacutelise dos argumentos

A parte do diaacutelogo platocircnico apresentada na sequecircncia permite a vocecirc estudante um entendimento e uma aproximaccedilatildeo detalhada de um discurso retoacuterico refinado

Estrangeiro mdash Logo se haacute discurso verdadeiro e discurso falso e o pensamento se nos revelou como conversaccedilatildeo da alma consigo mesma e opiniatildeo como a conclusatildeo do pensamento vindo a ser o que designamos pela expressatildeo imagino uma mistura de sensaccedilatildeo e opiniatildeo forccediloso eacute que algumas sejam falsas dadas suas afinidades com o discursoTeeteto mdash Sem duacutevidaEstrangeiro mdash Como jaacute percebeste apanhamos mais depressa do que esperaacutevamos a falsa opiniatildeo e o falso discurso pois natildeo faz muito tiacutenhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizaacutevel

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Teeteto mdash Jaacute percebi realmenteXLVIII mdash Estrangeiro mdash Por isso natildeo desanimemos ante o que ainda nos falta realizar e jaacute que conseguimos chegar ateacute aqui voltemos a tratar de nosso processo de divisatildeoTeeteto mdash Que divisatildeoEstrangeiro mdash Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens a da coacutepia e a dos simulacrosTeeteto mdash CertoEstrangeiro mdash E tambeacutem nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delasTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash E no auge de nossa confusatildeo trevas ainda mais densas nos envolveram com apresentar-se-nos o argumento de contestaccedilatildeo universal de que natildeo existe absolutamente nem coacutepia nem simulacro visto natildeo ser possiacutevel haver seja onde for qualquer espeacutecie de falsidadeTeeteto mdash Falaste com muito acertoEstrangeiro mdash Poreacutem uma vez provada a existecircncia de falsos discursos e de opiniotildees falsas eacute possiacutevel que haja imitaccedilatildeo dos seres e que dessa disposiccedilatildeo do espiacuterito nasccedila uma arte da falsidadeTeeteto mdash Eacute possiacutevel (PLATAtildeO 1980a p 66)

Cabe ao estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caraacuteter e a suas convicccedilotildees pessoais para explicar e expor uma mensagem teoloacutegica filosoacutefica ou de outra ordem

Figuras de Pensamento e Figuras de Construccedilatildeo

As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL 2004) Desta maneira podemos falar de simples comparaccedilotildees que satildeo simplesmente cotidianas em nossos argumentos Podemos falar tambeacutem de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que satildeo muito comuns em meios juriacutedicos para suavizar determinados atos Merecem menccedilatildeo ainda os eufemismos linguiacutesticos que querem suavizar uma situaccedilatildeo insuportaacutevel Entre outros podemos falar ainda de argumentos comparativos indicativos ambiacuteguos literais e impliacutecitos

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento o efeito resultante seraacute condicionado agrave amplitude da possibilidade que este tiver Por exemplo para convencer um determinado puacuteblico o orador escolhe um argumento indicativo e direto O resultado estaacute condicionado ao niacutevel da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou natildeo no convencimento mas o tipo do argumento eacute o principal determinante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Agumas ConsideraccedilotildeesOs aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como

a retoacuterica e a oratoacuteria no decorrer da histoacuteria do conceito se desenvolveram E conforme aponta Reboul (2004) natildeo existe uma evoluccedilatildeo positivista na construccedilatildeo dos argumentos

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retoacuterica e da

oratoacuteria com periacuteodos de destaque e outros de esquecimento Deve ficar claro que tanto a retoacuterica construccedilatildeo de argumentos quanto a oratoacuteria exposiccedilatildeo destes satildeo componentes do cotidiano de nossas existecircncias

ReferecircnciasAMOSSY Ruth Da noccedilatildeo retoacuterica de ethos agrave anaacutelise do discurso Imagens de si no discurso a construccedilatildeo do ethos Satildeo Paulo Contexto p 9-28 2005 Disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt Acesso em 12 jun 2017

CHACON Almeida Deus no Outro a noccedilatildeo cristatilde de espiritualidade e sua interface com a eacutetica da alteridade Revista Eletrocircnica Espaccedilo Teoloacutegico Vol 10 n 18 juldez 2016 p 48-60 Disponiacutevel em lthttprevistaspucspbrindexphpreveleteogt Acesso em 15 jun 2017

PLATAtildeO Fedro Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980a

_______ Goacutergias Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980b

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

PEREIRA M P Retoacuterica hermenecircutica e filosofia Revista filosoacutefica de Coimbra n 5 v 3 1994 pp 5-70 Disponiacutevel em lthttpwwwucptflucdfcipublicacoesretorica__hermeneutica_e_filosofiagt Acesso em 10 jun 2017

SEGUNDO P R G Resenha de Olivier Reboul Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

SOUKI J D O Argumentaccedilatildeo a pedagogia retoacuterica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva 2012 Disponiacutevel em lthttprevistaarnaldocostatecscombrindexphpfaculdadedireitoarnaldoarticledownload2014gt Acesso em 13 jun 2017

CAPIacuteTULO 4

Implicaccedilotildees da Retoacuterica

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Escolher argumentos e formas de oratoacuteria para alguns grupos de pessoas

Diferenciar as hipoacuteteses de teses e posturas retoacutericas acerca de um tema

Construir um argumento retoacuterico que convenccedila

Formular uma oratoacuteria para um determinado puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo procuramos apresentar a vocecirc estudante de oratoacuteria e

retoacuterica uma reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequecircncias destas escolhas

Implicaccedilotildees do ArgumentoQuando enunciamos um argumento devemos saber quais as devidas

implicaccedilotildees do que estamos expondo Ao apresentarmos um determinado argumento devemos saber de suas fontes se ele tem ou natildeo alguma relaccedilatildeo com a verdade no sentido platocircnico que remete agrave epistemologia dos fatos ou se eacute uma mera suposiccedilatildeo do intelecto que produz determinadas situaccedilotildees como fruto de nossa imaginaccedilatildeo

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenios ele natildeo pode ser um enunciado vazio sem coerecircncia interna Para que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica entenda o que estaacute sendo dito daremos alguns exemplos

Exemplo (a) Soacutecrates eacute homem Todos os homens satildeo mortais Logo Soacutecrates eacute mortal (b) Vovoacute se chama Ana Vovocirc se chama Luacutecio Consequentemente eu me chamo Ana Luacutecia (c) Haacute exatamente 136 caixas de laranja no depoacutesito Cada caixa conteacutem pelo menos 140 laranjas Nenhuma caixa conteacutem mais do que 166 laranjas Deste modo no depoacutesito estatildeo pelo menos seis caixas contendo o mesmo nuacutemero de laranjas (VIANA 2012 p 4)

Natildeo queremos entrar em detalhes loacutegicos formais dos argumentos pois o

estudante de oratoacuteria e retoacuterica natildeo precisa de formalidades filosoacuteficas com detalhamentos matemaacuteticos Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema os estilos e a finalidade de seu argumento

Deste modo as implicaccedilotildees de um determinado argumento satildeo mensuraacuteveis ou seja calculaacuteveis Com efeito vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silecircncio Em muitos momentos da convivecircncia humana argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada logo o silecircncio tambeacutem eacute um argumento saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado por isso citamos um texto juriacutedico para o aluno distinguir do de teologia

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica

de raciociacutenios ele natildeo pode ser um

enunciado vazio sem coerecircncia interna

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Argumentar eacute o ato de produzir argumentos Produzir um argumento eacute apresentar razotildees em defesa de uma conclusatildeo Essa natildeo eacute a uacutenica definiccedilatildeo possiacutevel do ato de argumentar Por exemplo haacute quem prefira entender argumentos como diaacutelogos isto eacute como seacuteries (mais ou menos longas) de afirmaccedilotildees objeccedilotildees e reacuteplicas Essa concepccedilatildeo ndash que poderia ser descrita como ldquodialoacutegicardquo ndash natildeo estaacute errada Ela eacute uacutetil em certos contextos e para certos propoacutesitos mas ela natildeo parece particularmente uacutetil para explicar a interlocuccedilatildeo juriacutedica Devemos adotar uma noccedilatildeo de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentaccedilatildeo juriacutedica Argumentar natildeo eacute exatamente um ato privado ou monoloacutegico (afinal argumentos juriacutedicos satildeo produzidos caracteristicamente no contexto de debates puacuteblicos) mas cada argumentador eacute responsaacutevel por seus proacuteprios argumentos Cada argumentador ao produzir um argumento apresenta as suas razotildees em defesa da sua conclusatildeo Isso natildeo quer dizer que argumentaccedilatildeo juriacutedica seja sempre competitiva ou conflituosa No ambiente acadecircmico por exemplo haacute muito espaccedilo para a colaboraccedilatildeo intelectual (SCHECAIRA 2012 p 1)

Por isso saber o alcance de um argumento e as devidas

consequecircncias eacute uma forma de o orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento adequado Atenccedilatildeo calcular as consequecircncias de seus argumentos natildeo eacute somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relaccedilatildeo utilitaacuteria eacute antes de tudo ter a sensibilidade de saber o que quando e para que serve o que estamos expondo Percebemos estas dificuldades em situaccedilotildees extremas por exemplo quando haacute uma trageacutedia ou quando haacute uma enfermidade grave em nosso meio Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando sendo que naquele momento ningueacutem tem

condiccedilotildees emocionais de escutar um argumento Consequentemente acabamos por falar em um momento em que as palavras natildeo satildeo o mais importante O contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Quantas vezes jaacute nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos

Os elementos que formam um argumento satildeo proposiccedilotildees Segundo uma compreensatildeo claacutessica proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas segundo corretamente expressem ou natildeo aquilo que ldquocorresponde aos fatosrdquo Jaacute os argumentos sendo estruturas de proposiccedilotildees natildeo satildeo passiacuteveis de verdade ou falsidade [] O seu ldquovalorrdquo epistecircmico se expressa pelas noccedilotildees de validade e relevacircncia Um argumento seraacute vaacutelido se e somente se for impossiacutevel que sua conclusatildeo seja falsa quando se assume que todas as premissas satildeo verdadeiras Com essa caracterizaccedilatildeo fica claro que somente argumentos do tipo loacutegico podem estritamente ser vaacutelidos Nos outros tipos deve-se adotar um padratildeo [] mais fraco de exigecircncia para a avaliaccedilatildeo do argumento Assim muitos filoacutesofos propuseram criteacuterios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores ou seja capazes em maior ou menor grau de conferir plausibilidade

Saber o alcance de um argumento

e as devidas consequecircncias eacute uma forma de o

orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor

bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento

adequado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

a suas conclusotildees quando se assume que suas premissas satildeo verdadeiras Um argumento seraacute dito relevante se e somente se aleacutem de vaacutelido todas as suas premissas forem de fato verdadeiras Se contiver ao menos uma premissa falsa seraacute irrelevante porque a existecircncia de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusatildeo eacute de fato verdadeira mesmo o argumento sendo vaacutelido (Um argumento vaacutelido ldquotransmiterdquo a verdade das premissas para a conclusatildeo se entre as premissas houver alguma que seja falsa sua falsidade poderaacute (mas natildeo necessariamente) ldquopassarrdquo para a conclusatildeo) (CHIBENI sd p 2)

Logo identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa iraacute contribuir para

que o estudante de oratoacuteria e retoacuterica se organize e conforme entende Reboul (2004) saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstacircncia

Atividade de Estudos

1) Indique o que vocecirc entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retoacuterica Explique com suas palavras

Se a retoacuterica com a revoluccedilatildeo romacircntica entrou em descreacutedito rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poeacuteticas se os estudos retoacutericos foram depois perdendo importacircncia sobretudo nas escolas da Europa continental tal fato natildeo significou como muitos pensaram e alguns desejaram a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 seacuteculos nem a sua exclusatildeo pelas forccedilas criadoras do gecircnio para o limbo das coisas inuacuteteis

Ao contraacuterio do que se poderia supor foi a retoacuterica em tempos de fasciacutenio pela utilidade imediata dos saberes e teacutecnicas de entre as artes da palavra aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessaacuterio e eficaz nas sociedades que ao longo do seacuteculo XX sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleraccedilatildeo histoacuterica

Com efeito se a comunicaccedilatildeo no passado era naturalmente limitada pelo espaccedilo ndash do tribunal da assembleia da igreja da praccedila puacuteblica ndash por natildeo haver maneira de propagar mais aleacutem a voz humana no nosso tempo instrumentos e teacutecnicas cada vez mais aperfeiccediloadas permitiram dar agrave palavra forccedila incoerciacutevel e eficaacutecia inaudita

Eacute verdade que haacute muito o homem vencera as barreiras do tempo por meio da escrita e lograra a propagaccedilatildeo do discurso atraveacutes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do livro impresso a retoacuterica constitui-se como arte na Greacutecia do seacuteculo V a C quando se expande o conhecimento e uso da escrita a retoacuterica renasce na Itaacutelia do Quattrocento quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg com a imprensa a retoacuterica pocircde transformar-se em retoacuterica literaacuteria Mas esse era um tempo diferido que alterava as condiccedilotildees da situaccedilatildeo comunicacional e quando em diferentes momentos e por razotildees vaacuterias a retoacuterica eacute reduzida agrave teacutecnica de anaacutelise e composiccedilatildeo perde a sua dinacircmica padecendo de letteraturazione deleita talvez ensine deixa poreacutem de impelir agrave accedilatildeo a distacircncia entre orador e ouvinte dificulta o ofiacutecio de persuadir Esse foi o tempo da retoacuterica senza microfono

O seacuteculo passado viu nascer a comunicaccedilatildeo de massas a difusatildeo do discurso escrito e oral agrave escala planetaacuteria mercecirc de poderosos meios de amplificaccedilatildeo da voz humana o meio frio da galaacutexia de Guttenberg rapidamente substituiacutedo pelos canais quentes da era de McLuhan mas viu tambeacutem como tamanho poder perverte a verdadeira comunicaccedilatildeo na poacutelis deste nosso tempo saturado de discurso e informaccedilatildeo de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983 23-56 e Verdelho 1986 139-156)

[] Na Europa a recuperaccedilatildeo da retoacuterica processou-se sobretudo a dois niacuteveis no plano filosoacutefico e no campo dos estudos linguiacutesticos e literaacuterios A filosofia haacute muito tempo que excomungara a retoacuterica Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretoacuterica que desde Platatildeo marcava o pensamento filosoacutefico A reabilitaccedilatildeo da retoacuterica neste domiacutenio inicia-se em 1952 quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletacircnea de artigos sob o tiacutetulo Rheacutetorique et Philosophie aiacute proclamam o seu propoacutesito de estudar laquoles moyens drsquoargumentation autres que ceux relevant de la logique formelle qui permettent drsquoobtenir ou drsquoaccroicirctre lrsquoadheacutesion drsquoautrui aux thegraveses qursquoon propose agrave son assentimentraquo (Lempereur 1990 117) Em 1958 sistematizam essa teoria no Traiteacute de lrsquoargumentation que apresentam como nouvelle rheacutetorique Para resolver o velho dissiacutedio entre retoacuterica e filosofia Perelman regressa agrave tradiccedilatildeo claacutessica elegendo como texto fundacional a Retoacuterica de Aristoacuteteles (SOARES 2011 p 19-22)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Os Sofistas e a Retoacuterica de HojeO nascimento da retoacuterica no Ocidente se relaciona de modo substancial com

um movimento filosoacutefico antigo que foi contemporacircneo ao pensamento platocircnico por volta do seacuteculo IV aC que foi chamado de sofista Os sofistas satildeo um grupo de pensadores da eacutepoca de Platatildeo e que natildeo acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso Logo surgiu a contenda em que Platatildeo os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade A disputa entre Soacutecrates e os sofistas descrita por Platatildeo visto que Soacutecrates nada escreveu mostra este problema da discussatildeo sobre a elaboraccedilatildeo de um discurso presente entre os gregos Passamos agora para alguns trechos do diaacutelogo Sofista de Platatildeo para evitarmos a falsa impressatildeo de que a retoacuterica e a oratoacuteria evoluiacuteram O diaacutelogo comeccedila com Soacutecrates e Teodoro um amigo da eacutepoca

I mdash Teodoro mdash Fieacuteis Soacutecrates a nossa combinaccedilatildeo de ontem aqui estamos na melhor ordem Trouxemos conosco este Estrangeiro natural de Eleia eacute amigo dos disciacutepulos de Parmecircnides e de Zenatildeo e filoacutesofo de grande merecimentoSoacutecrates mdash Natildeo se daraacute o caso Teodoro de sem o saberes teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro segundo aquilo de Homero quando diz que de regra os deuses e particularmente o que preside agrave hospitalidade acompanham os cultores da justiccedila para observarem o orgulho ou a equidade dos homens Quem sabe se natildeo veio contigo uma dessas divindades para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tatildeo fracos todos noacutes algum deus disputadorTeodoro mdash Natildeo Soacutecrates natildeo eacute do caraacuteter do nosso Estrangeiro ele eacute mais modesto do que todos esses amantes de discussotildees Natildeo acho absolutamente que o homem seja alguma divindade Poreacutem divino teraacute de ser sem duacutevida natildeo eacute outro o qualificativo que costumo dar aos filoacutesofosSoacutecrates mdash E com razatildeo amigo Poreacutem talvez a raccedila dos filoacutesofos natildeo seja por assim dizer muito mais faacutecil de conhecer do que a dos deuses Em virtude da ignoracircncia da maioria esses varotildees percorrem as cidades sob as mais variadas aparecircncias contemplando sobranceiros a vida caacute de baixo Natildeo me refiro aos pretensos filoacutesofos poreacutem aos de verdade Aos olhos de algumas pessoas eles carecem em absoluto de merecimento para outros satildeo dignos de toda a consideraccedilatildeo Ora se apresentam como poliacuteticos ora como sofistas havendo ateacute quem decirc a impressatildeo de ser completamente louco Por isso mesmo gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro caso nada tenha a opor como pensam a esse respeito laacute por suas bandas e como os denominam (PLATAtildeO 1980 p 2-3)

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou forccedila sob a fundamentaccedilatildeo retoacuterica do relativismo e das correntes filosoacuteficas que se apoiam nele Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver inaugurando a profissatildeo de professor ambulante seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade suplantando a busca da verdade da filosofia socraacutetico-platocircnica

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Oratoacuteria e Retoacuterica

E para irmos ao cerne do problema nos referimos agrave definiccedilatildeo dada por Soacutecrates no texto escrito por Platatildeo sobre os sofistas e seus estilos de argumentaccedilatildeo em defesa da natildeo existecircncia da verdade

III mdash Estrangeiro mdash Belas palavras poreacutem sobre isso tu mesmo resolveraacutes no decorrer de nossa discussatildeo No momento o que importa eacute te associares comigo para darmos iniacutecio ao nosso estudo a comeccedilar segundo penso pelo sofista investiguemo-lo e mostremos com nossa anaacutelise o que ele venha a ser Por enquanto eu e tu apenas num ponto estamos de acordo o nome Mas quanto agrave coisa designada por esse nome talvez cada um de noacutes faccedila ideia diferente Poreacutem em toda discussatildeo o que importa antes de tudo eacute ficar em concordacircncia com relaccedilatildeo agrave proacutepria coisa por meio da explicaccedilatildeo adequada natildeo apenas a respeito do nome sem aquela explicaccedilatildeo A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar natildeo eacute faacutecil de definir Mas para levar a bom termo empresas grandes segundo preceito antigo de aceitaccedilatildeo geral soacute seraacute de vantagem experimentar antes as forccedilas em temas menores e mais faacuteceis e soacute depois passar para os maiores Por isso Teeteto o que na presente situaccedilatildeo sugiro para noacutes dois jaacute que reconhecemos ser difiacutecil e trabalhosa a raccedila dos sofistas eacute nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples a menos que te ocorra indicar um caminho mais cocircmodoTeeteto ndash Natildeo nada me ocorre nesse sentido Estrangeiro mdash Concordas entatildeo em escolhermos um exemplo singelo e apresentaacute-lo como modelo para o maiorTeeteto mdash ConcordoEstrangeiro mdash Que assunto pois escolheremos simples a um tempo e faacutecil de conhecer mas cuja explicaccedilatildeo natildeo exija menor nuacutemero de caracteriacutesticas do que temas importantes O do pescador talvez Natildeo eacute assunto bastante conhecido e natildeo nos merece a maior atenccedilatildeoTeeteto ndash Isso mesmoEstrangeiro ndash Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definiccedilatildeo mais condizente com o nosso intentoTeeteto ndash Seria oacutetimoIV mdash Estrangeiro mdash Pois entatildeo comecemos por aiacute Dizei-me uma coisa como devemos concebecirc-lo eacute artista ou sujeito carecente de arte poreacutem dotado de alguma outra capacidadeTeeteto ndash De jeito nenhum poderaacute ser carecente de arteEstrangeiro ndash Mas todas as artes se reduzem a duas espeacuteciesTeeteto ndash Como assimEstrangeiro ndash A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal depois tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados a que damos o nome de utensiacutelios e por uacuteltimo a imitaccedilatildeo natildeo seraacute justo designar tudo isso por um uacutenico nomeTeeteto ndash Como assim e que nome seraacuteEstrangeiro ndash Damos o nome de produtor a quem traz para a existecircncia o que antes natildeo existia denominamos produto o que passa a existir em cada caso particularTeeteto ndash CertoEstrangeiro ndash Entatildeo designemos tudo aquilo por um nome uacutenico seratildeo as artes produtivasTeeteto ndash SejaEstrangeiro ndash Depois dessas vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento as do ganho a da luta e a da caccedila as quais nada fabricam mas que por meio da palavra ou da accedilatildeo procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido ou impedir que outros se apropriem O nome geneacuterico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATAtildeO 1980 p 5-6)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Neste sentido os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platatildeo e Aristoacuteteles Isso natildeo significa em superaccedilatildeo pois em filosofia natildeo existe conhecimento retoacuterico ultrapassado Vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve saber disso natildeo haacute conhecimento superado em filosofia Deste modo vocecirc pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retoacuterico mais adequado

Precisamos mencionar neste capiacutetulo que a passagem da arte da enganaccedilatildeo como era conhecida a retoacuterica e a oratoacuteria entre os gregos para a arte do falar bem envolve uma dinacircmica que implica em evoluccedilatildeo O que ocorreu eacute uma retomada da perspectiva dos sofistas da eacutepoca platocircnica pois embora Platatildeo os combatesse valorizava a arte retoacuterica destes

Houve tempos em que a retoacuterica foi tratada como sinocircnimo de enganaccedilatildeo A leitura do diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo deixa evidente que a dupla serventia da persuasatildeo ndash ora podendo estar a serviccedilo do bem ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar O ensino e o uso da retoacuterica e da oratoacuteria para fins poliacuteticos tambeacutem contribuiacuteram para o seu afastamento do elenco dos meacutetodos cientiacuteficos Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de aacuteguas que marcou o momento em que a retoacuterica caiu no esquecimento Por isso mesmo na esteira das contestaccedilotildees pragmaacutetica e behaviorista no seacuteculo XX abriu-se caminho para o ressurgimento da retoacuterica A retoacuterica natildeo se trata portanto de uma corrente de pensamento mas sim de um instrumento E natildeo eacute correto tambeacutem ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento especiacutefica como alguns criacuteticos jaacute o fizeram no Brasil ao atacarem os seguidores da retoacuterica em diversos momentos como sendo difusores de instrumentos a serviccedilo do neoliberalismo O objetivo do projeto retoacuterico eacute o estudo pormenorizado do alcance da teacutecnica E eacute justamente por isso que o estudo da retoacuterica enquanto teacutecnica de persuasatildeo deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da aacuterea da economia a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenccedilatildeo para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodoloacutegico em detrimento da unicidade de meacutetodo alertam para a necessidade de natildeo se jogar fora o contraditoacuterio de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e agraves tratativas impessoais tatildeo presentes no hardcore neoclaacutessico Chamam ainda a atenccedilatildeo para a necessidade de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA 2016 p 17)

Eacute importante mencionar que as teacutecnicas retoacutericas formais de construccedilatildeo de

um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo A filosofia e a retoacuterica filosoacutefica funcionam com a contraposiccedilatildeo das ideias e natildeo com descobertas cientiacuteficas Deste modo a filosofia e sua subaacuterea a retoacuterica satildeo maneiras de

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Oratoacuteria e Retoacuterica

pensar que permitem ao homem desde seus modelos conhecidos na Greacutecia e em outros lugares se debruccedilar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Greacutecia e arredores

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retoacuterica parece ser a maneira menos controversa de defini-los Eles supriram a demanda por uma educaccedilatildeo juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos puacuteblicos e privados Vistos positivamente eles eram ldquoos transmissores de competecircncias valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira poliacutetica e de um modo geral nos ecircxitos mundanosrdquo (SOUSA PINTO 2002 p 13-14) Seu ensino era pago e eram procurados principalmente por jovens de famiacutelias abastadas que pretendiam alcanccedilar poder poliacutetico atraveacutes do domiacutenio das teacutecnicas do discurso persuasivo Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem futuramente os ensinamentos sofiacutesticos com fins inescrupulosos era um risco da profissatildeo e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados O estudo da retoacuterica orientado pelos sofistas incluiacutea desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais ateacute a discussatildeo de assuntos de composiccedilatildeo estrutura e argumentaccedilatildeo O objetivo destes estudos era a construccedilatildeo do discurso natildeo apenas mais adequado e convincente mas do melhor e mais envolvente Suas praacuteticas pretendiam o aprimoramento no uso de teacutecnicas discursivas tais como o uso do argumento provaacutevel ou verossimilhante contra-argumentaccedilatildeo e justaposiccedilatildeo de argumentos contraacuterios adequaccedilatildeo agrave ocasiatildeo (causa puacuteblico situaccedilatildeo etc) figuras de linguagem efeitos causados sobre o puacuteblico etc (PREZOTTO 2008 p 242)

Depois deste detalhamento importante queremos apontar como a

modernidade se desenvolveu sobre a definiccedilatildeo sofiacutestica de que natildeo existe a verdade O homem moderno resultado do desenvolvimento cientiacutefico chegou a acreditar em uma maacutexima relativista elencada por Protaacutegoras sofista grego ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade

De um modo geral alguns professores esclarecidos da geraccedilatildeo anterior assemelhavam-se aos sofistas como os preceptores de Peacutericles que ensinavam sobre astronomia geografia e fiacutesica e mantinham com seus alunos discussotildees dialeacuteticas acerca de problemas diversos No entanto embora partilhassem com seus predecessores o ofiacutecio de treinar os jovens para os deveres as atribuiccedilotildees e os acontecimentos da vida adulta privada ou puacuteblica os sofistas distinguiram-se [] por trazer agrave tarefa uma gama maior de conhecimento com uma maior multiplicidade de toacutepicos cientiacuteficos e outros - natildeo soacute poderes mais impressionantes de composiccedilatildeo e discurso servindo como um exemplo pessoal ao aluno mas tambeacutem uma compreensatildeo dos elementos da boa oratoacuteria para poder transmitir os preceitos conducentes agravequela realizaccedilatildeo - um tesouro consideraacutevel de pensamento acumulado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

em moral e assuntos poliacuteticos destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos sobre temas gerais ou lsquolugares comunsrsquo para que os alunos aprendessem de cor (GROTE 1907 p 317) Acreditar que os sofistas transmitissem apenas teacutecnicas e aptidotildees especiacuteficas eacute simplificar o escopo de sua atuaccedilatildeo Influenciados pela filosofia jocircnica os sofistas satildeo racionalistas e inquiridores As explicaccedilotildees lsquonaturaisrsquo de Anaximandro em diante para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutaacuteveis natildeo mais como misteacuterios intangiacuteveis em que os papeacuteis fundamentais eram representados pelos deuses O contato com outros povos a percepccedilatildeo da relatividade dos valores morais dos costumes da religiatildeo foi outro fator que contribuiu para a formaccedilatildeo da nova geraccedilatildeo de pensadores relativistas e humanistas Outra caracteriacutestica dos sofistas eacute a de serem itinerantes assim como os antigos aedos Viajavam pelo mundo grego visitando vaacuterias cidades transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos em conferecircncias maiores ou em epiacutedeixeis Tambeacutem se apresentaram em festivais e em outras ocasiotildees puacuteblicas Dos sofistas mais famosos desta eacutepoca apenas Antiacutefon parece ter sido ateniense Protaacutegoras era de Abdera (na costa da Traacutecia) Goacutergias de Leontinos (na Siciacutelia) Proacutedico de Ceacuteos (em territoacuterio jocircnico) e Hiacutepias de Eacutelis (nordeste do Peloponeso) Todos eles estiveram em algum ou vaacuterios momentos de suas vidas em Atenas pois ldquoAtenas por uns 60 anos na segunda metade do seacuteculo V a C era o verdadeiro centro do movimento sofista De fato tanto isso eacute verdade que sem Atenas eacute provaacutevel que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO 2008 p 243-244)

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na

modernidade procura explicar coisas para as quais natildeo pode dar uma resposta definitiva ou ainda atribui agrave ciecircncia essa tarefa que natildeo pode ser cumprida pois agrave ciecircncia compete investigar fenocircmenos e natildeo coisas em si conforme ensinou o filoacutesofo alematildeo Immanuel Kant (2005)

Todas as caracteriacutesticas do movimento sofista ateacute aqui expostas suscitam tanto admiraccedilatildeo como repulsa A nova educaccedilatildeo que promove eacute satirizada por Aristoacutefanes em As Nuvens Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso ensinando os jovens a justificarem maacutes accedilotildees com argumentos retoacutericos livrando-se assim de suas consequecircncias Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaccedila pelas mudanccedilas e discussotildees que incitavam os mais pobres que natildeo tinham acesso ao seu ensino viam-nos com preconceito como os detratores dos bons e velhos costumes Neste ambiente hostil lsquosofistarsquo passa a ser um tiacutetulo depreciativo usado para intelectuais adivinhos pedantes ateus fiacutesicos filoacutesofos etc implicando charlatanismo e velhacaria ou astuacutecia esperteza em sentido pejorativo A maacute reputaccedilatildeo dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platatildeo cuja opiniatildeo continua ainda hoje a influenciar a visatildeo que se tem do periacuteodo sofiacutestico Apenas a partir do seacutec XIX eacute que se comeccedila a desvincular o estudo do movimento sofista da visatildeo legada por Platatildeo A criacutetica platocircnica em linhas gerais recai sob duas acusaccedilotildees 1) os sofistas natildeo satildeo pensadores seacuterios e 2) eles satildeo indiviacuteduos imorais A primeira acusaccedilatildeo diz respeito ao empreendimento platocircnico que busca ridicularizar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as proposiccedilotildees ou as possiacuteveis conclusotildees advindas da reflexatildeo sofista negando agraves doutrinas sofiacutesticas valor filosoacutefico A energia gasta por Platatildeo neste empreendimento por si soacute jaacute eacute indiacutecio da influecircncia exercida por estes pensadores Grosso modo os sofistas difundiam uma concepccedilatildeo relativista aplicada aos niacuteveis ontoloacutegico e epistemoloacutegico e agrave questatildeo da verdade e foram considerados rivais por Platatildeo que desenvolvia uma filosofia essencialmente lsquoabsolutistarsquo Embora Platatildeo tenha tratado Protaacutegoras e Goacutergias com respeito diferenciando-os dos homens mediacuteocres ligados mais tardiamente ao movimento ele transmite um entendimento fundamentalmente errocircneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO 2008 p 245)

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade

de se buscar a verdade produziu inuacutemeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequecircncias morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Podemos observar bem esse problema na modernidade no acircmbito do direito e da religiatildeo Devemos mencionar outra acusaccedilatildeo grave aos sofistas a de que restringiram o papel da educaccedilatildeo retirando dela a condiccedilatildeo do ensino da Arete virtude

A segunda acusaccedilatildeo envolve as criacuteticas direcionadas agrave atividade profissional dos sofistas visando desmerecer o valor da educaccedilatildeo que ofereciam Satildeo caracterizados no diaacutelogo sofista como caccediladores de jovens ricos e comerciantes do ensino Como Kerferd (2003 p 47-49) elucidou para entender esta criacutetica eacute necessaacuterio considerar a oposiccedilatildeo conservadora a que qualquer um tenha acesso agrave formaccedilatildeo poliacutetica simplesmente pagando Como dito anteriormente ateacute este momento a educaccedilatildeo juvenil era restrita aos membros das famiacutelias nobres e acontecia numa relaccedilatildeo de amizade entre o jovem e seu mestre Que a instruccedilatildeo estivesse acessiacutevel a todos que pudessem pagar por ela forccedilava a reconsideraccedilatildeo de estruturas internas da sociedade O ambiente da poacutelis democraacutetica era propiacutecio a tais questionamentos mas a polecircmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da eacutepoca saber se aretē pode ou natildeo ser ensinada Tradicionalmente aretē era palavra usada para referir-se agrave qualidade inata dos grandes homens os que se destacaram historicamente pela coragem forccedila valentia sabedoria lideranccedila mas tambeacutem havia um outro uso desta palavra que denotava a excelecircncia em uma tarefa ou funccedilatildeo especiacutefica e relaciona-se ao domiacutenio de uma teacutecnica teacutechnē termo comumente traduzido por arte No diaacutelogo Protaacutegoras Platatildeo apresenta Soacutecrates e Protaacutegoras debatendo esta questatildeo Ao afirmar que ensina teacutechnē

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade de

se buscar a verdade produziu inuacutemeras

tentativas de reduzir tudo ao modelo

relativista e produziu consequecircncias

morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de

argumentos

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

poliacutetica (319a) Protaacutegoras eacute confrontado com dois argumentos socraacuteticos que pretendem demonstrar que lsquoessarsquo aretē natildeo eacute um conhecimento que possa ser transmitido Os argumentos socraacuteticos satildeo 1) em questotildees teacutecnicas os atenienses consultam especialistas jaacute em questotildees poliacuteticas qualquer um pode opinar ningueacutem se opotildee a isto acreditando que eacute preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d) 2) os melhores e mais saacutebios cidadatildeos natildeo foram capazes de transmitir sua aretē a outros cita Peacutericles (319e-320b) Protaacutegoras expotildee sua opiniatildeo atraveacutes de um mito e conclui que todos os homens satildeo dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da teacutechnē poliacutetica justiccedila e respeito diacutekē e aidōs ndash apenas por possuiacuterem todos estas qualidades eacute que a vida em sociedade eacute possiacutevel (320d-323c)

Fonte Prezotto (2008 p 246)

No periacuteodo final da Idade Meacutedia temos um desenvolvimento de caracteriacutesticas que podemos denominar de incorporadas aos estudos das aacutereas de filosofia e teologia Em seguida nos seacuteculos XVII e XVIII eacute esquecida

Na historiografia do seacuteculo XVI as narrativas mariacutetimas de paiacuteses desconhecidos de fenocircmenos naturais de paragens de outras latitudes e climas manifestam de par com a presenccedila do maravilhoso a importacircncia que assume a experiecircncia a componente realista e empiacuterica Satildeo frequentes as marcas da enunciaccedilatildeo lsquoeu virsquo lsquoeu ouvirsquo que servem no discurso do narrador para dar maior credibilidade aos factos que apontam para uma histoacuteria contemporacircnea baseada nos pressupostos teoacutericos de Tuciacutedides Aleacutem disso a verdade factual nutrida por estas marcas de enunciaccedilatildeo eacute a cada passo confrontada com os relatos miacuteticos de um Heroacutedoto com a Cosmografia de um Ptolomeu a Geografia de um Estrabatildeo ou a ciecircncia de um Pompoacutenio Mela ou de uma Histoacuteria Natural de Pliacutenio As crocircnicas de Joatildeo de Barros de Castanheda de Diogo do Couto ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D Joatildeo de Castro as obras de Garcia de Orta de Duarte Pacheco Pereira de Pedro Nunes datildeo-nos a cada passo exemplos significativos Poderemos concluir que na eacutepoca do Renascimento a histoacuteria aleacutem de se afirmar como gecircnero literaacuterio que se impotildee pela arte da escrita como opus oratorium eacute disciplina formativa do caraacutecter em repositoacuterio de paradigmas eacute manancial de exempla que informam a tradiccedilatildeo retoacuterica eacute ponto de referecircncia da exaltaccedilatildeo eacutepica das gloacuterias nacionais eacute suporte de novos modelos ideoloacutegicos e de formulaccedilatildeo poliacutetica em termos modernos eacute fundamento de novos horizontes culturais e cientiacuteficos (SOARES 2011 p 146-147)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Se na Idade Meacutedia ocorreu uma valorizaccedilatildeo e desenvolvimento da retoacuterica no iniacutecio da modernidade ela foi deixada de lado e ateacute demonizada por diversos autores

Produziu-se uma total confusatildeo de pensamento que em muitos casos deixou de lado ateacute mesmo as convicccedilotildees doutrinais tanto do direito quanto da religiatildeo Com isso temos inuacutemeros argumentos artificiais que simulam determinadas situaccedilotildees apenas para efeito performaacutetico

Atividade de Estudos

1) Leia o texto e explique o que vocecirc entendeu sobre a arte das disputas a eriacutestica e a importacircncia da purificaccedilatildeo da linguagem Explique com suas palavras

Estrangeiro mdash Isso mesmo Conforme jaacute vimos eacute do gecircnero lucrativo da arte eriacutestica da arte de disputas das controveacutersias da arte do combate da arte da luta e do ganho segundo neste momento provou nossa argumentaccedilatildeo que o sofista proveacutem

Teeteto mdash Nada mais verdadeiro

XIII mdash Estrangeiro mdash Como vecircs eacute muito acertado dizer-se que se trata de um animal de muacuteltiplas facetas Daiacute confirmar-se o dito de que nem tudo se pode pegar soacute com uma das matildeos

Teeteto mdash Pois empreguemos duas

Estrangeiro mdash Sim eacute o que precisaremos fazer empenhando nisso todos os nossos recursos a fim de acompanhar-lhe o rastro Dize-me o seguinte natildeo temos designaccedilotildees especiais para determinadas ocupaccedilotildees servis

Teeteto mdash Muitas ateacute poreacutem no meio de tantas a quais particularmente te referes

Estrangeiro mdash Penso nas seguintes coar peneirar joeirar debulhar

Teeteto mdash E daiacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Estrangeiro mdash E tambeacutem cardar fiar urdir e mil outras de emprego corrente em ocupaccedilotildees congecircneres natildeo eacute isso mesmo

Teeteto mdash Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas

Estrangeiro mdash De modo geral todos esses vocaacutebulos exprimem a ideia de separaccedilatildeo

Teeteto mdash Certo

Estrangeiro mdash Ora de acordo com o meu raciociacutenio se uma arte apenas abrange todas essas ocupaccedilotildees teremos de atribuir-lhe um uacutenico nome

Teeteto mdash E como a denominaremos

Estrangeiro mdash Arte de separar

Teeteto mdash Que seja

Estrangeiro mdash Considera agora se nos seraacute possiacutevel distinguir duas espeacutecies

Teeteto mdash Impotildee-me uma tarefa muito raacutepida

Estrangeiro mdash Poreacutem nas distinccedilotildees por noacutes feitas jaacute se tratou da separaccedilatildeo entre o pior e o melhor e tambeacutem entre semelhante e dessemelhante

Teeteto mdash Dita dessa maneira parece-me bastante clara

Estrangeiro mdash Natildeo conheccedilo o nome geralmente aplicado a esta uacuteltima separaccedilatildeo poreacutem sei o que datildeo agrave outra a que reteacutem o melhor e rejeita o pior

Teeteto mdash Dize qual seja

Estrangeiro mdash No meu entender todas as separaccedilotildees desse tipo satildeo geralmente chamadas purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Com efeito eacute como as denominam

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E todo o mundo natildeo perceberaacute que haacute duas espeacutecies de purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Depois de refletir eacute possiacutevel eu pelo menos natildeo percebo purificaccedilatildeo alguma

Estrangeiro mdash Primeiro as dos seres vivos que operam no interior do corpo graccedilas a uma discriminaccedilatildeo exata pela ginaacutestica e a medicina como a purificaccedilatildeo externa de designaccedilatildeo corriqueira alcanccedilada pela arte do banho depois a dos corpos inanimados que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral de infinitas modalidades cujos nomes satildeo considerados ridiacuteculos

Teeteto mdash Eacute muito certo

Estrangeiro mdash Certo natildeo Teeteto certiacutessimo Mas o meacutetodo argumentativo natildeo daacute maior nem menor importacircncia agrave purificaccedilatildeo por meio da esponja do que agrave obtida com poccedilotildees medicamentosas jamais perguntando se os benefiacutecios de uma satildeo mais ou menos relevantes do que os da outra Para alcanccedilar o conhecimento eacute que ela se esforccedila por observar as afinidades ou dissemelhanccedilas entre as artes honrando a todas igualmente e quando chega a comparaacute-las natildeo conclui que uma seja mais ridiacutecula do que a outra Natildeo considera ainda mais importante quem ilustra a arte da caccedila com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas poreacutem mais pretensioso Do mesmo modo agora no que entende com o nome para designar o conjunto das forccedilas purificadoras dos corpos quer sejam animados quer natildeo sejam natildeo se preocupa no miacutenimo de saber que nome eacute de aparecircncia mais distinta Limitar-se-aacute a separar a purificaccedilatildeo da alma deixando num uacutenico feixe as outras purificaccedilotildees sem indagar do objeto sobre que se exercem Seu intento exclusivo consiste nisto precisamente separar das demais purificaccedilotildees a que tem por objetivo a alma se eacute que compreendemos (PLATAtildeO 1980 p 16-17)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Verdade e Verossimilhanccedila de Um Argumento

A verdade e a verossimilhanccedila merecem destaque por que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa entender quando um argumento eacute verossimilhante e quando ele eacute verdadeiro

Platatildeo ao discutir os gecircneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas jaacute levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente Deste modo o problema da verdade de um discurso natildeo fica somente na elaboraccedilatildeo formal e acadecircmica de um debate mas envolve tambeacutem a vida cotidiana dos sujeitos Para entendermos a diferenccedila entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que eacute verdade de fato em um discurso Vejamos a polecircmica suscitada no diaacutelogo Sofista e ateacute hoje sem soluccedilatildeo

LII mdash Estrangeiro mdash Onde iremos entatildeo buscar a designaccedilatildeo apropriada para cada um Evidentemente eacute tarefa por demais aacuterdua porque nisso de dividir os gecircneros em espeacutecies parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicaacutevel indolecircncia que nunca os levou pelo menos a tentaacute-la dar essa carecircncia tatildeo acentuada de nomes De um jeito ou de outro e embora se no afigure um tanto forte a expressatildeo para melhor diferenccedilaacute-la daremos o nome de doxomimeacutetica agrave imitaccedilatildeo que se baseia na opiniatildeo e a que se funda no conhecimento mimeacutetica histoacuterica ou eruditaTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash Vamos ocupar-nos com a primeira o sofista natildeo se inclui no nuacutemero dos que sabem mas no dos que imitamTeeteto mdash PerfeitamenteEstrangeiro mdash Examinemos entatildeo o imitador que se apoia na opiniatildeo como o fariacuteamos com um fragmento de ferro para vermos se se trata de uma peccedila uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estruturaTeeteto mdash Sim examinemo-loEstrangeiro mdash Pois em verdade aqui estaacute ele e bem patente Entre esses tais haacute o tipo ingecircnuo que acredita saber o que apenas imagina o outro pelo contraacuterio que se deixa arrastar por seus proacuteprios argumentos natildeo esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabeTeeteto mdash Sem duacutevida haacute esses dois tipos que acabaste de descreverEstrangeiro mdash Ao primeiro entatildeo daremos o nome de imitador simples e ao outro o de imitador dissimuladoTeeteto mdash Seria de toda a conveniecircnciaEstrangeiro mdash E este uacuteltimo gecircnero diremos que eacute simples ou duploTeeteto mdash Examina-o tu mesmoEstrangeiro mdash Examino e creio perceber dois gecircneros No primeiro distingo o indiviacuteduo capaz de dissimular em puacuteblico com discursos prolixos no outro o que em ciacuterculos mais restritos com sentenccedilas curtas leva seu interlocutor a contradizer-seTeeteto mdash Eacute muito certo o que dizes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E o homem dos discursos longos como o designaremos Eacute estadista ou orador popularTeeteto mdash Orador popularEstrangeiro mdash E o outro que denominaccedilatildeo lhe cabe agrave justa saacutebio ou sofistaTeeteto mdash Saacutebio natildeo eacute possiacutevel pois jaacute provamos que ele eacute ignorante Mas por ser imitador do saacutebio eacute fora de duacutevida que alguma coisa do nome deste haacute de passar para ele E agora me ocorre que de um tipo assim eacute que podemos dizer com toda a seguranccedila um sofista acabado Estrangeiro mdash Nesse caso fixemos aqui mesmo seu nome como fizemos antes entrelaccedilando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos Teeteto mdash Perfeitamente Estrangeiro mdash Sendo assim a espeacutecie imitativa e suscitadora de contradiccedilotildees da parte dissimuladora da arte baseada na opiniatildeo pertencente ao gecircnero imaginaacuterio que se prende agrave arte ilusoacuteria da produccedilatildeo de imagens criaccedilatildeo humana natildeo divina desse malabarismo ilusoacuterio com palavras quem afirmar que eacute de semelhante sangue e dessa estirpe que proveacutem o verdadeiro sofista soacute diraacute como parece a pura verdade (PLATAtildeO 1980 p 69-71)

Com efeito ao deixar a questatildeo em aberto no final do diaacutelogo Platatildeo nos daacute um apontamento para uma aproximaccedilatildeo da identidade do sofista No entanto nos deixa um grande ensinamento as opiniotildees satildeo diferentes dos discursos sobre a verdade Os discursos sobre a verdade satildeo de natureza nobre e as opiniotildees sobre um assunto natildeo satildeo conhecimento

E essa diferenccedila nem sempre eacute clara como parece ser Com isso em muitos momentos de nossa existecircncia pensamos que algo eacute verdadeiro simplesmente por parecer e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante aquilo que parece ser verdadeiro mas se olharmos mais de perto natildeo eacute soacute parece ser

Outro problema muito aparente na modernidade eacute a generalizaccedilatildeo de argumentos que produz efeitos catastroacuteficos em muitos segmentos da existecircncia humana Por exemplo escutamos por vezes vaacuterios argumentos deste tipo ldquotodo homem eacute machistardquo ldquotodo poliacutetico eacute ladratildeordquo ldquoos padres satildeo imoraisrdquo todos esses argumentos possuem falsas associaccedilotildees grotescas atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria Isso significa que sequer argumentos satildeo podemos chamaacute-los de enunciados vazios mas que satildeo muito populares em nosso cotidiano

Portanto a verdade de um argumento natildeo estaacute somente em sua forma ou somente em seu conteuacutedo mas na combinaccedilatildeo da disposiccedilatildeo de ambas as caracteriacutesticas que ao se combinarem produzem uma estrutura soacutelida na exposiccedilatildeo de um pensamento (MOSCA 2004)

Com efeito cabe aos estudantes de oratoacuteria e retoacuterica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade Natildeo existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento Antes disso haacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se estaacute inserido para poder convencer

Algumas ConsideraccedilotildeesAgora vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica estaacute pronto para seguir seu

caminho escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situaccedilatildeo para expor suas ideias com clareza e objetividade

A construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um o material disponiacutevel e a plateia para a qual o indiviacuteduo iraacute se dirigir Neste capiacutetulo destacamos as implicaccedilotildees das escolhas argumentativas que fizemos

ReferecircnciasCHIBENI S S Notas sobre tipos de argumentos [sd] Disponiacutevel em ltwwwunicampbr~chibenitextosdidaticosargumentospdfgt Acesso em 13 jun 2017

MOSCA L do L S (Org) Retoacutericas de ontem e de hoje 3 ed Satildeo Paulo Associaccedilatildeo Editorial Humanitas 2004

PLATAtildeO Sofista Brasiacutelia UFB 1980

PREZOTTO J Protaacutegoras Goacutergias os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē Anais XXIII SEC Araraquara p 241-250 2008 Disponiacutevel em lthttpportalfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTEXTOSARTIGOS20PDFprezottopdfgt Acesso em 10 jun 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SCHECAIRA F Argumentaccedilatildeo noccedilotildees baacutesicas 2012 Disponiacutevel em lthttpsfabioshecairawikispacescomfileviewIntroduC3A7C3A3o+C3A0+argumenta C3A7C3A3opdfgt Acesso em 14 jun 2017

SOARES N C A retoacuterica e a construccedilatildeo da cidade na Idade Meacutedia e no Renascimento homo eloquens homo politicus Coimbra Coimbra University Press 2011

VIANA P Validade Forma e Conteuacutedo de Argumentos 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwuffbrgrupodelogicatextosViapdfgt Acesso em 15 jun 2017

VIEIRA Joseacute Guilherme Silva A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso 2016

Page 2: ORATÓRIA E RETÓRICA

CENTRO UNIVERSITAacuteRIO LEONARDO DA VINCIRodovia BR 470 Km 71 no 1040 Bairro Benedito

Cx P 191 - 89130-000 ndash INDAIALSCFone Fax (47) 3281-90003281-9090

Reitor Prof Hermiacutenio Kloch

Diretor UNIASSELVI-POacuteS Prof Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Poacutes-Graduaccedilatildeo EAD Prof Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da Poacutes-Graduaccedilatildeo EAD Profordf Baacuterbara Pricila Franz Profordf Tathyane Lucas Simatildeo Prof Ivan Tesck

Revisatildeo de Conteuacutedo Welder Lancieri MarchiniRevisatildeo Gramatical Equipe Produccedilatildeo de Materiais

Diagramaccedilatildeo e Capa Centro Universitaacuterio Leonardo da Vinci ndash UNIASSELVI

Copyright copy UNIASSELVI 2018Ficha catalograacutefica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI ndash Indaial

808025 S383o Schuck Neivor

Oratoacuteria e retoacuterica Neivor Schuck Indaial UNIASSELVI 2018

119 p il

ISBN 978-85-69910-92-3

1Retoacuterica - TeacutecnicasI Centro Universitaacuterio Leonardo Da Vinci

Neivor Schuck

Doutor em Ciecircncias da Religiatildeo pela PUCSP Mestre em Ciecirccias da Religiatildeo) pela PUCSP Poacutes Graduado em Psicopedagogia pelo Centro Universitario Satildeo Camilo Graduado em Filosofia

pelo Centro Universitaacuterio Satildeo Camilo Professor de Filosofia atuando principalmente nos seguintes

temas eacutetica poliacutetica educaccedilatildeo liacutengua alematilde pesquisa espiritualidade sauacutede e religiatildeo

Sumaacuterio

APRESENTACcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria 9

CAPIacuteTULO 2A Retoacuterica e a Oratoacuteria 49

CAPIacuteTULO 3

CAPIacuteTULO 4

A Arte de Argumentar 85

Implicaccedilotildees da Retoacuterica 101

APRESENTACcedilAtildeOEntendemos a necessidade do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica para os

estudantes de teologia devido agraves particularidades conceituais envolvidas Para podermos construir bons argumentos precisamos entender como estes satildeo produzidos e expostos E eacute neste momento que a disciplina de oratoacuteria e retoacuterica merece ser apresentada como uma maneira fundamental de entender os conceitos teoloacutegicos estudados

Na disciplina de oratoacuteria e retoacuterica o estudante pode desenvolver seu entendimento das diferentes formas de argumentar e constitui uma ideia Eacute no curso desta que o estudante poderaacute ampliar suas capacidades argumentativas de construccedilatildeo e explicaccedilatildeo de um argumento

Neste sentido esperamos que o estudante desenvolva essas capacidades

CAPIacuteTULO 1

Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Compreender a concepccedilatildeo da retoacuterica e sua finalidade identificando suas funccedilotildees e caracteriacutesticas

Identificar as fontes da retoacuterica grega e a discussatildeo com perspectiva platocircnica

Analisar as relaccedilotildees interpessoais e reconhecer as diferentes definiccedilotildees de retoacuterica e oratoacuteria

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

ContextualizaccedilatildeoO contexto do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica no mundo contemporacircneo eacute

bastante amplo Nesta disciplina queremos enfatizar a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade Vejamos como se considerava a arte retoacuterica na antiguidade

Havia-se deixado de lado ateacute aqui um ponto importante sobre o escopo da arte retoacuterica Por vezes a retoacuterica foi e ainda eacute apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes De fato muitos satildeo os que associam uma boa retoacuterica a um discurso bem elaborado destacado por diversos recursos de linguagem enfim ornamentado Essa definiccedilatildeo guarda correspondecircncia com os primeiros discursos dos sofistas ndash portanto anteriores ao aparecimento do tratado de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica ndash mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isoacutecrates (436-338 aC) haacutebil e longevo retor que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas predominantemente literaacuterias (o Paideia) Isoacutecrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialeacutetica eriacutestica (aqueles que se propunham agraves disputas a partir de posiccedilotildees antagocircnicas de mundo objetivando chegar a uma pretensatildeo de descoberta a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza eou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas que ensinavam a arte dos discursos poliacuteticos aos nobres Isoacutecrates natildeo acreditava que da dialeacutetica eriacutestica pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais ou que o simples fato de se arrebatar o maior nuacutemero possiacutevel de seguidores fosse um medidor da correccedilatildeo de um dado conhecimento Tampouco poder-se-ia fazer qualquer juiacutezo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos poliacuteticos mecanicamente jaacute que as condiccedilotildees para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL 1994 apud VIEIRA 2012 p 8)

Estudar oratoacuteria e retoacuterica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos mas se observarmos o cotidiano perceberemos que estamos permeados de argumentos retoacutericos apresentando cada qual um tipo de oratoacuteria A vocecirc estudante desta disciplina convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas

Conceito de Retoacuterica e Oratoacuteria

A retoacuterica no conhecimento humano especificamente na filosofia eacute uma forma de expressatildeo de exposiccedilatildeo de ideias utilizada pelos sofistas Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade natildeo existe uma verdade o que haacute eacute apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao iniciarmos a discussatildeo sobre a retoacuterica queremos expor quais satildeo suas caracteriacutesticas fundamentais e como estas caracteriacutesticas se relacionam com o modo com o qual nos expressamos

A vitalidade dos estudos retoacutericos ateacute os nossos dias foi o que levou agrave organizaccedilatildeo de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retoacuterica se tem havido ao longo de sua histoacuteria cheia de pontos altos mas tambeacutem de crises e questionamentos A bem dizer eacute esta mesma dialeacutetica que estaacute no bojo de sua proacutepria natureza que implica em controveacutersia discussatildeo e consequentemente em influecircncia e formaccedilatildeo de opiniatildeo De fato a Retoacuterica tem sido colocada agrave prova pelos mesmos princiacutepios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresccedila sempre aceitaccedilatildeo da mudanccedila o respeito agrave alteridade a consideraccedilatildeo da liacutengua como lugar de confronto das subjetividades Partindo-se do princiacutepio de que a argumentatividade estaacute presente em toda e qualquer atividade discursiva tem-se tambeacutem como baacutesico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe satildeo apresentadas Equivale portanto a conferir-lhe status e a qualificaacute-lo para o exerciacutecio da discussatildeo e do entendimento atraveacutes do diaacutelogo Na verdade o envolvimento natildeo eacute unilateral tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam quando o clima eacute de negociaccedilatildeo e em que prevalece o anseio de influecircncia e de poder (MOSCA 2001 p 16)

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga apontamos para alguns autores deste periacuteodo que representam muito bem a figura de um retoacuterico Nesse sentido merece destaque o filoacutesofo Goacutergias que muito bem definiu o natildeo ser Podemos citar ainda o filoacutesofo Protaacutegoras de Abdera que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade

A nossa discussatildeo sobre a retoacuterica e o papel da oratoacuteria na formulaccedilatildeo e na exposiccedilatildeo de argumentos passaraacute necessariamente por Platatildeo e Aristoacuteteles Estes dois filoacutesofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retoacuterica ou do bem dizer se assim quisermos De acordo com estes dois filoacutesofos e com os sofistas devemos estar atentos para a boa formulaccedilatildeo retoacuterica de um argumento e a boa oratoacuteria de exposiccedilatildeo do mesmo Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para que possamos entender expor e transmitir uma mensagem

Podemos observar isso na discussatildeo da Antiguidade desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo ao expor e escrever as ideias socraacuteticas nos passa a mensagem de que Soacutecrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade Jaacute alguns sofistas como Soacutefocles apresentam Soacutecrates como amigo dos sofistas e

Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante

que a forma de bem dizer as palavras ou

a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para

que possamos entender expor e transmitir uma

mensagem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

um retoacuterico Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve

O surgimento da Retoacuterica na Greacutecia antiga prende-se agrave luta reivindicatoacuteria de defesa de terras na Siciacutelia que haviam caiacutedo em poder de usurpadores Esse caraacuteter praacutetico aliado agrave eficaacutecia esteve sempre presente nas finalidades da Retoacuterica e eacute o que modernamente a situa junto agrave Pragmaacutetica De fato para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz haacute que levar em conta as caracteriacutesticas fundamentais da situaccedilatildeo em que ele se daacute e as relaccedilotildees de intersubjetividade dos interlocutores Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos satildeo produtos natildeo de um simples ato ilocutoacuterio como tambeacutem de elementos extraiacutedos da forccedila ilocucionaacuteria da situaccedilatildeo Cabe ainda lembrar que o ato de informar natildeo existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si proacuteprio Assim eacute que discursos que se tecircm como informativos tais como o cientiacutefico e o jornaliacutestico satildeo o exemplo disso uma vez que existem em funccedilatildeo de determinada finalidade praacutetica a ser atingida Por esse motivo coloca-se em questatildeo a tradicional divisatildeo das modalidades dos gecircneros jornaliacutesticos em informativos interpretativos e opinativos que na realidade serve apenas para balizar a praacutexis jornaliacutestica quando natildeo mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA 2001 p 26)

Segundo Platatildeo a retoacuterica eacute uma teacutecnica indispensaacutevel para quem quisesse governar a cidade porque quem rege deve saber falar e dominar a exposiccedilatildeo de um argumento Essa capacidade do governante impediria a manipulaccedilatildeo e o controle por outros membros do governo Contudo Platatildeo coloca a retoacuterica abaixo da filosofia e no diaacutelogo Goacutergias expotildee que o bem falar eacute uma arte de convencimento independentemente do conteuacutedo e por isso estaacute abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que eacute o filosoacutefico

Podemos entender que esta discussatildeo eacute muito importante para as pessoas que desejam lidar com o puacuteblico em geral pois haacute sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem sem se preocupar com a verdade ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou natildeo aos interlocutores Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diaacutelogo ou expressar uma ideia em puacuteblico Neste sentido o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica precisa conhecer os tipos formas e meacutetodos empregados pela retoacuterica para formular um argumento e da oratoacuteria para expor o mesmo

Outro filoacutesofo jaacute citado Aristoacuteteles desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retoacuterica De acordo com ele a retoacuterica eacute uma arte empiacuterica e cotidiana

Neste sentido precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso Neste aspecto a retoacuterica natildeo eacute pura transmissatildeo da verdade atraveacutes da oratoacuteria ela envolve diferentes aspectos do ser humano de sua personalidade e

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ambiente Para Aristoacuteteles devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento pois se tivermos uma boa teacutecnica poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade

Aleacutem disso Aristoacuteteles desenvolveu profundamente as caracteriacutesticas e a forma de refutaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo de um argumento Seguindo essa linha de raciociacutenio podemos concluir que Aristoacuteteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retoacuterica Ela serve tanto ao indiviacuteduo que quer discutir assuntos morais quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade Em outras palavras a retoacuterica deve ser uacutetil ao cidadatildeo

Segundo Aristoacuteteles devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias Neste sentido a retoacuterica contribui para aperfeiccediloar a qualidade e a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de um argumento

Aristoacuteteles foi o primeiro a desenvolver uma organizaccedilatildeo detalhada desta ferramenta do saber humano Inicialmente precisamos entender que todos noacutes fazemos uso da retoacuterica e da oratoacuteria pois satildeo formas de nos expressarmos Para Aristoacuteteles convencer o outro eacute a essecircncia de toda discussatildeo sobre retoacuterica Ao estabelecer formas de comportamento para o orador modelos de raciociacutenio tipos de premissas e a divisatildeo desta ferramenta o filoacutesofo classifica e padroniza a retoacuterica A divisatildeo apresentada por Aristoacuteteles eacute exoacuterdio construccedilatildeo refutaccedilatildeo e epiacutelogo Em alguns momentos o filoacutesofo coloca a narraccedilatildeo apoacutes o exoacuterdio

Ao contrapor a dialeacutetica com a retoacuterica Aristoacuteteles configurou a ela elementos e caracteriacutesticas que estavam dispersos

Apoacutes a elaboraccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica e a oratoacuteria foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores Mencionamos aqui os estoicos os empiacutericos e a tradiccedilatildeo romana de filoacutesofo Dioacutegenes filoacutesofo estoico grego entendia que a retoacuterica dialeacutetica

eacute parte da loacutegica neste sentido retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica eacute a arte de bem raciocinar Isso significa que a retoacuterica eacute a invenccedilatildeo de argumentos e desdobra-se em oratoacuteria quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes Para este grupo de filoacutesofos a retoacuterica se ocupa da forma de um argumento enquanto que a dialeacutetica deve se ater agrave veracidade ou agrave falsidade de um argumento

Retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica

eacute a arte de bem raciocinar

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

O grupo de pensadores empiacutericos pode ser representado pelo epicurismo que entende a retoacuterica como argumentos possiacuteveis derivados de signos Segundo este o meacutetodo utilizado eacute a conjetura Dito de outro modo a retoacuterica eacute uma ciecircncia que se opotildee agraves ciecircncias exatas isto eacute para bem falarmos e bem construirmos um argumento devemos seguir regras que provecircm da experiecircncia como o objetivo de considerar vaacuterios graus de probabilidade De acordo com esses filoacutesofos devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e ao mesmo tempo natildeo cairmos no simplismo do cotidiano Por exemplo em debates com amigos geralmente usamos laacutegrimas e dramas para convencer o outro

Entre os romanos destacamos Ciacutecero que entendia a retoacuterica e a oratoacuteria como algo fruto de muito conhecimento filosoacutefico artiacutestico e da ciecircncia Para ele sem o saber aprofundado a retoacuterica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero de oratoacutere I 17)

Para ser um bom orador devemos conhecer todos os grandes problemas filosoacuteficos cientiacuteficos e artiacutesticos Devemos pensar com sabedoria e eacute nisto que a retoacuterica consiste para Ciacutecero O saacutebio consegue desenvolver bem a arte retoacuterica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questotildees Ciacutecero entende que a teacutecnica da retoacuterica deve produzir natildeo soacute belos textos e belas oratoacuterias mas tambeacutem saacutebios justos

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retoacuterica antiga passamos agora a expor algumas caracteriacutesticas do desenvolvimento da retoacuterica no periacuteodo chamado de Idade Meacutedia Neste periacuteodo o Trivium a partir do seacuteculo IX constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais nesta eacutepoca a retoacuterica era entendida como arte do discurso Destacamos que a constituiccedilatildeo dos argumentos natildeo era puramente literaacuteria havia uma preocupaccedilatildeo com todas as aacutereas de conhecimento para expor e defender os argumentos

O desenvolvimento da retoacuterica medieval encontrou amparo em grandes teoacutelogos e filoacutesofos Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradiccedilatildeo platocircnica articulando as suas ideias com a de Ciacutecero e outros retoacutericos romanos Retomou tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelica da loacutegica para discutir os grandes problemas nesta aacuterea de conhecimento

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Oratoacuteria e Retoacuterica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboraccedilatildeo dos problemas retoacutericos baseados na eloquecircncia ou no bem falar remetendo agrave iluminaccedilatildeo do intelecto satisfaccedilatildeo da imaginaccedilatildeo desencadear as paixotildees e por uacuteltimo evocar a vontade Este processo culminou na completa distinccedilatildeo entre filosofia e retoacuterica Se em Platatildeo e Aristoacuteteles filosofia oratoacuteria e retoacuterica caminham juntas no iniacutecio da modernidade elas se separaram constituindo campos de saber distintos dentro de um espaccedilo geral de conhecimento

Para explicarmos de maneira detalhada o que eacute retoacuterica evocamos o pensador Reboul que define o termo retoacuterica eacute ldquoa arte de persuadir pelo discurso Por discurso entendemos toda a produccedilatildeo verbal escrita ou oral constituiacuteda por uma frase ou uma sequecircncia de frases que tenha comeccedilo e fim e apresente certa ordem de sentido De fato um discurso incoerente feito por um becircbado ou por um louco satildeo vaacuterios discursos tomados por um soacuterdquo (REBOUL 2004 p 14)

Para este autor soacute podemos chamar de retoacutericos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes Citamos alguns exemplos ldquopleito advocatiacutecio alocuccedilatildeo poliacutetica sermatildeo folheto cartaz de publicidade panfleto faacutebula peticcedilatildeo ensaio tratado de filosofia de teologia ou de ciecircncias humanas Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satiacuterico ou laudatoacuterioldquo (REBOUL 2004 p 14)

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratoacuteria de algo Neste sentido queremos fazer uma distinccedilatildeo entre convencer algueacutem a crer em noacutes e convencer algueacutem a fazer algo Do ponto de vista estritamente retoacuterico queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em noacutes eacute o nuacutecleo da retoacuterica enquanto arte de persuasatildeo Neste aspecto levar algueacutem a

fazer algo jaacute eacute um passo aleacutem Pascal (apud Reboul 2004) destaca que podemos usar elementos como o dinheiro para persuadir os outros de que nossa causa eacute justa mas isso natildeo eacute um convencimento retoacuterico pois os argumentos natildeo foram contrapostos e natildeo houve sequer uma argumentaccedilatildeo

Lembremos que a teacutecnica retoacuterica eacute ambiacutegua pois pode representar uma habilidade espontacircnea ou uma capacidade adquirida Se considerarmos a retoacuterica espontacircnea como forma de convencimento dos outros precisamos entender que

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre

procura persuadir seus interlocutores

pela oratoacuteria de algo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sem a teacutecnica adquirida com o tempo natildeo conseguiremos ter ecircxito em nossa tarefa Segundo Reboul ldquoo verdadeiro orador eacute um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava figuras de que ningueacutem teria ideia e que se mostram ajudadas artistas cujos desempenhos natildeo satildeo programaacuteveis e que soacute se fazem sentir posteriormenterdquo (REBOUL 2004 p 16)

Neste sentido a constituiccedilatildeo de um argumento retoacuterico e a expressatildeo deste por um orador dependem da escolha que este fizer Tudo isso implica em considerar a finalidade da retoacuterica Queremos convencer ou enganar

Como vimos a persuasatildeo eacute a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponiacuteveis Persuadir natildeo eacute a mesma coisa que enganar Existe uma sutil diferenccedila mas que eacute substancial enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir eacute convencer utilizando os argumentos disponiacuteveis

Para comeccedilarmos a responder a este questionamento explicaremos o que significa a arte da persuasatildeo Eis pois a mais antiga definiccedilatildeo de retoacuterica que conhecemos ou seja a arte de persuadir Neste sentido vale lembrar que eacute importante distinguir o que eacute argumentaccedilatildeo e oratoacuteria

A competecircncia racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes os que satildeo componentes silogiacutesticos e os que se apoiam em exemplos Neste sentido vale lembrar que para Aristoacuteteles a competecircncia afetiva de um argumento eacute mais eficiente que o silogismo Isso significa que um silogismo encadeamento loacutegico de raciociacutenios eacute destinado a um grupo teacutecnico de ouvintes por exemplo um juacuteri enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande puacuteblico

Segundo Reboul (2004) no que tange agrave afetividade podemos distinguir o caraacuteter do ethos em portuguecircs caraacuteter eacutetico do orador que procura convencer os interlocutores e o pathos em portuguecircs a paixatildeo ou compaixatildeo gerada pelo discurso cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compotildee de duas partes o argumentativo e o oratoacuterio Assim quando um orador se expressa ele estaacute no modo oratoacuterio neste sentido metaacuteforas e hipeacuterboles constituem artifiacutecios retoacutericos e satildeo argumentativas quando condensam um argumento

Hermenecircutica Passaremos agora ao modelo hermenecircutico Quando expressamos um

discurso ele nunca estaacute soacute sempre estaacute em diaacutelogo com outros oradores se antepotildee a este e dialoga com os mesmos

Para convencer um interlocutor eacute preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo Este processo soacute eacute possiacutevel por causa da possibilidade de interpretaccedilatildeo que possuiacutemos Neste sentido a arte de interpretar textos chamada de hermenecircutica eacute fundamental ao orador que quer ser compreendido

HeuriacutesticaOutra caracteriacutestica eacute a heuriacutestica que significa encontrar algo remetendo ao

grego euro ou eureka ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano Natildeo nos referimos diretamente agrave ciecircncia falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto Neste aspecto a heuriacutestica contribui para o confronto de ideias na demonstraccedilatildeo delas e na descoberta de coisas que natildeo sabemos

Ainda merece menccedilatildeo a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica que constitui um caminho que engloba vaacuterias aacutereas de saber De acordo com Reboul (2004 p 22)

[] no fim do seacuteculo XIX a retoacuterica foi abolida do ensino francecircs e o proacuteprio termo foi riscado dos programas Todavia como em geral acontece no ensino em se apagando a palavra natildeo se suprimiu a coisa A retoacuterica permaneceu soacute que desarticulada privada de sua unidade interna e de sua coerecircncia em todo caso os professores quase sempre sem saber fazem retoacuterica

Assim a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica e o estilo das construccedilotildees verbais

permaneceram mesmo que com dificuldades Neste sentido entendemos que para bem dizer precisamos tambeacutem aprender a ser visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu proacuteprio estado confuso da existecircncia

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Para Que Serve a RetoacutericaVocecirc aluno de Oratoacuteria e Retoacuterica pode se aprofundar no significado e na

serventia da retoacuterica se observar o seu cotidiano A retoacuterica e a oratoacuteria podem servir a diferentes fins Destacamos alguns servem para persuadir interlocutores em debates filosoacuteficos religiosos acadecircmicos ou em outros ambientes sociais Na filosofia costumamos entender a retoacuterica como o modo de formular bons argumentos para posteriormente pela oratoacuteria expocirc-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos Na religiatildeo costuma-se usar a oratoacuteria para desenvolver argumentos e convencer os fieacuteis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras

Assim os religiosos utilizam a retoacuterica com a finalidade de explicar as questotildees controversas e consequentemente elucidar as dificuldades dos fieacuteis Jaacute os acadecircmicos utilizam meacutetodos de retoacuterica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem tiacutetulos promoccedilotildees e debater ideias no acircmbito da conjetura intelectual Destacamos ainda o uso da retoacuterica e oratoacuteria no meio social no cotidiano das nossas existecircncias falamos da famiacutelia do ciacuterculo de amigos e da convivecircncia em nossos locais de trabalho

Algumas pessoas pensam que argumentar eacute apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova Eacute por isso que muita gente considera que argumentar eacute desagradaacutevel e inuacutetil confundindo argumentar com discutir Dizemos por vezes que discutir eacute uma espeacutecie de luta verbal Contudo argumentar natildeo eacute nada disso [] laquoargumentarraquo quer dizer oferecer um conjunto de razotildees a favor de uma conclusatildeo ou oferecer dados favoraacuteveis a uma conclusatildeo [] argumentar natildeo eacute apenas a afirmaccedilatildeo de determinado ponto de vista nem uma discussatildeo Os argumentos satildeo tentativas de sustentar certos pontos de vista com razotildees Neste sentido os argumentos natildeo satildeo inuacuteteis na verdade satildeo essenciais Os argumentos satildeo essenciais em primeiro lugar porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista Nem todos os pontos de vista satildeo iguais Algumas conclusotildees podem ser defendidas com boas razotildees e outras com razotildees menos boas No entanto natildeo sabemos na maioria das vezes quais satildeo as melhores conclusotildees Precisamos por isso apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusotildees e depois avaliar tais argumentos para ver se satildeo realmente bons Neste sentido um argumento eacute uma forma de investigaccedilatildeo Alguns filoacutesofos e ativistas argumentaram por exemplo que criar animais soacute para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que portanto eacute injustificado e imoral Seraacute que tecircm razatildeo Natildeo podemos decidir consultando os nossos preconceitos Estatildeo envolvidas muitas questotildees Por exemplo temos obrigaccedilotildees morais para com outras espeacutecies ou o sofrimento humano eacute o uacutenico realmente mau Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne Alguns vegetarianos vivem ateacute idades muito avanccediladas Seraacute que este fato mostra que as dietas vegetarianas satildeo mais saudaacuteveis Ou seraacute irrelevante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tendo em conta que alguns natildeo vegetarianos tambeacutem vivem ateacute idades muito avanccediladas (Eacute melhor perguntarmos se haacute uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem ateacute idades avanccediladas) Teratildeo as pessoas mais saudaacuteveis tendecircncia para se tornarem vegetarianas ao contraacuterio das outras Todas estas questotildees tecircm de ser apreciadas cuidadosamente e as respostas natildeo satildeo a partida oacutebvia (WESTON 1996 p 5)

A arte retoacuterica e a oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausiacuteveis no que se refere agrave arguiccedilatildeo e exposiccedilatildeo de ideias A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento uma convicccedilatildeo ou um projeto Este meacutetodo de persuasatildeo pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas vaacuterias especificidades ou pode servir para enganar ludibriar e prejudicar outras pessoas

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retoacuterica e da oratoacuteria Platatildeo e Aristoacuteteles cada qual ao seu modo procuraram estabelecer criteacuterios ou maneiras para evitarmos destruir a existecircncia alheia Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias inquiriu o mesmo sobre a implicaccedilatildeo moral de determinadas posturas retoacutericas Assim a arte da persuasatildeo natildeo eacute um vale-tudo mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questotildees que queremos discutir Aristoacuteteles defendeu uma separaccedilatildeo entre retoacuterica e oratoacuteria para que ficasse claro qual estilo de argumentaccedilatildeo o indiviacuteduo estava praticando Deste modo a retoacuterica serviria para desenvolvermos raciociacutenios claros e silogiacutesticos sobre um assunto especiacutefico enquanto que a oratoacuteria serviria para expormos poesias e formas literaacuterias de estilo proacuteprio

Assim conforme aponta Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retoacuterica

A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente

na tentativa do convencimento

alheio para podermos transmitir

um pensamento uma convicccedilatildeo ou

um projeto

A QUE SE REFERE UM DISCURSO ndash TRECHO DE PLATAtildeO

Soacutecrates mdash Entatildeo diz a respeito de quecirc A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retoacuterica

Goacutergias mdash Aos negoacutecios humanos Soacutecrates e os mais importantes

Soacutecrates mdash Mas isso Goacutergias tambeacutem eacute ambiacuteguo e nada preciso Creio que jaacute ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeraccedilatildeo dos bens e dizer que

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

o melhor bem eacute a sauacutede o segundo ser belo e o terceiro conforme se exprime o poeta da cantilena enriquecer sem fraude

Goacutergias mdash Jaacute ouvi mas a que vem isso

Soacutecrates mdash Eacute que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena a saber o meacutedico o pedoacutetriba e o economista e falasse em primeiro lugar o meacutedico Soacutecrates Goacutergias te engana natildeo eacute sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens poreacutem a minha E se eu lhe perguntasse Quem eacutes para falares dessa maneira Sem duacutevida responderia que era meacutedico Queres dizer com isso que o produto de tua arte eacute o melhor dos bens Como poderia Soacutecrates deixar de secirc-lo se se trata da sauacutede Haveraacute maior bem para os homens do que a sauacutede E se depois dele por sua vez falasse o pedoacutetriba Muito me admiraria tambeacutem Soacutecrates se Goacutergias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha A esse do meu lado eu perguntara Quem eacutes homem e com que te ocupas Sou professor de ginaacutestica me diria e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto Depois do pedoacutetriba falaria o economista quero crer num tom depreciativo para os dois primeiros Considera bem Soacutecrates se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza tanto na atividade de Goacutergias como na de quem quer que seja Como Decerto lhe perguntaacuteramos eacutes fabricante de riqueza Responderia que sim Quem eacutes entatildeo Sou economista E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza Voltariacuteamos a falar-lhe Como natildeo me responderia No entanto lhe diriacuteamos o nosso Goacutergias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua Eacute fora de duacutevida que a seguir ele me perguntaria Que espeacutecie de bem eacute esse Goacutergias que o diga Ora bem Goacutergias imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor

Goacutergias mdash Que eacute de fato o maior bem Soacutecrates e a causa natildeo apenas de deixar livres os homens em suas proacuteprias pessoas como tambeacutem de tornaacute-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades

Soacutecrates mdash Que queres dizer com isso

Goacutergias mdash O fato de por meio da palavra poder convencer os juiacutezes no tribunal os senadores no conselho e os cidadatildeos nas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

assembleias ou em toda e qualquer reuniatildeo poliacutetica Com semelhante poder faraacutes do meacutedico teu escravo e do pedoacutetriba teu escravo tornando-se manifesto que o tal economista natildeo acumula riqueza para si proacuteprio mas para ti que sabes

Fonte Platatildeo (2005 p 6-7)

A serventia do pensamento retoacuterico e da oratoacuteria tambeacutem varia conforme o repertoacuterio do sujeito que se dispotildee a praticar tal arte Se considerarmos um sujeito de aptidotildees variadas e qualidades profissionais e acadecircmicas bem desenvolvidas a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existecircncia Por outro lado se considerarmos um sujeito que possui restriccedilotildees intelectuais e profissionais natildeo poderemos concluir a mesma coisa Lembremos que natildeo estamos falando de condiccedilotildees sociais nos referimos ao interesse profissional e acadecircmico de cada indiviacuteduo

Por isso a retoacuterica serve a diversos fins dependendo como jaacute disseram os filoacutesofos relativistas gregos do contexto em que estaacute inserida Conforme aponta Protaacutegoras ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo artes distintas que servem conforme a conveniecircncia humana Este modo de pensar eacute atual e estaacute presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e natildeo nos preocupamos com os problemas alheios

Natildeo eacute de hoje a presenccedila da retoacuterica entre noacutes no cotidiano Na Antiguidade observamos argumentaccedilotildees puacuteblicas debates e relaccedilotildees costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitaccedilotildees

No periacuteodo chamado de Idade Meacutedia a retoacuterica foi usada como meacutetodo de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo a tradiccedilatildeo platocircnica em Agostinho e aristoteacutelica em Tomaacutes de Aquino A apropriaccedilatildeo desta arte no pensamento medieval cedeu devido agrave necessidade de impor e apresentar o meio de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados visto que a comunidade estava imersa na visatildeo de mundo do catolicismo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Ao retomarem as ideias platocircnicas os exegetas do periacuteodo chamado primeira Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo IX desenvolveram meacutetodos e sugestotildees de interpretaccedilatildeo fundados na ideia de convencimento alheio Configura-se neste periacuteodo uma grande ecircnfase na retoacuterica argumentativa que quer persuadir o outro sobre uma verdade que estaacute sendo transmitida

Jaacute os seguidores da tradiccedilatildeo aristoteacutelica desenvolveram uma retoacuterica e uma oratoacuteria mais sofisticadas com diferentes gecircneros e estruturas formais Tomaacutes de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teoloacutegico utilizando o princiacutepio da refutaccedilatildeo de provas fundado por Aristoacuteteles bem como seguiu a divisatildeo proposta por Aristoacuteteles

Percebemos neste periacuteodo que a retoacuterica e a oratoacuteria encontram-se submersas em meio a toda a discussatildeo teoloacutegica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregaccedilotildees dentro das igrejas

Este processo comumente chamado de adoccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade remonta ao livro da criaccedilatildeo pois eacute no livro dos Gecircneses 217 que Deus faz uma pregaccedilatildeo ldquoporque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morreraacutesrdquo isso significa que tambeacutem o Criador utilizou de argumentos retoacutericos para explicar a sua criaccedilatildeo para suas criaturas Assim a retoacuterica e a oratoacuteria no periacuteodo chamado de medieval estatildeo embebidas por conteuacutedos religiosos

Verificamos pregaccedilotildees por todo esse periacuteodo desde Agostinho (354-430 dC) ateacute o seacuteculo XV Esse periacuteodo eacute claramente marcado pela eloquecircncia fervor e tentativa de persuasatildeo que resultou na expansatildeo do modelo de religiatildeo por grande parte do mundo conhecido Podemos atribuir a retoacuterica da predicaccedilatildeo a Agostinho e organizaccedilatildeo do Trivium grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade como constituintes da estrutura da retoacuterica Tambeacutem os seguidores de Aristoacuteteles desencadearam classificaccedilotildees e tipificaccedilotildees para os estudos biacuteblicos A principal mudanccedila que esses fizeram foi adaptar o princiacutepio do verossiacutemil transformando de uma possibilidade para uma verdade uacuteltima e dogmas Merece destaque o teoacutelogo Isidoro (560-636) que dividiu a retoacuterica em exoacuterdio narraccedilatildeo argumentaccedilatildeo e por uacuteltimo conclusatildeo Esta divisatildeo didaacutetica da retoacuterica serve para fins de entendimento da interpretaccedilatildeo dos diferentes pensadores sobre o problema da separaccedilatildeo das partes da retoacuterica

Muitos satildeo os autores que nesta eacutepoca configuraram uma retoacuterica cristatilde O que podemos entender eacute que haacute uma imensa variedade de soluccedilotildees para problemas teoloacutegicos apresentados durante a chamada Idade Meacutedia Assim percebemos que a adoccedilatildeo de princiacutepios platocircnico-aristoteacutelicos configurou por volta do seacuteculo XIII a retoacuterica comumente usada nos sermotildees Essa nova oratoacuteria servia muito bem para convencer os coraccedilotildees dos fieacuteis e lhes trazer o conforto

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Oratoacuteria e Retoacuterica

religioso Neste periacuteodo se incluiacuteram faacutebulas ou pequenas histoacuterias durante o sermatildeo para que os fieacuteis geralmente leigos pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva

A funccedilatildeo desta formulaccedilatildeo retoacuterica pode ser resumida em trecircs partes 1) ler o texto 2) discutir o texto e 3) fazer uma pregaccedilatildeo Esta divisatildeo serve ateacute nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica em uma faculdade de Teologia Os sermotildees mais elaborados ocorriam nas universidades medievais mas nas igrejas especialmente nos finais de semana podiacuteamos observar pregaccedilotildees com organizaccedilatildeo e estrutura retoacuterica Um exemplo eacute o estudo biacuteblico em que se pode utilizar deste meacutetodo retoacuterico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto

Neste sentido a retoacuterica claacutessica se expandiu na chamada Idade Meacutedia e configurou um imenso campo de discussatildeo que outrora estava restrito agrave Greacutecia ou a Roma

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos Veja a seguir

1 Transmitir uma mensagem nesta perspectiva a retoacuterica serve aos indiviacuteduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendecirc-las2 Persuadir os interlocutores neste quesito a retoacuterica praticamente natildeo se modificou desde Platatildeo em seu diaacutelogo Goacutergias eacute que se encontra esta definiccedilatildeo

3 Finalidade este aspecto pode ser encontrado em Aristoacuteteles que com sua classificaccedilatildeo entendia que um discurso deve ter um propoacutesito um fim portanto ela serve agravequilo que tivermos como fim

A retoacuterica em nosso meio serve a diversas finalidades mas nem sempre percebemos Quando temos uma enfermidade e consultamos um meacutedico temos que convencecirc-lo atraveacutes de palavras e explicaccedilotildees de que sofremos de uma moleacutestia Caso nossa moleacutestia natildeo seja aparente entatildeo fica ainda mais difiacutecil pois ele precisa acreditar nos argumentos retoacutericos que noacutes propusemos para que continue a consulta e nos traga uma soluccedilatildeo para a moleacutestia

Este exemplo deixa claro como a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo presentes em nosso meio sem ao menos percebermos por isso sua finalidade vai aleacutem da produccedilatildeo e configuraccedilatildeo de discursos argumentos e debates

Se considerarmos a retoacuterica como parte do nosso meio perceberemos a importacircncia do estudo e da dedicaccedilatildeo a tal arte do bem falar proporcionando aos interlocutores e a noacutes maior qualidade e eficaacutecia na transmissatildeo de ideias

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos1 Transmitir uma

mensagem2 Persuadir os interlocutores3 Finalidade

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Se retomarmos o pensamento da retoacuterica claacutessica isto eacute da Antiguidade notaremos que quando organizamos um raciociacutenio conforme aponta Aristoacuteteles estamos organizando tambeacutem nossas proacuteprias ideias visto que em geral noacutes temos ideias desarticuladas e eacute pelo exerciacutecio da retoacuterica que conseguimos contrapor ideias e contribuiacutemos para o meacutetodo dialeacutetico que opotildee verdades Deste modo retirarmos algo provisoacuterio para montarmos nosso raciociacutenio

Sob esta oacutetica precisamos entender o que satildeo silogismos Aristoacuteteles explica que silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo especiacutefico da razatildeo do contraacuterio seratildeo somente ideias desconexas Os raciociacutenios silogiacutesticos antes de qualquer coisa devem versar sobre algum assunto particular distinguindo-se lugares espeacutecies gecircneros e formas Para entendermos isto precisamos saber quais satildeo os gecircneros da retoacuterica segundo Aristoacuteteles Este assunto eacute um dos constituintes mais importantes da arte retoacuterica de modo que os elementos que compotildeem o gecircnero retoacuterico satildeo 1) O orador 2) o assunto 3) o ouvinte Sem estes elementos natildeo se faz a arte retoacuterica portanto o orador deve expor o seu discurso precisa estar atento ao seu assunto e os interlocutores precisam ouvir e por conseguinte saber distinguir as diversas finalidades de um discurso

Caracteriacutesticas da Arte de Falar Bem As caracteriacutesticas para desenvolvermos uma boa retoacuterica e uma boa oratoacuteria

podem ser resumidas em trecircs aspectos fundamentais 1) conteuacutedo do discurso 2) forma do discurso 3) objetivo do discurso

bull No primeiro elemento denominado conteuacutedo do discurso o orador

deve estar atento agrave formulaccedilatildeo retoacuterica dos argumentos Neste sentido o conteuacutedo deve abranger aquilo a que ele se propotildee e expor sem dificuldades e correccedilotildees ou ambiguidades

bull A segunda caracteriacutestica eacute a forma do discurso que deve deixar claro se os argumentos retoacutericos elencados pelo orador satildeo narrativos metafoacutericos paraacutebolas ou explicaccedilotildees cientiacuteficas como silogismos loacutegicos Isto significa que antes de comeccedilarmos um discurso e expor a forma que iremos usar pode ser falada qual eacute a forma ou durante a apresentaccedilatildeo expor esta forma

bull A terceira caracteriacutestica de uma boa formulaccedilatildeo retoacuterica eacute o objetivo de um discurso Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Dito isso seguimos a esteira dos passos iniciais da retoacuterica inaugurada pelos sofistas na Greacutecia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano Eacute no pensamento sofiacutestico que encontramos esboccedilo de gramaacutetica formas de prosa tanto ornada como erudita Segundo esses filoacutesofos natildeo haacute transmissatildeo da possibilidade da verdade em um debate isto eacute completamente contraacuterio ao ideal socraacutetico que sempre estaacute em busca de uma verdade

Esses pensadores desenvolveram caracteriacutesticas que a partir do Kairoacutes tempo oportuno possibilitaram entender que uma discussatildeo sempre estaacute tentando evitar a fuga das coisas ela se agarra agrave oportunidade de uma reacuteplica eis que haacute elementos substanciais para formulaccedilatildeo posterior da retoacuterica aristoteacutelica

Os sofistas constituiacuteram o fundamento da retoacuterica ocidental sob a ideia da controveacutersia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussotildees O mundo desses filoacutesofos sofistas natildeo tem realidade objetiva muito menos verdade para eles a uacutenica coisa viaacutevel eacute o discurso ou seja a retoacuterica Neste sentido dizer que um discurso eacute verdadeiro ou verossiacutemil eacute soacute um artifiacutecio retoacuterico para calar a boca de algueacutem

A retoacuterica inaugurada pelos sofistas natildeo estaacute abaixo do saber seu objetivo eacute o poder em outras palavras os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam ldquoa governar bem suas casas e suas cidadesrdquo (REBOUL 2004 p 10) Isso significa que o que importa eacute servir o poder

Sob esta perspectiva podemos entender que a retoacuterica satisfez agrave necessidade teacutecnica juriacutedica bem como a prova literaacuteria agrave filosofia e ao ensino na Greacutecia antiga Isoacutecrates pensador grego desenvolveu uma retoacuterica que abrange esses aspectos mencionados Em sua longa vida de 99 anos Isoacutecrates (436-338 aC) libertou a retoacuterica da sofiacutestica grega ele contribuiu para desenvolver e ampliar as caracteriacutesticas da arte retoacuterica Apoacutes sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa tendo ele escrito sua proacutepria defesa resolveu publicar o texto intitulado ldquoA trocardquo foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retoacuterica

Seu meacutetodo de ensino partia da reflexatildeo dos alunos com os quais ele sentava e discutia as questotildees corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos Segundo ele natildeo satildeo todas as pessoas que podem praticar a boa oratoacuteria deve haver algumas condiccedilotildees para que o sujeito possa desenvolver esta arte

Para ele eacute necessaacuterio aptidatildeo natural praacutetica constante e ensino sistemaacutetico para que se configure um bom orador Haacute uma clara discordacircncia entre ele e os

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sofistas pois para Isoacutecrates natildeo se pode criar um bom orador apenas se pode aperfeiccediloar algueacutem com aptidatildeo para tal arte De acordo com Reboul Isoacutecrates queria um modelo de retoacuterica ldquosoacutebria clara precisa isenta de termos raros de neologismos de metaacuteforas brilhantes de ritmos marcados mas sutilmente bela e profundamente harmoniosardquo (REBOUL 2004 p 11)

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber Isoacutecrates afirma que a retoacuterica deve seguir uma causa honesta e nobre Para ele as pessoas satildeo livres para bem usar os artifiacutecios retoacutericos mas devemos estar preocupados com a formaccedilatildeo moral e literaacuteria dos oradores para que estes natildeo caiam no acaso logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existecircncia Segundo ele o que nos distingue dos animais eacute a palavra e essa caracteriacutestica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos Neste sentido eacute a liacutengua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar agraves guerras

A retoacuterica eacute um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condiccedilatildeo de linguagem e arguiccedilatildeo persuasiva frente aos seus interlocutores O orador pode falar de virtudes paixotildees e outros assuntos com qualidade e precisatildeo caso saiba estruturar o seu discurso

A razatildeo de ser da retoacuterica que constitui uma das suas principais caracteriacutesticas eacute justamente o fato de ela querer convencer algueacutem logo ela aborda elementos que satildeo comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade O orador deve saber formular silogismos que satildeo raciociacutenios loacutegicos sobre as provas empiacutericas que ele escolher Um bom silogismo deve conter premissas plausiacuteveis sendo que natildeo pode haver confusatildeo entre as partes descritas

Um bom orador estabelece as caracteriacutesticas mais provaacuteveis para um acontecimento seu raciociacutenio sempre considera probabilidades e natildeo descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem Ele deve considerar todas as situaccedilotildees viaacuteveis e por eliminaccedilatildeo e contradiccedilatildeo sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstraacutevel

Para entendermos como se configurou a retoacuterica moderna devemos entender como se deu o processo de assimilaccedilatildeo durante o periacuteodo medieval pois este periacuteodo herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Claacutessica De acordo com Costa (2008)

Diretamente herdeira da Retoacuterica claacutessica a Retoacuterica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de trecircs fontes a Retoacuterica a Herecircnio a Doutrina oratoacuteria (Institutio oratoacuteria de Quintiliano [35-95]) e a tradiccedilatildeo cristatilde (desde Satildeo Jerocircnimo [340-420] ateacute Santo Agostinho [354-430])

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Um dos manuais de Retoacuterica mais estimados na Idade Meacutedia foi a Retoacuterica a Herecircnio (Rethorica ad Herennium) texto entatildeo atribuiacutedo a Ciacutecero (106-43 aC) mas na verdade de autor desconhecido Escrito no seacuteculo I antes de Cristo em meio agrave crise da Repuacuteblica romana o tratado natildeo deixava de destacar as teacutecnicas para se obter a docilidade e a benevolecircncia dos ouvintes ndash como eacute tiacutepico dos toacutepicos da Retoacuterica ndash mas as fundamentava no conceito de justiccedila e especialmente na diferenccedila entre o bem e o mal como se depreende nessa passagemConveacutem que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplaacute-la No debate poliacutetico a utilidade divide-se em duas partes a segura e a honesta [] A mateacuteria honesta divide-se em reto e louvaacutevel Reto eacute o que se faz com virtude e dever Subdivide-se em prudecircncia justiccedila coragem e modeacutestia Prudecircncia eacute a destreza que pode com certo meacutetodo discernir o bem e o mal []Esse soacutelido alicerce eacutetico exposto na Retoacuterica a Herecircnio tem por sua vez raiz em Aristoacuteteles (384-322 aC) Em sua Retoacuterica o Estagirita sustentou as bases filosoacuteficas da virtude da justiccedila do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retoacuterica [] os homens tecircm uma inclinaccedilatildeo natural para a verdade e a maior parte das vezes alcanccedilam-na E por isso ser capaz de discernir sobre o plausiacutevel eacute ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade [] Mas a retoacuterica eacute uacutetil porque a verdade e a justiccedila satildeo por natureza mais fortes que os seus contraacuterios De sorte que se os juiacutezos se natildeo fizerem como conveacutem a verdade e a justiccedila seratildeo necessariamente vencidas pelos seus contraacuterios e isso eacute digno de censura (COSTA 2008 p 31)

Essa assimilaccedilatildeo da retoacuterica no periacuteodo medieval permitiu que ela fosse

adotada para o acircmbito religioso As exegeses e sermotildees comeccedilaram a conter elementos da forma grega de argumentar Depois de algum tempo jaacute havia sistemas estruturados de interpretaccedilatildeo dos textos que permitiam anaacutelises e explicaccedilotildees detalhadas das escrituras sagradas

Um bom argumento deve conter raciociacutenios irrefutaacuteveis pois do contraacuterio natildeo chegaremos a uma conclusatildeo viaacutevel

Entre as caracteriacutesticas da retoacuterica gostariacuteamos de fazer uma pequena distinccedilatildeo entre a funccedilatildeo teoloacutegica e a funccedilatildeo filosoacutefica da retoacuterica Para a filosofia a retoacuterica deve elucidar argumentos filosoacuteficos e o conteuacutedo de seus conceitos permitindo ao puacuteblico e ao estudante desta arte uma compreensatildeo clara e distinta acerca dos problemas da filosofia

Na filosofia a arte da persuasatildeo deve servir agrave elucidaccedilatildeo dos grandes problemas teoacutericos e para exposiccedilatildeo de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais Os primeiros manuais de retoacuterica publicados por Coacuterax e Tiacutesias por volta do seacuteculo V aC formularam os elementos para tais exposiccedilotildees Jaacute Goacutergias (483-380 aC) valorizou o significado da palavra como fundadora pois para este eacute a palavra que comanda um exeacutercito faz um porto ou determina

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

a natureza de um Estado Durante este periacuteodo inuacutemeras caracterizaccedilotildees diferenciaram a retoacuterica mas em geral todas concordam que uma boa retoacuterica proporcionaraacute uma possibilidade de se formar um orador Neste sentido distinguimos a caracteriacutestica da retoacuterica de formular discursos da oratoacuteria que definimos pela arte de se expressar em puacuteblico

Na teologia a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram caracteriacutesticas de eloquecircncia nos sermotildees e nos debates teoloacutegicos Destacamos que os principais motivos desta formulaccedilatildeo remetem agrave tentativa de converter os infieacuteis e produzir uma interpretaccedilatildeo biacuteblica

De modo resumido podemos dizer que os modos de persuasatildeo ajudam os indiviacuteduos em um debate para que estes possam formular pela retoacuterica e expor pela oratoacuteria as suas verdades Se na Idade Meacutedia o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formaccedilatildeo humana na Modernidade percebemos uma pulverizaccedilatildeo destas artes e uma constante divisatildeo que gerou uma teacutecnica distinta do conteuacutedo da retoacuterica

Os significados de Trivium e Quadrivium satildeo respectivamente Os trecircs caminhos que levam ao homem a eloquecircncia 1) gramaacutetica 2) retoacuterica 3) loacutegica Quadrivium Os quatro caminhos para a sabedoria do homem que satildeo 1) aritmeacutetica 2) muacutesica 3) geometria 4) astronomia

Neste sentido se na Antiguidade e na Idade Meacutedia retoacuterica e oratoacuteria se articulavam e completavam-se formando uma aacuterea de saber na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificaccedilatildeo que resultou em uma retoacuterica especiacutefica para profissatildeo

Embora a Retoacuterica de Aristoacuteteles tenha sido pouco lida o fato eacute que a tradiccedilatildeo grega contraacuteria aos sofistas elevou a Retoacuterica agrave categoria de valor Mesmo Platatildeo (c 429-347 aC) tatildeo avesso agrave Retoacuterica em sua Repuacuteblica ideal fez Soacutecrates afirmar que ela para deixar de ser uma adulaccedilatildeo deveria estar a serviccedilo da filosofia da educaccedilatildeo como ldquoarte de guiar a alma por meio de raciociacutenios (Fedro 261a) para se chegar agrave verdade agrave justiccedila e ao bemrdquo Assim desde a filosofia de Platatildeo a verdadeira finalidade da Retoacuterica natildeo deveria ser o ato de agradar aos homens como defendiam os sofistas mas agradar a Deus (Fedro 273e)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Em outras palavras a tradiccedilatildeo claacutessica grega legou aos romanos a noccedilatildeo de que a verdadeira Retoacuterica deveria estar a serviccedilo da eacutetica e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retoacuterico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas accedilotildees com o intuito de infundir a justiccedila nas almas dos cidadatildeos fazendo com que neles reinassem a prudecircncia a moderaccedilatildeo e sobretudo desaparecesse o destempero todas as energias do Estado e do indiviacuteduo deveriam portanto dedicar-se agrave busca do bem natildeo agrave satisfaccedilatildeo dos desejos Esses pressupostos estatildeo muito presentes em Quintiliano afamadiacutessimo professor de Retoacuterica do primeiro seacuteculo de nossa era Ao escrever sua obra-prima em 95 dC a Doutrina oratoacuteria este romano-espanhol de Calahorra natildeo teve qualquer receio em seguir a tradiccedilatildeo de Catatildeo (234-149 aC) e definir em seu Livro XII o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer mas sobretudo um homem bom (ldquovir bonus dicendi peritusrdquo) particularmente por seus costumes Todo esse manancial eacutetico claacutessico que norteou a Retoacuterica foi generosamente sorvido pela tradiccedilatildeo cristatilde especialmente atraveacutes de Satildeo Jerocircnimo (c 340-420) e Santo Agostinho (354-430) que a retransmitiram aos medievais (Jerocircnimo atraveacutes de suas cartas e Agostinho em suas Confissotildees) Isidoro de Sevilha (560-636) por fim fortaleceu a ponte entre os dois mundos e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) agrave Retoacuterica e agrave Dialeacutetica Nele o bispo realizou uma importante compilaccedilatildeo de excertos e circunscreveu a Retoacuterica ao discurso forense sem contudo abandonar seu cariz eacutetico ldquoRetoacuterica eacute a ciecircncia do bem dizer nos assuntos civis com a eloquecircncia proacutepria para persuadir o justo e o bomrdquo Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Meacutedia A partir de entatildeo o estudo da Retoacuterica ficou restrito ao universo monaacutestico ou seja tanto educandos quanto educadores salvo rariacutessimas exceccedilotildees natildeo a colocavam em praacutetica Isso soacute ocorreria a partir do seacuteculo XI quando a Retoacuterica passou a ser utilizada na composiccedilatildeo de cartas e documentos e tornou-se uma epistolografia era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi) E foi dessa eacutepoca a defesa acadecircmica da Retoacuterica feita por Gilberto de la Porreacutee e Joatildeo de Salisbury contra os cornificianos (COSTA 2008 p 32)

Essa fragmentaccedilatildeo da retoacuterica apoacutes o seacuteculo XVII (Idade Moderna) conforme aponta Reboul (2004) Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica praticamente fez desaparecer do meio acadecircmico a disciplina de Retoacuterica Depois da metade do seacuteculo XX a retoacuterica se recuperou gradativamente mas o processo comeccedilou pelo acircmbito do marketing Aos poucos e de fora para dentro o debate sobre a retoacuterica recomeccedilou e em nossos dias jaacute temos algumas instituiccedilotildees de Ensino Superior que retomaram essa disciplina contudo no ensino baacutesico simplesmente se ignora o papel da retoacuterica e da oratoacuteria

Retoacuterica e Oratoacuteria em Nosso MeioPassamos agora a discutir um pouco o problema da retoacuterica em nosso

meio para entendermos que ela natildeo eacute uma coisa distante e sem sentido que foi esquecida por ser sem utilidade Para Duran (2009 p 9)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Trecircs autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retoacuterica e da eloquecircncia no Brasil do seacuteculo XIX Roberto de Oliveira Brandatildeo com seus estudos sobre os manuais de retoacuterica e poeacutetica brasileiros do seacuteculo XIX (1972) Roberto Aciacutezelo de Souza com o livro O Impeacuterio da Eloquecircncia Retoacuterica e Poeacutetica no Brasil Oitocentista (1999) e Eduardo Vieira Martins com a Fonte subterracircnea (2005) Roberto de Oliveira Brandatildeo selecionou os manuais e compecircndios de retoacuterica e poeacutetica publicados ao longo do seacuteculo XIX como seus objetos de estudo Sua preocupaccedilatildeo foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional Em trabalhos posteriores como no texto Os manuais de retoacuterica brasileiros do seacuteculo XIX (1988) o autor apresentou avanccedilos acerca dessa temaacutetica abordando a funccedilatildeo e a permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na educaccedilatildeo nacional Roberto Aciacutezelo de Souza por sua vez estudou a retoacuterica e a poeacutetica por meio dos planos de ensino da segunda metade do seacuteculo XIX no Coleacutegio Pedro II Souza esforccedilou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado tendo em vista algumas oraccedilotildees da eacutepoca e as praacuteticas educativas de entatildeo Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos agrave mudanccedila estrutural da disciplina que em meados de 1830 deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referecircncia e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair A permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura brasileira tambeacutem foi abordada nesta pesquisa a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e Joseacute de Alencar Em seus trabalhos esses trecircs autores referiram-se agrave segunda metade do seacuteculo XIX quando a disciplina jaacute possuiacutea certa uniformidade Entre suas fontes se pode encontrar manuais compecircndios planos de ensino registros de aulas decisotildees e ordens do Estado brasileiro fontes que lhes serviram como referecircncia para localizar a contribuiccedilatildeo que a retoacuterica e a eloquecircncia forneceram agrave educaccedilatildeo Quanto agrave formaccedilatildeo de um discurso brasileiro senatildeo de uma literatura nacional um deles recorreu a um literato da eacutepoca Joseacute de Alencar enquanto os demais mantiveram-se atentos agrave produccedilatildeo de uma literatura didaacutetica ou pedagoacutegica Excetuando a distinccedilatildeo de gecircnero pode-se afirmar que ambas possuiacuteam uma unidade prescritiva de caraacuteter edificante

Neste aspecto pensar a retoacuterica em nossas terras eacute importante para

sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadecircmico se manifestou ficando agrave literatura o papel de preservar sua existecircncia de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio Em alguns lugares do paiacutes foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos

A longevidade da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura local foi garantida por meio dos perioacutedicos cariocas que a partir de 1822 tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em ldquoarrogar no coraccedilatildeo do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo aquela zelosa energia que constituem verdadeiro meacuterito moral e poliacutetico e acrisola decidido patriotismordquo (JORNAL SCIENTIacuteFICO ECONOMICO E LITERAacuteRIO 1826 NUacuteMERO 1 MAIO p 81) Regrada pela retoacuterica a comunicaccedilatildeo dos cariocas do primeiro quartel do seacuteculo XIX modelou uma

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Oratoacuteria e Retoacuterica

eloquecircncia que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular formal e temaacutetico para a invenccedilatildeo de uma literatura nacional e paralelamente de uma identidade brasileira (DURAN 2009 p 9)

Os jesuiacutetas contribuiacuteram de modo muito importante sobre a preservaccedilatildeo e difusatildeo da arte retoacuterica sobretudo no meio religioso Seus textos exegeacuteticos foram fundamentais para que as vertentes de retoacuterica e oratoacuteria se espalhassem no meio literaacuterio brasileiro

Foi publicado em 23 de dezembro de 1770 o Compecircndio histoacuterico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasatildeo dos denominados jesuiacutetas no Palaacutecio Nossa Senhora da Ajuda em Lisboa O opuacutesculo dava notiacutecia de aspectos do meacutetodo de ensino dos jesuiacutetas durante o seacuteculo XVIII nos cursos de Teologia Cacircnones Leis e Medicina da Universidade de Coimbra apresentando as mateacuterias conforme a sucessatildeo das aulas durante a semana Prima Terccedila e Veacutespera eram aulas permanentes que aconteciam respectivamente agraves segundas terccedilas e quartas-feiras certamente muito importantes a julgar pelo maior honoraacuterio pago aos mestres As quintas-feiras eram livres como na Franccedila e os domingos reservados para o descanso e a missa Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades geralmente as sextas-feiras quando se realizava a Noa Nas Catedrilhas Institutas ou Avicena que se seguiam irregularmente durante a semana realizava-se a revisatildeo dos temas jaacute estudados ou a leitura dos textos das proacuteximas aulas de Prima Terccedila ou Veacutespera Dedicadas a rememorar os temas jaacute discutidos tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a mateacuteria e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante O passante era na maioria dos casos um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiecircncia ou ainda um jovem receacutem-formado com as mesmas qualidades Aleacutem do passante havia o lente um tipo de mestre responsaacutevel pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Veacutespera antecedendo a explicaccedilatildeo do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terccedila A relevacircncia dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exerciacutecio contiacutenuo de memorizaccedilatildeo da mateacuteria pois a intenccedilatildeo era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importacircncia fato que num mundo de poucos impressos era um traccedilo distintivo de inteligecircncia Em todas as mateacuterias o estudo era guiado por uma obra de referecircncia impreterivelmente em latim A predominacircncia do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa liacutengua eram considerados os mais importantes e aprofundados Soma-se a isso a crenccedila de que o estudo da obra original das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor tinha maior meacuterito por constituiacuterem um conhecimento puro capaz de sustentar um saber genuiacuteno (DURAN 2009 p 15)

Aleacutem desse caraacuteter de decorar um assunto o ensinamento de um argumento

possibilita aos indiviacuteduos uma capacidade de memorizaccedilatildeo que os distingue dos demais visto que haacute poucos textos escritos nessa eacutepoca e a eloquecircncia com que se elencava um argumento fazia toda a diferenccedila quando se queria convencer algueacutem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Segundo Duran (2009) para alguns pensadores do final do seacuteculo XVIII natildeo era mais possiacutevel seguir sem a disciplina de retoacuterica em nossos bancos escolares e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias

No sistema criado por Verney as mateacuterias Histoacuteria Geografia e Gramaacutetica deveriam ser acompanhadas da Retoacuterica depois disso Grego e mais Histoacuteria deveriam ser as mateacuterias dos anos subsequentes A Retoacuterica alinhavava esses saberes disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniotildees acerca das mateacuterias estudadas [O mestre de Retoacuterica] Logo mandaraacute compor alguma coisa em Portuguecircs comeccedilando por assuntos breves nos trecircs gecircneros de Eloquecircncia Comeccedilaraacute primeiro pelas cartas portuguesas dando somente aos rapazes o argumento delas e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua proacutepria liacutengua e contra a Gramaacutetica E por esta razatildeo eacute supeacuterfluo neste ano ler mais autores portugueses porque esta composiccedilatildeo eacute o melhor estudo que se pode fazer da liacutengua portuguesa Depois passaraacute ao estilo histoacuterico e tiraraacute algum argumento da mesma Histoacuteria que se explica pela manhatilde para que os estudantes a dilatem escrevendo o dito caso mui circunstanciado e variando isto segundo o arbiacutetrio do Mestre ou tambeacutem a descriccedilatildeo de um lugar e de uma pessoa ou coisa semelhante Em terceiro lugar segue-se dar-lhe algum argumento declamatoacuterio mas breve Para facilitar isto o melhor meio eacute este Quando o mestre propotildee algum argumento que se deve provar perguntaraacute ao rapaz que razotildees ele daacute sobre aquele ponto Ouccedila as que ele daacute e ajude-o a produzi-las pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY 1952 p 63) Para Verney o exerciacutecio repetido da comunicaccedilatildeo era propiacutecio para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do disciacutepulo Esse agora natildeo era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala natildeo se destinava somente aos grandes nem deveria seguir os padrotildees de apenas um uacutenico modelo por isso estudariam os discursos deliberativo demonstrativo e judicial e [] quando o estudante tiver bastante notiacutecia dos trecircs gecircneros de Eloquecircncia em tal caso pode empregar-se em compor Latim e isto pelo mesmo meacutetodo que o fez em Vulgar Nesta composiccedilatildeo latina natildeo teraacute dificuldade alguma visto ter vencido todas na composiccedilatildeo portuguesa somente lhe faltaratildeo as palavras latinas e frases particulares da liacutengua ao que deve acudir e suprir o Mestre emendando-as ou sugerindo-as Encomende tambeacutem aos rapazes que leiam muito as oraccedilotildees de Ciacutecero natildeo digo as Verrinas que satildeo enfadonhas e soacute se podem ler salteadas mas as outras mais faacuteceis e breves das quais com facilidade se passa para as outras E esta classe eacute necessaacuterio que frequentem todos os que estudam Latinidade porque sem ela nenhum pode entender e escrever bem Latim e com ela pode saber muita coisa uacutetil para todos os exerciacutecios da vida e principalmente para toda a sorte de estudos (VERNEY 1952 apud DURAN 2009 p 15)

O retorno da retoacuterica aos acircmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indiviacuteduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos fiacutesicos e materiais Com a retomada

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Oratoacuteria e Retoacuterica

da retoacuterica temos tambeacutem o retorno de figuras de linguagem comparaccedilotildees e estruturas mais rebuscadas

Platatildeo e AristoacutetelesSegundo Platatildeo a retoacuterica se caracteriza pela capacidade de persuasatildeo dos

interlocutores essa capacidade nos traz a atualidade do diaacutelogo em Goacutergias de Platatildeo acerca de uma educaccedilatildeo retoacuterica Embora estejamos enfeiticcedilados pela tecnologia quando encontramos algueacutem que sabe se expressar muito bem percebemos quatildeo importante eacute saber falar e organizar as ideias

No diaacutelogo Goacutergias Calicles e Soacutecrates iniciam a discussatildeo sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra e ao incorporarem Querefonte na discussatildeo Calicles propotildee ouvirmos o que Goacutergias pensa sobre o ato de dialogar Neste sentido Soacutecrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar Goacutergias se dispotildee a responder todas as perguntas gabando-se de que ningueacutem havia o pego desprevenido

Em determinado momento do diaacutelogo Soacutecrates inquire Goacutergias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequecircncias desta pois para Soacutecrates existe uma diferenccedila entre oratoacuteria e diaacutelogo sendo a oratoacuteria instrumento dos falaciosos Segundo Goacutergias ldquome prezo de serrdquo um bom orador (PLATAtildeO 1970 p 52) Ao se considerar como tal Goacutergias assume que eacute capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo Na sequecircncia do diaacutelogo Soacutecrates pede para que Goacutergias exponha sua arte de maneira clara e concisa Goacutergias concorda em expor esta oratoacuteria de que tanto se fala e compara concordando com Soacutecrates com a tecelagem e a muacutesica

Ao responder a Soacutecrates Goacutergias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes por exemplo a medicina pois a oratoacuteria natildeo trata de todas as palavras Segundo Goacutergias seguindo Soacutecrates a oratoacuteria capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem E aparece assim a primeira contradiccedilatildeo de Goacutergias que dissera haacute pouco no diaacutelogo com Soacutecrates que a oratoacuteria natildeo tem nada a ver com a medicina mas agora quando Soacutecrates reformula a questatildeo Goacutergias concorda que a medicina reflete sobre

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

as doenccedilas e por conseguinte usa a palavra Ao falarmos de moleacutestias segundo Soacutecrates utilizamos palavras tambeacutem faz uso de palavras a ginaacutestica que se refere ao corpo logo concluiacutemos que seguindo o raciociacutenio socraacutetico todas as demais artes utilizam palavras para se expressar e surge a principal questatildeo ateacute o momento ldquopor que natildeo dar o nome de oratoacuteria agraves demais artesrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54) A resposta de Goacutergias eacute que as demais artes trabalham com as matildeos enquanto a oratoacuteria eacute a arte da palavra isto eacute ldquosua atividade e operaccedilatildeo se realizam todas por meio de palavrasrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54)

Na sequecircncia do diaacutelogo a discussatildeo se encaminha para artes que usam as palavras sendo que a oratoacuteria natildeo abarca estas atividades Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmeacutetica que usam termos palavras e sinais na escrita mas em nenhum momento se expressam sendo que a estas tambeacutem natildeo chamamos de oratoacuteria logo a oratoacuteria eacute a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras

Devemos questionar agora se a oratoacuteria possui realmente este poder de persuasatildeo defendido por Platatildeo na obra que estamos utilizando para aplicar o debate Para Goacutergias a palavra eacute uma das formas que pode congregar cidadatildeos e colocar todos os demais que natildeo dominam esta arte sob seus peacutes Eacute a arte retoacuterica do uso das palavras que pode convencer as massas ldquoCom ecircnfase exalta Goacutergias a sua arte Na apologia Soacutecrates conta como saiacutera a interrogar os homens que passavam por saacutebios poliacuteticos poetas artiacutefices cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientiacutessimo nos demais domiacuteniosrdquo (PLATAtildeO 1970 p 59) Aqui a palavra massa natildeo tem nenhuma referecircncia moderna Eacute uma referecircncia agrave assembleia grega

Neste sentido a retoacuterica eacute um modo de persuasatildeo que cria convicccedilotildees nos interlocutores Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasatildeo A persuasatildeo que eacute uma consequecircncia da oratoacuteria eacute o convencimento por meio de bons argumentos retoacutericos e o bom uso da oratoacuteria No diaacutelogo Soacutecrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim e mais se a arte pode produzir uma persuasatildeo parecida ou igual agrave da retoacuterica Antes de continuar esta reflexatildeo sobre a persuasatildeo precisamos explicar que existe uma diferenccedila entre persuasatildeo didaacutetica e persuasatildeo pateacutetica A didaacutetica se refere ao convencimento do intelecto enquanto a pateacutetica indica um convencimento mediante as emoccedilotildees

Seguindo a linha de raciociacutenio de Soacutecrates no diaacutelogo com Goacutergias entendemos que outras artes tambeacutem produzem o convencimento cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retoacuterica produz Para responder a isso Goacutergias diz que a persuasatildeo produzida pela oratoacuteria eacute aquela que se refere ao justo e ao injusto

Percebemos que a oratoacuteria referida por Goacutergias eacute aquela juriacutedica e que estaacute restrita aos tribunais Soacutecrates distingue dois tipos de persuasatildeo 1) a crenccedila sem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

o saber e 2) a ciecircncia logo conclui-se que o orador fala da crenccedila e natildeo da ciecircncia visto que no tribunal ele natildeo expotildee o que eacute justo e injusto simplesmente quer convencer os interlocutores

Neste sentido devemos indagar assim como Soacutecrates indagou Goacutergias que proveito haacute em estudar esta arte retoacuterica A resposta a esta pergunta eacute a seguinte quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente procuramos um profissional meacutedico quando queremos falar bem procuramos um especialista em oratoacuteria Assim quem aprende uma habilidade como esta ou seja a arte retoacuterica estaacute habilitado a discutir com qualquer pessoa pois domina os conceitos Deste modo cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis

Ateacute agora a exposiccedilatildeo da arte retoacuterica e o modelo de oratoacuteria em Platatildeo situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso de modo a permitir que o estudante entenda a retoacuterica como uma forma de construccedilatildeo de argumentos e a retoacuterica como um modo de persuasatildeo dos interlocutores O diaacutelogo platocircnico Goacutergias trouxe a discussatildeo para o patamar da escolha individual de cada indiviacuteduo assim eacute o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo

Seguindo o diaacutelogo platocircnico Soacutecrates retoma a questatildeo que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador Nesta perspectiva Goacutergias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posiccedilatildeo O diaacutelogo se inclina agora para a discussatildeo da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquecircncia de um orador Neste aspecto Soacutecrates pede a Goacutergias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratoacuteria Goacutergias concorda seguindo em tudo o que Soacutecrates diz a respeito do conhecimento de um orador Concluindo este raciociacutenio Soacutecrates e Goacutergias concordam que a oratoacuteria eacute um tipo de arte injusta

No pensamento platocircnico o debate acerca da retoacuterica e da oratoacuteria remete ao diaacutelogo Goacutergias apontando na direccedilatildeo esteacutetica e literaacuteria ldquoNascido por volta do ano 485 aC Goacutergias viveu 109 anos sobrevivendo pois a Soacutecrates Tambeacutem siciliano e disciacutepulo de Empeacutedocles em 427 aC foi para Atenas numa embaixada diz-se que ali sua eloquecircncia encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltariardquo (REBOUL 2004 p 4) Percebemos aqui como a arte retoacuterica ganhou forccedila a partir dos textos e argumentaccedilotildees neste periacuteodo citado Ateacute entatildeo na Greacutecia literatura e poesia eram consideradas idecircnticas Por sua vez a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Goacutergias criou o discurso epidictieo que significa um elogio puacuteblico tambeacutem desenvolveu uma prosa eloquente que com suas rimas metaacuteforas e periacutefrases formula um modelo que captura os espectadores Citamos um exemplo de tamanha eloquecircncia o Elogio de Helena que era uma mulher perfeita bela esposa de Menelau que permitiu ser capturada por Paacuteris lanccedilando os gregos em uma guerra de uma deacutecada Goacutergias expotildee a beleza de Helena em um discurso proferido ao puacuteblico na eacutepoca da guerra no texto Goacutergias daacute as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada Dentre elas destacamos algumas foi um decreto dos deuses ou foi o destino teria ela sido levada agrave forccedila Ou convencida por belas palavras E ainda o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos

Para Goacutergias Helena foi convencida pela arguiccedilatildeo de um belo discurso e como tal natildeo eacute culpada Goacutergias defende Helena como pretexto para defender a retoacuterica ldquoO discurso eacute um tirano poderosiacutessimo esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisiacutevel alccedila agrave plenitude as obras divinas porque a palavra pode pocircr fim ao medo disse para a tristeza estimular a alegria aumentar a piedade (GOacuteRGIAS apud REBOUL 2004 p 5)

Para Goacutergias Helena eacute inocente pois ela natildeo pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos logo para Goacutergias a argumentaccedilatildeo sofiacutestica de que um ato involuntaacuterio natildeo implica em culpa Assim a arte retoacuterica expressa na oratoacuteria de Goacutergias passou a ser chamada de sofista

Eis aiacute um dos momentos marcantes da retoacuterica antiga pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquecircncia e sua arte de convencimento Inaugura-se neste periacuteodo um modo de educaccedilatildeo intelectual profundo que natildeo tem a ver com uma profissatildeo ou religiatildeo pois era o conhecimento pelo conhecimento em outras palavras Goacutergias deu agrave retoacuterica a capacidade de falar do belo

Aleacutem do debate entre Platatildeo e Goacutergias protagonizado por Soacutecrates e seus interlocutores temos outros preacute-socraacuteticos que desenvolveram a retoacuterica como a arte de argumentar Destacamos a figura de Protaacutegoras de Abdera (486-410 aC) como um destes representantes que aleacutem de defender o agnosticismo formulou a famosa maacutexima retoacuterica em relaccedilatildeo agrave moral ldquoo homem eacute a medida de todas as coisas das que satildeo enquanto satildeo e das que natildeo satildeo enquanto natildeo satildeordquo No que se refere aos seres sagrados ou deuses Protaacutegoras formulou ldquoquanto aos deuses natildeo estou em condiccedilatildeo de saber se existem ou natildeo existem nem mesmo o que satildeordquo (REBOUL 2004 p 7) Este pensamento retoacuterico lhe custou a pena de morte mas como tinha medo da morte fugiu

Quanto agrave oratoacuteria e agrave retoacuterica a principal preocupaccedilatildeo de Protaacutegoras era com os substantivos suas formas e variaccedilotildees Tambeacutem desenvolveu uma nova gramaacutetica e fundou a eriacutestica que significa a contraposiccedilatildeo de ideias resultando tempos depois na dialeacutetica Por eacuteris Protaacutegoras entendeu que uma boa discussatildeo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

deve conter ideias contraditoacuterias visto que em grego a palavra eriacutestica vem de eacuteris que significa controversa Desta maneira segundo Protaacutegoras qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando eis que esta eacute a condiccedilatildeo da teacutecnica eriacutestica ou seja os modos e formas para vencer um debate A discussatildeo e a controveacutersia mediante o uso da retoacuterica e da oratoacuteria eacute que conferem a condiccedilatildeo de um debate

Estas caracteriacutesticas que elencamos ateacute agora representam a propedecircutica ou preparaccedilatildeo para iniciar a discussatildeo acerca do fundamento da retoacuterica e da oratoacuteria Em Aristoacuteteles a retoacuterica se configura em diaacutelogo com a dialeacutetica Neste sentido ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado

No pensamento retoacuterico aristoteacutelico haacute uma distinccedilatildeo entre saber como arte e conhecimento como ciecircncia No desenvolvimento da retoacuterica desde Aristoacuteteles ateacute nossos dias ocorreu uma transformaccedilatildeo desta que passou da arte persuasiva para uma hermenecircutica interpretativa

Retomamos o cuidado com o significado da retoacuterica e da oratoacuteria em nossos tempos Em Aristoacuteteles a retoacuterica natildeo eacute simplesmente persuadir ou convencer os outros ela eacute tambeacutem fruto da experiecircncia de vaacuterios oradores que desenvolvem teacutecnicas para melhorar e exercitar esta arte A tradiccedilatildeo grega desde Homero sempre se preocupou em formular bons argumentos retoacutericos e excelentes oradores assim aleacutem de agir heroicamente as personagens gregas deviam falar bem

Inuacutemeros satildeo os exemplos na histoacuteria grega que relatam estes acontecimentos Todo o processo de transformaccedilatildeo da oratoacuteria grega passa basicamente por Platatildeo Isoacutecrates e Aristoacuteteles chegando agraves legiotildees romanas atraveacutes de Ciacutecero que com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano imortalizou a retoacuterica no meio latino De acordo com Lausberg (1960) nunca houve um sistema retoacuterico claacutessico isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indiviacuteduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retoacuterica e da oratoacuteria

Para explicarmos de maneira resumida as definiccedilotildees de retoacuterica elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento mas todas essas definiccedilotildees concordam em um ponto a retoacuterica possui fins persuasivos

a) A definiccedilatildeo de Coacuterax Tisias Goacutergias Platatildeo segundo estes a retoacuterica eacute geradora de persuasatildeo

b) Aristoacuteteles eacute capaz de descobrir as formas de persuasatildeo sobre um assunto

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) Hermaacutegoras eacute a forma de bem falar no que tange aos assuntos puacuteblicos

d) Quintiliano retoacutericos estoicos que significa a ciecircncia de falar bem

Essas definiccedilotildees partem do princiacutepio de que retoacuterica eacute um corpo de conhecimento ou meacutetodo para se expressar bem assim como pensamos a retoacuterica devemos levar em conta os seus usos No que tange agrave finalidade de um discurso natildeo haacute muita diferenccedila entre o acircmbito teoacuterico e praacutetico da eloquecircncia

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo caminham juntas

Passamos agora ao entendimento de retoacuterica segundo Aristoacuteteles que escreveu em seu livro Retoacuterica sobre os fins persuasivos desta arte e no livro Poeacutetica defende a evocaccedilatildeo imaginaacuteria para discursos poeacuteticos e literaacuterios Faz assim uma distinccedilatildeo fundamental entre o caraacuteter retoacuterico e o poeacutetico

Percebemos aqui uma severa criacutetica de Aristoacuteteles para os seus antecessores que mantinham unidas dimensotildees tatildeo distintas A novidade apresentada por Aristoacuteteles eacute a presenccedila do argumento loacutegico logo haacute uma relaccedilatildeo entre prova raciociacutenio silogismo e argumentaccedilatildeo persuasiva Este meacutetodo serve tanto agraves ciecircncias empiacutericas quanto agrave filosofia e aleacutem disso pode ser usado tambeacutem para interpretar textos

Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em sete partes 1) A distinccedilatildeo de duas categorias formais de persuasatildeo provas teacutecnicas e natildeo teacutecnicas 2) Identificaccedilatildeo de trecircs meios de prova [] a loacutegica do assunto o caraacuteter do orador e a emoccedilatildeo dos ouvintes 3) A distinccedilatildeo de trecircs espeacutecies de retoacuterica judicial deliberativa e epidiacutectica 4) A formulaccedilatildeo de duas categorias retoacutericas entimema prova dedutiva o exemplo usado na argumentaccedilatildeo indutiva [] 5) A concepccedilatildeo e o uso de vaacuterias categorias de toacutepicos na construccedilatildeo dos argumentos toacutepicos de cada gecircnero de discurso toacutepicos aplicaacuteveis a todos os gecircneros e toacutepicos de estrateacutegias de argumentaccedilatildeo 6) concepccedilatildeo de normas baacutesicas de estilo e composiccedilatildeo nomeadamente de clareza agrave compreensatildeo de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicaccedilatildeo do papel da metaacutefora 7) a classificaccedilatildeo e ordenaccedilatildeo das vaacuterias partes do discurso (ARISTOacuteTELES 2005 p 35)

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas

de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se

distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo

e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo

caminham juntas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A classificaccedilatildeo proposta por Aristoacuteteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades

A sistematizaccedilatildeo de regras do discurso observando ao mesmo tempo as interaccedilotildees necessaacuterias aos trecircs elementos envolvidos o orador o ouvinte e o objeto do discurso teve por finalidade dar consistecircncia a essa teacutecnica inserindo-a no campo das artes Esse era sem duacutevida o objetivo de Aristoacuteteles no seu tratado sobre a arte retoacuterica e a arte poeacutetica retirar das sombras essa parte da dialeacutetica ndash como o autor considerava a retoacuterica ndash neutralizando de certo modo algumas acusaccedilotildees como as de Platatildeo sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA 2012 p 7)

Se quisermos falar a um puacuteblico ou a um grupo seleto de pessoas devemos escolher o meacutetodo apropriado e o estilo conforme a classificaccedilatildeo aristoteacutelica indica Para o pensador grego retoacuterica e oratoacuteria se complementam mas satildeo distintas enquanto sua finalidade pois a retoacuterica serve para a boa formulaccedilatildeo de raciociacutenio e a oratoacuteria possui uma finalidade literaacuteria que implica na beleza do discurso

Atividades de Estudos

1) Leia o texto indicado a seguir e responda agraves questotildees

Artigo Retoacuterica e nova retoacuterica a tradiccedilatildeo grega e a teoria da argumentaccedilatildeo de Chaim Perelman Disponiacutevel em lthttpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfilesanexos25334-25336-1-PBpdfgt

a) O que eacute retoacuterica ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) Para que serve a retoacuterica ____________________________________________________

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) O que eacute oratoacuteria ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) Para que serve a oratoacuteria ____________________________________________________

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O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma caracteriacutestica humana que diferencia

pessoas de qualidade daquelas com outras aptidotildees A retoacuterica e a oratoacuteria ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem e por isso merecem a nossa atenccedilatildeo

Ao falar temos diferentes opccedilotildees para nos expressarmos podemos optar pelo cinismo pelo relativismo pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmaacutetica A escolha que fizermos implicaraacute em um modo de exposiccedilatildeo dos argumentos e justificaccedilatildeo das ideias e consequentemente em implicaccedilotildees morais

Conforme jaacute apontamos a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo possuem necessariamente um compromisso com a verdade pois satildeo uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem A transmissatildeo de uma mensagem atraveacutes de argumentos ou pela exposiccedilatildeo loacutegica de ideias pode levar em conta uma verdade por exemplo como ocorre com Platatildeo que tem em vista uma verdade uacuteltima que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias Por outro lado falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referecircncia agrave verdade conforme aponta Protaacutegoras Para este filoacutesofo grego a verdade eacute inatingiacutevel e por isso natildeo existe nada a ser transmitido neste sentido o que haacute eacute a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos

A verdade e a retoacuterica natildeo andam juntas o tempo todo agraves vezes elas se aproximam e agraves vezes elas se distanciam Neste sentido somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam

No acircmbito cotidiano a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante relaccedilatildeo com a verdade mas geralmente passam desapercebidas Quando estamos no trabalho

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ou em um conviacutevio social de lazer somos inquiridos e formulamos respostas nem percebemos que este exerciacutecio eacute o mesmo que em pequena escala um modo de fazer retoacuterica e oratoacuteria Por exemplo vocecirc quer convencer seu chefe de que um projeto seu eacute bom para a empresa vocecirc usaraacute argumentos retoacutericos e a forma como os apresentar seraacute a sua oratoacuteria

Eacute Aristoacuteteles quem define a retoacuterica com mais modeacutestia do que Platatildeo e os sofistas reabilitando assim uma visatildeo sistemaacutetica que se incorpora no mundo Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em quatro partes a primeira parte chamou de invenccedilatildeo a segunda denominou de disposiccedilatildeo agrave terceira parte deu o nome de elocuccedilatildeo e agrave quarta denominou de accedilatildeo Esta divisatildeo permaneceu vaacutelida ateacute nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes

bull A invenccedilatildeo do grego se chama de heureacutesis eacute o modo como o orador articula a persuasatildeo como o tema do discurso aspectos satildeo os meios de persuasatildeo presentes no tema que iratildeo contribuir para a organizaccedilatildeo do discurso

bull A disposiccedilatildeo em grego taxis eacute o modo como se organizam estes argumentos ou o plano interno do discurso Nesta parte haacute uma necessidade de organizaccedilatildeo para que possamos perceber a sequecircncia dos argumentos

bull A elocuccedilatildeo do grego lexiseacute o estilo do discurso Posteriormente alguns autores chamaram estas formas de expressatildeo de um discurso de figuras de estilo

bull Por fim a accedilatildeo do grego hypocrisis eacute a expressatildeo do discurso pela voz com gestos ou miacutemicas Lembramos que no periacuteodo romano acresceu-se a memoacuteria

Para o indiviacuteduo que deseja formular um bom discurso de retoacuterica e oratoacuteria lembramos que caso negligencie um destes elementos sua retoacuterica e oratoacuteria seraacute inaudiacutevel mal escrita ou vazia No cotidiano chamamos isso de opiniotildees de senso comum que satildeo desarticuladas e sem sentido

Quando falamos em verdade e retoacuterica devemos lembrar que para Aristoacuteteles a retoacuterica eacute parecida ou ao menos comparada com a dialeacutetica Usamos a definiccedilatildeo de dialeacutetica expressa no coro grego que canta uma estrofe e na sequecircncia ouve a antiacutestrofe (ARISTOacuteTELES 2005 p 36)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Eacute na contraposiccedilatildeo de verdades que a retoacuterica adquire sua utilidade segundo Aristoacuteteles A utilidade da retoacuterica se daacute justamente por causa da sua capacidade argumentativa Por isso um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate visto que temos que considerar as evidecircncias e os meios de persuasatildeo Para determinar a natureza da retoacuterica Aristoacuteteles afirma

[] a retoacuterica eacute a outra face da dialeacutetica pois ambas se ocupam de questotildees mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e natildeo correspondem a nenhuma ciecircncia em particular De fato todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento defender-se ou acusar (ARISTOacuteTELES 2005 p 89)

Assim as pessoas praticam a retoacuterica com o resultado do haacutebito no cotidiano

sem se dar conta do oacutebvio

Queremos esclarecer que aqui falamos da retoacuterica e da oratoacuteria como um meacutetodo para elaboraccedilatildeo estruturaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos mas algo que valorize a experiecircncia praacutetica do indiviacuteduo Segundo Aristoacuteteles

[] os que ateacute hoje compuseram tratados de retoacuterica ocuparam-se apenas de uma parte desta arte pois soacute os argumentos retoacutericos satildeo proacuteprios dela e todo o resto eacute acessoacuterio Eles poreacutem nada dizem dos entimemas que satildeo afinal o corpo da prova antes dedicam maior parte de seus tratados a questotildees exteriores ao assunto porque o ataque verbal a compaixatildeo a ira e outras paixotildees da alma semelhantes a estas natildeo afetam o assunto mas sim o juiz (ARISTOacuteTELES 2005 p 90)

Ao expor esta dificuldade Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para a necessidade

de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para por intermeacutedio da retoacuterica esclarecer os problemas de argumentaccedilatildeo retoacuterica pois verdade e justiccedila satildeo mais fortes que seus opostos

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protaacutegoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retoacuterica a um patamar superior queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retoacuterica e a oratoacuteria no seu cotidiano a saber devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou eacute mais pertinente a beleza de um discurso

Evidentemente que Aristoacuteteles responderia que devemos utilizar a retoacuterica em consonacircncia com a dialeacutetica para evitarmos a postura relativista Na praacutetica esta escolha metodoloacutegica implica que os indiviacuteduos devem conhecer aleacutem da estrutura gramatical e loacutegica de um argumento a finalidade o conteuacutedo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratoacuteria condizente

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo pretendemos esclarecer que dependendo da escolha que fizermos o bem falar e o bem argumentar teratildeo implicaccedilotildees que precisam ser conhecidas Se optarmos pela forma em detrimento do conteuacutedo de um argumento colocaremos em risco a transmissatildeo da verdade Por outro lado se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma teremos dificuldades em ser ouvidos devido agrave robustez e falta de polimento de uma argumentaccedilatildeo Eacute por isso que Aristoacuteteles ao dividir e organizar a retoacuterica defende um equiliacutebrio entre as partes pois sem este equiliacutebrio estaremos em algum exagero

Eacute sabido que no mundo contemporacircneo ocorrem diversos exageros no que se refere agrave retoacuterica e oratoacuteria praticadas em diferentes acircmbitos da sociedade Citamos como exemplo os poliacuteticos que utilizam vaacuterios tipos de sofismas argumentos falsos para poder convencer seus eleitores e posteriormente uma vez eleitos esquecer e ateacute desmentir o que prometeram Se pensarmos esta realidade no meio grego especialmente no periacuteodo de Aristoacuteteles teriacuteamos seacuterias dificuldades em considerar plausiacutevel tal atitude

De acordo com Aristoacuteteles argumentar persuasivamente eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para que os indiviacuteduos possam fazer bom uso da arte retoacuterica e por conseguinte se evite a imoralidade Devemos estar atentos para que ningueacutem argumente contra a justiccedila pois se algueacutem o fizer devemos estar atentos para refutar o indiviacuteduo Satildeo entimemas ou seja silogismos que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contraacuterios para permitir o bom uso da retoacuterica para Aristoacuteteles

Eacute neste ponto ou seja na contraposiccedilatildeo de ideias que retoacuterica e dialeacutetica se aproximam A retoacuterica eacute uacutetil aos indiviacuteduos porque permite esclarecer quais satildeo os meios de persuasatildeo utilizados em uma disputa logo a retoacuterica eacute a forma de descobrir o que eacute adequado para se persuadir em uma determinada situaccedilatildeo

Platatildeo tambeacutem se preocupou em demasia com a necessidade de uma definiccedilatildeo acabada do que viria a ser a retoacuterica e natildeo a encontrando clara (a natildeo ser pela sua associaccedilatildeo com a persuasatildeo) alimentou alguns preconceitos Em Aristoacuteteles por outro lado nota-se maior preocupaccedilatildeo em demarcar os limites e o alcance da arte retoacuterica na obra que leva esse mesmo nome ao estabelecer as bases para o uso e a compreensatildeo dessa arte Associando a retoacuterica a um saber praacutetico ou teacutecnica que se diferenciaria de muitas ciecircncias e mesmo de outras artes por natildeo se concentrar em algum objeto em si Aristoacuteteles

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

disse que a retoacuterica seria ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeo [] descobrir o que eacute proacuteprio para persuadir Por isso [] ela natildeo aplica suas regras a um gecircnero proacuteprio e determinadordquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 33) Para esse autor a retoacuterica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do puacuteblico (o uso das metaacuteforas por exemplo foi tratado formalmente nessa obra) Apontando para todo esse conjunto de regras explicitamente Aristoacuteteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em trecircs gecircneros o deliberativo o demonstrativo e o judiciaacuterio os quais teriam finalidades diferentes Assim sendo seriam variados os tipos de argumentos vaacutelidos para a conversaccedilatildeo e tambeacutem as reaccedilotildees esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes Nessa claacutessica obra de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica o autor apresentou uma longa discussatildeo destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese as ocasiotildees e os objetos que deveriam ser reunidos a forma de apresentaacute-los ao puacuteblico etc (VIEIRA 2012 p 6)

Nisto a retoacuterica difere das demais artes pois ela abrange todas as demais no que tange agrave instruccedilatildeo e agrave persuasatildeo Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasatildeo proacuteprias da retoacuterica Algumas estatildeo no caraacuteter do orador outras no ouvinte e por uacuteltimo temos aquelas presentes nos discursos Eacute importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasatildeo

bull A persuasatildeo pelo caraacuteter ocorre quando o orador eacute digno de feacute Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais Esse meio eacute o modo mais importante de persuasatildeo faz com que os indiviacuteduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito

bull Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido agrave emoccedilatildeo que sentem durante o mesmo Neste aspecto quando estamos sob efeito de emoccedilotildees temos mais facilidade em acreditar especialmente se o orador explorar as paixotildees do puacuteblico

bull Por uacuteltimo precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteuacutedo do discurso pois aquilo que estaacute sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos Parece que a retoacuterica eacute um ramo da dialeacutetica e que desaacutegua na poliacutetica entendendo esta uacuteltima como a busca pelo bem da polis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Para Aristoacuteteles ldquo[] a retoacuterica eacute uma parte da dialeacutetica e a ela se assemelha como dizemos no princiacutepio pois nenhuma das duas eacute ciecircncia de definiccedilatildeo de um assunto especiacutefico mas mera faculdade de proporcionar razotildees para os argumentosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 97)

Segundo Aristoacuteteles estruturar um argumento leva em conta a retoacuterica

porque eacute atraveacutes dela que se constituiraacute uma argumentaccedilatildeo detalhada e se faraacute o exame das provas Aristoacuteteles inaugurou um modelo de verificaccedilatildeo de argumento que vigorou na histoacuteria da filosofia ateacute o pensamento moderno Somente com Immanuel Kant eacute que se distinguiu prova de demonstraccedilatildeo Desde entatildeo sabemos que prova eacute algo rigoroso quando estamos argumentando enquanto que demonstraccedilatildeo eacute algo mais racional e sem verificaccedilatildeo empiacuterica

A retoacuterica eacute a ciecircncia da construccedilatildeo de bons argumentos enquanto a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo destes Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e natildeo somente em demonstraccedilotildees loacutegicas Mesmo sendo difiacutecil distinguirmos uma prova de uma demonstraccedilatildeo precisamos nos esforccedilar para que formulemos uma argumentaccedilatildeo convincente

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retoacuterica filosoacutefica um argumento deve ser curto e claro isto eacute deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenocircmenos possiacuteveis sem ambiguidades No acircmbito da linguagem humana expressar tais ideias nem sempre eacute faacutecil pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades

A tarefa de um bom orador eacute proporcionar uma clareza em sua exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere Ele pode fazer uso de ambiguidades mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos Assim se em Platatildeo convencer com bons argumentos era o objetivo da retoacuterica para os sofistas todo o resto acerca da verdade natildeo importa por isso devemos convencer a todo custo

Enquanto isso a retoacuterica em Aristoacuteteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificaccedilatildeo para uso dos acadecircmicos Jaacute em Roma os oradores como Secircneca por exemplo se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam

No processo de assimilaccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade notamos que Agostinho e posteriormente Tomaacutes de Aquino desenvolveram a exegese e a interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo as orientaccedilotildees das propostas da retoacuterica platocircnica e aristoteacutelica respectivamente

Apoacutes desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por um periacuteodo de dificuldades no iniacutecio da Modernidade e ganharam ares profissionais ficando em segundo plano

A tarefa de um bom orador eacute

proporcionar uma clareza em sua

exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retoacuterica precisamos retomar as propostas da Antiguidade visto que no seacuteculo XX a retoacuterica quase desapareceu do acircmbito do debate acadecircmico

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retoacuterica e oratoacuteria para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto

bull Primeiro entre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos e os sofistas a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram um caraacuteter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendecirc-las sem distinccedilatildeo exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas

bull Segundo para Platatildeo e Aristoacuteteles a retoacuterica e a oratoacuteria possuem caracteriacutesticas que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa praacutetica da justiccedila

bull Terceiro a retoacuterica e a oratoacuteria medieval possuem particularidades que natildeo podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium logo os autores deste periacuteodo utilizaram de modo genuiacuteno os elementos propostos por Platatildeo e Aristoacuteteles para fazer suas reflexotildees religiosas bem como para estruturar suas doutrinas

bull Quarto a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por periacuteodos de esquecimento na Modernidade ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influecircncia do marketing nos EUA apoacutes os anos de 1950

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didaacutetico para o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retoacutericas que encontramos no mundo contemporacircneo

Algumas ConsideraccedilotildeesEste capiacutetulo abordou a histoacuteria da retoacuterica e da oratoacuteria para distinguir

algumas caracteriacutesticas Deste modo argumentar bem natildeo significa enganar o interlocutor eacute antes de tudo saber escolher a estrateacutegia adequada como nos ensinam Platatildeo Soacutecrates Aristoacuteteles e os outros autores referidos no texto

Por isso cabe a vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher quais os

caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponiacuteveis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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LAUSBERG H Handbuch der literarischen Rhetorik Muumlnchen Max Huumlber 1960

MOSCA L L S Retoacutericas de Ontem e de Hoje Velhas e novas retoacutericas convergecircncias e desdobramentos Satildeo Paulo Humanitas FFLCHUSP 2001

PLATAtildeO Goacutergias ou a Retoacuterica Satildeo Paulo Difel 1970

PLATAtildeO Fedro Trad Carlos Alberto Nunes Beleacutem EDUFPA 2005

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

VIEIRA J G S A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso Curitiba 2012

WESTON A A arte de argumentar Lisboa Gradiva 1996

CAPIacuteTULO 2

A Retoacuterica e a Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apresentar as formas de se expressar

Conhecer os modos de formulaccedilatildeo de um argumento estrutura e modelo

Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos

Averiguar as diferentes formas de convencimento e construccedilatildeo de discursos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo destacamos a formulaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um argumento

Partimos da noccedilatildeo e conceituaccedilatildeo grega pois retoacuterica e oratoacuteria natildeo nasceram na modernidade e nos colocamos no caminho dos grandes saacutebios e pensadores que refletiram sobre o problema Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos

O Que eacute Argumentar BemA retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons

argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formaccedilatildeo dos modos de falar para tanto deve conhecer um pouco a formaccedilatildeo histoacuterica da retoacuterica no Ocidente Diferentemente do que muitos podem pensar a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo satildeo jovens e natildeo comeccedilaram ontem haacute um longo caminho para chegarmos agraves formas atuais de exposiccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos

Consideremos a possibilidade de construir uma retoacuterica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar O conhecimento da retoacuterica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre este tema de extrema importacircncia

A retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer

esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos

expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada

parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

A FORMACcedilAtildeO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETOacuteRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE ACcedilAtildeO NO PRINCIPADO

[] a retoacuterica soacute apareceu em Roma em sua forma latina por volta do seacuteculo I aC A primeira escola de retoacutericos latinos foi aberta em 93 aC por L Ploacutecio Galo um cliente de Caio Maacuterio sendo fechada no ano seguinte pelos cocircnsules Cneu Domiacutecio Ahenobarbo e Luacutecio Liciacutenio Crasso por ser considerada uma transgressatildeo aos costumes ancestrais Essa primeira iniciativa relevando as hostilidades poliacuteticas contra a sua intenccedilatildeo foi a primeira a propor um

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tipo ldquomodernordquo de retoacuterica oposto em certo grau agrave retoacuterica claacutessica das escolas gregas

Apesar de influenciada por fundamentos da retoacuterica grega a obra Retoacuterica dedicada a Herecircnio composta por um aluno desta escola reage contra a acumulaccedilatildeo de regras e defende um ensino aproximado da praacutetica e da vida Questotildees da poliacutetica contemporacircnea passam a ser incluiacutedas Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquecircncia soacute se elevasse novamente com Ciacutecero em finais do seacuteculo I aC momento no qual optimates e populares discutem no Senado

Deixando por um momento as condiccedilotildees do ensino da retoacuterica em Roma iremos falar do desenvolvimento da gramaacutetica antiga e de sua evoluccedilatildeo Se existe jaacute na Antiguidade uma reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo entre as palavras e as coisas desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem como Platatildeo em Craacutetilo tentaram realizar mediante uma anaacutelise das correlaccedilotildees possiacuteveis entre forma e sentido das palavras o encontro de uma forma supostamente ldquoverdadeirardquo o acerto entre o nome e a coisa representada

Jaacute por volta do seacuteculo II aC uma nova questatildeo entraraacute em pauta associada agraves perspectivas do primeiro debate Passou-se a discutir se havia ou natildeo uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanccedilas de significados das palavras ao longo do tempo O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade na analogia e anomalia

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idecircnticas terminaccedilotildees e semelhante estrutura prosoacutedica podendo ser autocomparaacuteveis enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse ldquonaturalrdquo A liacutengua para estes devido as suas raiacutezes deveria ser encarada tal qual era apresentada mesmo que parecesse irracional

A claacutessica definiccedilatildeo de gramaacutetica remonta a Dioniacutesio Traacutecio Representante da escola alexandrina este definiria a disciplina como o conhecimento praacutetico do uso linguiacutestico comum a poetas e prosadores A arte de escrever bem se tornaria mais tarde tambeacutem a arte de falar corretamente Agrave gramaacutetica caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legiacutetimos enquanto agrave retoacuterica caberia a atualizaccedilatildeo num discurso de determinados usos com vistas a tornaacute-lo eficiente e persuasivo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Retornando ao panorama latino sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramaacutetica Varatildeo de Reate propotildee o respeito ao latim padratildeo em detrimento do latim vulgar falado pelo populus na Repuacuteblica e no Principado Em sua obra de liacutengua latina ele propotildee a divisatildeo da gramaacutetica em morfologia sintaxe e etimologia que natildeo chegaram a ser aplicadas

Com Prisciano e Donato aplica-se um aprofundamento da sintaxe que em definiccedilatildeo seria ldquo[] assim como a palavra eacute a unidade miacutenima da estrutura da frase esta eacute a expressatildeo de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae oratio est ordinatio dictionum congrua sententiam perfectam demonstratus)rdquo Dentro do quadro da educaccedilatildeo aplicada ao cidadatildeo romano como foi dito um pouco acima no ensino superior trata-se em primeiro lugar do ensino da retoacuterica Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana vemos que o ensino da arte oratoacuteria eacute confiado a um mestre especializado o rhetor

Numa hierarquia de valores o rhetor ocupa um posto mais elevado em relaccedilatildeo aos seus colegas o magister ludi e o grammatici responsaacuteveis pelo ensino primaacuterio e secundaacuterio respectivamente Ensinando agrave sombra dos poacuterticos dos foros tinha a sua disposiccedilatildeo salas arranjadas como pequenos teatros abertas ao fundo dos poacuterticos O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domiacutenio da arte oratoacuteria a princiacutepio assegurada na teacutecnica tradicional o sistema complexo das regras procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas

Para Marrou natildeo haacute retoacuterica propriamente latina esta arte teria sido inventada elaborada e aperfeiccediloada pelos gregos O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulaacuterio dos gregos transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinocircnimo em latim A retoacuterica latina permanece durante todo o Impeacuterio em contato muito estreito com a retoacuterica grega

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar jamais desconheceram a forccedila poderosa e sedutora da palavra pois oradores satildeo conhecidos desde os primoacuterdios da histoacuteria de Roma Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde periacuteodos sem relatos as relaccedilotildees entre as duas civilizaccedilotildees comeccedilaram a ganhar forccedila a partir do seacuteculo III aC O domiacutenio poliacutetico de Roma sobre a Greacutecia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura hiacutebrida helenizada e de bilinguismo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Greacutecia e depois do helenismo

Uma clara verificaccedilatildeo disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas atraveacutes de homens cultos da aristocracia que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas O Ciacuterculo dos Cipiotildees cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo forneceu base teoacuterica grega ao ideal da virtus romana

Efetivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra) existe a probabilidade da noccedilatildeo de um ldquoser terrenordquo ligado a modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios incluindo o comportamento e a natureza dos homens Certos exemplos de Ciacutecero indicam tambeacutem outras variantes complementares deste termo

Quem poderaacute chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadatildeos como todo o gecircnero humano qualquer comunidade juriacutedica solidariedade humana (humanitas societas) A essas obras de arte natildeo as compreendia o famoso Cipiatildeo homem tatildeo instruiacutedo e culto (humanissimus) E tu que natildeo tens saber nem humanitas nem talento nem letras eacute que as compreende e avalias

Nestes extratos vemos que Ciacutecero emprega humanitas como termo de acumulaccedilatildeo de civilidade doutrina saber humanitas eacute aquilo que torna o homem profundamente homem e se perpetua mesmo com a expiraccedilatildeo do ser Humanitas torna o homem digno fazendo-o humanus e politus ajustando este conceito as suas gravitas auctoritas e dignitas atitudes de caraacuteter romano

Ferrenho opositor a essa assimilaccedilatildeo foi dentre muitos Marco Poacutercio Catatildeo cuja facccedilatildeo senatorial tentou impedir a invasatildeo maciccedila da cultura e costumes gregos que somada agraves mudanccedilas poliacuteticas inevitaacuteveis da expansatildeo imperialista poderia corroer as bases eacutetico-poliacuteticas do Estado romano e de seu regime autocraacutetico

A influecircncia de Catatildeo no seacuteculo II aC foi a uacuteltima defesa da sobrevivecircncia da retoacuterica nos moldes claacutessicos que eram caracterizados por uma linguagem agressiva robusta direta desprovida de ornamentos o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

De Catatildeo podemos extrair a maacutexima que define o caraacuteter do orador nos moldes da retoacuterica claacutessica ldquoVir bocircnus peritus dicendirdquo O homem nobre haacutebil no falar E tambeacutem diz respeito a uma visatildeo pragmaacutetica e de certa forma desintelectualizada do discurso uma genuiacutena retoacuterica romana Na passagem do seacuteculo II para o seacuteculo I aC dois oradores satildeo lembrados Marco Antocircnio e Luacutecio Liciacutenio Crasso Dois optimates que divergiam quanto agrave maneira de abordar a importacircncia da mateacuteria do discurso ou da teacutecnica de elocuccedilatildeo a persuasatildeo

Fonte Campos (2008 p 4-6)

Por isso conhecer estas divergecircncias expostas no texto entre retoacuterica e oratoacuteria permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele natildeo eacute o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos Conforme aponta Campos (2008) em seu artigo acadecircmico a retoacuterica romana assumiu muitos elementos da retoacuterica grega na questatildeo da estrutura e ao mesmo tempo assumiu caracteriacutesticas novas devido ao meio romano na qual estava imersa

Embora saibamos que a essecircncia da retoacuterica e da oratoacuteria natildeo se altera com o passar do tempo eacute importante entendermos que a forma estaacute sempre em desenvolvimento Este modo de exposiccedilatildeo das nossas ideias constitui a vida da oratoacuteria ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que estaacute sendo produzida

Este processo de desenvolvimento da retoacuterica mesmo em Roma (sec I aC sec I dC) natildeo foi tranquilo e sem problemas Segundo Silveira (2012) existiram muitas crises e dificuldades na formaccedilatildeo da oratoacuteria e da retoacuterica romanas

O crescimento da cidade de Roma sua organizaccedilatildeo e suas conquistas que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade natildeo foi algo que se deu da noite para o dia Seu crescimento enquanto Impeacuterio deu-se principalmente pela organizaccedilatildeo de seu comeacutercio suas instituiccedilotildees seu exeacutercito e sobretudo pelo corpo social forte e unido chamado Nobilitas (ALFOLDY 1975 p 59) Lembrando que a formaccedilatildeo do Impeacuterio Romano foi um longo processo podemos no entanto destacar trecircs fases que fizeram parte deste imperialismo Na primeira fase conhecida como ldquoGuerra de Defesardquo Roma natildeo promove ataques mas se defende daqueles que atraiacutedos pelo seu crescimento resolvem atacaacute-la Eacute importante destacarmos que ao se defender dos ataques e invasotildees Roma anexa as cidades vencidas a regiatildeo da ldquoSalinardquo a mais proacutexima foi a primeira regiatildeo conquistada Mais tarde em 273 aC teremos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a conquista das cidades da Magna-Greacutecia estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos Apoacutes ter conquistado toda a peniacutensula itaacutelica Roma daacute iniacutecio agrave conquista do Impeacuterio Cartaginecircs o qual possuiacutea a hegemonia da regiatildeo da Siciacutelia Esta fase eacute conhecida como Guerra de expansatildeo hegemocircnica ou ldquoGuerras Puacutenicasrdquo esta culminaraacute com a destruiccedilatildeo da cidade de Cartago no norte da Aacutefrica Quanto agrave terceira fase esta tem iniacutecio em 133 aC quando financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos Roma inicia a chamada ldquoGuerra de Expansatildeo Econocircmicardquo passando assim de Cidade-Estado a Cosmo-Poacutelis dominando todo o mundo conhecido Eacute importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido devido ao seu poder que foi aumentado bem como seu aparelho militar o qual se encontrava mais organizado e poderoso contando com generais de renome vistos muitas vezes como deuses Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos derivado de suas conquistas esta conhece um periacuteodo de inflaccedilotildees seu custo de vida eacute aumentado o que iraacute gerar mudanccedilas nas formas de produccedilatildeo (SILVEIRA 2012 p 2-3)

Estes caminhos antigos da retoacuterica e da oratoacuteria nos permitem entender

como podemos convencer algueacutem sobre as mensagens que queremos passar em uma eacutepoca como a atual A dinacircmica das relaccedilotildees de trabalho no mundo contemporacircneo se modifica rapidamente mas os elementos substanciais dos oradores antigos satildeo os mesmos ateacute hoje

A moral de orador a sua eloquecircncia a credibilidade etc nada disso pode ser

dispensado em um mundo como o nosso E vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem percebemos que elas destacam algumas caracteriacutesticas que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos

Assim saiba que vocecirc soacute conseguiraacute convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar Fica evidente que a credibilidade eacute um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicaccedilatildeo Por isso eacute importante saber quais os requisitos para conquistar a confianccedila das pessoas construir sua reputaccedilatildeo como orador que inspire respeito credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistecircncias Para que vocecirc conquiste credibilidade falando dentro ou fora dos parlatoacuterios precisaraacute de pelo menos seis requisitos fundamentais Naturalidade a mais importante qualidade da oratoacuteria Natildeo existe teacutecnica em comunicaccedilatildeo ndash por mais elaborada que seja ndash mais relevante que a naturalidade Vocecirc precisa ser um orador natural e espontacircneo Agora veja ser natural no entanto natildeo significa por exemplo levar para o auditoacuterio os erros e as negligecircncias da comunicaccedilatildeo deficiente como a pronuacutencia incorreta das palavras Emoccedilatildeo e envolvimento aleacutem da naturalidade vocecirc precisa falar com disposiccedilatildeo com energia com envolvimento com emoccedilatildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Como convenceraacute o puacuteblico se nem mesmo vocecirc mostrar interesse no que diz Revele sua emoccedilatildeo no entusiasmo com que abraccedila o seu discurso Gerry Spence advogado americano que em mais de 40 anos nunca perdeu uma uacutenica causa criminal diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte ldquoConcentradas em seus sentimentos as pessoas que estatildeo dizendo a verdade falam com o coraccedilatildeo que eacute incapaz de compor precisamente o raciociacutenio linear de um ceacuterebro laborioso E ao ouvir o que eacute expresso pelo coraccedilatildeo o ouvinte tambeacutem eacute levado a ouvir com o coraccedilatildeordquo Imagem bem construiacuteda na poliacutetica pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construccedilatildeo da imagem do poliacutetico perante a sociedade O orador por sua vez deve estar ciente de que independentemente de marqueteiros ele tem que gerenciar seu proacuteprio marketing pessoal construindo e preservando a boa imagem ancorada na honestidade na justiccedila no respeito na honra na eacutetica bem como em todos os bons valores sociais e individuais Conhecimento e autoridade sobre o assunto a sua credibilidade como orador estaacute intimamente relacionada ao conhecimento que vocecirc demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa Empenhe-se para ter muito mais informaccedilotildees do que aquelas que vocecirc necessitaraacute em sua exposiccedilatildeo Leia estude pesquise se possiacutevel entreviste outras pessoas mais experientes que jaacute tratam do tema de sua exposiccedilatildeo Prepare-se com antecedecircncia e durante o maior tempo possiacutevel sobre a ideia que iraacute defender em seu discurso Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentaccedilatildeo Ensaie todos os detalhes teste os equipamentos que pretende utilizar enfim natildeo deixe nada ao acaso Confianccedila a confianccedila em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo De acordo com Lena Souza (2011) ldquoa fisiologia do medo eacute caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer as pernas tremerem as matildeos suarem o coraccedilatildeo bater mais forte etcrdquo E diz ainda que ldquoningueacutem perde o medo e sim o vence E o medo eacute como o sal na dose certa ele nos eacute muito importante inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do oradorrdquo (SILVA 2012 p 8-9)

Estas indicaccedilotildees natildeo satildeo prontas a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica

na verdade satildeo indicaccedilotildees para que vocecirc possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem tambeacutem satildeo Lembre-se ningueacutem nasceu com todos os conhecimentos se vocecirc quiser melhorar deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades

Antes de entrarmos na definiccedilatildeo de retoacuterica e oratoacuteria queremos esclarecer uma questatildeo fundamental ao estudante Na academia natildeo podemos simplesmente emitir opiniotildees pois conforme ensina Platatildeo a doxa opiniatildeo natildeo eacute o conhecimento ela eacute o ponto de partida de uma tentativa de conhecer Portanto doxa opiniatildeo natildeo eacute conhecimento episteme Conhecimento eacute o resultado de uma reflexatildeo racional que em filosofia sempre pode ser repensado de forma minuciosa e profunda (Platatildeo) O conhecimento eacute algo minimamente seguro para

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Oratoacuteria e Retoacuterica

se dizer que temos um conceito Sem um conceito natildeo podemos fazer academia Deste modo propomos a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica um pequeno exerciacutecio que pode contribuir no entendimento deste problema

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacutegina 77 a 79 e identifique de acordo com o texto quando opiniatildeo eacute diferente de conhecimento e explique o que vocecirc entendeu sobre este problema Como se entende o papel da retoacuterica

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Agora que vocecirc jaacute sabe que o conhecimento acadecircmico natildeo eacute uma mera opiniatildeo de qualquer pessoa passamos ao entendimento da arte retoacuterica e da oratoacuteria como formas de compreensatildeo da expressatildeo do intelecto humano de maneira mais clara e distinta

Neste sentido um estudo aprofundado sobre a retoacuterica eacute importante para desenvolver uma maneira de argumentaccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos De acordo com Platatildeo a retoacuterica serve basicamente para o convencimento e para a persuasatildeo dos interlocutores Para sofistas como Isoacutecrates e Protaacutegoras a retoacuterica serve para produzir uma boa reflexatildeo um modo de defender uma hipoacutetese sem se preocupar com a verdade No caso de Aristoacuteteles a retoacuterica serve para uma forma mais praacutetica e se aproxima da dialeacutetica oposiccedilatildeo de conceitos para produzir um debate

Ao pensarmos a retoacuterica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta atraveacutes de seu discurso levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas nos deparamos com uma praacutetica tatildeo antiga quanto difiacutecil de estabelecer o seu iniacutecio na humanidade A retoacuterica natildeo eacute um privileacutegio reservado aos povos antigos e nos dias de hoje ela continua envidada na poliacutetica nas campanhas publicitaacuterias em mensagens midiaacuteticas no comeacutercio e em tantas outras relaccedilotildees que nos circundam Eacute nesse sentido que Halliday (1990 p 26) professora de

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Comunicaccedilatildeo Puacuteblica que realizou pesquisas sobre a retoacuterica afirma que todos noacutes agimos retoricamente partindo do princiacutepio de que isso significa ldquo[] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendamrdquo Essa autora tambeacutem tem em vista que cada indiviacuteduo pode fazer uso da persuasatildeo para convencer a si proacuteprio sobre alguma ideia haja vista que ldquoa consciecircncia eacute o primeiro puacuteblicordquo e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte Embora a praacutetica persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas o estudo dessa arte recebeu significativa atenccedilatildeo de antigos filoacutesofos gregos entre os quais destacamos Aristoacuteteles (384 ndash 322 aC) pensador que escreveu a obra Retoacuterica sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho Aristoacuteteles viveu em uma eacutepoca de fortes transformaccedilotildees e agitaccedilotildees sociais na antiga Greacutecia O ceticismo se expandia com cada indiviacuteduo querendo viver para os seus proacuteprios negoacutecios e principalmente em Atenas uma cidade que servira como referecircncia intelectual e poliacutetica havia uma carecircncia do espiacuterito coletivo assim como de orientaccedilotildees que conquistassem a confianccedila dos cidadatildeos para guiaacute-los no campo discursivo da verossimilhanccedila Diante de uma sociedade ameaccedilada por posturas egoiacutestas e confusas e do risco da desarticulaccedilatildeo extrema das inter-relaccedilotildees sociais o filoacutesofo de Estagira percebeu a importacircncia de ordenar a construccedilatildeo dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (juriacutedicos fuacutenebres deliberativos etc) A arte retoacuterica ganha com Aristoacuteteles o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que eacute capaz de gerar a persuasatildeo o exame acurado das formas que compotildeem o discurso (ou rethoacuten) levando em conta cada situaccedilatildeo social de acordo com o momento o ambiente a cultura e as pessoas envolvidas Diante dessa concepccedilatildeo aristoteacutelica a presente investigaccedilatildeo procura responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel identificar conexotildees entre a Retoacuterica de Aristoacuteteles e o que este filoacutesofo idealiza para o exerciacutecio das inter-relaccedilotildees sociais na poacutelis grega Adiantamos nesse momento que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA 2011 p 14-15)

Logo definimos de acordo com Reboul (2004) a retoacuterica como a arte de

construir bem um argumento e a oratoacuteria como a arte de expor com qualidade e teacutecnica este argumento

Isso significa que a construccedilatildeo da arte retoacuterica envolve tanto o convencimento por intermeacutedio do texto escrito quanto pelo convencimento oral Por ter estas diferentes dimensotildees eacute que se costuma separar retoacuterica de oratoacuteria Retoacuterica escrita e elaborada metodicamente e oratoacuteria oral com uma conotaccedilatildeo mais apaixonada

O termo arte techneacute em grego eacute visto por Reboul (2004 p XVI) como detentor de uma ambiguidade sendo ldquoateacute duplamente ambiacuteguordquo O autor ressalta que o termo faz referecircncia tanto a uma habilidade espontacircnea quanto ao que eacute adquirido por meio do ensino Ora traduz o sentido de uma simples teacutecnica ora ao contraacuterio ldquo[] o que na criaccedilatildeo ultrapassa a teacutecnica e pertence

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Oratoacuteria e Retoacuterica

somente ao lsquogecircniorsquo do criador Em qual ou em quais desses sentidos se estaacute pensando quando se diz que a retoacuterica eacute uma arte Em todosrdquo Cabe aqui perguntarmos qual eacute o sentido de techneacute concebido por Aristoacuteteles Para este filoacutesofo a techneacute eacute um saber fazer bem feito o que se faz seja na construccedilatildeo de um artefato ou de um discurso um fazer com arte cujo sentido eacute o de produzir tecnicamente bem com habilidade o que o indiviacuteduo se propotildee a produzir Isto fica claro na Eacutetica a Nicocircmaco (ARISTOacuteTELES VI 5 1140b) assim como o caraacuteter imitativo da arte frente agrave natureza Poreacutem tal imitaccedilatildeo natildeo significa copiar pois na visatildeo aristoteacutelica a imitaccedilatildeo artiacutestica metamorfoseia reproduzindo como nos lembra Stirn (1999 p 65) em sua obra Compreender Aristoacuteteles Sendo assim o artista natildeo estaacute limitado a copiar mecanicamente o que vecirc havendo uma abertura para a transformaccedilatildeo e a criatividade Isso tambeacutem ocorre na proposta aristoteacutelica de Retoacuterica Ao defini-la como ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo Aristoacuteteles (Ret I II 1) natildeo exclui o caraacuteter de a retoacuterica ser uma arte mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte Pois logo em seguida ele acrescenta ldquoNenhuma outra arte possui esta funccedilatildeo porque as demais artes tecircm sobre o objeto que lhes eacute proacuteprio a possibilidade de instruir e de persuadirrdquo Com isso deixa impliacutecito que a retoacuterica tambeacutem eacute uma arte entre as demais por ele observadas Na Retoacuterica embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral preacute-organizada natildeo eacute raro ele se deparar com aspectos imprevisiacuteveis da vida praacutetica e do mundo das opiniotildees Frente a estes o Estagirita situa a arte retoacuterica tambeacutem como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais) e de possivelmente transformar (ou manter) situaccedilotildees praacuteticas a partir do discurso persuasivo Eacute aqui que a ideia aristoteacutelica de thechneacute nos permite uma aproximaccedilatildeo do sentido de ldquorsquogecircniorsquo criadorrdquo citado por Reboul A arte retoacuterica requer (do retor) conhecimento e criatividade pois natildeo basta copiar e decorar foacutermulas quando a vida praacutetica tem sua margem de misteacuterio e de imprevisibilidade fatores estes que exigem mais do que a mera coacutepia de um modelo de discurso Afinal pela retoacuterica aristoteacutelica aquele que discursa busca persuadir o ouvinte e natildeo necessariamente copiar para persuadir (LIMA 2011 p 24-25)

Neste sentido o modo de construccedilatildeo de uma argumentaccedilatildeo estaacute diretamente

relacionado ao modelo de expressatildeo de cada indiviacuteduo que se propotildee a um discurso puacuteblico Natildeo basta como afirma Lima (2011) copiar foacutermulas para construir discursos eacute preciso construir um modo de escrever e falar Ao citar Reboul Lima (2011) esclarece que para explicar a questatildeo da persuasatildeo precisamos dois cenaacuterios

Reboul (2004 p XV) ao procurar esclarecer o sentido de persuasatildeo utiliza dois exemplos satildeo eles ldquo1) Pedro persuadiu-me de que sua causa era justa 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causardquo Vejamos a distinccedilatildeo feita pelo autor (id ibid p XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasatildeo [] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa natildeo se sabendo se acredito nela ou natildeo A nosso ver a persuasatildeo retoacuterica consiste em (1) sem redundar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

necessariamente no levar a fazer (2) Diferentemente de Reboul Perelmam (2004 p 58) filoacutesofo do direito cujos estudos de retoacuterica recebem fortes influecircncias aristoteacutelicas destaca a accedilatildeo (o fazer) como sendo essencial agrave persuasatildeo Para quem se preocupa sobretudo com o resultado persuadir eacute mais do que convencer a persuasatildeo acrescentaria agrave convicccedilatildeo a forccedila necessaacuteria que eacute a uacutenica que conduziraacute agrave accedilatildeo Abramos a enciclopeacutedia espanhola Dir-nos-atildeo que convencer eacute apenas a primeira fase ndash o essencial eacute persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicccedilatildeo que lhe foi comunicada Por outro lado Reboul (2004 p XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente ldquopersuadirrdquo de ldquoconvencerrdquo afirmando que tal distinccedilatildeo se fundamenta numa filosofia ndash ou mesmo ideologia ndash exageradamente dualista ldquo[] visto que opotildee no homem o ser de crenccedila e sentimento ao ser de inteligecircncia e razatildeo e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro ou mesmo contra o primeirordquo Entretanto vale observar que Perelman natildeo joga o ser de razatildeo contra o ser de sentimento e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro ele apenas potildee o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo Por tal caracteriacutestica (entre outras) as ideias de Perelman estatildeo em afinidade com a Retoacuterica aristoteacutelica como jaacute percebera Guimaratildees (2004 p 145) em seu artigo Figuras de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo ldquoAssim modernamente a obra de C Perelman autor belga diligencia reabilitar uma teoria da argumentaccedilatildeo que reencontre a tradiccedilatildeo aristoteacutelicardquo (LIMA 2011 p 30-31)

Para entendermos essa dinacircmica de formaccedilatildeo de um modo proacuteprio de

expressatildeo de nossas ideias atraveacutes de argumentos propomos um exerciacutecio de entendimento do desenvolvimento da retoacuterica antiga Sabemos que para convencermos algueacutem temos que usar de eloquecircncia precisamos ser convincentes Entre os gregos a retoacuterica e a oratoacuteria ganharam forccedila quando se desenvolveram teacutecnicas de argumentaccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de discursos

Atividade de Estudos

1) Sabemos que a retoacuterica surge entre os gregos antigos Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacuteginas 5 a 8 e explique o que vocecirc entende dessa leitura proposta

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ora o modo de eloquecircncia se relacionava diretamente com a honestidade com o compromisso com a verdadeira filosofia Evidentemente que na histoacuteria posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e natildeo o conteuacutedo do discurso Nos regimes democraacuteticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna pois sem a retoacuterica sofiacutestica a democracia natildeo se sustentaria Eacute a rejeiccedilatildeo da

verdade na antiguidade que transformou a retoacuterica em modo sagaz de convencimento Neste sentido podemos falar em um triunfo dos sofistas em relaccedilatildeo a Platatildeo uma vez que para o autor dos Diaacutelogos platocircnicos a retoacuterica e a verdade se mantinham unidas

Essa separaccedilatildeo entre retoacuterica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisatildeo fundamental Eacute Maquiavel que constatou que poliacutetica e eacutetica natildeo pertenciam mais ao mesmo espectro Deste modo a retoacuterica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasatildeo sem compromisso com a verdade

A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere Observamos isso no diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental Segundo devemos estar atentos agrave forma do discurso Se for uma forma de explanaccedilatildeo ao puacuteblico em geral ou se eacute um discurso particular E terceiro a quem se dirige o discurso se eacute uma plateia que possui um repertoacuterio amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso Esse entendimento permite ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estatildeo diretamente articulados

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttprepositorioulptbitstream10451184573ulfl183093_tm_3pdfgt paacuteginas 3 a 5 e responda Como vocecirc entende esse desenvolvimento da retoacuterica

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A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos

fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso

articular bem a verdade com o discurso que se

profere Segundo devemos estar

atentos agrave forma do discurso

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como

montar um discurso e qual a finalidade de um discurso

Esse entendimento permite ao

estudante de oratoacuteria e retoacuterica

desenvolver o entendimento

de que pensar e falar bem estatildeo

diretamente articulados

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Quando estamos diante de um texto religioso por exemplo devemos estar atentos ao processo hermenecircutico ou seja de interpretaccedilatildeo para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido Eacute por isso que para se desenvolver uma boa oratoacuteria e uma boa retoacuterica o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto Eacute condiccedilatildeo preacutevia para se montar um bom discurso saber interpretar um texto dominar a liacutengua em que se escreve e fundamentar bem suas posiccedilotildees nos autores escolhidos

Deste modo argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto conforme aponta Descartes em seu discurso do Meacutetodo pois algo confuso e misturado natildeo pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possiacutevel pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser visto que a oratoacuteria e a retoacuterica natildeo visam somente ao convencimento dos outros Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida visto que vivemos em um mundo plural Ningueacutem precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relaccedilatildeo aos argumentos enunciados

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior podemos utilizar alguns artifiacutecios retoacutericos que nos ajudam a convencer os interlocutores Esses artifiacutecios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade Conforme defende o sofista Goacutergias no diaacutelogo platocircnico eacute o orador que escolhe como e de que modo quer convencer Evidentemente que Platatildeo por ter um compromisso maior com a verdade natildeo concorda com isso Por isso falamos no iniacutecio deste capiacutetulo que depende do compromisso com a verdade que noacutes temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento eacute de fato verdadeiro e bem exposto

Uma boa exposiccedilatildeo de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes Deste modo cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequecircncias de suas afirmaccedilotildees Lembremos tambeacutem que de acordo com Reboul (2004) o estilo de discurso deve estar em consonacircncia com o orador e o puacuteblico a que se expotildee os argumentos

Logo a arte de falar bem natildeo eacute exata como as pessoas que natildeo estudam a aacuterea pensam emitindo opiniotildees vazias Devemos evitar generalidades ensina o grande retoacuterico antigo Aristoacuteteles em seu texto chamado posteriormente de Metafiacutesica pois elas produzem efeitos contraditoacuterios e enganosos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Desta maneira falar bem eacute consequecircncia direta da boa construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Se bem formularmos um argumento poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir

Neste sentido falar bem eacute aprender a pensar bem escrever bem e expor bem um determinado argumento Se natildeo formos capazes de explicar um argumento natildeo podemos dizer que falamos bem pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que noacutes queremos passar

A Construccedilatildeo do ArgumentoA construccedilatildeo de um argumento se processa de maneira muito

detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que queremos

Inicialmente para se fazer e expor um bom argumento eacute preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposiccedilatildeo deste Depois precisamos escolher o modo como se faraacute esta exposiccedilatildeo Eacute claro que supomos

uma determinada mensagem que jaacute foi escolhida para ser transmitida Logo para se construir um bom argumento eacute preciso ter um assunto a ser transmitido um estilo de exposiccedilatildeo um modo pelo qual o orador iraacute se manifestar e um plano loacutegico para executar todo o processo de transmissatildeo da mensagem

Como podemos escolher um tema para expor Ora se estamos interessados em apresentar um argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos expor Se existe esta motivaccedilatildeo interior ela deve ser elaborada pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero Eacute neste momento que a retoacuterica e a oratoacuteria podem ajudar vocecirc a se manifestar de maneira clara e eloquente

Para construir um argumento segundo Platatildeo precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor Se soubermos por exemplo um determinado argumento e dominamos suas variaccedilotildees estamos aptos a expocirc-lo

Com efeito o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo Se dominamos por exemplo o argumento da lei da gravidade ou seja todos os objetos sobre a superfiacutecie da Terra caem agrave mesma velocidade devido

Desta maneira falar bem eacute

consequecircncia direta da boa construccedilatildeo

e exposiccedilatildeo de argumentos Se

bem formularmos um argumento

poderemos apresentar bem

a mensagem que queremos transmitir

A construccedilatildeo de um argumento se

processa de maneira muito detalhada e

existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que

queremos

Ora se estamos interessados em apresentar um

argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos

expor

Com efeito o conhecimento de um determinado

argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo

Se dominamos por exemplo o

argumento da lei da gravidade

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

agrave lei da gravidade podemos explicar isso aos outros bem como suas variaccedilotildees Agora se temos duacutevidas e natildeo sabemos qual eacute a lei da gravidade universal natildeo conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento Deste modo devemos antes de tudo averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade Conforme ensina Soacutecrates referido por Luz (2010 p 49-50)

[] em vez de censurar o que eacute preciso eacute desculpar os que por desconhecimento da dialeacutetica natildeo estatildeo em condiccedilotildees de definir o que seja retoacuterica Com toda sua ignoracircncia por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos pensam que descobriram a retoacuterica e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noccedilotildees estatildeo convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar A dialeacutetica eacute o caminho da alma para que se possa alcanccedilar a beleza e a justiccedila base para todo ensino verdadeiramente filosoacutefico ndash conhecimento da alma e amor agrave verdade na busca dos princiacutepios eternos Ao passar por todas estas definiccedilotildees ambicionadas a colocar a retoacuterica a serviccedilo do conhecimento filosoacutefico e verdadeiro Platatildeo ndash utilizando-se do discurso socraacutetico ndash parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemoloacutegico e eacutetico opondo-se aos oradores de sua eacutepoca A retoacuterica portanto depende da dialeacutetica que por se esforccedilar em atingir o verdadeiro depende do verossiacutemil procurado por ela que depende ldquodiretamenterdquo de valores que satildeo da ordem do inteligiacutevel (levando em consideraccedilatildeo que o homem natildeo eacute a medida de todas as coisas) Ao longo de suas obras Platatildeo define a retoacuterica sofista como um longo discurso contiacutenuo que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vaacuterios procedimentos que se sustentam uns aos outros fazendo com que o retoacuterico impressione pelo conjunto da obra mais do que pela solidez de cada argumento explicitado Entretanto quando em vista do meacutetodo dialeacutetico cada raciociacutenio se desenvolve pouco a pouco sendo cada passo testado e confirmado pela concordacircncia do interlocutor soacute havendo uma passagem para a ldquotese seguinterdquo para uma segunda argumentaccedilatildeo quando a primeira for apreendida corretamente quando a adesatildeo daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentaccedilatildeo No caso do diaacutelogo eriacutestico haacute uma preocupaccedilatildeo uacutenica em se vencer o adversaacuterio o que implicaria numa total indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave verdade Tal retoacuterico eacute motivado pelo desejo de vencer de deixar o interlocutor embaraccedilado fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado e natildeo a verdade triunfe Predigo-te que este jovem seja qual for a sua resposta seraacute obrigado a contradizer-se O diaacutelogo criacutetico caracteriacutestica eminente do discurso socraacutetico o interlocutor trata-se de testar uma tese na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentaccedilotildees formuladas por ele A coerecircncia interna do discurso eacute que fornece o criteacuterio para investigaccedilatildeo ou ainda interrogaccedilatildeo criacutetica que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa Quando o diaacutelogo deixa de ser criacutetico para adentrar no caraacuteter verdadeiramente filosoacutefico ndash adquirindo um interesse construtivo para aleacutem da coerecircncia interna do discurso ndash os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antematildeo foi considerado dialeticamente verdadeiro O diaacutelogo filosoacutefico eacute impreterivelmente dialeacutetico eacute ele que determina

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as caracteriacutesticas do meacutetodo dialeacutetico ndash ldquonele a concordacircncia dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentaccedilatildeo natildeo porque se trataria de um concurso de duas opiniotildees divergentes mas porque essa concordacircncia seria a expressatildeo de uma adesatildeo generalizada agraves preposiccedilotildees em questatildeordquo O meacutetodo dialeacutetico eacute o meacutetodo de toda filosofia que pretende dar conta das consideraccedilotildees inesgotaacuteveis do saber filosoacutefico

Ora embora a retoacuterica e a dialeacutetica sejam distintas haacute uma relaccedilatildeo que

permite ao orador formular argumentos retoacutericos para ser um bom debatedor Neste sentido a retoacuterica eacute um modo para se buscar a verdade

Quando falamos de leis da fiacutesica parece um tanto mais distinto e direto agora quando falamos de argumentos filosoacuteficos e teoloacutegicos a situaccedilatildeo eacute um pouco mais complicada Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenecircutica ou seja a interpretaccedilatildeo de textos o argumento muitas vezes eacute confundido com a interpretaccedilatildeo

Cabe a vocecirc estudante de retoacuterica e oratoacuteria distinguir um argumento de uma interpretaccedilatildeo Um argumento eacute sempre a exposiccedilatildeo loacutegica de uma ideia por exemplo ldquoDeus eacute o ser do qual natildeo podemos pensar nada maiorrdquo (ANSELMO 1991) e a interpretaccedilatildeo que vocecirc faz dessa frase do pensador Anselmo

Este argumento eacute chamado de argumento ontoloacutegico pois independentemente do lugar onde se aplique Deus sempre seraacute para Santo Anselmo o maior de todos os seres que podem ser pensados

Satildeo vaacuterias as formas como vocecirc entende este argumento E mesmo sendo loacutegico e formalmente irrefutaacutevel vocecirc pode ignoraacute-lo logo a interpretaccedilatildeo eacute sempre um movimento subjetivo e introspectivo Mesmo com meacutetodo determinado e um argumento eacute a mensagem loacutegica que se passa por intermeacutedio da linguagem

Os Gecircneros do DiscursoUm gecircnero de discurso eacute antes de tudo a opccedilatildeo que o orador faz para expor

seu argumento e seu modo de pensar O pensar pode ser exposto de diferentes modos podemos fazer textos construir esculturas montar peccedilas de teatro pintar quadros fazer gestos e muito mais

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Aristoacuteteles nos fornece uma classificaccedilatildeo dos gecircneros retoacutericos que praticamente natildeo mudou em mais de dois mil anos De acordo com Lima (2011) ao citar Artistoacuteteles

Aristoacuteteles (Ret I III 11) uma vez tendo considerado que cada gecircnero retoacuterico ndash deliberativo judiciaacuterio e epidiacutetico - deve ser baseado numa demonstraccedilatildeo (eacutentechnos) tem em vista que a retoacuterica deve se desenvolver a partir do meacutetodo das evidecircncias e sendo a demonstraccedilatildeo uma evidecircncia afirma ldquopois que a nossa confianccedila eacute tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstraccedilatildeordquo A evidecircncia retoacuterica conforme Aristoacuteteles eacute caracterizada pela aplicaccedilatildeo do entimema ou seja pelo uso de um raciociacutenio que natildeo tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo mas que busca ser evidente O silogismo deriva de premissas loacutegicas enquanto o entimema tem origem nas premissas retoacutericas (LIMA 2011 p 48)

Na retoacuterica e na oratoacuteria se configuram gecircneros de um discurso as maneiras

que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos Platatildeo e Aristoacuteteles fizeram uma classificaccedilatildeo dos gecircneros de um discurso conforme apontamos no capiacutetulo primeiro do texto

O Tratado do Amor de Liacutesias comeccedila pelo fim pela conclusatildeo a que o orador chegou e pretende que todos cheguem ndash como o amante deve se portar com seu amado ndash fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam ldquonuma grande emburrilhadardquo A criacutetica socraacutetica consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas Enfatiza que a carta estaacute calcada nos saberes natildeo filosoacuteficos sendo uma peccedila bem trabalhada mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes ndash poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso Segundo Soacutecrates esta deveria ser constituiacuteda por um todo artisticamente considerado no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto [] todo discurso precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo A fim de natildeo mais aborrecer Fedro atraveacutes da criacutetica ferrenha agrave construccedilatildeo do discurso de seu adorado Liacutesias o diaacutelogo socraacutetico passa agrave anaacutelise da arte da eloquecircncia tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relaccedilatildeo entre amado e amante ndash em que ldquoum pretende que soacute deve ceder agraves instacircncias

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do indiviacuteduo que ama e o outro agraves de quem natildeo revele amorrdquo (265 a) ndash se contradizem reciprocamente fazendo com que Soacutecrates retomasse a ideia das Manias Divinas e principalmente aquela referida ao amor

Fonte Luz (2010 p 47)

Para retomarmos agrave discussatildeo lembramos ao estudante de retoacuterica e oratoacuteria estes gecircneros de discurso Em Platatildeo haacute um compromisso com as premissas e com a verdade Haacute uma divisatildeo entre verdade e forma de um discurso

Platatildeo por sua vez pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essecircncia e o valor de verdade da retoacuterica (dita como tal) instituiacuteda pelos sofistas O filoacutesofo afirmava ainda que a retoacuterica deveria ser considerada segundo razotildees de todo anaacutelogas agravequelas pelas quais a arte deve ser condenada A retoacuterica eacute a contrafaccedilatildeo da verdade Tal como a arte tem a pretensatildeo de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento imitando puramente as suas aparecircncias a retoacuterica atraveacutes do meacutetodo persuasivo pretende convencer o homem acerca de tudo sem ter conhecimento algum A retoacuterica cria crenccedilas ilusoacuterias O retoacuterico eacute aquele que devido a sua habilidade persuasiva joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparecircncias da verdade em verossimilhanccedilas e natildeo na verdade em si mesma Tanto quanto acontece na arte a retoacuterica se dirige agrave pior parte da alma agravequela que eacute creacutedula e instaacutevel suscetiacutevel de emoccedilatildeo e sensiacutevel ao prazer Pode-se dizer que o retoacuterico lida com o falso para aleacutem do artista tendo em vista que esse uacuteltimo ao menos representa as aparecircncias do verdadeiro enquanto que o retoacuterico tem a maliacutecia do conhecimento calcado num falso saber A filosofia dialeacutetica deve corromper e substituir a retoacuterica no que diz respeito ao seu caraacuteter de verdade No Fedro Platatildeo explicita que na arte dos discursos enquanto retoacuterica eacute reconhecido um direito agrave existecircncia entretanto sob a condiccedilatildeo de que se submeta agrave verdade e por conseguinte agrave filosofia E para alcanccedilar a verdade pela qual a retoacuterica teria de se submeter se faz necessaacuteria a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialeacutetica ndash ldquoseja no seu momento ascendente que leva do muacuteltiplo ao uno seja no seu momento descendente e diaireacutetico que ensina a dividir as Ideias segundo as articulaccedilotildees que lhe satildeo proacutepriasrdquo e conhecer a alma visto que a arte da persuasatildeo se dirige necessariamente agrave alma Soacute se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos conhecendo a natureza das coisas e a natureza da alma humana A escritura soacute faz aumentar a aparecircncia (doxa) do saber natildeo fortalecendo a memoacuteria mas oferecendo meios para trazer agrave memoacuteria aquilo que de antematildeo jaacute era conhecido pela alma O escrito eacute sem alma sendo incapaz de defender-se sozinho contra criacuteticas exigindo sempre a intervenccedilatildeo constante do seu autor O discurso oral e soacute ele eacute capaz de penetrar na alma daquele que o apreende sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

se encontra na dimensatildeo da oralidade Para ser conduzido segundo as regras da arte o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e por conseguinte implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige ndash haacute um jogo metoacutedico pelo qual quem escreve deve se submeter Por definiccedilatildeo a palavra eacute um aspecto da realidade eacute uma palavra eficaz No entanto a potecircncia da palavra natildeo se encontra apenas orientada para o real ela se mostra da mesma forma irrevogavelmente tal como uma potecircncia sobre o outro Logo a potecircncia da palavra se mostra perigosa visto que pode ser tomada como a ilusatildeo do real Ou seja a seduccedilatildeo da palavra eacute tal que pode se fazer passar pela realidade o logos pode impor objetos que se assemelhem agrave realidade confundindo-se com ela sendo entretanto natildeo mais do que uma imagem vatilde Este fato levanta uma nova questatildeo traz um problema fundamental pertinente agrave relaccedilatildeo entre palavra e verdade A ambiguidade da palavra entatildeo torna-se polo de reflexatildeo sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional onde haacute por um lado o problema da potecircncia da palavra sobre a realidade e por outro lado o problema da potecircncia da palavra sobre o outro ndash perspectiva fundamental no desvelamento retoacuterico e sofiacutestico (LUZ 2010 p 43-44)

Ainda de acordo com Platatildeo um discurso deve ser entendido como um

modo de produccedilatildeo de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias que para Platatildeo eacute o uacutenico mundo real

Sabemos que Platatildeo (428-7 ndash 348-7 a C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da eriacutestica e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questatildeo conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate Isso fica claro nos diaacutelogos platocircnicos Goacutergias e Eutidemo nos quais o filoacutesofo procura mostrar que a retoacuterica natildeo eacute uma ciecircncia e nem uma verdadeira arte pois pelo que consta no Goacutergias (465 a) ela eacute somente uma empeiria ou seja uma habilidade praacutetica decorrente da experiecircncia A negaccedilatildeo dessa praacutetica como ciecircncia natildeo eacute novidade naquele contexto social pois na tradiccedilatildeo retoacuterica dos pitagoacutericos a Goacutergias como concorda Plebe (1978) a retoacuterica era situada no mundo da doxa (opiniatildeo) e natildeo da ciecircncia Entretanto Platatildeo acrescenta uma provocaccedilatildeo ao afirmar que a retoacuterica tambeacutem natildeo eacute uma arte ou seja natildeo eacute theacutecnerhetorikeacute como defendia Goacutergias considerando-a apenas como habilidade Este filoacutesofo estaacute mais interessado na dialeacutetica a qual eacute vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteuacutedo Entretanto ele (Platatildeo) discute sobre a retoacuterica por reconhecer que tal atividade tendo o caraacuteter de experiecircncia tecno-praacutetica natildeo seria de todo inuacutetil Na visatildeo platocircnica portanto a retoacuterica seria diferente da dialeacutetica e tambeacutem da sofiacutestica como pode ser constatado no Goacutergias (465) no qual a sofiacutestica aparece como contrafaccedilatildeo da arte de legislar (nomothetikeacute) e a retoacuterica como contrafaccedilatildeo da arte de administrar a justiccedila (dikaiosyne) (LIMA 2011 p 43)

Ainda seguindo a definiccedilatildeo precisa apresentada por Platatildeo as fontes das habilidades devem ser distinguidas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Platatildeo considera que essas duas formas de habilidades satildeo contrafaccedilotildees de um gecircnero de habilidade que natildeo eacute arte o qual ele denomina kolakeiacutea (adulaccedilatildeo) mas admite que tal gecircnero eacute contrafaccedilatildeo da arte Em resumo embora reconheccedila que os sofistas satildeo dotados de um espiacuterito ousado e imaginativo a filosofia platocircnica vecirc a retoacuterica como discurso vazio de conteuacutedo Jaacute na sua maturidade Platatildeo passa a considerar a retoacuterica como sendo uma versatildeo disparatada e distorcida da dialeacutetica conforme consta em seu diaacutelogo Fedro e por outro lado a idealizar a existecircncia de uma verdadeira retoacuterica a qual ele identifica com a proacutepria dialeacutetica Assim Platatildeo equipara a falsa dialeacutetica com a retoacuterica ao mesmo tempo em que identifica a retoacuterica verdadeira com a dialeacutetica tornando a retoacuterica reprovaacutevel somente quando esta uacuteltima natildeo se identifica com a primeira Por conseguinte segundo Platatildeo qualquer sofista uma vez natildeo praticante da dialeacutetica da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia natildeo merece confianccedila por maior que seja a sua habilidade oratoacuteria Nesse sentido em um trecho do Fedro (LII 268 b-c) ele faz uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas da retoacuterica e o perfil de um falso meacutedico Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio de provocar vocircmitos ou evacuaccedilotildees entre outros efeitos e que o mesmo acrescenta ldquoE porque sei tudo isso tenho-me na conta de meacutedico e tambeacutem com a capacidade de fazer um meacutedico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos rdquo Esse trecho eacute seguido imediatamente pela citaccedilatildeo que registramos adiante Soacutecrates ndash Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira Fedro ndash Que mais poderia fazer a natildeo ser perguntar se tambeacutem sabia a quem aplicar tudo aquilo o tempo certo e a dose para cada caso Soacutecrates ndash E se ele contestasse Dessas coisas natildeo entendo patavinas poreacutem suponho que quem aprender comigo aquilo tudo ficaraacute em condiccedilotildees de responder a tais perguntas Fedro ndash Diriam segundo penso Este homem eacute louco Soacute porque leu um livro ou porque encontrou casualmente alguns remeacutedios considera-se meacutedico ainda que nada entenda de tal arte Ao considerar o praticante da retoacuterica como algueacutem cujo conhecimento natildeo eacute confiaacutevel Platatildeo (opus cit LVII 272 d-e) afirma que ldquoNos tribunais por exemplo ningueacutem se preocupa no miacutenimo com a verdade soacute se esforccedilando por persuadirrdquo e que toda a arte da oratoacuteria consiste em manter a verossimilhanccedila do iniacutecio ao fim do discurso Portanto esse pensador tem em vista que todo filoacutesofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade ao inveacutes de priorizar as aparecircncias dos discursos soacute para persuadir a qualquer custo Por outro lado embora tenha feito tantas criacuteticas agrave retoacuterica o citado filoacutesofo reconhece a importacircncia de se identificar os diferentes tipos de auditoacuterios que podem inspirar construccedilotildees oratoacuterias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade - e sendo assim jaacute prepara de certo modo o caminho para a sistematizaccedilatildeo aristoteacutelica da retoacuterica que viraacute logo depois Tanto eacute assim que alguns aspectos que seratildeo valorizados por Aristoacuteteles em sua obra Retoacuterica jaacute constam nas seguintes palavras de Platatildeo (Ibid LVIII 273d-274a) [] quem natildeo fizer a enumeraccedilatildeo exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espeacutecies e natildeo souber reduzir a uma ideia uacutenica todas as ideias particulares jamais dominaraacute a arte da oratoacuteria dentro das possibilidades humanas Mas sem trabalho ningueacutem consegue chegar a esse ponto Natildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

eacute para falar com os homens nem para tratar com eles que o saacutebio despende tanto esforccedilo mas para falar o que agrade aos deuses e tambeacutem para lhes comprazer com suas accedilotildees na medida do possiacutevel Porque o homem de senso [] natildeo deveraacute esforccedilar-se para agradar seus companheiros de escravidatildeo pelo menos natildeo poraacute nisso o principal intento nem o faraacute de ligeiro poreacutem a bons mestres e de boa origem Eis que fica clara a preocupaccedilatildeo de Platatildeo em estabelecer paracircmetros eacuteticos para a praacutetica da oratoacuteria e nesse sentido veremos apoacutes alguns paraacutegrafos adiante que a mesma preocupaccedilatildeo pode ser identificada em Aristoacuteteles no que concerne a sua sistematizaccedilatildeo (LIMA 2011 p 44)

Segundo Aristoacuteteles a exposiccedilatildeo de um argumento se divide em invenccedilatildeo disposiccedilatildeo elocuccedilatildeo e accedilatildeo

Deste modo a invenccedilatildeo consiste na escolha do material para se formular um argumento Nesta etapa o retoacuterico ou orador se ateacutem aos elementos dispersos e reuacutene aqueles que ele considerar adequados

Na disposiccedilatildeo o retoacuterico ou orador se preocuparaacute em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso

Na elocuccedilatildeo o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para natildeo cair em contradiccedilatildeo e se perder na execuccedilatildeo do discurso

Jaacute a accedilatildeo consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos trecircs aspectos anteriores de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir Neste momento o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui

Desta maneira Aristoacuteteles difere de Platatildeo por entender que a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo importantes para o debate natildeo soacute para o convencimento dos interlocutores Conforme confirma Lima (2011 p 47)

Aristoacuteteles diferentemente de Platatildeo vecirc a retoacuterica como algo que normalmente faz parte da vida social e poliacutetica como uma arte importante para o desenvolvimento dessas aacutereas Tal pensador tem em vista que a distinccedilatildeo conceitual envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composiccedilatildeo loacutegica e persuasiva dos argumentos eacute fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicaacute-las socialmente Eacute nessa perspectiva que ele propotildee a formaccedilatildeo de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construccedilatildeo de cada discurso visando estabelecer conforme suas proacuteprias palavras ldquo[] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos quando falamos a favor ou contra uma propostardquo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Logo em Aristoacuteteles existe uma mudanccedila da retoacuterica que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentaccedilotildees poliacuteticas juriacutedicas e dos problemas mais simples da existecircncia humana Conforme aponta Lima (2011) ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema

O Estagirita pensando na vida praacutetica situaccedilotildees reais do dia a dia em que geralmente natildeo se dispotildee de muito tempo para os encontros discursivos tem em vista a importacircncia de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciociacutenio do orador com tatildeo pouca demora Mas ele tambeacutem alerta para que natildeo se cometa excessos no uso dos entimemas Natildeo se deve tambeacutem a propoacutesito de toda e qualquer questatildeo procurar empregar os entimemas pois nesse caso chegariacuteeis ao mesmo resultado que certos filoacutesofos que demonstram por meio de silogismos proposiccedilotildees mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciociacutenios (Ret III XVII 7) Os lugares comuns de entimemas demonstrativos e refutativos compotildeem uma ampla variedade de argumentos que satildeo estudados enumerados e tipificados por Aristoacuteteles hierarquizados segundo a eficaacutecia de persuasatildeo Os lugares comuns satildeo assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussatildeo Vejamos por exemplo o seguinte toacutepoi (lugar) que consta no Livro II da Retoacuterica de Aristoacuteteles (XXIII1) Primeiramente haacute um lugar para os entimemas demonstrativos aquele que se tira dos contraacuterios Com efeito importa examinar se o contraacuterio estaacute contido no contraacuterio se natildeo estaacute compreendido refutaremos o adversaacuterio se estaacute compreendido estabeleceremos nossa proacutepria tese por exemplo defenderemos que ser temperante eacute bom porque viver na licenciosidade eacute nocivo Ou entatildeo como no discurso sobre Messecircnia ldquoVisto a guerra ser a causa dos males atuais eacute pela paz que devemos remediaacute-losrdquo Em mais um exemplo Aristoacuteteles (Ret II 23 4) apresenta entre outros entimemas o seguinte ldquose os deuses natildeo sabem tudo muito menos os homensrdquo E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte toacutepoi ldquose um atributo natildeo pertence a um sujeito ao qual mais deveria pertencer evidentemente que tambeacutem natildeo pertence ao sujeito ao qual deveria pertencer menosrdquo E tambeacutem eacute do Estagirita (ibid II XXIII 7) o seguinte trecho ldquoUm outro lugar tira-se das palavras contra noacutes e que voltamos contra o adversaacuterio Este lugar eacute excelente []rdquo (LIMA 2011 p 50-51)

Em Aristoacuteteles a retoacuterica assumiu uma conotaccedilatildeo praacutetica ou seja ela deve servir ao homem para argumentar na resoluccedilatildeo de problemas do cotidiano Assim a retoacuterica passa a ser uma ferramenta acessiacutevel a todos os sujeitos que queiram pleitear algo

Em sua Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles (I 8 1099 a) considera a finalidade da vida poliacutetica como o melhor dos fins e que ldquoo principal empenho dessa ciecircncia eacute fazer com que os cidadatildeos sejam bons e capazes de nobres accedilotildeesrdquo Tal nobreza inclui a observaccedilatildeo de que embora jaacute seja desejaacutevel o bem

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

para um soacute indiviacuteduo eacute mais nobre e mais divino alcanccedilar o bem para uma naccedilatildeo ou para as cidades-Estado (opus cit I 1094 b) Para o Estagirita (idibid) a ciecircncia poliacutetica eacute a mais prestigiosa de todas visto que a ciecircncia poliacutetica utiliza as demais ciecircncias e ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster a finalidade dessa ciecircncia deve necessariamente abranger a finalidade das outras de maneira que essa finalidade deveraacute ser o bem humano ldquoA cosmologia de Aristoacuteteles coloca certo nuacutemero de seres superinteligentes as inteligecircncias que governam as estrelas e os planetas acima do Homem na escala do ser assim como Deus o Movimentador Imoacutevelrdquo (LIMA 2011 p 53)

Neste caso o homem que se dedica agrave praacutetica retoacuterica eacute capaz de resolver os

problemas da vida cotidiana pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos Sendo o retoacuterico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se estaacute transmitindo eacute importante mencionar o significado da honestidade do orador na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que os sujeitos interlocutores se convenccedilam da mensagem

Atividade de Estudos

1) Explique com suas palavras por que eacute importante a honestidade retoacuterica Leia o texto para poder entender melhor o problema

LIBERDADE OU MANIPULACcedilAtildeO

Eacute por isso que este mesmo autor considerando que a caracteriacutestica da boa argumentaccedilatildeo natildeo eacute suprimir o aspecto retoacuterico pois em nenhum caso uma argumentaccedilatildeo inexpressiva se torna soacute por isso obrigatoriamente mais honesta ndash adianta dois criteacuterios gerais a que se deve submeter a boa retoacuterica

1 Criteacuterio da transparecircncia que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo dos meios pelos quais a crenccedila estaacute a ser modificada

2 Criteacuterio de reciprocidade que a relaccedilatildeo entre o orador e o

auditoacuterio natildeo seja assimeacutetrica para que fique assegurado o direito de resposta

Respeitados tais criteacuterios Reboul considera que a argumentaccedilatildeo natildeo se torna por isso menos retoacuterica e sim mais honesta Mas parece evidente que sem pocircr em causa a eficaacutecia destes dois

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Oratoacuteria e Retoacuterica

criteacuterios o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo e natildeo seja assimeacutetrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretizaccedilatildeo Por outro lado pode acontecer tambeacutem que a incompetecircncia argumentativa do auditoacuterio crie a ilusatildeo de uma relaccedilatildeo retoacuterica desigual e leve a que se veja manipulaccedilatildeo no orador quando na realidade essa desigualdade se fica a dever agrave insuficiente capacidade criacutetica revelada por aqueles a quem se dirige

Fonte Sousa (2000 p 96)

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Ethos Pathos Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de eacutetica pathos no sentido de paixatildeo e logos no sentido de discurso

Passamos agora agrave discussatildeo de aspectos da estrutura do conteuacutedo dos argumentos e a forma como satildeo usados para expor determinados discursos

O ethos da retoacuterica estaacute ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso O ethos do comportamento humano para Reboul (2004) passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar

Segundo Aristoacuteteles podemos construir uma parte do ethos mas a outra parte eacute totalmente natural Por isso precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

As virtudes dianoeacuteticas entre as quais a sapiecircncia (shofia) eacute tida como a mais importante satildeo vistas por Aristoacuteteles como mais elevadas do que as virtudes eacuteticas pois lidam com a captaccedilatildeo intuitiva de princiacutepios por meio do intelecto coincidindo com as ciecircncias teoreacuteticas (principalmente com a metafiacutesica) Por outro lado as virtudes eacuteticas lidam com o contingente e o variaacutevel no humano apoiando-se numa prudecircncia (phroacutenesis) que eacute razatildeo praacutetica Na abertura do livro II (opus cit) Aristoacuteteles observa que as virtudes intelectuais satildeo geradas e crescem em grande parte em decorrecircncia do ensino e por isso precisam de experiecircncia e tempo enquanto as virtudes eacuteticas satildeo adquiridas em resultado do haacutebito Esse termo ndash haacutebito ndash decorre da traduccedilatildeo de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethikeacute) palavra que tambeacutem pode significar costume (LIMA 2011 p 71)

Um ethos no debate eacute um modo de se expressar eacute a maneira com a qual

nos expressamos Saber se expressar eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para sermos verdadeiramente humanos

No iniacutecio de sua Retoacuterica (2007 I 1 p19) Aristoacuteteles estabelece que ldquoos modos de persuasatildeo satildeo as uacutenicas verdades constituintes dessa arte tudo o mais eacute mero acessoacuteriordquo Diante de tais palavras poderiacuteamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituiacutedo de propostas eacuteticas ou seja meramente instrumental sem necessariamente manifestar um viacutenculo efetivo com a busca pelo bem comum pela justiccedila pela cidadania entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social Entretanto podemos identificar que Aristoacuteteles assume em vaacuterios momentos de sua Retoacuterica um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a eacutetica em sintonia com um exerciacutecio de livre escolha de ideias Em vaacuterios trechos (opus cit) o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade e natildeo o faz por considerar tais preceitos como meros acessoacuterios pois em vez disso procura mostrar que um homem de boa formaccedilatildeo moral tem no seu proacuteprio caraacuteter um referencial em que pode alicerccedilar o seu discurso Sendo assim como bem esclarece o autor a consistecircncia moral do orador tambeacutem deve compor o modo pelo qual o ouvinte eacute persuadido Aristoacuteteles toma o cuidado de firmar a arte retoacuterica em uma responsabilidade social propondo uma produccedilatildeo discursiva que possa participar da construccedilatildeo moral do homem e por conseguinte da sua condiccedilatildeo poliacutetica (Ret2007 p 23) (LIMA 2011 p 74)

O homem ao se apresentar como um ser que escreve e fala precisa dominar estes dois modos de se apresentar Por isso um haacutebito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como noacutes falamos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A primeira questatildeo tratada eacute que para se realizar um discurso eacute preciso ter conhecimento sobre aquilo que estaacute sendo dito em prol de sua autenticidade enquanto verdade Os sofistas se servem da persuasatildeo utilizando o domiacutenio que tecircm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa com uma mesma ecircnfase ou intensidade ndash natildeo se baseiam num conhecimento verdadeiro mas no senso comum ldquoA perversatildeo da retoacuterica transforma a escrita em teacutecnica de simulaccedilatildeo e converte a habilidade oratoacuteria em exploraccedilatildeo verbal e persuasiva do verossiacutemilrdquo Atraveacutes de uma loacutegica da ambiguidade contrariam o que deveria ser indissociaacutevel no interior de um discurso a ligaccedilatildeo entre dizer pensar e ser ndash limitam-se a uma tautologia do logos que eacute voltado sobre si mesmo A eficaacutecia alcanccedilada pelo discurso entretanto natildeo significa que tais ldquoretoacutericosrdquo tinham o conhecimento real do assunto que tratavam eles natildeo tinham a preocupaccedilatildeo de se interrogar sobre suas referecircncias ndash calcavam-se na probabilidade no verossiacutemil para o estabelecimento de suas conclusotildees que de antematildeo eram estabelecidas ndash utilizando-se da potecircncia da palavra como uma arma para persuadir pessoas tatildeo ignorantes quanto eles ldquoO estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migraccedilatildeo da enunciaccedilatildeo para o enunciadordquo (LUZ 2010 p 45)

Neste sentido retoacuterica e oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que se articulam na existecircncia e o ajudam a expor seu sentido na linguagem O ethos da oratoacuteria e da retoacuterica eacute uma forma eacute a maneira de dizermos os modos de se apresentar A linguagem escrita e falada eacute uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos

Ainda de acordo com Reboul (2004) o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar

Ao falarmos de pathos ou afetamento de um discurso podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso

Ao falarmos de pathos ou

afetamento de um discurso podemos

entender que quando nos referimos a um determinado

grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel

do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos

envolve ou dispersa em um determinado

discurso

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Por isso ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala estamos optando em ser ou natildeo apaixonantes em nossa exposiccedilatildeo escrita ou oral Eacute no pathos de um discurso ou seja na paixatildeo que se iraacute prender ou natildeo os interlocutores As belas palavras podem levar os sujeitos agraves mais absurdas atitudes ou simplesmente natildeo significar nada aos ouvintes Tudo depende do modo com o qual vocecirc que se expressa o faz

O pathos de um discurso eacute determinante em relaccedilatildeo agrave longevidade de uma mensagem Por exemplo Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas seu modo de ser serve de conduta religiosa moral e eacutetica para todas as eacutepocas

Deste modo eacute a forma de se expressar em uma linguagem clara direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcanccedilar seu objetivo

O logos o discurso propriamente dito precisa de um ritmo de uma forma de um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

De acordo com Reboul (2004) um discurso eacute uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem Eacute a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado esperado em um discurso Se soubermos transmitir a mensagem poderemos alcanccedilar maior ecircxito em nossas intenccedilotildees Fica evidente que mesmo quando natildeo queremos dizer algo relevante sempre haacute um sentido no discurso proferido

Estamos falando de transmissatildeo de conteuacutedos atraveacutes da linguagem mas antes de seguirmos para os elementos do discurso precisamos esclarecer o que eacute a verossimilhanccedila pois sem entender isso natildeo podemos entender por que a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante tensatildeo com a verdade

O logos o discurso propriamente dito

precisa de um ritmo de uma forma de

um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer

ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

Atividade de Estudos

1) Explique o que vocecirc entende por verossimilhanccedila Leia o artigo disponiacutevel em lthttpsrepositorioufrnbrjspui

bitstream123456789164822MarcosAL_DISSERT_PARCIALpdfgt para lhe ajudar a responder

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Disposiccedilatildeo Elocuccedilatildeo Accedilatildeo e Invenccedilatildeo

Jaacute nos referimos agrave invenccedilatildeo que eacute a escolha dos argumentos pelo orador Passamos agora para a disposiccedilatildeo que de acordo com Reboul (2004) eacute a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala Eacute a retoacuterica da organizaccedilatildeo formal de um discurso seu plano de execuccedilatildeo

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul (2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase oral do discurso como muita gente pode pensar

Para Aristoacuteteles a retoacuterica assume uma dimensatildeo de amor agrave sabedoria Eacute o amor agrave sabedoria que permite agrave retoacuterica se aproximar da dialeacutetica pois eacute a oposiccedilatildeo de argumentos que produz um desenvolvimento da discussatildeo

Assim o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruccedila o retor As praacuteticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construccedilatildeo oratoacuteria ou seja sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniotildees e tambeacutem com as opiniotildees sobre o mundo Por conseguinte a retoacuterica eacute pensada por Aristoacuteteles como uma manifestaccedilatildeo de amor agrave sabedoria e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade inclusive com o aprimoramento do proacuteprio saber exposto nesse jogo social que eacute a arte retoacuterica Pelas razotildees acima citadas Reboul (2004 p 40) compara a retoacuterica de Aristoacuteteles com a de Isoacutecrates A retoacuterica de Aristoacuteteles estaacute bem proacutexima da retoacuterica de Isoacutecrates em termos de conteuacutedo A diferenccedila eacute que em Aristoacuteteles a retoacuterica eacute uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciecircncias exatas Estas ldquodemonstrativasrdquo atingem verdades ldquonecessaacuteriasrdquo que como os teoremas soacute podem ser o que satildeo possibilitando compreender e prever A retoacuterica por sua vez soacute atinge o verossiacutemil aquilo que acontece no mais das vezes mas que poderia acontecer de outra forma Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria a retoacuterica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinacircmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e ao mesmo tempo do aprimoramento de suas leis e costumes Creio natildeo ser exagero afirmar que em Aristoacuteteles a retoacuterica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul

(2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase

oral do discurso como muita gente

pode pensar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

que liguem o homem agraves soluccedilotildees de seus problemas pessoais e coletivos e agraves melhores opccedilotildees para a educaccedilatildeo dos jovens Essa arte tambeacutem eacute compromisso em educar para a sabedoria e nesse sentido cada cidadatildeo necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto os seus sentimentos desejos ambiccedilotildees natildeo esquecendo o bem da sociedade em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA 2011 p 80)

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo dos argumentos que

queremos apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer

Quando a accedilatildeo retoacuterica se manifesta por intermeacutedio de um discurso destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execuccedilatildeo daquilo que se propotildee a fazer Neste sentido Aristoacuteteles destaca na antiguidade que o sujeito que natildeo transmitir confiabilidade em seu discurso natildeo convence ningueacutem

Diante de ideias conflitantes entre si eacute comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiaacuteveis merecedoras de creacutedito Nessa perspectiva os encontros sociais entre retores podem ser bastante uacuteteis como oportunidades para tal busca e na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz surge um sentimento de grandeza da proacutepria razatildeo naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicaacutevel compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo Eacute esse o sentimento denominado de sublime ou sublimidade Para melhor compreendermos o sentimento do sublime recapitulemos que a verossimilhanccedila eacute caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que natildeo possibilitam respostas irrefutaacuteveis e que natildeo eacute raro o homem sentir-se constrangido inseguro e com medo diante do que eacute apenas verossiacutemil ou seja do que natildeo lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutaacutevel Visto por esse lado o que pomos em foco natildeo eacute o constrangimento diante de forccedilas fenomecircnicas de uma natureza ameaccediladora e externa ao ser humano (como vendavais tempestades maremotos terremotos etc) pois numa abordagem mais voltada para a produccedilatildeo dos discursos em um contexto social e cotidiano em muitos casos o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando natildeo encontra por exemplo respostas suficientemente confiaacuteveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhanccedila A superaccedilatildeo desse momento de constrangimento a ldquovolta por cimardquo atraveacutes do intelecto que identifica qual eacute o melhor discurso a vitoacuteria de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razatildeo gerando um aliacutevio pela suposta seguranccedila diante da diversidade de ideias antagocircnicas entre si Em Aristoacuteteles o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhanccedila - deve ser decorrecircncia direta da atitude genuiacutena de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiaacutevel possiacutevel) e nesse encaminhamento o faz sob o predomiacutenio da parte intelectiva da alma (a racionalidade) que seria segundo o Estagirita a melhor parte do homem (conforme jaacute vimos anteriormente) Nessa

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo

dos argumentos que queremos

apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final

do discurso que foi planejado de modo a

se expor o que se quer

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Oratoacuteria e Retoacuterica

perspectiva revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar natildeo soacute entre o que eacute o bem do que eacute o seu extremo contraacuterio mas tambeacutem distinguir o que eacute um bem maior diante de um bem menor escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser eacutetico aleacutem da importacircncia de saber defender as suas escolhas publicamente Eis que o sentimento do sublime nos termos aqui propostos aparece quando a razatildeo humana se depara com o verossiacutemil em busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial rumo ao possiacutevel sentimento de superioridade da razatildeo A inseguranccedila argumentativa que levaria a um natildeo saber identificar uma resposta confiaacutevel como costuma ocorrer na verossimilhanccedila seria algo anaacutelogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza esteacutetica de algum fenocircmeno da natureza Neste uacuteltimo caso o sentimento do sublime eacute tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquecircs de existirem os fenocircmenos ameaccediladores (como tempestades maremotos vendavais etc) cuja grandiosidade esteacutetica constrange inicialmente o ser humano Em se tratando da retoacuterica o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniotildees e encontra formas de identificar quais satildeo as ideias mais confiaacuteveis entre tantas que se oferecem para creacutedito Portanto em Aristoacuteteles na sua obra Retoacuterica o homem eacute idealizado como aquele cuja determinaccedilatildeo e coragem devem servir para a busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial frente agrave verossimilhanccedila Nesta o ser humano sente-se humilhado diante das proacuteprias incertezas e das ldquoverdadesrdquo oferecidas por discursos diversos que o circundam natildeo sabendo em qual delas - as supostas ldquoverdadesrdquo ndash acreditar mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiccediloamento dos discursos (LIMA 2011 p 104-105)

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhanccedila poderaacute desenvolver uma retoacuterica de boa qualidade que natildeo se confunde com aquilo que parece ser a verdade mas natildeo eacute a verdade loacutegica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto sobre o problema da presunccedilatildeo antever um argumento disponiacutevel em lthttpw3ufsmbrppgfwp-contentuploads201110PERELMANpdfgt paacutegina 35 e 36 e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar Por exemplo o seu trabalho seu lazer etc O texto eacute inspiraccedilatildeo para a construccedilatildeo do argumento

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

O desenvolvimento da retoacuterica atraveacutes dos seacuteculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa eacutepoca atual por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem Sem dominar bem o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retoacuterico Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa dominar o conteuacutedo a ser exposto de modo a permitir que natildeo seja enganado pela proacutepria linguagem

Este capiacutetulo eacute fundamental a vocecirc estudante para saber como a histoacuteria da retoacuterica trabalhou o problema da formulaccedilatildeo estruturaccedilatildeo e divisatildeo dos discursos Lembre-se vocecirc natildeo eacute o primeiro a querer expor uma ideia um argumento por isso natildeo se engane seus interlocutores entendem ou natildeo o que vocecirc quer expor na medida em que vocecirc se coloca de modo claro e distinto Se sua linguagem natildeo for adaptada ao local em que vocecirc fala sua mensagem natildeo seraacute transmitida como vocecirc quer

BRISSON Luc Leituras de Platatildeo Trad Socircnia Maria Maciel Porto Alegre EDIPUCRS 2003

BRUNSCHWIG J Diccionaire Critique Le Savoir Grecce Org Geossvey Lloyd Paris Flammarion 1996

CLAIumlM PERELMAN Retoacutericas Trad Maria Ermantina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

DELEUZE G Loacutegica dos Sentidos Trad Luiz Roberto Salinas Fontes Satildeo Paulo Ed Perspectiva 2000

DERRIDA Jacques A Farmaacutecia de Platatildeo Trad Rogeacuterio da Costa 3 ed Satildeo Paulo Iluminuras 2005

GOLDSCHMIDT V Os Diaacutelogos de Platatildeo Estrutura e Meacutetodo Dialeacutetico Trad Dion Davi Macedo Satildeo Paulo Loyola 2002

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos

e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para um bom orador

dominar seu tema para poder transmitir

essa mensagem Sem dominar bem

o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar

e demonstrar suas qualidades como retoacuterico

Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa

dominar o conteuacutedo a ser exposto de

modo a permitir que natildeo seja enganado

pela proacutepria linguagem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

MARCUSE H Eros e Civilizaccedilatildeo Trad Aacutelvaro Cabral 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1969

MORAES J Q Epicuro as luzes da eacutetica Satildeo Paulo Ed Moderna 1998

NIETZSCHE F O Nascimento da Trageacutedia Trad J Guinsburg Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos Sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Coleccedilatildeo Estudos Platocircnicos Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2009

Algumas ConsideraccedilotildeesA histoacuteria da oratoacuteria e da retoacuterica permite o entendimento de como somos

capazes de organizar e exprimir uma ideia Desta maneira um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforccedilo do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispotildee de modo adequado

Com efeito este capiacutetulo se empenhou em apresentar uma parte da histoacuteria da retoacuterica para deixar vocecirc estudante em condiccedilotildees de escolher bem suas formas de argumentar

ReferecircnciasANSELMO Monoloacutegio Satildeo Paulo Victor Civita 1991

CAMPOS R C A Formaccedilatildeo Educacional do Orador e a Retoacuterica como seu Instrumento de Accedilatildeo no Principado Fecircnix ndash Revista de Histoacuteria e Estudos Culturais JaneiroFevereiroMarccedilo de 2008 v 5 Ano V n 1 Disponiacutevel em ltwwwrevistafenixprobrgt Acesso em 26 maio 2017

SOUSA A de A Persuasatildeo - Estrateacutegias da comunicaccedilatildeo influente 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt Acesso em 22 maio 2017

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

LIMA M A A retoacuterica em Aristoacuteteles da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia Natal IFRN 2011

LUZ A R L Ensaios Filosoacuteficos V 1 outubro2010 Disponiacutevel em lthttpwwwensaiosfilosoficoscombrArtigosArtigo2Ana_Rosapdfgt Acesso em 27 maio 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

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SILVEIRA Caacutessio Rodrigo Paula Relendo Ciacutecero A formaccedilatildeo do orador e sua inserccedilatildeo na poliacutetica romana (Seacuteculo I a C) 2012

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Oratoacuteria e Retoacuterica

CAPIacuteTULO 3

A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apontar as diferentes formas de argumentos

Apresentar as implicaccedilotildees de um argumento Compromisso com a verdade ou com a forma

Fazer um argumento suas fragilidades e pontos fortes

Convencer ou defender a verdade

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

ContextualizaccedilatildeoEste capiacutetulo se destina a apresentar a vocecirc estudante uma perspectiva

filosoacutefica com desdobramentos teoloacutegicos para a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Destacaremos brevemente a sutil conexatildeo com a loacutegica sobretudo a silogiacutestica concatenaccedilatildeo em sequecircncia de premissas para formular um argumento

Oratoacuteria e Retoacuterica Filosoacutefica Na filosofia a oratoacuteria e retoacuterica cumprem um papel substancial pois eacute por

intermeacutedio dos argumentos e da exposiccedilatildeo destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades Observamos que nas maiores universidades da Europa a retoacuterica e a oratoacuteria perderam muito espaccedilo no ambiente acadecircmico

A Retoacuterica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituiccedilotildees europeias de ensino ao contraacuterio do que aconteceu nos Estados Unidos da Ameacuterica Embora tenham surgido na Europa algumas revistas sociedades de Retoacuterica reimpressotildees de textos claacutessicos e se tenham publicado seacuteries de estudos sobre Retoacuterica em editoriais de renome eacute impossiacutevel hoje qualquer consenso quanto agrave asserccedilatildeo de M Capella sobre a Retoacuterica como laquopotens rerum omnium reginaraquo ou quanto agrave promoccedilatildeo da Retoacuterica a laquorainha antiga e nova das ciecircnciasraquo assinada pelo professor de Retoacuterica de Tuebingen W Jens que antecipou a visatildeo utoacutepica da Retoacuterica como laquouma ciecircncia do futuroraquo proposta por J Dubois Poreacutem o fim da Retoacuterica como disciplina ou laquoRhetoricadocensraquo natildeo coincide com o desaparecimento da praacutexis retoacuterica (Rhetoricautens Oratoria Eloquentia) tampouco com a extinccedilatildeo da sua existecircncia residual em teorias de composiccedilatildeo literaacuteria em regras de comportamento em expressotildees do discurso pragmaacutetico nem com a cessaccedilatildeo da sua eficaacutecia histoacuterica na tipologia variada da histoacuteria das ideias e da cultura Eacute sobretudo a teoria retoacuterica do texto e a sua influecircncia histoacuterica a que o Ocidente se expocircs que merecem uma particular atenccedilatildeo dadas as suas estreitas relaccedilotildees com a Hermenecircutica e a Filosofia (PEREIRA 1994 p 6)

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo

consideradas subaacutereas de conhecimento filosoacutefico entendemos que para discutir bem o problema da argumentaccedilatildeo precisamos de uma discussatildeo profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retoacuterica no debate de ideias

A histoacuteria da Retoacuterica foi de fato a de uma laquorestriccedilatildeo generalizadaraquo na expressatildeo de G Genette ou de uma laquoextinccedilatildeo progressivaraquo segundo R Barthes ateacute se confundir com uma teoria dos tropos se recordarmos que a queda da cidade democraacutetica arrastou consigo a morte da intervenccedilatildeo poliacutetica da Retoacuterica e forccedilou o seu exiacutelio esteacutetico de cuja impotecircncia brotou a figura de uma laquoeloquentia tacensraquo embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retoacuterica judiciaacuteria e epidiacutectica respectivamente Expressotildees

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Oratoacuteria e Retoacuterica

como laquorenascimentoraquo ou laquoreabilitaccedilatildeo da Retoacutericaraquo laquoRhetorica redivivaraquo laquoRhetoric revaluedraquo laquoreturn of Rhetoricraquo laquoRhetoric resituatedraquo etc natildeo soacute repotildeem a Retoacuterica na raiz histoacuterica de muitas disciplinas modernas mas fazem dela um laquopotencial sugestivoraquo para a reformulaccedilatildeo da problemaacutetica do homem contemporacircneo embora se reconheccedila com P Ricoeur que a sua existecircncia como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos coleacutegios em meados do seacutec XIX A Retoacuterica de Aristoacuteteles foi uma teoria da argumentaccedilatildeo que se articulava com a sua vizinha loacutegica da demonstraccedilatildeo e com a filosofia uma teoria da elocuccedilatildeo e uma teoria da composiccedilatildeo do discurso Com a sua reduccedilatildeo tradicional a uma simples teoria da elocuccedilatildeo e depois a uma teoria dos tropos a Retoacuterica perdeu o laccedilo que a prendia agrave Filosofia e tornou-se laquouma disciplina erraacutetica e fuacutetilraquo O esquema da Retoacuterica de Aristoacuteteles representou a racionalizaccedilatildeo de uma disciplina que se propusera reger todos os usos da palavra puacuteblica sobretudo o seu poder de decisatildeo e o seu domiacutenio no tribunal na assembleia poliacutetica no elogio e no panegiacuterio O poder de dispor dos homens mediante o domiacutenio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de seduccedilatildeo e mentira a histoacuteria do discurso humano A loacutegica da verossimilhanccedila aparecia como uma soluccedilatildeo de recurso para uma Retoacuterica ferida de substancial ambiguidade As suas provas natildeo se regem pela loacutegica da necessidade mas do verossiacutemil e do contingente porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias natildeo obedecem aos quadros riacutegidos de uma axiomaacutetica dogmaacutetica O grande meacuterito de Aristoacuteteles foi ter elaborado o laccedilo entre o conceito retoacuterico de persuasatildeo e o conceito loacutegico de verossiacutemil e ter construiacutedo sobre esta relaccedilatildeo o edifiacutecio inteiro de uma Retoacuterica filosoacutefica (PEREIRA 1994 p 7)

Assim a retoacuterica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo Ao retomarmos o estudo dos gregos percebemos o grande valor desta na construccedilatildeo dos argumentos filosoacuteficos

Deste modo a oratoacuteria grega surge como um modo de exposiccedilatildeo de conceitos e definiccedilotildees que permitem o entendimento das grandes questotildees filosoacuteficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiaacuteveis

Sabemos que a discussatildeo filosoacutefica somente eacute possiacutevel se considerarmos a existecircncia de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias Eis que a retoacuterica para vocecirc estudante eacute uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se vocecirc quiser transmitir com qualidade a sua mensagem Por isso a importacircncia da retoacuterica eacute substancial na organizaccedilatildeo e difusatildeo de um discurso elaborado e de boa qualidade

A Retoacuterica partilha com a Poeacutetica e a Hermenecircutica o terreno do discurso articulado em configuraccedilotildees mais extensas do que a frase ou unidade miacutenima em que algueacutem diz algo a algueacutem sobre alguma coisa realizando a triacuteplice mediaccedilatildeo entre homem e mundo homem e outro homem e homem e si-mesmo O discurso retoacuterico eacute o mais antigo discurso racional hiperfraacutestico do Ocidente nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no seacutec VI aC mas dominado pela ambiccedilatildeo de cobrir o campo inteiro

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

do uso discursivo da linguagem Por isso o modelo retoacuterico de argumentaccedilatildeo pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razatildeo praacutetica (moral direito poliacutetica) e do campo inteiro da Filosofia Orientada para o ouvinte a argumentaccedilatildeo retoacuterica eacute uma teacutecnica de persuasatildeo em que dizer eacute fazer eacute conquistar o assentimento do auditoacuterio e por isso o discurso retoacuterico eacute ilocutoacuterio e perlocutoacuterio Neste caso a argumentaccedilatildeo natildeo inova porque o orador se adapta agrave temaacutetica das ideias admitidas limitando-se a transferir para as conclusotildees a adesatildeo concedida agraves premissas e desenvolvendo teacutecnicas intermediaacuterias sempre em funccedilatildeo da adesatildeo efetiva ou presumida do auditoacuterio A vulnerabilidade do discurso retoacuterico estaacute patente pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar do acordo preacutevio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos da arte de agradar para a arte de seduzir do discurso da constituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade e da sua identidade para a perversatildeo do discurso ideoloacutegico No iniacutecio da deacutecada de 80 falava-se da marcha imparaacutevel da Retoacuterica que invadia a Estiliacutestica Estrutural a Teoria do Texto e da Literatura e a Semacircntica Linguiacutestica enquanto as Ciecircncias Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influecircncias marcantes da Retoacuterica regressada para os mais entusiastas do exiacutelio apoacutes a caluacutenia de que teria sido viacutetima (PEREIRA 1994 p 8)

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retoacuterica e da

oratoacuteria existem outros tantos que reconhecem seu caraacuteter imprescindiacutevel na elaboraccedilatildeo e exposiccedilatildeo de textos filosoacuteficos e teoloacutegicos Ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve ficar bem explicado que haacute um meacutetodo que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulaccedilotildees retoacutericas de todo o pensamento ocidental Pereira (1994) reconhece essa influecircncia e explica o problema de maneira bastante detalhada

A filosofia de Protaacutegoras eacute uma fundamentaccedilatildeo da Retoacuterica pois o laquohomo mensuraraquo enquanto laquohomo loquensraquo condensa a Antropologia da Retoacuterica em que o acordo eacute realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades praacuteticas de cooperaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo porque faltam no ponto de vista bioloacutegico laquoregulaccedilotildees preacuteviasraquo e laquoestruturas de adaptaccedilatildeoraquo e esta falha natildeo pode ser compensada com ecircxito por evidecircncias teoacutericas e normativas nem por mecanismos de coaccedilatildeo poliacutetica A Sofiacutestica como resposta agrave crise provocada pela perda de crenccedila nas grandes narraccedilotildees coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicaccedilatildeo linguiacutestica sem qualquer referente real mas com poder de decidir do sentido da realidade Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor deixou a Retoacuterica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassaacutevel e jamais definitiva mas sempre convencional e provisoacuteria Com o laquolinguisticturnraquo proveniente da Filosofia Analiacutetica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L Wittgenstein a linguagem deixou de ser mera expressatildeo da consciecircncia mas o acontecimento da proacutepria consciecircncia cuja estruturaccedilatildeo linguiacutestica se tornou objeto da reflexatildeo filosoacutefica Enquanto J Habermas soacute no comeccedilo dos anos 80 realizou a sua viragem linguiacutestica tomando por modelo de accedilatildeo comunicativa

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a concepccedilatildeo de linguagem de K Buehler os estudos realizados por K O Apel nos anos 50 prepararam jaacute a transformaccedilatildeo linguiacutestico-hermenecircutica do Kantismo e a sua tese de habilitaccedilatildeo intitulada A Ideia de Linguagem na Tradiccedilatildeo do Humanismo de Dante ateacute Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova laquoPrima Philosophiaraquo que substituiacutea a velha Ontologia por ser a radicalizaccedilatildeo da criacutetica kantiana do conhecimento e a sua transformaccedilatildeo em criacutetica da linguagem que eacute uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicaccedilatildeo sem exclusotildees nem repressotildees A valorizaccedilatildeo da Sofiacutestica e da Retoacuterica natildeo reprimiu a consciecircncia dos perigos dos equiacutevocos histoacutericos do discurso retoacuterico e por isso K O Apel distingue da Retoacuterica da persuasatildeo psicoloacutegica a Retoacuterica da convicccedilatildeo cuja loacutegica de argumentaccedilatildeo pragmaacutetica permite reconstruir idealmente as condiccedilotildees de um consenso verdadeiro e universalizaacutevel ou do auditoacuterio universal segundo a terminologia de Ch Perelman Na comunicaccedilatildeo argumentativa de J Habermas eacute indissoluacutevel a vinculaccedilatildeo de teoria e praacutexis pois a ciecircncia natildeo eacute neutra mas orientada por determinados interesses que satildeo as suas condiccedilotildees transcendentais de possibilidade J Habermas apropriou-se de uma divisatildeo do saber que em 1929 Max E Scheler propusera na sua obra Visatildeo Filosoacutefica de Mundo laquosaber de domiacutenioraquo laquosaber formativoraquo e laquosaber salvadorraquo (PEREIRA 1994 p 50-51)

O caminho percorrido pela retoacuterica referenciado anteriormente mostra as variaccedilotildees entre teoria e praacutetica ao longo dos seacuteculos no Ocidente Com efeito as variaccedilotildees apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes agrave argumentaccedilatildeo

Oratoacuteria e Retoacuterica TeoloacutegicaA retoacuterica e a oratoacuteria teoloacutegica natildeo satildeo muito diferentes da retoacuterica e oratoacuteria

filosoacutefica mas o objetivo eacute outro Se a retoacuterica filosoacutefica se propotildee ao debate de ideias e sua contraposiccedilatildeo para produzir um debate e uma estrutura dialeacutetica a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento Para construir um argumento que convenccedila a plateia o orador deve observar alguns criteacuterios Reboul (apud SEGUNDO 2006 p 75)

[] pontua as cinco caracteriacutesticas que diferenciam fundamentalmente a demonstraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo1 nesta o discurso sempre se dirige a um auditoacuterio que para Reboul eacute sempre particular de modo que o auditoacuterio universal se constitui apenas em uma pretensatildeo abstraccedilatildeo ou ideal argumentativo 2 aleacutem disso a argumentaccedilatildeo expressa-se em liacutengua natural sofrendo as consequecircncias de sua opacidade

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3 por trabalhar com o verossiacutemil as premissas argumentativas nunca satildeo verdades propriamente ditas o que demanda uma relaccedilatildeo interpessoal de confianccedila atenccedilatildeo e reconhecimento de autoridade da parte do auditoacuterio em relaccedilatildeo ao orador 4 nesse sentido a progressatildeo dos argumentos depende do orador que procuraraacute ordenaacute-los de modo a satisfazer as condiccedilotildees de persuasatildeo projetadas por ele acerca daquele auditoacuterio 5 por conseguinte as conclusotildees tornam-se sempre contestaacuteveis jaacute que o auditoacuterio pode rejeitaacute-las ou aceitaacute-las mediante seu julgamento Consequentemente natildeo cabe na argumentaccedilatildeo isolar razatildeo e emoccedilatildeo As duas caminham necessariamente juntas na medida em que crenccedilas satildeo intrinsecamente afetivas e afetaratildeo o julgamento e a conclusatildeo independentemente do caminho racional da disposiccedilatildeo argumentativa apresentada (SEGUNDO 2006 p 75)

Desta maneira a principal diferenccedila presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teoloacutegicas em questatildeo Por isso a verdade teoloacutegica transmitida pela chamada oratoacuteria e retoacuterica teoloacutegica deve levar o interlocutor ao convencimento Neste aspecto o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem

A vocecirc estudante da disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ficar claro que na teologia natildeo podem ser produzidas questotildees que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem soluccedilatildeo Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposiccedilotildees sobre aquilo que a dimensatildeo teoloacutegica abarca e o que escapa a este modo de pensar Citamos na sequecircncia um exemplo de discurso para que vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica entenda como podemos interpretar os diversos significados A discussatildeo toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte

Figura 1 ndash Exemplo de discurso tirinha Mafalda

Fonte Disponiacutevel em lthttpastroptorgblogwp-contentuploads201201Mafalda1jpggt Acesso em 10 jul 2017

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Observamos que a discussatildeo natildeo possui nenhum argumento empiacuterico que sustente a possibilidade evocada mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor

Na teologia observamos uma terminologia proacutepria que o indiviacuteduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer vejamos um exemplo

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica Jesus lhe responde com outra pergunta ldquoQue estaacute escrito na Lei Como interpretasrdquo - que embora de forma impliacutecita estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princiacutepios da sagrada Lei de Deus Inquirido o inteacuterprete da Lei respondeu ldquoAmaraacutes o Senhor teu Deus de todo o teu coraccedilatildeo de toda a tua alma com toda a tua forccedila e de todo o teu entendimento e a teu proacuteximo como a ti mesmordquo A resposta evidencia uma correlaccedilatildeo de dois textos mosaicos Deuteronocircmio 6 5 e Leviacutetico 19 18 Utilizados assim permitem ao inteacuterprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essecircncia de toda a religiatildeo Ao findar o primeiro instante do debate Jesus respondeu de maneira notaacutevel agrave pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar ldquoRespondeste corretamente faze isto e viveraacutesrdquo O verbo grego ποιέω comumente traduzido por ldquofazerrdquo ldquopraticarrdquo encontra-se nesse versiacuteculo no particiacutepio imperfeito ποίει expressando dessa forma uma ideia de accedilatildeo constante de praacutetica vitaliacutecia Com efeito a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergecircncia entre ortodoxia e ortopraxia A premissa teoloacutegica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e concomitantemente com o evangelho de Jesus Entretanto o cerne da questatildeo era Seraacute que este inteacuterprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo A disposiccedilatildeo cognitiva deste doutor era excelente no entanto seu desempenho ainda era questionaacutevel Ao analisar essa paraacutebola Joachim Jeremias afirma O fato de Jesus surpreendentemente remetecirc-lo ao agir como sendo a vida para a vida deve se entender a partir igualmente desta situaccedilatildeo concreta todo o conhecimento teoloacutegico de nada serve se o amor para com Deus e para com o proacuteximo natildeo determinar a direccedilatildeo da vida A proposta filosoacutefica da eacutetica da alteridade encontra profundas raiacutezes nesta premissa teoloacutegica Eacute inevitaacutevel a identificaccedilatildeo do projeto filosoacutefico levinasiano com a Lei de Moiseacutes uma vez que Levinas fora instruiacutedo em um contexto marcado por um profundo espiacuterito de dedicaccedilatildeo agrave Lei Nilo Ribeiro Juacutenior ao descrever a relaccedilatildeo entre Levinas e as Escrituras sublinha que ldquoo ponto de partida do pensamento filosoacutefico levinasiano eacute a Escritura considerada como fonte natildeo filosoacutefica da filosofiardquo Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profeacutetico de amor a Deus e ao proacuteximo Essa nova concepccedilatildeo da tarefa da filosofia rompeu com a claacutessica definiccedilatildeo da filosofia enquanto ldquoamor agrave sabedoriardquo estabelecendo-a como ldquosabedoria de amarrdquo Em Levinas a verdadeira sabedoria natildeo consiste em uma reflexatildeo teoreacutetica ou mesmo em um vil conhecimento cientiacutefico que tende a reduzir os sujeitos a objetos mas consiste em uma vivecircncia de amor compassivo que se faz responsabilidade pelo outro como expressatildeo radical do amor a Deus e escopo do ser humano Dessa forma toda a reflexatildeo levinasiana eacute um postulado do amor proposto pela Lei mosaica interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON ALMEIDA 2016 p 51-52)

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Deste modo o teoacutelogo articula uma sequecircncia teoloacutegica de argumentos com um pensamento filosoacutefico de um autor contemporacircneo tomando o cuidado de complementar as ideias

Por isso a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica possuem forte inclinaccedilatildeo ao convencimento e agrave persuasatildeo que dependem sobretudo do caraacuteter e da formaccedilatildeo do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos Em outras palavras a formaccedilatildeo moral dos dirigentes religiosos padres pastores e outros precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito

Moral e Retoacuterica Aspectos Fundamentais

A relaccedilatildeo entre moral e retoacuterica eacute uma das questotildees muito importantes para vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica pois eacute uma questatildeo que implica na exposiccedilatildeo dos argumentos Antes de detalharmos o problema da moral precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicaccedilatildeo de fenocircmenos e de seus signos e representaccedilotildees

Das narraccedilotildees miacuteticas chegaram-nos as metaacuteforas da morada e do caminho da retidatildeo da vida e da erracircncia e foi ainda em termos de ecircxodo que I Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova eacutepoca da razatildeo laquoAufklaerung eacute a saiacuteda do homem da sua menoridade culpaacutevelraquo Esta libertaccedilatildeo da casa-prisatildeo da razatildeo menor teve uma provocante traduccedilatildeo na secularizaccedilatildeo dos quatro sentidos da Escritura em vez do sentido literal ou histoacuterico da realidade a posiccedilatildeo transcendental constituinte de objetos para noacutes com a suspensatildeo da inatingiacutevel coisa-em-si em vez do sentido tropoloacutegico ou moral inseparaacutevel da teologia a pergunta eacutetica racional pelo que eu devo fazer em vez do sentido alegoacuterico ou simboacutelico a pergunta da razatildeo pelo que se pode humanamente conhecer em vez do sentido anagoacutegico ou miacutestico a pergunta racional pelo que se pode esperar A maioridade da razatildeo estaacute na reduccedilatildeo de todas as perguntas agrave pergunta pelo homem e consequentemente de todas as respostas a proposiccedilotildees racionais dentro dos limites humanos do conhecer do agir e do esperar Apoacutes a eliminaccedilatildeo kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploraccedilatildeo dentro da filosofia da vida da linguagem enquanto notificadora de vivecircncias do sujeito G Frege distinguiu em 1892 na concepccedilatildeo global de sentido dois momentos o do sentido propriamente dito e o da relaccedilatildeo agraves coisas que a versatildeo francesa traduziu por laquodenotaccedilatildeoraquo e a inglesa por laquoreferecircnciaraquo Agrave distinccedilatildeo entre a realidade material e as dimensotildees psicoloacutegica loacutegica e referencial do signo G Frege acrescentou que natildeo eacute o ato do intelecto mas o signo que pelo sentido e pela referecircncia realiza a verdade como adequaccedilatildeo ou tracircnsito do sentido para a referecircncia modelarmente realizado pelas ciecircncias (PEREIRA 1994 p 23)

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O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relaccedilatildeo agrave linguagem e o alcance de seus discursos retoacutericos Conforme entende Reboul (2004) a retoacuterica e a oratoacuteria possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variaccedilotildees natildeo haacute evoluccedilatildeo no pensamento filosoacutefico retoacuterico Eacute a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento

Neste sentido a moral (Kant) do orador ou seja as virtudes morais do orador satildeo importantes para que se possa produzir um modo de exposiccedilatildeo adequado das ideias ou argumentos

A questatildeo da autoridade moral ligada agrave pessoa do orador se recoloca em um primeiro sentido trata-se realmente dos seus caracteres reais Assim Bourdaloue afirma que ldquo1 o orador convenceraacute por argumentos se para bem dizer ele comeccedilar por pensar bem 2 Ele agradaraacute pelos seus modos se para pensar bem ele comeccedilar por bem viverrdquo Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espiacuteritos No entanto Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retoacutericas de Gibert de Crevier e de outros para mostrar que a questatildeo da moralidade natildeo elidia nos claacutessicos a ideia de uma construccedilatildeo do orador pelo seu discurso Eacute o sentido dos ldquocaracteres oratoacuteriosrdquo ou imagem produzida pelo discurso a ser distinguido dos caracteres reais Distinguimos caracteres oratoacuterios de caracteres reais Isso natildeo apresenta dificuldades pois quer algueacutem efetivamente honesto quer seja piedoso religioso modesto justo faacutecil no conviacutevio com o mundo ou ao contraacuterio quer seja corrompido [] aqui estaacute o que chamamos caracteres reais Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso isso se chama caracteres oratoacuterios quer ele seja tal como pareccedila ser quer pareccedila mesmo sem o ser Pois pode-se mostrar algo sem secirc-lo e pode-se natildeo parecer tal e ainda assim o ser pois isso depende da maneira como se fala A preocupaccedilatildeo com a moral impede a dissociaccedilatildeo clara dos dois planos assim distinguidos Gibert nota que os caracteres ldquomarcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o oradorrdquo Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais claacutessicos que a eficaacutecia do discurso deriva claramente dos caracteres oratoacuterios e natildeo dos caracteres reais Eacute interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma anaacutelise do ethos definido como a construccedilatildeo de uma imagem de si correspondente agrave finalidade do discurso (AMOSSY 2005 p 18)

Com efeito a moral do orador ou da retoacuterica natildeo eacute regra aplicada aos outros mas a vocecirc que deseja ser um bom expositor de pensamentos Eacute fundamental a intenccedilatildeo do orador se sua intenccedilatildeo eacute ludibriar convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais Na retoacuterica de nossos dias muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexatildeo mais profunda

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Uma teoria do ethos fundada na uniatildeo entre a retoacuterica e a narratologia foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W Halsal para a ldquonarrativa pragmaacuteticardquo Ela se funda no exame da concepccedilatildeo aristoteacutelica de autoridade aplicada a uma questatildeo frequentemente debatida na poeacutetica da narrativa a da credibilidade do narrador A escola americana do ldquoponto de vistardquo iniciada por Percy Lubbock a narratologia de Kaumlte Hamburguer e de Doritt Cohn as taxionomias de Geacuterard Genette e de Mieke Bal fornecem noccedilotildees (como a voz e o modo narrativos a focalizaccedilatildeo) e as distinccedilotildees (entre autornarradorpersonagem e tambeacutem entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questatildeo da imagem do locutor no quadro especiacutefico da narraccedilatildeo Halsall combina esses dados com os fornecidos natildeo soacute pela Retoacuterica mas tambeacutem pela Poeacutetica de Aristoacuteteles para ver como e em que condiccedilotildees o enunciador parece confiaacutevel aos olhos do leitor Ao fazecirc-lo Halsall reformula a problemaacutetica do ldquonarrador digno de confianccedilardquo em termos greimasianos de ldquocontrato fiduciaacuteriordquo Toda comunicaccedilatildeo estaacute fundada em uma confianccedila miacutenima entre os protagonistas e cabe a uma retoacuterica narrativa segundo o autor determinar como ldquoa enunciaccedilatildeo contribui para criar no enunciataacuterio uma relaccedilatildeo de confianccedila fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencerrdquo O interesse pela narrativa proveacutem segundo Halsall da complexidade e frequentemente da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas De fato o ponto de vista e a voz do personagem natildeo remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegeacutetico A autoridade acordada a um ou a outro natildeo eacute natural e deve ser negociada As diferentes possibilidades satildeo o apanaacutegio do narrador que se manteacutem fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual por exemplo) e do narrador intradiegeacutetico (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar) Entretanto a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar oferecendo assim numerosos casos de indefiniccedilatildeo acerca da confiabilidade do enunciador e consequentemente do sentido do enunciado A narrativa pragmaacutetica que visa a persuadir tende a reduzir ao maacuteximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso Nessa oacutetica Halsall examina as diferentes figuras que a retoacuterica coloca agrave disposiccedilatildeo da narraccedilatildeo para assegurar a autoridade do narrador O autor as divide seguindo Aristoacuteteles em dois grupos o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos e o dos argumentos internos ao discurso Na primeira categoria ele agrupa o apelo aos princiacutepios atestados ou apodeixis (a nota aforiacutestica) o proveacuterbio ou a sentenccedila o apelo agrave proacutepria experiecircncia ou martyria as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc A segunda categoria compreende o panegiacuterico dos ouvintes (comprobatio) a declaraccedilatildeo de boas intenccedilotildees (eucharistie) etc Outras figuras pertencem ao pathos a simulaccedilatildeo de submissatildeo (philophronegravese) e o eulogie ou becircnccedilatildeo A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptaacute-las agraves estrateacutegias narrativas Halsall o demonstra em diversas narrativas literaacuterias entre as quais O uacuteltimo dia de um condenado de Victor Hugo (AMOSSY 2005 p 20-22)

Essa teoria que une a retoacuterica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada Natildeo basta um modelo estiliacutestico eacute preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt paacutegina 25 a 26 e explique o que vocecirc entende sobre a possibilidade de uma retoacuterica integrada agrave linguiacutestica Explique com suas palavras

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Argumentaccedilatildeo Pedagoacutegica Filosoacutefica

A argumentaccedilatildeo retoacuterica pode ser pedagoacutegica ou filosoacutefica Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica eacute aquela que produz um efeito educativo quer constranger o outro indiviacuteduo a seguir aquilo que estaacute sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI 2012) Jaacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica eacute aquela em que se prioriza a exposiccedilatildeo de ideias e que implica necessariamente em um debate ou na exposiccedilatildeo linear e concatenada de argumentos

Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte Com efeito para falarmos de uma retoacuterica e de uma oratoacuteria pedagoacutegica precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas

A Pedagogia Retoacuterica por conseguinte ressaltou especialmente o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores Por essa razatildeo era por natureza canocircnica Segundo Burton (1994 p 96) a Pedagogia Retoacuterica repousa numa iacutentima relaccedilatildeo entre leituraescrita e observaccedilatildeocomposiccedilatildeo Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas anaacutelise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecaccedilatildeo do texto modelo praelectio) e gecircnese A observaccedilatildeo de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiccediloa a fala e a escrita Assim o incentivo agrave leitura natildeo se deve somente agrave busca do conteuacutedo mas tambeacutem agrave busca de teacutecnicas e estrateacutegias uacuteteis Tais teacutecnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes atraveacutes de vaacuterios tipos de exerciacutecios de imitaccedilatildeo ndash

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Imitatio Esse termo imitatiomiacutemesis (imitaccedilatildeo) em sua origem refere-se agrave accedilatildeo ou faculdade de imitar de copiar de reproduzir ou representar a natureza o que para Aristoacuteteles eacute o fundamento da arte Entretanto a imitatio natildeo eacute exclusividade da gecircnese da arte Toda accedilatildeo humana inclui procedimentos mimeacuteticos a aptidatildeo do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitaccedilatildeo Desse modo Aristoacuteteles defendia que eacute a miacutemesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1 IV) Portanto a imitatio eacute sem duacutevida o maior pilar da Pedagogia Retoacuterica Outra concepccedilatildeo basilar para a Retoacuterica eacute a divisatildeo entre ldquoo que eacuterdquo comunicado por meio da linguagem e ldquocomordquo isso eacute comunicado a distinccedilatildeo entre forma e conteuacutedo ndash para Aristoacuteteles logos e lexis res e verba para Quintiliano bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luiacutes Vives Essa divisatildeo embora questionaacutevel e questionada ndash jaacute que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisiacutevel da expressatildeo verbal e das ideias ndash eacute muito uacutetil se entendida como um artifiacutecio para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retoacuterica na qual a praacutetica da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteuacutedo (SOUKI 2012 p 2)

Nesse sentido o sujeito que utiliza da argumentaccedilatildeo pedagoacutegica sempre se preocupa em expor um argumento para algueacutem e como consequecircncia quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor

Se a opccedilatildeo do orador for utilizar argumentaccedilatildeo filosoacutefica deve ficar claro que o sujeito supotildee uma oposiccedilatildeo de argumentos ou uma exposiccedilatildeo com sequecircncia loacutegica e com uma finalidade de expor as ideias natildeo necessariamente o convencimento

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposiccedilatildeo de argumentos Vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ter em mente essa distinccedilatildeo para escolher o modo adequado de argumentaccedilatildeo

Eacute importante recordar alguns pontos fundamentais da retoacuterica e da oratoacuteria para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela

Embora se deva a Hermaacutegoras o mais antigo tratamento dos estudos retoacutericos foi Ciacutecero que efetivamente legou para a posteridade essa divisatildeo dos estudos retoacutericos como os Cacircnones da Retoacuterica (Ciacutecero De Inuentione 17 Ciacutecero De Oratore 131-142 Quintiliano Institutio Oratoria 33) Foram organizados em cinco categorias invenccedilatildeo (Inuentio) arranjo (Dispositio) estilo (Elocutio) memoacuteria (Memoria) e apresentaccedilatildeoperformance (Pronuntiatio) Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a criacutetica do discurso e portanto se configuravam em um padratildeo para a educaccedilatildeo retoacuterica e para o ensino da gecircnese dos discursos Particularmente o cacircnone heuresisinuentio que significa descoberta de fontes para a persuasatildeo discursiva estaacute latente em todo problema retoacuterico O proacuteprio termo latino

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Oratoacuteria e Retoacuterica

inuentio do grego heuresis em portuguecircs significa invenccedilatildeo ou descoberta Esse cacircnone foi na antiguidade um dos processos mais teorizados por estudiosos retoacutericos da eacutepoca principalmente por Aristoacuteteles que definia a Retoacuterica como invenccedilatildeo Por isso a categoria invenccedilatildeo estaacute relacionada agrave essecircncia da persuasatildeo e argumentaccedilatildeo dessa arte milenar Para ele a Retoacuterica era uma das melhores formas de persuasatildeo (ARISTOacuteTELES Retoacuterica I 2) A Retoacuterica pode ser considerada uma disciplina praacutetica cujos preceitos se datildeo a partir de ferramentas a serem aplicadas na praacutetica E como a Retoacuterica na antiguidade natildeo dispunha de uma mateacuteria proacutepria os oradores tinham como meacuterito poder falar sobre qualquer assunto Na praacutetica entretanto os discursos eram para os oradores um desafio Isso na medida em que era necessaacuterio propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender Como preconizava Ciacutecero aleacutem do gecircnio inato era necessaacuterio ao orador o meacutetodo isto eacute a Retoacuterica para entatildeo buscar os melhores argumentos Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retoacuterica jaacute estaria em vantagem e que na falta dele era imperioso ao orador buscar artifiacutecios para descobrir argumentos Nesse caso a invenccedilatildeo ou heuresisinuentio era o meacutetodo para demarcar a descoberta desses argumentos Dessa maneira eacute fundamental nesta parte salientar os dois grandes tipos de argumentos de acordo com Aristoacuteteles Satildeo os seguintes os natildeo retoacutericos e os retoacutericos Os primeiros natildeo faziam parte da Retoacuterica eram argumentos externos agrave arte Os oradores ao utilizaacute-los natildeo necessitavam inventaacute-los descobri-los Dessa maneira precisavam apenas localizaacute-los e adequaacute-los ao discurso Acontece entre outros processos por meio do raciociacutenio loacutegico Por sua vez ocorre por induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentaccedilatildeo ou seja a utilizaccedilatildeo dos argumentos natildeo retoacutericos jaacute que se faz importante conhececirc-los compreendecirc-los e entatildeo utilizaacute-los adequadamente quando conveniente (SOUKI 2012 p 4)

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um

pensamento eacute a capacidade que iraacute distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um puacuteblico Desta maneira conforme jaacute apontou Soacutecrates devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a anaacutelise dos argumentos

A parte do diaacutelogo platocircnico apresentada na sequecircncia permite a vocecirc estudante um entendimento e uma aproximaccedilatildeo detalhada de um discurso retoacuterico refinado

Estrangeiro mdash Logo se haacute discurso verdadeiro e discurso falso e o pensamento se nos revelou como conversaccedilatildeo da alma consigo mesma e opiniatildeo como a conclusatildeo do pensamento vindo a ser o que designamos pela expressatildeo imagino uma mistura de sensaccedilatildeo e opiniatildeo forccediloso eacute que algumas sejam falsas dadas suas afinidades com o discursoTeeteto mdash Sem duacutevidaEstrangeiro mdash Como jaacute percebeste apanhamos mais depressa do que esperaacutevamos a falsa opiniatildeo e o falso discurso pois natildeo faz muito tiacutenhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizaacutevel

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Teeteto mdash Jaacute percebi realmenteXLVIII mdash Estrangeiro mdash Por isso natildeo desanimemos ante o que ainda nos falta realizar e jaacute que conseguimos chegar ateacute aqui voltemos a tratar de nosso processo de divisatildeoTeeteto mdash Que divisatildeoEstrangeiro mdash Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens a da coacutepia e a dos simulacrosTeeteto mdash CertoEstrangeiro mdash E tambeacutem nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delasTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash E no auge de nossa confusatildeo trevas ainda mais densas nos envolveram com apresentar-se-nos o argumento de contestaccedilatildeo universal de que natildeo existe absolutamente nem coacutepia nem simulacro visto natildeo ser possiacutevel haver seja onde for qualquer espeacutecie de falsidadeTeeteto mdash Falaste com muito acertoEstrangeiro mdash Poreacutem uma vez provada a existecircncia de falsos discursos e de opiniotildees falsas eacute possiacutevel que haja imitaccedilatildeo dos seres e que dessa disposiccedilatildeo do espiacuterito nasccedila uma arte da falsidadeTeeteto mdash Eacute possiacutevel (PLATAtildeO 1980a p 66)

Cabe ao estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caraacuteter e a suas convicccedilotildees pessoais para explicar e expor uma mensagem teoloacutegica filosoacutefica ou de outra ordem

Figuras de Pensamento e Figuras de Construccedilatildeo

As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL 2004) Desta maneira podemos falar de simples comparaccedilotildees que satildeo simplesmente cotidianas em nossos argumentos Podemos falar tambeacutem de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que satildeo muito comuns em meios juriacutedicos para suavizar determinados atos Merecem menccedilatildeo ainda os eufemismos linguiacutesticos que querem suavizar uma situaccedilatildeo insuportaacutevel Entre outros podemos falar ainda de argumentos comparativos indicativos ambiacuteguos literais e impliacutecitos

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento o efeito resultante seraacute condicionado agrave amplitude da possibilidade que este tiver Por exemplo para convencer um determinado puacuteblico o orador escolhe um argumento indicativo e direto O resultado estaacute condicionado ao niacutevel da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou natildeo no convencimento mas o tipo do argumento eacute o principal determinante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Agumas ConsideraccedilotildeesOs aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como

a retoacuterica e a oratoacuteria no decorrer da histoacuteria do conceito se desenvolveram E conforme aponta Reboul (2004) natildeo existe uma evoluccedilatildeo positivista na construccedilatildeo dos argumentos

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retoacuterica e da

oratoacuteria com periacuteodos de destaque e outros de esquecimento Deve ficar claro que tanto a retoacuterica construccedilatildeo de argumentos quanto a oratoacuteria exposiccedilatildeo destes satildeo componentes do cotidiano de nossas existecircncias

ReferecircnciasAMOSSY Ruth Da noccedilatildeo retoacuterica de ethos agrave anaacutelise do discurso Imagens de si no discurso a construccedilatildeo do ethos Satildeo Paulo Contexto p 9-28 2005 Disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt Acesso em 12 jun 2017

CHACON Almeida Deus no Outro a noccedilatildeo cristatilde de espiritualidade e sua interface com a eacutetica da alteridade Revista Eletrocircnica Espaccedilo Teoloacutegico Vol 10 n 18 juldez 2016 p 48-60 Disponiacutevel em lthttprevistaspucspbrindexphpreveleteogt Acesso em 15 jun 2017

PLATAtildeO Fedro Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980a

_______ Goacutergias Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980b

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

PEREIRA M P Retoacuterica hermenecircutica e filosofia Revista filosoacutefica de Coimbra n 5 v 3 1994 pp 5-70 Disponiacutevel em lthttpwwwucptflucdfcipublicacoesretorica__hermeneutica_e_filosofiagt Acesso em 10 jun 2017

SEGUNDO P R G Resenha de Olivier Reboul Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

SOUKI J D O Argumentaccedilatildeo a pedagogia retoacuterica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva 2012 Disponiacutevel em lthttprevistaarnaldocostatecscombrindexphpfaculdadedireitoarnaldoarticledownload2014gt Acesso em 13 jun 2017

CAPIacuteTULO 4

Implicaccedilotildees da Retoacuterica

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Escolher argumentos e formas de oratoacuteria para alguns grupos de pessoas

Diferenciar as hipoacuteteses de teses e posturas retoacutericas acerca de um tema

Construir um argumento retoacuterico que convenccedila

Formular uma oratoacuteria para um determinado puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo procuramos apresentar a vocecirc estudante de oratoacuteria e

retoacuterica uma reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequecircncias destas escolhas

Implicaccedilotildees do ArgumentoQuando enunciamos um argumento devemos saber quais as devidas

implicaccedilotildees do que estamos expondo Ao apresentarmos um determinado argumento devemos saber de suas fontes se ele tem ou natildeo alguma relaccedilatildeo com a verdade no sentido platocircnico que remete agrave epistemologia dos fatos ou se eacute uma mera suposiccedilatildeo do intelecto que produz determinadas situaccedilotildees como fruto de nossa imaginaccedilatildeo

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenios ele natildeo pode ser um enunciado vazio sem coerecircncia interna Para que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica entenda o que estaacute sendo dito daremos alguns exemplos

Exemplo (a) Soacutecrates eacute homem Todos os homens satildeo mortais Logo Soacutecrates eacute mortal (b) Vovoacute se chama Ana Vovocirc se chama Luacutecio Consequentemente eu me chamo Ana Luacutecia (c) Haacute exatamente 136 caixas de laranja no depoacutesito Cada caixa conteacutem pelo menos 140 laranjas Nenhuma caixa conteacutem mais do que 166 laranjas Deste modo no depoacutesito estatildeo pelo menos seis caixas contendo o mesmo nuacutemero de laranjas (VIANA 2012 p 4)

Natildeo queremos entrar em detalhes loacutegicos formais dos argumentos pois o

estudante de oratoacuteria e retoacuterica natildeo precisa de formalidades filosoacuteficas com detalhamentos matemaacuteticos Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema os estilos e a finalidade de seu argumento

Deste modo as implicaccedilotildees de um determinado argumento satildeo mensuraacuteveis ou seja calculaacuteveis Com efeito vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silecircncio Em muitos momentos da convivecircncia humana argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada logo o silecircncio tambeacutem eacute um argumento saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado por isso citamos um texto juriacutedico para o aluno distinguir do de teologia

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica

de raciociacutenios ele natildeo pode ser um

enunciado vazio sem coerecircncia interna

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Argumentar eacute o ato de produzir argumentos Produzir um argumento eacute apresentar razotildees em defesa de uma conclusatildeo Essa natildeo eacute a uacutenica definiccedilatildeo possiacutevel do ato de argumentar Por exemplo haacute quem prefira entender argumentos como diaacutelogos isto eacute como seacuteries (mais ou menos longas) de afirmaccedilotildees objeccedilotildees e reacuteplicas Essa concepccedilatildeo ndash que poderia ser descrita como ldquodialoacutegicardquo ndash natildeo estaacute errada Ela eacute uacutetil em certos contextos e para certos propoacutesitos mas ela natildeo parece particularmente uacutetil para explicar a interlocuccedilatildeo juriacutedica Devemos adotar uma noccedilatildeo de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentaccedilatildeo juriacutedica Argumentar natildeo eacute exatamente um ato privado ou monoloacutegico (afinal argumentos juriacutedicos satildeo produzidos caracteristicamente no contexto de debates puacuteblicos) mas cada argumentador eacute responsaacutevel por seus proacuteprios argumentos Cada argumentador ao produzir um argumento apresenta as suas razotildees em defesa da sua conclusatildeo Isso natildeo quer dizer que argumentaccedilatildeo juriacutedica seja sempre competitiva ou conflituosa No ambiente acadecircmico por exemplo haacute muito espaccedilo para a colaboraccedilatildeo intelectual (SCHECAIRA 2012 p 1)

Por isso saber o alcance de um argumento e as devidas

consequecircncias eacute uma forma de o orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento adequado Atenccedilatildeo calcular as consequecircncias de seus argumentos natildeo eacute somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relaccedilatildeo utilitaacuteria eacute antes de tudo ter a sensibilidade de saber o que quando e para que serve o que estamos expondo Percebemos estas dificuldades em situaccedilotildees extremas por exemplo quando haacute uma trageacutedia ou quando haacute uma enfermidade grave em nosso meio Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando sendo que naquele momento ningueacutem tem

condiccedilotildees emocionais de escutar um argumento Consequentemente acabamos por falar em um momento em que as palavras natildeo satildeo o mais importante O contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Quantas vezes jaacute nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos

Os elementos que formam um argumento satildeo proposiccedilotildees Segundo uma compreensatildeo claacutessica proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas segundo corretamente expressem ou natildeo aquilo que ldquocorresponde aos fatosrdquo Jaacute os argumentos sendo estruturas de proposiccedilotildees natildeo satildeo passiacuteveis de verdade ou falsidade [] O seu ldquovalorrdquo epistecircmico se expressa pelas noccedilotildees de validade e relevacircncia Um argumento seraacute vaacutelido se e somente se for impossiacutevel que sua conclusatildeo seja falsa quando se assume que todas as premissas satildeo verdadeiras Com essa caracterizaccedilatildeo fica claro que somente argumentos do tipo loacutegico podem estritamente ser vaacutelidos Nos outros tipos deve-se adotar um padratildeo [] mais fraco de exigecircncia para a avaliaccedilatildeo do argumento Assim muitos filoacutesofos propuseram criteacuterios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores ou seja capazes em maior ou menor grau de conferir plausibilidade

Saber o alcance de um argumento

e as devidas consequecircncias eacute uma forma de o

orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor

bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento

adequado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

a suas conclusotildees quando se assume que suas premissas satildeo verdadeiras Um argumento seraacute dito relevante se e somente se aleacutem de vaacutelido todas as suas premissas forem de fato verdadeiras Se contiver ao menos uma premissa falsa seraacute irrelevante porque a existecircncia de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusatildeo eacute de fato verdadeira mesmo o argumento sendo vaacutelido (Um argumento vaacutelido ldquotransmiterdquo a verdade das premissas para a conclusatildeo se entre as premissas houver alguma que seja falsa sua falsidade poderaacute (mas natildeo necessariamente) ldquopassarrdquo para a conclusatildeo) (CHIBENI sd p 2)

Logo identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa iraacute contribuir para

que o estudante de oratoacuteria e retoacuterica se organize e conforme entende Reboul (2004) saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstacircncia

Atividade de Estudos

1) Indique o que vocecirc entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retoacuterica Explique com suas palavras

Se a retoacuterica com a revoluccedilatildeo romacircntica entrou em descreacutedito rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poeacuteticas se os estudos retoacutericos foram depois perdendo importacircncia sobretudo nas escolas da Europa continental tal fato natildeo significou como muitos pensaram e alguns desejaram a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 seacuteculos nem a sua exclusatildeo pelas forccedilas criadoras do gecircnio para o limbo das coisas inuacuteteis

Ao contraacuterio do que se poderia supor foi a retoacuterica em tempos de fasciacutenio pela utilidade imediata dos saberes e teacutecnicas de entre as artes da palavra aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessaacuterio e eficaz nas sociedades que ao longo do seacuteculo XX sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleraccedilatildeo histoacuterica

Com efeito se a comunicaccedilatildeo no passado era naturalmente limitada pelo espaccedilo ndash do tribunal da assembleia da igreja da praccedila puacuteblica ndash por natildeo haver maneira de propagar mais aleacutem a voz humana no nosso tempo instrumentos e teacutecnicas cada vez mais aperfeiccediloadas permitiram dar agrave palavra forccedila incoerciacutevel e eficaacutecia inaudita

Eacute verdade que haacute muito o homem vencera as barreiras do tempo por meio da escrita e lograra a propagaccedilatildeo do discurso atraveacutes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do livro impresso a retoacuterica constitui-se como arte na Greacutecia do seacuteculo V a C quando se expande o conhecimento e uso da escrita a retoacuterica renasce na Itaacutelia do Quattrocento quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg com a imprensa a retoacuterica pocircde transformar-se em retoacuterica literaacuteria Mas esse era um tempo diferido que alterava as condiccedilotildees da situaccedilatildeo comunicacional e quando em diferentes momentos e por razotildees vaacuterias a retoacuterica eacute reduzida agrave teacutecnica de anaacutelise e composiccedilatildeo perde a sua dinacircmica padecendo de letteraturazione deleita talvez ensine deixa poreacutem de impelir agrave accedilatildeo a distacircncia entre orador e ouvinte dificulta o ofiacutecio de persuadir Esse foi o tempo da retoacuterica senza microfono

O seacuteculo passado viu nascer a comunicaccedilatildeo de massas a difusatildeo do discurso escrito e oral agrave escala planetaacuteria mercecirc de poderosos meios de amplificaccedilatildeo da voz humana o meio frio da galaacutexia de Guttenberg rapidamente substituiacutedo pelos canais quentes da era de McLuhan mas viu tambeacutem como tamanho poder perverte a verdadeira comunicaccedilatildeo na poacutelis deste nosso tempo saturado de discurso e informaccedilatildeo de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983 23-56 e Verdelho 1986 139-156)

[] Na Europa a recuperaccedilatildeo da retoacuterica processou-se sobretudo a dois niacuteveis no plano filosoacutefico e no campo dos estudos linguiacutesticos e literaacuterios A filosofia haacute muito tempo que excomungara a retoacuterica Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretoacuterica que desde Platatildeo marcava o pensamento filosoacutefico A reabilitaccedilatildeo da retoacuterica neste domiacutenio inicia-se em 1952 quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletacircnea de artigos sob o tiacutetulo Rheacutetorique et Philosophie aiacute proclamam o seu propoacutesito de estudar laquoles moyens drsquoargumentation autres que ceux relevant de la logique formelle qui permettent drsquoobtenir ou drsquoaccroicirctre lrsquoadheacutesion drsquoautrui aux thegraveses qursquoon propose agrave son assentimentraquo (Lempereur 1990 117) Em 1958 sistematizam essa teoria no Traiteacute de lrsquoargumentation que apresentam como nouvelle rheacutetorique Para resolver o velho dissiacutedio entre retoacuterica e filosofia Perelman regressa agrave tradiccedilatildeo claacutessica elegendo como texto fundacional a Retoacuterica de Aristoacuteteles (SOARES 2011 p 19-22)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Os Sofistas e a Retoacuterica de HojeO nascimento da retoacuterica no Ocidente se relaciona de modo substancial com

um movimento filosoacutefico antigo que foi contemporacircneo ao pensamento platocircnico por volta do seacuteculo IV aC que foi chamado de sofista Os sofistas satildeo um grupo de pensadores da eacutepoca de Platatildeo e que natildeo acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso Logo surgiu a contenda em que Platatildeo os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade A disputa entre Soacutecrates e os sofistas descrita por Platatildeo visto que Soacutecrates nada escreveu mostra este problema da discussatildeo sobre a elaboraccedilatildeo de um discurso presente entre os gregos Passamos agora para alguns trechos do diaacutelogo Sofista de Platatildeo para evitarmos a falsa impressatildeo de que a retoacuterica e a oratoacuteria evoluiacuteram O diaacutelogo comeccedila com Soacutecrates e Teodoro um amigo da eacutepoca

I mdash Teodoro mdash Fieacuteis Soacutecrates a nossa combinaccedilatildeo de ontem aqui estamos na melhor ordem Trouxemos conosco este Estrangeiro natural de Eleia eacute amigo dos disciacutepulos de Parmecircnides e de Zenatildeo e filoacutesofo de grande merecimentoSoacutecrates mdash Natildeo se daraacute o caso Teodoro de sem o saberes teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro segundo aquilo de Homero quando diz que de regra os deuses e particularmente o que preside agrave hospitalidade acompanham os cultores da justiccedila para observarem o orgulho ou a equidade dos homens Quem sabe se natildeo veio contigo uma dessas divindades para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tatildeo fracos todos noacutes algum deus disputadorTeodoro mdash Natildeo Soacutecrates natildeo eacute do caraacuteter do nosso Estrangeiro ele eacute mais modesto do que todos esses amantes de discussotildees Natildeo acho absolutamente que o homem seja alguma divindade Poreacutem divino teraacute de ser sem duacutevida natildeo eacute outro o qualificativo que costumo dar aos filoacutesofosSoacutecrates mdash E com razatildeo amigo Poreacutem talvez a raccedila dos filoacutesofos natildeo seja por assim dizer muito mais faacutecil de conhecer do que a dos deuses Em virtude da ignoracircncia da maioria esses varotildees percorrem as cidades sob as mais variadas aparecircncias contemplando sobranceiros a vida caacute de baixo Natildeo me refiro aos pretensos filoacutesofos poreacutem aos de verdade Aos olhos de algumas pessoas eles carecem em absoluto de merecimento para outros satildeo dignos de toda a consideraccedilatildeo Ora se apresentam como poliacuteticos ora como sofistas havendo ateacute quem decirc a impressatildeo de ser completamente louco Por isso mesmo gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro caso nada tenha a opor como pensam a esse respeito laacute por suas bandas e como os denominam (PLATAtildeO 1980 p 2-3)

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou forccedila sob a fundamentaccedilatildeo retoacuterica do relativismo e das correntes filosoacuteficas que se apoiam nele Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver inaugurando a profissatildeo de professor ambulante seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade suplantando a busca da verdade da filosofia socraacutetico-platocircnica

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Oratoacuteria e Retoacuterica

E para irmos ao cerne do problema nos referimos agrave definiccedilatildeo dada por Soacutecrates no texto escrito por Platatildeo sobre os sofistas e seus estilos de argumentaccedilatildeo em defesa da natildeo existecircncia da verdade

III mdash Estrangeiro mdash Belas palavras poreacutem sobre isso tu mesmo resolveraacutes no decorrer de nossa discussatildeo No momento o que importa eacute te associares comigo para darmos iniacutecio ao nosso estudo a comeccedilar segundo penso pelo sofista investiguemo-lo e mostremos com nossa anaacutelise o que ele venha a ser Por enquanto eu e tu apenas num ponto estamos de acordo o nome Mas quanto agrave coisa designada por esse nome talvez cada um de noacutes faccedila ideia diferente Poreacutem em toda discussatildeo o que importa antes de tudo eacute ficar em concordacircncia com relaccedilatildeo agrave proacutepria coisa por meio da explicaccedilatildeo adequada natildeo apenas a respeito do nome sem aquela explicaccedilatildeo A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar natildeo eacute faacutecil de definir Mas para levar a bom termo empresas grandes segundo preceito antigo de aceitaccedilatildeo geral soacute seraacute de vantagem experimentar antes as forccedilas em temas menores e mais faacuteceis e soacute depois passar para os maiores Por isso Teeteto o que na presente situaccedilatildeo sugiro para noacutes dois jaacute que reconhecemos ser difiacutecil e trabalhosa a raccedila dos sofistas eacute nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples a menos que te ocorra indicar um caminho mais cocircmodoTeeteto ndash Natildeo nada me ocorre nesse sentido Estrangeiro mdash Concordas entatildeo em escolhermos um exemplo singelo e apresentaacute-lo como modelo para o maiorTeeteto mdash ConcordoEstrangeiro mdash Que assunto pois escolheremos simples a um tempo e faacutecil de conhecer mas cuja explicaccedilatildeo natildeo exija menor nuacutemero de caracteriacutesticas do que temas importantes O do pescador talvez Natildeo eacute assunto bastante conhecido e natildeo nos merece a maior atenccedilatildeoTeeteto ndash Isso mesmoEstrangeiro ndash Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definiccedilatildeo mais condizente com o nosso intentoTeeteto ndash Seria oacutetimoIV mdash Estrangeiro mdash Pois entatildeo comecemos por aiacute Dizei-me uma coisa como devemos concebecirc-lo eacute artista ou sujeito carecente de arte poreacutem dotado de alguma outra capacidadeTeeteto ndash De jeito nenhum poderaacute ser carecente de arteEstrangeiro ndash Mas todas as artes se reduzem a duas espeacuteciesTeeteto ndash Como assimEstrangeiro ndash A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal depois tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados a que damos o nome de utensiacutelios e por uacuteltimo a imitaccedilatildeo natildeo seraacute justo designar tudo isso por um uacutenico nomeTeeteto ndash Como assim e que nome seraacuteEstrangeiro ndash Damos o nome de produtor a quem traz para a existecircncia o que antes natildeo existia denominamos produto o que passa a existir em cada caso particularTeeteto ndash CertoEstrangeiro ndash Entatildeo designemos tudo aquilo por um nome uacutenico seratildeo as artes produtivasTeeteto ndash SejaEstrangeiro ndash Depois dessas vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento as do ganho a da luta e a da caccedila as quais nada fabricam mas que por meio da palavra ou da accedilatildeo procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido ou impedir que outros se apropriem O nome geneacuterico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATAtildeO 1980 p 5-6)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Neste sentido os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platatildeo e Aristoacuteteles Isso natildeo significa em superaccedilatildeo pois em filosofia natildeo existe conhecimento retoacuterico ultrapassado Vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve saber disso natildeo haacute conhecimento superado em filosofia Deste modo vocecirc pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retoacuterico mais adequado

Precisamos mencionar neste capiacutetulo que a passagem da arte da enganaccedilatildeo como era conhecida a retoacuterica e a oratoacuteria entre os gregos para a arte do falar bem envolve uma dinacircmica que implica em evoluccedilatildeo O que ocorreu eacute uma retomada da perspectiva dos sofistas da eacutepoca platocircnica pois embora Platatildeo os combatesse valorizava a arte retoacuterica destes

Houve tempos em que a retoacuterica foi tratada como sinocircnimo de enganaccedilatildeo A leitura do diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo deixa evidente que a dupla serventia da persuasatildeo ndash ora podendo estar a serviccedilo do bem ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar O ensino e o uso da retoacuterica e da oratoacuteria para fins poliacuteticos tambeacutem contribuiacuteram para o seu afastamento do elenco dos meacutetodos cientiacuteficos Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de aacuteguas que marcou o momento em que a retoacuterica caiu no esquecimento Por isso mesmo na esteira das contestaccedilotildees pragmaacutetica e behaviorista no seacuteculo XX abriu-se caminho para o ressurgimento da retoacuterica A retoacuterica natildeo se trata portanto de uma corrente de pensamento mas sim de um instrumento E natildeo eacute correto tambeacutem ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento especiacutefica como alguns criacuteticos jaacute o fizeram no Brasil ao atacarem os seguidores da retoacuterica em diversos momentos como sendo difusores de instrumentos a serviccedilo do neoliberalismo O objetivo do projeto retoacuterico eacute o estudo pormenorizado do alcance da teacutecnica E eacute justamente por isso que o estudo da retoacuterica enquanto teacutecnica de persuasatildeo deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da aacuterea da economia a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenccedilatildeo para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodoloacutegico em detrimento da unicidade de meacutetodo alertam para a necessidade de natildeo se jogar fora o contraditoacuterio de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e agraves tratativas impessoais tatildeo presentes no hardcore neoclaacutessico Chamam ainda a atenccedilatildeo para a necessidade de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA 2016 p 17)

Eacute importante mencionar que as teacutecnicas retoacutericas formais de construccedilatildeo de

um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo A filosofia e a retoacuterica filosoacutefica funcionam com a contraposiccedilatildeo das ideias e natildeo com descobertas cientiacuteficas Deste modo a filosofia e sua subaacuterea a retoacuterica satildeo maneiras de

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Oratoacuteria e Retoacuterica

pensar que permitem ao homem desde seus modelos conhecidos na Greacutecia e em outros lugares se debruccedilar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Greacutecia e arredores

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retoacuterica parece ser a maneira menos controversa de defini-los Eles supriram a demanda por uma educaccedilatildeo juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos puacuteblicos e privados Vistos positivamente eles eram ldquoos transmissores de competecircncias valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira poliacutetica e de um modo geral nos ecircxitos mundanosrdquo (SOUSA PINTO 2002 p 13-14) Seu ensino era pago e eram procurados principalmente por jovens de famiacutelias abastadas que pretendiam alcanccedilar poder poliacutetico atraveacutes do domiacutenio das teacutecnicas do discurso persuasivo Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem futuramente os ensinamentos sofiacutesticos com fins inescrupulosos era um risco da profissatildeo e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados O estudo da retoacuterica orientado pelos sofistas incluiacutea desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais ateacute a discussatildeo de assuntos de composiccedilatildeo estrutura e argumentaccedilatildeo O objetivo destes estudos era a construccedilatildeo do discurso natildeo apenas mais adequado e convincente mas do melhor e mais envolvente Suas praacuteticas pretendiam o aprimoramento no uso de teacutecnicas discursivas tais como o uso do argumento provaacutevel ou verossimilhante contra-argumentaccedilatildeo e justaposiccedilatildeo de argumentos contraacuterios adequaccedilatildeo agrave ocasiatildeo (causa puacuteblico situaccedilatildeo etc) figuras de linguagem efeitos causados sobre o puacuteblico etc (PREZOTTO 2008 p 242)

Depois deste detalhamento importante queremos apontar como a

modernidade se desenvolveu sobre a definiccedilatildeo sofiacutestica de que natildeo existe a verdade O homem moderno resultado do desenvolvimento cientiacutefico chegou a acreditar em uma maacutexima relativista elencada por Protaacutegoras sofista grego ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade

De um modo geral alguns professores esclarecidos da geraccedilatildeo anterior assemelhavam-se aos sofistas como os preceptores de Peacutericles que ensinavam sobre astronomia geografia e fiacutesica e mantinham com seus alunos discussotildees dialeacuteticas acerca de problemas diversos No entanto embora partilhassem com seus predecessores o ofiacutecio de treinar os jovens para os deveres as atribuiccedilotildees e os acontecimentos da vida adulta privada ou puacuteblica os sofistas distinguiram-se [] por trazer agrave tarefa uma gama maior de conhecimento com uma maior multiplicidade de toacutepicos cientiacuteficos e outros - natildeo soacute poderes mais impressionantes de composiccedilatildeo e discurso servindo como um exemplo pessoal ao aluno mas tambeacutem uma compreensatildeo dos elementos da boa oratoacuteria para poder transmitir os preceitos conducentes agravequela realizaccedilatildeo - um tesouro consideraacutevel de pensamento acumulado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

em moral e assuntos poliacuteticos destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos sobre temas gerais ou lsquolugares comunsrsquo para que os alunos aprendessem de cor (GROTE 1907 p 317) Acreditar que os sofistas transmitissem apenas teacutecnicas e aptidotildees especiacuteficas eacute simplificar o escopo de sua atuaccedilatildeo Influenciados pela filosofia jocircnica os sofistas satildeo racionalistas e inquiridores As explicaccedilotildees lsquonaturaisrsquo de Anaximandro em diante para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutaacuteveis natildeo mais como misteacuterios intangiacuteveis em que os papeacuteis fundamentais eram representados pelos deuses O contato com outros povos a percepccedilatildeo da relatividade dos valores morais dos costumes da religiatildeo foi outro fator que contribuiu para a formaccedilatildeo da nova geraccedilatildeo de pensadores relativistas e humanistas Outra caracteriacutestica dos sofistas eacute a de serem itinerantes assim como os antigos aedos Viajavam pelo mundo grego visitando vaacuterias cidades transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos em conferecircncias maiores ou em epiacutedeixeis Tambeacutem se apresentaram em festivais e em outras ocasiotildees puacuteblicas Dos sofistas mais famosos desta eacutepoca apenas Antiacutefon parece ter sido ateniense Protaacutegoras era de Abdera (na costa da Traacutecia) Goacutergias de Leontinos (na Siciacutelia) Proacutedico de Ceacuteos (em territoacuterio jocircnico) e Hiacutepias de Eacutelis (nordeste do Peloponeso) Todos eles estiveram em algum ou vaacuterios momentos de suas vidas em Atenas pois ldquoAtenas por uns 60 anos na segunda metade do seacuteculo V a C era o verdadeiro centro do movimento sofista De fato tanto isso eacute verdade que sem Atenas eacute provaacutevel que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO 2008 p 243-244)

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na

modernidade procura explicar coisas para as quais natildeo pode dar uma resposta definitiva ou ainda atribui agrave ciecircncia essa tarefa que natildeo pode ser cumprida pois agrave ciecircncia compete investigar fenocircmenos e natildeo coisas em si conforme ensinou o filoacutesofo alematildeo Immanuel Kant (2005)

Todas as caracteriacutesticas do movimento sofista ateacute aqui expostas suscitam tanto admiraccedilatildeo como repulsa A nova educaccedilatildeo que promove eacute satirizada por Aristoacutefanes em As Nuvens Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso ensinando os jovens a justificarem maacutes accedilotildees com argumentos retoacutericos livrando-se assim de suas consequecircncias Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaccedila pelas mudanccedilas e discussotildees que incitavam os mais pobres que natildeo tinham acesso ao seu ensino viam-nos com preconceito como os detratores dos bons e velhos costumes Neste ambiente hostil lsquosofistarsquo passa a ser um tiacutetulo depreciativo usado para intelectuais adivinhos pedantes ateus fiacutesicos filoacutesofos etc implicando charlatanismo e velhacaria ou astuacutecia esperteza em sentido pejorativo A maacute reputaccedilatildeo dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platatildeo cuja opiniatildeo continua ainda hoje a influenciar a visatildeo que se tem do periacuteodo sofiacutestico Apenas a partir do seacutec XIX eacute que se comeccedila a desvincular o estudo do movimento sofista da visatildeo legada por Platatildeo A criacutetica platocircnica em linhas gerais recai sob duas acusaccedilotildees 1) os sofistas natildeo satildeo pensadores seacuterios e 2) eles satildeo indiviacuteduos imorais A primeira acusaccedilatildeo diz respeito ao empreendimento platocircnico que busca ridicularizar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as proposiccedilotildees ou as possiacuteveis conclusotildees advindas da reflexatildeo sofista negando agraves doutrinas sofiacutesticas valor filosoacutefico A energia gasta por Platatildeo neste empreendimento por si soacute jaacute eacute indiacutecio da influecircncia exercida por estes pensadores Grosso modo os sofistas difundiam uma concepccedilatildeo relativista aplicada aos niacuteveis ontoloacutegico e epistemoloacutegico e agrave questatildeo da verdade e foram considerados rivais por Platatildeo que desenvolvia uma filosofia essencialmente lsquoabsolutistarsquo Embora Platatildeo tenha tratado Protaacutegoras e Goacutergias com respeito diferenciando-os dos homens mediacuteocres ligados mais tardiamente ao movimento ele transmite um entendimento fundamentalmente errocircneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO 2008 p 245)

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade

de se buscar a verdade produziu inuacutemeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequecircncias morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Podemos observar bem esse problema na modernidade no acircmbito do direito e da religiatildeo Devemos mencionar outra acusaccedilatildeo grave aos sofistas a de que restringiram o papel da educaccedilatildeo retirando dela a condiccedilatildeo do ensino da Arete virtude

A segunda acusaccedilatildeo envolve as criacuteticas direcionadas agrave atividade profissional dos sofistas visando desmerecer o valor da educaccedilatildeo que ofereciam Satildeo caracterizados no diaacutelogo sofista como caccediladores de jovens ricos e comerciantes do ensino Como Kerferd (2003 p 47-49) elucidou para entender esta criacutetica eacute necessaacuterio considerar a oposiccedilatildeo conservadora a que qualquer um tenha acesso agrave formaccedilatildeo poliacutetica simplesmente pagando Como dito anteriormente ateacute este momento a educaccedilatildeo juvenil era restrita aos membros das famiacutelias nobres e acontecia numa relaccedilatildeo de amizade entre o jovem e seu mestre Que a instruccedilatildeo estivesse acessiacutevel a todos que pudessem pagar por ela forccedilava a reconsideraccedilatildeo de estruturas internas da sociedade O ambiente da poacutelis democraacutetica era propiacutecio a tais questionamentos mas a polecircmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da eacutepoca saber se aretē pode ou natildeo ser ensinada Tradicionalmente aretē era palavra usada para referir-se agrave qualidade inata dos grandes homens os que se destacaram historicamente pela coragem forccedila valentia sabedoria lideranccedila mas tambeacutem havia um outro uso desta palavra que denotava a excelecircncia em uma tarefa ou funccedilatildeo especiacutefica e relaciona-se ao domiacutenio de uma teacutecnica teacutechnē termo comumente traduzido por arte No diaacutelogo Protaacutegoras Platatildeo apresenta Soacutecrates e Protaacutegoras debatendo esta questatildeo Ao afirmar que ensina teacutechnē

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade de

se buscar a verdade produziu inuacutemeras

tentativas de reduzir tudo ao modelo

relativista e produziu consequecircncias

morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de

argumentos

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

poliacutetica (319a) Protaacutegoras eacute confrontado com dois argumentos socraacuteticos que pretendem demonstrar que lsquoessarsquo aretē natildeo eacute um conhecimento que possa ser transmitido Os argumentos socraacuteticos satildeo 1) em questotildees teacutecnicas os atenienses consultam especialistas jaacute em questotildees poliacuteticas qualquer um pode opinar ningueacutem se opotildee a isto acreditando que eacute preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d) 2) os melhores e mais saacutebios cidadatildeos natildeo foram capazes de transmitir sua aretē a outros cita Peacutericles (319e-320b) Protaacutegoras expotildee sua opiniatildeo atraveacutes de um mito e conclui que todos os homens satildeo dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da teacutechnē poliacutetica justiccedila e respeito diacutekē e aidōs ndash apenas por possuiacuterem todos estas qualidades eacute que a vida em sociedade eacute possiacutevel (320d-323c)

Fonte Prezotto (2008 p 246)

No periacuteodo final da Idade Meacutedia temos um desenvolvimento de caracteriacutesticas que podemos denominar de incorporadas aos estudos das aacutereas de filosofia e teologia Em seguida nos seacuteculos XVII e XVIII eacute esquecida

Na historiografia do seacuteculo XVI as narrativas mariacutetimas de paiacuteses desconhecidos de fenocircmenos naturais de paragens de outras latitudes e climas manifestam de par com a presenccedila do maravilhoso a importacircncia que assume a experiecircncia a componente realista e empiacuterica Satildeo frequentes as marcas da enunciaccedilatildeo lsquoeu virsquo lsquoeu ouvirsquo que servem no discurso do narrador para dar maior credibilidade aos factos que apontam para uma histoacuteria contemporacircnea baseada nos pressupostos teoacutericos de Tuciacutedides Aleacutem disso a verdade factual nutrida por estas marcas de enunciaccedilatildeo eacute a cada passo confrontada com os relatos miacuteticos de um Heroacutedoto com a Cosmografia de um Ptolomeu a Geografia de um Estrabatildeo ou a ciecircncia de um Pompoacutenio Mela ou de uma Histoacuteria Natural de Pliacutenio As crocircnicas de Joatildeo de Barros de Castanheda de Diogo do Couto ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D Joatildeo de Castro as obras de Garcia de Orta de Duarte Pacheco Pereira de Pedro Nunes datildeo-nos a cada passo exemplos significativos Poderemos concluir que na eacutepoca do Renascimento a histoacuteria aleacutem de se afirmar como gecircnero literaacuterio que se impotildee pela arte da escrita como opus oratorium eacute disciplina formativa do caraacutecter em repositoacuterio de paradigmas eacute manancial de exempla que informam a tradiccedilatildeo retoacuterica eacute ponto de referecircncia da exaltaccedilatildeo eacutepica das gloacuterias nacionais eacute suporte de novos modelos ideoloacutegicos e de formulaccedilatildeo poliacutetica em termos modernos eacute fundamento de novos horizontes culturais e cientiacuteficos (SOARES 2011 p 146-147)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Se na Idade Meacutedia ocorreu uma valorizaccedilatildeo e desenvolvimento da retoacuterica no iniacutecio da modernidade ela foi deixada de lado e ateacute demonizada por diversos autores

Produziu-se uma total confusatildeo de pensamento que em muitos casos deixou de lado ateacute mesmo as convicccedilotildees doutrinais tanto do direito quanto da religiatildeo Com isso temos inuacutemeros argumentos artificiais que simulam determinadas situaccedilotildees apenas para efeito performaacutetico

Atividade de Estudos

1) Leia o texto e explique o que vocecirc entendeu sobre a arte das disputas a eriacutestica e a importacircncia da purificaccedilatildeo da linguagem Explique com suas palavras

Estrangeiro mdash Isso mesmo Conforme jaacute vimos eacute do gecircnero lucrativo da arte eriacutestica da arte de disputas das controveacutersias da arte do combate da arte da luta e do ganho segundo neste momento provou nossa argumentaccedilatildeo que o sofista proveacutem

Teeteto mdash Nada mais verdadeiro

XIII mdash Estrangeiro mdash Como vecircs eacute muito acertado dizer-se que se trata de um animal de muacuteltiplas facetas Daiacute confirmar-se o dito de que nem tudo se pode pegar soacute com uma das matildeos

Teeteto mdash Pois empreguemos duas

Estrangeiro mdash Sim eacute o que precisaremos fazer empenhando nisso todos os nossos recursos a fim de acompanhar-lhe o rastro Dize-me o seguinte natildeo temos designaccedilotildees especiais para determinadas ocupaccedilotildees servis

Teeteto mdash Muitas ateacute poreacutem no meio de tantas a quais particularmente te referes

Estrangeiro mdash Penso nas seguintes coar peneirar joeirar debulhar

Teeteto mdash E daiacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Estrangeiro mdash E tambeacutem cardar fiar urdir e mil outras de emprego corrente em ocupaccedilotildees congecircneres natildeo eacute isso mesmo

Teeteto mdash Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas

Estrangeiro mdash De modo geral todos esses vocaacutebulos exprimem a ideia de separaccedilatildeo

Teeteto mdash Certo

Estrangeiro mdash Ora de acordo com o meu raciociacutenio se uma arte apenas abrange todas essas ocupaccedilotildees teremos de atribuir-lhe um uacutenico nome

Teeteto mdash E como a denominaremos

Estrangeiro mdash Arte de separar

Teeteto mdash Que seja

Estrangeiro mdash Considera agora se nos seraacute possiacutevel distinguir duas espeacutecies

Teeteto mdash Impotildee-me uma tarefa muito raacutepida

Estrangeiro mdash Poreacutem nas distinccedilotildees por noacutes feitas jaacute se tratou da separaccedilatildeo entre o pior e o melhor e tambeacutem entre semelhante e dessemelhante

Teeteto mdash Dita dessa maneira parece-me bastante clara

Estrangeiro mdash Natildeo conheccedilo o nome geralmente aplicado a esta uacuteltima separaccedilatildeo poreacutem sei o que datildeo agrave outra a que reteacutem o melhor e rejeita o pior

Teeteto mdash Dize qual seja

Estrangeiro mdash No meu entender todas as separaccedilotildees desse tipo satildeo geralmente chamadas purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Com efeito eacute como as denominam

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E todo o mundo natildeo perceberaacute que haacute duas espeacutecies de purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Depois de refletir eacute possiacutevel eu pelo menos natildeo percebo purificaccedilatildeo alguma

Estrangeiro mdash Primeiro as dos seres vivos que operam no interior do corpo graccedilas a uma discriminaccedilatildeo exata pela ginaacutestica e a medicina como a purificaccedilatildeo externa de designaccedilatildeo corriqueira alcanccedilada pela arte do banho depois a dos corpos inanimados que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral de infinitas modalidades cujos nomes satildeo considerados ridiacuteculos

Teeteto mdash Eacute muito certo

Estrangeiro mdash Certo natildeo Teeteto certiacutessimo Mas o meacutetodo argumentativo natildeo daacute maior nem menor importacircncia agrave purificaccedilatildeo por meio da esponja do que agrave obtida com poccedilotildees medicamentosas jamais perguntando se os benefiacutecios de uma satildeo mais ou menos relevantes do que os da outra Para alcanccedilar o conhecimento eacute que ela se esforccedila por observar as afinidades ou dissemelhanccedilas entre as artes honrando a todas igualmente e quando chega a comparaacute-las natildeo conclui que uma seja mais ridiacutecula do que a outra Natildeo considera ainda mais importante quem ilustra a arte da caccedila com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas poreacutem mais pretensioso Do mesmo modo agora no que entende com o nome para designar o conjunto das forccedilas purificadoras dos corpos quer sejam animados quer natildeo sejam natildeo se preocupa no miacutenimo de saber que nome eacute de aparecircncia mais distinta Limitar-se-aacute a separar a purificaccedilatildeo da alma deixando num uacutenico feixe as outras purificaccedilotildees sem indagar do objeto sobre que se exercem Seu intento exclusivo consiste nisto precisamente separar das demais purificaccedilotildees a que tem por objetivo a alma se eacute que compreendemos (PLATAtildeO 1980 p 16-17)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Verdade e Verossimilhanccedila de Um Argumento

A verdade e a verossimilhanccedila merecem destaque por que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa entender quando um argumento eacute verossimilhante e quando ele eacute verdadeiro

Platatildeo ao discutir os gecircneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas jaacute levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente Deste modo o problema da verdade de um discurso natildeo fica somente na elaboraccedilatildeo formal e acadecircmica de um debate mas envolve tambeacutem a vida cotidiana dos sujeitos Para entendermos a diferenccedila entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que eacute verdade de fato em um discurso Vejamos a polecircmica suscitada no diaacutelogo Sofista e ateacute hoje sem soluccedilatildeo

LII mdash Estrangeiro mdash Onde iremos entatildeo buscar a designaccedilatildeo apropriada para cada um Evidentemente eacute tarefa por demais aacuterdua porque nisso de dividir os gecircneros em espeacutecies parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicaacutevel indolecircncia que nunca os levou pelo menos a tentaacute-la dar essa carecircncia tatildeo acentuada de nomes De um jeito ou de outro e embora se no afigure um tanto forte a expressatildeo para melhor diferenccedilaacute-la daremos o nome de doxomimeacutetica agrave imitaccedilatildeo que se baseia na opiniatildeo e a que se funda no conhecimento mimeacutetica histoacuterica ou eruditaTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash Vamos ocupar-nos com a primeira o sofista natildeo se inclui no nuacutemero dos que sabem mas no dos que imitamTeeteto mdash PerfeitamenteEstrangeiro mdash Examinemos entatildeo o imitador que se apoia na opiniatildeo como o fariacuteamos com um fragmento de ferro para vermos se se trata de uma peccedila uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estruturaTeeteto mdash Sim examinemo-loEstrangeiro mdash Pois em verdade aqui estaacute ele e bem patente Entre esses tais haacute o tipo ingecircnuo que acredita saber o que apenas imagina o outro pelo contraacuterio que se deixa arrastar por seus proacuteprios argumentos natildeo esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabeTeeteto mdash Sem duacutevida haacute esses dois tipos que acabaste de descreverEstrangeiro mdash Ao primeiro entatildeo daremos o nome de imitador simples e ao outro o de imitador dissimuladoTeeteto mdash Seria de toda a conveniecircnciaEstrangeiro mdash E este uacuteltimo gecircnero diremos que eacute simples ou duploTeeteto mdash Examina-o tu mesmoEstrangeiro mdash Examino e creio perceber dois gecircneros No primeiro distingo o indiviacuteduo capaz de dissimular em puacuteblico com discursos prolixos no outro o que em ciacuterculos mais restritos com sentenccedilas curtas leva seu interlocutor a contradizer-seTeeteto mdash Eacute muito certo o que dizes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E o homem dos discursos longos como o designaremos Eacute estadista ou orador popularTeeteto mdash Orador popularEstrangeiro mdash E o outro que denominaccedilatildeo lhe cabe agrave justa saacutebio ou sofistaTeeteto mdash Saacutebio natildeo eacute possiacutevel pois jaacute provamos que ele eacute ignorante Mas por ser imitador do saacutebio eacute fora de duacutevida que alguma coisa do nome deste haacute de passar para ele E agora me ocorre que de um tipo assim eacute que podemos dizer com toda a seguranccedila um sofista acabado Estrangeiro mdash Nesse caso fixemos aqui mesmo seu nome como fizemos antes entrelaccedilando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos Teeteto mdash Perfeitamente Estrangeiro mdash Sendo assim a espeacutecie imitativa e suscitadora de contradiccedilotildees da parte dissimuladora da arte baseada na opiniatildeo pertencente ao gecircnero imaginaacuterio que se prende agrave arte ilusoacuteria da produccedilatildeo de imagens criaccedilatildeo humana natildeo divina desse malabarismo ilusoacuterio com palavras quem afirmar que eacute de semelhante sangue e dessa estirpe que proveacutem o verdadeiro sofista soacute diraacute como parece a pura verdade (PLATAtildeO 1980 p 69-71)

Com efeito ao deixar a questatildeo em aberto no final do diaacutelogo Platatildeo nos daacute um apontamento para uma aproximaccedilatildeo da identidade do sofista No entanto nos deixa um grande ensinamento as opiniotildees satildeo diferentes dos discursos sobre a verdade Os discursos sobre a verdade satildeo de natureza nobre e as opiniotildees sobre um assunto natildeo satildeo conhecimento

E essa diferenccedila nem sempre eacute clara como parece ser Com isso em muitos momentos de nossa existecircncia pensamos que algo eacute verdadeiro simplesmente por parecer e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante aquilo que parece ser verdadeiro mas se olharmos mais de perto natildeo eacute soacute parece ser

Outro problema muito aparente na modernidade eacute a generalizaccedilatildeo de argumentos que produz efeitos catastroacuteficos em muitos segmentos da existecircncia humana Por exemplo escutamos por vezes vaacuterios argumentos deste tipo ldquotodo homem eacute machistardquo ldquotodo poliacutetico eacute ladratildeordquo ldquoos padres satildeo imoraisrdquo todos esses argumentos possuem falsas associaccedilotildees grotescas atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria Isso significa que sequer argumentos satildeo podemos chamaacute-los de enunciados vazios mas que satildeo muito populares em nosso cotidiano

Portanto a verdade de um argumento natildeo estaacute somente em sua forma ou somente em seu conteuacutedo mas na combinaccedilatildeo da disposiccedilatildeo de ambas as caracteriacutesticas que ao se combinarem produzem uma estrutura soacutelida na exposiccedilatildeo de um pensamento (MOSCA 2004)

Com efeito cabe aos estudantes de oratoacuteria e retoacuterica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade Natildeo existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento Antes disso haacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se estaacute inserido para poder convencer

Algumas ConsideraccedilotildeesAgora vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica estaacute pronto para seguir seu

caminho escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situaccedilatildeo para expor suas ideias com clareza e objetividade

A construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um o material disponiacutevel e a plateia para a qual o indiviacuteduo iraacute se dirigir Neste capiacutetulo destacamos as implicaccedilotildees das escolhas argumentativas que fizemos

ReferecircnciasCHIBENI S S Notas sobre tipos de argumentos [sd] Disponiacutevel em ltwwwunicampbr~chibenitextosdidaticosargumentospdfgt Acesso em 13 jun 2017

MOSCA L do L S (Org) Retoacutericas de ontem e de hoje 3 ed Satildeo Paulo Associaccedilatildeo Editorial Humanitas 2004

PLATAtildeO Sofista Brasiacutelia UFB 1980

PREZOTTO J Protaacutegoras Goacutergias os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē Anais XXIII SEC Araraquara p 241-250 2008 Disponiacutevel em lthttpportalfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTEXTOSARTIGOS20PDFprezottopdfgt Acesso em 10 jun 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SCHECAIRA F Argumentaccedilatildeo noccedilotildees baacutesicas 2012 Disponiacutevel em lthttpsfabioshecairawikispacescomfileviewIntroduC3A7C3A3o+C3A0+argumenta C3A7C3A3opdfgt Acesso em 14 jun 2017

SOARES N C A retoacuterica e a construccedilatildeo da cidade na Idade Meacutedia e no Renascimento homo eloquens homo politicus Coimbra Coimbra University Press 2011

VIANA P Validade Forma e Conteuacutedo de Argumentos 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwuffbrgrupodelogicatextosViapdfgt Acesso em 15 jun 2017

VIEIRA Joseacute Guilherme Silva A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso 2016

Page 3: ORATÓRIA E RETÓRICA

Neivor Schuck

Doutor em Ciecircncias da Religiatildeo pela PUCSP Mestre em Ciecirccias da Religiatildeo) pela PUCSP Poacutes Graduado em Psicopedagogia pelo Centro Universitario Satildeo Camilo Graduado em Filosofia

pelo Centro Universitaacuterio Satildeo Camilo Professor de Filosofia atuando principalmente nos seguintes

temas eacutetica poliacutetica educaccedilatildeo liacutengua alematilde pesquisa espiritualidade sauacutede e religiatildeo

Sumaacuterio

APRESENTACcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria 9

CAPIacuteTULO 2A Retoacuterica e a Oratoacuteria 49

CAPIacuteTULO 3

CAPIacuteTULO 4

A Arte de Argumentar 85

Implicaccedilotildees da Retoacuterica 101

APRESENTACcedilAtildeOEntendemos a necessidade do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica para os

estudantes de teologia devido agraves particularidades conceituais envolvidas Para podermos construir bons argumentos precisamos entender como estes satildeo produzidos e expostos E eacute neste momento que a disciplina de oratoacuteria e retoacuterica merece ser apresentada como uma maneira fundamental de entender os conceitos teoloacutegicos estudados

Na disciplina de oratoacuteria e retoacuterica o estudante pode desenvolver seu entendimento das diferentes formas de argumentar e constitui uma ideia Eacute no curso desta que o estudante poderaacute ampliar suas capacidades argumentativas de construccedilatildeo e explicaccedilatildeo de um argumento

Neste sentido esperamos que o estudante desenvolva essas capacidades

CAPIacuteTULO 1

Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Compreender a concepccedilatildeo da retoacuterica e sua finalidade identificando suas funccedilotildees e caracteriacutesticas

Identificar as fontes da retoacuterica grega e a discussatildeo com perspectiva platocircnica

Analisar as relaccedilotildees interpessoais e reconhecer as diferentes definiccedilotildees de retoacuterica e oratoacuteria

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

ContextualizaccedilatildeoO contexto do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica no mundo contemporacircneo eacute

bastante amplo Nesta disciplina queremos enfatizar a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade Vejamos como se considerava a arte retoacuterica na antiguidade

Havia-se deixado de lado ateacute aqui um ponto importante sobre o escopo da arte retoacuterica Por vezes a retoacuterica foi e ainda eacute apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes De fato muitos satildeo os que associam uma boa retoacuterica a um discurso bem elaborado destacado por diversos recursos de linguagem enfim ornamentado Essa definiccedilatildeo guarda correspondecircncia com os primeiros discursos dos sofistas ndash portanto anteriores ao aparecimento do tratado de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica ndash mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isoacutecrates (436-338 aC) haacutebil e longevo retor que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas predominantemente literaacuterias (o Paideia) Isoacutecrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialeacutetica eriacutestica (aqueles que se propunham agraves disputas a partir de posiccedilotildees antagocircnicas de mundo objetivando chegar a uma pretensatildeo de descoberta a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza eou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas que ensinavam a arte dos discursos poliacuteticos aos nobres Isoacutecrates natildeo acreditava que da dialeacutetica eriacutestica pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais ou que o simples fato de se arrebatar o maior nuacutemero possiacutevel de seguidores fosse um medidor da correccedilatildeo de um dado conhecimento Tampouco poder-se-ia fazer qualquer juiacutezo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos poliacuteticos mecanicamente jaacute que as condiccedilotildees para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL 1994 apud VIEIRA 2012 p 8)

Estudar oratoacuteria e retoacuterica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos mas se observarmos o cotidiano perceberemos que estamos permeados de argumentos retoacutericos apresentando cada qual um tipo de oratoacuteria A vocecirc estudante desta disciplina convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas

Conceito de Retoacuterica e Oratoacuteria

A retoacuterica no conhecimento humano especificamente na filosofia eacute uma forma de expressatildeo de exposiccedilatildeo de ideias utilizada pelos sofistas Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade natildeo existe uma verdade o que haacute eacute apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao iniciarmos a discussatildeo sobre a retoacuterica queremos expor quais satildeo suas caracteriacutesticas fundamentais e como estas caracteriacutesticas se relacionam com o modo com o qual nos expressamos

A vitalidade dos estudos retoacutericos ateacute os nossos dias foi o que levou agrave organizaccedilatildeo de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retoacuterica se tem havido ao longo de sua histoacuteria cheia de pontos altos mas tambeacutem de crises e questionamentos A bem dizer eacute esta mesma dialeacutetica que estaacute no bojo de sua proacutepria natureza que implica em controveacutersia discussatildeo e consequentemente em influecircncia e formaccedilatildeo de opiniatildeo De fato a Retoacuterica tem sido colocada agrave prova pelos mesmos princiacutepios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresccedila sempre aceitaccedilatildeo da mudanccedila o respeito agrave alteridade a consideraccedilatildeo da liacutengua como lugar de confronto das subjetividades Partindo-se do princiacutepio de que a argumentatividade estaacute presente em toda e qualquer atividade discursiva tem-se tambeacutem como baacutesico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe satildeo apresentadas Equivale portanto a conferir-lhe status e a qualificaacute-lo para o exerciacutecio da discussatildeo e do entendimento atraveacutes do diaacutelogo Na verdade o envolvimento natildeo eacute unilateral tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam quando o clima eacute de negociaccedilatildeo e em que prevalece o anseio de influecircncia e de poder (MOSCA 2001 p 16)

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga apontamos para alguns autores deste periacuteodo que representam muito bem a figura de um retoacuterico Nesse sentido merece destaque o filoacutesofo Goacutergias que muito bem definiu o natildeo ser Podemos citar ainda o filoacutesofo Protaacutegoras de Abdera que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade

A nossa discussatildeo sobre a retoacuterica e o papel da oratoacuteria na formulaccedilatildeo e na exposiccedilatildeo de argumentos passaraacute necessariamente por Platatildeo e Aristoacuteteles Estes dois filoacutesofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retoacuterica ou do bem dizer se assim quisermos De acordo com estes dois filoacutesofos e com os sofistas devemos estar atentos para a boa formulaccedilatildeo retoacuterica de um argumento e a boa oratoacuteria de exposiccedilatildeo do mesmo Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para que possamos entender expor e transmitir uma mensagem

Podemos observar isso na discussatildeo da Antiguidade desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo ao expor e escrever as ideias socraacuteticas nos passa a mensagem de que Soacutecrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade Jaacute alguns sofistas como Soacutefocles apresentam Soacutecrates como amigo dos sofistas e

Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante

que a forma de bem dizer as palavras ou

a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para

que possamos entender expor e transmitir uma

mensagem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

um retoacuterico Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve

O surgimento da Retoacuterica na Greacutecia antiga prende-se agrave luta reivindicatoacuteria de defesa de terras na Siciacutelia que haviam caiacutedo em poder de usurpadores Esse caraacuteter praacutetico aliado agrave eficaacutecia esteve sempre presente nas finalidades da Retoacuterica e eacute o que modernamente a situa junto agrave Pragmaacutetica De fato para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz haacute que levar em conta as caracteriacutesticas fundamentais da situaccedilatildeo em que ele se daacute e as relaccedilotildees de intersubjetividade dos interlocutores Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos satildeo produtos natildeo de um simples ato ilocutoacuterio como tambeacutem de elementos extraiacutedos da forccedila ilocucionaacuteria da situaccedilatildeo Cabe ainda lembrar que o ato de informar natildeo existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si proacuteprio Assim eacute que discursos que se tecircm como informativos tais como o cientiacutefico e o jornaliacutestico satildeo o exemplo disso uma vez que existem em funccedilatildeo de determinada finalidade praacutetica a ser atingida Por esse motivo coloca-se em questatildeo a tradicional divisatildeo das modalidades dos gecircneros jornaliacutesticos em informativos interpretativos e opinativos que na realidade serve apenas para balizar a praacutexis jornaliacutestica quando natildeo mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA 2001 p 26)

Segundo Platatildeo a retoacuterica eacute uma teacutecnica indispensaacutevel para quem quisesse governar a cidade porque quem rege deve saber falar e dominar a exposiccedilatildeo de um argumento Essa capacidade do governante impediria a manipulaccedilatildeo e o controle por outros membros do governo Contudo Platatildeo coloca a retoacuterica abaixo da filosofia e no diaacutelogo Goacutergias expotildee que o bem falar eacute uma arte de convencimento independentemente do conteuacutedo e por isso estaacute abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que eacute o filosoacutefico

Podemos entender que esta discussatildeo eacute muito importante para as pessoas que desejam lidar com o puacuteblico em geral pois haacute sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem sem se preocupar com a verdade ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou natildeo aos interlocutores Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diaacutelogo ou expressar uma ideia em puacuteblico Neste sentido o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica precisa conhecer os tipos formas e meacutetodos empregados pela retoacuterica para formular um argumento e da oratoacuteria para expor o mesmo

Outro filoacutesofo jaacute citado Aristoacuteteles desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retoacuterica De acordo com ele a retoacuterica eacute uma arte empiacuterica e cotidiana

Neste sentido precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso Neste aspecto a retoacuterica natildeo eacute pura transmissatildeo da verdade atraveacutes da oratoacuteria ela envolve diferentes aspectos do ser humano de sua personalidade e

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ambiente Para Aristoacuteteles devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento pois se tivermos uma boa teacutecnica poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade

Aleacutem disso Aristoacuteteles desenvolveu profundamente as caracteriacutesticas e a forma de refutaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo de um argumento Seguindo essa linha de raciociacutenio podemos concluir que Aristoacuteteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retoacuterica Ela serve tanto ao indiviacuteduo que quer discutir assuntos morais quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade Em outras palavras a retoacuterica deve ser uacutetil ao cidadatildeo

Segundo Aristoacuteteles devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias Neste sentido a retoacuterica contribui para aperfeiccediloar a qualidade e a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de um argumento

Aristoacuteteles foi o primeiro a desenvolver uma organizaccedilatildeo detalhada desta ferramenta do saber humano Inicialmente precisamos entender que todos noacutes fazemos uso da retoacuterica e da oratoacuteria pois satildeo formas de nos expressarmos Para Aristoacuteteles convencer o outro eacute a essecircncia de toda discussatildeo sobre retoacuterica Ao estabelecer formas de comportamento para o orador modelos de raciociacutenio tipos de premissas e a divisatildeo desta ferramenta o filoacutesofo classifica e padroniza a retoacuterica A divisatildeo apresentada por Aristoacuteteles eacute exoacuterdio construccedilatildeo refutaccedilatildeo e epiacutelogo Em alguns momentos o filoacutesofo coloca a narraccedilatildeo apoacutes o exoacuterdio

Ao contrapor a dialeacutetica com a retoacuterica Aristoacuteteles configurou a ela elementos e caracteriacutesticas que estavam dispersos

Apoacutes a elaboraccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica e a oratoacuteria foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores Mencionamos aqui os estoicos os empiacutericos e a tradiccedilatildeo romana de filoacutesofo Dioacutegenes filoacutesofo estoico grego entendia que a retoacuterica dialeacutetica

eacute parte da loacutegica neste sentido retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica eacute a arte de bem raciocinar Isso significa que a retoacuterica eacute a invenccedilatildeo de argumentos e desdobra-se em oratoacuteria quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes Para este grupo de filoacutesofos a retoacuterica se ocupa da forma de um argumento enquanto que a dialeacutetica deve se ater agrave veracidade ou agrave falsidade de um argumento

Retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica

eacute a arte de bem raciocinar

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

O grupo de pensadores empiacutericos pode ser representado pelo epicurismo que entende a retoacuterica como argumentos possiacuteveis derivados de signos Segundo este o meacutetodo utilizado eacute a conjetura Dito de outro modo a retoacuterica eacute uma ciecircncia que se opotildee agraves ciecircncias exatas isto eacute para bem falarmos e bem construirmos um argumento devemos seguir regras que provecircm da experiecircncia como o objetivo de considerar vaacuterios graus de probabilidade De acordo com esses filoacutesofos devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e ao mesmo tempo natildeo cairmos no simplismo do cotidiano Por exemplo em debates com amigos geralmente usamos laacutegrimas e dramas para convencer o outro

Entre os romanos destacamos Ciacutecero que entendia a retoacuterica e a oratoacuteria como algo fruto de muito conhecimento filosoacutefico artiacutestico e da ciecircncia Para ele sem o saber aprofundado a retoacuterica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero de oratoacutere I 17)

Para ser um bom orador devemos conhecer todos os grandes problemas filosoacuteficos cientiacuteficos e artiacutesticos Devemos pensar com sabedoria e eacute nisto que a retoacuterica consiste para Ciacutecero O saacutebio consegue desenvolver bem a arte retoacuterica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questotildees Ciacutecero entende que a teacutecnica da retoacuterica deve produzir natildeo soacute belos textos e belas oratoacuterias mas tambeacutem saacutebios justos

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retoacuterica antiga passamos agora a expor algumas caracteriacutesticas do desenvolvimento da retoacuterica no periacuteodo chamado de Idade Meacutedia Neste periacuteodo o Trivium a partir do seacuteculo IX constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais nesta eacutepoca a retoacuterica era entendida como arte do discurso Destacamos que a constituiccedilatildeo dos argumentos natildeo era puramente literaacuteria havia uma preocupaccedilatildeo com todas as aacutereas de conhecimento para expor e defender os argumentos

O desenvolvimento da retoacuterica medieval encontrou amparo em grandes teoacutelogos e filoacutesofos Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradiccedilatildeo platocircnica articulando as suas ideias com a de Ciacutecero e outros retoacutericos romanos Retomou tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelica da loacutegica para discutir os grandes problemas nesta aacuterea de conhecimento

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Oratoacuteria e Retoacuterica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboraccedilatildeo dos problemas retoacutericos baseados na eloquecircncia ou no bem falar remetendo agrave iluminaccedilatildeo do intelecto satisfaccedilatildeo da imaginaccedilatildeo desencadear as paixotildees e por uacuteltimo evocar a vontade Este processo culminou na completa distinccedilatildeo entre filosofia e retoacuterica Se em Platatildeo e Aristoacuteteles filosofia oratoacuteria e retoacuterica caminham juntas no iniacutecio da modernidade elas se separaram constituindo campos de saber distintos dentro de um espaccedilo geral de conhecimento

Para explicarmos de maneira detalhada o que eacute retoacuterica evocamos o pensador Reboul que define o termo retoacuterica eacute ldquoa arte de persuadir pelo discurso Por discurso entendemos toda a produccedilatildeo verbal escrita ou oral constituiacuteda por uma frase ou uma sequecircncia de frases que tenha comeccedilo e fim e apresente certa ordem de sentido De fato um discurso incoerente feito por um becircbado ou por um louco satildeo vaacuterios discursos tomados por um soacuterdquo (REBOUL 2004 p 14)

Para este autor soacute podemos chamar de retoacutericos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes Citamos alguns exemplos ldquopleito advocatiacutecio alocuccedilatildeo poliacutetica sermatildeo folheto cartaz de publicidade panfleto faacutebula peticcedilatildeo ensaio tratado de filosofia de teologia ou de ciecircncias humanas Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satiacuterico ou laudatoacuterioldquo (REBOUL 2004 p 14)

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratoacuteria de algo Neste sentido queremos fazer uma distinccedilatildeo entre convencer algueacutem a crer em noacutes e convencer algueacutem a fazer algo Do ponto de vista estritamente retoacuterico queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em noacutes eacute o nuacutecleo da retoacuterica enquanto arte de persuasatildeo Neste aspecto levar algueacutem a

fazer algo jaacute eacute um passo aleacutem Pascal (apud Reboul 2004) destaca que podemos usar elementos como o dinheiro para persuadir os outros de que nossa causa eacute justa mas isso natildeo eacute um convencimento retoacuterico pois os argumentos natildeo foram contrapostos e natildeo houve sequer uma argumentaccedilatildeo

Lembremos que a teacutecnica retoacuterica eacute ambiacutegua pois pode representar uma habilidade espontacircnea ou uma capacidade adquirida Se considerarmos a retoacuterica espontacircnea como forma de convencimento dos outros precisamos entender que

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre

procura persuadir seus interlocutores

pela oratoacuteria de algo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sem a teacutecnica adquirida com o tempo natildeo conseguiremos ter ecircxito em nossa tarefa Segundo Reboul ldquoo verdadeiro orador eacute um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava figuras de que ningueacutem teria ideia e que se mostram ajudadas artistas cujos desempenhos natildeo satildeo programaacuteveis e que soacute se fazem sentir posteriormenterdquo (REBOUL 2004 p 16)

Neste sentido a constituiccedilatildeo de um argumento retoacuterico e a expressatildeo deste por um orador dependem da escolha que este fizer Tudo isso implica em considerar a finalidade da retoacuterica Queremos convencer ou enganar

Como vimos a persuasatildeo eacute a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponiacuteveis Persuadir natildeo eacute a mesma coisa que enganar Existe uma sutil diferenccedila mas que eacute substancial enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir eacute convencer utilizando os argumentos disponiacuteveis

Para comeccedilarmos a responder a este questionamento explicaremos o que significa a arte da persuasatildeo Eis pois a mais antiga definiccedilatildeo de retoacuterica que conhecemos ou seja a arte de persuadir Neste sentido vale lembrar que eacute importante distinguir o que eacute argumentaccedilatildeo e oratoacuteria

A competecircncia racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes os que satildeo componentes silogiacutesticos e os que se apoiam em exemplos Neste sentido vale lembrar que para Aristoacuteteles a competecircncia afetiva de um argumento eacute mais eficiente que o silogismo Isso significa que um silogismo encadeamento loacutegico de raciociacutenios eacute destinado a um grupo teacutecnico de ouvintes por exemplo um juacuteri enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande puacuteblico

Segundo Reboul (2004) no que tange agrave afetividade podemos distinguir o caraacuteter do ethos em portuguecircs caraacuteter eacutetico do orador que procura convencer os interlocutores e o pathos em portuguecircs a paixatildeo ou compaixatildeo gerada pelo discurso cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compotildee de duas partes o argumentativo e o oratoacuterio Assim quando um orador se expressa ele estaacute no modo oratoacuterio neste sentido metaacuteforas e hipeacuterboles constituem artifiacutecios retoacutericos e satildeo argumentativas quando condensam um argumento

Hermenecircutica Passaremos agora ao modelo hermenecircutico Quando expressamos um

discurso ele nunca estaacute soacute sempre estaacute em diaacutelogo com outros oradores se antepotildee a este e dialoga com os mesmos

Para convencer um interlocutor eacute preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo Este processo soacute eacute possiacutevel por causa da possibilidade de interpretaccedilatildeo que possuiacutemos Neste sentido a arte de interpretar textos chamada de hermenecircutica eacute fundamental ao orador que quer ser compreendido

HeuriacutesticaOutra caracteriacutestica eacute a heuriacutestica que significa encontrar algo remetendo ao

grego euro ou eureka ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano Natildeo nos referimos diretamente agrave ciecircncia falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto Neste aspecto a heuriacutestica contribui para o confronto de ideias na demonstraccedilatildeo delas e na descoberta de coisas que natildeo sabemos

Ainda merece menccedilatildeo a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica que constitui um caminho que engloba vaacuterias aacutereas de saber De acordo com Reboul (2004 p 22)

[] no fim do seacuteculo XIX a retoacuterica foi abolida do ensino francecircs e o proacuteprio termo foi riscado dos programas Todavia como em geral acontece no ensino em se apagando a palavra natildeo se suprimiu a coisa A retoacuterica permaneceu soacute que desarticulada privada de sua unidade interna e de sua coerecircncia em todo caso os professores quase sempre sem saber fazem retoacuterica

Assim a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica e o estilo das construccedilotildees verbais

permaneceram mesmo que com dificuldades Neste sentido entendemos que para bem dizer precisamos tambeacutem aprender a ser visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu proacuteprio estado confuso da existecircncia

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Para Que Serve a RetoacutericaVocecirc aluno de Oratoacuteria e Retoacuterica pode se aprofundar no significado e na

serventia da retoacuterica se observar o seu cotidiano A retoacuterica e a oratoacuteria podem servir a diferentes fins Destacamos alguns servem para persuadir interlocutores em debates filosoacuteficos religiosos acadecircmicos ou em outros ambientes sociais Na filosofia costumamos entender a retoacuterica como o modo de formular bons argumentos para posteriormente pela oratoacuteria expocirc-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos Na religiatildeo costuma-se usar a oratoacuteria para desenvolver argumentos e convencer os fieacuteis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras

Assim os religiosos utilizam a retoacuterica com a finalidade de explicar as questotildees controversas e consequentemente elucidar as dificuldades dos fieacuteis Jaacute os acadecircmicos utilizam meacutetodos de retoacuterica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem tiacutetulos promoccedilotildees e debater ideias no acircmbito da conjetura intelectual Destacamos ainda o uso da retoacuterica e oratoacuteria no meio social no cotidiano das nossas existecircncias falamos da famiacutelia do ciacuterculo de amigos e da convivecircncia em nossos locais de trabalho

Algumas pessoas pensam que argumentar eacute apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova Eacute por isso que muita gente considera que argumentar eacute desagradaacutevel e inuacutetil confundindo argumentar com discutir Dizemos por vezes que discutir eacute uma espeacutecie de luta verbal Contudo argumentar natildeo eacute nada disso [] laquoargumentarraquo quer dizer oferecer um conjunto de razotildees a favor de uma conclusatildeo ou oferecer dados favoraacuteveis a uma conclusatildeo [] argumentar natildeo eacute apenas a afirmaccedilatildeo de determinado ponto de vista nem uma discussatildeo Os argumentos satildeo tentativas de sustentar certos pontos de vista com razotildees Neste sentido os argumentos natildeo satildeo inuacuteteis na verdade satildeo essenciais Os argumentos satildeo essenciais em primeiro lugar porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista Nem todos os pontos de vista satildeo iguais Algumas conclusotildees podem ser defendidas com boas razotildees e outras com razotildees menos boas No entanto natildeo sabemos na maioria das vezes quais satildeo as melhores conclusotildees Precisamos por isso apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusotildees e depois avaliar tais argumentos para ver se satildeo realmente bons Neste sentido um argumento eacute uma forma de investigaccedilatildeo Alguns filoacutesofos e ativistas argumentaram por exemplo que criar animais soacute para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que portanto eacute injustificado e imoral Seraacute que tecircm razatildeo Natildeo podemos decidir consultando os nossos preconceitos Estatildeo envolvidas muitas questotildees Por exemplo temos obrigaccedilotildees morais para com outras espeacutecies ou o sofrimento humano eacute o uacutenico realmente mau Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne Alguns vegetarianos vivem ateacute idades muito avanccediladas Seraacute que este fato mostra que as dietas vegetarianas satildeo mais saudaacuteveis Ou seraacute irrelevante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tendo em conta que alguns natildeo vegetarianos tambeacutem vivem ateacute idades muito avanccediladas (Eacute melhor perguntarmos se haacute uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem ateacute idades avanccediladas) Teratildeo as pessoas mais saudaacuteveis tendecircncia para se tornarem vegetarianas ao contraacuterio das outras Todas estas questotildees tecircm de ser apreciadas cuidadosamente e as respostas natildeo satildeo a partida oacutebvia (WESTON 1996 p 5)

A arte retoacuterica e a oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausiacuteveis no que se refere agrave arguiccedilatildeo e exposiccedilatildeo de ideias A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento uma convicccedilatildeo ou um projeto Este meacutetodo de persuasatildeo pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas vaacuterias especificidades ou pode servir para enganar ludibriar e prejudicar outras pessoas

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retoacuterica e da oratoacuteria Platatildeo e Aristoacuteteles cada qual ao seu modo procuraram estabelecer criteacuterios ou maneiras para evitarmos destruir a existecircncia alheia Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias inquiriu o mesmo sobre a implicaccedilatildeo moral de determinadas posturas retoacutericas Assim a arte da persuasatildeo natildeo eacute um vale-tudo mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questotildees que queremos discutir Aristoacuteteles defendeu uma separaccedilatildeo entre retoacuterica e oratoacuteria para que ficasse claro qual estilo de argumentaccedilatildeo o indiviacuteduo estava praticando Deste modo a retoacuterica serviria para desenvolvermos raciociacutenios claros e silogiacutesticos sobre um assunto especiacutefico enquanto que a oratoacuteria serviria para expormos poesias e formas literaacuterias de estilo proacuteprio

Assim conforme aponta Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retoacuterica

A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente

na tentativa do convencimento

alheio para podermos transmitir

um pensamento uma convicccedilatildeo ou

um projeto

A QUE SE REFERE UM DISCURSO ndash TRECHO DE PLATAtildeO

Soacutecrates mdash Entatildeo diz a respeito de quecirc A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retoacuterica

Goacutergias mdash Aos negoacutecios humanos Soacutecrates e os mais importantes

Soacutecrates mdash Mas isso Goacutergias tambeacutem eacute ambiacuteguo e nada preciso Creio que jaacute ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeraccedilatildeo dos bens e dizer que

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

o melhor bem eacute a sauacutede o segundo ser belo e o terceiro conforme se exprime o poeta da cantilena enriquecer sem fraude

Goacutergias mdash Jaacute ouvi mas a que vem isso

Soacutecrates mdash Eacute que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena a saber o meacutedico o pedoacutetriba e o economista e falasse em primeiro lugar o meacutedico Soacutecrates Goacutergias te engana natildeo eacute sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens poreacutem a minha E se eu lhe perguntasse Quem eacutes para falares dessa maneira Sem duacutevida responderia que era meacutedico Queres dizer com isso que o produto de tua arte eacute o melhor dos bens Como poderia Soacutecrates deixar de secirc-lo se se trata da sauacutede Haveraacute maior bem para os homens do que a sauacutede E se depois dele por sua vez falasse o pedoacutetriba Muito me admiraria tambeacutem Soacutecrates se Goacutergias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha A esse do meu lado eu perguntara Quem eacutes homem e com que te ocupas Sou professor de ginaacutestica me diria e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto Depois do pedoacutetriba falaria o economista quero crer num tom depreciativo para os dois primeiros Considera bem Soacutecrates se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza tanto na atividade de Goacutergias como na de quem quer que seja Como Decerto lhe perguntaacuteramos eacutes fabricante de riqueza Responderia que sim Quem eacutes entatildeo Sou economista E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza Voltariacuteamos a falar-lhe Como natildeo me responderia No entanto lhe diriacuteamos o nosso Goacutergias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua Eacute fora de duacutevida que a seguir ele me perguntaria Que espeacutecie de bem eacute esse Goacutergias que o diga Ora bem Goacutergias imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor

Goacutergias mdash Que eacute de fato o maior bem Soacutecrates e a causa natildeo apenas de deixar livres os homens em suas proacuteprias pessoas como tambeacutem de tornaacute-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades

Soacutecrates mdash Que queres dizer com isso

Goacutergias mdash O fato de por meio da palavra poder convencer os juiacutezes no tribunal os senadores no conselho e os cidadatildeos nas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

assembleias ou em toda e qualquer reuniatildeo poliacutetica Com semelhante poder faraacutes do meacutedico teu escravo e do pedoacutetriba teu escravo tornando-se manifesto que o tal economista natildeo acumula riqueza para si proacuteprio mas para ti que sabes

Fonte Platatildeo (2005 p 6-7)

A serventia do pensamento retoacuterico e da oratoacuteria tambeacutem varia conforme o repertoacuterio do sujeito que se dispotildee a praticar tal arte Se considerarmos um sujeito de aptidotildees variadas e qualidades profissionais e acadecircmicas bem desenvolvidas a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existecircncia Por outro lado se considerarmos um sujeito que possui restriccedilotildees intelectuais e profissionais natildeo poderemos concluir a mesma coisa Lembremos que natildeo estamos falando de condiccedilotildees sociais nos referimos ao interesse profissional e acadecircmico de cada indiviacuteduo

Por isso a retoacuterica serve a diversos fins dependendo como jaacute disseram os filoacutesofos relativistas gregos do contexto em que estaacute inserida Conforme aponta Protaacutegoras ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo artes distintas que servem conforme a conveniecircncia humana Este modo de pensar eacute atual e estaacute presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e natildeo nos preocupamos com os problemas alheios

Natildeo eacute de hoje a presenccedila da retoacuterica entre noacutes no cotidiano Na Antiguidade observamos argumentaccedilotildees puacuteblicas debates e relaccedilotildees costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitaccedilotildees

No periacuteodo chamado de Idade Meacutedia a retoacuterica foi usada como meacutetodo de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo a tradiccedilatildeo platocircnica em Agostinho e aristoteacutelica em Tomaacutes de Aquino A apropriaccedilatildeo desta arte no pensamento medieval cedeu devido agrave necessidade de impor e apresentar o meio de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados visto que a comunidade estava imersa na visatildeo de mundo do catolicismo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Ao retomarem as ideias platocircnicas os exegetas do periacuteodo chamado primeira Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo IX desenvolveram meacutetodos e sugestotildees de interpretaccedilatildeo fundados na ideia de convencimento alheio Configura-se neste periacuteodo uma grande ecircnfase na retoacuterica argumentativa que quer persuadir o outro sobre uma verdade que estaacute sendo transmitida

Jaacute os seguidores da tradiccedilatildeo aristoteacutelica desenvolveram uma retoacuterica e uma oratoacuteria mais sofisticadas com diferentes gecircneros e estruturas formais Tomaacutes de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teoloacutegico utilizando o princiacutepio da refutaccedilatildeo de provas fundado por Aristoacuteteles bem como seguiu a divisatildeo proposta por Aristoacuteteles

Percebemos neste periacuteodo que a retoacuterica e a oratoacuteria encontram-se submersas em meio a toda a discussatildeo teoloacutegica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregaccedilotildees dentro das igrejas

Este processo comumente chamado de adoccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade remonta ao livro da criaccedilatildeo pois eacute no livro dos Gecircneses 217 que Deus faz uma pregaccedilatildeo ldquoporque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morreraacutesrdquo isso significa que tambeacutem o Criador utilizou de argumentos retoacutericos para explicar a sua criaccedilatildeo para suas criaturas Assim a retoacuterica e a oratoacuteria no periacuteodo chamado de medieval estatildeo embebidas por conteuacutedos religiosos

Verificamos pregaccedilotildees por todo esse periacuteodo desde Agostinho (354-430 dC) ateacute o seacuteculo XV Esse periacuteodo eacute claramente marcado pela eloquecircncia fervor e tentativa de persuasatildeo que resultou na expansatildeo do modelo de religiatildeo por grande parte do mundo conhecido Podemos atribuir a retoacuterica da predicaccedilatildeo a Agostinho e organizaccedilatildeo do Trivium grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade como constituintes da estrutura da retoacuterica Tambeacutem os seguidores de Aristoacuteteles desencadearam classificaccedilotildees e tipificaccedilotildees para os estudos biacuteblicos A principal mudanccedila que esses fizeram foi adaptar o princiacutepio do verossiacutemil transformando de uma possibilidade para uma verdade uacuteltima e dogmas Merece destaque o teoacutelogo Isidoro (560-636) que dividiu a retoacuterica em exoacuterdio narraccedilatildeo argumentaccedilatildeo e por uacuteltimo conclusatildeo Esta divisatildeo didaacutetica da retoacuterica serve para fins de entendimento da interpretaccedilatildeo dos diferentes pensadores sobre o problema da separaccedilatildeo das partes da retoacuterica

Muitos satildeo os autores que nesta eacutepoca configuraram uma retoacuterica cristatilde O que podemos entender eacute que haacute uma imensa variedade de soluccedilotildees para problemas teoloacutegicos apresentados durante a chamada Idade Meacutedia Assim percebemos que a adoccedilatildeo de princiacutepios platocircnico-aristoteacutelicos configurou por volta do seacuteculo XIII a retoacuterica comumente usada nos sermotildees Essa nova oratoacuteria servia muito bem para convencer os coraccedilotildees dos fieacuteis e lhes trazer o conforto

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Oratoacuteria e Retoacuterica

religioso Neste periacuteodo se incluiacuteram faacutebulas ou pequenas histoacuterias durante o sermatildeo para que os fieacuteis geralmente leigos pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva

A funccedilatildeo desta formulaccedilatildeo retoacuterica pode ser resumida em trecircs partes 1) ler o texto 2) discutir o texto e 3) fazer uma pregaccedilatildeo Esta divisatildeo serve ateacute nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica em uma faculdade de Teologia Os sermotildees mais elaborados ocorriam nas universidades medievais mas nas igrejas especialmente nos finais de semana podiacuteamos observar pregaccedilotildees com organizaccedilatildeo e estrutura retoacuterica Um exemplo eacute o estudo biacuteblico em que se pode utilizar deste meacutetodo retoacuterico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto

Neste sentido a retoacuterica claacutessica se expandiu na chamada Idade Meacutedia e configurou um imenso campo de discussatildeo que outrora estava restrito agrave Greacutecia ou a Roma

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos Veja a seguir

1 Transmitir uma mensagem nesta perspectiva a retoacuterica serve aos indiviacuteduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendecirc-las2 Persuadir os interlocutores neste quesito a retoacuterica praticamente natildeo se modificou desde Platatildeo em seu diaacutelogo Goacutergias eacute que se encontra esta definiccedilatildeo

3 Finalidade este aspecto pode ser encontrado em Aristoacuteteles que com sua classificaccedilatildeo entendia que um discurso deve ter um propoacutesito um fim portanto ela serve agravequilo que tivermos como fim

A retoacuterica em nosso meio serve a diversas finalidades mas nem sempre percebemos Quando temos uma enfermidade e consultamos um meacutedico temos que convencecirc-lo atraveacutes de palavras e explicaccedilotildees de que sofremos de uma moleacutestia Caso nossa moleacutestia natildeo seja aparente entatildeo fica ainda mais difiacutecil pois ele precisa acreditar nos argumentos retoacutericos que noacutes propusemos para que continue a consulta e nos traga uma soluccedilatildeo para a moleacutestia

Este exemplo deixa claro como a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo presentes em nosso meio sem ao menos percebermos por isso sua finalidade vai aleacutem da produccedilatildeo e configuraccedilatildeo de discursos argumentos e debates

Se considerarmos a retoacuterica como parte do nosso meio perceberemos a importacircncia do estudo e da dedicaccedilatildeo a tal arte do bem falar proporcionando aos interlocutores e a noacutes maior qualidade e eficaacutecia na transmissatildeo de ideias

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos1 Transmitir uma

mensagem2 Persuadir os interlocutores3 Finalidade

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Se retomarmos o pensamento da retoacuterica claacutessica isto eacute da Antiguidade notaremos que quando organizamos um raciociacutenio conforme aponta Aristoacuteteles estamos organizando tambeacutem nossas proacuteprias ideias visto que em geral noacutes temos ideias desarticuladas e eacute pelo exerciacutecio da retoacuterica que conseguimos contrapor ideias e contribuiacutemos para o meacutetodo dialeacutetico que opotildee verdades Deste modo retirarmos algo provisoacuterio para montarmos nosso raciociacutenio

Sob esta oacutetica precisamos entender o que satildeo silogismos Aristoacuteteles explica que silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo especiacutefico da razatildeo do contraacuterio seratildeo somente ideias desconexas Os raciociacutenios silogiacutesticos antes de qualquer coisa devem versar sobre algum assunto particular distinguindo-se lugares espeacutecies gecircneros e formas Para entendermos isto precisamos saber quais satildeo os gecircneros da retoacuterica segundo Aristoacuteteles Este assunto eacute um dos constituintes mais importantes da arte retoacuterica de modo que os elementos que compotildeem o gecircnero retoacuterico satildeo 1) O orador 2) o assunto 3) o ouvinte Sem estes elementos natildeo se faz a arte retoacuterica portanto o orador deve expor o seu discurso precisa estar atento ao seu assunto e os interlocutores precisam ouvir e por conseguinte saber distinguir as diversas finalidades de um discurso

Caracteriacutesticas da Arte de Falar Bem As caracteriacutesticas para desenvolvermos uma boa retoacuterica e uma boa oratoacuteria

podem ser resumidas em trecircs aspectos fundamentais 1) conteuacutedo do discurso 2) forma do discurso 3) objetivo do discurso

bull No primeiro elemento denominado conteuacutedo do discurso o orador

deve estar atento agrave formulaccedilatildeo retoacuterica dos argumentos Neste sentido o conteuacutedo deve abranger aquilo a que ele se propotildee e expor sem dificuldades e correccedilotildees ou ambiguidades

bull A segunda caracteriacutestica eacute a forma do discurso que deve deixar claro se os argumentos retoacutericos elencados pelo orador satildeo narrativos metafoacutericos paraacutebolas ou explicaccedilotildees cientiacuteficas como silogismos loacutegicos Isto significa que antes de comeccedilarmos um discurso e expor a forma que iremos usar pode ser falada qual eacute a forma ou durante a apresentaccedilatildeo expor esta forma

bull A terceira caracteriacutestica de uma boa formulaccedilatildeo retoacuterica eacute o objetivo de um discurso Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Dito isso seguimos a esteira dos passos iniciais da retoacuterica inaugurada pelos sofistas na Greacutecia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano Eacute no pensamento sofiacutestico que encontramos esboccedilo de gramaacutetica formas de prosa tanto ornada como erudita Segundo esses filoacutesofos natildeo haacute transmissatildeo da possibilidade da verdade em um debate isto eacute completamente contraacuterio ao ideal socraacutetico que sempre estaacute em busca de uma verdade

Esses pensadores desenvolveram caracteriacutesticas que a partir do Kairoacutes tempo oportuno possibilitaram entender que uma discussatildeo sempre estaacute tentando evitar a fuga das coisas ela se agarra agrave oportunidade de uma reacuteplica eis que haacute elementos substanciais para formulaccedilatildeo posterior da retoacuterica aristoteacutelica

Os sofistas constituiacuteram o fundamento da retoacuterica ocidental sob a ideia da controveacutersia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussotildees O mundo desses filoacutesofos sofistas natildeo tem realidade objetiva muito menos verdade para eles a uacutenica coisa viaacutevel eacute o discurso ou seja a retoacuterica Neste sentido dizer que um discurso eacute verdadeiro ou verossiacutemil eacute soacute um artifiacutecio retoacuterico para calar a boca de algueacutem

A retoacuterica inaugurada pelos sofistas natildeo estaacute abaixo do saber seu objetivo eacute o poder em outras palavras os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam ldquoa governar bem suas casas e suas cidadesrdquo (REBOUL 2004 p 10) Isso significa que o que importa eacute servir o poder

Sob esta perspectiva podemos entender que a retoacuterica satisfez agrave necessidade teacutecnica juriacutedica bem como a prova literaacuteria agrave filosofia e ao ensino na Greacutecia antiga Isoacutecrates pensador grego desenvolveu uma retoacuterica que abrange esses aspectos mencionados Em sua longa vida de 99 anos Isoacutecrates (436-338 aC) libertou a retoacuterica da sofiacutestica grega ele contribuiu para desenvolver e ampliar as caracteriacutesticas da arte retoacuterica Apoacutes sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa tendo ele escrito sua proacutepria defesa resolveu publicar o texto intitulado ldquoA trocardquo foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retoacuterica

Seu meacutetodo de ensino partia da reflexatildeo dos alunos com os quais ele sentava e discutia as questotildees corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos Segundo ele natildeo satildeo todas as pessoas que podem praticar a boa oratoacuteria deve haver algumas condiccedilotildees para que o sujeito possa desenvolver esta arte

Para ele eacute necessaacuterio aptidatildeo natural praacutetica constante e ensino sistemaacutetico para que se configure um bom orador Haacute uma clara discordacircncia entre ele e os

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sofistas pois para Isoacutecrates natildeo se pode criar um bom orador apenas se pode aperfeiccediloar algueacutem com aptidatildeo para tal arte De acordo com Reboul Isoacutecrates queria um modelo de retoacuterica ldquosoacutebria clara precisa isenta de termos raros de neologismos de metaacuteforas brilhantes de ritmos marcados mas sutilmente bela e profundamente harmoniosardquo (REBOUL 2004 p 11)

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber Isoacutecrates afirma que a retoacuterica deve seguir uma causa honesta e nobre Para ele as pessoas satildeo livres para bem usar os artifiacutecios retoacutericos mas devemos estar preocupados com a formaccedilatildeo moral e literaacuteria dos oradores para que estes natildeo caiam no acaso logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existecircncia Segundo ele o que nos distingue dos animais eacute a palavra e essa caracteriacutestica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos Neste sentido eacute a liacutengua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar agraves guerras

A retoacuterica eacute um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condiccedilatildeo de linguagem e arguiccedilatildeo persuasiva frente aos seus interlocutores O orador pode falar de virtudes paixotildees e outros assuntos com qualidade e precisatildeo caso saiba estruturar o seu discurso

A razatildeo de ser da retoacuterica que constitui uma das suas principais caracteriacutesticas eacute justamente o fato de ela querer convencer algueacutem logo ela aborda elementos que satildeo comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade O orador deve saber formular silogismos que satildeo raciociacutenios loacutegicos sobre as provas empiacutericas que ele escolher Um bom silogismo deve conter premissas plausiacuteveis sendo que natildeo pode haver confusatildeo entre as partes descritas

Um bom orador estabelece as caracteriacutesticas mais provaacuteveis para um acontecimento seu raciociacutenio sempre considera probabilidades e natildeo descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem Ele deve considerar todas as situaccedilotildees viaacuteveis e por eliminaccedilatildeo e contradiccedilatildeo sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstraacutevel

Para entendermos como se configurou a retoacuterica moderna devemos entender como se deu o processo de assimilaccedilatildeo durante o periacuteodo medieval pois este periacuteodo herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Claacutessica De acordo com Costa (2008)

Diretamente herdeira da Retoacuterica claacutessica a Retoacuterica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de trecircs fontes a Retoacuterica a Herecircnio a Doutrina oratoacuteria (Institutio oratoacuteria de Quintiliano [35-95]) e a tradiccedilatildeo cristatilde (desde Satildeo Jerocircnimo [340-420] ateacute Santo Agostinho [354-430])

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Um dos manuais de Retoacuterica mais estimados na Idade Meacutedia foi a Retoacuterica a Herecircnio (Rethorica ad Herennium) texto entatildeo atribuiacutedo a Ciacutecero (106-43 aC) mas na verdade de autor desconhecido Escrito no seacuteculo I antes de Cristo em meio agrave crise da Repuacuteblica romana o tratado natildeo deixava de destacar as teacutecnicas para se obter a docilidade e a benevolecircncia dos ouvintes ndash como eacute tiacutepico dos toacutepicos da Retoacuterica ndash mas as fundamentava no conceito de justiccedila e especialmente na diferenccedila entre o bem e o mal como se depreende nessa passagemConveacutem que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplaacute-la No debate poliacutetico a utilidade divide-se em duas partes a segura e a honesta [] A mateacuteria honesta divide-se em reto e louvaacutevel Reto eacute o que se faz com virtude e dever Subdivide-se em prudecircncia justiccedila coragem e modeacutestia Prudecircncia eacute a destreza que pode com certo meacutetodo discernir o bem e o mal []Esse soacutelido alicerce eacutetico exposto na Retoacuterica a Herecircnio tem por sua vez raiz em Aristoacuteteles (384-322 aC) Em sua Retoacuterica o Estagirita sustentou as bases filosoacuteficas da virtude da justiccedila do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retoacuterica [] os homens tecircm uma inclinaccedilatildeo natural para a verdade e a maior parte das vezes alcanccedilam-na E por isso ser capaz de discernir sobre o plausiacutevel eacute ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade [] Mas a retoacuterica eacute uacutetil porque a verdade e a justiccedila satildeo por natureza mais fortes que os seus contraacuterios De sorte que se os juiacutezos se natildeo fizerem como conveacutem a verdade e a justiccedila seratildeo necessariamente vencidas pelos seus contraacuterios e isso eacute digno de censura (COSTA 2008 p 31)

Essa assimilaccedilatildeo da retoacuterica no periacuteodo medieval permitiu que ela fosse

adotada para o acircmbito religioso As exegeses e sermotildees comeccedilaram a conter elementos da forma grega de argumentar Depois de algum tempo jaacute havia sistemas estruturados de interpretaccedilatildeo dos textos que permitiam anaacutelises e explicaccedilotildees detalhadas das escrituras sagradas

Um bom argumento deve conter raciociacutenios irrefutaacuteveis pois do contraacuterio natildeo chegaremos a uma conclusatildeo viaacutevel

Entre as caracteriacutesticas da retoacuterica gostariacuteamos de fazer uma pequena distinccedilatildeo entre a funccedilatildeo teoloacutegica e a funccedilatildeo filosoacutefica da retoacuterica Para a filosofia a retoacuterica deve elucidar argumentos filosoacuteficos e o conteuacutedo de seus conceitos permitindo ao puacuteblico e ao estudante desta arte uma compreensatildeo clara e distinta acerca dos problemas da filosofia

Na filosofia a arte da persuasatildeo deve servir agrave elucidaccedilatildeo dos grandes problemas teoacutericos e para exposiccedilatildeo de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais Os primeiros manuais de retoacuterica publicados por Coacuterax e Tiacutesias por volta do seacuteculo V aC formularam os elementos para tais exposiccedilotildees Jaacute Goacutergias (483-380 aC) valorizou o significado da palavra como fundadora pois para este eacute a palavra que comanda um exeacutercito faz um porto ou determina

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

a natureza de um Estado Durante este periacuteodo inuacutemeras caracterizaccedilotildees diferenciaram a retoacuterica mas em geral todas concordam que uma boa retoacuterica proporcionaraacute uma possibilidade de se formar um orador Neste sentido distinguimos a caracteriacutestica da retoacuterica de formular discursos da oratoacuteria que definimos pela arte de se expressar em puacuteblico

Na teologia a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram caracteriacutesticas de eloquecircncia nos sermotildees e nos debates teoloacutegicos Destacamos que os principais motivos desta formulaccedilatildeo remetem agrave tentativa de converter os infieacuteis e produzir uma interpretaccedilatildeo biacuteblica

De modo resumido podemos dizer que os modos de persuasatildeo ajudam os indiviacuteduos em um debate para que estes possam formular pela retoacuterica e expor pela oratoacuteria as suas verdades Se na Idade Meacutedia o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formaccedilatildeo humana na Modernidade percebemos uma pulverizaccedilatildeo destas artes e uma constante divisatildeo que gerou uma teacutecnica distinta do conteuacutedo da retoacuterica

Os significados de Trivium e Quadrivium satildeo respectivamente Os trecircs caminhos que levam ao homem a eloquecircncia 1) gramaacutetica 2) retoacuterica 3) loacutegica Quadrivium Os quatro caminhos para a sabedoria do homem que satildeo 1) aritmeacutetica 2) muacutesica 3) geometria 4) astronomia

Neste sentido se na Antiguidade e na Idade Meacutedia retoacuterica e oratoacuteria se articulavam e completavam-se formando uma aacuterea de saber na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificaccedilatildeo que resultou em uma retoacuterica especiacutefica para profissatildeo

Embora a Retoacuterica de Aristoacuteteles tenha sido pouco lida o fato eacute que a tradiccedilatildeo grega contraacuteria aos sofistas elevou a Retoacuterica agrave categoria de valor Mesmo Platatildeo (c 429-347 aC) tatildeo avesso agrave Retoacuterica em sua Repuacuteblica ideal fez Soacutecrates afirmar que ela para deixar de ser uma adulaccedilatildeo deveria estar a serviccedilo da filosofia da educaccedilatildeo como ldquoarte de guiar a alma por meio de raciociacutenios (Fedro 261a) para se chegar agrave verdade agrave justiccedila e ao bemrdquo Assim desde a filosofia de Platatildeo a verdadeira finalidade da Retoacuterica natildeo deveria ser o ato de agradar aos homens como defendiam os sofistas mas agradar a Deus (Fedro 273e)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Em outras palavras a tradiccedilatildeo claacutessica grega legou aos romanos a noccedilatildeo de que a verdadeira Retoacuterica deveria estar a serviccedilo da eacutetica e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retoacuterico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas accedilotildees com o intuito de infundir a justiccedila nas almas dos cidadatildeos fazendo com que neles reinassem a prudecircncia a moderaccedilatildeo e sobretudo desaparecesse o destempero todas as energias do Estado e do indiviacuteduo deveriam portanto dedicar-se agrave busca do bem natildeo agrave satisfaccedilatildeo dos desejos Esses pressupostos estatildeo muito presentes em Quintiliano afamadiacutessimo professor de Retoacuterica do primeiro seacuteculo de nossa era Ao escrever sua obra-prima em 95 dC a Doutrina oratoacuteria este romano-espanhol de Calahorra natildeo teve qualquer receio em seguir a tradiccedilatildeo de Catatildeo (234-149 aC) e definir em seu Livro XII o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer mas sobretudo um homem bom (ldquovir bonus dicendi peritusrdquo) particularmente por seus costumes Todo esse manancial eacutetico claacutessico que norteou a Retoacuterica foi generosamente sorvido pela tradiccedilatildeo cristatilde especialmente atraveacutes de Satildeo Jerocircnimo (c 340-420) e Santo Agostinho (354-430) que a retransmitiram aos medievais (Jerocircnimo atraveacutes de suas cartas e Agostinho em suas Confissotildees) Isidoro de Sevilha (560-636) por fim fortaleceu a ponte entre os dois mundos e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) agrave Retoacuterica e agrave Dialeacutetica Nele o bispo realizou uma importante compilaccedilatildeo de excertos e circunscreveu a Retoacuterica ao discurso forense sem contudo abandonar seu cariz eacutetico ldquoRetoacuterica eacute a ciecircncia do bem dizer nos assuntos civis com a eloquecircncia proacutepria para persuadir o justo e o bomrdquo Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Meacutedia A partir de entatildeo o estudo da Retoacuterica ficou restrito ao universo monaacutestico ou seja tanto educandos quanto educadores salvo rariacutessimas exceccedilotildees natildeo a colocavam em praacutetica Isso soacute ocorreria a partir do seacuteculo XI quando a Retoacuterica passou a ser utilizada na composiccedilatildeo de cartas e documentos e tornou-se uma epistolografia era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi) E foi dessa eacutepoca a defesa acadecircmica da Retoacuterica feita por Gilberto de la Porreacutee e Joatildeo de Salisbury contra os cornificianos (COSTA 2008 p 32)

Essa fragmentaccedilatildeo da retoacuterica apoacutes o seacuteculo XVII (Idade Moderna) conforme aponta Reboul (2004) Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica praticamente fez desaparecer do meio acadecircmico a disciplina de Retoacuterica Depois da metade do seacuteculo XX a retoacuterica se recuperou gradativamente mas o processo comeccedilou pelo acircmbito do marketing Aos poucos e de fora para dentro o debate sobre a retoacuterica recomeccedilou e em nossos dias jaacute temos algumas instituiccedilotildees de Ensino Superior que retomaram essa disciplina contudo no ensino baacutesico simplesmente se ignora o papel da retoacuterica e da oratoacuteria

Retoacuterica e Oratoacuteria em Nosso MeioPassamos agora a discutir um pouco o problema da retoacuterica em nosso

meio para entendermos que ela natildeo eacute uma coisa distante e sem sentido que foi esquecida por ser sem utilidade Para Duran (2009 p 9)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Trecircs autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retoacuterica e da eloquecircncia no Brasil do seacuteculo XIX Roberto de Oliveira Brandatildeo com seus estudos sobre os manuais de retoacuterica e poeacutetica brasileiros do seacuteculo XIX (1972) Roberto Aciacutezelo de Souza com o livro O Impeacuterio da Eloquecircncia Retoacuterica e Poeacutetica no Brasil Oitocentista (1999) e Eduardo Vieira Martins com a Fonte subterracircnea (2005) Roberto de Oliveira Brandatildeo selecionou os manuais e compecircndios de retoacuterica e poeacutetica publicados ao longo do seacuteculo XIX como seus objetos de estudo Sua preocupaccedilatildeo foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional Em trabalhos posteriores como no texto Os manuais de retoacuterica brasileiros do seacuteculo XIX (1988) o autor apresentou avanccedilos acerca dessa temaacutetica abordando a funccedilatildeo e a permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na educaccedilatildeo nacional Roberto Aciacutezelo de Souza por sua vez estudou a retoacuterica e a poeacutetica por meio dos planos de ensino da segunda metade do seacuteculo XIX no Coleacutegio Pedro II Souza esforccedilou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado tendo em vista algumas oraccedilotildees da eacutepoca e as praacuteticas educativas de entatildeo Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos agrave mudanccedila estrutural da disciplina que em meados de 1830 deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referecircncia e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair A permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura brasileira tambeacutem foi abordada nesta pesquisa a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e Joseacute de Alencar Em seus trabalhos esses trecircs autores referiram-se agrave segunda metade do seacuteculo XIX quando a disciplina jaacute possuiacutea certa uniformidade Entre suas fontes se pode encontrar manuais compecircndios planos de ensino registros de aulas decisotildees e ordens do Estado brasileiro fontes que lhes serviram como referecircncia para localizar a contribuiccedilatildeo que a retoacuterica e a eloquecircncia forneceram agrave educaccedilatildeo Quanto agrave formaccedilatildeo de um discurso brasileiro senatildeo de uma literatura nacional um deles recorreu a um literato da eacutepoca Joseacute de Alencar enquanto os demais mantiveram-se atentos agrave produccedilatildeo de uma literatura didaacutetica ou pedagoacutegica Excetuando a distinccedilatildeo de gecircnero pode-se afirmar que ambas possuiacuteam uma unidade prescritiva de caraacuteter edificante

Neste aspecto pensar a retoacuterica em nossas terras eacute importante para

sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadecircmico se manifestou ficando agrave literatura o papel de preservar sua existecircncia de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio Em alguns lugares do paiacutes foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos

A longevidade da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura local foi garantida por meio dos perioacutedicos cariocas que a partir de 1822 tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em ldquoarrogar no coraccedilatildeo do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo aquela zelosa energia que constituem verdadeiro meacuterito moral e poliacutetico e acrisola decidido patriotismordquo (JORNAL SCIENTIacuteFICO ECONOMICO E LITERAacuteRIO 1826 NUacuteMERO 1 MAIO p 81) Regrada pela retoacuterica a comunicaccedilatildeo dos cariocas do primeiro quartel do seacuteculo XIX modelou uma

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Oratoacuteria e Retoacuterica

eloquecircncia que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular formal e temaacutetico para a invenccedilatildeo de uma literatura nacional e paralelamente de uma identidade brasileira (DURAN 2009 p 9)

Os jesuiacutetas contribuiacuteram de modo muito importante sobre a preservaccedilatildeo e difusatildeo da arte retoacuterica sobretudo no meio religioso Seus textos exegeacuteticos foram fundamentais para que as vertentes de retoacuterica e oratoacuteria se espalhassem no meio literaacuterio brasileiro

Foi publicado em 23 de dezembro de 1770 o Compecircndio histoacuterico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasatildeo dos denominados jesuiacutetas no Palaacutecio Nossa Senhora da Ajuda em Lisboa O opuacutesculo dava notiacutecia de aspectos do meacutetodo de ensino dos jesuiacutetas durante o seacuteculo XVIII nos cursos de Teologia Cacircnones Leis e Medicina da Universidade de Coimbra apresentando as mateacuterias conforme a sucessatildeo das aulas durante a semana Prima Terccedila e Veacutespera eram aulas permanentes que aconteciam respectivamente agraves segundas terccedilas e quartas-feiras certamente muito importantes a julgar pelo maior honoraacuterio pago aos mestres As quintas-feiras eram livres como na Franccedila e os domingos reservados para o descanso e a missa Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades geralmente as sextas-feiras quando se realizava a Noa Nas Catedrilhas Institutas ou Avicena que se seguiam irregularmente durante a semana realizava-se a revisatildeo dos temas jaacute estudados ou a leitura dos textos das proacuteximas aulas de Prima Terccedila ou Veacutespera Dedicadas a rememorar os temas jaacute discutidos tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a mateacuteria e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante O passante era na maioria dos casos um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiecircncia ou ainda um jovem receacutem-formado com as mesmas qualidades Aleacutem do passante havia o lente um tipo de mestre responsaacutevel pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Veacutespera antecedendo a explicaccedilatildeo do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terccedila A relevacircncia dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exerciacutecio contiacutenuo de memorizaccedilatildeo da mateacuteria pois a intenccedilatildeo era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importacircncia fato que num mundo de poucos impressos era um traccedilo distintivo de inteligecircncia Em todas as mateacuterias o estudo era guiado por uma obra de referecircncia impreterivelmente em latim A predominacircncia do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa liacutengua eram considerados os mais importantes e aprofundados Soma-se a isso a crenccedila de que o estudo da obra original das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor tinha maior meacuterito por constituiacuterem um conhecimento puro capaz de sustentar um saber genuiacuteno (DURAN 2009 p 15)

Aleacutem desse caraacuteter de decorar um assunto o ensinamento de um argumento

possibilita aos indiviacuteduos uma capacidade de memorizaccedilatildeo que os distingue dos demais visto que haacute poucos textos escritos nessa eacutepoca e a eloquecircncia com que se elencava um argumento fazia toda a diferenccedila quando se queria convencer algueacutem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Segundo Duran (2009) para alguns pensadores do final do seacuteculo XVIII natildeo era mais possiacutevel seguir sem a disciplina de retoacuterica em nossos bancos escolares e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias

No sistema criado por Verney as mateacuterias Histoacuteria Geografia e Gramaacutetica deveriam ser acompanhadas da Retoacuterica depois disso Grego e mais Histoacuteria deveriam ser as mateacuterias dos anos subsequentes A Retoacuterica alinhavava esses saberes disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniotildees acerca das mateacuterias estudadas [O mestre de Retoacuterica] Logo mandaraacute compor alguma coisa em Portuguecircs comeccedilando por assuntos breves nos trecircs gecircneros de Eloquecircncia Comeccedilaraacute primeiro pelas cartas portuguesas dando somente aos rapazes o argumento delas e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua proacutepria liacutengua e contra a Gramaacutetica E por esta razatildeo eacute supeacuterfluo neste ano ler mais autores portugueses porque esta composiccedilatildeo eacute o melhor estudo que se pode fazer da liacutengua portuguesa Depois passaraacute ao estilo histoacuterico e tiraraacute algum argumento da mesma Histoacuteria que se explica pela manhatilde para que os estudantes a dilatem escrevendo o dito caso mui circunstanciado e variando isto segundo o arbiacutetrio do Mestre ou tambeacutem a descriccedilatildeo de um lugar e de uma pessoa ou coisa semelhante Em terceiro lugar segue-se dar-lhe algum argumento declamatoacuterio mas breve Para facilitar isto o melhor meio eacute este Quando o mestre propotildee algum argumento que se deve provar perguntaraacute ao rapaz que razotildees ele daacute sobre aquele ponto Ouccedila as que ele daacute e ajude-o a produzi-las pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY 1952 p 63) Para Verney o exerciacutecio repetido da comunicaccedilatildeo era propiacutecio para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do disciacutepulo Esse agora natildeo era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala natildeo se destinava somente aos grandes nem deveria seguir os padrotildees de apenas um uacutenico modelo por isso estudariam os discursos deliberativo demonstrativo e judicial e [] quando o estudante tiver bastante notiacutecia dos trecircs gecircneros de Eloquecircncia em tal caso pode empregar-se em compor Latim e isto pelo mesmo meacutetodo que o fez em Vulgar Nesta composiccedilatildeo latina natildeo teraacute dificuldade alguma visto ter vencido todas na composiccedilatildeo portuguesa somente lhe faltaratildeo as palavras latinas e frases particulares da liacutengua ao que deve acudir e suprir o Mestre emendando-as ou sugerindo-as Encomende tambeacutem aos rapazes que leiam muito as oraccedilotildees de Ciacutecero natildeo digo as Verrinas que satildeo enfadonhas e soacute se podem ler salteadas mas as outras mais faacuteceis e breves das quais com facilidade se passa para as outras E esta classe eacute necessaacuterio que frequentem todos os que estudam Latinidade porque sem ela nenhum pode entender e escrever bem Latim e com ela pode saber muita coisa uacutetil para todos os exerciacutecios da vida e principalmente para toda a sorte de estudos (VERNEY 1952 apud DURAN 2009 p 15)

O retorno da retoacuterica aos acircmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indiviacuteduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos fiacutesicos e materiais Com a retomada

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Oratoacuteria e Retoacuterica

da retoacuterica temos tambeacutem o retorno de figuras de linguagem comparaccedilotildees e estruturas mais rebuscadas

Platatildeo e AristoacutetelesSegundo Platatildeo a retoacuterica se caracteriza pela capacidade de persuasatildeo dos

interlocutores essa capacidade nos traz a atualidade do diaacutelogo em Goacutergias de Platatildeo acerca de uma educaccedilatildeo retoacuterica Embora estejamos enfeiticcedilados pela tecnologia quando encontramos algueacutem que sabe se expressar muito bem percebemos quatildeo importante eacute saber falar e organizar as ideias

No diaacutelogo Goacutergias Calicles e Soacutecrates iniciam a discussatildeo sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra e ao incorporarem Querefonte na discussatildeo Calicles propotildee ouvirmos o que Goacutergias pensa sobre o ato de dialogar Neste sentido Soacutecrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar Goacutergias se dispotildee a responder todas as perguntas gabando-se de que ningueacutem havia o pego desprevenido

Em determinado momento do diaacutelogo Soacutecrates inquire Goacutergias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequecircncias desta pois para Soacutecrates existe uma diferenccedila entre oratoacuteria e diaacutelogo sendo a oratoacuteria instrumento dos falaciosos Segundo Goacutergias ldquome prezo de serrdquo um bom orador (PLATAtildeO 1970 p 52) Ao se considerar como tal Goacutergias assume que eacute capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo Na sequecircncia do diaacutelogo Soacutecrates pede para que Goacutergias exponha sua arte de maneira clara e concisa Goacutergias concorda em expor esta oratoacuteria de que tanto se fala e compara concordando com Soacutecrates com a tecelagem e a muacutesica

Ao responder a Soacutecrates Goacutergias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes por exemplo a medicina pois a oratoacuteria natildeo trata de todas as palavras Segundo Goacutergias seguindo Soacutecrates a oratoacuteria capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem E aparece assim a primeira contradiccedilatildeo de Goacutergias que dissera haacute pouco no diaacutelogo com Soacutecrates que a oratoacuteria natildeo tem nada a ver com a medicina mas agora quando Soacutecrates reformula a questatildeo Goacutergias concorda que a medicina reflete sobre

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

as doenccedilas e por conseguinte usa a palavra Ao falarmos de moleacutestias segundo Soacutecrates utilizamos palavras tambeacutem faz uso de palavras a ginaacutestica que se refere ao corpo logo concluiacutemos que seguindo o raciociacutenio socraacutetico todas as demais artes utilizam palavras para se expressar e surge a principal questatildeo ateacute o momento ldquopor que natildeo dar o nome de oratoacuteria agraves demais artesrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54) A resposta de Goacutergias eacute que as demais artes trabalham com as matildeos enquanto a oratoacuteria eacute a arte da palavra isto eacute ldquosua atividade e operaccedilatildeo se realizam todas por meio de palavrasrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54)

Na sequecircncia do diaacutelogo a discussatildeo se encaminha para artes que usam as palavras sendo que a oratoacuteria natildeo abarca estas atividades Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmeacutetica que usam termos palavras e sinais na escrita mas em nenhum momento se expressam sendo que a estas tambeacutem natildeo chamamos de oratoacuteria logo a oratoacuteria eacute a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras

Devemos questionar agora se a oratoacuteria possui realmente este poder de persuasatildeo defendido por Platatildeo na obra que estamos utilizando para aplicar o debate Para Goacutergias a palavra eacute uma das formas que pode congregar cidadatildeos e colocar todos os demais que natildeo dominam esta arte sob seus peacutes Eacute a arte retoacuterica do uso das palavras que pode convencer as massas ldquoCom ecircnfase exalta Goacutergias a sua arte Na apologia Soacutecrates conta como saiacutera a interrogar os homens que passavam por saacutebios poliacuteticos poetas artiacutefices cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientiacutessimo nos demais domiacuteniosrdquo (PLATAtildeO 1970 p 59) Aqui a palavra massa natildeo tem nenhuma referecircncia moderna Eacute uma referecircncia agrave assembleia grega

Neste sentido a retoacuterica eacute um modo de persuasatildeo que cria convicccedilotildees nos interlocutores Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasatildeo A persuasatildeo que eacute uma consequecircncia da oratoacuteria eacute o convencimento por meio de bons argumentos retoacutericos e o bom uso da oratoacuteria No diaacutelogo Soacutecrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim e mais se a arte pode produzir uma persuasatildeo parecida ou igual agrave da retoacuterica Antes de continuar esta reflexatildeo sobre a persuasatildeo precisamos explicar que existe uma diferenccedila entre persuasatildeo didaacutetica e persuasatildeo pateacutetica A didaacutetica se refere ao convencimento do intelecto enquanto a pateacutetica indica um convencimento mediante as emoccedilotildees

Seguindo a linha de raciociacutenio de Soacutecrates no diaacutelogo com Goacutergias entendemos que outras artes tambeacutem produzem o convencimento cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retoacuterica produz Para responder a isso Goacutergias diz que a persuasatildeo produzida pela oratoacuteria eacute aquela que se refere ao justo e ao injusto

Percebemos que a oratoacuteria referida por Goacutergias eacute aquela juriacutedica e que estaacute restrita aos tribunais Soacutecrates distingue dois tipos de persuasatildeo 1) a crenccedila sem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

o saber e 2) a ciecircncia logo conclui-se que o orador fala da crenccedila e natildeo da ciecircncia visto que no tribunal ele natildeo expotildee o que eacute justo e injusto simplesmente quer convencer os interlocutores

Neste sentido devemos indagar assim como Soacutecrates indagou Goacutergias que proveito haacute em estudar esta arte retoacuterica A resposta a esta pergunta eacute a seguinte quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente procuramos um profissional meacutedico quando queremos falar bem procuramos um especialista em oratoacuteria Assim quem aprende uma habilidade como esta ou seja a arte retoacuterica estaacute habilitado a discutir com qualquer pessoa pois domina os conceitos Deste modo cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis

Ateacute agora a exposiccedilatildeo da arte retoacuterica e o modelo de oratoacuteria em Platatildeo situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso de modo a permitir que o estudante entenda a retoacuterica como uma forma de construccedilatildeo de argumentos e a retoacuterica como um modo de persuasatildeo dos interlocutores O diaacutelogo platocircnico Goacutergias trouxe a discussatildeo para o patamar da escolha individual de cada indiviacuteduo assim eacute o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo

Seguindo o diaacutelogo platocircnico Soacutecrates retoma a questatildeo que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador Nesta perspectiva Goacutergias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posiccedilatildeo O diaacutelogo se inclina agora para a discussatildeo da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquecircncia de um orador Neste aspecto Soacutecrates pede a Goacutergias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratoacuteria Goacutergias concorda seguindo em tudo o que Soacutecrates diz a respeito do conhecimento de um orador Concluindo este raciociacutenio Soacutecrates e Goacutergias concordam que a oratoacuteria eacute um tipo de arte injusta

No pensamento platocircnico o debate acerca da retoacuterica e da oratoacuteria remete ao diaacutelogo Goacutergias apontando na direccedilatildeo esteacutetica e literaacuteria ldquoNascido por volta do ano 485 aC Goacutergias viveu 109 anos sobrevivendo pois a Soacutecrates Tambeacutem siciliano e disciacutepulo de Empeacutedocles em 427 aC foi para Atenas numa embaixada diz-se que ali sua eloquecircncia encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltariardquo (REBOUL 2004 p 4) Percebemos aqui como a arte retoacuterica ganhou forccedila a partir dos textos e argumentaccedilotildees neste periacuteodo citado Ateacute entatildeo na Greacutecia literatura e poesia eram consideradas idecircnticas Por sua vez a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Goacutergias criou o discurso epidictieo que significa um elogio puacuteblico tambeacutem desenvolveu uma prosa eloquente que com suas rimas metaacuteforas e periacutefrases formula um modelo que captura os espectadores Citamos um exemplo de tamanha eloquecircncia o Elogio de Helena que era uma mulher perfeita bela esposa de Menelau que permitiu ser capturada por Paacuteris lanccedilando os gregos em uma guerra de uma deacutecada Goacutergias expotildee a beleza de Helena em um discurso proferido ao puacuteblico na eacutepoca da guerra no texto Goacutergias daacute as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada Dentre elas destacamos algumas foi um decreto dos deuses ou foi o destino teria ela sido levada agrave forccedila Ou convencida por belas palavras E ainda o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos

Para Goacutergias Helena foi convencida pela arguiccedilatildeo de um belo discurso e como tal natildeo eacute culpada Goacutergias defende Helena como pretexto para defender a retoacuterica ldquoO discurso eacute um tirano poderosiacutessimo esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisiacutevel alccedila agrave plenitude as obras divinas porque a palavra pode pocircr fim ao medo disse para a tristeza estimular a alegria aumentar a piedade (GOacuteRGIAS apud REBOUL 2004 p 5)

Para Goacutergias Helena eacute inocente pois ela natildeo pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos logo para Goacutergias a argumentaccedilatildeo sofiacutestica de que um ato involuntaacuterio natildeo implica em culpa Assim a arte retoacuterica expressa na oratoacuteria de Goacutergias passou a ser chamada de sofista

Eis aiacute um dos momentos marcantes da retoacuterica antiga pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquecircncia e sua arte de convencimento Inaugura-se neste periacuteodo um modo de educaccedilatildeo intelectual profundo que natildeo tem a ver com uma profissatildeo ou religiatildeo pois era o conhecimento pelo conhecimento em outras palavras Goacutergias deu agrave retoacuterica a capacidade de falar do belo

Aleacutem do debate entre Platatildeo e Goacutergias protagonizado por Soacutecrates e seus interlocutores temos outros preacute-socraacuteticos que desenvolveram a retoacuterica como a arte de argumentar Destacamos a figura de Protaacutegoras de Abdera (486-410 aC) como um destes representantes que aleacutem de defender o agnosticismo formulou a famosa maacutexima retoacuterica em relaccedilatildeo agrave moral ldquoo homem eacute a medida de todas as coisas das que satildeo enquanto satildeo e das que natildeo satildeo enquanto natildeo satildeordquo No que se refere aos seres sagrados ou deuses Protaacutegoras formulou ldquoquanto aos deuses natildeo estou em condiccedilatildeo de saber se existem ou natildeo existem nem mesmo o que satildeordquo (REBOUL 2004 p 7) Este pensamento retoacuterico lhe custou a pena de morte mas como tinha medo da morte fugiu

Quanto agrave oratoacuteria e agrave retoacuterica a principal preocupaccedilatildeo de Protaacutegoras era com os substantivos suas formas e variaccedilotildees Tambeacutem desenvolveu uma nova gramaacutetica e fundou a eriacutestica que significa a contraposiccedilatildeo de ideias resultando tempos depois na dialeacutetica Por eacuteris Protaacutegoras entendeu que uma boa discussatildeo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

deve conter ideias contraditoacuterias visto que em grego a palavra eriacutestica vem de eacuteris que significa controversa Desta maneira segundo Protaacutegoras qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando eis que esta eacute a condiccedilatildeo da teacutecnica eriacutestica ou seja os modos e formas para vencer um debate A discussatildeo e a controveacutersia mediante o uso da retoacuterica e da oratoacuteria eacute que conferem a condiccedilatildeo de um debate

Estas caracteriacutesticas que elencamos ateacute agora representam a propedecircutica ou preparaccedilatildeo para iniciar a discussatildeo acerca do fundamento da retoacuterica e da oratoacuteria Em Aristoacuteteles a retoacuterica se configura em diaacutelogo com a dialeacutetica Neste sentido ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado

No pensamento retoacuterico aristoteacutelico haacute uma distinccedilatildeo entre saber como arte e conhecimento como ciecircncia No desenvolvimento da retoacuterica desde Aristoacuteteles ateacute nossos dias ocorreu uma transformaccedilatildeo desta que passou da arte persuasiva para uma hermenecircutica interpretativa

Retomamos o cuidado com o significado da retoacuterica e da oratoacuteria em nossos tempos Em Aristoacuteteles a retoacuterica natildeo eacute simplesmente persuadir ou convencer os outros ela eacute tambeacutem fruto da experiecircncia de vaacuterios oradores que desenvolvem teacutecnicas para melhorar e exercitar esta arte A tradiccedilatildeo grega desde Homero sempre se preocupou em formular bons argumentos retoacutericos e excelentes oradores assim aleacutem de agir heroicamente as personagens gregas deviam falar bem

Inuacutemeros satildeo os exemplos na histoacuteria grega que relatam estes acontecimentos Todo o processo de transformaccedilatildeo da oratoacuteria grega passa basicamente por Platatildeo Isoacutecrates e Aristoacuteteles chegando agraves legiotildees romanas atraveacutes de Ciacutecero que com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano imortalizou a retoacuterica no meio latino De acordo com Lausberg (1960) nunca houve um sistema retoacuterico claacutessico isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indiviacuteduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retoacuterica e da oratoacuteria

Para explicarmos de maneira resumida as definiccedilotildees de retoacuterica elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento mas todas essas definiccedilotildees concordam em um ponto a retoacuterica possui fins persuasivos

a) A definiccedilatildeo de Coacuterax Tisias Goacutergias Platatildeo segundo estes a retoacuterica eacute geradora de persuasatildeo

b) Aristoacuteteles eacute capaz de descobrir as formas de persuasatildeo sobre um assunto

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) Hermaacutegoras eacute a forma de bem falar no que tange aos assuntos puacuteblicos

d) Quintiliano retoacutericos estoicos que significa a ciecircncia de falar bem

Essas definiccedilotildees partem do princiacutepio de que retoacuterica eacute um corpo de conhecimento ou meacutetodo para se expressar bem assim como pensamos a retoacuterica devemos levar em conta os seus usos No que tange agrave finalidade de um discurso natildeo haacute muita diferenccedila entre o acircmbito teoacuterico e praacutetico da eloquecircncia

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo caminham juntas

Passamos agora ao entendimento de retoacuterica segundo Aristoacuteteles que escreveu em seu livro Retoacuterica sobre os fins persuasivos desta arte e no livro Poeacutetica defende a evocaccedilatildeo imaginaacuteria para discursos poeacuteticos e literaacuterios Faz assim uma distinccedilatildeo fundamental entre o caraacuteter retoacuterico e o poeacutetico

Percebemos aqui uma severa criacutetica de Aristoacuteteles para os seus antecessores que mantinham unidas dimensotildees tatildeo distintas A novidade apresentada por Aristoacuteteles eacute a presenccedila do argumento loacutegico logo haacute uma relaccedilatildeo entre prova raciociacutenio silogismo e argumentaccedilatildeo persuasiva Este meacutetodo serve tanto agraves ciecircncias empiacutericas quanto agrave filosofia e aleacutem disso pode ser usado tambeacutem para interpretar textos

Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em sete partes 1) A distinccedilatildeo de duas categorias formais de persuasatildeo provas teacutecnicas e natildeo teacutecnicas 2) Identificaccedilatildeo de trecircs meios de prova [] a loacutegica do assunto o caraacuteter do orador e a emoccedilatildeo dos ouvintes 3) A distinccedilatildeo de trecircs espeacutecies de retoacuterica judicial deliberativa e epidiacutectica 4) A formulaccedilatildeo de duas categorias retoacutericas entimema prova dedutiva o exemplo usado na argumentaccedilatildeo indutiva [] 5) A concepccedilatildeo e o uso de vaacuterias categorias de toacutepicos na construccedilatildeo dos argumentos toacutepicos de cada gecircnero de discurso toacutepicos aplicaacuteveis a todos os gecircneros e toacutepicos de estrateacutegias de argumentaccedilatildeo 6) concepccedilatildeo de normas baacutesicas de estilo e composiccedilatildeo nomeadamente de clareza agrave compreensatildeo de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicaccedilatildeo do papel da metaacutefora 7) a classificaccedilatildeo e ordenaccedilatildeo das vaacuterias partes do discurso (ARISTOacuteTELES 2005 p 35)

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas

de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se

distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo

e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo

caminham juntas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A classificaccedilatildeo proposta por Aristoacuteteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades

A sistematizaccedilatildeo de regras do discurso observando ao mesmo tempo as interaccedilotildees necessaacuterias aos trecircs elementos envolvidos o orador o ouvinte e o objeto do discurso teve por finalidade dar consistecircncia a essa teacutecnica inserindo-a no campo das artes Esse era sem duacutevida o objetivo de Aristoacuteteles no seu tratado sobre a arte retoacuterica e a arte poeacutetica retirar das sombras essa parte da dialeacutetica ndash como o autor considerava a retoacuterica ndash neutralizando de certo modo algumas acusaccedilotildees como as de Platatildeo sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA 2012 p 7)

Se quisermos falar a um puacuteblico ou a um grupo seleto de pessoas devemos escolher o meacutetodo apropriado e o estilo conforme a classificaccedilatildeo aristoteacutelica indica Para o pensador grego retoacuterica e oratoacuteria se complementam mas satildeo distintas enquanto sua finalidade pois a retoacuterica serve para a boa formulaccedilatildeo de raciociacutenio e a oratoacuteria possui uma finalidade literaacuteria que implica na beleza do discurso

Atividades de Estudos

1) Leia o texto indicado a seguir e responda agraves questotildees

Artigo Retoacuterica e nova retoacuterica a tradiccedilatildeo grega e a teoria da argumentaccedilatildeo de Chaim Perelman Disponiacutevel em lthttpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfilesanexos25334-25336-1-PBpdfgt

a) O que eacute retoacuterica ____________________________________________________

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b) Para que serve a retoacuterica ____________________________________________________

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) O que eacute oratoacuteria ____________________________________________________

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d) Para que serve a oratoacuteria ____________________________________________________

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O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma caracteriacutestica humana que diferencia

pessoas de qualidade daquelas com outras aptidotildees A retoacuterica e a oratoacuteria ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem e por isso merecem a nossa atenccedilatildeo

Ao falar temos diferentes opccedilotildees para nos expressarmos podemos optar pelo cinismo pelo relativismo pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmaacutetica A escolha que fizermos implicaraacute em um modo de exposiccedilatildeo dos argumentos e justificaccedilatildeo das ideias e consequentemente em implicaccedilotildees morais

Conforme jaacute apontamos a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo possuem necessariamente um compromisso com a verdade pois satildeo uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem A transmissatildeo de uma mensagem atraveacutes de argumentos ou pela exposiccedilatildeo loacutegica de ideias pode levar em conta uma verdade por exemplo como ocorre com Platatildeo que tem em vista uma verdade uacuteltima que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias Por outro lado falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referecircncia agrave verdade conforme aponta Protaacutegoras Para este filoacutesofo grego a verdade eacute inatingiacutevel e por isso natildeo existe nada a ser transmitido neste sentido o que haacute eacute a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos

A verdade e a retoacuterica natildeo andam juntas o tempo todo agraves vezes elas se aproximam e agraves vezes elas se distanciam Neste sentido somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam

No acircmbito cotidiano a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante relaccedilatildeo com a verdade mas geralmente passam desapercebidas Quando estamos no trabalho

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ou em um conviacutevio social de lazer somos inquiridos e formulamos respostas nem percebemos que este exerciacutecio eacute o mesmo que em pequena escala um modo de fazer retoacuterica e oratoacuteria Por exemplo vocecirc quer convencer seu chefe de que um projeto seu eacute bom para a empresa vocecirc usaraacute argumentos retoacutericos e a forma como os apresentar seraacute a sua oratoacuteria

Eacute Aristoacuteteles quem define a retoacuterica com mais modeacutestia do que Platatildeo e os sofistas reabilitando assim uma visatildeo sistemaacutetica que se incorpora no mundo Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em quatro partes a primeira parte chamou de invenccedilatildeo a segunda denominou de disposiccedilatildeo agrave terceira parte deu o nome de elocuccedilatildeo e agrave quarta denominou de accedilatildeo Esta divisatildeo permaneceu vaacutelida ateacute nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes

bull A invenccedilatildeo do grego se chama de heureacutesis eacute o modo como o orador articula a persuasatildeo como o tema do discurso aspectos satildeo os meios de persuasatildeo presentes no tema que iratildeo contribuir para a organizaccedilatildeo do discurso

bull A disposiccedilatildeo em grego taxis eacute o modo como se organizam estes argumentos ou o plano interno do discurso Nesta parte haacute uma necessidade de organizaccedilatildeo para que possamos perceber a sequecircncia dos argumentos

bull A elocuccedilatildeo do grego lexiseacute o estilo do discurso Posteriormente alguns autores chamaram estas formas de expressatildeo de um discurso de figuras de estilo

bull Por fim a accedilatildeo do grego hypocrisis eacute a expressatildeo do discurso pela voz com gestos ou miacutemicas Lembramos que no periacuteodo romano acresceu-se a memoacuteria

Para o indiviacuteduo que deseja formular um bom discurso de retoacuterica e oratoacuteria lembramos que caso negligencie um destes elementos sua retoacuterica e oratoacuteria seraacute inaudiacutevel mal escrita ou vazia No cotidiano chamamos isso de opiniotildees de senso comum que satildeo desarticuladas e sem sentido

Quando falamos em verdade e retoacuterica devemos lembrar que para Aristoacuteteles a retoacuterica eacute parecida ou ao menos comparada com a dialeacutetica Usamos a definiccedilatildeo de dialeacutetica expressa no coro grego que canta uma estrofe e na sequecircncia ouve a antiacutestrofe (ARISTOacuteTELES 2005 p 36)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Eacute na contraposiccedilatildeo de verdades que a retoacuterica adquire sua utilidade segundo Aristoacuteteles A utilidade da retoacuterica se daacute justamente por causa da sua capacidade argumentativa Por isso um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate visto que temos que considerar as evidecircncias e os meios de persuasatildeo Para determinar a natureza da retoacuterica Aristoacuteteles afirma

[] a retoacuterica eacute a outra face da dialeacutetica pois ambas se ocupam de questotildees mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e natildeo correspondem a nenhuma ciecircncia em particular De fato todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento defender-se ou acusar (ARISTOacuteTELES 2005 p 89)

Assim as pessoas praticam a retoacuterica com o resultado do haacutebito no cotidiano

sem se dar conta do oacutebvio

Queremos esclarecer que aqui falamos da retoacuterica e da oratoacuteria como um meacutetodo para elaboraccedilatildeo estruturaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos mas algo que valorize a experiecircncia praacutetica do indiviacuteduo Segundo Aristoacuteteles

[] os que ateacute hoje compuseram tratados de retoacuterica ocuparam-se apenas de uma parte desta arte pois soacute os argumentos retoacutericos satildeo proacuteprios dela e todo o resto eacute acessoacuterio Eles poreacutem nada dizem dos entimemas que satildeo afinal o corpo da prova antes dedicam maior parte de seus tratados a questotildees exteriores ao assunto porque o ataque verbal a compaixatildeo a ira e outras paixotildees da alma semelhantes a estas natildeo afetam o assunto mas sim o juiz (ARISTOacuteTELES 2005 p 90)

Ao expor esta dificuldade Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para a necessidade

de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para por intermeacutedio da retoacuterica esclarecer os problemas de argumentaccedilatildeo retoacuterica pois verdade e justiccedila satildeo mais fortes que seus opostos

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protaacutegoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retoacuterica a um patamar superior queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retoacuterica e a oratoacuteria no seu cotidiano a saber devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou eacute mais pertinente a beleza de um discurso

Evidentemente que Aristoacuteteles responderia que devemos utilizar a retoacuterica em consonacircncia com a dialeacutetica para evitarmos a postura relativista Na praacutetica esta escolha metodoloacutegica implica que os indiviacuteduos devem conhecer aleacutem da estrutura gramatical e loacutegica de um argumento a finalidade o conteuacutedo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratoacuteria condizente

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo pretendemos esclarecer que dependendo da escolha que fizermos o bem falar e o bem argumentar teratildeo implicaccedilotildees que precisam ser conhecidas Se optarmos pela forma em detrimento do conteuacutedo de um argumento colocaremos em risco a transmissatildeo da verdade Por outro lado se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma teremos dificuldades em ser ouvidos devido agrave robustez e falta de polimento de uma argumentaccedilatildeo Eacute por isso que Aristoacuteteles ao dividir e organizar a retoacuterica defende um equiliacutebrio entre as partes pois sem este equiliacutebrio estaremos em algum exagero

Eacute sabido que no mundo contemporacircneo ocorrem diversos exageros no que se refere agrave retoacuterica e oratoacuteria praticadas em diferentes acircmbitos da sociedade Citamos como exemplo os poliacuteticos que utilizam vaacuterios tipos de sofismas argumentos falsos para poder convencer seus eleitores e posteriormente uma vez eleitos esquecer e ateacute desmentir o que prometeram Se pensarmos esta realidade no meio grego especialmente no periacuteodo de Aristoacuteteles teriacuteamos seacuterias dificuldades em considerar plausiacutevel tal atitude

De acordo com Aristoacuteteles argumentar persuasivamente eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para que os indiviacuteduos possam fazer bom uso da arte retoacuterica e por conseguinte se evite a imoralidade Devemos estar atentos para que ningueacutem argumente contra a justiccedila pois se algueacutem o fizer devemos estar atentos para refutar o indiviacuteduo Satildeo entimemas ou seja silogismos que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contraacuterios para permitir o bom uso da retoacuterica para Aristoacuteteles

Eacute neste ponto ou seja na contraposiccedilatildeo de ideias que retoacuterica e dialeacutetica se aproximam A retoacuterica eacute uacutetil aos indiviacuteduos porque permite esclarecer quais satildeo os meios de persuasatildeo utilizados em uma disputa logo a retoacuterica eacute a forma de descobrir o que eacute adequado para se persuadir em uma determinada situaccedilatildeo

Platatildeo tambeacutem se preocupou em demasia com a necessidade de uma definiccedilatildeo acabada do que viria a ser a retoacuterica e natildeo a encontrando clara (a natildeo ser pela sua associaccedilatildeo com a persuasatildeo) alimentou alguns preconceitos Em Aristoacuteteles por outro lado nota-se maior preocupaccedilatildeo em demarcar os limites e o alcance da arte retoacuterica na obra que leva esse mesmo nome ao estabelecer as bases para o uso e a compreensatildeo dessa arte Associando a retoacuterica a um saber praacutetico ou teacutecnica que se diferenciaria de muitas ciecircncias e mesmo de outras artes por natildeo se concentrar em algum objeto em si Aristoacuteteles

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

disse que a retoacuterica seria ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeo [] descobrir o que eacute proacuteprio para persuadir Por isso [] ela natildeo aplica suas regras a um gecircnero proacuteprio e determinadordquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 33) Para esse autor a retoacuterica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do puacuteblico (o uso das metaacuteforas por exemplo foi tratado formalmente nessa obra) Apontando para todo esse conjunto de regras explicitamente Aristoacuteteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em trecircs gecircneros o deliberativo o demonstrativo e o judiciaacuterio os quais teriam finalidades diferentes Assim sendo seriam variados os tipos de argumentos vaacutelidos para a conversaccedilatildeo e tambeacutem as reaccedilotildees esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes Nessa claacutessica obra de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica o autor apresentou uma longa discussatildeo destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese as ocasiotildees e os objetos que deveriam ser reunidos a forma de apresentaacute-los ao puacuteblico etc (VIEIRA 2012 p 6)

Nisto a retoacuterica difere das demais artes pois ela abrange todas as demais no que tange agrave instruccedilatildeo e agrave persuasatildeo Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasatildeo proacuteprias da retoacuterica Algumas estatildeo no caraacuteter do orador outras no ouvinte e por uacuteltimo temos aquelas presentes nos discursos Eacute importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasatildeo

bull A persuasatildeo pelo caraacuteter ocorre quando o orador eacute digno de feacute Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais Esse meio eacute o modo mais importante de persuasatildeo faz com que os indiviacuteduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito

bull Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido agrave emoccedilatildeo que sentem durante o mesmo Neste aspecto quando estamos sob efeito de emoccedilotildees temos mais facilidade em acreditar especialmente se o orador explorar as paixotildees do puacuteblico

bull Por uacuteltimo precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteuacutedo do discurso pois aquilo que estaacute sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos Parece que a retoacuterica eacute um ramo da dialeacutetica e que desaacutegua na poliacutetica entendendo esta uacuteltima como a busca pelo bem da polis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Para Aristoacuteteles ldquo[] a retoacuterica eacute uma parte da dialeacutetica e a ela se assemelha como dizemos no princiacutepio pois nenhuma das duas eacute ciecircncia de definiccedilatildeo de um assunto especiacutefico mas mera faculdade de proporcionar razotildees para os argumentosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 97)

Segundo Aristoacuteteles estruturar um argumento leva em conta a retoacuterica

porque eacute atraveacutes dela que se constituiraacute uma argumentaccedilatildeo detalhada e se faraacute o exame das provas Aristoacuteteles inaugurou um modelo de verificaccedilatildeo de argumento que vigorou na histoacuteria da filosofia ateacute o pensamento moderno Somente com Immanuel Kant eacute que se distinguiu prova de demonstraccedilatildeo Desde entatildeo sabemos que prova eacute algo rigoroso quando estamos argumentando enquanto que demonstraccedilatildeo eacute algo mais racional e sem verificaccedilatildeo empiacuterica

A retoacuterica eacute a ciecircncia da construccedilatildeo de bons argumentos enquanto a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo destes Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e natildeo somente em demonstraccedilotildees loacutegicas Mesmo sendo difiacutecil distinguirmos uma prova de uma demonstraccedilatildeo precisamos nos esforccedilar para que formulemos uma argumentaccedilatildeo convincente

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retoacuterica filosoacutefica um argumento deve ser curto e claro isto eacute deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenocircmenos possiacuteveis sem ambiguidades No acircmbito da linguagem humana expressar tais ideias nem sempre eacute faacutecil pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades

A tarefa de um bom orador eacute proporcionar uma clareza em sua exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere Ele pode fazer uso de ambiguidades mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos Assim se em Platatildeo convencer com bons argumentos era o objetivo da retoacuterica para os sofistas todo o resto acerca da verdade natildeo importa por isso devemos convencer a todo custo

Enquanto isso a retoacuterica em Aristoacuteteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificaccedilatildeo para uso dos acadecircmicos Jaacute em Roma os oradores como Secircneca por exemplo se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam

No processo de assimilaccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade notamos que Agostinho e posteriormente Tomaacutes de Aquino desenvolveram a exegese e a interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo as orientaccedilotildees das propostas da retoacuterica platocircnica e aristoteacutelica respectivamente

Apoacutes desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por um periacuteodo de dificuldades no iniacutecio da Modernidade e ganharam ares profissionais ficando em segundo plano

A tarefa de um bom orador eacute

proporcionar uma clareza em sua

exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retoacuterica precisamos retomar as propostas da Antiguidade visto que no seacuteculo XX a retoacuterica quase desapareceu do acircmbito do debate acadecircmico

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retoacuterica e oratoacuteria para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto

bull Primeiro entre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos e os sofistas a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram um caraacuteter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendecirc-las sem distinccedilatildeo exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas

bull Segundo para Platatildeo e Aristoacuteteles a retoacuterica e a oratoacuteria possuem caracteriacutesticas que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa praacutetica da justiccedila

bull Terceiro a retoacuterica e a oratoacuteria medieval possuem particularidades que natildeo podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium logo os autores deste periacuteodo utilizaram de modo genuiacuteno os elementos propostos por Platatildeo e Aristoacuteteles para fazer suas reflexotildees religiosas bem como para estruturar suas doutrinas

bull Quarto a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por periacuteodos de esquecimento na Modernidade ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influecircncia do marketing nos EUA apoacutes os anos de 1950

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didaacutetico para o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retoacutericas que encontramos no mundo contemporacircneo

Algumas ConsideraccedilotildeesEste capiacutetulo abordou a histoacuteria da retoacuterica e da oratoacuteria para distinguir

algumas caracteriacutesticas Deste modo argumentar bem natildeo significa enganar o interlocutor eacute antes de tudo saber escolher a estrateacutegia adequada como nos ensinam Platatildeo Soacutecrates Aristoacuteteles e os outros autores referidos no texto

Por isso cabe a vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher quais os

caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponiacuteveis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Arte Poeacutetica e Arte Retoacuterica Rio de Janeiro Ediouro 2005

COSTA R A Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia a Retoacuterica Nova (1301) de Ramon Llull Notandum ESDC Porto 2008

DURAN M R da C Retoacuterica e eloquecircncia no Rio de Janeiro 1759-1834 Franca UNESP 2009

LAUSBERG H Handbuch der literarischen Rhetorik Muumlnchen Max Huumlber 1960

MOSCA L L S Retoacutericas de Ontem e de Hoje Velhas e novas retoacutericas convergecircncias e desdobramentos Satildeo Paulo Humanitas FFLCHUSP 2001

PLATAtildeO Goacutergias ou a Retoacuterica Satildeo Paulo Difel 1970

PLATAtildeO Fedro Trad Carlos Alberto Nunes Beleacutem EDUFPA 2005

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

VIEIRA J G S A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso Curitiba 2012

WESTON A A arte de argumentar Lisboa Gradiva 1996

CAPIacuteTULO 2

A Retoacuterica e a Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apresentar as formas de se expressar

Conhecer os modos de formulaccedilatildeo de um argumento estrutura e modelo

Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos

Averiguar as diferentes formas de convencimento e construccedilatildeo de discursos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo destacamos a formulaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um argumento

Partimos da noccedilatildeo e conceituaccedilatildeo grega pois retoacuterica e oratoacuteria natildeo nasceram na modernidade e nos colocamos no caminho dos grandes saacutebios e pensadores que refletiram sobre o problema Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos

O Que eacute Argumentar BemA retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons

argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formaccedilatildeo dos modos de falar para tanto deve conhecer um pouco a formaccedilatildeo histoacuterica da retoacuterica no Ocidente Diferentemente do que muitos podem pensar a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo satildeo jovens e natildeo comeccedilaram ontem haacute um longo caminho para chegarmos agraves formas atuais de exposiccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos

Consideremos a possibilidade de construir uma retoacuterica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar O conhecimento da retoacuterica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre este tema de extrema importacircncia

A retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer

esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos

expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada

parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

A FORMACcedilAtildeO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETOacuteRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE ACcedilAtildeO NO PRINCIPADO

[] a retoacuterica soacute apareceu em Roma em sua forma latina por volta do seacuteculo I aC A primeira escola de retoacutericos latinos foi aberta em 93 aC por L Ploacutecio Galo um cliente de Caio Maacuterio sendo fechada no ano seguinte pelos cocircnsules Cneu Domiacutecio Ahenobarbo e Luacutecio Liciacutenio Crasso por ser considerada uma transgressatildeo aos costumes ancestrais Essa primeira iniciativa relevando as hostilidades poliacuteticas contra a sua intenccedilatildeo foi a primeira a propor um

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tipo ldquomodernordquo de retoacuterica oposto em certo grau agrave retoacuterica claacutessica das escolas gregas

Apesar de influenciada por fundamentos da retoacuterica grega a obra Retoacuterica dedicada a Herecircnio composta por um aluno desta escola reage contra a acumulaccedilatildeo de regras e defende um ensino aproximado da praacutetica e da vida Questotildees da poliacutetica contemporacircnea passam a ser incluiacutedas Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquecircncia soacute se elevasse novamente com Ciacutecero em finais do seacuteculo I aC momento no qual optimates e populares discutem no Senado

Deixando por um momento as condiccedilotildees do ensino da retoacuterica em Roma iremos falar do desenvolvimento da gramaacutetica antiga e de sua evoluccedilatildeo Se existe jaacute na Antiguidade uma reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo entre as palavras e as coisas desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem como Platatildeo em Craacutetilo tentaram realizar mediante uma anaacutelise das correlaccedilotildees possiacuteveis entre forma e sentido das palavras o encontro de uma forma supostamente ldquoverdadeirardquo o acerto entre o nome e a coisa representada

Jaacute por volta do seacuteculo II aC uma nova questatildeo entraraacute em pauta associada agraves perspectivas do primeiro debate Passou-se a discutir se havia ou natildeo uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanccedilas de significados das palavras ao longo do tempo O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade na analogia e anomalia

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idecircnticas terminaccedilotildees e semelhante estrutura prosoacutedica podendo ser autocomparaacuteveis enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse ldquonaturalrdquo A liacutengua para estes devido as suas raiacutezes deveria ser encarada tal qual era apresentada mesmo que parecesse irracional

A claacutessica definiccedilatildeo de gramaacutetica remonta a Dioniacutesio Traacutecio Representante da escola alexandrina este definiria a disciplina como o conhecimento praacutetico do uso linguiacutestico comum a poetas e prosadores A arte de escrever bem se tornaria mais tarde tambeacutem a arte de falar corretamente Agrave gramaacutetica caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legiacutetimos enquanto agrave retoacuterica caberia a atualizaccedilatildeo num discurso de determinados usos com vistas a tornaacute-lo eficiente e persuasivo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Retornando ao panorama latino sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramaacutetica Varatildeo de Reate propotildee o respeito ao latim padratildeo em detrimento do latim vulgar falado pelo populus na Repuacuteblica e no Principado Em sua obra de liacutengua latina ele propotildee a divisatildeo da gramaacutetica em morfologia sintaxe e etimologia que natildeo chegaram a ser aplicadas

Com Prisciano e Donato aplica-se um aprofundamento da sintaxe que em definiccedilatildeo seria ldquo[] assim como a palavra eacute a unidade miacutenima da estrutura da frase esta eacute a expressatildeo de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae oratio est ordinatio dictionum congrua sententiam perfectam demonstratus)rdquo Dentro do quadro da educaccedilatildeo aplicada ao cidadatildeo romano como foi dito um pouco acima no ensino superior trata-se em primeiro lugar do ensino da retoacuterica Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana vemos que o ensino da arte oratoacuteria eacute confiado a um mestre especializado o rhetor

Numa hierarquia de valores o rhetor ocupa um posto mais elevado em relaccedilatildeo aos seus colegas o magister ludi e o grammatici responsaacuteveis pelo ensino primaacuterio e secundaacuterio respectivamente Ensinando agrave sombra dos poacuterticos dos foros tinha a sua disposiccedilatildeo salas arranjadas como pequenos teatros abertas ao fundo dos poacuterticos O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domiacutenio da arte oratoacuteria a princiacutepio assegurada na teacutecnica tradicional o sistema complexo das regras procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas

Para Marrou natildeo haacute retoacuterica propriamente latina esta arte teria sido inventada elaborada e aperfeiccediloada pelos gregos O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulaacuterio dos gregos transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinocircnimo em latim A retoacuterica latina permanece durante todo o Impeacuterio em contato muito estreito com a retoacuterica grega

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar jamais desconheceram a forccedila poderosa e sedutora da palavra pois oradores satildeo conhecidos desde os primoacuterdios da histoacuteria de Roma Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde periacuteodos sem relatos as relaccedilotildees entre as duas civilizaccedilotildees comeccedilaram a ganhar forccedila a partir do seacuteculo III aC O domiacutenio poliacutetico de Roma sobre a Greacutecia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura hiacutebrida helenizada e de bilinguismo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Greacutecia e depois do helenismo

Uma clara verificaccedilatildeo disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas atraveacutes de homens cultos da aristocracia que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas O Ciacuterculo dos Cipiotildees cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo forneceu base teoacuterica grega ao ideal da virtus romana

Efetivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra) existe a probabilidade da noccedilatildeo de um ldquoser terrenordquo ligado a modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios incluindo o comportamento e a natureza dos homens Certos exemplos de Ciacutecero indicam tambeacutem outras variantes complementares deste termo

Quem poderaacute chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadatildeos como todo o gecircnero humano qualquer comunidade juriacutedica solidariedade humana (humanitas societas) A essas obras de arte natildeo as compreendia o famoso Cipiatildeo homem tatildeo instruiacutedo e culto (humanissimus) E tu que natildeo tens saber nem humanitas nem talento nem letras eacute que as compreende e avalias

Nestes extratos vemos que Ciacutecero emprega humanitas como termo de acumulaccedilatildeo de civilidade doutrina saber humanitas eacute aquilo que torna o homem profundamente homem e se perpetua mesmo com a expiraccedilatildeo do ser Humanitas torna o homem digno fazendo-o humanus e politus ajustando este conceito as suas gravitas auctoritas e dignitas atitudes de caraacuteter romano

Ferrenho opositor a essa assimilaccedilatildeo foi dentre muitos Marco Poacutercio Catatildeo cuja facccedilatildeo senatorial tentou impedir a invasatildeo maciccedila da cultura e costumes gregos que somada agraves mudanccedilas poliacuteticas inevitaacuteveis da expansatildeo imperialista poderia corroer as bases eacutetico-poliacuteticas do Estado romano e de seu regime autocraacutetico

A influecircncia de Catatildeo no seacuteculo II aC foi a uacuteltima defesa da sobrevivecircncia da retoacuterica nos moldes claacutessicos que eram caracterizados por uma linguagem agressiva robusta direta desprovida de ornamentos o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

De Catatildeo podemos extrair a maacutexima que define o caraacuteter do orador nos moldes da retoacuterica claacutessica ldquoVir bocircnus peritus dicendirdquo O homem nobre haacutebil no falar E tambeacutem diz respeito a uma visatildeo pragmaacutetica e de certa forma desintelectualizada do discurso uma genuiacutena retoacuterica romana Na passagem do seacuteculo II para o seacuteculo I aC dois oradores satildeo lembrados Marco Antocircnio e Luacutecio Liciacutenio Crasso Dois optimates que divergiam quanto agrave maneira de abordar a importacircncia da mateacuteria do discurso ou da teacutecnica de elocuccedilatildeo a persuasatildeo

Fonte Campos (2008 p 4-6)

Por isso conhecer estas divergecircncias expostas no texto entre retoacuterica e oratoacuteria permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele natildeo eacute o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos Conforme aponta Campos (2008) em seu artigo acadecircmico a retoacuterica romana assumiu muitos elementos da retoacuterica grega na questatildeo da estrutura e ao mesmo tempo assumiu caracteriacutesticas novas devido ao meio romano na qual estava imersa

Embora saibamos que a essecircncia da retoacuterica e da oratoacuteria natildeo se altera com o passar do tempo eacute importante entendermos que a forma estaacute sempre em desenvolvimento Este modo de exposiccedilatildeo das nossas ideias constitui a vida da oratoacuteria ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que estaacute sendo produzida

Este processo de desenvolvimento da retoacuterica mesmo em Roma (sec I aC sec I dC) natildeo foi tranquilo e sem problemas Segundo Silveira (2012) existiram muitas crises e dificuldades na formaccedilatildeo da oratoacuteria e da retoacuterica romanas

O crescimento da cidade de Roma sua organizaccedilatildeo e suas conquistas que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade natildeo foi algo que se deu da noite para o dia Seu crescimento enquanto Impeacuterio deu-se principalmente pela organizaccedilatildeo de seu comeacutercio suas instituiccedilotildees seu exeacutercito e sobretudo pelo corpo social forte e unido chamado Nobilitas (ALFOLDY 1975 p 59) Lembrando que a formaccedilatildeo do Impeacuterio Romano foi um longo processo podemos no entanto destacar trecircs fases que fizeram parte deste imperialismo Na primeira fase conhecida como ldquoGuerra de Defesardquo Roma natildeo promove ataques mas se defende daqueles que atraiacutedos pelo seu crescimento resolvem atacaacute-la Eacute importante destacarmos que ao se defender dos ataques e invasotildees Roma anexa as cidades vencidas a regiatildeo da ldquoSalinardquo a mais proacutexima foi a primeira regiatildeo conquistada Mais tarde em 273 aC teremos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a conquista das cidades da Magna-Greacutecia estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos Apoacutes ter conquistado toda a peniacutensula itaacutelica Roma daacute iniacutecio agrave conquista do Impeacuterio Cartaginecircs o qual possuiacutea a hegemonia da regiatildeo da Siciacutelia Esta fase eacute conhecida como Guerra de expansatildeo hegemocircnica ou ldquoGuerras Puacutenicasrdquo esta culminaraacute com a destruiccedilatildeo da cidade de Cartago no norte da Aacutefrica Quanto agrave terceira fase esta tem iniacutecio em 133 aC quando financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos Roma inicia a chamada ldquoGuerra de Expansatildeo Econocircmicardquo passando assim de Cidade-Estado a Cosmo-Poacutelis dominando todo o mundo conhecido Eacute importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido devido ao seu poder que foi aumentado bem como seu aparelho militar o qual se encontrava mais organizado e poderoso contando com generais de renome vistos muitas vezes como deuses Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos derivado de suas conquistas esta conhece um periacuteodo de inflaccedilotildees seu custo de vida eacute aumentado o que iraacute gerar mudanccedilas nas formas de produccedilatildeo (SILVEIRA 2012 p 2-3)

Estes caminhos antigos da retoacuterica e da oratoacuteria nos permitem entender

como podemos convencer algueacutem sobre as mensagens que queremos passar em uma eacutepoca como a atual A dinacircmica das relaccedilotildees de trabalho no mundo contemporacircneo se modifica rapidamente mas os elementos substanciais dos oradores antigos satildeo os mesmos ateacute hoje

A moral de orador a sua eloquecircncia a credibilidade etc nada disso pode ser

dispensado em um mundo como o nosso E vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem percebemos que elas destacam algumas caracteriacutesticas que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos

Assim saiba que vocecirc soacute conseguiraacute convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar Fica evidente que a credibilidade eacute um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicaccedilatildeo Por isso eacute importante saber quais os requisitos para conquistar a confianccedila das pessoas construir sua reputaccedilatildeo como orador que inspire respeito credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistecircncias Para que vocecirc conquiste credibilidade falando dentro ou fora dos parlatoacuterios precisaraacute de pelo menos seis requisitos fundamentais Naturalidade a mais importante qualidade da oratoacuteria Natildeo existe teacutecnica em comunicaccedilatildeo ndash por mais elaborada que seja ndash mais relevante que a naturalidade Vocecirc precisa ser um orador natural e espontacircneo Agora veja ser natural no entanto natildeo significa por exemplo levar para o auditoacuterio os erros e as negligecircncias da comunicaccedilatildeo deficiente como a pronuacutencia incorreta das palavras Emoccedilatildeo e envolvimento aleacutem da naturalidade vocecirc precisa falar com disposiccedilatildeo com energia com envolvimento com emoccedilatildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Como convenceraacute o puacuteblico se nem mesmo vocecirc mostrar interesse no que diz Revele sua emoccedilatildeo no entusiasmo com que abraccedila o seu discurso Gerry Spence advogado americano que em mais de 40 anos nunca perdeu uma uacutenica causa criminal diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte ldquoConcentradas em seus sentimentos as pessoas que estatildeo dizendo a verdade falam com o coraccedilatildeo que eacute incapaz de compor precisamente o raciociacutenio linear de um ceacuterebro laborioso E ao ouvir o que eacute expresso pelo coraccedilatildeo o ouvinte tambeacutem eacute levado a ouvir com o coraccedilatildeordquo Imagem bem construiacuteda na poliacutetica pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construccedilatildeo da imagem do poliacutetico perante a sociedade O orador por sua vez deve estar ciente de que independentemente de marqueteiros ele tem que gerenciar seu proacuteprio marketing pessoal construindo e preservando a boa imagem ancorada na honestidade na justiccedila no respeito na honra na eacutetica bem como em todos os bons valores sociais e individuais Conhecimento e autoridade sobre o assunto a sua credibilidade como orador estaacute intimamente relacionada ao conhecimento que vocecirc demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa Empenhe-se para ter muito mais informaccedilotildees do que aquelas que vocecirc necessitaraacute em sua exposiccedilatildeo Leia estude pesquise se possiacutevel entreviste outras pessoas mais experientes que jaacute tratam do tema de sua exposiccedilatildeo Prepare-se com antecedecircncia e durante o maior tempo possiacutevel sobre a ideia que iraacute defender em seu discurso Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentaccedilatildeo Ensaie todos os detalhes teste os equipamentos que pretende utilizar enfim natildeo deixe nada ao acaso Confianccedila a confianccedila em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo De acordo com Lena Souza (2011) ldquoa fisiologia do medo eacute caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer as pernas tremerem as matildeos suarem o coraccedilatildeo bater mais forte etcrdquo E diz ainda que ldquoningueacutem perde o medo e sim o vence E o medo eacute como o sal na dose certa ele nos eacute muito importante inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do oradorrdquo (SILVA 2012 p 8-9)

Estas indicaccedilotildees natildeo satildeo prontas a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica

na verdade satildeo indicaccedilotildees para que vocecirc possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem tambeacutem satildeo Lembre-se ningueacutem nasceu com todos os conhecimentos se vocecirc quiser melhorar deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades

Antes de entrarmos na definiccedilatildeo de retoacuterica e oratoacuteria queremos esclarecer uma questatildeo fundamental ao estudante Na academia natildeo podemos simplesmente emitir opiniotildees pois conforme ensina Platatildeo a doxa opiniatildeo natildeo eacute o conhecimento ela eacute o ponto de partida de uma tentativa de conhecer Portanto doxa opiniatildeo natildeo eacute conhecimento episteme Conhecimento eacute o resultado de uma reflexatildeo racional que em filosofia sempre pode ser repensado de forma minuciosa e profunda (Platatildeo) O conhecimento eacute algo minimamente seguro para

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Oratoacuteria e Retoacuterica

se dizer que temos um conceito Sem um conceito natildeo podemos fazer academia Deste modo propomos a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica um pequeno exerciacutecio que pode contribuir no entendimento deste problema

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacutegina 77 a 79 e identifique de acordo com o texto quando opiniatildeo eacute diferente de conhecimento e explique o que vocecirc entendeu sobre este problema Como se entende o papel da retoacuterica

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Agora que vocecirc jaacute sabe que o conhecimento acadecircmico natildeo eacute uma mera opiniatildeo de qualquer pessoa passamos ao entendimento da arte retoacuterica e da oratoacuteria como formas de compreensatildeo da expressatildeo do intelecto humano de maneira mais clara e distinta

Neste sentido um estudo aprofundado sobre a retoacuterica eacute importante para desenvolver uma maneira de argumentaccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos De acordo com Platatildeo a retoacuterica serve basicamente para o convencimento e para a persuasatildeo dos interlocutores Para sofistas como Isoacutecrates e Protaacutegoras a retoacuterica serve para produzir uma boa reflexatildeo um modo de defender uma hipoacutetese sem se preocupar com a verdade No caso de Aristoacuteteles a retoacuterica serve para uma forma mais praacutetica e se aproxima da dialeacutetica oposiccedilatildeo de conceitos para produzir um debate

Ao pensarmos a retoacuterica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta atraveacutes de seu discurso levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas nos deparamos com uma praacutetica tatildeo antiga quanto difiacutecil de estabelecer o seu iniacutecio na humanidade A retoacuterica natildeo eacute um privileacutegio reservado aos povos antigos e nos dias de hoje ela continua envidada na poliacutetica nas campanhas publicitaacuterias em mensagens midiaacuteticas no comeacutercio e em tantas outras relaccedilotildees que nos circundam Eacute nesse sentido que Halliday (1990 p 26) professora de

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Comunicaccedilatildeo Puacuteblica que realizou pesquisas sobre a retoacuterica afirma que todos noacutes agimos retoricamente partindo do princiacutepio de que isso significa ldquo[] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendamrdquo Essa autora tambeacutem tem em vista que cada indiviacuteduo pode fazer uso da persuasatildeo para convencer a si proacuteprio sobre alguma ideia haja vista que ldquoa consciecircncia eacute o primeiro puacuteblicordquo e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte Embora a praacutetica persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas o estudo dessa arte recebeu significativa atenccedilatildeo de antigos filoacutesofos gregos entre os quais destacamos Aristoacuteteles (384 ndash 322 aC) pensador que escreveu a obra Retoacuterica sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho Aristoacuteteles viveu em uma eacutepoca de fortes transformaccedilotildees e agitaccedilotildees sociais na antiga Greacutecia O ceticismo se expandia com cada indiviacuteduo querendo viver para os seus proacuteprios negoacutecios e principalmente em Atenas uma cidade que servira como referecircncia intelectual e poliacutetica havia uma carecircncia do espiacuterito coletivo assim como de orientaccedilotildees que conquistassem a confianccedila dos cidadatildeos para guiaacute-los no campo discursivo da verossimilhanccedila Diante de uma sociedade ameaccedilada por posturas egoiacutestas e confusas e do risco da desarticulaccedilatildeo extrema das inter-relaccedilotildees sociais o filoacutesofo de Estagira percebeu a importacircncia de ordenar a construccedilatildeo dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (juriacutedicos fuacutenebres deliberativos etc) A arte retoacuterica ganha com Aristoacuteteles o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que eacute capaz de gerar a persuasatildeo o exame acurado das formas que compotildeem o discurso (ou rethoacuten) levando em conta cada situaccedilatildeo social de acordo com o momento o ambiente a cultura e as pessoas envolvidas Diante dessa concepccedilatildeo aristoteacutelica a presente investigaccedilatildeo procura responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel identificar conexotildees entre a Retoacuterica de Aristoacuteteles e o que este filoacutesofo idealiza para o exerciacutecio das inter-relaccedilotildees sociais na poacutelis grega Adiantamos nesse momento que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA 2011 p 14-15)

Logo definimos de acordo com Reboul (2004) a retoacuterica como a arte de

construir bem um argumento e a oratoacuteria como a arte de expor com qualidade e teacutecnica este argumento

Isso significa que a construccedilatildeo da arte retoacuterica envolve tanto o convencimento por intermeacutedio do texto escrito quanto pelo convencimento oral Por ter estas diferentes dimensotildees eacute que se costuma separar retoacuterica de oratoacuteria Retoacuterica escrita e elaborada metodicamente e oratoacuteria oral com uma conotaccedilatildeo mais apaixonada

O termo arte techneacute em grego eacute visto por Reboul (2004 p XVI) como detentor de uma ambiguidade sendo ldquoateacute duplamente ambiacuteguordquo O autor ressalta que o termo faz referecircncia tanto a uma habilidade espontacircnea quanto ao que eacute adquirido por meio do ensino Ora traduz o sentido de uma simples teacutecnica ora ao contraacuterio ldquo[] o que na criaccedilatildeo ultrapassa a teacutecnica e pertence

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Oratoacuteria e Retoacuterica

somente ao lsquogecircniorsquo do criador Em qual ou em quais desses sentidos se estaacute pensando quando se diz que a retoacuterica eacute uma arte Em todosrdquo Cabe aqui perguntarmos qual eacute o sentido de techneacute concebido por Aristoacuteteles Para este filoacutesofo a techneacute eacute um saber fazer bem feito o que se faz seja na construccedilatildeo de um artefato ou de um discurso um fazer com arte cujo sentido eacute o de produzir tecnicamente bem com habilidade o que o indiviacuteduo se propotildee a produzir Isto fica claro na Eacutetica a Nicocircmaco (ARISTOacuteTELES VI 5 1140b) assim como o caraacuteter imitativo da arte frente agrave natureza Poreacutem tal imitaccedilatildeo natildeo significa copiar pois na visatildeo aristoteacutelica a imitaccedilatildeo artiacutestica metamorfoseia reproduzindo como nos lembra Stirn (1999 p 65) em sua obra Compreender Aristoacuteteles Sendo assim o artista natildeo estaacute limitado a copiar mecanicamente o que vecirc havendo uma abertura para a transformaccedilatildeo e a criatividade Isso tambeacutem ocorre na proposta aristoteacutelica de Retoacuterica Ao defini-la como ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo Aristoacuteteles (Ret I II 1) natildeo exclui o caraacuteter de a retoacuterica ser uma arte mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte Pois logo em seguida ele acrescenta ldquoNenhuma outra arte possui esta funccedilatildeo porque as demais artes tecircm sobre o objeto que lhes eacute proacuteprio a possibilidade de instruir e de persuadirrdquo Com isso deixa impliacutecito que a retoacuterica tambeacutem eacute uma arte entre as demais por ele observadas Na Retoacuterica embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral preacute-organizada natildeo eacute raro ele se deparar com aspectos imprevisiacuteveis da vida praacutetica e do mundo das opiniotildees Frente a estes o Estagirita situa a arte retoacuterica tambeacutem como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais) e de possivelmente transformar (ou manter) situaccedilotildees praacuteticas a partir do discurso persuasivo Eacute aqui que a ideia aristoteacutelica de thechneacute nos permite uma aproximaccedilatildeo do sentido de ldquorsquogecircniorsquo criadorrdquo citado por Reboul A arte retoacuterica requer (do retor) conhecimento e criatividade pois natildeo basta copiar e decorar foacutermulas quando a vida praacutetica tem sua margem de misteacuterio e de imprevisibilidade fatores estes que exigem mais do que a mera coacutepia de um modelo de discurso Afinal pela retoacuterica aristoteacutelica aquele que discursa busca persuadir o ouvinte e natildeo necessariamente copiar para persuadir (LIMA 2011 p 24-25)

Neste sentido o modo de construccedilatildeo de uma argumentaccedilatildeo estaacute diretamente

relacionado ao modelo de expressatildeo de cada indiviacuteduo que se propotildee a um discurso puacuteblico Natildeo basta como afirma Lima (2011) copiar foacutermulas para construir discursos eacute preciso construir um modo de escrever e falar Ao citar Reboul Lima (2011) esclarece que para explicar a questatildeo da persuasatildeo precisamos dois cenaacuterios

Reboul (2004 p XV) ao procurar esclarecer o sentido de persuasatildeo utiliza dois exemplos satildeo eles ldquo1) Pedro persuadiu-me de que sua causa era justa 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causardquo Vejamos a distinccedilatildeo feita pelo autor (id ibid p XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasatildeo [] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa natildeo se sabendo se acredito nela ou natildeo A nosso ver a persuasatildeo retoacuterica consiste em (1) sem redundar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

necessariamente no levar a fazer (2) Diferentemente de Reboul Perelmam (2004 p 58) filoacutesofo do direito cujos estudos de retoacuterica recebem fortes influecircncias aristoteacutelicas destaca a accedilatildeo (o fazer) como sendo essencial agrave persuasatildeo Para quem se preocupa sobretudo com o resultado persuadir eacute mais do que convencer a persuasatildeo acrescentaria agrave convicccedilatildeo a forccedila necessaacuteria que eacute a uacutenica que conduziraacute agrave accedilatildeo Abramos a enciclopeacutedia espanhola Dir-nos-atildeo que convencer eacute apenas a primeira fase ndash o essencial eacute persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicccedilatildeo que lhe foi comunicada Por outro lado Reboul (2004 p XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente ldquopersuadirrdquo de ldquoconvencerrdquo afirmando que tal distinccedilatildeo se fundamenta numa filosofia ndash ou mesmo ideologia ndash exageradamente dualista ldquo[] visto que opotildee no homem o ser de crenccedila e sentimento ao ser de inteligecircncia e razatildeo e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro ou mesmo contra o primeirordquo Entretanto vale observar que Perelman natildeo joga o ser de razatildeo contra o ser de sentimento e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro ele apenas potildee o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo Por tal caracteriacutestica (entre outras) as ideias de Perelman estatildeo em afinidade com a Retoacuterica aristoteacutelica como jaacute percebera Guimaratildees (2004 p 145) em seu artigo Figuras de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo ldquoAssim modernamente a obra de C Perelman autor belga diligencia reabilitar uma teoria da argumentaccedilatildeo que reencontre a tradiccedilatildeo aristoteacutelicardquo (LIMA 2011 p 30-31)

Para entendermos essa dinacircmica de formaccedilatildeo de um modo proacuteprio de

expressatildeo de nossas ideias atraveacutes de argumentos propomos um exerciacutecio de entendimento do desenvolvimento da retoacuterica antiga Sabemos que para convencermos algueacutem temos que usar de eloquecircncia precisamos ser convincentes Entre os gregos a retoacuterica e a oratoacuteria ganharam forccedila quando se desenvolveram teacutecnicas de argumentaccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de discursos

Atividade de Estudos

1) Sabemos que a retoacuterica surge entre os gregos antigos Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacuteginas 5 a 8 e explique o que vocecirc entende dessa leitura proposta

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ora o modo de eloquecircncia se relacionava diretamente com a honestidade com o compromisso com a verdadeira filosofia Evidentemente que na histoacuteria posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e natildeo o conteuacutedo do discurso Nos regimes democraacuteticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna pois sem a retoacuterica sofiacutestica a democracia natildeo se sustentaria Eacute a rejeiccedilatildeo da

verdade na antiguidade que transformou a retoacuterica em modo sagaz de convencimento Neste sentido podemos falar em um triunfo dos sofistas em relaccedilatildeo a Platatildeo uma vez que para o autor dos Diaacutelogos platocircnicos a retoacuterica e a verdade se mantinham unidas

Essa separaccedilatildeo entre retoacuterica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisatildeo fundamental Eacute Maquiavel que constatou que poliacutetica e eacutetica natildeo pertenciam mais ao mesmo espectro Deste modo a retoacuterica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasatildeo sem compromisso com a verdade

A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere Observamos isso no diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental Segundo devemos estar atentos agrave forma do discurso Se for uma forma de explanaccedilatildeo ao puacuteblico em geral ou se eacute um discurso particular E terceiro a quem se dirige o discurso se eacute uma plateia que possui um repertoacuterio amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso Esse entendimento permite ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estatildeo diretamente articulados

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttprepositorioulptbitstream10451184573ulfl183093_tm_3pdfgt paacuteginas 3 a 5 e responda Como vocecirc entende esse desenvolvimento da retoacuterica

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A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos

fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso

articular bem a verdade com o discurso que se

profere Segundo devemos estar

atentos agrave forma do discurso

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como

montar um discurso e qual a finalidade de um discurso

Esse entendimento permite ao

estudante de oratoacuteria e retoacuterica

desenvolver o entendimento

de que pensar e falar bem estatildeo

diretamente articulados

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Quando estamos diante de um texto religioso por exemplo devemos estar atentos ao processo hermenecircutico ou seja de interpretaccedilatildeo para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido Eacute por isso que para se desenvolver uma boa oratoacuteria e uma boa retoacuterica o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto Eacute condiccedilatildeo preacutevia para se montar um bom discurso saber interpretar um texto dominar a liacutengua em que se escreve e fundamentar bem suas posiccedilotildees nos autores escolhidos

Deste modo argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto conforme aponta Descartes em seu discurso do Meacutetodo pois algo confuso e misturado natildeo pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possiacutevel pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser visto que a oratoacuteria e a retoacuterica natildeo visam somente ao convencimento dos outros Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida visto que vivemos em um mundo plural Ningueacutem precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relaccedilatildeo aos argumentos enunciados

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior podemos utilizar alguns artifiacutecios retoacutericos que nos ajudam a convencer os interlocutores Esses artifiacutecios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade Conforme defende o sofista Goacutergias no diaacutelogo platocircnico eacute o orador que escolhe como e de que modo quer convencer Evidentemente que Platatildeo por ter um compromisso maior com a verdade natildeo concorda com isso Por isso falamos no iniacutecio deste capiacutetulo que depende do compromisso com a verdade que noacutes temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento eacute de fato verdadeiro e bem exposto

Uma boa exposiccedilatildeo de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes Deste modo cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequecircncias de suas afirmaccedilotildees Lembremos tambeacutem que de acordo com Reboul (2004) o estilo de discurso deve estar em consonacircncia com o orador e o puacuteblico a que se expotildee os argumentos

Logo a arte de falar bem natildeo eacute exata como as pessoas que natildeo estudam a aacuterea pensam emitindo opiniotildees vazias Devemos evitar generalidades ensina o grande retoacuterico antigo Aristoacuteteles em seu texto chamado posteriormente de Metafiacutesica pois elas produzem efeitos contraditoacuterios e enganosos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Desta maneira falar bem eacute consequecircncia direta da boa construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Se bem formularmos um argumento poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir

Neste sentido falar bem eacute aprender a pensar bem escrever bem e expor bem um determinado argumento Se natildeo formos capazes de explicar um argumento natildeo podemos dizer que falamos bem pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que noacutes queremos passar

A Construccedilatildeo do ArgumentoA construccedilatildeo de um argumento se processa de maneira muito

detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que queremos

Inicialmente para se fazer e expor um bom argumento eacute preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposiccedilatildeo deste Depois precisamos escolher o modo como se faraacute esta exposiccedilatildeo Eacute claro que supomos

uma determinada mensagem que jaacute foi escolhida para ser transmitida Logo para se construir um bom argumento eacute preciso ter um assunto a ser transmitido um estilo de exposiccedilatildeo um modo pelo qual o orador iraacute se manifestar e um plano loacutegico para executar todo o processo de transmissatildeo da mensagem

Como podemos escolher um tema para expor Ora se estamos interessados em apresentar um argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos expor Se existe esta motivaccedilatildeo interior ela deve ser elaborada pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero Eacute neste momento que a retoacuterica e a oratoacuteria podem ajudar vocecirc a se manifestar de maneira clara e eloquente

Para construir um argumento segundo Platatildeo precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor Se soubermos por exemplo um determinado argumento e dominamos suas variaccedilotildees estamos aptos a expocirc-lo

Com efeito o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo Se dominamos por exemplo o argumento da lei da gravidade ou seja todos os objetos sobre a superfiacutecie da Terra caem agrave mesma velocidade devido

Desta maneira falar bem eacute

consequecircncia direta da boa construccedilatildeo

e exposiccedilatildeo de argumentos Se

bem formularmos um argumento

poderemos apresentar bem

a mensagem que queremos transmitir

A construccedilatildeo de um argumento se

processa de maneira muito detalhada e

existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que

queremos

Ora se estamos interessados em apresentar um

argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos

expor

Com efeito o conhecimento de um determinado

argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo

Se dominamos por exemplo o

argumento da lei da gravidade

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

agrave lei da gravidade podemos explicar isso aos outros bem como suas variaccedilotildees Agora se temos duacutevidas e natildeo sabemos qual eacute a lei da gravidade universal natildeo conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento Deste modo devemos antes de tudo averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade Conforme ensina Soacutecrates referido por Luz (2010 p 49-50)

[] em vez de censurar o que eacute preciso eacute desculpar os que por desconhecimento da dialeacutetica natildeo estatildeo em condiccedilotildees de definir o que seja retoacuterica Com toda sua ignoracircncia por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos pensam que descobriram a retoacuterica e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noccedilotildees estatildeo convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar A dialeacutetica eacute o caminho da alma para que se possa alcanccedilar a beleza e a justiccedila base para todo ensino verdadeiramente filosoacutefico ndash conhecimento da alma e amor agrave verdade na busca dos princiacutepios eternos Ao passar por todas estas definiccedilotildees ambicionadas a colocar a retoacuterica a serviccedilo do conhecimento filosoacutefico e verdadeiro Platatildeo ndash utilizando-se do discurso socraacutetico ndash parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemoloacutegico e eacutetico opondo-se aos oradores de sua eacutepoca A retoacuterica portanto depende da dialeacutetica que por se esforccedilar em atingir o verdadeiro depende do verossiacutemil procurado por ela que depende ldquodiretamenterdquo de valores que satildeo da ordem do inteligiacutevel (levando em consideraccedilatildeo que o homem natildeo eacute a medida de todas as coisas) Ao longo de suas obras Platatildeo define a retoacuterica sofista como um longo discurso contiacutenuo que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vaacuterios procedimentos que se sustentam uns aos outros fazendo com que o retoacuterico impressione pelo conjunto da obra mais do que pela solidez de cada argumento explicitado Entretanto quando em vista do meacutetodo dialeacutetico cada raciociacutenio se desenvolve pouco a pouco sendo cada passo testado e confirmado pela concordacircncia do interlocutor soacute havendo uma passagem para a ldquotese seguinterdquo para uma segunda argumentaccedilatildeo quando a primeira for apreendida corretamente quando a adesatildeo daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentaccedilatildeo No caso do diaacutelogo eriacutestico haacute uma preocupaccedilatildeo uacutenica em se vencer o adversaacuterio o que implicaria numa total indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave verdade Tal retoacuterico eacute motivado pelo desejo de vencer de deixar o interlocutor embaraccedilado fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado e natildeo a verdade triunfe Predigo-te que este jovem seja qual for a sua resposta seraacute obrigado a contradizer-se O diaacutelogo criacutetico caracteriacutestica eminente do discurso socraacutetico o interlocutor trata-se de testar uma tese na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentaccedilotildees formuladas por ele A coerecircncia interna do discurso eacute que fornece o criteacuterio para investigaccedilatildeo ou ainda interrogaccedilatildeo criacutetica que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa Quando o diaacutelogo deixa de ser criacutetico para adentrar no caraacuteter verdadeiramente filosoacutefico ndash adquirindo um interesse construtivo para aleacutem da coerecircncia interna do discurso ndash os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antematildeo foi considerado dialeticamente verdadeiro O diaacutelogo filosoacutefico eacute impreterivelmente dialeacutetico eacute ele que determina

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as caracteriacutesticas do meacutetodo dialeacutetico ndash ldquonele a concordacircncia dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentaccedilatildeo natildeo porque se trataria de um concurso de duas opiniotildees divergentes mas porque essa concordacircncia seria a expressatildeo de uma adesatildeo generalizada agraves preposiccedilotildees em questatildeordquo O meacutetodo dialeacutetico eacute o meacutetodo de toda filosofia que pretende dar conta das consideraccedilotildees inesgotaacuteveis do saber filosoacutefico

Ora embora a retoacuterica e a dialeacutetica sejam distintas haacute uma relaccedilatildeo que

permite ao orador formular argumentos retoacutericos para ser um bom debatedor Neste sentido a retoacuterica eacute um modo para se buscar a verdade

Quando falamos de leis da fiacutesica parece um tanto mais distinto e direto agora quando falamos de argumentos filosoacuteficos e teoloacutegicos a situaccedilatildeo eacute um pouco mais complicada Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenecircutica ou seja a interpretaccedilatildeo de textos o argumento muitas vezes eacute confundido com a interpretaccedilatildeo

Cabe a vocecirc estudante de retoacuterica e oratoacuteria distinguir um argumento de uma interpretaccedilatildeo Um argumento eacute sempre a exposiccedilatildeo loacutegica de uma ideia por exemplo ldquoDeus eacute o ser do qual natildeo podemos pensar nada maiorrdquo (ANSELMO 1991) e a interpretaccedilatildeo que vocecirc faz dessa frase do pensador Anselmo

Este argumento eacute chamado de argumento ontoloacutegico pois independentemente do lugar onde se aplique Deus sempre seraacute para Santo Anselmo o maior de todos os seres que podem ser pensados

Satildeo vaacuterias as formas como vocecirc entende este argumento E mesmo sendo loacutegico e formalmente irrefutaacutevel vocecirc pode ignoraacute-lo logo a interpretaccedilatildeo eacute sempre um movimento subjetivo e introspectivo Mesmo com meacutetodo determinado e um argumento eacute a mensagem loacutegica que se passa por intermeacutedio da linguagem

Os Gecircneros do DiscursoUm gecircnero de discurso eacute antes de tudo a opccedilatildeo que o orador faz para expor

seu argumento e seu modo de pensar O pensar pode ser exposto de diferentes modos podemos fazer textos construir esculturas montar peccedilas de teatro pintar quadros fazer gestos e muito mais

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Aristoacuteteles nos fornece uma classificaccedilatildeo dos gecircneros retoacutericos que praticamente natildeo mudou em mais de dois mil anos De acordo com Lima (2011) ao citar Artistoacuteteles

Aristoacuteteles (Ret I III 11) uma vez tendo considerado que cada gecircnero retoacuterico ndash deliberativo judiciaacuterio e epidiacutetico - deve ser baseado numa demonstraccedilatildeo (eacutentechnos) tem em vista que a retoacuterica deve se desenvolver a partir do meacutetodo das evidecircncias e sendo a demonstraccedilatildeo uma evidecircncia afirma ldquopois que a nossa confianccedila eacute tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstraccedilatildeordquo A evidecircncia retoacuterica conforme Aristoacuteteles eacute caracterizada pela aplicaccedilatildeo do entimema ou seja pelo uso de um raciociacutenio que natildeo tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo mas que busca ser evidente O silogismo deriva de premissas loacutegicas enquanto o entimema tem origem nas premissas retoacutericas (LIMA 2011 p 48)

Na retoacuterica e na oratoacuteria se configuram gecircneros de um discurso as maneiras

que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos Platatildeo e Aristoacuteteles fizeram uma classificaccedilatildeo dos gecircneros de um discurso conforme apontamos no capiacutetulo primeiro do texto

O Tratado do Amor de Liacutesias comeccedila pelo fim pela conclusatildeo a que o orador chegou e pretende que todos cheguem ndash como o amante deve se portar com seu amado ndash fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam ldquonuma grande emburrilhadardquo A criacutetica socraacutetica consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas Enfatiza que a carta estaacute calcada nos saberes natildeo filosoacuteficos sendo uma peccedila bem trabalhada mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes ndash poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso Segundo Soacutecrates esta deveria ser constituiacuteda por um todo artisticamente considerado no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto [] todo discurso precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo A fim de natildeo mais aborrecer Fedro atraveacutes da criacutetica ferrenha agrave construccedilatildeo do discurso de seu adorado Liacutesias o diaacutelogo socraacutetico passa agrave anaacutelise da arte da eloquecircncia tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relaccedilatildeo entre amado e amante ndash em que ldquoum pretende que soacute deve ceder agraves instacircncias

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do indiviacuteduo que ama e o outro agraves de quem natildeo revele amorrdquo (265 a) ndash se contradizem reciprocamente fazendo com que Soacutecrates retomasse a ideia das Manias Divinas e principalmente aquela referida ao amor

Fonte Luz (2010 p 47)

Para retomarmos agrave discussatildeo lembramos ao estudante de retoacuterica e oratoacuteria estes gecircneros de discurso Em Platatildeo haacute um compromisso com as premissas e com a verdade Haacute uma divisatildeo entre verdade e forma de um discurso

Platatildeo por sua vez pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essecircncia e o valor de verdade da retoacuterica (dita como tal) instituiacuteda pelos sofistas O filoacutesofo afirmava ainda que a retoacuterica deveria ser considerada segundo razotildees de todo anaacutelogas agravequelas pelas quais a arte deve ser condenada A retoacuterica eacute a contrafaccedilatildeo da verdade Tal como a arte tem a pretensatildeo de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento imitando puramente as suas aparecircncias a retoacuterica atraveacutes do meacutetodo persuasivo pretende convencer o homem acerca de tudo sem ter conhecimento algum A retoacuterica cria crenccedilas ilusoacuterias O retoacuterico eacute aquele que devido a sua habilidade persuasiva joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparecircncias da verdade em verossimilhanccedilas e natildeo na verdade em si mesma Tanto quanto acontece na arte a retoacuterica se dirige agrave pior parte da alma agravequela que eacute creacutedula e instaacutevel suscetiacutevel de emoccedilatildeo e sensiacutevel ao prazer Pode-se dizer que o retoacuterico lida com o falso para aleacutem do artista tendo em vista que esse uacuteltimo ao menos representa as aparecircncias do verdadeiro enquanto que o retoacuterico tem a maliacutecia do conhecimento calcado num falso saber A filosofia dialeacutetica deve corromper e substituir a retoacuterica no que diz respeito ao seu caraacuteter de verdade No Fedro Platatildeo explicita que na arte dos discursos enquanto retoacuterica eacute reconhecido um direito agrave existecircncia entretanto sob a condiccedilatildeo de que se submeta agrave verdade e por conseguinte agrave filosofia E para alcanccedilar a verdade pela qual a retoacuterica teria de se submeter se faz necessaacuteria a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialeacutetica ndash ldquoseja no seu momento ascendente que leva do muacuteltiplo ao uno seja no seu momento descendente e diaireacutetico que ensina a dividir as Ideias segundo as articulaccedilotildees que lhe satildeo proacutepriasrdquo e conhecer a alma visto que a arte da persuasatildeo se dirige necessariamente agrave alma Soacute se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos conhecendo a natureza das coisas e a natureza da alma humana A escritura soacute faz aumentar a aparecircncia (doxa) do saber natildeo fortalecendo a memoacuteria mas oferecendo meios para trazer agrave memoacuteria aquilo que de antematildeo jaacute era conhecido pela alma O escrito eacute sem alma sendo incapaz de defender-se sozinho contra criacuteticas exigindo sempre a intervenccedilatildeo constante do seu autor O discurso oral e soacute ele eacute capaz de penetrar na alma daquele que o apreende sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

se encontra na dimensatildeo da oralidade Para ser conduzido segundo as regras da arte o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e por conseguinte implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige ndash haacute um jogo metoacutedico pelo qual quem escreve deve se submeter Por definiccedilatildeo a palavra eacute um aspecto da realidade eacute uma palavra eficaz No entanto a potecircncia da palavra natildeo se encontra apenas orientada para o real ela se mostra da mesma forma irrevogavelmente tal como uma potecircncia sobre o outro Logo a potecircncia da palavra se mostra perigosa visto que pode ser tomada como a ilusatildeo do real Ou seja a seduccedilatildeo da palavra eacute tal que pode se fazer passar pela realidade o logos pode impor objetos que se assemelhem agrave realidade confundindo-se com ela sendo entretanto natildeo mais do que uma imagem vatilde Este fato levanta uma nova questatildeo traz um problema fundamental pertinente agrave relaccedilatildeo entre palavra e verdade A ambiguidade da palavra entatildeo torna-se polo de reflexatildeo sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional onde haacute por um lado o problema da potecircncia da palavra sobre a realidade e por outro lado o problema da potecircncia da palavra sobre o outro ndash perspectiva fundamental no desvelamento retoacuterico e sofiacutestico (LUZ 2010 p 43-44)

Ainda de acordo com Platatildeo um discurso deve ser entendido como um

modo de produccedilatildeo de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias que para Platatildeo eacute o uacutenico mundo real

Sabemos que Platatildeo (428-7 ndash 348-7 a C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da eriacutestica e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questatildeo conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate Isso fica claro nos diaacutelogos platocircnicos Goacutergias e Eutidemo nos quais o filoacutesofo procura mostrar que a retoacuterica natildeo eacute uma ciecircncia e nem uma verdadeira arte pois pelo que consta no Goacutergias (465 a) ela eacute somente uma empeiria ou seja uma habilidade praacutetica decorrente da experiecircncia A negaccedilatildeo dessa praacutetica como ciecircncia natildeo eacute novidade naquele contexto social pois na tradiccedilatildeo retoacuterica dos pitagoacutericos a Goacutergias como concorda Plebe (1978) a retoacuterica era situada no mundo da doxa (opiniatildeo) e natildeo da ciecircncia Entretanto Platatildeo acrescenta uma provocaccedilatildeo ao afirmar que a retoacuterica tambeacutem natildeo eacute uma arte ou seja natildeo eacute theacutecnerhetorikeacute como defendia Goacutergias considerando-a apenas como habilidade Este filoacutesofo estaacute mais interessado na dialeacutetica a qual eacute vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteuacutedo Entretanto ele (Platatildeo) discute sobre a retoacuterica por reconhecer que tal atividade tendo o caraacuteter de experiecircncia tecno-praacutetica natildeo seria de todo inuacutetil Na visatildeo platocircnica portanto a retoacuterica seria diferente da dialeacutetica e tambeacutem da sofiacutestica como pode ser constatado no Goacutergias (465) no qual a sofiacutestica aparece como contrafaccedilatildeo da arte de legislar (nomothetikeacute) e a retoacuterica como contrafaccedilatildeo da arte de administrar a justiccedila (dikaiosyne) (LIMA 2011 p 43)

Ainda seguindo a definiccedilatildeo precisa apresentada por Platatildeo as fontes das habilidades devem ser distinguidas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Platatildeo considera que essas duas formas de habilidades satildeo contrafaccedilotildees de um gecircnero de habilidade que natildeo eacute arte o qual ele denomina kolakeiacutea (adulaccedilatildeo) mas admite que tal gecircnero eacute contrafaccedilatildeo da arte Em resumo embora reconheccedila que os sofistas satildeo dotados de um espiacuterito ousado e imaginativo a filosofia platocircnica vecirc a retoacuterica como discurso vazio de conteuacutedo Jaacute na sua maturidade Platatildeo passa a considerar a retoacuterica como sendo uma versatildeo disparatada e distorcida da dialeacutetica conforme consta em seu diaacutelogo Fedro e por outro lado a idealizar a existecircncia de uma verdadeira retoacuterica a qual ele identifica com a proacutepria dialeacutetica Assim Platatildeo equipara a falsa dialeacutetica com a retoacuterica ao mesmo tempo em que identifica a retoacuterica verdadeira com a dialeacutetica tornando a retoacuterica reprovaacutevel somente quando esta uacuteltima natildeo se identifica com a primeira Por conseguinte segundo Platatildeo qualquer sofista uma vez natildeo praticante da dialeacutetica da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia natildeo merece confianccedila por maior que seja a sua habilidade oratoacuteria Nesse sentido em um trecho do Fedro (LII 268 b-c) ele faz uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas da retoacuterica e o perfil de um falso meacutedico Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio de provocar vocircmitos ou evacuaccedilotildees entre outros efeitos e que o mesmo acrescenta ldquoE porque sei tudo isso tenho-me na conta de meacutedico e tambeacutem com a capacidade de fazer um meacutedico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos rdquo Esse trecho eacute seguido imediatamente pela citaccedilatildeo que registramos adiante Soacutecrates ndash Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira Fedro ndash Que mais poderia fazer a natildeo ser perguntar se tambeacutem sabia a quem aplicar tudo aquilo o tempo certo e a dose para cada caso Soacutecrates ndash E se ele contestasse Dessas coisas natildeo entendo patavinas poreacutem suponho que quem aprender comigo aquilo tudo ficaraacute em condiccedilotildees de responder a tais perguntas Fedro ndash Diriam segundo penso Este homem eacute louco Soacute porque leu um livro ou porque encontrou casualmente alguns remeacutedios considera-se meacutedico ainda que nada entenda de tal arte Ao considerar o praticante da retoacuterica como algueacutem cujo conhecimento natildeo eacute confiaacutevel Platatildeo (opus cit LVII 272 d-e) afirma que ldquoNos tribunais por exemplo ningueacutem se preocupa no miacutenimo com a verdade soacute se esforccedilando por persuadirrdquo e que toda a arte da oratoacuteria consiste em manter a verossimilhanccedila do iniacutecio ao fim do discurso Portanto esse pensador tem em vista que todo filoacutesofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade ao inveacutes de priorizar as aparecircncias dos discursos soacute para persuadir a qualquer custo Por outro lado embora tenha feito tantas criacuteticas agrave retoacuterica o citado filoacutesofo reconhece a importacircncia de se identificar os diferentes tipos de auditoacuterios que podem inspirar construccedilotildees oratoacuterias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade - e sendo assim jaacute prepara de certo modo o caminho para a sistematizaccedilatildeo aristoteacutelica da retoacuterica que viraacute logo depois Tanto eacute assim que alguns aspectos que seratildeo valorizados por Aristoacuteteles em sua obra Retoacuterica jaacute constam nas seguintes palavras de Platatildeo (Ibid LVIII 273d-274a) [] quem natildeo fizer a enumeraccedilatildeo exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espeacutecies e natildeo souber reduzir a uma ideia uacutenica todas as ideias particulares jamais dominaraacute a arte da oratoacuteria dentro das possibilidades humanas Mas sem trabalho ningueacutem consegue chegar a esse ponto Natildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

eacute para falar com os homens nem para tratar com eles que o saacutebio despende tanto esforccedilo mas para falar o que agrade aos deuses e tambeacutem para lhes comprazer com suas accedilotildees na medida do possiacutevel Porque o homem de senso [] natildeo deveraacute esforccedilar-se para agradar seus companheiros de escravidatildeo pelo menos natildeo poraacute nisso o principal intento nem o faraacute de ligeiro poreacutem a bons mestres e de boa origem Eis que fica clara a preocupaccedilatildeo de Platatildeo em estabelecer paracircmetros eacuteticos para a praacutetica da oratoacuteria e nesse sentido veremos apoacutes alguns paraacutegrafos adiante que a mesma preocupaccedilatildeo pode ser identificada em Aristoacuteteles no que concerne a sua sistematizaccedilatildeo (LIMA 2011 p 44)

Segundo Aristoacuteteles a exposiccedilatildeo de um argumento se divide em invenccedilatildeo disposiccedilatildeo elocuccedilatildeo e accedilatildeo

Deste modo a invenccedilatildeo consiste na escolha do material para se formular um argumento Nesta etapa o retoacuterico ou orador se ateacutem aos elementos dispersos e reuacutene aqueles que ele considerar adequados

Na disposiccedilatildeo o retoacuterico ou orador se preocuparaacute em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso

Na elocuccedilatildeo o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para natildeo cair em contradiccedilatildeo e se perder na execuccedilatildeo do discurso

Jaacute a accedilatildeo consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos trecircs aspectos anteriores de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir Neste momento o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui

Desta maneira Aristoacuteteles difere de Platatildeo por entender que a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo importantes para o debate natildeo soacute para o convencimento dos interlocutores Conforme confirma Lima (2011 p 47)

Aristoacuteteles diferentemente de Platatildeo vecirc a retoacuterica como algo que normalmente faz parte da vida social e poliacutetica como uma arte importante para o desenvolvimento dessas aacutereas Tal pensador tem em vista que a distinccedilatildeo conceitual envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composiccedilatildeo loacutegica e persuasiva dos argumentos eacute fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicaacute-las socialmente Eacute nessa perspectiva que ele propotildee a formaccedilatildeo de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construccedilatildeo de cada discurso visando estabelecer conforme suas proacuteprias palavras ldquo[] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos quando falamos a favor ou contra uma propostardquo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Logo em Aristoacuteteles existe uma mudanccedila da retoacuterica que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentaccedilotildees poliacuteticas juriacutedicas e dos problemas mais simples da existecircncia humana Conforme aponta Lima (2011) ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema

O Estagirita pensando na vida praacutetica situaccedilotildees reais do dia a dia em que geralmente natildeo se dispotildee de muito tempo para os encontros discursivos tem em vista a importacircncia de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciociacutenio do orador com tatildeo pouca demora Mas ele tambeacutem alerta para que natildeo se cometa excessos no uso dos entimemas Natildeo se deve tambeacutem a propoacutesito de toda e qualquer questatildeo procurar empregar os entimemas pois nesse caso chegariacuteeis ao mesmo resultado que certos filoacutesofos que demonstram por meio de silogismos proposiccedilotildees mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciociacutenios (Ret III XVII 7) Os lugares comuns de entimemas demonstrativos e refutativos compotildeem uma ampla variedade de argumentos que satildeo estudados enumerados e tipificados por Aristoacuteteles hierarquizados segundo a eficaacutecia de persuasatildeo Os lugares comuns satildeo assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussatildeo Vejamos por exemplo o seguinte toacutepoi (lugar) que consta no Livro II da Retoacuterica de Aristoacuteteles (XXIII1) Primeiramente haacute um lugar para os entimemas demonstrativos aquele que se tira dos contraacuterios Com efeito importa examinar se o contraacuterio estaacute contido no contraacuterio se natildeo estaacute compreendido refutaremos o adversaacuterio se estaacute compreendido estabeleceremos nossa proacutepria tese por exemplo defenderemos que ser temperante eacute bom porque viver na licenciosidade eacute nocivo Ou entatildeo como no discurso sobre Messecircnia ldquoVisto a guerra ser a causa dos males atuais eacute pela paz que devemos remediaacute-losrdquo Em mais um exemplo Aristoacuteteles (Ret II 23 4) apresenta entre outros entimemas o seguinte ldquose os deuses natildeo sabem tudo muito menos os homensrdquo E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte toacutepoi ldquose um atributo natildeo pertence a um sujeito ao qual mais deveria pertencer evidentemente que tambeacutem natildeo pertence ao sujeito ao qual deveria pertencer menosrdquo E tambeacutem eacute do Estagirita (ibid II XXIII 7) o seguinte trecho ldquoUm outro lugar tira-se das palavras contra noacutes e que voltamos contra o adversaacuterio Este lugar eacute excelente []rdquo (LIMA 2011 p 50-51)

Em Aristoacuteteles a retoacuterica assumiu uma conotaccedilatildeo praacutetica ou seja ela deve servir ao homem para argumentar na resoluccedilatildeo de problemas do cotidiano Assim a retoacuterica passa a ser uma ferramenta acessiacutevel a todos os sujeitos que queiram pleitear algo

Em sua Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles (I 8 1099 a) considera a finalidade da vida poliacutetica como o melhor dos fins e que ldquoo principal empenho dessa ciecircncia eacute fazer com que os cidadatildeos sejam bons e capazes de nobres accedilotildeesrdquo Tal nobreza inclui a observaccedilatildeo de que embora jaacute seja desejaacutevel o bem

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

para um soacute indiviacuteduo eacute mais nobre e mais divino alcanccedilar o bem para uma naccedilatildeo ou para as cidades-Estado (opus cit I 1094 b) Para o Estagirita (idibid) a ciecircncia poliacutetica eacute a mais prestigiosa de todas visto que a ciecircncia poliacutetica utiliza as demais ciecircncias e ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster a finalidade dessa ciecircncia deve necessariamente abranger a finalidade das outras de maneira que essa finalidade deveraacute ser o bem humano ldquoA cosmologia de Aristoacuteteles coloca certo nuacutemero de seres superinteligentes as inteligecircncias que governam as estrelas e os planetas acima do Homem na escala do ser assim como Deus o Movimentador Imoacutevelrdquo (LIMA 2011 p 53)

Neste caso o homem que se dedica agrave praacutetica retoacuterica eacute capaz de resolver os

problemas da vida cotidiana pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos Sendo o retoacuterico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se estaacute transmitindo eacute importante mencionar o significado da honestidade do orador na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que os sujeitos interlocutores se convenccedilam da mensagem

Atividade de Estudos

1) Explique com suas palavras por que eacute importante a honestidade retoacuterica Leia o texto para poder entender melhor o problema

LIBERDADE OU MANIPULACcedilAtildeO

Eacute por isso que este mesmo autor considerando que a caracteriacutestica da boa argumentaccedilatildeo natildeo eacute suprimir o aspecto retoacuterico pois em nenhum caso uma argumentaccedilatildeo inexpressiva se torna soacute por isso obrigatoriamente mais honesta ndash adianta dois criteacuterios gerais a que se deve submeter a boa retoacuterica

1 Criteacuterio da transparecircncia que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo dos meios pelos quais a crenccedila estaacute a ser modificada

2 Criteacuterio de reciprocidade que a relaccedilatildeo entre o orador e o

auditoacuterio natildeo seja assimeacutetrica para que fique assegurado o direito de resposta

Respeitados tais criteacuterios Reboul considera que a argumentaccedilatildeo natildeo se torna por isso menos retoacuterica e sim mais honesta Mas parece evidente que sem pocircr em causa a eficaacutecia destes dois

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Oratoacuteria e Retoacuterica

criteacuterios o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo e natildeo seja assimeacutetrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretizaccedilatildeo Por outro lado pode acontecer tambeacutem que a incompetecircncia argumentativa do auditoacuterio crie a ilusatildeo de uma relaccedilatildeo retoacuterica desigual e leve a que se veja manipulaccedilatildeo no orador quando na realidade essa desigualdade se fica a dever agrave insuficiente capacidade criacutetica revelada por aqueles a quem se dirige

Fonte Sousa (2000 p 96)

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Ethos Pathos Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de eacutetica pathos no sentido de paixatildeo e logos no sentido de discurso

Passamos agora agrave discussatildeo de aspectos da estrutura do conteuacutedo dos argumentos e a forma como satildeo usados para expor determinados discursos

O ethos da retoacuterica estaacute ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso O ethos do comportamento humano para Reboul (2004) passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar

Segundo Aristoacuteteles podemos construir uma parte do ethos mas a outra parte eacute totalmente natural Por isso precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

As virtudes dianoeacuteticas entre as quais a sapiecircncia (shofia) eacute tida como a mais importante satildeo vistas por Aristoacuteteles como mais elevadas do que as virtudes eacuteticas pois lidam com a captaccedilatildeo intuitiva de princiacutepios por meio do intelecto coincidindo com as ciecircncias teoreacuteticas (principalmente com a metafiacutesica) Por outro lado as virtudes eacuteticas lidam com o contingente e o variaacutevel no humano apoiando-se numa prudecircncia (phroacutenesis) que eacute razatildeo praacutetica Na abertura do livro II (opus cit) Aristoacuteteles observa que as virtudes intelectuais satildeo geradas e crescem em grande parte em decorrecircncia do ensino e por isso precisam de experiecircncia e tempo enquanto as virtudes eacuteticas satildeo adquiridas em resultado do haacutebito Esse termo ndash haacutebito ndash decorre da traduccedilatildeo de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethikeacute) palavra que tambeacutem pode significar costume (LIMA 2011 p 71)

Um ethos no debate eacute um modo de se expressar eacute a maneira com a qual

nos expressamos Saber se expressar eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para sermos verdadeiramente humanos

No iniacutecio de sua Retoacuterica (2007 I 1 p19) Aristoacuteteles estabelece que ldquoos modos de persuasatildeo satildeo as uacutenicas verdades constituintes dessa arte tudo o mais eacute mero acessoacuteriordquo Diante de tais palavras poderiacuteamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituiacutedo de propostas eacuteticas ou seja meramente instrumental sem necessariamente manifestar um viacutenculo efetivo com a busca pelo bem comum pela justiccedila pela cidadania entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social Entretanto podemos identificar que Aristoacuteteles assume em vaacuterios momentos de sua Retoacuterica um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a eacutetica em sintonia com um exerciacutecio de livre escolha de ideias Em vaacuterios trechos (opus cit) o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade e natildeo o faz por considerar tais preceitos como meros acessoacuterios pois em vez disso procura mostrar que um homem de boa formaccedilatildeo moral tem no seu proacuteprio caraacuteter um referencial em que pode alicerccedilar o seu discurso Sendo assim como bem esclarece o autor a consistecircncia moral do orador tambeacutem deve compor o modo pelo qual o ouvinte eacute persuadido Aristoacuteteles toma o cuidado de firmar a arte retoacuterica em uma responsabilidade social propondo uma produccedilatildeo discursiva que possa participar da construccedilatildeo moral do homem e por conseguinte da sua condiccedilatildeo poliacutetica (Ret2007 p 23) (LIMA 2011 p 74)

O homem ao se apresentar como um ser que escreve e fala precisa dominar estes dois modos de se apresentar Por isso um haacutebito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como noacutes falamos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A primeira questatildeo tratada eacute que para se realizar um discurso eacute preciso ter conhecimento sobre aquilo que estaacute sendo dito em prol de sua autenticidade enquanto verdade Os sofistas se servem da persuasatildeo utilizando o domiacutenio que tecircm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa com uma mesma ecircnfase ou intensidade ndash natildeo se baseiam num conhecimento verdadeiro mas no senso comum ldquoA perversatildeo da retoacuterica transforma a escrita em teacutecnica de simulaccedilatildeo e converte a habilidade oratoacuteria em exploraccedilatildeo verbal e persuasiva do verossiacutemilrdquo Atraveacutes de uma loacutegica da ambiguidade contrariam o que deveria ser indissociaacutevel no interior de um discurso a ligaccedilatildeo entre dizer pensar e ser ndash limitam-se a uma tautologia do logos que eacute voltado sobre si mesmo A eficaacutecia alcanccedilada pelo discurso entretanto natildeo significa que tais ldquoretoacutericosrdquo tinham o conhecimento real do assunto que tratavam eles natildeo tinham a preocupaccedilatildeo de se interrogar sobre suas referecircncias ndash calcavam-se na probabilidade no verossiacutemil para o estabelecimento de suas conclusotildees que de antematildeo eram estabelecidas ndash utilizando-se da potecircncia da palavra como uma arma para persuadir pessoas tatildeo ignorantes quanto eles ldquoO estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migraccedilatildeo da enunciaccedilatildeo para o enunciadordquo (LUZ 2010 p 45)

Neste sentido retoacuterica e oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que se articulam na existecircncia e o ajudam a expor seu sentido na linguagem O ethos da oratoacuteria e da retoacuterica eacute uma forma eacute a maneira de dizermos os modos de se apresentar A linguagem escrita e falada eacute uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos

Ainda de acordo com Reboul (2004) o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar

Ao falarmos de pathos ou afetamento de um discurso podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso

Ao falarmos de pathos ou

afetamento de um discurso podemos

entender que quando nos referimos a um determinado

grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel

do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos

envolve ou dispersa em um determinado

discurso

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Por isso ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala estamos optando em ser ou natildeo apaixonantes em nossa exposiccedilatildeo escrita ou oral Eacute no pathos de um discurso ou seja na paixatildeo que se iraacute prender ou natildeo os interlocutores As belas palavras podem levar os sujeitos agraves mais absurdas atitudes ou simplesmente natildeo significar nada aos ouvintes Tudo depende do modo com o qual vocecirc que se expressa o faz

O pathos de um discurso eacute determinante em relaccedilatildeo agrave longevidade de uma mensagem Por exemplo Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas seu modo de ser serve de conduta religiosa moral e eacutetica para todas as eacutepocas

Deste modo eacute a forma de se expressar em uma linguagem clara direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcanccedilar seu objetivo

O logos o discurso propriamente dito precisa de um ritmo de uma forma de um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

De acordo com Reboul (2004) um discurso eacute uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem Eacute a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado esperado em um discurso Se soubermos transmitir a mensagem poderemos alcanccedilar maior ecircxito em nossas intenccedilotildees Fica evidente que mesmo quando natildeo queremos dizer algo relevante sempre haacute um sentido no discurso proferido

Estamos falando de transmissatildeo de conteuacutedos atraveacutes da linguagem mas antes de seguirmos para os elementos do discurso precisamos esclarecer o que eacute a verossimilhanccedila pois sem entender isso natildeo podemos entender por que a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante tensatildeo com a verdade

O logos o discurso propriamente dito

precisa de um ritmo de uma forma de

um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer

ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

Atividade de Estudos

1) Explique o que vocecirc entende por verossimilhanccedila Leia o artigo disponiacutevel em lthttpsrepositorioufrnbrjspui

bitstream123456789164822MarcosAL_DISSERT_PARCIALpdfgt para lhe ajudar a responder

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Disposiccedilatildeo Elocuccedilatildeo Accedilatildeo e Invenccedilatildeo

Jaacute nos referimos agrave invenccedilatildeo que eacute a escolha dos argumentos pelo orador Passamos agora para a disposiccedilatildeo que de acordo com Reboul (2004) eacute a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala Eacute a retoacuterica da organizaccedilatildeo formal de um discurso seu plano de execuccedilatildeo

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul (2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase oral do discurso como muita gente pode pensar

Para Aristoacuteteles a retoacuterica assume uma dimensatildeo de amor agrave sabedoria Eacute o amor agrave sabedoria que permite agrave retoacuterica se aproximar da dialeacutetica pois eacute a oposiccedilatildeo de argumentos que produz um desenvolvimento da discussatildeo

Assim o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruccedila o retor As praacuteticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construccedilatildeo oratoacuteria ou seja sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniotildees e tambeacutem com as opiniotildees sobre o mundo Por conseguinte a retoacuterica eacute pensada por Aristoacuteteles como uma manifestaccedilatildeo de amor agrave sabedoria e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade inclusive com o aprimoramento do proacuteprio saber exposto nesse jogo social que eacute a arte retoacuterica Pelas razotildees acima citadas Reboul (2004 p 40) compara a retoacuterica de Aristoacuteteles com a de Isoacutecrates A retoacuterica de Aristoacuteteles estaacute bem proacutexima da retoacuterica de Isoacutecrates em termos de conteuacutedo A diferenccedila eacute que em Aristoacuteteles a retoacuterica eacute uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciecircncias exatas Estas ldquodemonstrativasrdquo atingem verdades ldquonecessaacuteriasrdquo que como os teoremas soacute podem ser o que satildeo possibilitando compreender e prever A retoacuterica por sua vez soacute atinge o verossiacutemil aquilo que acontece no mais das vezes mas que poderia acontecer de outra forma Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria a retoacuterica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinacircmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e ao mesmo tempo do aprimoramento de suas leis e costumes Creio natildeo ser exagero afirmar que em Aristoacuteteles a retoacuterica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul

(2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase

oral do discurso como muita gente

pode pensar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

que liguem o homem agraves soluccedilotildees de seus problemas pessoais e coletivos e agraves melhores opccedilotildees para a educaccedilatildeo dos jovens Essa arte tambeacutem eacute compromisso em educar para a sabedoria e nesse sentido cada cidadatildeo necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto os seus sentimentos desejos ambiccedilotildees natildeo esquecendo o bem da sociedade em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA 2011 p 80)

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo dos argumentos que

queremos apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer

Quando a accedilatildeo retoacuterica se manifesta por intermeacutedio de um discurso destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execuccedilatildeo daquilo que se propotildee a fazer Neste sentido Aristoacuteteles destaca na antiguidade que o sujeito que natildeo transmitir confiabilidade em seu discurso natildeo convence ningueacutem

Diante de ideias conflitantes entre si eacute comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiaacuteveis merecedoras de creacutedito Nessa perspectiva os encontros sociais entre retores podem ser bastante uacuteteis como oportunidades para tal busca e na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz surge um sentimento de grandeza da proacutepria razatildeo naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicaacutevel compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo Eacute esse o sentimento denominado de sublime ou sublimidade Para melhor compreendermos o sentimento do sublime recapitulemos que a verossimilhanccedila eacute caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que natildeo possibilitam respostas irrefutaacuteveis e que natildeo eacute raro o homem sentir-se constrangido inseguro e com medo diante do que eacute apenas verossiacutemil ou seja do que natildeo lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutaacutevel Visto por esse lado o que pomos em foco natildeo eacute o constrangimento diante de forccedilas fenomecircnicas de uma natureza ameaccediladora e externa ao ser humano (como vendavais tempestades maremotos terremotos etc) pois numa abordagem mais voltada para a produccedilatildeo dos discursos em um contexto social e cotidiano em muitos casos o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando natildeo encontra por exemplo respostas suficientemente confiaacuteveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhanccedila A superaccedilatildeo desse momento de constrangimento a ldquovolta por cimardquo atraveacutes do intelecto que identifica qual eacute o melhor discurso a vitoacuteria de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razatildeo gerando um aliacutevio pela suposta seguranccedila diante da diversidade de ideias antagocircnicas entre si Em Aristoacuteteles o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhanccedila - deve ser decorrecircncia direta da atitude genuiacutena de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiaacutevel possiacutevel) e nesse encaminhamento o faz sob o predomiacutenio da parte intelectiva da alma (a racionalidade) que seria segundo o Estagirita a melhor parte do homem (conforme jaacute vimos anteriormente) Nessa

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo

dos argumentos que queremos

apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final

do discurso que foi planejado de modo a

se expor o que se quer

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Oratoacuteria e Retoacuterica

perspectiva revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar natildeo soacute entre o que eacute o bem do que eacute o seu extremo contraacuterio mas tambeacutem distinguir o que eacute um bem maior diante de um bem menor escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser eacutetico aleacutem da importacircncia de saber defender as suas escolhas publicamente Eis que o sentimento do sublime nos termos aqui propostos aparece quando a razatildeo humana se depara com o verossiacutemil em busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial rumo ao possiacutevel sentimento de superioridade da razatildeo A inseguranccedila argumentativa que levaria a um natildeo saber identificar uma resposta confiaacutevel como costuma ocorrer na verossimilhanccedila seria algo anaacutelogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza esteacutetica de algum fenocircmeno da natureza Neste uacuteltimo caso o sentimento do sublime eacute tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquecircs de existirem os fenocircmenos ameaccediladores (como tempestades maremotos vendavais etc) cuja grandiosidade esteacutetica constrange inicialmente o ser humano Em se tratando da retoacuterica o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniotildees e encontra formas de identificar quais satildeo as ideias mais confiaacuteveis entre tantas que se oferecem para creacutedito Portanto em Aristoacuteteles na sua obra Retoacuterica o homem eacute idealizado como aquele cuja determinaccedilatildeo e coragem devem servir para a busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial frente agrave verossimilhanccedila Nesta o ser humano sente-se humilhado diante das proacuteprias incertezas e das ldquoverdadesrdquo oferecidas por discursos diversos que o circundam natildeo sabendo em qual delas - as supostas ldquoverdadesrdquo ndash acreditar mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiccediloamento dos discursos (LIMA 2011 p 104-105)

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhanccedila poderaacute desenvolver uma retoacuterica de boa qualidade que natildeo se confunde com aquilo que parece ser a verdade mas natildeo eacute a verdade loacutegica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto sobre o problema da presunccedilatildeo antever um argumento disponiacutevel em lthttpw3ufsmbrppgfwp-contentuploads201110PERELMANpdfgt paacutegina 35 e 36 e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar Por exemplo o seu trabalho seu lazer etc O texto eacute inspiraccedilatildeo para a construccedilatildeo do argumento

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

O desenvolvimento da retoacuterica atraveacutes dos seacuteculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa eacutepoca atual por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem Sem dominar bem o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retoacuterico Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa dominar o conteuacutedo a ser exposto de modo a permitir que natildeo seja enganado pela proacutepria linguagem

Este capiacutetulo eacute fundamental a vocecirc estudante para saber como a histoacuteria da retoacuterica trabalhou o problema da formulaccedilatildeo estruturaccedilatildeo e divisatildeo dos discursos Lembre-se vocecirc natildeo eacute o primeiro a querer expor uma ideia um argumento por isso natildeo se engane seus interlocutores entendem ou natildeo o que vocecirc quer expor na medida em que vocecirc se coloca de modo claro e distinto Se sua linguagem natildeo for adaptada ao local em que vocecirc fala sua mensagem natildeo seraacute transmitida como vocecirc quer

BRISSON Luc Leituras de Platatildeo Trad Socircnia Maria Maciel Porto Alegre EDIPUCRS 2003

BRUNSCHWIG J Diccionaire Critique Le Savoir Grecce Org Geossvey Lloyd Paris Flammarion 1996

CLAIumlM PERELMAN Retoacutericas Trad Maria Ermantina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

DELEUZE G Loacutegica dos Sentidos Trad Luiz Roberto Salinas Fontes Satildeo Paulo Ed Perspectiva 2000

DERRIDA Jacques A Farmaacutecia de Platatildeo Trad Rogeacuterio da Costa 3 ed Satildeo Paulo Iluminuras 2005

GOLDSCHMIDT V Os Diaacutelogos de Platatildeo Estrutura e Meacutetodo Dialeacutetico Trad Dion Davi Macedo Satildeo Paulo Loyola 2002

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos

e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para um bom orador

dominar seu tema para poder transmitir

essa mensagem Sem dominar bem

o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar

e demonstrar suas qualidades como retoacuterico

Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa

dominar o conteuacutedo a ser exposto de

modo a permitir que natildeo seja enganado

pela proacutepria linguagem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

MARCUSE H Eros e Civilizaccedilatildeo Trad Aacutelvaro Cabral 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1969

MORAES J Q Epicuro as luzes da eacutetica Satildeo Paulo Ed Moderna 1998

NIETZSCHE F O Nascimento da Trageacutedia Trad J Guinsburg Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos Sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Coleccedilatildeo Estudos Platocircnicos Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2009

Algumas ConsideraccedilotildeesA histoacuteria da oratoacuteria e da retoacuterica permite o entendimento de como somos

capazes de organizar e exprimir uma ideia Desta maneira um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforccedilo do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispotildee de modo adequado

Com efeito este capiacutetulo se empenhou em apresentar uma parte da histoacuteria da retoacuterica para deixar vocecirc estudante em condiccedilotildees de escolher bem suas formas de argumentar

ReferecircnciasANSELMO Monoloacutegio Satildeo Paulo Victor Civita 1991

CAMPOS R C A Formaccedilatildeo Educacional do Orador e a Retoacuterica como seu Instrumento de Accedilatildeo no Principado Fecircnix ndash Revista de Histoacuteria e Estudos Culturais JaneiroFevereiroMarccedilo de 2008 v 5 Ano V n 1 Disponiacutevel em ltwwwrevistafenixprobrgt Acesso em 26 maio 2017

SOUSA A de A Persuasatildeo - Estrateacutegias da comunicaccedilatildeo influente 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt Acesso em 22 maio 2017

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

LIMA M A A retoacuterica em Aristoacuteteles da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia Natal IFRN 2011

LUZ A R L Ensaios Filosoacuteficos V 1 outubro2010 Disponiacutevel em lthttpwwwensaiosfilosoficoscombrArtigosArtigo2Ana_Rosapdfgt Acesso em 27 maio 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SILVA R Curso de Oratoacuteria A Arte de Falar em Puacuteblico ou a Habilidade de Falar em Puacuteblico 2012 Disponiacutevel em lthttpconsulpamcombrwp-contentuploads2013084-OratC3B3riapdfgt Acesso em 26 maio 2017

SILVEIRA Caacutessio Rodrigo Paula Relendo Ciacutecero A formaccedilatildeo do orador e sua inserccedilatildeo na poliacutetica romana (Seacuteculo I a C) 2012

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Oratoacuteria e Retoacuterica

CAPIacuteTULO 3

A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apontar as diferentes formas de argumentos

Apresentar as implicaccedilotildees de um argumento Compromisso com a verdade ou com a forma

Fazer um argumento suas fragilidades e pontos fortes

Convencer ou defender a verdade

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

ContextualizaccedilatildeoEste capiacutetulo se destina a apresentar a vocecirc estudante uma perspectiva

filosoacutefica com desdobramentos teoloacutegicos para a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Destacaremos brevemente a sutil conexatildeo com a loacutegica sobretudo a silogiacutestica concatenaccedilatildeo em sequecircncia de premissas para formular um argumento

Oratoacuteria e Retoacuterica Filosoacutefica Na filosofia a oratoacuteria e retoacuterica cumprem um papel substancial pois eacute por

intermeacutedio dos argumentos e da exposiccedilatildeo destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades Observamos que nas maiores universidades da Europa a retoacuterica e a oratoacuteria perderam muito espaccedilo no ambiente acadecircmico

A Retoacuterica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituiccedilotildees europeias de ensino ao contraacuterio do que aconteceu nos Estados Unidos da Ameacuterica Embora tenham surgido na Europa algumas revistas sociedades de Retoacuterica reimpressotildees de textos claacutessicos e se tenham publicado seacuteries de estudos sobre Retoacuterica em editoriais de renome eacute impossiacutevel hoje qualquer consenso quanto agrave asserccedilatildeo de M Capella sobre a Retoacuterica como laquopotens rerum omnium reginaraquo ou quanto agrave promoccedilatildeo da Retoacuterica a laquorainha antiga e nova das ciecircnciasraquo assinada pelo professor de Retoacuterica de Tuebingen W Jens que antecipou a visatildeo utoacutepica da Retoacuterica como laquouma ciecircncia do futuroraquo proposta por J Dubois Poreacutem o fim da Retoacuterica como disciplina ou laquoRhetoricadocensraquo natildeo coincide com o desaparecimento da praacutexis retoacuterica (Rhetoricautens Oratoria Eloquentia) tampouco com a extinccedilatildeo da sua existecircncia residual em teorias de composiccedilatildeo literaacuteria em regras de comportamento em expressotildees do discurso pragmaacutetico nem com a cessaccedilatildeo da sua eficaacutecia histoacuterica na tipologia variada da histoacuteria das ideias e da cultura Eacute sobretudo a teoria retoacuterica do texto e a sua influecircncia histoacuterica a que o Ocidente se expocircs que merecem uma particular atenccedilatildeo dadas as suas estreitas relaccedilotildees com a Hermenecircutica e a Filosofia (PEREIRA 1994 p 6)

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo

consideradas subaacutereas de conhecimento filosoacutefico entendemos que para discutir bem o problema da argumentaccedilatildeo precisamos de uma discussatildeo profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retoacuterica no debate de ideias

A histoacuteria da Retoacuterica foi de fato a de uma laquorestriccedilatildeo generalizadaraquo na expressatildeo de G Genette ou de uma laquoextinccedilatildeo progressivaraquo segundo R Barthes ateacute se confundir com uma teoria dos tropos se recordarmos que a queda da cidade democraacutetica arrastou consigo a morte da intervenccedilatildeo poliacutetica da Retoacuterica e forccedilou o seu exiacutelio esteacutetico de cuja impotecircncia brotou a figura de uma laquoeloquentia tacensraquo embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retoacuterica judiciaacuteria e epidiacutectica respectivamente Expressotildees

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Oratoacuteria e Retoacuterica

como laquorenascimentoraquo ou laquoreabilitaccedilatildeo da Retoacutericaraquo laquoRhetorica redivivaraquo laquoRhetoric revaluedraquo laquoreturn of Rhetoricraquo laquoRhetoric resituatedraquo etc natildeo soacute repotildeem a Retoacuterica na raiz histoacuterica de muitas disciplinas modernas mas fazem dela um laquopotencial sugestivoraquo para a reformulaccedilatildeo da problemaacutetica do homem contemporacircneo embora se reconheccedila com P Ricoeur que a sua existecircncia como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos coleacutegios em meados do seacutec XIX A Retoacuterica de Aristoacuteteles foi uma teoria da argumentaccedilatildeo que se articulava com a sua vizinha loacutegica da demonstraccedilatildeo e com a filosofia uma teoria da elocuccedilatildeo e uma teoria da composiccedilatildeo do discurso Com a sua reduccedilatildeo tradicional a uma simples teoria da elocuccedilatildeo e depois a uma teoria dos tropos a Retoacuterica perdeu o laccedilo que a prendia agrave Filosofia e tornou-se laquouma disciplina erraacutetica e fuacutetilraquo O esquema da Retoacuterica de Aristoacuteteles representou a racionalizaccedilatildeo de uma disciplina que se propusera reger todos os usos da palavra puacuteblica sobretudo o seu poder de decisatildeo e o seu domiacutenio no tribunal na assembleia poliacutetica no elogio e no panegiacuterio O poder de dispor dos homens mediante o domiacutenio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de seduccedilatildeo e mentira a histoacuteria do discurso humano A loacutegica da verossimilhanccedila aparecia como uma soluccedilatildeo de recurso para uma Retoacuterica ferida de substancial ambiguidade As suas provas natildeo se regem pela loacutegica da necessidade mas do verossiacutemil e do contingente porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias natildeo obedecem aos quadros riacutegidos de uma axiomaacutetica dogmaacutetica O grande meacuterito de Aristoacuteteles foi ter elaborado o laccedilo entre o conceito retoacuterico de persuasatildeo e o conceito loacutegico de verossiacutemil e ter construiacutedo sobre esta relaccedilatildeo o edifiacutecio inteiro de uma Retoacuterica filosoacutefica (PEREIRA 1994 p 7)

Assim a retoacuterica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo Ao retomarmos o estudo dos gregos percebemos o grande valor desta na construccedilatildeo dos argumentos filosoacuteficos

Deste modo a oratoacuteria grega surge como um modo de exposiccedilatildeo de conceitos e definiccedilotildees que permitem o entendimento das grandes questotildees filosoacuteficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiaacuteveis

Sabemos que a discussatildeo filosoacutefica somente eacute possiacutevel se considerarmos a existecircncia de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias Eis que a retoacuterica para vocecirc estudante eacute uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se vocecirc quiser transmitir com qualidade a sua mensagem Por isso a importacircncia da retoacuterica eacute substancial na organizaccedilatildeo e difusatildeo de um discurso elaborado e de boa qualidade

A Retoacuterica partilha com a Poeacutetica e a Hermenecircutica o terreno do discurso articulado em configuraccedilotildees mais extensas do que a frase ou unidade miacutenima em que algueacutem diz algo a algueacutem sobre alguma coisa realizando a triacuteplice mediaccedilatildeo entre homem e mundo homem e outro homem e homem e si-mesmo O discurso retoacuterico eacute o mais antigo discurso racional hiperfraacutestico do Ocidente nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no seacutec VI aC mas dominado pela ambiccedilatildeo de cobrir o campo inteiro

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

do uso discursivo da linguagem Por isso o modelo retoacuterico de argumentaccedilatildeo pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razatildeo praacutetica (moral direito poliacutetica) e do campo inteiro da Filosofia Orientada para o ouvinte a argumentaccedilatildeo retoacuterica eacute uma teacutecnica de persuasatildeo em que dizer eacute fazer eacute conquistar o assentimento do auditoacuterio e por isso o discurso retoacuterico eacute ilocutoacuterio e perlocutoacuterio Neste caso a argumentaccedilatildeo natildeo inova porque o orador se adapta agrave temaacutetica das ideias admitidas limitando-se a transferir para as conclusotildees a adesatildeo concedida agraves premissas e desenvolvendo teacutecnicas intermediaacuterias sempre em funccedilatildeo da adesatildeo efetiva ou presumida do auditoacuterio A vulnerabilidade do discurso retoacuterico estaacute patente pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar do acordo preacutevio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos da arte de agradar para a arte de seduzir do discurso da constituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade e da sua identidade para a perversatildeo do discurso ideoloacutegico No iniacutecio da deacutecada de 80 falava-se da marcha imparaacutevel da Retoacuterica que invadia a Estiliacutestica Estrutural a Teoria do Texto e da Literatura e a Semacircntica Linguiacutestica enquanto as Ciecircncias Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influecircncias marcantes da Retoacuterica regressada para os mais entusiastas do exiacutelio apoacutes a caluacutenia de que teria sido viacutetima (PEREIRA 1994 p 8)

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retoacuterica e da

oratoacuteria existem outros tantos que reconhecem seu caraacuteter imprescindiacutevel na elaboraccedilatildeo e exposiccedilatildeo de textos filosoacuteficos e teoloacutegicos Ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve ficar bem explicado que haacute um meacutetodo que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulaccedilotildees retoacutericas de todo o pensamento ocidental Pereira (1994) reconhece essa influecircncia e explica o problema de maneira bastante detalhada

A filosofia de Protaacutegoras eacute uma fundamentaccedilatildeo da Retoacuterica pois o laquohomo mensuraraquo enquanto laquohomo loquensraquo condensa a Antropologia da Retoacuterica em que o acordo eacute realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades praacuteticas de cooperaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo porque faltam no ponto de vista bioloacutegico laquoregulaccedilotildees preacuteviasraquo e laquoestruturas de adaptaccedilatildeoraquo e esta falha natildeo pode ser compensada com ecircxito por evidecircncias teoacutericas e normativas nem por mecanismos de coaccedilatildeo poliacutetica A Sofiacutestica como resposta agrave crise provocada pela perda de crenccedila nas grandes narraccedilotildees coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicaccedilatildeo linguiacutestica sem qualquer referente real mas com poder de decidir do sentido da realidade Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor deixou a Retoacuterica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassaacutevel e jamais definitiva mas sempre convencional e provisoacuteria Com o laquolinguisticturnraquo proveniente da Filosofia Analiacutetica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L Wittgenstein a linguagem deixou de ser mera expressatildeo da consciecircncia mas o acontecimento da proacutepria consciecircncia cuja estruturaccedilatildeo linguiacutestica se tornou objeto da reflexatildeo filosoacutefica Enquanto J Habermas soacute no comeccedilo dos anos 80 realizou a sua viragem linguiacutestica tomando por modelo de accedilatildeo comunicativa

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a concepccedilatildeo de linguagem de K Buehler os estudos realizados por K O Apel nos anos 50 prepararam jaacute a transformaccedilatildeo linguiacutestico-hermenecircutica do Kantismo e a sua tese de habilitaccedilatildeo intitulada A Ideia de Linguagem na Tradiccedilatildeo do Humanismo de Dante ateacute Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova laquoPrima Philosophiaraquo que substituiacutea a velha Ontologia por ser a radicalizaccedilatildeo da criacutetica kantiana do conhecimento e a sua transformaccedilatildeo em criacutetica da linguagem que eacute uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicaccedilatildeo sem exclusotildees nem repressotildees A valorizaccedilatildeo da Sofiacutestica e da Retoacuterica natildeo reprimiu a consciecircncia dos perigos dos equiacutevocos histoacutericos do discurso retoacuterico e por isso K O Apel distingue da Retoacuterica da persuasatildeo psicoloacutegica a Retoacuterica da convicccedilatildeo cuja loacutegica de argumentaccedilatildeo pragmaacutetica permite reconstruir idealmente as condiccedilotildees de um consenso verdadeiro e universalizaacutevel ou do auditoacuterio universal segundo a terminologia de Ch Perelman Na comunicaccedilatildeo argumentativa de J Habermas eacute indissoluacutevel a vinculaccedilatildeo de teoria e praacutexis pois a ciecircncia natildeo eacute neutra mas orientada por determinados interesses que satildeo as suas condiccedilotildees transcendentais de possibilidade J Habermas apropriou-se de uma divisatildeo do saber que em 1929 Max E Scheler propusera na sua obra Visatildeo Filosoacutefica de Mundo laquosaber de domiacutenioraquo laquosaber formativoraquo e laquosaber salvadorraquo (PEREIRA 1994 p 50-51)

O caminho percorrido pela retoacuterica referenciado anteriormente mostra as variaccedilotildees entre teoria e praacutetica ao longo dos seacuteculos no Ocidente Com efeito as variaccedilotildees apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes agrave argumentaccedilatildeo

Oratoacuteria e Retoacuterica TeoloacutegicaA retoacuterica e a oratoacuteria teoloacutegica natildeo satildeo muito diferentes da retoacuterica e oratoacuteria

filosoacutefica mas o objetivo eacute outro Se a retoacuterica filosoacutefica se propotildee ao debate de ideias e sua contraposiccedilatildeo para produzir um debate e uma estrutura dialeacutetica a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento Para construir um argumento que convenccedila a plateia o orador deve observar alguns criteacuterios Reboul (apud SEGUNDO 2006 p 75)

[] pontua as cinco caracteriacutesticas que diferenciam fundamentalmente a demonstraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo1 nesta o discurso sempre se dirige a um auditoacuterio que para Reboul eacute sempre particular de modo que o auditoacuterio universal se constitui apenas em uma pretensatildeo abstraccedilatildeo ou ideal argumentativo 2 aleacutem disso a argumentaccedilatildeo expressa-se em liacutengua natural sofrendo as consequecircncias de sua opacidade

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

3 por trabalhar com o verossiacutemil as premissas argumentativas nunca satildeo verdades propriamente ditas o que demanda uma relaccedilatildeo interpessoal de confianccedila atenccedilatildeo e reconhecimento de autoridade da parte do auditoacuterio em relaccedilatildeo ao orador 4 nesse sentido a progressatildeo dos argumentos depende do orador que procuraraacute ordenaacute-los de modo a satisfazer as condiccedilotildees de persuasatildeo projetadas por ele acerca daquele auditoacuterio 5 por conseguinte as conclusotildees tornam-se sempre contestaacuteveis jaacute que o auditoacuterio pode rejeitaacute-las ou aceitaacute-las mediante seu julgamento Consequentemente natildeo cabe na argumentaccedilatildeo isolar razatildeo e emoccedilatildeo As duas caminham necessariamente juntas na medida em que crenccedilas satildeo intrinsecamente afetivas e afetaratildeo o julgamento e a conclusatildeo independentemente do caminho racional da disposiccedilatildeo argumentativa apresentada (SEGUNDO 2006 p 75)

Desta maneira a principal diferenccedila presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teoloacutegicas em questatildeo Por isso a verdade teoloacutegica transmitida pela chamada oratoacuteria e retoacuterica teoloacutegica deve levar o interlocutor ao convencimento Neste aspecto o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem

A vocecirc estudante da disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ficar claro que na teologia natildeo podem ser produzidas questotildees que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem soluccedilatildeo Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposiccedilotildees sobre aquilo que a dimensatildeo teoloacutegica abarca e o que escapa a este modo de pensar Citamos na sequecircncia um exemplo de discurso para que vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica entenda como podemos interpretar os diversos significados A discussatildeo toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte

Figura 1 ndash Exemplo de discurso tirinha Mafalda

Fonte Disponiacutevel em lthttpastroptorgblogwp-contentuploads201201Mafalda1jpggt Acesso em 10 jul 2017

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Observamos que a discussatildeo natildeo possui nenhum argumento empiacuterico que sustente a possibilidade evocada mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor

Na teologia observamos uma terminologia proacutepria que o indiviacuteduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer vejamos um exemplo

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica Jesus lhe responde com outra pergunta ldquoQue estaacute escrito na Lei Como interpretasrdquo - que embora de forma impliacutecita estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princiacutepios da sagrada Lei de Deus Inquirido o inteacuterprete da Lei respondeu ldquoAmaraacutes o Senhor teu Deus de todo o teu coraccedilatildeo de toda a tua alma com toda a tua forccedila e de todo o teu entendimento e a teu proacuteximo como a ti mesmordquo A resposta evidencia uma correlaccedilatildeo de dois textos mosaicos Deuteronocircmio 6 5 e Leviacutetico 19 18 Utilizados assim permitem ao inteacuterprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essecircncia de toda a religiatildeo Ao findar o primeiro instante do debate Jesus respondeu de maneira notaacutevel agrave pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar ldquoRespondeste corretamente faze isto e viveraacutesrdquo O verbo grego ποιέω comumente traduzido por ldquofazerrdquo ldquopraticarrdquo encontra-se nesse versiacuteculo no particiacutepio imperfeito ποίει expressando dessa forma uma ideia de accedilatildeo constante de praacutetica vitaliacutecia Com efeito a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergecircncia entre ortodoxia e ortopraxia A premissa teoloacutegica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e concomitantemente com o evangelho de Jesus Entretanto o cerne da questatildeo era Seraacute que este inteacuterprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo A disposiccedilatildeo cognitiva deste doutor era excelente no entanto seu desempenho ainda era questionaacutevel Ao analisar essa paraacutebola Joachim Jeremias afirma O fato de Jesus surpreendentemente remetecirc-lo ao agir como sendo a vida para a vida deve se entender a partir igualmente desta situaccedilatildeo concreta todo o conhecimento teoloacutegico de nada serve se o amor para com Deus e para com o proacuteximo natildeo determinar a direccedilatildeo da vida A proposta filosoacutefica da eacutetica da alteridade encontra profundas raiacutezes nesta premissa teoloacutegica Eacute inevitaacutevel a identificaccedilatildeo do projeto filosoacutefico levinasiano com a Lei de Moiseacutes uma vez que Levinas fora instruiacutedo em um contexto marcado por um profundo espiacuterito de dedicaccedilatildeo agrave Lei Nilo Ribeiro Juacutenior ao descrever a relaccedilatildeo entre Levinas e as Escrituras sublinha que ldquoo ponto de partida do pensamento filosoacutefico levinasiano eacute a Escritura considerada como fonte natildeo filosoacutefica da filosofiardquo Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profeacutetico de amor a Deus e ao proacuteximo Essa nova concepccedilatildeo da tarefa da filosofia rompeu com a claacutessica definiccedilatildeo da filosofia enquanto ldquoamor agrave sabedoriardquo estabelecendo-a como ldquosabedoria de amarrdquo Em Levinas a verdadeira sabedoria natildeo consiste em uma reflexatildeo teoreacutetica ou mesmo em um vil conhecimento cientiacutefico que tende a reduzir os sujeitos a objetos mas consiste em uma vivecircncia de amor compassivo que se faz responsabilidade pelo outro como expressatildeo radical do amor a Deus e escopo do ser humano Dessa forma toda a reflexatildeo levinasiana eacute um postulado do amor proposto pela Lei mosaica interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON ALMEIDA 2016 p 51-52)

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Deste modo o teoacutelogo articula uma sequecircncia teoloacutegica de argumentos com um pensamento filosoacutefico de um autor contemporacircneo tomando o cuidado de complementar as ideias

Por isso a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica possuem forte inclinaccedilatildeo ao convencimento e agrave persuasatildeo que dependem sobretudo do caraacuteter e da formaccedilatildeo do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos Em outras palavras a formaccedilatildeo moral dos dirigentes religiosos padres pastores e outros precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito

Moral e Retoacuterica Aspectos Fundamentais

A relaccedilatildeo entre moral e retoacuterica eacute uma das questotildees muito importantes para vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica pois eacute uma questatildeo que implica na exposiccedilatildeo dos argumentos Antes de detalharmos o problema da moral precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicaccedilatildeo de fenocircmenos e de seus signos e representaccedilotildees

Das narraccedilotildees miacuteticas chegaram-nos as metaacuteforas da morada e do caminho da retidatildeo da vida e da erracircncia e foi ainda em termos de ecircxodo que I Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova eacutepoca da razatildeo laquoAufklaerung eacute a saiacuteda do homem da sua menoridade culpaacutevelraquo Esta libertaccedilatildeo da casa-prisatildeo da razatildeo menor teve uma provocante traduccedilatildeo na secularizaccedilatildeo dos quatro sentidos da Escritura em vez do sentido literal ou histoacuterico da realidade a posiccedilatildeo transcendental constituinte de objetos para noacutes com a suspensatildeo da inatingiacutevel coisa-em-si em vez do sentido tropoloacutegico ou moral inseparaacutevel da teologia a pergunta eacutetica racional pelo que eu devo fazer em vez do sentido alegoacuterico ou simboacutelico a pergunta da razatildeo pelo que se pode humanamente conhecer em vez do sentido anagoacutegico ou miacutestico a pergunta racional pelo que se pode esperar A maioridade da razatildeo estaacute na reduccedilatildeo de todas as perguntas agrave pergunta pelo homem e consequentemente de todas as respostas a proposiccedilotildees racionais dentro dos limites humanos do conhecer do agir e do esperar Apoacutes a eliminaccedilatildeo kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploraccedilatildeo dentro da filosofia da vida da linguagem enquanto notificadora de vivecircncias do sujeito G Frege distinguiu em 1892 na concepccedilatildeo global de sentido dois momentos o do sentido propriamente dito e o da relaccedilatildeo agraves coisas que a versatildeo francesa traduziu por laquodenotaccedilatildeoraquo e a inglesa por laquoreferecircnciaraquo Agrave distinccedilatildeo entre a realidade material e as dimensotildees psicoloacutegica loacutegica e referencial do signo G Frege acrescentou que natildeo eacute o ato do intelecto mas o signo que pelo sentido e pela referecircncia realiza a verdade como adequaccedilatildeo ou tracircnsito do sentido para a referecircncia modelarmente realizado pelas ciecircncias (PEREIRA 1994 p 23)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relaccedilatildeo agrave linguagem e o alcance de seus discursos retoacutericos Conforme entende Reboul (2004) a retoacuterica e a oratoacuteria possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variaccedilotildees natildeo haacute evoluccedilatildeo no pensamento filosoacutefico retoacuterico Eacute a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento

Neste sentido a moral (Kant) do orador ou seja as virtudes morais do orador satildeo importantes para que se possa produzir um modo de exposiccedilatildeo adequado das ideias ou argumentos

A questatildeo da autoridade moral ligada agrave pessoa do orador se recoloca em um primeiro sentido trata-se realmente dos seus caracteres reais Assim Bourdaloue afirma que ldquo1 o orador convenceraacute por argumentos se para bem dizer ele comeccedilar por pensar bem 2 Ele agradaraacute pelos seus modos se para pensar bem ele comeccedilar por bem viverrdquo Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espiacuteritos No entanto Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retoacutericas de Gibert de Crevier e de outros para mostrar que a questatildeo da moralidade natildeo elidia nos claacutessicos a ideia de uma construccedilatildeo do orador pelo seu discurso Eacute o sentido dos ldquocaracteres oratoacuteriosrdquo ou imagem produzida pelo discurso a ser distinguido dos caracteres reais Distinguimos caracteres oratoacuterios de caracteres reais Isso natildeo apresenta dificuldades pois quer algueacutem efetivamente honesto quer seja piedoso religioso modesto justo faacutecil no conviacutevio com o mundo ou ao contraacuterio quer seja corrompido [] aqui estaacute o que chamamos caracteres reais Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso isso se chama caracteres oratoacuterios quer ele seja tal como pareccedila ser quer pareccedila mesmo sem o ser Pois pode-se mostrar algo sem secirc-lo e pode-se natildeo parecer tal e ainda assim o ser pois isso depende da maneira como se fala A preocupaccedilatildeo com a moral impede a dissociaccedilatildeo clara dos dois planos assim distinguidos Gibert nota que os caracteres ldquomarcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o oradorrdquo Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais claacutessicos que a eficaacutecia do discurso deriva claramente dos caracteres oratoacuterios e natildeo dos caracteres reais Eacute interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma anaacutelise do ethos definido como a construccedilatildeo de uma imagem de si correspondente agrave finalidade do discurso (AMOSSY 2005 p 18)

Com efeito a moral do orador ou da retoacuterica natildeo eacute regra aplicada aos outros mas a vocecirc que deseja ser um bom expositor de pensamentos Eacute fundamental a intenccedilatildeo do orador se sua intenccedilatildeo eacute ludibriar convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais Na retoacuterica de nossos dias muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexatildeo mais profunda

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Uma teoria do ethos fundada na uniatildeo entre a retoacuterica e a narratologia foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W Halsal para a ldquonarrativa pragmaacuteticardquo Ela se funda no exame da concepccedilatildeo aristoteacutelica de autoridade aplicada a uma questatildeo frequentemente debatida na poeacutetica da narrativa a da credibilidade do narrador A escola americana do ldquoponto de vistardquo iniciada por Percy Lubbock a narratologia de Kaumlte Hamburguer e de Doritt Cohn as taxionomias de Geacuterard Genette e de Mieke Bal fornecem noccedilotildees (como a voz e o modo narrativos a focalizaccedilatildeo) e as distinccedilotildees (entre autornarradorpersonagem e tambeacutem entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questatildeo da imagem do locutor no quadro especiacutefico da narraccedilatildeo Halsall combina esses dados com os fornecidos natildeo soacute pela Retoacuterica mas tambeacutem pela Poeacutetica de Aristoacuteteles para ver como e em que condiccedilotildees o enunciador parece confiaacutevel aos olhos do leitor Ao fazecirc-lo Halsall reformula a problemaacutetica do ldquonarrador digno de confianccedilardquo em termos greimasianos de ldquocontrato fiduciaacuteriordquo Toda comunicaccedilatildeo estaacute fundada em uma confianccedila miacutenima entre os protagonistas e cabe a uma retoacuterica narrativa segundo o autor determinar como ldquoa enunciaccedilatildeo contribui para criar no enunciataacuterio uma relaccedilatildeo de confianccedila fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencerrdquo O interesse pela narrativa proveacutem segundo Halsall da complexidade e frequentemente da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas De fato o ponto de vista e a voz do personagem natildeo remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegeacutetico A autoridade acordada a um ou a outro natildeo eacute natural e deve ser negociada As diferentes possibilidades satildeo o apanaacutegio do narrador que se manteacutem fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual por exemplo) e do narrador intradiegeacutetico (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar) Entretanto a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar oferecendo assim numerosos casos de indefiniccedilatildeo acerca da confiabilidade do enunciador e consequentemente do sentido do enunciado A narrativa pragmaacutetica que visa a persuadir tende a reduzir ao maacuteximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso Nessa oacutetica Halsall examina as diferentes figuras que a retoacuterica coloca agrave disposiccedilatildeo da narraccedilatildeo para assegurar a autoridade do narrador O autor as divide seguindo Aristoacuteteles em dois grupos o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos e o dos argumentos internos ao discurso Na primeira categoria ele agrupa o apelo aos princiacutepios atestados ou apodeixis (a nota aforiacutestica) o proveacuterbio ou a sentenccedila o apelo agrave proacutepria experiecircncia ou martyria as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc A segunda categoria compreende o panegiacuterico dos ouvintes (comprobatio) a declaraccedilatildeo de boas intenccedilotildees (eucharistie) etc Outras figuras pertencem ao pathos a simulaccedilatildeo de submissatildeo (philophronegravese) e o eulogie ou becircnccedilatildeo A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptaacute-las agraves estrateacutegias narrativas Halsall o demonstra em diversas narrativas literaacuterias entre as quais O uacuteltimo dia de um condenado de Victor Hugo (AMOSSY 2005 p 20-22)

Essa teoria que une a retoacuterica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada Natildeo basta um modelo estiliacutestico eacute preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt paacutegina 25 a 26 e explique o que vocecirc entende sobre a possibilidade de uma retoacuterica integrada agrave linguiacutestica Explique com suas palavras

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Argumentaccedilatildeo Pedagoacutegica Filosoacutefica

A argumentaccedilatildeo retoacuterica pode ser pedagoacutegica ou filosoacutefica Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica eacute aquela que produz um efeito educativo quer constranger o outro indiviacuteduo a seguir aquilo que estaacute sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI 2012) Jaacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica eacute aquela em que se prioriza a exposiccedilatildeo de ideias e que implica necessariamente em um debate ou na exposiccedilatildeo linear e concatenada de argumentos

Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte Com efeito para falarmos de uma retoacuterica e de uma oratoacuteria pedagoacutegica precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas

A Pedagogia Retoacuterica por conseguinte ressaltou especialmente o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores Por essa razatildeo era por natureza canocircnica Segundo Burton (1994 p 96) a Pedagogia Retoacuterica repousa numa iacutentima relaccedilatildeo entre leituraescrita e observaccedilatildeocomposiccedilatildeo Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas anaacutelise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecaccedilatildeo do texto modelo praelectio) e gecircnese A observaccedilatildeo de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiccediloa a fala e a escrita Assim o incentivo agrave leitura natildeo se deve somente agrave busca do conteuacutedo mas tambeacutem agrave busca de teacutecnicas e estrateacutegias uacuteteis Tais teacutecnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes atraveacutes de vaacuterios tipos de exerciacutecios de imitaccedilatildeo ndash

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Imitatio Esse termo imitatiomiacutemesis (imitaccedilatildeo) em sua origem refere-se agrave accedilatildeo ou faculdade de imitar de copiar de reproduzir ou representar a natureza o que para Aristoacuteteles eacute o fundamento da arte Entretanto a imitatio natildeo eacute exclusividade da gecircnese da arte Toda accedilatildeo humana inclui procedimentos mimeacuteticos a aptidatildeo do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitaccedilatildeo Desse modo Aristoacuteteles defendia que eacute a miacutemesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1 IV) Portanto a imitatio eacute sem duacutevida o maior pilar da Pedagogia Retoacuterica Outra concepccedilatildeo basilar para a Retoacuterica eacute a divisatildeo entre ldquoo que eacuterdquo comunicado por meio da linguagem e ldquocomordquo isso eacute comunicado a distinccedilatildeo entre forma e conteuacutedo ndash para Aristoacuteteles logos e lexis res e verba para Quintiliano bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luiacutes Vives Essa divisatildeo embora questionaacutevel e questionada ndash jaacute que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisiacutevel da expressatildeo verbal e das ideias ndash eacute muito uacutetil se entendida como um artifiacutecio para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retoacuterica na qual a praacutetica da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteuacutedo (SOUKI 2012 p 2)

Nesse sentido o sujeito que utiliza da argumentaccedilatildeo pedagoacutegica sempre se preocupa em expor um argumento para algueacutem e como consequecircncia quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor

Se a opccedilatildeo do orador for utilizar argumentaccedilatildeo filosoacutefica deve ficar claro que o sujeito supotildee uma oposiccedilatildeo de argumentos ou uma exposiccedilatildeo com sequecircncia loacutegica e com uma finalidade de expor as ideias natildeo necessariamente o convencimento

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposiccedilatildeo de argumentos Vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ter em mente essa distinccedilatildeo para escolher o modo adequado de argumentaccedilatildeo

Eacute importante recordar alguns pontos fundamentais da retoacuterica e da oratoacuteria para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela

Embora se deva a Hermaacutegoras o mais antigo tratamento dos estudos retoacutericos foi Ciacutecero que efetivamente legou para a posteridade essa divisatildeo dos estudos retoacutericos como os Cacircnones da Retoacuterica (Ciacutecero De Inuentione 17 Ciacutecero De Oratore 131-142 Quintiliano Institutio Oratoria 33) Foram organizados em cinco categorias invenccedilatildeo (Inuentio) arranjo (Dispositio) estilo (Elocutio) memoacuteria (Memoria) e apresentaccedilatildeoperformance (Pronuntiatio) Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a criacutetica do discurso e portanto se configuravam em um padratildeo para a educaccedilatildeo retoacuterica e para o ensino da gecircnese dos discursos Particularmente o cacircnone heuresisinuentio que significa descoberta de fontes para a persuasatildeo discursiva estaacute latente em todo problema retoacuterico O proacuteprio termo latino

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Oratoacuteria e Retoacuterica

inuentio do grego heuresis em portuguecircs significa invenccedilatildeo ou descoberta Esse cacircnone foi na antiguidade um dos processos mais teorizados por estudiosos retoacutericos da eacutepoca principalmente por Aristoacuteteles que definia a Retoacuterica como invenccedilatildeo Por isso a categoria invenccedilatildeo estaacute relacionada agrave essecircncia da persuasatildeo e argumentaccedilatildeo dessa arte milenar Para ele a Retoacuterica era uma das melhores formas de persuasatildeo (ARISTOacuteTELES Retoacuterica I 2) A Retoacuterica pode ser considerada uma disciplina praacutetica cujos preceitos se datildeo a partir de ferramentas a serem aplicadas na praacutetica E como a Retoacuterica na antiguidade natildeo dispunha de uma mateacuteria proacutepria os oradores tinham como meacuterito poder falar sobre qualquer assunto Na praacutetica entretanto os discursos eram para os oradores um desafio Isso na medida em que era necessaacuterio propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender Como preconizava Ciacutecero aleacutem do gecircnio inato era necessaacuterio ao orador o meacutetodo isto eacute a Retoacuterica para entatildeo buscar os melhores argumentos Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retoacuterica jaacute estaria em vantagem e que na falta dele era imperioso ao orador buscar artifiacutecios para descobrir argumentos Nesse caso a invenccedilatildeo ou heuresisinuentio era o meacutetodo para demarcar a descoberta desses argumentos Dessa maneira eacute fundamental nesta parte salientar os dois grandes tipos de argumentos de acordo com Aristoacuteteles Satildeo os seguintes os natildeo retoacutericos e os retoacutericos Os primeiros natildeo faziam parte da Retoacuterica eram argumentos externos agrave arte Os oradores ao utilizaacute-los natildeo necessitavam inventaacute-los descobri-los Dessa maneira precisavam apenas localizaacute-los e adequaacute-los ao discurso Acontece entre outros processos por meio do raciociacutenio loacutegico Por sua vez ocorre por induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentaccedilatildeo ou seja a utilizaccedilatildeo dos argumentos natildeo retoacutericos jaacute que se faz importante conhececirc-los compreendecirc-los e entatildeo utilizaacute-los adequadamente quando conveniente (SOUKI 2012 p 4)

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um

pensamento eacute a capacidade que iraacute distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um puacuteblico Desta maneira conforme jaacute apontou Soacutecrates devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a anaacutelise dos argumentos

A parte do diaacutelogo platocircnico apresentada na sequecircncia permite a vocecirc estudante um entendimento e uma aproximaccedilatildeo detalhada de um discurso retoacuterico refinado

Estrangeiro mdash Logo se haacute discurso verdadeiro e discurso falso e o pensamento se nos revelou como conversaccedilatildeo da alma consigo mesma e opiniatildeo como a conclusatildeo do pensamento vindo a ser o que designamos pela expressatildeo imagino uma mistura de sensaccedilatildeo e opiniatildeo forccediloso eacute que algumas sejam falsas dadas suas afinidades com o discursoTeeteto mdash Sem duacutevidaEstrangeiro mdash Como jaacute percebeste apanhamos mais depressa do que esperaacutevamos a falsa opiniatildeo e o falso discurso pois natildeo faz muito tiacutenhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizaacutevel

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Teeteto mdash Jaacute percebi realmenteXLVIII mdash Estrangeiro mdash Por isso natildeo desanimemos ante o que ainda nos falta realizar e jaacute que conseguimos chegar ateacute aqui voltemos a tratar de nosso processo de divisatildeoTeeteto mdash Que divisatildeoEstrangeiro mdash Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens a da coacutepia e a dos simulacrosTeeteto mdash CertoEstrangeiro mdash E tambeacutem nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delasTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash E no auge de nossa confusatildeo trevas ainda mais densas nos envolveram com apresentar-se-nos o argumento de contestaccedilatildeo universal de que natildeo existe absolutamente nem coacutepia nem simulacro visto natildeo ser possiacutevel haver seja onde for qualquer espeacutecie de falsidadeTeeteto mdash Falaste com muito acertoEstrangeiro mdash Poreacutem uma vez provada a existecircncia de falsos discursos e de opiniotildees falsas eacute possiacutevel que haja imitaccedilatildeo dos seres e que dessa disposiccedilatildeo do espiacuterito nasccedila uma arte da falsidadeTeeteto mdash Eacute possiacutevel (PLATAtildeO 1980a p 66)

Cabe ao estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caraacuteter e a suas convicccedilotildees pessoais para explicar e expor uma mensagem teoloacutegica filosoacutefica ou de outra ordem

Figuras de Pensamento e Figuras de Construccedilatildeo

As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL 2004) Desta maneira podemos falar de simples comparaccedilotildees que satildeo simplesmente cotidianas em nossos argumentos Podemos falar tambeacutem de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que satildeo muito comuns em meios juriacutedicos para suavizar determinados atos Merecem menccedilatildeo ainda os eufemismos linguiacutesticos que querem suavizar uma situaccedilatildeo insuportaacutevel Entre outros podemos falar ainda de argumentos comparativos indicativos ambiacuteguos literais e impliacutecitos

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento o efeito resultante seraacute condicionado agrave amplitude da possibilidade que este tiver Por exemplo para convencer um determinado puacuteblico o orador escolhe um argumento indicativo e direto O resultado estaacute condicionado ao niacutevel da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou natildeo no convencimento mas o tipo do argumento eacute o principal determinante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Agumas ConsideraccedilotildeesOs aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como

a retoacuterica e a oratoacuteria no decorrer da histoacuteria do conceito se desenvolveram E conforme aponta Reboul (2004) natildeo existe uma evoluccedilatildeo positivista na construccedilatildeo dos argumentos

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retoacuterica e da

oratoacuteria com periacuteodos de destaque e outros de esquecimento Deve ficar claro que tanto a retoacuterica construccedilatildeo de argumentos quanto a oratoacuteria exposiccedilatildeo destes satildeo componentes do cotidiano de nossas existecircncias

ReferecircnciasAMOSSY Ruth Da noccedilatildeo retoacuterica de ethos agrave anaacutelise do discurso Imagens de si no discurso a construccedilatildeo do ethos Satildeo Paulo Contexto p 9-28 2005 Disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt Acesso em 12 jun 2017

CHACON Almeida Deus no Outro a noccedilatildeo cristatilde de espiritualidade e sua interface com a eacutetica da alteridade Revista Eletrocircnica Espaccedilo Teoloacutegico Vol 10 n 18 juldez 2016 p 48-60 Disponiacutevel em lthttprevistaspucspbrindexphpreveleteogt Acesso em 15 jun 2017

PLATAtildeO Fedro Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980a

_______ Goacutergias Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980b

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

PEREIRA M P Retoacuterica hermenecircutica e filosofia Revista filosoacutefica de Coimbra n 5 v 3 1994 pp 5-70 Disponiacutevel em lthttpwwwucptflucdfcipublicacoesretorica__hermeneutica_e_filosofiagt Acesso em 10 jun 2017

SEGUNDO P R G Resenha de Olivier Reboul Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

SOUKI J D O Argumentaccedilatildeo a pedagogia retoacuterica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva 2012 Disponiacutevel em lthttprevistaarnaldocostatecscombrindexphpfaculdadedireitoarnaldoarticledownload2014gt Acesso em 13 jun 2017

CAPIacuteTULO 4

Implicaccedilotildees da Retoacuterica

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Escolher argumentos e formas de oratoacuteria para alguns grupos de pessoas

Diferenciar as hipoacuteteses de teses e posturas retoacutericas acerca de um tema

Construir um argumento retoacuterico que convenccedila

Formular uma oratoacuteria para um determinado puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo procuramos apresentar a vocecirc estudante de oratoacuteria e

retoacuterica uma reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequecircncias destas escolhas

Implicaccedilotildees do ArgumentoQuando enunciamos um argumento devemos saber quais as devidas

implicaccedilotildees do que estamos expondo Ao apresentarmos um determinado argumento devemos saber de suas fontes se ele tem ou natildeo alguma relaccedilatildeo com a verdade no sentido platocircnico que remete agrave epistemologia dos fatos ou se eacute uma mera suposiccedilatildeo do intelecto que produz determinadas situaccedilotildees como fruto de nossa imaginaccedilatildeo

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenios ele natildeo pode ser um enunciado vazio sem coerecircncia interna Para que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica entenda o que estaacute sendo dito daremos alguns exemplos

Exemplo (a) Soacutecrates eacute homem Todos os homens satildeo mortais Logo Soacutecrates eacute mortal (b) Vovoacute se chama Ana Vovocirc se chama Luacutecio Consequentemente eu me chamo Ana Luacutecia (c) Haacute exatamente 136 caixas de laranja no depoacutesito Cada caixa conteacutem pelo menos 140 laranjas Nenhuma caixa conteacutem mais do que 166 laranjas Deste modo no depoacutesito estatildeo pelo menos seis caixas contendo o mesmo nuacutemero de laranjas (VIANA 2012 p 4)

Natildeo queremos entrar em detalhes loacutegicos formais dos argumentos pois o

estudante de oratoacuteria e retoacuterica natildeo precisa de formalidades filosoacuteficas com detalhamentos matemaacuteticos Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema os estilos e a finalidade de seu argumento

Deste modo as implicaccedilotildees de um determinado argumento satildeo mensuraacuteveis ou seja calculaacuteveis Com efeito vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silecircncio Em muitos momentos da convivecircncia humana argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada logo o silecircncio tambeacutem eacute um argumento saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado por isso citamos um texto juriacutedico para o aluno distinguir do de teologia

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica

de raciociacutenios ele natildeo pode ser um

enunciado vazio sem coerecircncia interna

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Argumentar eacute o ato de produzir argumentos Produzir um argumento eacute apresentar razotildees em defesa de uma conclusatildeo Essa natildeo eacute a uacutenica definiccedilatildeo possiacutevel do ato de argumentar Por exemplo haacute quem prefira entender argumentos como diaacutelogos isto eacute como seacuteries (mais ou menos longas) de afirmaccedilotildees objeccedilotildees e reacuteplicas Essa concepccedilatildeo ndash que poderia ser descrita como ldquodialoacutegicardquo ndash natildeo estaacute errada Ela eacute uacutetil em certos contextos e para certos propoacutesitos mas ela natildeo parece particularmente uacutetil para explicar a interlocuccedilatildeo juriacutedica Devemos adotar uma noccedilatildeo de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentaccedilatildeo juriacutedica Argumentar natildeo eacute exatamente um ato privado ou monoloacutegico (afinal argumentos juriacutedicos satildeo produzidos caracteristicamente no contexto de debates puacuteblicos) mas cada argumentador eacute responsaacutevel por seus proacuteprios argumentos Cada argumentador ao produzir um argumento apresenta as suas razotildees em defesa da sua conclusatildeo Isso natildeo quer dizer que argumentaccedilatildeo juriacutedica seja sempre competitiva ou conflituosa No ambiente acadecircmico por exemplo haacute muito espaccedilo para a colaboraccedilatildeo intelectual (SCHECAIRA 2012 p 1)

Por isso saber o alcance de um argumento e as devidas

consequecircncias eacute uma forma de o orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento adequado Atenccedilatildeo calcular as consequecircncias de seus argumentos natildeo eacute somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relaccedilatildeo utilitaacuteria eacute antes de tudo ter a sensibilidade de saber o que quando e para que serve o que estamos expondo Percebemos estas dificuldades em situaccedilotildees extremas por exemplo quando haacute uma trageacutedia ou quando haacute uma enfermidade grave em nosso meio Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando sendo que naquele momento ningueacutem tem

condiccedilotildees emocionais de escutar um argumento Consequentemente acabamos por falar em um momento em que as palavras natildeo satildeo o mais importante O contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Quantas vezes jaacute nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos

Os elementos que formam um argumento satildeo proposiccedilotildees Segundo uma compreensatildeo claacutessica proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas segundo corretamente expressem ou natildeo aquilo que ldquocorresponde aos fatosrdquo Jaacute os argumentos sendo estruturas de proposiccedilotildees natildeo satildeo passiacuteveis de verdade ou falsidade [] O seu ldquovalorrdquo epistecircmico se expressa pelas noccedilotildees de validade e relevacircncia Um argumento seraacute vaacutelido se e somente se for impossiacutevel que sua conclusatildeo seja falsa quando se assume que todas as premissas satildeo verdadeiras Com essa caracterizaccedilatildeo fica claro que somente argumentos do tipo loacutegico podem estritamente ser vaacutelidos Nos outros tipos deve-se adotar um padratildeo [] mais fraco de exigecircncia para a avaliaccedilatildeo do argumento Assim muitos filoacutesofos propuseram criteacuterios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores ou seja capazes em maior ou menor grau de conferir plausibilidade

Saber o alcance de um argumento

e as devidas consequecircncias eacute uma forma de o

orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor

bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento

adequado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

a suas conclusotildees quando se assume que suas premissas satildeo verdadeiras Um argumento seraacute dito relevante se e somente se aleacutem de vaacutelido todas as suas premissas forem de fato verdadeiras Se contiver ao menos uma premissa falsa seraacute irrelevante porque a existecircncia de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusatildeo eacute de fato verdadeira mesmo o argumento sendo vaacutelido (Um argumento vaacutelido ldquotransmiterdquo a verdade das premissas para a conclusatildeo se entre as premissas houver alguma que seja falsa sua falsidade poderaacute (mas natildeo necessariamente) ldquopassarrdquo para a conclusatildeo) (CHIBENI sd p 2)

Logo identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa iraacute contribuir para

que o estudante de oratoacuteria e retoacuterica se organize e conforme entende Reboul (2004) saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstacircncia

Atividade de Estudos

1) Indique o que vocecirc entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retoacuterica Explique com suas palavras

Se a retoacuterica com a revoluccedilatildeo romacircntica entrou em descreacutedito rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poeacuteticas se os estudos retoacutericos foram depois perdendo importacircncia sobretudo nas escolas da Europa continental tal fato natildeo significou como muitos pensaram e alguns desejaram a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 seacuteculos nem a sua exclusatildeo pelas forccedilas criadoras do gecircnio para o limbo das coisas inuacuteteis

Ao contraacuterio do que se poderia supor foi a retoacuterica em tempos de fasciacutenio pela utilidade imediata dos saberes e teacutecnicas de entre as artes da palavra aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessaacuterio e eficaz nas sociedades que ao longo do seacuteculo XX sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleraccedilatildeo histoacuterica

Com efeito se a comunicaccedilatildeo no passado era naturalmente limitada pelo espaccedilo ndash do tribunal da assembleia da igreja da praccedila puacuteblica ndash por natildeo haver maneira de propagar mais aleacutem a voz humana no nosso tempo instrumentos e teacutecnicas cada vez mais aperfeiccediloadas permitiram dar agrave palavra forccedila incoerciacutevel e eficaacutecia inaudita

Eacute verdade que haacute muito o homem vencera as barreiras do tempo por meio da escrita e lograra a propagaccedilatildeo do discurso atraveacutes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do livro impresso a retoacuterica constitui-se como arte na Greacutecia do seacuteculo V a C quando se expande o conhecimento e uso da escrita a retoacuterica renasce na Itaacutelia do Quattrocento quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg com a imprensa a retoacuterica pocircde transformar-se em retoacuterica literaacuteria Mas esse era um tempo diferido que alterava as condiccedilotildees da situaccedilatildeo comunicacional e quando em diferentes momentos e por razotildees vaacuterias a retoacuterica eacute reduzida agrave teacutecnica de anaacutelise e composiccedilatildeo perde a sua dinacircmica padecendo de letteraturazione deleita talvez ensine deixa poreacutem de impelir agrave accedilatildeo a distacircncia entre orador e ouvinte dificulta o ofiacutecio de persuadir Esse foi o tempo da retoacuterica senza microfono

O seacuteculo passado viu nascer a comunicaccedilatildeo de massas a difusatildeo do discurso escrito e oral agrave escala planetaacuteria mercecirc de poderosos meios de amplificaccedilatildeo da voz humana o meio frio da galaacutexia de Guttenberg rapidamente substituiacutedo pelos canais quentes da era de McLuhan mas viu tambeacutem como tamanho poder perverte a verdadeira comunicaccedilatildeo na poacutelis deste nosso tempo saturado de discurso e informaccedilatildeo de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983 23-56 e Verdelho 1986 139-156)

[] Na Europa a recuperaccedilatildeo da retoacuterica processou-se sobretudo a dois niacuteveis no plano filosoacutefico e no campo dos estudos linguiacutesticos e literaacuterios A filosofia haacute muito tempo que excomungara a retoacuterica Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretoacuterica que desde Platatildeo marcava o pensamento filosoacutefico A reabilitaccedilatildeo da retoacuterica neste domiacutenio inicia-se em 1952 quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletacircnea de artigos sob o tiacutetulo Rheacutetorique et Philosophie aiacute proclamam o seu propoacutesito de estudar laquoles moyens drsquoargumentation autres que ceux relevant de la logique formelle qui permettent drsquoobtenir ou drsquoaccroicirctre lrsquoadheacutesion drsquoautrui aux thegraveses qursquoon propose agrave son assentimentraquo (Lempereur 1990 117) Em 1958 sistematizam essa teoria no Traiteacute de lrsquoargumentation que apresentam como nouvelle rheacutetorique Para resolver o velho dissiacutedio entre retoacuterica e filosofia Perelman regressa agrave tradiccedilatildeo claacutessica elegendo como texto fundacional a Retoacuterica de Aristoacuteteles (SOARES 2011 p 19-22)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Os Sofistas e a Retoacuterica de HojeO nascimento da retoacuterica no Ocidente se relaciona de modo substancial com

um movimento filosoacutefico antigo que foi contemporacircneo ao pensamento platocircnico por volta do seacuteculo IV aC que foi chamado de sofista Os sofistas satildeo um grupo de pensadores da eacutepoca de Platatildeo e que natildeo acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso Logo surgiu a contenda em que Platatildeo os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade A disputa entre Soacutecrates e os sofistas descrita por Platatildeo visto que Soacutecrates nada escreveu mostra este problema da discussatildeo sobre a elaboraccedilatildeo de um discurso presente entre os gregos Passamos agora para alguns trechos do diaacutelogo Sofista de Platatildeo para evitarmos a falsa impressatildeo de que a retoacuterica e a oratoacuteria evoluiacuteram O diaacutelogo comeccedila com Soacutecrates e Teodoro um amigo da eacutepoca

I mdash Teodoro mdash Fieacuteis Soacutecrates a nossa combinaccedilatildeo de ontem aqui estamos na melhor ordem Trouxemos conosco este Estrangeiro natural de Eleia eacute amigo dos disciacutepulos de Parmecircnides e de Zenatildeo e filoacutesofo de grande merecimentoSoacutecrates mdash Natildeo se daraacute o caso Teodoro de sem o saberes teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro segundo aquilo de Homero quando diz que de regra os deuses e particularmente o que preside agrave hospitalidade acompanham os cultores da justiccedila para observarem o orgulho ou a equidade dos homens Quem sabe se natildeo veio contigo uma dessas divindades para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tatildeo fracos todos noacutes algum deus disputadorTeodoro mdash Natildeo Soacutecrates natildeo eacute do caraacuteter do nosso Estrangeiro ele eacute mais modesto do que todos esses amantes de discussotildees Natildeo acho absolutamente que o homem seja alguma divindade Poreacutem divino teraacute de ser sem duacutevida natildeo eacute outro o qualificativo que costumo dar aos filoacutesofosSoacutecrates mdash E com razatildeo amigo Poreacutem talvez a raccedila dos filoacutesofos natildeo seja por assim dizer muito mais faacutecil de conhecer do que a dos deuses Em virtude da ignoracircncia da maioria esses varotildees percorrem as cidades sob as mais variadas aparecircncias contemplando sobranceiros a vida caacute de baixo Natildeo me refiro aos pretensos filoacutesofos poreacutem aos de verdade Aos olhos de algumas pessoas eles carecem em absoluto de merecimento para outros satildeo dignos de toda a consideraccedilatildeo Ora se apresentam como poliacuteticos ora como sofistas havendo ateacute quem decirc a impressatildeo de ser completamente louco Por isso mesmo gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro caso nada tenha a opor como pensam a esse respeito laacute por suas bandas e como os denominam (PLATAtildeO 1980 p 2-3)

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou forccedila sob a fundamentaccedilatildeo retoacuterica do relativismo e das correntes filosoacuteficas que se apoiam nele Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver inaugurando a profissatildeo de professor ambulante seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade suplantando a busca da verdade da filosofia socraacutetico-platocircnica

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Oratoacuteria e Retoacuterica

E para irmos ao cerne do problema nos referimos agrave definiccedilatildeo dada por Soacutecrates no texto escrito por Platatildeo sobre os sofistas e seus estilos de argumentaccedilatildeo em defesa da natildeo existecircncia da verdade

III mdash Estrangeiro mdash Belas palavras poreacutem sobre isso tu mesmo resolveraacutes no decorrer de nossa discussatildeo No momento o que importa eacute te associares comigo para darmos iniacutecio ao nosso estudo a comeccedilar segundo penso pelo sofista investiguemo-lo e mostremos com nossa anaacutelise o que ele venha a ser Por enquanto eu e tu apenas num ponto estamos de acordo o nome Mas quanto agrave coisa designada por esse nome talvez cada um de noacutes faccedila ideia diferente Poreacutem em toda discussatildeo o que importa antes de tudo eacute ficar em concordacircncia com relaccedilatildeo agrave proacutepria coisa por meio da explicaccedilatildeo adequada natildeo apenas a respeito do nome sem aquela explicaccedilatildeo A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar natildeo eacute faacutecil de definir Mas para levar a bom termo empresas grandes segundo preceito antigo de aceitaccedilatildeo geral soacute seraacute de vantagem experimentar antes as forccedilas em temas menores e mais faacuteceis e soacute depois passar para os maiores Por isso Teeteto o que na presente situaccedilatildeo sugiro para noacutes dois jaacute que reconhecemos ser difiacutecil e trabalhosa a raccedila dos sofistas eacute nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples a menos que te ocorra indicar um caminho mais cocircmodoTeeteto ndash Natildeo nada me ocorre nesse sentido Estrangeiro mdash Concordas entatildeo em escolhermos um exemplo singelo e apresentaacute-lo como modelo para o maiorTeeteto mdash ConcordoEstrangeiro mdash Que assunto pois escolheremos simples a um tempo e faacutecil de conhecer mas cuja explicaccedilatildeo natildeo exija menor nuacutemero de caracteriacutesticas do que temas importantes O do pescador talvez Natildeo eacute assunto bastante conhecido e natildeo nos merece a maior atenccedilatildeoTeeteto ndash Isso mesmoEstrangeiro ndash Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definiccedilatildeo mais condizente com o nosso intentoTeeteto ndash Seria oacutetimoIV mdash Estrangeiro mdash Pois entatildeo comecemos por aiacute Dizei-me uma coisa como devemos concebecirc-lo eacute artista ou sujeito carecente de arte poreacutem dotado de alguma outra capacidadeTeeteto ndash De jeito nenhum poderaacute ser carecente de arteEstrangeiro ndash Mas todas as artes se reduzem a duas espeacuteciesTeeteto ndash Como assimEstrangeiro ndash A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal depois tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados a que damos o nome de utensiacutelios e por uacuteltimo a imitaccedilatildeo natildeo seraacute justo designar tudo isso por um uacutenico nomeTeeteto ndash Como assim e que nome seraacuteEstrangeiro ndash Damos o nome de produtor a quem traz para a existecircncia o que antes natildeo existia denominamos produto o que passa a existir em cada caso particularTeeteto ndash CertoEstrangeiro ndash Entatildeo designemos tudo aquilo por um nome uacutenico seratildeo as artes produtivasTeeteto ndash SejaEstrangeiro ndash Depois dessas vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento as do ganho a da luta e a da caccedila as quais nada fabricam mas que por meio da palavra ou da accedilatildeo procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido ou impedir que outros se apropriem O nome geneacuterico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATAtildeO 1980 p 5-6)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Neste sentido os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platatildeo e Aristoacuteteles Isso natildeo significa em superaccedilatildeo pois em filosofia natildeo existe conhecimento retoacuterico ultrapassado Vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve saber disso natildeo haacute conhecimento superado em filosofia Deste modo vocecirc pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retoacuterico mais adequado

Precisamos mencionar neste capiacutetulo que a passagem da arte da enganaccedilatildeo como era conhecida a retoacuterica e a oratoacuteria entre os gregos para a arte do falar bem envolve uma dinacircmica que implica em evoluccedilatildeo O que ocorreu eacute uma retomada da perspectiva dos sofistas da eacutepoca platocircnica pois embora Platatildeo os combatesse valorizava a arte retoacuterica destes

Houve tempos em que a retoacuterica foi tratada como sinocircnimo de enganaccedilatildeo A leitura do diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo deixa evidente que a dupla serventia da persuasatildeo ndash ora podendo estar a serviccedilo do bem ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar O ensino e o uso da retoacuterica e da oratoacuteria para fins poliacuteticos tambeacutem contribuiacuteram para o seu afastamento do elenco dos meacutetodos cientiacuteficos Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de aacuteguas que marcou o momento em que a retoacuterica caiu no esquecimento Por isso mesmo na esteira das contestaccedilotildees pragmaacutetica e behaviorista no seacuteculo XX abriu-se caminho para o ressurgimento da retoacuterica A retoacuterica natildeo se trata portanto de uma corrente de pensamento mas sim de um instrumento E natildeo eacute correto tambeacutem ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento especiacutefica como alguns criacuteticos jaacute o fizeram no Brasil ao atacarem os seguidores da retoacuterica em diversos momentos como sendo difusores de instrumentos a serviccedilo do neoliberalismo O objetivo do projeto retoacuterico eacute o estudo pormenorizado do alcance da teacutecnica E eacute justamente por isso que o estudo da retoacuterica enquanto teacutecnica de persuasatildeo deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da aacuterea da economia a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenccedilatildeo para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodoloacutegico em detrimento da unicidade de meacutetodo alertam para a necessidade de natildeo se jogar fora o contraditoacuterio de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e agraves tratativas impessoais tatildeo presentes no hardcore neoclaacutessico Chamam ainda a atenccedilatildeo para a necessidade de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA 2016 p 17)

Eacute importante mencionar que as teacutecnicas retoacutericas formais de construccedilatildeo de

um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo A filosofia e a retoacuterica filosoacutefica funcionam com a contraposiccedilatildeo das ideias e natildeo com descobertas cientiacuteficas Deste modo a filosofia e sua subaacuterea a retoacuterica satildeo maneiras de

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Oratoacuteria e Retoacuterica

pensar que permitem ao homem desde seus modelos conhecidos na Greacutecia e em outros lugares se debruccedilar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Greacutecia e arredores

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retoacuterica parece ser a maneira menos controversa de defini-los Eles supriram a demanda por uma educaccedilatildeo juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos puacuteblicos e privados Vistos positivamente eles eram ldquoos transmissores de competecircncias valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira poliacutetica e de um modo geral nos ecircxitos mundanosrdquo (SOUSA PINTO 2002 p 13-14) Seu ensino era pago e eram procurados principalmente por jovens de famiacutelias abastadas que pretendiam alcanccedilar poder poliacutetico atraveacutes do domiacutenio das teacutecnicas do discurso persuasivo Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem futuramente os ensinamentos sofiacutesticos com fins inescrupulosos era um risco da profissatildeo e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados O estudo da retoacuterica orientado pelos sofistas incluiacutea desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais ateacute a discussatildeo de assuntos de composiccedilatildeo estrutura e argumentaccedilatildeo O objetivo destes estudos era a construccedilatildeo do discurso natildeo apenas mais adequado e convincente mas do melhor e mais envolvente Suas praacuteticas pretendiam o aprimoramento no uso de teacutecnicas discursivas tais como o uso do argumento provaacutevel ou verossimilhante contra-argumentaccedilatildeo e justaposiccedilatildeo de argumentos contraacuterios adequaccedilatildeo agrave ocasiatildeo (causa puacuteblico situaccedilatildeo etc) figuras de linguagem efeitos causados sobre o puacuteblico etc (PREZOTTO 2008 p 242)

Depois deste detalhamento importante queremos apontar como a

modernidade se desenvolveu sobre a definiccedilatildeo sofiacutestica de que natildeo existe a verdade O homem moderno resultado do desenvolvimento cientiacutefico chegou a acreditar em uma maacutexima relativista elencada por Protaacutegoras sofista grego ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade

De um modo geral alguns professores esclarecidos da geraccedilatildeo anterior assemelhavam-se aos sofistas como os preceptores de Peacutericles que ensinavam sobre astronomia geografia e fiacutesica e mantinham com seus alunos discussotildees dialeacuteticas acerca de problemas diversos No entanto embora partilhassem com seus predecessores o ofiacutecio de treinar os jovens para os deveres as atribuiccedilotildees e os acontecimentos da vida adulta privada ou puacuteblica os sofistas distinguiram-se [] por trazer agrave tarefa uma gama maior de conhecimento com uma maior multiplicidade de toacutepicos cientiacuteficos e outros - natildeo soacute poderes mais impressionantes de composiccedilatildeo e discurso servindo como um exemplo pessoal ao aluno mas tambeacutem uma compreensatildeo dos elementos da boa oratoacuteria para poder transmitir os preceitos conducentes agravequela realizaccedilatildeo - um tesouro consideraacutevel de pensamento acumulado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

em moral e assuntos poliacuteticos destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos sobre temas gerais ou lsquolugares comunsrsquo para que os alunos aprendessem de cor (GROTE 1907 p 317) Acreditar que os sofistas transmitissem apenas teacutecnicas e aptidotildees especiacuteficas eacute simplificar o escopo de sua atuaccedilatildeo Influenciados pela filosofia jocircnica os sofistas satildeo racionalistas e inquiridores As explicaccedilotildees lsquonaturaisrsquo de Anaximandro em diante para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutaacuteveis natildeo mais como misteacuterios intangiacuteveis em que os papeacuteis fundamentais eram representados pelos deuses O contato com outros povos a percepccedilatildeo da relatividade dos valores morais dos costumes da religiatildeo foi outro fator que contribuiu para a formaccedilatildeo da nova geraccedilatildeo de pensadores relativistas e humanistas Outra caracteriacutestica dos sofistas eacute a de serem itinerantes assim como os antigos aedos Viajavam pelo mundo grego visitando vaacuterias cidades transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos em conferecircncias maiores ou em epiacutedeixeis Tambeacutem se apresentaram em festivais e em outras ocasiotildees puacuteblicas Dos sofistas mais famosos desta eacutepoca apenas Antiacutefon parece ter sido ateniense Protaacutegoras era de Abdera (na costa da Traacutecia) Goacutergias de Leontinos (na Siciacutelia) Proacutedico de Ceacuteos (em territoacuterio jocircnico) e Hiacutepias de Eacutelis (nordeste do Peloponeso) Todos eles estiveram em algum ou vaacuterios momentos de suas vidas em Atenas pois ldquoAtenas por uns 60 anos na segunda metade do seacuteculo V a C era o verdadeiro centro do movimento sofista De fato tanto isso eacute verdade que sem Atenas eacute provaacutevel que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO 2008 p 243-244)

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na

modernidade procura explicar coisas para as quais natildeo pode dar uma resposta definitiva ou ainda atribui agrave ciecircncia essa tarefa que natildeo pode ser cumprida pois agrave ciecircncia compete investigar fenocircmenos e natildeo coisas em si conforme ensinou o filoacutesofo alematildeo Immanuel Kant (2005)

Todas as caracteriacutesticas do movimento sofista ateacute aqui expostas suscitam tanto admiraccedilatildeo como repulsa A nova educaccedilatildeo que promove eacute satirizada por Aristoacutefanes em As Nuvens Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso ensinando os jovens a justificarem maacutes accedilotildees com argumentos retoacutericos livrando-se assim de suas consequecircncias Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaccedila pelas mudanccedilas e discussotildees que incitavam os mais pobres que natildeo tinham acesso ao seu ensino viam-nos com preconceito como os detratores dos bons e velhos costumes Neste ambiente hostil lsquosofistarsquo passa a ser um tiacutetulo depreciativo usado para intelectuais adivinhos pedantes ateus fiacutesicos filoacutesofos etc implicando charlatanismo e velhacaria ou astuacutecia esperteza em sentido pejorativo A maacute reputaccedilatildeo dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platatildeo cuja opiniatildeo continua ainda hoje a influenciar a visatildeo que se tem do periacuteodo sofiacutestico Apenas a partir do seacutec XIX eacute que se comeccedila a desvincular o estudo do movimento sofista da visatildeo legada por Platatildeo A criacutetica platocircnica em linhas gerais recai sob duas acusaccedilotildees 1) os sofistas natildeo satildeo pensadores seacuterios e 2) eles satildeo indiviacuteduos imorais A primeira acusaccedilatildeo diz respeito ao empreendimento platocircnico que busca ridicularizar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as proposiccedilotildees ou as possiacuteveis conclusotildees advindas da reflexatildeo sofista negando agraves doutrinas sofiacutesticas valor filosoacutefico A energia gasta por Platatildeo neste empreendimento por si soacute jaacute eacute indiacutecio da influecircncia exercida por estes pensadores Grosso modo os sofistas difundiam uma concepccedilatildeo relativista aplicada aos niacuteveis ontoloacutegico e epistemoloacutegico e agrave questatildeo da verdade e foram considerados rivais por Platatildeo que desenvolvia uma filosofia essencialmente lsquoabsolutistarsquo Embora Platatildeo tenha tratado Protaacutegoras e Goacutergias com respeito diferenciando-os dos homens mediacuteocres ligados mais tardiamente ao movimento ele transmite um entendimento fundamentalmente errocircneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO 2008 p 245)

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade

de se buscar a verdade produziu inuacutemeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequecircncias morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Podemos observar bem esse problema na modernidade no acircmbito do direito e da religiatildeo Devemos mencionar outra acusaccedilatildeo grave aos sofistas a de que restringiram o papel da educaccedilatildeo retirando dela a condiccedilatildeo do ensino da Arete virtude

A segunda acusaccedilatildeo envolve as criacuteticas direcionadas agrave atividade profissional dos sofistas visando desmerecer o valor da educaccedilatildeo que ofereciam Satildeo caracterizados no diaacutelogo sofista como caccediladores de jovens ricos e comerciantes do ensino Como Kerferd (2003 p 47-49) elucidou para entender esta criacutetica eacute necessaacuterio considerar a oposiccedilatildeo conservadora a que qualquer um tenha acesso agrave formaccedilatildeo poliacutetica simplesmente pagando Como dito anteriormente ateacute este momento a educaccedilatildeo juvenil era restrita aos membros das famiacutelias nobres e acontecia numa relaccedilatildeo de amizade entre o jovem e seu mestre Que a instruccedilatildeo estivesse acessiacutevel a todos que pudessem pagar por ela forccedilava a reconsideraccedilatildeo de estruturas internas da sociedade O ambiente da poacutelis democraacutetica era propiacutecio a tais questionamentos mas a polecircmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da eacutepoca saber se aretē pode ou natildeo ser ensinada Tradicionalmente aretē era palavra usada para referir-se agrave qualidade inata dos grandes homens os que se destacaram historicamente pela coragem forccedila valentia sabedoria lideranccedila mas tambeacutem havia um outro uso desta palavra que denotava a excelecircncia em uma tarefa ou funccedilatildeo especiacutefica e relaciona-se ao domiacutenio de uma teacutecnica teacutechnē termo comumente traduzido por arte No diaacutelogo Protaacutegoras Platatildeo apresenta Soacutecrates e Protaacutegoras debatendo esta questatildeo Ao afirmar que ensina teacutechnē

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade de

se buscar a verdade produziu inuacutemeras

tentativas de reduzir tudo ao modelo

relativista e produziu consequecircncias

morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de

argumentos

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

poliacutetica (319a) Protaacutegoras eacute confrontado com dois argumentos socraacuteticos que pretendem demonstrar que lsquoessarsquo aretē natildeo eacute um conhecimento que possa ser transmitido Os argumentos socraacuteticos satildeo 1) em questotildees teacutecnicas os atenienses consultam especialistas jaacute em questotildees poliacuteticas qualquer um pode opinar ningueacutem se opotildee a isto acreditando que eacute preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d) 2) os melhores e mais saacutebios cidadatildeos natildeo foram capazes de transmitir sua aretē a outros cita Peacutericles (319e-320b) Protaacutegoras expotildee sua opiniatildeo atraveacutes de um mito e conclui que todos os homens satildeo dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da teacutechnē poliacutetica justiccedila e respeito diacutekē e aidōs ndash apenas por possuiacuterem todos estas qualidades eacute que a vida em sociedade eacute possiacutevel (320d-323c)

Fonte Prezotto (2008 p 246)

No periacuteodo final da Idade Meacutedia temos um desenvolvimento de caracteriacutesticas que podemos denominar de incorporadas aos estudos das aacutereas de filosofia e teologia Em seguida nos seacuteculos XVII e XVIII eacute esquecida

Na historiografia do seacuteculo XVI as narrativas mariacutetimas de paiacuteses desconhecidos de fenocircmenos naturais de paragens de outras latitudes e climas manifestam de par com a presenccedila do maravilhoso a importacircncia que assume a experiecircncia a componente realista e empiacuterica Satildeo frequentes as marcas da enunciaccedilatildeo lsquoeu virsquo lsquoeu ouvirsquo que servem no discurso do narrador para dar maior credibilidade aos factos que apontam para uma histoacuteria contemporacircnea baseada nos pressupostos teoacutericos de Tuciacutedides Aleacutem disso a verdade factual nutrida por estas marcas de enunciaccedilatildeo eacute a cada passo confrontada com os relatos miacuteticos de um Heroacutedoto com a Cosmografia de um Ptolomeu a Geografia de um Estrabatildeo ou a ciecircncia de um Pompoacutenio Mela ou de uma Histoacuteria Natural de Pliacutenio As crocircnicas de Joatildeo de Barros de Castanheda de Diogo do Couto ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D Joatildeo de Castro as obras de Garcia de Orta de Duarte Pacheco Pereira de Pedro Nunes datildeo-nos a cada passo exemplos significativos Poderemos concluir que na eacutepoca do Renascimento a histoacuteria aleacutem de se afirmar como gecircnero literaacuterio que se impotildee pela arte da escrita como opus oratorium eacute disciplina formativa do caraacutecter em repositoacuterio de paradigmas eacute manancial de exempla que informam a tradiccedilatildeo retoacuterica eacute ponto de referecircncia da exaltaccedilatildeo eacutepica das gloacuterias nacionais eacute suporte de novos modelos ideoloacutegicos e de formulaccedilatildeo poliacutetica em termos modernos eacute fundamento de novos horizontes culturais e cientiacuteficos (SOARES 2011 p 146-147)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Se na Idade Meacutedia ocorreu uma valorizaccedilatildeo e desenvolvimento da retoacuterica no iniacutecio da modernidade ela foi deixada de lado e ateacute demonizada por diversos autores

Produziu-se uma total confusatildeo de pensamento que em muitos casos deixou de lado ateacute mesmo as convicccedilotildees doutrinais tanto do direito quanto da religiatildeo Com isso temos inuacutemeros argumentos artificiais que simulam determinadas situaccedilotildees apenas para efeito performaacutetico

Atividade de Estudos

1) Leia o texto e explique o que vocecirc entendeu sobre a arte das disputas a eriacutestica e a importacircncia da purificaccedilatildeo da linguagem Explique com suas palavras

Estrangeiro mdash Isso mesmo Conforme jaacute vimos eacute do gecircnero lucrativo da arte eriacutestica da arte de disputas das controveacutersias da arte do combate da arte da luta e do ganho segundo neste momento provou nossa argumentaccedilatildeo que o sofista proveacutem

Teeteto mdash Nada mais verdadeiro

XIII mdash Estrangeiro mdash Como vecircs eacute muito acertado dizer-se que se trata de um animal de muacuteltiplas facetas Daiacute confirmar-se o dito de que nem tudo se pode pegar soacute com uma das matildeos

Teeteto mdash Pois empreguemos duas

Estrangeiro mdash Sim eacute o que precisaremos fazer empenhando nisso todos os nossos recursos a fim de acompanhar-lhe o rastro Dize-me o seguinte natildeo temos designaccedilotildees especiais para determinadas ocupaccedilotildees servis

Teeteto mdash Muitas ateacute poreacutem no meio de tantas a quais particularmente te referes

Estrangeiro mdash Penso nas seguintes coar peneirar joeirar debulhar

Teeteto mdash E daiacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Estrangeiro mdash E tambeacutem cardar fiar urdir e mil outras de emprego corrente em ocupaccedilotildees congecircneres natildeo eacute isso mesmo

Teeteto mdash Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas

Estrangeiro mdash De modo geral todos esses vocaacutebulos exprimem a ideia de separaccedilatildeo

Teeteto mdash Certo

Estrangeiro mdash Ora de acordo com o meu raciociacutenio se uma arte apenas abrange todas essas ocupaccedilotildees teremos de atribuir-lhe um uacutenico nome

Teeteto mdash E como a denominaremos

Estrangeiro mdash Arte de separar

Teeteto mdash Que seja

Estrangeiro mdash Considera agora se nos seraacute possiacutevel distinguir duas espeacutecies

Teeteto mdash Impotildee-me uma tarefa muito raacutepida

Estrangeiro mdash Poreacutem nas distinccedilotildees por noacutes feitas jaacute se tratou da separaccedilatildeo entre o pior e o melhor e tambeacutem entre semelhante e dessemelhante

Teeteto mdash Dita dessa maneira parece-me bastante clara

Estrangeiro mdash Natildeo conheccedilo o nome geralmente aplicado a esta uacuteltima separaccedilatildeo poreacutem sei o que datildeo agrave outra a que reteacutem o melhor e rejeita o pior

Teeteto mdash Dize qual seja

Estrangeiro mdash No meu entender todas as separaccedilotildees desse tipo satildeo geralmente chamadas purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Com efeito eacute como as denominam

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E todo o mundo natildeo perceberaacute que haacute duas espeacutecies de purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Depois de refletir eacute possiacutevel eu pelo menos natildeo percebo purificaccedilatildeo alguma

Estrangeiro mdash Primeiro as dos seres vivos que operam no interior do corpo graccedilas a uma discriminaccedilatildeo exata pela ginaacutestica e a medicina como a purificaccedilatildeo externa de designaccedilatildeo corriqueira alcanccedilada pela arte do banho depois a dos corpos inanimados que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral de infinitas modalidades cujos nomes satildeo considerados ridiacuteculos

Teeteto mdash Eacute muito certo

Estrangeiro mdash Certo natildeo Teeteto certiacutessimo Mas o meacutetodo argumentativo natildeo daacute maior nem menor importacircncia agrave purificaccedilatildeo por meio da esponja do que agrave obtida com poccedilotildees medicamentosas jamais perguntando se os benefiacutecios de uma satildeo mais ou menos relevantes do que os da outra Para alcanccedilar o conhecimento eacute que ela se esforccedila por observar as afinidades ou dissemelhanccedilas entre as artes honrando a todas igualmente e quando chega a comparaacute-las natildeo conclui que uma seja mais ridiacutecula do que a outra Natildeo considera ainda mais importante quem ilustra a arte da caccedila com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas poreacutem mais pretensioso Do mesmo modo agora no que entende com o nome para designar o conjunto das forccedilas purificadoras dos corpos quer sejam animados quer natildeo sejam natildeo se preocupa no miacutenimo de saber que nome eacute de aparecircncia mais distinta Limitar-se-aacute a separar a purificaccedilatildeo da alma deixando num uacutenico feixe as outras purificaccedilotildees sem indagar do objeto sobre que se exercem Seu intento exclusivo consiste nisto precisamente separar das demais purificaccedilotildees a que tem por objetivo a alma se eacute que compreendemos (PLATAtildeO 1980 p 16-17)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Verdade e Verossimilhanccedila de Um Argumento

A verdade e a verossimilhanccedila merecem destaque por que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa entender quando um argumento eacute verossimilhante e quando ele eacute verdadeiro

Platatildeo ao discutir os gecircneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas jaacute levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente Deste modo o problema da verdade de um discurso natildeo fica somente na elaboraccedilatildeo formal e acadecircmica de um debate mas envolve tambeacutem a vida cotidiana dos sujeitos Para entendermos a diferenccedila entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que eacute verdade de fato em um discurso Vejamos a polecircmica suscitada no diaacutelogo Sofista e ateacute hoje sem soluccedilatildeo

LII mdash Estrangeiro mdash Onde iremos entatildeo buscar a designaccedilatildeo apropriada para cada um Evidentemente eacute tarefa por demais aacuterdua porque nisso de dividir os gecircneros em espeacutecies parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicaacutevel indolecircncia que nunca os levou pelo menos a tentaacute-la dar essa carecircncia tatildeo acentuada de nomes De um jeito ou de outro e embora se no afigure um tanto forte a expressatildeo para melhor diferenccedilaacute-la daremos o nome de doxomimeacutetica agrave imitaccedilatildeo que se baseia na opiniatildeo e a que se funda no conhecimento mimeacutetica histoacuterica ou eruditaTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash Vamos ocupar-nos com a primeira o sofista natildeo se inclui no nuacutemero dos que sabem mas no dos que imitamTeeteto mdash PerfeitamenteEstrangeiro mdash Examinemos entatildeo o imitador que se apoia na opiniatildeo como o fariacuteamos com um fragmento de ferro para vermos se se trata de uma peccedila uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estruturaTeeteto mdash Sim examinemo-loEstrangeiro mdash Pois em verdade aqui estaacute ele e bem patente Entre esses tais haacute o tipo ingecircnuo que acredita saber o que apenas imagina o outro pelo contraacuterio que se deixa arrastar por seus proacuteprios argumentos natildeo esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabeTeeteto mdash Sem duacutevida haacute esses dois tipos que acabaste de descreverEstrangeiro mdash Ao primeiro entatildeo daremos o nome de imitador simples e ao outro o de imitador dissimuladoTeeteto mdash Seria de toda a conveniecircnciaEstrangeiro mdash E este uacuteltimo gecircnero diremos que eacute simples ou duploTeeteto mdash Examina-o tu mesmoEstrangeiro mdash Examino e creio perceber dois gecircneros No primeiro distingo o indiviacuteduo capaz de dissimular em puacuteblico com discursos prolixos no outro o que em ciacuterculos mais restritos com sentenccedilas curtas leva seu interlocutor a contradizer-seTeeteto mdash Eacute muito certo o que dizes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E o homem dos discursos longos como o designaremos Eacute estadista ou orador popularTeeteto mdash Orador popularEstrangeiro mdash E o outro que denominaccedilatildeo lhe cabe agrave justa saacutebio ou sofistaTeeteto mdash Saacutebio natildeo eacute possiacutevel pois jaacute provamos que ele eacute ignorante Mas por ser imitador do saacutebio eacute fora de duacutevida que alguma coisa do nome deste haacute de passar para ele E agora me ocorre que de um tipo assim eacute que podemos dizer com toda a seguranccedila um sofista acabado Estrangeiro mdash Nesse caso fixemos aqui mesmo seu nome como fizemos antes entrelaccedilando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos Teeteto mdash Perfeitamente Estrangeiro mdash Sendo assim a espeacutecie imitativa e suscitadora de contradiccedilotildees da parte dissimuladora da arte baseada na opiniatildeo pertencente ao gecircnero imaginaacuterio que se prende agrave arte ilusoacuteria da produccedilatildeo de imagens criaccedilatildeo humana natildeo divina desse malabarismo ilusoacuterio com palavras quem afirmar que eacute de semelhante sangue e dessa estirpe que proveacutem o verdadeiro sofista soacute diraacute como parece a pura verdade (PLATAtildeO 1980 p 69-71)

Com efeito ao deixar a questatildeo em aberto no final do diaacutelogo Platatildeo nos daacute um apontamento para uma aproximaccedilatildeo da identidade do sofista No entanto nos deixa um grande ensinamento as opiniotildees satildeo diferentes dos discursos sobre a verdade Os discursos sobre a verdade satildeo de natureza nobre e as opiniotildees sobre um assunto natildeo satildeo conhecimento

E essa diferenccedila nem sempre eacute clara como parece ser Com isso em muitos momentos de nossa existecircncia pensamos que algo eacute verdadeiro simplesmente por parecer e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante aquilo que parece ser verdadeiro mas se olharmos mais de perto natildeo eacute soacute parece ser

Outro problema muito aparente na modernidade eacute a generalizaccedilatildeo de argumentos que produz efeitos catastroacuteficos em muitos segmentos da existecircncia humana Por exemplo escutamos por vezes vaacuterios argumentos deste tipo ldquotodo homem eacute machistardquo ldquotodo poliacutetico eacute ladratildeordquo ldquoos padres satildeo imoraisrdquo todos esses argumentos possuem falsas associaccedilotildees grotescas atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria Isso significa que sequer argumentos satildeo podemos chamaacute-los de enunciados vazios mas que satildeo muito populares em nosso cotidiano

Portanto a verdade de um argumento natildeo estaacute somente em sua forma ou somente em seu conteuacutedo mas na combinaccedilatildeo da disposiccedilatildeo de ambas as caracteriacutesticas que ao se combinarem produzem uma estrutura soacutelida na exposiccedilatildeo de um pensamento (MOSCA 2004)

Com efeito cabe aos estudantes de oratoacuteria e retoacuterica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade Natildeo existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento Antes disso haacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se estaacute inserido para poder convencer

Algumas ConsideraccedilotildeesAgora vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica estaacute pronto para seguir seu

caminho escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situaccedilatildeo para expor suas ideias com clareza e objetividade

A construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um o material disponiacutevel e a plateia para a qual o indiviacuteduo iraacute se dirigir Neste capiacutetulo destacamos as implicaccedilotildees das escolhas argumentativas que fizemos

ReferecircnciasCHIBENI S S Notas sobre tipos de argumentos [sd] Disponiacutevel em ltwwwunicampbr~chibenitextosdidaticosargumentospdfgt Acesso em 13 jun 2017

MOSCA L do L S (Org) Retoacutericas de ontem e de hoje 3 ed Satildeo Paulo Associaccedilatildeo Editorial Humanitas 2004

PLATAtildeO Sofista Brasiacutelia UFB 1980

PREZOTTO J Protaacutegoras Goacutergias os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē Anais XXIII SEC Araraquara p 241-250 2008 Disponiacutevel em lthttpportalfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTEXTOSARTIGOS20PDFprezottopdfgt Acesso em 10 jun 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SCHECAIRA F Argumentaccedilatildeo noccedilotildees baacutesicas 2012 Disponiacutevel em lthttpsfabioshecairawikispacescomfileviewIntroduC3A7C3A3o+C3A0+argumenta C3A7C3A3opdfgt Acesso em 14 jun 2017

SOARES N C A retoacuterica e a construccedilatildeo da cidade na Idade Meacutedia e no Renascimento homo eloquens homo politicus Coimbra Coimbra University Press 2011

VIANA P Validade Forma e Conteuacutedo de Argumentos 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwuffbrgrupodelogicatextosViapdfgt Acesso em 15 jun 2017

VIEIRA Joseacute Guilherme Silva A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso 2016

Page 4: ORATÓRIA E RETÓRICA

Sumaacuterio

APRESENTACcedilAtildeO 01

CAPIacuteTULO 1Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria 9

CAPIacuteTULO 2A Retoacuterica e a Oratoacuteria 49

CAPIacuteTULO 3

CAPIacuteTULO 4

A Arte de Argumentar 85

Implicaccedilotildees da Retoacuterica 101

APRESENTACcedilAtildeOEntendemos a necessidade do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica para os

estudantes de teologia devido agraves particularidades conceituais envolvidas Para podermos construir bons argumentos precisamos entender como estes satildeo produzidos e expostos E eacute neste momento que a disciplina de oratoacuteria e retoacuterica merece ser apresentada como uma maneira fundamental de entender os conceitos teoloacutegicos estudados

Na disciplina de oratoacuteria e retoacuterica o estudante pode desenvolver seu entendimento das diferentes formas de argumentar e constitui uma ideia Eacute no curso desta que o estudante poderaacute ampliar suas capacidades argumentativas de construccedilatildeo e explicaccedilatildeo de um argumento

Neste sentido esperamos que o estudante desenvolva essas capacidades

CAPIacuteTULO 1

Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Compreender a concepccedilatildeo da retoacuterica e sua finalidade identificando suas funccedilotildees e caracteriacutesticas

Identificar as fontes da retoacuterica grega e a discussatildeo com perspectiva platocircnica

Analisar as relaccedilotildees interpessoais e reconhecer as diferentes definiccedilotildees de retoacuterica e oratoacuteria

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

ContextualizaccedilatildeoO contexto do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica no mundo contemporacircneo eacute

bastante amplo Nesta disciplina queremos enfatizar a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade Vejamos como se considerava a arte retoacuterica na antiguidade

Havia-se deixado de lado ateacute aqui um ponto importante sobre o escopo da arte retoacuterica Por vezes a retoacuterica foi e ainda eacute apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes De fato muitos satildeo os que associam uma boa retoacuterica a um discurso bem elaborado destacado por diversos recursos de linguagem enfim ornamentado Essa definiccedilatildeo guarda correspondecircncia com os primeiros discursos dos sofistas ndash portanto anteriores ao aparecimento do tratado de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica ndash mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isoacutecrates (436-338 aC) haacutebil e longevo retor que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas predominantemente literaacuterias (o Paideia) Isoacutecrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialeacutetica eriacutestica (aqueles que se propunham agraves disputas a partir de posiccedilotildees antagocircnicas de mundo objetivando chegar a uma pretensatildeo de descoberta a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza eou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas que ensinavam a arte dos discursos poliacuteticos aos nobres Isoacutecrates natildeo acreditava que da dialeacutetica eriacutestica pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais ou que o simples fato de se arrebatar o maior nuacutemero possiacutevel de seguidores fosse um medidor da correccedilatildeo de um dado conhecimento Tampouco poder-se-ia fazer qualquer juiacutezo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos poliacuteticos mecanicamente jaacute que as condiccedilotildees para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL 1994 apud VIEIRA 2012 p 8)

Estudar oratoacuteria e retoacuterica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos mas se observarmos o cotidiano perceberemos que estamos permeados de argumentos retoacutericos apresentando cada qual um tipo de oratoacuteria A vocecirc estudante desta disciplina convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas

Conceito de Retoacuterica e Oratoacuteria

A retoacuterica no conhecimento humano especificamente na filosofia eacute uma forma de expressatildeo de exposiccedilatildeo de ideias utilizada pelos sofistas Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade natildeo existe uma verdade o que haacute eacute apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao iniciarmos a discussatildeo sobre a retoacuterica queremos expor quais satildeo suas caracteriacutesticas fundamentais e como estas caracteriacutesticas se relacionam com o modo com o qual nos expressamos

A vitalidade dos estudos retoacutericos ateacute os nossos dias foi o que levou agrave organizaccedilatildeo de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retoacuterica se tem havido ao longo de sua histoacuteria cheia de pontos altos mas tambeacutem de crises e questionamentos A bem dizer eacute esta mesma dialeacutetica que estaacute no bojo de sua proacutepria natureza que implica em controveacutersia discussatildeo e consequentemente em influecircncia e formaccedilatildeo de opiniatildeo De fato a Retoacuterica tem sido colocada agrave prova pelos mesmos princiacutepios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresccedila sempre aceitaccedilatildeo da mudanccedila o respeito agrave alteridade a consideraccedilatildeo da liacutengua como lugar de confronto das subjetividades Partindo-se do princiacutepio de que a argumentatividade estaacute presente em toda e qualquer atividade discursiva tem-se tambeacutem como baacutesico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe satildeo apresentadas Equivale portanto a conferir-lhe status e a qualificaacute-lo para o exerciacutecio da discussatildeo e do entendimento atraveacutes do diaacutelogo Na verdade o envolvimento natildeo eacute unilateral tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam quando o clima eacute de negociaccedilatildeo e em que prevalece o anseio de influecircncia e de poder (MOSCA 2001 p 16)

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga apontamos para alguns autores deste periacuteodo que representam muito bem a figura de um retoacuterico Nesse sentido merece destaque o filoacutesofo Goacutergias que muito bem definiu o natildeo ser Podemos citar ainda o filoacutesofo Protaacutegoras de Abdera que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade

A nossa discussatildeo sobre a retoacuterica e o papel da oratoacuteria na formulaccedilatildeo e na exposiccedilatildeo de argumentos passaraacute necessariamente por Platatildeo e Aristoacuteteles Estes dois filoacutesofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retoacuterica ou do bem dizer se assim quisermos De acordo com estes dois filoacutesofos e com os sofistas devemos estar atentos para a boa formulaccedilatildeo retoacuterica de um argumento e a boa oratoacuteria de exposiccedilatildeo do mesmo Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para que possamos entender expor e transmitir uma mensagem

Podemos observar isso na discussatildeo da Antiguidade desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo ao expor e escrever as ideias socraacuteticas nos passa a mensagem de que Soacutecrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade Jaacute alguns sofistas como Soacutefocles apresentam Soacutecrates como amigo dos sofistas e

Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante

que a forma de bem dizer as palavras ou

a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para

que possamos entender expor e transmitir uma

mensagem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

um retoacuterico Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve

O surgimento da Retoacuterica na Greacutecia antiga prende-se agrave luta reivindicatoacuteria de defesa de terras na Siciacutelia que haviam caiacutedo em poder de usurpadores Esse caraacuteter praacutetico aliado agrave eficaacutecia esteve sempre presente nas finalidades da Retoacuterica e eacute o que modernamente a situa junto agrave Pragmaacutetica De fato para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz haacute que levar em conta as caracteriacutesticas fundamentais da situaccedilatildeo em que ele se daacute e as relaccedilotildees de intersubjetividade dos interlocutores Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos satildeo produtos natildeo de um simples ato ilocutoacuterio como tambeacutem de elementos extraiacutedos da forccedila ilocucionaacuteria da situaccedilatildeo Cabe ainda lembrar que o ato de informar natildeo existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si proacuteprio Assim eacute que discursos que se tecircm como informativos tais como o cientiacutefico e o jornaliacutestico satildeo o exemplo disso uma vez que existem em funccedilatildeo de determinada finalidade praacutetica a ser atingida Por esse motivo coloca-se em questatildeo a tradicional divisatildeo das modalidades dos gecircneros jornaliacutesticos em informativos interpretativos e opinativos que na realidade serve apenas para balizar a praacutexis jornaliacutestica quando natildeo mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA 2001 p 26)

Segundo Platatildeo a retoacuterica eacute uma teacutecnica indispensaacutevel para quem quisesse governar a cidade porque quem rege deve saber falar e dominar a exposiccedilatildeo de um argumento Essa capacidade do governante impediria a manipulaccedilatildeo e o controle por outros membros do governo Contudo Platatildeo coloca a retoacuterica abaixo da filosofia e no diaacutelogo Goacutergias expotildee que o bem falar eacute uma arte de convencimento independentemente do conteuacutedo e por isso estaacute abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que eacute o filosoacutefico

Podemos entender que esta discussatildeo eacute muito importante para as pessoas que desejam lidar com o puacuteblico em geral pois haacute sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem sem se preocupar com a verdade ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou natildeo aos interlocutores Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diaacutelogo ou expressar uma ideia em puacuteblico Neste sentido o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica precisa conhecer os tipos formas e meacutetodos empregados pela retoacuterica para formular um argumento e da oratoacuteria para expor o mesmo

Outro filoacutesofo jaacute citado Aristoacuteteles desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retoacuterica De acordo com ele a retoacuterica eacute uma arte empiacuterica e cotidiana

Neste sentido precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso Neste aspecto a retoacuterica natildeo eacute pura transmissatildeo da verdade atraveacutes da oratoacuteria ela envolve diferentes aspectos do ser humano de sua personalidade e

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ambiente Para Aristoacuteteles devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento pois se tivermos uma boa teacutecnica poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade

Aleacutem disso Aristoacuteteles desenvolveu profundamente as caracteriacutesticas e a forma de refutaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo de um argumento Seguindo essa linha de raciociacutenio podemos concluir que Aristoacuteteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retoacuterica Ela serve tanto ao indiviacuteduo que quer discutir assuntos morais quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade Em outras palavras a retoacuterica deve ser uacutetil ao cidadatildeo

Segundo Aristoacuteteles devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias Neste sentido a retoacuterica contribui para aperfeiccediloar a qualidade e a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de um argumento

Aristoacuteteles foi o primeiro a desenvolver uma organizaccedilatildeo detalhada desta ferramenta do saber humano Inicialmente precisamos entender que todos noacutes fazemos uso da retoacuterica e da oratoacuteria pois satildeo formas de nos expressarmos Para Aristoacuteteles convencer o outro eacute a essecircncia de toda discussatildeo sobre retoacuterica Ao estabelecer formas de comportamento para o orador modelos de raciociacutenio tipos de premissas e a divisatildeo desta ferramenta o filoacutesofo classifica e padroniza a retoacuterica A divisatildeo apresentada por Aristoacuteteles eacute exoacuterdio construccedilatildeo refutaccedilatildeo e epiacutelogo Em alguns momentos o filoacutesofo coloca a narraccedilatildeo apoacutes o exoacuterdio

Ao contrapor a dialeacutetica com a retoacuterica Aristoacuteteles configurou a ela elementos e caracteriacutesticas que estavam dispersos

Apoacutes a elaboraccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica e a oratoacuteria foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores Mencionamos aqui os estoicos os empiacutericos e a tradiccedilatildeo romana de filoacutesofo Dioacutegenes filoacutesofo estoico grego entendia que a retoacuterica dialeacutetica

eacute parte da loacutegica neste sentido retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica eacute a arte de bem raciocinar Isso significa que a retoacuterica eacute a invenccedilatildeo de argumentos e desdobra-se em oratoacuteria quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes Para este grupo de filoacutesofos a retoacuterica se ocupa da forma de um argumento enquanto que a dialeacutetica deve se ater agrave veracidade ou agrave falsidade de um argumento

Retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica

eacute a arte de bem raciocinar

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

O grupo de pensadores empiacutericos pode ser representado pelo epicurismo que entende a retoacuterica como argumentos possiacuteveis derivados de signos Segundo este o meacutetodo utilizado eacute a conjetura Dito de outro modo a retoacuterica eacute uma ciecircncia que se opotildee agraves ciecircncias exatas isto eacute para bem falarmos e bem construirmos um argumento devemos seguir regras que provecircm da experiecircncia como o objetivo de considerar vaacuterios graus de probabilidade De acordo com esses filoacutesofos devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e ao mesmo tempo natildeo cairmos no simplismo do cotidiano Por exemplo em debates com amigos geralmente usamos laacutegrimas e dramas para convencer o outro

Entre os romanos destacamos Ciacutecero que entendia a retoacuterica e a oratoacuteria como algo fruto de muito conhecimento filosoacutefico artiacutestico e da ciecircncia Para ele sem o saber aprofundado a retoacuterica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero de oratoacutere I 17)

Para ser um bom orador devemos conhecer todos os grandes problemas filosoacuteficos cientiacuteficos e artiacutesticos Devemos pensar com sabedoria e eacute nisto que a retoacuterica consiste para Ciacutecero O saacutebio consegue desenvolver bem a arte retoacuterica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questotildees Ciacutecero entende que a teacutecnica da retoacuterica deve produzir natildeo soacute belos textos e belas oratoacuterias mas tambeacutem saacutebios justos

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retoacuterica antiga passamos agora a expor algumas caracteriacutesticas do desenvolvimento da retoacuterica no periacuteodo chamado de Idade Meacutedia Neste periacuteodo o Trivium a partir do seacuteculo IX constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais nesta eacutepoca a retoacuterica era entendida como arte do discurso Destacamos que a constituiccedilatildeo dos argumentos natildeo era puramente literaacuteria havia uma preocupaccedilatildeo com todas as aacutereas de conhecimento para expor e defender os argumentos

O desenvolvimento da retoacuterica medieval encontrou amparo em grandes teoacutelogos e filoacutesofos Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradiccedilatildeo platocircnica articulando as suas ideias com a de Ciacutecero e outros retoacutericos romanos Retomou tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelica da loacutegica para discutir os grandes problemas nesta aacuterea de conhecimento

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Oratoacuteria e Retoacuterica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboraccedilatildeo dos problemas retoacutericos baseados na eloquecircncia ou no bem falar remetendo agrave iluminaccedilatildeo do intelecto satisfaccedilatildeo da imaginaccedilatildeo desencadear as paixotildees e por uacuteltimo evocar a vontade Este processo culminou na completa distinccedilatildeo entre filosofia e retoacuterica Se em Platatildeo e Aristoacuteteles filosofia oratoacuteria e retoacuterica caminham juntas no iniacutecio da modernidade elas se separaram constituindo campos de saber distintos dentro de um espaccedilo geral de conhecimento

Para explicarmos de maneira detalhada o que eacute retoacuterica evocamos o pensador Reboul que define o termo retoacuterica eacute ldquoa arte de persuadir pelo discurso Por discurso entendemos toda a produccedilatildeo verbal escrita ou oral constituiacuteda por uma frase ou uma sequecircncia de frases que tenha comeccedilo e fim e apresente certa ordem de sentido De fato um discurso incoerente feito por um becircbado ou por um louco satildeo vaacuterios discursos tomados por um soacuterdquo (REBOUL 2004 p 14)

Para este autor soacute podemos chamar de retoacutericos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes Citamos alguns exemplos ldquopleito advocatiacutecio alocuccedilatildeo poliacutetica sermatildeo folheto cartaz de publicidade panfleto faacutebula peticcedilatildeo ensaio tratado de filosofia de teologia ou de ciecircncias humanas Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satiacuterico ou laudatoacuterioldquo (REBOUL 2004 p 14)

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratoacuteria de algo Neste sentido queremos fazer uma distinccedilatildeo entre convencer algueacutem a crer em noacutes e convencer algueacutem a fazer algo Do ponto de vista estritamente retoacuterico queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em noacutes eacute o nuacutecleo da retoacuterica enquanto arte de persuasatildeo Neste aspecto levar algueacutem a

fazer algo jaacute eacute um passo aleacutem Pascal (apud Reboul 2004) destaca que podemos usar elementos como o dinheiro para persuadir os outros de que nossa causa eacute justa mas isso natildeo eacute um convencimento retoacuterico pois os argumentos natildeo foram contrapostos e natildeo houve sequer uma argumentaccedilatildeo

Lembremos que a teacutecnica retoacuterica eacute ambiacutegua pois pode representar uma habilidade espontacircnea ou uma capacidade adquirida Se considerarmos a retoacuterica espontacircnea como forma de convencimento dos outros precisamos entender que

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre

procura persuadir seus interlocutores

pela oratoacuteria de algo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sem a teacutecnica adquirida com o tempo natildeo conseguiremos ter ecircxito em nossa tarefa Segundo Reboul ldquoo verdadeiro orador eacute um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava figuras de que ningueacutem teria ideia e que se mostram ajudadas artistas cujos desempenhos natildeo satildeo programaacuteveis e que soacute se fazem sentir posteriormenterdquo (REBOUL 2004 p 16)

Neste sentido a constituiccedilatildeo de um argumento retoacuterico e a expressatildeo deste por um orador dependem da escolha que este fizer Tudo isso implica em considerar a finalidade da retoacuterica Queremos convencer ou enganar

Como vimos a persuasatildeo eacute a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponiacuteveis Persuadir natildeo eacute a mesma coisa que enganar Existe uma sutil diferenccedila mas que eacute substancial enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir eacute convencer utilizando os argumentos disponiacuteveis

Para comeccedilarmos a responder a este questionamento explicaremos o que significa a arte da persuasatildeo Eis pois a mais antiga definiccedilatildeo de retoacuterica que conhecemos ou seja a arte de persuadir Neste sentido vale lembrar que eacute importante distinguir o que eacute argumentaccedilatildeo e oratoacuteria

A competecircncia racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes os que satildeo componentes silogiacutesticos e os que se apoiam em exemplos Neste sentido vale lembrar que para Aristoacuteteles a competecircncia afetiva de um argumento eacute mais eficiente que o silogismo Isso significa que um silogismo encadeamento loacutegico de raciociacutenios eacute destinado a um grupo teacutecnico de ouvintes por exemplo um juacuteri enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande puacuteblico

Segundo Reboul (2004) no que tange agrave afetividade podemos distinguir o caraacuteter do ethos em portuguecircs caraacuteter eacutetico do orador que procura convencer os interlocutores e o pathos em portuguecircs a paixatildeo ou compaixatildeo gerada pelo discurso cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compotildee de duas partes o argumentativo e o oratoacuterio Assim quando um orador se expressa ele estaacute no modo oratoacuterio neste sentido metaacuteforas e hipeacuterboles constituem artifiacutecios retoacutericos e satildeo argumentativas quando condensam um argumento

Hermenecircutica Passaremos agora ao modelo hermenecircutico Quando expressamos um

discurso ele nunca estaacute soacute sempre estaacute em diaacutelogo com outros oradores se antepotildee a este e dialoga com os mesmos

Para convencer um interlocutor eacute preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo Este processo soacute eacute possiacutevel por causa da possibilidade de interpretaccedilatildeo que possuiacutemos Neste sentido a arte de interpretar textos chamada de hermenecircutica eacute fundamental ao orador que quer ser compreendido

HeuriacutesticaOutra caracteriacutestica eacute a heuriacutestica que significa encontrar algo remetendo ao

grego euro ou eureka ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano Natildeo nos referimos diretamente agrave ciecircncia falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto Neste aspecto a heuriacutestica contribui para o confronto de ideias na demonstraccedilatildeo delas e na descoberta de coisas que natildeo sabemos

Ainda merece menccedilatildeo a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica que constitui um caminho que engloba vaacuterias aacutereas de saber De acordo com Reboul (2004 p 22)

[] no fim do seacuteculo XIX a retoacuterica foi abolida do ensino francecircs e o proacuteprio termo foi riscado dos programas Todavia como em geral acontece no ensino em se apagando a palavra natildeo se suprimiu a coisa A retoacuterica permaneceu soacute que desarticulada privada de sua unidade interna e de sua coerecircncia em todo caso os professores quase sempre sem saber fazem retoacuterica

Assim a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica e o estilo das construccedilotildees verbais

permaneceram mesmo que com dificuldades Neste sentido entendemos que para bem dizer precisamos tambeacutem aprender a ser visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu proacuteprio estado confuso da existecircncia

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Para Que Serve a RetoacutericaVocecirc aluno de Oratoacuteria e Retoacuterica pode se aprofundar no significado e na

serventia da retoacuterica se observar o seu cotidiano A retoacuterica e a oratoacuteria podem servir a diferentes fins Destacamos alguns servem para persuadir interlocutores em debates filosoacuteficos religiosos acadecircmicos ou em outros ambientes sociais Na filosofia costumamos entender a retoacuterica como o modo de formular bons argumentos para posteriormente pela oratoacuteria expocirc-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos Na religiatildeo costuma-se usar a oratoacuteria para desenvolver argumentos e convencer os fieacuteis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras

Assim os religiosos utilizam a retoacuterica com a finalidade de explicar as questotildees controversas e consequentemente elucidar as dificuldades dos fieacuteis Jaacute os acadecircmicos utilizam meacutetodos de retoacuterica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem tiacutetulos promoccedilotildees e debater ideias no acircmbito da conjetura intelectual Destacamos ainda o uso da retoacuterica e oratoacuteria no meio social no cotidiano das nossas existecircncias falamos da famiacutelia do ciacuterculo de amigos e da convivecircncia em nossos locais de trabalho

Algumas pessoas pensam que argumentar eacute apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova Eacute por isso que muita gente considera que argumentar eacute desagradaacutevel e inuacutetil confundindo argumentar com discutir Dizemos por vezes que discutir eacute uma espeacutecie de luta verbal Contudo argumentar natildeo eacute nada disso [] laquoargumentarraquo quer dizer oferecer um conjunto de razotildees a favor de uma conclusatildeo ou oferecer dados favoraacuteveis a uma conclusatildeo [] argumentar natildeo eacute apenas a afirmaccedilatildeo de determinado ponto de vista nem uma discussatildeo Os argumentos satildeo tentativas de sustentar certos pontos de vista com razotildees Neste sentido os argumentos natildeo satildeo inuacuteteis na verdade satildeo essenciais Os argumentos satildeo essenciais em primeiro lugar porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista Nem todos os pontos de vista satildeo iguais Algumas conclusotildees podem ser defendidas com boas razotildees e outras com razotildees menos boas No entanto natildeo sabemos na maioria das vezes quais satildeo as melhores conclusotildees Precisamos por isso apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusotildees e depois avaliar tais argumentos para ver se satildeo realmente bons Neste sentido um argumento eacute uma forma de investigaccedilatildeo Alguns filoacutesofos e ativistas argumentaram por exemplo que criar animais soacute para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que portanto eacute injustificado e imoral Seraacute que tecircm razatildeo Natildeo podemos decidir consultando os nossos preconceitos Estatildeo envolvidas muitas questotildees Por exemplo temos obrigaccedilotildees morais para com outras espeacutecies ou o sofrimento humano eacute o uacutenico realmente mau Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne Alguns vegetarianos vivem ateacute idades muito avanccediladas Seraacute que este fato mostra que as dietas vegetarianas satildeo mais saudaacuteveis Ou seraacute irrelevante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tendo em conta que alguns natildeo vegetarianos tambeacutem vivem ateacute idades muito avanccediladas (Eacute melhor perguntarmos se haacute uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem ateacute idades avanccediladas) Teratildeo as pessoas mais saudaacuteveis tendecircncia para se tornarem vegetarianas ao contraacuterio das outras Todas estas questotildees tecircm de ser apreciadas cuidadosamente e as respostas natildeo satildeo a partida oacutebvia (WESTON 1996 p 5)

A arte retoacuterica e a oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausiacuteveis no que se refere agrave arguiccedilatildeo e exposiccedilatildeo de ideias A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento uma convicccedilatildeo ou um projeto Este meacutetodo de persuasatildeo pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas vaacuterias especificidades ou pode servir para enganar ludibriar e prejudicar outras pessoas

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retoacuterica e da oratoacuteria Platatildeo e Aristoacuteteles cada qual ao seu modo procuraram estabelecer criteacuterios ou maneiras para evitarmos destruir a existecircncia alheia Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias inquiriu o mesmo sobre a implicaccedilatildeo moral de determinadas posturas retoacutericas Assim a arte da persuasatildeo natildeo eacute um vale-tudo mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questotildees que queremos discutir Aristoacuteteles defendeu uma separaccedilatildeo entre retoacuterica e oratoacuteria para que ficasse claro qual estilo de argumentaccedilatildeo o indiviacuteduo estava praticando Deste modo a retoacuterica serviria para desenvolvermos raciociacutenios claros e silogiacutesticos sobre um assunto especiacutefico enquanto que a oratoacuteria serviria para expormos poesias e formas literaacuterias de estilo proacuteprio

Assim conforme aponta Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retoacuterica

A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente

na tentativa do convencimento

alheio para podermos transmitir

um pensamento uma convicccedilatildeo ou

um projeto

A QUE SE REFERE UM DISCURSO ndash TRECHO DE PLATAtildeO

Soacutecrates mdash Entatildeo diz a respeito de quecirc A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retoacuterica

Goacutergias mdash Aos negoacutecios humanos Soacutecrates e os mais importantes

Soacutecrates mdash Mas isso Goacutergias tambeacutem eacute ambiacuteguo e nada preciso Creio que jaacute ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeraccedilatildeo dos bens e dizer que

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

o melhor bem eacute a sauacutede o segundo ser belo e o terceiro conforme se exprime o poeta da cantilena enriquecer sem fraude

Goacutergias mdash Jaacute ouvi mas a que vem isso

Soacutecrates mdash Eacute que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena a saber o meacutedico o pedoacutetriba e o economista e falasse em primeiro lugar o meacutedico Soacutecrates Goacutergias te engana natildeo eacute sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens poreacutem a minha E se eu lhe perguntasse Quem eacutes para falares dessa maneira Sem duacutevida responderia que era meacutedico Queres dizer com isso que o produto de tua arte eacute o melhor dos bens Como poderia Soacutecrates deixar de secirc-lo se se trata da sauacutede Haveraacute maior bem para os homens do que a sauacutede E se depois dele por sua vez falasse o pedoacutetriba Muito me admiraria tambeacutem Soacutecrates se Goacutergias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha A esse do meu lado eu perguntara Quem eacutes homem e com que te ocupas Sou professor de ginaacutestica me diria e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto Depois do pedoacutetriba falaria o economista quero crer num tom depreciativo para os dois primeiros Considera bem Soacutecrates se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza tanto na atividade de Goacutergias como na de quem quer que seja Como Decerto lhe perguntaacuteramos eacutes fabricante de riqueza Responderia que sim Quem eacutes entatildeo Sou economista E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza Voltariacuteamos a falar-lhe Como natildeo me responderia No entanto lhe diriacuteamos o nosso Goacutergias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua Eacute fora de duacutevida que a seguir ele me perguntaria Que espeacutecie de bem eacute esse Goacutergias que o diga Ora bem Goacutergias imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor

Goacutergias mdash Que eacute de fato o maior bem Soacutecrates e a causa natildeo apenas de deixar livres os homens em suas proacuteprias pessoas como tambeacutem de tornaacute-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades

Soacutecrates mdash Que queres dizer com isso

Goacutergias mdash O fato de por meio da palavra poder convencer os juiacutezes no tribunal os senadores no conselho e os cidadatildeos nas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

assembleias ou em toda e qualquer reuniatildeo poliacutetica Com semelhante poder faraacutes do meacutedico teu escravo e do pedoacutetriba teu escravo tornando-se manifesto que o tal economista natildeo acumula riqueza para si proacuteprio mas para ti que sabes

Fonte Platatildeo (2005 p 6-7)

A serventia do pensamento retoacuterico e da oratoacuteria tambeacutem varia conforme o repertoacuterio do sujeito que se dispotildee a praticar tal arte Se considerarmos um sujeito de aptidotildees variadas e qualidades profissionais e acadecircmicas bem desenvolvidas a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existecircncia Por outro lado se considerarmos um sujeito que possui restriccedilotildees intelectuais e profissionais natildeo poderemos concluir a mesma coisa Lembremos que natildeo estamos falando de condiccedilotildees sociais nos referimos ao interesse profissional e acadecircmico de cada indiviacuteduo

Por isso a retoacuterica serve a diversos fins dependendo como jaacute disseram os filoacutesofos relativistas gregos do contexto em que estaacute inserida Conforme aponta Protaacutegoras ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo artes distintas que servem conforme a conveniecircncia humana Este modo de pensar eacute atual e estaacute presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e natildeo nos preocupamos com os problemas alheios

Natildeo eacute de hoje a presenccedila da retoacuterica entre noacutes no cotidiano Na Antiguidade observamos argumentaccedilotildees puacuteblicas debates e relaccedilotildees costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitaccedilotildees

No periacuteodo chamado de Idade Meacutedia a retoacuterica foi usada como meacutetodo de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo a tradiccedilatildeo platocircnica em Agostinho e aristoteacutelica em Tomaacutes de Aquino A apropriaccedilatildeo desta arte no pensamento medieval cedeu devido agrave necessidade de impor e apresentar o meio de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados visto que a comunidade estava imersa na visatildeo de mundo do catolicismo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Ao retomarem as ideias platocircnicas os exegetas do periacuteodo chamado primeira Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo IX desenvolveram meacutetodos e sugestotildees de interpretaccedilatildeo fundados na ideia de convencimento alheio Configura-se neste periacuteodo uma grande ecircnfase na retoacuterica argumentativa que quer persuadir o outro sobre uma verdade que estaacute sendo transmitida

Jaacute os seguidores da tradiccedilatildeo aristoteacutelica desenvolveram uma retoacuterica e uma oratoacuteria mais sofisticadas com diferentes gecircneros e estruturas formais Tomaacutes de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teoloacutegico utilizando o princiacutepio da refutaccedilatildeo de provas fundado por Aristoacuteteles bem como seguiu a divisatildeo proposta por Aristoacuteteles

Percebemos neste periacuteodo que a retoacuterica e a oratoacuteria encontram-se submersas em meio a toda a discussatildeo teoloacutegica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregaccedilotildees dentro das igrejas

Este processo comumente chamado de adoccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade remonta ao livro da criaccedilatildeo pois eacute no livro dos Gecircneses 217 que Deus faz uma pregaccedilatildeo ldquoporque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morreraacutesrdquo isso significa que tambeacutem o Criador utilizou de argumentos retoacutericos para explicar a sua criaccedilatildeo para suas criaturas Assim a retoacuterica e a oratoacuteria no periacuteodo chamado de medieval estatildeo embebidas por conteuacutedos religiosos

Verificamos pregaccedilotildees por todo esse periacuteodo desde Agostinho (354-430 dC) ateacute o seacuteculo XV Esse periacuteodo eacute claramente marcado pela eloquecircncia fervor e tentativa de persuasatildeo que resultou na expansatildeo do modelo de religiatildeo por grande parte do mundo conhecido Podemos atribuir a retoacuterica da predicaccedilatildeo a Agostinho e organizaccedilatildeo do Trivium grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade como constituintes da estrutura da retoacuterica Tambeacutem os seguidores de Aristoacuteteles desencadearam classificaccedilotildees e tipificaccedilotildees para os estudos biacuteblicos A principal mudanccedila que esses fizeram foi adaptar o princiacutepio do verossiacutemil transformando de uma possibilidade para uma verdade uacuteltima e dogmas Merece destaque o teoacutelogo Isidoro (560-636) que dividiu a retoacuterica em exoacuterdio narraccedilatildeo argumentaccedilatildeo e por uacuteltimo conclusatildeo Esta divisatildeo didaacutetica da retoacuterica serve para fins de entendimento da interpretaccedilatildeo dos diferentes pensadores sobre o problema da separaccedilatildeo das partes da retoacuterica

Muitos satildeo os autores que nesta eacutepoca configuraram uma retoacuterica cristatilde O que podemos entender eacute que haacute uma imensa variedade de soluccedilotildees para problemas teoloacutegicos apresentados durante a chamada Idade Meacutedia Assim percebemos que a adoccedilatildeo de princiacutepios platocircnico-aristoteacutelicos configurou por volta do seacuteculo XIII a retoacuterica comumente usada nos sermotildees Essa nova oratoacuteria servia muito bem para convencer os coraccedilotildees dos fieacuteis e lhes trazer o conforto

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Oratoacuteria e Retoacuterica

religioso Neste periacuteodo se incluiacuteram faacutebulas ou pequenas histoacuterias durante o sermatildeo para que os fieacuteis geralmente leigos pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva

A funccedilatildeo desta formulaccedilatildeo retoacuterica pode ser resumida em trecircs partes 1) ler o texto 2) discutir o texto e 3) fazer uma pregaccedilatildeo Esta divisatildeo serve ateacute nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica em uma faculdade de Teologia Os sermotildees mais elaborados ocorriam nas universidades medievais mas nas igrejas especialmente nos finais de semana podiacuteamos observar pregaccedilotildees com organizaccedilatildeo e estrutura retoacuterica Um exemplo eacute o estudo biacuteblico em que se pode utilizar deste meacutetodo retoacuterico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto

Neste sentido a retoacuterica claacutessica se expandiu na chamada Idade Meacutedia e configurou um imenso campo de discussatildeo que outrora estava restrito agrave Greacutecia ou a Roma

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos Veja a seguir

1 Transmitir uma mensagem nesta perspectiva a retoacuterica serve aos indiviacuteduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendecirc-las2 Persuadir os interlocutores neste quesito a retoacuterica praticamente natildeo se modificou desde Platatildeo em seu diaacutelogo Goacutergias eacute que se encontra esta definiccedilatildeo

3 Finalidade este aspecto pode ser encontrado em Aristoacuteteles que com sua classificaccedilatildeo entendia que um discurso deve ter um propoacutesito um fim portanto ela serve agravequilo que tivermos como fim

A retoacuterica em nosso meio serve a diversas finalidades mas nem sempre percebemos Quando temos uma enfermidade e consultamos um meacutedico temos que convencecirc-lo atraveacutes de palavras e explicaccedilotildees de que sofremos de uma moleacutestia Caso nossa moleacutestia natildeo seja aparente entatildeo fica ainda mais difiacutecil pois ele precisa acreditar nos argumentos retoacutericos que noacutes propusemos para que continue a consulta e nos traga uma soluccedilatildeo para a moleacutestia

Este exemplo deixa claro como a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo presentes em nosso meio sem ao menos percebermos por isso sua finalidade vai aleacutem da produccedilatildeo e configuraccedilatildeo de discursos argumentos e debates

Se considerarmos a retoacuterica como parte do nosso meio perceberemos a importacircncia do estudo e da dedicaccedilatildeo a tal arte do bem falar proporcionando aos interlocutores e a noacutes maior qualidade e eficaacutecia na transmissatildeo de ideias

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos1 Transmitir uma

mensagem2 Persuadir os interlocutores3 Finalidade

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Se retomarmos o pensamento da retoacuterica claacutessica isto eacute da Antiguidade notaremos que quando organizamos um raciociacutenio conforme aponta Aristoacuteteles estamos organizando tambeacutem nossas proacuteprias ideias visto que em geral noacutes temos ideias desarticuladas e eacute pelo exerciacutecio da retoacuterica que conseguimos contrapor ideias e contribuiacutemos para o meacutetodo dialeacutetico que opotildee verdades Deste modo retirarmos algo provisoacuterio para montarmos nosso raciociacutenio

Sob esta oacutetica precisamos entender o que satildeo silogismos Aristoacuteteles explica que silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo especiacutefico da razatildeo do contraacuterio seratildeo somente ideias desconexas Os raciociacutenios silogiacutesticos antes de qualquer coisa devem versar sobre algum assunto particular distinguindo-se lugares espeacutecies gecircneros e formas Para entendermos isto precisamos saber quais satildeo os gecircneros da retoacuterica segundo Aristoacuteteles Este assunto eacute um dos constituintes mais importantes da arte retoacuterica de modo que os elementos que compotildeem o gecircnero retoacuterico satildeo 1) O orador 2) o assunto 3) o ouvinte Sem estes elementos natildeo se faz a arte retoacuterica portanto o orador deve expor o seu discurso precisa estar atento ao seu assunto e os interlocutores precisam ouvir e por conseguinte saber distinguir as diversas finalidades de um discurso

Caracteriacutesticas da Arte de Falar Bem As caracteriacutesticas para desenvolvermos uma boa retoacuterica e uma boa oratoacuteria

podem ser resumidas em trecircs aspectos fundamentais 1) conteuacutedo do discurso 2) forma do discurso 3) objetivo do discurso

bull No primeiro elemento denominado conteuacutedo do discurso o orador

deve estar atento agrave formulaccedilatildeo retoacuterica dos argumentos Neste sentido o conteuacutedo deve abranger aquilo a que ele se propotildee e expor sem dificuldades e correccedilotildees ou ambiguidades

bull A segunda caracteriacutestica eacute a forma do discurso que deve deixar claro se os argumentos retoacutericos elencados pelo orador satildeo narrativos metafoacutericos paraacutebolas ou explicaccedilotildees cientiacuteficas como silogismos loacutegicos Isto significa que antes de comeccedilarmos um discurso e expor a forma que iremos usar pode ser falada qual eacute a forma ou durante a apresentaccedilatildeo expor esta forma

bull A terceira caracteriacutestica de uma boa formulaccedilatildeo retoacuterica eacute o objetivo de um discurso Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Dito isso seguimos a esteira dos passos iniciais da retoacuterica inaugurada pelos sofistas na Greacutecia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano Eacute no pensamento sofiacutestico que encontramos esboccedilo de gramaacutetica formas de prosa tanto ornada como erudita Segundo esses filoacutesofos natildeo haacute transmissatildeo da possibilidade da verdade em um debate isto eacute completamente contraacuterio ao ideal socraacutetico que sempre estaacute em busca de uma verdade

Esses pensadores desenvolveram caracteriacutesticas que a partir do Kairoacutes tempo oportuno possibilitaram entender que uma discussatildeo sempre estaacute tentando evitar a fuga das coisas ela se agarra agrave oportunidade de uma reacuteplica eis que haacute elementos substanciais para formulaccedilatildeo posterior da retoacuterica aristoteacutelica

Os sofistas constituiacuteram o fundamento da retoacuterica ocidental sob a ideia da controveacutersia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussotildees O mundo desses filoacutesofos sofistas natildeo tem realidade objetiva muito menos verdade para eles a uacutenica coisa viaacutevel eacute o discurso ou seja a retoacuterica Neste sentido dizer que um discurso eacute verdadeiro ou verossiacutemil eacute soacute um artifiacutecio retoacuterico para calar a boca de algueacutem

A retoacuterica inaugurada pelos sofistas natildeo estaacute abaixo do saber seu objetivo eacute o poder em outras palavras os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam ldquoa governar bem suas casas e suas cidadesrdquo (REBOUL 2004 p 10) Isso significa que o que importa eacute servir o poder

Sob esta perspectiva podemos entender que a retoacuterica satisfez agrave necessidade teacutecnica juriacutedica bem como a prova literaacuteria agrave filosofia e ao ensino na Greacutecia antiga Isoacutecrates pensador grego desenvolveu uma retoacuterica que abrange esses aspectos mencionados Em sua longa vida de 99 anos Isoacutecrates (436-338 aC) libertou a retoacuterica da sofiacutestica grega ele contribuiu para desenvolver e ampliar as caracteriacutesticas da arte retoacuterica Apoacutes sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa tendo ele escrito sua proacutepria defesa resolveu publicar o texto intitulado ldquoA trocardquo foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retoacuterica

Seu meacutetodo de ensino partia da reflexatildeo dos alunos com os quais ele sentava e discutia as questotildees corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos Segundo ele natildeo satildeo todas as pessoas que podem praticar a boa oratoacuteria deve haver algumas condiccedilotildees para que o sujeito possa desenvolver esta arte

Para ele eacute necessaacuterio aptidatildeo natural praacutetica constante e ensino sistemaacutetico para que se configure um bom orador Haacute uma clara discordacircncia entre ele e os

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sofistas pois para Isoacutecrates natildeo se pode criar um bom orador apenas se pode aperfeiccediloar algueacutem com aptidatildeo para tal arte De acordo com Reboul Isoacutecrates queria um modelo de retoacuterica ldquosoacutebria clara precisa isenta de termos raros de neologismos de metaacuteforas brilhantes de ritmos marcados mas sutilmente bela e profundamente harmoniosardquo (REBOUL 2004 p 11)

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber Isoacutecrates afirma que a retoacuterica deve seguir uma causa honesta e nobre Para ele as pessoas satildeo livres para bem usar os artifiacutecios retoacutericos mas devemos estar preocupados com a formaccedilatildeo moral e literaacuteria dos oradores para que estes natildeo caiam no acaso logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existecircncia Segundo ele o que nos distingue dos animais eacute a palavra e essa caracteriacutestica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos Neste sentido eacute a liacutengua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar agraves guerras

A retoacuterica eacute um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condiccedilatildeo de linguagem e arguiccedilatildeo persuasiva frente aos seus interlocutores O orador pode falar de virtudes paixotildees e outros assuntos com qualidade e precisatildeo caso saiba estruturar o seu discurso

A razatildeo de ser da retoacuterica que constitui uma das suas principais caracteriacutesticas eacute justamente o fato de ela querer convencer algueacutem logo ela aborda elementos que satildeo comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade O orador deve saber formular silogismos que satildeo raciociacutenios loacutegicos sobre as provas empiacutericas que ele escolher Um bom silogismo deve conter premissas plausiacuteveis sendo que natildeo pode haver confusatildeo entre as partes descritas

Um bom orador estabelece as caracteriacutesticas mais provaacuteveis para um acontecimento seu raciociacutenio sempre considera probabilidades e natildeo descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem Ele deve considerar todas as situaccedilotildees viaacuteveis e por eliminaccedilatildeo e contradiccedilatildeo sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstraacutevel

Para entendermos como se configurou a retoacuterica moderna devemos entender como se deu o processo de assimilaccedilatildeo durante o periacuteodo medieval pois este periacuteodo herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Claacutessica De acordo com Costa (2008)

Diretamente herdeira da Retoacuterica claacutessica a Retoacuterica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de trecircs fontes a Retoacuterica a Herecircnio a Doutrina oratoacuteria (Institutio oratoacuteria de Quintiliano [35-95]) e a tradiccedilatildeo cristatilde (desde Satildeo Jerocircnimo [340-420] ateacute Santo Agostinho [354-430])

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Um dos manuais de Retoacuterica mais estimados na Idade Meacutedia foi a Retoacuterica a Herecircnio (Rethorica ad Herennium) texto entatildeo atribuiacutedo a Ciacutecero (106-43 aC) mas na verdade de autor desconhecido Escrito no seacuteculo I antes de Cristo em meio agrave crise da Repuacuteblica romana o tratado natildeo deixava de destacar as teacutecnicas para se obter a docilidade e a benevolecircncia dos ouvintes ndash como eacute tiacutepico dos toacutepicos da Retoacuterica ndash mas as fundamentava no conceito de justiccedila e especialmente na diferenccedila entre o bem e o mal como se depreende nessa passagemConveacutem que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplaacute-la No debate poliacutetico a utilidade divide-se em duas partes a segura e a honesta [] A mateacuteria honesta divide-se em reto e louvaacutevel Reto eacute o que se faz com virtude e dever Subdivide-se em prudecircncia justiccedila coragem e modeacutestia Prudecircncia eacute a destreza que pode com certo meacutetodo discernir o bem e o mal []Esse soacutelido alicerce eacutetico exposto na Retoacuterica a Herecircnio tem por sua vez raiz em Aristoacuteteles (384-322 aC) Em sua Retoacuterica o Estagirita sustentou as bases filosoacuteficas da virtude da justiccedila do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retoacuterica [] os homens tecircm uma inclinaccedilatildeo natural para a verdade e a maior parte das vezes alcanccedilam-na E por isso ser capaz de discernir sobre o plausiacutevel eacute ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade [] Mas a retoacuterica eacute uacutetil porque a verdade e a justiccedila satildeo por natureza mais fortes que os seus contraacuterios De sorte que se os juiacutezos se natildeo fizerem como conveacutem a verdade e a justiccedila seratildeo necessariamente vencidas pelos seus contraacuterios e isso eacute digno de censura (COSTA 2008 p 31)

Essa assimilaccedilatildeo da retoacuterica no periacuteodo medieval permitiu que ela fosse

adotada para o acircmbito religioso As exegeses e sermotildees comeccedilaram a conter elementos da forma grega de argumentar Depois de algum tempo jaacute havia sistemas estruturados de interpretaccedilatildeo dos textos que permitiam anaacutelises e explicaccedilotildees detalhadas das escrituras sagradas

Um bom argumento deve conter raciociacutenios irrefutaacuteveis pois do contraacuterio natildeo chegaremos a uma conclusatildeo viaacutevel

Entre as caracteriacutesticas da retoacuterica gostariacuteamos de fazer uma pequena distinccedilatildeo entre a funccedilatildeo teoloacutegica e a funccedilatildeo filosoacutefica da retoacuterica Para a filosofia a retoacuterica deve elucidar argumentos filosoacuteficos e o conteuacutedo de seus conceitos permitindo ao puacuteblico e ao estudante desta arte uma compreensatildeo clara e distinta acerca dos problemas da filosofia

Na filosofia a arte da persuasatildeo deve servir agrave elucidaccedilatildeo dos grandes problemas teoacutericos e para exposiccedilatildeo de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais Os primeiros manuais de retoacuterica publicados por Coacuterax e Tiacutesias por volta do seacuteculo V aC formularam os elementos para tais exposiccedilotildees Jaacute Goacutergias (483-380 aC) valorizou o significado da palavra como fundadora pois para este eacute a palavra que comanda um exeacutercito faz um porto ou determina

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

a natureza de um Estado Durante este periacuteodo inuacutemeras caracterizaccedilotildees diferenciaram a retoacuterica mas em geral todas concordam que uma boa retoacuterica proporcionaraacute uma possibilidade de se formar um orador Neste sentido distinguimos a caracteriacutestica da retoacuterica de formular discursos da oratoacuteria que definimos pela arte de se expressar em puacuteblico

Na teologia a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram caracteriacutesticas de eloquecircncia nos sermotildees e nos debates teoloacutegicos Destacamos que os principais motivos desta formulaccedilatildeo remetem agrave tentativa de converter os infieacuteis e produzir uma interpretaccedilatildeo biacuteblica

De modo resumido podemos dizer que os modos de persuasatildeo ajudam os indiviacuteduos em um debate para que estes possam formular pela retoacuterica e expor pela oratoacuteria as suas verdades Se na Idade Meacutedia o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formaccedilatildeo humana na Modernidade percebemos uma pulverizaccedilatildeo destas artes e uma constante divisatildeo que gerou uma teacutecnica distinta do conteuacutedo da retoacuterica

Os significados de Trivium e Quadrivium satildeo respectivamente Os trecircs caminhos que levam ao homem a eloquecircncia 1) gramaacutetica 2) retoacuterica 3) loacutegica Quadrivium Os quatro caminhos para a sabedoria do homem que satildeo 1) aritmeacutetica 2) muacutesica 3) geometria 4) astronomia

Neste sentido se na Antiguidade e na Idade Meacutedia retoacuterica e oratoacuteria se articulavam e completavam-se formando uma aacuterea de saber na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificaccedilatildeo que resultou em uma retoacuterica especiacutefica para profissatildeo

Embora a Retoacuterica de Aristoacuteteles tenha sido pouco lida o fato eacute que a tradiccedilatildeo grega contraacuteria aos sofistas elevou a Retoacuterica agrave categoria de valor Mesmo Platatildeo (c 429-347 aC) tatildeo avesso agrave Retoacuterica em sua Repuacuteblica ideal fez Soacutecrates afirmar que ela para deixar de ser uma adulaccedilatildeo deveria estar a serviccedilo da filosofia da educaccedilatildeo como ldquoarte de guiar a alma por meio de raciociacutenios (Fedro 261a) para se chegar agrave verdade agrave justiccedila e ao bemrdquo Assim desde a filosofia de Platatildeo a verdadeira finalidade da Retoacuterica natildeo deveria ser o ato de agradar aos homens como defendiam os sofistas mas agradar a Deus (Fedro 273e)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Em outras palavras a tradiccedilatildeo claacutessica grega legou aos romanos a noccedilatildeo de que a verdadeira Retoacuterica deveria estar a serviccedilo da eacutetica e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retoacuterico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas accedilotildees com o intuito de infundir a justiccedila nas almas dos cidadatildeos fazendo com que neles reinassem a prudecircncia a moderaccedilatildeo e sobretudo desaparecesse o destempero todas as energias do Estado e do indiviacuteduo deveriam portanto dedicar-se agrave busca do bem natildeo agrave satisfaccedilatildeo dos desejos Esses pressupostos estatildeo muito presentes em Quintiliano afamadiacutessimo professor de Retoacuterica do primeiro seacuteculo de nossa era Ao escrever sua obra-prima em 95 dC a Doutrina oratoacuteria este romano-espanhol de Calahorra natildeo teve qualquer receio em seguir a tradiccedilatildeo de Catatildeo (234-149 aC) e definir em seu Livro XII o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer mas sobretudo um homem bom (ldquovir bonus dicendi peritusrdquo) particularmente por seus costumes Todo esse manancial eacutetico claacutessico que norteou a Retoacuterica foi generosamente sorvido pela tradiccedilatildeo cristatilde especialmente atraveacutes de Satildeo Jerocircnimo (c 340-420) e Santo Agostinho (354-430) que a retransmitiram aos medievais (Jerocircnimo atraveacutes de suas cartas e Agostinho em suas Confissotildees) Isidoro de Sevilha (560-636) por fim fortaleceu a ponte entre os dois mundos e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) agrave Retoacuterica e agrave Dialeacutetica Nele o bispo realizou uma importante compilaccedilatildeo de excertos e circunscreveu a Retoacuterica ao discurso forense sem contudo abandonar seu cariz eacutetico ldquoRetoacuterica eacute a ciecircncia do bem dizer nos assuntos civis com a eloquecircncia proacutepria para persuadir o justo e o bomrdquo Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Meacutedia A partir de entatildeo o estudo da Retoacuterica ficou restrito ao universo monaacutestico ou seja tanto educandos quanto educadores salvo rariacutessimas exceccedilotildees natildeo a colocavam em praacutetica Isso soacute ocorreria a partir do seacuteculo XI quando a Retoacuterica passou a ser utilizada na composiccedilatildeo de cartas e documentos e tornou-se uma epistolografia era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi) E foi dessa eacutepoca a defesa acadecircmica da Retoacuterica feita por Gilberto de la Porreacutee e Joatildeo de Salisbury contra os cornificianos (COSTA 2008 p 32)

Essa fragmentaccedilatildeo da retoacuterica apoacutes o seacuteculo XVII (Idade Moderna) conforme aponta Reboul (2004) Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica praticamente fez desaparecer do meio acadecircmico a disciplina de Retoacuterica Depois da metade do seacuteculo XX a retoacuterica se recuperou gradativamente mas o processo comeccedilou pelo acircmbito do marketing Aos poucos e de fora para dentro o debate sobre a retoacuterica recomeccedilou e em nossos dias jaacute temos algumas instituiccedilotildees de Ensino Superior que retomaram essa disciplina contudo no ensino baacutesico simplesmente se ignora o papel da retoacuterica e da oratoacuteria

Retoacuterica e Oratoacuteria em Nosso MeioPassamos agora a discutir um pouco o problema da retoacuterica em nosso

meio para entendermos que ela natildeo eacute uma coisa distante e sem sentido que foi esquecida por ser sem utilidade Para Duran (2009 p 9)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Trecircs autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retoacuterica e da eloquecircncia no Brasil do seacuteculo XIX Roberto de Oliveira Brandatildeo com seus estudos sobre os manuais de retoacuterica e poeacutetica brasileiros do seacuteculo XIX (1972) Roberto Aciacutezelo de Souza com o livro O Impeacuterio da Eloquecircncia Retoacuterica e Poeacutetica no Brasil Oitocentista (1999) e Eduardo Vieira Martins com a Fonte subterracircnea (2005) Roberto de Oliveira Brandatildeo selecionou os manuais e compecircndios de retoacuterica e poeacutetica publicados ao longo do seacuteculo XIX como seus objetos de estudo Sua preocupaccedilatildeo foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional Em trabalhos posteriores como no texto Os manuais de retoacuterica brasileiros do seacuteculo XIX (1988) o autor apresentou avanccedilos acerca dessa temaacutetica abordando a funccedilatildeo e a permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na educaccedilatildeo nacional Roberto Aciacutezelo de Souza por sua vez estudou a retoacuterica e a poeacutetica por meio dos planos de ensino da segunda metade do seacuteculo XIX no Coleacutegio Pedro II Souza esforccedilou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado tendo em vista algumas oraccedilotildees da eacutepoca e as praacuteticas educativas de entatildeo Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos agrave mudanccedila estrutural da disciplina que em meados de 1830 deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referecircncia e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair A permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura brasileira tambeacutem foi abordada nesta pesquisa a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e Joseacute de Alencar Em seus trabalhos esses trecircs autores referiram-se agrave segunda metade do seacuteculo XIX quando a disciplina jaacute possuiacutea certa uniformidade Entre suas fontes se pode encontrar manuais compecircndios planos de ensino registros de aulas decisotildees e ordens do Estado brasileiro fontes que lhes serviram como referecircncia para localizar a contribuiccedilatildeo que a retoacuterica e a eloquecircncia forneceram agrave educaccedilatildeo Quanto agrave formaccedilatildeo de um discurso brasileiro senatildeo de uma literatura nacional um deles recorreu a um literato da eacutepoca Joseacute de Alencar enquanto os demais mantiveram-se atentos agrave produccedilatildeo de uma literatura didaacutetica ou pedagoacutegica Excetuando a distinccedilatildeo de gecircnero pode-se afirmar que ambas possuiacuteam uma unidade prescritiva de caraacuteter edificante

Neste aspecto pensar a retoacuterica em nossas terras eacute importante para

sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadecircmico se manifestou ficando agrave literatura o papel de preservar sua existecircncia de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio Em alguns lugares do paiacutes foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos

A longevidade da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura local foi garantida por meio dos perioacutedicos cariocas que a partir de 1822 tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em ldquoarrogar no coraccedilatildeo do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo aquela zelosa energia que constituem verdadeiro meacuterito moral e poliacutetico e acrisola decidido patriotismordquo (JORNAL SCIENTIacuteFICO ECONOMICO E LITERAacuteRIO 1826 NUacuteMERO 1 MAIO p 81) Regrada pela retoacuterica a comunicaccedilatildeo dos cariocas do primeiro quartel do seacuteculo XIX modelou uma

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Oratoacuteria e Retoacuterica

eloquecircncia que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular formal e temaacutetico para a invenccedilatildeo de uma literatura nacional e paralelamente de uma identidade brasileira (DURAN 2009 p 9)

Os jesuiacutetas contribuiacuteram de modo muito importante sobre a preservaccedilatildeo e difusatildeo da arte retoacuterica sobretudo no meio religioso Seus textos exegeacuteticos foram fundamentais para que as vertentes de retoacuterica e oratoacuteria se espalhassem no meio literaacuterio brasileiro

Foi publicado em 23 de dezembro de 1770 o Compecircndio histoacuterico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasatildeo dos denominados jesuiacutetas no Palaacutecio Nossa Senhora da Ajuda em Lisboa O opuacutesculo dava notiacutecia de aspectos do meacutetodo de ensino dos jesuiacutetas durante o seacuteculo XVIII nos cursos de Teologia Cacircnones Leis e Medicina da Universidade de Coimbra apresentando as mateacuterias conforme a sucessatildeo das aulas durante a semana Prima Terccedila e Veacutespera eram aulas permanentes que aconteciam respectivamente agraves segundas terccedilas e quartas-feiras certamente muito importantes a julgar pelo maior honoraacuterio pago aos mestres As quintas-feiras eram livres como na Franccedila e os domingos reservados para o descanso e a missa Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades geralmente as sextas-feiras quando se realizava a Noa Nas Catedrilhas Institutas ou Avicena que se seguiam irregularmente durante a semana realizava-se a revisatildeo dos temas jaacute estudados ou a leitura dos textos das proacuteximas aulas de Prima Terccedila ou Veacutespera Dedicadas a rememorar os temas jaacute discutidos tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a mateacuteria e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante O passante era na maioria dos casos um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiecircncia ou ainda um jovem receacutem-formado com as mesmas qualidades Aleacutem do passante havia o lente um tipo de mestre responsaacutevel pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Veacutespera antecedendo a explicaccedilatildeo do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terccedila A relevacircncia dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exerciacutecio contiacutenuo de memorizaccedilatildeo da mateacuteria pois a intenccedilatildeo era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importacircncia fato que num mundo de poucos impressos era um traccedilo distintivo de inteligecircncia Em todas as mateacuterias o estudo era guiado por uma obra de referecircncia impreterivelmente em latim A predominacircncia do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa liacutengua eram considerados os mais importantes e aprofundados Soma-se a isso a crenccedila de que o estudo da obra original das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor tinha maior meacuterito por constituiacuterem um conhecimento puro capaz de sustentar um saber genuiacuteno (DURAN 2009 p 15)

Aleacutem desse caraacuteter de decorar um assunto o ensinamento de um argumento

possibilita aos indiviacuteduos uma capacidade de memorizaccedilatildeo que os distingue dos demais visto que haacute poucos textos escritos nessa eacutepoca e a eloquecircncia com que se elencava um argumento fazia toda a diferenccedila quando se queria convencer algueacutem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Segundo Duran (2009) para alguns pensadores do final do seacuteculo XVIII natildeo era mais possiacutevel seguir sem a disciplina de retoacuterica em nossos bancos escolares e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias

No sistema criado por Verney as mateacuterias Histoacuteria Geografia e Gramaacutetica deveriam ser acompanhadas da Retoacuterica depois disso Grego e mais Histoacuteria deveriam ser as mateacuterias dos anos subsequentes A Retoacuterica alinhavava esses saberes disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniotildees acerca das mateacuterias estudadas [O mestre de Retoacuterica] Logo mandaraacute compor alguma coisa em Portuguecircs comeccedilando por assuntos breves nos trecircs gecircneros de Eloquecircncia Comeccedilaraacute primeiro pelas cartas portuguesas dando somente aos rapazes o argumento delas e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua proacutepria liacutengua e contra a Gramaacutetica E por esta razatildeo eacute supeacuterfluo neste ano ler mais autores portugueses porque esta composiccedilatildeo eacute o melhor estudo que se pode fazer da liacutengua portuguesa Depois passaraacute ao estilo histoacuterico e tiraraacute algum argumento da mesma Histoacuteria que se explica pela manhatilde para que os estudantes a dilatem escrevendo o dito caso mui circunstanciado e variando isto segundo o arbiacutetrio do Mestre ou tambeacutem a descriccedilatildeo de um lugar e de uma pessoa ou coisa semelhante Em terceiro lugar segue-se dar-lhe algum argumento declamatoacuterio mas breve Para facilitar isto o melhor meio eacute este Quando o mestre propotildee algum argumento que se deve provar perguntaraacute ao rapaz que razotildees ele daacute sobre aquele ponto Ouccedila as que ele daacute e ajude-o a produzi-las pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY 1952 p 63) Para Verney o exerciacutecio repetido da comunicaccedilatildeo era propiacutecio para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do disciacutepulo Esse agora natildeo era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala natildeo se destinava somente aos grandes nem deveria seguir os padrotildees de apenas um uacutenico modelo por isso estudariam os discursos deliberativo demonstrativo e judicial e [] quando o estudante tiver bastante notiacutecia dos trecircs gecircneros de Eloquecircncia em tal caso pode empregar-se em compor Latim e isto pelo mesmo meacutetodo que o fez em Vulgar Nesta composiccedilatildeo latina natildeo teraacute dificuldade alguma visto ter vencido todas na composiccedilatildeo portuguesa somente lhe faltaratildeo as palavras latinas e frases particulares da liacutengua ao que deve acudir e suprir o Mestre emendando-as ou sugerindo-as Encomende tambeacutem aos rapazes que leiam muito as oraccedilotildees de Ciacutecero natildeo digo as Verrinas que satildeo enfadonhas e soacute se podem ler salteadas mas as outras mais faacuteceis e breves das quais com facilidade se passa para as outras E esta classe eacute necessaacuterio que frequentem todos os que estudam Latinidade porque sem ela nenhum pode entender e escrever bem Latim e com ela pode saber muita coisa uacutetil para todos os exerciacutecios da vida e principalmente para toda a sorte de estudos (VERNEY 1952 apud DURAN 2009 p 15)

O retorno da retoacuterica aos acircmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indiviacuteduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos fiacutesicos e materiais Com a retomada

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Oratoacuteria e Retoacuterica

da retoacuterica temos tambeacutem o retorno de figuras de linguagem comparaccedilotildees e estruturas mais rebuscadas

Platatildeo e AristoacutetelesSegundo Platatildeo a retoacuterica se caracteriza pela capacidade de persuasatildeo dos

interlocutores essa capacidade nos traz a atualidade do diaacutelogo em Goacutergias de Platatildeo acerca de uma educaccedilatildeo retoacuterica Embora estejamos enfeiticcedilados pela tecnologia quando encontramos algueacutem que sabe se expressar muito bem percebemos quatildeo importante eacute saber falar e organizar as ideias

No diaacutelogo Goacutergias Calicles e Soacutecrates iniciam a discussatildeo sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra e ao incorporarem Querefonte na discussatildeo Calicles propotildee ouvirmos o que Goacutergias pensa sobre o ato de dialogar Neste sentido Soacutecrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar Goacutergias se dispotildee a responder todas as perguntas gabando-se de que ningueacutem havia o pego desprevenido

Em determinado momento do diaacutelogo Soacutecrates inquire Goacutergias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequecircncias desta pois para Soacutecrates existe uma diferenccedila entre oratoacuteria e diaacutelogo sendo a oratoacuteria instrumento dos falaciosos Segundo Goacutergias ldquome prezo de serrdquo um bom orador (PLATAtildeO 1970 p 52) Ao se considerar como tal Goacutergias assume que eacute capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo Na sequecircncia do diaacutelogo Soacutecrates pede para que Goacutergias exponha sua arte de maneira clara e concisa Goacutergias concorda em expor esta oratoacuteria de que tanto se fala e compara concordando com Soacutecrates com a tecelagem e a muacutesica

Ao responder a Soacutecrates Goacutergias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes por exemplo a medicina pois a oratoacuteria natildeo trata de todas as palavras Segundo Goacutergias seguindo Soacutecrates a oratoacuteria capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem E aparece assim a primeira contradiccedilatildeo de Goacutergias que dissera haacute pouco no diaacutelogo com Soacutecrates que a oratoacuteria natildeo tem nada a ver com a medicina mas agora quando Soacutecrates reformula a questatildeo Goacutergias concorda que a medicina reflete sobre

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

as doenccedilas e por conseguinte usa a palavra Ao falarmos de moleacutestias segundo Soacutecrates utilizamos palavras tambeacutem faz uso de palavras a ginaacutestica que se refere ao corpo logo concluiacutemos que seguindo o raciociacutenio socraacutetico todas as demais artes utilizam palavras para se expressar e surge a principal questatildeo ateacute o momento ldquopor que natildeo dar o nome de oratoacuteria agraves demais artesrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54) A resposta de Goacutergias eacute que as demais artes trabalham com as matildeos enquanto a oratoacuteria eacute a arte da palavra isto eacute ldquosua atividade e operaccedilatildeo se realizam todas por meio de palavrasrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54)

Na sequecircncia do diaacutelogo a discussatildeo se encaminha para artes que usam as palavras sendo que a oratoacuteria natildeo abarca estas atividades Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmeacutetica que usam termos palavras e sinais na escrita mas em nenhum momento se expressam sendo que a estas tambeacutem natildeo chamamos de oratoacuteria logo a oratoacuteria eacute a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras

Devemos questionar agora se a oratoacuteria possui realmente este poder de persuasatildeo defendido por Platatildeo na obra que estamos utilizando para aplicar o debate Para Goacutergias a palavra eacute uma das formas que pode congregar cidadatildeos e colocar todos os demais que natildeo dominam esta arte sob seus peacutes Eacute a arte retoacuterica do uso das palavras que pode convencer as massas ldquoCom ecircnfase exalta Goacutergias a sua arte Na apologia Soacutecrates conta como saiacutera a interrogar os homens que passavam por saacutebios poliacuteticos poetas artiacutefices cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientiacutessimo nos demais domiacuteniosrdquo (PLATAtildeO 1970 p 59) Aqui a palavra massa natildeo tem nenhuma referecircncia moderna Eacute uma referecircncia agrave assembleia grega

Neste sentido a retoacuterica eacute um modo de persuasatildeo que cria convicccedilotildees nos interlocutores Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasatildeo A persuasatildeo que eacute uma consequecircncia da oratoacuteria eacute o convencimento por meio de bons argumentos retoacutericos e o bom uso da oratoacuteria No diaacutelogo Soacutecrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim e mais se a arte pode produzir uma persuasatildeo parecida ou igual agrave da retoacuterica Antes de continuar esta reflexatildeo sobre a persuasatildeo precisamos explicar que existe uma diferenccedila entre persuasatildeo didaacutetica e persuasatildeo pateacutetica A didaacutetica se refere ao convencimento do intelecto enquanto a pateacutetica indica um convencimento mediante as emoccedilotildees

Seguindo a linha de raciociacutenio de Soacutecrates no diaacutelogo com Goacutergias entendemos que outras artes tambeacutem produzem o convencimento cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retoacuterica produz Para responder a isso Goacutergias diz que a persuasatildeo produzida pela oratoacuteria eacute aquela que se refere ao justo e ao injusto

Percebemos que a oratoacuteria referida por Goacutergias eacute aquela juriacutedica e que estaacute restrita aos tribunais Soacutecrates distingue dois tipos de persuasatildeo 1) a crenccedila sem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

o saber e 2) a ciecircncia logo conclui-se que o orador fala da crenccedila e natildeo da ciecircncia visto que no tribunal ele natildeo expotildee o que eacute justo e injusto simplesmente quer convencer os interlocutores

Neste sentido devemos indagar assim como Soacutecrates indagou Goacutergias que proveito haacute em estudar esta arte retoacuterica A resposta a esta pergunta eacute a seguinte quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente procuramos um profissional meacutedico quando queremos falar bem procuramos um especialista em oratoacuteria Assim quem aprende uma habilidade como esta ou seja a arte retoacuterica estaacute habilitado a discutir com qualquer pessoa pois domina os conceitos Deste modo cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis

Ateacute agora a exposiccedilatildeo da arte retoacuterica e o modelo de oratoacuteria em Platatildeo situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso de modo a permitir que o estudante entenda a retoacuterica como uma forma de construccedilatildeo de argumentos e a retoacuterica como um modo de persuasatildeo dos interlocutores O diaacutelogo platocircnico Goacutergias trouxe a discussatildeo para o patamar da escolha individual de cada indiviacuteduo assim eacute o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo

Seguindo o diaacutelogo platocircnico Soacutecrates retoma a questatildeo que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador Nesta perspectiva Goacutergias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posiccedilatildeo O diaacutelogo se inclina agora para a discussatildeo da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquecircncia de um orador Neste aspecto Soacutecrates pede a Goacutergias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratoacuteria Goacutergias concorda seguindo em tudo o que Soacutecrates diz a respeito do conhecimento de um orador Concluindo este raciociacutenio Soacutecrates e Goacutergias concordam que a oratoacuteria eacute um tipo de arte injusta

No pensamento platocircnico o debate acerca da retoacuterica e da oratoacuteria remete ao diaacutelogo Goacutergias apontando na direccedilatildeo esteacutetica e literaacuteria ldquoNascido por volta do ano 485 aC Goacutergias viveu 109 anos sobrevivendo pois a Soacutecrates Tambeacutem siciliano e disciacutepulo de Empeacutedocles em 427 aC foi para Atenas numa embaixada diz-se que ali sua eloquecircncia encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltariardquo (REBOUL 2004 p 4) Percebemos aqui como a arte retoacuterica ganhou forccedila a partir dos textos e argumentaccedilotildees neste periacuteodo citado Ateacute entatildeo na Greacutecia literatura e poesia eram consideradas idecircnticas Por sua vez a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Goacutergias criou o discurso epidictieo que significa um elogio puacuteblico tambeacutem desenvolveu uma prosa eloquente que com suas rimas metaacuteforas e periacutefrases formula um modelo que captura os espectadores Citamos um exemplo de tamanha eloquecircncia o Elogio de Helena que era uma mulher perfeita bela esposa de Menelau que permitiu ser capturada por Paacuteris lanccedilando os gregos em uma guerra de uma deacutecada Goacutergias expotildee a beleza de Helena em um discurso proferido ao puacuteblico na eacutepoca da guerra no texto Goacutergias daacute as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada Dentre elas destacamos algumas foi um decreto dos deuses ou foi o destino teria ela sido levada agrave forccedila Ou convencida por belas palavras E ainda o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos

Para Goacutergias Helena foi convencida pela arguiccedilatildeo de um belo discurso e como tal natildeo eacute culpada Goacutergias defende Helena como pretexto para defender a retoacuterica ldquoO discurso eacute um tirano poderosiacutessimo esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisiacutevel alccedila agrave plenitude as obras divinas porque a palavra pode pocircr fim ao medo disse para a tristeza estimular a alegria aumentar a piedade (GOacuteRGIAS apud REBOUL 2004 p 5)

Para Goacutergias Helena eacute inocente pois ela natildeo pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos logo para Goacutergias a argumentaccedilatildeo sofiacutestica de que um ato involuntaacuterio natildeo implica em culpa Assim a arte retoacuterica expressa na oratoacuteria de Goacutergias passou a ser chamada de sofista

Eis aiacute um dos momentos marcantes da retoacuterica antiga pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquecircncia e sua arte de convencimento Inaugura-se neste periacuteodo um modo de educaccedilatildeo intelectual profundo que natildeo tem a ver com uma profissatildeo ou religiatildeo pois era o conhecimento pelo conhecimento em outras palavras Goacutergias deu agrave retoacuterica a capacidade de falar do belo

Aleacutem do debate entre Platatildeo e Goacutergias protagonizado por Soacutecrates e seus interlocutores temos outros preacute-socraacuteticos que desenvolveram a retoacuterica como a arte de argumentar Destacamos a figura de Protaacutegoras de Abdera (486-410 aC) como um destes representantes que aleacutem de defender o agnosticismo formulou a famosa maacutexima retoacuterica em relaccedilatildeo agrave moral ldquoo homem eacute a medida de todas as coisas das que satildeo enquanto satildeo e das que natildeo satildeo enquanto natildeo satildeordquo No que se refere aos seres sagrados ou deuses Protaacutegoras formulou ldquoquanto aos deuses natildeo estou em condiccedilatildeo de saber se existem ou natildeo existem nem mesmo o que satildeordquo (REBOUL 2004 p 7) Este pensamento retoacuterico lhe custou a pena de morte mas como tinha medo da morte fugiu

Quanto agrave oratoacuteria e agrave retoacuterica a principal preocupaccedilatildeo de Protaacutegoras era com os substantivos suas formas e variaccedilotildees Tambeacutem desenvolveu uma nova gramaacutetica e fundou a eriacutestica que significa a contraposiccedilatildeo de ideias resultando tempos depois na dialeacutetica Por eacuteris Protaacutegoras entendeu que uma boa discussatildeo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

deve conter ideias contraditoacuterias visto que em grego a palavra eriacutestica vem de eacuteris que significa controversa Desta maneira segundo Protaacutegoras qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando eis que esta eacute a condiccedilatildeo da teacutecnica eriacutestica ou seja os modos e formas para vencer um debate A discussatildeo e a controveacutersia mediante o uso da retoacuterica e da oratoacuteria eacute que conferem a condiccedilatildeo de um debate

Estas caracteriacutesticas que elencamos ateacute agora representam a propedecircutica ou preparaccedilatildeo para iniciar a discussatildeo acerca do fundamento da retoacuterica e da oratoacuteria Em Aristoacuteteles a retoacuterica se configura em diaacutelogo com a dialeacutetica Neste sentido ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado

No pensamento retoacuterico aristoteacutelico haacute uma distinccedilatildeo entre saber como arte e conhecimento como ciecircncia No desenvolvimento da retoacuterica desde Aristoacuteteles ateacute nossos dias ocorreu uma transformaccedilatildeo desta que passou da arte persuasiva para uma hermenecircutica interpretativa

Retomamos o cuidado com o significado da retoacuterica e da oratoacuteria em nossos tempos Em Aristoacuteteles a retoacuterica natildeo eacute simplesmente persuadir ou convencer os outros ela eacute tambeacutem fruto da experiecircncia de vaacuterios oradores que desenvolvem teacutecnicas para melhorar e exercitar esta arte A tradiccedilatildeo grega desde Homero sempre se preocupou em formular bons argumentos retoacutericos e excelentes oradores assim aleacutem de agir heroicamente as personagens gregas deviam falar bem

Inuacutemeros satildeo os exemplos na histoacuteria grega que relatam estes acontecimentos Todo o processo de transformaccedilatildeo da oratoacuteria grega passa basicamente por Platatildeo Isoacutecrates e Aristoacuteteles chegando agraves legiotildees romanas atraveacutes de Ciacutecero que com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano imortalizou a retoacuterica no meio latino De acordo com Lausberg (1960) nunca houve um sistema retoacuterico claacutessico isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indiviacuteduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retoacuterica e da oratoacuteria

Para explicarmos de maneira resumida as definiccedilotildees de retoacuterica elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento mas todas essas definiccedilotildees concordam em um ponto a retoacuterica possui fins persuasivos

a) A definiccedilatildeo de Coacuterax Tisias Goacutergias Platatildeo segundo estes a retoacuterica eacute geradora de persuasatildeo

b) Aristoacuteteles eacute capaz de descobrir as formas de persuasatildeo sobre um assunto

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) Hermaacutegoras eacute a forma de bem falar no que tange aos assuntos puacuteblicos

d) Quintiliano retoacutericos estoicos que significa a ciecircncia de falar bem

Essas definiccedilotildees partem do princiacutepio de que retoacuterica eacute um corpo de conhecimento ou meacutetodo para se expressar bem assim como pensamos a retoacuterica devemos levar em conta os seus usos No que tange agrave finalidade de um discurso natildeo haacute muita diferenccedila entre o acircmbito teoacuterico e praacutetico da eloquecircncia

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo caminham juntas

Passamos agora ao entendimento de retoacuterica segundo Aristoacuteteles que escreveu em seu livro Retoacuterica sobre os fins persuasivos desta arte e no livro Poeacutetica defende a evocaccedilatildeo imaginaacuteria para discursos poeacuteticos e literaacuterios Faz assim uma distinccedilatildeo fundamental entre o caraacuteter retoacuterico e o poeacutetico

Percebemos aqui uma severa criacutetica de Aristoacuteteles para os seus antecessores que mantinham unidas dimensotildees tatildeo distintas A novidade apresentada por Aristoacuteteles eacute a presenccedila do argumento loacutegico logo haacute uma relaccedilatildeo entre prova raciociacutenio silogismo e argumentaccedilatildeo persuasiva Este meacutetodo serve tanto agraves ciecircncias empiacutericas quanto agrave filosofia e aleacutem disso pode ser usado tambeacutem para interpretar textos

Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em sete partes 1) A distinccedilatildeo de duas categorias formais de persuasatildeo provas teacutecnicas e natildeo teacutecnicas 2) Identificaccedilatildeo de trecircs meios de prova [] a loacutegica do assunto o caraacuteter do orador e a emoccedilatildeo dos ouvintes 3) A distinccedilatildeo de trecircs espeacutecies de retoacuterica judicial deliberativa e epidiacutectica 4) A formulaccedilatildeo de duas categorias retoacutericas entimema prova dedutiva o exemplo usado na argumentaccedilatildeo indutiva [] 5) A concepccedilatildeo e o uso de vaacuterias categorias de toacutepicos na construccedilatildeo dos argumentos toacutepicos de cada gecircnero de discurso toacutepicos aplicaacuteveis a todos os gecircneros e toacutepicos de estrateacutegias de argumentaccedilatildeo 6) concepccedilatildeo de normas baacutesicas de estilo e composiccedilatildeo nomeadamente de clareza agrave compreensatildeo de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicaccedilatildeo do papel da metaacutefora 7) a classificaccedilatildeo e ordenaccedilatildeo das vaacuterias partes do discurso (ARISTOacuteTELES 2005 p 35)

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas

de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se

distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo

e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo

caminham juntas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A classificaccedilatildeo proposta por Aristoacuteteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades

A sistematizaccedilatildeo de regras do discurso observando ao mesmo tempo as interaccedilotildees necessaacuterias aos trecircs elementos envolvidos o orador o ouvinte e o objeto do discurso teve por finalidade dar consistecircncia a essa teacutecnica inserindo-a no campo das artes Esse era sem duacutevida o objetivo de Aristoacuteteles no seu tratado sobre a arte retoacuterica e a arte poeacutetica retirar das sombras essa parte da dialeacutetica ndash como o autor considerava a retoacuterica ndash neutralizando de certo modo algumas acusaccedilotildees como as de Platatildeo sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA 2012 p 7)

Se quisermos falar a um puacuteblico ou a um grupo seleto de pessoas devemos escolher o meacutetodo apropriado e o estilo conforme a classificaccedilatildeo aristoteacutelica indica Para o pensador grego retoacuterica e oratoacuteria se complementam mas satildeo distintas enquanto sua finalidade pois a retoacuterica serve para a boa formulaccedilatildeo de raciociacutenio e a oratoacuteria possui uma finalidade literaacuteria que implica na beleza do discurso

Atividades de Estudos

1) Leia o texto indicado a seguir e responda agraves questotildees

Artigo Retoacuterica e nova retoacuterica a tradiccedilatildeo grega e a teoria da argumentaccedilatildeo de Chaim Perelman Disponiacutevel em lthttpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfilesanexos25334-25336-1-PBpdfgt

a) O que eacute retoacuterica ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) Para que serve a retoacuterica ____________________________________________________

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) O que eacute oratoacuteria ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) Para que serve a oratoacuteria ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma caracteriacutestica humana que diferencia

pessoas de qualidade daquelas com outras aptidotildees A retoacuterica e a oratoacuteria ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem e por isso merecem a nossa atenccedilatildeo

Ao falar temos diferentes opccedilotildees para nos expressarmos podemos optar pelo cinismo pelo relativismo pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmaacutetica A escolha que fizermos implicaraacute em um modo de exposiccedilatildeo dos argumentos e justificaccedilatildeo das ideias e consequentemente em implicaccedilotildees morais

Conforme jaacute apontamos a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo possuem necessariamente um compromisso com a verdade pois satildeo uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem A transmissatildeo de uma mensagem atraveacutes de argumentos ou pela exposiccedilatildeo loacutegica de ideias pode levar em conta uma verdade por exemplo como ocorre com Platatildeo que tem em vista uma verdade uacuteltima que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias Por outro lado falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referecircncia agrave verdade conforme aponta Protaacutegoras Para este filoacutesofo grego a verdade eacute inatingiacutevel e por isso natildeo existe nada a ser transmitido neste sentido o que haacute eacute a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos

A verdade e a retoacuterica natildeo andam juntas o tempo todo agraves vezes elas se aproximam e agraves vezes elas se distanciam Neste sentido somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam

No acircmbito cotidiano a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante relaccedilatildeo com a verdade mas geralmente passam desapercebidas Quando estamos no trabalho

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ou em um conviacutevio social de lazer somos inquiridos e formulamos respostas nem percebemos que este exerciacutecio eacute o mesmo que em pequena escala um modo de fazer retoacuterica e oratoacuteria Por exemplo vocecirc quer convencer seu chefe de que um projeto seu eacute bom para a empresa vocecirc usaraacute argumentos retoacutericos e a forma como os apresentar seraacute a sua oratoacuteria

Eacute Aristoacuteteles quem define a retoacuterica com mais modeacutestia do que Platatildeo e os sofistas reabilitando assim uma visatildeo sistemaacutetica que se incorpora no mundo Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em quatro partes a primeira parte chamou de invenccedilatildeo a segunda denominou de disposiccedilatildeo agrave terceira parte deu o nome de elocuccedilatildeo e agrave quarta denominou de accedilatildeo Esta divisatildeo permaneceu vaacutelida ateacute nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes

bull A invenccedilatildeo do grego se chama de heureacutesis eacute o modo como o orador articula a persuasatildeo como o tema do discurso aspectos satildeo os meios de persuasatildeo presentes no tema que iratildeo contribuir para a organizaccedilatildeo do discurso

bull A disposiccedilatildeo em grego taxis eacute o modo como se organizam estes argumentos ou o plano interno do discurso Nesta parte haacute uma necessidade de organizaccedilatildeo para que possamos perceber a sequecircncia dos argumentos

bull A elocuccedilatildeo do grego lexiseacute o estilo do discurso Posteriormente alguns autores chamaram estas formas de expressatildeo de um discurso de figuras de estilo

bull Por fim a accedilatildeo do grego hypocrisis eacute a expressatildeo do discurso pela voz com gestos ou miacutemicas Lembramos que no periacuteodo romano acresceu-se a memoacuteria

Para o indiviacuteduo que deseja formular um bom discurso de retoacuterica e oratoacuteria lembramos que caso negligencie um destes elementos sua retoacuterica e oratoacuteria seraacute inaudiacutevel mal escrita ou vazia No cotidiano chamamos isso de opiniotildees de senso comum que satildeo desarticuladas e sem sentido

Quando falamos em verdade e retoacuterica devemos lembrar que para Aristoacuteteles a retoacuterica eacute parecida ou ao menos comparada com a dialeacutetica Usamos a definiccedilatildeo de dialeacutetica expressa no coro grego que canta uma estrofe e na sequecircncia ouve a antiacutestrofe (ARISTOacuteTELES 2005 p 36)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Eacute na contraposiccedilatildeo de verdades que a retoacuterica adquire sua utilidade segundo Aristoacuteteles A utilidade da retoacuterica se daacute justamente por causa da sua capacidade argumentativa Por isso um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate visto que temos que considerar as evidecircncias e os meios de persuasatildeo Para determinar a natureza da retoacuterica Aristoacuteteles afirma

[] a retoacuterica eacute a outra face da dialeacutetica pois ambas se ocupam de questotildees mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e natildeo correspondem a nenhuma ciecircncia em particular De fato todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento defender-se ou acusar (ARISTOacuteTELES 2005 p 89)

Assim as pessoas praticam a retoacuterica com o resultado do haacutebito no cotidiano

sem se dar conta do oacutebvio

Queremos esclarecer que aqui falamos da retoacuterica e da oratoacuteria como um meacutetodo para elaboraccedilatildeo estruturaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos mas algo que valorize a experiecircncia praacutetica do indiviacuteduo Segundo Aristoacuteteles

[] os que ateacute hoje compuseram tratados de retoacuterica ocuparam-se apenas de uma parte desta arte pois soacute os argumentos retoacutericos satildeo proacuteprios dela e todo o resto eacute acessoacuterio Eles poreacutem nada dizem dos entimemas que satildeo afinal o corpo da prova antes dedicam maior parte de seus tratados a questotildees exteriores ao assunto porque o ataque verbal a compaixatildeo a ira e outras paixotildees da alma semelhantes a estas natildeo afetam o assunto mas sim o juiz (ARISTOacuteTELES 2005 p 90)

Ao expor esta dificuldade Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para a necessidade

de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para por intermeacutedio da retoacuterica esclarecer os problemas de argumentaccedilatildeo retoacuterica pois verdade e justiccedila satildeo mais fortes que seus opostos

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protaacutegoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retoacuterica a um patamar superior queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retoacuterica e a oratoacuteria no seu cotidiano a saber devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou eacute mais pertinente a beleza de um discurso

Evidentemente que Aristoacuteteles responderia que devemos utilizar a retoacuterica em consonacircncia com a dialeacutetica para evitarmos a postura relativista Na praacutetica esta escolha metodoloacutegica implica que os indiviacuteduos devem conhecer aleacutem da estrutura gramatical e loacutegica de um argumento a finalidade o conteuacutedo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratoacuteria condizente

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo pretendemos esclarecer que dependendo da escolha que fizermos o bem falar e o bem argumentar teratildeo implicaccedilotildees que precisam ser conhecidas Se optarmos pela forma em detrimento do conteuacutedo de um argumento colocaremos em risco a transmissatildeo da verdade Por outro lado se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma teremos dificuldades em ser ouvidos devido agrave robustez e falta de polimento de uma argumentaccedilatildeo Eacute por isso que Aristoacuteteles ao dividir e organizar a retoacuterica defende um equiliacutebrio entre as partes pois sem este equiliacutebrio estaremos em algum exagero

Eacute sabido que no mundo contemporacircneo ocorrem diversos exageros no que se refere agrave retoacuterica e oratoacuteria praticadas em diferentes acircmbitos da sociedade Citamos como exemplo os poliacuteticos que utilizam vaacuterios tipos de sofismas argumentos falsos para poder convencer seus eleitores e posteriormente uma vez eleitos esquecer e ateacute desmentir o que prometeram Se pensarmos esta realidade no meio grego especialmente no periacuteodo de Aristoacuteteles teriacuteamos seacuterias dificuldades em considerar plausiacutevel tal atitude

De acordo com Aristoacuteteles argumentar persuasivamente eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para que os indiviacuteduos possam fazer bom uso da arte retoacuterica e por conseguinte se evite a imoralidade Devemos estar atentos para que ningueacutem argumente contra a justiccedila pois se algueacutem o fizer devemos estar atentos para refutar o indiviacuteduo Satildeo entimemas ou seja silogismos que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contraacuterios para permitir o bom uso da retoacuterica para Aristoacuteteles

Eacute neste ponto ou seja na contraposiccedilatildeo de ideias que retoacuterica e dialeacutetica se aproximam A retoacuterica eacute uacutetil aos indiviacuteduos porque permite esclarecer quais satildeo os meios de persuasatildeo utilizados em uma disputa logo a retoacuterica eacute a forma de descobrir o que eacute adequado para se persuadir em uma determinada situaccedilatildeo

Platatildeo tambeacutem se preocupou em demasia com a necessidade de uma definiccedilatildeo acabada do que viria a ser a retoacuterica e natildeo a encontrando clara (a natildeo ser pela sua associaccedilatildeo com a persuasatildeo) alimentou alguns preconceitos Em Aristoacuteteles por outro lado nota-se maior preocupaccedilatildeo em demarcar os limites e o alcance da arte retoacuterica na obra que leva esse mesmo nome ao estabelecer as bases para o uso e a compreensatildeo dessa arte Associando a retoacuterica a um saber praacutetico ou teacutecnica que se diferenciaria de muitas ciecircncias e mesmo de outras artes por natildeo se concentrar em algum objeto em si Aristoacuteteles

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

disse que a retoacuterica seria ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeo [] descobrir o que eacute proacuteprio para persuadir Por isso [] ela natildeo aplica suas regras a um gecircnero proacuteprio e determinadordquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 33) Para esse autor a retoacuterica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do puacuteblico (o uso das metaacuteforas por exemplo foi tratado formalmente nessa obra) Apontando para todo esse conjunto de regras explicitamente Aristoacuteteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em trecircs gecircneros o deliberativo o demonstrativo e o judiciaacuterio os quais teriam finalidades diferentes Assim sendo seriam variados os tipos de argumentos vaacutelidos para a conversaccedilatildeo e tambeacutem as reaccedilotildees esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes Nessa claacutessica obra de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica o autor apresentou uma longa discussatildeo destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese as ocasiotildees e os objetos que deveriam ser reunidos a forma de apresentaacute-los ao puacuteblico etc (VIEIRA 2012 p 6)

Nisto a retoacuterica difere das demais artes pois ela abrange todas as demais no que tange agrave instruccedilatildeo e agrave persuasatildeo Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasatildeo proacuteprias da retoacuterica Algumas estatildeo no caraacuteter do orador outras no ouvinte e por uacuteltimo temos aquelas presentes nos discursos Eacute importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasatildeo

bull A persuasatildeo pelo caraacuteter ocorre quando o orador eacute digno de feacute Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais Esse meio eacute o modo mais importante de persuasatildeo faz com que os indiviacuteduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito

bull Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido agrave emoccedilatildeo que sentem durante o mesmo Neste aspecto quando estamos sob efeito de emoccedilotildees temos mais facilidade em acreditar especialmente se o orador explorar as paixotildees do puacuteblico

bull Por uacuteltimo precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteuacutedo do discurso pois aquilo que estaacute sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos Parece que a retoacuterica eacute um ramo da dialeacutetica e que desaacutegua na poliacutetica entendendo esta uacuteltima como a busca pelo bem da polis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Para Aristoacuteteles ldquo[] a retoacuterica eacute uma parte da dialeacutetica e a ela se assemelha como dizemos no princiacutepio pois nenhuma das duas eacute ciecircncia de definiccedilatildeo de um assunto especiacutefico mas mera faculdade de proporcionar razotildees para os argumentosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 97)

Segundo Aristoacuteteles estruturar um argumento leva em conta a retoacuterica

porque eacute atraveacutes dela que se constituiraacute uma argumentaccedilatildeo detalhada e se faraacute o exame das provas Aristoacuteteles inaugurou um modelo de verificaccedilatildeo de argumento que vigorou na histoacuteria da filosofia ateacute o pensamento moderno Somente com Immanuel Kant eacute que se distinguiu prova de demonstraccedilatildeo Desde entatildeo sabemos que prova eacute algo rigoroso quando estamos argumentando enquanto que demonstraccedilatildeo eacute algo mais racional e sem verificaccedilatildeo empiacuterica

A retoacuterica eacute a ciecircncia da construccedilatildeo de bons argumentos enquanto a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo destes Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e natildeo somente em demonstraccedilotildees loacutegicas Mesmo sendo difiacutecil distinguirmos uma prova de uma demonstraccedilatildeo precisamos nos esforccedilar para que formulemos uma argumentaccedilatildeo convincente

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retoacuterica filosoacutefica um argumento deve ser curto e claro isto eacute deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenocircmenos possiacuteveis sem ambiguidades No acircmbito da linguagem humana expressar tais ideias nem sempre eacute faacutecil pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades

A tarefa de um bom orador eacute proporcionar uma clareza em sua exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere Ele pode fazer uso de ambiguidades mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos Assim se em Platatildeo convencer com bons argumentos era o objetivo da retoacuterica para os sofistas todo o resto acerca da verdade natildeo importa por isso devemos convencer a todo custo

Enquanto isso a retoacuterica em Aristoacuteteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificaccedilatildeo para uso dos acadecircmicos Jaacute em Roma os oradores como Secircneca por exemplo se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam

No processo de assimilaccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade notamos que Agostinho e posteriormente Tomaacutes de Aquino desenvolveram a exegese e a interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo as orientaccedilotildees das propostas da retoacuterica platocircnica e aristoteacutelica respectivamente

Apoacutes desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por um periacuteodo de dificuldades no iniacutecio da Modernidade e ganharam ares profissionais ficando em segundo plano

A tarefa de um bom orador eacute

proporcionar uma clareza em sua

exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retoacuterica precisamos retomar as propostas da Antiguidade visto que no seacuteculo XX a retoacuterica quase desapareceu do acircmbito do debate acadecircmico

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retoacuterica e oratoacuteria para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto

bull Primeiro entre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos e os sofistas a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram um caraacuteter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendecirc-las sem distinccedilatildeo exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas

bull Segundo para Platatildeo e Aristoacuteteles a retoacuterica e a oratoacuteria possuem caracteriacutesticas que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa praacutetica da justiccedila

bull Terceiro a retoacuterica e a oratoacuteria medieval possuem particularidades que natildeo podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium logo os autores deste periacuteodo utilizaram de modo genuiacuteno os elementos propostos por Platatildeo e Aristoacuteteles para fazer suas reflexotildees religiosas bem como para estruturar suas doutrinas

bull Quarto a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por periacuteodos de esquecimento na Modernidade ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influecircncia do marketing nos EUA apoacutes os anos de 1950

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didaacutetico para o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retoacutericas que encontramos no mundo contemporacircneo

Algumas ConsideraccedilotildeesEste capiacutetulo abordou a histoacuteria da retoacuterica e da oratoacuteria para distinguir

algumas caracteriacutesticas Deste modo argumentar bem natildeo significa enganar o interlocutor eacute antes de tudo saber escolher a estrateacutegia adequada como nos ensinam Platatildeo Soacutecrates Aristoacuteteles e os outros autores referidos no texto

Por isso cabe a vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher quais os

caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponiacuteveis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Arte Poeacutetica e Arte Retoacuterica Rio de Janeiro Ediouro 2005

COSTA R A Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia a Retoacuterica Nova (1301) de Ramon Llull Notandum ESDC Porto 2008

DURAN M R da C Retoacuterica e eloquecircncia no Rio de Janeiro 1759-1834 Franca UNESP 2009

LAUSBERG H Handbuch der literarischen Rhetorik Muumlnchen Max Huumlber 1960

MOSCA L L S Retoacutericas de Ontem e de Hoje Velhas e novas retoacutericas convergecircncias e desdobramentos Satildeo Paulo Humanitas FFLCHUSP 2001

PLATAtildeO Goacutergias ou a Retoacuterica Satildeo Paulo Difel 1970

PLATAtildeO Fedro Trad Carlos Alberto Nunes Beleacutem EDUFPA 2005

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

VIEIRA J G S A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso Curitiba 2012

WESTON A A arte de argumentar Lisboa Gradiva 1996

CAPIacuteTULO 2

A Retoacuterica e a Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apresentar as formas de se expressar

Conhecer os modos de formulaccedilatildeo de um argumento estrutura e modelo

Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos

Averiguar as diferentes formas de convencimento e construccedilatildeo de discursos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo destacamos a formulaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um argumento

Partimos da noccedilatildeo e conceituaccedilatildeo grega pois retoacuterica e oratoacuteria natildeo nasceram na modernidade e nos colocamos no caminho dos grandes saacutebios e pensadores que refletiram sobre o problema Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos

O Que eacute Argumentar BemA retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons

argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formaccedilatildeo dos modos de falar para tanto deve conhecer um pouco a formaccedilatildeo histoacuterica da retoacuterica no Ocidente Diferentemente do que muitos podem pensar a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo satildeo jovens e natildeo comeccedilaram ontem haacute um longo caminho para chegarmos agraves formas atuais de exposiccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos

Consideremos a possibilidade de construir uma retoacuterica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar O conhecimento da retoacuterica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre este tema de extrema importacircncia

A retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer

esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos

expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada

parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

A FORMACcedilAtildeO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETOacuteRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE ACcedilAtildeO NO PRINCIPADO

[] a retoacuterica soacute apareceu em Roma em sua forma latina por volta do seacuteculo I aC A primeira escola de retoacutericos latinos foi aberta em 93 aC por L Ploacutecio Galo um cliente de Caio Maacuterio sendo fechada no ano seguinte pelos cocircnsules Cneu Domiacutecio Ahenobarbo e Luacutecio Liciacutenio Crasso por ser considerada uma transgressatildeo aos costumes ancestrais Essa primeira iniciativa relevando as hostilidades poliacuteticas contra a sua intenccedilatildeo foi a primeira a propor um

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tipo ldquomodernordquo de retoacuterica oposto em certo grau agrave retoacuterica claacutessica das escolas gregas

Apesar de influenciada por fundamentos da retoacuterica grega a obra Retoacuterica dedicada a Herecircnio composta por um aluno desta escola reage contra a acumulaccedilatildeo de regras e defende um ensino aproximado da praacutetica e da vida Questotildees da poliacutetica contemporacircnea passam a ser incluiacutedas Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquecircncia soacute se elevasse novamente com Ciacutecero em finais do seacuteculo I aC momento no qual optimates e populares discutem no Senado

Deixando por um momento as condiccedilotildees do ensino da retoacuterica em Roma iremos falar do desenvolvimento da gramaacutetica antiga e de sua evoluccedilatildeo Se existe jaacute na Antiguidade uma reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo entre as palavras e as coisas desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem como Platatildeo em Craacutetilo tentaram realizar mediante uma anaacutelise das correlaccedilotildees possiacuteveis entre forma e sentido das palavras o encontro de uma forma supostamente ldquoverdadeirardquo o acerto entre o nome e a coisa representada

Jaacute por volta do seacuteculo II aC uma nova questatildeo entraraacute em pauta associada agraves perspectivas do primeiro debate Passou-se a discutir se havia ou natildeo uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanccedilas de significados das palavras ao longo do tempo O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade na analogia e anomalia

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idecircnticas terminaccedilotildees e semelhante estrutura prosoacutedica podendo ser autocomparaacuteveis enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse ldquonaturalrdquo A liacutengua para estes devido as suas raiacutezes deveria ser encarada tal qual era apresentada mesmo que parecesse irracional

A claacutessica definiccedilatildeo de gramaacutetica remonta a Dioniacutesio Traacutecio Representante da escola alexandrina este definiria a disciplina como o conhecimento praacutetico do uso linguiacutestico comum a poetas e prosadores A arte de escrever bem se tornaria mais tarde tambeacutem a arte de falar corretamente Agrave gramaacutetica caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legiacutetimos enquanto agrave retoacuterica caberia a atualizaccedilatildeo num discurso de determinados usos com vistas a tornaacute-lo eficiente e persuasivo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Retornando ao panorama latino sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramaacutetica Varatildeo de Reate propotildee o respeito ao latim padratildeo em detrimento do latim vulgar falado pelo populus na Repuacuteblica e no Principado Em sua obra de liacutengua latina ele propotildee a divisatildeo da gramaacutetica em morfologia sintaxe e etimologia que natildeo chegaram a ser aplicadas

Com Prisciano e Donato aplica-se um aprofundamento da sintaxe que em definiccedilatildeo seria ldquo[] assim como a palavra eacute a unidade miacutenima da estrutura da frase esta eacute a expressatildeo de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae oratio est ordinatio dictionum congrua sententiam perfectam demonstratus)rdquo Dentro do quadro da educaccedilatildeo aplicada ao cidadatildeo romano como foi dito um pouco acima no ensino superior trata-se em primeiro lugar do ensino da retoacuterica Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana vemos que o ensino da arte oratoacuteria eacute confiado a um mestre especializado o rhetor

Numa hierarquia de valores o rhetor ocupa um posto mais elevado em relaccedilatildeo aos seus colegas o magister ludi e o grammatici responsaacuteveis pelo ensino primaacuterio e secundaacuterio respectivamente Ensinando agrave sombra dos poacuterticos dos foros tinha a sua disposiccedilatildeo salas arranjadas como pequenos teatros abertas ao fundo dos poacuterticos O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domiacutenio da arte oratoacuteria a princiacutepio assegurada na teacutecnica tradicional o sistema complexo das regras procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas

Para Marrou natildeo haacute retoacuterica propriamente latina esta arte teria sido inventada elaborada e aperfeiccediloada pelos gregos O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulaacuterio dos gregos transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinocircnimo em latim A retoacuterica latina permanece durante todo o Impeacuterio em contato muito estreito com a retoacuterica grega

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar jamais desconheceram a forccedila poderosa e sedutora da palavra pois oradores satildeo conhecidos desde os primoacuterdios da histoacuteria de Roma Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde periacuteodos sem relatos as relaccedilotildees entre as duas civilizaccedilotildees comeccedilaram a ganhar forccedila a partir do seacuteculo III aC O domiacutenio poliacutetico de Roma sobre a Greacutecia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura hiacutebrida helenizada e de bilinguismo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Greacutecia e depois do helenismo

Uma clara verificaccedilatildeo disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas atraveacutes de homens cultos da aristocracia que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas O Ciacuterculo dos Cipiotildees cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo forneceu base teoacuterica grega ao ideal da virtus romana

Efetivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra) existe a probabilidade da noccedilatildeo de um ldquoser terrenordquo ligado a modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios incluindo o comportamento e a natureza dos homens Certos exemplos de Ciacutecero indicam tambeacutem outras variantes complementares deste termo

Quem poderaacute chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadatildeos como todo o gecircnero humano qualquer comunidade juriacutedica solidariedade humana (humanitas societas) A essas obras de arte natildeo as compreendia o famoso Cipiatildeo homem tatildeo instruiacutedo e culto (humanissimus) E tu que natildeo tens saber nem humanitas nem talento nem letras eacute que as compreende e avalias

Nestes extratos vemos que Ciacutecero emprega humanitas como termo de acumulaccedilatildeo de civilidade doutrina saber humanitas eacute aquilo que torna o homem profundamente homem e se perpetua mesmo com a expiraccedilatildeo do ser Humanitas torna o homem digno fazendo-o humanus e politus ajustando este conceito as suas gravitas auctoritas e dignitas atitudes de caraacuteter romano

Ferrenho opositor a essa assimilaccedilatildeo foi dentre muitos Marco Poacutercio Catatildeo cuja facccedilatildeo senatorial tentou impedir a invasatildeo maciccedila da cultura e costumes gregos que somada agraves mudanccedilas poliacuteticas inevitaacuteveis da expansatildeo imperialista poderia corroer as bases eacutetico-poliacuteticas do Estado romano e de seu regime autocraacutetico

A influecircncia de Catatildeo no seacuteculo II aC foi a uacuteltima defesa da sobrevivecircncia da retoacuterica nos moldes claacutessicos que eram caracterizados por uma linguagem agressiva robusta direta desprovida de ornamentos o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

De Catatildeo podemos extrair a maacutexima que define o caraacuteter do orador nos moldes da retoacuterica claacutessica ldquoVir bocircnus peritus dicendirdquo O homem nobre haacutebil no falar E tambeacutem diz respeito a uma visatildeo pragmaacutetica e de certa forma desintelectualizada do discurso uma genuiacutena retoacuterica romana Na passagem do seacuteculo II para o seacuteculo I aC dois oradores satildeo lembrados Marco Antocircnio e Luacutecio Liciacutenio Crasso Dois optimates que divergiam quanto agrave maneira de abordar a importacircncia da mateacuteria do discurso ou da teacutecnica de elocuccedilatildeo a persuasatildeo

Fonte Campos (2008 p 4-6)

Por isso conhecer estas divergecircncias expostas no texto entre retoacuterica e oratoacuteria permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele natildeo eacute o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos Conforme aponta Campos (2008) em seu artigo acadecircmico a retoacuterica romana assumiu muitos elementos da retoacuterica grega na questatildeo da estrutura e ao mesmo tempo assumiu caracteriacutesticas novas devido ao meio romano na qual estava imersa

Embora saibamos que a essecircncia da retoacuterica e da oratoacuteria natildeo se altera com o passar do tempo eacute importante entendermos que a forma estaacute sempre em desenvolvimento Este modo de exposiccedilatildeo das nossas ideias constitui a vida da oratoacuteria ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que estaacute sendo produzida

Este processo de desenvolvimento da retoacuterica mesmo em Roma (sec I aC sec I dC) natildeo foi tranquilo e sem problemas Segundo Silveira (2012) existiram muitas crises e dificuldades na formaccedilatildeo da oratoacuteria e da retoacuterica romanas

O crescimento da cidade de Roma sua organizaccedilatildeo e suas conquistas que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade natildeo foi algo que se deu da noite para o dia Seu crescimento enquanto Impeacuterio deu-se principalmente pela organizaccedilatildeo de seu comeacutercio suas instituiccedilotildees seu exeacutercito e sobretudo pelo corpo social forte e unido chamado Nobilitas (ALFOLDY 1975 p 59) Lembrando que a formaccedilatildeo do Impeacuterio Romano foi um longo processo podemos no entanto destacar trecircs fases que fizeram parte deste imperialismo Na primeira fase conhecida como ldquoGuerra de Defesardquo Roma natildeo promove ataques mas se defende daqueles que atraiacutedos pelo seu crescimento resolvem atacaacute-la Eacute importante destacarmos que ao se defender dos ataques e invasotildees Roma anexa as cidades vencidas a regiatildeo da ldquoSalinardquo a mais proacutexima foi a primeira regiatildeo conquistada Mais tarde em 273 aC teremos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a conquista das cidades da Magna-Greacutecia estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos Apoacutes ter conquistado toda a peniacutensula itaacutelica Roma daacute iniacutecio agrave conquista do Impeacuterio Cartaginecircs o qual possuiacutea a hegemonia da regiatildeo da Siciacutelia Esta fase eacute conhecida como Guerra de expansatildeo hegemocircnica ou ldquoGuerras Puacutenicasrdquo esta culminaraacute com a destruiccedilatildeo da cidade de Cartago no norte da Aacutefrica Quanto agrave terceira fase esta tem iniacutecio em 133 aC quando financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos Roma inicia a chamada ldquoGuerra de Expansatildeo Econocircmicardquo passando assim de Cidade-Estado a Cosmo-Poacutelis dominando todo o mundo conhecido Eacute importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido devido ao seu poder que foi aumentado bem como seu aparelho militar o qual se encontrava mais organizado e poderoso contando com generais de renome vistos muitas vezes como deuses Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos derivado de suas conquistas esta conhece um periacuteodo de inflaccedilotildees seu custo de vida eacute aumentado o que iraacute gerar mudanccedilas nas formas de produccedilatildeo (SILVEIRA 2012 p 2-3)

Estes caminhos antigos da retoacuterica e da oratoacuteria nos permitem entender

como podemos convencer algueacutem sobre as mensagens que queremos passar em uma eacutepoca como a atual A dinacircmica das relaccedilotildees de trabalho no mundo contemporacircneo se modifica rapidamente mas os elementos substanciais dos oradores antigos satildeo os mesmos ateacute hoje

A moral de orador a sua eloquecircncia a credibilidade etc nada disso pode ser

dispensado em um mundo como o nosso E vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem percebemos que elas destacam algumas caracteriacutesticas que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos

Assim saiba que vocecirc soacute conseguiraacute convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar Fica evidente que a credibilidade eacute um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicaccedilatildeo Por isso eacute importante saber quais os requisitos para conquistar a confianccedila das pessoas construir sua reputaccedilatildeo como orador que inspire respeito credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistecircncias Para que vocecirc conquiste credibilidade falando dentro ou fora dos parlatoacuterios precisaraacute de pelo menos seis requisitos fundamentais Naturalidade a mais importante qualidade da oratoacuteria Natildeo existe teacutecnica em comunicaccedilatildeo ndash por mais elaborada que seja ndash mais relevante que a naturalidade Vocecirc precisa ser um orador natural e espontacircneo Agora veja ser natural no entanto natildeo significa por exemplo levar para o auditoacuterio os erros e as negligecircncias da comunicaccedilatildeo deficiente como a pronuacutencia incorreta das palavras Emoccedilatildeo e envolvimento aleacutem da naturalidade vocecirc precisa falar com disposiccedilatildeo com energia com envolvimento com emoccedilatildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Como convenceraacute o puacuteblico se nem mesmo vocecirc mostrar interesse no que diz Revele sua emoccedilatildeo no entusiasmo com que abraccedila o seu discurso Gerry Spence advogado americano que em mais de 40 anos nunca perdeu uma uacutenica causa criminal diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte ldquoConcentradas em seus sentimentos as pessoas que estatildeo dizendo a verdade falam com o coraccedilatildeo que eacute incapaz de compor precisamente o raciociacutenio linear de um ceacuterebro laborioso E ao ouvir o que eacute expresso pelo coraccedilatildeo o ouvinte tambeacutem eacute levado a ouvir com o coraccedilatildeordquo Imagem bem construiacuteda na poliacutetica pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construccedilatildeo da imagem do poliacutetico perante a sociedade O orador por sua vez deve estar ciente de que independentemente de marqueteiros ele tem que gerenciar seu proacuteprio marketing pessoal construindo e preservando a boa imagem ancorada na honestidade na justiccedila no respeito na honra na eacutetica bem como em todos os bons valores sociais e individuais Conhecimento e autoridade sobre o assunto a sua credibilidade como orador estaacute intimamente relacionada ao conhecimento que vocecirc demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa Empenhe-se para ter muito mais informaccedilotildees do que aquelas que vocecirc necessitaraacute em sua exposiccedilatildeo Leia estude pesquise se possiacutevel entreviste outras pessoas mais experientes que jaacute tratam do tema de sua exposiccedilatildeo Prepare-se com antecedecircncia e durante o maior tempo possiacutevel sobre a ideia que iraacute defender em seu discurso Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentaccedilatildeo Ensaie todos os detalhes teste os equipamentos que pretende utilizar enfim natildeo deixe nada ao acaso Confianccedila a confianccedila em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo De acordo com Lena Souza (2011) ldquoa fisiologia do medo eacute caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer as pernas tremerem as matildeos suarem o coraccedilatildeo bater mais forte etcrdquo E diz ainda que ldquoningueacutem perde o medo e sim o vence E o medo eacute como o sal na dose certa ele nos eacute muito importante inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do oradorrdquo (SILVA 2012 p 8-9)

Estas indicaccedilotildees natildeo satildeo prontas a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica

na verdade satildeo indicaccedilotildees para que vocecirc possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem tambeacutem satildeo Lembre-se ningueacutem nasceu com todos os conhecimentos se vocecirc quiser melhorar deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades

Antes de entrarmos na definiccedilatildeo de retoacuterica e oratoacuteria queremos esclarecer uma questatildeo fundamental ao estudante Na academia natildeo podemos simplesmente emitir opiniotildees pois conforme ensina Platatildeo a doxa opiniatildeo natildeo eacute o conhecimento ela eacute o ponto de partida de uma tentativa de conhecer Portanto doxa opiniatildeo natildeo eacute conhecimento episteme Conhecimento eacute o resultado de uma reflexatildeo racional que em filosofia sempre pode ser repensado de forma minuciosa e profunda (Platatildeo) O conhecimento eacute algo minimamente seguro para

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Oratoacuteria e Retoacuterica

se dizer que temos um conceito Sem um conceito natildeo podemos fazer academia Deste modo propomos a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica um pequeno exerciacutecio que pode contribuir no entendimento deste problema

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacutegina 77 a 79 e identifique de acordo com o texto quando opiniatildeo eacute diferente de conhecimento e explique o que vocecirc entendeu sobre este problema Como se entende o papel da retoacuterica

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Agora que vocecirc jaacute sabe que o conhecimento acadecircmico natildeo eacute uma mera opiniatildeo de qualquer pessoa passamos ao entendimento da arte retoacuterica e da oratoacuteria como formas de compreensatildeo da expressatildeo do intelecto humano de maneira mais clara e distinta

Neste sentido um estudo aprofundado sobre a retoacuterica eacute importante para desenvolver uma maneira de argumentaccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos De acordo com Platatildeo a retoacuterica serve basicamente para o convencimento e para a persuasatildeo dos interlocutores Para sofistas como Isoacutecrates e Protaacutegoras a retoacuterica serve para produzir uma boa reflexatildeo um modo de defender uma hipoacutetese sem se preocupar com a verdade No caso de Aristoacuteteles a retoacuterica serve para uma forma mais praacutetica e se aproxima da dialeacutetica oposiccedilatildeo de conceitos para produzir um debate

Ao pensarmos a retoacuterica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta atraveacutes de seu discurso levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas nos deparamos com uma praacutetica tatildeo antiga quanto difiacutecil de estabelecer o seu iniacutecio na humanidade A retoacuterica natildeo eacute um privileacutegio reservado aos povos antigos e nos dias de hoje ela continua envidada na poliacutetica nas campanhas publicitaacuterias em mensagens midiaacuteticas no comeacutercio e em tantas outras relaccedilotildees que nos circundam Eacute nesse sentido que Halliday (1990 p 26) professora de

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Comunicaccedilatildeo Puacuteblica que realizou pesquisas sobre a retoacuterica afirma que todos noacutes agimos retoricamente partindo do princiacutepio de que isso significa ldquo[] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendamrdquo Essa autora tambeacutem tem em vista que cada indiviacuteduo pode fazer uso da persuasatildeo para convencer a si proacuteprio sobre alguma ideia haja vista que ldquoa consciecircncia eacute o primeiro puacuteblicordquo e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte Embora a praacutetica persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas o estudo dessa arte recebeu significativa atenccedilatildeo de antigos filoacutesofos gregos entre os quais destacamos Aristoacuteteles (384 ndash 322 aC) pensador que escreveu a obra Retoacuterica sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho Aristoacuteteles viveu em uma eacutepoca de fortes transformaccedilotildees e agitaccedilotildees sociais na antiga Greacutecia O ceticismo se expandia com cada indiviacuteduo querendo viver para os seus proacuteprios negoacutecios e principalmente em Atenas uma cidade que servira como referecircncia intelectual e poliacutetica havia uma carecircncia do espiacuterito coletivo assim como de orientaccedilotildees que conquistassem a confianccedila dos cidadatildeos para guiaacute-los no campo discursivo da verossimilhanccedila Diante de uma sociedade ameaccedilada por posturas egoiacutestas e confusas e do risco da desarticulaccedilatildeo extrema das inter-relaccedilotildees sociais o filoacutesofo de Estagira percebeu a importacircncia de ordenar a construccedilatildeo dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (juriacutedicos fuacutenebres deliberativos etc) A arte retoacuterica ganha com Aristoacuteteles o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que eacute capaz de gerar a persuasatildeo o exame acurado das formas que compotildeem o discurso (ou rethoacuten) levando em conta cada situaccedilatildeo social de acordo com o momento o ambiente a cultura e as pessoas envolvidas Diante dessa concepccedilatildeo aristoteacutelica a presente investigaccedilatildeo procura responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel identificar conexotildees entre a Retoacuterica de Aristoacuteteles e o que este filoacutesofo idealiza para o exerciacutecio das inter-relaccedilotildees sociais na poacutelis grega Adiantamos nesse momento que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA 2011 p 14-15)

Logo definimos de acordo com Reboul (2004) a retoacuterica como a arte de

construir bem um argumento e a oratoacuteria como a arte de expor com qualidade e teacutecnica este argumento

Isso significa que a construccedilatildeo da arte retoacuterica envolve tanto o convencimento por intermeacutedio do texto escrito quanto pelo convencimento oral Por ter estas diferentes dimensotildees eacute que se costuma separar retoacuterica de oratoacuteria Retoacuterica escrita e elaborada metodicamente e oratoacuteria oral com uma conotaccedilatildeo mais apaixonada

O termo arte techneacute em grego eacute visto por Reboul (2004 p XVI) como detentor de uma ambiguidade sendo ldquoateacute duplamente ambiacuteguordquo O autor ressalta que o termo faz referecircncia tanto a uma habilidade espontacircnea quanto ao que eacute adquirido por meio do ensino Ora traduz o sentido de uma simples teacutecnica ora ao contraacuterio ldquo[] o que na criaccedilatildeo ultrapassa a teacutecnica e pertence

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Oratoacuteria e Retoacuterica

somente ao lsquogecircniorsquo do criador Em qual ou em quais desses sentidos se estaacute pensando quando se diz que a retoacuterica eacute uma arte Em todosrdquo Cabe aqui perguntarmos qual eacute o sentido de techneacute concebido por Aristoacuteteles Para este filoacutesofo a techneacute eacute um saber fazer bem feito o que se faz seja na construccedilatildeo de um artefato ou de um discurso um fazer com arte cujo sentido eacute o de produzir tecnicamente bem com habilidade o que o indiviacuteduo se propotildee a produzir Isto fica claro na Eacutetica a Nicocircmaco (ARISTOacuteTELES VI 5 1140b) assim como o caraacuteter imitativo da arte frente agrave natureza Poreacutem tal imitaccedilatildeo natildeo significa copiar pois na visatildeo aristoteacutelica a imitaccedilatildeo artiacutestica metamorfoseia reproduzindo como nos lembra Stirn (1999 p 65) em sua obra Compreender Aristoacuteteles Sendo assim o artista natildeo estaacute limitado a copiar mecanicamente o que vecirc havendo uma abertura para a transformaccedilatildeo e a criatividade Isso tambeacutem ocorre na proposta aristoteacutelica de Retoacuterica Ao defini-la como ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo Aristoacuteteles (Ret I II 1) natildeo exclui o caraacuteter de a retoacuterica ser uma arte mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte Pois logo em seguida ele acrescenta ldquoNenhuma outra arte possui esta funccedilatildeo porque as demais artes tecircm sobre o objeto que lhes eacute proacuteprio a possibilidade de instruir e de persuadirrdquo Com isso deixa impliacutecito que a retoacuterica tambeacutem eacute uma arte entre as demais por ele observadas Na Retoacuterica embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral preacute-organizada natildeo eacute raro ele se deparar com aspectos imprevisiacuteveis da vida praacutetica e do mundo das opiniotildees Frente a estes o Estagirita situa a arte retoacuterica tambeacutem como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais) e de possivelmente transformar (ou manter) situaccedilotildees praacuteticas a partir do discurso persuasivo Eacute aqui que a ideia aristoteacutelica de thechneacute nos permite uma aproximaccedilatildeo do sentido de ldquorsquogecircniorsquo criadorrdquo citado por Reboul A arte retoacuterica requer (do retor) conhecimento e criatividade pois natildeo basta copiar e decorar foacutermulas quando a vida praacutetica tem sua margem de misteacuterio e de imprevisibilidade fatores estes que exigem mais do que a mera coacutepia de um modelo de discurso Afinal pela retoacuterica aristoteacutelica aquele que discursa busca persuadir o ouvinte e natildeo necessariamente copiar para persuadir (LIMA 2011 p 24-25)

Neste sentido o modo de construccedilatildeo de uma argumentaccedilatildeo estaacute diretamente

relacionado ao modelo de expressatildeo de cada indiviacuteduo que se propotildee a um discurso puacuteblico Natildeo basta como afirma Lima (2011) copiar foacutermulas para construir discursos eacute preciso construir um modo de escrever e falar Ao citar Reboul Lima (2011) esclarece que para explicar a questatildeo da persuasatildeo precisamos dois cenaacuterios

Reboul (2004 p XV) ao procurar esclarecer o sentido de persuasatildeo utiliza dois exemplos satildeo eles ldquo1) Pedro persuadiu-me de que sua causa era justa 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causardquo Vejamos a distinccedilatildeo feita pelo autor (id ibid p XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasatildeo [] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa natildeo se sabendo se acredito nela ou natildeo A nosso ver a persuasatildeo retoacuterica consiste em (1) sem redundar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

necessariamente no levar a fazer (2) Diferentemente de Reboul Perelmam (2004 p 58) filoacutesofo do direito cujos estudos de retoacuterica recebem fortes influecircncias aristoteacutelicas destaca a accedilatildeo (o fazer) como sendo essencial agrave persuasatildeo Para quem se preocupa sobretudo com o resultado persuadir eacute mais do que convencer a persuasatildeo acrescentaria agrave convicccedilatildeo a forccedila necessaacuteria que eacute a uacutenica que conduziraacute agrave accedilatildeo Abramos a enciclopeacutedia espanhola Dir-nos-atildeo que convencer eacute apenas a primeira fase ndash o essencial eacute persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicccedilatildeo que lhe foi comunicada Por outro lado Reboul (2004 p XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente ldquopersuadirrdquo de ldquoconvencerrdquo afirmando que tal distinccedilatildeo se fundamenta numa filosofia ndash ou mesmo ideologia ndash exageradamente dualista ldquo[] visto que opotildee no homem o ser de crenccedila e sentimento ao ser de inteligecircncia e razatildeo e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro ou mesmo contra o primeirordquo Entretanto vale observar que Perelman natildeo joga o ser de razatildeo contra o ser de sentimento e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro ele apenas potildee o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo Por tal caracteriacutestica (entre outras) as ideias de Perelman estatildeo em afinidade com a Retoacuterica aristoteacutelica como jaacute percebera Guimaratildees (2004 p 145) em seu artigo Figuras de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo ldquoAssim modernamente a obra de C Perelman autor belga diligencia reabilitar uma teoria da argumentaccedilatildeo que reencontre a tradiccedilatildeo aristoteacutelicardquo (LIMA 2011 p 30-31)

Para entendermos essa dinacircmica de formaccedilatildeo de um modo proacuteprio de

expressatildeo de nossas ideias atraveacutes de argumentos propomos um exerciacutecio de entendimento do desenvolvimento da retoacuterica antiga Sabemos que para convencermos algueacutem temos que usar de eloquecircncia precisamos ser convincentes Entre os gregos a retoacuterica e a oratoacuteria ganharam forccedila quando se desenvolveram teacutecnicas de argumentaccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de discursos

Atividade de Estudos

1) Sabemos que a retoacuterica surge entre os gregos antigos Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacuteginas 5 a 8 e explique o que vocecirc entende dessa leitura proposta

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ora o modo de eloquecircncia se relacionava diretamente com a honestidade com o compromisso com a verdadeira filosofia Evidentemente que na histoacuteria posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e natildeo o conteuacutedo do discurso Nos regimes democraacuteticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna pois sem a retoacuterica sofiacutestica a democracia natildeo se sustentaria Eacute a rejeiccedilatildeo da

verdade na antiguidade que transformou a retoacuterica em modo sagaz de convencimento Neste sentido podemos falar em um triunfo dos sofistas em relaccedilatildeo a Platatildeo uma vez que para o autor dos Diaacutelogos platocircnicos a retoacuterica e a verdade se mantinham unidas

Essa separaccedilatildeo entre retoacuterica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisatildeo fundamental Eacute Maquiavel que constatou que poliacutetica e eacutetica natildeo pertenciam mais ao mesmo espectro Deste modo a retoacuterica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasatildeo sem compromisso com a verdade

A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere Observamos isso no diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental Segundo devemos estar atentos agrave forma do discurso Se for uma forma de explanaccedilatildeo ao puacuteblico em geral ou se eacute um discurso particular E terceiro a quem se dirige o discurso se eacute uma plateia que possui um repertoacuterio amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso Esse entendimento permite ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estatildeo diretamente articulados

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttprepositorioulptbitstream10451184573ulfl183093_tm_3pdfgt paacuteginas 3 a 5 e responda Como vocecirc entende esse desenvolvimento da retoacuterica

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A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos

fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso

articular bem a verdade com o discurso que se

profere Segundo devemos estar

atentos agrave forma do discurso

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como

montar um discurso e qual a finalidade de um discurso

Esse entendimento permite ao

estudante de oratoacuteria e retoacuterica

desenvolver o entendimento

de que pensar e falar bem estatildeo

diretamente articulados

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Quando estamos diante de um texto religioso por exemplo devemos estar atentos ao processo hermenecircutico ou seja de interpretaccedilatildeo para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido Eacute por isso que para se desenvolver uma boa oratoacuteria e uma boa retoacuterica o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto Eacute condiccedilatildeo preacutevia para se montar um bom discurso saber interpretar um texto dominar a liacutengua em que se escreve e fundamentar bem suas posiccedilotildees nos autores escolhidos

Deste modo argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto conforme aponta Descartes em seu discurso do Meacutetodo pois algo confuso e misturado natildeo pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possiacutevel pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser visto que a oratoacuteria e a retoacuterica natildeo visam somente ao convencimento dos outros Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida visto que vivemos em um mundo plural Ningueacutem precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relaccedilatildeo aos argumentos enunciados

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior podemos utilizar alguns artifiacutecios retoacutericos que nos ajudam a convencer os interlocutores Esses artifiacutecios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade Conforme defende o sofista Goacutergias no diaacutelogo platocircnico eacute o orador que escolhe como e de que modo quer convencer Evidentemente que Platatildeo por ter um compromisso maior com a verdade natildeo concorda com isso Por isso falamos no iniacutecio deste capiacutetulo que depende do compromisso com a verdade que noacutes temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento eacute de fato verdadeiro e bem exposto

Uma boa exposiccedilatildeo de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes Deste modo cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequecircncias de suas afirmaccedilotildees Lembremos tambeacutem que de acordo com Reboul (2004) o estilo de discurso deve estar em consonacircncia com o orador e o puacuteblico a que se expotildee os argumentos

Logo a arte de falar bem natildeo eacute exata como as pessoas que natildeo estudam a aacuterea pensam emitindo opiniotildees vazias Devemos evitar generalidades ensina o grande retoacuterico antigo Aristoacuteteles em seu texto chamado posteriormente de Metafiacutesica pois elas produzem efeitos contraditoacuterios e enganosos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Desta maneira falar bem eacute consequecircncia direta da boa construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Se bem formularmos um argumento poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir

Neste sentido falar bem eacute aprender a pensar bem escrever bem e expor bem um determinado argumento Se natildeo formos capazes de explicar um argumento natildeo podemos dizer que falamos bem pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que noacutes queremos passar

A Construccedilatildeo do ArgumentoA construccedilatildeo de um argumento se processa de maneira muito

detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que queremos

Inicialmente para se fazer e expor um bom argumento eacute preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposiccedilatildeo deste Depois precisamos escolher o modo como se faraacute esta exposiccedilatildeo Eacute claro que supomos

uma determinada mensagem que jaacute foi escolhida para ser transmitida Logo para se construir um bom argumento eacute preciso ter um assunto a ser transmitido um estilo de exposiccedilatildeo um modo pelo qual o orador iraacute se manifestar e um plano loacutegico para executar todo o processo de transmissatildeo da mensagem

Como podemos escolher um tema para expor Ora se estamos interessados em apresentar um argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos expor Se existe esta motivaccedilatildeo interior ela deve ser elaborada pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero Eacute neste momento que a retoacuterica e a oratoacuteria podem ajudar vocecirc a se manifestar de maneira clara e eloquente

Para construir um argumento segundo Platatildeo precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor Se soubermos por exemplo um determinado argumento e dominamos suas variaccedilotildees estamos aptos a expocirc-lo

Com efeito o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo Se dominamos por exemplo o argumento da lei da gravidade ou seja todos os objetos sobre a superfiacutecie da Terra caem agrave mesma velocidade devido

Desta maneira falar bem eacute

consequecircncia direta da boa construccedilatildeo

e exposiccedilatildeo de argumentos Se

bem formularmos um argumento

poderemos apresentar bem

a mensagem que queremos transmitir

A construccedilatildeo de um argumento se

processa de maneira muito detalhada e

existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que

queremos

Ora se estamos interessados em apresentar um

argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos

expor

Com efeito o conhecimento de um determinado

argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo

Se dominamos por exemplo o

argumento da lei da gravidade

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

agrave lei da gravidade podemos explicar isso aos outros bem como suas variaccedilotildees Agora se temos duacutevidas e natildeo sabemos qual eacute a lei da gravidade universal natildeo conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento Deste modo devemos antes de tudo averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade Conforme ensina Soacutecrates referido por Luz (2010 p 49-50)

[] em vez de censurar o que eacute preciso eacute desculpar os que por desconhecimento da dialeacutetica natildeo estatildeo em condiccedilotildees de definir o que seja retoacuterica Com toda sua ignoracircncia por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos pensam que descobriram a retoacuterica e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noccedilotildees estatildeo convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar A dialeacutetica eacute o caminho da alma para que se possa alcanccedilar a beleza e a justiccedila base para todo ensino verdadeiramente filosoacutefico ndash conhecimento da alma e amor agrave verdade na busca dos princiacutepios eternos Ao passar por todas estas definiccedilotildees ambicionadas a colocar a retoacuterica a serviccedilo do conhecimento filosoacutefico e verdadeiro Platatildeo ndash utilizando-se do discurso socraacutetico ndash parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemoloacutegico e eacutetico opondo-se aos oradores de sua eacutepoca A retoacuterica portanto depende da dialeacutetica que por se esforccedilar em atingir o verdadeiro depende do verossiacutemil procurado por ela que depende ldquodiretamenterdquo de valores que satildeo da ordem do inteligiacutevel (levando em consideraccedilatildeo que o homem natildeo eacute a medida de todas as coisas) Ao longo de suas obras Platatildeo define a retoacuterica sofista como um longo discurso contiacutenuo que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vaacuterios procedimentos que se sustentam uns aos outros fazendo com que o retoacuterico impressione pelo conjunto da obra mais do que pela solidez de cada argumento explicitado Entretanto quando em vista do meacutetodo dialeacutetico cada raciociacutenio se desenvolve pouco a pouco sendo cada passo testado e confirmado pela concordacircncia do interlocutor soacute havendo uma passagem para a ldquotese seguinterdquo para uma segunda argumentaccedilatildeo quando a primeira for apreendida corretamente quando a adesatildeo daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentaccedilatildeo No caso do diaacutelogo eriacutestico haacute uma preocupaccedilatildeo uacutenica em se vencer o adversaacuterio o que implicaria numa total indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave verdade Tal retoacuterico eacute motivado pelo desejo de vencer de deixar o interlocutor embaraccedilado fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado e natildeo a verdade triunfe Predigo-te que este jovem seja qual for a sua resposta seraacute obrigado a contradizer-se O diaacutelogo criacutetico caracteriacutestica eminente do discurso socraacutetico o interlocutor trata-se de testar uma tese na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentaccedilotildees formuladas por ele A coerecircncia interna do discurso eacute que fornece o criteacuterio para investigaccedilatildeo ou ainda interrogaccedilatildeo criacutetica que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa Quando o diaacutelogo deixa de ser criacutetico para adentrar no caraacuteter verdadeiramente filosoacutefico ndash adquirindo um interesse construtivo para aleacutem da coerecircncia interna do discurso ndash os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antematildeo foi considerado dialeticamente verdadeiro O diaacutelogo filosoacutefico eacute impreterivelmente dialeacutetico eacute ele que determina

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as caracteriacutesticas do meacutetodo dialeacutetico ndash ldquonele a concordacircncia dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentaccedilatildeo natildeo porque se trataria de um concurso de duas opiniotildees divergentes mas porque essa concordacircncia seria a expressatildeo de uma adesatildeo generalizada agraves preposiccedilotildees em questatildeordquo O meacutetodo dialeacutetico eacute o meacutetodo de toda filosofia que pretende dar conta das consideraccedilotildees inesgotaacuteveis do saber filosoacutefico

Ora embora a retoacuterica e a dialeacutetica sejam distintas haacute uma relaccedilatildeo que

permite ao orador formular argumentos retoacutericos para ser um bom debatedor Neste sentido a retoacuterica eacute um modo para se buscar a verdade

Quando falamos de leis da fiacutesica parece um tanto mais distinto e direto agora quando falamos de argumentos filosoacuteficos e teoloacutegicos a situaccedilatildeo eacute um pouco mais complicada Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenecircutica ou seja a interpretaccedilatildeo de textos o argumento muitas vezes eacute confundido com a interpretaccedilatildeo

Cabe a vocecirc estudante de retoacuterica e oratoacuteria distinguir um argumento de uma interpretaccedilatildeo Um argumento eacute sempre a exposiccedilatildeo loacutegica de uma ideia por exemplo ldquoDeus eacute o ser do qual natildeo podemos pensar nada maiorrdquo (ANSELMO 1991) e a interpretaccedilatildeo que vocecirc faz dessa frase do pensador Anselmo

Este argumento eacute chamado de argumento ontoloacutegico pois independentemente do lugar onde se aplique Deus sempre seraacute para Santo Anselmo o maior de todos os seres que podem ser pensados

Satildeo vaacuterias as formas como vocecirc entende este argumento E mesmo sendo loacutegico e formalmente irrefutaacutevel vocecirc pode ignoraacute-lo logo a interpretaccedilatildeo eacute sempre um movimento subjetivo e introspectivo Mesmo com meacutetodo determinado e um argumento eacute a mensagem loacutegica que se passa por intermeacutedio da linguagem

Os Gecircneros do DiscursoUm gecircnero de discurso eacute antes de tudo a opccedilatildeo que o orador faz para expor

seu argumento e seu modo de pensar O pensar pode ser exposto de diferentes modos podemos fazer textos construir esculturas montar peccedilas de teatro pintar quadros fazer gestos e muito mais

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Aristoacuteteles nos fornece uma classificaccedilatildeo dos gecircneros retoacutericos que praticamente natildeo mudou em mais de dois mil anos De acordo com Lima (2011) ao citar Artistoacuteteles

Aristoacuteteles (Ret I III 11) uma vez tendo considerado que cada gecircnero retoacuterico ndash deliberativo judiciaacuterio e epidiacutetico - deve ser baseado numa demonstraccedilatildeo (eacutentechnos) tem em vista que a retoacuterica deve se desenvolver a partir do meacutetodo das evidecircncias e sendo a demonstraccedilatildeo uma evidecircncia afirma ldquopois que a nossa confianccedila eacute tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstraccedilatildeordquo A evidecircncia retoacuterica conforme Aristoacuteteles eacute caracterizada pela aplicaccedilatildeo do entimema ou seja pelo uso de um raciociacutenio que natildeo tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo mas que busca ser evidente O silogismo deriva de premissas loacutegicas enquanto o entimema tem origem nas premissas retoacutericas (LIMA 2011 p 48)

Na retoacuterica e na oratoacuteria se configuram gecircneros de um discurso as maneiras

que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos Platatildeo e Aristoacuteteles fizeram uma classificaccedilatildeo dos gecircneros de um discurso conforme apontamos no capiacutetulo primeiro do texto

O Tratado do Amor de Liacutesias comeccedila pelo fim pela conclusatildeo a que o orador chegou e pretende que todos cheguem ndash como o amante deve se portar com seu amado ndash fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam ldquonuma grande emburrilhadardquo A criacutetica socraacutetica consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas Enfatiza que a carta estaacute calcada nos saberes natildeo filosoacuteficos sendo uma peccedila bem trabalhada mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes ndash poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso Segundo Soacutecrates esta deveria ser constituiacuteda por um todo artisticamente considerado no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto [] todo discurso precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo A fim de natildeo mais aborrecer Fedro atraveacutes da criacutetica ferrenha agrave construccedilatildeo do discurso de seu adorado Liacutesias o diaacutelogo socraacutetico passa agrave anaacutelise da arte da eloquecircncia tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relaccedilatildeo entre amado e amante ndash em que ldquoum pretende que soacute deve ceder agraves instacircncias

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do indiviacuteduo que ama e o outro agraves de quem natildeo revele amorrdquo (265 a) ndash se contradizem reciprocamente fazendo com que Soacutecrates retomasse a ideia das Manias Divinas e principalmente aquela referida ao amor

Fonte Luz (2010 p 47)

Para retomarmos agrave discussatildeo lembramos ao estudante de retoacuterica e oratoacuteria estes gecircneros de discurso Em Platatildeo haacute um compromisso com as premissas e com a verdade Haacute uma divisatildeo entre verdade e forma de um discurso

Platatildeo por sua vez pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essecircncia e o valor de verdade da retoacuterica (dita como tal) instituiacuteda pelos sofistas O filoacutesofo afirmava ainda que a retoacuterica deveria ser considerada segundo razotildees de todo anaacutelogas agravequelas pelas quais a arte deve ser condenada A retoacuterica eacute a contrafaccedilatildeo da verdade Tal como a arte tem a pretensatildeo de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento imitando puramente as suas aparecircncias a retoacuterica atraveacutes do meacutetodo persuasivo pretende convencer o homem acerca de tudo sem ter conhecimento algum A retoacuterica cria crenccedilas ilusoacuterias O retoacuterico eacute aquele que devido a sua habilidade persuasiva joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparecircncias da verdade em verossimilhanccedilas e natildeo na verdade em si mesma Tanto quanto acontece na arte a retoacuterica se dirige agrave pior parte da alma agravequela que eacute creacutedula e instaacutevel suscetiacutevel de emoccedilatildeo e sensiacutevel ao prazer Pode-se dizer que o retoacuterico lida com o falso para aleacutem do artista tendo em vista que esse uacuteltimo ao menos representa as aparecircncias do verdadeiro enquanto que o retoacuterico tem a maliacutecia do conhecimento calcado num falso saber A filosofia dialeacutetica deve corromper e substituir a retoacuterica no que diz respeito ao seu caraacuteter de verdade No Fedro Platatildeo explicita que na arte dos discursos enquanto retoacuterica eacute reconhecido um direito agrave existecircncia entretanto sob a condiccedilatildeo de que se submeta agrave verdade e por conseguinte agrave filosofia E para alcanccedilar a verdade pela qual a retoacuterica teria de se submeter se faz necessaacuteria a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialeacutetica ndash ldquoseja no seu momento ascendente que leva do muacuteltiplo ao uno seja no seu momento descendente e diaireacutetico que ensina a dividir as Ideias segundo as articulaccedilotildees que lhe satildeo proacutepriasrdquo e conhecer a alma visto que a arte da persuasatildeo se dirige necessariamente agrave alma Soacute se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos conhecendo a natureza das coisas e a natureza da alma humana A escritura soacute faz aumentar a aparecircncia (doxa) do saber natildeo fortalecendo a memoacuteria mas oferecendo meios para trazer agrave memoacuteria aquilo que de antematildeo jaacute era conhecido pela alma O escrito eacute sem alma sendo incapaz de defender-se sozinho contra criacuteticas exigindo sempre a intervenccedilatildeo constante do seu autor O discurso oral e soacute ele eacute capaz de penetrar na alma daquele que o apreende sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

se encontra na dimensatildeo da oralidade Para ser conduzido segundo as regras da arte o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e por conseguinte implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige ndash haacute um jogo metoacutedico pelo qual quem escreve deve se submeter Por definiccedilatildeo a palavra eacute um aspecto da realidade eacute uma palavra eficaz No entanto a potecircncia da palavra natildeo se encontra apenas orientada para o real ela se mostra da mesma forma irrevogavelmente tal como uma potecircncia sobre o outro Logo a potecircncia da palavra se mostra perigosa visto que pode ser tomada como a ilusatildeo do real Ou seja a seduccedilatildeo da palavra eacute tal que pode se fazer passar pela realidade o logos pode impor objetos que se assemelhem agrave realidade confundindo-se com ela sendo entretanto natildeo mais do que uma imagem vatilde Este fato levanta uma nova questatildeo traz um problema fundamental pertinente agrave relaccedilatildeo entre palavra e verdade A ambiguidade da palavra entatildeo torna-se polo de reflexatildeo sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional onde haacute por um lado o problema da potecircncia da palavra sobre a realidade e por outro lado o problema da potecircncia da palavra sobre o outro ndash perspectiva fundamental no desvelamento retoacuterico e sofiacutestico (LUZ 2010 p 43-44)

Ainda de acordo com Platatildeo um discurso deve ser entendido como um

modo de produccedilatildeo de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias que para Platatildeo eacute o uacutenico mundo real

Sabemos que Platatildeo (428-7 ndash 348-7 a C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da eriacutestica e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questatildeo conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate Isso fica claro nos diaacutelogos platocircnicos Goacutergias e Eutidemo nos quais o filoacutesofo procura mostrar que a retoacuterica natildeo eacute uma ciecircncia e nem uma verdadeira arte pois pelo que consta no Goacutergias (465 a) ela eacute somente uma empeiria ou seja uma habilidade praacutetica decorrente da experiecircncia A negaccedilatildeo dessa praacutetica como ciecircncia natildeo eacute novidade naquele contexto social pois na tradiccedilatildeo retoacuterica dos pitagoacutericos a Goacutergias como concorda Plebe (1978) a retoacuterica era situada no mundo da doxa (opiniatildeo) e natildeo da ciecircncia Entretanto Platatildeo acrescenta uma provocaccedilatildeo ao afirmar que a retoacuterica tambeacutem natildeo eacute uma arte ou seja natildeo eacute theacutecnerhetorikeacute como defendia Goacutergias considerando-a apenas como habilidade Este filoacutesofo estaacute mais interessado na dialeacutetica a qual eacute vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteuacutedo Entretanto ele (Platatildeo) discute sobre a retoacuterica por reconhecer que tal atividade tendo o caraacuteter de experiecircncia tecno-praacutetica natildeo seria de todo inuacutetil Na visatildeo platocircnica portanto a retoacuterica seria diferente da dialeacutetica e tambeacutem da sofiacutestica como pode ser constatado no Goacutergias (465) no qual a sofiacutestica aparece como contrafaccedilatildeo da arte de legislar (nomothetikeacute) e a retoacuterica como contrafaccedilatildeo da arte de administrar a justiccedila (dikaiosyne) (LIMA 2011 p 43)

Ainda seguindo a definiccedilatildeo precisa apresentada por Platatildeo as fontes das habilidades devem ser distinguidas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Platatildeo considera que essas duas formas de habilidades satildeo contrafaccedilotildees de um gecircnero de habilidade que natildeo eacute arte o qual ele denomina kolakeiacutea (adulaccedilatildeo) mas admite que tal gecircnero eacute contrafaccedilatildeo da arte Em resumo embora reconheccedila que os sofistas satildeo dotados de um espiacuterito ousado e imaginativo a filosofia platocircnica vecirc a retoacuterica como discurso vazio de conteuacutedo Jaacute na sua maturidade Platatildeo passa a considerar a retoacuterica como sendo uma versatildeo disparatada e distorcida da dialeacutetica conforme consta em seu diaacutelogo Fedro e por outro lado a idealizar a existecircncia de uma verdadeira retoacuterica a qual ele identifica com a proacutepria dialeacutetica Assim Platatildeo equipara a falsa dialeacutetica com a retoacuterica ao mesmo tempo em que identifica a retoacuterica verdadeira com a dialeacutetica tornando a retoacuterica reprovaacutevel somente quando esta uacuteltima natildeo se identifica com a primeira Por conseguinte segundo Platatildeo qualquer sofista uma vez natildeo praticante da dialeacutetica da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia natildeo merece confianccedila por maior que seja a sua habilidade oratoacuteria Nesse sentido em um trecho do Fedro (LII 268 b-c) ele faz uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas da retoacuterica e o perfil de um falso meacutedico Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio de provocar vocircmitos ou evacuaccedilotildees entre outros efeitos e que o mesmo acrescenta ldquoE porque sei tudo isso tenho-me na conta de meacutedico e tambeacutem com a capacidade de fazer um meacutedico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos rdquo Esse trecho eacute seguido imediatamente pela citaccedilatildeo que registramos adiante Soacutecrates ndash Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira Fedro ndash Que mais poderia fazer a natildeo ser perguntar se tambeacutem sabia a quem aplicar tudo aquilo o tempo certo e a dose para cada caso Soacutecrates ndash E se ele contestasse Dessas coisas natildeo entendo patavinas poreacutem suponho que quem aprender comigo aquilo tudo ficaraacute em condiccedilotildees de responder a tais perguntas Fedro ndash Diriam segundo penso Este homem eacute louco Soacute porque leu um livro ou porque encontrou casualmente alguns remeacutedios considera-se meacutedico ainda que nada entenda de tal arte Ao considerar o praticante da retoacuterica como algueacutem cujo conhecimento natildeo eacute confiaacutevel Platatildeo (opus cit LVII 272 d-e) afirma que ldquoNos tribunais por exemplo ningueacutem se preocupa no miacutenimo com a verdade soacute se esforccedilando por persuadirrdquo e que toda a arte da oratoacuteria consiste em manter a verossimilhanccedila do iniacutecio ao fim do discurso Portanto esse pensador tem em vista que todo filoacutesofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade ao inveacutes de priorizar as aparecircncias dos discursos soacute para persuadir a qualquer custo Por outro lado embora tenha feito tantas criacuteticas agrave retoacuterica o citado filoacutesofo reconhece a importacircncia de se identificar os diferentes tipos de auditoacuterios que podem inspirar construccedilotildees oratoacuterias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade - e sendo assim jaacute prepara de certo modo o caminho para a sistematizaccedilatildeo aristoteacutelica da retoacuterica que viraacute logo depois Tanto eacute assim que alguns aspectos que seratildeo valorizados por Aristoacuteteles em sua obra Retoacuterica jaacute constam nas seguintes palavras de Platatildeo (Ibid LVIII 273d-274a) [] quem natildeo fizer a enumeraccedilatildeo exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espeacutecies e natildeo souber reduzir a uma ideia uacutenica todas as ideias particulares jamais dominaraacute a arte da oratoacuteria dentro das possibilidades humanas Mas sem trabalho ningueacutem consegue chegar a esse ponto Natildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

eacute para falar com os homens nem para tratar com eles que o saacutebio despende tanto esforccedilo mas para falar o que agrade aos deuses e tambeacutem para lhes comprazer com suas accedilotildees na medida do possiacutevel Porque o homem de senso [] natildeo deveraacute esforccedilar-se para agradar seus companheiros de escravidatildeo pelo menos natildeo poraacute nisso o principal intento nem o faraacute de ligeiro poreacutem a bons mestres e de boa origem Eis que fica clara a preocupaccedilatildeo de Platatildeo em estabelecer paracircmetros eacuteticos para a praacutetica da oratoacuteria e nesse sentido veremos apoacutes alguns paraacutegrafos adiante que a mesma preocupaccedilatildeo pode ser identificada em Aristoacuteteles no que concerne a sua sistematizaccedilatildeo (LIMA 2011 p 44)

Segundo Aristoacuteteles a exposiccedilatildeo de um argumento se divide em invenccedilatildeo disposiccedilatildeo elocuccedilatildeo e accedilatildeo

Deste modo a invenccedilatildeo consiste na escolha do material para se formular um argumento Nesta etapa o retoacuterico ou orador se ateacutem aos elementos dispersos e reuacutene aqueles que ele considerar adequados

Na disposiccedilatildeo o retoacuterico ou orador se preocuparaacute em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso

Na elocuccedilatildeo o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para natildeo cair em contradiccedilatildeo e se perder na execuccedilatildeo do discurso

Jaacute a accedilatildeo consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos trecircs aspectos anteriores de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir Neste momento o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui

Desta maneira Aristoacuteteles difere de Platatildeo por entender que a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo importantes para o debate natildeo soacute para o convencimento dos interlocutores Conforme confirma Lima (2011 p 47)

Aristoacuteteles diferentemente de Platatildeo vecirc a retoacuterica como algo que normalmente faz parte da vida social e poliacutetica como uma arte importante para o desenvolvimento dessas aacutereas Tal pensador tem em vista que a distinccedilatildeo conceitual envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composiccedilatildeo loacutegica e persuasiva dos argumentos eacute fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicaacute-las socialmente Eacute nessa perspectiva que ele propotildee a formaccedilatildeo de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construccedilatildeo de cada discurso visando estabelecer conforme suas proacuteprias palavras ldquo[] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos quando falamos a favor ou contra uma propostardquo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Logo em Aristoacuteteles existe uma mudanccedila da retoacuterica que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentaccedilotildees poliacuteticas juriacutedicas e dos problemas mais simples da existecircncia humana Conforme aponta Lima (2011) ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema

O Estagirita pensando na vida praacutetica situaccedilotildees reais do dia a dia em que geralmente natildeo se dispotildee de muito tempo para os encontros discursivos tem em vista a importacircncia de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciociacutenio do orador com tatildeo pouca demora Mas ele tambeacutem alerta para que natildeo se cometa excessos no uso dos entimemas Natildeo se deve tambeacutem a propoacutesito de toda e qualquer questatildeo procurar empregar os entimemas pois nesse caso chegariacuteeis ao mesmo resultado que certos filoacutesofos que demonstram por meio de silogismos proposiccedilotildees mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciociacutenios (Ret III XVII 7) Os lugares comuns de entimemas demonstrativos e refutativos compotildeem uma ampla variedade de argumentos que satildeo estudados enumerados e tipificados por Aristoacuteteles hierarquizados segundo a eficaacutecia de persuasatildeo Os lugares comuns satildeo assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussatildeo Vejamos por exemplo o seguinte toacutepoi (lugar) que consta no Livro II da Retoacuterica de Aristoacuteteles (XXIII1) Primeiramente haacute um lugar para os entimemas demonstrativos aquele que se tira dos contraacuterios Com efeito importa examinar se o contraacuterio estaacute contido no contraacuterio se natildeo estaacute compreendido refutaremos o adversaacuterio se estaacute compreendido estabeleceremos nossa proacutepria tese por exemplo defenderemos que ser temperante eacute bom porque viver na licenciosidade eacute nocivo Ou entatildeo como no discurso sobre Messecircnia ldquoVisto a guerra ser a causa dos males atuais eacute pela paz que devemos remediaacute-losrdquo Em mais um exemplo Aristoacuteteles (Ret II 23 4) apresenta entre outros entimemas o seguinte ldquose os deuses natildeo sabem tudo muito menos os homensrdquo E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte toacutepoi ldquose um atributo natildeo pertence a um sujeito ao qual mais deveria pertencer evidentemente que tambeacutem natildeo pertence ao sujeito ao qual deveria pertencer menosrdquo E tambeacutem eacute do Estagirita (ibid II XXIII 7) o seguinte trecho ldquoUm outro lugar tira-se das palavras contra noacutes e que voltamos contra o adversaacuterio Este lugar eacute excelente []rdquo (LIMA 2011 p 50-51)

Em Aristoacuteteles a retoacuterica assumiu uma conotaccedilatildeo praacutetica ou seja ela deve servir ao homem para argumentar na resoluccedilatildeo de problemas do cotidiano Assim a retoacuterica passa a ser uma ferramenta acessiacutevel a todos os sujeitos que queiram pleitear algo

Em sua Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles (I 8 1099 a) considera a finalidade da vida poliacutetica como o melhor dos fins e que ldquoo principal empenho dessa ciecircncia eacute fazer com que os cidadatildeos sejam bons e capazes de nobres accedilotildeesrdquo Tal nobreza inclui a observaccedilatildeo de que embora jaacute seja desejaacutevel o bem

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

para um soacute indiviacuteduo eacute mais nobre e mais divino alcanccedilar o bem para uma naccedilatildeo ou para as cidades-Estado (opus cit I 1094 b) Para o Estagirita (idibid) a ciecircncia poliacutetica eacute a mais prestigiosa de todas visto que a ciecircncia poliacutetica utiliza as demais ciecircncias e ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster a finalidade dessa ciecircncia deve necessariamente abranger a finalidade das outras de maneira que essa finalidade deveraacute ser o bem humano ldquoA cosmologia de Aristoacuteteles coloca certo nuacutemero de seres superinteligentes as inteligecircncias que governam as estrelas e os planetas acima do Homem na escala do ser assim como Deus o Movimentador Imoacutevelrdquo (LIMA 2011 p 53)

Neste caso o homem que se dedica agrave praacutetica retoacuterica eacute capaz de resolver os

problemas da vida cotidiana pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos Sendo o retoacuterico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se estaacute transmitindo eacute importante mencionar o significado da honestidade do orador na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que os sujeitos interlocutores se convenccedilam da mensagem

Atividade de Estudos

1) Explique com suas palavras por que eacute importante a honestidade retoacuterica Leia o texto para poder entender melhor o problema

LIBERDADE OU MANIPULACcedilAtildeO

Eacute por isso que este mesmo autor considerando que a caracteriacutestica da boa argumentaccedilatildeo natildeo eacute suprimir o aspecto retoacuterico pois em nenhum caso uma argumentaccedilatildeo inexpressiva se torna soacute por isso obrigatoriamente mais honesta ndash adianta dois criteacuterios gerais a que se deve submeter a boa retoacuterica

1 Criteacuterio da transparecircncia que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo dos meios pelos quais a crenccedila estaacute a ser modificada

2 Criteacuterio de reciprocidade que a relaccedilatildeo entre o orador e o

auditoacuterio natildeo seja assimeacutetrica para que fique assegurado o direito de resposta

Respeitados tais criteacuterios Reboul considera que a argumentaccedilatildeo natildeo se torna por isso menos retoacuterica e sim mais honesta Mas parece evidente que sem pocircr em causa a eficaacutecia destes dois

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Oratoacuteria e Retoacuterica

criteacuterios o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo e natildeo seja assimeacutetrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretizaccedilatildeo Por outro lado pode acontecer tambeacutem que a incompetecircncia argumentativa do auditoacuterio crie a ilusatildeo de uma relaccedilatildeo retoacuterica desigual e leve a que se veja manipulaccedilatildeo no orador quando na realidade essa desigualdade se fica a dever agrave insuficiente capacidade criacutetica revelada por aqueles a quem se dirige

Fonte Sousa (2000 p 96)

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Ethos Pathos Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de eacutetica pathos no sentido de paixatildeo e logos no sentido de discurso

Passamos agora agrave discussatildeo de aspectos da estrutura do conteuacutedo dos argumentos e a forma como satildeo usados para expor determinados discursos

O ethos da retoacuterica estaacute ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso O ethos do comportamento humano para Reboul (2004) passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar

Segundo Aristoacuteteles podemos construir uma parte do ethos mas a outra parte eacute totalmente natural Por isso precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

As virtudes dianoeacuteticas entre as quais a sapiecircncia (shofia) eacute tida como a mais importante satildeo vistas por Aristoacuteteles como mais elevadas do que as virtudes eacuteticas pois lidam com a captaccedilatildeo intuitiva de princiacutepios por meio do intelecto coincidindo com as ciecircncias teoreacuteticas (principalmente com a metafiacutesica) Por outro lado as virtudes eacuteticas lidam com o contingente e o variaacutevel no humano apoiando-se numa prudecircncia (phroacutenesis) que eacute razatildeo praacutetica Na abertura do livro II (opus cit) Aristoacuteteles observa que as virtudes intelectuais satildeo geradas e crescem em grande parte em decorrecircncia do ensino e por isso precisam de experiecircncia e tempo enquanto as virtudes eacuteticas satildeo adquiridas em resultado do haacutebito Esse termo ndash haacutebito ndash decorre da traduccedilatildeo de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethikeacute) palavra que tambeacutem pode significar costume (LIMA 2011 p 71)

Um ethos no debate eacute um modo de se expressar eacute a maneira com a qual

nos expressamos Saber se expressar eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para sermos verdadeiramente humanos

No iniacutecio de sua Retoacuterica (2007 I 1 p19) Aristoacuteteles estabelece que ldquoos modos de persuasatildeo satildeo as uacutenicas verdades constituintes dessa arte tudo o mais eacute mero acessoacuteriordquo Diante de tais palavras poderiacuteamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituiacutedo de propostas eacuteticas ou seja meramente instrumental sem necessariamente manifestar um viacutenculo efetivo com a busca pelo bem comum pela justiccedila pela cidadania entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social Entretanto podemos identificar que Aristoacuteteles assume em vaacuterios momentos de sua Retoacuterica um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a eacutetica em sintonia com um exerciacutecio de livre escolha de ideias Em vaacuterios trechos (opus cit) o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade e natildeo o faz por considerar tais preceitos como meros acessoacuterios pois em vez disso procura mostrar que um homem de boa formaccedilatildeo moral tem no seu proacuteprio caraacuteter um referencial em que pode alicerccedilar o seu discurso Sendo assim como bem esclarece o autor a consistecircncia moral do orador tambeacutem deve compor o modo pelo qual o ouvinte eacute persuadido Aristoacuteteles toma o cuidado de firmar a arte retoacuterica em uma responsabilidade social propondo uma produccedilatildeo discursiva que possa participar da construccedilatildeo moral do homem e por conseguinte da sua condiccedilatildeo poliacutetica (Ret2007 p 23) (LIMA 2011 p 74)

O homem ao se apresentar como um ser que escreve e fala precisa dominar estes dois modos de se apresentar Por isso um haacutebito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como noacutes falamos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A primeira questatildeo tratada eacute que para se realizar um discurso eacute preciso ter conhecimento sobre aquilo que estaacute sendo dito em prol de sua autenticidade enquanto verdade Os sofistas se servem da persuasatildeo utilizando o domiacutenio que tecircm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa com uma mesma ecircnfase ou intensidade ndash natildeo se baseiam num conhecimento verdadeiro mas no senso comum ldquoA perversatildeo da retoacuterica transforma a escrita em teacutecnica de simulaccedilatildeo e converte a habilidade oratoacuteria em exploraccedilatildeo verbal e persuasiva do verossiacutemilrdquo Atraveacutes de uma loacutegica da ambiguidade contrariam o que deveria ser indissociaacutevel no interior de um discurso a ligaccedilatildeo entre dizer pensar e ser ndash limitam-se a uma tautologia do logos que eacute voltado sobre si mesmo A eficaacutecia alcanccedilada pelo discurso entretanto natildeo significa que tais ldquoretoacutericosrdquo tinham o conhecimento real do assunto que tratavam eles natildeo tinham a preocupaccedilatildeo de se interrogar sobre suas referecircncias ndash calcavam-se na probabilidade no verossiacutemil para o estabelecimento de suas conclusotildees que de antematildeo eram estabelecidas ndash utilizando-se da potecircncia da palavra como uma arma para persuadir pessoas tatildeo ignorantes quanto eles ldquoO estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migraccedilatildeo da enunciaccedilatildeo para o enunciadordquo (LUZ 2010 p 45)

Neste sentido retoacuterica e oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que se articulam na existecircncia e o ajudam a expor seu sentido na linguagem O ethos da oratoacuteria e da retoacuterica eacute uma forma eacute a maneira de dizermos os modos de se apresentar A linguagem escrita e falada eacute uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos

Ainda de acordo com Reboul (2004) o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar

Ao falarmos de pathos ou afetamento de um discurso podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso

Ao falarmos de pathos ou

afetamento de um discurso podemos

entender que quando nos referimos a um determinado

grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel

do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos

envolve ou dispersa em um determinado

discurso

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Por isso ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala estamos optando em ser ou natildeo apaixonantes em nossa exposiccedilatildeo escrita ou oral Eacute no pathos de um discurso ou seja na paixatildeo que se iraacute prender ou natildeo os interlocutores As belas palavras podem levar os sujeitos agraves mais absurdas atitudes ou simplesmente natildeo significar nada aos ouvintes Tudo depende do modo com o qual vocecirc que se expressa o faz

O pathos de um discurso eacute determinante em relaccedilatildeo agrave longevidade de uma mensagem Por exemplo Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas seu modo de ser serve de conduta religiosa moral e eacutetica para todas as eacutepocas

Deste modo eacute a forma de se expressar em uma linguagem clara direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcanccedilar seu objetivo

O logos o discurso propriamente dito precisa de um ritmo de uma forma de um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

De acordo com Reboul (2004) um discurso eacute uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem Eacute a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado esperado em um discurso Se soubermos transmitir a mensagem poderemos alcanccedilar maior ecircxito em nossas intenccedilotildees Fica evidente que mesmo quando natildeo queremos dizer algo relevante sempre haacute um sentido no discurso proferido

Estamos falando de transmissatildeo de conteuacutedos atraveacutes da linguagem mas antes de seguirmos para os elementos do discurso precisamos esclarecer o que eacute a verossimilhanccedila pois sem entender isso natildeo podemos entender por que a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante tensatildeo com a verdade

O logos o discurso propriamente dito

precisa de um ritmo de uma forma de

um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer

ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

Atividade de Estudos

1) Explique o que vocecirc entende por verossimilhanccedila Leia o artigo disponiacutevel em lthttpsrepositorioufrnbrjspui

bitstream123456789164822MarcosAL_DISSERT_PARCIALpdfgt para lhe ajudar a responder

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Disposiccedilatildeo Elocuccedilatildeo Accedilatildeo e Invenccedilatildeo

Jaacute nos referimos agrave invenccedilatildeo que eacute a escolha dos argumentos pelo orador Passamos agora para a disposiccedilatildeo que de acordo com Reboul (2004) eacute a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala Eacute a retoacuterica da organizaccedilatildeo formal de um discurso seu plano de execuccedilatildeo

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul (2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase oral do discurso como muita gente pode pensar

Para Aristoacuteteles a retoacuterica assume uma dimensatildeo de amor agrave sabedoria Eacute o amor agrave sabedoria que permite agrave retoacuterica se aproximar da dialeacutetica pois eacute a oposiccedilatildeo de argumentos que produz um desenvolvimento da discussatildeo

Assim o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruccedila o retor As praacuteticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construccedilatildeo oratoacuteria ou seja sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniotildees e tambeacutem com as opiniotildees sobre o mundo Por conseguinte a retoacuterica eacute pensada por Aristoacuteteles como uma manifestaccedilatildeo de amor agrave sabedoria e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade inclusive com o aprimoramento do proacuteprio saber exposto nesse jogo social que eacute a arte retoacuterica Pelas razotildees acima citadas Reboul (2004 p 40) compara a retoacuterica de Aristoacuteteles com a de Isoacutecrates A retoacuterica de Aristoacuteteles estaacute bem proacutexima da retoacuterica de Isoacutecrates em termos de conteuacutedo A diferenccedila eacute que em Aristoacuteteles a retoacuterica eacute uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciecircncias exatas Estas ldquodemonstrativasrdquo atingem verdades ldquonecessaacuteriasrdquo que como os teoremas soacute podem ser o que satildeo possibilitando compreender e prever A retoacuterica por sua vez soacute atinge o verossiacutemil aquilo que acontece no mais das vezes mas que poderia acontecer de outra forma Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria a retoacuterica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinacircmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e ao mesmo tempo do aprimoramento de suas leis e costumes Creio natildeo ser exagero afirmar que em Aristoacuteteles a retoacuterica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul

(2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase

oral do discurso como muita gente

pode pensar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

que liguem o homem agraves soluccedilotildees de seus problemas pessoais e coletivos e agraves melhores opccedilotildees para a educaccedilatildeo dos jovens Essa arte tambeacutem eacute compromisso em educar para a sabedoria e nesse sentido cada cidadatildeo necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto os seus sentimentos desejos ambiccedilotildees natildeo esquecendo o bem da sociedade em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA 2011 p 80)

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo dos argumentos que

queremos apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer

Quando a accedilatildeo retoacuterica se manifesta por intermeacutedio de um discurso destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execuccedilatildeo daquilo que se propotildee a fazer Neste sentido Aristoacuteteles destaca na antiguidade que o sujeito que natildeo transmitir confiabilidade em seu discurso natildeo convence ningueacutem

Diante de ideias conflitantes entre si eacute comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiaacuteveis merecedoras de creacutedito Nessa perspectiva os encontros sociais entre retores podem ser bastante uacuteteis como oportunidades para tal busca e na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz surge um sentimento de grandeza da proacutepria razatildeo naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicaacutevel compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo Eacute esse o sentimento denominado de sublime ou sublimidade Para melhor compreendermos o sentimento do sublime recapitulemos que a verossimilhanccedila eacute caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que natildeo possibilitam respostas irrefutaacuteveis e que natildeo eacute raro o homem sentir-se constrangido inseguro e com medo diante do que eacute apenas verossiacutemil ou seja do que natildeo lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutaacutevel Visto por esse lado o que pomos em foco natildeo eacute o constrangimento diante de forccedilas fenomecircnicas de uma natureza ameaccediladora e externa ao ser humano (como vendavais tempestades maremotos terremotos etc) pois numa abordagem mais voltada para a produccedilatildeo dos discursos em um contexto social e cotidiano em muitos casos o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando natildeo encontra por exemplo respostas suficientemente confiaacuteveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhanccedila A superaccedilatildeo desse momento de constrangimento a ldquovolta por cimardquo atraveacutes do intelecto que identifica qual eacute o melhor discurso a vitoacuteria de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razatildeo gerando um aliacutevio pela suposta seguranccedila diante da diversidade de ideias antagocircnicas entre si Em Aristoacuteteles o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhanccedila - deve ser decorrecircncia direta da atitude genuiacutena de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiaacutevel possiacutevel) e nesse encaminhamento o faz sob o predomiacutenio da parte intelectiva da alma (a racionalidade) que seria segundo o Estagirita a melhor parte do homem (conforme jaacute vimos anteriormente) Nessa

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo

dos argumentos que queremos

apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final

do discurso que foi planejado de modo a

se expor o que se quer

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Oratoacuteria e Retoacuterica

perspectiva revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar natildeo soacute entre o que eacute o bem do que eacute o seu extremo contraacuterio mas tambeacutem distinguir o que eacute um bem maior diante de um bem menor escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser eacutetico aleacutem da importacircncia de saber defender as suas escolhas publicamente Eis que o sentimento do sublime nos termos aqui propostos aparece quando a razatildeo humana se depara com o verossiacutemil em busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial rumo ao possiacutevel sentimento de superioridade da razatildeo A inseguranccedila argumentativa que levaria a um natildeo saber identificar uma resposta confiaacutevel como costuma ocorrer na verossimilhanccedila seria algo anaacutelogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza esteacutetica de algum fenocircmeno da natureza Neste uacuteltimo caso o sentimento do sublime eacute tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquecircs de existirem os fenocircmenos ameaccediladores (como tempestades maremotos vendavais etc) cuja grandiosidade esteacutetica constrange inicialmente o ser humano Em se tratando da retoacuterica o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniotildees e encontra formas de identificar quais satildeo as ideias mais confiaacuteveis entre tantas que se oferecem para creacutedito Portanto em Aristoacuteteles na sua obra Retoacuterica o homem eacute idealizado como aquele cuja determinaccedilatildeo e coragem devem servir para a busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial frente agrave verossimilhanccedila Nesta o ser humano sente-se humilhado diante das proacuteprias incertezas e das ldquoverdadesrdquo oferecidas por discursos diversos que o circundam natildeo sabendo em qual delas - as supostas ldquoverdadesrdquo ndash acreditar mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiccediloamento dos discursos (LIMA 2011 p 104-105)

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhanccedila poderaacute desenvolver uma retoacuterica de boa qualidade que natildeo se confunde com aquilo que parece ser a verdade mas natildeo eacute a verdade loacutegica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto sobre o problema da presunccedilatildeo antever um argumento disponiacutevel em lthttpw3ufsmbrppgfwp-contentuploads201110PERELMANpdfgt paacutegina 35 e 36 e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar Por exemplo o seu trabalho seu lazer etc O texto eacute inspiraccedilatildeo para a construccedilatildeo do argumento

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

O desenvolvimento da retoacuterica atraveacutes dos seacuteculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa eacutepoca atual por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem Sem dominar bem o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retoacuterico Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa dominar o conteuacutedo a ser exposto de modo a permitir que natildeo seja enganado pela proacutepria linguagem

Este capiacutetulo eacute fundamental a vocecirc estudante para saber como a histoacuteria da retoacuterica trabalhou o problema da formulaccedilatildeo estruturaccedilatildeo e divisatildeo dos discursos Lembre-se vocecirc natildeo eacute o primeiro a querer expor uma ideia um argumento por isso natildeo se engane seus interlocutores entendem ou natildeo o que vocecirc quer expor na medida em que vocecirc se coloca de modo claro e distinto Se sua linguagem natildeo for adaptada ao local em que vocecirc fala sua mensagem natildeo seraacute transmitida como vocecirc quer

BRISSON Luc Leituras de Platatildeo Trad Socircnia Maria Maciel Porto Alegre EDIPUCRS 2003

BRUNSCHWIG J Diccionaire Critique Le Savoir Grecce Org Geossvey Lloyd Paris Flammarion 1996

CLAIumlM PERELMAN Retoacutericas Trad Maria Ermantina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

DELEUZE G Loacutegica dos Sentidos Trad Luiz Roberto Salinas Fontes Satildeo Paulo Ed Perspectiva 2000

DERRIDA Jacques A Farmaacutecia de Platatildeo Trad Rogeacuterio da Costa 3 ed Satildeo Paulo Iluminuras 2005

GOLDSCHMIDT V Os Diaacutelogos de Platatildeo Estrutura e Meacutetodo Dialeacutetico Trad Dion Davi Macedo Satildeo Paulo Loyola 2002

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos

e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para um bom orador

dominar seu tema para poder transmitir

essa mensagem Sem dominar bem

o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar

e demonstrar suas qualidades como retoacuterico

Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa

dominar o conteuacutedo a ser exposto de

modo a permitir que natildeo seja enganado

pela proacutepria linguagem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

MARCUSE H Eros e Civilizaccedilatildeo Trad Aacutelvaro Cabral 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1969

MORAES J Q Epicuro as luzes da eacutetica Satildeo Paulo Ed Moderna 1998

NIETZSCHE F O Nascimento da Trageacutedia Trad J Guinsburg Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos Sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Coleccedilatildeo Estudos Platocircnicos Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2009

Algumas ConsideraccedilotildeesA histoacuteria da oratoacuteria e da retoacuterica permite o entendimento de como somos

capazes de organizar e exprimir uma ideia Desta maneira um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforccedilo do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispotildee de modo adequado

Com efeito este capiacutetulo se empenhou em apresentar uma parte da histoacuteria da retoacuterica para deixar vocecirc estudante em condiccedilotildees de escolher bem suas formas de argumentar

ReferecircnciasANSELMO Monoloacutegio Satildeo Paulo Victor Civita 1991

CAMPOS R C A Formaccedilatildeo Educacional do Orador e a Retoacuterica como seu Instrumento de Accedilatildeo no Principado Fecircnix ndash Revista de Histoacuteria e Estudos Culturais JaneiroFevereiroMarccedilo de 2008 v 5 Ano V n 1 Disponiacutevel em ltwwwrevistafenixprobrgt Acesso em 26 maio 2017

SOUSA A de A Persuasatildeo - Estrateacutegias da comunicaccedilatildeo influente 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt Acesso em 22 maio 2017

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

LIMA M A A retoacuterica em Aristoacuteteles da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia Natal IFRN 2011

LUZ A R L Ensaios Filosoacuteficos V 1 outubro2010 Disponiacutevel em lthttpwwwensaiosfilosoficoscombrArtigosArtigo2Ana_Rosapdfgt Acesso em 27 maio 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SILVA R Curso de Oratoacuteria A Arte de Falar em Puacuteblico ou a Habilidade de Falar em Puacuteblico 2012 Disponiacutevel em lthttpconsulpamcombrwp-contentuploads2013084-OratC3B3riapdfgt Acesso em 26 maio 2017

SILVEIRA Caacutessio Rodrigo Paula Relendo Ciacutecero A formaccedilatildeo do orador e sua inserccedilatildeo na poliacutetica romana (Seacuteculo I a C) 2012

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Oratoacuteria e Retoacuterica

CAPIacuteTULO 3

A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apontar as diferentes formas de argumentos

Apresentar as implicaccedilotildees de um argumento Compromisso com a verdade ou com a forma

Fazer um argumento suas fragilidades e pontos fortes

Convencer ou defender a verdade

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

ContextualizaccedilatildeoEste capiacutetulo se destina a apresentar a vocecirc estudante uma perspectiva

filosoacutefica com desdobramentos teoloacutegicos para a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Destacaremos brevemente a sutil conexatildeo com a loacutegica sobretudo a silogiacutestica concatenaccedilatildeo em sequecircncia de premissas para formular um argumento

Oratoacuteria e Retoacuterica Filosoacutefica Na filosofia a oratoacuteria e retoacuterica cumprem um papel substancial pois eacute por

intermeacutedio dos argumentos e da exposiccedilatildeo destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades Observamos que nas maiores universidades da Europa a retoacuterica e a oratoacuteria perderam muito espaccedilo no ambiente acadecircmico

A Retoacuterica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituiccedilotildees europeias de ensino ao contraacuterio do que aconteceu nos Estados Unidos da Ameacuterica Embora tenham surgido na Europa algumas revistas sociedades de Retoacuterica reimpressotildees de textos claacutessicos e se tenham publicado seacuteries de estudos sobre Retoacuterica em editoriais de renome eacute impossiacutevel hoje qualquer consenso quanto agrave asserccedilatildeo de M Capella sobre a Retoacuterica como laquopotens rerum omnium reginaraquo ou quanto agrave promoccedilatildeo da Retoacuterica a laquorainha antiga e nova das ciecircnciasraquo assinada pelo professor de Retoacuterica de Tuebingen W Jens que antecipou a visatildeo utoacutepica da Retoacuterica como laquouma ciecircncia do futuroraquo proposta por J Dubois Poreacutem o fim da Retoacuterica como disciplina ou laquoRhetoricadocensraquo natildeo coincide com o desaparecimento da praacutexis retoacuterica (Rhetoricautens Oratoria Eloquentia) tampouco com a extinccedilatildeo da sua existecircncia residual em teorias de composiccedilatildeo literaacuteria em regras de comportamento em expressotildees do discurso pragmaacutetico nem com a cessaccedilatildeo da sua eficaacutecia histoacuterica na tipologia variada da histoacuteria das ideias e da cultura Eacute sobretudo a teoria retoacuterica do texto e a sua influecircncia histoacuterica a que o Ocidente se expocircs que merecem uma particular atenccedilatildeo dadas as suas estreitas relaccedilotildees com a Hermenecircutica e a Filosofia (PEREIRA 1994 p 6)

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo

consideradas subaacutereas de conhecimento filosoacutefico entendemos que para discutir bem o problema da argumentaccedilatildeo precisamos de uma discussatildeo profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retoacuterica no debate de ideias

A histoacuteria da Retoacuterica foi de fato a de uma laquorestriccedilatildeo generalizadaraquo na expressatildeo de G Genette ou de uma laquoextinccedilatildeo progressivaraquo segundo R Barthes ateacute se confundir com uma teoria dos tropos se recordarmos que a queda da cidade democraacutetica arrastou consigo a morte da intervenccedilatildeo poliacutetica da Retoacuterica e forccedilou o seu exiacutelio esteacutetico de cuja impotecircncia brotou a figura de uma laquoeloquentia tacensraquo embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retoacuterica judiciaacuteria e epidiacutectica respectivamente Expressotildees

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como laquorenascimentoraquo ou laquoreabilitaccedilatildeo da Retoacutericaraquo laquoRhetorica redivivaraquo laquoRhetoric revaluedraquo laquoreturn of Rhetoricraquo laquoRhetoric resituatedraquo etc natildeo soacute repotildeem a Retoacuterica na raiz histoacuterica de muitas disciplinas modernas mas fazem dela um laquopotencial sugestivoraquo para a reformulaccedilatildeo da problemaacutetica do homem contemporacircneo embora se reconheccedila com P Ricoeur que a sua existecircncia como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos coleacutegios em meados do seacutec XIX A Retoacuterica de Aristoacuteteles foi uma teoria da argumentaccedilatildeo que se articulava com a sua vizinha loacutegica da demonstraccedilatildeo e com a filosofia uma teoria da elocuccedilatildeo e uma teoria da composiccedilatildeo do discurso Com a sua reduccedilatildeo tradicional a uma simples teoria da elocuccedilatildeo e depois a uma teoria dos tropos a Retoacuterica perdeu o laccedilo que a prendia agrave Filosofia e tornou-se laquouma disciplina erraacutetica e fuacutetilraquo O esquema da Retoacuterica de Aristoacuteteles representou a racionalizaccedilatildeo de uma disciplina que se propusera reger todos os usos da palavra puacuteblica sobretudo o seu poder de decisatildeo e o seu domiacutenio no tribunal na assembleia poliacutetica no elogio e no panegiacuterio O poder de dispor dos homens mediante o domiacutenio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de seduccedilatildeo e mentira a histoacuteria do discurso humano A loacutegica da verossimilhanccedila aparecia como uma soluccedilatildeo de recurso para uma Retoacuterica ferida de substancial ambiguidade As suas provas natildeo se regem pela loacutegica da necessidade mas do verossiacutemil e do contingente porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias natildeo obedecem aos quadros riacutegidos de uma axiomaacutetica dogmaacutetica O grande meacuterito de Aristoacuteteles foi ter elaborado o laccedilo entre o conceito retoacuterico de persuasatildeo e o conceito loacutegico de verossiacutemil e ter construiacutedo sobre esta relaccedilatildeo o edifiacutecio inteiro de uma Retoacuterica filosoacutefica (PEREIRA 1994 p 7)

Assim a retoacuterica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo Ao retomarmos o estudo dos gregos percebemos o grande valor desta na construccedilatildeo dos argumentos filosoacuteficos

Deste modo a oratoacuteria grega surge como um modo de exposiccedilatildeo de conceitos e definiccedilotildees que permitem o entendimento das grandes questotildees filosoacuteficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiaacuteveis

Sabemos que a discussatildeo filosoacutefica somente eacute possiacutevel se considerarmos a existecircncia de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias Eis que a retoacuterica para vocecirc estudante eacute uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se vocecirc quiser transmitir com qualidade a sua mensagem Por isso a importacircncia da retoacuterica eacute substancial na organizaccedilatildeo e difusatildeo de um discurso elaborado e de boa qualidade

A Retoacuterica partilha com a Poeacutetica e a Hermenecircutica o terreno do discurso articulado em configuraccedilotildees mais extensas do que a frase ou unidade miacutenima em que algueacutem diz algo a algueacutem sobre alguma coisa realizando a triacuteplice mediaccedilatildeo entre homem e mundo homem e outro homem e homem e si-mesmo O discurso retoacuterico eacute o mais antigo discurso racional hiperfraacutestico do Ocidente nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no seacutec VI aC mas dominado pela ambiccedilatildeo de cobrir o campo inteiro

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do uso discursivo da linguagem Por isso o modelo retoacuterico de argumentaccedilatildeo pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razatildeo praacutetica (moral direito poliacutetica) e do campo inteiro da Filosofia Orientada para o ouvinte a argumentaccedilatildeo retoacuterica eacute uma teacutecnica de persuasatildeo em que dizer eacute fazer eacute conquistar o assentimento do auditoacuterio e por isso o discurso retoacuterico eacute ilocutoacuterio e perlocutoacuterio Neste caso a argumentaccedilatildeo natildeo inova porque o orador se adapta agrave temaacutetica das ideias admitidas limitando-se a transferir para as conclusotildees a adesatildeo concedida agraves premissas e desenvolvendo teacutecnicas intermediaacuterias sempre em funccedilatildeo da adesatildeo efetiva ou presumida do auditoacuterio A vulnerabilidade do discurso retoacuterico estaacute patente pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar do acordo preacutevio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos da arte de agradar para a arte de seduzir do discurso da constituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade e da sua identidade para a perversatildeo do discurso ideoloacutegico No iniacutecio da deacutecada de 80 falava-se da marcha imparaacutevel da Retoacuterica que invadia a Estiliacutestica Estrutural a Teoria do Texto e da Literatura e a Semacircntica Linguiacutestica enquanto as Ciecircncias Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influecircncias marcantes da Retoacuterica regressada para os mais entusiastas do exiacutelio apoacutes a caluacutenia de que teria sido viacutetima (PEREIRA 1994 p 8)

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retoacuterica e da

oratoacuteria existem outros tantos que reconhecem seu caraacuteter imprescindiacutevel na elaboraccedilatildeo e exposiccedilatildeo de textos filosoacuteficos e teoloacutegicos Ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve ficar bem explicado que haacute um meacutetodo que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulaccedilotildees retoacutericas de todo o pensamento ocidental Pereira (1994) reconhece essa influecircncia e explica o problema de maneira bastante detalhada

A filosofia de Protaacutegoras eacute uma fundamentaccedilatildeo da Retoacuterica pois o laquohomo mensuraraquo enquanto laquohomo loquensraquo condensa a Antropologia da Retoacuterica em que o acordo eacute realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades praacuteticas de cooperaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo porque faltam no ponto de vista bioloacutegico laquoregulaccedilotildees preacuteviasraquo e laquoestruturas de adaptaccedilatildeoraquo e esta falha natildeo pode ser compensada com ecircxito por evidecircncias teoacutericas e normativas nem por mecanismos de coaccedilatildeo poliacutetica A Sofiacutestica como resposta agrave crise provocada pela perda de crenccedila nas grandes narraccedilotildees coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicaccedilatildeo linguiacutestica sem qualquer referente real mas com poder de decidir do sentido da realidade Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor deixou a Retoacuterica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassaacutevel e jamais definitiva mas sempre convencional e provisoacuteria Com o laquolinguisticturnraquo proveniente da Filosofia Analiacutetica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L Wittgenstein a linguagem deixou de ser mera expressatildeo da consciecircncia mas o acontecimento da proacutepria consciecircncia cuja estruturaccedilatildeo linguiacutestica se tornou objeto da reflexatildeo filosoacutefica Enquanto J Habermas soacute no comeccedilo dos anos 80 realizou a sua viragem linguiacutestica tomando por modelo de accedilatildeo comunicativa

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a concepccedilatildeo de linguagem de K Buehler os estudos realizados por K O Apel nos anos 50 prepararam jaacute a transformaccedilatildeo linguiacutestico-hermenecircutica do Kantismo e a sua tese de habilitaccedilatildeo intitulada A Ideia de Linguagem na Tradiccedilatildeo do Humanismo de Dante ateacute Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova laquoPrima Philosophiaraquo que substituiacutea a velha Ontologia por ser a radicalizaccedilatildeo da criacutetica kantiana do conhecimento e a sua transformaccedilatildeo em criacutetica da linguagem que eacute uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicaccedilatildeo sem exclusotildees nem repressotildees A valorizaccedilatildeo da Sofiacutestica e da Retoacuterica natildeo reprimiu a consciecircncia dos perigos dos equiacutevocos histoacutericos do discurso retoacuterico e por isso K O Apel distingue da Retoacuterica da persuasatildeo psicoloacutegica a Retoacuterica da convicccedilatildeo cuja loacutegica de argumentaccedilatildeo pragmaacutetica permite reconstruir idealmente as condiccedilotildees de um consenso verdadeiro e universalizaacutevel ou do auditoacuterio universal segundo a terminologia de Ch Perelman Na comunicaccedilatildeo argumentativa de J Habermas eacute indissoluacutevel a vinculaccedilatildeo de teoria e praacutexis pois a ciecircncia natildeo eacute neutra mas orientada por determinados interesses que satildeo as suas condiccedilotildees transcendentais de possibilidade J Habermas apropriou-se de uma divisatildeo do saber que em 1929 Max E Scheler propusera na sua obra Visatildeo Filosoacutefica de Mundo laquosaber de domiacutenioraquo laquosaber formativoraquo e laquosaber salvadorraquo (PEREIRA 1994 p 50-51)

O caminho percorrido pela retoacuterica referenciado anteriormente mostra as variaccedilotildees entre teoria e praacutetica ao longo dos seacuteculos no Ocidente Com efeito as variaccedilotildees apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes agrave argumentaccedilatildeo

Oratoacuteria e Retoacuterica TeoloacutegicaA retoacuterica e a oratoacuteria teoloacutegica natildeo satildeo muito diferentes da retoacuterica e oratoacuteria

filosoacutefica mas o objetivo eacute outro Se a retoacuterica filosoacutefica se propotildee ao debate de ideias e sua contraposiccedilatildeo para produzir um debate e uma estrutura dialeacutetica a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento Para construir um argumento que convenccedila a plateia o orador deve observar alguns criteacuterios Reboul (apud SEGUNDO 2006 p 75)

[] pontua as cinco caracteriacutesticas que diferenciam fundamentalmente a demonstraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo1 nesta o discurso sempre se dirige a um auditoacuterio que para Reboul eacute sempre particular de modo que o auditoacuterio universal se constitui apenas em uma pretensatildeo abstraccedilatildeo ou ideal argumentativo 2 aleacutem disso a argumentaccedilatildeo expressa-se em liacutengua natural sofrendo as consequecircncias de sua opacidade

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3 por trabalhar com o verossiacutemil as premissas argumentativas nunca satildeo verdades propriamente ditas o que demanda uma relaccedilatildeo interpessoal de confianccedila atenccedilatildeo e reconhecimento de autoridade da parte do auditoacuterio em relaccedilatildeo ao orador 4 nesse sentido a progressatildeo dos argumentos depende do orador que procuraraacute ordenaacute-los de modo a satisfazer as condiccedilotildees de persuasatildeo projetadas por ele acerca daquele auditoacuterio 5 por conseguinte as conclusotildees tornam-se sempre contestaacuteveis jaacute que o auditoacuterio pode rejeitaacute-las ou aceitaacute-las mediante seu julgamento Consequentemente natildeo cabe na argumentaccedilatildeo isolar razatildeo e emoccedilatildeo As duas caminham necessariamente juntas na medida em que crenccedilas satildeo intrinsecamente afetivas e afetaratildeo o julgamento e a conclusatildeo independentemente do caminho racional da disposiccedilatildeo argumentativa apresentada (SEGUNDO 2006 p 75)

Desta maneira a principal diferenccedila presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teoloacutegicas em questatildeo Por isso a verdade teoloacutegica transmitida pela chamada oratoacuteria e retoacuterica teoloacutegica deve levar o interlocutor ao convencimento Neste aspecto o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem

A vocecirc estudante da disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ficar claro que na teologia natildeo podem ser produzidas questotildees que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem soluccedilatildeo Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposiccedilotildees sobre aquilo que a dimensatildeo teoloacutegica abarca e o que escapa a este modo de pensar Citamos na sequecircncia um exemplo de discurso para que vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica entenda como podemos interpretar os diversos significados A discussatildeo toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte

Figura 1 ndash Exemplo de discurso tirinha Mafalda

Fonte Disponiacutevel em lthttpastroptorgblogwp-contentuploads201201Mafalda1jpggt Acesso em 10 jul 2017

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Observamos que a discussatildeo natildeo possui nenhum argumento empiacuterico que sustente a possibilidade evocada mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor

Na teologia observamos uma terminologia proacutepria que o indiviacuteduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer vejamos um exemplo

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica Jesus lhe responde com outra pergunta ldquoQue estaacute escrito na Lei Como interpretasrdquo - que embora de forma impliacutecita estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princiacutepios da sagrada Lei de Deus Inquirido o inteacuterprete da Lei respondeu ldquoAmaraacutes o Senhor teu Deus de todo o teu coraccedilatildeo de toda a tua alma com toda a tua forccedila e de todo o teu entendimento e a teu proacuteximo como a ti mesmordquo A resposta evidencia uma correlaccedilatildeo de dois textos mosaicos Deuteronocircmio 6 5 e Leviacutetico 19 18 Utilizados assim permitem ao inteacuterprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essecircncia de toda a religiatildeo Ao findar o primeiro instante do debate Jesus respondeu de maneira notaacutevel agrave pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar ldquoRespondeste corretamente faze isto e viveraacutesrdquo O verbo grego ποιέω comumente traduzido por ldquofazerrdquo ldquopraticarrdquo encontra-se nesse versiacuteculo no particiacutepio imperfeito ποίει expressando dessa forma uma ideia de accedilatildeo constante de praacutetica vitaliacutecia Com efeito a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergecircncia entre ortodoxia e ortopraxia A premissa teoloacutegica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e concomitantemente com o evangelho de Jesus Entretanto o cerne da questatildeo era Seraacute que este inteacuterprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo A disposiccedilatildeo cognitiva deste doutor era excelente no entanto seu desempenho ainda era questionaacutevel Ao analisar essa paraacutebola Joachim Jeremias afirma O fato de Jesus surpreendentemente remetecirc-lo ao agir como sendo a vida para a vida deve se entender a partir igualmente desta situaccedilatildeo concreta todo o conhecimento teoloacutegico de nada serve se o amor para com Deus e para com o proacuteximo natildeo determinar a direccedilatildeo da vida A proposta filosoacutefica da eacutetica da alteridade encontra profundas raiacutezes nesta premissa teoloacutegica Eacute inevitaacutevel a identificaccedilatildeo do projeto filosoacutefico levinasiano com a Lei de Moiseacutes uma vez que Levinas fora instruiacutedo em um contexto marcado por um profundo espiacuterito de dedicaccedilatildeo agrave Lei Nilo Ribeiro Juacutenior ao descrever a relaccedilatildeo entre Levinas e as Escrituras sublinha que ldquoo ponto de partida do pensamento filosoacutefico levinasiano eacute a Escritura considerada como fonte natildeo filosoacutefica da filosofiardquo Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profeacutetico de amor a Deus e ao proacuteximo Essa nova concepccedilatildeo da tarefa da filosofia rompeu com a claacutessica definiccedilatildeo da filosofia enquanto ldquoamor agrave sabedoriardquo estabelecendo-a como ldquosabedoria de amarrdquo Em Levinas a verdadeira sabedoria natildeo consiste em uma reflexatildeo teoreacutetica ou mesmo em um vil conhecimento cientiacutefico que tende a reduzir os sujeitos a objetos mas consiste em uma vivecircncia de amor compassivo que se faz responsabilidade pelo outro como expressatildeo radical do amor a Deus e escopo do ser humano Dessa forma toda a reflexatildeo levinasiana eacute um postulado do amor proposto pela Lei mosaica interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON ALMEIDA 2016 p 51-52)

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Deste modo o teoacutelogo articula uma sequecircncia teoloacutegica de argumentos com um pensamento filosoacutefico de um autor contemporacircneo tomando o cuidado de complementar as ideias

Por isso a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica possuem forte inclinaccedilatildeo ao convencimento e agrave persuasatildeo que dependem sobretudo do caraacuteter e da formaccedilatildeo do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos Em outras palavras a formaccedilatildeo moral dos dirigentes religiosos padres pastores e outros precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito

Moral e Retoacuterica Aspectos Fundamentais

A relaccedilatildeo entre moral e retoacuterica eacute uma das questotildees muito importantes para vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica pois eacute uma questatildeo que implica na exposiccedilatildeo dos argumentos Antes de detalharmos o problema da moral precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicaccedilatildeo de fenocircmenos e de seus signos e representaccedilotildees

Das narraccedilotildees miacuteticas chegaram-nos as metaacuteforas da morada e do caminho da retidatildeo da vida e da erracircncia e foi ainda em termos de ecircxodo que I Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova eacutepoca da razatildeo laquoAufklaerung eacute a saiacuteda do homem da sua menoridade culpaacutevelraquo Esta libertaccedilatildeo da casa-prisatildeo da razatildeo menor teve uma provocante traduccedilatildeo na secularizaccedilatildeo dos quatro sentidos da Escritura em vez do sentido literal ou histoacuterico da realidade a posiccedilatildeo transcendental constituinte de objetos para noacutes com a suspensatildeo da inatingiacutevel coisa-em-si em vez do sentido tropoloacutegico ou moral inseparaacutevel da teologia a pergunta eacutetica racional pelo que eu devo fazer em vez do sentido alegoacuterico ou simboacutelico a pergunta da razatildeo pelo que se pode humanamente conhecer em vez do sentido anagoacutegico ou miacutestico a pergunta racional pelo que se pode esperar A maioridade da razatildeo estaacute na reduccedilatildeo de todas as perguntas agrave pergunta pelo homem e consequentemente de todas as respostas a proposiccedilotildees racionais dentro dos limites humanos do conhecer do agir e do esperar Apoacutes a eliminaccedilatildeo kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploraccedilatildeo dentro da filosofia da vida da linguagem enquanto notificadora de vivecircncias do sujeito G Frege distinguiu em 1892 na concepccedilatildeo global de sentido dois momentos o do sentido propriamente dito e o da relaccedilatildeo agraves coisas que a versatildeo francesa traduziu por laquodenotaccedilatildeoraquo e a inglesa por laquoreferecircnciaraquo Agrave distinccedilatildeo entre a realidade material e as dimensotildees psicoloacutegica loacutegica e referencial do signo G Frege acrescentou que natildeo eacute o ato do intelecto mas o signo que pelo sentido e pela referecircncia realiza a verdade como adequaccedilatildeo ou tracircnsito do sentido para a referecircncia modelarmente realizado pelas ciecircncias (PEREIRA 1994 p 23)

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O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relaccedilatildeo agrave linguagem e o alcance de seus discursos retoacutericos Conforme entende Reboul (2004) a retoacuterica e a oratoacuteria possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variaccedilotildees natildeo haacute evoluccedilatildeo no pensamento filosoacutefico retoacuterico Eacute a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento

Neste sentido a moral (Kant) do orador ou seja as virtudes morais do orador satildeo importantes para que se possa produzir um modo de exposiccedilatildeo adequado das ideias ou argumentos

A questatildeo da autoridade moral ligada agrave pessoa do orador se recoloca em um primeiro sentido trata-se realmente dos seus caracteres reais Assim Bourdaloue afirma que ldquo1 o orador convenceraacute por argumentos se para bem dizer ele comeccedilar por pensar bem 2 Ele agradaraacute pelos seus modos se para pensar bem ele comeccedilar por bem viverrdquo Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espiacuteritos No entanto Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retoacutericas de Gibert de Crevier e de outros para mostrar que a questatildeo da moralidade natildeo elidia nos claacutessicos a ideia de uma construccedilatildeo do orador pelo seu discurso Eacute o sentido dos ldquocaracteres oratoacuteriosrdquo ou imagem produzida pelo discurso a ser distinguido dos caracteres reais Distinguimos caracteres oratoacuterios de caracteres reais Isso natildeo apresenta dificuldades pois quer algueacutem efetivamente honesto quer seja piedoso religioso modesto justo faacutecil no conviacutevio com o mundo ou ao contraacuterio quer seja corrompido [] aqui estaacute o que chamamos caracteres reais Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso isso se chama caracteres oratoacuterios quer ele seja tal como pareccedila ser quer pareccedila mesmo sem o ser Pois pode-se mostrar algo sem secirc-lo e pode-se natildeo parecer tal e ainda assim o ser pois isso depende da maneira como se fala A preocupaccedilatildeo com a moral impede a dissociaccedilatildeo clara dos dois planos assim distinguidos Gibert nota que os caracteres ldquomarcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o oradorrdquo Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais claacutessicos que a eficaacutecia do discurso deriva claramente dos caracteres oratoacuterios e natildeo dos caracteres reais Eacute interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma anaacutelise do ethos definido como a construccedilatildeo de uma imagem de si correspondente agrave finalidade do discurso (AMOSSY 2005 p 18)

Com efeito a moral do orador ou da retoacuterica natildeo eacute regra aplicada aos outros mas a vocecirc que deseja ser um bom expositor de pensamentos Eacute fundamental a intenccedilatildeo do orador se sua intenccedilatildeo eacute ludibriar convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais Na retoacuterica de nossos dias muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexatildeo mais profunda

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Uma teoria do ethos fundada na uniatildeo entre a retoacuterica e a narratologia foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W Halsal para a ldquonarrativa pragmaacuteticardquo Ela se funda no exame da concepccedilatildeo aristoteacutelica de autoridade aplicada a uma questatildeo frequentemente debatida na poeacutetica da narrativa a da credibilidade do narrador A escola americana do ldquoponto de vistardquo iniciada por Percy Lubbock a narratologia de Kaumlte Hamburguer e de Doritt Cohn as taxionomias de Geacuterard Genette e de Mieke Bal fornecem noccedilotildees (como a voz e o modo narrativos a focalizaccedilatildeo) e as distinccedilotildees (entre autornarradorpersonagem e tambeacutem entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questatildeo da imagem do locutor no quadro especiacutefico da narraccedilatildeo Halsall combina esses dados com os fornecidos natildeo soacute pela Retoacuterica mas tambeacutem pela Poeacutetica de Aristoacuteteles para ver como e em que condiccedilotildees o enunciador parece confiaacutevel aos olhos do leitor Ao fazecirc-lo Halsall reformula a problemaacutetica do ldquonarrador digno de confianccedilardquo em termos greimasianos de ldquocontrato fiduciaacuteriordquo Toda comunicaccedilatildeo estaacute fundada em uma confianccedila miacutenima entre os protagonistas e cabe a uma retoacuterica narrativa segundo o autor determinar como ldquoa enunciaccedilatildeo contribui para criar no enunciataacuterio uma relaccedilatildeo de confianccedila fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencerrdquo O interesse pela narrativa proveacutem segundo Halsall da complexidade e frequentemente da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas De fato o ponto de vista e a voz do personagem natildeo remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegeacutetico A autoridade acordada a um ou a outro natildeo eacute natural e deve ser negociada As diferentes possibilidades satildeo o apanaacutegio do narrador que se manteacutem fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual por exemplo) e do narrador intradiegeacutetico (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar) Entretanto a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar oferecendo assim numerosos casos de indefiniccedilatildeo acerca da confiabilidade do enunciador e consequentemente do sentido do enunciado A narrativa pragmaacutetica que visa a persuadir tende a reduzir ao maacuteximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso Nessa oacutetica Halsall examina as diferentes figuras que a retoacuterica coloca agrave disposiccedilatildeo da narraccedilatildeo para assegurar a autoridade do narrador O autor as divide seguindo Aristoacuteteles em dois grupos o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos e o dos argumentos internos ao discurso Na primeira categoria ele agrupa o apelo aos princiacutepios atestados ou apodeixis (a nota aforiacutestica) o proveacuterbio ou a sentenccedila o apelo agrave proacutepria experiecircncia ou martyria as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc A segunda categoria compreende o panegiacuterico dos ouvintes (comprobatio) a declaraccedilatildeo de boas intenccedilotildees (eucharistie) etc Outras figuras pertencem ao pathos a simulaccedilatildeo de submissatildeo (philophronegravese) e o eulogie ou becircnccedilatildeo A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptaacute-las agraves estrateacutegias narrativas Halsall o demonstra em diversas narrativas literaacuterias entre as quais O uacuteltimo dia de um condenado de Victor Hugo (AMOSSY 2005 p 20-22)

Essa teoria que une a retoacuterica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada Natildeo basta um modelo estiliacutestico eacute preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt paacutegina 25 a 26 e explique o que vocecirc entende sobre a possibilidade de uma retoacuterica integrada agrave linguiacutestica Explique com suas palavras

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Argumentaccedilatildeo Pedagoacutegica Filosoacutefica

A argumentaccedilatildeo retoacuterica pode ser pedagoacutegica ou filosoacutefica Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica eacute aquela que produz um efeito educativo quer constranger o outro indiviacuteduo a seguir aquilo que estaacute sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI 2012) Jaacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica eacute aquela em que se prioriza a exposiccedilatildeo de ideias e que implica necessariamente em um debate ou na exposiccedilatildeo linear e concatenada de argumentos

Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte Com efeito para falarmos de uma retoacuterica e de uma oratoacuteria pedagoacutegica precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas

A Pedagogia Retoacuterica por conseguinte ressaltou especialmente o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores Por essa razatildeo era por natureza canocircnica Segundo Burton (1994 p 96) a Pedagogia Retoacuterica repousa numa iacutentima relaccedilatildeo entre leituraescrita e observaccedilatildeocomposiccedilatildeo Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas anaacutelise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecaccedilatildeo do texto modelo praelectio) e gecircnese A observaccedilatildeo de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiccediloa a fala e a escrita Assim o incentivo agrave leitura natildeo se deve somente agrave busca do conteuacutedo mas tambeacutem agrave busca de teacutecnicas e estrateacutegias uacuteteis Tais teacutecnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes atraveacutes de vaacuterios tipos de exerciacutecios de imitaccedilatildeo ndash

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Imitatio Esse termo imitatiomiacutemesis (imitaccedilatildeo) em sua origem refere-se agrave accedilatildeo ou faculdade de imitar de copiar de reproduzir ou representar a natureza o que para Aristoacuteteles eacute o fundamento da arte Entretanto a imitatio natildeo eacute exclusividade da gecircnese da arte Toda accedilatildeo humana inclui procedimentos mimeacuteticos a aptidatildeo do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitaccedilatildeo Desse modo Aristoacuteteles defendia que eacute a miacutemesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1 IV) Portanto a imitatio eacute sem duacutevida o maior pilar da Pedagogia Retoacuterica Outra concepccedilatildeo basilar para a Retoacuterica eacute a divisatildeo entre ldquoo que eacuterdquo comunicado por meio da linguagem e ldquocomordquo isso eacute comunicado a distinccedilatildeo entre forma e conteuacutedo ndash para Aristoacuteteles logos e lexis res e verba para Quintiliano bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luiacutes Vives Essa divisatildeo embora questionaacutevel e questionada ndash jaacute que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisiacutevel da expressatildeo verbal e das ideias ndash eacute muito uacutetil se entendida como um artifiacutecio para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retoacuterica na qual a praacutetica da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteuacutedo (SOUKI 2012 p 2)

Nesse sentido o sujeito que utiliza da argumentaccedilatildeo pedagoacutegica sempre se preocupa em expor um argumento para algueacutem e como consequecircncia quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor

Se a opccedilatildeo do orador for utilizar argumentaccedilatildeo filosoacutefica deve ficar claro que o sujeito supotildee uma oposiccedilatildeo de argumentos ou uma exposiccedilatildeo com sequecircncia loacutegica e com uma finalidade de expor as ideias natildeo necessariamente o convencimento

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposiccedilatildeo de argumentos Vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ter em mente essa distinccedilatildeo para escolher o modo adequado de argumentaccedilatildeo

Eacute importante recordar alguns pontos fundamentais da retoacuterica e da oratoacuteria para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela

Embora se deva a Hermaacutegoras o mais antigo tratamento dos estudos retoacutericos foi Ciacutecero que efetivamente legou para a posteridade essa divisatildeo dos estudos retoacutericos como os Cacircnones da Retoacuterica (Ciacutecero De Inuentione 17 Ciacutecero De Oratore 131-142 Quintiliano Institutio Oratoria 33) Foram organizados em cinco categorias invenccedilatildeo (Inuentio) arranjo (Dispositio) estilo (Elocutio) memoacuteria (Memoria) e apresentaccedilatildeoperformance (Pronuntiatio) Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a criacutetica do discurso e portanto se configuravam em um padratildeo para a educaccedilatildeo retoacuterica e para o ensino da gecircnese dos discursos Particularmente o cacircnone heuresisinuentio que significa descoberta de fontes para a persuasatildeo discursiva estaacute latente em todo problema retoacuterico O proacuteprio termo latino

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Oratoacuteria e Retoacuterica

inuentio do grego heuresis em portuguecircs significa invenccedilatildeo ou descoberta Esse cacircnone foi na antiguidade um dos processos mais teorizados por estudiosos retoacutericos da eacutepoca principalmente por Aristoacuteteles que definia a Retoacuterica como invenccedilatildeo Por isso a categoria invenccedilatildeo estaacute relacionada agrave essecircncia da persuasatildeo e argumentaccedilatildeo dessa arte milenar Para ele a Retoacuterica era uma das melhores formas de persuasatildeo (ARISTOacuteTELES Retoacuterica I 2) A Retoacuterica pode ser considerada uma disciplina praacutetica cujos preceitos se datildeo a partir de ferramentas a serem aplicadas na praacutetica E como a Retoacuterica na antiguidade natildeo dispunha de uma mateacuteria proacutepria os oradores tinham como meacuterito poder falar sobre qualquer assunto Na praacutetica entretanto os discursos eram para os oradores um desafio Isso na medida em que era necessaacuterio propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender Como preconizava Ciacutecero aleacutem do gecircnio inato era necessaacuterio ao orador o meacutetodo isto eacute a Retoacuterica para entatildeo buscar os melhores argumentos Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retoacuterica jaacute estaria em vantagem e que na falta dele era imperioso ao orador buscar artifiacutecios para descobrir argumentos Nesse caso a invenccedilatildeo ou heuresisinuentio era o meacutetodo para demarcar a descoberta desses argumentos Dessa maneira eacute fundamental nesta parte salientar os dois grandes tipos de argumentos de acordo com Aristoacuteteles Satildeo os seguintes os natildeo retoacutericos e os retoacutericos Os primeiros natildeo faziam parte da Retoacuterica eram argumentos externos agrave arte Os oradores ao utilizaacute-los natildeo necessitavam inventaacute-los descobri-los Dessa maneira precisavam apenas localizaacute-los e adequaacute-los ao discurso Acontece entre outros processos por meio do raciociacutenio loacutegico Por sua vez ocorre por induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentaccedilatildeo ou seja a utilizaccedilatildeo dos argumentos natildeo retoacutericos jaacute que se faz importante conhececirc-los compreendecirc-los e entatildeo utilizaacute-los adequadamente quando conveniente (SOUKI 2012 p 4)

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um

pensamento eacute a capacidade que iraacute distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um puacuteblico Desta maneira conforme jaacute apontou Soacutecrates devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a anaacutelise dos argumentos

A parte do diaacutelogo platocircnico apresentada na sequecircncia permite a vocecirc estudante um entendimento e uma aproximaccedilatildeo detalhada de um discurso retoacuterico refinado

Estrangeiro mdash Logo se haacute discurso verdadeiro e discurso falso e o pensamento se nos revelou como conversaccedilatildeo da alma consigo mesma e opiniatildeo como a conclusatildeo do pensamento vindo a ser o que designamos pela expressatildeo imagino uma mistura de sensaccedilatildeo e opiniatildeo forccediloso eacute que algumas sejam falsas dadas suas afinidades com o discursoTeeteto mdash Sem duacutevidaEstrangeiro mdash Como jaacute percebeste apanhamos mais depressa do que esperaacutevamos a falsa opiniatildeo e o falso discurso pois natildeo faz muito tiacutenhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizaacutevel

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Teeteto mdash Jaacute percebi realmenteXLVIII mdash Estrangeiro mdash Por isso natildeo desanimemos ante o que ainda nos falta realizar e jaacute que conseguimos chegar ateacute aqui voltemos a tratar de nosso processo de divisatildeoTeeteto mdash Que divisatildeoEstrangeiro mdash Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens a da coacutepia e a dos simulacrosTeeteto mdash CertoEstrangeiro mdash E tambeacutem nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delasTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash E no auge de nossa confusatildeo trevas ainda mais densas nos envolveram com apresentar-se-nos o argumento de contestaccedilatildeo universal de que natildeo existe absolutamente nem coacutepia nem simulacro visto natildeo ser possiacutevel haver seja onde for qualquer espeacutecie de falsidadeTeeteto mdash Falaste com muito acertoEstrangeiro mdash Poreacutem uma vez provada a existecircncia de falsos discursos e de opiniotildees falsas eacute possiacutevel que haja imitaccedilatildeo dos seres e que dessa disposiccedilatildeo do espiacuterito nasccedila uma arte da falsidadeTeeteto mdash Eacute possiacutevel (PLATAtildeO 1980a p 66)

Cabe ao estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caraacuteter e a suas convicccedilotildees pessoais para explicar e expor uma mensagem teoloacutegica filosoacutefica ou de outra ordem

Figuras de Pensamento e Figuras de Construccedilatildeo

As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL 2004) Desta maneira podemos falar de simples comparaccedilotildees que satildeo simplesmente cotidianas em nossos argumentos Podemos falar tambeacutem de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que satildeo muito comuns em meios juriacutedicos para suavizar determinados atos Merecem menccedilatildeo ainda os eufemismos linguiacutesticos que querem suavizar uma situaccedilatildeo insuportaacutevel Entre outros podemos falar ainda de argumentos comparativos indicativos ambiacuteguos literais e impliacutecitos

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento o efeito resultante seraacute condicionado agrave amplitude da possibilidade que este tiver Por exemplo para convencer um determinado puacuteblico o orador escolhe um argumento indicativo e direto O resultado estaacute condicionado ao niacutevel da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou natildeo no convencimento mas o tipo do argumento eacute o principal determinante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Agumas ConsideraccedilotildeesOs aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como

a retoacuterica e a oratoacuteria no decorrer da histoacuteria do conceito se desenvolveram E conforme aponta Reboul (2004) natildeo existe uma evoluccedilatildeo positivista na construccedilatildeo dos argumentos

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retoacuterica e da

oratoacuteria com periacuteodos de destaque e outros de esquecimento Deve ficar claro que tanto a retoacuterica construccedilatildeo de argumentos quanto a oratoacuteria exposiccedilatildeo destes satildeo componentes do cotidiano de nossas existecircncias

ReferecircnciasAMOSSY Ruth Da noccedilatildeo retoacuterica de ethos agrave anaacutelise do discurso Imagens de si no discurso a construccedilatildeo do ethos Satildeo Paulo Contexto p 9-28 2005 Disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt Acesso em 12 jun 2017

CHACON Almeida Deus no Outro a noccedilatildeo cristatilde de espiritualidade e sua interface com a eacutetica da alteridade Revista Eletrocircnica Espaccedilo Teoloacutegico Vol 10 n 18 juldez 2016 p 48-60 Disponiacutevel em lthttprevistaspucspbrindexphpreveleteogt Acesso em 15 jun 2017

PLATAtildeO Fedro Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980a

_______ Goacutergias Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980b

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

PEREIRA M P Retoacuterica hermenecircutica e filosofia Revista filosoacutefica de Coimbra n 5 v 3 1994 pp 5-70 Disponiacutevel em lthttpwwwucptflucdfcipublicacoesretorica__hermeneutica_e_filosofiagt Acesso em 10 jun 2017

SEGUNDO P R G Resenha de Olivier Reboul Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

SOUKI J D O Argumentaccedilatildeo a pedagogia retoacuterica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva 2012 Disponiacutevel em lthttprevistaarnaldocostatecscombrindexphpfaculdadedireitoarnaldoarticledownload2014gt Acesso em 13 jun 2017

CAPIacuteTULO 4

Implicaccedilotildees da Retoacuterica

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Escolher argumentos e formas de oratoacuteria para alguns grupos de pessoas

Diferenciar as hipoacuteteses de teses e posturas retoacutericas acerca de um tema

Construir um argumento retoacuterico que convenccedila

Formular uma oratoacuteria para um determinado puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo procuramos apresentar a vocecirc estudante de oratoacuteria e

retoacuterica uma reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequecircncias destas escolhas

Implicaccedilotildees do ArgumentoQuando enunciamos um argumento devemos saber quais as devidas

implicaccedilotildees do que estamos expondo Ao apresentarmos um determinado argumento devemos saber de suas fontes se ele tem ou natildeo alguma relaccedilatildeo com a verdade no sentido platocircnico que remete agrave epistemologia dos fatos ou se eacute uma mera suposiccedilatildeo do intelecto que produz determinadas situaccedilotildees como fruto de nossa imaginaccedilatildeo

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenios ele natildeo pode ser um enunciado vazio sem coerecircncia interna Para que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica entenda o que estaacute sendo dito daremos alguns exemplos

Exemplo (a) Soacutecrates eacute homem Todos os homens satildeo mortais Logo Soacutecrates eacute mortal (b) Vovoacute se chama Ana Vovocirc se chama Luacutecio Consequentemente eu me chamo Ana Luacutecia (c) Haacute exatamente 136 caixas de laranja no depoacutesito Cada caixa conteacutem pelo menos 140 laranjas Nenhuma caixa conteacutem mais do que 166 laranjas Deste modo no depoacutesito estatildeo pelo menos seis caixas contendo o mesmo nuacutemero de laranjas (VIANA 2012 p 4)

Natildeo queremos entrar em detalhes loacutegicos formais dos argumentos pois o

estudante de oratoacuteria e retoacuterica natildeo precisa de formalidades filosoacuteficas com detalhamentos matemaacuteticos Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema os estilos e a finalidade de seu argumento

Deste modo as implicaccedilotildees de um determinado argumento satildeo mensuraacuteveis ou seja calculaacuteveis Com efeito vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silecircncio Em muitos momentos da convivecircncia humana argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada logo o silecircncio tambeacutem eacute um argumento saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado por isso citamos um texto juriacutedico para o aluno distinguir do de teologia

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica

de raciociacutenios ele natildeo pode ser um

enunciado vazio sem coerecircncia interna

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Argumentar eacute o ato de produzir argumentos Produzir um argumento eacute apresentar razotildees em defesa de uma conclusatildeo Essa natildeo eacute a uacutenica definiccedilatildeo possiacutevel do ato de argumentar Por exemplo haacute quem prefira entender argumentos como diaacutelogos isto eacute como seacuteries (mais ou menos longas) de afirmaccedilotildees objeccedilotildees e reacuteplicas Essa concepccedilatildeo ndash que poderia ser descrita como ldquodialoacutegicardquo ndash natildeo estaacute errada Ela eacute uacutetil em certos contextos e para certos propoacutesitos mas ela natildeo parece particularmente uacutetil para explicar a interlocuccedilatildeo juriacutedica Devemos adotar uma noccedilatildeo de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentaccedilatildeo juriacutedica Argumentar natildeo eacute exatamente um ato privado ou monoloacutegico (afinal argumentos juriacutedicos satildeo produzidos caracteristicamente no contexto de debates puacuteblicos) mas cada argumentador eacute responsaacutevel por seus proacuteprios argumentos Cada argumentador ao produzir um argumento apresenta as suas razotildees em defesa da sua conclusatildeo Isso natildeo quer dizer que argumentaccedilatildeo juriacutedica seja sempre competitiva ou conflituosa No ambiente acadecircmico por exemplo haacute muito espaccedilo para a colaboraccedilatildeo intelectual (SCHECAIRA 2012 p 1)

Por isso saber o alcance de um argumento e as devidas

consequecircncias eacute uma forma de o orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento adequado Atenccedilatildeo calcular as consequecircncias de seus argumentos natildeo eacute somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relaccedilatildeo utilitaacuteria eacute antes de tudo ter a sensibilidade de saber o que quando e para que serve o que estamos expondo Percebemos estas dificuldades em situaccedilotildees extremas por exemplo quando haacute uma trageacutedia ou quando haacute uma enfermidade grave em nosso meio Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando sendo que naquele momento ningueacutem tem

condiccedilotildees emocionais de escutar um argumento Consequentemente acabamos por falar em um momento em que as palavras natildeo satildeo o mais importante O contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Quantas vezes jaacute nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos

Os elementos que formam um argumento satildeo proposiccedilotildees Segundo uma compreensatildeo claacutessica proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas segundo corretamente expressem ou natildeo aquilo que ldquocorresponde aos fatosrdquo Jaacute os argumentos sendo estruturas de proposiccedilotildees natildeo satildeo passiacuteveis de verdade ou falsidade [] O seu ldquovalorrdquo epistecircmico se expressa pelas noccedilotildees de validade e relevacircncia Um argumento seraacute vaacutelido se e somente se for impossiacutevel que sua conclusatildeo seja falsa quando se assume que todas as premissas satildeo verdadeiras Com essa caracterizaccedilatildeo fica claro que somente argumentos do tipo loacutegico podem estritamente ser vaacutelidos Nos outros tipos deve-se adotar um padratildeo [] mais fraco de exigecircncia para a avaliaccedilatildeo do argumento Assim muitos filoacutesofos propuseram criteacuterios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores ou seja capazes em maior ou menor grau de conferir plausibilidade

Saber o alcance de um argumento

e as devidas consequecircncias eacute uma forma de o

orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor

bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento

adequado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

a suas conclusotildees quando se assume que suas premissas satildeo verdadeiras Um argumento seraacute dito relevante se e somente se aleacutem de vaacutelido todas as suas premissas forem de fato verdadeiras Se contiver ao menos uma premissa falsa seraacute irrelevante porque a existecircncia de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusatildeo eacute de fato verdadeira mesmo o argumento sendo vaacutelido (Um argumento vaacutelido ldquotransmiterdquo a verdade das premissas para a conclusatildeo se entre as premissas houver alguma que seja falsa sua falsidade poderaacute (mas natildeo necessariamente) ldquopassarrdquo para a conclusatildeo) (CHIBENI sd p 2)

Logo identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa iraacute contribuir para

que o estudante de oratoacuteria e retoacuterica se organize e conforme entende Reboul (2004) saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstacircncia

Atividade de Estudos

1) Indique o que vocecirc entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retoacuterica Explique com suas palavras

Se a retoacuterica com a revoluccedilatildeo romacircntica entrou em descreacutedito rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poeacuteticas se os estudos retoacutericos foram depois perdendo importacircncia sobretudo nas escolas da Europa continental tal fato natildeo significou como muitos pensaram e alguns desejaram a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 seacuteculos nem a sua exclusatildeo pelas forccedilas criadoras do gecircnio para o limbo das coisas inuacuteteis

Ao contraacuterio do que se poderia supor foi a retoacuterica em tempos de fasciacutenio pela utilidade imediata dos saberes e teacutecnicas de entre as artes da palavra aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessaacuterio e eficaz nas sociedades que ao longo do seacuteculo XX sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleraccedilatildeo histoacuterica

Com efeito se a comunicaccedilatildeo no passado era naturalmente limitada pelo espaccedilo ndash do tribunal da assembleia da igreja da praccedila puacuteblica ndash por natildeo haver maneira de propagar mais aleacutem a voz humana no nosso tempo instrumentos e teacutecnicas cada vez mais aperfeiccediloadas permitiram dar agrave palavra forccedila incoerciacutevel e eficaacutecia inaudita

Eacute verdade que haacute muito o homem vencera as barreiras do tempo por meio da escrita e lograra a propagaccedilatildeo do discurso atraveacutes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do livro impresso a retoacuterica constitui-se como arte na Greacutecia do seacuteculo V a C quando se expande o conhecimento e uso da escrita a retoacuterica renasce na Itaacutelia do Quattrocento quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg com a imprensa a retoacuterica pocircde transformar-se em retoacuterica literaacuteria Mas esse era um tempo diferido que alterava as condiccedilotildees da situaccedilatildeo comunicacional e quando em diferentes momentos e por razotildees vaacuterias a retoacuterica eacute reduzida agrave teacutecnica de anaacutelise e composiccedilatildeo perde a sua dinacircmica padecendo de letteraturazione deleita talvez ensine deixa poreacutem de impelir agrave accedilatildeo a distacircncia entre orador e ouvinte dificulta o ofiacutecio de persuadir Esse foi o tempo da retoacuterica senza microfono

O seacuteculo passado viu nascer a comunicaccedilatildeo de massas a difusatildeo do discurso escrito e oral agrave escala planetaacuteria mercecirc de poderosos meios de amplificaccedilatildeo da voz humana o meio frio da galaacutexia de Guttenberg rapidamente substituiacutedo pelos canais quentes da era de McLuhan mas viu tambeacutem como tamanho poder perverte a verdadeira comunicaccedilatildeo na poacutelis deste nosso tempo saturado de discurso e informaccedilatildeo de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983 23-56 e Verdelho 1986 139-156)

[] Na Europa a recuperaccedilatildeo da retoacuterica processou-se sobretudo a dois niacuteveis no plano filosoacutefico e no campo dos estudos linguiacutesticos e literaacuterios A filosofia haacute muito tempo que excomungara a retoacuterica Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretoacuterica que desde Platatildeo marcava o pensamento filosoacutefico A reabilitaccedilatildeo da retoacuterica neste domiacutenio inicia-se em 1952 quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletacircnea de artigos sob o tiacutetulo Rheacutetorique et Philosophie aiacute proclamam o seu propoacutesito de estudar laquoles moyens drsquoargumentation autres que ceux relevant de la logique formelle qui permettent drsquoobtenir ou drsquoaccroicirctre lrsquoadheacutesion drsquoautrui aux thegraveses qursquoon propose agrave son assentimentraquo (Lempereur 1990 117) Em 1958 sistematizam essa teoria no Traiteacute de lrsquoargumentation que apresentam como nouvelle rheacutetorique Para resolver o velho dissiacutedio entre retoacuterica e filosofia Perelman regressa agrave tradiccedilatildeo claacutessica elegendo como texto fundacional a Retoacuterica de Aristoacuteteles (SOARES 2011 p 19-22)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Os Sofistas e a Retoacuterica de HojeO nascimento da retoacuterica no Ocidente se relaciona de modo substancial com

um movimento filosoacutefico antigo que foi contemporacircneo ao pensamento platocircnico por volta do seacuteculo IV aC que foi chamado de sofista Os sofistas satildeo um grupo de pensadores da eacutepoca de Platatildeo e que natildeo acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso Logo surgiu a contenda em que Platatildeo os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade A disputa entre Soacutecrates e os sofistas descrita por Platatildeo visto que Soacutecrates nada escreveu mostra este problema da discussatildeo sobre a elaboraccedilatildeo de um discurso presente entre os gregos Passamos agora para alguns trechos do diaacutelogo Sofista de Platatildeo para evitarmos a falsa impressatildeo de que a retoacuterica e a oratoacuteria evoluiacuteram O diaacutelogo comeccedila com Soacutecrates e Teodoro um amigo da eacutepoca

I mdash Teodoro mdash Fieacuteis Soacutecrates a nossa combinaccedilatildeo de ontem aqui estamos na melhor ordem Trouxemos conosco este Estrangeiro natural de Eleia eacute amigo dos disciacutepulos de Parmecircnides e de Zenatildeo e filoacutesofo de grande merecimentoSoacutecrates mdash Natildeo se daraacute o caso Teodoro de sem o saberes teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro segundo aquilo de Homero quando diz que de regra os deuses e particularmente o que preside agrave hospitalidade acompanham os cultores da justiccedila para observarem o orgulho ou a equidade dos homens Quem sabe se natildeo veio contigo uma dessas divindades para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tatildeo fracos todos noacutes algum deus disputadorTeodoro mdash Natildeo Soacutecrates natildeo eacute do caraacuteter do nosso Estrangeiro ele eacute mais modesto do que todos esses amantes de discussotildees Natildeo acho absolutamente que o homem seja alguma divindade Poreacutem divino teraacute de ser sem duacutevida natildeo eacute outro o qualificativo que costumo dar aos filoacutesofosSoacutecrates mdash E com razatildeo amigo Poreacutem talvez a raccedila dos filoacutesofos natildeo seja por assim dizer muito mais faacutecil de conhecer do que a dos deuses Em virtude da ignoracircncia da maioria esses varotildees percorrem as cidades sob as mais variadas aparecircncias contemplando sobranceiros a vida caacute de baixo Natildeo me refiro aos pretensos filoacutesofos poreacutem aos de verdade Aos olhos de algumas pessoas eles carecem em absoluto de merecimento para outros satildeo dignos de toda a consideraccedilatildeo Ora se apresentam como poliacuteticos ora como sofistas havendo ateacute quem decirc a impressatildeo de ser completamente louco Por isso mesmo gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro caso nada tenha a opor como pensam a esse respeito laacute por suas bandas e como os denominam (PLATAtildeO 1980 p 2-3)

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou forccedila sob a fundamentaccedilatildeo retoacuterica do relativismo e das correntes filosoacuteficas que se apoiam nele Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver inaugurando a profissatildeo de professor ambulante seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade suplantando a busca da verdade da filosofia socraacutetico-platocircnica

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Oratoacuteria e Retoacuterica

E para irmos ao cerne do problema nos referimos agrave definiccedilatildeo dada por Soacutecrates no texto escrito por Platatildeo sobre os sofistas e seus estilos de argumentaccedilatildeo em defesa da natildeo existecircncia da verdade

III mdash Estrangeiro mdash Belas palavras poreacutem sobre isso tu mesmo resolveraacutes no decorrer de nossa discussatildeo No momento o que importa eacute te associares comigo para darmos iniacutecio ao nosso estudo a comeccedilar segundo penso pelo sofista investiguemo-lo e mostremos com nossa anaacutelise o que ele venha a ser Por enquanto eu e tu apenas num ponto estamos de acordo o nome Mas quanto agrave coisa designada por esse nome talvez cada um de noacutes faccedila ideia diferente Poreacutem em toda discussatildeo o que importa antes de tudo eacute ficar em concordacircncia com relaccedilatildeo agrave proacutepria coisa por meio da explicaccedilatildeo adequada natildeo apenas a respeito do nome sem aquela explicaccedilatildeo A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar natildeo eacute faacutecil de definir Mas para levar a bom termo empresas grandes segundo preceito antigo de aceitaccedilatildeo geral soacute seraacute de vantagem experimentar antes as forccedilas em temas menores e mais faacuteceis e soacute depois passar para os maiores Por isso Teeteto o que na presente situaccedilatildeo sugiro para noacutes dois jaacute que reconhecemos ser difiacutecil e trabalhosa a raccedila dos sofistas eacute nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples a menos que te ocorra indicar um caminho mais cocircmodoTeeteto ndash Natildeo nada me ocorre nesse sentido Estrangeiro mdash Concordas entatildeo em escolhermos um exemplo singelo e apresentaacute-lo como modelo para o maiorTeeteto mdash ConcordoEstrangeiro mdash Que assunto pois escolheremos simples a um tempo e faacutecil de conhecer mas cuja explicaccedilatildeo natildeo exija menor nuacutemero de caracteriacutesticas do que temas importantes O do pescador talvez Natildeo eacute assunto bastante conhecido e natildeo nos merece a maior atenccedilatildeoTeeteto ndash Isso mesmoEstrangeiro ndash Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definiccedilatildeo mais condizente com o nosso intentoTeeteto ndash Seria oacutetimoIV mdash Estrangeiro mdash Pois entatildeo comecemos por aiacute Dizei-me uma coisa como devemos concebecirc-lo eacute artista ou sujeito carecente de arte poreacutem dotado de alguma outra capacidadeTeeteto ndash De jeito nenhum poderaacute ser carecente de arteEstrangeiro ndash Mas todas as artes se reduzem a duas espeacuteciesTeeteto ndash Como assimEstrangeiro ndash A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal depois tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados a que damos o nome de utensiacutelios e por uacuteltimo a imitaccedilatildeo natildeo seraacute justo designar tudo isso por um uacutenico nomeTeeteto ndash Como assim e que nome seraacuteEstrangeiro ndash Damos o nome de produtor a quem traz para a existecircncia o que antes natildeo existia denominamos produto o que passa a existir em cada caso particularTeeteto ndash CertoEstrangeiro ndash Entatildeo designemos tudo aquilo por um nome uacutenico seratildeo as artes produtivasTeeteto ndash SejaEstrangeiro ndash Depois dessas vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento as do ganho a da luta e a da caccedila as quais nada fabricam mas que por meio da palavra ou da accedilatildeo procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido ou impedir que outros se apropriem O nome geneacuterico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATAtildeO 1980 p 5-6)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Neste sentido os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platatildeo e Aristoacuteteles Isso natildeo significa em superaccedilatildeo pois em filosofia natildeo existe conhecimento retoacuterico ultrapassado Vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve saber disso natildeo haacute conhecimento superado em filosofia Deste modo vocecirc pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retoacuterico mais adequado

Precisamos mencionar neste capiacutetulo que a passagem da arte da enganaccedilatildeo como era conhecida a retoacuterica e a oratoacuteria entre os gregos para a arte do falar bem envolve uma dinacircmica que implica em evoluccedilatildeo O que ocorreu eacute uma retomada da perspectiva dos sofistas da eacutepoca platocircnica pois embora Platatildeo os combatesse valorizava a arte retoacuterica destes

Houve tempos em que a retoacuterica foi tratada como sinocircnimo de enganaccedilatildeo A leitura do diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo deixa evidente que a dupla serventia da persuasatildeo ndash ora podendo estar a serviccedilo do bem ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar O ensino e o uso da retoacuterica e da oratoacuteria para fins poliacuteticos tambeacutem contribuiacuteram para o seu afastamento do elenco dos meacutetodos cientiacuteficos Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de aacuteguas que marcou o momento em que a retoacuterica caiu no esquecimento Por isso mesmo na esteira das contestaccedilotildees pragmaacutetica e behaviorista no seacuteculo XX abriu-se caminho para o ressurgimento da retoacuterica A retoacuterica natildeo se trata portanto de uma corrente de pensamento mas sim de um instrumento E natildeo eacute correto tambeacutem ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento especiacutefica como alguns criacuteticos jaacute o fizeram no Brasil ao atacarem os seguidores da retoacuterica em diversos momentos como sendo difusores de instrumentos a serviccedilo do neoliberalismo O objetivo do projeto retoacuterico eacute o estudo pormenorizado do alcance da teacutecnica E eacute justamente por isso que o estudo da retoacuterica enquanto teacutecnica de persuasatildeo deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da aacuterea da economia a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenccedilatildeo para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodoloacutegico em detrimento da unicidade de meacutetodo alertam para a necessidade de natildeo se jogar fora o contraditoacuterio de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e agraves tratativas impessoais tatildeo presentes no hardcore neoclaacutessico Chamam ainda a atenccedilatildeo para a necessidade de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA 2016 p 17)

Eacute importante mencionar que as teacutecnicas retoacutericas formais de construccedilatildeo de

um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo A filosofia e a retoacuterica filosoacutefica funcionam com a contraposiccedilatildeo das ideias e natildeo com descobertas cientiacuteficas Deste modo a filosofia e sua subaacuterea a retoacuterica satildeo maneiras de

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Oratoacuteria e Retoacuterica

pensar que permitem ao homem desde seus modelos conhecidos na Greacutecia e em outros lugares se debruccedilar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Greacutecia e arredores

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retoacuterica parece ser a maneira menos controversa de defini-los Eles supriram a demanda por uma educaccedilatildeo juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos puacuteblicos e privados Vistos positivamente eles eram ldquoos transmissores de competecircncias valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira poliacutetica e de um modo geral nos ecircxitos mundanosrdquo (SOUSA PINTO 2002 p 13-14) Seu ensino era pago e eram procurados principalmente por jovens de famiacutelias abastadas que pretendiam alcanccedilar poder poliacutetico atraveacutes do domiacutenio das teacutecnicas do discurso persuasivo Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem futuramente os ensinamentos sofiacutesticos com fins inescrupulosos era um risco da profissatildeo e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados O estudo da retoacuterica orientado pelos sofistas incluiacutea desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais ateacute a discussatildeo de assuntos de composiccedilatildeo estrutura e argumentaccedilatildeo O objetivo destes estudos era a construccedilatildeo do discurso natildeo apenas mais adequado e convincente mas do melhor e mais envolvente Suas praacuteticas pretendiam o aprimoramento no uso de teacutecnicas discursivas tais como o uso do argumento provaacutevel ou verossimilhante contra-argumentaccedilatildeo e justaposiccedilatildeo de argumentos contraacuterios adequaccedilatildeo agrave ocasiatildeo (causa puacuteblico situaccedilatildeo etc) figuras de linguagem efeitos causados sobre o puacuteblico etc (PREZOTTO 2008 p 242)

Depois deste detalhamento importante queremos apontar como a

modernidade se desenvolveu sobre a definiccedilatildeo sofiacutestica de que natildeo existe a verdade O homem moderno resultado do desenvolvimento cientiacutefico chegou a acreditar em uma maacutexima relativista elencada por Protaacutegoras sofista grego ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade

De um modo geral alguns professores esclarecidos da geraccedilatildeo anterior assemelhavam-se aos sofistas como os preceptores de Peacutericles que ensinavam sobre astronomia geografia e fiacutesica e mantinham com seus alunos discussotildees dialeacuteticas acerca de problemas diversos No entanto embora partilhassem com seus predecessores o ofiacutecio de treinar os jovens para os deveres as atribuiccedilotildees e os acontecimentos da vida adulta privada ou puacuteblica os sofistas distinguiram-se [] por trazer agrave tarefa uma gama maior de conhecimento com uma maior multiplicidade de toacutepicos cientiacuteficos e outros - natildeo soacute poderes mais impressionantes de composiccedilatildeo e discurso servindo como um exemplo pessoal ao aluno mas tambeacutem uma compreensatildeo dos elementos da boa oratoacuteria para poder transmitir os preceitos conducentes agravequela realizaccedilatildeo - um tesouro consideraacutevel de pensamento acumulado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

em moral e assuntos poliacuteticos destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos sobre temas gerais ou lsquolugares comunsrsquo para que os alunos aprendessem de cor (GROTE 1907 p 317) Acreditar que os sofistas transmitissem apenas teacutecnicas e aptidotildees especiacuteficas eacute simplificar o escopo de sua atuaccedilatildeo Influenciados pela filosofia jocircnica os sofistas satildeo racionalistas e inquiridores As explicaccedilotildees lsquonaturaisrsquo de Anaximandro em diante para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutaacuteveis natildeo mais como misteacuterios intangiacuteveis em que os papeacuteis fundamentais eram representados pelos deuses O contato com outros povos a percepccedilatildeo da relatividade dos valores morais dos costumes da religiatildeo foi outro fator que contribuiu para a formaccedilatildeo da nova geraccedilatildeo de pensadores relativistas e humanistas Outra caracteriacutestica dos sofistas eacute a de serem itinerantes assim como os antigos aedos Viajavam pelo mundo grego visitando vaacuterias cidades transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos em conferecircncias maiores ou em epiacutedeixeis Tambeacutem se apresentaram em festivais e em outras ocasiotildees puacuteblicas Dos sofistas mais famosos desta eacutepoca apenas Antiacutefon parece ter sido ateniense Protaacutegoras era de Abdera (na costa da Traacutecia) Goacutergias de Leontinos (na Siciacutelia) Proacutedico de Ceacuteos (em territoacuterio jocircnico) e Hiacutepias de Eacutelis (nordeste do Peloponeso) Todos eles estiveram em algum ou vaacuterios momentos de suas vidas em Atenas pois ldquoAtenas por uns 60 anos na segunda metade do seacuteculo V a C era o verdadeiro centro do movimento sofista De fato tanto isso eacute verdade que sem Atenas eacute provaacutevel que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO 2008 p 243-244)

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na

modernidade procura explicar coisas para as quais natildeo pode dar uma resposta definitiva ou ainda atribui agrave ciecircncia essa tarefa que natildeo pode ser cumprida pois agrave ciecircncia compete investigar fenocircmenos e natildeo coisas em si conforme ensinou o filoacutesofo alematildeo Immanuel Kant (2005)

Todas as caracteriacutesticas do movimento sofista ateacute aqui expostas suscitam tanto admiraccedilatildeo como repulsa A nova educaccedilatildeo que promove eacute satirizada por Aristoacutefanes em As Nuvens Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso ensinando os jovens a justificarem maacutes accedilotildees com argumentos retoacutericos livrando-se assim de suas consequecircncias Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaccedila pelas mudanccedilas e discussotildees que incitavam os mais pobres que natildeo tinham acesso ao seu ensino viam-nos com preconceito como os detratores dos bons e velhos costumes Neste ambiente hostil lsquosofistarsquo passa a ser um tiacutetulo depreciativo usado para intelectuais adivinhos pedantes ateus fiacutesicos filoacutesofos etc implicando charlatanismo e velhacaria ou astuacutecia esperteza em sentido pejorativo A maacute reputaccedilatildeo dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platatildeo cuja opiniatildeo continua ainda hoje a influenciar a visatildeo que se tem do periacuteodo sofiacutestico Apenas a partir do seacutec XIX eacute que se comeccedila a desvincular o estudo do movimento sofista da visatildeo legada por Platatildeo A criacutetica platocircnica em linhas gerais recai sob duas acusaccedilotildees 1) os sofistas natildeo satildeo pensadores seacuterios e 2) eles satildeo indiviacuteduos imorais A primeira acusaccedilatildeo diz respeito ao empreendimento platocircnico que busca ridicularizar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as proposiccedilotildees ou as possiacuteveis conclusotildees advindas da reflexatildeo sofista negando agraves doutrinas sofiacutesticas valor filosoacutefico A energia gasta por Platatildeo neste empreendimento por si soacute jaacute eacute indiacutecio da influecircncia exercida por estes pensadores Grosso modo os sofistas difundiam uma concepccedilatildeo relativista aplicada aos niacuteveis ontoloacutegico e epistemoloacutegico e agrave questatildeo da verdade e foram considerados rivais por Platatildeo que desenvolvia uma filosofia essencialmente lsquoabsolutistarsquo Embora Platatildeo tenha tratado Protaacutegoras e Goacutergias com respeito diferenciando-os dos homens mediacuteocres ligados mais tardiamente ao movimento ele transmite um entendimento fundamentalmente errocircneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO 2008 p 245)

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade

de se buscar a verdade produziu inuacutemeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequecircncias morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Podemos observar bem esse problema na modernidade no acircmbito do direito e da religiatildeo Devemos mencionar outra acusaccedilatildeo grave aos sofistas a de que restringiram o papel da educaccedilatildeo retirando dela a condiccedilatildeo do ensino da Arete virtude

A segunda acusaccedilatildeo envolve as criacuteticas direcionadas agrave atividade profissional dos sofistas visando desmerecer o valor da educaccedilatildeo que ofereciam Satildeo caracterizados no diaacutelogo sofista como caccediladores de jovens ricos e comerciantes do ensino Como Kerferd (2003 p 47-49) elucidou para entender esta criacutetica eacute necessaacuterio considerar a oposiccedilatildeo conservadora a que qualquer um tenha acesso agrave formaccedilatildeo poliacutetica simplesmente pagando Como dito anteriormente ateacute este momento a educaccedilatildeo juvenil era restrita aos membros das famiacutelias nobres e acontecia numa relaccedilatildeo de amizade entre o jovem e seu mestre Que a instruccedilatildeo estivesse acessiacutevel a todos que pudessem pagar por ela forccedilava a reconsideraccedilatildeo de estruturas internas da sociedade O ambiente da poacutelis democraacutetica era propiacutecio a tais questionamentos mas a polecircmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da eacutepoca saber se aretē pode ou natildeo ser ensinada Tradicionalmente aretē era palavra usada para referir-se agrave qualidade inata dos grandes homens os que se destacaram historicamente pela coragem forccedila valentia sabedoria lideranccedila mas tambeacutem havia um outro uso desta palavra que denotava a excelecircncia em uma tarefa ou funccedilatildeo especiacutefica e relaciona-se ao domiacutenio de uma teacutecnica teacutechnē termo comumente traduzido por arte No diaacutelogo Protaacutegoras Platatildeo apresenta Soacutecrates e Protaacutegoras debatendo esta questatildeo Ao afirmar que ensina teacutechnē

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade de

se buscar a verdade produziu inuacutemeras

tentativas de reduzir tudo ao modelo

relativista e produziu consequecircncias

morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de

argumentos

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

poliacutetica (319a) Protaacutegoras eacute confrontado com dois argumentos socraacuteticos que pretendem demonstrar que lsquoessarsquo aretē natildeo eacute um conhecimento que possa ser transmitido Os argumentos socraacuteticos satildeo 1) em questotildees teacutecnicas os atenienses consultam especialistas jaacute em questotildees poliacuteticas qualquer um pode opinar ningueacutem se opotildee a isto acreditando que eacute preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d) 2) os melhores e mais saacutebios cidadatildeos natildeo foram capazes de transmitir sua aretē a outros cita Peacutericles (319e-320b) Protaacutegoras expotildee sua opiniatildeo atraveacutes de um mito e conclui que todos os homens satildeo dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da teacutechnē poliacutetica justiccedila e respeito diacutekē e aidōs ndash apenas por possuiacuterem todos estas qualidades eacute que a vida em sociedade eacute possiacutevel (320d-323c)

Fonte Prezotto (2008 p 246)

No periacuteodo final da Idade Meacutedia temos um desenvolvimento de caracteriacutesticas que podemos denominar de incorporadas aos estudos das aacutereas de filosofia e teologia Em seguida nos seacuteculos XVII e XVIII eacute esquecida

Na historiografia do seacuteculo XVI as narrativas mariacutetimas de paiacuteses desconhecidos de fenocircmenos naturais de paragens de outras latitudes e climas manifestam de par com a presenccedila do maravilhoso a importacircncia que assume a experiecircncia a componente realista e empiacuterica Satildeo frequentes as marcas da enunciaccedilatildeo lsquoeu virsquo lsquoeu ouvirsquo que servem no discurso do narrador para dar maior credibilidade aos factos que apontam para uma histoacuteria contemporacircnea baseada nos pressupostos teoacutericos de Tuciacutedides Aleacutem disso a verdade factual nutrida por estas marcas de enunciaccedilatildeo eacute a cada passo confrontada com os relatos miacuteticos de um Heroacutedoto com a Cosmografia de um Ptolomeu a Geografia de um Estrabatildeo ou a ciecircncia de um Pompoacutenio Mela ou de uma Histoacuteria Natural de Pliacutenio As crocircnicas de Joatildeo de Barros de Castanheda de Diogo do Couto ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D Joatildeo de Castro as obras de Garcia de Orta de Duarte Pacheco Pereira de Pedro Nunes datildeo-nos a cada passo exemplos significativos Poderemos concluir que na eacutepoca do Renascimento a histoacuteria aleacutem de se afirmar como gecircnero literaacuterio que se impotildee pela arte da escrita como opus oratorium eacute disciplina formativa do caraacutecter em repositoacuterio de paradigmas eacute manancial de exempla que informam a tradiccedilatildeo retoacuterica eacute ponto de referecircncia da exaltaccedilatildeo eacutepica das gloacuterias nacionais eacute suporte de novos modelos ideoloacutegicos e de formulaccedilatildeo poliacutetica em termos modernos eacute fundamento de novos horizontes culturais e cientiacuteficos (SOARES 2011 p 146-147)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Se na Idade Meacutedia ocorreu uma valorizaccedilatildeo e desenvolvimento da retoacuterica no iniacutecio da modernidade ela foi deixada de lado e ateacute demonizada por diversos autores

Produziu-se uma total confusatildeo de pensamento que em muitos casos deixou de lado ateacute mesmo as convicccedilotildees doutrinais tanto do direito quanto da religiatildeo Com isso temos inuacutemeros argumentos artificiais que simulam determinadas situaccedilotildees apenas para efeito performaacutetico

Atividade de Estudos

1) Leia o texto e explique o que vocecirc entendeu sobre a arte das disputas a eriacutestica e a importacircncia da purificaccedilatildeo da linguagem Explique com suas palavras

Estrangeiro mdash Isso mesmo Conforme jaacute vimos eacute do gecircnero lucrativo da arte eriacutestica da arte de disputas das controveacutersias da arte do combate da arte da luta e do ganho segundo neste momento provou nossa argumentaccedilatildeo que o sofista proveacutem

Teeteto mdash Nada mais verdadeiro

XIII mdash Estrangeiro mdash Como vecircs eacute muito acertado dizer-se que se trata de um animal de muacuteltiplas facetas Daiacute confirmar-se o dito de que nem tudo se pode pegar soacute com uma das matildeos

Teeteto mdash Pois empreguemos duas

Estrangeiro mdash Sim eacute o que precisaremos fazer empenhando nisso todos os nossos recursos a fim de acompanhar-lhe o rastro Dize-me o seguinte natildeo temos designaccedilotildees especiais para determinadas ocupaccedilotildees servis

Teeteto mdash Muitas ateacute poreacutem no meio de tantas a quais particularmente te referes

Estrangeiro mdash Penso nas seguintes coar peneirar joeirar debulhar

Teeteto mdash E daiacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Estrangeiro mdash E tambeacutem cardar fiar urdir e mil outras de emprego corrente em ocupaccedilotildees congecircneres natildeo eacute isso mesmo

Teeteto mdash Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas

Estrangeiro mdash De modo geral todos esses vocaacutebulos exprimem a ideia de separaccedilatildeo

Teeteto mdash Certo

Estrangeiro mdash Ora de acordo com o meu raciociacutenio se uma arte apenas abrange todas essas ocupaccedilotildees teremos de atribuir-lhe um uacutenico nome

Teeteto mdash E como a denominaremos

Estrangeiro mdash Arte de separar

Teeteto mdash Que seja

Estrangeiro mdash Considera agora se nos seraacute possiacutevel distinguir duas espeacutecies

Teeteto mdash Impotildee-me uma tarefa muito raacutepida

Estrangeiro mdash Poreacutem nas distinccedilotildees por noacutes feitas jaacute se tratou da separaccedilatildeo entre o pior e o melhor e tambeacutem entre semelhante e dessemelhante

Teeteto mdash Dita dessa maneira parece-me bastante clara

Estrangeiro mdash Natildeo conheccedilo o nome geralmente aplicado a esta uacuteltima separaccedilatildeo poreacutem sei o que datildeo agrave outra a que reteacutem o melhor e rejeita o pior

Teeteto mdash Dize qual seja

Estrangeiro mdash No meu entender todas as separaccedilotildees desse tipo satildeo geralmente chamadas purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Com efeito eacute como as denominam

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E todo o mundo natildeo perceberaacute que haacute duas espeacutecies de purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Depois de refletir eacute possiacutevel eu pelo menos natildeo percebo purificaccedilatildeo alguma

Estrangeiro mdash Primeiro as dos seres vivos que operam no interior do corpo graccedilas a uma discriminaccedilatildeo exata pela ginaacutestica e a medicina como a purificaccedilatildeo externa de designaccedilatildeo corriqueira alcanccedilada pela arte do banho depois a dos corpos inanimados que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral de infinitas modalidades cujos nomes satildeo considerados ridiacuteculos

Teeteto mdash Eacute muito certo

Estrangeiro mdash Certo natildeo Teeteto certiacutessimo Mas o meacutetodo argumentativo natildeo daacute maior nem menor importacircncia agrave purificaccedilatildeo por meio da esponja do que agrave obtida com poccedilotildees medicamentosas jamais perguntando se os benefiacutecios de uma satildeo mais ou menos relevantes do que os da outra Para alcanccedilar o conhecimento eacute que ela se esforccedila por observar as afinidades ou dissemelhanccedilas entre as artes honrando a todas igualmente e quando chega a comparaacute-las natildeo conclui que uma seja mais ridiacutecula do que a outra Natildeo considera ainda mais importante quem ilustra a arte da caccedila com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas poreacutem mais pretensioso Do mesmo modo agora no que entende com o nome para designar o conjunto das forccedilas purificadoras dos corpos quer sejam animados quer natildeo sejam natildeo se preocupa no miacutenimo de saber que nome eacute de aparecircncia mais distinta Limitar-se-aacute a separar a purificaccedilatildeo da alma deixando num uacutenico feixe as outras purificaccedilotildees sem indagar do objeto sobre que se exercem Seu intento exclusivo consiste nisto precisamente separar das demais purificaccedilotildees a que tem por objetivo a alma se eacute que compreendemos (PLATAtildeO 1980 p 16-17)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Verdade e Verossimilhanccedila de Um Argumento

A verdade e a verossimilhanccedila merecem destaque por que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa entender quando um argumento eacute verossimilhante e quando ele eacute verdadeiro

Platatildeo ao discutir os gecircneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas jaacute levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente Deste modo o problema da verdade de um discurso natildeo fica somente na elaboraccedilatildeo formal e acadecircmica de um debate mas envolve tambeacutem a vida cotidiana dos sujeitos Para entendermos a diferenccedila entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que eacute verdade de fato em um discurso Vejamos a polecircmica suscitada no diaacutelogo Sofista e ateacute hoje sem soluccedilatildeo

LII mdash Estrangeiro mdash Onde iremos entatildeo buscar a designaccedilatildeo apropriada para cada um Evidentemente eacute tarefa por demais aacuterdua porque nisso de dividir os gecircneros em espeacutecies parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicaacutevel indolecircncia que nunca os levou pelo menos a tentaacute-la dar essa carecircncia tatildeo acentuada de nomes De um jeito ou de outro e embora se no afigure um tanto forte a expressatildeo para melhor diferenccedilaacute-la daremos o nome de doxomimeacutetica agrave imitaccedilatildeo que se baseia na opiniatildeo e a que se funda no conhecimento mimeacutetica histoacuterica ou eruditaTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash Vamos ocupar-nos com a primeira o sofista natildeo se inclui no nuacutemero dos que sabem mas no dos que imitamTeeteto mdash PerfeitamenteEstrangeiro mdash Examinemos entatildeo o imitador que se apoia na opiniatildeo como o fariacuteamos com um fragmento de ferro para vermos se se trata de uma peccedila uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estruturaTeeteto mdash Sim examinemo-loEstrangeiro mdash Pois em verdade aqui estaacute ele e bem patente Entre esses tais haacute o tipo ingecircnuo que acredita saber o que apenas imagina o outro pelo contraacuterio que se deixa arrastar por seus proacuteprios argumentos natildeo esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabeTeeteto mdash Sem duacutevida haacute esses dois tipos que acabaste de descreverEstrangeiro mdash Ao primeiro entatildeo daremos o nome de imitador simples e ao outro o de imitador dissimuladoTeeteto mdash Seria de toda a conveniecircnciaEstrangeiro mdash E este uacuteltimo gecircnero diremos que eacute simples ou duploTeeteto mdash Examina-o tu mesmoEstrangeiro mdash Examino e creio perceber dois gecircneros No primeiro distingo o indiviacuteduo capaz de dissimular em puacuteblico com discursos prolixos no outro o que em ciacuterculos mais restritos com sentenccedilas curtas leva seu interlocutor a contradizer-seTeeteto mdash Eacute muito certo o que dizes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E o homem dos discursos longos como o designaremos Eacute estadista ou orador popularTeeteto mdash Orador popularEstrangeiro mdash E o outro que denominaccedilatildeo lhe cabe agrave justa saacutebio ou sofistaTeeteto mdash Saacutebio natildeo eacute possiacutevel pois jaacute provamos que ele eacute ignorante Mas por ser imitador do saacutebio eacute fora de duacutevida que alguma coisa do nome deste haacute de passar para ele E agora me ocorre que de um tipo assim eacute que podemos dizer com toda a seguranccedila um sofista acabado Estrangeiro mdash Nesse caso fixemos aqui mesmo seu nome como fizemos antes entrelaccedilando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos Teeteto mdash Perfeitamente Estrangeiro mdash Sendo assim a espeacutecie imitativa e suscitadora de contradiccedilotildees da parte dissimuladora da arte baseada na opiniatildeo pertencente ao gecircnero imaginaacuterio que se prende agrave arte ilusoacuteria da produccedilatildeo de imagens criaccedilatildeo humana natildeo divina desse malabarismo ilusoacuterio com palavras quem afirmar que eacute de semelhante sangue e dessa estirpe que proveacutem o verdadeiro sofista soacute diraacute como parece a pura verdade (PLATAtildeO 1980 p 69-71)

Com efeito ao deixar a questatildeo em aberto no final do diaacutelogo Platatildeo nos daacute um apontamento para uma aproximaccedilatildeo da identidade do sofista No entanto nos deixa um grande ensinamento as opiniotildees satildeo diferentes dos discursos sobre a verdade Os discursos sobre a verdade satildeo de natureza nobre e as opiniotildees sobre um assunto natildeo satildeo conhecimento

E essa diferenccedila nem sempre eacute clara como parece ser Com isso em muitos momentos de nossa existecircncia pensamos que algo eacute verdadeiro simplesmente por parecer e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante aquilo que parece ser verdadeiro mas se olharmos mais de perto natildeo eacute soacute parece ser

Outro problema muito aparente na modernidade eacute a generalizaccedilatildeo de argumentos que produz efeitos catastroacuteficos em muitos segmentos da existecircncia humana Por exemplo escutamos por vezes vaacuterios argumentos deste tipo ldquotodo homem eacute machistardquo ldquotodo poliacutetico eacute ladratildeordquo ldquoos padres satildeo imoraisrdquo todos esses argumentos possuem falsas associaccedilotildees grotescas atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria Isso significa que sequer argumentos satildeo podemos chamaacute-los de enunciados vazios mas que satildeo muito populares em nosso cotidiano

Portanto a verdade de um argumento natildeo estaacute somente em sua forma ou somente em seu conteuacutedo mas na combinaccedilatildeo da disposiccedilatildeo de ambas as caracteriacutesticas que ao se combinarem produzem uma estrutura soacutelida na exposiccedilatildeo de um pensamento (MOSCA 2004)

Com efeito cabe aos estudantes de oratoacuteria e retoacuterica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade Natildeo existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento Antes disso haacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se estaacute inserido para poder convencer

Algumas ConsideraccedilotildeesAgora vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica estaacute pronto para seguir seu

caminho escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situaccedilatildeo para expor suas ideias com clareza e objetividade

A construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um o material disponiacutevel e a plateia para a qual o indiviacuteduo iraacute se dirigir Neste capiacutetulo destacamos as implicaccedilotildees das escolhas argumentativas que fizemos

ReferecircnciasCHIBENI S S Notas sobre tipos de argumentos [sd] Disponiacutevel em ltwwwunicampbr~chibenitextosdidaticosargumentospdfgt Acesso em 13 jun 2017

MOSCA L do L S (Org) Retoacutericas de ontem e de hoje 3 ed Satildeo Paulo Associaccedilatildeo Editorial Humanitas 2004

PLATAtildeO Sofista Brasiacutelia UFB 1980

PREZOTTO J Protaacutegoras Goacutergias os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē Anais XXIII SEC Araraquara p 241-250 2008 Disponiacutevel em lthttpportalfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTEXTOSARTIGOS20PDFprezottopdfgt Acesso em 10 jun 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SCHECAIRA F Argumentaccedilatildeo noccedilotildees baacutesicas 2012 Disponiacutevel em lthttpsfabioshecairawikispacescomfileviewIntroduC3A7C3A3o+C3A0+argumenta C3A7C3A3opdfgt Acesso em 14 jun 2017

SOARES N C A retoacuterica e a construccedilatildeo da cidade na Idade Meacutedia e no Renascimento homo eloquens homo politicus Coimbra Coimbra University Press 2011

VIANA P Validade Forma e Conteuacutedo de Argumentos 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwuffbrgrupodelogicatextosViapdfgt Acesso em 15 jun 2017

VIEIRA Joseacute Guilherme Silva A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso 2016

Page 5: ORATÓRIA E RETÓRICA

APRESENTACcedilAtildeOEntendemos a necessidade do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica para os

estudantes de teologia devido agraves particularidades conceituais envolvidas Para podermos construir bons argumentos precisamos entender como estes satildeo produzidos e expostos E eacute neste momento que a disciplina de oratoacuteria e retoacuterica merece ser apresentada como uma maneira fundamental de entender os conceitos teoloacutegicos estudados

Na disciplina de oratoacuteria e retoacuterica o estudante pode desenvolver seu entendimento das diferentes formas de argumentar e constitui uma ideia Eacute no curso desta que o estudante poderaacute ampliar suas capacidades argumentativas de construccedilatildeo e explicaccedilatildeo de um argumento

Neste sentido esperamos que o estudante desenvolva essas capacidades

CAPIacuteTULO 1

Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Compreender a concepccedilatildeo da retoacuterica e sua finalidade identificando suas funccedilotildees e caracteriacutesticas

Identificar as fontes da retoacuterica grega e a discussatildeo com perspectiva platocircnica

Analisar as relaccedilotildees interpessoais e reconhecer as diferentes definiccedilotildees de retoacuterica e oratoacuteria

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

ContextualizaccedilatildeoO contexto do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica no mundo contemporacircneo eacute

bastante amplo Nesta disciplina queremos enfatizar a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade Vejamos como se considerava a arte retoacuterica na antiguidade

Havia-se deixado de lado ateacute aqui um ponto importante sobre o escopo da arte retoacuterica Por vezes a retoacuterica foi e ainda eacute apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes De fato muitos satildeo os que associam uma boa retoacuterica a um discurso bem elaborado destacado por diversos recursos de linguagem enfim ornamentado Essa definiccedilatildeo guarda correspondecircncia com os primeiros discursos dos sofistas ndash portanto anteriores ao aparecimento do tratado de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica ndash mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isoacutecrates (436-338 aC) haacutebil e longevo retor que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas predominantemente literaacuterias (o Paideia) Isoacutecrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialeacutetica eriacutestica (aqueles que se propunham agraves disputas a partir de posiccedilotildees antagocircnicas de mundo objetivando chegar a uma pretensatildeo de descoberta a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza eou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas que ensinavam a arte dos discursos poliacuteticos aos nobres Isoacutecrates natildeo acreditava que da dialeacutetica eriacutestica pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais ou que o simples fato de se arrebatar o maior nuacutemero possiacutevel de seguidores fosse um medidor da correccedilatildeo de um dado conhecimento Tampouco poder-se-ia fazer qualquer juiacutezo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos poliacuteticos mecanicamente jaacute que as condiccedilotildees para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL 1994 apud VIEIRA 2012 p 8)

Estudar oratoacuteria e retoacuterica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos mas se observarmos o cotidiano perceberemos que estamos permeados de argumentos retoacutericos apresentando cada qual um tipo de oratoacuteria A vocecirc estudante desta disciplina convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas

Conceito de Retoacuterica e Oratoacuteria

A retoacuterica no conhecimento humano especificamente na filosofia eacute uma forma de expressatildeo de exposiccedilatildeo de ideias utilizada pelos sofistas Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade natildeo existe uma verdade o que haacute eacute apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao iniciarmos a discussatildeo sobre a retoacuterica queremos expor quais satildeo suas caracteriacutesticas fundamentais e como estas caracteriacutesticas se relacionam com o modo com o qual nos expressamos

A vitalidade dos estudos retoacutericos ateacute os nossos dias foi o que levou agrave organizaccedilatildeo de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retoacuterica se tem havido ao longo de sua histoacuteria cheia de pontos altos mas tambeacutem de crises e questionamentos A bem dizer eacute esta mesma dialeacutetica que estaacute no bojo de sua proacutepria natureza que implica em controveacutersia discussatildeo e consequentemente em influecircncia e formaccedilatildeo de opiniatildeo De fato a Retoacuterica tem sido colocada agrave prova pelos mesmos princiacutepios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresccedila sempre aceitaccedilatildeo da mudanccedila o respeito agrave alteridade a consideraccedilatildeo da liacutengua como lugar de confronto das subjetividades Partindo-se do princiacutepio de que a argumentatividade estaacute presente em toda e qualquer atividade discursiva tem-se tambeacutem como baacutesico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe satildeo apresentadas Equivale portanto a conferir-lhe status e a qualificaacute-lo para o exerciacutecio da discussatildeo e do entendimento atraveacutes do diaacutelogo Na verdade o envolvimento natildeo eacute unilateral tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam quando o clima eacute de negociaccedilatildeo e em que prevalece o anseio de influecircncia e de poder (MOSCA 2001 p 16)

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga apontamos para alguns autores deste periacuteodo que representam muito bem a figura de um retoacuterico Nesse sentido merece destaque o filoacutesofo Goacutergias que muito bem definiu o natildeo ser Podemos citar ainda o filoacutesofo Protaacutegoras de Abdera que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade

A nossa discussatildeo sobre a retoacuterica e o papel da oratoacuteria na formulaccedilatildeo e na exposiccedilatildeo de argumentos passaraacute necessariamente por Platatildeo e Aristoacuteteles Estes dois filoacutesofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retoacuterica ou do bem dizer se assim quisermos De acordo com estes dois filoacutesofos e com os sofistas devemos estar atentos para a boa formulaccedilatildeo retoacuterica de um argumento e a boa oratoacuteria de exposiccedilatildeo do mesmo Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para que possamos entender expor e transmitir uma mensagem

Podemos observar isso na discussatildeo da Antiguidade desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo ao expor e escrever as ideias socraacuteticas nos passa a mensagem de que Soacutecrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade Jaacute alguns sofistas como Soacutefocles apresentam Soacutecrates como amigo dos sofistas e

Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante

que a forma de bem dizer as palavras ou

a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para

que possamos entender expor e transmitir uma

mensagem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

um retoacuterico Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve

O surgimento da Retoacuterica na Greacutecia antiga prende-se agrave luta reivindicatoacuteria de defesa de terras na Siciacutelia que haviam caiacutedo em poder de usurpadores Esse caraacuteter praacutetico aliado agrave eficaacutecia esteve sempre presente nas finalidades da Retoacuterica e eacute o que modernamente a situa junto agrave Pragmaacutetica De fato para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz haacute que levar em conta as caracteriacutesticas fundamentais da situaccedilatildeo em que ele se daacute e as relaccedilotildees de intersubjetividade dos interlocutores Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos satildeo produtos natildeo de um simples ato ilocutoacuterio como tambeacutem de elementos extraiacutedos da forccedila ilocucionaacuteria da situaccedilatildeo Cabe ainda lembrar que o ato de informar natildeo existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si proacuteprio Assim eacute que discursos que se tecircm como informativos tais como o cientiacutefico e o jornaliacutestico satildeo o exemplo disso uma vez que existem em funccedilatildeo de determinada finalidade praacutetica a ser atingida Por esse motivo coloca-se em questatildeo a tradicional divisatildeo das modalidades dos gecircneros jornaliacutesticos em informativos interpretativos e opinativos que na realidade serve apenas para balizar a praacutexis jornaliacutestica quando natildeo mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA 2001 p 26)

Segundo Platatildeo a retoacuterica eacute uma teacutecnica indispensaacutevel para quem quisesse governar a cidade porque quem rege deve saber falar e dominar a exposiccedilatildeo de um argumento Essa capacidade do governante impediria a manipulaccedilatildeo e o controle por outros membros do governo Contudo Platatildeo coloca a retoacuterica abaixo da filosofia e no diaacutelogo Goacutergias expotildee que o bem falar eacute uma arte de convencimento independentemente do conteuacutedo e por isso estaacute abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que eacute o filosoacutefico

Podemos entender que esta discussatildeo eacute muito importante para as pessoas que desejam lidar com o puacuteblico em geral pois haacute sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem sem se preocupar com a verdade ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou natildeo aos interlocutores Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diaacutelogo ou expressar uma ideia em puacuteblico Neste sentido o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica precisa conhecer os tipos formas e meacutetodos empregados pela retoacuterica para formular um argumento e da oratoacuteria para expor o mesmo

Outro filoacutesofo jaacute citado Aristoacuteteles desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retoacuterica De acordo com ele a retoacuterica eacute uma arte empiacuterica e cotidiana

Neste sentido precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso Neste aspecto a retoacuterica natildeo eacute pura transmissatildeo da verdade atraveacutes da oratoacuteria ela envolve diferentes aspectos do ser humano de sua personalidade e

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ambiente Para Aristoacuteteles devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento pois se tivermos uma boa teacutecnica poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade

Aleacutem disso Aristoacuteteles desenvolveu profundamente as caracteriacutesticas e a forma de refutaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo de um argumento Seguindo essa linha de raciociacutenio podemos concluir que Aristoacuteteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retoacuterica Ela serve tanto ao indiviacuteduo que quer discutir assuntos morais quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade Em outras palavras a retoacuterica deve ser uacutetil ao cidadatildeo

Segundo Aristoacuteteles devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias Neste sentido a retoacuterica contribui para aperfeiccediloar a qualidade e a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de um argumento

Aristoacuteteles foi o primeiro a desenvolver uma organizaccedilatildeo detalhada desta ferramenta do saber humano Inicialmente precisamos entender que todos noacutes fazemos uso da retoacuterica e da oratoacuteria pois satildeo formas de nos expressarmos Para Aristoacuteteles convencer o outro eacute a essecircncia de toda discussatildeo sobre retoacuterica Ao estabelecer formas de comportamento para o orador modelos de raciociacutenio tipos de premissas e a divisatildeo desta ferramenta o filoacutesofo classifica e padroniza a retoacuterica A divisatildeo apresentada por Aristoacuteteles eacute exoacuterdio construccedilatildeo refutaccedilatildeo e epiacutelogo Em alguns momentos o filoacutesofo coloca a narraccedilatildeo apoacutes o exoacuterdio

Ao contrapor a dialeacutetica com a retoacuterica Aristoacuteteles configurou a ela elementos e caracteriacutesticas que estavam dispersos

Apoacutes a elaboraccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica e a oratoacuteria foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores Mencionamos aqui os estoicos os empiacutericos e a tradiccedilatildeo romana de filoacutesofo Dioacutegenes filoacutesofo estoico grego entendia que a retoacuterica dialeacutetica

eacute parte da loacutegica neste sentido retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica eacute a arte de bem raciocinar Isso significa que a retoacuterica eacute a invenccedilatildeo de argumentos e desdobra-se em oratoacuteria quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes Para este grupo de filoacutesofos a retoacuterica se ocupa da forma de um argumento enquanto que a dialeacutetica deve se ater agrave veracidade ou agrave falsidade de um argumento

Retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica

eacute a arte de bem raciocinar

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

O grupo de pensadores empiacutericos pode ser representado pelo epicurismo que entende a retoacuterica como argumentos possiacuteveis derivados de signos Segundo este o meacutetodo utilizado eacute a conjetura Dito de outro modo a retoacuterica eacute uma ciecircncia que se opotildee agraves ciecircncias exatas isto eacute para bem falarmos e bem construirmos um argumento devemos seguir regras que provecircm da experiecircncia como o objetivo de considerar vaacuterios graus de probabilidade De acordo com esses filoacutesofos devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e ao mesmo tempo natildeo cairmos no simplismo do cotidiano Por exemplo em debates com amigos geralmente usamos laacutegrimas e dramas para convencer o outro

Entre os romanos destacamos Ciacutecero que entendia a retoacuterica e a oratoacuteria como algo fruto de muito conhecimento filosoacutefico artiacutestico e da ciecircncia Para ele sem o saber aprofundado a retoacuterica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero de oratoacutere I 17)

Para ser um bom orador devemos conhecer todos os grandes problemas filosoacuteficos cientiacuteficos e artiacutesticos Devemos pensar com sabedoria e eacute nisto que a retoacuterica consiste para Ciacutecero O saacutebio consegue desenvolver bem a arte retoacuterica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questotildees Ciacutecero entende que a teacutecnica da retoacuterica deve produzir natildeo soacute belos textos e belas oratoacuterias mas tambeacutem saacutebios justos

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retoacuterica antiga passamos agora a expor algumas caracteriacutesticas do desenvolvimento da retoacuterica no periacuteodo chamado de Idade Meacutedia Neste periacuteodo o Trivium a partir do seacuteculo IX constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais nesta eacutepoca a retoacuterica era entendida como arte do discurso Destacamos que a constituiccedilatildeo dos argumentos natildeo era puramente literaacuteria havia uma preocupaccedilatildeo com todas as aacutereas de conhecimento para expor e defender os argumentos

O desenvolvimento da retoacuterica medieval encontrou amparo em grandes teoacutelogos e filoacutesofos Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradiccedilatildeo platocircnica articulando as suas ideias com a de Ciacutecero e outros retoacutericos romanos Retomou tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelica da loacutegica para discutir os grandes problemas nesta aacuterea de conhecimento

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Oratoacuteria e Retoacuterica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboraccedilatildeo dos problemas retoacutericos baseados na eloquecircncia ou no bem falar remetendo agrave iluminaccedilatildeo do intelecto satisfaccedilatildeo da imaginaccedilatildeo desencadear as paixotildees e por uacuteltimo evocar a vontade Este processo culminou na completa distinccedilatildeo entre filosofia e retoacuterica Se em Platatildeo e Aristoacuteteles filosofia oratoacuteria e retoacuterica caminham juntas no iniacutecio da modernidade elas se separaram constituindo campos de saber distintos dentro de um espaccedilo geral de conhecimento

Para explicarmos de maneira detalhada o que eacute retoacuterica evocamos o pensador Reboul que define o termo retoacuterica eacute ldquoa arte de persuadir pelo discurso Por discurso entendemos toda a produccedilatildeo verbal escrita ou oral constituiacuteda por uma frase ou uma sequecircncia de frases que tenha comeccedilo e fim e apresente certa ordem de sentido De fato um discurso incoerente feito por um becircbado ou por um louco satildeo vaacuterios discursos tomados por um soacuterdquo (REBOUL 2004 p 14)

Para este autor soacute podemos chamar de retoacutericos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes Citamos alguns exemplos ldquopleito advocatiacutecio alocuccedilatildeo poliacutetica sermatildeo folheto cartaz de publicidade panfleto faacutebula peticcedilatildeo ensaio tratado de filosofia de teologia ou de ciecircncias humanas Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satiacuterico ou laudatoacuterioldquo (REBOUL 2004 p 14)

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratoacuteria de algo Neste sentido queremos fazer uma distinccedilatildeo entre convencer algueacutem a crer em noacutes e convencer algueacutem a fazer algo Do ponto de vista estritamente retoacuterico queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em noacutes eacute o nuacutecleo da retoacuterica enquanto arte de persuasatildeo Neste aspecto levar algueacutem a

fazer algo jaacute eacute um passo aleacutem Pascal (apud Reboul 2004) destaca que podemos usar elementos como o dinheiro para persuadir os outros de que nossa causa eacute justa mas isso natildeo eacute um convencimento retoacuterico pois os argumentos natildeo foram contrapostos e natildeo houve sequer uma argumentaccedilatildeo

Lembremos que a teacutecnica retoacuterica eacute ambiacutegua pois pode representar uma habilidade espontacircnea ou uma capacidade adquirida Se considerarmos a retoacuterica espontacircnea como forma de convencimento dos outros precisamos entender que

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre

procura persuadir seus interlocutores

pela oratoacuteria de algo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sem a teacutecnica adquirida com o tempo natildeo conseguiremos ter ecircxito em nossa tarefa Segundo Reboul ldquoo verdadeiro orador eacute um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava figuras de que ningueacutem teria ideia e que se mostram ajudadas artistas cujos desempenhos natildeo satildeo programaacuteveis e que soacute se fazem sentir posteriormenterdquo (REBOUL 2004 p 16)

Neste sentido a constituiccedilatildeo de um argumento retoacuterico e a expressatildeo deste por um orador dependem da escolha que este fizer Tudo isso implica em considerar a finalidade da retoacuterica Queremos convencer ou enganar

Como vimos a persuasatildeo eacute a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponiacuteveis Persuadir natildeo eacute a mesma coisa que enganar Existe uma sutil diferenccedila mas que eacute substancial enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir eacute convencer utilizando os argumentos disponiacuteveis

Para comeccedilarmos a responder a este questionamento explicaremos o que significa a arte da persuasatildeo Eis pois a mais antiga definiccedilatildeo de retoacuterica que conhecemos ou seja a arte de persuadir Neste sentido vale lembrar que eacute importante distinguir o que eacute argumentaccedilatildeo e oratoacuteria

A competecircncia racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes os que satildeo componentes silogiacutesticos e os que se apoiam em exemplos Neste sentido vale lembrar que para Aristoacuteteles a competecircncia afetiva de um argumento eacute mais eficiente que o silogismo Isso significa que um silogismo encadeamento loacutegico de raciociacutenios eacute destinado a um grupo teacutecnico de ouvintes por exemplo um juacuteri enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande puacuteblico

Segundo Reboul (2004) no que tange agrave afetividade podemos distinguir o caraacuteter do ethos em portuguecircs caraacuteter eacutetico do orador que procura convencer os interlocutores e o pathos em portuguecircs a paixatildeo ou compaixatildeo gerada pelo discurso cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compotildee de duas partes o argumentativo e o oratoacuterio Assim quando um orador se expressa ele estaacute no modo oratoacuterio neste sentido metaacuteforas e hipeacuterboles constituem artifiacutecios retoacutericos e satildeo argumentativas quando condensam um argumento

Hermenecircutica Passaremos agora ao modelo hermenecircutico Quando expressamos um

discurso ele nunca estaacute soacute sempre estaacute em diaacutelogo com outros oradores se antepotildee a este e dialoga com os mesmos

Para convencer um interlocutor eacute preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo Este processo soacute eacute possiacutevel por causa da possibilidade de interpretaccedilatildeo que possuiacutemos Neste sentido a arte de interpretar textos chamada de hermenecircutica eacute fundamental ao orador que quer ser compreendido

HeuriacutesticaOutra caracteriacutestica eacute a heuriacutestica que significa encontrar algo remetendo ao

grego euro ou eureka ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano Natildeo nos referimos diretamente agrave ciecircncia falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto Neste aspecto a heuriacutestica contribui para o confronto de ideias na demonstraccedilatildeo delas e na descoberta de coisas que natildeo sabemos

Ainda merece menccedilatildeo a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica que constitui um caminho que engloba vaacuterias aacutereas de saber De acordo com Reboul (2004 p 22)

[] no fim do seacuteculo XIX a retoacuterica foi abolida do ensino francecircs e o proacuteprio termo foi riscado dos programas Todavia como em geral acontece no ensino em se apagando a palavra natildeo se suprimiu a coisa A retoacuterica permaneceu soacute que desarticulada privada de sua unidade interna e de sua coerecircncia em todo caso os professores quase sempre sem saber fazem retoacuterica

Assim a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica e o estilo das construccedilotildees verbais

permaneceram mesmo que com dificuldades Neste sentido entendemos que para bem dizer precisamos tambeacutem aprender a ser visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu proacuteprio estado confuso da existecircncia

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Para Que Serve a RetoacutericaVocecirc aluno de Oratoacuteria e Retoacuterica pode se aprofundar no significado e na

serventia da retoacuterica se observar o seu cotidiano A retoacuterica e a oratoacuteria podem servir a diferentes fins Destacamos alguns servem para persuadir interlocutores em debates filosoacuteficos religiosos acadecircmicos ou em outros ambientes sociais Na filosofia costumamos entender a retoacuterica como o modo de formular bons argumentos para posteriormente pela oratoacuteria expocirc-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos Na religiatildeo costuma-se usar a oratoacuteria para desenvolver argumentos e convencer os fieacuteis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras

Assim os religiosos utilizam a retoacuterica com a finalidade de explicar as questotildees controversas e consequentemente elucidar as dificuldades dos fieacuteis Jaacute os acadecircmicos utilizam meacutetodos de retoacuterica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem tiacutetulos promoccedilotildees e debater ideias no acircmbito da conjetura intelectual Destacamos ainda o uso da retoacuterica e oratoacuteria no meio social no cotidiano das nossas existecircncias falamos da famiacutelia do ciacuterculo de amigos e da convivecircncia em nossos locais de trabalho

Algumas pessoas pensam que argumentar eacute apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova Eacute por isso que muita gente considera que argumentar eacute desagradaacutevel e inuacutetil confundindo argumentar com discutir Dizemos por vezes que discutir eacute uma espeacutecie de luta verbal Contudo argumentar natildeo eacute nada disso [] laquoargumentarraquo quer dizer oferecer um conjunto de razotildees a favor de uma conclusatildeo ou oferecer dados favoraacuteveis a uma conclusatildeo [] argumentar natildeo eacute apenas a afirmaccedilatildeo de determinado ponto de vista nem uma discussatildeo Os argumentos satildeo tentativas de sustentar certos pontos de vista com razotildees Neste sentido os argumentos natildeo satildeo inuacuteteis na verdade satildeo essenciais Os argumentos satildeo essenciais em primeiro lugar porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista Nem todos os pontos de vista satildeo iguais Algumas conclusotildees podem ser defendidas com boas razotildees e outras com razotildees menos boas No entanto natildeo sabemos na maioria das vezes quais satildeo as melhores conclusotildees Precisamos por isso apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusotildees e depois avaliar tais argumentos para ver se satildeo realmente bons Neste sentido um argumento eacute uma forma de investigaccedilatildeo Alguns filoacutesofos e ativistas argumentaram por exemplo que criar animais soacute para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que portanto eacute injustificado e imoral Seraacute que tecircm razatildeo Natildeo podemos decidir consultando os nossos preconceitos Estatildeo envolvidas muitas questotildees Por exemplo temos obrigaccedilotildees morais para com outras espeacutecies ou o sofrimento humano eacute o uacutenico realmente mau Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne Alguns vegetarianos vivem ateacute idades muito avanccediladas Seraacute que este fato mostra que as dietas vegetarianas satildeo mais saudaacuteveis Ou seraacute irrelevante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tendo em conta que alguns natildeo vegetarianos tambeacutem vivem ateacute idades muito avanccediladas (Eacute melhor perguntarmos se haacute uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem ateacute idades avanccediladas) Teratildeo as pessoas mais saudaacuteveis tendecircncia para se tornarem vegetarianas ao contraacuterio das outras Todas estas questotildees tecircm de ser apreciadas cuidadosamente e as respostas natildeo satildeo a partida oacutebvia (WESTON 1996 p 5)

A arte retoacuterica e a oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausiacuteveis no que se refere agrave arguiccedilatildeo e exposiccedilatildeo de ideias A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento uma convicccedilatildeo ou um projeto Este meacutetodo de persuasatildeo pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas vaacuterias especificidades ou pode servir para enganar ludibriar e prejudicar outras pessoas

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retoacuterica e da oratoacuteria Platatildeo e Aristoacuteteles cada qual ao seu modo procuraram estabelecer criteacuterios ou maneiras para evitarmos destruir a existecircncia alheia Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias inquiriu o mesmo sobre a implicaccedilatildeo moral de determinadas posturas retoacutericas Assim a arte da persuasatildeo natildeo eacute um vale-tudo mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questotildees que queremos discutir Aristoacuteteles defendeu uma separaccedilatildeo entre retoacuterica e oratoacuteria para que ficasse claro qual estilo de argumentaccedilatildeo o indiviacuteduo estava praticando Deste modo a retoacuterica serviria para desenvolvermos raciociacutenios claros e silogiacutesticos sobre um assunto especiacutefico enquanto que a oratoacuteria serviria para expormos poesias e formas literaacuterias de estilo proacuteprio

Assim conforme aponta Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retoacuterica

A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente

na tentativa do convencimento

alheio para podermos transmitir

um pensamento uma convicccedilatildeo ou

um projeto

A QUE SE REFERE UM DISCURSO ndash TRECHO DE PLATAtildeO

Soacutecrates mdash Entatildeo diz a respeito de quecirc A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retoacuterica

Goacutergias mdash Aos negoacutecios humanos Soacutecrates e os mais importantes

Soacutecrates mdash Mas isso Goacutergias tambeacutem eacute ambiacuteguo e nada preciso Creio que jaacute ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeraccedilatildeo dos bens e dizer que

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

o melhor bem eacute a sauacutede o segundo ser belo e o terceiro conforme se exprime o poeta da cantilena enriquecer sem fraude

Goacutergias mdash Jaacute ouvi mas a que vem isso

Soacutecrates mdash Eacute que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena a saber o meacutedico o pedoacutetriba e o economista e falasse em primeiro lugar o meacutedico Soacutecrates Goacutergias te engana natildeo eacute sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens poreacutem a minha E se eu lhe perguntasse Quem eacutes para falares dessa maneira Sem duacutevida responderia que era meacutedico Queres dizer com isso que o produto de tua arte eacute o melhor dos bens Como poderia Soacutecrates deixar de secirc-lo se se trata da sauacutede Haveraacute maior bem para os homens do que a sauacutede E se depois dele por sua vez falasse o pedoacutetriba Muito me admiraria tambeacutem Soacutecrates se Goacutergias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha A esse do meu lado eu perguntara Quem eacutes homem e com que te ocupas Sou professor de ginaacutestica me diria e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto Depois do pedoacutetriba falaria o economista quero crer num tom depreciativo para os dois primeiros Considera bem Soacutecrates se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza tanto na atividade de Goacutergias como na de quem quer que seja Como Decerto lhe perguntaacuteramos eacutes fabricante de riqueza Responderia que sim Quem eacutes entatildeo Sou economista E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza Voltariacuteamos a falar-lhe Como natildeo me responderia No entanto lhe diriacuteamos o nosso Goacutergias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua Eacute fora de duacutevida que a seguir ele me perguntaria Que espeacutecie de bem eacute esse Goacutergias que o diga Ora bem Goacutergias imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor

Goacutergias mdash Que eacute de fato o maior bem Soacutecrates e a causa natildeo apenas de deixar livres os homens em suas proacuteprias pessoas como tambeacutem de tornaacute-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades

Soacutecrates mdash Que queres dizer com isso

Goacutergias mdash O fato de por meio da palavra poder convencer os juiacutezes no tribunal os senadores no conselho e os cidadatildeos nas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

assembleias ou em toda e qualquer reuniatildeo poliacutetica Com semelhante poder faraacutes do meacutedico teu escravo e do pedoacutetriba teu escravo tornando-se manifesto que o tal economista natildeo acumula riqueza para si proacuteprio mas para ti que sabes

Fonte Platatildeo (2005 p 6-7)

A serventia do pensamento retoacuterico e da oratoacuteria tambeacutem varia conforme o repertoacuterio do sujeito que se dispotildee a praticar tal arte Se considerarmos um sujeito de aptidotildees variadas e qualidades profissionais e acadecircmicas bem desenvolvidas a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existecircncia Por outro lado se considerarmos um sujeito que possui restriccedilotildees intelectuais e profissionais natildeo poderemos concluir a mesma coisa Lembremos que natildeo estamos falando de condiccedilotildees sociais nos referimos ao interesse profissional e acadecircmico de cada indiviacuteduo

Por isso a retoacuterica serve a diversos fins dependendo como jaacute disseram os filoacutesofos relativistas gregos do contexto em que estaacute inserida Conforme aponta Protaacutegoras ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo artes distintas que servem conforme a conveniecircncia humana Este modo de pensar eacute atual e estaacute presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e natildeo nos preocupamos com os problemas alheios

Natildeo eacute de hoje a presenccedila da retoacuterica entre noacutes no cotidiano Na Antiguidade observamos argumentaccedilotildees puacuteblicas debates e relaccedilotildees costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitaccedilotildees

No periacuteodo chamado de Idade Meacutedia a retoacuterica foi usada como meacutetodo de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo a tradiccedilatildeo platocircnica em Agostinho e aristoteacutelica em Tomaacutes de Aquino A apropriaccedilatildeo desta arte no pensamento medieval cedeu devido agrave necessidade de impor e apresentar o meio de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados visto que a comunidade estava imersa na visatildeo de mundo do catolicismo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Ao retomarem as ideias platocircnicas os exegetas do periacuteodo chamado primeira Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo IX desenvolveram meacutetodos e sugestotildees de interpretaccedilatildeo fundados na ideia de convencimento alheio Configura-se neste periacuteodo uma grande ecircnfase na retoacuterica argumentativa que quer persuadir o outro sobre uma verdade que estaacute sendo transmitida

Jaacute os seguidores da tradiccedilatildeo aristoteacutelica desenvolveram uma retoacuterica e uma oratoacuteria mais sofisticadas com diferentes gecircneros e estruturas formais Tomaacutes de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teoloacutegico utilizando o princiacutepio da refutaccedilatildeo de provas fundado por Aristoacuteteles bem como seguiu a divisatildeo proposta por Aristoacuteteles

Percebemos neste periacuteodo que a retoacuterica e a oratoacuteria encontram-se submersas em meio a toda a discussatildeo teoloacutegica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregaccedilotildees dentro das igrejas

Este processo comumente chamado de adoccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade remonta ao livro da criaccedilatildeo pois eacute no livro dos Gecircneses 217 que Deus faz uma pregaccedilatildeo ldquoporque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morreraacutesrdquo isso significa que tambeacutem o Criador utilizou de argumentos retoacutericos para explicar a sua criaccedilatildeo para suas criaturas Assim a retoacuterica e a oratoacuteria no periacuteodo chamado de medieval estatildeo embebidas por conteuacutedos religiosos

Verificamos pregaccedilotildees por todo esse periacuteodo desde Agostinho (354-430 dC) ateacute o seacuteculo XV Esse periacuteodo eacute claramente marcado pela eloquecircncia fervor e tentativa de persuasatildeo que resultou na expansatildeo do modelo de religiatildeo por grande parte do mundo conhecido Podemos atribuir a retoacuterica da predicaccedilatildeo a Agostinho e organizaccedilatildeo do Trivium grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade como constituintes da estrutura da retoacuterica Tambeacutem os seguidores de Aristoacuteteles desencadearam classificaccedilotildees e tipificaccedilotildees para os estudos biacuteblicos A principal mudanccedila que esses fizeram foi adaptar o princiacutepio do verossiacutemil transformando de uma possibilidade para uma verdade uacuteltima e dogmas Merece destaque o teoacutelogo Isidoro (560-636) que dividiu a retoacuterica em exoacuterdio narraccedilatildeo argumentaccedilatildeo e por uacuteltimo conclusatildeo Esta divisatildeo didaacutetica da retoacuterica serve para fins de entendimento da interpretaccedilatildeo dos diferentes pensadores sobre o problema da separaccedilatildeo das partes da retoacuterica

Muitos satildeo os autores que nesta eacutepoca configuraram uma retoacuterica cristatilde O que podemos entender eacute que haacute uma imensa variedade de soluccedilotildees para problemas teoloacutegicos apresentados durante a chamada Idade Meacutedia Assim percebemos que a adoccedilatildeo de princiacutepios platocircnico-aristoteacutelicos configurou por volta do seacuteculo XIII a retoacuterica comumente usada nos sermotildees Essa nova oratoacuteria servia muito bem para convencer os coraccedilotildees dos fieacuteis e lhes trazer o conforto

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Oratoacuteria e Retoacuterica

religioso Neste periacuteodo se incluiacuteram faacutebulas ou pequenas histoacuterias durante o sermatildeo para que os fieacuteis geralmente leigos pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva

A funccedilatildeo desta formulaccedilatildeo retoacuterica pode ser resumida em trecircs partes 1) ler o texto 2) discutir o texto e 3) fazer uma pregaccedilatildeo Esta divisatildeo serve ateacute nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica em uma faculdade de Teologia Os sermotildees mais elaborados ocorriam nas universidades medievais mas nas igrejas especialmente nos finais de semana podiacuteamos observar pregaccedilotildees com organizaccedilatildeo e estrutura retoacuterica Um exemplo eacute o estudo biacuteblico em que se pode utilizar deste meacutetodo retoacuterico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto

Neste sentido a retoacuterica claacutessica se expandiu na chamada Idade Meacutedia e configurou um imenso campo de discussatildeo que outrora estava restrito agrave Greacutecia ou a Roma

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos Veja a seguir

1 Transmitir uma mensagem nesta perspectiva a retoacuterica serve aos indiviacuteduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendecirc-las2 Persuadir os interlocutores neste quesito a retoacuterica praticamente natildeo se modificou desde Platatildeo em seu diaacutelogo Goacutergias eacute que se encontra esta definiccedilatildeo

3 Finalidade este aspecto pode ser encontrado em Aristoacuteteles que com sua classificaccedilatildeo entendia que um discurso deve ter um propoacutesito um fim portanto ela serve agravequilo que tivermos como fim

A retoacuterica em nosso meio serve a diversas finalidades mas nem sempre percebemos Quando temos uma enfermidade e consultamos um meacutedico temos que convencecirc-lo atraveacutes de palavras e explicaccedilotildees de que sofremos de uma moleacutestia Caso nossa moleacutestia natildeo seja aparente entatildeo fica ainda mais difiacutecil pois ele precisa acreditar nos argumentos retoacutericos que noacutes propusemos para que continue a consulta e nos traga uma soluccedilatildeo para a moleacutestia

Este exemplo deixa claro como a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo presentes em nosso meio sem ao menos percebermos por isso sua finalidade vai aleacutem da produccedilatildeo e configuraccedilatildeo de discursos argumentos e debates

Se considerarmos a retoacuterica como parte do nosso meio perceberemos a importacircncia do estudo e da dedicaccedilatildeo a tal arte do bem falar proporcionando aos interlocutores e a noacutes maior qualidade e eficaacutecia na transmissatildeo de ideias

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos1 Transmitir uma

mensagem2 Persuadir os interlocutores3 Finalidade

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Se retomarmos o pensamento da retoacuterica claacutessica isto eacute da Antiguidade notaremos que quando organizamos um raciociacutenio conforme aponta Aristoacuteteles estamos organizando tambeacutem nossas proacuteprias ideias visto que em geral noacutes temos ideias desarticuladas e eacute pelo exerciacutecio da retoacuterica que conseguimos contrapor ideias e contribuiacutemos para o meacutetodo dialeacutetico que opotildee verdades Deste modo retirarmos algo provisoacuterio para montarmos nosso raciociacutenio

Sob esta oacutetica precisamos entender o que satildeo silogismos Aristoacuteteles explica que silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo especiacutefico da razatildeo do contraacuterio seratildeo somente ideias desconexas Os raciociacutenios silogiacutesticos antes de qualquer coisa devem versar sobre algum assunto particular distinguindo-se lugares espeacutecies gecircneros e formas Para entendermos isto precisamos saber quais satildeo os gecircneros da retoacuterica segundo Aristoacuteteles Este assunto eacute um dos constituintes mais importantes da arte retoacuterica de modo que os elementos que compotildeem o gecircnero retoacuterico satildeo 1) O orador 2) o assunto 3) o ouvinte Sem estes elementos natildeo se faz a arte retoacuterica portanto o orador deve expor o seu discurso precisa estar atento ao seu assunto e os interlocutores precisam ouvir e por conseguinte saber distinguir as diversas finalidades de um discurso

Caracteriacutesticas da Arte de Falar Bem As caracteriacutesticas para desenvolvermos uma boa retoacuterica e uma boa oratoacuteria

podem ser resumidas em trecircs aspectos fundamentais 1) conteuacutedo do discurso 2) forma do discurso 3) objetivo do discurso

bull No primeiro elemento denominado conteuacutedo do discurso o orador

deve estar atento agrave formulaccedilatildeo retoacuterica dos argumentos Neste sentido o conteuacutedo deve abranger aquilo a que ele se propotildee e expor sem dificuldades e correccedilotildees ou ambiguidades

bull A segunda caracteriacutestica eacute a forma do discurso que deve deixar claro se os argumentos retoacutericos elencados pelo orador satildeo narrativos metafoacutericos paraacutebolas ou explicaccedilotildees cientiacuteficas como silogismos loacutegicos Isto significa que antes de comeccedilarmos um discurso e expor a forma que iremos usar pode ser falada qual eacute a forma ou durante a apresentaccedilatildeo expor esta forma

bull A terceira caracteriacutestica de uma boa formulaccedilatildeo retoacuterica eacute o objetivo de um discurso Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Dito isso seguimos a esteira dos passos iniciais da retoacuterica inaugurada pelos sofistas na Greacutecia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano Eacute no pensamento sofiacutestico que encontramos esboccedilo de gramaacutetica formas de prosa tanto ornada como erudita Segundo esses filoacutesofos natildeo haacute transmissatildeo da possibilidade da verdade em um debate isto eacute completamente contraacuterio ao ideal socraacutetico que sempre estaacute em busca de uma verdade

Esses pensadores desenvolveram caracteriacutesticas que a partir do Kairoacutes tempo oportuno possibilitaram entender que uma discussatildeo sempre estaacute tentando evitar a fuga das coisas ela se agarra agrave oportunidade de uma reacuteplica eis que haacute elementos substanciais para formulaccedilatildeo posterior da retoacuterica aristoteacutelica

Os sofistas constituiacuteram o fundamento da retoacuterica ocidental sob a ideia da controveacutersia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussotildees O mundo desses filoacutesofos sofistas natildeo tem realidade objetiva muito menos verdade para eles a uacutenica coisa viaacutevel eacute o discurso ou seja a retoacuterica Neste sentido dizer que um discurso eacute verdadeiro ou verossiacutemil eacute soacute um artifiacutecio retoacuterico para calar a boca de algueacutem

A retoacuterica inaugurada pelos sofistas natildeo estaacute abaixo do saber seu objetivo eacute o poder em outras palavras os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam ldquoa governar bem suas casas e suas cidadesrdquo (REBOUL 2004 p 10) Isso significa que o que importa eacute servir o poder

Sob esta perspectiva podemos entender que a retoacuterica satisfez agrave necessidade teacutecnica juriacutedica bem como a prova literaacuteria agrave filosofia e ao ensino na Greacutecia antiga Isoacutecrates pensador grego desenvolveu uma retoacuterica que abrange esses aspectos mencionados Em sua longa vida de 99 anos Isoacutecrates (436-338 aC) libertou a retoacuterica da sofiacutestica grega ele contribuiu para desenvolver e ampliar as caracteriacutesticas da arte retoacuterica Apoacutes sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa tendo ele escrito sua proacutepria defesa resolveu publicar o texto intitulado ldquoA trocardquo foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retoacuterica

Seu meacutetodo de ensino partia da reflexatildeo dos alunos com os quais ele sentava e discutia as questotildees corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos Segundo ele natildeo satildeo todas as pessoas que podem praticar a boa oratoacuteria deve haver algumas condiccedilotildees para que o sujeito possa desenvolver esta arte

Para ele eacute necessaacuterio aptidatildeo natural praacutetica constante e ensino sistemaacutetico para que se configure um bom orador Haacute uma clara discordacircncia entre ele e os

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sofistas pois para Isoacutecrates natildeo se pode criar um bom orador apenas se pode aperfeiccediloar algueacutem com aptidatildeo para tal arte De acordo com Reboul Isoacutecrates queria um modelo de retoacuterica ldquosoacutebria clara precisa isenta de termos raros de neologismos de metaacuteforas brilhantes de ritmos marcados mas sutilmente bela e profundamente harmoniosardquo (REBOUL 2004 p 11)

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber Isoacutecrates afirma que a retoacuterica deve seguir uma causa honesta e nobre Para ele as pessoas satildeo livres para bem usar os artifiacutecios retoacutericos mas devemos estar preocupados com a formaccedilatildeo moral e literaacuteria dos oradores para que estes natildeo caiam no acaso logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existecircncia Segundo ele o que nos distingue dos animais eacute a palavra e essa caracteriacutestica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos Neste sentido eacute a liacutengua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar agraves guerras

A retoacuterica eacute um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condiccedilatildeo de linguagem e arguiccedilatildeo persuasiva frente aos seus interlocutores O orador pode falar de virtudes paixotildees e outros assuntos com qualidade e precisatildeo caso saiba estruturar o seu discurso

A razatildeo de ser da retoacuterica que constitui uma das suas principais caracteriacutesticas eacute justamente o fato de ela querer convencer algueacutem logo ela aborda elementos que satildeo comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade O orador deve saber formular silogismos que satildeo raciociacutenios loacutegicos sobre as provas empiacutericas que ele escolher Um bom silogismo deve conter premissas plausiacuteveis sendo que natildeo pode haver confusatildeo entre as partes descritas

Um bom orador estabelece as caracteriacutesticas mais provaacuteveis para um acontecimento seu raciociacutenio sempre considera probabilidades e natildeo descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem Ele deve considerar todas as situaccedilotildees viaacuteveis e por eliminaccedilatildeo e contradiccedilatildeo sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstraacutevel

Para entendermos como se configurou a retoacuterica moderna devemos entender como se deu o processo de assimilaccedilatildeo durante o periacuteodo medieval pois este periacuteodo herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Claacutessica De acordo com Costa (2008)

Diretamente herdeira da Retoacuterica claacutessica a Retoacuterica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de trecircs fontes a Retoacuterica a Herecircnio a Doutrina oratoacuteria (Institutio oratoacuteria de Quintiliano [35-95]) e a tradiccedilatildeo cristatilde (desde Satildeo Jerocircnimo [340-420] ateacute Santo Agostinho [354-430])

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Um dos manuais de Retoacuterica mais estimados na Idade Meacutedia foi a Retoacuterica a Herecircnio (Rethorica ad Herennium) texto entatildeo atribuiacutedo a Ciacutecero (106-43 aC) mas na verdade de autor desconhecido Escrito no seacuteculo I antes de Cristo em meio agrave crise da Repuacuteblica romana o tratado natildeo deixava de destacar as teacutecnicas para se obter a docilidade e a benevolecircncia dos ouvintes ndash como eacute tiacutepico dos toacutepicos da Retoacuterica ndash mas as fundamentava no conceito de justiccedila e especialmente na diferenccedila entre o bem e o mal como se depreende nessa passagemConveacutem que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplaacute-la No debate poliacutetico a utilidade divide-se em duas partes a segura e a honesta [] A mateacuteria honesta divide-se em reto e louvaacutevel Reto eacute o que se faz com virtude e dever Subdivide-se em prudecircncia justiccedila coragem e modeacutestia Prudecircncia eacute a destreza que pode com certo meacutetodo discernir o bem e o mal []Esse soacutelido alicerce eacutetico exposto na Retoacuterica a Herecircnio tem por sua vez raiz em Aristoacuteteles (384-322 aC) Em sua Retoacuterica o Estagirita sustentou as bases filosoacuteficas da virtude da justiccedila do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retoacuterica [] os homens tecircm uma inclinaccedilatildeo natural para a verdade e a maior parte das vezes alcanccedilam-na E por isso ser capaz de discernir sobre o plausiacutevel eacute ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade [] Mas a retoacuterica eacute uacutetil porque a verdade e a justiccedila satildeo por natureza mais fortes que os seus contraacuterios De sorte que se os juiacutezos se natildeo fizerem como conveacutem a verdade e a justiccedila seratildeo necessariamente vencidas pelos seus contraacuterios e isso eacute digno de censura (COSTA 2008 p 31)

Essa assimilaccedilatildeo da retoacuterica no periacuteodo medieval permitiu que ela fosse

adotada para o acircmbito religioso As exegeses e sermotildees comeccedilaram a conter elementos da forma grega de argumentar Depois de algum tempo jaacute havia sistemas estruturados de interpretaccedilatildeo dos textos que permitiam anaacutelises e explicaccedilotildees detalhadas das escrituras sagradas

Um bom argumento deve conter raciociacutenios irrefutaacuteveis pois do contraacuterio natildeo chegaremos a uma conclusatildeo viaacutevel

Entre as caracteriacutesticas da retoacuterica gostariacuteamos de fazer uma pequena distinccedilatildeo entre a funccedilatildeo teoloacutegica e a funccedilatildeo filosoacutefica da retoacuterica Para a filosofia a retoacuterica deve elucidar argumentos filosoacuteficos e o conteuacutedo de seus conceitos permitindo ao puacuteblico e ao estudante desta arte uma compreensatildeo clara e distinta acerca dos problemas da filosofia

Na filosofia a arte da persuasatildeo deve servir agrave elucidaccedilatildeo dos grandes problemas teoacutericos e para exposiccedilatildeo de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais Os primeiros manuais de retoacuterica publicados por Coacuterax e Tiacutesias por volta do seacuteculo V aC formularam os elementos para tais exposiccedilotildees Jaacute Goacutergias (483-380 aC) valorizou o significado da palavra como fundadora pois para este eacute a palavra que comanda um exeacutercito faz um porto ou determina

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

a natureza de um Estado Durante este periacuteodo inuacutemeras caracterizaccedilotildees diferenciaram a retoacuterica mas em geral todas concordam que uma boa retoacuterica proporcionaraacute uma possibilidade de se formar um orador Neste sentido distinguimos a caracteriacutestica da retoacuterica de formular discursos da oratoacuteria que definimos pela arte de se expressar em puacuteblico

Na teologia a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram caracteriacutesticas de eloquecircncia nos sermotildees e nos debates teoloacutegicos Destacamos que os principais motivos desta formulaccedilatildeo remetem agrave tentativa de converter os infieacuteis e produzir uma interpretaccedilatildeo biacuteblica

De modo resumido podemos dizer que os modos de persuasatildeo ajudam os indiviacuteduos em um debate para que estes possam formular pela retoacuterica e expor pela oratoacuteria as suas verdades Se na Idade Meacutedia o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formaccedilatildeo humana na Modernidade percebemos uma pulverizaccedilatildeo destas artes e uma constante divisatildeo que gerou uma teacutecnica distinta do conteuacutedo da retoacuterica

Os significados de Trivium e Quadrivium satildeo respectivamente Os trecircs caminhos que levam ao homem a eloquecircncia 1) gramaacutetica 2) retoacuterica 3) loacutegica Quadrivium Os quatro caminhos para a sabedoria do homem que satildeo 1) aritmeacutetica 2) muacutesica 3) geometria 4) astronomia

Neste sentido se na Antiguidade e na Idade Meacutedia retoacuterica e oratoacuteria se articulavam e completavam-se formando uma aacuterea de saber na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificaccedilatildeo que resultou em uma retoacuterica especiacutefica para profissatildeo

Embora a Retoacuterica de Aristoacuteteles tenha sido pouco lida o fato eacute que a tradiccedilatildeo grega contraacuteria aos sofistas elevou a Retoacuterica agrave categoria de valor Mesmo Platatildeo (c 429-347 aC) tatildeo avesso agrave Retoacuterica em sua Repuacuteblica ideal fez Soacutecrates afirmar que ela para deixar de ser uma adulaccedilatildeo deveria estar a serviccedilo da filosofia da educaccedilatildeo como ldquoarte de guiar a alma por meio de raciociacutenios (Fedro 261a) para se chegar agrave verdade agrave justiccedila e ao bemrdquo Assim desde a filosofia de Platatildeo a verdadeira finalidade da Retoacuterica natildeo deveria ser o ato de agradar aos homens como defendiam os sofistas mas agradar a Deus (Fedro 273e)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Em outras palavras a tradiccedilatildeo claacutessica grega legou aos romanos a noccedilatildeo de que a verdadeira Retoacuterica deveria estar a serviccedilo da eacutetica e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retoacuterico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas accedilotildees com o intuito de infundir a justiccedila nas almas dos cidadatildeos fazendo com que neles reinassem a prudecircncia a moderaccedilatildeo e sobretudo desaparecesse o destempero todas as energias do Estado e do indiviacuteduo deveriam portanto dedicar-se agrave busca do bem natildeo agrave satisfaccedilatildeo dos desejos Esses pressupostos estatildeo muito presentes em Quintiliano afamadiacutessimo professor de Retoacuterica do primeiro seacuteculo de nossa era Ao escrever sua obra-prima em 95 dC a Doutrina oratoacuteria este romano-espanhol de Calahorra natildeo teve qualquer receio em seguir a tradiccedilatildeo de Catatildeo (234-149 aC) e definir em seu Livro XII o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer mas sobretudo um homem bom (ldquovir bonus dicendi peritusrdquo) particularmente por seus costumes Todo esse manancial eacutetico claacutessico que norteou a Retoacuterica foi generosamente sorvido pela tradiccedilatildeo cristatilde especialmente atraveacutes de Satildeo Jerocircnimo (c 340-420) e Santo Agostinho (354-430) que a retransmitiram aos medievais (Jerocircnimo atraveacutes de suas cartas e Agostinho em suas Confissotildees) Isidoro de Sevilha (560-636) por fim fortaleceu a ponte entre os dois mundos e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) agrave Retoacuterica e agrave Dialeacutetica Nele o bispo realizou uma importante compilaccedilatildeo de excertos e circunscreveu a Retoacuterica ao discurso forense sem contudo abandonar seu cariz eacutetico ldquoRetoacuterica eacute a ciecircncia do bem dizer nos assuntos civis com a eloquecircncia proacutepria para persuadir o justo e o bomrdquo Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Meacutedia A partir de entatildeo o estudo da Retoacuterica ficou restrito ao universo monaacutestico ou seja tanto educandos quanto educadores salvo rariacutessimas exceccedilotildees natildeo a colocavam em praacutetica Isso soacute ocorreria a partir do seacuteculo XI quando a Retoacuterica passou a ser utilizada na composiccedilatildeo de cartas e documentos e tornou-se uma epistolografia era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi) E foi dessa eacutepoca a defesa acadecircmica da Retoacuterica feita por Gilberto de la Porreacutee e Joatildeo de Salisbury contra os cornificianos (COSTA 2008 p 32)

Essa fragmentaccedilatildeo da retoacuterica apoacutes o seacuteculo XVII (Idade Moderna) conforme aponta Reboul (2004) Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica praticamente fez desaparecer do meio acadecircmico a disciplina de Retoacuterica Depois da metade do seacuteculo XX a retoacuterica se recuperou gradativamente mas o processo comeccedilou pelo acircmbito do marketing Aos poucos e de fora para dentro o debate sobre a retoacuterica recomeccedilou e em nossos dias jaacute temos algumas instituiccedilotildees de Ensino Superior que retomaram essa disciplina contudo no ensino baacutesico simplesmente se ignora o papel da retoacuterica e da oratoacuteria

Retoacuterica e Oratoacuteria em Nosso MeioPassamos agora a discutir um pouco o problema da retoacuterica em nosso

meio para entendermos que ela natildeo eacute uma coisa distante e sem sentido que foi esquecida por ser sem utilidade Para Duran (2009 p 9)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Trecircs autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retoacuterica e da eloquecircncia no Brasil do seacuteculo XIX Roberto de Oliveira Brandatildeo com seus estudos sobre os manuais de retoacuterica e poeacutetica brasileiros do seacuteculo XIX (1972) Roberto Aciacutezelo de Souza com o livro O Impeacuterio da Eloquecircncia Retoacuterica e Poeacutetica no Brasil Oitocentista (1999) e Eduardo Vieira Martins com a Fonte subterracircnea (2005) Roberto de Oliveira Brandatildeo selecionou os manuais e compecircndios de retoacuterica e poeacutetica publicados ao longo do seacuteculo XIX como seus objetos de estudo Sua preocupaccedilatildeo foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional Em trabalhos posteriores como no texto Os manuais de retoacuterica brasileiros do seacuteculo XIX (1988) o autor apresentou avanccedilos acerca dessa temaacutetica abordando a funccedilatildeo e a permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na educaccedilatildeo nacional Roberto Aciacutezelo de Souza por sua vez estudou a retoacuterica e a poeacutetica por meio dos planos de ensino da segunda metade do seacuteculo XIX no Coleacutegio Pedro II Souza esforccedilou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado tendo em vista algumas oraccedilotildees da eacutepoca e as praacuteticas educativas de entatildeo Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos agrave mudanccedila estrutural da disciplina que em meados de 1830 deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referecircncia e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair A permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura brasileira tambeacutem foi abordada nesta pesquisa a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e Joseacute de Alencar Em seus trabalhos esses trecircs autores referiram-se agrave segunda metade do seacuteculo XIX quando a disciplina jaacute possuiacutea certa uniformidade Entre suas fontes se pode encontrar manuais compecircndios planos de ensino registros de aulas decisotildees e ordens do Estado brasileiro fontes que lhes serviram como referecircncia para localizar a contribuiccedilatildeo que a retoacuterica e a eloquecircncia forneceram agrave educaccedilatildeo Quanto agrave formaccedilatildeo de um discurso brasileiro senatildeo de uma literatura nacional um deles recorreu a um literato da eacutepoca Joseacute de Alencar enquanto os demais mantiveram-se atentos agrave produccedilatildeo de uma literatura didaacutetica ou pedagoacutegica Excetuando a distinccedilatildeo de gecircnero pode-se afirmar que ambas possuiacuteam uma unidade prescritiva de caraacuteter edificante

Neste aspecto pensar a retoacuterica em nossas terras eacute importante para

sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadecircmico se manifestou ficando agrave literatura o papel de preservar sua existecircncia de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio Em alguns lugares do paiacutes foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos

A longevidade da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura local foi garantida por meio dos perioacutedicos cariocas que a partir de 1822 tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em ldquoarrogar no coraccedilatildeo do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo aquela zelosa energia que constituem verdadeiro meacuterito moral e poliacutetico e acrisola decidido patriotismordquo (JORNAL SCIENTIacuteFICO ECONOMICO E LITERAacuteRIO 1826 NUacuteMERO 1 MAIO p 81) Regrada pela retoacuterica a comunicaccedilatildeo dos cariocas do primeiro quartel do seacuteculo XIX modelou uma

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Oratoacuteria e Retoacuterica

eloquecircncia que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular formal e temaacutetico para a invenccedilatildeo de uma literatura nacional e paralelamente de uma identidade brasileira (DURAN 2009 p 9)

Os jesuiacutetas contribuiacuteram de modo muito importante sobre a preservaccedilatildeo e difusatildeo da arte retoacuterica sobretudo no meio religioso Seus textos exegeacuteticos foram fundamentais para que as vertentes de retoacuterica e oratoacuteria se espalhassem no meio literaacuterio brasileiro

Foi publicado em 23 de dezembro de 1770 o Compecircndio histoacuterico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasatildeo dos denominados jesuiacutetas no Palaacutecio Nossa Senhora da Ajuda em Lisboa O opuacutesculo dava notiacutecia de aspectos do meacutetodo de ensino dos jesuiacutetas durante o seacuteculo XVIII nos cursos de Teologia Cacircnones Leis e Medicina da Universidade de Coimbra apresentando as mateacuterias conforme a sucessatildeo das aulas durante a semana Prima Terccedila e Veacutespera eram aulas permanentes que aconteciam respectivamente agraves segundas terccedilas e quartas-feiras certamente muito importantes a julgar pelo maior honoraacuterio pago aos mestres As quintas-feiras eram livres como na Franccedila e os domingos reservados para o descanso e a missa Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades geralmente as sextas-feiras quando se realizava a Noa Nas Catedrilhas Institutas ou Avicena que se seguiam irregularmente durante a semana realizava-se a revisatildeo dos temas jaacute estudados ou a leitura dos textos das proacuteximas aulas de Prima Terccedila ou Veacutespera Dedicadas a rememorar os temas jaacute discutidos tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a mateacuteria e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante O passante era na maioria dos casos um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiecircncia ou ainda um jovem receacutem-formado com as mesmas qualidades Aleacutem do passante havia o lente um tipo de mestre responsaacutevel pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Veacutespera antecedendo a explicaccedilatildeo do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terccedila A relevacircncia dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exerciacutecio contiacutenuo de memorizaccedilatildeo da mateacuteria pois a intenccedilatildeo era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importacircncia fato que num mundo de poucos impressos era um traccedilo distintivo de inteligecircncia Em todas as mateacuterias o estudo era guiado por uma obra de referecircncia impreterivelmente em latim A predominacircncia do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa liacutengua eram considerados os mais importantes e aprofundados Soma-se a isso a crenccedila de que o estudo da obra original das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor tinha maior meacuterito por constituiacuterem um conhecimento puro capaz de sustentar um saber genuiacuteno (DURAN 2009 p 15)

Aleacutem desse caraacuteter de decorar um assunto o ensinamento de um argumento

possibilita aos indiviacuteduos uma capacidade de memorizaccedilatildeo que os distingue dos demais visto que haacute poucos textos escritos nessa eacutepoca e a eloquecircncia com que se elencava um argumento fazia toda a diferenccedila quando se queria convencer algueacutem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Segundo Duran (2009) para alguns pensadores do final do seacuteculo XVIII natildeo era mais possiacutevel seguir sem a disciplina de retoacuterica em nossos bancos escolares e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias

No sistema criado por Verney as mateacuterias Histoacuteria Geografia e Gramaacutetica deveriam ser acompanhadas da Retoacuterica depois disso Grego e mais Histoacuteria deveriam ser as mateacuterias dos anos subsequentes A Retoacuterica alinhavava esses saberes disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniotildees acerca das mateacuterias estudadas [O mestre de Retoacuterica] Logo mandaraacute compor alguma coisa em Portuguecircs comeccedilando por assuntos breves nos trecircs gecircneros de Eloquecircncia Comeccedilaraacute primeiro pelas cartas portuguesas dando somente aos rapazes o argumento delas e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua proacutepria liacutengua e contra a Gramaacutetica E por esta razatildeo eacute supeacuterfluo neste ano ler mais autores portugueses porque esta composiccedilatildeo eacute o melhor estudo que se pode fazer da liacutengua portuguesa Depois passaraacute ao estilo histoacuterico e tiraraacute algum argumento da mesma Histoacuteria que se explica pela manhatilde para que os estudantes a dilatem escrevendo o dito caso mui circunstanciado e variando isto segundo o arbiacutetrio do Mestre ou tambeacutem a descriccedilatildeo de um lugar e de uma pessoa ou coisa semelhante Em terceiro lugar segue-se dar-lhe algum argumento declamatoacuterio mas breve Para facilitar isto o melhor meio eacute este Quando o mestre propotildee algum argumento que se deve provar perguntaraacute ao rapaz que razotildees ele daacute sobre aquele ponto Ouccedila as que ele daacute e ajude-o a produzi-las pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY 1952 p 63) Para Verney o exerciacutecio repetido da comunicaccedilatildeo era propiacutecio para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do disciacutepulo Esse agora natildeo era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala natildeo se destinava somente aos grandes nem deveria seguir os padrotildees de apenas um uacutenico modelo por isso estudariam os discursos deliberativo demonstrativo e judicial e [] quando o estudante tiver bastante notiacutecia dos trecircs gecircneros de Eloquecircncia em tal caso pode empregar-se em compor Latim e isto pelo mesmo meacutetodo que o fez em Vulgar Nesta composiccedilatildeo latina natildeo teraacute dificuldade alguma visto ter vencido todas na composiccedilatildeo portuguesa somente lhe faltaratildeo as palavras latinas e frases particulares da liacutengua ao que deve acudir e suprir o Mestre emendando-as ou sugerindo-as Encomende tambeacutem aos rapazes que leiam muito as oraccedilotildees de Ciacutecero natildeo digo as Verrinas que satildeo enfadonhas e soacute se podem ler salteadas mas as outras mais faacuteceis e breves das quais com facilidade se passa para as outras E esta classe eacute necessaacuterio que frequentem todos os que estudam Latinidade porque sem ela nenhum pode entender e escrever bem Latim e com ela pode saber muita coisa uacutetil para todos os exerciacutecios da vida e principalmente para toda a sorte de estudos (VERNEY 1952 apud DURAN 2009 p 15)

O retorno da retoacuterica aos acircmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indiviacuteduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos fiacutesicos e materiais Com a retomada

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Oratoacuteria e Retoacuterica

da retoacuterica temos tambeacutem o retorno de figuras de linguagem comparaccedilotildees e estruturas mais rebuscadas

Platatildeo e AristoacutetelesSegundo Platatildeo a retoacuterica se caracteriza pela capacidade de persuasatildeo dos

interlocutores essa capacidade nos traz a atualidade do diaacutelogo em Goacutergias de Platatildeo acerca de uma educaccedilatildeo retoacuterica Embora estejamos enfeiticcedilados pela tecnologia quando encontramos algueacutem que sabe se expressar muito bem percebemos quatildeo importante eacute saber falar e organizar as ideias

No diaacutelogo Goacutergias Calicles e Soacutecrates iniciam a discussatildeo sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra e ao incorporarem Querefonte na discussatildeo Calicles propotildee ouvirmos o que Goacutergias pensa sobre o ato de dialogar Neste sentido Soacutecrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar Goacutergias se dispotildee a responder todas as perguntas gabando-se de que ningueacutem havia o pego desprevenido

Em determinado momento do diaacutelogo Soacutecrates inquire Goacutergias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequecircncias desta pois para Soacutecrates existe uma diferenccedila entre oratoacuteria e diaacutelogo sendo a oratoacuteria instrumento dos falaciosos Segundo Goacutergias ldquome prezo de serrdquo um bom orador (PLATAtildeO 1970 p 52) Ao se considerar como tal Goacutergias assume que eacute capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo Na sequecircncia do diaacutelogo Soacutecrates pede para que Goacutergias exponha sua arte de maneira clara e concisa Goacutergias concorda em expor esta oratoacuteria de que tanto se fala e compara concordando com Soacutecrates com a tecelagem e a muacutesica

Ao responder a Soacutecrates Goacutergias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes por exemplo a medicina pois a oratoacuteria natildeo trata de todas as palavras Segundo Goacutergias seguindo Soacutecrates a oratoacuteria capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem E aparece assim a primeira contradiccedilatildeo de Goacutergias que dissera haacute pouco no diaacutelogo com Soacutecrates que a oratoacuteria natildeo tem nada a ver com a medicina mas agora quando Soacutecrates reformula a questatildeo Goacutergias concorda que a medicina reflete sobre

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

as doenccedilas e por conseguinte usa a palavra Ao falarmos de moleacutestias segundo Soacutecrates utilizamos palavras tambeacutem faz uso de palavras a ginaacutestica que se refere ao corpo logo concluiacutemos que seguindo o raciociacutenio socraacutetico todas as demais artes utilizam palavras para se expressar e surge a principal questatildeo ateacute o momento ldquopor que natildeo dar o nome de oratoacuteria agraves demais artesrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54) A resposta de Goacutergias eacute que as demais artes trabalham com as matildeos enquanto a oratoacuteria eacute a arte da palavra isto eacute ldquosua atividade e operaccedilatildeo se realizam todas por meio de palavrasrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54)

Na sequecircncia do diaacutelogo a discussatildeo se encaminha para artes que usam as palavras sendo que a oratoacuteria natildeo abarca estas atividades Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmeacutetica que usam termos palavras e sinais na escrita mas em nenhum momento se expressam sendo que a estas tambeacutem natildeo chamamos de oratoacuteria logo a oratoacuteria eacute a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras

Devemos questionar agora se a oratoacuteria possui realmente este poder de persuasatildeo defendido por Platatildeo na obra que estamos utilizando para aplicar o debate Para Goacutergias a palavra eacute uma das formas que pode congregar cidadatildeos e colocar todos os demais que natildeo dominam esta arte sob seus peacutes Eacute a arte retoacuterica do uso das palavras que pode convencer as massas ldquoCom ecircnfase exalta Goacutergias a sua arte Na apologia Soacutecrates conta como saiacutera a interrogar os homens que passavam por saacutebios poliacuteticos poetas artiacutefices cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientiacutessimo nos demais domiacuteniosrdquo (PLATAtildeO 1970 p 59) Aqui a palavra massa natildeo tem nenhuma referecircncia moderna Eacute uma referecircncia agrave assembleia grega

Neste sentido a retoacuterica eacute um modo de persuasatildeo que cria convicccedilotildees nos interlocutores Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasatildeo A persuasatildeo que eacute uma consequecircncia da oratoacuteria eacute o convencimento por meio de bons argumentos retoacutericos e o bom uso da oratoacuteria No diaacutelogo Soacutecrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim e mais se a arte pode produzir uma persuasatildeo parecida ou igual agrave da retoacuterica Antes de continuar esta reflexatildeo sobre a persuasatildeo precisamos explicar que existe uma diferenccedila entre persuasatildeo didaacutetica e persuasatildeo pateacutetica A didaacutetica se refere ao convencimento do intelecto enquanto a pateacutetica indica um convencimento mediante as emoccedilotildees

Seguindo a linha de raciociacutenio de Soacutecrates no diaacutelogo com Goacutergias entendemos que outras artes tambeacutem produzem o convencimento cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retoacuterica produz Para responder a isso Goacutergias diz que a persuasatildeo produzida pela oratoacuteria eacute aquela que se refere ao justo e ao injusto

Percebemos que a oratoacuteria referida por Goacutergias eacute aquela juriacutedica e que estaacute restrita aos tribunais Soacutecrates distingue dois tipos de persuasatildeo 1) a crenccedila sem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

o saber e 2) a ciecircncia logo conclui-se que o orador fala da crenccedila e natildeo da ciecircncia visto que no tribunal ele natildeo expotildee o que eacute justo e injusto simplesmente quer convencer os interlocutores

Neste sentido devemos indagar assim como Soacutecrates indagou Goacutergias que proveito haacute em estudar esta arte retoacuterica A resposta a esta pergunta eacute a seguinte quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente procuramos um profissional meacutedico quando queremos falar bem procuramos um especialista em oratoacuteria Assim quem aprende uma habilidade como esta ou seja a arte retoacuterica estaacute habilitado a discutir com qualquer pessoa pois domina os conceitos Deste modo cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis

Ateacute agora a exposiccedilatildeo da arte retoacuterica e o modelo de oratoacuteria em Platatildeo situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso de modo a permitir que o estudante entenda a retoacuterica como uma forma de construccedilatildeo de argumentos e a retoacuterica como um modo de persuasatildeo dos interlocutores O diaacutelogo platocircnico Goacutergias trouxe a discussatildeo para o patamar da escolha individual de cada indiviacuteduo assim eacute o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo

Seguindo o diaacutelogo platocircnico Soacutecrates retoma a questatildeo que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador Nesta perspectiva Goacutergias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posiccedilatildeo O diaacutelogo se inclina agora para a discussatildeo da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquecircncia de um orador Neste aspecto Soacutecrates pede a Goacutergias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratoacuteria Goacutergias concorda seguindo em tudo o que Soacutecrates diz a respeito do conhecimento de um orador Concluindo este raciociacutenio Soacutecrates e Goacutergias concordam que a oratoacuteria eacute um tipo de arte injusta

No pensamento platocircnico o debate acerca da retoacuterica e da oratoacuteria remete ao diaacutelogo Goacutergias apontando na direccedilatildeo esteacutetica e literaacuteria ldquoNascido por volta do ano 485 aC Goacutergias viveu 109 anos sobrevivendo pois a Soacutecrates Tambeacutem siciliano e disciacutepulo de Empeacutedocles em 427 aC foi para Atenas numa embaixada diz-se que ali sua eloquecircncia encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltariardquo (REBOUL 2004 p 4) Percebemos aqui como a arte retoacuterica ganhou forccedila a partir dos textos e argumentaccedilotildees neste periacuteodo citado Ateacute entatildeo na Greacutecia literatura e poesia eram consideradas idecircnticas Por sua vez a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Goacutergias criou o discurso epidictieo que significa um elogio puacuteblico tambeacutem desenvolveu uma prosa eloquente que com suas rimas metaacuteforas e periacutefrases formula um modelo que captura os espectadores Citamos um exemplo de tamanha eloquecircncia o Elogio de Helena que era uma mulher perfeita bela esposa de Menelau que permitiu ser capturada por Paacuteris lanccedilando os gregos em uma guerra de uma deacutecada Goacutergias expotildee a beleza de Helena em um discurso proferido ao puacuteblico na eacutepoca da guerra no texto Goacutergias daacute as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada Dentre elas destacamos algumas foi um decreto dos deuses ou foi o destino teria ela sido levada agrave forccedila Ou convencida por belas palavras E ainda o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos

Para Goacutergias Helena foi convencida pela arguiccedilatildeo de um belo discurso e como tal natildeo eacute culpada Goacutergias defende Helena como pretexto para defender a retoacuterica ldquoO discurso eacute um tirano poderosiacutessimo esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisiacutevel alccedila agrave plenitude as obras divinas porque a palavra pode pocircr fim ao medo disse para a tristeza estimular a alegria aumentar a piedade (GOacuteRGIAS apud REBOUL 2004 p 5)

Para Goacutergias Helena eacute inocente pois ela natildeo pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos logo para Goacutergias a argumentaccedilatildeo sofiacutestica de que um ato involuntaacuterio natildeo implica em culpa Assim a arte retoacuterica expressa na oratoacuteria de Goacutergias passou a ser chamada de sofista

Eis aiacute um dos momentos marcantes da retoacuterica antiga pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquecircncia e sua arte de convencimento Inaugura-se neste periacuteodo um modo de educaccedilatildeo intelectual profundo que natildeo tem a ver com uma profissatildeo ou religiatildeo pois era o conhecimento pelo conhecimento em outras palavras Goacutergias deu agrave retoacuterica a capacidade de falar do belo

Aleacutem do debate entre Platatildeo e Goacutergias protagonizado por Soacutecrates e seus interlocutores temos outros preacute-socraacuteticos que desenvolveram a retoacuterica como a arte de argumentar Destacamos a figura de Protaacutegoras de Abdera (486-410 aC) como um destes representantes que aleacutem de defender o agnosticismo formulou a famosa maacutexima retoacuterica em relaccedilatildeo agrave moral ldquoo homem eacute a medida de todas as coisas das que satildeo enquanto satildeo e das que natildeo satildeo enquanto natildeo satildeordquo No que se refere aos seres sagrados ou deuses Protaacutegoras formulou ldquoquanto aos deuses natildeo estou em condiccedilatildeo de saber se existem ou natildeo existem nem mesmo o que satildeordquo (REBOUL 2004 p 7) Este pensamento retoacuterico lhe custou a pena de morte mas como tinha medo da morte fugiu

Quanto agrave oratoacuteria e agrave retoacuterica a principal preocupaccedilatildeo de Protaacutegoras era com os substantivos suas formas e variaccedilotildees Tambeacutem desenvolveu uma nova gramaacutetica e fundou a eriacutestica que significa a contraposiccedilatildeo de ideias resultando tempos depois na dialeacutetica Por eacuteris Protaacutegoras entendeu que uma boa discussatildeo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

deve conter ideias contraditoacuterias visto que em grego a palavra eriacutestica vem de eacuteris que significa controversa Desta maneira segundo Protaacutegoras qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando eis que esta eacute a condiccedilatildeo da teacutecnica eriacutestica ou seja os modos e formas para vencer um debate A discussatildeo e a controveacutersia mediante o uso da retoacuterica e da oratoacuteria eacute que conferem a condiccedilatildeo de um debate

Estas caracteriacutesticas que elencamos ateacute agora representam a propedecircutica ou preparaccedilatildeo para iniciar a discussatildeo acerca do fundamento da retoacuterica e da oratoacuteria Em Aristoacuteteles a retoacuterica se configura em diaacutelogo com a dialeacutetica Neste sentido ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado

No pensamento retoacuterico aristoteacutelico haacute uma distinccedilatildeo entre saber como arte e conhecimento como ciecircncia No desenvolvimento da retoacuterica desde Aristoacuteteles ateacute nossos dias ocorreu uma transformaccedilatildeo desta que passou da arte persuasiva para uma hermenecircutica interpretativa

Retomamos o cuidado com o significado da retoacuterica e da oratoacuteria em nossos tempos Em Aristoacuteteles a retoacuterica natildeo eacute simplesmente persuadir ou convencer os outros ela eacute tambeacutem fruto da experiecircncia de vaacuterios oradores que desenvolvem teacutecnicas para melhorar e exercitar esta arte A tradiccedilatildeo grega desde Homero sempre se preocupou em formular bons argumentos retoacutericos e excelentes oradores assim aleacutem de agir heroicamente as personagens gregas deviam falar bem

Inuacutemeros satildeo os exemplos na histoacuteria grega que relatam estes acontecimentos Todo o processo de transformaccedilatildeo da oratoacuteria grega passa basicamente por Platatildeo Isoacutecrates e Aristoacuteteles chegando agraves legiotildees romanas atraveacutes de Ciacutecero que com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano imortalizou a retoacuterica no meio latino De acordo com Lausberg (1960) nunca houve um sistema retoacuterico claacutessico isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indiviacuteduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retoacuterica e da oratoacuteria

Para explicarmos de maneira resumida as definiccedilotildees de retoacuterica elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento mas todas essas definiccedilotildees concordam em um ponto a retoacuterica possui fins persuasivos

a) A definiccedilatildeo de Coacuterax Tisias Goacutergias Platatildeo segundo estes a retoacuterica eacute geradora de persuasatildeo

b) Aristoacuteteles eacute capaz de descobrir as formas de persuasatildeo sobre um assunto

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) Hermaacutegoras eacute a forma de bem falar no que tange aos assuntos puacuteblicos

d) Quintiliano retoacutericos estoicos que significa a ciecircncia de falar bem

Essas definiccedilotildees partem do princiacutepio de que retoacuterica eacute um corpo de conhecimento ou meacutetodo para se expressar bem assim como pensamos a retoacuterica devemos levar em conta os seus usos No que tange agrave finalidade de um discurso natildeo haacute muita diferenccedila entre o acircmbito teoacuterico e praacutetico da eloquecircncia

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo caminham juntas

Passamos agora ao entendimento de retoacuterica segundo Aristoacuteteles que escreveu em seu livro Retoacuterica sobre os fins persuasivos desta arte e no livro Poeacutetica defende a evocaccedilatildeo imaginaacuteria para discursos poeacuteticos e literaacuterios Faz assim uma distinccedilatildeo fundamental entre o caraacuteter retoacuterico e o poeacutetico

Percebemos aqui uma severa criacutetica de Aristoacuteteles para os seus antecessores que mantinham unidas dimensotildees tatildeo distintas A novidade apresentada por Aristoacuteteles eacute a presenccedila do argumento loacutegico logo haacute uma relaccedilatildeo entre prova raciociacutenio silogismo e argumentaccedilatildeo persuasiva Este meacutetodo serve tanto agraves ciecircncias empiacutericas quanto agrave filosofia e aleacutem disso pode ser usado tambeacutem para interpretar textos

Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em sete partes 1) A distinccedilatildeo de duas categorias formais de persuasatildeo provas teacutecnicas e natildeo teacutecnicas 2) Identificaccedilatildeo de trecircs meios de prova [] a loacutegica do assunto o caraacuteter do orador e a emoccedilatildeo dos ouvintes 3) A distinccedilatildeo de trecircs espeacutecies de retoacuterica judicial deliberativa e epidiacutectica 4) A formulaccedilatildeo de duas categorias retoacutericas entimema prova dedutiva o exemplo usado na argumentaccedilatildeo indutiva [] 5) A concepccedilatildeo e o uso de vaacuterias categorias de toacutepicos na construccedilatildeo dos argumentos toacutepicos de cada gecircnero de discurso toacutepicos aplicaacuteveis a todos os gecircneros e toacutepicos de estrateacutegias de argumentaccedilatildeo 6) concepccedilatildeo de normas baacutesicas de estilo e composiccedilatildeo nomeadamente de clareza agrave compreensatildeo de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicaccedilatildeo do papel da metaacutefora 7) a classificaccedilatildeo e ordenaccedilatildeo das vaacuterias partes do discurso (ARISTOacuteTELES 2005 p 35)

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas

de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se

distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo

e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo

caminham juntas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A classificaccedilatildeo proposta por Aristoacuteteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades

A sistematizaccedilatildeo de regras do discurso observando ao mesmo tempo as interaccedilotildees necessaacuterias aos trecircs elementos envolvidos o orador o ouvinte e o objeto do discurso teve por finalidade dar consistecircncia a essa teacutecnica inserindo-a no campo das artes Esse era sem duacutevida o objetivo de Aristoacuteteles no seu tratado sobre a arte retoacuterica e a arte poeacutetica retirar das sombras essa parte da dialeacutetica ndash como o autor considerava a retoacuterica ndash neutralizando de certo modo algumas acusaccedilotildees como as de Platatildeo sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA 2012 p 7)

Se quisermos falar a um puacuteblico ou a um grupo seleto de pessoas devemos escolher o meacutetodo apropriado e o estilo conforme a classificaccedilatildeo aristoteacutelica indica Para o pensador grego retoacuterica e oratoacuteria se complementam mas satildeo distintas enquanto sua finalidade pois a retoacuterica serve para a boa formulaccedilatildeo de raciociacutenio e a oratoacuteria possui uma finalidade literaacuteria que implica na beleza do discurso

Atividades de Estudos

1) Leia o texto indicado a seguir e responda agraves questotildees

Artigo Retoacuterica e nova retoacuterica a tradiccedilatildeo grega e a teoria da argumentaccedilatildeo de Chaim Perelman Disponiacutevel em lthttpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfilesanexos25334-25336-1-PBpdfgt

a) O que eacute retoacuterica ____________________________________________________

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b) Para que serve a retoacuterica ____________________________________________________

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) O que eacute oratoacuteria ____________________________________________________

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d) Para que serve a oratoacuteria ____________________________________________________

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O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma caracteriacutestica humana que diferencia

pessoas de qualidade daquelas com outras aptidotildees A retoacuterica e a oratoacuteria ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem e por isso merecem a nossa atenccedilatildeo

Ao falar temos diferentes opccedilotildees para nos expressarmos podemos optar pelo cinismo pelo relativismo pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmaacutetica A escolha que fizermos implicaraacute em um modo de exposiccedilatildeo dos argumentos e justificaccedilatildeo das ideias e consequentemente em implicaccedilotildees morais

Conforme jaacute apontamos a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo possuem necessariamente um compromisso com a verdade pois satildeo uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem A transmissatildeo de uma mensagem atraveacutes de argumentos ou pela exposiccedilatildeo loacutegica de ideias pode levar em conta uma verdade por exemplo como ocorre com Platatildeo que tem em vista uma verdade uacuteltima que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias Por outro lado falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referecircncia agrave verdade conforme aponta Protaacutegoras Para este filoacutesofo grego a verdade eacute inatingiacutevel e por isso natildeo existe nada a ser transmitido neste sentido o que haacute eacute a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos

A verdade e a retoacuterica natildeo andam juntas o tempo todo agraves vezes elas se aproximam e agraves vezes elas se distanciam Neste sentido somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam

No acircmbito cotidiano a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante relaccedilatildeo com a verdade mas geralmente passam desapercebidas Quando estamos no trabalho

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ou em um conviacutevio social de lazer somos inquiridos e formulamos respostas nem percebemos que este exerciacutecio eacute o mesmo que em pequena escala um modo de fazer retoacuterica e oratoacuteria Por exemplo vocecirc quer convencer seu chefe de que um projeto seu eacute bom para a empresa vocecirc usaraacute argumentos retoacutericos e a forma como os apresentar seraacute a sua oratoacuteria

Eacute Aristoacuteteles quem define a retoacuterica com mais modeacutestia do que Platatildeo e os sofistas reabilitando assim uma visatildeo sistemaacutetica que se incorpora no mundo Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em quatro partes a primeira parte chamou de invenccedilatildeo a segunda denominou de disposiccedilatildeo agrave terceira parte deu o nome de elocuccedilatildeo e agrave quarta denominou de accedilatildeo Esta divisatildeo permaneceu vaacutelida ateacute nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes

bull A invenccedilatildeo do grego se chama de heureacutesis eacute o modo como o orador articula a persuasatildeo como o tema do discurso aspectos satildeo os meios de persuasatildeo presentes no tema que iratildeo contribuir para a organizaccedilatildeo do discurso

bull A disposiccedilatildeo em grego taxis eacute o modo como se organizam estes argumentos ou o plano interno do discurso Nesta parte haacute uma necessidade de organizaccedilatildeo para que possamos perceber a sequecircncia dos argumentos

bull A elocuccedilatildeo do grego lexiseacute o estilo do discurso Posteriormente alguns autores chamaram estas formas de expressatildeo de um discurso de figuras de estilo

bull Por fim a accedilatildeo do grego hypocrisis eacute a expressatildeo do discurso pela voz com gestos ou miacutemicas Lembramos que no periacuteodo romano acresceu-se a memoacuteria

Para o indiviacuteduo que deseja formular um bom discurso de retoacuterica e oratoacuteria lembramos que caso negligencie um destes elementos sua retoacuterica e oratoacuteria seraacute inaudiacutevel mal escrita ou vazia No cotidiano chamamos isso de opiniotildees de senso comum que satildeo desarticuladas e sem sentido

Quando falamos em verdade e retoacuterica devemos lembrar que para Aristoacuteteles a retoacuterica eacute parecida ou ao menos comparada com a dialeacutetica Usamos a definiccedilatildeo de dialeacutetica expressa no coro grego que canta uma estrofe e na sequecircncia ouve a antiacutestrofe (ARISTOacuteTELES 2005 p 36)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Eacute na contraposiccedilatildeo de verdades que a retoacuterica adquire sua utilidade segundo Aristoacuteteles A utilidade da retoacuterica se daacute justamente por causa da sua capacidade argumentativa Por isso um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate visto que temos que considerar as evidecircncias e os meios de persuasatildeo Para determinar a natureza da retoacuterica Aristoacuteteles afirma

[] a retoacuterica eacute a outra face da dialeacutetica pois ambas se ocupam de questotildees mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e natildeo correspondem a nenhuma ciecircncia em particular De fato todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento defender-se ou acusar (ARISTOacuteTELES 2005 p 89)

Assim as pessoas praticam a retoacuterica com o resultado do haacutebito no cotidiano

sem se dar conta do oacutebvio

Queremos esclarecer que aqui falamos da retoacuterica e da oratoacuteria como um meacutetodo para elaboraccedilatildeo estruturaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos mas algo que valorize a experiecircncia praacutetica do indiviacuteduo Segundo Aristoacuteteles

[] os que ateacute hoje compuseram tratados de retoacuterica ocuparam-se apenas de uma parte desta arte pois soacute os argumentos retoacutericos satildeo proacuteprios dela e todo o resto eacute acessoacuterio Eles poreacutem nada dizem dos entimemas que satildeo afinal o corpo da prova antes dedicam maior parte de seus tratados a questotildees exteriores ao assunto porque o ataque verbal a compaixatildeo a ira e outras paixotildees da alma semelhantes a estas natildeo afetam o assunto mas sim o juiz (ARISTOacuteTELES 2005 p 90)

Ao expor esta dificuldade Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para a necessidade

de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para por intermeacutedio da retoacuterica esclarecer os problemas de argumentaccedilatildeo retoacuterica pois verdade e justiccedila satildeo mais fortes que seus opostos

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protaacutegoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retoacuterica a um patamar superior queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retoacuterica e a oratoacuteria no seu cotidiano a saber devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou eacute mais pertinente a beleza de um discurso

Evidentemente que Aristoacuteteles responderia que devemos utilizar a retoacuterica em consonacircncia com a dialeacutetica para evitarmos a postura relativista Na praacutetica esta escolha metodoloacutegica implica que os indiviacuteduos devem conhecer aleacutem da estrutura gramatical e loacutegica de um argumento a finalidade o conteuacutedo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratoacuteria condizente

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo pretendemos esclarecer que dependendo da escolha que fizermos o bem falar e o bem argumentar teratildeo implicaccedilotildees que precisam ser conhecidas Se optarmos pela forma em detrimento do conteuacutedo de um argumento colocaremos em risco a transmissatildeo da verdade Por outro lado se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma teremos dificuldades em ser ouvidos devido agrave robustez e falta de polimento de uma argumentaccedilatildeo Eacute por isso que Aristoacuteteles ao dividir e organizar a retoacuterica defende um equiliacutebrio entre as partes pois sem este equiliacutebrio estaremos em algum exagero

Eacute sabido que no mundo contemporacircneo ocorrem diversos exageros no que se refere agrave retoacuterica e oratoacuteria praticadas em diferentes acircmbitos da sociedade Citamos como exemplo os poliacuteticos que utilizam vaacuterios tipos de sofismas argumentos falsos para poder convencer seus eleitores e posteriormente uma vez eleitos esquecer e ateacute desmentir o que prometeram Se pensarmos esta realidade no meio grego especialmente no periacuteodo de Aristoacuteteles teriacuteamos seacuterias dificuldades em considerar plausiacutevel tal atitude

De acordo com Aristoacuteteles argumentar persuasivamente eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para que os indiviacuteduos possam fazer bom uso da arte retoacuterica e por conseguinte se evite a imoralidade Devemos estar atentos para que ningueacutem argumente contra a justiccedila pois se algueacutem o fizer devemos estar atentos para refutar o indiviacuteduo Satildeo entimemas ou seja silogismos que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contraacuterios para permitir o bom uso da retoacuterica para Aristoacuteteles

Eacute neste ponto ou seja na contraposiccedilatildeo de ideias que retoacuterica e dialeacutetica se aproximam A retoacuterica eacute uacutetil aos indiviacuteduos porque permite esclarecer quais satildeo os meios de persuasatildeo utilizados em uma disputa logo a retoacuterica eacute a forma de descobrir o que eacute adequado para se persuadir em uma determinada situaccedilatildeo

Platatildeo tambeacutem se preocupou em demasia com a necessidade de uma definiccedilatildeo acabada do que viria a ser a retoacuterica e natildeo a encontrando clara (a natildeo ser pela sua associaccedilatildeo com a persuasatildeo) alimentou alguns preconceitos Em Aristoacuteteles por outro lado nota-se maior preocupaccedilatildeo em demarcar os limites e o alcance da arte retoacuterica na obra que leva esse mesmo nome ao estabelecer as bases para o uso e a compreensatildeo dessa arte Associando a retoacuterica a um saber praacutetico ou teacutecnica que se diferenciaria de muitas ciecircncias e mesmo de outras artes por natildeo se concentrar em algum objeto em si Aristoacuteteles

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

disse que a retoacuterica seria ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeo [] descobrir o que eacute proacuteprio para persuadir Por isso [] ela natildeo aplica suas regras a um gecircnero proacuteprio e determinadordquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 33) Para esse autor a retoacuterica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do puacuteblico (o uso das metaacuteforas por exemplo foi tratado formalmente nessa obra) Apontando para todo esse conjunto de regras explicitamente Aristoacuteteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em trecircs gecircneros o deliberativo o demonstrativo e o judiciaacuterio os quais teriam finalidades diferentes Assim sendo seriam variados os tipos de argumentos vaacutelidos para a conversaccedilatildeo e tambeacutem as reaccedilotildees esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes Nessa claacutessica obra de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica o autor apresentou uma longa discussatildeo destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese as ocasiotildees e os objetos que deveriam ser reunidos a forma de apresentaacute-los ao puacuteblico etc (VIEIRA 2012 p 6)

Nisto a retoacuterica difere das demais artes pois ela abrange todas as demais no que tange agrave instruccedilatildeo e agrave persuasatildeo Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasatildeo proacuteprias da retoacuterica Algumas estatildeo no caraacuteter do orador outras no ouvinte e por uacuteltimo temos aquelas presentes nos discursos Eacute importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasatildeo

bull A persuasatildeo pelo caraacuteter ocorre quando o orador eacute digno de feacute Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais Esse meio eacute o modo mais importante de persuasatildeo faz com que os indiviacuteduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito

bull Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido agrave emoccedilatildeo que sentem durante o mesmo Neste aspecto quando estamos sob efeito de emoccedilotildees temos mais facilidade em acreditar especialmente se o orador explorar as paixotildees do puacuteblico

bull Por uacuteltimo precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteuacutedo do discurso pois aquilo que estaacute sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos Parece que a retoacuterica eacute um ramo da dialeacutetica e que desaacutegua na poliacutetica entendendo esta uacuteltima como a busca pelo bem da polis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Para Aristoacuteteles ldquo[] a retoacuterica eacute uma parte da dialeacutetica e a ela se assemelha como dizemos no princiacutepio pois nenhuma das duas eacute ciecircncia de definiccedilatildeo de um assunto especiacutefico mas mera faculdade de proporcionar razotildees para os argumentosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 97)

Segundo Aristoacuteteles estruturar um argumento leva em conta a retoacuterica

porque eacute atraveacutes dela que se constituiraacute uma argumentaccedilatildeo detalhada e se faraacute o exame das provas Aristoacuteteles inaugurou um modelo de verificaccedilatildeo de argumento que vigorou na histoacuteria da filosofia ateacute o pensamento moderno Somente com Immanuel Kant eacute que se distinguiu prova de demonstraccedilatildeo Desde entatildeo sabemos que prova eacute algo rigoroso quando estamos argumentando enquanto que demonstraccedilatildeo eacute algo mais racional e sem verificaccedilatildeo empiacuterica

A retoacuterica eacute a ciecircncia da construccedilatildeo de bons argumentos enquanto a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo destes Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e natildeo somente em demonstraccedilotildees loacutegicas Mesmo sendo difiacutecil distinguirmos uma prova de uma demonstraccedilatildeo precisamos nos esforccedilar para que formulemos uma argumentaccedilatildeo convincente

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retoacuterica filosoacutefica um argumento deve ser curto e claro isto eacute deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenocircmenos possiacuteveis sem ambiguidades No acircmbito da linguagem humana expressar tais ideias nem sempre eacute faacutecil pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades

A tarefa de um bom orador eacute proporcionar uma clareza em sua exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere Ele pode fazer uso de ambiguidades mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos Assim se em Platatildeo convencer com bons argumentos era o objetivo da retoacuterica para os sofistas todo o resto acerca da verdade natildeo importa por isso devemos convencer a todo custo

Enquanto isso a retoacuterica em Aristoacuteteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificaccedilatildeo para uso dos acadecircmicos Jaacute em Roma os oradores como Secircneca por exemplo se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam

No processo de assimilaccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade notamos que Agostinho e posteriormente Tomaacutes de Aquino desenvolveram a exegese e a interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo as orientaccedilotildees das propostas da retoacuterica platocircnica e aristoteacutelica respectivamente

Apoacutes desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por um periacuteodo de dificuldades no iniacutecio da Modernidade e ganharam ares profissionais ficando em segundo plano

A tarefa de um bom orador eacute

proporcionar uma clareza em sua

exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retoacuterica precisamos retomar as propostas da Antiguidade visto que no seacuteculo XX a retoacuterica quase desapareceu do acircmbito do debate acadecircmico

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retoacuterica e oratoacuteria para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto

bull Primeiro entre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos e os sofistas a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram um caraacuteter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendecirc-las sem distinccedilatildeo exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas

bull Segundo para Platatildeo e Aristoacuteteles a retoacuterica e a oratoacuteria possuem caracteriacutesticas que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa praacutetica da justiccedila

bull Terceiro a retoacuterica e a oratoacuteria medieval possuem particularidades que natildeo podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium logo os autores deste periacuteodo utilizaram de modo genuiacuteno os elementos propostos por Platatildeo e Aristoacuteteles para fazer suas reflexotildees religiosas bem como para estruturar suas doutrinas

bull Quarto a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por periacuteodos de esquecimento na Modernidade ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influecircncia do marketing nos EUA apoacutes os anos de 1950

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didaacutetico para o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retoacutericas que encontramos no mundo contemporacircneo

Algumas ConsideraccedilotildeesEste capiacutetulo abordou a histoacuteria da retoacuterica e da oratoacuteria para distinguir

algumas caracteriacutesticas Deste modo argumentar bem natildeo significa enganar o interlocutor eacute antes de tudo saber escolher a estrateacutegia adequada como nos ensinam Platatildeo Soacutecrates Aristoacuteteles e os outros autores referidos no texto

Por isso cabe a vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher quais os

caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponiacuteveis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Arte Poeacutetica e Arte Retoacuterica Rio de Janeiro Ediouro 2005

COSTA R A Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia a Retoacuterica Nova (1301) de Ramon Llull Notandum ESDC Porto 2008

DURAN M R da C Retoacuterica e eloquecircncia no Rio de Janeiro 1759-1834 Franca UNESP 2009

LAUSBERG H Handbuch der literarischen Rhetorik Muumlnchen Max Huumlber 1960

MOSCA L L S Retoacutericas de Ontem e de Hoje Velhas e novas retoacutericas convergecircncias e desdobramentos Satildeo Paulo Humanitas FFLCHUSP 2001

PLATAtildeO Goacutergias ou a Retoacuterica Satildeo Paulo Difel 1970

PLATAtildeO Fedro Trad Carlos Alberto Nunes Beleacutem EDUFPA 2005

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

VIEIRA J G S A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso Curitiba 2012

WESTON A A arte de argumentar Lisboa Gradiva 1996

CAPIacuteTULO 2

A Retoacuterica e a Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apresentar as formas de se expressar

Conhecer os modos de formulaccedilatildeo de um argumento estrutura e modelo

Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos

Averiguar as diferentes formas de convencimento e construccedilatildeo de discursos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo destacamos a formulaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um argumento

Partimos da noccedilatildeo e conceituaccedilatildeo grega pois retoacuterica e oratoacuteria natildeo nasceram na modernidade e nos colocamos no caminho dos grandes saacutebios e pensadores que refletiram sobre o problema Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos

O Que eacute Argumentar BemA retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons

argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formaccedilatildeo dos modos de falar para tanto deve conhecer um pouco a formaccedilatildeo histoacuterica da retoacuterica no Ocidente Diferentemente do que muitos podem pensar a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo satildeo jovens e natildeo comeccedilaram ontem haacute um longo caminho para chegarmos agraves formas atuais de exposiccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos

Consideremos a possibilidade de construir uma retoacuterica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar O conhecimento da retoacuterica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre este tema de extrema importacircncia

A retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer

esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos

expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada

parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

A FORMACcedilAtildeO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETOacuteRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE ACcedilAtildeO NO PRINCIPADO

[] a retoacuterica soacute apareceu em Roma em sua forma latina por volta do seacuteculo I aC A primeira escola de retoacutericos latinos foi aberta em 93 aC por L Ploacutecio Galo um cliente de Caio Maacuterio sendo fechada no ano seguinte pelos cocircnsules Cneu Domiacutecio Ahenobarbo e Luacutecio Liciacutenio Crasso por ser considerada uma transgressatildeo aos costumes ancestrais Essa primeira iniciativa relevando as hostilidades poliacuteticas contra a sua intenccedilatildeo foi a primeira a propor um

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tipo ldquomodernordquo de retoacuterica oposto em certo grau agrave retoacuterica claacutessica das escolas gregas

Apesar de influenciada por fundamentos da retoacuterica grega a obra Retoacuterica dedicada a Herecircnio composta por um aluno desta escola reage contra a acumulaccedilatildeo de regras e defende um ensino aproximado da praacutetica e da vida Questotildees da poliacutetica contemporacircnea passam a ser incluiacutedas Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquecircncia soacute se elevasse novamente com Ciacutecero em finais do seacuteculo I aC momento no qual optimates e populares discutem no Senado

Deixando por um momento as condiccedilotildees do ensino da retoacuterica em Roma iremos falar do desenvolvimento da gramaacutetica antiga e de sua evoluccedilatildeo Se existe jaacute na Antiguidade uma reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo entre as palavras e as coisas desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem como Platatildeo em Craacutetilo tentaram realizar mediante uma anaacutelise das correlaccedilotildees possiacuteveis entre forma e sentido das palavras o encontro de uma forma supostamente ldquoverdadeirardquo o acerto entre o nome e a coisa representada

Jaacute por volta do seacuteculo II aC uma nova questatildeo entraraacute em pauta associada agraves perspectivas do primeiro debate Passou-se a discutir se havia ou natildeo uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanccedilas de significados das palavras ao longo do tempo O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade na analogia e anomalia

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idecircnticas terminaccedilotildees e semelhante estrutura prosoacutedica podendo ser autocomparaacuteveis enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse ldquonaturalrdquo A liacutengua para estes devido as suas raiacutezes deveria ser encarada tal qual era apresentada mesmo que parecesse irracional

A claacutessica definiccedilatildeo de gramaacutetica remonta a Dioniacutesio Traacutecio Representante da escola alexandrina este definiria a disciplina como o conhecimento praacutetico do uso linguiacutestico comum a poetas e prosadores A arte de escrever bem se tornaria mais tarde tambeacutem a arte de falar corretamente Agrave gramaacutetica caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legiacutetimos enquanto agrave retoacuterica caberia a atualizaccedilatildeo num discurso de determinados usos com vistas a tornaacute-lo eficiente e persuasivo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Retornando ao panorama latino sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramaacutetica Varatildeo de Reate propotildee o respeito ao latim padratildeo em detrimento do latim vulgar falado pelo populus na Repuacuteblica e no Principado Em sua obra de liacutengua latina ele propotildee a divisatildeo da gramaacutetica em morfologia sintaxe e etimologia que natildeo chegaram a ser aplicadas

Com Prisciano e Donato aplica-se um aprofundamento da sintaxe que em definiccedilatildeo seria ldquo[] assim como a palavra eacute a unidade miacutenima da estrutura da frase esta eacute a expressatildeo de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae oratio est ordinatio dictionum congrua sententiam perfectam demonstratus)rdquo Dentro do quadro da educaccedilatildeo aplicada ao cidadatildeo romano como foi dito um pouco acima no ensino superior trata-se em primeiro lugar do ensino da retoacuterica Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana vemos que o ensino da arte oratoacuteria eacute confiado a um mestre especializado o rhetor

Numa hierarquia de valores o rhetor ocupa um posto mais elevado em relaccedilatildeo aos seus colegas o magister ludi e o grammatici responsaacuteveis pelo ensino primaacuterio e secundaacuterio respectivamente Ensinando agrave sombra dos poacuterticos dos foros tinha a sua disposiccedilatildeo salas arranjadas como pequenos teatros abertas ao fundo dos poacuterticos O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domiacutenio da arte oratoacuteria a princiacutepio assegurada na teacutecnica tradicional o sistema complexo das regras procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas

Para Marrou natildeo haacute retoacuterica propriamente latina esta arte teria sido inventada elaborada e aperfeiccediloada pelos gregos O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulaacuterio dos gregos transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinocircnimo em latim A retoacuterica latina permanece durante todo o Impeacuterio em contato muito estreito com a retoacuterica grega

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar jamais desconheceram a forccedila poderosa e sedutora da palavra pois oradores satildeo conhecidos desde os primoacuterdios da histoacuteria de Roma Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde periacuteodos sem relatos as relaccedilotildees entre as duas civilizaccedilotildees comeccedilaram a ganhar forccedila a partir do seacuteculo III aC O domiacutenio poliacutetico de Roma sobre a Greacutecia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura hiacutebrida helenizada e de bilinguismo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Greacutecia e depois do helenismo

Uma clara verificaccedilatildeo disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas atraveacutes de homens cultos da aristocracia que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas O Ciacuterculo dos Cipiotildees cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo forneceu base teoacuterica grega ao ideal da virtus romana

Efetivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra) existe a probabilidade da noccedilatildeo de um ldquoser terrenordquo ligado a modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios incluindo o comportamento e a natureza dos homens Certos exemplos de Ciacutecero indicam tambeacutem outras variantes complementares deste termo

Quem poderaacute chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadatildeos como todo o gecircnero humano qualquer comunidade juriacutedica solidariedade humana (humanitas societas) A essas obras de arte natildeo as compreendia o famoso Cipiatildeo homem tatildeo instruiacutedo e culto (humanissimus) E tu que natildeo tens saber nem humanitas nem talento nem letras eacute que as compreende e avalias

Nestes extratos vemos que Ciacutecero emprega humanitas como termo de acumulaccedilatildeo de civilidade doutrina saber humanitas eacute aquilo que torna o homem profundamente homem e se perpetua mesmo com a expiraccedilatildeo do ser Humanitas torna o homem digno fazendo-o humanus e politus ajustando este conceito as suas gravitas auctoritas e dignitas atitudes de caraacuteter romano

Ferrenho opositor a essa assimilaccedilatildeo foi dentre muitos Marco Poacutercio Catatildeo cuja facccedilatildeo senatorial tentou impedir a invasatildeo maciccedila da cultura e costumes gregos que somada agraves mudanccedilas poliacuteticas inevitaacuteveis da expansatildeo imperialista poderia corroer as bases eacutetico-poliacuteticas do Estado romano e de seu regime autocraacutetico

A influecircncia de Catatildeo no seacuteculo II aC foi a uacuteltima defesa da sobrevivecircncia da retoacuterica nos moldes claacutessicos que eram caracterizados por uma linguagem agressiva robusta direta desprovida de ornamentos o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

De Catatildeo podemos extrair a maacutexima que define o caraacuteter do orador nos moldes da retoacuterica claacutessica ldquoVir bocircnus peritus dicendirdquo O homem nobre haacutebil no falar E tambeacutem diz respeito a uma visatildeo pragmaacutetica e de certa forma desintelectualizada do discurso uma genuiacutena retoacuterica romana Na passagem do seacuteculo II para o seacuteculo I aC dois oradores satildeo lembrados Marco Antocircnio e Luacutecio Liciacutenio Crasso Dois optimates que divergiam quanto agrave maneira de abordar a importacircncia da mateacuteria do discurso ou da teacutecnica de elocuccedilatildeo a persuasatildeo

Fonte Campos (2008 p 4-6)

Por isso conhecer estas divergecircncias expostas no texto entre retoacuterica e oratoacuteria permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele natildeo eacute o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos Conforme aponta Campos (2008) em seu artigo acadecircmico a retoacuterica romana assumiu muitos elementos da retoacuterica grega na questatildeo da estrutura e ao mesmo tempo assumiu caracteriacutesticas novas devido ao meio romano na qual estava imersa

Embora saibamos que a essecircncia da retoacuterica e da oratoacuteria natildeo se altera com o passar do tempo eacute importante entendermos que a forma estaacute sempre em desenvolvimento Este modo de exposiccedilatildeo das nossas ideias constitui a vida da oratoacuteria ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que estaacute sendo produzida

Este processo de desenvolvimento da retoacuterica mesmo em Roma (sec I aC sec I dC) natildeo foi tranquilo e sem problemas Segundo Silveira (2012) existiram muitas crises e dificuldades na formaccedilatildeo da oratoacuteria e da retoacuterica romanas

O crescimento da cidade de Roma sua organizaccedilatildeo e suas conquistas que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade natildeo foi algo que se deu da noite para o dia Seu crescimento enquanto Impeacuterio deu-se principalmente pela organizaccedilatildeo de seu comeacutercio suas instituiccedilotildees seu exeacutercito e sobretudo pelo corpo social forte e unido chamado Nobilitas (ALFOLDY 1975 p 59) Lembrando que a formaccedilatildeo do Impeacuterio Romano foi um longo processo podemos no entanto destacar trecircs fases que fizeram parte deste imperialismo Na primeira fase conhecida como ldquoGuerra de Defesardquo Roma natildeo promove ataques mas se defende daqueles que atraiacutedos pelo seu crescimento resolvem atacaacute-la Eacute importante destacarmos que ao se defender dos ataques e invasotildees Roma anexa as cidades vencidas a regiatildeo da ldquoSalinardquo a mais proacutexima foi a primeira regiatildeo conquistada Mais tarde em 273 aC teremos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a conquista das cidades da Magna-Greacutecia estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos Apoacutes ter conquistado toda a peniacutensula itaacutelica Roma daacute iniacutecio agrave conquista do Impeacuterio Cartaginecircs o qual possuiacutea a hegemonia da regiatildeo da Siciacutelia Esta fase eacute conhecida como Guerra de expansatildeo hegemocircnica ou ldquoGuerras Puacutenicasrdquo esta culminaraacute com a destruiccedilatildeo da cidade de Cartago no norte da Aacutefrica Quanto agrave terceira fase esta tem iniacutecio em 133 aC quando financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos Roma inicia a chamada ldquoGuerra de Expansatildeo Econocircmicardquo passando assim de Cidade-Estado a Cosmo-Poacutelis dominando todo o mundo conhecido Eacute importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido devido ao seu poder que foi aumentado bem como seu aparelho militar o qual se encontrava mais organizado e poderoso contando com generais de renome vistos muitas vezes como deuses Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos derivado de suas conquistas esta conhece um periacuteodo de inflaccedilotildees seu custo de vida eacute aumentado o que iraacute gerar mudanccedilas nas formas de produccedilatildeo (SILVEIRA 2012 p 2-3)

Estes caminhos antigos da retoacuterica e da oratoacuteria nos permitem entender

como podemos convencer algueacutem sobre as mensagens que queremos passar em uma eacutepoca como a atual A dinacircmica das relaccedilotildees de trabalho no mundo contemporacircneo se modifica rapidamente mas os elementos substanciais dos oradores antigos satildeo os mesmos ateacute hoje

A moral de orador a sua eloquecircncia a credibilidade etc nada disso pode ser

dispensado em um mundo como o nosso E vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem percebemos que elas destacam algumas caracteriacutesticas que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos

Assim saiba que vocecirc soacute conseguiraacute convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar Fica evidente que a credibilidade eacute um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicaccedilatildeo Por isso eacute importante saber quais os requisitos para conquistar a confianccedila das pessoas construir sua reputaccedilatildeo como orador que inspire respeito credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistecircncias Para que vocecirc conquiste credibilidade falando dentro ou fora dos parlatoacuterios precisaraacute de pelo menos seis requisitos fundamentais Naturalidade a mais importante qualidade da oratoacuteria Natildeo existe teacutecnica em comunicaccedilatildeo ndash por mais elaborada que seja ndash mais relevante que a naturalidade Vocecirc precisa ser um orador natural e espontacircneo Agora veja ser natural no entanto natildeo significa por exemplo levar para o auditoacuterio os erros e as negligecircncias da comunicaccedilatildeo deficiente como a pronuacutencia incorreta das palavras Emoccedilatildeo e envolvimento aleacutem da naturalidade vocecirc precisa falar com disposiccedilatildeo com energia com envolvimento com emoccedilatildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Como convenceraacute o puacuteblico se nem mesmo vocecirc mostrar interesse no que diz Revele sua emoccedilatildeo no entusiasmo com que abraccedila o seu discurso Gerry Spence advogado americano que em mais de 40 anos nunca perdeu uma uacutenica causa criminal diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte ldquoConcentradas em seus sentimentos as pessoas que estatildeo dizendo a verdade falam com o coraccedilatildeo que eacute incapaz de compor precisamente o raciociacutenio linear de um ceacuterebro laborioso E ao ouvir o que eacute expresso pelo coraccedilatildeo o ouvinte tambeacutem eacute levado a ouvir com o coraccedilatildeordquo Imagem bem construiacuteda na poliacutetica pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construccedilatildeo da imagem do poliacutetico perante a sociedade O orador por sua vez deve estar ciente de que independentemente de marqueteiros ele tem que gerenciar seu proacuteprio marketing pessoal construindo e preservando a boa imagem ancorada na honestidade na justiccedila no respeito na honra na eacutetica bem como em todos os bons valores sociais e individuais Conhecimento e autoridade sobre o assunto a sua credibilidade como orador estaacute intimamente relacionada ao conhecimento que vocecirc demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa Empenhe-se para ter muito mais informaccedilotildees do que aquelas que vocecirc necessitaraacute em sua exposiccedilatildeo Leia estude pesquise se possiacutevel entreviste outras pessoas mais experientes que jaacute tratam do tema de sua exposiccedilatildeo Prepare-se com antecedecircncia e durante o maior tempo possiacutevel sobre a ideia que iraacute defender em seu discurso Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentaccedilatildeo Ensaie todos os detalhes teste os equipamentos que pretende utilizar enfim natildeo deixe nada ao acaso Confianccedila a confianccedila em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo De acordo com Lena Souza (2011) ldquoa fisiologia do medo eacute caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer as pernas tremerem as matildeos suarem o coraccedilatildeo bater mais forte etcrdquo E diz ainda que ldquoningueacutem perde o medo e sim o vence E o medo eacute como o sal na dose certa ele nos eacute muito importante inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do oradorrdquo (SILVA 2012 p 8-9)

Estas indicaccedilotildees natildeo satildeo prontas a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica

na verdade satildeo indicaccedilotildees para que vocecirc possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem tambeacutem satildeo Lembre-se ningueacutem nasceu com todos os conhecimentos se vocecirc quiser melhorar deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades

Antes de entrarmos na definiccedilatildeo de retoacuterica e oratoacuteria queremos esclarecer uma questatildeo fundamental ao estudante Na academia natildeo podemos simplesmente emitir opiniotildees pois conforme ensina Platatildeo a doxa opiniatildeo natildeo eacute o conhecimento ela eacute o ponto de partida de uma tentativa de conhecer Portanto doxa opiniatildeo natildeo eacute conhecimento episteme Conhecimento eacute o resultado de uma reflexatildeo racional que em filosofia sempre pode ser repensado de forma minuciosa e profunda (Platatildeo) O conhecimento eacute algo minimamente seguro para

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Oratoacuteria e Retoacuterica

se dizer que temos um conceito Sem um conceito natildeo podemos fazer academia Deste modo propomos a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica um pequeno exerciacutecio que pode contribuir no entendimento deste problema

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacutegina 77 a 79 e identifique de acordo com o texto quando opiniatildeo eacute diferente de conhecimento e explique o que vocecirc entendeu sobre este problema Como se entende o papel da retoacuterica

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Agora que vocecirc jaacute sabe que o conhecimento acadecircmico natildeo eacute uma mera opiniatildeo de qualquer pessoa passamos ao entendimento da arte retoacuterica e da oratoacuteria como formas de compreensatildeo da expressatildeo do intelecto humano de maneira mais clara e distinta

Neste sentido um estudo aprofundado sobre a retoacuterica eacute importante para desenvolver uma maneira de argumentaccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos De acordo com Platatildeo a retoacuterica serve basicamente para o convencimento e para a persuasatildeo dos interlocutores Para sofistas como Isoacutecrates e Protaacutegoras a retoacuterica serve para produzir uma boa reflexatildeo um modo de defender uma hipoacutetese sem se preocupar com a verdade No caso de Aristoacuteteles a retoacuterica serve para uma forma mais praacutetica e se aproxima da dialeacutetica oposiccedilatildeo de conceitos para produzir um debate

Ao pensarmos a retoacuterica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta atraveacutes de seu discurso levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas nos deparamos com uma praacutetica tatildeo antiga quanto difiacutecil de estabelecer o seu iniacutecio na humanidade A retoacuterica natildeo eacute um privileacutegio reservado aos povos antigos e nos dias de hoje ela continua envidada na poliacutetica nas campanhas publicitaacuterias em mensagens midiaacuteticas no comeacutercio e em tantas outras relaccedilotildees que nos circundam Eacute nesse sentido que Halliday (1990 p 26) professora de

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Comunicaccedilatildeo Puacuteblica que realizou pesquisas sobre a retoacuterica afirma que todos noacutes agimos retoricamente partindo do princiacutepio de que isso significa ldquo[] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendamrdquo Essa autora tambeacutem tem em vista que cada indiviacuteduo pode fazer uso da persuasatildeo para convencer a si proacuteprio sobre alguma ideia haja vista que ldquoa consciecircncia eacute o primeiro puacuteblicordquo e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte Embora a praacutetica persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas o estudo dessa arte recebeu significativa atenccedilatildeo de antigos filoacutesofos gregos entre os quais destacamos Aristoacuteteles (384 ndash 322 aC) pensador que escreveu a obra Retoacuterica sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho Aristoacuteteles viveu em uma eacutepoca de fortes transformaccedilotildees e agitaccedilotildees sociais na antiga Greacutecia O ceticismo se expandia com cada indiviacuteduo querendo viver para os seus proacuteprios negoacutecios e principalmente em Atenas uma cidade que servira como referecircncia intelectual e poliacutetica havia uma carecircncia do espiacuterito coletivo assim como de orientaccedilotildees que conquistassem a confianccedila dos cidadatildeos para guiaacute-los no campo discursivo da verossimilhanccedila Diante de uma sociedade ameaccedilada por posturas egoiacutestas e confusas e do risco da desarticulaccedilatildeo extrema das inter-relaccedilotildees sociais o filoacutesofo de Estagira percebeu a importacircncia de ordenar a construccedilatildeo dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (juriacutedicos fuacutenebres deliberativos etc) A arte retoacuterica ganha com Aristoacuteteles o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que eacute capaz de gerar a persuasatildeo o exame acurado das formas que compotildeem o discurso (ou rethoacuten) levando em conta cada situaccedilatildeo social de acordo com o momento o ambiente a cultura e as pessoas envolvidas Diante dessa concepccedilatildeo aristoteacutelica a presente investigaccedilatildeo procura responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel identificar conexotildees entre a Retoacuterica de Aristoacuteteles e o que este filoacutesofo idealiza para o exerciacutecio das inter-relaccedilotildees sociais na poacutelis grega Adiantamos nesse momento que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA 2011 p 14-15)

Logo definimos de acordo com Reboul (2004) a retoacuterica como a arte de

construir bem um argumento e a oratoacuteria como a arte de expor com qualidade e teacutecnica este argumento

Isso significa que a construccedilatildeo da arte retoacuterica envolve tanto o convencimento por intermeacutedio do texto escrito quanto pelo convencimento oral Por ter estas diferentes dimensotildees eacute que se costuma separar retoacuterica de oratoacuteria Retoacuterica escrita e elaborada metodicamente e oratoacuteria oral com uma conotaccedilatildeo mais apaixonada

O termo arte techneacute em grego eacute visto por Reboul (2004 p XVI) como detentor de uma ambiguidade sendo ldquoateacute duplamente ambiacuteguordquo O autor ressalta que o termo faz referecircncia tanto a uma habilidade espontacircnea quanto ao que eacute adquirido por meio do ensino Ora traduz o sentido de uma simples teacutecnica ora ao contraacuterio ldquo[] o que na criaccedilatildeo ultrapassa a teacutecnica e pertence

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Oratoacuteria e Retoacuterica

somente ao lsquogecircniorsquo do criador Em qual ou em quais desses sentidos se estaacute pensando quando se diz que a retoacuterica eacute uma arte Em todosrdquo Cabe aqui perguntarmos qual eacute o sentido de techneacute concebido por Aristoacuteteles Para este filoacutesofo a techneacute eacute um saber fazer bem feito o que se faz seja na construccedilatildeo de um artefato ou de um discurso um fazer com arte cujo sentido eacute o de produzir tecnicamente bem com habilidade o que o indiviacuteduo se propotildee a produzir Isto fica claro na Eacutetica a Nicocircmaco (ARISTOacuteTELES VI 5 1140b) assim como o caraacuteter imitativo da arte frente agrave natureza Poreacutem tal imitaccedilatildeo natildeo significa copiar pois na visatildeo aristoteacutelica a imitaccedilatildeo artiacutestica metamorfoseia reproduzindo como nos lembra Stirn (1999 p 65) em sua obra Compreender Aristoacuteteles Sendo assim o artista natildeo estaacute limitado a copiar mecanicamente o que vecirc havendo uma abertura para a transformaccedilatildeo e a criatividade Isso tambeacutem ocorre na proposta aristoteacutelica de Retoacuterica Ao defini-la como ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo Aristoacuteteles (Ret I II 1) natildeo exclui o caraacuteter de a retoacuterica ser uma arte mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte Pois logo em seguida ele acrescenta ldquoNenhuma outra arte possui esta funccedilatildeo porque as demais artes tecircm sobre o objeto que lhes eacute proacuteprio a possibilidade de instruir e de persuadirrdquo Com isso deixa impliacutecito que a retoacuterica tambeacutem eacute uma arte entre as demais por ele observadas Na Retoacuterica embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral preacute-organizada natildeo eacute raro ele se deparar com aspectos imprevisiacuteveis da vida praacutetica e do mundo das opiniotildees Frente a estes o Estagirita situa a arte retoacuterica tambeacutem como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais) e de possivelmente transformar (ou manter) situaccedilotildees praacuteticas a partir do discurso persuasivo Eacute aqui que a ideia aristoteacutelica de thechneacute nos permite uma aproximaccedilatildeo do sentido de ldquorsquogecircniorsquo criadorrdquo citado por Reboul A arte retoacuterica requer (do retor) conhecimento e criatividade pois natildeo basta copiar e decorar foacutermulas quando a vida praacutetica tem sua margem de misteacuterio e de imprevisibilidade fatores estes que exigem mais do que a mera coacutepia de um modelo de discurso Afinal pela retoacuterica aristoteacutelica aquele que discursa busca persuadir o ouvinte e natildeo necessariamente copiar para persuadir (LIMA 2011 p 24-25)

Neste sentido o modo de construccedilatildeo de uma argumentaccedilatildeo estaacute diretamente

relacionado ao modelo de expressatildeo de cada indiviacuteduo que se propotildee a um discurso puacuteblico Natildeo basta como afirma Lima (2011) copiar foacutermulas para construir discursos eacute preciso construir um modo de escrever e falar Ao citar Reboul Lima (2011) esclarece que para explicar a questatildeo da persuasatildeo precisamos dois cenaacuterios

Reboul (2004 p XV) ao procurar esclarecer o sentido de persuasatildeo utiliza dois exemplos satildeo eles ldquo1) Pedro persuadiu-me de que sua causa era justa 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causardquo Vejamos a distinccedilatildeo feita pelo autor (id ibid p XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasatildeo [] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa natildeo se sabendo se acredito nela ou natildeo A nosso ver a persuasatildeo retoacuterica consiste em (1) sem redundar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

necessariamente no levar a fazer (2) Diferentemente de Reboul Perelmam (2004 p 58) filoacutesofo do direito cujos estudos de retoacuterica recebem fortes influecircncias aristoteacutelicas destaca a accedilatildeo (o fazer) como sendo essencial agrave persuasatildeo Para quem se preocupa sobretudo com o resultado persuadir eacute mais do que convencer a persuasatildeo acrescentaria agrave convicccedilatildeo a forccedila necessaacuteria que eacute a uacutenica que conduziraacute agrave accedilatildeo Abramos a enciclopeacutedia espanhola Dir-nos-atildeo que convencer eacute apenas a primeira fase ndash o essencial eacute persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicccedilatildeo que lhe foi comunicada Por outro lado Reboul (2004 p XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente ldquopersuadirrdquo de ldquoconvencerrdquo afirmando que tal distinccedilatildeo se fundamenta numa filosofia ndash ou mesmo ideologia ndash exageradamente dualista ldquo[] visto que opotildee no homem o ser de crenccedila e sentimento ao ser de inteligecircncia e razatildeo e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro ou mesmo contra o primeirordquo Entretanto vale observar que Perelman natildeo joga o ser de razatildeo contra o ser de sentimento e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro ele apenas potildee o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo Por tal caracteriacutestica (entre outras) as ideias de Perelman estatildeo em afinidade com a Retoacuterica aristoteacutelica como jaacute percebera Guimaratildees (2004 p 145) em seu artigo Figuras de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo ldquoAssim modernamente a obra de C Perelman autor belga diligencia reabilitar uma teoria da argumentaccedilatildeo que reencontre a tradiccedilatildeo aristoteacutelicardquo (LIMA 2011 p 30-31)

Para entendermos essa dinacircmica de formaccedilatildeo de um modo proacuteprio de

expressatildeo de nossas ideias atraveacutes de argumentos propomos um exerciacutecio de entendimento do desenvolvimento da retoacuterica antiga Sabemos que para convencermos algueacutem temos que usar de eloquecircncia precisamos ser convincentes Entre os gregos a retoacuterica e a oratoacuteria ganharam forccedila quando se desenvolveram teacutecnicas de argumentaccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de discursos

Atividade de Estudos

1) Sabemos que a retoacuterica surge entre os gregos antigos Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacuteginas 5 a 8 e explique o que vocecirc entende dessa leitura proposta

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ora o modo de eloquecircncia se relacionava diretamente com a honestidade com o compromisso com a verdadeira filosofia Evidentemente que na histoacuteria posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e natildeo o conteuacutedo do discurso Nos regimes democraacuteticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna pois sem a retoacuterica sofiacutestica a democracia natildeo se sustentaria Eacute a rejeiccedilatildeo da

verdade na antiguidade que transformou a retoacuterica em modo sagaz de convencimento Neste sentido podemos falar em um triunfo dos sofistas em relaccedilatildeo a Platatildeo uma vez que para o autor dos Diaacutelogos platocircnicos a retoacuterica e a verdade se mantinham unidas

Essa separaccedilatildeo entre retoacuterica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisatildeo fundamental Eacute Maquiavel que constatou que poliacutetica e eacutetica natildeo pertenciam mais ao mesmo espectro Deste modo a retoacuterica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasatildeo sem compromisso com a verdade

A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere Observamos isso no diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental Segundo devemos estar atentos agrave forma do discurso Se for uma forma de explanaccedilatildeo ao puacuteblico em geral ou se eacute um discurso particular E terceiro a quem se dirige o discurso se eacute uma plateia que possui um repertoacuterio amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso Esse entendimento permite ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estatildeo diretamente articulados

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttprepositorioulptbitstream10451184573ulfl183093_tm_3pdfgt paacuteginas 3 a 5 e responda Como vocecirc entende esse desenvolvimento da retoacuterica

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A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos

fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso

articular bem a verdade com o discurso que se

profere Segundo devemos estar

atentos agrave forma do discurso

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como

montar um discurso e qual a finalidade de um discurso

Esse entendimento permite ao

estudante de oratoacuteria e retoacuterica

desenvolver o entendimento

de que pensar e falar bem estatildeo

diretamente articulados

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Quando estamos diante de um texto religioso por exemplo devemos estar atentos ao processo hermenecircutico ou seja de interpretaccedilatildeo para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido Eacute por isso que para se desenvolver uma boa oratoacuteria e uma boa retoacuterica o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto Eacute condiccedilatildeo preacutevia para se montar um bom discurso saber interpretar um texto dominar a liacutengua em que se escreve e fundamentar bem suas posiccedilotildees nos autores escolhidos

Deste modo argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto conforme aponta Descartes em seu discurso do Meacutetodo pois algo confuso e misturado natildeo pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possiacutevel pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser visto que a oratoacuteria e a retoacuterica natildeo visam somente ao convencimento dos outros Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida visto que vivemos em um mundo plural Ningueacutem precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relaccedilatildeo aos argumentos enunciados

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior podemos utilizar alguns artifiacutecios retoacutericos que nos ajudam a convencer os interlocutores Esses artifiacutecios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade Conforme defende o sofista Goacutergias no diaacutelogo platocircnico eacute o orador que escolhe como e de que modo quer convencer Evidentemente que Platatildeo por ter um compromisso maior com a verdade natildeo concorda com isso Por isso falamos no iniacutecio deste capiacutetulo que depende do compromisso com a verdade que noacutes temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento eacute de fato verdadeiro e bem exposto

Uma boa exposiccedilatildeo de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes Deste modo cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequecircncias de suas afirmaccedilotildees Lembremos tambeacutem que de acordo com Reboul (2004) o estilo de discurso deve estar em consonacircncia com o orador e o puacuteblico a que se expotildee os argumentos

Logo a arte de falar bem natildeo eacute exata como as pessoas que natildeo estudam a aacuterea pensam emitindo opiniotildees vazias Devemos evitar generalidades ensina o grande retoacuterico antigo Aristoacuteteles em seu texto chamado posteriormente de Metafiacutesica pois elas produzem efeitos contraditoacuterios e enganosos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Desta maneira falar bem eacute consequecircncia direta da boa construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Se bem formularmos um argumento poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir

Neste sentido falar bem eacute aprender a pensar bem escrever bem e expor bem um determinado argumento Se natildeo formos capazes de explicar um argumento natildeo podemos dizer que falamos bem pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que noacutes queremos passar

A Construccedilatildeo do ArgumentoA construccedilatildeo de um argumento se processa de maneira muito

detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que queremos

Inicialmente para se fazer e expor um bom argumento eacute preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposiccedilatildeo deste Depois precisamos escolher o modo como se faraacute esta exposiccedilatildeo Eacute claro que supomos

uma determinada mensagem que jaacute foi escolhida para ser transmitida Logo para se construir um bom argumento eacute preciso ter um assunto a ser transmitido um estilo de exposiccedilatildeo um modo pelo qual o orador iraacute se manifestar e um plano loacutegico para executar todo o processo de transmissatildeo da mensagem

Como podemos escolher um tema para expor Ora se estamos interessados em apresentar um argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos expor Se existe esta motivaccedilatildeo interior ela deve ser elaborada pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero Eacute neste momento que a retoacuterica e a oratoacuteria podem ajudar vocecirc a se manifestar de maneira clara e eloquente

Para construir um argumento segundo Platatildeo precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor Se soubermos por exemplo um determinado argumento e dominamos suas variaccedilotildees estamos aptos a expocirc-lo

Com efeito o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo Se dominamos por exemplo o argumento da lei da gravidade ou seja todos os objetos sobre a superfiacutecie da Terra caem agrave mesma velocidade devido

Desta maneira falar bem eacute

consequecircncia direta da boa construccedilatildeo

e exposiccedilatildeo de argumentos Se

bem formularmos um argumento

poderemos apresentar bem

a mensagem que queremos transmitir

A construccedilatildeo de um argumento se

processa de maneira muito detalhada e

existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que

queremos

Ora se estamos interessados em apresentar um

argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos

expor

Com efeito o conhecimento de um determinado

argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo

Se dominamos por exemplo o

argumento da lei da gravidade

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

agrave lei da gravidade podemos explicar isso aos outros bem como suas variaccedilotildees Agora se temos duacutevidas e natildeo sabemos qual eacute a lei da gravidade universal natildeo conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento Deste modo devemos antes de tudo averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade Conforme ensina Soacutecrates referido por Luz (2010 p 49-50)

[] em vez de censurar o que eacute preciso eacute desculpar os que por desconhecimento da dialeacutetica natildeo estatildeo em condiccedilotildees de definir o que seja retoacuterica Com toda sua ignoracircncia por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos pensam que descobriram a retoacuterica e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noccedilotildees estatildeo convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar A dialeacutetica eacute o caminho da alma para que se possa alcanccedilar a beleza e a justiccedila base para todo ensino verdadeiramente filosoacutefico ndash conhecimento da alma e amor agrave verdade na busca dos princiacutepios eternos Ao passar por todas estas definiccedilotildees ambicionadas a colocar a retoacuterica a serviccedilo do conhecimento filosoacutefico e verdadeiro Platatildeo ndash utilizando-se do discurso socraacutetico ndash parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemoloacutegico e eacutetico opondo-se aos oradores de sua eacutepoca A retoacuterica portanto depende da dialeacutetica que por se esforccedilar em atingir o verdadeiro depende do verossiacutemil procurado por ela que depende ldquodiretamenterdquo de valores que satildeo da ordem do inteligiacutevel (levando em consideraccedilatildeo que o homem natildeo eacute a medida de todas as coisas) Ao longo de suas obras Platatildeo define a retoacuterica sofista como um longo discurso contiacutenuo que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vaacuterios procedimentos que se sustentam uns aos outros fazendo com que o retoacuterico impressione pelo conjunto da obra mais do que pela solidez de cada argumento explicitado Entretanto quando em vista do meacutetodo dialeacutetico cada raciociacutenio se desenvolve pouco a pouco sendo cada passo testado e confirmado pela concordacircncia do interlocutor soacute havendo uma passagem para a ldquotese seguinterdquo para uma segunda argumentaccedilatildeo quando a primeira for apreendida corretamente quando a adesatildeo daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentaccedilatildeo No caso do diaacutelogo eriacutestico haacute uma preocupaccedilatildeo uacutenica em se vencer o adversaacuterio o que implicaria numa total indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave verdade Tal retoacuterico eacute motivado pelo desejo de vencer de deixar o interlocutor embaraccedilado fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado e natildeo a verdade triunfe Predigo-te que este jovem seja qual for a sua resposta seraacute obrigado a contradizer-se O diaacutelogo criacutetico caracteriacutestica eminente do discurso socraacutetico o interlocutor trata-se de testar uma tese na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentaccedilotildees formuladas por ele A coerecircncia interna do discurso eacute que fornece o criteacuterio para investigaccedilatildeo ou ainda interrogaccedilatildeo criacutetica que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa Quando o diaacutelogo deixa de ser criacutetico para adentrar no caraacuteter verdadeiramente filosoacutefico ndash adquirindo um interesse construtivo para aleacutem da coerecircncia interna do discurso ndash os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antematildeo foi considerado dialeticamente verdadeiro O diaacutelogo filosoacutefico eacute impreterivelmente dialeacutetico eacute ele que determina

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as caracteriacutesticas do meacutetodo dialeacutetico ndash ldquonele a concordacircncia dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentaccedilatildeo natildeo porque se trataria de um concurso de duas opiniotildees divergentes mas porque essa concordacircncia seria a expressatildeo de uma adesatildeo generalizada agraves preposiccedilotildees em questatildeordquo O meacutetodo dialeacutetico eacute o meacutetodo de toda filosofia que pretende dar conta das consideraccedilotildees inesgotaacuteveis do saber filosoacutefico

Ora embora a retoacuterica e a dialeacutetica sejam distintas haacute uma relaccedilatildeo que

permite ao orador formular argumentos retoacutericos para ser um bom debatedor Neste sentido a retoacuterica eacute um modo para se buscar a verdade

Quando falamos de leis da fiacutesica parece um tanto mais distinto e direto agora quando falamos de argumentos filosoacuteficos e teoloacutegicos a situaccedilatildeo eacute um pouco mais complicada Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenecircutica ou seja a interpretaccedilatildeo de textos o argumento muitas vezes eacute confundido com a interpretaccedilatildeo

Cabe a vocecirc estudante de retoacuterica e oratoacuteria distinguir um argumento de uma interpretaccedilatildeo Um argumento eacute sempre a exposiccedilatildeo loacutegica de uma ideia por exemplo ldquoDeus eacute o ser do qual natildeo podemos pensar nada maiorrdquo (ANSELMO 1991) e a interpretaccedilatildeo que vocecirc faz dessa frase do pensador Anselmo

Este argumento eacute chamado de argumento ontoloacutegico pois independentemente do lugar onde se aplique Deus sempre seraacute para Santo Anselmo o maior de todos os seres que podem ser pensados

Satildeo vaacuterias as formas como vocecirc entende este argumento E mesmo sendo loacutegico e formalmente irrefutaacutevel vocecirc pode ignoraacute-lo logo a interpretaccedilatildeo eacute sempre um movimento subjetivo e introspectivo Mesmo com meacutetodo determinado e um argumento eacute a mensagem loacutegica que se passa por intermeacutedio da linguagem

Os Gecircneros do DiscursoUm gecircnero de discurso eacute antes de tudo a opccedilatildeo que o orador faz para expor

seu argumento e seu modo de pensar O pensar pode ser exposto de diferentes modos podemos fazer textos construir esculturas montar peccedilas de teatro pintar quadros fazer gestos e muito mais

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Aristoacuteteles nos fornece uma classificaccedilatildeo dos gecircneros retoacutericos que praticamente natildeo mudou em mais de dois mil anos De acordo com Lima (2011) ao citar Artistoacuteteles

Aristoacuteteles (Ret I III 11) uma vez tendo considerado que cada gecircnero retoacuterico ndash deliberativo judiciaacuterio e epidiacutetico - deve ser baseado numa demonstraccedilatildeo (eacutentechnos) tem em vista que a retoacuterica deve se desenvolver a partir do meacutetodo das evidecircncias e sendo a demonstraccedilatildeo uma evidecircncia afirma ldquopois que a nossa confianccedila eacute tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstraccedilatildeordquo A evidecircncia retoacuterica conforme Aristoacuteteles eacute caracterizada pela aplicaccedilatildeo do entimema ou seja pelo uso de um raciociacutenio que natildeo tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo mas que busca ser evidente O silogismo deriva de premissas loacutegicas enquanto o entimema tem origem nas premissas retoacutericas (LIMA 2011 p 48)

Na retoacuterica e na oratoacuteria se configuram gecircneros de um discurso as maneiras

que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos Platatildeo e Aristoacuteteles fizeram uma classificaccedilatildeo dos gecircneros de um discurso conforme apontamos no capiacutetulo primeiro do texto

O Tratado do Amor de Liacutesias comeccedila pelo fim pela conclusatildeo a que o orador chegou e pretende que todos cheguem ndash como o amante deve se portar com seu amado ndash fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam ldquonuma grande emburrilhadardquo A criacutetica socraacutetica consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas Enfatiza que a carta estaacute calcada nos saberes natildeo filosoacuteficos sendo uma peccedila bem trabalhada mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes ndash poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso Segundo Soacutecrates esta deveria ser constituiacuteda por um todo artisticamente considerado no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto [] todo discurso precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo A fim de natildeo mais aborrecer Fedro atraveacutes da criacutetica ferrenha agrave construccedilatildeo do discurso de seu adorado Liacutesias o diaacutelogo socraacutetico passa agrave anaacutelise da arte da eloquecircncia tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relaccedilatildeo entre amado e amante ndash em que ldquoum pretende que soacute deve ceder agraves instacircncias

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do indiviacuteduo que ama e o outro agraves de quem natildeo revele amorrdquo (265 a) ndash se contradizem reciprocamente fazendo com que Soacutecrates retomasse a ideia das Manias Divinas e principalmente aquela referida ao amor

Fonte Luz (2010 p 47)

Para retomarmos agrave discussatildeo lembramos ao estudante de retoacuterica e oratoacuteria estes gecircneros de discurso Em Platatildeo haacute um compromisso com as premissas e com a verdade Haacute uma divisatildeo entre verdade e forma de um discurso

Platatildeo por sua vez pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essecircncia e o valor de verdade da retoacuterica (dita como tal) instituiacuteda pelos sofistas O filoacutesofo afirmava ainda que a retoacuterica deveria ser considerada segundo razotildees de todo anaacutelogas agravequelas pelas quais a arte deve ser condenada A retoacuterica eacute a contrafaccedilatildeo da verdade Tal como a arte tem a pretensatildeo de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento imitando puramente as suas aparecircncias a retoacuterica atraveacutes do meacutetodo persuasivo pretende convencer o homem acerca de tudo sem ter conhecimento algum A retoacuterica cria crenccedilas ilusoacuterias O retoacuterico eacute aquele que devido a sua habilidade persuasiva joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparecircncias da verdade em verossimilhanccedilas e natildeo na verdade em si mesma Tanto quanto acontece na arte a retoacuterica se dirige agrave pior parte da alma agravequela que eacute creacutedula e instaacutevel suscetiacutevel de emoccedilatildeo e sensiacutevel ao prazer Pode-se dizer que o retoacuterico lida com o falso para aleacutem do artista tendo em vista que esse uacuteltimo ao menos representa as aparecircncias do verdadeiro enquanto que o retoacuterico tem a maliacutecia do conhecimento calcado num falso saber A filosofia dialeacutetica deve corromper e substituir a retoacuterica no que diz respeito ao seu caraacuteter de verdade No Fedro Platatildeo explicita que na arte dos discursos enquanto retoacuterica eacute reconhecido um direito agrave existecircncia entretanto sob a condiccedilatildeo de que se submeta agrave verdade e por conseguinte agrave filosofia E para alcanccedilar a verdade pela qual a retoacuterica teria de se submeter se faz necessaacuteria a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialeacutetica ndash ldquoseja no seu momento ascendente que leva do muacuteltiplo ao uno seja no seu momento descendente e diaireacutetico que ensina a dividir as Ideias segundo as articulaccedilotildees que lhe satildeo proacutepriasrdquo e conhecer a alma visto que a arte da persuasatildeo se dirige necessariamente agrave alma Soacute se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos conhecendo a natureza das coisas e a natureza da alma humana A escritura soacute faz aumentar a aparecircncia (doxa) do saber natildeo fortalecendo a memoacuteria mas oferecendo meios para trazer agrave memoacuteria aquilo que de antematildeo jaacute era conhecido pela alma O escrito eacute sem alma sendo incapaz de defender-se sozinho contra criacuteticas exigindo sempre a intervenccedilatildeo constante do seu autor O discurso oral e soacute ele eacute capaz de penetrar na alma daquele que o apreende sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

se encontra na dimensatildeo da oralidade Para ser conduzido segundo as regras da arte o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e por conseguinte implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige ndash haacute um jogo metoacutedico pelo qual quem escreve deve se submeter Por definiccedilatildeo a palavra eacute um aspecto da realidade eacute uma palavra eficaz No entanto a potecircncia da palavra natildeo se encontra apenas orientada para o real ela se mostra da mesma forma irrevogavelmente tal como uma potecircncia sobre o outro Logo a potecircncia da palavra se mostra perigosa visto que pode ser tomada como a ilusatildeo do real Ou seja a seduccedilatildeo da palavra eacute tal que pode se fazer passar pela realidade o logos pode impor objetos que se assemelhem agrave realidade confundindo-se com ela sendo entretanto natildeo mais do que uma imagem vatilde Este fato levanta uma nova questatildeo traz um problema fundamental pertinente agrave relaccedilatildeo entre palavra e verdade A ambiguidade da palavra entatildeo torna-se polo de reflexatildeo sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional onde haacute por um lado o problema da potecircncia da palavra sobre a realidade e por outro lado o problema da potecircncia da palavra sobre o outro ndash perspectiva fundamental no desvelamento retoacuterico e sofiacutestico (LUZ 2010 p 43-44)

Ainda de acordo com Platatildeo um discurso deve ser entendido como um

modo de produccedilatildeo de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias que para Platatildeo eacute o uacutenico mundo real

Sabemos que Platatildeo (428-7 ndash 348-7 a C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da eriacutestica e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questatildeo conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate Isso fica claro nos diaacutelogos platocircnicos Goacutergias e Eutidemo nos quais o filoacutesofo procura mostrar que a retoacuterica natildeo eacute uma ciecircncia e nem uma verdadeira arte pois pelo que consta no Goacutergias (465 a) ela eacute somente uma empeiria ou seja uma habilidade praacutetica decorrente da experiecircncia A negaccedilatildeo dessa praacutetica como ciecircncia natildeo eacute novidade naquele contexto social pois na tradiccedilatildeo retoacuterica dos pitagoacutericos a Goacutergias como concorda Plebe (1978) a retoacuterica era situada no mundo da doxa (opiniatildeo) e natildeo da ciecircncia Entretanto Platatildeo acrescenta uma provocaccedilatildeo ao afirmar que a retoacuterica tambeacutem natildeo eacute uma arte ou seja natildeo eacute theacutecnerhetorikeacute como defendia Goacutergias considerando-a apenas como habilidade Este filoacutesofo estaacute mais interessado na dialeacutetica a qual eacute vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteuacutedo Entretanto ele (Platatildeo) discute sobre a retoacuterica por reconhecer que tal atividade tendo o caraacuteter de experiecircncia tecno-praacutetica natildeo seria de todo inuacutetil Na visatildeo platocircnica portanto a retoacuterica seria diferente da dialeacutetica e tambeacutem da sofiacutestica como pode ser constatado no Goacutergias (465) no qual a sofiacutestica aparece como contrafaccedilatildeo da arte de legislar (nomothetikeacute) e a retoacuterica como contrafaccedilatildeo da arte de administrar a justiccedila (dikaiosyne) (LIMA 2011 p 43)

Ainda seguindo a definiccedilatildeo precisa apresentada por Platatildeo as fontes das habilidades devem ser distinguidas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Platatildeo considera que essas duas formas de habilidades satildeo contrafaccedilotildees de um gecircnero de habilidade que natildeo eacute arte o qual ele denomina kolakeiacutea (adulaccedilatildeo) mas admite que tal gecircnero eacute contrafaccedilatildeo da arte Em resumo embora reconheccedila que os sofistas satildeo dotados de um espiacuterito ousado e imaginativo a filosofia platocircnica vecirc a retoacuterica como discurso vazio de conteuacutedo Jaacute na sua maturidade Platatildeo passa a considerar a retoacuterica como sendo uma versatildeo disparatada e distorcida da dialeacutetica conforme consta em seu diaacutelogo Fedro e por outro lado a idealizar a existecircncia de uma verdadeira retoacuterica a qual ele identifica com a proacutepria dialeacutetica Assim Platatildeo equipara a falsa dialeacutetica com a retoacuterica ao mesmo tempo em que identifica a retoacuterica verdadeira com a dialeacutetica tornando a retoacuterica reprovaacutevel somente quando esta uacuteltima natildeo se identifica com a primeira Por conseguinte segundo Platatildeo qualquer sofista uma vez natildeo praticante da dialeacutetica da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia natildeo merece confianccedila por maior que seja a sua habilidade oratoacuteria Nesse sentido em um trecho do Fedro (LII 268 b-c) ele faz uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas da retoacuterica e o perfil de um falso meacutedico Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio de provocar vocircmitos ou evacuaccedilotildees entre outros efeitos e que o mesmo acrescenta ldquoE porque sei tudo isso tenho-me na conta de meacutedico e tambeacutem com a capacidade de fazer um meacutedico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos rdquo Esse trecho eacute seguido imediatamente pela citaccedilatildeo que registramos adiante Soacutecrates ndash Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira Fedro ndash Que mais poderia fazer a natildeo ser perguntar se tambeacutem sabia a quem aplicar tudo aquilo o tempo certo e a dose para cada caso Soacutecrates ndash E se ele contestasse Dessas coisas natildeo entendo patavinas poreacutem suponho que quem aprender comigo aquilo tudo ficaraacute em condiccedilotildees de responder a tais perguntas Fedro ndash Diriam segundo penso Este homem eacute louco Soacute porque leu um livro ou porque encontrou casualmente alguns remeacutedios considera-se meacutedico ainda que nada entenda de tal arte Ao considerar o praticante da retoacuterica como algueacutem cujo conhecimento natildeo eacute confiaacutevel Platatildeo (opus cit LVII 272 d-e) afirma que ldquoNos tribunais por exemplo ningueacutem se preocupa no miacutenimo com a verdade soacute se esforccedilando por persuadirrdquo e que toda a arte da oratoacuteria consiste em manter a verossimilhanccedila do iniacutecio ao fim do discurso Portanto esse pensador tem em vista que todo filoacutesofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade ao inveacutes de priorizar as aparecircncias dos discursos soacute para persuadir a qualquer custo Por outro lado embora tenha feito tantas criacuteticas agrave retoacuterica o citado filoacutesofo reconhece a importacircncia de se identificar os diferentes tipos de auditoacuterios que podem inspirar construccedilotildees oratoacuterias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade - e sendo assim jaacute prepara de certo modo o caminho para a sistematizaccedilatildeo aristoteacutelica da retoacuterica que viraacute logo depois Tanto eacute assim que alguns aspectos que seratildeo valorizados por Aristoacuteteles em sua obra Retoacuterica jaacute constam nas seguintes palavras de Platatildeo (Ibid LVIII 273d-274a) [] quem natildeo fizer a enumeraccedilatildeo exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espeacutecies e natildeo souber reduzir a uma ideia uacutenica todas as ideias particulares jamais dominaraacute a arte da oratoacuteria dentro das possibilidades humanas Mas sem trabalho ningueacutem consegue chegar a esse ponto Natildeo

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eacute para falar com os homens nem para tratar com eles que o saacutebio despende tanto esforccedilo mas para falar o que agrade aos deuses e tambeacutem para lhes comprazer com suas accedilotildees na medida do possiacutevel Porque o homem de senso [] natildeo deveraacute esforccedilar-se para agradar seus companheiros de escravidatildeo pelo menos natildeo poraacute nisso o principal intento nem o faraacute de ligeiro poreacutem a bons mestres e de boa origem Eis que fica clara a preocupaccedilatildeo de Platatildeo em estabelecer paracircmetros eacuteticos para a praacutetica da oratoacuteria e nesse sentido veremos apoacutes alguns paraacutegrafos adiante que a mesma preocupaccedilatildeo pode ser identificada em Aristoacuteteles no que concerne a sua sistematizaccedilatildeo (LIMA 2011 p 44)

Segundo Aristoacuteteles a exposiccedilatildeo de um argumento se divide em invenccedilatildeo disposiccedilatildeo elocuccedilatildeo e accedilatildeo

Deste modo a invenccedilatildeo consiste na escolha do material para se formular um argumento Nesta etapa o retoacuterico ou orador se ateacutem aos elementos dispersos e reuacutene aqueles que ele considerar adequados

Na disposiccedilatildeo o retoacuterico ou orador se preocuparaacute em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso

Na elocuccedilatildeo o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para natildeo cair em contradiccedilatildeo e se perder na execuccedilatildeo do discurso

Jaacute a accedilatildeo consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos trecircs aspectos anteriores de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir Neste momento o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui

Desta maneira Aristoacuteteles difere de Platatildeo por entender que a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo importantes para o debate natildeo soacute para o convencimento dos interlocutores Conforme confirma Lima (2011 p 47)

Aristoacuteteles diferentemente de Platatildeo vecirc a retoacuterica como algo que normalmente faz parte da vida social e poliacutetica como uma arte importante para o desenvolvimento dessas aacutereas Tal pensador tem em vista que a distinccedilatildeo conceitual envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composiccedilatildeo loacutegica e persuasiva dos argumentos eacute fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicaacute-las socialmente Eacute nessa perspectiva que ele propotildee a formaccedilatildeo de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construccedilatildeo de cada discurso visando estabelecer conforme suas proacuteprias palavras ldquo[] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos quando falamos a favor ou contra uma propostardquo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Logo em Aristoacuteteles existe uma mudanccedila da retoacuterica que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentaccedilotildees poliacuteticas juriacutedicas e dos problemas mais simples da existecircncia humana Conforme aponta Lima (2011) ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema

O Estagirita pensando na vida praacutetica situaccedilotildees reais do dia a dia em que geralmente natildeo se dispotildee de muito tempo para os encontros discursivos tem em vista a importacircncia de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciociacutenio do orador com tatildeo pouca demora Mas ele tambeacutem alerta para que natildeo se cometa excessos no uso dos entimemas Natildeo se deve tambeacutem a propoacutesito de toda e qualquer questatildeo procurar empregar os entimemas pois nesse caso chegariacuteeis ao mesmo resultado que certos filoacutesofos que demonstram por meio de silogismos proposiccedilotildees mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciociacutenios (Ret III XVII 7) Os lugares comuns de entimemas demonstrativos e refutativos compotildeem uma ampla variedade de argumentos que satildeo estudados enumerados e tipificados por Aristoacuteteles hierarquizados segundo a eficaacutecia de persuasatildeo Os lugares comuns satildeo assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussatildeo Vejamos por exemplo o seguinte toacutepoi (lugar) que consta no Livro II da Retoacuterica de Aristoacuteteles (XXIII1) Primeiramente haacute um lugar para os entimemas demonstrativos aquele que se tira dos contraacuterios Com efeito importa examinar se o contraacuterio estaacute contido no contraacuterio se natildeo estaacute compreendido refutaremos o adversaacuterio se estaacute compreendido estabeleceremos nossa proacutepria tese por exemplo defenderemos que ser temperante eacute bom porque viver na licenciosidade eacute nocivo Ou entatildeo como no discurso sobre Messecircnia ldquoVisto a guerra ser a causa dos males atuais eacute pela paz que devemos remediaacute-losrdquo Em mais um exemplo Aristoacuteteles (Ret II 23 4) apresenta entre outros entimemas o seguinte ldquose os deuses natildeo sabem tudo muito menos os homensrdquo E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte toacutepoi ldquose um atributo natildeo pertence a um sujeito ao qual mais deveria pertencer evidentemente que tambeacutem natildeo pertence ao sujeito ao qual deveria pertencer menosrdquo E tambeacutem eacute do Estagirita (ibid II XXIII 7) o seguinte trecho ldquoUm outro lugar tira-se das palavras contra noacutes e que voltamos contra o adversaacuterio Este lugar eacute excelente []rdquo (LIMA 2011 p 50-51)

Em Aristoacuteteles a retoacuterica assumiu uma conotaccedilatildeo praacutetica ou seja ela deve servir ao homem para argumentar na resoluccedilatildeo de problemas do cotidiano Assim a retoacuterica passa a ser uma ferramenta acessiacutevel a todos os sujeitos que queiram pleitear algo

Em sua Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles (I 8 1099 a) considera a finalidade da vida poliacutetica como o melhor dos fins e que ldquoo principal empenho dessa ciecircncia eacute fazer com que os cidadatildeos sejam bons e capazes de nobres accedilotildeesrdquo Tal nobreza inclui a observaccedilatildeo de que embora jaacute seja desejaacutevel o bem

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para um soacute indiviacuteduo eacute mais nobre e mais divino alcanccedilar o bem para uma naccedilatildeo ou para as cidades-Estado (opus cit I 1094 b) Para o Estagirita (idibid) a ciecircncia poliacutetica eacute a mais prestigiosa de todas visto que a ciecircncia poliacutetica utiliza as demais ciecircncias e ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster a finalidade dessa ciecircncia deve necessariamente abranger a finalidade das outras de maneira que essa finalidade deveraacute ser o bem humano ldquoA cosmologia de Aristoacuteteles coloca certo nuacutemero de seres superinteligentes as inteligecircncias que governam as estrelas e os planetas acima do Homem na escala do ser assim como Deus o Movimentador Imoacutevelrdquo (LIMA 2011 p 53)

Neste caso o homem que se dedica agrave praacutetica retoacuterica eacute capaz de resolver os

problemas da vida cotidiana pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos Sendo o retoacuterico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se estaacute transmitindo eacute importante mencionar o significado da honestidade do orador na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que os sujeitos interlocutores se convenccedilam da mensagem

Atividade de Estudos

1) Explique com suas palavras por que eacute importante a honestidade retoacuterica Leia o texto para poder entender melhor o problema

LIBERDADE OU MANIPULACcedilAtildeO

Eacute por isso que este mesmo autor considerando que a caracteriacutestica da boa argumentaccedilatildeo natildeo eacute suprimir o aspecto retoacuterico pois em nenhum caso uma argumentaccedilatildeo inexpressiva se torna soacute por isso obrigatoriamente mais honesta ndash adianta dois criteacuterios gerais a que se deve submeter a boa retoacuterica

1 Criteacuterio da transparecircncia que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo dos meios pelos quais a crenccedila estaacute a ser modificada

2 Criteacuterio de reciprocidade que a relaccedilatildeo entre o orador e o

auditoacuterio natildeo seja assimeacutetrica para que fique assegurado o direito de resposta

Respeitados tais criteacuterios Reboul considera que a argumentaccedilatildeo natildeo se torna por isso menos retoacuterica e sim mais honesta Mas parece evidente que sem pocircr em causa a eficaacutecia destes dois

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Oratoacuteria e Retoacuterica

criteacuterios o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo e natildeo seja assimeacutetrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretizaccedilatildeo Por outro lado pode acontecer tambeacutem que a incompetecircncia argumentativa do auditoacuterio crie a ilusatildeo de uma relaccedilatildeo retoacuterica desigual e leve a que se veja manipulaccedilatildeo no orador quando na realidade essa desigualdade se fica a dever agrave insuficiente capacidade criacutetica revelada por aqueles a quem se dirige

Fonte Sousa (2000 p 96)

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Ethos Pathos Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de eacutetica pathos no sentido de paixatildeo e logos no sentido de discurso

Passamos agora agrave discussatildeo de aspectos da estrutura do conteuacutedo dos argumentos e a forma como satildeo usados para expor determinados discursos

O ethos da retoacuterica estaacute ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso O ethos do comportamento humano para Reboul (2004) passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar

Segundo Aristoacuteteles podemos construir uma parte do ethos mas a outra parte eacute totalmente natural Por isso precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

As virtudes dianoeacuteticas entre as quais a sapiecircncia (shofia) eacute tida como a mais importante satildeo vistas por Aristoacuteteles como mais elevadas do que as virtudes eacuteticas pois lidam com a captaccedilatildeo intuitiva de princiacutepios por meio do intelecto coincidindo com as ciecircncias teoreacuteticas (principalmente com a metafiacutesica) Por outro lado as virtudes eacuteticas lidam com o contingente e o variaacutevel no humano apoiando-se numa prudecircncia (phroacutenesis) que eacute razatildeo praacutetica Na abertura do livro II (opus cit) Aristoacuteteles observa que as virtudes intelectuais satildeo geradas e crescem em grande parte em decorrecircncia do ensino e por isso precisam de experiecircncia e tempo enquanto as virtudes eacuteticas satildeo adquiridas em resultado do haacutebito Esse termo ndash haacutebito ndash decorre da traduccedilatildeo de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethikeacute) palavra que tambeacutem pode significar costume (LIMA 2011 p 71)

Um ethos no debate eacute um modo de se expressar eacute a maneira com a qual

nos expressamos Saber se expressar eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para sermos verdadeiramente humanos

No iniacutecio de sua Retoacuterica (2007 I 1 p19) Aristoacuteteles estabelece que ldquoos modos de persuasatildeo satildeo as uacutenicas verdades constituintes dessa arte tudo o mais eacute mero acessoacuteriordquo Diante de tais palavras poderiacuteamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituiacutedo de propostas eacuteticas ou seja meramente instrumental sem necessariamente manifestar um viacutenculo efetivo com a busca pelo bem comum pela justiccedila pela cidadania entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social Entretanto podemos identificar que Aristoacuteteles assume em vaacuterios momentos de sua Retoacuterica um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a eacutetica em sintonia com um exerciacutecio de livre escolha de ideias Em vaacuterios trechos (opus cit) o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade e natildeo o faz por considerar tais preceitos como meros acessoacuterios pois em vez disso procura mostrar que um homem de boa formaccedilatildeo moral tem no seu proacuteprio caraacuteter um referencial em que pode alicerccedilar o seu discurso Sendo assim como bem esclarece o autor a consistecircncia moral do orador tambeacutem deve compor o modo pelo qual o ouvinte eacute persuadido Aristoacuteteles toma o cuidado de firmar a arte retoacuterica em uma responsabilidade social propondo uma produccedilatildeo discursiva que possa participar da construccedilatildeo moral do homem e por conseguinte da sua condiccedilatildeo poliacutetica (Ret2007 p 23) (LIMA 2011 p 74)

O homem ao se apresentar como um ser que escreve e fala precisa dominar estes dois modos de se apresentar Por isso um haacutebito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como noacutes falamos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A primeira questatildeo tratada eacute que para se realizar um discurso eacute preciso ter conhecimento sobre aquilo que estaacute sendo dito em prol de sua autenticidade enquanto verdade Os sofistas se servem da persuasatildeo utilizando o domiacutenio que tecircm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa com uma mesma ecircnfase ou intensidade ndash natildeo se baseiam num conhecimento verdadeiro mas no senso comum ldquoA perversatildeo da retoacuterica transforma a escrita em teacutecnica de simulaccedilatildeo e converte a habilidade oratoacuteria em exploraccedilatildeo verbal e persuasiva do verossiacutemilrdquo Atraveacutes de uma loacutegica da ambiguidade contrariam o que deveria ser indissociaacutevel no interior de um discurso a ligaccedilatildeo entre dizer pensar e ser ndash limitam-se a uma tautologia do logos que eacute voltado sobre si mesmo A eficaacutecia alcanccedilada pelo discurso entretanto natildeo significa que tais ldquoretoacutericosrdquo tinham o conhecimento real do assunto que tratavam eles natildeo tinham a preocupaccedilatildeo de se interrogar sobre suas referecircncias ndash calcavam-se na probabilidade no verossiacutemil para o estabelecimento de suas conclusotildees que de antematildeo eram estabelecidas ndash utilizando-se da potecircncia da palavra como uma arma para persuadir pessoas tatildeo ignorantes quanto eles ldquoO estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migraccedilatildeo da enunciaccedilatildeo para o enunciadordquo (LUZ 2010 p 45)

Neste sentido retoacuterica e oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que se articulam na existecircncia e o ajudam a expor seu sentido na linguagem O ethos da oratoacuteria e da retoacuterica eacute uma forma eacute a maneira de dizermos os modos de se apresentar A linguagem escrita e falada eacute uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos

Ainda de acordo com Reboul (2004) o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar

Ao falarmos de pathos ou afetamento de um discurso podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso

Ao falarmos de pathos ou

afetamento de um discurso podemos

entender que quando nos referimos a um determinado

grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel

do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos

envolve ou dispersa em um determinado

discurso

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Por isso ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala estamos optando em ser ou natildeo apaixonantes em nossa exposiccedilatildeo escrita ou oral Eacute no pathos de um discurso ou seja na paixatildeo que se iraacute prender ou natildeo os interlocutores As belas palavras podem levar os sujeitos agraves mais absurdas atitudes ou simplesmente natildeo significar nada aos ouvintes Tudo depende do modo com o qual vocecirc que se expressa o faz

O pathos de um discurso eacute determinante em relaccedilatildeo agrave longevidade de uma mensagem Por exemplo Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas seu modo de ser serve de conduta religiosa moral e eacutetica para todas as eacutepocas

Deste modo eacute a forma de se expressar em uma linguagem clara direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcanccedilar seu objetivo

O logos o discurso propriamente dito precisa de um ritmo de uma forma de um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

De acordo com Reboul (2004) um discurso eacute uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem Eacute a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado esperado em um discurso Se soubermos transmitir a mensagem poderemos alcanccedilar maior ecircxito em nossas intenccedilotildees Fica evidente que mesmo quando natildeo queremos dizer algo relevante sempre haacute um sentido no discurso proferido

Estamos falando de transmissatildeo de conteuacutedos atraveacutes da linguagem mas antes de seguirmos para os elementos do discurso precisamos esclarecer o que eacute a verossimilhanccedila pois sem entender isso natildeo podemos entender por que a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante tensatildeo com a verdade

O logos o discurso propriamente dito

precisa de um ritmo de uma forma de

um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer

ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

Atividade de Estudos

1) Explique o que vocecirc entende por verossimilhanccedila Leia o artigo disponiacutevel em lthttpsrepositorioufrnbrjspui

bitstream123456789164822MarcosAL_DISSERT_PARCIALpdfgt para lhe ajudar a responder

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Disposiccedilatildeo Elocuccedilatildeo Accedilatildeo e Invenccedilatildeo

Jaacute nos referimos agrave invenccedilatildeo que eacute a escolha dos argumentos pelo orador Passamos agora para a disposiccedilatildeo que de acordo com Reboul (2004) eacute a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala Eacute a retoacuterica da organizaccedilatildeo formal de um discurso seu plano de execuccedilatildeo

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul (2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase oral do discurso como muita gente pode pensar

Para Aristoacuteteles a retoacuterica assume uma dimensatildeo de amor agrave sabedoria Eacute o amor agrave sabedoria que permite agrave retoacuterica se aproximar da dialeacutetica pois eacute a oposiccedilatildeo de argumentos que produz um desenvolvimento da discussatildeo

Assim o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruccedila o retor As praacuteticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construccedilatildeo oratoacuteria ou seja sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniotildees e tambeacutem com as opiniotildees sobre o mundo Por conseguinte a retoacuterica eacute pensada por Aristoacuteteles como uma manifestaccedilatildeo de amor agrave sabedoria e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade inclusive com o aprimoramento do proacuteprio saber exposto nesse jogo social que eacute a arte retoacuterica Pelas razotildees acima citadas Reboul (2004 p 40) compara a retoacuterica de Aristoacuteteles com a de Isoacutecrates A retoacuterica de Aristoacuteteles estaacute bem proacutexima da retoacuterica de Isoacutecrates em termos de conteuacutedo A diferenccedila eacute que em Aristoacuteteles a retoacuterica eacute uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciecircncias exatas Estas ldquodemonstrativasrdquo atingem verdades ldquonecessaacuteriasrdquo que como os teoremas soacute podem ser o que satildeo possibilitando compreender e prever A retoacuterica por sua vez soacute atinge o verossiacutemil aquilo que acontece no mais das vezes mas que poderia acontecer de outra forma Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria a retoacuterica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinacircmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e ao mesmo tempo do aprimoramento de suas leis e costumes Creio natildeo ser exagero afirmar que em Aristoacuteteles a retoacuterica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul

(2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase

oral do discurso como muita gente

pode pensar

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que liguem o homem agraves soluccedilotildees de seus problemas pessoais e coletivos e agraves melhores opccedilotildees para a educaccedilatildeo dos jovens Essa arte tambeacutem eacute compromisso em educar para a sabedoria e nesse sentido cada cidadatildeo necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto os seus sentimentos desejos ambiccedilotildees natildeo esquecendo o bem da sociedade em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA 2011 p 80)

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo dos argumentos que

queremos apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer

Quando a accedilatildeo retoacuterica se manifesta por intermeacutedio de um discurso destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execuccedilatildeo daquilo que se propotildee a fazer Neste sentido Aristoacuteteles destaca na antiguidade que o sujeito que natildeo transmitir confiabilidade em seu discurso natildeo convence ningueacutem

Diante de ideias conflitantes entre si eacute comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiaacuteveis merecedoras de creacutedito Nessa perspectiva os encontros sociais entre retores podem ser bastante uacuteteis como oportunidades para tal busca e na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz surge um sentimento de grandeza da proacutepria razatildeo naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicaacutevel compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo Eacute esse o sentimento denominado de sublime ou sublimidade Para melhor compreendermos o sentimento do sublime recapitulemos que a verossimilhanccedila eacute caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que natildeo possibilitam respostas irrefutaacuteveis e que natildeo eacute raro o homem sentir-se constrangido inseguro e com medo diante do que eacute apenas verossiacutemil ou seja do que natildeo lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutaacutevel Visto por esse lado o que pomos em foco natildeo eacute o constrangimento diante de forccedilas fenomecircnicas de uma natureza ameaccediladora e externa ao ser humano (como vendavais tempestades maremotos terremotos etc) pois numa abordagem mais voltada para a produccedilatildeo dos discursos em um contexto social e cotidiano em muitos casos o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando natildeo encontra por exemplo respostas suficientemente confiaacuteveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhanccedila A superaccedilatildeo desse momento de constrangimento a ldquovolta por cimardquo atraveacutes do intelecto que identifica qual eacute o melhor discurso a vitoacuteria de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razatildeo gerando um aliacutevio pela suposta seguranccedila diante da diversidade de ideias antagocircnicas entre si Em Aristoacuteteles o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhanccedila - deve ser decorrecircncia direta da atitude genuiacutena de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiaacutevel possiacutevel) e nesse encaminhamento o faz sob o predomiacutenio da parte intelectiva da alma (a racionalidade) que seria segundo o Estagirita a melhor parte do homem (conforme jaacute vimos anteriormente) Nessa

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo

dos argumentos que queremos

apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final

do discurso que foi planejado de modo a

se expor o que se quer

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Oratoacuteria e Retoacuterica

perspectiva revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar natildeo soacute entre o que eacute o bem do que eacute o seu extremo contraacuterio mas tambeacutem distinguir o que eacute um bem maior diante de um bem menor escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser eacutetico aleacutem da importacircncia de saber defender as suas escolhas publicamente Eis que o sentimento do sublime nos termos aqui propostos aparece quando a razatildeo humana se depara com o verossiacutemil em busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial rumo ao possiacutevel sentimento de superioridade da razatildeo A inseguranccedila argumentativa que levaria a um natildeo saber identificar uma resposta confiaacutevel como costuma ocorrer na verossimilhanccedila seria algo anaacutelogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza esteacutetica de algum fenocircmeno da natureza Neste uacuteltimo caso o sentimento do sublime eacute tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquecircs de existirem os fenocircmenos ameaccediladores (como tempestades maremotos vendavais etc) cuja grandiosidade esteacutetica constrange inicialmente o ser humano Em se tratando da retoacuterica o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniotildees e encontra formas de identificar quais satildeo as ideias mais confiaacuteveis entre tantas que se oferecem para creacutedito Portanto em Aristoacuteteles na sua obra Retoacuterica o homem eacute idealizado como aquele cuja determinaccedilatildeo e coragem devem servir para a busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial frente agrave verossimilhanccedila Nesta o ser humano sente-se humilhado diante das proacuteprias incertezas e das ldquoverdadesrdquo oferecidas por discursos diversos que o circundam natildeo sabendo em qual delas - as supostas ldquoverdadesrdquo ndash acreditar mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiccediloamento dos discursos (LIMA 2011 p 104-105)

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhanccedila poderaacute desenvolver uma retoacuterica de boa qualidade que natildeo se confunde com aquilo que parece ser a verdade mas natildeo eacute a verdade loacutegica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto sobre o problema da presunccedilatildeo antever um argumento disponiacutevel em lthttpw3ufsmbrppgfwp-contentuploads201110PERELMANpdfgt paacutegina 35 e 36 e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar Por exemplo o seu trabalho seu lazer etc O texto eacute inspiraccedilatildeo para a construccedilatildeo do argumento

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

O desenvolvimento da retoacuterica atraveacutes dos seacuteculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa eacutepoca atual por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem Sem dominar bem o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retoacuterico Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa dominar o conteuacutedo a ser exposto de modo a permitir que natildeo seja enganado pela proacutepria linguagem

Este capiacutetulo eacute fundamental a vocecirc estudante para saber como a histoacuteria da retoacuterica trabalhou o problema da formulaccedilatildeo estruturaccedilatildeo e divisatildeo dos discursos Lembre-se vocecirc natildeo eacute o primeiro a querer expor uma ideia um argumento por isso natildeo se engane seus interlocutores entendem ou natildeo o que vocecirc quer expor na medida em que vocecirc se coloca de modo claro e distinto Se sua linguagem natildeo for adaptada ao local em que vocecirc fala sua mensagem natildeo seraacute transmitida como vocecirc quer

BRISSON Luc Leituras de Platatildeo Trad Socircnia Maria Maciel Porto Alegre EDIPUCRS 2003

BRUNSCHWIG J Diccionaire Critique Le Savoir Grecce Org Geossvey Lloyd Paris Flammarion 1996

CLAIumlM PERELMAN Retoacutericas Trad Maria Ermantina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

DELEUZE G Loacutegica dos Sentidos Trad Luiz Roberto Salinas Fontes Satildeo Paulo Ed Perspectiva 2000

DERRIDA Jacques A Farmaacutecia de Platatildeo Trad Rogeacuterio da Costa 3 ed Satildeo Paulo Iluminuras 2005

GOLDSCHMIDT V Os Diaacutelogos de Platatildeo Estrutura e Meacutetodo Dialeacutetico Trad Dion Davi Macedo Satildeo Paulo Loyola 2002

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos

e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para um bom orador

dominar seu tema para poder transmitir

essa mensagem Sem dominar bem

o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar

e demonstrar suas qualidades como retoacuterico

Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa

dominar o conteuacutedo a ser exposto de

modo a permitir que natildeo seja enganado

pela proacutepria linguagem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

MARCUSE H Eros e Civilizaccedilatildeo Trad Aacutelvaro Cabral 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1969

MORAES J Q Epicuro as luzes da eacutetica Satildeo Paulo Ed Moderna 1998

NIETZSCHE F O Nascimento da Trageacutedia Trad J Guinsburg Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos Sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Coleccedilatildeo Estudos Platocircnicos Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2009

Algumas ConsideraccedilotildeesA histoacuteria da oratoacuteria e da retoacuterica permite o entendimento de como somos

capazes de organizar e exprimir uma ideia Desta maneira um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforccedilo do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispotildee de modo adequado

Com efeito este capiacutetulo se empenhou em apresentar uma parte da histoacuteria da retoacuterica para deixar vocecirc estudante em condiccedilotildees de escolher bem suas formas de argumentar

ReferecircnciasANSELMO Monoloacutegio Satildeo Paulo Victor Civita 1991

CAMPOS R C A Formaccedilatildeo Educacional do Orador e a Retoacuterica como seu Instrumento de Accedilatildeo no Principado Fecircnix ndash Revista de Histoacuteria e Estudos Culturais JaneiroFevereiroMarccedilo de 2008 v 5 Ano V n 1 Disponiacutevel em ltwwwrevistafenixprobrgt Acesso em 26 maio 2017

SOUSA A de A Persuasatildeo - Estrateacutegias da comunicaccedilatildeo influente 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt Acesso em 22 maio 2017

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

LIMA M A A retoacuterica em Aristoacuteteles da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia Natal IFRN 2011

LUZ A R L Ensaios Filosoacuteficos V 1 outubro2010 Disponiacutevel em lthttpwwwensaiosfilosoficoscombrArtigosArtigo2Ana_Rosapdfgt Acesso em 27 maio 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SILVA R Curso de Oratoacuteria A Arte de Falar em Puacuteblico ou a Habilidade de Falar em Puacuteblico 2012 Disponiacutevel em lthttpconsulpamcombrwp-contentuploads2013084-OratC3B3riapdfgt Acesso em 26 maio 2017

SILVEIRA Caacutessio Rodrigo Paula Relendo Ciacutecero A formaccedilatildeo do orador e sua inserccedilatildeo na poliacutetica romana (Seacuteculo I a C) 2012

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Oratoacuteria e Retoacuterica

CAPIacuteTULO 3

A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apontar as diferentes formas de argumentos

Apresentar as implicaccedilotildees de um argumento Compromisso com a verdade ou com a forma

Fazer um argumento suas fragilidades e pontos fortes

Convencer ou defender a verdade

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

ContextualizaccedilatildeoEste capiacutetulo se destina a apresentar a vocecirc estudante uma perspectiva

filosoacutefica com desdobramentos teoloacutegicos para a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Destacaremos brevemente a sutil conexatildeo com a loacutegica sobretudo a silogiacutestica concatenaccedilatildeo em sequecircncia de premissas para formular um argumento

Oratoacuteria e Retoacuterica Filosoacutefica Na filosofia a oratoacuteria e retoacuterica cumprem um papel substancial pois eacute por

intermeacutedio dos argumentos e da exposiccedilatildeo destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades Observamos que nas maiores universidades da Europa a retoacuterica e a oratoacuteria perderam muito espaccedilo no ambiente acadecircmico

A Retoacuterica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituiccedilotildees europeias de ensino ao contraacuterio do que aconteceu nos Estados Unidos da Ameacuterica Embora tenham surgido na Europa algumas revistas sociedades de Retoacuterica reimpressotildees de textos claacutessicos e se tenham publicado seacuteries de estudos sobre Retoacuterica em editoriais de renome eacute impossiacutevel hoje qualquer consenso quanto agrave asserccedilatildeo de M Capella sobre a Retoacuterica como laquopotens rerum omnium reginaraquo ou quanto agrave promoccedilatildeo da Retoacuterica a laquorainha antiga e nova das ciecircnciasraquo assinada pelo professor de Retoacuterica de Tuebingen W Jens que antecipou a visatildeo utoacutepica da Retoacuterica como laquouma ciecircncia do futuroraquo proposta por J Dubois Poreacutem o fim da Retoacuterica como disciplina ou laquoRhetoricadocensraquo natildeo coincide com o desaparecimento da praacutexis retoacuterica (Rhetoricautens Oratoria Eloquentia) tampouco com a extinccedilatildeo da sua existecircncia residual em teorias de composiccedilatildeo literaacuteria em regras de comportamento em expressotildees do discurso pragmaacutetico nem com a cessaccedilatildeo da sua eficaacutecia histoacuterica na tipologia variada da histoacuteria das ideias e da cultura Eacute sobretudo a teoria retoacuterica do texto e a sua influecircncia histoacuterica a que o Ocidente se expocircs que merecem uma particular atenccedilatildeo dadas as suas estreitas relaccedilotildees com a Hermenecircutica e a Filosofia (PEREIRA 1994 p 6)

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo

consideradas subaacutereas de conhecimento filosoacutefico entendemos que para discutir bem o problema da argumentaccedilatildeo precisamos de uma discussatildeo profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retoacuterica no debate de ideias

A histoacuteria da Retoacuterica foi de fato a de uma laquorestriccedilatildeo generalizadaraquo na expressatildeo de G Genette ou de uma laquoextinccedilatildeo progressivaraquo segundo R Barthes ateacute se confundir com uma teoria dos tropos se recordarmos que a queda da cidade democraacutetica arrastou consigo a morte da intervenccedilatildeo poliacutetica da Retoacuterica e forccedilou o seu exiacutelio esteacutetico de cuja impotecircncia brotou a figura de uma laquoeloquentia tacensraquo embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retoacuterica judiciaacuteria e epidiacutectica respectivamente Expressotildees

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Oratoacuteria e Retoacuterica

como laquorenascimentoraquo ou laquoreabilitaccedilatildeo da Retoacutericaraquo laquoRhetorica redivivaraquo laquoRhetoric revaluedraquo laquoreturn of Rhetoricraquo laquoRhetoric resituatedraquo etc natildeo soacute repotildeem a Retoacuterica na raiz histoacuterica de muitas disciplinas modernas mas fazem dela um laquopotencial sugestivoraquo para a reformulaccedilatildeo da problemaacutetica do homem contemporacircneo embora se reconheccedila com P Ricoeur que a sua existecircncia como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos coleacutegios em meados do seacutec XIX A Retoacuterica de Aristoacuteteles foi uma teoria da argumentaccedilatildeo que se articulava com a sua vizinha loacutegica da demonstraccedilatildeo e com a filosofia uma teoria da elocuccedilatildeo e uma teoria da composiccedilatildeo do discurso Com a sua reduccedilatildeo tradicional a uma simples teoria da elocuccedilatildeo e depois a uma teoria dos tropos a Retoacuterica perdeu o laccedilo que a prendia agrave Filosofia e tornou-se laquouma disciplina erraacutetica e fuacutetilraquo O esquema da Retoacuterica de Aristoacuteteles representou a racionalizaccedilatildeo de uma disciplina que se propusera reger todos os usos da palavra puacuteblica sobretudo o seu poder de decisatildeo e o seu domiacutenio no tribunal na assembleia poliacutetica no elogio e no panegiacuterio O poder de dispor dos homens mediante o domiacutenio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de seduccedilatildeo e mentira a histoacuteria do discurso humano A loacutegica da verossimilhanccedila aparecia como uma soluccedilatildeo de recurso para uma Retoacuterica ferida de substancial ambiguidade As suas provas natildeo se regem pela loacutegica da necessidade mas do verossiacutemil e do contingente porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias natildeo obedecem aos quadros riacutegidos de uma axiomaacutetica dogmaacutetica O grande meacuterito de Aristoacuteteles foi ter elaborado o laccedilo entre o conceito retoacuterico de persuasatildeo e o conceito loacutegico de verossiacutemil e ter construiacutedo sobre esta relaccedilatildeo o edifiacutecio inteiro de uma Retoacuterica filosoacutefica (PEREIRA 1994 p 7)

Assim a retoacuterica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo Ao retomarmos o estudo dos gregos percebemos o grande valor desta na construccedilatildeo dos argumentos filosoacuteficos

Deste modo a oratoacuteria grega surge como um modo de exposiccedilatildeo de conceitos e definiccedilotildees que permitem o entendimento das grandes questotildees filosoacuteficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiaacuteveis

Sabemos que a discussatildeo filosoacutefica somente eacute possiacutevel se considerarmos a existecircncia de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias Eis que a retoacuterica para vocecirc estudante eacute uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se vocecirc quiser transmitir com qualidade a sua mensagem Por isso a importacircncia da retoacuterica eacute substancial na organizaccedilatildeo e difusatildeo de um discurso elaborado e de boa qualidade

A Retoacuterica partilha com a Poeacutetica e a Hermenecircutica o terreno do discurso articulado em configuraccedilotildees mais extensas do que a frase ou unidade miacutenima em que algueacutem diz algo a algueacutem sobre alguma coisa realizando a triacuteplice mediaccedilatildeo entre homem e mundo homem e outro homem e homem e si-mesmo O discurso retoacuterico eacute o mais antigo discurso racional hiperfraacutestico do Ocidente nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no seacutec VI aC mas dominado pela ambiccedilatildeo de cobrir o campo inteiro

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

do uso discursivo da linguagem Por isso o modelo retoacuterico de argumentaccedilatildeo pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razatildeo praacutetica (moral direito poliacutetica) e do campo inteiro da Filosofia Orientada para o ouvinte a argumentaccedilatildeo retoacuterica eacute uma teacutecnica de persuasatildeo em que dizer eacute fazer eacute conquistar o assentimento do auditoacuterio e por isso o discurso retoacuterico eacute ilocutoacuterio e perlocutoacuterio Neste caso a argumentaccedilatildeo natildeo inova porque o orador se adapta agrave temaacutetica das ideias admitidas limitando-se a transferir para as conclusotildees a adesatildeo concedida agraves premissas e desenvolvendo teacutecnicas intermediaacuterias sempre em funccedilatildeo da adesatildeo efetiva ou presumida do auditoacuterio A vulnerabilidade do discurso retoacuterico estaacute patente pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar do acordo preacutevio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos da arte de agradar para a arte de seduzir do discurso da constituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade e da sua identidade para a perversatildeo do discurso ideoloacutegico No iniacutecio da deacutecada de 80 falava-se da marcha imparaacutevel da Retoacuterica que invadia a Estiliacutestica Estrutural a Teoria do Texto e da Literatura e a Semacircntica Linguiacutestica enquanto as Ciecircncias Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influecircncias marcantes da Retoacuterica regressada para os mais entusiastas do exiacutelio apoacutes a caluacutenia de que teria sido viacutetima (PEREIRA 1994 p 8)

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retoacuterica e da

oratoacuteria existem outros tantos que reconhecem seu caraacuteter imprescindiacutevel na elaboraccedilatildeo e exposiccedilatildeo de textos filosoacuteficos e teoloacutegicos Ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve ficar bem explicado que haacute um meacutetodo que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulaccedilotildees retoacutericas de todo o pensamento ocidental Pereira (1994) reconhece essa influecircncia e explica o problema de maneira bastante detalhada

A filosofia de Protaacutegoras eacute uma fundamentaccedilatildeo da Retoacuterica pois o laquohomo mensuraraquo enquanto laquohomo loquensraquo condensa a Antropologia da Retoacuterica em que o acordo eacute realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades praacuteticas de cooperaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo porque faltam no ponto de vista bioloacutegico laquoregulaccedilotildees preacuteviasraquo e laquoestruturas de adaptaccedilatildeoraquo e esta falha natildeo pode ser compensada com ecircxito por evidecircncias teoacutericas e normativas nem por mecanismos de coaccedilatildeo poliacutetica A Sofiacutestica como resposta agrave crise provocada pela perda de crenccedila nas grandes narraccedilotildees coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicaccedilatildeo linguiacutestica sem qualquer referente real mas com poder de decidir do sentido da realidade Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor deixou a Retoacuterica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassaacutevel e jamais definitiva mas sempre convencional e provisoacuteria Com o laquolinguisticturnraquo proveniente da Filosofia Analiacutetica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L Wittgenstein a linguagem deixou de ser mera expressatildeo da consciecircncia mas o acontecimento da proacutepria consciecircncia cuja estruturaccedilatildeo linguiacutestica se tornou objeto da reflexatildeo filosoacutefica Enquanto J Habermas soacute no comeccedilo dos anos 80 realizou a sua viragem linguiacutestica tomando por modelo de accedilatildeo comunicativa

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a concepccedilatildeo de linguagem de K Buehler os estudos realizados por K O Apel nos anos 50 prepararam jaacute a transformaccedilatildeo linguiacutestico-hermenecircutica do Kantismo e a sua tese de habilitaccedilatildeo intitulada A Ideia de Linguagem na Tradiccedilatildeo do Humanismo de Dante ateacute Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova laquoPrima Philosophiaraquo que substituiacutea a velha Ontologia por ser a radicalizaccedilatildeo da criacutetica kantiana do conhecimento e a sua transformaccedilatildeo em criacutetica da linguagem que eacute uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicaccedilatildeo sem exclusotildees nem repressotildees A valorizaccedilatildeo da Sofiacutestica e da Retoacuterica natildeo reprimiu a consciecircncia dos perigos dos equiacutevocos histoacutericos do discurso retoacuterico e por isso K O Apel distingue da Retoacuterica da persuasatildeo psicoloacutegica a Retoacuterica da convicccedilatildeo cuja loacutegica de argumentaccedilatildeo pragmaacutetica permite reconstruir idealmente as condiccedilotildees de um consenso verdadeiro e universalizaacutevel ou do auditoacuterio universal segundo a terminologia de Ch Perelman Na comunicaccedilatildeo argumentativa de J Habermas eacute indissoluacutevel a vinculaccedilatildeo de teoria e praacutexis pois a ciecircncia natildeo eacute neutra mas orientada por determinados interesses que satildeo as suas condiccedilotildees transcendentais de possibilidade J Habermas apropriou-se de uma divisatildeo do saber que em 1929 Max E Scheler propusera na sua obra Visatildeo Filosoacutefica de Mundo laquosaber de domiacutenioraquo laquosaber formativoraquo e laquosaber salvadorraquo (PEREIRA 1994 p 50-51)

O caminho percorrido pela retoacuterica referenciado anteriormente mostra as variaccedilotildees entre teoria e praacutetica ao longo dos seacuteculos no Ocidente Com efeito as variaccedilotildees apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes agrave argumentaccedilatildeo

Oratoacuteria e Retoacuterica TeoloacutegicaA retoacuterica e a oratoacuteria teoloacutegica natildeo satildeo muito diferentes da retoacuterica e oratoacuteria

filosoacutefica mas o objetivo eacute outro Se a retoacuterica filosoacutefica se propotildee ao debate de ideias e sua contraposiccedilatildeo para produzir um debate e uma estrutura dialeacutetica a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento Para construir um argumento que convenccedila a plateia o orador deve observar alguns criteacuterios Reboul (apud SEGUNDO 2006 p 75)

[] pontua as cinco caracteriacutesticas que diferenciam fundamentalmente a demonstraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo1 nesta o discurso sempre se dirige a um auditoacuterio que para Reboul eacute sempre particular de modo que o auditoacuterio universal se constitui apenas em uma pretensatildeo abstraccedilatildeo ou ideal argumentativo 2 aleacutem disso a argumentaccedilatildeo expressa-se em liacutengua natural sofrendo as consequecircncias de sua opacidade

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

3 por trabalhar com o verossiacutemil as premissas argumentativas nunca satildeo verdades propriamente ditas o que demanda uma relaccedilatildeo interpessoal de confianccedila atenccedilatildeo e reconhecimento de autoridade da parte do auditoacuterio em relaccedilatildeo ao orador 4 nesse sentido a progressatildeo dos argumentos depende do orador que procuraraacute ordenaacute-los de modo a satisfazer as condiccedilotildees de persuasatildeo projetadas por ele acerca daquele auditoacuterio 5 por conseguinte as conclusotildees tornam-se sempre contestaacuteveis jaacute que o auditoacuterio pode rejeitaacute-las ou aceitaacute-las mediante seu julgamento Consequentemente natildeo cabe na argumentaccedilatildeo isolar razatildeo e emoccedilatildeo As duas caminham necessariamente juntas na medida em que crenccedilas satildeo intrinsecamente afetivas e afetaratildeo o julgamento e a conclusatildeo independentemente do caminho racional da disposiccedilatildeo argumentativa apresentada (SEGUNDO 2006 p 75)

Desta maneira a principal diferenccedila presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teoloacutegicas em questatildeo Por isso a verdade teoloacutegica transmitida pela chamada oratoacuteria e retoacuterica teoloacutegica deve levar o interlocutor ao convencimento Neste aspecto o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem

A vocecirc estudante da disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ficar claro que na teologia natildeo podem ser produzidas questotildees que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem soluccedilatildeo Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposiccedilotildees sobre aquilo que a dimensatildeo teoloacutegica abarca e o que escapa a este modo de pensar Citamos na sequecircncia um exemplo de discurso para que vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica entenda como podemos interpretar os diversos significados A discussatildeo toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte

Figura 1 ndash Exemplo de discurso tirinha Mafalda

Fonte Disponiacutevel em lthttpastroptorgblogwp-contentuploads201201Mafalda1jpggt Acesso em 10 jul 2017

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Observamos que a discussatildeo natildeo possui nenhum argumento empiacuterico que sustente a possibilidade evocada mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor

Na teologia observamos uma terminologia proacutepria que o indiviacuteduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer vejamos um exemplo

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica Jesus lhe responde com outra pergunta ldquoQue estaacute escrito na Lei Como interpretasrdquo - que embora de forma impliacutecita estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princiacutepios da sagrada Lei de Deus Inquirido o inteacuterprete da Lei respondeu ldquoAmaraacutes o Senhor teu Deus de todo o teu coraccedilatildeo de toda a tua alma com toda a tua forccedila e de todo o teu entendimento e a teu proacuteximo como a ti mesmordquo A resposta evidencia uma correlaccedilatildeo de dois textos mosaicos Deuteronocircmio 6 5 e Leviacutetico 19 18 Utilizados assim permitem ao inteacuterprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essecircncia de toda a religiatildeo Ao findar o primeiro instante do debate Jesus respondeu de maneira notaacutevel agrave pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar ldquoRespondeste corretamente faze isto e viveraacutesrdquo O verbo grego ποιέω comumente traduzido por ldquofazerrdquo ldquopraticarrdquo encontra-se nesse versiacuteculo no particiacutepio imperfeito ποίει expressando dessa forma uma ideia de accedilatildeo constante de praacutetica vitaliacutecia Com efeito a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergecircncia entre ortodoxia e ortopraxia A premissa teoloacutegica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e concomitantemente com o evangelho de Jesus Entretanto o cerne da questatildeo era Seraacute que este inteacuterprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo A disposiccedilatildeo cognitiva deste doutor era excelente no entanto seu desempenho ainda era questionaacutevel Ao analisar essa paraacutebola Joachim Jeremias afirma O fato de Jesus surpreendentemente remetecirc-lo ao agir como sendo a vida para a vida deve se entender a partir igualmente desta situaccedilatildeo concreta todo o conhecimento teoloacutegico de nada serve se o amor para com Deus e para com o proacuteximo natildeo determinar a direccedilatildeo da vida A proposta filosoacutefica da eacutetica da alteridade encontra profundas raiacutezes nesta premissa teoloacutegica Eacute inevitaacutevel a identificaccedilatildeo do projeto filosoacutefico levinasiano com a Lei de Moiseacutes uma vez que Levinas fora instruiacutedo em um contexto marcado por um profundo espiacuterito de dedicaccedilatildeo agrave Lei Nilo Ribeiro Juacutenior ao descrever a relaccedilatildeo entre Levinas e as Escrituras sublinha que ldquoo ponto de partida do pensamento filosoacutefico levinasiano eacute a Escritura considerada como fonte natildeo filosoacutefica da filosofiardquo Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profeacutetico de amor a Deus e ao proacuteximo Essa nova concepccedilatildeo da tarefa da filosofia rompeu com a claacutessica definiccedilatildeo da filosofia enquanto ldquoamor agrave sabedoriardquo estabelecendo-a como ldquosabedoria de amarrdquo Em Levinas a verdadeira sabedoria natildeo consiste em uma reflexatildeo teoreacutetica ou mesmo em um vil conhecimento cientiacutefico que tende a reduzir os sujeitos a objetos mas consiste em uma vivecircncia de amor compassivo que se faz responsabilidade pelo outro como expressatildeo radical do amor a Deus e escopo do ser humano Dessa forma toda a reflexatildeo levinasiana eacute um postulado do amor proposto pela Lei mosaica interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON ALMEIDA 2016 p 51-52)

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Deste modo o teoacutelogo articula uma sequecircncia teoloacutegica de argumentos com um pensamento filosoacutefico de um autor contemporacircneo tomando o cuidado de complementar as ideias

Por isso a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica possuem forte inclinaccedilatildeo ao convencimento e agrave persuasatildeo que dependem sobretudo do caraacuteter e da formaccedilatildeo do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos Em outras palavras a formaccedilatildeo moral dos dirigentes religiosos padres pastores e outros precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito

Moral e Retoacuterica Aspectos Fundamentais

A relaccedilatildeo entre moral e retoacuterica eacute uma das questotildees muito importantes para vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica pois eacute uma questatildeo que implica na exposiccedilatildeo dos argumentos Antes de detalharmos o problema da moral precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicaccedilatildeo de fenocircmenos e de seus signos e representaccedilotildees

Das narraccedilotildees miacuteticas chegaram-nos as metaacuteforas da morada e do caminho da retidatildeo da vida e da erracircncia e foi ainda em termos de ecircxodo que I Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova eacutepoca da razatildeo laquoAufklaerung eacute a saiacuteda do homem da sua menoridade culpaacutevelraquo Esta libertaccedilatildeo da casa-prisatildeo da razatildeo menor teve uma provocante traduccedilatildeo na secularizaccedilatildeo dos quatro sentidos da Escritura em vez do sentido literal ou histoacuterico da realidade a posiccedilatildeo transcendental constituinte de objetos para noacutes com a suspensatildeo da inatingiacutevel coisa-em-si em vez do sentido tropoloacutegico ou moral inseparaacutevel da teologia a pergunta eacutetica racional pelo que eu devo fazer em vez do sentido alegoacuterico ou simboacutelico a pergunta da razatildeo pelo que se pode humanamente conhecer em vez do sentido anagoacutegico ou miacutestico a pergunta racional pelo que se pode esperar A maioridade da razatildeo estaacute na reduccedilatildeo de todas as perguntas agrave pergunta pelo homem e consequentemente de todas as respostas a proposiccedilotildees racionais dentro dos limites humanos do conhecer do agir e do esperar Apoacutes a eliminaccedilatildeo kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploraccedilatildeo dentro da filosofia da vida da linguagem enquanto notificadora de vivecircncias do sujeito G Frege distinguiu em 1892 na concepccedilatildeo global de sentido dois momentos o do sentido propriamente dito e o da relaccedilatildeo agraves coisas que a versatildeo francesa traduziu por laquodenotaccedilatildeoraquo e a inglesa por laquoreferecircnciaraquo Agrave distinccedilatildeo entre a realidade material e as dimensotildees psicoloacutegica loacutegica e referencial do signo G Frege acrescentou que natildeo eacute o ato do intelecto mas o signo que pelo sentido e pela referecircncia realiza a verdade como adequaccedilatildeo ou tracircnsito do sentido para a referecircncia modelarmente realizado pelas ciecircncias (PEREIRA 1994 p 23)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relaccedilatildeo agrave linguagem e o alcance de seus discursos retoacutericos Conforme entende Reboul (2004) a retoacuterica e a oratoacuteria possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variaccedilotildees natildeo haacute evoluccedilatildeo no pensamento filosoacutefico retoacuterico Eacute a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento

Neste sentido a moral (Kant) do orador ou seja as virtudes morais do orador satildeo importantes para que se possa produzir um modo de exposiccedilatildeo adequado das ideias ou argumentos

A questatildeo da autoridade moral ligada agrave pessoa do orador se recoloca em um primeiro sentido trata-se realmente dos seus caracteres reais Assim Bourdaloue afirma que ldquo1 o orador convenceraacute por argumentos se para bem dizer ele comeccedilar por pensar bem 2 Ele agradaraacute pelos seus modos se para pensar bem ele comeccedilar por bem viverrdquo Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espiacuteritos No entanto Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retoacutericas de Gibert de Crevier e de outros para mostrar que a questatildeo da moralidade natildeo elidia nos claacutessicos a ideia de uma construccedilatildeo do orador pelo seu discurso Eacute o sentido dos ldquocaracteres oratoacuteriosrdquo ou imagem produzida pelo discurso a ser distinguido dos caracteres reais Distinguimos caracteres oratoacuterios de caracteres reais Isso natildeo apresenta dificuldades pois quer algueacutem efetivamente honesto quer seja piedoso religioso modesto justo faacutecil no conviacutevio com o mundo ou ao contraacuterio quer seja corrompido [] aqui estaacute o que chamamos caracteres reais Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso isso se chama caracteres oratoacuterios quer ele seja tal como pareccedila ser quer pareccedila mesmo sem o ser Pois pode-se mostrar algo sem secirc-lo e pode-se natildeo parecer tal e ainda assim o ser pois isso depende da maneira como se fala A preocupaccedilatildeo com a moral impede a dissociaccedilatildeo clara dos dois planos assim distinguidos Gibert nota que os caracteres ldquomarcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o oradorrdquo Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais claacutessicos que a eficaacutecia do discurso deriva claramente dos caracteres oratoacuterios e natildeo dos caracteres reais Eacute interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma anaacutelise do ethos definido como a construccedilatildeo de uma imagem de si correspondente agrave finalidade do discurso (AMOSSY 2005 p 18)

Com efeito a moral do orador ou da retoacuterica natildeo eacute regra aplicada aos outros mas a vocecirc que deseja ser um bom expositor de pensamentos Eacute fundamental a intenccedilatildeo do orador se sua intenccedilatildeo eacute ludibriar convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais Na retoacuterica de nossos dias muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexatildeo mais profunda

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Uma teoria do ethos fundada na uniatildeo entre a retoacuterica e a narratologia foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W Halsal para a ldquonarrativa pragmaacuteticardquo Ela se funda no exame da concepccedilatildeo aristoteacutelica de autoridade aplicada a uma questatildeo frequentemente debatida na poeacutetica da narrativa a da credibilidade do narrador A escola americana do ldquoponto de vistardquo iniciada por Percy Lubbock a narratologia de Kaumlte Hamburguer e de Doritt Cohn as taxionomias de Geacuterard Genette e de Mieke Bal fornecem noccedilotildees (como a voz e o modo narrativos a focalizaccedilatildeo) e as distinccedilotildees (entre autornarradorpersonagem e tambeacutem entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questatildeo da imagem do locutor no quadro especiacutefico da narraccedilatildeo Halsall combina esses dados com os fornecidos natildeo soacute pela Retoacuterica mas tambeacutem pela Poeacutetica de Aristoacuteteles para ver como e em que condiccedilotildees o enunciador parece confiaacutevel aos olhos do leitor Ao fazecirc-lo Halsall reformula a problemaacutetica do ldquonarrador digno de confianccedilardquo em termos greimasianos de ldquocontrato fiduciaacuteriordquo Toda comunicaccedilatildeo estaacute fundada em uma confianccedila miacutenima entre os protagonistas e cabe a uma retoacuterica narrativa segundo o autor determinar como ldquoa enunciaccedilatildeo contribui para criar no enunciataacuterio uma relaccedilatildeo de confianccedila fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencerrdquo O interesse pela narrativa proveacutem segundo Halsall da complexidade e frequentemente da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas De fato o ponto de vista e a voz do personagem natildeo remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegeacutetico A autoridade acordada a um ou a outro natildeo eacute natural e deve ser negociada As diferentes possibilidades satildeo o apanaacutegio do narrador que se manteacutem fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual por exemplo) e do narrador intradiegeacutetico (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar) Entretanto a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar oferecendo assim numerosos casos de indefiniccedilatildeo acerca da confiabilidade do enunciador e consequentemente do sentido do enunciado A narrativa pragmaacutetica que visa a persuadir tende a reduzir ao maacuteximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso Nessa oacutetica Halsall examina as diferentes figuras que a retoacuterica coloca agrave disposiccedilatildeo da narraccedilatildeo para assegurar a autoridade do narrador O autor as divide seguindo Aristoacuteteles em dois grupos o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos e o dos argumentos internos ao discurso Na primeira categoria ele agrupa o apelo aos princiacutepios atestados ou apodeixis (a nota aforiacutestica) o proveacuterbio ou a sentenccedila o apelo agrave proacutepria experiecircncia ou martyria as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc A segunda categoria compreende o panegiacuterico dos ouvintes (comprobatio) a declaraccedilatildeo de boas intenccedilotildees (eucharistie) etc Outras figuras pertencem ao pathos a simulaccedilatildeo de submissatildeo (philophronegravese) e o eulogie ou becircnccedilatildeo A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptaacute-las agraves estrateacutegias narrativas Halsall o demonstra em diversas narrativas literaacuterias entre as quais O uacuteltimo dia de um condenado de Victor Hugo (AMOSSY 2005 p 20-22)

Essa teoria que une a retoacuterica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada Natildeo basta um modelo estiliacutestico eacute preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt paacutegina 25 a 26 e explique o que vocecirc entende sobre a possibilidade de uma retoacuterica integrada agrave linguiacutestica Explique com suas palavras

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Argumentaccedilatildeo Pedagoacutegica Filosoacutefica

A argumentaccedilatildeo retoacuterica pode ser pedagoacutegica ou filosoacutefica Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica eacute aquela que produz um efeito educativo quer constranger o outro indiviacuteduo a seguir aquilo que estaacute sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI 2012) Jaacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica eacute aquela em que se prioriza a exposiccedilatildeo de ideias e que implica necessariamente em um debate ou na exposiccedilatildeo linear e concatenada de argumentos

Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte Com efeito para falarmos de uma retoacuterica e de uma oratoacuteria pedagoacutegica precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas

A Pedagogia Retoacuterica por conseguinte ressaltou especialmente o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores Por essa razatildeo era por natureza canocircnica Segundo Burton (1994 p 96) a Pedagogia Retoacuterica repousa numa iacutentima relaccedilatildeo entre leituraescrita e observaccedilatildeocomposiccedilatildeo Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas anaacutelise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecaccedilatildeo do texto modelo praelectio) e gecircnese A observaccedilatildeo de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiccediloa a fala e a escrita Assim o incentivo agrave leitura natildeo se deve somente agrave busca do conteuacutedo mas tambeacutem agrave busca de teacutecnicas e estrateacutegias uacuteteis Tais teacutecnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes atraveacutes de vaacuterios tipos de exerciacutecios de imitaccedilatildeo ndash

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Imitatio Esse termo imitatiomiacutemesis (imitaccedilatildeo) em sua origem refere-se agrave accedilatildeo ou faculdade de imitar de copiar de reproduzir ou representar a natureza o que para Aristoacuteteles eacute o fundamento da arte Entretanto a imitatio natildeo eacute exclusividade da gecircnese da arte Toda accedilatildeo humana inclui procedimentos mimeacuteticos a aptidatildeo do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitaccedilatildeo Desse modo Aristoacuteteles defendia que eacute a miacutemesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1 IV) Portanto a imitatio eacute sem duacutevida o maior pilar da Pedagogia Retoacuterica Outra concepccedilatildeo basilar para a Retoacuterica eacute a divisatildeo entre ldquoo que eacuterdquo comunicado por meio da linguagem e ldquocomordquo isso eacute comunicado a distinccedilatildeo entre forma e conteuacutedo ndash para Aristoacuteteles logos e lexis res e verba para Quintiliano bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luiacutes Vives Essa divisatildeo embora questionaacutevel e questionada ndash jaacute que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisiacutevel da expressatildeo verbal e das ideias ndash eacute muito uacutetil se entendida como um artifiacutecio para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retoacuterica na qual a praacutetica da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteuacutedo (SOUKI 2012 p 2)

Nesse sentido o sujeito que utiliza da argumentaccedilatildeo pedagoacutegica sempre se preocupa em expor um argumento para algueacutem e como consequecircncia quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor

Se a opccedilatildeo do orador for utilizar argumentaccedilatildeo filosoacutefica deve ficar claro que o sujeito supotildee uma oposiccedilatildeo de argumentos ou uma exposiccedilatildeo com sequecircncia loacutegica e com uma finalidade de expor as ideias natildeo necessariamente o convencimento

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposiccedilatildeo de argumentos Vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ter em mente essa distinccedilatildeo para escolher o modo adequado de argumentaccedilatildeo

Eacute importante recordar alguns pontos fundamentais da retoacuterica e da oratoacuteria para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela

Embora se deva a Hermaacutegoras o mais antigo tratamento dos estudos retoacutericos foi Ciacutecero que efetivamente legou para a posteridade essa divisatildeo dos estudos retoacutericos como os Cacircnones da Retoacuterica (Ciacutecero De Inuentione 17 Ciacutecero De Oratore 131-142 Quintiliano Institutio Oratoria 33) Foram organizados em cinco categorias invenccedilatildeo (Inuentio) arranjo (Dispositio) estilo (Elocutio) memoacuteria (Memoria) e apresentaccedilatildeoperformance (Pronuntiatio) Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a criacutetica do discurso e portanto se configuravam em um padratildeo para a educaccedilatildeo retoacuterica e para o ensino da gecircnese dos discursos Particularmente o cacircnone heuresisinuentio que significa descoberta de fontes para a persuasatildeo discursiva estaacute latente em todo problema retoacuterico O proacuteprio termo latino

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Oratoacuteria e Retoacuterica

inuentio do grego heuresis em portuguecircs significa invenccedilatildeo ou descoberta Esse cacircnone foi na antiguidade um dos processos mais teorizados por estudiosos retoacutericos da eacutepoca principalmente por Aristoacuteteles que definia a Retoacuterica como invenccedilatildeo Por isso a categoria invenccedilatildeo estaacute relacionada agrave essecircncia da persuasatildeo e argumentaccedilatildeo dessa arte milenar Para ele a Retoacuterica era uma das melhores formas de persuasatildeo (ARISTOacuteTELES Retoacuterica I 2) A Retoacuterica pode ser considerada uma disciplina praacutetica cujos preceitos se datildeo a partir de ferramentas a serem aplicadas na praacutetica E como a Retoacuterica na antiguidade natildeo dispunha de uma mateacuteria proacutepria os oradores tinham como meacuterito poder falar sobre qualquer assunto Na praacutetica entretanto os discursos eram para os oradores um desafio Isso na medida em que era necessaacuterio propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender Como preconizava Ciacutecero aleacutem do gecircnio inato era necessaacuterio ao orador o meacutetodo isto eacute a Retoacuterica para entatildeo buscar os melhores argumentos Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retoacuterica jaacute estaria em vantagem e que na falta dele era imperioso ao orador buscar artifiacutecios para descobrir argumentos Nesse caso a invenccedilatildeo ou heuresisinuentio era o meacutetodo para demarcar a descoberta desses argumentos Dessa maneira eacute fundamental nesta parte salientar os dois grandes tipos de argumentos de acordo com Aristoacuteteles Satildeo os seguintes os natildeo retoacutericos e os retoacutericos Os primeiros natildeo faziam parte da Retoacuterica eram argumentos externos agrave arte Os oradores ao utilizaacute-los natildeo necessitavam inventaacute-los descobri-los Dessa maneira precisavam apenas localizaacute-los e adequaacute-los ao discurso Acontece entre outros processos por meio do raciociacutenio loacutegico Por sua vez ocorre por induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentaccedilatildeo ou seja a utilizaccedilatildeo dos argumentos natildeo retoacutericos jaacute que se faz importante conhececirc-los compreendecirc-los e entatildeo utilizaacute-los adequadamente quando conveniente (SOUKI 2012 p 4)

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um

pensamento eacute a capacidade que iraacute distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um puacuteblico Desta maneira conforme jaacute apontou Soacutecrates devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a anaacutelise dos argumentos

A parte do diaacutelogo platocircnico apresentada na sequecircncia permite a vocecirc estudante um entendimento e uma aproximaccedilatildeo detalhada de um discurso retoacuterico refinado

Estrangeiro mdash Logo se haacute discurso verdadeiro e discurso falso e o pensamento se nos revelou como conversaccedilatildeo da alma consigo mesma e opiniatildeo como a conclusatildeo do pensamento vindo a ser o que designamos pela expressatildeo imagino uma mistura de sensaccedilatildeo e opiniatildeo forccediloso eacute que algumas sejam falsas dadas suas afinidades com o discursoTeeteto mdash Sem duacutevidaEstrangeiro mdash Como jaacute percebeste apanhamos mais depressa do que esperaacutevamos a falsa opiniatildeo e o falso discurso pois natildeo faz muito tiacutenhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizaacutevel

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Teeteto mdash Jaacute percebi realmenteXLVIII mdash Estrangeiro mdash Por isso natildeo desanimemos ante o que ainda nos falta realizar e jaacute que conseguimos chegar ateacute aqui voltemos a tratar de nosso processo de divisatildeoTeeteto mdash Que divisatildeoEstrangeiro mdash Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens a da coacutepia e a dos simulacrosTeeteto mdash CertoEstrangeiro mdash E tambeacutem nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delasTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash E no auge de nossa confusatildeo trevas ainda mais densas nos envolveram com apresentar-se-nos o argumento de contestaccedilatildeo universal de que natildeo existe absolutamente nem coacutepia nem simulacro visto natildeo ser possiacutevel haver seja onde for qualquer espeacutecie de falsidadeTeeteto mdash Falaste com muito acertoEstrangeiro mdash Poreacutem uma vez provada a existecircncia de falsos discursos e de opiniotildees falsas eacute possiacutevel que haja imitaccedilatildeo dos seres e que dessa disposiccedilatildeo do espiacuterito nasccedila uma arte da falsidadeTeeteto mdash Eacute possiacutevel (PLATAtildeO 1980a p 66)

Cabe ao estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caraacuteter e a suas convicccedilotildees pessoais para explicar e expor uma mensagem teoloacutegica filosoacutefica ou de outra ordem

Figuras de Pensamento e Figuras de Construccedilatildeo

As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL 2004) Desta maneira podemos falar de simples comparaccedilotildees que satildeo simplesmente cotidianas em nossos argumentos Podemos falar tambeacutem de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que satildeo muito comuns em meios juriacutedicos para suavizar determinados atos Merecem menccedilatildeo ainda os eufemismos linguiacutesticos que querem suavizar uma situaccedilatildeo insuportaacutevel Entre outros podemos falar ainda de argumentos comparativos indicativos ambiacuteguos literais e impliacutecitos

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento o efeito resultante seraacute condicionado agrave amplitude da possibilidade que este tiver Por exemplo para convencer um determinado puacuteblico o orador escolhe um argumento indicativo e direto O resultado estaacute condicionado ao niacutevel da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou natildeo no convencimento mas o tipo do argumento eacute o principal determinante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Agumas ConsideraccedilotildeesOs aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como

a retoacuterica e a oratoacuteria no decorrer da histoacuteria do conceito se desenvolveram E conforme aponta Reboul (2004) natildeo existe uma evoluccedilatildeo positivista na construccedilatildeo dos argumentos

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retoacuterica e da

oratoacuteria com periacuteodos de destaque e outros de esquecimento Deve ficar claro que tanto a retoacuterica construccedilatildeo de argumentos quanto a oratoacuteria exposiccedilatildeo destes satildeo componentes do cotidiano de nossas existecircncias

ReferecircnciasAMOSSY Ruth Da noccedilatildeo retoacuterica de ethos agrave anaacutelise do discurso Imagens de si no discurso a construccedilatildeo do ethos Satildeo Paulo Contexto p 9-28 2005 Disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt Acesso em 12 jun 2017

CHACON Almeida Deus no Outro a noccedilatildeo cristatilde de espiritualidade e sua interface com a eacutetica da alteridade Revista Eletrocircnica Espaccedilo Teoloacutegico Vol 10 n 18 juldez 2016 p 48-60 Disponiacutevel em lthttprevistaspucspbrindexphpreveleteogt Acesso em 15 jun 2017

PLATAtildeO Fedro Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980a

_______ Goacutergias Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980b

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

PEREIRA M P Retoacuterica hermenecircutica e filosofia Revista filosoacutefica de Coimbra n 5 v 3 1994 pp 5-70 Disponiacutevel em lthttpwwwucptflucdfcipublicacoesretorica__hermeneutica_e_filosofiagt Acesso em 10 jun 2017

SEGUNDO P R G Resenha de Olivier Reboul Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

SOUKI J D O Argumentaccedilatildeo a pedagogia retoacuterica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva 2012 Disponiacutevel em lthttprevistaarnaldocostatecscombrindexphpfaculdadedireitoarnaldoarticledownload2014gt Acesso em 13 jun 2017

CAPIacuteTULO 4

Implicaccedilotildees da Retoacuterica

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Escolher argumentos e formas de oratoacuteria para alguns grupos de pessoas

Diferenciar as hipoacuteteses de teses e posturas retoacutericas acerca de um tema

Construir um argumento retoacuterico que convenccedila

Formular uma oratoacuteria para um determinado puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo procuramos apresentar a vocecirc estudante de oratoacuteria e

retoacuterica uma reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequecircncias destas escolhas

Implicaccedilotildees do ArgumentoQuando enunciamos um argumento devemos saber quais as devidas

implicaccedilotildees do que estamos expondo Ao apresentarmos um determinado argumento devemos saber de suas fontes se ele tem ou natildeo alguma relaccedilatildeo com a verdade no sentido platocircnico que remete agrave epistemologia dos fatos ou se eacute uma mera suposiccedilatildeo do intelecto que produz determinadas situaccedilotildees como fruto de nossa imaginaccedilatildeo

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenios ele natildeo pode ser um enunciado vazio sem coerecircncia interna Para que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica entenda o que estaacute sendo dito daremos alguns exemplos

Exemplo (a) Soacutecrates eacute homem Todos os homens satildeo mortais Logo Soacutecrates eacute mortal (b) Vovoacute se chama Ana Vovocirc se chama Luacutecio Consequentemente eu me chamo Ana Luacutecia (c) Haacute exatamente 136 caixas de laranja no depoacutesito Cada caixa conteacutem pelo menos 140 laranjas Nenhuma caixa conteacutem mais do que 166 laranjas Deste modo no depoacutesito estatildeo pelo menos seis caixas contendo o mesmo nuacutemero de laranjas (VIANA 2012 p 4)

Natildeo queremos entrar em detalhes loacutegicos formais dos argumentos pois o

estudante de oratoacuteria e retoacuterica natildeo precisa de formalidades filosoacuteficas com detalhamentos matemaacuteticos Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema os estilos e a finalidade de seu argumento

Deste modo as implicaccedilotildees de um determinado argumento satildeo mensuraacuteveis ou seja calculaacuteveis Com efeito vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silecircncio Em muitos momentos da convivecircncia humana argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada logo o silecircncio tambeacutem eacute um argumento saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado por isso citamos um texto juriacutedico para o aluno distinguir do de teologia

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica

de raciociacutenios ele natildeo pode ser um

enunciado vazio sem coerecircncia interna

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Argumentar eacute o ato de produzir argumentos Produzir um argumento eacute apresentar razotildees em defesa de uma conclusatildeo Essa natildeo eacute a uacutenica definiccedilatildeo possiacutevel do ato de argumentar Por exemplo haacute quem prefira entender argumentos como diaacutelogos isto eacute como seacuteries (mais ou menos longas) de afirmaccedilotildees objeccedilotildees e reacuteplicas Essa concepccedilatildeo ndash que poderia ser descrita como ldquodialoacutegicardquo ndash natildeo estaacute errada Ela eacute uacutetil em certos contextos e para certos propoacutesitos mas ela natildeo parece particularmente uacutetil para explicar a interlocuccedilatildeo juriacutedica Devemos adotar uma noccedilatildeo de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentaccedilatildeo juriacutedica Argumentar natildeo eacute exatamente um ato privado ou monoloacutegico (afinal argumentos juriacutedicos satildeo produzidos caracteristicamente no contexto de debates puacuteblicos) mas cada argumentador eacute responsaacutevel por seus proacuteprios argumentos Cada argumentador ao produzir um argumento apresenta as suas razotildees em defesa da sua conclusatildeo Isso natildeo quer dizer que argumentaccedilatildeo juriacutedica seja sempre competitiva ou conflituosa No ambiente acadecircmico por exemplo haacute muito espaccedilo para a colaboraccedilatildeo intelectual (SCHECAIRA 2012 p 1)

Por isso saber o alcance de um argumento e as devidas

consequecircncias eacute uma forma de o orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento adequado Atenccedilatildeo calcular as consequecircncias de seus argumentos natildeo eacute somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relaccedilatildeo utilitaacuteria eacute antes de tudo ter a sensibilidade de saber o que quando e para que serve o que estamos expondo Percebemos estas dificuldades em situaccedilotildees extremas por exemplo quando haacute uma trageacutedia ou quando haacute uma enfermidade grave em nosso meio Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando sendo que naquele momento ningueacutem tem

condiccedilotildees emocionais de escutar um argumento Consequentemente acabamos por falar em um momento em que as palavras natildeo satildeo o mais importante O contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Quantas vezes jaacute nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos

Os elementos que formam um argumento satildeo proposiccedilotildees Segundo uma compreensatildeo claacutessica proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas segundo corretamente expressem ou natildeo aquilo que ldquocorresponde aos fatosrdquo Jaacute os argumentos sendo estruturas de proposiccedilotildees natildeo satildeo passiacuteveis de verdade ou falsidade [] O seu ldquovalorrdquo epistecircmico se expressa pelas noccedilotildees de validade e relevacircncia Um argumento seraacute vaacutelido se e somente se for impossiacutevel que sua conclusatildeo seja falsa quando se assume que todas as premissas satildeo verdadeiras Com essa caracterizaccedilatildeo fica claro que somente argumentos do tipo loacutegico podem estritamente ser vaacutelidos Nos outros tipos deve-se adotar um padratildeo [] mais fraco de exigecircncia para a avaliaccedilatildeo do argumento Assim muitos filoacutesofos propuseram criteacuterios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores ou seja capazes em maior ou menor grau de conferir plausibilidade

Saber o alcance de um argumento

e as devidas consequecircncias eacute uma forma de o

orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor

bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento

adequado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

a suas conclusotildees quando se assume que suas premissas satildeo verdadeiras Um argumento seraacute dito relevante se e somente se aleacutem de vaacutelido todas as suas premissas forem de fato verdadeiras Se contiver ao menos uma premissa falsa seraacute irrelevante porque a existecircncia de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusatildeo eacute de fato verdadeira mesmo o argumento sendo vaacutelido (Um argumento vaacutelido ldquotransmiterdquo a verdade das premissas para a conclusatildeo se entre as premissas houver alguma que seja falsa sua falsidade poderaacute (mas natildeo necessariamente) ldquopassarrdquo para a conclusatildeo) (CHIBENI sd p 2)

Logo identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa iraacute contribuir para

que o estudante de oratoacuteria e retoacuterica se organize e conforme entende Reboul (2004) saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstacircncia

Atividade de Estudos

1) Indique o que vocecirc entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retoacuterica Explique com suas palavras

Se a retoacuterica com a revoluccedilatildeo romacircntica entrou em descreacutedito rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poeacuteticas se os estudos retoacutericos foram depois perdendo importacircncia sobretudo nas escolas da Europa continental tal fato natildeo significou como muitos pensaram e alguns desejaram a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 seacuteculos nem a sua exclusatildeo pelas forccedilas criadoras do gecircnio para o limbo das coisas inuacuteteis

Ao contraacuterio do que se poderia supor foi a retoacuterica em tempos de fasciacutenio pela utilidade imediata dos saberes e teacutecnicas de entre as artes da palavra aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessaacuterio e eficaz nas sociedades que ao longo do seacuteculo XX sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleraccedilatildeo histoacuterica

Com efeito se a comunicaccedilatildeo no passado era naturalmente limitada pelo espaccedilo ndash do tribunal da assembleia da igreja da praccedila puacuteblica ndash por natildeo haver maneira de propagar mais aleacutem a voz humana no nosso tempo instrumentos e teacutecnicas cada vez mais aperfeiccediloadas permitiram dar agrave palavra forccedila incoerciacutevel e eficaacutecia inaudita

Eacute verdade que haacute muito o homem vencera as barreiras do tempo por meio da escrita e lograra a propagaccedilatildeo do discurso atraveacutes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do livro impresso a retoacuterica constitui-se como arte na Greacutecia do seacuteculo V a C quando se expande o conhecimento e uso da escrita a retoacuterica renasce na Itaacutelia do Quattrocento quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg com a imprensa a retoacuterica pocircde transformar-se em retoacuterica literaacuteria Mas esse era um tempo diferido que alterava as condiccedilotildees da situaccedilatildeo comunicacional e quando em diferentes momentos e por razotildees vaacuterias a retoacuterica eacute reduzida agrave teacutecnica de anaacutelise e composiccedilatildeo perde a sua dinacircmica padecendo de letteraturazione deleita talvez ensine deixa poreacutem de impelir agrave accedilatildeo a distacircncia entre orador e ouvinte dificulta o ofiacutecio de persuadir Esse foi o tempo da retoacuterica senza microfono

O seacuteculo passado viu nascer a comunicaccedilatildeo de massas a difusatildeo do discurso escrito e oral agrave escala planetaacuteria mercecirc de poderosos meios de amplificaccedilatildeo da voz humana o meio frio da galaacutexia de Guttenberg rapidamente substituiacutedo pelos canais quentes da era de McLuhan mas viu tambeacutem como tamanho poder perverte a verdadeira comunicaccedilatildeo na poacutelis deste nosso tempo saturado de discurso e informaccedilatildeo de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983 23-56 e Verdelho 1986 139-156)

[] Na Europa a recuperaccedilatildeo da retoacuterica processou-se sobretudo a dois niacuteveis no plano filosoacutefico e no campo dos estudos linguiacutesticos e literaacuterios A filosofia haacute muito tempo que excomungara a retoacuterica Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretoacuterica que desde Platatildeo marcava o pensamento filosoacutefico A reabilitaccedilatildeo da retoacuterica neste domiacutenio inicia-se em 1952 quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletacircnea de artigos sob o tiacutetulo Rheacutetorique et Philosophie aiacute proclamam o seu propoacutesito de estudar laquoles moyens drsquoargumentation autres que ceux relevant de la logique formelle qui permettent drsquoobtenir ou drsquoaccroicirctre lrsquoadheacutesion drsquoautrui aux thegraveses qursquoon propose agrave son assentimentraquo (Lempereur 1990 117) Em 1958 sistematizam essa teoria no Traiteacute de lrsquoargumentation que apresentam como nouvelle rheacutetorique Para resolver o velho dissiacutedio entre retoacuterica e filosofia Perelman regressa agrave tradiccedilatildeo claacutessica elegendo como texto fundacional a Retoacuterica de Aristoacuteteles (SOARES 2011 p 19-22)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Os Sofistas e a Retoacuterica de HojeO nascimento da retoacuterica no Ocidente se relaciona de modo substancial com

um movimento filosoacutefico antigo que foi contemporacircneo ao pensamento platocircnico por volta do seacuteculo IV aC que foi chamado de sofista Os sofistas satildeo um grupo de pensadores da eacutepoca de Platatildeo e que natildeo acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso Logo surgiu a contenda em que Platatildeo os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade A disputa entre Soacutecrates e os sofistas descrita por Platatildeo visto que Soacutecrates nada escreveu mostra este problema da discussatildeo sobre a elaboraccedilatildeo de um discurso presente entre os gregos Passamos agora para alguns trechos do diaacutelogo Sofista de Platatildeo para evitarmos a falsa impressatildeo de que a retoacuterica e a oratoacuteria evoluiacuteram O diaacutelogo comeccedila com Soacutecrates e Teodoro um amigo da eacutepoca

I mdash Teodoro mdash Fieacuteis Soacutecrates a nossa combinaccedilatildeo de ontem aqui estamos na melhor ordem Trouxemos conosco este Estrangeiro natural de Eleia eacute amigo dos disciacutepulos de Parmecircnides e de Zenatildeo e filoacutesofo de grande merecimentoSoacutecrates mdash Natildeo se daraacute o caso Teodoro de sem o saberes teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro segundo aquilo de Homero quando diz que de regra os deuses e particularmente o que preside agrave hospitalidade acompanham os cultores da justiccedila para observarem o orgulho ou a equidade dos homens Quem sabe se natildeo veio contigo uma dessas divindades para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tatildeo fracos todos noacutes algum deus disputadorTeodoro mdash Natildeo Soacutecrates natildeo eacute do caraacuteter do nosso Estrangeiro ele eacute mais modesto do que todos esses amantes de discussotildees Natildeo acho absolutamente que o homem seja alguma divindade Poreacutem divino teraacute de ser sem duacutevida natildeo eacute outro o qualificativo que costumo dar aos filoacutesofosSoacutecrates mdash E com razatildeo amigo Poreacutem talvez a raccedila dos filoacutesofos natildeo seja por assim dizer muito mais faacutecil de conhecer do que a dos deuses Em virtude da ignoracircncia da maioria esses varotildees percorrem as cidades sob as mais variadas aparecircncias contemplando sobranceiros a vida caacute de baixo Natildeo me refiro aos pretensos filoacutesofos poreacutem aos de verdade Aos olhos de algumas pessoas eles carecem em absoluto de merecimento para outros satildeo dignos de toda a consideraccedilatildeo Ora se apresentam como poliacuteticos ora como sofistas havendo ateacute quem decirc a impressatildeo de ser completamente louco Por isso mesmo gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro caso nada tenha a opor como pensam a esse respeito laacute por suas bandas e como os denominam (PLATAtildeO 1980 p 2-3)

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou forccedila sob a fundamentaccedilatildeo retoacuterica do relativismo e das correntes filosoacuteficas que se apoiam nele Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver inaugurando a profissatildeo de professor ambulante seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade suplantando a busca da verdade da filosofia socraacutetico-platocircnica

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Oratoacuteria e Retoacuterica

E para irmos ao cerne do problema nos referimos agrave definiccedilatildeo dada por Soacutecrates no texto escrito por Platatildeo sobre os sofistas e seus estilos de argumentaccedilatildeo em defesa da natildeo existecircncia da verdade

III mdash Estrangeiro mdash Belas palavras poreacutem sobre isso tu mesmo resolveraacutes no decorrer de nossa discussatildeo No momento o que importa eacute te associares comigo para darmos iniacutecio ao nosso estudo a comeccedilar segundo penso pelo sofista investiguemo-lo e mostremos com nossa anaacutelise o que ele venha a ser Por enquanto eu e tu apenas num ponto estamos de acordo o nome Mas quanto agrave coisa designada por esse nome talvez cada um de noacutes faccedila ideia diferente Poreacutem em toda discussatildeo o que importa antes de tudo eacute ficar em concordacircncia com relaccedilatildeo agrave proacutepria coisa por meio da explicaccedilatildeo adequada natildeo apenas a respeito do nome sem aquela explicaccedilatildeo A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar natildeo eacute faacutecil de definir Mas para levar a bom termo empresas grandes segundo preceito antigo de aceitaccedilatildeo geral soacute seraacute de vantagem experimentar antes as forccedilas em temas menores e mais faacuteceis e soacute depois passar para os maiores Por isso Teeteto o que na presente situaccedilatildeo sugiro para noacutes dois jaacute que reconhecemos ser difiacutecil e trabalhosa a raccedila dos sofistas eacute nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples a menos que te ocorra indicar um caminho mais cocircmodoTeeteto ndash Natildeo nada me ocorre nesse sentido Estrangeiro mdash Concordas entatildeo em escolhermos um exemplo singelo e apresentaacute-lo como modelo para o maiorTeeteto mdash ConcordoEstrangeiro mdash Que assunto pois escolheremos simples a um tempo e faacutecil de conhecer mas cuja explicaccedilatildeo natildeo exija menor nuacutemero de caracteriacutesticas do que temas importantes O do pescador talvez Natildeo eacute assunto bastante conhecido e natildeo nos merece a maior atenccedilatildeoTeeteto ndash Isso mesmoEstrangeiro ndash Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definiccedilatildeo mais condizente com o nosso intentoTeeteto ndash Seria oacutetimoIV mdash Estrangeiro mdash Pois entatildeo comecemos por aiacute Dizei-me uma coisa como devemos concebecirc-lo eacute artista ou sujeito carecente de arte poreacutem dotado de alguma outra capacidadeTeeteto ndash De jeito nenhum poderaacute ser carecente de arteEstrangeiro ndash Mas todas as artes se reduzem a duas espeacuteciesTeeteto ndash Como assimEstrangeiro ndash A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal depois tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados a que damos o nome de utensiacutelios e por uacuteltimo a imitaccedilatildeo natildeo seraacute justo designar tudo isso por um uacutenico nomeTeeteto ndash Como assim e que nome seraacuteEstrangeiro ndash Damos o nome de produtor a quem traz para a existecircncia o que antes natildeo existia denominamos produto o que passa a existir em cada caso particularTeeteto ndash CertoEstrangeiro ndash Entatildeo designemos tudo aquilo por um nome uacutenico seratildeo as artes produtivasTeeteto ndash SejaEstrangeiro ndash Depois dessas vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento as do ganho a da luta e a da caccedila as quais nada fabricam mas que por meio da palavra ou da accedilatildeo procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido ou impedir que outros se apropriem O nome geneacuterico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATAtildeO 1980 p 5-6)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Neste sentido os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platatildeo e Aristoacuteteles Isso natildeo significa em superaccedilatildeo pois em filosofia natildeo existe conhecimento retoacuterico ultrapassado Vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve saber disso natildeo haacute conhecimento superado em filosofia Deste modo vocecirc pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retoacuterico mais adequado

Precisamos mencionar neste capiacutetulo que a passagem da arte da enganaccedilatildeo como era conhecida a retoacuterica e a oratoacuteria entre os gregos para a arte do falar bem envolve uma dinacircmica que implica em evoluccedilatildeo O que ocorreu eacute uma retomada da perspectiva dos sofistas da eacutepoca platocircnica pois embora Platatildeo os combatesse valorizava a arte retoacuterica destes

Houve tempos em que a retoacuterica foi tratada como sinocircnimo de enganaccedilatildeo A leitura do diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo deixa evidente que a dupla serventia da persuasatildeo ndash ora podendo estar a serviccedilo do bem ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar O ensino e o uso da retoacuterica e da oratoacuteria para fins poliacuteticos tambeacutem contribuiacuteram para o seu afastamento do elenco dos meacutetodos cientiacuteficos Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de aacuteguas que marcou o momento em que a retoacuterica caiu no esquecimento Por isso mesmo na esteira das contestaccedilotildees pragmaacutetica e behaviorista no seacuteculo XX abriu-se caminho para o ressurgimento da retoacuterica A retoacuterica natildeo se trata portanto de uma corrente de pensamento mas sim de um instrumento E natildeo eacute correto tambeacutem ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento especiacutefica como alguns criacuteticos jaacute o fizeram no Brasil ao atacarem os seguidores da retoacuterica em diversos momentos como sendo difusores de instrumentos a serviccedilo do neoliberalismo O objetivo do projeto retoacuterico eacute o estudo pormenorizado do alcance da teacutecnica E eacute justamente por isso que o estudo da retoacuterica enquanto teacutecnica de persuasatildeo deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da aacuterea da economia a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenccedilatildeo para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodoloacutegico em detrimento da unicidade de meacutetodo alertam para a necessidade de natildeo se jogar fora o contraditoacuterio de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e agraves tratativas impessoais tatildeo presentes no hardcore neoclaacutessico Chamam ainda a atenccedilatildeo para a necessidade de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA 2016 p 17)

Eacute importante mencionar que as teacutecnicas retoacutericas formais de construccedilatildeo de

um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo A filosofia e a retoacuterica filosoacutefica funcionam com a contraposiccedilatildeo das ideias e natildeo com descobertas cientiacuteficas Deste modo a filosofia e sua subaacuterea a retoacuterica satildeo maneiras de

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Oratoacuteria e Retoacuterica

pensar que permitem ao homem desde seus modelos conhecidos na Greacutecia e em outros lugares se debruccedilar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Greacutecia e arredores

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retoacuterica parece ser a maneira menos controversa de defini-los Eles supriram a demanda por uma educaccedilatildeo juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos puacuteblicos e privados Vistos positivamente eles eram ldquoos transmissores de competecircncias valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira poliacutetica e de um modo geral nos ecircxitos mundanosrdquo (SOUSA PINTO 2002 p 13-14) Seu ensino era pago e eram procurados principalmente por jovens de famiacutelias abastadas que pretendiam alcanccedilar poder poliacutetico atraveacutes do domiacutenio das teacutecnicas do discurso persuasivo Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem futuramente os ensinamentos sofiacutesticos com fins inescrupulosos era um risco da profissatildeo e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados O estudo da retoacuterica orientado pelos sofistas incluiacutea desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais ateacute a discussatildeo de assuntos de composiccedilatildeo estrutura e argumentaccedilatildeo O objetivo destes estudos era a construccedilatildeo do discurso natildeo apenas mais adequado e convincente mas do melhor e mais envolvente Suas praacuteticas pretendiam o aprimoramento no uso de teacutecnicas discursivas tais como o uso do argumento provaacutevel ou verossimilhante contra-argumentaccedilatildeo e justaposiccedilatildeo de argumentos contraacuterios adequaccedilatildeo agrave ocasiatildeo (causa puacuteblico situaccedilatildeo etc) figuras de linguagem efeitos causados sobre o puacuteblico etc (PREZOTTO 2008 p 242)

Depois deste detalhamento importante queremos apontar como a

modernidade se desenvolveu sobre a definiccedilatildeo sofiacutestica de que natildeo existe a verdade O homem moderno resultado do desenvolvimento cientiacutefico chegou a acreditar em uma maacutexima relativista elencada por Protaacutegoras sofista grego ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade

De um modo geral alguns professores esclarecidos da geraccedilatildeo anterior assemelhavam-se aos sofistas como os preceptores de Peacutericles que ensinavam sobre astronomia geografia e fiacutesica e mantinham com seus alunos discussotildees dialeacuteticas acerca de problemas diversos No entanto embora partilhassem com seus predecessores o ofiacutecio de treinar os jovens para os deveres as atribuiccedilotildees e os acontecimentos da vida adulta privada ou puacuteblica os sofistas distinguiram-se [] por trazer agrave tarefa uma gama maior de conhecimento com uma maior multiplicidade de toacutepicos cientiacuteficos e outros - natildeo soacute poderes mais impressionantes de composiccedilatildeo e discurso servindo como um exemplo pessoal ao aluno mas tambeacutem uma compreensatildeo dos elementos da boa oratoacuteria para poder transmitir os preceitos conducentes agravequela realizaccedilatildeo - um tesouro consideraacutevel de pensamento acumulado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

em moral e assuntos poliacuteticos destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos sobre temas gerais ou lsquolugares comunsrsquo para que os alunos aprendessem de cor (GROTE 1907 p 317) Acreditar que os sofistas transmitissem apenas teacutecnicas e aptidotildees especiacuteficas eacute simplificar o escopo de sua atuaccedilatildeo Influenciados pela filosofia jocircnica os sofistas satildeo racionalistas e inquiridores As explicaccedilotildees lsquonaturaisrsquo de Anaximandro em diante para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutaacuteveis natildeo mais como misteacuterios intangiacuteveis em que os papeacuteis fundamentais eram representados pelos deuses O contato com outros povos a percepccedilatildeo da relatividade dos valores morais dos costumes da religiatildeo foi outro fator que contribuiu para a formaccedilatildeo da nova geraccedilatildeo de pensadores relativistas e humanistas Outra caracteriacutestica dos sofistas eacute a de serem itinerantes assim como os antigos aedos Viajavam pelo mundo grego visitando vaacuterias cidades transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos em conferecircncias maiores ou em epiacutedeixeis Tambeacutem se apresentaram em festivais e em outras ocasiotildees puacuteblicas Dos sofistas mais famosos desta eacutepoca apenas Antiacutefon parece ter sido ateniense Protaacutegoras era de Abdera (na costa da Traacutecia) Goacutergias de Leontinos (na Siciacutelia) Proacutedico de Ceacuteos (em territoacuterio jocircnico) e Hiacutepias de Eacutelis (nordeste do Peloponeso) Todos eles estiveram em algum ou vaacuterios momentos de suas vidas em Atenas pois ldquoAtenas por uns 60 anos na segunda metade do seacuteculo V a C era o verdadeiro centro do movimento sofista De fato tanto isso eacute verdade que sem Atenas eacute provaacutevel que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO 2008 p 243-244)

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na

modernidade procura explicar coisas para as quais natildeo pode dar uma resposta definitiva ou ainda atribui agrave ciecircncia essa tarefa que natildeo pode ser cumprida pois agrave ciecircncia compete investigar fenocircmenos e natildeo coisas em si conforme ensinou o filoacutesofo alematildeo Immanuel Kant (2005)

Todas as caracteriacutesticas do movimento sofista ateacute aqui expostas suscitam tanto admiraccedilatildeo como repulsa A nova educaccedilatildeo que promove eacute satirizada por Aristoacutefanes em As Nuvens Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso ensinando os jovens a justificarem maacutes accedilotildees com argumentos retoacutericos livrando-se assim de suas consequecircncias Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaccedila pelas mudanccedilas e discussotildees que incitavam os mais pobres que natildeo tinham acesso ao seu ensino viam-nos com preconceito como os detratores dos bons e velhos costumes Neste ambiente hostil lsquosofistarsquo passa a ser um tiacutetulo depreciativo usado para intelectuais adivinhos pedantes ateus fiacutesicos filoacutesofos etc implicando charlatanismo e velhacaria ou astuacutecia esperteza em sentido pejorativo A maacute reputaccedilatildeo dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platatildeo cuja opiniatildeo continua ainda hoje a influenciar a visatildeo que se tem do periacuteodo sofiacutestico Apenas a partir do seacutec XIX eacute que se comeccedila a desvincular o estudo do movimento sofista da visatildeo legada por Platatildeo A criacutetica platocircnica em linhas gerais recai sob duas acusaccedilotildees 1) os sofistas natildeo satildeo pensadores seacuterios e 2) eles satildeo indiviacuteduos imorais A primeira acusaccedilatildeo diz respeito ao empreendimento platocircnico que busca ridicularizar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as proposiccedilotildees ou as possiacuteveis conclusotildees advindas da reflexatildeo sofista negando agraves doutrinas sofiacutesticas valor filosoacutefico A energia gasta por Platatildeo neste empreendimento por si soacute jaacute eacute indiacutecio da influecircncia exercida por estes pensadores Grosso modo os sofistas difundiam uma concepccedilatildeo relativista aplicada aos niacuteveis ontoloacutegico e epistemoloacutegico e agrave questatildeo da verdade e foram considerados rivais por Platatildeo que desenvolvia uma filosofia essencialmente lsquoabsolutistarsquo Embora Platatildeo tenha tratado Protaacutegoras e Goacutergias com respeito diferenciando-os dos homens mediacuteocres ligados mais tardiamente ao movimento ele transmite um entendimento fundamentalmente errocircneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO 2008 p 245)

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade

de se buscar a verdade produziu inuacutemeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequecircncias morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Podemos observar bem esse problema na modernidade no acircmbito do direito e da religiatildeo Devemos mencionar outra acusaccedilatildeo grave aos sofistas a de que restringiram o papel da educaccedilatildeo retirando dela a condiccedilatildeo do ensino da Arete virtude

A segunda acusaccedilatildeo envolve as criacuteticas direcionadas agrave atividade profissional dos sofistas visando desmerecer o valor da educaccedilatildeo que ofereciam Satildeo caracterizados no diaacutelogo sofista como caccediladores de jovens ricos e comerciantes do ensino Como Kerferd (2003 p 47-49) elucidou para entender esta criacutetica eacute necessaacuterio considerar a oposiccedilatildeo conservadora a que qualquer um tenha acesso agrave formaccedilatildeo poliacutetica simplesmente pagando Como dito anteriormente ateacute este momento a educaccedilatildeo juvenil era restrita aos membros das famiacutelias nobres e acontecia numa relaccedilatildeo de amizade entre o jovem e seu mestre Que a instruccedilatildeo estivesse acessiacutevel a todos que pudessem pagar por ela forccedilava a reconsideraccedilatildeo de estruturas internas da sociedade O ambiente da poacutelis democraacutetica era propiacutecio a tais questionamentos mas a polecircmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da eacutepoca saber se aretē pode ou natildeo ser ensinada Tradicionalmente aretē era palavra usada para referir-se agrave qualidade inata dos grandes homens os que se destacaram historicamente pela coragem forccedila valentia sabedoria lideranccedila mas tambeacutem havia um outro uso desta palavra que denotava a excelecircncia em uma tarefa ou funccedilatildeo especiacutefica e relaciona-se ao domiacutenio de uma teacutecnica teacutechnē termo comumente traduzido por arte No diaacutelogo Protaacutegoras Platatildeo apresenta Soacutecrates e Protaacutegoras debatendo esta questatildeo Ao afirmar que ensina teacutechnē

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade de

se buscar a verdade produziu inuacutemeras

tentativas de reduzir tudo ao modelo

relativista e produziu consequecircncias

morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de

argumentos

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

poliacutetica (319a) Protaacutegoras eacute confrontado com dois argumentos socraacuteticos que pretendem demonstrar que lsquoessarsquo aretē natildeo eacute um conhecimento que possa ser transmitido Os argumentos socraacuteticos satildeo 1) em questotildees teacutecnicas os atenienses consultam especialistas jaacute em questotildees poliacuteticas qualquer um pode opinar ningueacutem se opotildee a isto acreditando que eacute preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d) 2) os melhores e mais saacutebios cidadatildeos natildeo foram capazes de transmitir sua aretē a outros cita Peacutericles (319e-320b) Protaacutegoras expotildee sua opiniatildeo atraveacutes de um mito e conclui que todos os homens satildeo dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da teacutechnē poliacutetica justiccedila e respeito diacutekē e aidōs ndash apenas por possuiacuterem todos estas qualidades eacute que a vida em sociedade eacute possiacutevel (320d-323c)

Fonte Prezotto (2008 p 246)

No periacuteodo final da Idade Meacutedia temos um desenvolvimento de caracteriacutesticas que podemos denominar de incorporadas aos estudos das aacutereas de filosofia e teologia Em seguida nos seacuteculos XVII e XVIII eacute esquecida

Na historiografia do seacuteculo XVI as narrativas mariacutetimas de paiacuteses desconhecidos de fenocircmenos naturais de paragens de outras latitudes e climas manifestam de par com a presenccedila do maravilhoso a importacircncia que assume a experiecircncia a componente realista e empiacuterica Satildeo frequentes as marcas da enunciaccedilatildeo lsquoeu virsquo lsquoeu ouvirsquo que servem no discurso do narrador para dar maior credibilidade aos factos que apontam para uma histoacuteria contemporacircnea baseada nos pressupostos teoacutericos de Tuciacutedides Aleacutem disso a verdade factual nutrida por estas marcas de enunciaccedilatildeo eacute a cada passo confrontada com os relatos miacuteticos de um Heroacutedoto com a Cosmografia de um Ptolomeu a Geografia de um Estrabatildeo ou a ciecircncia de um Pompoacutenio Mela ou de uma Histoacuteria Natural de Pliacutenio As crocircnicas de Joatildeo de Barros de Castanheda de Diogo do Couto ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D Joatildeo de Castro as obras de Garcia de Orta de Duarte Pacheco Pereira de Pedro Nunes datildeo-nos a cada passo exemplos significativos Poderemos concluir que na eacutepoca do Renascimento a histoacuteria aleacutem de se afirmar como gecircnero literaacuterio que se impotildee pela arte da escrita como opus oratorium eacute disciplina formativa do caraacutecter em repositoacuterio de paradigmas eacute manancial de exempla que informam a tradiccedilatildeo retoacuterica eacute ponto de referecircncia da exaltaccedilatildeo eacutepica das gloacuterias nacionais eacute suporte de novos modelos ideoloacutegicos e de formulaccedilatildeo poliacutetica em termos modernos eacute fundamento de novos horizontes culturais e cientiacuteficos (SOARES 2011 p 146-147)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Se na Idade Meacutedia ocorreu uma valorizaccedilatildeo e desenvolvimento da retoacuterica no iniacutecio da modernidade ela foi deixada de lado e ateacute demonizada por diversos autores

Produziu-se uma total confusatildeo de pensamento que em muitos casos deixou de lado ateacute mesmo as convicccedilotildees doutrinais tanto do direito quanto da religiatildeo Com isso temos inuacutemeros argumentos artificiais que simulam determinadas situaccedilotildees apenas para efeito performaacutetico

Atividade de Estudos

1) Leia o texto e explique o que vocecirc entendeu sobre a arte das disputas a eriacutestica e a importacircncia da purificaccedilatildeo da linguagem Explique com suas palavras

Estrangeiro mdash Isso mesmo Conforme jaacute vimos eacute do gecircnero lucrativo da arte eriacutestica da arte de disputas das controveacutersias da arte do combate da arte da luta e do ganho segundo neste momento provou nossa argumentaccedilatildeo que o sofista proveacutem

Teeteto mdash Nada mais verdadeiro

XIII mdash Estrangeiro mdash Como vecircs eacute muito acertado dizer-se que se trata de um animal de muacuteltiplas facetas Daiacute confirmar-se o dito de que nem tudo se pode pegar soacute com uma das matildeos

Teeteto mdash Pois empreguemos duas

Estrangeiro mdash Sim eacute o que precisaremos fazer empenhando nisso todos os nossos recursos a fim de acompanhar-lhe o rastro Dize-me o seguinte natildeo temos designaccedilotildees especiais para determinadas ocupaccedilotildees servis

Teeteto mdash Muitas ateacute poreacutem no meio de tantas a quais particularmente te referes

Estrangeiro mdash Penso nas seguintes coar peneirar joeirar debulhar

Teeteto mdash E daiacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Estrangeiro mdash E tambeacutem cardar fiar urdir e mil outras de emprego corrente em ocupaccedilotildees congecircneres natildeo eacute isso mesmo

Teeteto mdash Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas

Estrangeiro mdash De modo geral todos esses vocaacutebulos exprimem a ideia de separaccedilatildeo

Teeteto mdash Certo

Estrangeiro mdash Ora de acordo com o meu raciociacutenio se uma arte apenas abrange todas essas ocupaccedilotildees teremos de atribuir-lhe um uacutenico nome

Teeteto mdash E como a denominaremos

Estrangeiro mdash Arte de separar

Teeteto mdash Que seja

Estrangeiro mdash Considera agora se nos seraacute possiacutevel distinguir duas espeacutecies

Teeteto mdash Impotildee-me uma tarefa muito raacutepida

Estrangeiro mdash Poreacutem nas distinccedilotildees por noacutes feitas jaacute se tratou da separaccedilatildeo entre o pior e o melhor e tambeacutem entre semelhante e dessemelhante

Teeteto mdash Dita dessa maneira parece-me bastante clara

Estrangeiro mdash Natildeo conheccedilo o nome geralmente aplicado a esta uacuteltima separaccedilatildeo poreacutem sei o que datildeo agrave outra a que reteacutem o melhor e rejeita o pior

Teeteto mdash Dize qual seja

Estrangeiro mdash No meu entender todas as separaccedilotildees desse tipo satildeo geralmente chamadas purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Com efeito eacute como as denominam

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E todo o mundo natildeo perceberaacute que haacute duas espeacutecies de purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Depois de refletir eacute possiacutevel eu pelo menos natildeo percebo purificaccedilatildeo alguma

Estrangeiro mdash Primeiro as dos seres vivos que operam no interior do corpo graccedilas a uma discriminaccedilatildeo exata pela ginaacutestica e a medicina como a purificaccedilatildeo externa de designaccedilatildeo corriqueira alcanccedilada pela arte do banho depois a dos corpos inanimados que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral de infinitas modalidades cujos nomes satildeo considerados ridiacuteculos

Teeteto mdash Eacute muito certo

Estrangeiro mdash Certo natildeo Teeteto certiacutessimo Mas o meacutetodo argumentativo natildeo daacute maior nem menor importacircncia agrave purificaccedilatildeo por meio da esponja do que agrave obtida com poccedilotildees medicamentosas jamais perguntando se os benefiacutecios de uma satildeo mais ou menos relevantes do que os da outra Para alcanccedilar o conhecimento eacute que ela se esforccedila por observar as afinidades ou dissemelhanccedilas entre as artes honrando a todas igualmente e quando chega a comparaacute-las natildeo conclui que uma seja mais ridiacutecula do que a outra Natildeo considera ainda mais importante quem ilustra a arte da caccedila com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas poreacutem mais pretensioso Do mesmo modo agora no que entende com o nome para designar o conjunto das forccedilas purificadoras dos corpos quer sejam animados quer natildeo sejam natildeo se preocupa no miacutenimo de saber que nome eacute de aparecircncia mais distinta Limitar-se-aacute a separar a purificaccedilatildeo da alma deixando num uacutenico feixe as outras purificaccedilotildees sem indagar do objeto sobre que se exercem Seu intento exclusivo consiste nisto precisamente separar das demais purificaccedilotildees a que tem por objetivo a alma se eacute que compreendemos (PLATAtildeO 1980 p 16-17)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Verdade e Verossimilhanccedila de Um Argumento

A verdade e a verossimilhanccedila merecem destaque por que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa entender quando um argumento eacute verossimilhante e quando ele eacute verdadeiro

Platatildeo ao discutir os gecircneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas jaacute levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente Deste modo o problema da verdade de um discurso natildeo fica somente na elaboraccedilatildeo formal e acadecircmica de um debate mas envolve tambeacutem a vida cotidiana dos sujeitos Para entendermos a diferenccedila entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que eacute verdade de fato em um discurso Vejamos a polecircmica suscitada no diaacutelogo Sofista e ateacute hoje sem soluccedilatildeo

LII mdash Estrangeiro mdash Onde iremos entatildeo buscar a designaccedilatildeo apropriada para cada um Evidentemente eacute tarefa por demais aacuterdua porque nisso de dividir os gecircneros em espeacutecies parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicaacutevel indolecircncia que nunca os levou pelo menos a tentaacute-la dar essa carecircncia tatildeo acentuada de nomes De um jeito ou de outro e embora se no afigure um tanto forte a expressatildeo para melhor diferenccedilaacute-la daremos o nome de doxomimeacutetica agrave imitaccedilatildeo que se baseia na opiniatildeo e a que se funda no conhecimento mimeacutetica histoacuterica ou eruditaTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash Vamos ocupar-nos com a primeira o sofista natildeo se inclui no nuacutemero dos que sabem mas no dos que imitamTeeteto mdash PerfeitamenteEstrangeiro mdash Examinemos entatildeo o imitador que se apoia na opiniatildeo como o fariacuteamos com um fragmento de ferro para vermos se se trata de uma peccedila uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estruturaTeeteto mdash Sim examinemo-loEstrangeiro mdash Pois em verdade aqui estaacute ele e bem patente Entre esses tais haacute o tipo ingecircnuo que acredita saber o que apenas imagina o outro pelo contraacuterio que se deixa arrastar por seus proacuteprios argumentos natildeo esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabeTeeteto mdash Sem duacutevida haacute esses dois tipos que acabaste de descreverEstrangeiro mdash Ao primeiro entatildeo daremos o nome de imitador simples e ao outro o de imitador dissimuladoTeeteto mdash Seria de toda a conveniecircnciaEstrangeiro mdash E este uacuteltimo gecircnero diremos que eacute simples ou duploTeeteto mdash Examina-o tu mesmoEstrangeiro mdash Examino e creio perceber dois gecircneros No primeiro distingo o indiviacuteduo capaz de dissimular em puacuteblico com discursos prolixos no outro o que em ciacuterculos mais restritos com sentenccedilas curtas leva seu interlocutor a contradizer-seTeeteto mdash Eacute muito certo o que dizes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E o homem dos discursos longos como o designaremos Eacute estadista ou orador popularTeeteto mdash Orador popularEstrangeiro mdash E o outro que denominaccedilatildeo lhe cabe agrave justa saacutebio ou sofistaTeeteto mdash Saacutebio natildeo eacute possiacutevel pois jaacute provamos que ele eacute ignorante Mas por ser imitador do saacutebio eacute fora de duacutevida que alguma coisa do nome deste haacute de passar para ele E agora me ocorre que de um tipo assim eacute que podemos dizer com toda a seguranccedila um sofista acabado Estrangeiro mdash Nesse caso fixemos aqui mesmo seu nome como fizemos antes entrelaccedilando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos Teeteto mdash Perfeitamente Estrangeiro mdash Sendo assim a espeacutecie imitativa e suscitadora de contradiccedilotildees da parte dissimuladora da arte baseada na opiniatildeo pertencente ao gecircnero imaginaacuterio que se prende agrave arte ilusoacuteria da produccedilatildeo de imagens criaccedilatildeo humana natildeo divina desse malabarismo ilusoacuterio com palavras quem afirmar que eacute de semelhante sangue e dessa estirpe que proveacutem o verdadeiro sofista soacute diraacute como parece a pura verdade (PLATAtildeO 1980 p 69-71)

Com efeito ao deixar a questatildeo em aberto no final do diaacutelogo Platatildeo nos daacute um apontamento para uma aproximaccedilatildeo da identidade do sofista No entanto nos deixa um grande ensinamento as opiniotildees satildeo diferentes dos discursos sobre a verdade Os discursos sobre a verdade satildeo de natureza nobre e as opiniotildees sobre um assunto natildeo satildeo conhecimento

E essa diferenccedila nem sempre eacute clara como parece ser Com isso em muitos momentos de nossa existecircncia pensamos que algo eacute verdadeiro simplesmente por parecer e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante aquilo que parece ser verdadeiro mas se olharmos mais de perto natildeo eacute soacute parece ser

Outro problema muito aparente na modernidade eacute a generalizaccedilatildeo de argumentos que produz efeitos catastroacuteficos em muitos segmentos da existecircncia humana Por exemplo escutamos por vezes vaacuterios argumentos deste tipo ldquotodo homem eacute machistardquo ldquotodo poliacutetico eacute ladratildeordquo ldquoos padres satildeo imoraisrdquo todos esses argumentos possuem falsas associaccedilotildees grotescas atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria Isso significa que sequer argumentos satildeo podemos chamaacute-los de enunciados vazios mas que satildeo muito populares em nosso cotidiano

Portanto a verdade de um argumento natildeo estaacute somente em sua forma ou somente em seu conteuacutedo mas na combinaccedilatildeo da disposiccedilatildeo de ambas as caracteriacutesticas que ao se combinarem produzem uma estrutura soacutelida na exposiccedilatildeo de um pensamento (MOSCA 2004)

Com efeito cabe aos estudantes de oratoacuteria e retoacuterica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade Natildeo existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento Antes disso haacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se estaacute inserido para poder convencer

Algumas ConsideraccedilotildeesAgora vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica estaacute pronto para seguir seu

caminho escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situaccedilatildeo para expor suas ideias com clareza e objetividade

A construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um o material disponiacutevel e a plateia para a qual o indiviacuteduo iraacute se dirigir Neste capiacutetulo destacamos as implicaccedilotildees das escolhas argumentativas que fizemos

ReferecircnciasCHIBENI S S Notas sobre tipos de argumentos [sd] Disponiacutevel em ltwwwunicampbr~chibenitextosdidaticosargumentospdfgt Acesso em 13 jun 2017

MOSCA L do L S (Org) Retoacutericas de ontem e de hoje 3 ed Satildeo Paulo Associaccedilatildeo Editorial Humanitas 2004

PLATAtildeO Sofista Brasiacutelia UFB 1980

PREZOTTO J Protaacutegoras Goacutergias os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē Anais XXIII SEC Araraquara p 241-250 2008 Disponiacutevel em lthttpportalfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTEXTOSARTIGOS20PDFprezottopdfgt Acesso em 10 jun 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SCHECAIRA F Argumentaccedilatildeo noccedilotildees baacutesicas 2012 Disponiacutevel em lthttpsfabioshecairawikispacescomfileviewIntroduC3A7C3A3o+C3A0+argumenta C3A7C3A3opdfgt Acesso em 14 jun 2017

SOARES N C A retoacuterica e a construccedilatildeo da cidade na Idade Meacutedia e no Renascimento homo eloquens homo politicus Coimbra Coimbra University Press 2011

VIANA P Validade Forma e Conteuacutedo de Argumentos 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwuffbrgrupodelogicatextosViapdfgt Acesso em 15 jun 2017

VIEIRA Joseacute Guilherme Silva A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso 2016

Page 6: ORATÓRIA E RETÓRICA

CAPIacuteTULO 1

Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Compreender a concepccedilatildeo da retoacuterica e sua finalidade identificando suas funccedilotildees e caracteriacutesticas

Identificar as fontes da retoacuterica grega e a discussatildeo com perspectiva platocircnica

Analisar as relaccedilotildees interpessoais e reconhecer as diferentes definiccedilotildees de retoacuterica e oratoacuteria

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

ContextualizaccedilatildeoO contexto do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica no mundo contemporacircneo eacute

bastante amplo Nesta disciplina queremos enfatizar a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade Vejamos como se considerava a arte retoacuterica na antiguidade

Havia-se deixado de lado ateacute aqui um ponto importante sobre o escopo da arte retoacuterica Por vezes a retoacuterica foi e ainda eacute apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes De fato muitos satildeo os que associam uma boa retoacuterica a um discurso bem elaborado destacado por diversos recursos de linguagem enfim ornamentado Essa definiccedilatildeo guarda correspondecircncia com os primeiros discursos dos sofistas ndash portanto anteriores ao aparecimento do tratado de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica ndash mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isoacutecrates (436-338 aC) haacutebil e longevo retor que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas predominantemente literaacuterias (o Paideia) Isoacutecrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialeacutetica eriacutestica (aqueles que se propunham agraves disputas a partir de posiccedilotildees antagocircnicas de mundo objetivando chegar a uma pretensatildeo de descoberta a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza eou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas que ensinavam a arte dos discursos poliacuteticos aos nobres Isoacutecrates natildeo acreditava que da dialeacutetica eriacutestica pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais ou que o simples fato de se arrebatar o maior nuacutemero possiacutevel de seguidores fosse um medidor da correccedilatildeo de um dado conhecimento Tampouco poder-se-ia fazer qualquer juiacutezo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos poliacuteticos mecanicamente jaacute que as condiccedilotildees para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL 1994 apud VIEIRA 2012 p 8)

Estudar oratoacuteria e retoacuterica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos mas se observarmos o cotidiano perceberemos que estamos permeados de argumentos retoacutericos apresentando cada qual um tipo de oratoacuteria A vocecirc estudante desta disciplina convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas

Conceito de Retoacuterica e Oratoacuteria

A retoacuterica no conhecimento humano especificamente na filosofia eacute uma forma de expressatildeo de exposiccedilatildeo de ideias utilizada pelos sofistas Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade natildeo existe uma verdade o que haacute eacute apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao iniciarmos a discussatildeo sobre a retoacuterica queremos expor quais satildeo suas caracteriacutesticas fundamentais e como estas caracteriacutesticas se relacionam com o modo com o qual nos expressamos

A vitalidade dos estudos retoacutericos ateacute os nossos dias foi o que levou agrave organizaccedilatildeo de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retoacuterica se tem havido ao longo de sua histoacuteria cheia de pontos altos mas tambeacutem de crises e questionamentos A bem dizer eacute esta mesma dialeacutetica que estaacute no bojo de sua proacutepria natureza que implica em controveacutersia discussatildeo e consequentemente em influecircncia e formaccedilatildeo de opiniatildeo De fato a Retoacuterica tem sido colocada agrave prova pelos mesmos princiacutepios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresccedila sempre aceitaccedilatildeo da mudanccedila o respeito agrave alteridade a consideraccedilatildeo da liacutengua como lugar de confronto das subjetividades Partindo-se do princiacutepio de que a argumentatividade estaacute presente em toda e qualquer atividade discursiva tem-se tambeacutem como baacutesico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe satildeo apresentadas Equivale portanto a conferir-lhe status e a qualificaacute-lo para o exerciacutecio da discussatildeo e do entendimento atraveacutes do diaacutelogo Na verdade o envolvimento natildeo eacute unilateral tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam quando o clima eacute de negociaccedilatildeo e em que prevalece o anseio de influecircncia e de poder (MOSCA 2001 p 16)

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga apontamos para alguns autores deste periacuteodo que representam muito bem a figura de um retoacuterico Nesse sentido merece destaque o filoacutesofo Goacutergias que muito bem definiu o natildeo ser Podemos citar ainda o filoacutesofo Protaacutegoras de Abdera que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade

A nossa discussatildeo sobre a retoacuterica e o papel da oratoacuteria na formulaccedilatildeo e na exposiccedilatildeo de argumentos passaraacute necessariamente por Platatildeo e Aristoacuteteles Estes dois filoacutesofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retoacuterica ou do bem dizer se assim quisermos De acordo com estes dois filoacutesofos e com os sofistas devemos estar atentos para a boa formulaccedilatildeo retoacuterica de um argumento e a boa oratoacuteria de exposiccedilatildeo do mesmo Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para que possamos entender expor e transmitir uma mensagem

Podemos observar isso na discussatildeo da Antiguidade desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo ao expor e escrever as ideias socraacuteticas nos passa a mensagem de que Soacutecrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade Jaacute alguns sofistas como Soacutefocles apresentam Soacutecrates como amigo dos sofistas e

Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante

que a forma de bem dizer as palavras ou

a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para

que possamos entender expor e transmitir uma

mensagem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

um retoacuterico Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve

O surgimento da Retoacuterica na Greacutecia antiga prende-se agrave luta reivindicatoacuteria de defesa de terras na Siciacutelia que haviam caiacutedo em poder de usurpadores Esse caraacuteter praacutetico aliado agrave eficaacutecia esteve sempre presente nas finalidades da Retoacuterica e eacute o que modernamente a situa junto agrave Pragmaacutetica De fato para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz haacute que levar em conta as caracteriacutesticas fundamentais da situaccedilatildeo em que ele se daacute e as relaccedilotildees de intersubjetividade dos interlocutores Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos satildeo produtos natildeo de um simples ato ilocutoacuterio como tambeacutem de elementos extraiacutedos da forccedila ilocucionaacuteria da situaccedilatildeo Cabe ainda lembrar que o ato de informar natildeo existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si proacuteprio Assim eacute que discursos que se tecircm como informativos tais como o cientiacutefico e o jornaliacutestico satildeo o exemplo disso uma vez que existem em funccedilatildeo de determinada finalidade praacutetica a ser atingida Por esse motivo coloca-se em questatildeo a tradicional divisatildeo das modalidades dos gecircneros jornaliacutesticos em informativos interpretativos e opinativos que na realidade serve apenas para balizar a praacutexis jornaliacutestica quando natildeo mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA 2001 p 26)

Segundo Platatildeo a retoacuterica eacute uma teacutecnica indispensaacutevel para quem quisesse governar a cidade porque quem rege deve saber falar e dominar a exposiccedilatildeo de um argumento Essa capacidade do governante impediria a manipulaccedilatildeo e o controle por outros membros do governo Contudo Platatildeo coloca a retoacuterica abaixo da filosofia e no diaacutelogo Goacutergias expotildee que o bem falar eacute uma arte de convencimento independentemente do conteuacutedo e por isso estaacute abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que eacute o filosoacutefico

Podemos entender que esta discussatildeo eacute muito importante para as pessoas que desejam lidar com o puacuteblico em geral pois haacute sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem sem se preocupar com a verdade ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou natildeo aos interlocutores Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diaacutelogo ou expressar uma ideia em puacuteblico Neste sentido o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica precisa conhecer os tipos formas e meacutetodos empregados pela retoacuterica para formular um argumento e da oratoacuteria para expor o mesmo

Outro filoacutesofo jaacute citado Aristoacuteteles desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retoacuterica De acordo com ele a retoacuterica eacute uma arte empiacuterica e cotidiana

Neste sentido precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso Neste aspecto a retoacuterica natildeo eacute pura transmissatildeo da verdade atraveacutes da oratoacuteria ela envolve diferentes aspectos do ser humano de sua personalidade e

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ambiente Para Aristoacuteteles devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento pois se tivermos uma boa teacutecnica poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade

Aleacutem disso Aristoacuteteles desenvolveu profundamente as caracteriacutesticas e a forma de refutaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo de um argumento Seguindo essa linha de raciociacutenio podemos concluir que Aristoacuteteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retoacuterica Ela serve tanto ao indiviacuteduo que quer discutir assuntos morais quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade Em outras palavras a retoacuterica deve ser uacutetil ao cidadatildeo

Segundo Aristoacuteteles devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias Neste sentido a retoacuterica contribui para aperfeiccediloar a qualidade e a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de um argumento

Aristoacuteteles foi o primeiro a desenvolver uma organizaccedilatildeo detalhada desta ferramenta do saber humano Inicialmente precisamos entender que todos noacutes fazemos uso da retoacuterica e da oratoacuteria pois satildeo formas de nos expressarmos Para Aristoacuteteles convencer o outro eacute a essecircncia de toda discussatildeo sobre retoacuterica Ao estabelecer formas de comportamento para o orador modelos de raciociacutenio tipos de premissas e a divisatildeo desta ferramenta o filoacutesofo classifica e padroniza a retoacuterica A divisatildeo apresentada por Aristoacuteteles eacute exoacuterdio construccedilatildeo refutaccedilatildeo e epiacutelogo Em alguns momentos o filoacutesofo coloca a narraccedilatildeo apoacutes o exoacuterdio

Ao contrapor a dialeacutetica com a retoacuterica Aristoacuteteles configurou a ela elementos e caracteriacutesticas que estavam dispersos

Apoacutes a elaboraccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica e a oratoacuteria foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores Mencionamos aqui os estoicos os empiacutericos e a tradiccedilatildeo romana de filoacutesofo Dioacutegenes filoacutesofo estoico grego entendia que a retoacuterica dialeacutetica

eacute parte da loacutegica neste sentido retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica eacute a arte de bem raciocinar Isso significa que a retoacuterica eacute a invenccedilatildeo de argumentos e desdobra-se em oratoacuteria quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes Para este grupo de filoacutesofos a retoacuterica se ocupa da forma de um argumento enquanto que a dialeacutetica deve se ater agrave veracidade ou agrave falsidade de um argumento

Retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica

eacute a arte de bem raciocinar

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

O grupo de pensadores empiacutericos pode ser representado pelo epicurismo que entende a retoacuterica como argumentos possiacuteveis derivados de signos Segundo este o meacutetodo utilizado eacute a conjetura Dito de outro modo a retoacuterica eacute uma ciecircncia que se opotildee agraves ciecircncias exatas isto eacute para bem falarmos e bem construirmos um argumento devemos seguir regras que provecircm da experiecircncia como o objetivo de considerar vaacuterios graus de probabilidade De acordo com esses filoacutesofos devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e ao mesmo tempo natildeo cairmos no simplismo do cotidiano Por exemplo em debates com amigos geralmente usamos laacutegrimas e dramas para convencer o outro

Entre os romanos destacamos Ciacutecero que entendia a retoacuterica e a oratoacuteria como algo fruto de muito conhecimento filosoacutefico artiacutestico e da ciecircncia Para ele sem o saber aprofundado a retoacuterica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero de oratoacutere I 17)

Para ser um bom orador devemos conhecer todos os grandes problemas filosoacuteficos cientiacuteficos e artiacutesticos Devemos pensar com sabedoria e eacute nisto que a retoacuterica consiste para Ciacutecero O saacutebio consegue desenvolver bem a arte retoacuterica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questotildees Ciacutecero entende que a teacutecnica da retoacuterica deve produzir natildeo soacute belos textos e belas oratoacuterias mas tambeacutem saacutebios justos

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retoacuterica antiga passamos agora a expor algumas caracteriacutesticas do desenvolvimento da retoacuterica no periacuteodo chamado de Idade Meacutedia Neste periacuteodo o Trivium a partir do seacuteculo IX constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais nesta eacutepoca a retoacuterica era entendida como arte do discurso Destacamos que a constituiccedilatildeo dos argumentos natildeo era puramente literaacuteria havia uma preocupaccedilatildeo com todas as aacutereas de conhecimento para expor e defender os argumentos

O desenvolvimento da retoacuterica medieval encontrou amparo em grandes teoacutelogos e filoacutesofos Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradiccedilatildeo platocircnica articulando as suas ideias com a de Ciacutecero e outros retoacutericos romanos Retomou tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelica da loacutegica para discutir os grandes problemas nesta aacuterea de conhecimento

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Oratoacuteria e Retoacuterica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboraccedilatildeo dos problemas retoacutericos baseados na eloquecircncia ou no bem falar remetendo agrave iluminaccedilatildeo do intelecto satisfaccedilatildeo da imaginaccedilatildeo desencadear as paixotildees e por uacuteltimo evocar a vontade Este processo culminou na completa distinccedilatildeo entre filosofia e retoacuterica Se em Platatildeo e Aristoacuteteles filosofia oratoacuteria e retoacuterica caminham juntas no iniacutecio da modernidade elas se separaram constituindo campos de saber distintos dentro de um espaccedilo geral de conhecimento

Para explicarmos de maneira detalhada o que eacute retoacuterica evocamos o pensador Reboul que define o termo retoacuterica eacute ldquoa arte de persuadir pelo discurso Por discurso entendemos toda a produccedilatildeo verbal escrita ou oral constituiacuteda por uma frase ou uma sequecircncia de frases que tenha comeccedilo e fim e apresente certa ordem de sentido De fato um discurso incoerente feito por um becircbado ou por um louco satildeo vaacuterios discursos tomados por um soacuterdquo (REBOUL 2004 p 14)

Para este autor soacute podemos chamar de retoacutericos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes Citamos alguns exemplos ldquopleito advocatiacutecio alocuccedilatildeo poliacutetica sermatildeo folheto cartaz de publicidade panfleto faacutebula peticcedilatildeo ensaio tratado de filosofia de teologia ou de ciecircncias humanas Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satiacuterico ou laudatoacuterioldquo (REBOUL 2004 p 14)

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratoacuteria de algo Neste sentido queremos fazer uma distinccedilatildeo entre convencer algueacutem a crer em noacutes e convencer algueacutem a fazer algo Do ponto de vista estritamente retoacuterico queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em noacutes eacute o nuacutecleo da retoacuterica enquanto arte de persuasatildeo Neste aspecto levar algueacutem a

fazer algo jaacute eacute um passo aleacutem Pascal (apud Reboul 2004) destaca que podemos usar elementos como o dinheiro para persuadir os outros de que nossa causa eacute justa mas isso natildeo eacute um convencimento retoacuterico pois os argumentos natildeo foram contrapostos e natildeo houve sequer uma argumentaccedilatildeo

Lembremos que a teacutecnica retoacuterica eacute ambiacutegua pois pode representar uma habilidade espontacircnea ou uma capacidade adquirida Se considerarmos a retoacuterica espontacircnea como forma de convencimento dos outros precisamos entender que

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre

procura persuadir seus interlocutores

pela oratoacuteria de algo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sem a teacutecnica adquirida com o tempo natildeo conseguiremos ter ecircxito em nossa tarefa Segundo Reboul ldquoo verdadeiro orador eacute um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava figuras de que ningueacutem teria ideia e que se mostram ajudadas artistas cujos desempenhos natildeo satildeo programaacuteveis e que soacute se fazem sentir posteriormenterdquo (REBOUL 2004 p 16)

Neste sentido a constituiccedilatildeo de um argumento retoacuterico e a expressatildeo deste por um orador dependem da escolha que este fizer Tudo isso implica em considerar a finalidade da retoacuterica Queremos convencer ou enganar

Como vimos a persuasatildeo eacute a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponiacuteveis Persuadir natildeo eacute a mesma coisa que enganar Existe uma sutil diferenccedila mas que eacute substancial enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir eacute convencer utilizando os argumentos disponiacuteveis

Para comeccedilarmos a responder a este questionamento explicaremos o que significa a arte da persuasatildeo Eis pois a mais antiga definiccedilatildeo de retoacuterica que conhecemos ou seja a arte de persuadir Neste sentido vale lembrar que eacute importante distinguir o que eacute argumentaccedilatildeo e oratoacuteria

A competecircncia racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes os que satildeo componentes silogiacutesticos e os que se apoiam em exemplos Neste sentido vale lembrar que para Aristoacuteteles a competecircncia afetiva de um argumento eacute mais eficiente que o silogismo Isso significa que um silogismo encadeamento loacutegico de raciociacutenios eacute destinado a um grupo teacutecnico de ouvintes por exemplo um juacuteri enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande puacuteblico

Segundo Reboul (2004) no que tange agrave afetividade podemos distinguir o caraacuteter do ethos em portuguecircs caraacuteter eacutetico do orador que procura convencer os interlocutores e o pathos em portuguecircs a paixatildeo ou compaixatildeo gerada pelo discurso cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compotildee de duas partes o argumentativo e o oratoacuterio Assim quando um orador se expressa ele estaacute no modo oratoacuterio neste sentido metaacuteforas e hipeacuterboles constituem artifiacutecios retoacutericos e satildeo argumentativas quando condensam um argumento

Hermenecircutica Passaremos agora ao modelo hermenecircutico Quando expressamos um

discurso ele nunca estaacute soacute sempre estaacute em diaacutelogo com outros oradores se antepotildee a este e dialoga com os mesmos

Para convencer um interlocutor eacute preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo Este processo soacute eacute possiacutevel por causa da possibilidade de interpretaccedilatildeo que possuiacutemos Neste sentido a arte de interpretar textos chamada de hermenecircutica eacute fundamental ao orador que quer ser compreendido

HeuriacutesticaOutra caracteriacutestica eacute a heuriacutestica que significa encontrar algo remetendo ao

grego euro ou eureka ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano Natildeo nos referimos diretamente agrave ciecircncia falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto Neste aspecto a heuriacutestica contribui para o confronto de ideias na demonstraccedilatildeo delas e na descoberta de coisas que natildeo sabemos

Ainda merece menccedilatildeo a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica que constitui um caminho que engloba vaacuterias aacutereas de saber De acordo com Reboul (2004 p 22)

[] no fim do seacuteculo XIX a retoacuterica foi abolida do ensino francecircs e o proacuteprio termo foi riscado dos programas Todavia como em geral acontece no ensino em se apagando a palavra natildeo se suprimiu a coisa A retoacuterica permaneceu soacute que desarticulada privada de sua unidade interna e de sua coerecircncia em todo caso os professores quase sempre sem saber fazem retoacuterica

Assim a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica e o estilo das construccedilotildees verbais

permaneceram mesmo que com dificuldades Neste sentido entendemos que para bem dizer precisamos tambeacutem aprender a ser visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu proacuteprio estado confuso da existecircncia

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Para Que Serve a RetoacutericaVocecirc aluno de Oratoacuteria e Retoacuterica pode se aprofundar no significado e na

serventia da retoacuterica se observar o seu cotidiano A retoacuterica e a oratoacuteria podem servir a diferentes fins Destacamos alguns servem para persuadir interlocutores em debates filosoacuteficos religiosos acadecircmicos ou em outros ambientes sociais Na filosofia costumamos entender a retoacuterica como o modo de formular bons argumentos para posteriormente pela oratoacuteria expocirc-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos Na religiatildeo costuma-se usar a oratoacuteria para desenvolver argumentos e convencer os fieacuteis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras

Assim os religiosos utilizam a retoacuterica com a finalidade de explicar as questotildees controversas e consequentemente elucidar as dificuldades dos fieacuteis Jaacute os acadecircmicos utilizam meacutetodos de retoacuterica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem tiacutetulos promoccedilotildees e debater ideias no acircmbito da conjetura intelectual Destacamos ainda o uso da retoacuterica e oratoacuteria no meio social no cotidiano das nossas existecircncias falamos da famiacutelia do ciacuterculo de amigos e da convivecircncia em nossos locais de trabalho

Algumas pessoas pensam que argumentar eacute apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova Eacute por isso que muita gente considera que argumentar eacute desagradaacutevel e inuacutetil confundindo argumentar com discutir Dizemos por vezes que discutir eacute uma espeacutecie de luta verbal Contudo argumentar natildeo eacute nada disso [] laquoargumentarraquo quer dizer oferecer um conjunto de razotildees a favor de uma conclusatildeo ou oferecer dados favoraacuteveis a uma conclusatildeo [] argumentar natildeo eacute apenas a afirmaccedilatildeo de determinado ponto de vista nem uma discussatildeo Os argumentos satildeo tentativas de sustentar certos pontos de vista com razotildees Neste sentido os argumentos natildeo satildeo inuacuteteis na verdade satildeo essenciais Os argumentos satildeo essenciais em primeiro lugar porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista Nem todos os pontos de vista satildeo iguais Algumas conclusotildees podem ser defendidas com boas razotildees e outras com razotildees menos boas No entanto natildeo sabemos na maioria das vezes quais satildeo as melhores conclusotildees Precisamos por isso apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusotildees e depois avaliar tais argumentos para ver se satildeo realmente bons Neste sentido um argumento eacute uma forma de investigaccedilatildeo Alguns filoacutesofos e ativistas argumentaram por exemplo que criar animais soacute para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que portanto eacute injustificado e imoral Seraacute que tecircm razatildeo Natildeo podemos decidir consultando os nossos preconceitos Estatildeo envolvidas muitas questotildees Por exemplo temos obrigaccedilotildees morais para com outras espeacutecies ou o sofrimento humano eacute o uacutenico realmente mau Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne Alguns vegetarianos vivem ateacute idades muito avanccediladas Seraacute que este fato mostra que as dietas vegetarianas satildeo mais saudaacuteveis Ou seraacute irrelevante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tendo em conta que alguns natildeo vegetarianos tambeacutem vivem ateacute idades muito avanccediladas (Eacute melhor perguntarmos se haacute uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem ateacute idades avanccediladas) Teratildeo as pessoas mais saudaacuteveis tendecircncia para se tornarem vegetarianas ao contraacuterio das outras Todas estas questotildees tecircm de ser apreciadas cuidadosamente e as respostas natildeo satildeo a partida oacutebvia (WESTON 1996 p 5)

A arte retoacuterica e a oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausiacuteveis no que se refere agrave arguiccedilatildeo e exposiccedilatildeo de ideias A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento uma convicccedilatildeo ou um projeto Este meacutetodo de persuasatildeo pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas vaacuterias especificidades ou pode servir para enganar ludibriar e prejudicar outras pessoas

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retoacuterica e da oratoacuteria Platatildeo e Aristoacuteteles cada qual ao seu modo procuraram estabelecer criteacuterios ou maneiras para evitarmos destruir a existecircncia alheia Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias inquiriu o mesmo sobre a implicaccedilatildeo moral de determinadas posturas retoacutericas Assim a arte da persuasatildeo natildeo eacute um vale-tudo mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questotildees que queremos discutir Aristoacuteteles defendeu uma separaccedilatildeo entre retoacuterica e oratoacuteria para que ficasse claro qual estilo de argumentaccedilatildeo o indiviacuteduo estava praticando Deste modo a retoacuterica serviria para desenvolvermos raciociacutenios claros e silogiacutesticos sobre um assunto especiacutefico enquanto que a oratoacuteria serviria para expormos poesias e formas literaacuterias de estilo proacuteprio

Assim conforme aponta Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retoacuterica

A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente

na tentativa do convencimento

alheio para podermos transmitir

um pensamento uma convicccedilatildeo ou

um projeto

A QUE SE REFERE UM DISCURSO ndash TRECHO DE PLATAtildeO

Soacutecrates mdash Entatildeo diz a respeito de quecirc A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retoacuterica

Goacutergias mdash Aos negoacutecios humanos Soacutecrates e os mais importantes

Soacutecrates mdash Mas isso Goacutergias tambeacutem eacute ambiacuteguo e nada preciso Creio que jaacute ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeraccedilatildeo dos bens e dizer que

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

o melhor bem eacute a sauacutede o segundo ser belo e o terceiro conforme se exprime o poeta da cantilena enriquecer sem fraude

Goacutergias mdash Jaacute ouvi mas a que vem isso

Soacutecrates mdash Eacute que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena a saber o meacutedico o pedoacutetriba e o economista e falasse em primeiro lugar o meacutedico Soacutecrates Goacutergias te engana natildeo eacute sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens poreacutem a minha E se eu lhe perguntasse Quem eacutes para falares dessa maneira Sem duacutevida responderia que era meacutedico Queres dizer com isso que o produto de tua arte eacute o melhor dos bens Como poderia Soacutecrates deixar de secirc-lo se se trata da sauacutede Haveraacute maior bem para os homens do que a sauacutede E se depois dele por sua vez falasse o pedoacutetriba Muito me admiraria tambeacutem Soacutecrates se Goacutergias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha A esse do meu lado eu perguntara Quem eacutes homem e com que te ocupas Sou professor de ginaacutestica me diria e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto Depois do pedoacutetriba falaria o economista quero crer num tom depreciativo para os dois primeiros Considera bem Soacutecrates se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza tanto na atividade de Goacutergias como na de quem quer que seja Como Decerto lhe perguntaacuteramos eacutes fabricante de riqueza Responderia que sim Quem eacutes entatildeo Sou economista E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza Voltariacuteamos a falar-lhe Como natildeo me responderia No entanto lhe diriacuteamos o nosso Goacutergias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua Eacute fora de duacutevida que a seguir ele me perguntaria Que espeacutecie de bem eacute esse Goacutergias que o diga Ora bem Goacutergias imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor

Goacutergias mdash Que eacute de fato o maior bem Soacutecrates e a causa natildeo apenas de deixar livres os homens em suas proacuteprias pessoas como tambeacutem de tornaacute-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades

Soacutecrates mdash Que queres dizer com isso

Goacutergias mdash O fato de por meio da palavra poder convencer os juiacutezes no tribunal os senadores no conselho e os cidadatildeos nas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

assembleias ou em toda e qualquer reuniatildeo poliacutetica Com semelhante poder faraacutes do meacutedico teu escravo e do pedoacutetriba teu escravo tornando-se manifesto que o tal economista natildeo acumula riqueza para si proacuteprio mas para ti que sabes

Fonte Platatildeo (2005 p 6-7)

A serventia do pensamento retoacuterico e da oratoacuteria tambeacutem varia conforme o repertoacuterio do sujeito que se dispotildee a praticar tal arte Se considerarmos um sujeito de aptidotildees variadas e qualidades profissionais e acadecircmicas bem desenvolvidas a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existecircncia Por outro lado se considerarmos um sujeito que possui restriccedilotildees intelectuais e profissionais natildeo poderemos concluir a mesma coisa Lembremos que natildeo estamos falando de condiccedilotildees sociais nos referimos ao interesse profissional e acadecircmico de cada indiviacuteduo

Por isso a retoacuterica serve a diversos fins dependendo como jaacute disseram os filoacutesofos relativistas gregos do contexto em que estaacute inserida Conforme aponta Protaacutegoras ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo artes distintas que servem conforme a conveniecircncia humana Este modo de pensar eacute atual e estaacute presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e natildeo nos preocupamos com os problemas alheios

Natildeo eacute de hoje a presenccedila da retoacuterica entre noacutes no cotidiano Na Antiguidade observamos argumentaccedilotildees puacuteblicas debates e relaccedilotildees costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitaccedilotildees

No periacuteodo chamado de Idade Meacutedia a retoacuterica foi usada como meacutetodo de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo a tradiccedilatildeo platocircnica em Agostinho e aristoteacutelica em Tomaacutes de Aquino A apropriaccedilatildeo desta arte no pensamento medieval cedeu devido agrave necessidade de impor e apresentar o meio de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados visto que a comunidade estava imersa na visatildeo de mundo do catolicismo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Ao retomarem as ideias platocircnicas os exegetas do periacuteodo chamado primeira Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo IX desenvolveram meacutetodos e sugestotildees de interpretaccedilatildeo fundados na ideia de convencimento alheio Configura-se neste periacuteodo uma grande ecircnfase na retoacuterica argumentativa que quer persuadir o outro sobre uma verdade que estaacute sendo transmitida

Jaacute os seguidores da tradiccedilatildeo aristoteacutelica desenvolveram uma retoacuterica e uma oratoacuteria mais sofisticadas com diferentes gecircneros e estruturas formais Tomaacutes de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teoloacutegico utilizando o princiacutepio da refutaccedilatildeo de provas fundado por Aristoacuteteles bem como seguiu a divisatildeo proposta por Aristoacuteteles

Percebemos neste periacuteodo que a retoacuterica e a oratoacuteria encontram-se submersas em meio a toda a discussatildeo teoloacutegica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregaccedilotildees dentro das igrejas

Este processo comumente chamado de adoccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade remonta ao livro da criaccedilatildeo pois eacute no livro dos Gecircneses 217 que Deus faz uma pregaccedilatildeo ldquoporque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morreraacutesrdquo isso significa que tambeacutem o Criador utilizou de argumentos retoacutericos para explicar a sua criaccedilatildeo para suas criaturas Assim a retoacuterica e a oratoacuteria no periacuteodo chamado de medieval estatildeo embebidas por conteuacutedos religiosos

Verificamos pregaccedilotildees por todo esse periacuteodo desde Agostinho (354-430 dC) ateacute o seacuteculo XV Esse periacuteodo eacute claramente marcado pela eloquecircncia fervor e tentativa de persuasatildeo que resultou na expansatildeo do modelo de religiatildeo por grande parte do mundo conhecido Podemos atribuir a retoacuterica da predicaccedilatildeo a Agostinho e organizaccedilatildeo do Trivium grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade como constituintes da estrutura da retoacuterica Tambeacutem os seguidores de Aristoacuteteles desencadearam classificaccedilotildees e tipificaccedilotildees para os estudos biacuteblicos A principal mudanccedila que esses fizeram foi adaptar o princiacutepio do verossiacutemil transformando de uma possibilidade para uma verdade uacuteltima e dogmas Merece destaque o teoacutelogo Isidoro (560-636) que dividiu a retoacuterica em exoacuterdio narraccedilatildeo argumentaccedilatildeo e por uacuteltimo conclusatildeo Esta divisatildeo didaacutetica da retoacuterica serve para fins de entendimento da interpretaccedilatildeo dos diferentes pensadores sobre o problema da separaccedilatildeo das partes da retoacuterica

Muitos satildeo os autores que nesta eacutepoca configuraram uma retoacuterica cristatilde O que podemos entender eacute que haacute uma imensa variedade de soluccedilotildees para problemas teoloacutegicos apresentados durante a chamada Idade Meacutedia Assim percebemos que a adoccedilatildeo de princiacutepios platocircnico-aristoteacutelicos configurou por volta do seacuteculo XIII a retoacuterica comumente usada nos sermotildees Essa nova oratoacuteria servia muito bem para convencer os coraccedilotildees dos fieacuteis e lhes trazer o conforto

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Oratoacuteria e Retoacuterica

religioso Neste periacuteodo se incluiacuteram faacutebulas ou pequenas histoacuterias durante o sermatildeo para que os fieacuteis geralmente leigos pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva

A funccedilatildeo desta formulaccedilatildeo retoacuterica pode ser resumida em trecircs partes 1) ler o texto 2) discutir o texto e 3) fazer uma pregaccedilatildeo Esta divisatildeo serve ateacute nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica em uma faculdade de Teologia Os sermotildees mais elaborados ocorriam nas universidades medievais mas nas igrejas especialmente nos finais de semana podiacuteamos observar pregaccedilotildees com organizaccedilatildeo e estrutura retoacuterica Um exemplo eacute o estudo biacuteblico em que se pode utilizar deste meacutetodo retoacuterico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto

Neste sentido a retoacuterica claacutessica se expandiu na chamada Idade Meacutedia e configurou um imenso campo de discussatildeo que outrora estava restrito agrave Greacutecia ou a Roma

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos Veja a seguir

1 Transmitir uma mensagem nesta perspectiva a retoacuterica serve aos indiviacuteduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendecirc-las2 Persuadir os interlocutores neste quesito a retoacuterica praticamente natildeo se modificou desde Platatildeo em seu diaacutelogo Goacutergias eacute que se encontra esta definiccedilatildeo

3 Finalidade este aspecto pode ser encontrado em Aristoacuteteles que com sua classificaccedilatildeo entendia que um discurso deve ter um propoacutesito um fim portanto ela serve agravequilo que tivermos como fim

A retoacuterica em nosso meio serve a diversas finalidades mas nem sempre percebemos Quando temos uma enfermidade e consultamos um meacutedico temos que convencecirc-lo atraveacutes de palavras e explicaccedilotildees de que sofremos de uma moleacutestia Caso nossa moleacutestia natildeo seja aparente entatildeo fica ainda mais difiacutecil pois ele precisa acreditar nos argumentos retoacutericos que noacutes propusemos para que continue a consulta e nos traga uma soluccedilatildeo para a moleacutestia

Este exemplo deixa claro como a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo presentes em nosso meio sem ao menos percebermos por isso sua finalidade vai aleacutem da produccedilatildeo e configuraccedilatildeo de discursos argumentos e debates

Se considerarmos a retoacuterica como parte do nosso meio perceberemos a importacircncia do estudo e da dedicaccedilatildeo a tal arte do bem falar proporcionando aos interlocutores e a noacutes maior qualidade e eficaacutecia na transmissatildeo de ideias

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos1 Transmitir uma

mensagem2 Persuadir os interlocutores3 Finalidade

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Se retomarmos o pensamento da retoacuterica claacutessica isto eacute da Antiguidade notaremos que quando organizamos um raciociacutenio conforme aponta Aristoacuteteles estamos organizando tambeacutem nossas proacuteprias ideias visto que em geral noacutes temos ideias desarticuladas e eacute pelo exerciacutecio da retoacuterica que conseguimos contrapor ideias e contribuiacutemos para o meacutetodo dialeacutetico que opotildee verdades Deste modo retirarmos algo provisoacuterio para montarmos nosso raciociacutenio

Sob esta oacutetica precisamos entender o que satildeo silogismos Aristoacuteteles explica que silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo especiacutefico da razatildeo do contraacuterio seratildeo somente ideias desconexas Os raciociacutenios silogiacutesticos antes de qualquer coisa devem versar sobre algum assunto particular distinguindo-se lugares espeacutecies gecircneros e formas Para entendermos isto precisamos saber quais satildeo os gecircneros da retoacuterica segundo Aristoacuteteles Este assunto eacute um dos constituintes mais importantes da arte retoacuterica de modo que os elementos que compotildeem o gecircnero retoacuterico satildeo 1) O orador 2) o assunto 3) o ouvinte Sem estes elementos natildeo se faz a arte retoacuterica portanto o orador deve expor o seu discurso precisa estar atento ao seu assunto e os interlocutores precisam ouvir e por conseguinte saber distinguir as diversas finalidades de um discurso

Caracteriacutesticas da Arte de Falar Bem As caracteriacutesticas para desenvolvermos uma boa retoacuterica e uma boa oratoacuteria

podem ser resumidas em trecircs aspectos fundamentais 1) conteuacutedo do discurso 2) forma do discurso 3) objetivo do discurso

bull No primeiro elemento denominado conteuacutedo do discurso o orador

deve estar atento agrave formulaccedilatildeo retoacuterica dos argumentos Neste sentido o conteuacutedo deve abranger aquilo a que ele se propotildee e expor sem dificuldades e correccedilotildees ou ambiguidades

bull A segunda caracteriacutestica eacute a forma do discurso que deve deixar claro se os argumentos retoacutericos elencados pelo orador satildeo narrativos metafoacutericos paraacutebolas ou explicaccedilotildees cientiacuteficas como silogismos loacutegicos Isto significa que antes de comeccedilarmos um discurso e expor a forma que iremos usar pode ser falada qual eacute a forma ou durante a apresentaccedilatildeo expor esta forma

bull A terceira caracteriacutestica de uma boa formulaccedilatildeo retoacuterica eacute o objetivo de um discurso Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Dito isso seguimos a esteira dos passos iniciais da retoacuterica inaugurada pelos sofistas na Greacutecia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano Eacute no pensamento sofiacutestico que encontramos esboccedilo de gramaacutetica formas de prosa tanto ornada como erudita Segundo esses filoacutesofos natildeo haacute transmissatildeo da possibilidade da verdade em um debate isto eacute completamente contraacuterio ao ideal socraacutetico que sempre estaacute em busca de uma verdade

Esses pensadores desenvolveram caracteriacutesticas que a partir do Kairoacutes tempo oportuno possibilitaram entender que uma discussatildeo sempre estaacute tentando evitar a fuga das coisas ela se agarra agrave oportunidade de uma reacuteplica eis que haacute elementos substanciais para formulaccedilatildeo posterior da retoacuterica aristoteacutelica

Os sofistas constituiacuteram o fundamento da retoacuterica ocidental sob a ideia da controveacutersia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussotildees O mundo desses filoacutesofos sofistas natildeo tem realidade objetiva muito menos verdade para eles a uacutenica coisa viaacutevel eacute o discurso ou seja a retoacuterica Neste sentido dizer que um discurso eacute verdadeiro ou verossiacutemil eacute soacute um artifiacutecio retoacuterico para calar a boca de algueacutem

A retoacuterica inaugurada pelos sofistas natildeo estaacute abaixo do saber seu objetivo eacute o poder em outras palavras os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam ldquoa governar bem suas casas e suas cidadesrdquo (REBOUL 2004 p 10) Isso significa que o que importa eacute servir o poder

Sob esta perspectiva podemos entender que a retoacuterica satisfez agrave necessidade teacutecnica juriacutedica bem como a prova literaacuteria agrave filosofia e ao ensino na Greacutecia antiga Isoacutecrates pensador grego desenvolveu uma retoacuterica que abrange esses aspectos mencionados Em sua longa vida de 99 anos Isoacutecrates (436-338 aC) libertou a retoacuterica da sofiacutestica grega ele contribuiu para desenvolver e ampliar as caracteriacutesticas da arte retoacuterica Apoacutes sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa tendo ele escrito sua proacutepria defesa resolveu publicar o texto intitulado ldquoA trocardquo foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retoacuterica

Seu meacutetodo de ensino partia da reflexatildeo dos alunos com os quais ele sentava e discutia as questotildees corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos Segundo ele natildeo satildeo todas as pessoas que podem praticar a boa oratoacuteria deve haver algumas condiccedilotildees para que o sujeito possa desenvolver esta arte

Para ele eacute necessaacuterio aptidatildeo natural praacutetica constante e ensino sistemaacutetico para que se configure um bom orador Haacute uma clara discordacircncia entre ele e os

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sofistas pois para Isoacutecrates natildeo se pode criar um bom orador apenas se pode aperfeiccediloar algueacutem com aptidatildeo para tal arte De acordo com Reboul Isoacutecrates queria um modelo de retoacuterica ldquosoacutebria clara precisa isenta de termos raros de neologismos de metaacuteforas brilhantes de ritmos marcados mas sutilmente bela e profundamente harmoniosardquo (REBOUL 2004 p 11)

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber Isoacutecrates afirma que a retoacuterica deve seguir uma causa honesta e nobre Para ele as pessoas satildeo livres para bem usar os artifiacutecios retoacutericos mas devemos estar preocupados com a formaccedilatildeo moral e literaacuteria dos oradores para que estes natildeo caiam no acaso logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existecircncia Segundo ele o que nos distingue dos animais eacute a palavra e essa caracteriacutestica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos Neste sentido eacute a liacutengua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar agraves guerras

A retoacuterica eacute um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condiccedilatildeo de linguagem e arguiccedilatildeo persuasiva frente aos seus interlocutores O orador pode falar de virtudes paixotildees e outros assuntos com qualidade e precisatildeo caso saiba estruturar o seu discurso

A razatildeo de ser da retoacuterica que constitui uma das suas principais caracteriacutesticas eacute justamente o fato de ela querer convencer algueacutem logo ela aborda elementos que satildeo comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade O orador deve saber formular silogismos que satildeo raciociacutenios loacutegicos sobre as provas empiacutericas que ele escolher Um bom silogismo deve conter premissas plausiacuteveis sendo que natildeo pode haver confusatildeo entre as partes descritas

Um bom orador estabelece as caracteriacutesticas mais provaacuteveis para um acontecimento seu raciociacutenio sempre considera probabilidades e natildeo descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem Ele deve considerar todas as situaccedilotildees viaacuteveis e por eliminaccedilatildeo e contradiccedilatildeo sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstraacutevel

Para entendermos como se configurou a retoacuterica moderna devemos entender como se deu o processo de assimilaccedilatildeo durante o periacuteodo medieval pois este periacuteodo herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Claacutessica De acordo com Costa (2008)

Diretamente herdeira da Retoacuterica claacutessica a Retoacuterica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de trecircs fontes a Retoacuterica a Herecircnio a Doutrina oratoacuteria (Institutio oratoacuteria de Quintiliano [35-95]) e a tradiccedilatildeo cristatilde (desde Satildeo Jerocircnimo [340-420] ateacute Santo Agostinho [354-430])

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Um dos manuais de Retoacuterica mais estimados na Idade Meacutedia foi a Retoacuterica a Herecircnio (Rethorica ad Herennium) texto entatildeo atribuiacutedo a Ciacutecero (106-43 aC) mas na verdade de autor desconhecido Escrito no seacuteculo I antes de Cristo em meio agrave crise da Repuacuteblica romana o tratado natildeo deixava de destacar as teacutecnicas para se obter a docilidade e a benevolecircncia dos ouvintes ndash como eacute tiacutepico dos toacutepicos da Retoacuterica ndash mas as fundamentava no conceito de justiccedila e especialmente na diferenccedila entre o bem e o mal como se depreende nessa passagemConveacutem que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplaacute-la No debate poliacutetico a utilidade divide-se em duas partes a segura e a honesta [] A mateacuteria honesta divide-se em reto e louvaacutevel Reto eacute o que se faz com virtude e dever Subdivide-se em prudecircncia justiccedila coragem e modeacutestia Prudecircncia eacute a destreza que pode com certo meacutetodo discernir o bem e o mal []Esse soacutelido alicerce eacutetico exposto na Retoacuterica a Herecircnio tem por sua vez raiz em Aristoacuteteles (384-322 aC) Em sua Retoacuterica o Estagirita sustentou as bases filosoacuteficas da virtude da justiccedila do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retoacuterica [] os homens tecircm uma inclinaccedilatildeo natural para a verdade e a maior parte das vezes alcanccedilam-na E por isso ser capaz de discernir sobre o plausiacutevel eacute ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade [] Mas a retoacuterica eacute uacutetil porque a verdade e a justiccedila satildeo por natureza mais fortes que os seus contraacuterios De sorte que se os juiacutezos se natildeo fizerem como conveacutem a verdade e a justiccedila seratildeo necessariamente vencidas pelos seus contraacuterios e isso eacute digno de censura (COSTA 2008 p 31)

Essa assimilaccedilatildeo da retoacuterica no periacuteodo medieval permitiu que ela fosse

adotada para o acircmbito religioso As exegeses e sermotildees comeccedilaram a conter elementos da forma grega de argumentar Depois de algum tempo jaacute havia sistemas estruturados de interpretaccedilatildeo dos textos que permitiam anaacutelises e explicaccedilotildees detalhadas das escrituras sagradas

Um bom argumento deve conter raciociacutenios irrefutaacuteveis pois do contraacuterio natildeo chegaremos a uma conclusatildeo viaacutevel

Entre as caracteriacutesticas da retoacuterica gostariacuteamos de fazer uma pequena distinccedilatildeo entre a funccedilatildeo teoloacutegica e a funccedilatildeo filosoacutefica da retoacuterica Para a filosofia a retoacuterica deve elucidar argumentos filosoacuteficos e o conteuacutedo de seus conceitos permitindo ao puacuteblico e ao estudante desta arte uma compreensatildeo clara e distinta acerca dos problemas da filosofia

Na filosofia a arte da persuasatildeo deve servir agrave elucidaccedilatildeo dos grandes problemas teoacutericos e para exposiccedilatildeo de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais Os primeiros manuais de retoacuterica publicados por Coacuterax e Tiacutesias por volta do seacuteculo V aC formularam os elementos para tais exposiccedilotildees Jaacute Goacutergias (483-380 aC) valorizou o significado da palavra como fundadora pois para este eacute a palavra que comanda um exeacutercito faz um porto ou determina

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

a natureza de um Estado Durante este periacuteodo inuacutemeras caracterizaccedilotildees diferenciaram a retoacuterica mas em geral todas concordam que uma boa retoacuterica proporcionaraacute uma possibilidade de se formar um orador Neste sentido distinguimos a caracteriacutestica da retoacuterica de formular discursos da oratoacuteria que definimos pela arte de se expressar em puacuteblico

Na teologia a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram caracteriacutesticas de eloquecircncia nos sermotildees e nos debates teoloacutegicos Destacamos que os principais motivos desta formulaccedilatildeo remetem agrave tentativa de converter os infieacuteis e produzir uma interpretaccedilatildeo biacuteblica

De modo resumido podemos dizer que os modos de persuasatildeo ajudam os indiviacuteduos em um debate para que estes possam formular pela retoacuterica e expor pela oratoacuteria as suas verdades Se na Idade Meacutedia o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formaccedilatildeo humana na Modernidade percebemos uma pulverizaccedilatildeo destas artes e uma constante divisatildeo que gerou uma teacutecnica distinta do conteuacutedo da retoacuterica

Os significados de Trivium e Quadrivium satildeo respectivamente Os trecircs caminhos que levam ao homem a eloquecircncia 1) gramaacutetica 2) retoacuterica 3) loacutegica Quadrivium Os quatro caminhos para a sabedoria do homem que satildeo 1) aritmeacutetica 2) muacutesica 3) geometria 4) astronomia

Neste sentido se na Antiguidade e na Idade Meacutedia retoacuterica e oratoacuteria se articulavam e completavam-se formando uma aacuterea de saber na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificaccedilatildeo que resultou em uma retoacuterica especiacutefica para profissatildeo

Embora a Retoacuterica de Aristoacuteteles tenha sido pouco lida o fato eacute que a tradiccedilatildeo grega contraacuteria aos sofistas elevou a Retoacuterica agrave categoria de valor Mesmo Platatildeo (c 429-347 aC) tatildeo avesso agrave Retoacuterica em sua Repuacuteblica ideal fez Soacutecrates afirmar que ela para deixar de ser uma adulaccedilatildeo deveria estar a serviccedilo da filosofia da educaccedilatildeo como ldquoarte de guiar a alma por meio de raciociacutenios (Fedro 261a) para se chegar agrave verdade agrave justiccedila e ao bemrdquo Assim desde a filosofia de Platatildeo a verdadeira finalidade da Retoacuterica natildeo deveria ser o ato de agradar aos homens como defendiam os sofistas mas agradar a Deus (Fedro 273e)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Em outras palavras a tradiccedilatildeo claacutessica grega legou aos romanos a noccedilatildeo de que a verdadeira Retoacuterica deveria estar a serviccedilo da eacutetica e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retoacuterico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas accedilotildees com o intuito de infundir a justiccedila nas almas dos cidadatildeos fazendo com que neles reinassem a prudecircncia a moderaccedilatildeo e sobretudo desaparecesse o destempero todas as energias do Estado e do indiviacuteduo deveriam portanto dedicar-se agrave busca do bem natildeo agrave satisfaccedilatildeo dos desejos Esses pressupostos estatildeo muito presentes em Quintiliano afamadiacutessimo professor de Retoacuterica do primeiro seacuteculo de nossa era Ao escrever sua obra-prima em 95 dC a Doutrina oratoacuteria este romano-espanhol de Calahorra natildeo teve qualquer receio em seguir a tradiccedilatildeo de Catatildeo (234-149 aC) e definir em seu Livro XII o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer mas sobretudo um homem bom (ldquovir bonus dicendi peritusrdquo) particularmente por seus costumes Todo esse manancial eacutetico claacutessico que norteou a Retoacuterica foi generosamente sorvido pela tradiccedilatildeo cristatilde especialmente atraveacutes de Satildeo Jerocircnimo (c 340-420) e Santo Agostinho (354-430) que a retransmitiram aos medievais (Jerocircnimo atraveacutes de suas cartas e Agostinho em suas Confissotildees) Isidoro de Sevilha (560-636) por fim fortaleceu a ponte entre os dois mundos e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) agrave Retoacuterica e agrave Dialeacutetica Nele o bispo realizou uma importante compilaccedilatildeo de excertos e circunscreveu a Retoacuterica ao discurso forense sem contudo abandonar seu cariz eacutetico ldquoRetoacuterica eacute a ciecircncia do bem dizer nos assuntos civis com a eloquecircncia proacutepria para persuadir o justo e o bomrdquo Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Meacutedia A partir de entatildeo o estudo da Retoacuterica ficou restrito ao universo monaacutestico ou seja tanto educandos quanto educadores salvo rariacutessimas exceccedilotildees natildeo a colocavam em praacutetica Isso soacute ocorreria a partir do seacuteculo XI quando a Retoacuterica passou a ser utilizada na composiccedilatildeo de cartas e documentos e tornou-se uma epistolografia era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi) E foi dessa eacutepoca a defesa acadecircmica da Retoacuterica feita por Gilberto de la Porreacutee e Joatildeo de Salisbury contra os cornificianos (COSTA 2008 p 32)

Essa fragmentaccedilatildeo da retoacuterica apoacutes o seacuteculo XVII (Idade Moderna) conforme aponta Reboul (2004) Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica praticamente fez desaparecer do meio acadecircmico a disciplina de Retoacuterica Depois da metade do seacuteculo XX a retoacuterica se recuperou gradativamente mas o processo comeccedilou pelo acircmbito do marketing Aos poucos e de fora para dentro o debate sobre a retoacuterica recomeccedilou e em nossos dias jaacute temos algumas instituiccedilotildees de Ensino Superior que retomaram essa disciplina contudo no ensino baacutesico simplesmente se ignora o papel da retoacuterica e da oratoacuteria

Retoacuterica e Oratoacuteria em Nosso MeioPassamos agora a discutir um pouco o problema da retoacuterica em nosso

meio para entendermos que ela natildeo eacute uma coisa distante e sem sentido que foi esquecida por ser sem utilidade Para Duran (2009 p 9)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Trecircs autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retoacuterica e da eloquecircncia no Brasil do seacuteculo XIX Roberto de Oliveira Brandatildeo com seus estudos sobre os manuais de retoacuterica e poeacutetica brasileiros do seacuteculo XIX (1972) Roberto Aciacutezelo de Souza com o livro O Impeacuterio da Eloquecircncia Retoacuterica e Poeacutetica no Brasil Oitocentista (1999) e Eduardo Vieira Martins com a Fonte subterracircnea (2005) Roberto de Oliveira Brandatildeo selecionou os manuais e compecircndios de retoacuterica e poeacutetica publicados ao longo do seacuteculo XIX como seus objetos de estudo Sua preocupaccedilatildeo foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional Em trabalhos posteriores como no texto Os manuais de retoacuterica brasileiros do seacuteculo XIX (1988) o autor apresentou avanccedilos acerca dessa temaacutetica abordando a funccedilatildeo e a permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na educaccedilatildeo nacional Roberto Aciacutezelo de Souza por sua vez estudou a retoacuterica e a poeacutetica por meio dos planos de ensino da segunda metade do seacuteculo XIX no Coleacutegio Pedro II Souza esforccedilou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado tendo em vista algumas oraccedilotildees da eacutepoca e as praacuteticas educativas de entatildeo Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos agrave mudanccedila estrutural da disciplina que em meados de 1830 deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referecircncia e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair A permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura brasileira tambeacutem foi abordada nesta pesquisa a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e Joseacute de Alencar Em seus trabalhos esses trecircs autores referiram-se agrave segunda metade do seacuteculo XIX quando a disciplina jaacute possuiacutea certa uniformidade Entre suas fontes se pode encontrar manuais compecircndios planos de ensino registros de aulas decisotildees e ordens do Estado brasileiro fontes que lhes serviram como referecircncia para localizar a contribuiccedilatildeo que a retoacuterica e a eloquecircncia forneceram agrave educaccedilatildeo Quanto agrave formaccedilatildeo de um discurso brasileiro senatildeo de uma literatura nacional um deles recorreu a um literato da eacutepoca Joseacute de Alencar enquanto os demais mantiveram-se atentos agrave produccedilatildeo de uma literatura didaacutetica ou pedagoacutegica Excetuando a distinccedilatildeo de gecircnero pode-se afirmar que ambas possuiacuteam uma unidade prescritiva de caraacuteter edificante

Neste aspecto pensar a retoacuterica em nossas terras eacute importante para

sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadecircmico se manifestou ficando agrave literatura o papel de preservar sua existecircncia de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio Em alguns lugares do paiacutes foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos

A longevidade da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura local foi garantida por meio dos perioacutedicos cariocas que a partir de 1822 tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em ldquoarrogar no coraccedilatildeo do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo aquela zelosa energia que constituem verdadeiro meacuterito moral e poliacutetico e acrisola decidido patriotismordquo (JORNAL SCIENTIacuteFICO ECONOMICO E LITERAacuteRIO 1826 NUacuteMERO 1 MAIO p 81) Regrada pela retoacuterica a comunicaccedilatildeo dos cariocas do primeiro quartel do seacuteculo XIX modelou uma

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Oratoacuteria e Retoacuterica

eloquecircncia que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular formal e temaacutetico para a invenccedilatildeo de uma literatura nacional e paralelamente de uma identidade brasileira (DURAN 2009 p 9)

Os jesuiacutetas contribuiacuteram de modo muito importante sobre a preservaccedilatildeo e difusatildeo da arte retoacuterica sobretudo no meio religioso Seus textos exegeacuteticos foram fundamentais para que as vertentes de retoacuterica e oratoacuteria se espalhassem no meio literaacuterio brasileiro

Foi publicado em 23 de dezembro de 1770 o Compecircndio histoacuterico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasatildeo dos denominados jesuiacutetas no Palaacutecio Nossa Senhora da Ajuda em Lisboa O opuacutesculo dava notiacutecia de aspectos do meacutetodo de ensino dos jesuiacutetas durante o seacuteculo XVIII nos cursos de Teologia Cacircnones Leis e Medicina da Universidade de Coimbra apresentando as mateacuterias conforme a sucessatildeo das aulas durante a semana Prima Terccedila e Veacutespera eram aulas permanentes que aconteciam respectivamente agraves segundas terccedilas e quartas-feiras certamente muito importantes a julgar pelo maior honoraacuterio pago aos mestres As quintas-feiras eram livres como na Franccedila e os domingos reservados para o descanso e a missa Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades geralmente as sextas-feiras quando se realizava a Noa Nas Catedrilhas Institutas ou Avicena que se seguiam irregularmente durante a semana realizava-se a revisatildeo dos temas jaacute estudados ou a leitura dos textos das proacuteximas aulas de Prima Terccedila ou Veacutespera Dedicadas a rememorar os temas jaacute discutidos tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a mateacuteria e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante O passante era na maioria dos casos um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiecircncia ou ainda um jovem receacutem-formado com as mesmas qualidades Aleacutem do passante havia o lente um tipo de mestre responsaacutevel pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Veacutespera antecedendo a explicaccedilatildeo do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terccedila A relevacircncia dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exerciacutecio contiacutenuo de memorizaccedilatildeo da mateacuteria pois a intenccedilatildeo era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importacircncia fato que num mundo de poucos impressos era um traccedilo distintivo de inteligecircncia Em todas as mateacuterias o estudo era guiado por uma obra de referecircncia impreterivelmente em latim A predominacircncia do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa liacutengua eram considerados os mais importantes e aprofundados Soma-se a isso a crenccedila de que o estudo da obra original das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor tinha maior meacuterito por constituiacuterem um conhecimento puro capaz de sustentar um saber genuiacuteno (DURAN 2009 p 15)

Aleacutem desse caraacuteter de decorar um assunto o ensinamento de um argumento

possibilita aos indiviacuteduos uma capacidade de memorizaccedilatildeo que os distingue dos demais visto que haacute poucos textos escritos nessa eacutepoca e a eloquecircncia com que se elencava um argumento fazia toda a diferenccedila quando se queria convencer algueacutem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Segundo Duran (2009) para alguns pensadores do final do seacuteculo XVIII natildeo era mais possiacutevel seguir sem a disciplina de retoacuterica em nossos bancos escolares e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias

No sistema criado por Verney as mateacuterias Histoacuteria Geografia e Gramaacutetica deveriam ser acompanhadas da Retoacuterica depois disso Grego e mais Histoacuteria deveriam ser as mateacuterias dos anos subsequentes A Retoacuterica alinhavava esses saberes disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniotildees acerca das mateacuterias estudadas [O mestre de Retoacuterica] Logo mandaraacute compor alguma coisa em Portuguecircs comeccedilando por assuntos breves nos trecircs gecircneros de Eloquecircncia Comeccedilaraacute primeiro pelas cartas portuguesas dando somente aos rapazes o argumento delas e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua proacutepria liacutengua e contra a Gramaacutetica E por esta razatildeo eacute supeacuterfluo neste ano ler mais autores portugueses porque esta composiccedilatildeo eacute o melhor estudo que se pode fazer da liacutengua portuguesa Depois passaraacute ao estilo histoacuterico e tiraraacute algum argumento da mesma Histoacuteria que se explica pela manhatilde para que os estudantes a dilatem escrevendo o dito caso mui circunstanciado e variando isto segundo o arbiacutetrio do Mestre ou tambeacutem a descriccedilatildeo de um lugar e de uma pessoa ou coisa semelhante Em terceiro lugar segue-se dar-lhe algum argumento declamatoacuterio mas breve Para facilitar isto o melhor meio eacute este Quando o mestre propotildee algum argumento que se deve provar perguntaraacute ao rapaz que razotildees ele daacute sobre aquele ponto Ouccedila as que ele daacute e ajude-o a produzi-las pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY 1952 p 63) Para Verney o exerciacutecio repetido da comunicaccedilatildeo era propiacutecio para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do disciacutepulo Esse agora natildeo era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala natildeo se destinava somente aos grandes nem deveria seguir os padrotildees de apenas um uacutenico modelo por isso estudariam os discursos deliberativo demonstrativo e judicial e [] quando o estudante tiver bastante notiacutecia dos trecircs gecircneros de Eloquecircncia em tal caso pode empregar-se em compor Latim e isto pelo mesmo meacutetodo que o fez em Vulgar Nesta composiccedilatildeo latina natildeo teraacute dificuldade alguma visto ter vencido todas na composiccedilatildeo portuguesa somente lhe faltaratildeo as palavras latinas e frases particulares da liacutengua ao que deve acudir e suprir o Mestre emendando-as ou sugerindo-as Encomende tambeacutem aos rapazes que leiam muito as oraccedilotildees de Ciacutecero natildeo digo as Verrinas que satildeo enfadonhas e soacute se podem ler salteadas mas as outras mais faacuteceis e breves das quais com facilidade se passa para as outras E esta classe eacute necessaacuterio que frequentem todos os que estudam Latinidade porque sem ela nenhum pode entender e escrever bem Latim e com ela pode saber muita coisa uacutetil para todos os exerciacutecios da vida e principalmente para toda a sorte de estudos (VERNEY 1952 apud DURAN 2009 p 15)

O retorno da retoacuterica aos acircmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indiviacuteduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos fiacutesicos e materiais Com a retomada

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Oratoacuteria e Retoacuterica

da retoacuterica temos tambeacutem o retorno de figuras de linguagem comparaccedilotildees e estruturas mais rebuscadas

Platatildeo e AristoacutetelesSegundo Platatildeo a retoacuterica se caracteriza pela capacidade de persuasatildeo dos

interlocutores essa capacidade nos traz a atualidade do diaacutelogo em Goacutergias de Platatildeo acerca de uma educaccedilatildeo retoacuterica Embora estejamos enfeiticcedilados pela tecnologia quando encontramos algueacutem que sabe se expressar muito bem percebemos quatildeo importante eacute saber falar e organizar as ideias

No diaacutelogo Goacutergias Calicles e Soacutecrates iniciam a discussatildeo sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra e ao incorporarem Querefonte na discussatildeo Calicles propotildee ouvirmos o que Goacutergias pensa sobre o ato de dialogar Neste sentido Soacutecrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar Goacutergias se dispotildee a responder todas as perguntas gabando-se de que ningueacutem havia o pego desprevenido

Em determinado momento do diaacutelogo Soacutecrates inquire Goacutergias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequecircncias desta pois para Soacutecrates existe uma diferenccedila entre oratoacuteria e diaacutelogo sendo a oratoacuteria instrumento dos falaciosos Segundo Goacutergias ldquome prezo de serrdquo um bom orador (PLATAtildeO 1970 p 52) Ao se considerar como tal Goacutergias assume que eacute capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo Na sequecircncia do diaacutelogo Soacutecrates pede para que Goacutergias exponha sua arte de maneira clara e concisa Goacutergias concorda em expor esta oratoacuteria de que tanto se fala e compara concordando com Soacutecrates com a tecelagem e a muacutesica

Ao responder a Soacutecrates Goacutergias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes por exemplo a medicina pois a oratoacuteria natildeo trata de todas as palavras Segundo Goacutergias seguindo Soacutecrates a oratoacuteria capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem E aparece assim a primeira contradiccedilatildeo de Goacutergias que dissera haacute pouco no diaacutelogo com Soacutecrates que a oratoacuteria natildeo tem nada a ver com a medicina mas agora quando Soacutecrates reformula a questatildeo Goacutergias concorda que a medicina reflete sobre

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

as doenccedilas e por conseguinte usa a palavra Ao falarmos de moleacutestias segundo Soacutecrates utilizamos palavras tambeacutem faz uso de palavras a ginaacutestica que se refere ao corpo logo concluiacutemos que seguindo o raciociacutenio socraacutetico todas as demais artes utilizam palavras para se expressar e surge a principal questatildeo ateacute o momento ldquopor que natildeo dar o nome de oratoacuteria agraves demais artesrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54) A resposta de Goacutergias eacute que as demais artes trabalham com as matildeos enquanto a oratoacuteria eacute a arte da palavra isto eacute ldquosua atividade e operaccedilatildeo se realizam todas por meio de palavrasrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54)

Na sequecircncia do diaacutelogo a discussatildeo se encaminha para artes que usam as palavras sendo que a oratoacuteria natildeo abarca estas atividades Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmeacutetica que usam termos palavras e sinais na escrita mas em nenhum momento se expressam sendo que a estas tambeacutem natildeo chamamos de oratoacuteria logo a oratoacuteria eacute a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras

Devemos questionar agora se a oratoacuteria possui realmente este poder de persuasatildeo defendido por Platatildeo na obra que estamos utilizando para aplicar o debate Para Goacutergias a palavra eacute uma das formas que pode congregar cidadatildeos e colocar todos os demais que natildeo dominam esta arte sob seus peacutes Eacute a arte retoacuterica do uso das palavras que pode convencer as massas ldquoCom ecircnfase exalta Goacutergias a sua arte Na apologia Soacutecrates conta como saiacutera a interrogar os homens que passavam por saacutebios poliacuteticos poetas artiacutefices cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientiacutessimo nos demais domiacuteniosrdquo (PLATAtildeO 1970 p 59) Aqui a palavra massa natildeo tem nenhuma referecircncia moderna Eacute uma referecircncia agrave assembleia grega

Neste sentido a retoacuterica eacute um modo de persuasatildeo que cria convicccedilotildees nos interlocutores Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasatildeo A persuasatildeo que eacute uma consequecircncia da oratoacuteria eacute o convencimento por meio de bons argumentos retoacutericos e o bom uso da oratoacuteria No diaacutelogo Soacutecrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim e mais se a arte pode produzir uma persuasatildeo parecida ou igual agrave da retoacuterica Antes de continuar esta reflexatildeo sobre a persuasatildeo precisamos explicar que existe uma diferenccedila entre persuasatildeo didaacutetica e persuasatildeo pateacutetica A didaacutetica se refere ao convencimento do intelecto enquanto a pateacutetica indica um convencimento mediante as emoccedilotildees

Seguindo a linha de raciociacutenio de Soacutecrates no diaacutelogo com Goacutergias entendemos que outras artes tambeacutem produzem o convencimento cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retoacuterica produz Para responder a isso Goacutergias diz que a persuasatildeo produzida pela oratoacuteria eacute aquela que se refere ao justo e ao injusto

Percebemos que a oratoacuteria referida por Goacutergias eacute aquela juriacutedica e que estaacute restrita aos tribunais Soacutecrates distingue dois tipos de persuasatildeo 1) a crenccedila sem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

o saber e 2) a ciecircncia logo conclui-se que o orador fala da crenccedila e natildeo da ciecircncia visto que no tribunal ele natildeo expotildee o que eacute justo e injusto simplesmente quer convencer os interlocutores

Neste sentido devemos indagar assim como Soacutecrates indagou Goacutergias que proveito haacute em estudar esta arte retoacuterica A resposta a esta pergunta eacute a seguinte quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente procuramos um profissional meacutedico quando queremos falar bem procuramos um especialista em oratoacuteria Assim quem aprende uma habilidade como esta ou seja a arte retoacuterica estaacute habilitado a discutir com qualquer pessoa pois domina os conceitos Deste modo cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis

Ateacute agora a exposiccedilatildeo da arte retoacuterica e o modelo de oratoacuteria em Platatildeo situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso de modo a permitir que o estudante entenda a retoacuterica como uma forma de construccedilatildeo de argumentos e a retoacuterica como um modo de persuasatildeo dos interlocutores O diaacutelogo platocircnico Goacutergias trouxe a discussatildeo para o patamar da escolha individual de cada indiviacuteduo assim eacute o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo

Seguindo o diaacutelogo platocircnico Soacutecrates retoma a questatildeo que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador Nesta perspectiva Goacutergias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posiccedilatildeo O diaacutelogo se inclina agora para a discussatildeo da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquecircncia de um orador Neste aspecto Soacutecrates pede a Goacutergias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratoacuteria Goacutergias concorda seguindo em tudo o que Soacutecrates diz a respeito do conhecimento de um orador Concluindo este raciociacutenio Soacutecrates e Goacutergias concordam que a oratoacuteria eacute um tipo de arte injusta

No pensamento platocircnico o debate acerca da retoacuterica e da oratoacuteria remete ao diaacutelogo Goacutergias apontando na direccedilatildeo esteacutetica e literaacuteria ldquoNascido por volta do ano 485 aC Goacutergias viveu 109 anos sobrevivendo pois a Soacutecrates Tambeacutem siciliano e disciacutepulo de Empeacutedocles em 427 aC foi para Atenas numa embaixada diz-se que ali sua eloquecircncia encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltariardquo (REBOUL 2004 p 4) Percebemos aqui como a arte retoacuterica ganhou forccedila a partir dos textos e argumentaccedilotildees neste periacuteodo citado Ateacute entatildeo na Greacutecia literatura e poesia eram consideradas idecircnticas Por sua vez a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Goacutergias criou o discurso epidictieo que significa um elogio puacuteblico tambeacutem desenvolveu uma prosa eloquente que com suas rimas metaacuteforas e periacutefrases formula um modelo que captura os espectadores Citamos um exemplo de tamanha eloquecircncia o Elogio de Helena que era uma mulher perfeita bela esposa de Menelau que permitiu ser capturada por Paacuteris lanccedilando os gregos em uma guerra de uma deacutecada Goacutergias expotildee a beleza de Helena em um discurso proferido ao puacuteblico na eacutepoca da guerra no texto Goacutergias daacute as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada Dentre elas destacamos algumas foi um decreto dos deuses ou foi o destino teria ela sido levada agrave forccedila Ou convencida por belas palavras E ainda o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos

Para Goacutergias Helena foi convencida pela arguiccedilatildeo de um belo discurso e como tal natildeo eacute culpada Goacutergias defende Helena como pretexto para defender a retoacuterica ldquoO discurso eacute um tirano poderosiacutessimo esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisiacutevel alccedila agrave plenitude as obras divinas porque a palavra pode pocircr fim ao medo disse para a tristeza estimular a alegria aumentar a piedade (GOacuteRGIAS apud REBOUL 2004 p 5)

Para Goacutergias Helena eacute inocente pois ela natildeo pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos logo para Goacutergias a argumentaccedilatildeo sofiacutestica de que um ato involuntaacuterio natildeo implica em culpa Assim a arte retoacuterica expressa na oratoacuteria de Goacutergias passou a ser chamada de sofista

Eis aiacute um dos momentos marcantes da retoacuterica antiga pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquecircncia e sua arte de convencimento Inaugura-se neste periacuteodo um modo de educaccedilatildeo intelectual profundo que natildeo tem a ver com uma profissatildeo ou religiatildeo pois era o conhecimento pelo conhecimento em outras palavras Goacutergias deu agrave retoacuterica a capacidade de falar do belo

Aleacutem do debate entre Platatildeo e Goacutergias protagonizado por Soacutecrates e seus interlocutores temos outros preacute-socraacuteticos que desenvolveram a retoacuterica como a arte de argumentar Destacamos a figura de Protaacutegoras de Abdera (486-410 aC) como um destes representantes que aleacutem de defender o agnosticismo formulou a famosa maacutexima retoacuterica em relaccedilatildeo agrave moral ldquoo homem eacute a medida de todas as coisas das que satildeo enquanto satildeo e das que natildeo satildeo enquanto natildeo satildeordquo No que se refere aos seres sagrados ou deuses Protaacutegoras formulou ldquoquanto aos deuses natildeo estou em condiccedilatildeo de saber se existem ou natildeo existem nem mesmo o que satildeordquo (REBOUL 2004 p 7) Este pensamento retoacuterico lhe custou a pena de morte mas como tinha medo da morte fugiu

Quanto agrave oratoacuteria e agrave retoacuterica a principal preocupaccedilatildeo de Protaacutegoras era com os substantivos suas formas e variaccedilotildees Tambeacutem desenvolveu uma nova gramaacutetica e fundou a eriacutestica que significa a contraposiccedilatildeo de ideias resultando tempos depois na dialeacutetica Por eacuteris Protaacutegoras entendeu que uma boa discussatildeo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

deve conter ideias contraditoacuterias visto que em grego a palavra eriacutestica vem de eacuteris que significa controversa Desta maneira segundo Protaacutegoras qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando eis que esta eacute a condiccedilatildeo da teacutecnica eriacutestica ou seja os modos e formas para vencer um debate A discussatildeo e a controveacutersia mediante o uso da retoacuterica e da oratoacuteria eacute que conferem a condiccedilatildeo de um debate

Estas caracteriacutesticas que elencamos ateacute agora representam a propedecircutica ou preparaccedilatildeo para iniciar a discussatildeo acerca do fundamento da retoacuterica e da oratoacuteria Em Aristoacuteteles a retoacuterica se configura em diaacutelogo com a dialeacutetica Neste sentido ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado

No pensamento retoacuterico aristoteacutelico haacute uma distinccedilatildeo entre saber como arte e conhecimento como ciecircncia No desenvolvimento da retoacuterica desde Aristoacuteteles ateacute nossos dias ocorreu uma transformaccedilatildeo desta que passou da arte persuasiva para uma hermenecircutica interpretativa

Retomamos o cuidado com o significado da retoacuterica e da oratoacuteria em nossos tempos Em Aristoacuteteles a retoacuterica natildeo eacute simplesmente persuadir ou convencer os outros ela eacute tambeacutem fruto da experiecircncia de vaacuterios oradores que desenvolvem teacutecnicas para melhorar e exercitar esta arte A tradiccedilatildeo grega desde Homero sempre se preocupou em formular bons argumentos retoacutericos e excelentes oradores assim aleacutem de agir heroicamente as personagens gregas deviam falar bem

Inuacutemeros satildeo os exemplos na histoacuteria grega que relatam estes acontecimentos Todo o processo de transformaccedilatildeo da oratoacuteria grega passa basicamente por Platatildeo Isoacutecrates e Aristoacuteteles chegando agraves legiotildees romanas atraveacutes de Ciacutecero que com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano imortalizou a retoacuterica no meio latino De acordo com Lausberg (1960) nunca houve um sistema retoacuterico claacutessico isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indiviacuteduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retoacuterica e da oratoacuteria

Para explicarmos de maneira resumida as definiccedilotildees de retoacuterica elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento mas todas essas definiccedilotildees concordam em um ponto a retoacuterica possui fins persuasivos

a) A definiccedilatildeo de Coacuterax Tisias Goacutergias Platatildeo segundo estes a retoacuterica eacute geradora de persuasatildeo

b) Aristoacuteteles eacute capaz de descobrir as formas de persuasatildeo sobre um assunto

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) Hermaacutegoras eacute a forma de bem falar no que tange aos assuntos puacuteblicos

d) Quintiliano retoacutericos estoicos que significa a ciecircncia de falar bem

Essas definiccedilotildees partem do princiacutepio de que retoacuterica eacute um corpo de conhecimento ou meacutetodo para se expressar bem assim como pensamos a retoacuterica devemos levar em conta os seus usos No que tange agrave finalidade de um discurso natildeo haacute muita diferenccedila entre o acircmbito teoacuterico e praacutetico da eloquecircncia

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo caminham juntas

Passamos agora ao entendimento de retoacuterica segundo Aristoacuteteles que escreveu em seu livro Retoacuterica sobre os fins persuasivos desta arte e no livro Poeacutetica defende a evocaccedilatildeo imaginaacuteria para discursos poeacuteticos e literaacuterios Faz assim uma distinccedilatildeo fundamental entre o caraacuteter retoacuterico e o poeacutetico

Percebemos aqui uma severa criacutetica de Aristoacuteteles para os seus antecessores que mantinham unidas dimensotildees tatildeo distintas A novidade apresentada por Aristoacuteteles eacute a presenccedila do argumento loacutegico logo haacute uma relaccedilatildeo entre prova raciociacutenio silogismo e argumentaccedilatildeo persuasiva Este meacutetodo serve tanto agraves ciecircncias empiacutericas quanto agrave filosofia e aleacutem disso pode ser usado tambeacutem para interpretar textos

Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em sete partes 1) A distinccedilatildeo de duas categorias formais de persuasatildeo provas teacutecnicas e natildeo teacutecnicas 2) Identificaccedilatildeo de trecircs meios de prova [] a loacutegica do assunto o caraacuteter do orador e a emoccedilatildeo dos ouvintes 3) A distinccedilatildeo de trecircs espeacutecies de retoacuterica judicial deliberativa e epidiacutectica 4) A formulaccedilatildeo de duas categorias retoacutericas entimema prova dedutiva o exemplo usado na argumentaccedilatildeo indutiva [] 5) A concepccedilatildeo e o uso de vaacuterias categorias de toacutepicos na construccedilatildeo dos argumentos toacutepicos de cada gecircnero de discurso toacutepicos aplicaacuteveis a todos os gecircneros e toacutepicos de estrateacutegias de argumentaccedilatildeo 6) concepccedilatildeo de normas baacutesicas de estilo e composiccedilatildeo nomeadamente de clareza agrave compreensatildeo de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicaccedilatildeo do papel da metaacutefora 7) a classificaccedilatildeo e ordenaccedilatildeo das vaacuterias partes do discurso (ARISTOacuteTELES 2005 p 35)

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas

de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se

distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo

e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo

caminham juntas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A classificaccedilatildeo proposta por Aristoacuteteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades

A sistematizaccedilatildeo de regras do discurso observando ao mesmo tempo as interaccedilotildees necessaacuterias aos trecircs elementos envolvidos o orador o ouvinte e o objeto do discurso teve por finalidade dar consistecircncia a essa teacutecnica inserindo-a no campo das artes Esse era sem duacutevida o objetivo de Aristoacuteteles no seu tratado sobre a arte retoacuterica e a arte poeacutetica retirar das sombras essa parte da dialeacutetica ndash como o autor considerava a retoacuterica ndash neutralizando de certo modo algumas acusaccedilotildees como as de Platatildeo sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA 2012 p 7)

Se quisermos falar a um puacuteblico ou a um grupo seleto de pessoas devemos escolher o meacutetodo apropriado e o estilo conforme a classificaccedilatildeo aristoteacutelica indica Para o pensador grego retoacuterica e oratoacuteria se complementam mas satildeo distintas enquanto sua finalidade pois a retoacuterica serve para a boa formulaccedilatildeo de raciociacutenio e a oratoacuteria possui uma finalidade literaacuteria que implica na beleza do discurso

Atividades de Estudos

1) Leia o texto indicado a seguir e responda agraves questotildees

Artigo Retoacuterica e nova retoacuterica a tradiccedilatildeo grega e a teoria da argumentaccedilatildeo de Chaim Perelman Disponiacutevel em lthttpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfilesanexos25334-25336-1-PBpdfgt

a) O que eacute retoacuterica ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) Para que serve a retoacuterica ____________________________________________________

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) O que eacute oratoacuteria ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) Para que serve a oratoacuteria ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma caracteriacutestica humana que diferencia

pessoas de qualidade daquelas com outras aptidotildees A retoacuterica e a oratoacuteria ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem e por isso merecem a nossa atenccedilatildeo

Ao falar temos diferentes opccedilotildees para nos expressarmos podemos optar pelo cinismo pelo relativismo pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmaacutetica A escolha que fizermos implicaraacute em um modo de exposiccedilatildeo dos argumentos e justificaccedilatildeo das ideias e consequentemente em implicaccedilotildees morais

Conforme jaacute apontamos a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo possuem necessariamente um compromisso com a verdade pois satildeo uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem A transmissatildeo de uma mensagem atraveacutes de argumentos ou pela exposiccedilatildeo loacutegica de ideias pode levar em conta uma verdade por exemplo como ocorre com Platatildeo que tem em vista uma verdade uacuteltima que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias Por outro lado falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referecircncia agrave verdade conforme aponta Protaacutegoras Para este filoacutesofo grego a verdade eacute inatingiacutevel e por isso natildeo existe nada a ser transmitido neste sentido o que haacute eacute a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos

A verdade e a retoacuterica natildeo andam juntas o tempo todo agraves vezes elas se aproximam e agraves vezes elas se distanciam Neste sentido somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam

No acircmbito cotidiano a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante relaccedilatildeo com a verdade mas geralmente passam desapercebidas Quando estamos no trabalho

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ou em um conviacutevio social de lazer somos inquiridos e formulamos respostas nem percebemos que este exerciacutecio eacute o mesmo que em pequena escala um modo de fazer retoacuterica e oratoacuteria Por exemplo vocecirc quer convencer seu chefe de que um projeto seu eacute bom para a empresa vocecirc usaraacute argumentos retoacutericos e a forma como os apresentar seraacute a sua oratoacuteria

Eacute Aristoacuteteles quem define a retoacuterica com mais modeacutestia do que Platatildeo e os sofistas reabilitando assim uma visatildeo sistemaacutetica que se incorpora no mundo Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em quatro partes a primeira parte chamou de invenccedilatildeo a segunda denominou de disposiccedilatildeo agrave terceira parte deu o nome de elocuccedilatildeo e agrave quarta denominou de accedilatildeo Esta divisatildeo permaneceu vaacutelida ateacute nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes

bull A invenccedilatildeo do grego se chama de heureacutesis eacute o modo como o orador articula a persuasatildeo como o tema do discurso aspectos satildeo os meios de persuasatildeo presentes no tema que iratildeo contribuir para a organizaccedilatildeo do discurso

bull A disposiccedilatildeo em grego taxis eacute o modo como se organizam estes argumentos ou o plano interno do discurso Nesta parte haacute uma necessidade de organizaccedilatildeo para que possamos perceber a sequecircncia dos argumentos

bull A elocuccedilatildeo do grego lexiseacute o estilo do discurso Posteriormente alguns autores chamaram estas formas de expressatildeo de um discurso de figuras de estilo

bull Por fim a accedilatildeo do grego hypocrisis eacute a expressatildeo do discurso pela voz com gestos ou miacutemicas Lembramos que no periacuteodo romano acresceu-se a memoacuteria

Para o indiviacuteduo que deseja formular um bom discurso de retoacuterica e oratoacuteria lembramos que caso negligencie um destes elementos sua retoacuterica e oratoacuteria seraacute inaudiacutevel mal escrita ou vazia No cotidiano chamamos isso de opiniotildees de senso comum que satildeo desarticuladas e sem sentido

Quando falamos em verdade e retoacuterica devemos lembrar que para Aristoacuteteles a retoacuterica eacute parecida ou ao menos comparada com a dialeacutetica Usamos a definiccedilatildeo de dialeacutetica expressa no coro grego que canta uma estrofe e na sequecircncia ouve a antiacutestrofe (ARISTOacuteTELES 2005 p 36)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Eacute na contraposiccedilatildeo de verdades que a retoacuterica adquire sua utilidade segundo Aristoacuteteles A utilidade da retoacuterica se daacute justamente por causa da sua capacidade argumentativa Por isso um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate visto que temos que considerar as evidecircncias e os meios de persuasatildeo Para determinar a natureza da retoacuterica Aristoacuteteles afirma

[] a retoacuterica eacute a outra face da dialeacutetica pois ambas se ocupam de questotildees mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e natildeo correspondem a nenhuma ciecircncia em particular De fato todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento defender-se ou acusar (ARISTOacuteTELES 2005 p 89)

Assim as pessoas praticam a retoacuterica com o resultado do haacutebito no cotidiano

sem se dar conta do oacutebvio

Queremos esclarecer que aqui falamos da retoacuterica e da oratoacuteria como um meacutetodo para elaboraccedilatildeo estruturaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos mas algo que valorize a experiecircncia praacutetica do indiviacuteduo Segundo Aristoacuteteles

[] os que ateacute hoje compuseram tratados de retoacuterica ocuparam-se apenas de uma parte desta arte pois soacute os argumentos retoacutericos satildeo proacuteprios dela e todo o resto eacute acessoacuterio Eles poreacutem nada dizem dos entimemas que satildeo afinal o corpo da prova antes dedicam maior parte de seus tratados a questotildees exteriores ao assunto porque o ataque verbal a compaixatildeo a ira e outras paixotildees da alma semelhantes a estas natildeo afetam o assunto mas sim o juiz (ARISTOacuteTELES 2005 p 90)

Ao expor esta dificuldade Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para a necessidade

de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para por intermeacutedio da retoacuterica esclarecer os problemas de argumentaccedilatildeo retoacuterica pois verdade e justiccedila satildeo mais fortes que seus opostos

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protaacutegoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retoacuterica a um patamar superior queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retoacuterica e a oratoacuteria no seu cotidiano a saber devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou eacute mais pertinente a beleza de um discurso

Evidentemente que Aristoacuteteles responderia que devemos utilizar a retoacuterica em consonacircncia com a dialeacutetica para evitarmos a postura relativista Na praacutetica esta escolha metodoloacutegica implica que os indiviacuteduos devem conhecer aleacutem da estrutura gramatical e loacutegica de um argumento a finalidade o conteuacutedo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratoacuteria condizente

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo pretendemos esclarecer que dependendo da escolha que fizermos o bem falar e o bem argumentar teratildeo implicaccedilotildees que precisam ser conhecidas Se optarmos pela forma em detrimento do conteuacutedo de um argumento colocaremos em risco a transmissatildeo da verdade Por outro lado se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma teremos dificuldades em ser ouvidos devido agrave robustez e falta de polimento de uma argumentaccedilatildeo Eacute por isso que Aristoacuteteles ao dividir e organizar a retoacuterica defende um equiliacutebrio entre as partes pois sem este equiliacutebrio estaremos em algum exagero

Eacute sabido que no mundo contemporacircneo ocorrem diversos exageros no que se refere agrave retoacuterica e oratoacuteria praticadas em diferentes acircmbitos da sociedade Citamos como exemplo os poliacuteticos que utilizam vaacuterios tipos de sofismas argumentos falsos para poder convencer seus eleitores e posteriormente uma vez eleitos esquecer e ateacute desmentir o que prometeram Se pensarmos esta realidade no meio grego especialmente no periacuteodo de Aristoacuteteles teriacuteamos seacuterias dificuldades em considerar plausiacutevel tal atitude

De acordo com Aristoacuteteles argumentar persuasivamente eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para que os indiviacuteduos possam fazer bom uso da arte retoacuterica e por conseguinte se evite a imoralidade Devemos estar atentos para que ningueacutem argumente contra a justiccedila pois se algueacutem o fizer devemos estar atentos para refutar o indiviacuteduo Satildeo entimemas ou seja silogismos que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contraacuterios para permitir o bom uso da retoacuterica para Aristoacuteteles

Eacute neste ponto ou seja na contraposiccedilatildeo de ideias que retoacuterica e dialeacutetica se aproximam A retoacuterica eacute uacutetil aos indiviacuteduos porque permite esclarecer quais satildeo os meios de persuasatildeo utilizados em uma disputa logo a retoacuterica eacute a forma de descobrir o que eacute adequado para se persuadir em uma determinada situaccedilatildeo

Platatildeo tambeacutem se preocupou em demasia com a necessidade de uma definiccedilatildeo acabada do que viria a ser a retoacuterica e natildeo a encontrando clara (a natildeo ser pela sua associaccedilatildeo com a persuasatildeo) alimentou alguns preconceitos Em Aristoacuteteles por outro lado nota-se maior preocupaccedilatildeo em demarcar os limites e o alcance da arte retoacuterica na obra que leva esse mesmo nome ao estabelecer as bases para o uso e a compreensatildeo dessa arte Associando a retoacuterica a um saber praacutetico ou teacutecnica que se diferenciaria de muitas ciecircncias e mesmo de outras artes por natildeo se concentrar em algum objeto em si Aristoacuteteles

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

disse que a retoacuterica seria ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeo [] descobrir o que eacute proacuteprio para persuadir Por isso [] ela natildeo aplica suas regras a um gecircnero proacuteprio e determinadordquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 33) Para esse autor a retoacuterica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do puacuteblico (o uso das metaacuteforas por exemplo foi tratado formalmente nessa obra) Apontando para todo esse conjunto de regras explicitamente Aristoacuteteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em trecircs gecircneros o deliberativo o demonstrativo e o judiciaacuterio os quais teriam finalidades diferentes Assim sendo seriam variados os tipos de argumentos vaacutelidos para a conversaccedilatildeo e tambeacutem as reaccedilotildees esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes Nessa claacutessica obra de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica o autor apresentou uma longa discussatildeo destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese as ocasiotildees e os objetos que deveriam ser reunidos a forma de apresentaacute-los ao puacuteblico etc (VIEIRA 2012 p 6)

Nisto a retoacuterica difere das demais artes pois ela abrange todas as demais no que tange agrave instruccedilatildeo e agrave persuasatildeo Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasatildeo proacuteprias da retoacuterica Algumas estatildeo no caraacuteter do orador outras no ouvinte e por uacuteltimo temos aquelas presentes nos discursos Eacute importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasatildeo

bull A persuasatildeo pelo caraacuteter ocorre quando o orador eacute digno de feacute Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais Esse meio eacute o modo mais importante de persuasatildeo faz com que os indiviacuteduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito

bull Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido agrave emoccedilatildeo que sentem durante o mesmo Neste aspecto quando estamos sob efeito de emoccedilotildees temos mais facilidade em acreditar especialmente se o orador explorar as paixotildees do puacuteblico

bull Por uacuteltimo precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteuacutedo do discurso pois aquilo que estaacute sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos Parece que a retoacuterica eacute um ramo da dialeacutetica e que desaacutegua na poliacutetica entendendo esta uacuteltima como a busca pelo bem da polis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Para Aristoacuteteles ldquo[] a retoacuterica eacute uma parte da dialeacutetica e a ela se assemelha como dizemos no princiacutepio pois nenhuma das duas eacute ciecircncia de definiccedilatildeo de um assunto especiacutefico mas mera faculdade de proporcionar razotildees para os argumentosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 97)

Segundo Aristoacuteteles estruturar um argumento leva em conta a retoacuterica

porque eacute atraveacutes dela que se constituiraacute uma argumentaccedilatildeo detalhada e se faraacute o exame das provas Aristoacuteteles inaugurou um modelo de verificaccedilatildeo de argumento que vigorou na histoacuteria da filosofia ateacute o pensamento moderno Somente com Immanuel Kant eacute que se distinguiu prova de demonstraccedilatildeo Desde entatildeo sabemos que prova eacute algo rigoroso quando estamos argumentando enquanto que demonstraccedilatildeo eacute algo mais racional e sem verificaccedilatildeo empiacuterica

A retoacuterica eacute a ciecircncia da construccedilatildeo de bons argumentos enquanto a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo destes Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e natildeo somente em demonstraccedilotildees loacutegicas Mesmo sendo difiacutecil distinguirmos uma prova de uma demonstraccedilatildeo precisamos nos esforccedilar para que formulemos uma argumentaccedilatildeo convincente

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retoacuterica filosoacutefica um argumento deve ser curto e claro isto eacute deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenocircmenos possiacuteveis sem ambiguidades No acircmbito da linguagem humana expressar tais ideias nem sempre eacute faacutecil pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades

A tarefa de um bom orador eacute proporcionar uma clareza em sua exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere Ele pode fazer uso de ambiguidades mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos Assim se em Platatildeo convencer com bons argumentos era o objetivo da retoacuterica para os sofistas todo o resto acerca da verdade natildeo importa por isso devemos convencer a todo custo

Enquanto isso a retoacuterica em Aristoacuteteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificaccedilatildeo para uso dos acadecircmicos Jaacute em Roma os oradores como Secircneca por exemplo se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam

No processo de assimilaccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade notamos que Agostinho e posteriormente Tomaacutes de Aquino desenvolveram a exegese e a interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo as orientaccedilotildees das propostas da retoacuterica platocircnica e aristoteacutelica respectivamente

Apoacutes desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por um periacuteodo de dificuldades no iniacutecio da Modernidade e ganharam ares profissionais ficando em segundo plano

A tarefa de um bom orador eacute

proporcionar uma clareza em sua

exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retoacuterica precisamos retomar as propostas da Antiguidade visto que no seacuteculo XX a retoacuterica quase desapareceu do acircmbito do debate acadecircmico

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retoacuterica e oratoacuteria para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto

bull Primeiro entre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos e os sofistas a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram um caraacuteter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendecirc-las sem distinccedilatildeo exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas

bull Segundo para Platatildeo e Aristoacuteteles a retoacuterica e a oratoacuteria possuem caracteriacutesticas que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa praacutetica da justiccedila

bull Terceiro a retoacuterica e a oratoacuteria medieval possuem particularidades que natildeo podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium logo os autores deste periacuteodo utilizaram de modo genuiacuteno os elementos propostos por Platatildeo e Aristoacuteteles para fazer suas reflexotildees religiosas bem como para estruturar suas doutrinas

bull Quarto a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por periacuteodos de esquecimento na Modernidade ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influecircncia do marketing nos EUA apoacutes os anos de 1950

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didaacutetico para o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retoacutericas que encontramos no mundo contemporacircneo

Algumas ConsideraccedilotildeesEste capiacutetulo abordou a histoacuteria da retoacuterica e da oratoacuteria para distinguir

algumas caracteriacutesticas Deste modo argumentar bem natildeo significa enganar o interlocutor eacute antes de tudo saber escolher a estrateacutegia adequada como nos ensinam Platatildeo Soacutecrates Aristoacuteteles e os outros autores referidos no texto

Por isso cabe a vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher quais os

caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponiacuteveis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Arte Poeacutetica e Arte Retoacuterica Rio de Janeiro Ediouro 2005

COSTA R A Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia a Retoacuterica Nova (1301) de Ramon Llull Notandum ESDC Porto 2008

DURAN M R da C Retoacuterica e eloquecircncia no Rio de Janeiro 1759-1834 Franca UNESP 2009

LAUSBERG H Handbuch der literarischen Rhetorik Muumlnchen Max Huumlber 1960

MOSCA L L S Retoacutericas de Ontem e de Hoje Velhas e novas retoacutericas convergecircncias e desdobramentos Satildeo Paulo Humanitas FFLCHUSP 2001

PLATAtildeO Goacutergias ou a Retoacuterica Satildeo Paulo Difel 1970

PLATAtildeO Fedro Trad Carlos Alberto Nunes Beleacutem EDUFPA 2005

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

VIEIRA J G S A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso Curitiba 2012

WESTON A A arte de argumentar Lisboa Gradiva 1996

CAPIacuteTULO 2

A Retoacuterica e a Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apresentar as formas de se expressar

Conhecer os modos de formulaccedilatildeo de um argumento estrutura e modelo

Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos

Averiguar as diferentes formas de convencimento e construccedilatildeo de discursos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo destacamos a formulaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um argumento

Partimos da noccedilatildeo e conceituaccedilatildeo grega pois retoacuterica e oratoacuteria natildeo nasceram na modernidade e nos colocamos no caminho dos grandes saacutebios e pensadores que refletiram sobre o problema Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos

O Que eacute Argumentar BemA retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons

argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formaccedilatildeo dos modos de falar para tanto deve conhecer um pouco a formaccedilatildeo histoacuterica da retoacuterica no Ocidente Diferentemente do que muitos podem pensar a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo satildeo jovens e natildeo comeccedilaram ontem haacute um longo caminho para chegarmos agraves formas atuais de exposiccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos

Consideremos a possibilidade de construir uma retoacuterica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar O conhecimento da retoacuterica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre este tema de extrema importacircncia

A retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer

esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos

expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada

parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

A FORMACcedilAtildeO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETOacuteRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE ACcedilAtildeO NO PRINCIPADO

[] a retoacuterica soacute apareceu em Roma em sua forma latina por volta do seacuteculo I aC A primeira escola de retoacutericos latinos foi aberta em 93 aC por L Ploacutecio Galo um cliente de Caio Maacuterio sendo fechada no ano seguinte pelos cocircnsules Cneu Domiacutecio Ahenobarbo e Luacutecio Liciacutenio Crasso por ser considerada uma transgressatildeo aos costumes ancestrais Essa primeira iniciativa relevando as hostilidades poliacuteticas contra a sua intenccedilatildeo foi a primeira a propor um

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tipo ldquomodernordquo de retoacuterica oposto em certo grau agrave retoacuterica claacutessica das escolas gregas

Apesar de influenciada por fundamentos da retoacuterica grega a obra Retoacuterica dedicada a Herecircnio composta por um aluno desta escola reage contra a acumulaccedilatildeo de regras e defende um ensino aproximado da praacutetica e da vida Questotildees da poliacutetica contemporacircnea passam a ser incluiacutedas Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquecircncia soacute se elevasse novamente com Ciacutecero em finais do seacuteculo I aC momento no qual optimates e populares discutem no Senado

Deixando por um momento as condiccedilotildees do ensino da retoacuterica em Roma iremos falar do desenvolvimento da gramaacutetica antiga e de sua evoluccedilatildeo Se existe jaacute na Antiguidade uma reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo entre as palavras e as coisas desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem como Platatildeo em Craacutetilo tentaram realizar mediante uma anaacutelise das correlaccedilotildees possiacuteveis entre forma e sentido das palavras o encontro de uma forma supostamente ldquoverdadeirardquo o acerto entre o nome e a coisa representada

Jaacute por volta do seacuteculo II aC uma nova questatildeo entraraacute em pauta associada agraves perspectivas do primeiro debate Passou-se a discutir se havia ou natildeo uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanccedilas de significados das palavras ao longo do tempo O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade na analogia e anomalia

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idecircnticas terminaccedilotildees e semelhante estrutura prosoacutedica podendo ser autocomparaacuteveis enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse ldquonaturalrdquo A liacutengua para estes devido as suas raiacutezes deveria ser encarada tal qual era apresentada mesmo que parecesse irracional

A claacutessica definiccedilatildeo de gramaacutetica remonta a Dioniacutesio Traacutecio Representante da escola alexandrina este definiria a disciplina como o conhecimento praacutetico do uso linguiacutestico comum a poetas e prosadores A arte de escrever bem se tornaria mais tarde tambeacutem a arte de falar corretamente Agrave gramaacutetica caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legiacutetimos enquanto agrave retoacuterica caberia a atualizaccedilatildeo num discurso de determinados usos com vistas a tornaacute-lo eficiente e persuasivo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Retornando ao panorama latino sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramaacutetica Varatildeo de Reate propotildee o respeito ao latim padratildeo em detrimento do latim vulgar falado pelo populus na Repuacuteblica e no Principado Em sua obra de liacutengua latina ele propotildee a divisatildeo da gramaacutetica em morfologia sintaxe e etimologia que natildeo chegaram a ser aplicadas

Com Prisciano e Donato aplica-se um aprofundamento da sintaxe que em definiccedilatildeo seria ldquo[] assim como a palavra eacute a unidade miacutenima da estrutura da frase esta eacute a expressatildeo de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae oratio est ordinatio dictionum congrua sententiam perfectam demonstratus)rdquo Dentro do quadro da educaccedilatildeo aplicada ao cidadatildeo romano como foi dito um pouco acima no ensino superior trata-se em primeiro lugar do ensino da retoacuterica Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana vemos que o ensino da arte oratoacuteria eacute confiado a um mestre especializado o rhetor

Numa hierarquia de valores o rhetor ocupa um posto mais elevado em relaccedilatildeo aos seus colegas o magister ludi e o grammatici responsaacuteveis pelo ensino primaacuterio e secundaacuterio respectivamente Ensinando agrave sombra dos poacuterticos dos foros tinha a sua disposiccedilatildeo salas arranjadas como pequenos teatros abertas ao fundo dos poacuterticos O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domiacutenio da arte oratoacuteria a princiacutepio assegurada na teacutecnica tradicional o sistema complexo das regras procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas

Para Marrou natildeo haacute retoacuterica propriamente latina esta arte teria sido inventada elaborada e aperfeiccediloada pelos gregos O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulaacuterio dos gregos transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinocircnimo em latim A retoacuterica latina permanece durante todo o Impeacuterio em contato muito estreito com a retoacuterica grega

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar jamais desconheceram a forccedila poderosa e sedutora da palavra pois oradores satildeo conhecidos desde os primoacuterdios da histoacuteria de Roma Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde periacuteodos sem relatos as relaccedilotildees entre as duas civilizaccedilotildees comeccedilaram a ganhar forccedila a partir do seacuteculo III aC O domiacutenio poliacutetico de Roma sobre a Greacutecia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura hiacutebrida helenizada e de bilinguismo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Greacutecia e depois do helenismo

Uma clara verificaccedilatildeo disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas atraveacutes de homens cultos da aristocracia que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas O Ciacuterculo dos Cipiotildees cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo forneceu base teoacuterica grega ao ideal da virtus romana

Efetivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra) existe a probabilidade da noccedilatildeo de um ldquoser terrenordquo ligado a modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios incluindo o comportamento e a natureza dos homens Certos exemplos de Ciacutecero indicam tambeacutem outras variantes complementares deste termo

Quem poderaacute chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadatildeos como todo o gecircnero humano qualquer comunidade juriacutedica solidariedade humana (humanitas societas) A essas obras de arte natildeo as compreendia o famoso Cipiatildeo homem tatildeo instruiacutedo e culto (humanissimus) E tu que natildeo tens saber nem humanitas nem talento nem letras eacute que as compreende e avalias

Nestes extratos vemos que Ciacutecero emprega humanitas como termo de acumulaccedilatildeo de civilidade doutrina saber humanitas eacute aquilo que torna o homem profundamente homem e se perpetua mesmo com a expiraccedilatildeo do ser Humanitas torna o homem digno fazendo-o humanus e politus ajustando este conceito as suas gravitas auctoritas e dignitas atitudes de caraacuteter romano

Ferrenho opositor a essa assimilaccedilatildeo foi dentre muitos Marco Poacutercio Catatildeo cuja facccedilatildeo senatorial tentou impedir a invasatildeo maciccedila da cultura e costumes gregos que somada agraves mudanccedilas poliacuteticas inevitaacuteveis da expansatildeo imperialista poderia corroer as bases eacutetico-poliacuteticas do Estado romano e de seu regime autocraacutetico

A influecircncia de Catatildeo no seacuteculo II aC foi a uacuteltima defesa da sobrevivecircncia da retoacuterica nos moldes claacutessicos que eram caracterizados por uma linguagem agressiva robusta direta desprovida de ornamentos o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

De Catatildeo podemos extrair a maacutexima que define o caraacuteter do orador nos moldes da retoacuterica claacutessica ldquoVir bocircnus peritus dicendirdquo O homem nobre haacutebil no falar E tambeacutem diz respeito a uma visatildeo pragmaacutetica e de certa forma desintelectualizada do discurso uma genuiacutena retoacuterica romana Na passagem do seacuteculo II para o seacuteculo I aC dois oradores satildeo lembrados Marco Antocircnio e Luacutecio Liciacutenio Crasso Dois optimates que divergiam quanto agrave maneira de abordar a importacircncia da mateacuteria do discurso ou da teacutecnica de elocuccedilatildeo a persuasatildeo

Fonte Campos (2008 p 4-6)

Por isso conhecer estas divergecircncias expostas no texto entre retoacuterica e oratoacuteria permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele natildeo eacute o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos Conforme aponta Campos (2008) em seu artigo acadecircmico a retoacuterica romana assumiu muitos elementos da retoacuterica grega na questatildeo da estrutura e ao mesmo tempo assumiu caracteriacutesticas novas devido ao meio romano na qual estava imersa

Embora saibamos que a essecircncia da retoacuterica e da oratoacuteria natildeo se altera com o passar do tempo eacute importante entendermos que a forma estaacute sempre em desenvolvimento Este modo de exposiccedilatildeo das nossas ideias constitui a vida da oratoacuteria ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que estaacute sendo produzida

Este processo de desenvolvimento da retoacuterica mesmo em Roma (sec I aC sec I dC) natildeo foi tranquilo e sem problemas Segundo Silveira (2012) existiram muitas crises e dificuldades na formaccedilatildeo da oratoacuteria e da retoacuterica romanas

O crescimento da cidade de Roma sua organizaccedilatildeo e suas conquistas que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade natildeo foi algo que se deu da noite para o dia Seu crescimento enquanto Impeacuterio deu-se principalmente pela organizaccedilatildeo de seu comeacutercio suas instituiccedilotildees seu exeacutercito e sobretudo pelo corpo social forte e unido chamado Nobilitas (ALFOLDY 1975 p 59) Lembrando que a formaccedilatildeo do Impeacuterio Romano foi um longo processo podemos no entanto destacar trecircs fases que fizeram parte deste imperialismo Na primeira fase conhecida como ldquoGuerra de Defesardquo Roma natildeo promove ataques mas se defende daqueles que atraiacutedos pelo seu crescimento resolvem atacaacute-la Eacute importante destacarmos que ao se defender dos ataques e invasotildees Roma anexa as cidades vencidas a regiatildeo da ldquoSalinardquo a mais proacutexima foi a primeira regiatildeo conquistada Mais tarde em 273 aC teremos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a conquista das cidades da Magna-Greacutecia estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos Apoacutes ter conquistado toda a peniacutensula itaacutelica Roma daacute iniacutecio agrave conquista do Impeacuterio Cartaginecircs o qual possuiacutea a hegemonia da regiatildeo da Siciacutelia Esta fase eacute conhecida como Guerra de expansatildeo hegemocircnica ou ldquoGuerras Puacutenicasrdquo esta culminaraacute com a destruiccedilatildeo da cidade de Cartago no norte da Aacutefrica Quanto agrave terceira fase esta tem iniacutecio em 133 aC quando financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos Roma inicia a chamada ldquoGuerra de Expansatildeo Econocircmicardquo passando assim de Cidade-Estado a Cosmo-Poacutelis dominando todo o mundo conhecido Eacute importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido devido ao seu poder que foi aumentado bem como seu aparelho militar o qual se encontrava mais organizado e poderoso contando com generais de renome vistos muitas vezes como deuses Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos derivado de suas conquistas esta conhece um periacuteodo de inflaccedilotildees seu custo de vida eacute aumentado o que iraacute gerar mudanccedilas nas formas de produccedilatildeo (SILVEIRA 2012 p 2-3)

Estes caminhos antigos da retoacuterica e da oratoacuteria nos permitem entender

como podemos convencer algueacutem sobre as mensagens que queremos passar em uma eacutepoca como a atual A dinacircmica das relaccedilotildees de trabalho no mundo contemporacircneo se modifica rapidamente mas os elementos substanciais dos oradores antigos satildeo os mesmos ateacute hoje

A moral de orador a sua eloquecircncia a credibilidade etc nada disso pode ser

dispensado em um mundo como o nosso E vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem percebemos que elas destacam algumas caracteriacutesticas que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos

Assim saiba que vocecirc soacute conseguiraacute convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar Fica evidente que a credibilidade eacute um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicaccedilatildeo Por isso eacute importante saber quais os requisitos para conquistar a confianccedila das pessoas construir sua reputaccedilatildeo como orador que inspire respeito credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistecircncias Para que vocecirc conquiste credibilidade falando dentro ou fora dos parlatoacuterios precisaraacute de pelo menos seis requisitos fundamentais Naturalidade a mais importante qualidade da oratoacuteria Natildeo existe teacutecnica em comunicaccedilatildeo ndash por mais elaborada que seja ndash mais relevante que a naturalidade Vocecirc precisa ser um orador natural e espontacircneo Agora veja ser natural no entanto natildeo significa por exemplo levar para o auditoacuterio os erros e as negligecircncias da comunicaccedilatildeo deficiente como a pronuacutencia incorreta das palavras Emoccedilatildeo e envolvimento aleacutem da naturalidade vocecirc precisa falar com disposiccedilatildeo com energia com envolvimento com emoccedilatildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Como convenceraacute o puacuteblico se nem mesmo vocecirc mostrar interesse no que diz Revele sua emoccedilatildeo no entusiasmo com que abraccedila o seu discurso Gerry Spence advogado americano que em mais de 40 anos nunca perdeu uma uacutenica causa criminal diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte ldquoConcentradas em seus sentimentos as pessoas que estatildeo dizendo a verdade falam com o coraccedilatildeo que eacute incapaz de compor precisamente o raciociacutenio linear de um ceacuterebro laborioso E ao ouvir o que eacute expresso pelo coraccedilatildeo o ouvinte tambeacutem eacute levado a ouvir com o coraccedilatildeordquo Imagem bem construiacuteda na poliacutetica pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construccedilatildeo da imagem do poliacutetico perante a sociedade O orador por sua vez deve estar ciente de que independentemente de marqueteiros ele tem que gerenciar seu proacuteprio marketing pessoal construindo e preservando a boa imagem ancorada na honestidade na justiccedila no respeito na honra na eacutetica bem como em todos os bons valores sociais e individuais Conhecimento e autoridade sobre o assunto a sua credibilidade como orador estaacute intimamente relacionada ao conhecimento que vocecirc demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa Empenhe-se para ter muito mais informaccedilotildees do que aquelas que vocecirc necessitaraacute em sua exposiccedilatildeo Leia estude pesquise se possiacutevel entreviste outras pessoas mais experientes que jaacute tratam do tema de sua exposiccedilatildeo Prepare-se com antecedecircncia e durante o maior tempo possiacutevel sobre a ideia que iraacute defender em seu discurso Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentaccedilatildeo Ensaie todos os detalhes teste os equipamentos que pretende utilizar enfim natildeo deixe nada ao acaso Confianccedila a confianccedila em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo De acordo com Lena Souza (2011) ldquoa fisiologia do medo eacute caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer as pernas tremerem as matildeos suarem o coraccedilatildeo bater mais forte etcrdquo E diz ainda que ldquoningueacutem perde o medo e sim o vence E o medo eacute como o sal na dose certa ele nos eacute muito importante inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do oradorrdquo (SILVA 2012 p 8-9)

Estas indicaccedilotildees natildeo satildeo prontas a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica

na verdade satildeo indicaccedilotildees para que vocecirc possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem tambeacutem satildeo Lembre-se ningueacutem nasceu com todos os conhecimentos se vocecirc quiser melhorar deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades

Antes de entrarmos na definiccedilatildeo de retoacuterica e oratoacuteria queremos esclarecer uma questatildeo fundamental ao estudante Na academia natildeo podemos simplesmente emitir opiniotildees pois conforme ensina Platatildeo a doxa opiniatildeo natildeo eacute o conhecimento ela eacute o ponto de partida de uma tentativa de conhecer Portanto doxa opiniatildeo natildeo eacute conhecimento episteme Conhecimento eacute o resultado de uma reflexatildeo racional que em filosofia sempre pode ser repensado de forma minuciosa e profunda (Platatildeo) O conhecimento eacute algo minimamente seguro para

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Oratoacuteria e Retoacuterica

se dizer que temos um conceito Sem um conceito natildeo podemos fazer academia Deste modo propomos a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica um pequeno exerciacutecio que pode contribuir no entendimento deste problema

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacutegina 77 a 79 e identifique de acordo com o texto quando opiniatildeo eacute diferente de conhecimento e explique o que vocecirc entendeu sobre este problema Como se entende o papel da retoacuterica

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Agora que vocecirc jaacute sabe que o conhecimento acadecircmico natildeo eacute uma mera opiniatildeo de qualquer pessoa passamos ao entendimento da arte retoacuterica e da oratoacuteria como formas de compreensatildeo da expressatildeo do intelecto humano de maneira mais clara e distinta

Neste sentido um estudo aprofundado sobre a retoacuterica eacute importante para desenvolver uma maneira de argumentaccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos De acordo com Platatildeo a retoacuterica serve basicamente para o convencimento e para a persuasatildeo dos interlocutores Para sofistas como Isoacutecrates e Protaacutegoras a retoacuterica serve para produzir uma boa reflexatildeo um modo de defender uma hipoacutetese sem se preocupar com a verdade No caso de Aristoacuteteles a retoacuterica serve para uma forma mais praacutetica e se aproxima da dialeacutetica oposiccedilatildeo de conceitos para produzir um debate

Ao pensarmos a retoacuterica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta atraveacutes de seu discurso levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas nos deparamos com uma praacutetica tatildeo antiga quanto difiacutecil de estabelecer o seu iniacutecio na humanidade A retoacuterica natildeo eacute um privileacutegio reservado aos povos antigos e nos dias de hoje ela continua envidada na poliacutetica nas campanhas publicitaacuterias em mensagens midiaacuteticas no comeacutercio e em tantas outras relaccedilotildees que nos circundam Eacute nesse sentido que Halliday (1990 p 26) professora de

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Comunicaccedilatildeo Puacuteblica que realizou pesquisas sobre a retoacuterica afirma que todos noacutes agimos retoricamente partindo do princiacutepio de que isso significa ldquo[] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendamrdquo Essa autora tambeacutem tem em vista que cada indiviacuteduo pode fazer uso da persuasatildeo para convencer a si proacuteprio sobre alguma ideia haja vista que ldquoa consciecircncia eacute o primeiro puacuteblicordquo e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte Embora a praacutetica persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas o estudo dessa arte recebeu significativa atenccedilatildeo de antigos filoacutesofos gregos entre os quais destacamos Aristoacuteteles (384 ndash 322 aC) pensador que escreveu a obra Retoacuterica sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho Aristoacuteteles viveu em uma eacutepoca de fortes transformaccedilotildees e agitaccedilotildees sociais na antiga Greacutecia O ceticismo se expandia com cada indiviacuteduo querendo viver para os seus proacuteprios negoacutecios e principalmente em Atenas uma cidade que servira como referecircncia intelectual e poliacutetica havia uma carecircncia do espiacuterito coletivo assim como de orientaccedilotildees que conquistassem a confianccedila dos cidadatildeos para guiaacute-los no campo discursivo da verossimilhanccedila Diante de uma sociedade ameaccedilada por posturas egoiacutestas e confusas e do risco da desarticulaccedilatildeo extrema das inter-relaccedilotildees sociais o filoacutesofo de Estagira percebeu a importacircncia de ordenar a construccedilatildeo dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (juriacutedicos fuacutenebres deliberativos etc) A arte retoacuterica ganha com Aristoacuteteles o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que eacute capaz de gerar a persuasatildeo o exame acurado das formas que compotildeem o discurso (ou rethoacuten) levando em conta cada situaccedilatildeo social de acordo com o momento o ambiente a cultura e as pessoas envolvidas Diante dessa concepccedilatildeo aristoteacutelica a presente investigaccedilatildeo procura responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel identificar conexotildees entre a Retoacuterica de Aristoacuteteles e o que este filoacutesofo idealiza para o exerciacutecio das inter-relaccedilotildees sociais na poacutelis grega Adiantamos nesse momento que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA 2011 p 14-15)

Logo definimos de acordo com Reboul (2004) a retoacuterica como a arte de

construir bem um argumento e a oratoacuteria como a arte de expor com qualidade e teacutecnica este argumento

Isso significa que a construccedilatildeo da arte retoacuterica envolve tanto o convencimento por intermeacutedio do texto escrito quanto pelo convencimento oral Por ter estas diferentes dimensotildees eacute que se costuma separar retoacuterica de oratoacuteria Retoacuterica escrita e elaborada metodicamente e oratoacuteria oral com uma conotaccedilatildeo mais apaixonada

O termo arte techneacute em grego eacute visto por Reboul (2004 p XVI) como detentor de uma ambiguidade sendo ldquoateacute duplamente ambiacuteguordquo O autor ressalta que o termo faz referecircncia tanto a uma habilidade espontacircnea quanto ao que eacute adquirido por meio do ensino Ora traduz o sentido de uma simples teacutecnica ora ao contraacuterio ldquo[] o que na criaccedilatildeo ultrapassa a teacutecnica e pertence

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Oratoacuteria e Retoacuterica

somente ao lsquogecircniorsquo do criador Em qual ou em quais desses sentidos se estaacute pensando quando se diz que a retoacuterica eacute uma arte Em todosrdquo Cabe aqui perguntarmos qual eacute o sentido de techneacute concebido por Aristoacuteteles Para este filoacutesofo a techneacute eacute um saber fazer bem feito o que se faz seja na construccedilatildeo de um artefato ou de um discurso um fazer com arte cujo sentido eacute o de produzir tecnicamente bem com habilidade o que o indiviacuteduo se propotildee a produzir Isto fica claro na Eacutetica a Nicocircmaco (ARISTOacuteTELES VI 5 1140b) assim como o caraacuteter imitativo da arte frente agrave natureza Poreacutem tal imitaccedilatildeo natildeo significa copiar pois na visatildeo aristoteacutelica a imitaccedilatildeo artiacutestica metamorfoseia reproduzindo como nos lembra Stirn (1999 p 65) em sua obra Compreender Aristoacuteteles Sendo assim o artista natildeo estaacute limitado a copiar mecanicamente o que vecirc havendo uma abertura para a transformaccedilatildeo e a criatividade Isso tambeacutem ocorre na proposta aristoteacutelica de Retoacuterica Ao defini-la como ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo Aristoacuteteles (Ret I II 1) natildeo exclui o caraacuteter de a retoacuterica ser uma arte mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte Pois logo em seguida ele acrescenta ldquoNenhuma outra arte possui esta funccedilatildeo porque as demais artes tecircm sobre o objeto que lhes eacute proacuteprio a possibilidade de instruir e de persuadirrdquo Com isso deixa impliacutecito que a retoacuterica tambeacutem eacute uma arte entre as demais por ele observadas Na Retoacuterica embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral preacute-organizada natildeo eacute raro ele se deparar com aspectos imprevisiacuteveis da vida praacutetica e do mundo das opiniotildees Frente a estes o Estagirita situa a arte retoacuterica tambeacutem como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais) e de possivelmente transformar (ou manter) situaccedilotildees praacuteticas a partir do discurso persuasivo Eacute aqui que a ideia aristoteacutelica de thechneacute nos permite uma aproximaccedilatildeo do sentido de ldquorsquogecircniorsquo criadorrdquo citado por Reboul A arte retoacuterica requer (do retor) conhecimento e criatividade pois natildeo basta copiar e decorar foacutermulas quando a vida praacutetica tem sua margem de misteacuterio e de imprevisibilidade fatores estes que exigem mais do que a mera coacutepia de um modelo de discurso Afinal pela retoacuterica aristoteacutelica aquele que discursa busca persuadir o ouvinte e natildeo necessariamente copiar para persuadir (LIMA 2011 p 24-25)

Neste sentido o modo de construccedilatildeo de uma argumentaccedilatildeo estaacute diretamente

relacionado ao modelo de expressatildeo de cada indiviacuteduo que se propotildee a um discurso puacuteblico Natildeo basta como afirma Lima (2011) copiar foacutermulas para construir discursos eacute preciso construir um modo de escrever e falar Ao citar Reboul Lima (2011) esclarece que para explicar a questatildeo da persuasatildeo precisamos dois cenaacuterios

Reboul (2004 p XV) ao procurar esclarecer o sentido de persuasatildeo utiliza dois exemplos satildeo eles ldquo1) Pedro persuadiu-me de que sua causa era justa 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causardquo Vejamos a distinccedilatildeo feita pelo autor (id ibid p XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasatildeo [] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa natildeo se sabendo se acredito nela ou natildeo A nosso ver a persuasatildeo retoacuterica consiste em (1) sem redundar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

necessariamente no levar a fazer (2) Diferentemente de Reboul Perelmam (2004 p 58) filoacutesofo do direito cujos estudos de retoacuterica recebem fortes influecircncias aristoteacutelicas destaca a accedilatildeo (o fazer) como sendo essencial agrave persuasatildeo Para quem se preocupa sobretudo com o resultado persuadir eacute mais do que convencer a persuasatildeo acrescentaria agrave convicccedilatildeo a forccedila necessaacuteria que eacute a uacutenica que conduziraacute agrave accedilatildeo Abramos a enciclopeacutedia espanhola Dir-nos-atildeo que convencer eacute apenas a primeira fase ndash o essencial eacute persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicccedilatildeo que lhe foi comunicada Por outro lado Reboul (2004 p XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente ldquopersuadirrdquo de ldquoconvencerrdquo afirmando que tal distinccedilatildeo se fundamenta numa filosofia ndash ou mesmo ideologia ndash exageradamente dualista ldquo[] visto que opotildee no homem o ser de crenccedila e sentimento ao ser de inteligecircncia e razatildeo e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro ou mesmo contra o primeirordquo Entretanto vale observar que Perelman natildeo joga o ser de razatildeo contra o ser de sentimento e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro ele apenas potildee o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo Por tal caracteriacutestica (entre outras) as ideias de Perelman estatildeo em afinidade com a Retoacuterica aristoteacutelica como jaacute percebera Guimaratildees (2004 p 145) em seu artigo Figuras de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo ldquoAssim modernamente a obra de C Perelman autor belga diligencia reabilitar uma teoria da argumentaccedilatildeo que reencontre a tradiccedilatildeo aristoteacutelicardquo (LIMA 2011 p 30-31)

Para entendermos essa dinacircmica de formaccedilatildeo de um modo proacuteprio de

expressatildeo de nossas ideias atraveacutes de argumentos propomos um exerciacutecio de entendimento do desenvolvimento da retoacuterica antiga Sabemos que para convencermos algueacutem temos que usar de eloquecircncia precisamos ser convincentes Entre os gregos a retoacuterica e a oratoacuteria ganharam forccedila quando se desenvolveram teacutecnicas de argumentaccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de discursos

Atividade de Estudos

1) Sabemos que a retoacuterica surge entre os gregos antigos Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacuteginas 5 a 8 e explique o que vocecirc entende dessa leitura proposta

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ora o modo de eloquecircncia se relacionava diretamente com a honestidade com o compromisso com a verdadeira filosofia Evidentemente que na histoacuteria posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e natildeo o conteuacutedo do discurso Nos regimes democraacuteticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna pois sem a retoacuterica sofiacutestica a democracia natildeo se sustentaria Eacute a rejeiccedilatildeo da

verdade na antiguidade que transformou a retoacuterica em modo sagaz de convencimento Neste sentido podemos falar em um triunfo dos sofistas em relaccedilatildeo a Platatildeo uma vez que para o autor dos Diaacutelogos platocircnicos a retoacuterica e a verdade se mantinham unidas

Essa separaccedilatildeo entre retoacuterica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisatildeo fundamental Eacute Maquiavel que constatou que poliacutetica e eacutetica natildeo pertenciam mais ao mesmo espectro Deste modo a retoacuterica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasatildeo sem compromisso com a verdade

A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere Observamos isso no diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental Segundo devemos estar atentos agrave forma do discurso Se for uma forma de explanaccedilatildeo ao puacuteblico em geral ou se eacute um discurso particular E terceiro a quem se dirige o discurso se eacute uma plateia que possui um repertoacuterio amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso Esse entendimento permite ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estatildeo diretamente articulados

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttprepositorioulptbitstream10451184573ulfl183093_tm_3pdfgt paacuteginas 3 a 5 e responda Como vocecirc entende esse desenvolvimento da retoacuterica

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A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos

fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso

articular bem a verdade com o discurso que se

profere Segundo devemos estar

atentos agrave forma do discurso

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como

montar um discurso e qual a finalidade de um discurso

Esse entendimento permite ao

estudante de oratoacuteria e retoacuterica

desenvolver o entendimento

de que pensar e falar bem estatildeo

diretamente articulados

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Quando estamos diante de um texto religioso por exemplo devemos estar atentos ao processo hermenecircutico ou seja de interpretaccedilatildeo para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido Eacute por isso que para se desenvolver uma boa oratoacuteria e uma boa retoacuterica o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto Eacute condiccedilatildeo preacutevia para se montar um bom discurso saber interpretar um texto dominar a liacutengua em que se escreve e fundamentar bem suas posiccedilotildees nos autores escolhidos

Deste modo argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto conforme aponta Descartes em seu discurso do Meacutetodo pois algo confuso e misturado natildeo pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possiacutevel pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser visto que a oratoacuteria e a retoacuterica natildeo visam somente ao convencimento dos outros Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida visto que vivemos em um mundo plural Ningueacutem precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relaccedilatildeo aos argumentos enunciados

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior podemos utilizar alguns artifiacutecios retoacutericos que nos ajudam a convencer os interlocutores Esses artifiacutecios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade Conforme defende o sofista Goacutergias no diaacutelogo platocircnico eacute o orador que escolhe como e de que modo quer convencer Evidentemente que Platatildeo por ter um compromisso maior com a verdade natildeo concorda com isso Por isso falamos no iniacutecio deste capiacutetulo que depende do compromisso com a verdade que noacutes temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento eacute de fato verdadeiro e bem exposto

Uma boa exposiccedilatildeo de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes Deste modo cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequecircncias de suas afirmaccedilotildees Lembremos tambeacutem que de acordo com Reboul (2004) o estilo de discurso deve estar em consonacircncia com o orador e o puacuteblico a que se expotildee os argumentos

Logo a arte de falar bem natildeo eacute exata como as pessoas que natildeo estudam a aacuterea pensam emitindo opiniotildees vazias Devemos evitar generalidades ensina o grande retoacuterico antigo Aristoacuteteles em seu texto chamado posteriormente de Metafiacutesica pois elas produzem efeitos contraditoacuterios e enganosos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Desta maneira falar bem eacute consequecircncia direta da boa construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Se bem formularmos um argumento poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir

Neste sentido falar bem eacute aprender a pensar bem escrever bem e expor bem um determinado argumento Se natildeo formos capazes de explicar um argumento natildeo podemos dizer que falamos bem pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que noacutes queremos passar

A Construccedilatildeo do ArgumentoA construccedilatildeo de um argumento se processa de maneira muito

detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que queremos

Inicialmente para se fazer e expor um bom argumento eacute preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposiccedilatildeo deste Depois precisamos escolher o modo como se faraacute esta exposiccedilatildeo Eacute claro que supomos

uma determinada mensagem que jaacute foi escolhida para ser transmitida Logo para se construir um bom argumento eacute preciso ter um assunto a ser transmitido um estilo de exposiccedilatildeo um modo pelo qual o orador iraacute se manifestar e um plano loacutegico para executar todo o processo de transmissatildeo da mensagem

Como podemos escolher um tema para expor Ora se estamos interessados em apresentar um argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos expor Se existe esta motivaccedilatildeo interior ela deve ser elaborada pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero Eacute neste momento que a retoacuterica e a oratoacuteria podem ajudar vocecirc a se manifestar de maneira clara e eloquente

Para construir um argumento segundo Platatildeo precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor Se soubermos por exemplo um determinado argumento e dominamos suas variaccedilotildees estamos aptos a expocirc-lo

Com efeito o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo Se dominamos por exemplo o argumento da lei da gravidade ou seja todos os objetos sobre a superfiacutecie da Terra caem agrave mesma velocidade devido

Desta maneira falar bem eacute

consequecircncia direta da boa construccedilatildeo

e exposiccedilatildeo de argumentos Se

bem formularmos um argumento

poderemos apresentar bem

a mensagem que queremos transmitir

A construccedilatildeo de um argumento se

processa de maneira muito detalhada e

existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que

queremos

Ora se estamos interessados em apresentar um

argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos

expor

Com efeito o conhecimento de um determinado

argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo

Se dominamos por exemplo o

argumento da lei da gravidade

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

agrave lei da gravidade podemos explicar isso aos outros bem como suas variaccedilotildees Agora se temos duacutevidas e natildeo sabemos qual eacute a lei da gravidade universal natildeo conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento Deste modo devemos antes de tudo averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade Conforme ensina Soacutecrates referido por Luz (2010 p 49-50)

[] em vez de censurar o que eacute preciso eacute desculpar os que por desconhecimento da dialeacutetica natildeo estatildeo em condiccedilotildees de definir o que seja retoacuterica Com toda sua ignoracircncia por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos pensam que descobriram a retoacuterica e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noccedilotildees estatildeo convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar A dialeacutetica eacute o caminho da alma para que se possa alcanccedilar a beleza e a justiccedila base para todo ensino verdadeiramente filosoacutefico ndash conhecimento da alma e amor agrave verdade na busca dos princiacutepios eternos Ao passar por todas estas definiccedilotildees ambicionadas a colocar a retoacuterica a serviccedilo do conhecimento filosoacutefico e verdadeiro Platatildeo ndash utilizando-se do discurso socraacutetico ndash parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemoloacutegico e eacutetico opondo-se aos oradores de sua eacutepoca A retoacuterica portanto depende da dialeacutetica que por se esforccedilar em atingir o verdadeiro depende do verossiacutemil procurado por ela que depende ldquodiretamenterdquo de valores que satildeo da ordem do inteligiacutevel (levando em consideraccedilatildeo que o homem natildeo eacute a medida de todas as coisas) Ao longo de suas obras Platatildeo define a retoacuterica sofista como um longo discurso contiacutenuo que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vaacuterios procedimentos que se sustentam uns aos outros fazendo com que o retoacuterico impressione pelo conjunto da obra mais do que pela solidez de cada argumento explicitado Entretanto quando em vista do meacutetodo dialeacutetico cada raciociacutenio se desenvolve pouco a pouco sendo cada passo testado e confirmado pela concordacircncia do interlocutor soacute havendo uma passagem para a ldquotese seguinterdquo para uma segunda argumentaccedilatildeo quando a primeira for apreendida corretamente quando a adesatildeo daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentaccedilatildeo No caso do diaacutelogo eriacutestico haacute uma preocupaccedilatildeo uacutenica em se vencer o adversaacuterio o que implicaria numa total indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave verdade Tal retoacuterico eacute motivado pelo desejo de vencer de deixar o interlocutor embaraccedilado fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado e natildeo a verdade triunfe Predigo-te que este jovem seja qual for a sua resposta seraacute obrigado a contradizer-se O diaacutelogo criacutetico caracteriacutestica eminente do discurso socraacutetico o interlocutor trata-se de testar uma tese na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentaccedilotildees formuladas por ele A coerecircncia interna do discurso eacute que fornece o criteacuterio para investigaccedilatildeo ou ainda interrogaccedilatildeo criacutetica que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa Quando o diaacutelogo deixa de ser criacutetico para adentrar no caraacuteter verdadeiramente filosoacutefico ndash adquirindo um interesse construtivo para aleacutem da coerecircncia interna do discurso ndash os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antematildeo foi considerado dialeticamente verdadeiro O diaacutelogo filosoacutefico eacute impreterivelmente dialeacutetico eacute ele que determina

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as caracteriacutesticas do meacutetodo dialeacutetico ndash ldquonele a concordacircncia dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentaccedilatildeo natildeo porque se trataria de um concurso de duas opiniotildees divergentes mas porque essa concordacircncia seria a expressatildeo de uma adesatildeo generalizada agraves preposiccedilotildees em questatildeordquo O meacutetodo dialeacutetico eacute o meacutetodo de toda filosofia que pretende dar conta das consideraccedilotildees inesgotaacuteveis do saber filosoacutefico

Ora embora a retoacuterica e a dialeacutetica sejam distintas haacute uma relaccedilatildeo que

permite ao orador formular argumentos retoacutericos para ser um bom debatedor Neste sentido a retoacuterica eacute um modo para se buscar a verdade

Quando falamos de leis da fiacutesica parece um tanto mais distinto e direto agora quando falamos de argumentos filosoacuteficos e teoloacutegicos a situaccedilatildeo eacute um pouco mais complicada Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenecircutica ou seja a interpretaccedilatildeo de textos o argumento muitas vezes eacute confundido com a interpretaccedilatildeo

Cabe a vocecirc estudante de retoacuterica e oratoacuteria distinguir um argumento de uma interpretaccedilatildeo Um argumento eacute sempre a exposiccedilatildeo loacutegica de uma ideia por exemplo ldquoDeus eacute o ser do qual natildeo podemos pensar nada maiorrdquo (ANSELMO 1991) e a interpretaccedilatildeo que vocecirc faz dessa frase do pensador Anselmo

Este argumento eacute chamado de argumento ontoloacutegico pois independentemente do lugar onde se aplique Deus sempre seraacute para Santo Anselmo o maior de todos os seres que podem ser pensados

Satildeo vaacuterias as formas como vocecirc entende este argumento E mesmo sendo loacutegico e formalmente irrefutaacutevel vocecirc pode ignoraacute-lo logo a interpretaccedilatildeo eacute sempre um movimento subjetivo e introspectivo Mesmo com meacutetodo determinado e um argumento eacute a mensagem loacutegica que se passa por intermeacutedio da linguagem

Os Gecircneros do DiscursoUm gecircnero de discurso eacute antes de tudo a opccedilatildeo que o orador faz para expor

seu argumento e seu modo de pensar O pensar pode ser exposto de diferentes modos podemos fazer textos construir esculturas montar peccedilas de teatro pintar quadros fazer gestos e muito mais

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Aristoacuteteles nos fornece uma classificaccedilatildeo dos gecircneros retoacutericos que praticamente natildeo mudou em mais de dois mil anos De acordo com Lima (2011) ao citar Artistoacuteteles

Aristoacuteteles (Ret I III 11) uma vez tendo considerado que cada gecircnero retoacuterico ndash deliberativo judiciaacuterio e epidiacutetico - deve ser baseado numa demonstraccedilatildeo (eacutentechnos) tem em vista que a retoacuterica deve se desenvolver a partir do meacutetodo das evidecircncias e sendo a demonstraccedilatildeo uma evidecircncia afirma ldquopois que a nossa confianccedila eacute tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstraccedilatildeordquo A evidecircncia retoacuterica conforme Aristoacuteteles eacute caracterizada pela aplicaccedilatildeo do entimema ou seja pelo uso de um raciociacutenio que natildeo tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo mas que busca ser evidente O silogismo deriva de premissas loacutegicas enquanto o entimema tem origem nas premissas retoacutericas (LIMA 2011 p 48)

Na retoacuterica e na oratoacuteria se configuram gecircneros de um discurso as maneiras

que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos Platatildeo e Aristoacuteteles fizeram uma classificaccedilatildeo dos gecircneros de um discurso conforme apontamos no capiacutetulo primeiro do texto

O Tratado do Amor de Liacutesias comeccedila pelo fim pela conclusatildeo a que o orador chegou e pretende que todos cheguem ndash como o amante deve se portar com seu amado ndash fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam ldquonuma grande emburrilhadardquo A criacutetica socraacutetica consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas Enfatiza que a carta estaacute calcada nos saberes natildeo filosoacuteficos sendo uma peccedila bem trabalhada mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes ndash poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso Segundo Soacutecrates esta deveria ser constituiacuteda por um todo artisticamente considerado no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto [] todo discurso precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo A fim de natildeo mais aborrecer Fedro atraveacutes da criacutetica ferrenha agrave construccedilatildeo do discurso de seu adorado Liacutesias o diaacutelogo socraacutetico passa agrave anaacutelise da arte da eloquecircncia tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relaccedilatildeo entre amado e amante ndash em que ldquoum pretende que soacute deve ceder agraves instacircncias

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do indiviacuteduo que ama e o outro agraves de quem natildeo revele amorrdquo (265 a) ndash se contradizem reciprocamente fazendo com que Soacutecrates retomasse a ideia das Manias Divinas e principalmente aquela referida ao amor

Fonte Luz (2010 p 47)

Para retomarmos agrave discussatildeo lembramos ao estudante de retoacuterica e oratoacuteria estes gecircneros de discurso Em Platatildeo haacute um compromisso com as premissas e com a verdade Haacute uma divisatildeo entre verdade e forma de um discurso

Platatildeo por sua vez pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essecircncia e o valor de verdade da retoacuterica (dita como tal) instituiacuteda pelos sofistas O filoacutesofo afirmava ainda que a retoacuterica deveria ser considerada segundo razotildees de todo anaacutelogas agravequelas pelas quais a arte deve ser condenada A retoacuterica eacute a contrafaccedilatildeo da verdade Tal como a arte tem a pretensatildeo de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento imitando puramente as suas aparecircncias a retoacuterica atraveacutes do meacutetodo persuasivo pretende convencer o homem acerca de tudo sem ter conhecimento algum A retoacuterica cria crenccedilas ilusoacuterias O retoacuterico eacute aquele que devido a sua habilidade persuasiva joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparecircncias da verdade em verossimilhanccedilas e natildeo na verdade em si mesma Tanto quanto acontece na arte a retoacuterica se dirige agrave pior parte da alma agravequela que eacute creacutedula e instaacutevel suscetiacutevel de emoccedilatildeo e sensiacutevel ao prazer Pode-se dizer que o retoacuterico lida com o falso para aleacutem do artista tendo em vista que esse uacuteltimo ao menos representa as aparecircncias do verdadeiro enquanto que o retoacuterico tem a maliacutecia do conhecimento calcado num falso saber A filosofia dialeacutetica deve corromper e substituir a retoacuterica no que diz respeito ao seu caraacuteter de verdade No Fedro Platatildeo explicita que na arte dos discursos enquanto retoacuterica eacute reconhecido um direito agrave existecircncia entretanto sob a condiccedilatildeo de que se submeta agrave verdade e por conseguinte agrave filosofia E para alcanccedilar a verdade pela qual a retoacuterica teria de se submeter se faz necessaacuteria a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialeacutetica ndash ldquoseja no seu momento ascendente que leva do muacuteltiplo ao uno seja no seu momento descendente e diaireacutetico que ensina a dividir as Ideias segundo as articulaccedilotildees que lhe satildeo proacutepriasrdquo e conhecer a alma visto que a arte da persuasatildeo se dirige necessariamente agrave alma Soacute se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos conhecendo a natureza das coisas e a natureza da alma humana A escritura soacute faz aumentar a aparecircncia (doxa) do saber natildeo fortalecendo a memoacuteria mas oferecendo meios para trazer agrave memoacuteria aquilo que de antematildeo jaacute era conhecido pela alma O escrito eacute sem alma sendo incapaz de defender-se sozinho contra criacuteticas exigindo sempre a intervenccedilatildeo constante do seu autor O discurso oral e soacute ele eacute capaz de penetrar na alma daquele que o apreende sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

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se encontra na dimensatildeo da oralidade Para ser conduzido segundo as regras da arte o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e por conseguinte implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige ndash haacute um jogo metoacutedico pelo qual quem escreve deve se submeter Por definiccedilatildeo a palavra eacute um aspecto da realidade eacute uma palavra eficaz No entanto a potecircncia da palavra natildeo se encontra apenas orientada para o real ela se mostra da mesma forma irrevogavelmente tal como uma potecircncia sobre o outro Logo a potecircncia da palavra se mostra perigosa visto que pode ser tomada como a ilusatildeo do real Ou seja a seduccedilatildeo da palavra eacute tal que pode se fazer passar pela realidade o logos pode impor objetos que se assemelhem agrave realidade confundindo-se com ela sendo entretanto natildeo mais do que uma imagem vatilde Este fato levanta uma nova questatildeo traz um problema fundamental pertinente agrave relaccedilatildeo entre palavra e verdade A ambiguidade da palavra entatildeo torna-se polo de reflexatildeo sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional onde haacute por um lado o problema da potecircncia da palavra sobre a realidade e por outro lado o problema da potecircncia da palavra sobre o outro ndash perspectiva fundamental no desvelamento retoacuterico e sofiacutestico (LUZ 2010 p 43-44)

Ainda de acordo com Platatildeo um discurso deve ser entendido como um

modo de produccedilatildeo de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias que para Platatildeo eacute o uacutenico mundo real

Sabemos que Platatildeo (428-7 ndash 348-7 a C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da eriacutestica e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questatildeo conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate Isso fica claro nos diaacutelogos platocircnicos Goacutergias e Eutidemo nos quais o filoacutesofo procura mostrar que a retoacuterica natildeo eacute uma ciecircncia e nem uma verdadeira arte pois pelo que consta no Goacutergias (465 a) ela eacute somente uma empeiria ou seja uma habilidade praacutetica decorrente da experiecircncia A negaccedilatildeo dessa praacutetica como ciecircncia natildeo eacute novidade naquele contexto social pois na tradiccedilatildeo retoacuterica dos pitagoacutericos a Goacutergias como concorda Plebe (1978) a retoacuterica era situada no mundo da doxa (opiniatildeo) e natildeo da ciecircncia Entretanto Platatildeo acrescenta uma provocaccedilatildeo ao afirmar que a retoacuterica tambeacutem natildeo eacute uma arte ou seja natildeo eacute theacutecnerhetorikeacute como defendia Goacutergias considerando-a apenas como habilidade Este filoacutesofo estaacute mais interessado na dialeacutetica a qual eacute vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteuacutedo Entretanto ele (Platatildeo) discute sobre a retoacuterica por reconhecer que tal atividade tendo o caraacuteter de experiecircncia tecno-praacutetica natildeo seria de todo inuacutetil Na visatildeo platocircnica portanto a retoacuterica seria diferente da dialeacutetica e tambeacutem da sofiacutestica como pode ser constatado no Goacutergias (465) no qual a sofiacutestica aparece como contrafaccedilatildeo da arte de legislar (nomothetikeacute) e a retoacuterica como contrafaccedilatildeo da arte de administrar a justiccedila (dikaiosyne) (LIMA 2011 p 43)

Ainda seguindo a definiccedilatildeo precisa apresentada por Platatildeo as fontes das habilidades devem ser distinguidas

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Platatildeo considera que essas duas formas de habilidades satildeo contrafaccedilotildees de um gecircnero de habilidade que natildeo eacute arte o qual ele denomina kolakeiacutea (adulaccedilatildeo) mas admite que tal gecircnero eacute contrafaccedilatildeo da arte Em resumo embora reconheccedila que os sofistas satildeo dotados de um espiacuterito ousado e imaginativo a filosofia platocircnica vecirc a retoacuterica como discurso vazio de conteuacutedo Jaacute na sua maturidade Platatildeo passa a considerar a retoacuterica como sendo uma versatildeo disparatada e distorcida da dialeacutetica conforme consta em seu diaacutelogo Fedro e por outro lado a idealizar a existecircncia de uma verdadeira retoacuterica a qual ele identifica com a proacutepria dialeacutetica Assim Platatildeo equipara a falsa dialeacutetica com a retoacuterica ao mesmo tempo em que identifica a retoacuterica verdadeira com a dialeacutetica tornando a retoacuterica reprovaacutevel somente quando esta uacuteltima natildeo se identifica com a primeira Por conseguinte segundo Platatildeo qualquer sofista uma vez natildeo praticante da dialeacutetica da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia natildeo merece confianccedila por maior que seja a sua habilidade oratoacuteria Nesse sentido em um trecho do Fedro (LII 268 b-c) ele faz uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas da retoacuterica e o perfil de um falso meacutedico Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio de provocar vocircmitos ou evacuaccedilotildees entre outros efeitos e que o mesmo acrescenta ldquoE porque sei tudo isso tenho-me na conta de meacutedico e tambeacutem com a capacidade de fazer um meacutedico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos rdquo Esse trecho eacute seguido imediatamente pela citaccedilatildeo que registramos adiante Soacutecrates ndash Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira Fedro ndash Que mais poderia fazer a natildeo ser perguntar se tambeacutem sabia a quem aplicar tudo aquilo o tempo certo e a dose para cada caso Soacutecrates ndash E se ele contestasse Dessas coisas natildeo entendo patavinas poreacutem suponho que quem aprender comigo aquilo tudo ficaraacute em condiccedilotildees de responder a tais perguntas Fedro ndash Diriam segundo penso Este homem eacute louco Soacute porque leu um livro ou porque encontrou casualmente alguns remeacutedios considera-se meacutedico ainda que nada entenda de tal arte Ao considerar o praticante da retoacuterica como algueacutem cujo conhecimento natildeo eacute confiaacutevel Platatildeo (opus cit LVII 272 d-e) afirma que ldquoNos tribunais por exemplo ningueacutem se preocupa no miacutenimo com a verdade soacute se esforccedilando por persuadirrdquo e que toda a arte da oratoacuteria consiste em manter a verossimilhanccedila do iniacutecio ao fim do discurso Portanto esse pensador tem em vista que todo filoacutesofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade ao inveacutes de priorizar as aparecircncias dos discursos soacute para persuadir a qualquer custo Por outro lado embora tenha feito tantas criacuteticas agrave retoacuterica o citado filoacutesofo reconhece a importacircncia de se identificar os diferentes tipos de auditoacuterios que podem inspirar construccedilotildees oratoacuterias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade - e sendo assim jaacute prepara de certo modo o caminho para a sistematizaccedilatildeo aristoteacutelica da retoacuterica que viraacute logo depois Tanto eacute assim que alguns aspectos que seratildeo valorizados por Aristoacuteteles em sua obra Retoacuterica jaacute constam nas seguintes palavras de Platatildeo (Ibid LVIII 273d-274a) [] quem natildeo fizer a enumeraccedilatildeo exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espeacutecies e natildeo souber reduzir a uma ideia uacutenica todas as ideias particulares jamais dominaraacute a arte da oratoacuteria dentro das possibilidades humanas Mas sem trabalho ningueacutem consegue chegar a esse ponto Natildeo

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eacute para falar com os homens nem para tratar com eles que o saacutebio despende tanto esforccedilo mas para falar o que agrade aos deuses e tambeacutem para lhes comprazer com suas accedilotildees na medida do possiacutevel Porque o homem de senso [] natildeo deveraacute esforccedilar-se para agradar seus companheiros de escravidatildeo pelo menos natildeo poraacute nisso o principal intento nem o faraacute de ligeiro poreacutem a bons mestres e de boa origem Eis que fica clara a preocupaccedilatildeo de Platatildeo em estabelecer paracircmetros eacuteticos para a praacutetica da oratoacuteria e nesse sentido veremos apoacutes alguns paraacutegrafos adiante que a mesma preocupaccedilatildeo pode ser identificada em Aristoacuteteles no que concerne a sua sistematizaccedilatildeo (LIMA 2011 p 44)

Segundo Aristoacuteteles a exposiccedilatildeo de um argumento se divide em invenccedilatildeo disposiccedilatildeo elocuccedilatildeo e accedilatildeo

Deste modo a invenccedilatildeo consiste na escolha do material para se formular um argumento Nesta etapa o retoacuterico ou orador se ateacutem aos elementos dispersos e reuacutene aqueles que ele considerar adequados

Na disposiccedilatildeo o retoacuterico ou orador se preocuparaacute em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso

Na elocuccedilatildeo o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para natildeo cair em contradiccedilatildeo e se perder na execuccedilatildeo do discurso

Jaacute a accedilatildeo consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos trecircs aspectos anteriores de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir Neste momento o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui

Desta maneira Aristoacuteteles difere de Platatildeo por entender que a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo importantes para o debate natildeo soacute para o convencimento dos interlocutores Conforme confirma Lima (2011 p 47)

Aristoacuteteles diferentemente de Platatildeo vecirc a retoacuterica como algo que normalmente faz parte da vida social e poliacutetica como uma arte importante para o desenvolvimento dessas aacutereas Tal pensador tem em vista que a distinccedilatildeo conceitual envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composiccedilatildeo loacutegica e persuasiva dos argumentos eacute fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicaacute-las socialmente Eacute nessa perspectiva que ele propotildee a formaccedilatildeo de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construccedilatildeo de cada discurso visando estabelecer conforme suas proacuteprias palavras ldquo[] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos quando falamos a favor ou contra uma propostardquo

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Logo em Aristoacuteteles existe uma mudanccedila da retoacuterica que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentaccedilotildees poliacuteticas juriacutedicas e dos problemas mais simples da existecircncia humana Conforme aponta Lima (2011) ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema

O Estagirita pensando na vida praacutetica situaccedilotildees reais do dia a dia em que geralmente natildeo se dispotildee de muito tempo para os encontros discursivos tem em vista a importacircncia de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciociacutenio do orador com tatildeo pouca demora Mas ele tambeacutem alerta para que natildeo se cometa excessos no uso dos entimemas Natildeo se deve tambeacutem a propoacutesito de toda e qualquer questatildeo procurar empregar os entimemas pois nesse caso chegariacuteeis ao mesmo resultado que certos filoacutesofos que demonstram por meio de silogismos proposiccedilotildees mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciociacutenios (Ret III XVII 7) Os lugares comuns de entimemas demonstrativos e refutativos compotildeem uma ampla variedade de argumentos que satildeo estudados enumerados e tipificados por Aristoacuteteles hierarquizados segundo a eficaacutecia de persuasatildeo Os lugares comuns satildeo assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussatildeo Vejamos por exemplo o seguinte toacutepoi (lugar) que consta no Livro II da Retoacuterica de Aristoacuteteles (XXIII1) Primeiramente haacute um lugar para os entimemas demonstrativos aquele que se tira dos contraacuterios Com efeito importa examinar se o contraacuterio estaacute contido no contraacuterio se natildeo estaacute compreendido refutaremos o adversaacuterio se estaacute compreendido estabeleceremos nossa proacutepria tese por exemplo defenderemos que ser temperante eacute bom porque viver na licenciosidade eacute nocivo Ou entatildeo como no discurso sobre Messecircnia ldquoVisto a guerra ser a causa dos males atuais eacute pela paz que devemos remediaacute-losrdquo Em mais um exemplo Aristoacuteteles (Ret II 23 4) apresenta entre outros entimemas o seguinte ldquose os deuses natildeo sabem tudo muito menos os homensrdquo E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte toacutepoi ldquose um atributo natildeo pertence a um sujeito ao qual mais deveria pertencer evidentemente que tambeacutem natildeo pertence ao sujeito ao qual deveria pertencer menosrdquo E tambeacutem eacute do Estagirita (ibid II XXIII 7) o seguinte trecho ldquoUm outro lugar tira-se das palavras contra noacutes e que voltamos contra o adversaacuterio Este lugar eacute excelente []rdquo (LIMA 2011 p 50-51)

Em Aristoacuteteles a retoacuterica assumiu uma conotaccedilatildeo praacutetica ou seja ela deve servir ao homem para argumentar na resoluccedilatildeo de problemas do cotidiano Assim a retoacuterica passa a ser uma ferramenta acessiacutevel a todos os sujeitos que queiram pleitear algo

Em sua Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles (I 8 1099 a) considera a finalidade da vida poliacutetica como o melhor dos fins e que ldquoo principal empenho dessa ciecircncia eacute fazer com que os cidadatildeos sejam bons e capazes de nobres accedilotildeesrdquo Tal nobreza inclui a observaccedilatildeo de que embora jaacute seja desejaacutevel o bem

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para um soacute indiviacuteduo eacute mais nobre e mais divino alcanccedilar o bem para uma naccedilatildeo ou para as cidades-Estado (opus cit I 1094 b) Para o Estagirita (idibid) a ciecircncia poliacutetica eacute a mais prestigiosa de todas visto que a ciecircncia poliacutetica utiliza as demais ciecircncias e ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster a finalidade dessa ciecircncia deve necessariamente abranger a finalidade das outras de maneira que essa finalidade deveraacute ser o bem humano ldquoA cosmologia de Aristoacuteteles coloca certo nuacutemero de seres superinteligentes as inteligecircncias que governam as estrelas e os planetas acima do Homem na escala do ser assim como Deus o Movimentador Imoacutevelrdquo (LIMA 2011 p 53)

Neste caso o homem que se dedica agrave praacutetica retoacuterica eacute capaz de resolver os

problemas da vida cotidiana pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos Sendo o retoacuterico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se estaacute transmitindo eacute importante mencionar o significado da honestidade do orador na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que os sujeitos interlocutores se convenccedilam da mensagem

Atividade de Estudos

1) Explique com suas palavras por que eacute importante a honestidade retoacuterica Leia o texto para poder entender melhor o problema

LIBERDADE OU MANIPULACcedilAtildeO

Eacute por isso que este mesmo autor considerando que a caracteriacutestica da boa argumentaccedilatildeo natildeo eacute suprimir o aspecto retoacuterico pois em nenhum caso uma argumentaccedilatildeo inexpressiva se torna soacute por isso obrigatoriamente mais honesta ndash adianta dois criteacuterios gerais a que se deve submeter a boa retoacuterica

1 Criteacuterio da transparecircncia que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo dos meios pelos quais a crenccedila estaacute a ser modificada

2 Criteacuterio de reciprocidade que a relaccedilatildeo entre o orador e o

auditoacuterio natildeo seja assimeacutetrica para que fique assegurado o direito de resposta

Respeitados tais criteacuterios Reboul considera que a argumentaccedilatildeo natildeo se torna por isso menos retoacuterica e sim mais honesta Mas parece evidente que sem pocircr em causa a eficaacutecia destes dois

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Oratoacuteria e Retoacuterica

criteacuterios o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo e natildeo seja assimeacutetrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretizaccedilatildeo Por outro lado pode acontecer tambeacutem que a incompetecircncia argumentativa do auditoacuterio crie a ilusatildeo de uma relaccedilatildeo retoacuterica desigual e leve a que se veja manipulaccedilatildeo no orador quando na realidade essa desigualdade se fica a dever agrave insuficiente capacidade criacutetica revelada por aqueles a quem se dirige

Fonte Sousa (2000 p 96)

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Ethos Pathos Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de eacutetica pathos no sentido de paixatildeo e logos no sentido de discurso

Passamos agora agrave discussatildeo de aspectos da estrutura do conteuacutedo dos argumentos e a forma como satildeo usados para expor determinados discursos

O ethos da retoacuterica estaacute ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso O ethos do comportamento humano para Reboul (2004) passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar

Segundo Aristoacuteteles podemos construir uma parte do ethos mas a outra parte eacute totalmente natural Por isso precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

As virtudes dianoeacuteticas entre as quais a sapiecircncia (shofia) eacute tida como a mais importante satildeo vistas por Aristoacuteteles como mais elevadas do que as virtudes eacuteticas pois lidam com a captaccedilatildeo intuitiva de princiacutepios por meio do intelecto coincidindo com as ciecircncias teoreacuteticas (principalmente com a metafiacutesica) Por outro lado as virtudes eacuteticas lidam com o contingente e o variaacutevel no humano apoiando-se numa prudecircncia (phroacutenesis) que eacute razatildeo praacutetica Na abertura do livro II (opus cit) Aristoacuteteles observa que as virtudes intelectuais satildeo geradas e crescem em grande parte em decorrecircncia do ensino e por isso precisam de experiecircncia e tempo enquanto as virtudes eacuteticas satildeo adquiridas em resultado do haacutebito Esse termo ndash haacutebito ndash decorre da traduccedilatildeo de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethikeacute) palavra que tambeacutem pode significar costume (LIMA 2011 p 71)

Um ethos no debate eacute um modo de se expressar eacute a maneira com a qual

nos expressamos Saber se expressar eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para sermos verdadeiramente humanos

No iniacutecio de sua Retoacuterica (2007 I 1 p19) Aristoacuteteles estabelece que ldquoos modos de persuasatildeo satildeo as uacutenicas verdades constituintes dessa arte tudo o mais eacute mero acessoacuteriordquo Diante de tais palavras poderiacuteamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituiacutedo de propostas eacuteticas ou seja meramente instrumental sem necessariamente manifestar um viacutenculo efetivo com a busca pelo bem comum pela justiccedila pela cidadania entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social Entretanto podemos identificar que Aristoacuteteles assume em vaacuterios momentos de sua Retoacuterica um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a eacutetica em sintonia com um exerciacutecio de livre escolha de ideias Em vaacuterios trechos (opus cit) o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade e natildeo o faz por considerar tais preceitos como meros acessoacuterios pois em vez disso procura mostrar que um homem de boa formaccedilatildeo moral tem no seu proacuteprio caraacuteter um referencial em que pode alicerccedilar o seu discurso Sendo assim como bem esclarece o autor a consistecircncia moral do orador tambeacutem deve compor o modo pelo qual o ouvinte eacute persuadido Aristoacuteteles toma o cuidado de firmar a arte retoacuterica em uma responsabilidade social propondo uma produccedilatildeo discursiva que possa participar da construccedilatildeo moral do homem e por conseguinte da sua condiccedilatildeo poliacutetica (Ret2007 p 23) (LIMA 2011 p 74)

O homem ao se apresentar como um ser que escreve e fala precisa dominar estes dois modos de se apresentar Por isso um haacutebito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como noacutes falamos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A primeira questatildeo tratada eacute que para se realizar um discurso eacute preciso ter conhecimento sobre aquilo que estaacute sendo dito em prol de sua autenticidade enquanto verdade Os sofistas se servem da persuasatildeo utilizando o domiacutenio que tecircm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa com uma mesma ecircnfase ou intensidade ndash natildeo se baseiam num conhecimento verdadeiro mas no senso comum ldquoA perversatildeo da retoacuterica transforma a escrita em teacutecnica de simulaccedilatildeo e converte a habilidade oratoacuteria em exploraccedilatildeo verbal e persuasiva do verossiacutemilrdquo Atraveacutes de uma loacutegica da ambiguidade contrariam o que deveria ser indissociaacutevel no interior de um discurso a ligaccedilatildeo entre dizer pensar e ser ndash limitam-se a uma tautologia do logos que eacute voltado sobre si mesmo A eficaacutecia alcanccedilada pelo discurso entretanto natildeo significa que tais ldquoretoacutericosrdquo tinham o conhecimento real do assunto que tratavam eles natildeo tinham a preocupaccedilatildeo de se interrogar sobre suas referecircncias ndash calcavam-se na probabilidade no verossiacutemil para o estabelecimento de suas conclusotildees que de antematildeo eram estabelecidas ndash utilizando-se da potecircncia da palavra como uma arma para persuadir pessoas tatildeo ignorantes quanto eles ldquoO estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migraccedilatildeo da enunciaccedilatildeo para o enunciadordquo (LUZ 2010 p 45)

Neste sentido retoacuterica e oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que se articulam na existecircncia e o ajudam a expor seu sentido na linguagem O ethos da oratoacuteria e da retoacuterica eacute uma forma eacute a maneira de dizermos os modos de se apresentar A linguagem escrita e falada eacute uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos

Ainda de acordo com Reboul (2004) o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar

Ao falarmos de pathos ou afetamento de um discurso podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso

Ao falarmos de pathos ou

afetamento de um discurso podemos

entender que quando nos referimos a um determinado

grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel

do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos

envolve ou dispersa em um determinado

discurso

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Por isso ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala estamos optando em ser ou natildeo apaixonantes em nossa exposiccedilatildeo escrita ou oral Eacute no pathos de um discurso ou seja na paixatildeo que se iraacute prender ou natildeo os interlocutores As belas palavras podem levar os sujeitos agraves mais absurdas atitudes ou simplesmente natildeo significar nada aos ouvintes Tudo depende do modo com o qual vocecirc que se expressa o faz

O pathos de um discurso eacute determinante em relaccedilatildeo agrave longevidade de uma mensagem Por exemplo Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas seu modo de ser serve de conduta religiosa moral e eacutetica para todas as eacutepocas

Deste modo eacute a forma de se expressar em uma linguagem clara direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcanccedilar seu objetivo

O logos o discurso propriamente dito precisa de um ritmo de uma forma de um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

De acordo com Reboul (2004) um discurso eacute uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem Eacute a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado esperado em um discurso Se soubermos transmitir a mensagem poderemos alcanccedilar maior ecircxito em nossas intenccedilotildees Fica evidente que mesmo quando natildeo queremos dizer algo relevante sempre haacute um sentido no discurso proferido

Estamos falando de transmissatildeo de conteuacutedos atraveacutes da linguagem mas antes de seguirmos para os elementos do discurso precisamos esclarecer o que eacute a verossimilhanccedila pois sem entender isso natildeo podemos entender por que a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante tensatildeo com a verdade

O logos o discurso propriamente dito

precisa de um ritmo de uma forma de

um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer

ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

Atividade de Estudos

1) Explique o que vocecirc entende por verossimilhanccedila Leia o artigo disponiacutevel em lthttpsrepositorioufrnbrjspui

bitstream123456789164822MarcosAL_DISSERT_PARCIALpdfgt para lhe ajudar a responder

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Disposiccedilatildeo Elocuccedilatildeo Accedilatildeo e Invenccedilatildeo

Jaacute nos referimos agrave invenccedilatildeo que eacute a escolha dos argumentos pelo orador Passamos agora para a disposiccedilatildeo que de acordo com Reboul (2004) eacute a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala Eacute a retoacuterica da organizaccedilatildeo formal de um discurso seu plano de execuccedilatildeo

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul (2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase oral do discurso como muita gente pode pensar

Para Aristoacuteteles a retoacuterica assume uma dimensatildeo de amor agrave sabedoria Eacute o amor agrave sabedoria que permite agrave retoacuterica se aproximar da dialeacutetica pois eacute a oposiccedilatildeo de argumentos que produz um desenvolvimento da discussatildeo

Assim o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruccedila o retor As praacuteticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construccedilatildeo oratoacuteria ou seja sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniotildees e tambeacutem com as opiniotildees sobre o mundo Por conseguinte a retoacuterica eacute pensada por Aristoacuteteles como uma manifestaccedilatildeo de amor agrave sabedoria e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade inclusive com o aprimoramento do proacuteprio saber exposto nesse jogo social que eacute a arte retoacuterica Pelas razotildees acima citadas Reboul (2004 p 40) compara a retoacuterica de Aristoacuteteles com a de Isoacutecrates A retoacuterica de Aristoacuteteles estaacute bem proacutexima da retoacuterica de Isoacutecrates em termos de conteuacutedo A diferenccedila eacute que em Aristoacuteteles a retoacuterica eacute uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciecircncias exatas Estas ldquodemonstrativasrdquo atingem verdades ldquonecessaacuteriasrdquo que como os teoremas soacute podem ser o que satildeo possibilitando compreender e prever A retoacuterica por sua vez soacute atinge o verossiacutemil aquilo que acontece no mais das vezes mas que poderia acontecer de outra forma Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria a retoacuterica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinacircmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e ao mesmo tempo do aprimoramento de suas leis e costumes Creio natildeo ser exagero afirmar que em Aristoacuteteles a retoacuterica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul

(2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase

oral do discurso como muita gente

pode pensar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

que liguem o homem agraves soluccedilotildees de seus problemas pessoais e coletivos e agraves melhores opccedilotildees para a educaccedilatildeo dos jovens Essa arte tambeacutem eacute compromisso em educar para a sabedoria e nesse sentido cada cidadatildeo necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto os seus sentimentos desejos ambiccedilotildees natildeo esquecendo o bem da sociedade em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA 2011 p 80)

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo dos argumentos que

queremos apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer

Quando a accedilatildeo retoacuterica se manifesta por intermeacutedio de um discurso destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execuccedilatildeo daquilo que se propotildee a fazer Neste sentido Aristoacuteteles destaca na antiguidade que o sujeito que natildeo transmitir confiabilidade em seu discurso natildeo convence ningueacutem

Diante de ideias conflitantes entre si eacute comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiaacuteveis merecedoras de creacutedito Nessa perspectiva os encontros sociais entre retores podem ser bastante uacuteteis como oportunidades para tal busca e na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz surge um sentimento de grandeza da proacutepria razatildeo naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicaacutevel compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo Eacute esse o sentimento denominado de sublime ou sublimidade Para melhor compreendermos o sentimento do sublime recapitulemos que a verossimilhanccedila eacute caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que natildeo possibilitam respostas irrefutaacuteveis e que natildeo eacute raro o homem sentir-se constrangido inseguro e com medo diante do que eacute apenas verossiacutemil ou seja do que natildeo lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutaacutevel Visto por esse lado o que pomos em foco natildeo eacute o constrangimento diante de forccedilas fenomecircnicas de uma natureza ameaccediladora e externa ao ser humano (como vendavais tempestades maremotos terremotos etc) pois numa abordagem mais voltada para a produccedilatildeo dos discursos em um contexto social e cotidiano em muitos casos o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando natildeo encontra por exemplo respostas suficientemente confiaacuteveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhanccedila A superaccedilatildeo desse momento de constrangimento a ldquovolta por cimardquo atraveacutes do intelecto que identifica qual eacute o melhor discurso a vitoacuteria de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razatildeo gerando um aliacutevio pela suposta seguranccedila diante da diversidade de ideias antagocircnicas entre si Em Aristoacuteteles o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhanccedila - deve ser decorrecircncia direta da atitude genuiacutena de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiaacutevel possiacutevel) e nesse encaminhamento o faz sob o predomiacutenio da parte intelectiva da alma (a racionalidade) que seria segundo o Estagirita a melhor parte do homem (conforme jaacute vimos anteriormente) Nessa

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo

dos argumentos que queremos

apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final

do discurso que foi planejado de modo a

se expor o que se quer

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Oratoacuteria e Retoacuterica

perspectiva revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar natildeo soacute entre o que eacute o bem do que eacute o seu extremo contraacuterio mas tambeacutem distinguir o que eacute um bem maior diante de um bem menor escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser eacutetico aleacutem da importacircncia de saber defender as suas escolhas publicamente Eis que o sentimento do sublime nos termos aqui propostos aparece quando a razatildeo humana se depara com o verossiacutemil em busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial rumo ao possiacutevel sentimento de superioridade da razatildeo A inseguranccedila argumentativa que levaria a um natildeo saber identificar uma resposta confiaacutevel como costuma ocorrer na verossimilhanccedila seria algo anaacutelogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza esteacutetica de algum fenocircmeno da natureza Neste uacuteltimo caso o sentimento do sublime eacute tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquecircs de existirem os fenocircmenos ameaccediladores (como tempestades maremotos vendavais etc) cuja grandiosidade esteacutetica constrange inicialmente o ser humano Em se tratando da retoacuterica o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniotildees e encontra formas de identificar quais satildeo as ideias mais confiaacuteveis entre tantas que se oferecem para creacutedito Portanto em Aristoacuteteles na sua obra Retoacuterica o homem eacute idealizado como aquele cuja determinaccedilatildeo e coragem devem servir para a busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial frente agrave verossimilhanccedila Nesta o ser humano sente-se humilhado diante das proacuteprias incertezas e das ldquoverdadesrdquo oferecidas por discursos diversos que o circundam natildeo sabendo em qual delas - as supostas ldquoverdadesrdquo ndash acreditar mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiccediloamento dos discursos (LIMA 2011 p 104-105)

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhanccedila poderaacute desenvolver uma retoacuterica de boa qualidade que natildeo se confunde com aquilo que parece ser a verdade mas natildeo eacute a verdade loacutegica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto sobre o problema da presunccedilatildeo antever um argumento disponiacutevel em lthttpw3ufsmbrppgfwp-contentuploads201110PERELMANpdfgt paacutegina 35 e 36 e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar Por exemplo o seu trabalho seu lazer etc O texto eacute inspiraccedilatildeo para a construccedilatildeo do argumento

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

O desenvolvimento da retoacuterica atraveacutes dos seacuteculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa eacutepoca atual por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem Sem dominar bem o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retoacuterico Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa dominar o conteuacutedo a ser exposto de modo a permitir que natildeo seja enganado pela proacutepria linguagem

Este capiacutetulo eacute fundamental a vocecirc estudante para saber como a histoacuteria da retoacuterica trabalhou o problema da formulaccedilatildeo estruturaccedilatildeo e divisatildeo dos discursos Lembre-se vocecirc natildeo eacute o primeiro a querer expor uma ideia um argumento por isso natildeo se engane seus interlocutores entendem ou natildeo o que vocecirc quer expor na medida em que vocecirc se coloca de modo claro e distinto Se sua linguagem natildeo for adaptada ao local em que vocecirc fala sua mensagem natildeo seraacute transmitida como vocecirc quer

BRISSON Luc Leituras de Platatildeo Trad Socircnia Maria Maciel Porto Alegre EDIPUCRS 2003

BRUNSCHWIG J Diccionaire Critique Le Savoir Grecce Org Geossvey Lloyd Paris Flammarion 1996

CLAIumlM PERELMAN Retoacutericas Trad Maria Ermantina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

DELEUZE G Loacutegica dos Sentidos Trad Luiz Roberto Salinas Fontes Satildeo Paulo Ed Perspectiva 2000

DERRIDA Jacques A Farmaacutecia de Platatildeo Trad Rogeacuterio da Costa 3 ed Satildeo Paulo Iluminuras 2005

GOLDSCHMIDT V Os Diaacutelogos de Platatildeo Estrutura e Meacutetodo Dialeacutetico Trad Dion Davi Macedo Satildeo Paulo Loyola 2002

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos

e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para um bom orador

dominar seu tema para poder transmitir

essa mensagem Sem dominar bem

o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar

e demonstrar suas qualidades como retoacuterico

Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa

dominar o conteuacutedo a ser exposto de

modo a permitir que natildeo seja enganado

pela proacutepria linguagem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

MARCUSE H Eros e Civilizaccedilatildeo Trad Aacutelvaro Cabral 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1969

MORAES J Q Epicuro as luzes da eacutetica Satildeo Paulo Ed Moderna 1998

NIETZSCHE F O Nascimento da Trageacutedia Trad J Guinsburg Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos Sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Coleccedilatildeo Estudos Platocircnicos Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2009

Algumas ConsideraccedilotildeesA histoacuteria da oratoacuteria e da retoacuterica permite o entendimento de como somos

capazes de organizar e exprimir uma ideia Desta maneira um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforccedilo do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispotildee de modo adequado

Com efeito este capiacutetulo se empenhou em apresentar uma parte da histoacuteria da retoacuterica para deixar vocecirc estudante em condiccedilotildees de escolher bem suas formas de argumentar

ReferecircnciasANSELMO Monoloacutegio Satildeo Paulo Victor Civita 1991

CAMPOS R C A Formaccedilatildeo Educacional do Orador e a Retoacuterica como seu Instrumento de Accedilatildeo no Principado Fecircnix ndash Revista de Histoacuteria e Estudos Culturais JaneiroFevereiroMarccedilo de 2008 v 5 Ano V n 1 Disponiacutevel em ltwwwrevistafenixprobrgt Acesso em 26 maio 2017

SOUSA A de A Persuasatildeo - Estrateacutegias da comunicaccedilatildeo influente 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt Acesso em 22 maio 2017

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

LIMA M A A retoacuterica em Aristoacuteteles da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia Natal IFRN 2011

LUZ A R L Ensaios Filosoacuteficos V 1 outubro2010 Disponiacutevel em lthttpwwwensaiosfilosoficoscombrArtigosArtigo2Ana_Rosapdfgt Acesso em 27 maio 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SILVA R Curso de Oratoacuteria A Arte de Falar em Puacuteblico ou a Habilidade de Falar em Puacuteblico 2012 Disponiacutevel em lthttpconsulpamcombrwp-contentuploads2013084-OratC3B3riapdfgt Acesso em 26 maio 2017

SILVEIRA Caacutessio Rodrigo Paula Relendo Ciacutecero A formaccedilatildeo do orador e sua inserccedilatildeo na poliacutetica romana (Seacuteculo I a C) 2012

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Oratoacuteria e Retoacuterica

CAPIacuteTULO 3

A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apontar as diferentes formas de argumentos

Apresentar as implicaccedilotildees de um argumento Compromisso com a verdade ou com a forma

Fazer um argumento suas fragilidades e pontos fortes

Convencer ou defender a verdade

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

ContextualizaccedilatildeoEste capiacutetulo se destina a apresentar a vocecirc estudante uma perspectiva

filosoacutefica com desdobramentos teoloacutegicos para a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Destacaremos brevemente a sutil conexatildeo com a loacutegica sobretudo a silogiacutestica concatenaccedilatildeo em sequecircncia de premissas para formular um argumento

Oratoacuteria e Retoacuterica Filosoacutefica Na filosofia a oratoacuteria e retoacuterica cumprem um papel substancial pois eacute por

intermeacutedio dos argumentos e da exposiccedilatildeo destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades Observamos que nas maiores universidades da Europa a retoacuterica e a oratoacuteria perderam muito espaccedilo no ambiente acadecircmico

A Retoacuterica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituiccedilotildees europeias de ensino ao contraacuterio do que aconteceu nos Estados Unidos da Ameacuterica Embora tenham surgido na Europa algumas revistas sociedades de Retoacuterica reimpressotildees de textos claacutessicos e se tenham publicado seacuteries de estudos sobre Retoacuterica em editoriais de renome eacute impossiacutevel hoje qualquer consenso quanto agrave asserccedilatildeo de M Capella sobre a Retoacuterica como laquopotens rerum omnium reginaraquo ou quanto agrave promoccedilatildeo da Retoacuterica a laquorainha antiga e nova das ciecircnciasraquo assinada pelo professor de Retoacuterica de Tuebingen W Jens que antecipou a visatildeo utoacutepica da Retoacuterica como laquouma ciecircncia do futuroraquo proposta por J Dubois Poreacutem o fim da Retoacuterica como disciplina ou laquoRhetoricadocensraquo natildeo coincide com o desaparecimento da praacutexis retoacuterica (Rhetoricautens Oratoria Eloquentia) tampouco com a extinccedilatildeo da sua existecircncia residual em teorias de composiccedilatildeo literaacuteria em regras de comportamento em expressotildees do discurso pragmaacutetico nem com a cessaccedilatildeo da sua eficaacutecia histoacuterica na tipologia variada da histoacuteria das ideias e da cultura Eacute sobretudo a teoria retoacuterica do texto e a sua influecircncia histoacuterica a que o Ocidente se expocircs que merecem uma particular atenccedilatildeo dadas as suas estreitas relaccedilotildees com a Hermenecircutica e a Filosofia (PEREIRA 1994 p 6)

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo

consideradas subaacutereas de conhecimento filosoacutefico entendemos que para discutir bem o problema da argumentaccedilatildeo precisamos de uma discussatildeo profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retoacuterica no debate de ideias

A histoacuteria da Retoacuterica foi de fato a de uma laquorestriccedilatildeo generalizadaraquo na expressatildeo de G Genette ou de uma laquoextinccedilatildeo progressivaraquo segundo R Barthes ateacute se confundir com uma teoria dos tropos se recordarmos que a queda da cidade democraacutetica arrastou consigo a morte da intervenccedilatildeo poliacutetica da Retoacuterica e forccedilou o seu exiacutelio esteacutetico de cuja impotecircncia brotou a figura de uma laquoeloquentia tacensraquo embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retoacuterica judiciaacuteria e epidiacutectica respectivamente Expressotildees

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Oratoacuteria e Retoacuterica

como laquorenascimentoraquo ou laquoreabilitaccedilatildeo da Retoacutericaraquo laquoRhetorica redivivaraquo laquoRhetoric revaluedraquo laquoreturn of Rhetoricraquo laquoRhetoric resituatedraquo etc natildeo soacute repotildeem a Retoacuterica na raiz histoacuterica de muitas disciplinas modernas mas fazem dela um laquopotencial sugestivoraquo para a reformulaccedilatildeo da problemaacutetica do homem contemporacircneo embora se reconheccedila com P Ricoeur que a sua existecircncia como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos coleacutegios em meados do seacutec XIX A Retoacuterica de Aristoacuteteles foi uma teoria da argumentaccedilatildeo que se articulava com a sua vizinha loacutegica da demonstraccedilatildeo e com a filosofia uma teoria da elocuccedilatildeo e uma teoria da composiccedilatildeo do discurso Com a sua reduccedilatildeo tradicional a uma simples teoria da elocuccedilatildeo e depois a uma teoria dos tropos a Retoacuterica perdeu o laccedilo que a prendia agrave Filosofia e tornou-se laquouma disciplina erraacutetica e fuacutetilraquo O esquema da Retoacuterica de Aristoacuteteles representou a racionalizaccedilatildeo de uma disciplina que se propusera reger todos os usos da palavra puacuteblica sobretudo o seu poder de decisatildeo e o seu domiacutenio no tribunal na assembleia poliacutetica no elogio e no panegiacuterio O poder de dispor dos homens mediante o domiacutenio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de seduccedilatildeo e mentira a histoacuteria do discurso humano A loacutegica da verossimilhanccedila aparecia como uma soluccedilatildeo de recurso para uma Retoacuterica ferida de substancial ambiguidade As suas provas natildeo se regem pela loacutegica da necessidade mas do verossiacutemil e do contingente porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias natildeo obedecem aos quadros riacutegidos de uma axiomaacutetica dogmaacutetica O grande meacuterito de Aristoacuteteles foi ter elaborado o laccedilo entre o conceito retoacuterico de persuasatildeo e o conceito loacutegico de verossiacutemil e ter construiacutedo sobre esta relaccedilatildeo o edifiacutecio inteiro de uma Retoacuterica filosoacutefica (PEREIRA 1994 p 7)

Assim a retoacuterica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo Ao retomarmos o estudo dos gregos percebemos o grande valor desta na construccedilatildeo dos argumentos filosoacuteficos

Deste modo a oratoacuteria grega surge como um modo de exposiccedilatildeo de conceitos e definiccedilotildees que permitem o entendimento das grandes questotildees filosoacuteficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiaacuteveis

Sabemos que a discussatildeo filosoacutefica somente eacute possiacutevel se considerarmos a existecircncia de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias Eis que a retoacuterica para vocecirc estudante eacute uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se vocecirc quiser transmitir com qualidade a sua mensagem Por isso a importacircncia da retoacuterica eacute substancial na organizaccedilatildeo e difusatildeo de um discurso elaborado e de boa qualidade

A Retoacuterica partilha com a Poeacutetica e a Hermenecircutica o terreno do discurso articulado em configuraccedilotildees mais extensas do que a frase ou unidade miacutenima em que algueacutem diz algo a algueacutem sobre alguma coisa realizando a triacuteplice mediaccedilatildeo entre homem e mundo homem e outro homem e homem e si-mesmo O discurso retoacuterico eacute o mais antigo discurso racional hiperfraacutestico do Ocidente nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no seacutec VI aC mas dominado pela ambiccedilatildeo de cobrir o campo inteiro

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

do uso discursivo da linguagem Por isso o modelo retoacuterico de argumentaccedilatildeo pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razatildeo praacutetica (moral direito poliacutetica) e do campo inteiro da Filosofia Orientada para o ouvinte a argumentaccedilatildeo retoacuterica eacute uma teacutecnica de persuasatildeo em que dizer eacute fazer eacute conquistar o assentimento do auditoacuterio e por isso o discurso retoacuterico eacute ilocutoacuterio e perlocutoacuterio Neste caso a argumentaccedilatildeo natildeo inova porque o orador se adapta agrave temaacutetica das ideias admitidas limitando-se a transferir para as conclusotildees a adesatildeo concedida agraves premissas e desenvolvendo teacutecnicas intermediaacuterias sempre em funccedilatildeo da adesatildeo efetiva ou presumida do auditoacuterio A vulnerabilidade do discurso retoacuterico estaacute patente pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar do acordo preacutevio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos da arte de agradar para a arte de seduzir do discurso da constituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade e da sua identidade para a perversatildeo do discurso ideoloacutegico No iniacutecio da deacutecada de 80 falava-se da marcha imparaacutevel da Retoacuterica que invadia a Estiliacutestica Estrutural a Teoria do Texto e da Literatura e a Semacircntica Linguiacutestica enquanto as Ciecircncias Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influecircncias marcantes da Retoacuterica regressada para os mais entusiastas do exiacutelio apoacutes a caluacutenia de que teria sido viacutetima (PEREIRA 1994 p 8)

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retoacuterica e da

oratoacuteria existem outros tantos que reconhecem seu caraacuteter imprescindiacutevel na elaboraccedilatildeo e exposiccedilatildeo de textos filosoacuteficos e teoloacutegicos Ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve ficar bem explicado que haacute um meacutetodo que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulaccedilotildees retoacutericas de todo o pensamento ocidental Pereira (1994) reconhece essa influecircncia e explica o problema de maneira bastante detalhada

A filosofia de Protaacutegoras eacute uma fundamentaccedilatildeo da Retoacuterica pois o laquohomo mensuraraquo enquanto laquohomo loquensraquo condensa a Antropologia da Retoacuterica em que o acordo eacute realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades praacuteticas de cooperaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo porque faltam no ponto de vista bioloacutegico laquoregulaccedilotildees preacuteviasraquo e laquoestruturas de adaptaccedilatildeoraquo e esta falha natildeo pode ser compensada com ecircxito por evidecircncias teoacutericas e normativas nem por mecanismos de coaccedilatildeo poliacutetica A Sofiacutestica como resposta agrave crise provocada pela perda de crenccedila nas grandes narraccedilotildees coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicaccedilatildeo linguiacutestica sem qualquer referente real mas com poder de decidir do sentido da realidade Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor deixou a Retoacuterica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassaacutevel e jamais definitiva mas sempre convencional e provisoacuteria Com o laquolinguisticturnraquo proveniente da Filosofia Analiacutetica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L Wittgenstein a linguagem deixou de ser mera expressatildeo da consciecircncia mas o acontecimento da proacutepria consciecircncia cuja estruturaccedilatildeo linguiacutestica se tornou objeto da reflexatildeo filosoacutefica Enquanto J Habermas soacute no comeccedilo dos anos 80 realizou a sua viragem linguiacutestica tomando por modelo de accedilatildeo comunicativa

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a concepccedilatildeo de linguagem de K Buehler os estudos realizados por K O Apel nos anos 50 prepararam jaacute a transformaccedilatildeo linguiacutestico-hermenecircutica do Kantismo e a sua tese de habilitaccedilatildeo intitulada A Ideia de Linguagem na Tradiccedilatildeo do Humanismo de Dante ateacute Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova laquoPrima Philosophiaraquo que substituiacutea a velha Ontologia por ser a radicalizaccedilatildeo da criacutetica kantiana do conhecimento e a sua transformaccedilatildeo em criacutetica da linguagem que eacute uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicaccedilatildeo sem exclusotildees nem repressotildees A valorizaccedilatildeo da Sofiacutestica e da Retoacuterica natildeo reprimiu a consciecircncia dos perigos dos equiacutevocos histoacutericos do discurso retoacuterico e por isso K O Apel distingue da Retoacuterica da persuasatildeo psicoloacutegica a Retoacuterica da convicccedilatildeo cuja loacutegica de argumentaccedilatildeo pragmaacutetica permite reconstruir idealmente as condiccedilotildees de um consenso verdadeiro e universalizaacutevel ou do auditoacuterio universal segundo a terminologia de Ch Perelman Na comunicaccedilatildeo argumentativa de J Habermas eacute indissoluacutevel a vinculaccedilatildeo de teoria e praacutexis pois a ciecircncia natildeo eacute neutra mas orientada por determinados interesses que satildeo as suas condiccedilotildees transcendentais de possibilidade J Habermas apropriou-se de uma divisatildeo do saber que em 1929 Max E Scheler propusera na sua obra Visatildeo Filosoacutefica de Mundo laquosaber de domiacutenioraquo laquosaber formativoraquo e laquosaber salvadorraquo (PEREIRA 1994 p 50-51)

O caminho percorrido pela retoacuterica referenciado anteriormente mostra as variaccedilotildees entre teoria e praacutetica ao longo dos seacuteculos no Ocidente Com efeito as variaccedilotildees apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes agrave argumentaccedilatildeo

Oratoacuteria e Retoacuterica TeoloacutegicaA retoacuterica e a oratoacuteria teoloacutegica natildeo satildeo muito diferentes da retoacuterica e oratoacuteria

filosoacutefica mas o objetivo eacute outro Se a retoacuterica filosoacutefica se propotildee ao debate de ideias e sua contraposiccedilatildeo para produzir um debate e uma estrutura dialeacutetica a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento Para construir um argumento que convenccedila a plateia o orador deve observar alguns criteacuterios Reboul (apud SEGUNDO 2006 p 75)

[] pontua as cinco caracteriacutesticas que diferenciam fundamentalmente a demonstraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo1 nesta o discurso sempre se dirige a um auditoacuterio que para Reboul eacute sempre particular de modo que o auditoacuterio universal se constitui apenas em uma pretensatildeo abstraccedilatildeo ou ideal argumentativo 2 aleacutem disso a argumentaccedilatildeo expressa-se em liacutengua natural sofrendo as consequecircncias de sua opacidade

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

3 por trabalhar com o verossiacutemil as premissas argumentativas nunca satildeo verdades propriamente ditas o que demanda uma relaccedilatildeo interpessoal de confianccedila atenccedilatildeo e reconhecimento de autoridade da parte do auditoacuterio em relaccedilatildeo ao orador 4 nesse sentido a progressatildeo dos argumentos depende do orador que procuraraacute ordenaacute-los de modo a satisfazer as condiccedilotildees de persuasatildeo projetadas por ele acerca daquele auditoacuterio 5 por conseguinte as conclusotildees tornam-se sempre contestaacuteveis jaacute que o auditoacuterio pode rejeitaacute-las ou aceitaacute-las mediante seu julgamento Consequentemente natildeo cabe na argumentaccedilatildeo isolar razatildeo e emoccedilatildeo As duas caminham necessariamente juntas na medida em que crenccedilas satildeo intrinsecamente afetivas e afetaratildeo o julgamento e a conclusatildeo independentemente do caminho racional da disposiccedilatildeo argumentativa apresentada (SEGUNDO 2006 p 75)

Desta maneira a principal diferenccedila presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teoloacutegicas em questatildeo Por isso a verdade teoloacutegica transmitida pela chamada oratoacuteria e retoacuterica teoloacutegica deve levar o interlocutor ao convencimento Neste aspecto o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem

A vocecirc estudante da disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ficar claro que na teologia natildeo podem ser produzidas questotildees que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem soluccedilatildeo Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposiccedilotildees sobre aquilo que a dimensatildeo teoloacutegica abarca e o que escapa a este modo de pensar Citamos na sequecircncia um exemplo de discurso para que vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica entenda como podemos interpretar os diversos significados A discussatildeo toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte

Figura 1 ndash Exemplo de discurso tirinha Mafalda

Fonte Disponiacutevel em lthttpastroptorgblogwp-contentuploads201201Mafalda1jpggt Acesso em 10 jul 2017

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Observamos que a discussatildeo natildeo possui nenhum argumento empiacuterico que sustente a possibilidade evocada mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor

Na teologia observamos uma terminologia proacutepria que o indiviacuteduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer vejamos um exemplo

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica Jesus lhe responde com outra pergunta ldquoQue estaacute escrito na Lei Como interpretasrdquo - que embora de forma impliacutecita estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princiacutepios da sagrada Lei de Deus Inquirido o inteacuterprete da Lei respondeu ldquoAmaraacutes o Senhor teu Deus de todo o teu coraccedilatildeo de toda a tua alma com toda a tua forccedila e de todo o teu entendimento e a teu proacuteximo como a ti mesmordquo A resposta evidencia uma correlaccedilatildeo de dois textos mosaicos Deuteronocircmio 6 5 e Leviacutetico 19 18 Utilizados assim permitem ao inteacuterprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essecircncia de toda a religiatildeo Ao findar o primeiro instante do debate Jesus respondeu de maneira notaacutevel agrave pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar ldquoRespondeste corretamente faze isto e viveraacutesrdquo O verbo grego ποιέω comumente traduzido por ldquofazerrdquo ldquopraticarrdquo encontra-se nesse versiacuteculo no particiacutepio imperfeito ποίει expressando dessa forma uma ideia de accedilatildeo constante de praacutetica vitaliacutecia Com efeito a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergecircncia entre ortodoxia e ortopraxia A premissa teoloacutegica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e concomitantemente com o evangelho de Jesus Entretanto o cerne da questatildeo era Seraacute que este inteacuterprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo A disposiccedilatildeo cognitiva deste doutor era excelente no entanto seu desempenho ainda era questionaacutevel Ao analisar essa paraacutebola Joachim Jeremias afirma O fato de Jesus surpreendentemente remetecirc-lo ao agir como sendo a vida para a vida deve se entender a partir igualmente desta situaccedilatildeo concreta todo o conhecimento teoloacutegico de nada serve se o amor para com Deus e para com o proacuteximo natildeo determinar a direccedilatildeo da vida A proposta filosoacutefica da eacutetica da alteridade encontra profundas raiacutezes nesta premissa teoloacutegica Eacute inevitaacutevel a identificaccedilatildeo do projeto filosoacutefico levinasiano com a Lei de Moiseacutes uma vez que Levinas fora instruiacutedo em um contexto marcado por um profundo espiacuterito de dedicaccedilatildeo agrave Lei Nilo Ribeiro Juacutenior ao descrever a relaccedilatildeo entre Levinas e as Escrituras sublinha que ldquoo ponto de partida do pensamento filosoacutefico levinasiano eacute a Escritura considerada como fonte natildeo filosoacutefica da filosofiardquo Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profeacutetico de amor a Deus e ao proacuteximo Essa nova concepccedilatildeo da tarefa da filosofia rompeu com a claacutessica definiccedilatildeo da filosofia enquanto ldquoamor agrave sabedoriardquo estabelecendo-a como ldquosabedoria de amarrdquo Em Levinas a verdadeira sabedoria natildeo consiste em uma reflexatildeo teoreacutetica ou mesmo em um vil conhecimento cientiacutefico que tende a reduzir os sujeitos a objetos mas consiste em uma vivecircncia de amor compassivo que se faz responsabilidade pelo outro como expressatildeo radical do amor a Deus e escopo do ser humano Dessa forma toda a reflexatildeo levinasiana eacute um postulado do amor proposto pela Lei mosaica interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON ALMEIDA 2016 p 51-52)

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Deste modo o teoacutelogo articula uma sequecircncia teoloacutegica de argumentos com um pensamento filosoacutefico de um autor contemporacircneo tomando o cuidado de complementar as ideias

Por isso a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica possuem forte inclinaccedilatildeo ao convencimento e agrave persuasatildeo que dependem sobretudo do caraacuteter e da formaccedilatildeo do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos Em outras palavras a formaccedilatildeo moral dos dirigentes religiosos padres pastores e outros precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito

Moral e Retoacuterica Aspectos Fundamentais

A relaccedilatildeo entre moral e retoacuterica eacute uma das questotildees muito importantes para vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica pois eacute uma questatildeo que implica na exposiccedilatildeo dos argumentos Antes de detalharmos o problema da moral precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicaccedilatildeo de fenocircmenos e de seus signos e representaccedilotildees

Das narraccedilotildees miacuteticas chegaram-nos as metaacuteforas da morada e do caminho da retidatildeo da vida e da erracircncia e foi ainda em termos de ecircxodo que I Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova eacutepoca da razatildeo laquoAufklaerung eacute a saiacuteda do homem da sua menoridade culpaacutevelraquo Esta libertaccedilatildeo da casa-prisatildeo da razatildeo menor teve uma provocante traduccedilatildeo na secularizaccedilatildeo dos quatro sentidos da Escritura em vez do sentido literal ou histoacuterico da realidade a posiccedilatildeo transcendental constituinte de objetos para noacutes com a suspensatildeo da inatingiacutevel coisa-em-si em vez do sentido tropoloacutegico ou moral inseparaacutevel da teologia a pergunta eacutetica racional pelo que eu devo fazer em vez do sentido alegoacuterico ou simboacutelico a pergunta da razatildeo pelo que se pode humanamente conhecer em vez do sentido anagoacutegico ou miacutestico a pergunta racional pelo que se pode esperar A maioridade da razatildeo estaacute na reduccedilatildeo de todas as perguntas agrave pergunta pelo homem e consequentemente de todas as respostas a proposiccedilotildees racionais dentro dos limites humanos do conhecer do agir e do esperar Apoacutes a eliminaccedilatildeo kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploraccedilatildeo dentro da filosofia da vida da linguagem enquanto notificadora de vivecircncias do sujeito G Frege distinguiu em 1892 na concepccedilatildeo global de sentido dois momentos o do sentido propriamente dito e o da relaccedilatildeo agraves coisas que a versatildeo francesa traduziu por laquodenotaccedilatildeoraquo e a inglesa por laquoreferecircnciaraquo Agrave distinccedilatildeo entre a realidade material e as dimensotildees psicoloacutegica loacutegica e referencial do signo G Frege acrescentou que natildeo eacute o ato do intelecto mas o signo que pelo sentido e pela referecircncia realiza a verdade como adequaccedilatildeo ou tracircnsito do sentido para a referecircncia modelarmente realizado pelas ciecircncias (PEREIRA 1994 p 23)

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O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relaccedilatildeo agrave linguagem e o alcance de seus discursos retoacutericos Conforme entende Reboul (2004) a retoacuterica e a oratoacuteria possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variaccedilotildees natildeo haacute evoluccedilatildeo no pensamento filosoacutefico retoacuterico Eacute a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento

Neste sentido a moral (Kant) do orador ou seja as virtudes morais do orador satildeo importantes para que se possa produzir um modo de exposiccedilatildeo adequado das ideias ou argumentos

A questatildeo da autoridade moral ligada agrave pessoa do orador se recoloca em um primeiro sentido trata-se realmente dos seus caracteres reais Assim Bourdaloue afirma que ldquo1 o orador convenceraacute por argumentos se para bem dizer ele comeccedilar por pensar bem 2 Ele agradaraacute pelos seus modos se para pensar bem ele comeccedilar por bem viverrdquo Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espiacuteritos No entanto Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retoacutericas de Gibert de Crevier e de outros para mostrar que a questatildeo da moralidade natildeo elidia nos claacutessicos a ideia de uma construccedilatildeo do orador pelo seu discurso Eacute o sentido dos ldquocaracteres oratoacuteriosrdquo ou imagem produzida pelo discurso a ser distinguido dos caracteres reais Distinguimos caracteres oratoacuterios de caracteres reais Isso natildeo apresenta dificuldades pois quer algueacutem efetivamente honesto quer seja piedoso religioso modesto justo faacutecil no conviacutevio com o mundo ou ao contraacuterio quer seja corrompido [] aqui estaacute o que chamamos caracteres reais Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso isso se chama caracteres oratoacuterios quer ele seja tal como pareccedila ser quer pareccedila mesmo sem o ser Pois pode-se mostrar algo sem secirc-lo e pode-se natildeo parecer tal e ainda assim o ser pois isso depende da maneira como se fala A preocupaccedilatildeo com a moral impede a dissociaccedilatildeo clara dos dois planos assim distinguidos Gibert nota que os caracteres ldquomarcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o oradorrdquo Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais claacutessicos que a eficaacutecia do discurso deriva claramente dos caracteres oratoacuterios e natildeo dos caracteres reais Eacute interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma anaacutelise do ethos definido como a construccedilatildeo de uma imagem de si correspondente agrave finalidade do discurso (AMOSSY 2005 p 18)

Com efeito a moral do orador ou da retoacuterica natildeo eacute regra aplicada aos outros mas a vocecirc que deseja ser um bom expositor de pensamentos Eacute fundamental a intenccedilatildeo do orador se sua intenccedilatildeo eacute ludibriar convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais Na retoacuterica de nossos dias muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexatildeo mais profunda

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Uma teoria do ethos fundada na uniatildeo entre a retoacuterica e a narratologia foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W Halsal para a ldquonarrativa pragmaacuteticardquo Ela se funda no exame da concepccedilatildeo aristoteacutelica de autoridade aplicada a uma questatildeo frequentemente debatida na poeacutetica da narrativa a da credibilidade do narrador A escola americana do ldquoponto de vistardquo iniciada por Percy Lubbock a narratologia de Kaumlte Hamburguer e de Doritt Cohn as taxionomias de Geacuterard Genette e de Mieke Bal fornecem noccedilotildees (como a voz e o modo narrativos a focalizaccedilatildeo) e as distinccedilotildees (entre autornarradorpersonagem e tambeacutem entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questatildeo da imagem do locutor no quadro especiacutefico da narraccedilatildeo Halsall combina esses dados com os fornecidos natildeo soacute pela Retoacuterica mas tambeacutem pela Poeacutetica de Aristoacuteteles para ver como e em que condiccedilotildees o enunciador parece confiaacutevel aos olhos do leitor Ao fazecirc-lo Halsall reformula a problemaacutetica do ldquonarrador digno de confianccedilardquo em termos greimasianos de ldquocontrato fiduciaacuteriordquo Toda comunicaccedilatildeo estaacute fundada em uma confianccedila miacutenima entre os protagonistas e cabe a uma retoacuterica narrativa segundo o autor determinar como ldquoa enunciaccedilatildeo contribui para criar no enunciataacuterio uma relaccedilatildeo de confianccedila fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencerrdquo O interesse pela narrativa proveacutem segundo Halsall da complexidade e frequentemente da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas De fato o ponto de vista e a voz do personagem natildeo remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegeacutetico A autoridade acordada a um ou a outro natildeo eacute natural e deve ser negociada As diferentes possibilidades satildeo o apanaacutegio do narrador que se manteacutem fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual por exemplo) e do narrador intradiegeacutetico (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar) Entretanto a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar oferecendo assim numerosos casos de indefiniccedilatildeo acerca da confiabilidade do enunciador e consequentemente do sentido do enunciado A narrativa pragmaacutetica que visa a persuadir tende a reduzir ao maacuteximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso Nessa oacutetica Halsall examina as diferentes figuras que a retoacuterica coloca agrave disposiccedilatildeo da narraccedilatildeo para assegurar a autoridade do narrador O autor as divide seguindo Aristoacuteteles em dois grupos o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos e o dos argumentos internos ao discurso Na primeira categoria ele agrupa o apelo aos princiacutepios atestados ou apodeixis (a nota aforiacutestica) o proveacuterbio ou a sentenccedila o apelo agrave proacutepria experiecircncia ou martyria as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc A segunda categoria compreende o panegiacuterico dos ouvintes (comprobatio) a declaraccedilatildeo de boas intenccedilotildees (eucharistie) etc Outras figuras pertencem ao pathos a simulaccedilatildeo de submissatildeo (philophronegravese) e o eulogie ou becircnccedilatildeo A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptaacute-las agraves estrateacutegias narrativas Halsall o demonstra em diversas narrativas literaacuterias entre as quais O uacuteltimo dia de um condenado de Victor Hugo (AMOSSY 2005 p 20-22)

Essa teoria que une a retoacuterica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada Natildeo basta um modelo estiliacutestico eacute preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt paacutegina 25 a 26 e explique o que vocecirc entende sobre a possibilidade de uma retoacuterica integrada agrave linguiacutestica Explique com suas palavras

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Argumentaccedilatildeo Pedagoacutegica Filosoacutefica

A argumentaccedilatildeo retoacuterica pode ser pedagoacutegica ou filosoacutefica Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica eacute aquela que produz um efeito educativo quer constranger o outro indiviacuteduo a seguir aquilo que estaacute sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI 2012) Jaacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica eacute aquela em que se prioriza a exposiccedilatildeo de ideias e que implica necessariamente em um debate ou na exposiccedilatildeo linear e concatenada de argumentos

Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte Com efeito para falarmos de uma retoacuterica e de uma oratoacuteria pedagoacutegica precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas

A Pedagogia Retoacuterica por conseguinte ressaltou especialmente o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores Por essa razatildeo era por natureza canocircnica Segundo Burton (1994 p 96) a Pedagogia Retoacuterica repousa numa iacutentima relaccedilatildeo entre leituraescrita e observaccedilatildeocomposiccedilatildeo Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas anaacutelise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecaccedilatildeo do texto modelo praelectio) e gecircnese A observaccedilatildeo de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiccediloa a fala e a escrita Assim o incentivo agrave leitura natildeo se deve somente agrave busca do conteuacutedo mas tambeacutem agrave busca de teacutecnicas e estrateacutegias uacuteteis Tais teacutecnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes atraveacutes de vaacuterios tipos de exerciacutecios de imitaccedilatildeo ndash

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Imitatio Esse termo imitatiomiacutemesis (imitaccedilatildeo) em sua origem refere-se agrave accedilatildeo ou faculdade de imitar de copiar de reproduzir ou representar a natureza o que para Aristoacuteteles eacute o fundamento da arte Entretanto a imitatio natildeo eacute exclusividade da gecircnese da arte Toda accedilatildeo humana inclui procedimentos mimeacuteticos a aptidatildeo do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitaccedilatildeo Desse modo Aristoacuteteles defendia que eacute a miacutemesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1 IV) Portanto a imitatio eacute sem duacutevida o maior pilar da Pedagogia Retoacuterica Outra concepccedilatildeo basilar para a Retoacuterica eacute a divisatildeo entre ldquoo que eacuterdquo comunicado por meio da linguagem e ldquocomordquo isso eacute comunicado a distinccedilatildeo entre forma e conteuacutedo ndash para Aristoacuteteles logos e lexis res e verba para Quintiliano bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luiacutes Vives Essa divisatildeo embora questionaacutevel e questionada ndash jaacute que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisiacutevel da expressatildeo verbal e das ideias ndash eacute muito uacutetil se entendida como um artifiacutecio para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retoacuterica na qual a praacutetica da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteuacutedo (SOUKI 2012 p 2)

Nesse sentido o sujeito que utiliza da argumentaccedilatildeo pedagoacutegica sempre se preocupa em expor um argumento para algueacutem e como consequecircncia quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor

Se a opccedilatildeo do orador for utilizar argumentaccedilatildeo filosoacutefica deve ficar claro que o sujeito supotildee uma oposiccedilatildeo de argumentos ou uma exposiccedilatildeo com sequecircncia loacutegica e com uma finalidade de expor as ideias natildeo necessariamente o convencimento

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposiccedilatildeo de argumentos Vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ter em mente essa distinccedilatildeo para escolher o modo adequado de argumentaccedilatildeo

Eacute importante recordar alguns pontos fundamentais da retoacuterica e da oratoacuteria para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela

Embora se deva a Hermaacutegoras o mais antigo tratamento dos estudos retoacutericos foi Ciacutecero que efetivamente legou para a posteridade essa divisatildeo dos estudos retoacutericos como os Cacircnones da Retoacuterica (Ciacutecero De Inuentione 17 Ciacutecero De Oratore 131-142 Quintiliano Institutio Oratoria 33) Foram organizados em cinco categorias invenccedilatildeo (Inuentio) arranjo (Dispositio) estilo (Elocutio) memoacuteria (Memoria) e apresentaccedilatildeoperformance (Pronuntiatio) Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a criacutetica do discurso e portanto se configuravam em um padratildeo para a educaccedilatildeo retoacuterica e para o ensino da gecircnese dos discursos Particularmente o cacircnone heuresisinuentio que significa descoberta de fontes para a persuasatildeo discursiva estaacute latente em todo problema retoacuterico O proacuteprio termo latino

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Oratoacuteria e Retoacuterica

inuentio do grego heuresis em portuguecircs significa invenccedilatildeo ou descoberta Esse cacircnone foi na antiguidade um dos processos mais teorizados por estudiosos retoacutericos da eacutepoca principalmente por Aristoacuteteles que definia a Retoacuterica como invenccedilatildeo Por isso a categoria invenccedilatildeo estaacute relacionada agrave essecircncia da persuasatildeo e argumentaccedilatildeo dessa arte milenar Para ele a Retoacuterica era uma das melhores formas de persuasatildeo (ARISTOacuteTELES Retoacuterica I 2) A Retoacuterica pode ser considerada uma disciplina praacutetica cujos preceitos se datildeo a partir de ferramentas a serem aplicadas na praacutetica E como a Retoacuterica na antiguidade natildeo dispunha de uma mateacuteria proacutepria os oradores tinham como meacuterito poder falar sobre qualquer assunto Na praacutetica entretanto os discursos eram para os oradores um desafio Isso na medida em que era necessaacuterio propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender Como preconizava Ciacutecero aleacutem do gecircnio inato era necessaacuterio ao orador o meacutetodo isto eacute a Retoacuterica para entatildeo buscar os melhores argumentos Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retoacuterica jaacute estaria em vantagem e que na falta dele era imperioso ao orador buscar artifiacutecios para descobrir argumentos Nesse caso a invenccedilatildeo ou heuresisinuentio era o meacutetodo para demarcar a descoberta desses argumentos Dessa maneira eacute fundamental nesta parte salientar os dois grandes tipos de argumentos de acordo com Aristoacuteteles Satildeo os seguintes os natildeo retoacutericos e os retoacutericos Os primeiros natildeo faziam parte da Retoacuterica eram argumentos externos agrave arte Os oradores ao utilizaacute-los natildeo necessitavam inventaacute-los descobri-los Dessa maneira precisavam apenas localizaacute-los e adequaacute-los ao discurso Acontece entre outros processos por meio do raciociacutenio loacutegico Por sua vez ocorre por induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentaccedilatildeo ou seja a utilizaccedilatildeo dos argumentos natildeo retoacutericos jaacute que se faz importante conhececirc-los compreendecirc-los e entatildeo utilizaacute-los adequadamente quando conveniente (SOUKI 2012 p 4)

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um

pensamento eacute a capacidade que iraacute distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um puacuteblico Desta maneira conforme jaacute apontou Soacutecrates devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a anaacutelise dos argumentos

A parte do diaacutelogo platocircnico apresentada na sequecircncia permite a vocecirc estudante um entendimento e uma aproximaccedilatildeo detalhada de um discurso retoacuterico refinado

Estrangeiro mdash Logo se haacute discurso verdadeiro e discurso falso e o pensamento se nos revelou como conversaccedilatildeo da alma consigo mesma e opiniatildeo como a conclusatildeo do pensamento vindo a ser o que designamos pela expressatildeo imagino uma mistura de sensaccedilatildeo e opiniatildeo forccediloso eacute que algumas sejam falsas dadas suas afinidades com o discursoTeeteto mdash Sem duacutevidaEstrangeiro mdash Como jaacute percebeste apanhamos mais depressa do que esperaacutevamos a falsa opiniatildeo e o falso discurso pois natildeo faz muito tiacutenhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizaacutevel

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Teeteto mdash Jaacute percebi realmenteXLVIII mdash Estrangeiro mdash Por isso natildeo desanimemos ante o que ainda nos falta realizar e jaacute que conseguimos chegar ateacute aqui voltemos a tratar de nosso processo de divisatildeoTeeteto mdash Que divisatildeoEstrangeiro mdash Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens a da coacutepia e a dos simulacrosTeeteto mdash CertoEstrangeiro mdash E tambeacutem nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delasTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash E no auge de nossa confusatildeo trevas ainda mais densas nos envolveram com apresentar-se-nos o argumento de contestaccedilatildeo universal de que natildeo existe absolutamente nem coacutepia nem simulacro visto natildeo ser possiacutevel haver seja onde for qualquer espeacutecie de falsidadeTeeteto mdash Falaste com muito acertoEstrangeiro mdash Poreacutem uma vez provada a existecircncia de falsos discursos e de opiniotildees falsas eacute possiacutevel que haja imitaccedilatildeo dos seres e que dessa disposiccedilatildeo do espiacuterito nasccedila uma arte da falsidadeTeeteto mdash Eacute possiacutevel (PLATAtildeO 1980a p 66)

Cabe ao estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caraacuteter e a suas convicccedilotildees pessoais para explicar e expor uma mensagem teoloacutegica filosoacutefica ou de outra ordem

Figuras de Pensamento e Figuras de Construccedilatildeo

As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL 2004) Desta maneira podemos falar de simples comparaccedilotildees que satildeo simplesmente cotidianas em nossos argumentos Podemos falar tambeacutem de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que satildeo muito comuns em meios juriacutedicos para suavizar determinados atos Merecem menccedilatildeo ainda os eufemismos linguiacutesticos que querem suavizar uma situaccedilatildeo insuportaacutevel Entre outros podemos falar ainda de argumentos comparativos indicativos ambiacuteguos literais e impliacutecitos

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento o efeito resultante seraacute condicionado agrave amplitude da possibilidade que este tiver Por exemplo para convencer um determinado puacuteblico o orador escolhe um argumento indicativo e direto O resultado estaacute condicionado ao niacutevel da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou natildeo no convencimento mas o tipo do argumento eacute o principal determinante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Agumas ConsideraccedilotildeesOs aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como

a retoacuterica e a oratoacuteria no decorrer da histoacuteria do conceito se desenvolveram E conforme aponta Reboul (2004) natildeo existe uma evoluccedilatildeo positivista na construccedilatildeo dos argumentos

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retoacuterica e da

oratoacuteria com periacuteodos de destaque e outros de esquecimento Deve ficar claro que tanto a retoacuterica construccedilatildeo de argumentos quanto a oratoacuteria exposiccedilatildeo destes satildeo componentes do cotidiano de nossas existecircncias

ReferecircnciasAMOSSY Ruth Da noccedilatildeo retoacuterica de ethos agrave anaacutelise do discurso Imagens de si no discurso a construccedilatildeo do ethos Satildeo Paulo Contexto p 9-28 2005 Disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt Acesso em 12 jun 2017

CHACON Almeida Deus no Outro a noccedilatildeo cristatilde de espiritualidade e sua interface com a eacutetica da alteridade Revista Eletrocircnica Espaccedilo Teoloacutegico Vol 10 n 18 juldez 2016 p 48-60 Disponiacutevel em lthttprevistaspucspbrindexphpreveleteogt Acesso em 15 jun 2017

PLATAtildeO Fedro Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980a

_______ Goacutergias Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980b

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

PEREIRA M P Retoacuterica hermenecircutica e filosofia Revista filosoacutefica de Coimbra n 5 v 3 1994 pp 5-70 Disponiacutevel em lthttpwwwucptflucdfcipublicacoesretorica__hermeneutica_e_filosofiagt Acesso em 10 jun 2017

SEGUNDO P R G Resenha de Olivier Reboul Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

SOUKI J D O Argumentaccedilatildeo a pedagogia retoacuterica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva 2012 Disponiacutevel em lthttprevistaarnaldocostatecscombrindexphpfaculdadedireitoarnaldoarticledownload2014gt Acesso em 13 jun 2017

CAPIacuteTULO 4

Implicaccedilotildees da Retoacuterica

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Escolher argumentos e formas de oratoacuteria para alguns grupos de pessoas

Diferenciar as hipoacuteteses de teses e posturas retoacutericas acerca de um tema

Construir um argumento retoacuterico que convenccedila

Formular uma oratoacuteria para um determinado puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo procuramos apresentar a vocecirc estudante de oratoacuteria e

retoacuterica uma reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequecircncias destas escolhas

Implicaccedilotildees do ArgumentoQuando enunciamos um argumento devemos saber quais as devidas

implicaccedilotildees do que estamos expondo Ao apresentarmos um determinado argumento devemos saber de suas fontes se ele tem ou natildeo alguma relaccedilatildeo com a verdade no sentido platocircnico que remete agrave epistemologia dos fatos ou se eacute uma mera suposiccedilatildeo do intelecto que produz determinadas situaccedilotildees como fruto de nossa imaginaccedilatildeo

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenios ele natildeo pode ser um enunciado vazio sem coerecircncia interna Para que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica entenda o que estaacute sendo dito daremos alguns exemplos

Exemplo (a) Soacutecrates eacute homem Todos os homens satildeo mortais Logo Soacutecrates eacute mortal (b) Vovoacute se chama Ana Vovocirc se chama Luacutecio Consequentemente eu me chamo Ana Luacutecia (c) Haacute exatamente 136 caixas de laranja no depoacutesito Cada caixa conteacutem pelo menos 140 laranjas Nenhuma caixa conteacutem mais do que 166 laranjas Deste modo no depoacutesito estatildeo pelo menos seis caixas contendo o mesmo nuacutemero de laranjas (VIANA 2012 p 4)

Natildeo queremos entrar em detalhes loacutegicos formais dos argumentos pois o

estudante de oratoacuteria e retoacuterica natildeo precisa de formalidades filosoacuteficas com detalhamentos matemaacuteticos Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema os estilos e a finalidade de seu argumento

Deste modo as implicaccedilotildees de um determinado argumento satildeo mensuraacuteveis ou seja calculaacuteveis Com efeito vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silecircncio Em muitos momentos da convivecircncia humana argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada logo o silecircncio tambeacutem eacute um argumento saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado por isso citamos um texto juriacutedico para o aluno distinguir do de teologia

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica

de raciociacutenios ele natildeo pode ser um

enunciado vazio sem coerecircncia interna

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Argumentar eacute o ato de produzir argumentos Produzir um argumento eacute apresentar razotildees em defesa de uma conclusatildeo Essa natildeo eacute a uacutenica definiccedilatildeo possiacutevel do ato de argumentar Por exemplo haacute quem prefira entender argumentos como diaacutelogos isto eacute como seacuteries (mais ou menos longas) de afirmaccedilotildees objeccedilotildees e reacuteplicas Essa concepccedilatildeo ndash que poderia ser descrita como ldquodialoacutegicardquo ndash natildeo estaacute errada Ela eacute uacutetil em certos contextos e para certos propoacutesitos mas ela natildeo parece particularmente uacutetil para explicar a interlocuccedilatildeo juriacutedica Devemos adotar uma noccedilatildeo de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentaccedilatildeo juriacutedica Argumentar natildeo eacute exatamente um ato privado ou monoloacutegico (afinal argumentos juriacutedicos satildeo produzidos caracteristicamente no contexto de debates puacuteblicos) mas cada argumentador eacute responsaacutevel por seus proacuteprios argumentos Cada argumentador ao produzir um argumento apresenta as suas razotildees em defesa da sua conclusatildeo Isso natildeo quer dizer que argumentaccedilatildeo juriacutedica seja sempre competitiva ou conflituosa No ambiente acadecircmico por exemplo haacute muito espaccedilo para a colaboraccedilatildeo intelectual (SCHECAIRA 2012 p 1)

Por isso saber o alcance de um argumento e as devidas

consequecircncias eacute uma forma de o orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento adequado Atenccedilatildeo calcular as consequecircncias de seus argumentos natildeo eacute somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relaccedilatildeo utilitaacuteria eacute antes de tudo ter a sensibilidade de saber o que quando e para que serve o que estamos expondo Percebemos estas dificuldades em situaccedilotildees extremas por exemplo quando haacute uma trageacutedia ou quando haacute uma enfermidade grave em nosso meio Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando sendo que naquele momento ningueacutem tem

condiccedilotildees emocionais de escutar um argumento Consequentemente acabamos por falar em um momento em que as palavras natildeo satildeo o mais importante O contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Quantas vezes jaacute nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos

Os elementos que formam um argumento satildeo proposiccedilotildees Segundo uma compreensatildeo claacutessica proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas segundo corretamente expressem ou natildeo aquilo que ldquocorresponde aos fatosrdquo Jaacute os argumentos sendo estruturas de proposiccedilotildees natildeo satildeo passiacuteveis de verdade ou falsidade [] O seu ldquovalorrdquo epistecircmico se expressa pelas noccedilotildees de validade e relevacircncia Um argumento seraacute vaacutelido se e somente se for impossiacutevel que sua conclusatildeo seja falsa quando se assume que todas as premissas satildeo verdadeiras Com essa caracterizaccedilatildeo fica claro que somente argumentos do tipo loacutegico podem estritamente ser vaacutelidos Nos outros tipos deve-se adotar um padratildeo [] mais fraco de exigecircncia para a avaliaccedilatildeo do argumento Assim muitos filoacutesofos propuseram criteacuterios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores ou seja capazes em maior ou menor grau de conferir plausibilidade

Saber o alcance de um argumento

e as devidas consequecircncias eacute uma forma de o

orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor

bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento

adequado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

a suas conclusotildees quando se assume que suas premissas satildeo verdadeiras Um argumento seraacute dito relevante se e somente se aleacutem de vaacutelido todas as suas premissas forem de fato verdadeiras Se contiver ao menos uma premissa falsa seraacute irrelevante porque a existecircncia de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusatildeo eacute de fato verdadeira mesmo o argumento sendo vaacutelido (Um argumento vaacutelido ldquotransmiterdquo a verdade das premissas para a conclusatildeo se entre as premissas houver alguma que seja falsa sua falsidade poderaacute (mas natildeo necessariamente) ldquopassarrdquo para a conclusatildeo) (CHIBENI sd p 2)

Logo identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa iraacute contribuir para

que o estudante de oratoacuteria e retoacuterica se organize e conforme entende Reboul (2004) saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstacircncia

Atividade de Estudos

1) Indique o que vocecirc entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retoacuterica Explique com suas palavras

Se a retoacuterica com a revoluccedilatildeo romacircntica entrou em descreacutedito rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poeacuteticas se os estudos retoacutericos foram depois perdendo importacircncia sobretudo nas escolas da Europa continental tal fato natildeo significou como muitos pensaram e alguns desejaram a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 seacuteculos nem a sua exclusatildeo pelas forccedilas criadoras do gecircnio para o limbo das coisas inuacuteteis

Ao contraacuterio do que se poderia supor foi a retoacuterica em tempos de fasciacutenio pela utilidade imediata dos saberes e teacutecnicas de entre as artes da palavra aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessaacuterio e eficaz nas sociedades que ao longo do seacuteculo XX sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleraccedilatildeo histoacuterica

Com efeito se a comunicaccedilatildeo no passado era naturalmente limitada pelo espaccedilo ndash do tribunal da assembleia da igreja da praccedila puacuteblica ndash por natildeo haver maneira de propagar mais aleacutem a voz humana no nosso tempo instrumentos e teacutecnicas cada vez mais aperfeiccediloadas permitiram dar agrave palavra forccedila incoerciacutevel e eficaacutecia inaudita

Eacute verdade que haacute muito o homem vencera as barreiras do tempo por meio da escrita e lograra a propagaccedilatildeo do discurso atraveacutes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do livro impresso a retoacuterica constitui-se como arte na Greacutecia do seacuteculo V a C quando se expande o conhecimento e uso da escrita a retoacuterica renasce na Itaacutelia do Quattrocento quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg com a imprensa a retoacuterica pocircde transformar-se em retoacuterica literaacuteria Mas esse era um tempo diferido que alterava as condiccedilotildees da situaccedilatildeo comunicacional e quando em diferentes momentos e por razotildees vaacuterias a retoacuterica eacute reduzida agrave teacutecnica de anaacutelise e composiccedilatildeo perde a sua dinacircmica padecendo de letteraturazione deleita talvez ensine deixa poreacutem de impelir agrave accedilatildeo a distacircncia entre orador e ouvinte dificulta o ofiacutecio de persuadir Esse foi o tempo da retoacuterica senza microfono

O seacuteculo passado viu nascer a comunicaccedilatildeo de massas a difusatildeo do discurso escrito e oral agrave escala planetaacuteria mercecirc de poderosos meios de amplificaccedilatildeo da voz humana o meio frio da galaacutexia de Guttenberg rapidamente substituiacutedo pelos canais quentes da era de McLuhan mas viu tambeacutem como tamanho poder perverte a verdadeira comunicaccedilatildeo na poacutelis deste nosso tempo saturado de discurso e informaccedilatildeo de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983 23-56 e Verdelho 1986 139-156)

[] Na Europa a recuperaccedilatildeo da retoacuterica processou-se sobretudo a dois niacuteveis no plano filosoacutefico e no campo dos estudos linguiacutesticos e literaacuterios A filosofia haacute muito tempo que excomungara a retoacuterica Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretoacuterica que desde Platatildeo marcava o pensamento filosoacutefico A reabilitaccedilatildeo da retoacuterica neste domiacutenio inicia-se em 1952 quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletacircnea de artigos sob o tiacutetulo Rheacutetorique et Philosophie aiacute proclamam o seu propoacutesito de estudar laquoles moyens drsquoargumentation autres que ceux relevant de la logique formelle qui permettent drsquoobtenir ou drsquoaccroicirctre lrsquoadheacutesion drsquoautrui aux thegraveses qursquoon propose agrave son assentimentraquo (Lempereur 1990 117) Em 1958 sistematizam essa teoria no Traiteacute de lrsquoargumentation que apresentam como nouvelle rheacutetorique Para resolver o velho dissiacutedio entre retoacuterica e filosofia Perelman regressa agrave tradiccedilatildeo claacutessica elegendo como texto fundacional a Retoacuterica de Aristoacuteteles (SOARES 2011 p 19-22)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Os Sofistas e a Retoacuterica de HojeO nascimento da retoacuterica no Ocidente se relaciona de modo substancial com

um movimento filosoacutefico antigo que foi contemporacircneo ao pensamento platocircnico por volta do seacuteculo IV aC que foi chamado de sofista Os sofistas satildeo um grupo de pensadores da eacutepoca de Platatildeo e que natildeo acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso Logo surgiu a contenda em que Platatildeo os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade A disputa entre Soacutecrates e os sofistas descrita por Platatildeo visto que Soacutecrates nada escreveu mostra este problema da discussatildeo sobre a elaboraccedilatildeo de um discurso presente entre os gregos Passamos agora para alguns trechos do diaacutelogo Sofista de Platatildeo para evitarmos a falsa impressatildeo de que a retoacuterica e a oratoacuteria evoluiacuteram O diaacutelogo comeccedila com Soacutecrates e Teodoro um amigo da eacutepoca

I mdash Teodoro mdash Fieacuteis Soacutecrates a nossa combinaccedilatildeo de ontem aqui estamos na melhor ordem Trouxemos conosco este Estrangeiro natural de Eleia eacute amigo dos disciacutepulos de Parmecircnides e de Zenatildeo e filoacutesofo de grande merecimentoSoacutecrates mdash Natildeo se daraacute o caso Teodoro de sem o saberes teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro segundo aquilo de Homero quando diz que de regra os deuses e particularmente o que preside agrave hospitalidade acompanham os cultores da justiccedila para observarem o orgulho ou a equidade dos homens Quem sabe se natildeo veio contigo uma dessas divindades para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tatildeo fracos todos noacutes algum deus disputadorTeodoro mdash Natildeo Soacutecrates natildeo eacute do caraacuteter do nosso Estrangeiro ele eacute mais modesto do que todos esses amantes de discussotildees Natildeo acho absolutamente que o homem seja alguma divindade Poreacutem divino teraacute de ser sem duacutevida natildeo eacute outro o qualificativo que costumo dar aos filoacutesofosSoacutecrates mdash E com razatildeo amigo Poreacutem talvez a raccedila dos filoacutesofos natildeo seja por assim dizer muito mais faacutecil de conhecer do que a dos deuses Em virtude da ignoracircncia da maioria esses varotildees percorrem as cidades sob as mais variadas aparecircncias contemplando sobranceiros a vida caacute de baixo Natildeo me refiro aos pretensos filoacutesofos poreacutem aos de verdade Aos olhos de algumas pessoas eles carecem em absoluto de merecimento para outros satildeo dignos de toda a consideraccedilatildeo Ora se apresentam como poliacuteticos ora como sofistas havendo ateacute quem decirc a impressatildeo de ser completamente louco Por isso mesmo gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro caso nada tenha a opor como pensam a esse respeito laacute por suas bandas e como os denominam (PLATAtildeO 1980 p 2-3)

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou forccedila sob a fundamentaccedilatildeo retoacuterica do relativismo e das correntes filosoacuteficas que se apoiam nele Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver inaugurando a profissatildeo de professor ambulante seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade suplantando a busca da verdade da filosofia socraacutetico-platocircnica

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Oratoacuteria e Retoacuterica

E para irmos ao cerne do problema nos referimos agrave definiccedilatildeo dada por Soacutecrates no texto escrito por Platatildeo sobre os sofistas e seus estilos de argumentaccedilatildeo em defesa da natildeo existecircncia da verdade

III mdash Estrangeiro mdash Belas palavras poreacutem sobre isso tu mesmo resolveraacutes no decorrer de nossa discussatildeo No momento o que importa eacute te associares comigo para darmos iniacutecio ao nosso estudo a comeccedilar segundo penso pelo sofista investiguemo-lo e mostremos com nossa anaacutelise o que ele venha a ser Por enquanto eu e tu apenas num ponto estamos de acordo o nome Mas quanto agrave coisa designada por esse nome talvez cada um de noacutes faccedila ideia diferente Poreacutem em toda discussatildeo o que importa antes de tudo eacute ficar em concordacircncia com relaccedilatildeo agrave proacutepria coisa por meio da explicaccedilatildeo adequada natildeo apenas a respeito do nome sem aquela explicaccedilatildeo A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar natildeo eacute faacutecil de definir Mas para levar a bom termo empresas grandes segundo preceito antigo de aceitaccedilatildeo geral soacute seraacute de vantagem experimentar antes as forccedilas em temas menores e mais faacuteceis e soacute depois passar para os maiores Por isso Teeteto o que na presente situaccedilatildeo sugiro para noacutes dois jaacute que reconhecemos ser difiacutecil e trabalhosa a raccedila dos sofistas eacute nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples a menos que te ocorra indicar um caminho mais cocircmodoTeeteto ndash Natildeo nada me ocorre nesse sentido Estrangeiro mdash Concordas entatildeo em escolhermos um exemplo singelo e apresentaacute-lo como modelo para o maiorTeeteto mdash ConcordoEstrangeiro mdash Que assunto pois escolheremos simples a um tempo e faacutecil de conhecer mas cuja explicaccedilatildeo natildeo exija menor nuacutemero de caracteriacutesticas do que temas importantes O do pescador talvez Natildeo eacute assunto bastante conhecido e natildeo nos merece a maior atenccedilatildeoTeeteto ndash Isso mesmoEstrangeiro ndash Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definiccedilatildeo mais condizente com o nosso intentoTeeteto ndash Seria oacutetimoIV mdash Estrangeiro mdash Pois entatildeo comecemos por aiacute Dizei-me uma coisa como devemos concebecirc-lo eacute artista ou sujeito carecente de arte poreacutem dotado de alguma outra capacidadeTeeteto ndash De jeito nenhum poderaacute ser carecente de arteEstrangeiro ndash Mas todas as artes se reduzem a duas espeacuteciesTeeteto ndash Como assimEstrangeiro ndash A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal depois tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados a que damos o nome de utensiacutelios e por uacuteltimo a imitaccedilatildeo natildeo seraacute justo designar tudo isso por um uacutenico nomeTeeteto ndash Como assim e que nome seraacuteEstrangeiro ndash Damos o nome de produtor a quem traz para a existecircncia o que antes natildeo existia denominamos produto o que passa a existir em cada caso particularTeeteto ndash CertoEstrangeiro ndash Entatildeo designemos tudo aquilo por um nome uacutenico seratildeo as artes produtivasTeeteto ndash SejaEstrangeiro ndash Depois dessas vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento as do ganho a da luta e a da caccedila as quais nada fabricam mas que por meio da palavra ou da accedilatildeo procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido ou impedir que outros se apropriem O nome geneacuterico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATAtildeO 1980 p 5-6)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Neste sentido os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platatildeo e Aristoacuteteles Isso natildeo significa em superaccedilatildeo pois em filosofia natildeo existe conhecimento retoacuterico ultrapassado Vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve saber disso natildeo haacute conhecimento superado em filosofia Deste modo vocecirc pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retoacuterico mais adequado

Precisamos mencionar neste capiacutetulo que a passagem da arte da enganaccedilatildeo como era conhecida a retoacuterica e a oratoacuteria entre os gregos para a arte do falar bem envolve uma dinacircmica que implica em evoluccedilatildeo O que ocorreu eacute uma retomada da perspectiva dos sofistas da eacutepoca platocircnica pois embora Platatildeo os combatesse valorizava a arte retoacuterica destes

Houve tempos em que a retoacuterica foi tratada como sinocircnimo de enganaccedilatildeo A leitura do diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo deixa evidente que a dupla serventia da persuasatildeo ndash ora podendo estar a serviccedilo do bem ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar O ensino e o uso da retoacuterica e da oratoacuteria para fins poliacuteticos tambeacutem contribuiacuteram para o seu afastamento do elenco dos meacutetodos cientiacuteficos Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de aacuteguas que marcou o momento em que a retoacuterica caiu no esquecimento Por isso mesmo na esteira das contestaccedilotildees pragmaacutetica e behaviorista no seacuteculo XX abriu-se caminho para o ressurgimento da retoacuterica A retoacuterica natildeo se trata portanto de uma corrente de pensamento mas sim de um instrumento E natildeo eacute correto tambeacutem ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento especiacutefica como alguns criacuteticos jaacute o fizeram no Brasil ao atacarem os seguidores da retoacuterica em diversos momentos como sendo difusores de instrumentos a serviccedilo do neoliberalismo O objetivo do projeto retoacuterico eacute o estudo pormenorizado do alcance da teacutecnica E eacute justamente por isso que o estudo da retoacuterica enquanto teacutecnica de persuasatildeo deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da aacuterea da economia a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenccedilatildeo para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodoloacutegico em detrimento da unicidade de meacutetodo alertam para a necessidade de natildeo se jogar fora o contraditoacuterio de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e agraves tratativas impessoais tatildeo presentes no hardcore neoclaacutessico Chamam ainda a atenccedilatildeo para a necessidade de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA 2016 p 17)

Eacute importante mencionar que as teacutecnicas retoacutericas formais de construccedilatildeo de

um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo A filosofia e a retoacuterica filosoacutefica funcionam com a contraposiccedilatildeo das ideias e natildeo com descobertas cientiacuteficas Deste modo a filosofia e sua subaacuterea a retoacuterica satildeo maneiras de

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Oratoacuteria e Retoacuterica

pensar que permitem ao homem desde seus modelos conhecidos na Greacutecia e em outros lugares se debruccedilar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Greacutecia e arredores

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retoacuterica parece ser a maneira menos controversa de defini-los Eles supriram a demanda por uma educaccedilatildeo juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos puacuteblicos e privados Vistos positivamente eles eram ldquoos transmissores de competecircncias valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira poliacutetica e de um modo geral nos ecircxitos mundanosrdquo (SOUSA PINTO 2002 p 13-14) Seu ensino era pago e eram procurados principalmente por jovens de famiacutelias abastadas que pretendiam alcanccedilar poder poliacutetico atraveacutes do domiacutenio das teacutecnicas do discurso persuasivo Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem futuramente os ensinamentos sofiacutesticos com fins inescrupulosos era um risco da profissatildeo e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados O estudo da retoacuterica orientado pelos sofistas incluiacutea desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais ateacute a discussatildeo de assuntos de composiccedilatildeo estrutura e argumentaccedilatildeo O objetivo destes estudos era a construccedilatildeo do discurso natildeo apenas mais adequado e convincente mas do melhor e mais envolvente Suas praacuteticas pretendiam o aprimoramento no uso de teacutecnicas discursivas tais como o uso do argumento provaacutevel ou verossimilhante contra-argumentaccedilatildeo e justaposiccedilatildeo de argumentos contraacuterios adequaccedilatildeo agrave ocasiatildeo (causa puacuteblico situaccedilatildeo etc) figuras de linguagem efeitos causados sobre o puacuteblico etc (PREZOTTO 2008 p 242)

Depois deste detalhamento importante queremos apontar como a

modernidade se desenvolveu sobre a definiccedilatildeo sofiacutestica de que natildeo existe a verdade O homem moderno resultado do desenvolvimento cientiacutefico chegou a acreditar em uma maacutexima relativista elencada por Protaacutegoras sofista grego ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade

De um modo geral alguns professores esclarecidos da geraccedilatildeo anterior assemelhavam-se aos sofistas como os preceptores de Peacutericles que ensinavam sobre astronomia geografia e fiacutesica e mantinham com seus alunos discussotildees dialeacuteticas acerca de problemas diversos No entanto embora partilhassem com seus predecessores o ofiacutecio de treinar os jovens para os deveres as atribuiccedilotildees e os acontecimentos da vida adulta privada ou puacuteblica os sofistas distinguiram-se [] por trazer agrave tarefa uma gama maior de conhecimento com uma maior multiplicidade de toacutepicos cientiacuteficos e outros - natildeo soacute poderes mais impressionantes de composiccedilatildeo e discurso servindo como um exemplo pessoal ao aluno mas tambeacutem uma compreensatildeo dos elementos da boa oratoacuteria para poder transmitir os preceitos conducentes agravequela realizaccedilatildeo - um tesouro consideraacutevel de pensamento acumulado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

em moral e assuntos poliacuteticos destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos sobre temas gerais ou lsquolugares comunsrsquo para que os alunos aprendessem de cor (GROTE 1907 p 317) Acreditar que os sofistas transmitissem apenas teacutecnicas e aptidotildees especiacuteficas eacute simplificar o escopo de sua atuaccedilatildeo Influenciados pela filosofia jocircnica os sofistas satildeo racionalistas e inquiridores As explicaccedilotildees lsquonaturaisrsquo de Anaximandro em diante para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutaacuteveis natildeo mais como misteacuterios intangiacuteveis em que os papeacuteis fundamentais eram representados pelos deuses O contato com outros povos a percepccedilatildeo da relatividade dos valores morais dos costumes da religiatildeo foi outro fator que contribuiu para a formaccedilatildeo da nova geraccedilatildeo de pensadores relativistas e humanistas Outra caracteriacutestica dos sofistas eacute a de serem itinerantes assim como os antigos aedos Viajavam pelo mundo grego visitando vaacuterias cidades transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos em conferecircncias maiores ou em epiacutedeixeis Tambeacutem se apresentaram em festivais e em outras ocasiotildees puacuteblicas Dos sofistas mais famosos desta eacutepoca apenas Antiacutefon parece ter sido ateniense Protaacutegoras era de Abdera (na costa da Traacutecia) Goacutergias de Leontinos (na Siciacutelia) Proacutedico de Ceacuteos (em territoacuterio jocircnico) e Hiacutepias de Eacutelis (nordeste do Peloponeso) Todos eles estiveram em algum ou vaacuterios momentos de suas vidas em Atenas pois ldquoAtenas por uns 60 anos na segunda metade do seacuteculo V a C era o verdadeiro centro do movimento sofista De fato tanto isso eacute verdade que sem Atenas eacute provaacutevel que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO 2008 p 243-244)

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na

modernidade procura explicar coisas para as quais natildeo pode dar uma resposta definitiva ou ainda atribui agrave ciecircncia essa tarefa que natildeo pode ser cumprida pois agrave ciecircncia compete investigar fenocircmenos e natildeo coisas em si conforme ensinou o filoacutesofo alematildeo Immanuel Kant (2005)

Todas as caracteriacutesticas do movimento sofista ateacute aqui expostas suscitam tanto admiraccedilatildeo como repulsa A nova educaccedilatildeo que promove eacute satirizada por Aristoacutefanes em As Nuvens Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso ensinando os jovens a justificarem maacutes accedilotildees com argumentos retoacutericos livrando-se assim de suas consequecircncias Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaccedila pelas mudanccedilas e discussotildees que incitavam os mais pobres que natildeo tinham acesso ao seu ensino viam-nos com preconceito como os detratores dos bons e velhos costumes Neste ambiente hostil lsquosofistarsquo passa a ser um tiacutetulo depreciativo usado para intelectuais adivinhos pedantes ateus fiacutesicos filoacutesofos etc implicando charlatanismo e velhacaria ou astuacutecia esperteza em sentido pejorativo A maacute reputaccedilatildeo dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platatildeo cuja opiniatildeo continua ainda hoje a influenciar a visatildeo que se tem do periacuteodo sofiacutestico Apenas a partir do seacutec XIX eacute que se comeccedila a desvincular o estudo do movimento sofista da visatildeo legada por Platatildeo A criacutetica platocircnica em linhas gerais recai sob duas acusaccedilotildees 1) os sofistas natildeo satildeo pensadores seacuterios e 2) eles satildeo indiviacuteduos imorais A primeira acusaccedilatildeo diz respeito ao empreendimento platocircnico que busca ridicularizar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as proposiccedilotildees ou as possiacuteveis conclusotildees advindas da reflexatildeo sofista negando agraves doutrinas sofiacutesticas valor filosoacutefico A energia gasta por Platatildeo neste empreendimento por si soacute jaacute eacute indiacutecio da influecircncia exercida por estes pensadores Grosso modo os sofistas difundiam uma concepccedilatildeo relativista aplicada aos niacuteveis ontoloacutegico e epistemoloacutegico e agrave questatildeo da verdade e foram considerados rivais por Platatildeo que desenvolvia uma filosofia essencialmente lsquoabsolutistarsquo Embora Platatildeo tenha tratado Protaacutegoras e Goacutergias com respeito diferenciando-os dos homens mediacuteocres ligados mais tardiamente ao movimento ele transmite um entendimento fundamentalmente errocircneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO 2008 p 245)

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade

de se buscar a verdade produziu inuacutemeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequecircncias morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Podemos observar bem esse problema na modernidade no acircmbito do direito e da religiatildeo Devemos mencionar outra acusaccedilatildeo grave aos sofistas a de que restringiram o papel da educaccedilatildeo retirando dela a condiccedilatildeo do ensino da Arete virtude

A segunda acusaccedilatildeo envolve as criacuteticas direcionadas agrave atividade profissional dos sofistas visando desmerecer o valor da educaccedilatildeo que ofereciam Satildeo caracterizados no diaacutelogo sofista como caccediladores de jovens ricos e comerciantes do ensino Como Kerferd (2003 p 47-49) elucidou para entender esta criacutetica eacute necessaacuterio considerar a oposiccedilatildeo conservadora a que qualquer um tenha acesso agrave formaccedilatildeo poliacutetica simplesmente pagando Como dito anteriormente ateacute este momento a educaccedilatildeo juvenil era restrita aos membros das famiacutelias nobres e acontecia numa relaccedilatildeo de amizade entre o jovem e seu mestre Que a instruccedilatildeo estivesse acessiacutevel a todos que pudessem pagar por ela forccedilava a reconsideraccedilatildeo de estruturas internas da sociedade O ambiente da poacutelis democraacutetica era propiacutecio a tais questionamentos mas a polecircmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da eacutepoca saber se aretē pode ou natildeo ser ensinada Tradicionalmente aretē era palavra usada para referir-se agrave qualidade inata dos grandes homens os que se destacaram historicamente pela coragem forccedila valentia sabedoria lideranccedila mas tambeacutem havia um outro uso desta palavra que denotava a excelecircncia em uma tarefa ou funccedilatildeo especiacutefica e relaciona-se ao domiacutenio de uma teacutecnica teacutechnē termo comumente traduzido por arte No diaacutelogo Protaacutegoras Platatildeo apresenta Soacutecrates e Protaacutegoras debatendo esta questatildeo Ao afirmar que ensina teacutechnē

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade de

se buscar a verdade produziu inuacutemeras

tentativas de reduzir tudo ao modelo

relativista e produziu consequecircncias

morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de

argumentos

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

poliacutetica (319a) Protaacutegoras eacute confrontado com dois argumentos socraacuteticos que pretendem demonstrar que lsquoessarsquo aretē natildeo eacute um conhecimento que possa ser transmitido Os argumentos socraacuteticos satildeo 1) em questotildees teacutecnicas os atenienses consultam especialistas jaacute em questotildees poliacuteticas qualquer um pode opinar ningueacutem se opotildee a isto acreditando que eacute preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d) 2) os melhores e mais saacutebios cidadatildeos natildeo foram capazes de transmitir sua aretē a outros cita Peacutericles (319e-320b) Protaacutegoras expotildee sua opiniatildeo atraveacutes de um mito e conclui que todos os homens satildeo dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da teacutechnē poliacutetica justiccedila e respeito diacutekē e aidōs ndash apenas por possuiacuterem todos estas qualidades eacute que a vida em sociedade eacute possiacutevel (320d-323c)

Fonte Prezotto (2008 p 246)

No periacuteodo final da Idade Meacutedia temos um desenvolvimento de caracteriacutesticas que podemos denominar de incorporadas aos estudos das aacutereas de filosofia e teologia Em seguida nos seacuteculos XVII e XVIII eacute esquecida

Na historiografia do seacuteculo XVI as narrativas mariacutetimas de paiacuteses desconhecidos de fenocircmenos naturais de paragens de outras latitudes e climas manifestam de par com a presenccedila do maravilhoso a importacircncia que assume a experiecircncia a componente realista e empiacuterica Satildeo frequentes as marcas da enunciaccedilatildeo lsquoeu virsquo lsquoeu ouvirsquo que servem no discurso do narrador para dar maior credibilidade aos factos que apontam para uma histoacuteria contemporacircnea baseada nos pressupostos teoacutericos de Tuciacutedides Aleacutem disso a verdade factual nutrida por estas marcas de enunciaccedilatildeo eacute a cada passo confrontada com os relatos miacuteticos de um Heroacutedoto com a Cosmografia de um Ptolomeu a Geografia de um Estrabatildeo ou a ciecircncia de um Pompoacutenio Mela ou de uma Histoacuteria Natural de Pliacutenio As crocircnicas de Joatildeo de Barros de Castanheda de Diogo do Couto ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D Joatildeo de Castro as obras de Garcia de Orta de Duarte Pacheco Pereira de Pedro Nunes datildeo-nos a cada passo exemplos significativos Poderemos concluir que na eacutepoca do Renascimento a histoacuteria aleacutem de se afirmar como gecircnero literaacuterio que se impotildee pela arte da escrita como opus oratorium eacute disciplina formativa do caraacutecter em repositoacuterio de paradigmas eacute manancial de exempla que informam a tradiccedilatildeo retoacuterica eacute ponto de referecircncia da exaltaccedilatildeo eacutepica das gloacuterias nacionais eacute suporte de novos modelos ideoloacutegicos e de formulaccedilatildeo poliacutetica em termos modernos eacute fundamento de novos horizontes culturais e cientiacuteficos (SOARES 2011 p 146-147)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Se na Idade Meacutedia ocorreu uma valorizaccedilatildeo e desenvolvimento da retoacuterica no iniacutecio da modernidade ela foi deixada de lado e ateacute demonizada por diversos autores

Produziu-se uma total confusatildeo de pensamento que em muitos casos deixou de lado ateacute mesmo as convicccedilotildees doutrinais tanto do direito quanto da religiatildeo Com isso temos inuacutemeros argumentos artificiais que simulam determinadas situaccedilotildees apenas para efeito performaacutetico

Atividade de Estudos

1) Leia o texto e explique o que vocecirc entendeu sobre a arte das disputas a eriacutestica e a importacircncia da purificaccedilatildeo da linguagem Explique com suas palavras

Estrangeiro mdash Isso mesmo Conforme jaacute vimos eacute do gecircnero lucrativo da arte eriacutestica da arte de disputas das controveacutersias da arte do combate da arte da luta e do ganho segundo neste momento provou nossa argumentaccedilatildeo que o sofista proveacutem

Teeteto mdash Nada mais verdadeiro

XIII mdash Estrangeiro mdash Como vecircs eacute muito acertado dizer-se que se trata de um animal de muacuteltiplas facetas Daiacute confirmar-se o dito de que nem tudo se pode pegar soacute com uma das matildeos

Teeteto mdash Pois empreguemos duas

Estrangeiro mdash Sim eacute o que precisaremos fazer empenhando nisso todos os nossos recursos a fim de acompanhar-lhe o rastro Dize-me o seguinte natildeo temos designaccedilotildees especiais para determinadas ocupaccedilotildees servis

Teeteto mdash Muitas ateacute poreacutem no meio de tantas a quais particularmente te referes

Estrangeiro mdash Penso nas seguintes coar peneirar joeirar debulhar

Teeteto mdash E daiacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Estrangeiro mdash E tambeacutem cardar fiar urdir e mil outras de emprego corrente em ocupaccedilotildees congecircneres natildeo eacute isso mesmo

Teeteto mdash Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas

Estrangeiro mdash De modo geral todos esses vocaacutebulos exprimem a ideia de separaccedilatildeo

Teeteto mdash Certo

Estrangeiro mdash Ora de acordo com o meu raciociacutenio se uma arte apenas abrange todas essas ocupaccedilotildees teremos de atribuir-lhe um uacutenico nome

Teeteto mdash E como a denominaremos

Estrangeiro mdash Arte de separar

Teeteto mdash Que seja

Estrangeiro mdash Considera agora se nos seraacute possiacutevel distinguir duas espeacutecies

Teeteto mdash Impotildee-me uma tarefa muito raacutepida

Estrangeiro mdash Poreacutem nas distinccedilotildees por noacutes feitas jaacute se tratou da separaccedilatildeo entre o pior e o melhor e tambeacutem entre semelhante e dessemelhante

Teeteto mdash Dita dessa maneira parece-me bastante clara

Estrangeiro mdash Natildeo conheccedilo o nome geralmente aplicado a esta uacuteltima separaccedilatildeo poreacutem sei o que datildeo agrave outra a que reteacutem o melhor e rejeita o pior

Teeteto mdash Dize qual seja

Estrangeiro mdash No meu entender todas as separaccedilotildees desse tipo satildeo geralmente chamadas purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Com efeito eacute como as denominam

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E todo o mundo natildeo perceberaacute que haacute duas espeacutecies de purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Depois de refletir eacute possiacutevel eu pelo menos natildeo percebo purificaccedilatildeo alguma

Estrangeiro mdash Primeiro as dos seres vivos que operam no interior do corpo graccedilas a uma discriminaccedilatildeo exata pela ginaacutestica e a medicina como a purificaccedilatildeo externa de designaccedilatildeo corriqueira alcanccedilada pela arte do banho depois a dos corpos inanimados que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral de infinitas modalidades cujos nomes satildeo considerados ridiacuteculos

Teeteto mdash Eacute muito certo

Estrangeiro mdash Certo natildeo Teeteto certiacutessimo Mas o meacutetodo argumentativo natildeo daacute maior nem menor importacircncia agrave purificaccedilatildeo por meio da esponja do que agrave obtida com poccedilotildees medicamentosas jamais perguntando se os benefiacutecios de uma satildeo mais ou menos relevantes do que os da outra Para alcanccedilar o conhecimento eacute que ela se esforccedila por observar as afinidades ou dissemelhanccedilas entre as artes honrando a todas igualmente e quando chega a comparaacute-las natildeo conclui que uma seja mais ridiacutecula do que a outra Natildeo considera ainda mais importante quem ilustra a arte da caccedila com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas poreacutem mais pretensioso Do mesmo modo agora no que entende com o nome para designar o conjunto das forccedilas purificadoras dos corpos quer sejam animados quer natildeo sejam natildeo se preocupa no miacutenimo de saber que nome eacute de aparecircncia mais distinta Limitar-se-aacute a separar a purificaccedilatildeo da alma deixando num uacutenico feixe as outras purificaccedilotildees sem indagar do objeto sobre que se exercem Seu intento exclusivo consiste nisto precisamente separar das demais purificaccedilotildees a que tem por objetivo a alma se eacute que compreendemos (PLATAtildeO 1980 p 16-17)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Verdade e Verossimilhanccedila de Um Argumento

A verdade e a verossimilhanccedila merecem destaque por que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa entender quando um argumento eacute verossimilhante e quando ele eacute verdadeiro

Platatildeo ao discutir os gecircneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas jaacute levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente Deste modo o problema da verdade de um discurso natildeo fica somente na elaboraccedilatildeo formal e acadecircmica de um debate mas envolve tambeacutem a vida cotidiana dos sujeitos Para entendermos a diferenccedila entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que eacute verdade de fato em um discurso Vejamos a polecircmica suscitada no diaacutelogo Sofista e ateacute hoje sem soluccedilatildeo

LII mdash Estrangeiro mdash Onde iremos entatildeo buscar a designaccedilatildeo apropriada para cada um Evidentemente eacute tarefa por demais aacuterdua porque nisso de dividir os gecircneros em espeacutecies parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicaacutevel indolecircncia que nunca os levou pelo menos a tentaacute-la dar essa carecircncia tatildeo acentuada de nomes De um jeito ou de outro e embora se no afigure um tanto forte a expressatildeo para melhor diferenccedilaacute-la daremos o nome de doxomimeacutetica agrave imitaccedilatildeo que se baseia na opiniatildeo e a que se funda no conhecimento mimeacutetica histoacuterica ou eruditaTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash Vamos ocupar-nos com a primeira o sofista natildeo se inclui no nuacutemero dos que sabem mas no dos que imitamTeeteto mdash PerfeitamenteEstrangeiro mdash Examinemos entatildeo o imitador que se apoia na opiniatildeo como o fariacuteamos com um fragmento de ferro para vermos se se trata de uma peccedila uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estruturaTeeteto mdash Sim examinemo-loEstrangeiro mdash Pois em verdade aqui estaacute ele e bem patente Entre esses tais haacute o tipo ingecircnuo que acredita saber o que apenas imagina o outro pelo contraacuterio que se deixa arrastar por seus proacuteprios argumentos natildeo esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabeTeeteto mdash Sem duacutevida haacute esses dois tipos que acabaste de descreverEstrangeiro mdash Ao primeiro entatildeo daremos o nome de imitador simples e ao outro o de imitador dissimuladoTeeteto mdash Seria de toda a conveniecircnciaEstrangeiro mdash E este uacuteltimo gecircnero diremos que eacute simples ou duploTeeteto mdash Examina-o tu mesmoEstrangeiro mdash Examino e creio perceber dois gecircneros No primeiro distingo o indiviacuteduo capaz de dissimular em puacuteblico com discursos prolixos no outro o que em ciacuterculos mais restritos com sentenccedilas curtas leva seu interlocutor a contradizer-seTeeteto mdash Eacute muito certo o que dizes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E o homem dos discursos longos como o designaremos Eacute estadista ou orador popularTeeteto mdash Orador popularEstrangeiro mdash E o outro que denominaccedilatildeo lhe cabe agrave justa saacutebio ou sofistaTeeteto mdash Saacutebio natildeo eacute possiacutevel pois jaacute provamos que ele eacute ignorante Mas por ser imitador do saacutebio eacute fora de duacutevida que alguma coisa do nome deste haacute de passar para ele E agora me ocorre que de um tipo assim eacute que podemos dizer com toda a seguranccedila um sofista acabado Estrangeiro mdash Nesse caso fixemos aqui mesmo seu nome como fizemos antes entrelaccedilando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos Teeteto mdash Perfeitamente Estrangeiro mdash Sendo assim a espeacutecie imitativa e suscitadora de contradiccedilotildees da parte dissimuladora da arte baseada na opiniatildeo pertencente ao gecircnero imaginaacuterio que se prende agrave arte ilusoacuteria da produccedilatildeo de imagens criaccedilatildeo humana natildeo divina desse malabarismo ilusoacuterio com palavras quem afirmar que eacute de semelhante sangue e dessa estirpe que proveacutem o verdadeiro sofista soacute diraacute como parece a pura verdade (PLATAtildeO 1980 p 69-71)

Com efeito ao deixar a questatildeo em aberto no final do diaacutelogo Platatildeo nos daacute um apontamento para uma aproximaccedilatildeo da identidade do sofista No entanto nos deixa um grande ensinamento as opiniotildees satildeo diferentes dos discursos sobre a verdade Os discursos sobre a verdade satildeo de natureza nobre e as opiniotildees sobre um assunto natildeo satildeo conhecimento

E essa diferenccedila nem sempre eacute clara como parece ser Com isso em muitos momentos de nossa existecircncia pensamos que algo eacute verdadeiro simplesmente por parecer e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante aquilo que parece ser verdadeiro mas se olharmos mais de perto natildeo eacute soacute parece ser

Outro problema muito aparente na modernidade eacute a generalizaccedilatildeo de argumentos que produz efeitos catastroacuteficos em muitos segmentos da existecircncia humana Por exemplo escutamos por vezes vaacuterios argumentos deste tipo ldquotodo homem eacute machistardquo ldquotodo poliacutetico eacute ladratildeordquo ldquoos padres satildeo imoraisrdquo todos esses argumentos possuem falsas associaccedilotildees grotescas atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria Isso significa que sequer argumentos satildeo podemos chamaacute-los de enunciados vazios mas que satildeo muito populares em nosso cotidiano

Portanto a verdade de um argumento natildeo estaacute somente em sua forma ou somente em seu conteuacutedo mas na combinaccedilatildeo da disposiccedilatildeo de ambas as caracteriacutesticas que ao se combinarem produzem uma estrutura soacutelida na exposiccedilatildeo de um pensamento (MOSCA 2004)

Com efeito cabe aos estudantes de oratoacuteria e retoacuterica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade Natildeo existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento Antes disso haacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se estaacute inserido para poder convencer

Algumas ConsideraccedilotildeesAgora vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica estaacute pronto para seguir seu

caminho escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situaccedilatildeo para expor suas ideias com clareza e objetividade

A construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um o material disponiacutevel e a plateia para a qual o indiviacuteduo iraacute se dirigir Neste capiacutetulo destacamos as implicaccedilotildees das escolhas argumentativas que fizemos

ReferecircnciasCHIBENI S S Notas sobre tipos de argumentos [sd] Disponiacutevel em ltwwwunicampbr~chibenitextosdidaticosargumentospdfgt Acesso em 13 jun 2017

MOSCA L do L S (Org) Retoacutericas de ontem e de hoje 3 ed Satildeo Paulo Associaccedilatildeo Editorial Humanitas 2004

PLATAtildeO Sofista Brasiacutelia UFB 1980

PREZOTTO J Protaacutegoras Goacutergias os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē Anais XXIII SEC Araraquara p 241-250 2008 Disponiacutevel em lthttpportalfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTEXTOSARTIGOS20PDFprezottopdfgt Acesso em 10 jun 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

SCHECAIRA F Argumentaccedilatildeo noccedilotildees baacutesicas 2012 Disponiacutevel em lthttpsfabioshecairawikispacescomfileviewIntroduC3A7C3A3o+C3A0+argumenta C3A7C3A3opdfgt Acesso em 14 jun 2017

SOARES N C A retoacuterica e a construccedilatildeo da cidade na Idade Meacutedia e no Renascimento homo eloquens homo politicus Coimbra Coimbra University Press 2011

VIANA P Validade Forma e Conteuacutedo de Argumentos 2012 Disponiacutevel em lthttpwwwuffbrgrupodelogicatextosViapdfgt Acesso em 15 jun 2017

VIEIRA Joseacute Guilherme Silva A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso 2016

Page 7: ORATÓRIA E RETÓRICA

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

ContextualizaccedilatildeoO contexto do estudo da oratoacuteria e da retoacuterica no mundo contemporacircneo eacute

bastante amplo Nesta disciplina queremos enfatizar a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade Vejamos como se considerava a arte retoacuterica na antiguidade

Havia-se deixado de lado ateacute aqui um ponto importante sobre o escopo da arte retoacuterica Por vezes a retoacuterica foi e ainda eacute apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes De fato muitos satildeo os que associam uma boa retoacuterica a um discurso bem elaborado destacado por diversos recursos de linguagem enfim ornamentado Essa definiccedilatildeo guarda correspondecircncia com os primeiros discursos dos sofistas ndash portanto anteriores ao aparecimento do tratado de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica ndash mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isoacutecrates (436-338 aC) haacutebil e longevo retor que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas predominantemente literaacuterias (o Paideia) Isoacutecrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialeacutetica eriacutestica (aqueles que se propunham agraves disputas a partir de posiccedilotildees antagocircnicas de mundo objetivando chegar a uma pretensatildeo de descoberta a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza eou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas que ensinavam a arte dos discursos poliacuteticos aos nobres Isoacutecrates natildeo acreditava que da dialeacutetica eriacutestica pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais ou que o simples fato de se arrebatar o maior nuacutemero possiacutevel de seguidores fosse um medidor da correccedilatildeo de um dado conhecimento Tampouco poder-se-ia fazer qualquer juiacutezo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos poliacuteticos mecanicamente jaacute que as condiccedilotildees para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL 1994 apud VIEIRA 2012 p 8)

Estudar oratoacuteria e retoacuterica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos mas se observarmos o cotidiano perceberemos que estamos permeados de argumentos retoacutericos apresentando cada qual um tipo de oratoacuteria A vocecirc estudante desta disciplina convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas

Conceito de Retoacuterica e Oratoacuteria

A retoacuterica no conhecimento humano especificamente na filosofia eacute uma forma de expressatildeo de exposiccedilatildeo de ideias utilizada pelos sofistas Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade natildeo existe uma verdade o que haacute eacute apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao iniciarmos a discussatildeo sobre a retoacuterica queremos expor quais satildeo suas caracteriacutesticas fundamentais e como estas caracteriacutesticas se relacionam com o modo com o qual nos expressamos

A vitalidade dos estudos retoacutericos ateacute os nossos dias foi o que levou agrave organizaccedilatildeo de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retoacuterica se tem havido ao longo de sua histoacuteria cheia de pontos altos mas tambeacutem de crises e questionamentos A bem dizer eacute esta mesma dialeacutetica que estaacute no bojo de sua proacutepria natureza que implica em controveacutersia discussatildeo e consequentemente em influecircncia e formaccedilatildeo de opiniatildeo De fato a Retoacuterica tem sido colocada agrave prova pelos mesmos princiacutepios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresccedila sempre aceitaccedilatildeo da mudanccedila o respeito agrave alteridade a consideraccedilatildeo da liacutengua como lugar de confronto das subjetividades Partindo-se do princiacutepio de que a argumentatividade estaacute presente em toda e qualquer atividade discursiva tem-se tambeacutem como baacutesico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe satildeo apresentadas Equivale portanto a conferir-lhe status e a qualificaacute-lo para o exerciacutecio da discussatildeo e do entendimento atraveacutes do diaacutelogo Na verdade o envolvimento natildeo eacute unilateral tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam quando o clima eacute de negociaccedilatildeo e em que prevalece o anseio de influecircncia e de poder (MOSCA 2001 p 16)

Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga apontamos para alguns autores deste periacuteodo que representam muito bem a figura de um retoacuterico Nesse sentido merece destaque o filoacutesofo Goacutergias que muito bem definiu o natildeo ser Podemos citar ainda o filoacutesofo Protaacutegoras de Abdera que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade

A nossa discussatildeo sobre a retoacuterica e o papel da oratoacuteria na formulaccedilatildeo e na exposiccedilatildeo de argumentos passaraacute necessariamente por Platatildeo e Aristoacuteteles Estes dois filoacutesofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retoacuterica ou do bem dizer se assim quisermos De acordo com estes dois filoacutesofos e com os sofistas devemos estar atentos para a boa formulaccedilatildeo retoacuterica de um argumento e a boa oratoacuteria de exposiccedilatildeo do mesmo Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para que possamos entender expor e transmitir uma mensagem

Podemos observar isso na discussatildeo da Antiguidade desenvolvida por Soacutecrates Platatildeo ao expor e escrever as ideias socraacuteticas nos passa a mensagem de que Soacutecrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade Jaacute alguns sofistas como Soacutefocles apresentam Soacutecrates como amigo dos sofistas e

Na disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica queremos lembrar a vocecirc estudante

que a forma de bem dizer as palavras ou

a boa formulaccedilatildeo de um discurso eacute fundamental para

que possamos entender expor e transmitir uma

mensagem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

um retoacuterico Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve

O surgimento da Retoacuterica na Greacutecia antiga prende-se agrave luta reivindicatoacuteria de defesa de terras na Siciacutelia que haviam caiacutedo em poder de usurpadores Esse caraacuteter praacutetico aliado agrave eficaacutecia esteve sempre presente nas finalidades da Retoacuterica e eacute o que modernamente a situa junto agrave Pragmaacutetica De fato para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz haacute que levar em conta as caracteriacutesticas fundamentais da situaccedilatildeo em que ele se daacute e as relaccedilotildees de intersubjetividade dos interlocutores Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos satildeo produtos natildeo de um simples ato ilocutoacuterio como tambeacutem de elementos extraiacutedos da forccedila ilocucionaacuteria da situaccedilatildeo Cabe ainda lembrar que o ato de informar natildeo existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si proacuteprio Assim eacute que discursos que se tecircm como informativos tais como o cientiacutefico e o jornaliacutestico satildeo o exemplo disso uma vez que existem em funccedilatildeo de determinada finalidade praacutetica a ser atingida Por esse motivo coloca-se em questatildeo a tradicional divisatildeo das modalidades dos gecircneros jornaliacutesticos em informativos interpretativos e opinativos que na realidade serve apenas para balizar a praacutexis jornaliacutestica quando natildeo mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA 2001 p 26)

Segundo Platatildeo a retoacuterica eacute uma teacutecnica indispensaacutevel para quem quisesse governar a cidade porque quem rege deve saber falar e dominar a exposiccedilatildeo de um argumento Essa capacidade do governante impediria a manipulaccedilatildeo e o controle por outros membros do governo Contudo Platatildeo coloca a retoacuterica abaixo da filosofia e no diaacutelogo Goacutergias expotildee que o bem falar eacute uma arte de convencimento independentemente do conteuacutedo e por isso estaacute abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que eacute o filosoacutefico

Podemos entender que esta discussatildeo eacute muito importante para as pessoas que desejam lidar com o puacuteblico em geral pois haacute sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem sem se preocupar com a verdade ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou natildeo aos interlocutores Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diaacutelogo ou expressar uma ideia em puacuteblico Neste sentido o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica precisa conhecer os tipos formas e meacutetodos empregados pela retoacuterica para formular um argumento e da oratoacuteria para expor o mesmo

Outro filoacutesofo jaacute citado Aristoacuteteles desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retoacuterica De acordo com ele a retoacuterica eacute uma arte empiacuterica e cotidiana

Neste sentido precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso Neste aspecto a retoacuterica natildeo eacute pura transmissatildeo da verdade atraveacutes da oratoacuteria ela envolve diferentes aspectos do ser humano de sua personalidade e

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ambiente Para Aristoacuteteles devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento pois se tivermos uma boa teacutecnica poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade

Aleacutem disso Aristoacuteteles desenvolveu profundamente as caracteriacutesticas e a forma de refutaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo de um argumento Seguindo essa linha de raciociacutenio podemos concluir que Aristoacuteteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retoacuterica Ela serve tanto ao indiviacuteduo que quer discutir assuntos morais quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade Em outras palavras a retoacuterica deve ser uacutetil ao cidadatildeo

Segundo Aristoacuteteles devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias Neste sentido a retoacuterica contribui para aperfeiccediloar a qualidade e a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo de um argumento

Aristoacuteteles foi o primeiro a desenvolver uma organizaccedilatildeo detalhada desta ferramenta do saber humano Inicialmente precisamos entender que todos noacutes fazemos uso da retoacuterica e da oratoacuteria pois satildeo formas de nos expressarmos Para Aristoacuteteles convencer o outro eacute a essecircncia de toda discussatildeo sobre retoacuterica Ao estabelecer formas de comportamento para o orador modelos de raciociacutenio tipos de premissas e a divisatildeo desta ferramenta o filoacutesofo classifica e padroniza a retoacuterica A divisatildeo apresentada por Aristoacuteteles eacute exoacuterdio construccedilatildeo refutaccedilatildeo e epiacutelogo Em alguns momentos o filoacutesofo coloca a narraccedilatildeo apoacutes o exoacuterdio

Ao contrapor a dialeacutetica com a retoacuterica Aristoacuteteles configurou a ela elementos e caracteriacutesticas que estavam dispersos

Apoacutes a elaboraccedilatildeo aristoteacutelica a retoacuterica e a oratoacuteria foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores Mencionamos aqui os estoicos os empiacutericos e a tradiccedilatildeo romana de filoacutesofo Dioacutegenes filoacutesofo estoico grego entendia que a retoacuterica dialeacutetica

eacute parte da loacutegica neste sentido retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica eacute a arte de bem raciocinar Isso significa que a retoacuterica eacute a invenccedilatildeo de argumentos e desdobra-se em oratoacuteria quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes Para este grupo de filoacutesofos a retoacuterica se ocupa da forma de um argumento enquanto que a dialeacutetica deve se ater agrave veracidade ou agrave falsidade de um argumento

Retoacuterica significa bem falar e dialeacutetica

eacute a arte de bem raciocinar

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

O grupo de pensadores empiacutericos pode ser representado pelo epicurismo que entende a retoacuterica como argumentos possiacuteveis derivados de signos Segundo este o meacutetodo utilizado eacute a conjetura Dito de outro modo a retoacuterica eacute uma ciecircncia que se opotildee agraves ciecircncias exatas isto eacute para bem falarmos e bem construirmos um argumento devemos seguir regras que provecircm da experiecircncia como o objetivo de considerar vaacuterios graus de probabilidade De acordo com esses filoacutesofos devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e ao mesmo tempo natildeo cairmos no simplismo do cotidiano Por exemplo em debates com amigos geralmente usamos laacutegrimas e dramas para convencer o outro

Entre os romanos destacamos Ciacutecero que entendia a retoacuterica e a oratoacuteria como algo fruto de muito conhecimento filosoacutefico artiacutestico e da ciecircncia Para ele sem o saber aprofundado a retoacuterica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero de oratoacutere I 17)

Para ser um bom orador devemos conhecer todos os grandes problemas filosoacuteficos cientiacuteficos e artiacutesticos Devemos pensar com sabedoria e eacute nisto que a retoacuterica consiste para Ciacutecero O saacutebio consegue desenvolver bem a arte retoacuterica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questotildees Ciacutecero entende que a teacutecnica da retoacuterica deve produzir natildeo soacute belos textos e belas oratoacuterias mas tambeacutem saacutebios justos

Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retoacuterica antiga passamos agora a expor algumas caracteriacutesticas do desenvolvimento da retoacuterica no periacuteodo chamado de Idade Meacutedia Neste periacuteodo o Trivium a partir do seacuteculo IX constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais nesta eacutepoca a retoacuterica era entendida como arte do discurso Destacamos que a constituiccedilatildeo dos argumentos natildeo era puramente literaacuteria havia uma preocupaccedilatildeo com todas as aacutereas de conhecimento para expor e defender os argumentos

O desenvolvimento da retoacuterica medieval encontrou amparo em grandes teoacutelogos e filoacutesofos Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradiccedilatildeo platocircnica articulando as suas ideias com a de Ciacutecero e outros retoacutericos romanos Retomou tambeacutem a tradiccedilatildeo aristoteacutelica da loacutegica para discutir os grandes problemas nesta aacuterea de conhecimento

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Oratoacuteria e Retoacuterica

No movimento renascentista percebemos uma reelaboraccedilatildeo dos problemas retoacutericos baseados na eloquecircncia ou no bem falar remetendo agrave iluminaccedilatildeo do intelecto satisfaccedilatildeo da imaginaccedilatildeo desencadear as paixotildees e por uacuteltimo evocar a vontade Este processo culminou na completa distinccedilatildeo entre filosofia e retoacuterica Se em Platatildeo e Aristoacuteteles filosofia oratoacuteria e retoacuterica caminham juntas no iniacutecio da modernidade elas se separaram constituindo campos de saber distintos dentro de um espaccedilo geral de conhecimento

Para explicarmos de maneira detalhada o que eacute retoacuterica evocamos o pensador Reboul que define o termo retoacuterica eacute ldquoa arte de persuadir pelo discurso Por discurso entendemos toda a produccedilatildeo verbal escrita ou oral constituiacuteda por uma frase ou uma sequecircncia de frases que tenha comeccedilo e fim e apresente certa ordem de sentido De fato um discurso incoerente feito por um becircbado ou por um louco satildeo vaacuterios discursos tomados por um soacuterdquo (REBOUL 2004 p 14)

Para este autor soacute podemos chamar de retoacutericos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes Citamos alguns exemplos ldquopleito advocatiacutecio alocuccedilatildeo poliacutetica sermatildeo folheto cartaz de publicidade panfleto faacutebula peticcedilatildeo ensaio tratado de filosofia de teologia ou de ciecircncias humanas Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satiacuterico ou laudatoacuterioldquo (REBOUL 2004 p 14)

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratoacuteria de algo Neste sentido queremos fazer uma distinccedilatildeo entre convencer algueacutem a crer em noacutes e convencer algueacutem a fazer algo Do ponto de vista estritamente retoacuterico queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em noacutes eacute o nuacutecleo da retoacuterica enquanto arte de persuasatildeo Neste aspecto levar algueacutem a

fazer algo jaacute eacute um passo aleacutem Pascal (apud Reboul 2004) destaca que podemos usar elementos como o dinheiro para persuadir os outros de que nossa causa eacute justa mas isso natildeo eacute um convencimento retoacuterico pois os argumentos natildeo foram contrapostos e natildeo houve sequer uma argumentaccedilatildeo

Lembremos que a teacutecnica retoacuterica eacute ambiacutegua pois pode representar uma habilidade espontacircnea ou uma capacidade adquirida Se considerarmos a retoacuterica espontacircnea como forma de convencimento dos outros precisamos entender que

De acordo com Reboul (2004) a retoacuterica sempre

procura persuadir seus interlocutores

pela oratoacuteria de algo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sem a teacutecnica adquirida com o tempo natildeo conseguiremos ter ecircxito em nossa tarefa Segundo Reboul ldquoo verdadeiro orador eacute um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava figuras de que ningueacutem teria ideia e que se mostram ajudadas artistas cujos desempenhos natildeo satildeo programaacuteveis e que soacute se fazem sentir posteriormenterdquo (REBOUL 2004 p 16)

Neste sentido a constituiccedilatildeo de um argumento retoacuterico e a expressatildeo deste por um orador dependem da escolha que este fizer Tudo isso implica em considerar a finalidade da retoacuterica Queremos convencer ou enganar

Como vimos a persuasatildeo eacute a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponiacuteveis Persuadir natildeo eacute a mesma coisa que enganar Existe uma sutil diferenccedila mas que eacute substancial enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir eacute convencer utilizando os argumentos disponiacuteveis

Para comeccedilarmos a responder a este questionamento explicaremos o que significa a arte da persuasatildeo Eis pois a mais antiga definiccedilatildeo de retoacuterica que conhecemos ou seja a arte de persuadir Neste sentido vale lembrar que eacute importante distinguir o que eacute argumentaccedilatildeo e oratoacuteria

A competecircncia racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes os que satildeo componentes silogiacutesticos e os que se apoiam em exemplos Neste sentido vale lembrar que para Aristoacuteteles a competecircncia afetiva de um argumento eacute mais eficiente que o silogismo Isso significa que um silogismo encadeamento loacutegico de raciociacutenios eacute destinado a um grupo teacutecnico de ouvintes por exemplo um juacuteri enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande puacuteblico

Segundo Reboul (2004) no que tange agrave afetividade podemos distinguir o caraacuteter do ethos em portuguecircs caraacuteter eacutetico do orador que procura convencer os interlocutores e o pathos em portuguecircs a paixatildeo ou compaixatildeo gerada pelo discurso cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compotildee de duas partes o argumentativo e o oratoacuterio Assim quando um orador se expressa ele estaacute no modo oratoacuterio neste sentido metaacuteforas e hipeacuterboles constituem artifiacutecios retoacutericos e satildeo argumentativas quando condensam um argumento

Hermenecircutica Passaremos agora ao modelo hermenecircutico Quando expressamos um

discurso ele nunca estaacute soacute sempre estaacute em diaacutelogo com outros oradores se antepotildee a este e dialoga com os mesmos

Para convencer um interlocutor eacute preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo Este processo soacute eacute possiacutevel por causa da possibilidade de interpretaccedilatildeo que possuiacutemos Neste sentido a arte de interpretar textos chamada de hermenecircutica eacute fundamental ao orador que quer ser compreendido

HeuriacutesticaOutra caracteriacutestica eacute a heuriacutestica que significa encontrar algo remetendo ao

grego euro ou eureka ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano Natildeo nos referimos diretamente agrave ciecircncia falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto Neste aspecto a heuriacutestica contribui para o confronto de ideias na demonstraccedilatildeo delas e na descoberta de coisas que natildeo sabemos

Ainda merece menccedilatildeo a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica que constitui um caminho que engloba vaacuterias aacutereas de saber De acordo com Reboul (2004 p 22)

[] no fim do seacuteculo XIX a retoacuterica foi abolida do ensino francecircs e o proacuteprio termo foi riscado dos programas Todavia como em geral acontece no ensino em se apagando a palavra natildeo se suprimiu a coisa A retoacuterica permaneceu soacute que desarticulada privada de sua unidade interna e de sua coerecircncia em todo caso os professores quase sempre sem saber fazem retoacuterica

Assim a funccedilatildeo pedagoacutegica da retoacuterica e o estilo das construccedilotildees verbais

permaneceram mesmo que com dificuldades Neste sentido entendemos que para bem dizer precisamos tambeacutem aprender a ser visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu proacuteprio estado confuso da existecircncia

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Para Que Serve a RetoacutericaVocecirc aluno de Oratoacuteria e Retoacuterica pode se aprofundar no significado e na

serventia da retoacuterica se observar o seu cotidiano A retoacuterica e a oratoacuteria podem servir a diferentes fins Destacamos alguns servem para persuadir interlocutores em debates filosoacuteficos religiosos acadecircmicos ou em outros ambientes sociais Na filosofia costumamos entender a retoacuterica como o modo de formular bons argumentos para posteriormente pela oratoacuteria expocirc-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos Na religiatildeo costuma-se usar a oratoacuteria para desenvolver argumentos e convencer os fieacuteis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras

Assim os religiosos utilizam a retoacuterica com a finalidade de explicar as questotildees controversas e consequentemente elucidar as dificuldades dos fieacuteis Jaacute os acadecircmicos utilizam meacutetodos de retoacuterica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem tiacutetulos promoccedilotildees e debater ideias no acircmbito da conjetura intelectual Destacamos ainda o uso da retoacuterica e oratoacuteria no meio social no cotidiano das nossas existecircncias falamos da famiacutelia do ciacuterculo de amigos e da convivecircncia em nossos locais de trabalho

Algumas pessoas pensam que argumentar eacute apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova Eacute por isso que muita gente considera que argumentar eacute desagradaacutevel e inuacutetil confundindo argumentar com discutir Dizemos por vezes que discutir eacute uma espeacutecie de luta verbal Contudo argumentar natildeo eacute nada disso [] laquoargumentarraquo quer dizer oferecer um conjunto de razotildees a favor de uma conclusatildeo ou oferecer dados favoraacuteveis a uma conclusatildeo [] argumentar natildeo eacute apenas a afirmaccedilatildeo de determinado ponto de vista nem uma discussatildeo Os argumentos satildeo tentativas de sustentar certos pontos de vista com razotildees Neste sentido os argumentos natildeo satildeo inuacuteteis na verdade satildeo essenciais Os argumentos satildeo essenciais em primeiro lugar porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista Nem todos os pontos de vista satildeo iguais Algumas conclusotildees podem ser defendidas com boas razotildees e outras com razotildees menos boas No entanto natildeo sabemos na maioria das vezes quais satildeo as melhores conclusotildees Precisamos por isso apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusotildees e depois avaliar tais argumentos para ver se satildeo realmente bons Neste sentido um argumento eacute uma forma de investigaccedilatildeo Alguns filoacutesofos e ativistas argumentaram por exemplo que criar animais soacute para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que portanto eacute injustificado e imoral Seraacute que tecircm razatildeo Natildeo podemos decidir consultando os nossos preconceitos Estatildeo envolvidas muitas questotildees Por exemplo temos obrigaccedilotildees morais para com outras espeacutecies ou o sofrimento humano eacute o uacutenico realmente mau Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne Alguns vegetarianos vivem ateacute idades muito avanccediladas Seraacute que este fato mostra que as dietas vegetarianas satildeo mais saudaacuteveis Ou seraacute irrelevante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tendo em conta que alguns natildeo vegetarianos tambeacutem vivem ateacute idades muito avanccediladas (Eacute melhor perguntarmos se haacute uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem ateacute idades avanccediladas) Teratildeo as pessoas mais saudaacuteveis tendecircncia para se tornarem vegetarianas ao contraacuterio das outras Todas estas questotildees tecircm de ser apreciadas cuidadosamente e as respostas natildeo satildeo a partida oacutebvia (WESTON 1996 p 5)

A arte retoacuterica e a oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausiacuteveis no que se refere agrave arguiccedilatildeo e exposiccedilatildeo de ideias A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento uma convicccedilatildeo ou um projeto Este meacutetodo de persuasatildeo pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas vaacuterias especificidades ou pode servir para enganar ludibriar e prejudicar outras pessoas

Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retoacuterica e da oratoacuteria Platatildeo e Aristoacuteteles cada qual ao seu modo procuraram estabelecer criteacuterios ou maneiras para evitarmos destruir a existecircncia alheia Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias inquiriu o mesmo sobre a implicaccedilatildeo moral de determinadas posturas retoacutericas Assim a arte da persuasatildeo natildeo eacute um vale-tudo mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questotildees que queremos discutir Aristoacuteteles defendeu uma separaccedilatildeo entre retoacuterica e oratoacuteria para que ficasse claro qual estilo de argumentaccedilatildeo o indiviacuteduo estava praticando Deste modo a retoacuterica serviria para desenvolvermos raciociacutenios claros e silogiacutesticos sobre um assunto especiacutefico enquanto que a oratoacuteria serviria para expormos poesias e formas literaacuterias de estilo proacuteprio

Assim conforme aponta Platatildeo no diaacutelogo Goacutergias devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retoacuterica

A finalidade da retoacuterica e da oratoacuteria consiste justamente

na tentativa do convencimento

alheio para podermos transmitir

um pensamento uma convicccedilatildeo ou

um projeto

A QUE SE REFERE UM DISCURSO ndash TRECHO DE PLATAtildeO

Soacutecrates mdash Entatildeo diz a respeito de quecirc A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retoacuterica

Goacutergias mdash Aos negoacutecios humanos Soacutecrates e os mais importantes

Soacutecrates mdash Mas isso Goacutergias tambeacutem eacute ambiacuteguo e nada preciso Creio que jaacute ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeraccedilatildeo dos bens e dizer que

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

o melhor bem eacute a sauacutede o segundo ser belo e o terceiro conforme se exprime o poeta da cantilena enriquecer sem fraude

Goacutergias mdash Jaacute ouvi mas a que vem isso

Soacutecrates mdash Eacute que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena a saber o meacutedico o pedoacutetriba e o economista e falasse em primeiro lugar o meacutedico Soacutecrates Goacutergias te engana natildeo eacute sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens poreacutem a minha E se eu lhe perguntasse Quem eacutes para falares dessa maneira Sem duacutevida responderia que era meacutedico Queres dizer com isso que o produto de tua arte eacute o melhor dos bens Como poderia Soacutecrates deixar de secirc-lo se se trata da sauacutede Haveraacute maior bem para os homens do que a sauacutede E se depois dele por sua vez falasse o pedoacutetriba Muito me admiraria tambeacutem Soacutecrates se Goacutergias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha A esse do meu lado eu perguntara Quem eacutes homem e com que te ocupas Sou professor de ginaacutestica me diria e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto Depois do pedoacutetriba falaria o economista quero crer num tom depreciativo para os dois primeiros Considera bem Soacutecrates se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza tanto na atividade de Goacutergias como na de quem quer que seja Como Decerto lhe perguntaacuteramos eacutes fabricante de riqueza Responderia que sim Quem eacutes entatildeo Sou economista E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza Voltariacuteamos a falar-lhe Como natildeo me responderia No entanto lhe diriacuteamos o nosso Goacutergias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua Eacute fora de duacutevida que a seguir ele me perguntaria Que espeacutecie de bem eacute esse Goacutergias que o diga Ora bem Goacutergias imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor

Goacutergias mdash Que eacute de fato o maior bem Soacutecrates e a causa natildeo apenas de deixar livres os homens em suas proacuteprias pessoas como tambeacutem de tornaacute-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades

Soacutecrates mdash Que queres dizer com isso

Goacutergias mdash O fato de por meio da palavra poder convencer os juiacutezes no tribunal os senadores no conselho e os cidadatildeos nas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

assembleias ou em toda e qualquer reuniatildeo poliacutetica Com semelhante poder faraacutes do meacutedico teu escravo e do pedoacutetriba teu escravo tornando-se manifesto que o tal economista natildeo acumula riqueza para si proacuteprio mas para ti que sabes

Fonte Platatildeo (2005 p 6-7)

A serventia do pensamento retoacuterico e da oratoacuteria tambeacutem varia conforme o repertoacuterio do sujeito que se dispotildee a praticar tal arte Se considerarmos um sujeito de aptidotildees variadas e qualidades profissionais e acadecircmicas bem desenvolvidas a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existecircncia Por outro lado se considerarmos um sujeito que possui restriccedilotildees intelectuais e profissionais natildeo poderemos concluir a mesma coisa Lembremos que natildeo estamos falando de condiccedilotildees sociais nos referimos ao interesse profissional e acadecircmico de cada indiviacuteduo

Por isso a retoacuterica serve a diversos fins dependendo como jaacute disseram os filoacutesofos relativistas gregos do contexto em que estaacute inserida Conforme aponta Protaacutegoras ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo artes distintas que servem conforme a conveniecircncia humana Este modo de pensar eacute atual e estaacute presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e natildeo nos preocupamos com os problemas alheios

Natildeo eacute de hoje a presenccedila da retoacuterica entre noacutes no cotidiano Na Antiguidade observamos argumentaccedilotildees puacuteblicas debates e relaccedilotildees costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitaccedilotildees

No periacuteodo chamado de Idade Meacutedia a retoacuterica foi usada como meacutetodo de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo a tradiccedilatildeo platocircnica em Agostinho e aristoteacutelica em Tomaacutes de Aquino A apropriaccedilatildeo desta arte no pensamento medieval cedeu devido agrave necessidade de impor e apresentar o meio de interpretaccedilatildeo dos textos sagrados visto que a comunidade estava imersa na visatildeo de mundo do catolicismo

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Ao retomarem as ideias platocircnicas os exegetas do periacuteodo chamado primeira Idade Meacutedia ateacute o seacuteculo IX desenvolveram meacutetodos e sugestotildees de interpretaccedilatildeo fundados na ideia de convencimento alheio Configura-se neste periacuteodo uma grande ecircnfase na retoacuterica argumentativa que quer persuadir o outro sobre uma verdade que estaacute sendo transmitida

Jaacute os seguidores da tradiccedilatildeo aristoteacutelica desenvolveram uma retoacuterica e uma oratoacuteria mais sofisticadas com diferentes gecircneros e estruturas formais Tomaacutes de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teoloacutegico utilizando o princiacutepio da refutaccedilatildeo de provas fundado por Aristoacuteteles bem como seguiu a divisatildeo proposta por Aristoacuteteles

Percebemos neste periacuteodo que a retoacuterica e a oratoacuteria encontram-se submersas em meio a toda a discussatildeo teoloacutegica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregaccedilotildees dentro das igrejas

Este processo comumente chamado de adoccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade remonta ao livro da criaccedilatildeo pois eacute no livro dos Gecircneses 217 que Deus faz uma pregaccedilatildeo ldquoporque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morreraacutesrdquo isso significa que tambeacutem o Criador utilizou de argumentos retoacutericos para explicar a sua criaccedilatildeo para suas criaturas Assim a retoacuterica e a oratoacuteria no periacuteodo chamado de medieval estatildeo embebidas por conteuacutedos religiosos

Verificamos pregaccedilotildees por todo esse periacuteodo desde Agostinho (354-430 dC) ateacute o seacuteculo XV Esse periacuteodo eacute claramente marcado pela eloquecircncia fervor e tentativa de persuasatildeo que resultou na expansatildeo do modelo de religiatildeo por grande parte do mundo conhecido Podemos atribuir a retoacuterica da predicaccedilatildeo a Agostinho e organizaccedilatildeo do Trivium grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade como constituintes da estrutura da retoacuterica Tambeacutem os seguidores de Aristoacuteteles desencadearam classificaccedilotildees e tipificaccedilotildees para os estudos biacuteblicos A principal mudanccedila que esses fizeram foi adaptar o princiacutepio do verossiacutemil transformando de uma possibilidade para uma verdade uacuteltima e dogmas Merece destaque o teoacutelogo Isidoro (560-636) que dividiu a retoacuterica em exoacuterdio narraccedilatildeo argumentaccedilatildeo e por uacuteltimo conclusatildeo Esta divisatildeo didaacutetica da retoacuterica serve para fins de entendimento da interpretaccedilatildeo dos diferentes pensadores sobre o problema da separaccedilatildeo das partes da retoacuterica

Muitos satildeo os autores que nesta eacutepoca configuraram uma retoacuterica cristatilde O que podemos entender eacute que haacute uma imensa variedade de soluccedilotildees para problemas teoloacutegicos apresentados durante a chamada Idade Meacutedia Assim percebemos que a adoccedilatildeo de princiacutepios platocircnico-aristoteacutelicos configurou por volta do seacuteculo XIII a retoacuterica comumente usada nos sermotildees Essa nova oratoacuteria servia muito bem para convencer os coraccedilotildees dos fieacuteis e lhes trazer o conforto

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Oratoacuteria e Retoacuterica

religioso Neste periacuteodo se incluiacuteram faacutebulas ou pequenas histoacuterias durante o sermatildeo para que os fieacuteis geralmente leigos pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva

A funccedilatildeo desta formulaccedilatildeo retoacuterica pode ser resumida em trecircs partes 1) ler o texto 2) discutir o texto e 3) fazer uma pregaccedilatildeo Esta divisatildeo serve ateacute nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica em uma faculdade de Teologia Os sermotildees mais elaborados ocorriam nas universidades medievais mas nas igrejas especialmente nos finais de semana podiacuteamos observar pregaccedilotildees com organizaccedilatildeo e estrutura retoacuterica Um exemplo eacute o estudo biacuteblico em que se pode utilizar deste meacutetodo retoacuterico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto

Neste sentido a retoacuterica claacutessica se expandiu na chamada Idade Meacutedia e configurou um imenso campo de discussatildeo que outrora estava restrito agrave Greacutecia ou a Roma

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos Veja a seguir

1 Transmitir uma mensagem nesta perspectiva a retoacuterica serve aos indiviacuteduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendecirc-las2 Persuadir os interlocutores neste quesito a retoacuterica praticamente natildeo se modificou desde Platatildeo em seu diaacutelogo Goacutergias eacute que se encontra esta definiccedilatildeo

3 Finalidade este aspecto pode ser encontrado em Aristoacuteteles que com sua classificaccedilatildeo entendia que um discurso deve ter um propoacutesito um fim portanto ela serve agravequilo que tivermos como fim

A retoacuterica em nosso meio serve a diversas finalidades mas nem sempre percebemos Quando temos uma enfermidade e consultamos um meacutedico temos que convencecirc-lo atraveacutes de palavras e explicaccedilotildees de que sofremos de uma moleacutestia Caso nossa moleacutestia natildeo seja aparente entatildeo fica ainda mais difiacutecil pois ele precisa acreditar nos argumentos retoacutericos que noacutes propusemos para que continue a consulta e nos traga uma soluccedilatildeo para a moleacutestia

Este exemplo deixa claro como a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo presentes em nosso meio sem ao menos percebermos por isso sua finalidade vai aleacutem da produccedilatildeo e configuraccedilatildeo de discursos argumentos e debates

Se considerarmos a retoacuterica como parte do nosso meio perceberemos a importacircncia do estudo e da dedicaccedilatildeo a tal arte do bem falar proporcionando aos interlocutores e a noacutes maior qualidade e eficaacutecia na transmissatildeo de ideias

A serventia da retoacuterica se justifica por trecircs aspectos1 Transmitir uma

mensagem2 Persuadir os interlocutores3 Finalidade

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Se retomarmos o pensamento da retoacuterica claacutessica isto eacute da Antiguidade notaremos que quando organizamos um raciociacutenio conforme aponta Aristoacuteteles estamos organizando tambeacutem nossas proacuteprias ideias visto que em geral noacutes temos ideias desarticuladas e eacute pelo exerciacutecio da retoacuterica que conseguimos contrapor ideias e contribuiacutemos para o meacutetodo dialeacutetico que opotildee verdades Deste modo retirarmos algo provisoacuterio para montarmos nosso raciociacutenio

Sob esta oacutetica precisamos entender o que satildeo silogismos Aristoacuteteles explica que silogismos retoacutericos e dialeacuteticos satildeo os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo especiacutefico da razatildeo do contraacuterio seratildeo somente ideias desconexas Os raciociacutenios silogiacutesticos antes de qualquer coisa devem versar sobre algum assunto particular distinguindo-se lugares espeacutecies gecircneros e formas Para entendermos isto precisamos saber quais satildeo os gecircneros da retoacuterica segundo Aristoacuteteles Este assunto eacute um dos constituintes mais importantes da arte retoacuterica de modo que os elementos que compotildeem o gecircnero retoacuterico satildeo 1) O orador 2) o assunto 3) o ouvinte Sem estes elementos natildeo se faz a arte retoacuterica portanto o orador deve expor o seu discurso precisa estar atento ao seu assunto e os interlocutores precisam ouvir e por conseguinte saber distinguir as diversas finalidades de um discurso

Caracteriacutesticas da Arte de Falar Bem As caracteriacutesticas para desenvolvermos uma boa retoacuterica e uma boa oratoacuteria

podem ser resumidas em trecircs aspectos fundamentais 1) conteuacutedo do discurso 2) forma do discurso 3) objetivo do discurso

bull No primeiro elemento denominado conteuacutedo do discurso o orador

deve estar atento agrave formulaccedilatildeo retoacuterica dos argumentos Neste sentido o conteuacutedo deve abranger aquilo a que ele se propotildee e expor sem dificuldades e correccedilotildees ou ambiguidades

bull A segunda caracteriacutestica eacute a forma do discurso que deve deixar claro se os argumentos retoacutericos elencados pelo orador satildeo narrativos metafoacutericos paraacutebolas ou explicaccedilotildees cientiacuteficas como silogismos loacutegicos Isto significa que antes de comeccedilarmos um discurso e expor a forma que iremos usar pode ser falada qual eacute a forma ou durante a apresentaccedilatildeo expor esta forma

bull A terceira caracteriacutestica de uma boa formulaccedilatildeo retoacuterica eacute o objetivo de um discurso Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Dito isso seguimos a esteira dos passos iniciais da retoacuterica inaugurada pelos sofistas na Greacutecia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano Eacute no pensamento sofiacutestico que encontramos esboccedilo de gramaacutetica formas de prosa tanto ornada como erudita Segundo esses filoacutesofos natildeo haacute transmissatildeo da possibilidade da verdade em um debate isto eacute completamente contraacuterio ao ideal socraacutetico que sempre estaacute em busca de uma verdade

Esses pensadores desenvolveram caracteriacutesticas que a partir do Kairoacutes tempo oportuno possibilitaram entender que uma discussatildeo sempre estaacute tentando evitar a fuga das coisas ela se agarra agrave oportunidade de uma reacuteplica eis que haacute elementos substanciais para formulaccedilatildeo posterior da retoacuterica aristoteacutelica

Os sofistas constituiacuteram o fundamento da retoacuterica ocidental sob a ideia da controveacutersia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussotildees O mundo desses filoacutesofos sofistas natildeo tem realidade objetiva muito menos verdade para eles a uacutenica coisa viaacutevel eacute o discurso ou seja a retoacuterica Neste sentido dizer que um discurso eacute verdadeiro ou verossiacutemil eacute soacute um artifiacutecio retoacuterico para calar a boca de algueacutem

A retoacuterica inaugurada pelos sofistas natildeo estaacute abaixo do saber seu objetivo eacute o poder em outras palavras os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam ldquoa governar bem suas casas e suas cidadesrdquo (REBOUL 2004 p 10) Isso significa que o que importa eacute servir o poder

Sob esta perspectiva podemos entender que a retoacuterica satisfez agrave necessidade teacutecnica juriacutedica bem como a prova literaacuteria agrave filosofia e ao ensino na Greacutecia antiga Isoacutecrates pensador grego desenvolveu uma retoacuterica que abrange esses aspectos mencionados Em sua longa vida de 99 anos Isoacutecrates (436-338 aC) libertou a retoacuterica da sofiacutestica grega ele contribuiu para desenvolver e ampliar as caracteriacutesticas da arte retoacuterica Apoacutes sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa tendo ele escrito sua proacutepria defesa resolveu publicar o texto intitulado ldquoA trocardquo foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retoacuterica

Seu meacutetodo de ensino partia da reflexatildeo dos alunos com os quais ele sentava e discutia as questotildees corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos Segundo ele natildeo satildeo todas as pessoas que podem praticar a boa oratoacuteria deve haver algumas condiccedilotildees para que o sujeito possa desenvolver esta arte

Para ele eacute necessaacuterio aptidatildeo natural praacutetica constante e ensino sistemaacutetico para que se configure um bom orador Haacute uma clara discordacircncia entre ele e os

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

sofistas pois para Isoacutecrates natildeo se pode criar um bom orador apenas se pode aperfeiccediloar algueacutem com aptidatildeo para tal arte De acordo com Reboul Isoacutecrates queria um modelo de retoacuterica ldquosoacutebria clara precisa isenta de termos raros de neologismos de metaacuteforas brilhantes de ritmos marcados mas sutilmente bela e profundamente harmoniosardquo (REBOUL 2004 p 11)

Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber Isoacutecrates afirma que a retoacuterica deve seguir uma causa honesta e nobre Para ele as pessoas satildeo livres para bem usar os artifiacutecios retoacutericos mas devemos estar preocupados com a formaccedilatildeo moral e literaacuteria dos oradores para que estes natildeo caiam no acaso logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existecircncia Segundo ele o que nos distingue dos animais eacute a palavra e essa caracteriacutestica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos Neste sentido eacute a liacutengua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar agraves guerras

A retoacuterica eacute um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condiccedilatildeo de linguagem e arguiccedilatildeo persuasiva frente aos seus interlocutores O orador pode falar de virtudes paixotildees e outros assuntos com qualidade e precisatildeo caso saiba estruturar o seu discurso

A razatildeo de ser da retoacuterica que constitui uma das suas principais caracteriacutesticas eacute justamente o fato de ela querer convencer algueacutem logo ela aborda elementos que satildeo comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade O orador deve saber formular silogismos que satildeo raciociacutenios loacutegicos sobre as provas empiacutericas que ele escolher Um bom silogismo deve conter premissas plausiacuteveis sendo que natildeo pode haver confusatildeo entre as partes descritas

Um bom orador estabelece as caracteriacutesticas mais provaacuteveis para um acontecimento seu raciociacutenio sempre considera probabilidades e natildeo descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem Ele deve considerar todas as situaccedilotildees viaacuteveis e por eliminaccedilatildeo e contradiccedilatildeo sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstraacutevel

Para entendermos como se configurou a retoacuterica moderna devemos entender como se deu o processo de assimilaccedilatildeo durante o periacuteodo medieval pois este periacuteodo herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Claacutessica De acordo com Costa (2008)

Diretamente herdeira da Retoacuterica claacutessica a Retoacuterica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de trecircs fontes a Retoacuterica a Herecircnio a Doutrina oratoacuteria (Institutio oratoacuteria de Quintiliano [35-95]) e a tradiccedilatildeo cristatilde (desde Satildeo Jerocircnimo [340-420] ateacute Santo Agostinho [354-430])

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Um dos manuais de Retoacuterica mais estimados na Idade Meacutedia foi a Retoacuterica a Herecircnio (Rethorica ad Herennium) texto entatildeo atribuiacutedo a Ciacutecero (106-43 aC) mas na verdade de autor desconhecido Escrito no seacuteculo I antes de Cristo em meio agrave crise da Repuacuteblica romana o tratado natildeo deixava de destacar as teacutecnicas para se obter a docilidade e a benevolecircncia dos ouvintes ndash como eacute tiacutepico dos toacutepicos da Retoacuterica ndash mas as fundamentava no conceito de justiccedila e especialmente na diferenccedila entre o bem e o mal como se depreende nessa passagemConveacutem que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplaacute-la No debate poliacutetico a utilidade divide-se em duas partes a segura e a honesta [] A mateacuteria honesta divide-se em reto e louvaacutevel Reto eacute o que se faz com virtude e dever Subdivide-se em prudecircncia justiccedila coragem e modeacutestia Prudecircncia eacute a destreza que pode com certo meacutetodo discernir o bem e o mal []Esse soacutelido alicerce eacutetico exposto na Retoacuterica a Herecircnio tem por sua vez raiz em Aristoacuteteles (384-322 aC) Em sua Retoacuterica o Estagirita sustentou as bases filosoacuteficas da virtude da justiccedila do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retoacuterica [] os homens tecircm uma inclinaccedilatildeo natural para a verdade e a maior parte das vezes alcanccedilam-na E por isso ser capaz de discernir sobre o plausiacutevel eacute ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade [] Mas a retoacuterica eacute uacutetil porque a verdade e a justiccedila satildeo por natureza mais fortes que os seus contraacuterios De sorte que se os juiacutezos se natildeo fizerem como conveacutem a verdade e a justiccedila seratildeo necessariamente vencidas pelos seus contraacuterios e isso eacute digno de censura (COSTA 2008 p 31)

Essa assimilaccedilatildeo da retoacuterica no periacuteodo medieval permitiu que ela fosse

adotada para o acircmbito religioso As exegeses e sermotildees comeccedilaram a conter elementos da forma grega de argumentar Depois de algum tempo jaacute havia sistemas estruturados de interpretaccedilatildeo dos textos que permitiam anaacutelises e explicaccedilotildees detalhadas das escrituras sagradas

Um bom argumento deve conter raciociacutenios irrefutaacuteveis pois do contraacuterio natildeo chegaremos a uma conclusatildeo viaacutevel

Entre as caracteriacutesticas da retoacuterica gostariacuteamos de fazer uma pequena distinccedilatildeo entre a funccedilatildeo teoloacutegica e a funccedilatildeo filosoacutefica da retoacuterica Para a filosofia a retoacuterica deve elucidar argumentos filosoacuteficos e o conteuacutedo de seus conceitos permitindo ao puacuteblico e ao estudante desta arte uma compreensatildeo clara e distinta acerca dos problemas da filosofia

Na filosofia a arte da persuasatildeo deve servir agrave elucidaccedilatildeo dos grandes problemas teoacutericos e para exposiccedilatildeo de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais Os primeiros manuais de retoacuterica publicados por Coacuterax e Tiacutesias por volta do seacuteculo V aC formularam os elementos para tais exposiccedilotildees Jaacute Goacutergias (483-380 aC) valorizou o significado da palavra como fundadora pois para este eacute a palavra que comanda um exeacutercito faz um porto ou determina

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

a natureza de um Estado Durante este periacuteodo inuacutemeras caracterizaccedilotildees diferenciaram a retoacuterica mas em geral todas concordam que uma boa retoacuterica proporcionaraacute uma possibilidade de se formar um orador Neste sentido distinguimos a caracteriacutestica da retoacuterica de formular discursos da oratoacuteria que definimos pela arte de se expressar em puacuteblico

Na teologia a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram caracteriacutesticas de eloquecircncia nos sermotildees e nos debates teoloacutegicos Destacamos que os principais motivos desta formulaccedilatildeo remetem agrave tentativa de converter os infieacuteis e produzir uma interpretaccedilatildeo biacuteblica

De modo resumido podemos dizer que os modos de persuasatildeo ajudam os indiviacuteduos em um debate para que estes possam formular pela retoacuterica e expor pela oratoacuteria as suas verdades Se na Idade Meacutedia o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formaccedilatildeo humana na Modernidade percebemos uma pulverizaccedilatildeo destas artes e uma constante divisatildeo que gerou uma teacutecnica distinta do conteuacutedo da retoacuterica

Os significados de Trivium e Quadrivium satildeo respectivamente Os trecircs caminhos que levam ao homem a eloquecircncia 1) gramaacutetica 2) retoacuterica 3) loacutegica Quadrivium Os quatro caminhos para a sabedoria do homem que satildeo 1) aritmeacutetica 2) muacutesica 3) geometria 4) astronomia

Neste sentido se na Antiguidade e na Idade Meacutedia retoacuterica e oratoacuteria se articulavam e completavam-se formando uma aacuterea de saber na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificaccedilatildeo que resultou em uma retoacuterica especiacutefica para profissatildeo

Embora a Retoacuterica de Aristoacuteteles tenha sido pouco lida o fato eacute que a tradiccedilatildeo grega contraacuteria aos sofistas elevou a Retoacuterica agrave categoria de valor Mesmo Platatildeo (c 429-347 aC) tatildeo avesso agrave Retoacuterica em sua Repuacuteblica ideal fez Soacutecrates afirmar que ela para deixar de ser uma adulaccedilatildeo deveria estar a serviccedilo da filosofia da educaccedilatildeo como ldquoarte de guiar a alma por meio de raciociacutenios (Fedro 261a) para se chegar agrave verdade agrave justiccedila e ao bemrdquo Assim desde a filosofia de Platatildeo a verdadeira finalidade da Retoacuterica natildeo deveria ser o ato de agradar aos homens como defendiam os sofistas mas agradar a Deus (Fedro 273e)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Em outras palavras a tradiccedilatildeo claacutessica grega legou aos romanos a noccedilatildeo de que a verdadeira Retoacuterica deveria estar a serviccedilo da eacutetica e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retoacuterico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas accedilotildees com o intuito de infundir a justiccedila nas almas dos cidadatildeos fazendo com que neles reinassem a prudecircncia a moderaccedilatildeo e sobretudo desaparecesse o destempero todas as energias do Estado e do indiviacuteduo deveriam portanto dedicar-se agrave busca do bem natildeo agrave satisfaccedilatildeo dos desejos Esses pressupostos estatildeo muito presentes em Quintiliano afamadiacutessimo professor de Retoacuterica do primeiro seacuteculo de nossa era Ao escrever sua obra-prima em 95 dC a Doutrina oratoacuteria este romano-espanhol de Calahorra natildeo teve qualquer receio em seguir a tradiccedilatildeo de Catatildeo (234-149 aC) e definir em seu Livro XII o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer mas sobretudo um homem bom (ldquovir bonus dicendi peritusrdquo) particularmente por seus costumes Todo esse manancial eacutetico claacutessico que norteou a Retoacuterica foi generosamente sorvido pela tradiccedilatildeo cristatilde especialmente atraveacutes de Satildeo Jerocircnimo (c 340-420) e Santo Agostinho (354-430) que a retransmitiram aos medievais (Jerocircnimo atraveacutes de suas cartas e Agostinho em suas Confissotildees) Isidoro de Sevilha (560-636) por fim fortaleceu a ponte entre os dois mundos e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) agrave Retoacuterica e agrave Dialeacutetica Nele o bispo realizou uma importante compilaccedilatildeo de excertos e circunscreveu a Retoacuterica ao discurso forense sem contudo abandonar seu cariz eacutetico ldquoRetoacuterica eacute a ciecircncia do bem dizer nos assuntos civis com a eloquecircncia proacutepria para persuadir o justo e o bomrdquo Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Meacutedia A partir de entatildeo o estudo da Retoacuterica ficou restrito ao universo monaacutestico ou seja tanto educandos quanto educadores salvo rariacutessimas exceccedilotildees natildeo a colocavam em praacutetica Isso soacute ocorreria a partir do seacuteculo XI quando a Retoacuterica passou a ser utilizada na composiccedilatildeo de cartas e documentos e tornou-se uma epistolografia era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi) E foi dessa eacutepoca a defesa acadecircmica da Retoacuterica feita por Gilberto de la Porreacutee e Joatildeo de Salisbury contra os cornificianos (COSTA 2008 p 32)

Essa fragmentaccedilatildeo da retoacuterica apoacutes o seacuteculo XVII (Idade Moderna) conforme aponta Reboul (2004) Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica praticamente fez desaparecer do meio acadecircmico a disciplina de Retoacuterica Depois da metade do seacuteculo XX a retoacuterica se recuperou gradativamente mas o processo comeccedilou pelo acircmbito do marketing Aos poucos e de fora para dentro o debate sobre a retoacuterica recomeccedilou e em nossos dias jaacute temos algumas instituiccedilotildees de Ensino Superior que retomaram essa disciplina contudo no ensino baacutesico simplesmente se ignora o papel da retoacuterica e da oratoacuteria

Retoacuterica e Oratoacuteria em Nosso MeioPassamos agora a discutir um pouco o problema da retoacuterica em nosso

meio para entendermos que ela natildeo eacute uma coisa distante e sem sentido que foi esquecida por ser sem utilidade Para Duran (2009 p 9)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Trecircs autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retoacuterica e da eloquecircncia no Brasil do seacuteculo XIX Roberto de Oliveira Brandatildeo com seus estudos sobre os manuais de retoacuterica e poeacutetica brasileiros do seacuteculo XIX (1972) Roberto Aciacutezelo de Souza com o livro O Impeacuterio da Eloquecircncia Retoacuterica e Poeacutetica no Brasil Oitocentista (1999) e Eduardo Vieira Martins com a Fonte subterracircnea (2005) Roberto de Oliveira Brandatildeo selecionou os manuais e compecircndios de retoacuterica e poeacutetica publicados ao longo do seacuteculo XIX como seus objetos de estudo Sua preocupaccedilatildeo foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional Em trabalhos posteriores como no texto Os manuais de retoacuterica brasileiros do seacuteculo XIX (1988) o autor apresentou avanccedilos acerca dessa temaacutetica abordando a funccedilatildeo e a permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na educaccedilatildeo nacional Roberto Aciacutezelo de Souza por sua vez estudou a retoacuterica e a poeacutetica por meio dos planos de ensino da segunda metade do seacuteculo XIX no Coleacutegio Pedro II Souza esforccedilou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado tendo em vista algumas oraccedilotildees da eacutepoca e as praacuteticas educativas de entatildeo Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos agrave mudanccedila estrutural da disciplina que em meados de 1830 deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referecircncia e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair A permanecircncia da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura brasileira tambeacutem foi abordada nesta pesquisa a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e Joseacute de Alencar Em seus trabalhos esses trecircs autores referiram-se agrave segunda metade do seacuteculo XIX quando a disciplina jaacute possuiacutea certa uniformidade Entre suas fontes se pode encontrar manuais compecircndios planos de ensino registros de aulas decisotildees e ordens do Estado brasileiro fontes que lhes serviram como referecircncia para localizar a contribuiccedilatildeo que a retoacuterica e a eloquecircncia forneceram agrave educaccedilatildeo Quanto agrave formaccedilatildeo de um discurso brasileiro senatildeo de uma literatura nacional um deles recorreu a um literato da eacutepoca Joseacute de Alencar enquanto os demais mantiveram-se atentos agrave produccedilatildeo de uma literatura didaacutetica ou pedagoacutegica Excetuando a distinccedilatildeo de gecircnero pode-se afirmar que ambas possuiacuteam uma unidade prescritiva de caraacuteter edificante

Neste aspecto pensar a retoacuterica em nossas terras eacute importante para

sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadecircmico se manifestou ficando agrave literatura o papel de preservar sua existecircncia de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio Em alguns lugares do paiacutes foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos

A longevidade da retoacuterica e da eloquecircncia na cultura local foi garantida por meio dos perioacutedicos cariocas que a partir de 1822 tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em ldquoarrogar no coraccedilatildeo do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo aquela zelosa energia que constituem verdadeiro meacuterito moral e poliacutetico e acrisola decidido patriotismordquo (JORNAL SCIENTIacuteFICO ECONOMICO E LITERAacuteRIO 1826 NUacuteMERO 1 MAIO p 81) Regrada pela retoacuterica a comunicaccedilatildeo dos cariocas do primeiro quartel do seacuteculo XIX modelou uma

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Oratoacuteria e Retoacuterica

eloquecircncia que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular formal e temaacutetico para a invenccedilatildeo de uma literatura nacional e paralelamente de uma identidade brasileira (DURAN 2009 p 9)

Os jesuiacutetas contribuiacuteram de modo muito importante sobre a preservaccedilatildeo e difusatildeo da arte retoacuterica sobretudo no meio religioso Seus textos exegeacuteticos foram fundamentais para que as vertentes de retoacuterica e oratoacuteria se espalhassem no meio literaacuterio brasileiro

Foi publicado em 23 de dezembro de 1770 o Compecircndio histoacuterico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasatildeo dos denominados jesuiacutetas no Palaacutecio Nossa Senhora da Ajuda em Lisboa O opuacutesculo dava notiacutecia de aspectos do meacutetodo de ensino dos jesuiacutetas durante o seacuteculo XVIII nos cursos de Teologia Cacircnones Leis e Medicina da Universidade de Coimbra apresentando as mateacuterias conforme a sucessatildeo das aulas durante a semana Prima Terccedila e Veacutespera eram aulas permanentes que aconteciam respectivamente agraves segundas terccedilas e quartas-feiras certamente muito importantes a julgar pelo maior honoraacuterio pago aos mestres As quintas-feiras eram livres como na Franccedila e os domingos reservados para o descanso e a missa Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades geralmente as sextas-feiras quando se realizava a Noa Nas Catedrilhas Institutas ou Avicena que se seguiam irregularmente durante a semana realizava-se a revisatildeo dos temas jaacute estudados ou a leitura dos textos das proacuteximas aulas de Prima Terccedila ou Veacutespera Dedicadas a rememorar os temas jaacute discutidos tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a mateacuteria e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante O passante era na maioria dos casos um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiecircncia ou ainda um jovem receacutem-formado com as mesmas qualidades Aleacutem do passante havia o lente um tipo de mestre responsaacutevel pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Veacutespera antecedendo a explicaccedilatildeo do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terccedila A relevacircncia dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exerciacutecio contiacutenuo de memorizaccedilatildeo da mateacuteria pois a intenccedilatildeo era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importacircncia fato que num mundo de poucos impressos era um traccedilo distintivo de inteligecircncia Em todas as mateacuterias o estudo era guiado por uma obra de referecircncia impreterivelmente em latim A predominacircncia do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa liacutengua eram considerados os mais importantes e aprofundados Soma-se a isso a crenccedila de que o estudo da obra original das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor tinha maior meacuterito por constituiacuterem um conhecimento puro capaz de sustentar um saber genuiacuteno (DURAN 2009 p 15)

Aleacutem desse caraacuteter de decorar um assunto o ensinamento de um argumento

possibilita aos indiviacuteduos uma capacidade de memorizaccedilatildeo que os distingue dos demais visto que haacute poucos textos escritos nessa eacutepoca e a eloquecircncia com que se elencava um argumento fazia toda a diferenccedila quando se queria convencer algueacutem

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Segundo Duran (2009) para alguns pensadores do final do seacuteculo XVIII natildeo era mais possiacutevel seguir sem a disciplina de retoacuterica em nossos bancos escolares e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias

No sistema criado por Verney as mateacuterias Histoacuteria Geografia e Gramaacutetica deveriam ser acompanhadas da Retoacuterica depois disso Grego e mais Histoacuteria deveriam ser as mateacuterias dos anos subsequentes A Retoacuterica alinhavava esses saberes disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniotildees acerca das mateacuterias estudadas [O mestre de Retoacuterica] Logo mandaraacute compor alguma coisa em Portuguecircs comeccedilando por assuntos breves nos trecircs gecircneros de Eloquecircncia Comeccedilaraacute primeiro pelas cartas portuguesas dando somente aos rapazes o argumento delas e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua proacutepria liacutengua e contra a Gramaacutetica E por esta razatildeo eacute supeacuterfluo neste ano ler mais autores portugueses porque esta composiccedilatildeo eacute o melhor estudo que se pode fazer da liacutengua portuguesa Depois passaraacute ao estilo histoacuterico e tiraraacute algum argumento da mesma Histoacuteria que se explica pela manhatilde para que os estudantes a dilatem escrevendo o dito caso mui circunstanciado e variando isto segundo o arbiacutetrio do Mestre ou tambeacutem a descriccedilatildeo de um lugar e de uma pessoa ou coisa semelhante Em terceiro lugar segue-se dar-lhe algum argumento declamatoacuterio mas breve Para facilitar isto o melhor meio eacute este Quando o mestre propotildee algum argumento que se deve provar perguntaraacute ao rapaz que razotildees ele daacute sobre aquele ponto Ouccedila as que ele daacute e ajude-o a produzi-las pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY 1952 p 63) Para Verney o exerciacutecio repetido da comunicaccedilatildeo era propiacutecio para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do disciacutepulo Esse agora natildeo era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala natildeo se destinava somente aos grandes nem deveria seguir os padrotildees de apenas um uacutenico modelo por isso estudariam os discursos deliberativo demonstrativo e judicial e [] quando o estudante tiver bastante notiacutecia dos trecircs gecircneros de Eloquecircncia em tal caso pode empregar-se em compor Latim e isto pelo mesmo meacutetodo que o fez em Vulgar Nesta composiccedilatildeo latina natildeo teraacute dificuldade alguma visto ter vencido todas na composiccedilatildeo portuguesa somente lhe faltaratildeo as palavras latinas e frases particulares da liacutengua ao que deve acudir e suprir o Mestre emendando-as ou sugerindo-as Encomende tambeacutem aos rapazes que leiam muito as oraccedilotildees de Ciacutecero natildeo digo as Verrinas que satildeo enfadonhas e soacute se podem ler salteadas mas as outras mais faacuteceis e breves das quais com facilidade se passa para as outras E esta classe eacute necessaacuterio que frequentem todos os que estudam Latinidade porque sem ela nenhum pode entender e escrever bem Latim e com ela pode saber muita coisa uacutetil para todos os exerciacutecios da vida e principalmente para toda a sorte de estudos (VERNEY 1952 apud DURAN 2009 p 15)

O retorno da retoacuterica aos acircmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indiviacuteduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos fiacutesicos e materiais Com a retomada

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Oratoacuteria e Retoacuterica

da retoacuterica temos tambeacutem o retorno de figuras de linguagem comparaccedilotildees e estruturas mais rebuscadas

Platatildeo e AristoacutetelesSegundo Platatildeo a retoacuterica se caracteriza pela capacidade de persuasatildeo dos

interlocutores essa capacidade nos traz a atualidade do diaacutelogo em Goacutergias de Platatildeo acerca de uma educaccedilatildeo retoacuterica Embora estejamos enfeiticcedilados pela tecnologia quando encontramos algueacutem que sabe se expressar muito bem percebemos quatildeo importante eacute saber falar e organizar as ideias

No diaacutelogo Goacutergias Calicles e Soacutecrates iniciam a discussatildeo sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra e ao incorporarem Querefonte na discussatildeo Calicles propotildee ouvirmos o que Goacutergias pensa sobre o ato de dialogar Neste sentido Soacutecrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar Goacutergias se dispotildee a responder todas as perguntas gabando-se de que ningueacutem havia o pego desprevenido

Em determinado momento do diaacutelogo Soacutecrates inquire Goacutergias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequecircncias desta pois para Soacutecrates existe uma diferenccedila entre oratoacuteria e diaacutelogo sendo a oratoacuteria instrumento dos falaciosos Segundo Goacutergias ldquome prezo de serrdquo um bom orador (PLATAtildeO 1970 p 52) Ao se considerar como tal Goacutergias assume que eacute capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo Na sequecircncia do diaacutelogo Soacutecrates pede para que Goacutergias exponha sua arte de maneira clara e concisa Goacutergias concorda em expor esta oratoacuteria de que tanto se fala e compara concordando com Soacutecrates com a tecelagem e a muacutesica

Ao responder a Soacutecrates Goacutergias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes por exemplo a medicina pois a oratoacuteria natildeo trata de todas as palavras Segundo Goacutergias seguindo Soacutecrates a oratoacuteria capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem E aparece assim a primeira contradiccedilatildeo de Goacutergias que dissera haacute pouco no diaacutelogo com Soacutecrates que a oratoacuteria natildeo tem nada a ver com a medicina mas agora quando Soacutecrates reformula a questatildeo Goacutergias concorda que a medicina reflete sobre

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

as doenccedilas e por conseguinte usa a palavra Ao falarmos de moleacutestias segundo Soacutecrates utilizamos palavras tambeacutem faz uso de palavras a ginaacutestica que se refere ao corpo logo concluiacutemos que seguindo o raciociacutenio socraacutetico todas as demais artes utilizam palavras para se expressar e surge a principal questatildeo ateacute o momento ldquopor que natildeo dar o nome de oratoacuteria agraves demais artesrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54) A resposta de Goacutergias eacute que as demais artes trabalham com as matildeos enquanto a oratoacuteria eacute a arte da palavra isto eacute ldquosua atividade e operaccedilatildeo se realizam todas por meio de palavrasrdquo (PLATAtildeO 1970 p 54)

Na sequecircncia do diaacutelogo a discussatildeo se encaminha para artes que usam as palavras sendo que a oratoacuteria natildeo abarca estas atividades Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmeacutetica que usam termos palavras e sinais na escrita mas em nenhum momento se expressam sendo que a estas tambeacutem natildeo chamamos de oratoacuteria logo a oratoacuteria eacute a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras

Devemos questionar agora se a oratoacuteria possui realmente este poder de persuasatildeo defendido por Platatildeo na obra que estamos utilizando para aplicar o debate Para Goacutergias a palavra eacute uma das formas que pode congregar cidadatildeos e colocar todos os demais que natildeo dominam esta arte sob seus peacutes Eacute a arte retoacuterica do uso das palavras que pode convencer as massas ldquoCom ecircnfase exalta Goacutergias a sua arte Na apologia Soacutecrates conta como saiacutera a interrogar os homens que passavam por saacutebios poliacuteticos poetas artiacutefices cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientiacutessimo nos demais domiacuteniosrdquo (PLATAtildeO 1970 p 59) Aqui a palavra massa natildeo tem nenhuma referecircncia moderna Eacute uma referecircncia agrave assembleia grega

Neste sentido a retoacuterica eacute um modo de persuasatildeo que cria convicccedilotildees nos interlocutores Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasatildeo A persuasatildeo que eacute uma consequecircncia da oratoacuteria eacute o convencimento por meio de bons argumentos retoacutericos e o bom uso da oratoacuteria No diaacutelogo Soacutecrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim e mais se a arte pode produzir uma persuasatildeo parecida ou igual agrave da retoacuterica Antes de continuar esta reflexatildeo sobre a persuasatildeo precisamos explicar que existe uma diferenccedila entre persuasatildeo didaacutetica e persuasatildeo pateacutetica A didaacutetica se refere ao convencimento do intelecto enquanto a pateacutetica indica um convencimento mediante as emoccedilotildees

Seguindo a linha de raciociacutenio de Soacutecrates no diaacutelogo com Goacutergias entendemos que outras artes tambeacutem produzem o convencimento cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retoacuterica produz Para responder a isso Goacutergias diz que a persuasatildeo produzida pela oratoacuteria eacute aquela que se refere ao justo e ao injusto

Percebemos que a oratoacuteria referida por Goacutergias eacute aquela juriacutedica e que estaacute restrita aos tribunais Soacutecrates distingue dois tipos de persuasatildeo 1) a crenccedila sem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

o saber e 2) a ciecircncia logo conclui-se que o orador fala da crenccedila e natildeo da ciecircncia visto que no tribunal ele natildeo expotildee o que eacute justo e injusto simplesmente quer convencer os interlocutores

Neste sentido devemos indagar assim como Soacutecrates indagou Goacutergias que proveito haacute em estudar esta arte retoacuterica A resposta a esta pergunta eacute a seguinte quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente procuramos um profissional meacutedico quando queremos falar bem procuramos um especialista em oratoacuteria Assim quem aprende uma habilidade como esta ou seja a arte retoacuterica estaacute habilitado a discutir com qualquer pessoa pois domina os conceitos Deste modo cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis

Ateacute agora a exposiccedilatildeo da arte retoacuterica e o modelo de oratoacuteria em Platatildeo situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso de modo a permitir que o estudante entenda a retoacuterica como uma forma de construccedilatildeo de argumentos e a retoacuterica como um modo de persuasatildeo dos interlocutores O diaacutelogo platocircnico Goacutergias trouxe a discussatildeo para o patamar da escolha individual de cada indiviacuteduo assim eacute o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo

Seguindo o diaacutelogo platocircnico Soacutecrates retoma a questatildeo que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador Nesta perspectiva Goacutergias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posiccedilatildeo O diaacutelogo se inclina agora para a discussatildeo da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquecircncia de um orador Neste aspecto Soacutecrates pede a Goacutergias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratoacuteria Goacutergias concorda seguindo em tudo o que Soacutecrates diz a respeito do conhecimento de um orador Concluindo este raciociacutenio Soacutecrates e Goacutergias concordam que a oratoacuteria eacute um tipo de arte injusta

No pensamento platocircnico o debate acerca da retoacuterica e da oratoacuteria remete ao diaacutelogo Goacutergias apontando na direccedilatildeo esteacutetica e literaacuteria ldquoNascido por volta do ano 485 aC Goacutergias viveu 109 anos sobrevivendo pois a Soacutecrates Tambeacutem siciliano e disciacutepulo de Empeacutedocles em 427 aC foi para Atenas numa embaixada diz-se que ali sua eloquecircncia encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltariardquo (REBOUL 2004 p 4) Percebemos aqui como a arte retoacuterica ganhou forccedila a partir dos textos e argumentaccedilotildees neste periacuteodo citado Ateacute entatildeo na Greacutecia literatura e poesia eram consideradas idecircnticas Por sua vez a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Goacutergias criou o discurso epidictieo que significa um elogio puacuteblico tambeacutem desenvolveu uma prosa eloquente que com suas rimas metaacuteforas e periacutefrases formula um modelo que captura os espectadores Citamos um exemplo de tamanha eloquecircncia o Elogio de Helena que era uma mulher perfeita bela esposa de Menelau que permitiu ser capturada por Paacuteris lanccedilando os gregos em uma guerra de uma deacutecada Goacutergias expotildee a beleza de Helena em um discurso proferido ao puacuteblico na eacutepoca da guerra no texto Goacutergias daacute as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada Dentre elas destacamos algumas foi um decreto dos deuses ou foi o destino teria ela sido levada agrave forccedila Ou convencida por belas palavras E ainda o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos

Para Goacutergias Helena foi convencida pela arguiccedilatildeo de um belo discurso e como tal natildeo eacute culpada Goacutergias defende Helena como pretexto para defender a retoacuterica ldquoO discurso eacute um tirano poderosiacutessimo esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisiacutevel alccedila agrave plenitude as obras divinas porque a palavra pode pocircr fim ao medo disse para a tristeza estimular a alegria aumentar a piedade (GOacuteRGIAS apud REBOUL 2004 p 5)

Para Goacutergias Helena eacute inocente pois ela natildeo pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos logo para Goacutergias a argumentaccedilatildeo sofiacutestica de que um ato involuntaacuterio natildeo implica em culpa Assim a arte retoacuterica expressa na oratoacuteria de Goacutergias passou a ser chamada de sofista

Eis aiacute um dos momentos marcantes da retoacuterica antiga pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquecircncia e sua arte de convencimento Inaugura-se neste periacuteodo um modo de educaccedilatildeo intelectual profundo que natildeo tem a ver com uma profissatildeo ou religiatildeo pois era o conhecimento pelo conhecimento em outras palavras Goacutergias deu agrave retoacuterica a capacidade de falar do belo

Aleacutem do debate entre Platatildeo e Goacutergias protagonizado por Soacutecrates e seus interlocutores temos outros preacute-socraacuteticos que desenvolveram a retoacuterica como a arte de argumentar Destacamos a figura de Protaacutegoras de Abdera (486-410 aC) como um destes representantes que aleacutem de defender o agnosticismo formulou a famosa maacutexima retoacuterica em relaccedilatildeo agrave moral ldquoo homem eacute a medida de todas as coisas das que satildeo enquanto satildeo e das que natildeo satildeo enquanto natildeo satildeordquo No que se refere aos seres sagrados ou deuses Protaacutegoras formulou ldquoquanto aos deuses natildeo estou em condiccedilatildeo de saber se existem ou natildeo existem nem mesmo o que satildeordquo (REBOUL 2004 p 7) Este pensamento retoacuterico lhe custou a pena de morte mas como tinha medo da morte fugiu

Quanto agrave oratoacuteria e agrave retoacuterica a principal preocupaccedilatildeo de Protaacutegoras era com os substantivos suas formas e variaccedilotildees Tambeacutem desenvolveu uma nova gramaacutetica e fundou a eriacutestica que significa a contraposiccedilatildeo de ideias resultando tempos depois na dialeacutetica Por eacuteris Protaacutegoras entendeu que uma boa discussatildeo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

deve conter ideias contraditoacuterias visto que em grego a palavra eriacutestica vem de eacuteris que significa controversa Desta maneira segundo Protaacutegoras qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando eis que esta eacute a condiccedilatildeo da teacutecnica eriacutestica ou seja os modos e formas para vencer um debate A discussatildeo e a controveacutersia mediante o uso da retoacuterica e da oratoacuteria eacute que conferem a condiccedilatildeo de um debate

Estas caracteriacutesticas que elencamos ateacute agora representam a propedecircutica ou preparaccedilatildeo para iniciar a discussatildeo acerca do fundamento da retoacuterica e da oratoacuteria Em Aristoacuteteles a retoacuterica se configura em diaacutelogo com a dialeacutetica Neste sentido ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado

No pensamento retoacuterico aristoteacutelico haacute uma distinccedilatildeo entre saber como arte e conhecimento como ciecircncia No desenvolvimento da retoacuterica desde Aristoacuteteles ateacute nossos dias ocorreu uma transformaccedilatildeo desta que passou da arte persuasiva para uma hermenecircutica interpretativa

Retomamos o cuidado com o significado da retoacuterica e da oratoacuteria em nossos tempos Em Aristoacuteteles a retoacuterica natildeo eacute simplesmente persuadir ou convencer os outros ela eacute tambeacutem fruto da experiecircncia de vaacuterios oradores que desenvolvem teacutecnicas para melhorar e exercitar esta arte A tradiccedilatildeo grega desde Homero sempre se preocupou em formular bons argumentos retoacutericos e excelentes oradores assim aleacutem de agir heroicamente as personagens gregas deviam falar bem

Inuacutemeros satildeo os exemplos na histoacuteria grega que relatam estes acontecimentos Todo o processo de transformaccedilatildeo da oratoacuteria grega passa basicamente por Platatildeo Isoacutecrates e Aristoacuteteles chegando agraves legiotildees romanas atraveacutes de Ciacutecero que com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano imortalizou a retoacuterica no meio latino De acordo com Lausberg (1960) nunca houve um sistema retoacuterico claacutessico isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indiviacuteduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retoacuterica e da oratoacuteria

Para explicarmos de maneira resumida as definiccedilotildees de retoacuterica elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento mas todas essas definiccedilotildees concordam em um ponto a retoacuterica possui fins persuasivos

a) A definiccedilatildeo de Coacuterax Tisias Goacutergias Platatildeo segundo estes a retoacuterica eacute geradora de persuasatildeo

b) Aristoacuteteles eacute capaz de descobrir as formas de persuasatildeo sobre um assunto

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) Hermaacutegoras eacute a forma de bem falar no que tange aos assuntos puacuteblicos

d) Quintiliano retoacutericos estoicos que significa a ciecircncia de falar bem

Essas definiccedilotildees partem do princiacutepio de que retoacuterica eacute um corpo de conhecimento ou meacutetodo para se expressar bem assim como pensamos a retoacuterica devemos levar em conta os seus usos No que tange agrave finalidade de um discurso natildeo haacute muita diferenccedila entre o acircmbito teoacuterico e praacutetico da eloquecircncia

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo caminham juntas

Passamos agora ao entendimento de retoacuterica segundo Aristoacuteteles que escreveu em seu livro Retoacuterica sobre os fins persuasivos desta arte e no livro Poeacutetica defende a evocaccedilatildeo imaginaacuteria para discursos poeacuteticos e literaacuterios Faz assim uma distinccedilatildeo fundamental entre o caraacuteter retoacuterico e o poeacutetico

Percebemos aqui uma severa criacutetica de Aristoacuteteles para os seus antecessores que mantinham unidas dimensotildees tatildeo distintas A novidade apresentada por Aristoacuteteles eacute a presenccedila do argumento loacutegico logo haacute uma relaccedilatildeo entre prova raciociacutenio silogismo e argumentaccedilatildeo persuasiva Este meacutetodo serve tanto agraves ciecircncias empiacutericas quanto agrave filosofia e aleacutem disso pode ser usado tambeacutem para interpretar textos

Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em sete partes 1) A distinccedilatildeo de duas categorias formais de persuasatildeo provas teacutecnicas e natildeo teacutecnicas 2) Identificaccedilatildeo de trecircs meios de prova [] a loacutegica do assunto o caraacuteter do orador e a emoccedilatildeo dos ouvintes 3) A distinccedilatildeo de trecircs espeacutecies de retoacuterica judicial deliberativa e epidiacutectica 4) A formulaccedilatildeo de duas categorias retoacutericas entimema prova dedutiva o exemplo usado na argumentaccedilatildeo indutiva [] 5) A concepccedilatildeo e o uso de vaacuterias categorias de toacutepicos na construccedilatildeo dos argumentos toacutepicos de cada gecircnero de discurso toacutepicos aplicaacuteveis a todos os gecircneros e toacutepicos de estrateacutegias de argumentaccedilatildeo 6) concepccedilatildeo de normas baacutesicas de estilo e composiccedilatildeo nomeadamente de clareza agrave compreensatildeo de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicaccedilatildeo do papel da metaacutefora 7) a classificaccedilatildeo e ordenaccedilatildeo das vaacuterias partes do discurso (ARISTOacuteTELES 2005 p 35)

Queremos deixar claro que retoacuterica e oratoacuteria satildeo formas

de comunicaccedilatildeo que compartilham teacutecnicas mas se

distinguem enquanto execuccedilatildeo Agrave retoacuterica cabe a elaboraccedilatildeo

e agrave oratoacuteria a apresentaccedilatildeo de um argumento Desta maneira a formulaccedilatildeo e a exposiccedilatildeo

caminham juntas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A classificaccedilatildeo proposta por Aristoacuteteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades

A sistematizaccedilatildeo de regras do discurso observando ao mesmo tempo as interaccedilotildees necessaacuterias aos trecircs elementos envolvidos o orador o ouvinte e o objeto do discurso teve por finalidade dar consistecircncia a essa teacutecnica inserindo-a no campo das artes Esse era sem duacutevida o objetivo de Aristoacuteteles no seu tratado sobre a arte retoacuterica e a arte poeacutetica retirar das sombras essa parte da dialeacutetica ndash como o autor considerava a retoacuterica ndash neutralizando de certo modo algumas acusaccedilotildees como as de Platatildeo sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA 2012 p 7)

Se quisermos falar a um puacuteblico ou a um grupo seleto de pessoas devemos escolher o meacutetodo apropriado e o estilo conforme a classificaccedilatildeo aristoteacutelica indica Para o pensador grego retoacuterica e oratoacuteria se complementam mas satildeo distintas enquanto sua finalidade pois a retoacuterica serve para a boa formulaccedilatildeo de raciociacutenio e a oratoacuteria possui uma finalidade literaacuteria que implica na beleza do discurso

Atividades de Estudos

1) Leia o texto indicado a seguir e responda agraves questotildees

Artigo Retoacuterica e nova retoacuterica a tradiccedilatildeo grega e a teoria da argumentaccedilatildeo de Chaim Perelman Disponiacutevel em lthttpwwwegovufscbrportalsitesdefaultfilesanexos25334-25336-1-PBpdfgt

a) O que eacute retoacuterica ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

b) Para que serve a retoacuterica ____________________________________________________

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

c) O que eacute oratoacuteria ____________________________________________________

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

d) Para que serve a oratoacuteria ____________________________________________________

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O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma caracteriacutestica humana que diferencia

pessoas de qualidade daquelas com outras aptidotildees A retoacuterica e a oratoacuteria ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem e por isso merecem a nossa atenccedilatildeo

Ao falar temos diferentes opccedilotildees para nos expressarmos podemos optar pelo cinismo pelo relativismo pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmaacutetica A escolha que fizermos implicaraacute em um modo de exposiccedilatildeo dos argumentos e justificaccedilatildeo das ideias e consequentemente em implicaccedilotildees morais

Conforme jaacute apontamos a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo possuem necessariamente um compromisso com a verdade pois satildeo uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem A transmissatildeo de uma mensagem atraveacutes de argumentos ou pela exposiccedilatildeo loacutegica de ideias pode levar em conta uma verdade por exemplo como ocorre com Platatildeo que tem em vista uma verdade uacuteltima que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias Por outro lado falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referecircncia agrave verdade conforme aponta Protaacutegoras Para este filoacutesofo grego a verdade eacute inatingiacutevel e por isso natildeo existe nada a ser transmitido neste sentido o que haacute eacute a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos

A verdade e a retoacuterica natildeo andam juntas o tempo todo agraves vezes elas se aproximam e agraves vezes elas se distanciam Neste sentido somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam

No acircmbito cotidiano a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante relaccedilatildeo com a verdade mas geralmente passam desapercebidas Quando estamos no trabalho

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ou em um conviacutevio social de lazer somos inquiridos e formulamos respostas nem percebemos que este exerciacutecio eacute o mesmo que em pequena escala um modo de fazer retoacuterica e oratoacuteria Por exemplo vocecirc quer convencer seu chefe de que um projeto seu eacute bom para a empresa vocecirc usaraacute argumentos retoacutericos e a forma como os apresentar seraacute a sua oratoacuteria

Eacute Aristoacuteteles quem define a retoacuterica com mais modeacutestia do que Platatildeo e os sofistas reabilitando assim uma visatildeo sistemaacutetica que se incorpora no mundo Aristoacuteteles dividiu a retoacuterica em quatro partes a primeira parte chamou de invenccedilatildeo a segunda denominou de disposiccedilatildeo agrave terceira parte deu o nome de elocuccedilatildeo e agrave quarta denominou de accedilatildeo Esta divisatildeo permaneceu vaacutelida ateacute nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores

Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes

bull A invenccedilatildeo do grego se chama de heureacutesis eacute o modo como o orador articula a persuasatildeo como o tema do discurso aspectos satildeo os meios de persuasatildeo presentes no tema que iratildeo contribuir para a organizaccedilatildeo do discurso

bull A disposiccedilatildeo em grego taxis eacute o modo como se organizam estes argumentos ou o plano interno do discurso Nesta parte haacute uma necessidade de organizaccedilatildeo para que possamos perceber a sequecircncia dos argumentos

bull A elocuccedilatildeo do grego lexiseacute o estilo do discurso Posteriormente alguns autores chamaram estas formas de expressatildeo de um discurso de figuras de estilo

bull Por fim a accedilatildeo do grego hypocrisis eacute a expressatildeo do discurso pela voz com gestos ou miacutemicas Lembramos que no periacuteodo romano acresceu-se a memoacuteria

Para o indiviacuteduo que deseja formular um bom discurso de retoacuterica e oratoacuteria lembramos que caso negligencie um destes elementos sua retoacuterica e oratoacuteria seraacute inaudiacutevel mal escrita ou vazia No cotidiano chamamos isso de opiniotildees de senso comum que satildeo desarticuladas e sem sentido

Quando falamos em verdade e retoacuterica devemos lembrar que para Aristoacuteteles a retoacuterica eacute parecida ou ao menos comparada com a dialeacutetica Usamos a definiccedilatildeo de dialeacutetica expressa no coro grego que canta uma estrofe e na sequecircncia ouve a antiacutestrofe (ARISTOacuteTELES 2005 p 36)

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Eacute na contraposiccedilatildeo de verdades que a retoacuterica adquire sua utilidade segundo Aristoacuteteles A utilidade da retoacuterica se daacute justamente por causa da sua capacidade argumentativa Por isso um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate visto que temos que considerar as evidecircncias e os meios de persuasatildeo Para determinar a natureza da retoacuterica Aristoacuteteles afirma

[] a retoacuterica eacute a outra face da dialeacutetica pois ambas se ocupam de questotildees mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e natildeo correspondem a nenhuma ciecircncia em particular De fato todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento defender-se ou acusar (ARISTOacuteTELES 2005 p 89)

Assim as pessoas praticam a retoacuterica com o resultado do haacutebito no cotidiano

sem se dar conta do oacutebvio

Queremos esclarecer que aqui falamos da retoacuterica e da oratoacuteria como um meacutetodo para elaboraccedilatildeo estruturaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos mas algo que valorize a experiecircncia praacutetica do indiviacuteduo Segundo Aristoacuteteles

[] os que ateacute hoje compuseram tratados de retoacuterica ocuparam-se apenas de uma parte desta arte pois soacute os argumentos retoacutericos satildeo proacuteprios dela e todo o resto eacute acessoacuterio Eles poreacutem nada dizem dos entimemas que satildeo afinal o corpo da prova antes dedicam maior parte de seus tratados a questotildees exteriores ao assunto porque o ataque verbal a compaixatildeo a ira e outras paixotildees da alma semelhantes a estas natildeo afetam o assunto mas sim o juiz (ARISTOacuteTELES 2005 p 90)

Ao expor esta dificuldade Aristoacuteteles chama a atenccedilatildeo para a necessidade

de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para por intermeacutedio da retoacuterica esclarecer os problemas de argumentaccedilatildeo retoacuterica pois verdade e justiccedila satildeo mais fortes que seus opostos

Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protaacutegoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retoacuterica a um patamar superior queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retoacuterica e a oratoacuteria no seu cotidiano a saber devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou eacute mais pertinente a beleza de um discurso

Evidentemente que Aristoacuteteles responderia que devemos utilizar a retoacuterica em consonacircncia com a dialeacutetica para evitarmos a postura relativista Na praacutetica esta escolha metodoloacutegica implica que os indiviacuteduos devem conhecer aleacutem da estrutura gramatical e loacutegica de um argumento a finalidade o conteuacutedo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratoacuteria condizente

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo pretendemos esclarecer que dependendo da escolha que fizermos o bem falar e o bem argumentar teratildeo implicaccedilotildees que precisam ser conhecidas Se optarmos pela forma em detrimento do conteuacutedo de um argumento colocaremos em risco a transmissatildeo da verdade Por outro lado se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma teremos dificuldades em ser ouvidos devido agrave robustez e falta de polimento de uma argumentaccedilatildeo Eacute por isso que Aristoacuteteles ao dividir e organizar a retoacuterica defende um equiliacutebrio entre as partes pois sem este equiliacutebrio estaremos em algum exagero

Eacute sabido que no mundo contemporacircneo ocorrem diversos exageros no que se refere agrave retoacuterica e oratoacuteria praticadas em diferentes acircmbitos da sociedade Citamos como exemplo os poliacuteticos que utilizam vaacuterios tipos de sofismas argumentos falsos para poder convencer seus eleitores e posteriormente uma vez eleitos esquecer e ateacute desmentir o que prometeram Se pensarmos esta realidade no meio grego especialmente no periacuteodo de Aristoacuteteles teriacuteamos seacuterias dificuldades em considerar plausiacutevel tal atitude

De acordo com Aristoacuteteles argumentar persuasivamente eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para que os indiviacuteduos possam fazer bom uso da arte retoacuterica e por conseguinte se evite a imoralidade Devemos estar atentos para que ningueacutem argumente contra a justiccedila pois se algueacutem o fizer devemos estar atentos para refutar o indiviacuteduo Satildeo entimemas ou seja silogismos que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contraacuterios para permitir o bom uso da retoacuterica para Aristoacuteteles

Eacute neste ponto ou seja na contraposiccedilatildeo de ideias que retoacuterica e dialeacutetica se aproximam A retoacuterica eacute uacutetil aos indiviacuteduos porque permite esclarecer quais satildeo os meios de persuasatildeo utilizados em uma disputa logo a retoacuterica eacute a forma de descobrir o que eacute adequado para se persuadir em uma determinada situaccedilatildeo

Platatildeo tambeacutem se preocupou em demasia com a necessidade de uma definiccedilatildeo acabada do que viria a ser a retoacuterica e natildeo a encontrando clara (a natildeo ser pela sua associaccedilatildeo com a persuasatildeo) alimentou alguns preconceitos Em Aristoacuteteles por outro lado nota-se maior preocupaccedilatildeo em demarcar os limites e o alcance da arte retoacuterica na obra que leva esse mesmo nome ao estabelecer as bases para o uso e a compreensatildeo dessa arte Associando a retoacuterica a um saber praacutetico ou teacutecnica que se diferenciaria de muitas ciecircncias e mesmo de outras artes por natildeo se concentrar em algum objeto em si Aristoacuteteles

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

disse que a retoacuterica seria ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeo [] descobrir o que eacute proacuteprio para persuadir Por isso [] ela natildeo aplica suas regras a um gecircnero proacuteprio e determinadordquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 33) Para esse autor a retoacuterica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do puacuteblico (o uso das metaacuteforas por exemplo foi tratado formalmente nessa obra) Apontando para todo esse conjunto de regras explicitamente Aristoacuteteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em trecircs gecircneros o deliberativo o demonstrativo e o judiciaacuterio os quais teriam finalidades diferentes Assim sendo seriam variados os tipos de argumentos vaacutelidos para a conversaccedilatildeo e tambeacutem as reaccedilotildees esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes Nessa claacutessica obra de Aristoacuteteles sobre a retoacuterica o autor apresentou uma longa discussatildeo destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese as ocasiotildees e os objetos que deveriam ser reunidos a forma de apresentaacute-los ao puacuteblico etc (VIEIRA 2012 p 6)

Nisto a retoacuterica difere das demais artes pois ela abrange todas as demais no que tange agrave instruccedilatildeo e agrave persuasatildeo Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasatildeo proacuteprias da retoacuterica Algumas estatildeo no caraacuteter do orador outras no ouvinte e por uacuteltimo temos aquelas presentes nos discursos Eacute importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasatildeo

bull A persuasatildeo pelo caraacuteter ocorre quando o orador eacute digno de feacute Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais Esse meio eacute o modo mais importante de persuasatildeo faz com que os indiviacuteduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito

bull Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido agrave emoccedilatildeo que sentem durante o mesmo Neste aspecto quando estamos sob efeito de emoccedilotildees temos mais facilidade em acreditar especialmente se o orador explorar as paixotildees do puacuteblico

bull Por uacuteltimo precisamos falar daqueles que se convencem pelo conteuacutedo do discurso pois aquilo que estaacute sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos Parece que a retoacuterica eacute um ramo da dialeacutetica e que desaacutegua na poliacutetica entendendo esta uacuteltima como a busca pelo bem da polis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Para Aristoacuteteles ldquo[] a retoacuterica eacute uma parte da dialeacutetica e a ela se assemelha como dizemos no princiacutepio pois nenhuma das duas eacute ciecircncia de definiccedilatildeo de um assunto especiacutefico mas mera faculdade de proporcionar razotildees para os argumentosrdquo (ARISTOacuteTELES 2005 p 97)

Segundo Aristoacuteteles estruturar um argumento leva em conta a retoacuterica

porque eacute atraveacutes dela que se constituiraacute uma argumentaccedilatildeo detalhada e se faraacute o exame das provas Aristoacuteteles inaugurou um modelo de verificaccedilatildeo de argumento que vigorou na histoacuteria da filosofia ateacute o pensamento moderno Somente com Immanuel Kant eacute que se distinguiu prova de demonstraccedilatildeo Desde entatildeo sabemos que prova eacute algo rigoroso quando estamos argumentando enquanto que demonstraccedilatildeo eacute algo mais racional e sem verificaccedilatildeo empiacuterica

A retoacuterica eacute a ciecircncia da construccedilatildeo de bons argumentos enquanto a oratoacuteria eacute a exposiccedilatildeo destes Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e natildeo somente em demonstraccedilotildees loacutegicas Mesmo sendo difiacutecil distinguirmos uma prova de uma demonstraccedilatildeo precisamos nos esforccedilar para que formulemos uma argumentaccedilatildeo convincente

Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retoacuterica filosoacutefica um argumento deve ser curto e claro isto eacute deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenocircmenos possiacuteveis sem ambiguidades No acircmbito da linguagem humana expressar tais ideias nem sempre eacute faacutecil pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades

A tarefa de um bom orador eacute proporcionar uma clareza em sua exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere Ele pode fazer uso de ambiguidades mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos Assim se em Platatildeo convencer com bons argumentos era o objetivo da retoacuterica para os sofistas todo o resto acerca da verdade natildeo importa por isso devemos convencer a todo custo

Enquanto isso a retoacuterica em Aristoacuteteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificaccedilatildeo para uso dos acadecircmicos Jaacute em Roma os oradores como Secircneca por exemplo se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam

No processo de assimilaccedilatildeo da retoacuterica pela cristandade notamos que Agostinho e posteriormente Tomaacutes de Aquino desenvolveram a exegese e a interpretaccedilatildeo dos textos sagrados seguindo as orientaccedilotildees das propostas da retoacuterica platocircnica e aristoteacutelica respectivamente

Apoacutes desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por um periacuteodo de dificuldades no iniacutecio da Modernidade e ganharam ares profissionais ficando em segundo plano

A tarefa de um bom orador eacute

proporcionar uma clareza em sua

exposiccedilatildeo e dominar os conteuacutedos aos quais se refere

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Introduccedilatildeo ao Estudo da Retoacuterica e Oratoacuteria Capiacutetulo 1

Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retoacuterica precisamos retomar as propostas da Antiguidade visto que no seacuteculo XX a retoacuterica quase desapareceu do acircmbito do debate acadecircmico

Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retoacuterica e oratoacuteria para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto

bull Primeiro entre os filoacutesofos preacute-socraacuteticos e os sofistas a retoacuterica e a oratoacuteria assumiram um caraacuteter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendecirc-las sem distinccedilatildeo exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas

bull Segundo para Platatildeo e Aristoacuteteles a retoacuterica e a oratoacuteria possuem caracteriacutesticas que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa praacutetica da justiccedila

bull Terceiro a retoacuterica e a oratoacuteria medieval possuem particularidades que natildeo podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium logo os autores deste periacuteodo utilizaram de modo genuiacuteno os elementos propostos por Platatildeo e Aristoacuteteles para fazer suas reflexotildees religiosas bem como para estruturar suas doutrinas

bull Quarto a retoacuterica e a oratoacuteria passaram por periacuteodos de esquecimento na Modernidade ateacute o iniacutecio do seacuteculo XX sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influecircncia do marketing nos EUA apoacutes os anos de 1950

Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didaacutetico para o estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retoacutericas que encontramos no mundo contemporacircneo

Algumas ConsideraccedilotildeesEste capiacutetulo abordou a histoacuteria da retoacuterica e da oratoacuteria para distinguir

algumas caracteriacutesticas Deste modo argumentar bem natildeo significa enganar o interlocutor eacute antes de tudo saber escolher a estrateacutegia adequada como nos ensinam Platatildeo Soacutecrates Aristoacuteteles e os outros autores referidos no texto

Por isso cabe a vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher quais os

caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponiacuteveis

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Oratoacuteria e Retoacuterica

ReferecircnciasARISTOacuteTELES Arte Poeacutetica e Arte Retoacuterica Rio de Janeiro Ediouro 2005

COSTA R A Educaccedilatildeo na Idade Meacutedia a Retoacuterica Nova (1301) de Ramon Llull Notandum ESDC Porto 2008

DURAN M R da C Retoacuterica e eloquecircncia no Rio de Janeiro 1759-1834 Franca UNESP 2009

LAUSBERG H Handbuch der literarischen Rhetorik Muumlnchen Max Huumlber 1960

MOSCA L L S Retoacutericas de Ontem e de Hoje Velhas e novas retoacutericas convergecircncias e desdobramentos Satildeo Paulo Humanitas FFLCHUSP 2001

PLATAtildeO Goacutergias ou a Retoacuterica Satildeo Paulo Difel 1970

PLATAtildeO Fedro Trad Carlos Alberto Nunes Beleacutem EDUFPA 2005

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

VIEIRA J G S A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso Curitiba 2012

WESTON A A arte de argumentar Lisboa Gradiva 1996

CAPIacuteTULO 2

A Retoacuterica e a Oratoacuteria

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apresentar as formas de se expressar

Conhecer os modos de formulaccedilatildeo de um argumento estrutura e modelo

Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos

Averiguar as diferentes formas de convencimento e construccedilatildeo de discursos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo destacamos a formulaccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um argumento

Partimos da noccedilatildeo e conceituaccedilatildeo grega pois retoacuterica e oratoacuteria natildeo nasceram na modernidade e nos colocamos no caminho dos grandes saacutebios e pensadores que refletiram sobre o problema Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos

O Que eacute Argumentar BemA retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons

argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formaccedilatildeo dos modos de falar para tanto deve conhecer um pouco a formaccedilatildeo histoacuterica da retoacuterica no Ocidente Diferentemente do que muitos podem pensar a retoacuterica e a oratoacuteria natildeo satildeo jovens e natildeo comeccedilaram ontem haacute um longo caminho para chegarmos agraves formas atuais de exposiccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos

Consideremos a possibilidade de construir uma retoacuterica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar O conhecimento da retoacuterica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre este tema de extrema importacircncia

A retoacuterica e a oratoacuteria entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos eacute a temaacutetica deste capiacutetulo que quer

esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas Queremos

expor neste capiacutetulo de modo mais detalhado cada

parte da construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de um bom argumento

A FORMACcedilAtildeO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETOacuteRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE ACcedilAtildeO NO PRINCIPADO

[] a retoacuterica soacute apareceu em Roma em sua forma latina por volta do seacuteculo I aC A primeira escola de retoacutericos latinos foi aberta em 93 aC por L Ploacutecio Galo um cliente de Caio Maacuterio sendo fechada no ano seguinte pelos cocircnsules Cneu Domiacutecio Ahenobarbo e Luacutecio Liciacutenio Crasso por ser considerada uma transgressatildeo aos costumes ancestrais Essa primeira iniciativa relevando as hostilidades poliacuteticas contra a sua intenccedilatildeo foi a primeira a propor um

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Oratoacuteria e Retoacuterica

tipo ldquomodernordquo de retoacuterica oposto em certo grau agrave retoacuterica claacutessica das escolas gregas

Apesar de influenciada por fundamentos da retoacuterica grega a obra Retoacuterica dedicada a Herecircnio composta por um aluno desta escola reage contra a acumulaccedilatildeo de regras e defende um ensino aproximado da praacutetica e da vida Questotildees da poliacutetica contemporacircnea passam a ser incluiacutedas Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquecircncia soacute se elevasse novamente com Ciacutecero em finais do seacuteculo I aC momento no qual optimates e populares discutem no Senado

Deixando por um momento as condiccedilotildees do ensino da retoacuterica em Roma iremos falar do desenvolvimento da gramaacutetica antiga e de sua evoluccedilatildeo Se existe jaacute na Antiguidade uma reflexatildeo sobre a relaccedilatildeo entre as palavras e as coisas desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem como Platatildeo em Craacutetilo tentaram realizar mediante uma anaacutelise das correlaccedilotildees possiacuteveis entre forma e sentido das palavras o encontro de uma forma supostamente ldquoverdadeirardquo o acerto entre o nome e a coisa representada

Jaacute por volta do seacuteculo II aC uma nova questatildeo entraraacute em pauta associada agraves perspectivas do primeiro debate Passou-se a discutir se havia ou natildeo uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanccedilas de significados das palavras ao longo do tempo O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade na analogia e anomalia

Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idecircnticas terminaccedilotildees e semelhante estrutura prosoacutedica podendo ser autocomparaacuteveis enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse ldquonaturalrdquo A liacutengua para estes devido as suas raiacutezes deveria ser encarada tal qual era apresentada mesmo que parecesse irracional

A claacutessica definiccedilatildeo de gramaacutetica remonta a Dioniacutesio Traacutecio Representante da escola alexandrina este definiria a disciplina como o conhecimento praacutetico do uso linguiacutestico comum a poetas e prosadores A arte de escrever bem se tornaria mais tarde tambeacutem a arte de falar corretamente Agrave gramaacutetica caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legiacutetimos enquanto agrave retoacuterica caberia a atualizaccedilatildeo num discurso de determinados usos com vistas a tornaacute-lo eficiente e persuasivo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Retornando ao panorama latino sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramaacutetica Varatildeo de Reate propotildee o respeito ao latim padratildeo em detrimento do latim vulgar falado pelo populus na Repuacuteblica e no Principado Em sua obra de liacutengua latina ele propotildee a divisatildeo da gramaacutetica em morfologia sintaxe e etimologia que natildeo chegaram a ser aplicadas

Com Prisciano e Donato aplica-se um aprofundamento da sintaxe que em definiccedilatildeo seria ldquo[] assim como a palavra eacute a unidade miacutenima da estrutura da frase esta eacute a expressatildeo de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae oratio est ordinatio dictionum congrua sententiam perfectam demonstratus)rdquo Dentro do quadro da educaccedilatildeo aplicada ao cidadatildeo romano como foi dito um pouco acima no ensino superior trata-se em primeiro lugar do ensino da retoacuterica Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana vemos que o ensino da arte oratoacuteria eacute confiado a um mestre especializado o rhetor

Numa hierarquia de valores o rhetor ocupa um posto mais elevado em relaccedilatildeo aos seus colegas o magister ludi e o grammatici responsaacuteveis pelo ensino primaacuterio e secundaacuterio respectivamente Ensinando agrave sombra dos poacuterticos dos foros tinha a sua disposiccedilatildeo salas arranjadas como pequenos teatros abertas ao fundo dos poacuterticos O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domiacutenio da arte oratoacuteria a princiacutepio assegurada na teacutecnica tradicional o sistema complexo das regras procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas

Para Marrou natildeo haacute retoacuterica propriamente latina esta arte teria sido inventada elaborada e aperfeiccediloada pelos gregos O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulaacuterio dos gregos transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinocircnimo em latim A retoacuterica latina permanece durante todo o Impeacuterio em contato muito estreito com a retoacuterica grega

Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar jamais desconheceram a forccedila poderosa e sedutora da palavra pois oradores satildeo conhecidos desde os primoacuterdios da histoacuteria de Roma Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde periacuteodos sem relatos as relaccedilotildees entre as duas civilizaccedilotildees comeccedilaram a ganhar forccedila a partir do seacuteculo III aC O domiacutenio poliacutetico de Roma sobre a Greacutecia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura hiacutebrida helenizada e de bilinguismo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Greacutecia e depois do helenismo

Uma clara verificaccedilatildeo disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas atraveacutes de homens cultos da aristocracia que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas O Ciacuterculo dos Cipiotildees cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo forneceu base teoacuterica grega ao ideal da virtus romana

Efetivamente humanitas deriva de humanus que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra) existe a probabilidade da noccedilatildeo de um ldquoser terrenordquo ligado a modos de comportamento que lhe satildeo proacuteprios incluindo o comportamento e a natureza dos homens Certos exemplos de Ciacutecero indicam tambeacutem outras variantes complementares deste termo

Quem poderaacute chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadatildeos como todo o gecircnero humano qualquer comunidade juriacutedica solidariedade humana (humanitas societas) A essas obras de arte natildeo as compreendia o famoso Cipiatildeo homem tatildeo instruiacutedo e culto (humanissimus) E tu que natildeo tens saber nem humanitas nem talento nem letras eacute que as compreende e avalias

Nestes extratos vemos que Ciacutecero emprega humanitas como termo de acumulaccedilatildeo de civilidade doutrina saber humanitas eacute aquilo que torna o homem profundamente homem e se perpetua mesmo com a expiraccedilatildeo do ser Humanitas torna o homem digno fazendo-o humanus e politus ajustando este conceito as suas gravitas auctoritas e dignitas atitudes de caraacuteter romano

Ferrenho opositor a essa assimilaccedilatildeo foi dentre muitos Marco Poacutercio Catatildeo cuja facccedilatildeo senatorial tentou impedir a invasatildeo maciccedila da cultura e costumes gregos que somada agraves mudanccedilas poliacuteticas inevitaacuteveis da expansatildeo imperialista poderia corroer as bases eacutetico-poliacuteticas do Estado romano e de seu regime autocraacutetico

A influecircncia de Catatildeo no seacuteculo II aC foi a uacuteltima defesa da sobrevivecircncia da retoacuterica nos moldes claacutessicos que eram caracterizados por uma linguagem agressiva robusta direta desprovida de ornamentos o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

De Catatildeo podemos extrair a maacutexima que define o caraacuteter do orador nos moldes da retoacuterica claacutessica ldquoVir bocircnus peritus dicendirdquo O homem nobre haacutebil no falar E tambeacutem diz respeito a uma visatildeo pragmaacutetica e de certa forma desintelectualizada do discurso uma genuiacutena retoacuterica romana Na passagem do seacuteculo II para o seacuteculo I aC dois oradores satildeo lembrados Marco Antocircnio e Luacutecio Liciacutenio Crasso Dois optimates que divergiam quanto agrave maneira de abordar a importacircncia da mateacuteria do discurso ou da teacutecnica de elocuccedilatildeo a persuasatildeo

Fonte Campos (2008 p 4-6)

Por isso conhecer estas divergecircncias expostas no texto entre retoacuterica e oratoacuteria permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele natildeo eacute o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos Conforme aponta Campos (2008) em seu artigo acadecircmico a retoacuterica romana assumiu muitos elementos da retoacuterica grega na questatildeo da estrutura e ao mesmo tempo assumiu caracteriacutesticas novas devido ao meio romano na qual estava imersa

Embora saibamos que a essecircncia da retoacuterica e da oratoacuteria natildeo se altera com o passar do tempo eacute importante entendermos que a forma estaacute sempre em desenvolvimento Este modo de exposiccedilatildeo das nossas ideias constitui a vida da oratoacuteria ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que estaacute sendo produzida

Este processo de desenvolvimento da retoacuterica mesmo em Roma (sec I aC sec I dC) natildeo foi tranquilo e sem problemas Segundo Silveira (2012) existiram muitas crises e dificuldades na formaccedilatildeo da oratoacuteria e da retoacuterica romanas

O crescimento da cidade de Roma sua organizaccedilatildeo e suas conquistas que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade natildeo foi algo que se deu da noite para o dia Seu crescimento enquanto Impeacuterio deu-se principalmente pela organizaccedilatildeo de seu comeacutercio suas instituiccedilotildees seu exeacutercito e sobretudo pelo corpo social forte e unido chamado Nobilitas (ALFOLDY 1975 p 59) Lembrando que a formaccedilatildeo do Impeacuterio Romano foi um longo processo podemos no entanto destacar trecircs fases que fizeram parte deste imperialismo Na primeira fase conhecida como ldquoGuerra de Defesardquo Roma natildeo promove ataques mas se defende daqueles que atraiacutedos pelo seu crescimento resolvem atacaacute-la Eacute importante destacarmos que ao se defender dos ataques e invasotildees Roma anexa as cidades vencidas a regiatildeo da ldquoSalinardquo a mais proacutexima foi a primeira regiatildeo conquistada Mais tarde em 273 aC teremos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

a conquista das cidades da Magna-Greacutecia estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos Apoacutes ter conquistado toda a peniacutensula itaacutelica Roma daacute iniacutecio agrave conquista do Impeacuterio Cartaginecircs o qual possuiacutea a hegemonia da regiatildeo da Siciacutelia Esta fase eacute conhecida como Guerra de expansatildeo hegemocircnica ou ldquoGuerras Puacutenicasrdquo esta culminaraacute com a destruiccedilatildeo da cidade de Cartago no norte da Aacutefrica Quanto agrave terceira fase esta tem iniacutecio em 133 aC quando financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos Roma inicia a chamada ldquoGuerra de Expansatildeo Econocircmicardquo passando assim de Cidade-Estado a Cosmo-Poacutelis dominando todo o mundo conhecido Eacute importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido devido ao seu poder que foi aumentado bem como seu aparelho militar o qual se encontrava mais organizado e poderoso contando com generais de renome vistos muitas vezes como deuses Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos derivado de suas conquistas esta conhece um periacuteodo de inflaccedilotildees seu custo de vida eacute aumentado o que iraacute gerar mudanccedilas nas formas de produccedilatildeo (SILVEIRA 2012 p 2-3)

Estes caminhos antigos da retoacuterica e da oratoacuteria nos permitem entender

como podemos convencer algueacutem sobre as mensagens que queremos passar em uma eacutepoca como a atual A dinacircmica das relaccedilotildees de trabalho no mundo contemporacircneo se modifica rapidamente mas os elementos substanciais dos oradores antigos satildeo os mesmos ateacute hoje

A moral de orador a sua eloquecircncia a credibilidade etc nada disso pode ser

dispensado em um mundo como o nosso E vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem

Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem percebemos que elas destacam algumas caracteriacutesticas que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos

Assim saiba que vocecirc soacute conseguiraacute convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar Fica evidente que a credibilidade eacute um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicaccedilatildeo Por isso eacute importante saber quais os requisitos para conquistar a confianccedila das pessoas construir sua reputaccedilatildeo como orador que inspire respeito credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistecircncias Para que vocecirc conquiste credibilidade falando dentro ou fora dos parlatoacuterios precisaraacute de pelo menos seis requisitos fundamentais Naturalidade a mais importante qualidade da oratoacuteria Natildeo existe teacutecnica em comunicaccedilatildeo ndash por mais elaborada que seja ndash mais relevante que a naturalidade Vocecirc precisa ser um orador natural e espontacircneo Agora veja ser natural no entanto natildeo significa por exemplo levar para o auditoacuterio os erros e as negligecircncias da comunicaccedilatildeo deficiente como a pronuacutencia incorreta das palavras Emoccedilatildeo e envolvimento aleacutem da naturalidade vocecirc precisa falar com disposiccedilatildeo com energia com envolvimento com emoccedilatildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Como convenceraacute o puacuteblico se nem mesmo vocecirc mostrar interesse no que diz Revele sua emoccedilatildeo no entusiasmo com que abraccedila o seu discurso Gerry Spence advogado americano que em mais de 40 anos nunca perdeu uma uacutenica causa criminal diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte ldquoConcentradas em seus sentimentos as pessoas que estatildeo dizendo a verdade falam com o coraccedilatildeo que eacute incapaz de compor precisamente o raciociacutenio linear de um ceacuterebro laborioso E ao ouvir o que eacute expresso pelo coraccedilatildeo o ouvinte tambeacutem eacute levado a ouvir com o coraccedilatildeordquo Imagem bem construiacuteda na poliacutetica pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construccedilatildeo da imagem do poliacutetico perante a sociedade O orador por sua vez deve estar ciente de que independentemente de marqueteiros ele tem que gerenciar seu proacuteprio marketing pessoal construindo e preservando a boa imagem ancorada na honestidade na justiccedila no respeito na honra na eacutetica bem como em todos os bons valores sociais e individuais Conhecimento e autoridade sobre o assunto a sua credibilidade como orador estaacute intimamente relacionada ao conhecimento que vocecirc demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa Empenhe-se para ter muito mais informaccedilotildees do que aquelas que vocecirc necessitaraacute em sua exposiccedilatildeo Leia estude pesquise se possiacutevel entreviste outras pessoas mais experientes que jaacute tratam do tema de sua exposiccedilatildeo Prepare-se com antecedecircncia e durante o maior tempo possiacutevel sobre a ideia que iraacute defender em seu discurso Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentaccedilatildeo Ensaie todos os detalhes teste os equipamentos que pretende utilizar enfim natildeo deixe nada ao acaso Confianccedila a confianccedila em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo De acordo com Lena Souza (2011) ldquoa fisiologia do medo eacute caracterizada por uma descarga de adrenalina que pode fazer as pernas tremerem as matildeos suarem o coraccedilatildeo bater mais forte etcrdquo E diz ainda que ldquoningueacutem perde o medo e sim o vence E o medo eacute como o sal na dose certa ele nos eacute muito importante inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do oradorrdquo (SILVA 2012 p 8-9)

Estas indicaccedilotildees natildeo satildeo prontas a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica

na verdade satildeo indicaccedilotildees para que vocecirc possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem tambeacutem satildeo Lembre-se ningueacutem nasceu com todos os conhecimentos se vocecirc quiser melhorar deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades

Antes de entrarmos na definiccedilatildeo de retoacuterica e oratoacuteria queremos esclarecer uma questatildeo fundamental ao estudante Na academia natildeo podemos simplesmente emitir opiniotildees pois conforme ensina Platatildeo a doxa opiniatildeo natildeo eacute o conhecimento ela eacute o ponto de partida de uma tentativa de conhecer Portanto doxa opiniatildeo natildeo eacute conhecimento episteme Conhecimento eacute o resultado de uma reflexatildeo racional que em filosofia sempre pode ser repensado de forma minuciosa e profunda (Platatildeo) O conhecimento eacute algo minimamente seguro para

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Oratoacuteria e Retoacuterica

se dizer que temos um conceito Sem um conceito natildeo podemos fazer academia Deste modo propomos a vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica um pequeno exerciacutecio que pode contribuir no entendimento deste problema

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacutegina 77 a 79 e identifique de acordo com o texto quando opiniatildeo eacute diferente de conhecimento e explique o que vocecirc entendeu sobre este problema Como se entende o papel da retoacuterica

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Agora que vocecirc jaacute sabe que o conhecimento acadecircmico natildeo eacute uma mera opiniatildeo de qualquer pessoa passamos ao entendimento da arte retoacuterica e da oratoacuteria como formas de compreensatildeo da expressatildeo do intelecto humano de maneira mais clara e distinta

Neste sentido um estudo aprofundado sobre a retoacuterica eacute importante para desenvolver uma maneira de argumentaccedilatildeo e construccedilatildeo de argumentos De acordo com Platatildeo a retoacuterica serve basicamente para o convencimento e para a persuasatildeo dos interlocutores Para sofistas como Isoacutecrates e Protaacutegoras a retoacuterica serve para produzir uma boa reflexatildeo um modo de defender uma hipoacutetese sem se preocupar com a verdade No caso de Aristoacuteteles a retoacuterica serve para uma forma mais praacutetica e se aproxima da dialeacutetica oposiccedilatildeo de conceitos para produzir um debate

Ao pensarmos a retoacuterica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta atraveacutes de seu discurso levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas nos deparamos com uma praacutetica tatildeo antiga quanto difiacutecil de estabelecer o seu iniacutecio na humanidade A retoacuterica natildeo eacute um privileacutegio reservado aos povos antigos e nos dias de hoje ela continua envidada na poliacutetica nas campanhas publicitaacuterias em mensagens midiaacuteticas no comeacutercio e em tantas outras relaccedilotildees que nos circundam Eacute nesse sentido que Halliday (1990 p 26) professora de

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Comunicaccedilatildeo Puacuteblica que realizou pesquisas sobre a retoacuterica afirma que todos noacutes agimos retoricamente partindo do princiacutepio de que isso significa ldquo[] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendamrdquo Essa autora tambeacutem tem em vista que cada indiviacuteduo pode fazer uso da persuasatildeo para convencer a si proacuteprio sobre alguma ideia haja vista que ldquoa consciecircncia eacute o primeiro puacuteblicordquo e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte Embora a praacutetica persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas o estudo dessa arte recebeu significativa atenccedilatildeo de antigos filoacutesofos gregos entre os quais destacamos Aristoacuteteles (384 ndash 322 aC) pensador que escreveu a obra Retoacuterica sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho Aristoacuteteles viveu em uma eacutepoca de fortes transformaccedilotildees e agitaccedilotildees sociais na antiga Greacutecia O ceticismo se expandia com cada indiviacuteduo querendo viver para os seus proacuteprios negoacutecios e principalmente em Atenas uma cidade que servira como referecircncia intelectual e poliacutetica havia uma carecircncia do espiacuterito coletivo assim como de orientaccedilotildees que conquistassem a confianccedila dos cidadatildeos para guiaacute-los no campo discursivo da verossimilhanccedila Diante de uma sociedade ameaccedilada por posturas egoiacutestas e confusas e do risco da desarticulaccedilatildeo extrema das inter-relaccedilotildees sociais o filoacutesofo de Estagira percebeu a importacircncia de ordenar a construccedilatildeo dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (juriacutedicos fuacutenebres deliberativos etc) A arte retoacuterica ganha com Aristoacuteteles o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que eacute capaz de gerar a persuasatildeo o exame acurado das formas que compotildeem o discurso (ou rethoacuten) levando em conta cada situaccedilatildeo social de acordo com o momento o ambiente a cultura e as pessoas envolvidas Diante dessa concepccedilatildeo aristoteacutelica a presente investigaccedilatildeo procura responder ao seguinte questionamento eacute possiacutevel identificar conexotildees entre a Retoacuterica de Aristoacuteteles e o que este filoacutesofo idealiza para o exerciacutecio das inter-relaccedilotildees sociais na poacutelis grega Adiantamos nesse momento que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA 2011 p 14-15)

Logo definimos de acordo com Reboul (2004) a retoacuterica como a arte de

construir bem um argumento e a oratoacuteria como a arte de expor com qualidade e teacutecnica este argumento

Isso significa que a construccedilatildeo da arte retoacuterica envolve tanto o convencimento por intermeacutedio do texto escrito quanto pelo convencimento oral Por ter estas diferentes dimensotildees eacute que se costuma separar retoacuterica de oratoacuteria Retoacuterica escrita e elaborada metodicamente e oratoacuteria oral com uma conotaccedilatildeo mais apaixonada

O termo arte techneacute em grego eacute visto por Reboul (2004 p XVI) como detentor de uma ambiguidade sendo ldquoateacute duplamente ambiacuteguordquo O autor ressalta que o termo faz referecircncia tanto a uma habilidade espontacircnea quanto ao que eacute adquirido por meio do ensino Ora traduz o sentido de uma simples teacutecnica ora ao contraacuterio ldquo[] o que na criaccedilatildeo ultrapassa a teacutecnica e pertence

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Oratoacuteria e Retoacuterica

somente ao lsquogecircniorsquo do criador Em qual ou em quais desses sentidos se estaacute pensando quando se diz que a retoacuterica eacute uma arte Em todosrdquo Cabe aqui perguntarmos qual eacute o sentido de techneacute concebido por Aristoacuteteles Para este filoacutesofo a techneacute eacute um saber fazer bem feito o que se faz seja na construccedilatildeo de um artefato ou de um discurso um fazer com arte cujo sentido eacute o de produzir tecnicamente bem com habilidade o que o indiviacuteduo se propotildee a produzir Isto fica claro na Eacutetica a Nicocircmaco (ARISTOacuteTELES VI 5 1140b) assim como o caraacuteter imitativo da arte frente agrave natureza Poreacutem tal imitaccedilatildeo natildeo significa copiar pois na visatildeo aristoteacutelica a imitaccedilatildeo artiacutestica metamorfoseia reproduzindo como nos lembra Stirn (1999 p 65) em sua obra Compreender Aristoacuteteles Sendo assim o artista natildeo estaacute limitado a copiar mecanicamente o que vecirc havendo uma abertura para a transformaccedilatildeo e a criatividade Isso tambeacutem ocorre na proposta aristoteacutelica de Retoacuterica Ao defini-la como ldquoa faculdade de ver teoricamente o que em cada caso pode ser capaz de gerar a persuasatildeordquo Aristoacuteteles (Ret I II 1) natildeo exclui o caraacuteter de a retoacuterica ser uma arte mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte Pois logo em seguida ele acrescenta ldquoNenhuma outra arte possui esta funccedilatildeo porque as demais artes tecircm sobre o objeto que lhes eacute proacuteprio a possibilidade de instruir e de persuadirrdquo Com isso deixa impliacutecito que a retoacuterica tambeacutem eacute uma arte entre as demais por ele observadas Na Retoacuterica embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral preacute-organizada natildeo eacute raro ele se deparar com aspectos imprevisiacuteveis da vida praacutetica e do mundo das opiniotildees Frente a estes o Estagirita situa a arte retoacuterica tambeacutem como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais) e de possivelmente transformar (ou manter) situaccedilotildees praacuteticas a partir do discurso persuasivo Eacute aqui que a ideia aristoteacutelica de thechneacute nos permite uma aproximaccedilatildeo do sentido de ldquorsquogecircniorsquo criadorrdquo citado por Reboul A arte retoacuterica requer (do retor) conhecimento e criatividade pois natildeo basta copiar e decorar foacutermulas quando a vida praacutetica tem sua margem de misteacuterio e de imprevisibilidade fatores estes que exigem mais do que a mera coacutepia de um modelo de discurso Afinal pela retoacuterica aristoteacutelica aquele que discursa busca persuadir o ouvinte e natildeo necessariamente copiar para persuadir (LIMA 2011 p 24-25)

Neste sentido o modo de construccedilatildeo de uma argumentaccedilatildeo estaacute diretamente

relacionado ao modelo de expressatildeo de cada indiviacuteduo que se propotildee a um discurso puacuteblico Natildeo basta como afirma Lima (2011) copiar foacutermulas para construir discursos eacute preciso construir um modo de escrever e falar Ao citar Reboul Lima (2011) esclarece que para explicar a questatildeo da persuasatildeo precisamos dois cenaacuterios

Reboul (2004 p XV) ao procurar esclarecer o sentido de persuasatildeo utiliza dois exemplos satildeo eles ldquo1) Pedro persuadiu-me de que sua causa era justa 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causardquo Vejamos a distinccedilatildeo feita pelo autor (id ibid p XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasatildeo [] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa natildeo se sabendo se acredito nela ou natildeo A nosso ver a persuasatildeo retoacuterica consiste em (1) sem redundar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

necessariamente no levar a fazer (2) Diferentemente de Reboul Perelmam (2004 p 58) filoacutesofo do direito cujos estudos de retoacuterica recebem fortes influecircncias aristoteacutelicas destaca a accedilatildeo (o fazer) como sendo essencial agrave persuasatildeo Para quem se preocupa sobretudo com o resultado persuadir eacute mais do que convencer a persuasatildeo acrescentaria agrave convicccedilatildeo a forccedila necessaacuteria que eacute a uacutenica que conduziraacute agrave accedilatildeo Abramos a enciclopeacutedia espanhola Dir-nos-atildeo que convencer eacute apenas a primeira fase ndash o essencial eacute persuadir ou seja abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicccedilatildeo que lhe foi comunicada Por outro lado Reboul (2004 p XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente ldquopersuadirrdquo de ldquoconvencerrdquo afirmando que tal distinccedilatildeo se fundamenta numa filosofia ndash ou mesmo ideologia ndash exageradamente dualista ldquo[] visto que opotildee no homem o ser de crenccedila e sentimento ao ser de inteligecircncia e razatildeo e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro ou mesmo contra o primeirordquo Entretanto vale observar que Perelman natildeo joga o ser de razatildeo contra o ser de sentimento e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro ele apenas potildee o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo Por tal caracteriacutestica (entre outras) as ideias de Perelman estatildeo em afinidade com a Retoacuterica aristoteacutelica como jaacute percebera Guimaratildees (2004 p 145) em seu artigo Figuras de Retoacuterica e Argumentaccedilatildeo ldquoAssim modernamente a obra de C Perelman autor belga diligencia reabilitar uma teoria da argumentaccedilatildeo que reencontre a tradiccedilatildeo aristoteacutelicardquo (LIMA 2011 p 30-31)

Para entendermos essa dinacircmica de formaccedilatildeo de um modo proacuteprio de

expressatildeo de nossas ideias atraveacutes de argumentos propomos um exerciacutecio de entendimento do desenvolvimento da retoacuterica antiga Sabemos que para convencermos algueacutem temos que usar de eloquecircncia precisamos ser convincentes Entre os gregos a retoacuterica e a oratoacuteria ganharam forccedila quando se desenvolveram teacutecnicas de argumentaccedilatildeo e estruturaccedilatildeo de discursos

Atividade de Estudos

1) Sabemos que a retoacuterica surge entre os gregos antigos Leia o texto disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt paacuteginas 5 a 8 e explique o que vocecirc entende dessa leitura proposta

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Ora o modo de eloquecircncia se relacionava diretamente com a honestidade com o compromisso com a verdadeira filosofia Evidentemente que na histoacuteria posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e natildeo o conteuacutedo do discurso Nos regimes democraacuteticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna pois sem a retoacuterica sofiacutestica a democracia natildeo se sustentaria Eacute a rejeiccedilatildeo da

verdade na antiguidade que transformou a retoacuterica em modo sagaz de convencimento Neste sentido podemos falar em um triunfo dos sofistas em relaccedilatildeo a Platatildeo uma vez que para o autor dos Diaacutelogos platocircnicos a retoacuterica e a verdade se mantinham unidas

Essa separaccedilatildeo entre retoacuterica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisatildeo fundamental Eacute Maquiavel que constatou que poliacutetica e eacutetica natildeo pertenciam mais ao mesmo espectro Deste modo a retoacuterica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasatildeo sem compromisso com a verdade

A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere Observamos isso no diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental Segundo devemos estar atentos agrave forma do discurso Se for uma forma de explanaccedilatildeo ao puacuteblico em geral ou se eacute um discurso particular E terceiro a quem se dirige o discurso se eacute uma plateia que possui um repertoacuterio amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso Esse entendimento permite ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estatildeo diretamente articulados

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttprepositorioulptbitstream10451184573ulfl183093_tm_3pdfgt paacuteginas 3 a 5 e responda Como vocecirc entende esse desenvolvimento da retoacuterica

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A boa argumentaccedilatildeo se apoia em trecircs aspectos

fundamentais de acordo com Platatildeo Primeiro eacute preciso

articular bem a verdade com o discurso que se

profere Segundo devemos estar

atentos agrave forma do discurso

Por isso falar bem implica antes de tudo saber como

montar um discurso e qual a finalidade de um discurso

Esse entendimento permite ao

estudante de oratoacuteria e retoacuterica

desenvolver o entendimento

de que pensar e falar bem estatildeo

diretamente articulados

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Quando estamos diante de um texto religioso por exemplo devemos estar atentos ao processo hermenecircutico ou seja de interpretaccedilatildeo para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido Eacute por isso que para se desenvolver uma boa oratoacuteria e uma boa retoacuterica o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto Eacute condiccedilatildeo preacutevia para se montar um bom discurso saber interpretar um texto dominar a liacutengua em que se escreve e fundamentar bem suas posiccedilotildees nos autores escolhidos

Deste modo argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto conforme aponta Descartes em seu discurso do Meacutetodo pois algo confuso e misturado natildeo pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores

A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possiacutevel pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser visto que a oratoacuteria e a retoacuterica natildeo visam somente ao convencimento dos outros Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida visto que vivemos em um mundo plural Ningueacutem precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relaccedilatildeo aos argumentos enunciados

De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior podemos utilizar alguns artifiacutecios retoacutericos que nos ajudam a convencer os interlocutores Esses artifiacutecios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade Conforme defende o sofista Goacutergias no diaacutelogo platocircnico eacute o orador que escolhe como e de que modo quer convencer Evidentemente que Platatildeo por ter um compromisso maior com a verdade natildeo concorda com isso Por isso falamos no iniacutecio deste capiacutetulo que depende do compromisso com a verdade que noacutes temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento eacute de fato verdadeiro e bem exposto

Uma boa exposiccedilatildeo de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes Deste modo cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequecircncias de suas afirmaccedilotildees Lembremos tambeacutem que de acordo com Reboul (2004) o estilo de discurso deve estar em consonacircncia com o orador e o puacuteblico a que se expotildee os argumentos

Logo a arte de falar bem natildeo eacute exata como as pessoas que natildeo estudam a aacuterea pensam emitindo opiniotildees vazias Devemos evitar generalidades ensina o grande retoacuterico antigo Aristoacuteteles em seu texto chamado posteriormente de Metafiacutesica pois elas produzem efeitos contraditoacuterios e enganosos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Desta maneira falar bem eacute consequecircncia direta da boa construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Se bem formularmos um argumento poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir

Neste sentido falar bem eacute aprender a pensar bem escrever bem e expor bem um determinado argumento Se natildeo formos capazes de explicar um argumento natildeo podemos dizer que falamos bem pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que noacutes queremos passar

A Construccedilatildeo do ArgumentoA construccedilatildeo de um argumento se processa de maneira muito

detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que queremos

Inicialmente para se fazer e expor um bom argumento eacute preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposiccedilatildeo deste Depois precisamos escolher o modo como se faraacute esta exposiccedilatildeo Eacute claro que supomos

uma determinada mensagem que jaacute foi escolhida para ser transmitida Logo para se construir um bom argumento eacute preciso ter um assunto a ser transmitido um estilo de exposiccedilatildeo um modo pelo qual o orador iraacute se manifestar e um plano loacutegico para executar todo o processo de transmissatildeo da mensagem

Como podemos escolher um tema para expor Ora se estamos interessados em apresentar um argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos expor Se existe esta motivaccedilatildeo interior ela deve ser elaborada pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero Eacute neste momento que a retoacuterica e a oratoacuteria podem ajudar vocecirc a se manifestar de maneira clara e eloquente

Para construir um argumento segundo Platatildeo precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor Se soubermos por exemplo um determinado argumento e dominamos suas variaccedilotildees estamos aptos a expocirc-lo

Com efeito o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo Se dominamos por exemplo o argumento da lei da gravidade ou seja todos os objetos sobre a superfiacutecie da Terra caem agrave mesma velocidade devido

Desta maneira falar bem eacute

consequecircncia direta da boa construccedilatildeo

e exposiccedilatildeo de argumentos Se

bem formularmos um argumento

poderemos apresentar bem

a mensagem que queremos transmitir

A construccedilatildeo de um argumento se

processa de maneira muito detalhada e

existe a necessidade de construirmos uma base soacutelida para expor o que

queremos

Ora se estamos interessados em apresentar um

argumento eacute porque temos interesse que os outros saibam o que noacutes queremos

expor

Com efeito o conhecimento de um determinado

argumento permite calcular o alcance de nossa exposiccedilatildeo de nossa argumentaccedilatildeo

Se dominamos por exemplo o

argumento da lei da gravidade

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agrave lei da gravidade podemos explicar isso aos outros bem como suas variaccedilotildees Agora se temos duacutevidas e natildeo sabemos qual eacute a lei da gravidade universal natildeo conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento Deste modo devemos antes de tudo averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade Conforme ensina Soacutecrates referido por Luz (2010 p 49-50)

[] em vez de censurar o que eacute preciso eacute desculpar os que por desconhecimento da dialeacutetica natildeo estatildeo em condiccedilotildees de definir o que seja retoacuterica Com toda sua ignoracircncia por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos pensam que descobriram a retoacuterica e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noccedilotildees estatildeo convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar A dialeacutetica eacute o caminho da alma para que se possa alcanccedilar a beleza e a justiccedila base para todo ensino verdadeiramente filosoacutefico ndash conhecimento da alma e amor agrave verdade na busca dos princiacutepios eternos Ao passar por todas estas definiccedilotildees ambicionadas a colocar a retoacuterica a serviccedilo do conhecimento filosoacutefico e verdadeiro Platatildeo ndash utilizando-se do discurso socraacutetico ndash parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemoloacutegico e eacutetico opondo-se aos oradores de sua eacutepoca A retoacuterica portanto depende da dialeacutetica que por se esforccedilar em atingir o verdadeiro depende do verossiacutemil procurado por ela que depende ldquodiretamenterdquo de valores que satildeo da ordem do inteligiacutevel (levando em consideraccedilatildeo que o homem natildeo eacute a medida de todas as coisas) Ao longo de suas obras Platatildeo define a retoacuterica sofista como um longo discurso contiacutenuo que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vaacuterios procedimentos que se sustentam uns aos outros fazendo com que o retoacuterico impressione pelo conjunto da obra mais do que pela solidez de cada argumento explicitado Entretanto quando em vista do meacutetodo dialeacutetico cada raciociacutenio se desenvolve pouco a pouco sendo cada passo testado e confirmado pela concordacircncia do interlocutor soacute havendo uma passagem para a ldquotese seguinterdquo para uma segunda argumentaccedilatildeo quando a primeira for apreendida corretamente quando a adesatildeo daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentaccedilatildeo No caso do diaacutelogo eriacutestico haacute uma preocupaccedilatildeo uacutenica em se vencer o adversaacuterio o que implicaria numa total indiferenccedila em relaccedilatildeo agrave verdade Tal retoacuterico eacute motivado pelo desejo de vencer de deixar o interlocutor embaraccedilado fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado e natildeo a verdade triunfe Predigo-te que este jovem seja qual for a sua resposta seraacute obrigado a contradizer-se O diaacutelogo criacutetico caracteriacutestica eminente do discurso socraacutetico o interlocutor trata-se de testar uma tese na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentaccedilotildees formuladas por ele A coerecircncia interna do discurso eacute que fornece o criteacuterio para investigaccedilatildeo ou ainda interrogaccedilatildeo criacutetica que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa Quando o diaacutelogo deixa de ser criacutetico para adentrar no caraacuteter verdadeiramente filosoacutefico ndash adquirindo um interesse construtivo para aleacutem da coerecircncia interna do discurso ndash os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antematildeo foi considerado dialeticamente verdadeiro O diaacutelogo filosoacutefico eacute impreterivelmente dialeacutetico eacute ele que determina

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as caracteriacutesticas do meacutetodo dialeacutetico ndash ldquonele a concordacircncia dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentaccedilatildeo natildeo porque se trataria de um concurso de duas opiniotildees divergentes mas porque essa concordacircncia seria a expressatildeo de uma adesatildeo generalizada agraves preposiccedilotildees em questatildeordquo O meacutetodo dialeacutetico eacute o meacutetodo de toda filosofia que pretende dar conta das consideraccedilotildees inesgotaacuteveis do saber filosoacutefico

Ora embora a retoacuterica e a dialeacutetica sejam distintas haacute uma relaccedilatildeo que

permite ao orador formular argumentos retoacutericos para ser um bom debatedor Neste sentido a retoacuterica eacute um modo para se buscar a verdade

Quando falamos de leis da fiacutesica parece um tanto mais distinto e direto agora quando falamos de argumentos filosoacuteficos e teoloacutegicos a situaccedilatildeo eacute um pouco mais complicada Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenecircutica ou seja a interpretaccedilatildeo de textos o argumento muitas vezes eacute confundido com a interpretaccedilatildeo

Cabe a vocecirc estudante de retoacuterica e oratoacuteria distinguir um argumento de uma interpretaccedilatildeo Um argumento eacute sempre a exposiccedilatildeo loacutegica de uma ideia por exemplo ldquoDeus eacute o ser do qual natildeo podemos pensar nada maiorrdquo (ANSELMO 1991) e a interpretaccedilatildeo que vocecirc faz dessa frase do pensador Anselmo

Este argumento eacute chamado de argumento ontoloacutegico pois independentemente do lugar onde se aplique Deus sempre seraacute para Santo Anselmo o maior de todos os seres que podem ser pensados

Satildeo vaacuterias as formas como vocecirc entende este argumento E mesmo sendo loacutegico e formalmente irrefutaacutevel vocecirc pode ignoraacute-lo logo a interpretaccedilatildeo eacute sempre um movimento subjetivo e introspectivo Mesmo com meacutetodo determinado e um argumento eacute a mensagem loacutegica que se passa por intermeacutedio da linguagem

Os Gecircneros do DiscursoUm gecircnero de discurso eacute antes de tudo a opccedilatildeo que o orador faz para expor

seu argumento e seu modo de pensar O pensar pode ser exposto de diferentes modos podemos fazer textos construir esculturas montar peccedilas de teatro pintar quadros fazer gestos e muito mais

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Aristoacuteteles nos fornece uma classificaccedilatildeo dos gecircneros retoacutericos que praticamente natildeo mudou em mais de dois mil anos De acordo com Lima (2011) ao citar Artistoacuteteles

Aristoacuteteles (Ret I III 11) uma vez tendo considerado que cada gecircnero retoacuterico ndash deliberativo judiciaacuterio e epidiacutetico - deve ser baseado numa demonstraccedilatildeo (eacutentechnos) tem em vista que a retoacuterica deve se desenvolver a partir do meacutetodo das evidecircncias e sendo a demonstraccedilatildeo uma evidecircncia afirma ldquopois que a nossa confianccedila eacute tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstraccedilatildeordquo A evidecircncia retoacuterica conforme Aristoacuteteles eacute caracterizada pela aplicaccedilatildeo do entimema ou seja pelo uso de um raciociacutenio que natildeo tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo mas que busca ser evidente O silogismo deriva de premissas loacutegicas enquanto o entimema tem origem nas premissas retoacutericas (LIMA 2011 p 48)

Na retoacuterica e na oratoacuteria se configuram gecircneros de um discurso as maneiras

que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos Platatildeo e Aristoacuteteles fizeram uma classificaccedilatildeo dos gecircneros de um discurso conforme apontamos no capiacutetulo primeiro do texto

O Tratado do Amor de Liacutesias comeccedila pelo fim pela conclusatildeo a que o orador chegou e pretende que todos cheguem ndash como o amante deve se portar com seu amado ndash fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam ldquonuma grande emburrilhadardquo A criacutetica socraacutetica consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas Enfatiza que a carta estaacute calcada nos saberes natildeo filosoacuteficos sendo uma peccedila bem trabalhada mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes ndash poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso Segundo Soacutecrates esta deveria ser constituiacuteda por um todo artisticamente considerado no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto [] todo discurso precisa ser construiacutedo como um organismo vivo com um corpo que lhe seja proacuteprio de forma que natildeo se apresente sem cabeccedila nem peacutes poreacutem com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo A fim de natildeo mais aborrecer Fedro atraveacutes da criacutetica ferrenha agrave construccedilatildeo do discurso de seu adorado Liacutesias o diaacutelogo socraacutetico passa agrave anaacutelise da arte da eloquecircncia tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relaccedilatildeo entre amado e amante ndash em que ldquoum pretende que soacute deve ceder agraves instacircncias

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do indiviacuteduo que ama e o outro agraves de quem natildeo revele amorrdquo (265 a) ndash se contradizem reciprocamente fazendo com que Soacutecrates retomasse a ideia das Manias Divinas e principalmente aquela referida ao amor

Fonte Luz (2010 p 47)

Para retomarmos agrave discussatildeo lembramos ao estudante de retoacuterica e oratoacuteria estes gecircneros de discurso Em Platatildeo haacute um compromisso com as premissas e com a verdade Haacute uma divisatildeo entre verdade e forma de um discurso

Platatildeo por sua vez pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essecircncia e o valor de verdade da retoacuterica (dita como tal) instituiacuteda pelos sofistas O filoacutesofo afirmava ainda que a retoacuterica deveria ser considerada segundo razotildees de todo anaacutelogas agravequelas pelas quais a arte deve ser condenada A retoacuterica eacute a contrafaccedilatildeo da verdade Tal como a arte tem a pretensatildeo de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento imitando puramente as suas aparecircncias a retoacuterica atraveacutes do meacutetodo persuasivo pretende convencer o homem acerca de tudo sem ter conhecimento algum A retoacuterica cria crenccedilas ilusoacuterias O retoacuterico eacute aquele que devido a sua habilidade persuasiva joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparecircncias da verdade em verossimilhanccedilas e natildeo na verdade em si mesma Tanto quanto acontece na arte a retoacuterica se dirige agrave pior parte da alma agravequela que eacute creacutedula e instaacutevel suscetiacutevel de emoccedilatildeo e sensiacutevel ao prazer Pode-se dizer que o retoacuterico lida com o falso para aleacutem do artista tendo em vista que esse uacuteltimo ao menos representa as aparecircncias do verdadeiro enquanto que o retoacuterico tem a maliacutecia do conhecimento calcado num falso saber A filosofia dialeacutetica deve corromper e substituir a retoacuterica no que diz respeito ao seu caraacuteter de verdade No Fedro Platatildeo explicita que na arte dos discursos enquanto retoacuterica eacute reconhecido um direito agrave existecircncia entretanto sob a condiccedilatildeo de que se submeta agrave verdade e por conseguinte agrave filosofia E para alcanccedilar a verdade pela qual a retoacuterica teria de se submeter se faz necessaacuteria a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialeacutetica ndash ldquoseja no seu momento ascendente que leva do muacuteltiplo ao uno seja no seu momento descendente e diaireacutetico que ensina a dividir as Ideias segundo as articulaccedilotildees que lhe satildeo proacutepriasrdquo e conhecer a alma visto que a arte da persuasatildeo se dirige necessariamente agrave alma Soacute se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos conhecendo a natureza das coisas e a natureza da alma humana A escritura soacute faz aumentar a aparecircncia (doxa) do saber natildeo fortalecendo a memoacuteria mas oferecendo meios para trazer agrave memoacuteria aquilo que de antematildeo jaacute era conhecido pela alma O escrito eacute sem alma sendo incapaz de defender-se sozinho contra criacuteticas exigindo sempre a intervenccedilatildeo constante do seu autor O discurso oral e soacute ele eacute capaz de penetrar na alma daquele que o apreende sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

se encontra na dimensatildeo da oralidade Para ser conduzido segundo as regras da arte o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e por conseguinte implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige ndash haacute um jogo metoacutedico pelo qual quem escreve deve se submeter Por definiccedilatildeo a palavra eacute um aspecto da realidade eacute uma palavra eficaz No entanto a potecircncia da palavra natildeo se encontra apenas orientada para o real ela se mostra da mesma forma irrevogavelmente tal como uma potecircncia sobre o outro Logo a potecircncia da palavra se mostra perigosa visto que pode ser tomada como a ilusatildeo do real Ou seja a seduccedilatildeo da palavra eacute tal que pode se fazer passar pela realidade o logos pode impor objetos que se assemelhem agrave realidade confundindo-se com ela sendo entretanto natildeo mais do que uma imagem vatilde Este fato levanta uma nova questatildeo traz um problema fundamental pertinente agrave relaccedilatildeo entre palavra e verdade A ambiguidade da palavra entatildeo torna-se polo de reflexatildeo sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional onde haacute por um lado o problema da potecircncia da palavra sobre a realidade e por outro lado o problema da potecircncia da palavra sobre o outro ndash perspectiva fundamental no desvelamento retoacuterico e sofiacutestico (LUZ 2010 p 43-44)

Ainda de acordo com Platatildeo um discurso deve ser entendido como um

modo de produccedilatildeo de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias que para Platatildeo eacute o uacutenico mundo real

Sabemos que Platatildeo (428-7 ndash 348-7 a C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da eriacutestica e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questatildeo conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate Isso fica claro nos diaacutelogos platocircnicos Goacutergias e Eutidemo nos quais o filoacutesofo procura mostrar que a retoacuterica natildeo eacute uma ciecircncia e nem uma verdadeira arte pois pelo que consta no Goacutergias (465 a) ela eacute somente uma empeiria ou seja uma habilidade praacutetica decorrente da experiecircncia A negaccedilatildeo dessa praacutetica como ciecircncia natildeo eacute novidade naquele contexto social pois na tradiccedilatildeo retoacuterica dos pitagoacutericos a Goacutergias como concorda Plebe (1978) a retoacuterica era situada no mundo da doxa (opiniatildeo) e natildeo da ciecircncia Entretanto Platatildeo acrescenta uma provocaccedilatildeo ao afirmar que a retoacuterica tambeacutem natildeo eacute uma arte ou seja natildeo eacute theacutecnerhetorikeacute como defendia Goacutergias considerando-a apenas como habilidade Este filoacutesofo estaacute mais interessado na dialeacutetica a qual eacute vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteuacutedo Entretanto ele (Platatildeo) discute sobre a retoacuterica por reconhecer que tal atividade tendo o caraacuteter de experiecircncia tecno-praacutetica natildeo seria de todo inuacutetil Na visatildeo platocircnica portanto a retoacuterica seria diferente da dialeacutetica e tambeacutem da sofiacutestica como pode ser constatado no Goacutergias (465) no qual a sofiacutestica aparece como contrafaccedilatildeo da arte de legislar (nomothetikeacute) e a retoacuterica como contrafaccedilatildeo da arte de administrar a justiccedila (dikaiosyne) (LIMA 2011 p 43)

Ainda seguindo a definiccedilatildeo precisa apresentada por Platatildeo as fontes das habilidades devem ser distinguidas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Platatildeo considera que essas duas formas de habilidades satildeo contrafaccedilotildees de um gecircnero de habilidade que natildeo eacute arte o qual ele denomina kolakeiacutea (adulaccedilatildeo) mas admite que tal gecircnero eacute contrafaccedilatildeo da arte Em resumo embora reconheccedila que os sofistas satildeo dotados de um espiacuterito ousado e imaginativo a filosofia platocircnica vecirc a retoacuterica como discurso vazio de conteuacutedo Jaacute na sua maturidade Platatildeo passa a considerar a retoacuterica como sendo uma versatildeo disparatada e distorcida da dialeacutetica conforme consta em seu diaacutelogo Fedro e por outro lado a idealizar a existecircncia de uma verdadeira retoacuterica a qual ele identifica com a proacutepria dialeacutetica Assim Platatildeo equipara a falsa dialeacutetica com a retoacuterica ao mesmo tempo em que identifica a retoacuterica verdadeira com a dialeacutetica tornando a retoacuterica reprovaacutevel somente quando esta uacuteltima natildeo se identifica com a primeira Por conseguinte segundo Platatildeo qualquer sofista uma vez natildeo praticante da dialeacutetica da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia natildeo merece confianccedila por maior que seja a sua habilidade oratoacuteria Nesse sentido em um trecho do Fedro (LII 268 b-c) ele faz uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas da retoacuterica e o perfil de um falso meacutedico Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio de provocar vocircmitos ou evacuaccedilotildees entre outros efeitos e que o mesmo acrescenta ldquoE porque sei tudo isso tenho-me na conta de meacutedico e tambeacutem com a capacidade de fazer um meacutedico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos rdquo Esse trecho eacute seguido imediatamente pela citaccedilatildeo que registramos adiante Soacutecrates ndash Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira Fedro ndash Que mais poderia fazer a natildeo ser perguntar se tambeacutem sabia a quem aplicar tudo aquilo o tempo certo e a dose para cada caso Soacutecrates ndash E se ele contestasse Dessas coisas natildeo entendo patavinas poreacutem suponho que quem aprender comigo aquilo tudo ficaraacute em condiccedilotildees de responder a tais perguntas Fedro ndash Diriam segundo penso Este homem eacute louco Soacute porque leu um livro ou porque encontrou casualmente alguns remeacutedios considera-se meacutedico ainda que nada entenda de tal arte Ao considerar o praticante da retoacuterica como algueacutem cujo conhecimento natildeo eacute confiaacutevel Platatildeo (opus cit LVII 272 d-e) afirma que ldquoNos tribunais por exemplo ningueacutem se preocupa no miacutenimo com a verdade soacute se esforccedilando por persuadirrdquo e que toda a arte da oratoacuteria consiste em manter a verossimilhanccedila do iniacutecio ao fim do discurso Portanto esse pensador tem em vista que todo filoacutesofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade ao inveacutes de priorizar as aparecircncias dos discursos soacute para persuadir a qualquer custo Por outro lado embora tenha feito tantas criacuteticas agrave retoacuterica o citado filoacutesofo reconhece a importacircncia de se identificar os diferentes tipos de auditoacuterios que podem inspirar construccedilotildees oratoacuterias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade - e sendo assim jaacute prepara de certo modo o caminho para a sistematizaccedilatildeo aristoteacutelica da retoacuterica que viraacute logo depois Tanto eacute assim que alguns aspectos que seratildeo valorizados por Aristoacuteteles em sua obra Retoacuterica jaacute constam nas seguintes palavras de Platatildeo (Ibid LVIII 273d-274a) [] quem natildeo fizer a enumeraccedilatildeo exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espeacutecies e natildeo souber reduzir a uma ideia uacutenica todas as ideias particulares jamais dominaraacute a arte da oratoacuteria dentro das possibilidades humanas Mas sem trabalho ningueacutem consegue chegar a esse ponto Natildeo

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

eacute para falar com os homens nem para tratar com eles que o saacutebio despende tanto esforccedilo mas para falar o que agrade aos deuses e tambeacutem para lhes comprazer com suas accedilotildees na medida do possiacutevel Porque o homem de senso [] natildeo deveraacute esforccedilar-se para agradar seus companheiros de escravidatildeo pelo menos natildeo poraacute nisso o principal intento nem o faraacute de ligeiro poreacutem a bons mestres e de boa origem Eis que fica clara a preocupaccedilatildeo de Platatildeo em estabelecer paracircmetros eacuteticos para a praacutetica da oratoacuteria e nesse sentido veremos apoacutes alguns paraacutegrafos adiante que a mesma preocupaccedilatildeo pode ser identificada em Aristoacuteteles no que concerne a sua sistematizaccedilatildeo (LIMA 2011 p 44)

Segundo Aristoacuteteles a exposiccedilatildeo de um argumento se divide em invenccedilatildeo disposiccedilatildeo elocuccedilatildeo e accedilatildeo

Deste modo a invenccedilatildeo consiste na escolha do material para se formular um argumento Nesta etapa o retoacuterico ou orador se ateacutem aos elementos dispersos e reuacutene aqueles que ele considerar adequados

Na disposiccedilatildeo o retoacuterico ou orador se preocuparaacute em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso

Na elocuccedilatildeo o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para natildeo cair em contradiccedilatildeo e se perder na execuccedilatildeo do discurso

Jaacute a accedilatildeo consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos trecircs aspectos anteriores de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir Neste momento o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui

Desta maneira Aristoacuteteles difere de Platatildeo por entender que a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo importantes para o debate natildeo soacute para o convencimento dos interlocutores Conforme confirma Lima (2011 p 47)

Aristoacuteteles diferentemente de Platatildeo vecirc a retoacuterica como algo que normalmente faz parte da vida social e poliacutetica como uma arte importante para o desenvolvimento dessas aacutereas Tal pensador tem em vista que a distinccedilatildeo conceitual envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composiccedilatildeo loacutegica e persuasiva dos argumentos eacute fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicaacute-las socialmente Eacute nessa perspectiva que ele propotildee a formaccedilatildeo de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construccedilatildeo de cada discurso visando estabelecer conforme suas proacuteprias palavras ldquo[] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos quando falamos a favor ou contra uma propostardquo

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Logo em Aristoacuteteles existe uma mudanccedila da retoacuterica que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentaccedilotildees poliacuteticas juriacutedicas e dos problemas mais simples da existecircncia humana Conforme aponta Lima (2011) ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema

O Estagirita pensando na vida praacutetica situaccedilotildees reais do dia a dia em que geralmente natildeo se dispotildee de muito tempo para os encontros discursivos tem em vista a importacircncia de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciociacutenio do orador com tatildeo pouca demora Mas ele tambeacutem alerta para que natildeo se cometa excessos no uso dos entimemas Natildeo se deve tambeacutem a propoacutesito de toda e qualquer questatildeo procurar empregar os entimemas pois nesse caso chegariacuteeis ao mesmo resultado que certos filoacutesofos que demonstram por meio de silogismos proposiccedilotildees mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciociacutenios (Ret III XVII 7) Os lugares comuns de entimemas demonstrativos e refutativos compotildeem uma ampla variedade de argumentos que satildeo estudados enumerados e tipificados por Aristoacuteteles hierarquizados segundo a eficaacutecia de persuasatildeo Os lugares comuns satildeo assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussatildeo Vejamos por exemplo o seguinte toacutepoi (lugar) que consta no Livro II da Retoacuterica de Aristoacuteteles (XXIII1) Primeiramente haacute um lugar para os entimemas demonstrativos aquele que se tira dos contraacuterios Com efeito importa examinar se o contraacuterio estaacute contido no contraacuterio se natildeo estaacute compreendido refutaremos o adversaacuterio se estaacute compreendido estabeleceremos nossa proacutepria tese por exemplo defenderemos que ser temperante eacute bom porque viver na licenciosidade eacute nocivo Ou entatildeo como no discurso sobre Messecircnia ldquoVisto a guerra ser a causa dos males atuais eacute pela paz que devemos remediaacute-losrdquo Em mais um exemplo Aristoacuteteles (Ret II 23 4) apresenta entre outros entimemas o seguinte ldquose os deuses natildeo sabem tudo muito menos os homensrdquo E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte toacutepoi ldquose um atributo natildeo pertence a um sujeito ao qual mais deveria pertencer evidentemente que tambeacutem natildeo pertence ao sujeito ao qual deveria pertencer menosrdquo E tambeacutem eacute do Estagirita (ibid II XXIII 7) o seguinte trecho ldquoUm outro lugar tira-se das palavras contra noacutes e que voltamos contra o adversaacuterio Este lugar eacute excelente []rdquo (LIMA 2011 p 50-51)

Em Aristoacuteteles a retoacuterica assumiu uma conotaccedilatildeo praacutetica ou seja ela deve servir ao homem para argumentar na resoluccedilatildeo de problemas do cotidiano Assim a retoacuterica passa a ser uma ferramenta acessiacutevel a todos os sujeitos que queiram pleitear algo

Em sua Eacutetica a Nicocircmaco Aristoacuteteles (I 8 1099 a) considera a finalidade da vida poliacutetica como o melhor dos fins e que ldquoo principal empenho dessa ciecircncia eacute fazer com que os cidadatildeos sejam bons e capazes de nobres accedilotildeesrdquo Tal nobreza inclui a observaccedilatildeo de que embora jaacute seja desejaacutevel o bem

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

para um soacute indiviacuteduo eacute mais nobre e mais divino alcanccedilar o bem para uma naccedilatildeo ou para as cidades-Estado (opus cit I 1094 b) Para o Estagirita (idibid) a ciecircncia poliacutetica eacute a mais prestigiosa de todas visto que a ciecircncia poliacutetica utiliza as demais ciecircncias e ainda legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster a finalidade dessa ciecircncia deve necessariamente abranger a finalidade das outras de maneira que essa finalidade deveraacute ser o bem humano ldquoA cosmologia de Aristoacuteteles coloca certo nuacutemero de seres superinteligentes as inteligecircncias que governam as estrelas e os planetas acima do Homem na escala do ser assim como Deus o Movimentador Imoacutevelrdquo (LIMA 2011 p 53)

Neste caso o homem que se dedica agrave praacutetica retoacuterica eacute capaz de resolver os

problemas da vida cotidiana pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos Sendo o retoacuterico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se estaacute transmitindo eacute importante mencionar o significado da honestidade do orador na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo dos argumentos para que os sujeitos interlocutores se convenccedilam da mensagem

Atividade de Estudos

1) Explique com suas palavras por que eacute importante a honestidade retoacuterica Leia o texto para poder entender melhor o problema

LIBERDADE OU MANIPULACcedilAtildeO

Eacute por isso que este mesmo autor considerando que a caracteriacutestica da boa argumentaccedilatildeo natildeo eacute suprimir o aspecto retoacuterico pois em nenhum caso uma argumentaccedilatildeo inexpressiva se torna soacute por isso obrigatoriamente mais honesta ndash adianta dois criteacuterios gerais a que se deve submeter a boa retoacuterica

1 Criteacuterio da transparecircncia que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo dos meios pelos quais a crenccedila estaacute a ser modificada

2 Criteacuterio de reciprocidade que a relaccedilatildeo entre o orador e o

auditoacuterio natildeo seja assimeacutetrica para que fique assegurado o direito de resposta

Respeitados tais criteacuterios Reboul considera que a argumentaccedilatildeo natildeo se torna por isso menos retoacuterica e sim mais honesta Mas parece evidente que sem pocircr em causa a eficaacutecia destes dois

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Oratoacuteria e Retoacuterica

criteacuterios o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao maacuteximo e natildeo seja assimeacutetrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretizaccedilatildeo Por outro lado pode acontecer tambeacutem que a incompetecircncia argumentativa do auditoacuterio crie a ilusatildeo de uma relaccedilatildeo retoacuterica desigual e leve a que se veja manipulaccedilatildeo no orador quando na realidade essa desigualdade se fica a dever agrave insuficiente capacidade criacutetica revelada por aqueles a quem se dirige

Fonte Sousa (2000 p 96)

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Ethos Pathos Logos

Neste texto utilizamos ethos com o sentido de eacutetica pathos no sentido de paixatildeo e logos no sentido de discurso

Passamos agora agrave discussatildeo de aspectos da estrutura do conteuacutedo dos argumentos e a forma como satildeo usados para expor determinados discursos

O ethos da retoacuterica estaacute ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso O ethos do comportamento humano para Reboul (2004) passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar

Segundo Aristoacuteteles podemos construir uma parte do ethos mas a outra parte eacute totalmente natural Por isso precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

As virtudes dianoeacuteticas entre as quais a sapiecircncia (shofia) eacute tida como a mais importante satildeo vistas por Aristoacuteteles como mais elevadas do que as virtudes eacuteticas pois lidam com a captaccedilatildeo intuitiva de princiacutepios por meio do intelecto coincidindo com as ciecircncias teoreacuteticas (principalmente com a metafiacutesica) Por outro lado as virtudes eacuteticas lidam com o contingente e o variaacutevel no humano apoiando-se numa prudecircncia (phroacutenesis) que eacute razatildeo praacutetica Na abertura do livro II (opus cit) Aristoacuteteles observa que as virtudes intelectuais satildeo geradas e crescem em grande parte em decorrecircncia do ensino e por isso precisam de experiecircncia e tempo enquanto as virtudes eacuteticas satildeo adquiridas em resultado do haacutebito Esse termo ndash haacutebito ndash decorre da traduccedilatildeo de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethikeacute) palavra que tambeacutem pode significar costume (LIMA 2011 p 71)

Um ethos no debate eacute um modo de se expressar eacute a maneira com a qual

nos expressamos Saber se expressar eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para sermos verdadeiramente humanos

No iniacutecio de sua Retoacuterica (2007 I 1 p19) Aristoacuteteles estabelece que ldquoos modos de persuasatildeo satildeo as uacutenicas verdades constituintes dessa arte tudo o mais eacute mero acessoacuteriordquo Diante de tais palavras poderiacuteamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituiacutedo de propostas eacuteticas ou seja meramente instrumental sem necessariamente manifestar um viacutenculo efetivo com a busca pelo bem comum pela justiccedila pela cidadania entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social Entretanto podemos identificar que Aristoacuteteles assume em vaacuterios momentos de sua Retoacuterica um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a eacutetica em sintonia com um exerciacutecio de livre escolha de ideias Em vaacuterios trechos (opus cit) o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade e natildeo o faz por considerar tais preceitos como meros acessoacuterios pois em vez disso procura mostrar que um homem de boa formaccedilatildeo moral tem no seu proacuteprio caraacuteter um referencial em que pode alicerccedilar o seu discurso Sendo assim como bem esclarece o autor a consistecircncia moral do orador tambeacutem deve compor o modo pelo qual o ouvinte eacute persuadido Aristoacuteteles toma o cuidado de firmar a arte retoacuterica em uma responsabilidade social propondo uma produccedilatildeo discursiva que possa participar da construccedilatildeo moral do homem e por conseguinte da sua condiccedilatildeo poliacutetica (Ret2007 p 23) (LIMA 2011 p 74)

O homem ao se apresentar como um ser que escreve e fala precisa dominar estes dois modos de se apresentar Por isso um haacutebito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade

O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como noacutes falamos

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Oratoacuteria e Retoacuterica

A primeira questatildeo tratada eacute que para se realizar um discurso eacute preciso ter conhecimento sobre aquilo que estaacute sendo dito em prol de sua autenticidade enquanto verdade Os sofistas se servem da persuasatildeo utilizando o domiacutenio que tecircm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa com uma mesma ecircnfase ou intensidade ndash natildeo se baseiam num conhecimento verdadeiro mas no senso comum ldquoA perversatildeo da retoacuterica transforma a escrita em teacutecnica de simulaccedilatildeo e converte a habilidade oratoacuteria em exploraccedilatildeo verbal e persuasiva do verossiacutemilrdquo Atraveacutes de uma loacutegica da ambiguidade contrariam o que deveria ser indissociaacutevel no interior de um discurso a ligaccedilatildeo entre dizer pensar e ser ndash limitam-se a uma tautologia do logos que eacute voltado sobre si mesmo A eficaacutecia alcanccedilada pelo discurso entretanto natildeo significa que tais ldquoretoacutericosrdquo tinham o conhecimento real do assunto que tratavam eles natildeo tinham a preocupaccedilatildeo de se interrogar sobre suas referecircncias ndash calcavam-se na probabilidade no verossiacutemil para o estabelecimento de suas conclusotildees que de antematildeo eram estabelecidas ndash utilizando-se da potecircncia da palavra como uma arma para persuadir pessoas tatildeo ignorantes quanto eles ldquoO estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migraccedilatildeo da enunciaccedilatildeo para o enunciadordquo (LUZ 2010 p 45)

Neste sentido retoacuterica e oratoacuteria satildeo elementos do ser humano que se articulam na existecircncia e o ajudam a expor seu sentido na linguagem O ethos da oratoacuteria e da retoacuterica eacute uma forma eacute a maneira de dizermos os modos de se apresentar A linguagem escrita e falada eacute uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos

Ainda de acordo com Reboul (2004) o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar

Ao falarmos de pathos ou afetamento de um discurso podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso

Ao falarmos de pathos ou

afetamento de um discurso podemos

entender que quando nos referimos a um determinado

grupo de pessoas noacutes despertamos as paixotildees destas pessoas e tambeacutem estamos implicados no discurso O niacutevel

do pathos eacute um aspecto de pura paixatildeo que nos

envolve ou dispersa em um determinado

discurso

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

Por isso ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala estamos optando em ser ou natildeo apaixonantes em nossa exposiccedilatildeo escrita ou oral Eacute no pathos de um discurso ou seja na paixatildeo que se iraacute prender ou natildeo os interlocutores As belas palavras podem levar os sujeitos agraves mais absurdas atitudes ou simplesmente natildeo significar nada aos ouvintes Tudo depende do modo com o qual vocecirc que se expressa o faz

O pathos de um discurso eacute determinante em relaccedilatildeo agrave longevidade de uma mensagem Por exemplo Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas seu modo de ser serve de conduta religiosa moral e eacutetica para todas as eacutepocas

Deste modo eacute a forma de se expressar em uma linguagem clara direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcanccedilar seu objetivo

O logos o discurso propriamente dito precisa de um ritmo de uma forma de um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

De acordo com Reboul (2004) um discurso eacute uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem Eacute a mensagem bem transmitida que pode produzir o resultado esperado em um discurso Se soubermos transmitir a mensagem poderemos alcanccedilar maior ecircxito em nossas intenccedilotildees Fica evidente que mesmo quando natildeo queremos dizer algo relevante sempre haacute um sentido no discurso proferido

Estamos falando de transmissatildeo de conteuacutedos atraveacutes da linguagem mas antes de seguirmos para os elementos do discurso precisamos esclarecer o que eacute a verossimilhanccedila pois sem entender isso natildeo podemos entender por que a retoacuterica e a oratoacuteria estatildeo em constante tensatildeo com a verdade

O logos o discurso propriamente dito

precisa de um ritmo de uma forma de

um modo e de uma estrutura O logos de um argumento procura convencer

ou transmitir a mensagem para um determinado puacuteblico

Atividade de Estudos

1) Explique o que vocecirc entende por verossimilhanccedila Leia o artigo disponiacutevel em lthttpsrepositorioufrnbrjspui

bitstream123456789164822MarcosAL_DISSERT_PARCIALpdfgt para lhe ajudar a responder

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Disposiccedilatildeo Elocuccedilatildeo Accedilatildeo e Invenccedilatildeo

Jaacute nos referimos agrave invenccedilatildeo que eacute a escolha dos argumentos pelo orador Passamos agora para a disposiccedilatildeo que de acordo com Reboul (2004) eacute a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala Eacute a retoacuterica da organizaccedilatildeo formal de um discurso seu plano de execuccedilatildeo

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul (2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase oral do discurso como muita gente pode pensar

Para Aristoacuteteles a retoacuterica assume uma dimensatildeo de amor agrave sabedoria Eacute o amor agrave sabedoria que permite agrave retoacuterica se aproximar da dialeacutetica pois eacute a oposiccedilatildeo de argumentos que produz um desenvolvimento da discussatildeo

Assim o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruccedila o retor As praacuteticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construccedilatildeo oratoacuteria ou seja sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniotildees e tambeacutem com as opiniotildees sobre o mundo Por conseguinte a retoacuterica eacute pensada por Aristoacuteteles como uma manifestaccedilatildeo de amor agrave sabedoria e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade inclusive com o aprimoramento do proacuteprio saber exposto nesse jogo social que eacute a arte retoacuterica Pelas razotildees acima citadas Reboul (2004 p 40) compara a retoacuterica de Aristoacuteteles com a de Isoacutecrates A retoacuterica de Aristoacuteteles estaacute bem proacutexima da retoacuterica de Isoacutecrates em termos de conteuacutedo A diferenccedila eacute que em Aristoacuteteles a retoacuterica eacute uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciecircncias exatas Estas ldquodemonstrativasrdquo atingem verdades ldquonecessaacuteriasrdquo que como os teoremas soacute podem ser o que satildeo possibilitando compreender e prever A retoacuterica por sua vez soacute atinge o verossiacutemil aquilo que acontece no mais das vezes mas que poderia acontecer de outra forma Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria a retoacuterica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinacircmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e ao mesmo tempo do aprimoramento de suas leis e costumes Creio natildeo ser exagero afirmar que em Aristoacuteteles a retoacuterica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais

A elocuccedilatildeo de acordo com Reboul

(2004) eacute o estilo escrito do texto eacute a redaccedilatildeo do discurso atraveacutes de frases e palavras conferindo um modo ou estilo de argumentaccedilatildeo Por isso esta parte natildeo se refere agrave fase

oral do discurso como muita gente

pode pensar

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

que liguem o homem agraves soluccedilotildees de seus problemas pessoais e coletivos e agraves melhores opccedilotildees para a educaccedilatildeo dos jovens Essa arte tambeacutem eacute compromisso em educar para a sabedoria e nesse sentido cada cidadatildeo necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto os seus sentimentos desejos ambiccedilotildees natildeo esquecendo o bem da sociedade em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA 2011 p 80)

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo dos argumentos que

queremos apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer

Quando a accedilatildeo retoacuterica se manifesta por intermeacutedio de um discurso destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execuccedilatildeo daquilo que se propotildee a fazer Neste sentido Aristoacuteteles destaca na antiguidade que o sujeito que natildeo transmitir confiabilidade em seu discurso natildeo convence ningueacutem

Diante de ideias conflitantes entre si eacute comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiaacuteveis merecedoras de creacutedito Nessa perspectiva os encontros sociais entre retores podem ser bastante uacuteteis como oportunidades para tal busca e na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz surge um sentimento de grandeza da proacutepria razatildeo naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicaacutevel compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo Eacute esse o sentimento denominado de sublime ou sublimidade Para melhor compreendermos o sentimento do sublime recapitulemos que a verossimilhanccedila eacute caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que natildeo possibilitam respostas irrefutaacuteveis e que natildeo eacute raro o homem sentir-se constrangido inseguro e com medo diante do que eacute apenas verossiacutemil ou seja do que natildeo lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutaacutevel Visto por esse lado o que pomos em foco natildeo eacute o constrangimento diante de forccedilas fenomecircnicas de uma natureza ameaccediladora e externa ao ser humano (como vendavais tempestades maremotos terremotos etc) pois numa abordagem mais voltada para a produccedilatildeo dos discursos em um contexto social e cotidiano em muitos casos o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando natildeo encontra por exemplo respostas suficientemente confiaacuteveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhanccedila A superaccedilatildeo desse momento de constrangimento a ldquovolta por cimardquo atraveacutes do intelecto que identifica qual eacute o melhor discurso a vitoacuteria de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razatildeo gerando um aliacutevio pela suposta seguranccedila diante da diversidade de ideias antagocircnicas entre si Em Aristoacuteteles o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhanccedila - deve ser decorrecircncia direta da atitude genuiacutena de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiaacutevel possiacutevel) e nesse encaminhamento o faz sob o predomiacutenio da parte intelectiva da alma (a racionalidade) que seria segundo o Estagirita a melhor parte do homem (conforme jaacute vimos anteriormente) Nessa

A accedilatildeo em um discurso consiste na exposiccedilatildeo

dos argumentos que queremos

apresentar Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador bem como gestos miacutemicas e outros modos de expressatildeo oral Eacute a execuccedilatildeo final

do discurso que foi planejado de modo a

se expor o que se quer

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Oratoacuteria e Retoacuterica

perspectiva revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar natildeo soacute entre o que eacute o bem do que eacute o seu extremo contraacuterio mas tambeacutem distinguir o que eacute um bem maior diante de um bem menor escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser eacutetico aleacutem da importacircncia de saber defender as suas escolhas publicamente Eis que o sentimento do sublime nos termos aqui propostos aparece quando a razatildeo humana se depara com o verossiacutemil em busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial rumo ao possiacutevel sentimento de superioridade da razatildeo A inseguranccedila argumentativa que levaria a um natildeo saber identificar uma resposta confiaacutevel como costuma ocorrer na verossimilhanccedila seria algo anaacutelogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza esteacutetica de algum fenocircmeno da natureza Neste uacuteltimo caso o sentimento do sublime eacute tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquecircs de existirem os fenocircmenos ameaccediladores (como tempestades maremotos vendavais etc) cuja grandiosidade esteacutetica constrange inicialmente o ser humano Em se tratando da retoacuterica o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniotildees e encontra formas de identificar quais satildeo as ideias mais confiaacuteveis entre tantas que se oferecem para creacutedito Portanto em Aristoacuteteles na sua obra Retoacuterica o homem eacute idealizado como aquele cuja determinaccedilatildeo e coragem devem servir para a busca da superaccedilatildeo do constrangimento inicial frente agrave verossimilhanccedila Nesta o ser humano sente-se humilhado diante das proacuteprias incertezas e das ldquoverdadesrdquo oferecidas por discursos diversos que o circundam natildeo sabendo em qual delas - as supostas ldquoverdadesrdquo ndash acreditar mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiccediloamento dos discursos (LIMA 2011 p 104-105)

Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhanccedila poderaacute desenvolver uma retoacuterica de boa qualidade que natildeo se confunde com aquilo que parece ser a verdade mas natildeo eacute a verdade loacutegica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto sobre o problema da presunccedilatildeo antever um argumento disponiacutevel em lthttpw3ufsmbrppgfwp-contentuploads201110PERELMANpdfgt paacutegina 35 e 36 e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar Por exemplo o seu trabalho seu lazer etc O texto eacute inspiraccedilatildeo para a construccedilatildeo do argumento

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

O desenvolvimento da retoacuterica atraveacutes dos seacuteculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa eacutepoca atual por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo necessaacuteria para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem Sem dominar bem o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retoacuterico Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa dominar o conteuacutedo a ser exposto de modo a permitir que natildeo seja enganado pela proacutepria linguagem

Este capiacutetulo eacute fundamental a vocecirc estudante para saber como a histoacuteria da retoacuterica trabalhou o problema da formulaccedilatildeo estruturaccedilatildeo e divisatildeo dos discursos Lembre-se vocecirc natildeo eacute o primeiro a querer expor uma ideia um argumento por isso natildeo se engane seus interlocutores entendem ou natildeo o que vocecirc quer expor na medida em que vocecirc se coloca de modo claro e distinto Se sua linguagem natildeo for adaptada ao local em que vocecirc fala sua mensagem natildeo seraacute transmitida como vocecirc quer

BRISSON Luc Leituras de Platatildeo Trad Socircnia Maria Maciel Porto Alegre EDIPUCRS 2003

BRUNSCHWIG J Diccionaire Critique Le Savoir Grecce Org Geossvey Lloyd Paris Flammarion 1996

CLAIumlM PERELMAN Retoacutericas Trad Maria Ermantina Galvatildeo G Pereira Satildeo Paulo Martins Fontes 1997

DELEUZE G Loacutegica dos Sentidos Trad Luiz Roberto Salinas Fontes Satildeo Paulo Ed Perspectiva 2000

DERRIDA Jacques A Farmaacutecia de Platatildeo Trad Rogeacuterio da Costa 3 ed Satildeo Paulo Iluminuras 2005

GOLDSCHMIDT V Os Diaacutelogos de Platatildeo Estrutura e Meacutetodo Dialeacutetico Trad Dion Davi Macedo Satildeo Paulo Loyola 2002

Transmitir bem uma mensagem vai aleacutem de construir bons argumentos

e expor estes bem contudo eacute condiccedilatildeo

necessaacuteria para um bom orador

dominar seu tema para poder transmitir

essa mensagem Sem dominar bem

o tema eacute impossiacutevel ao orador mensurar

e demonstrar suas qualidades como retoacuterico

Por isso antes de querer expor um argumento vocecirc estudante precisa

dominar o conteuacutedo a ser exposto de

modo a permitir que natildeo seja enganado

pela proacutepria linguagem

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Oratoacuteria e Retoacuterica

MARCUSE H Eros e Civilizaccedilatildeo Trad Aacutelvaro Cabral 4 ed Rio de Janeiro Zahar Editores 1969

MORAES J Q Epicuro as luzes da eacutetica Satildeo Paulo Ed Moderna 1998

NIETZSCHE F O Nascimento da Trageacutedia Trad J Guinsburg Satildeo Paulo Companhia das Letras 1992

PERINE M (Org) Estudos Platocircnicos Sobre o ser e o aparecer o belo e o bem Coleccedilatildeo Estudos Platocircnicos Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2009

Algumas ConsideraccedilotildeesA histoacuteria da oratoacuteria e da retoacuterica permite o entendimento de como somos

capazes de organizar e exprimir uma ideia Desta maneira um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforccedilo do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispotildee de modo adequado

Com efeito este capiacutetulo se empenhou em apresentar uma parte da histoacuteria da retoacuterica para deixar vocecirc estudante em condiccedilotildees de escolher bem suas formas de argumentar

ReferecircnciasANSELMO Monoloacutegio Satildeo Paulo Victor Civita 1991

CAMPOS R C A Formaccedilatildeo Educacional do Orador e a Retoacuterica como seu Instrumento de Accedilatildeo no Principado Fecircnix ndash Revista de Histoacuteria e Estudos Culturais JaneiroFevereiroMarccedilo de 2008 v 5 Ano V n 1 Disponiacutevel em ltwwwrevistafenixprobrgt Acesso em 26 maio 2017

SOUSA A de A Persuasatildeo - Estrateacutegias da comunicaccedilatildeo influente 2000 Disponiacutevel em lthttpwwwboccubiptpagsousa-americo-persuasao-0pdfgt Acesso em 22 maio 2017

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A Retoacuterica e a Oratoacuteria Capiacutetulo 2

LIMA M A A retoacuterica em Aristoacuteteles da orientaccedilatildeo das paixotildees ao aprimoramento da eupraxia Natal IFRN 2011

LUZ A R L Ensaios Filosoacuteficos V 1 outubro2010 Disponiacutevel em lthttpwwwensaiosfilosoficoscombrArtigosArtigo2Ana_Rosapdfgt Acesso em 27 maio 2017

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

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SILVEIRA Caacutessio Rodrigo Paula Relendo Ciacutecero A formaccedilatildeo do orador e sua inserccedilatildeo na poliacutetica romana (Seacuteculo I a C) 2012

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Oratoacuteria e Retoacuterica

CAPIacuteTULO 3

A Arte de Argumentar

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Apontar as diferentes formas de argumentos

Apresentar as implicaccedilotildees de um argumento Compromisso com a verdade ou com a forma

Fazer um argumento suas fragilidades e pontos fortes

Convencer ou defender a verdade

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

ContextualizaccedilatildeoEste capiacutetulo se destina a apresentar a vocecirc estudante uma perspectiva

filosoacutefica com desdobramentos teoloacutegicos para a construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Destacaremos brevemente a sutil conexatildeo com a loacutegica sobretudo a silogiacutestica concatenaccedilatildeo em sequecircncia de premissas para formular um argumento

Oratoacuteria e Retoacuterica Filosoacutefica Na filosofia a oratoacuteria e retoacuterica cumprem um papel substancial pois eacute por

intermeacutedio dos argumentos e da exposiccedilatildeo destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades Observamos que nas maiores universidades da Europa a retoacuterica e a oratoacuteria perderam muito espaccedilo no ambiente acadecircmico

A Retoacuterica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituiccedilotildees europeias de ensino ao contraacuterio do que aconteceu nos Estados Unidos da Ameacuterica Embora tenham surgido na Europa algumas revistas sociedades de Retoacuterica reimpressotildees de textos claacutessicos e se tenham publicado seacuteries de estudos sobre Retoacuterica em editoriais de renome eacute impossiacutevel hoje qualquer consenso quanto agrave asserccedilatildeo de M Capella sobre a Retoacuterica como laquopotens rerum omnium reginaraquo ou quanto agrave promoccedilatildeo da Retoacuterica a laquorainha antiga e nova das ciecircnciasraquo assinada pelo professor de Retoacuterica de Tuebingen W Jens que antecipou a visatildeo utoacutepica da Retoacuterica como laquouma ciecircncia do futuroraquo proposta por J Dubois Poreacutem o fim da Retoacuterica como disciplina ou laquoRhetoricadocensraquo natildeo coincide com o desaparecimento da praacutexis retoacuterica (Rhetoricautens Oratoria Eloquentia) tampouco com a extinccedilatildeo da sua existecircncia residual em teorias de composiccedilatildeo literaacuteria em regras de comportamento em expressotildees do discurso pragmaacutetico nem com a cessaccedilatildeo da sua eficaacutecia histoacuterica na tipologia variada da histoacuteria das ideias e da cultura Eacute sobretudo a teoria retoacuterica do texto e a sua influecircncia histoacuterica a que o Ocidente se expocircs que merecem uma particular atenccedilatildeo dadas as suas estreitas relaccedilotildees com a Hermenecircutica e a Filosofia (PEREIRA 1994 p 6)

Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retoacuterica e a oratoacuteria satildeo

consideradas subaacutereas de conhecimento filosoacutefico entendemos que para discutir bem o problema da argumentaccedilatildeo precisamos de uma discussatildeo profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retoacuterica no debate de ideias

A histoacuteria da Retoacuterica foi de fato a de uma laquorestriccedilatildeo generalizadaraquo na expressatildeo de G Genette ou de uma laquoextinccedilatildeo progressivaraquo segundo R Barthes ateacute se confundir com uma teoria dos tropos se recordarmos que a queda da cidade democraacutetica arrastou consigo a morte da intervenccedilatildeo poliacutetica da Retoacuterica e forccedilou o seu exiacutelio esteacutetico de cuja impotecircncia brotou a figura de uma laquoeloquentia tacensraquo embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retoacuterica judiciaacuteria e epidiacutectica respectivamente Expressotildees

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como laquorenascimentoraquo ou laquoreabilitaccedilatildeo da Retoacutericaraquo laquoRhetorica redivivaraquo laquoRhetoric revaluedraquo laquoreturn of Rhetoricraquo laquoRhetoric resituatedraquo etc natildeo soacute repotildeem a Retoacuterica na raiz histoacuterica de muitas disciplinas modernas mas fazem dela um laquopotencial sugestivoraquo para a reformulaccedilatildeo da problemaacutetica do homem contemporacircneo embora se reconheccedila com P Ricoeur que a sua existecircncia como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos coleacutegios em meados do seacutec XIX A Retoacuterica de Aristoacuteteles foi uma teoria da argumentaccedilatildeo que se articulava com a sua vizinha loacutegica da demonstraccedilatildeo e com a filosofia uma teoria da elocuccedilatildeo e uma teoria da composiccedilatildeo do discurso Com a sua reduccedilatildeo tradicional a uma simples teoria da elocuccedilatildeo e depois a uma teoria dos tropos a Retoacuterica perdeu o laccedilo que a prendia agrave Filosofia e tornou-se laquouma disciplina erraacutetica e fuacutetilraquo O esquema da Retoacuterica de Aristoacuteteles representou a racionalizaccedilatildeo de uma disciplina que se propusera reger todos os usos da palavra puacuteblica sobretudo o seu poder de decisatildeo e o seu domiacutenio no tribunal na assembleia poliacutetica no elogio e no panegiacuterio O poder de dispor dos homens mediante o domiacutenio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de seduccedilatildeo e mentira a histoacuteria do discurso humano A loacutegica da verossimilhanccedila aparecia como uma soluccedilatildeo de recurso para uma Retoacuterica ferida de substancial ambiguidade As suas provas natildeo se regem pela loacutegica da necessidade mas do verossiacutemil e do contingente porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias natildeo obedecem aos quadros riacutegidos de uma axiomaacutetica dogmaacutetica O grande meacuterito de Aristoacuteteles foi ter elaborado o laccedilo entre o conceito retoacuterico de persuasatildeo e o conceito loacutegico de verossiacutemil e ter construiacutedo sobre esta relaccedilatildeo o edifiacutecio inteiro de uma Retoacuterica filosoacutefica (PEREIRA 1994 p 7)

Assim a retoacuterica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo Ao retomarmos o estudo dos gregos percebemos o grande valor desta na construccedilatildeo dos argumentos filosoacuteficos

Deste modo a oratoacuteria grega surge como um modo de exposiccedilatildeo de conceitos e definiccedilotildees que permitem o entendimento das grandes questotildees filosoacuteficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiaacuteveis

Sabemos que a discussatildeo filosoacutefica somente eacute possiacutevel se considerarmos a existecircncia de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias Eis que a retoacuterica para vocecirc estudante eacute uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se vocecirc quiser transmitir com qualidade a sua mensagem Por isso a importacircncia da retoacuterica eacute substancial na organizaccedilatildeo e difusatildeo de um discurso elaborado e de boa qualidade

A Retoacuterica partilha com a Poeacutetica e a Hermenecircutica o terreno do discurso articulado em configuraccedilotildees mais extensas do que a frase ou unidade miacutenima em que algueacutem diz algo a algueacutem sobre alguma coisa realizando a triacuteplice mediaccedilatildeo entre homem e mundo homem e outro homem e homem e si-mesmo O discurso retoacuterico eacute o mais antigo discurso racional hiperfraacutestico do Ocidente nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no seacutec VI aC mas dominado pela ambiccedilatildeo de cobrir o campo inteiro

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

do uso discursivo da linguagem Por isso o modelo retoacuterico de argumentaccedilatildeo pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razatildeo praacutetica (moral direito poliacutetica) e do campo inteiro da Filosofia Orientada para o ouvinte a argumentaccedilatildeo retoacuterica eacute uma teacutecnica de persuasatildeo em que dizer eacute fazer eacute conquistar o assentimento do auditoacuterio e por isso o discurso retoacuterico eacute ilocutoacuterio e perlocutoacuterio Neste caso a argumentaccedilatildeo natildeo inova porque o orador se adapta agrave temaacutetica das ideias admitidas limitando-se a transferir para as conclusotildees a adesatildeo concedida agraves premissas e desenvolvendo teacutecnicas intermediaacuterias sempre em funccedilatildeo da adesatildeo efetiva ou presumida do auditoacuterio A vulnerabilidade do discurso retoacuterico estaacute patente pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar do acordo preacutevio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos da arte de agradar para a arte de seduzir do discurso da constituiccedilatildeo imaginaacuteria da sociedade e da sua identidade para a perversatildeo do discurso ideoloacutegico No iniacutecio da deacutecada de 80 falava-se da marcha imparaacutevel da Retoacuterica que invadia a Estiliacutestica Estrutural a Teoria do Texto e da Literatura e a Semacircntica Linguiacutestica enquanto as Ciecircncias Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influecircncias marcantes da Retoacuterica regressada para os mais entusiastas do exiacutelio apoacutes a caluacutenia de que teria sido viacutetima (PEREIRA 1994 p 8)

Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retoacuterica e da

oratoacuteria existem outros tantos que reconhecem seu caraacuteter imprescindiacutevel na elaboraccedilatildeo e exposiccedilatildeo de textos filosoacuteficos e teoloacutegicos Ao estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve ficar bem explicado que haacute um meacutetodo que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos

O relativismo influenciou de modo muito forte as formulaccedilotildees retoacutericas de todo o pensamento ocidental Pereira (1994) reconhece essa influecircncia e explica o problema de maneira bastante detalhada

A filosofia de Protaacutegoras eacute uma fundamentaccedilatildeo da Retoacuterica pois o laquohomo mensuraraquo enquanto laquohomo loquensraquo condensa a Antropologia da Retoacuterica em que o acordo eacute realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades praacuteticas de cooperaccedilatildeo e de socializaccedilatildeo porque faltam no ponto de vista bioloacutegico laquoregulaccedilotildees preacuteviasraquo e laquoestruturas de adaptaccedilatildeoraquo e esta falha natildeo pode ser compensada com ecircxito por evidecircncias teoacutericas e normativas nem por mecanismos de coaccedilatildeo poliacutetica A Sofiacutestica como resposta agrave crise provocada pela perda de crenccedila nas grandes narraccedilotildees coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicaccedilatildeo linguiacutestica sem qualquer referente real mas com poder de decidir do sentido da realidade Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor deixou a Retoacuterica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassaacutevel e jamais definitiva mas sempre convencional e provisoacuteria Com o laquolinguisticturnraquo proveniente da Filosofia Analiacutetica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L Wittgenstein a linguagem deixou de ser mera expressatildeo da consciecircncia mas o acontecimento da proacutepria consciecircncia cuja estruturaccedilatildeo linguiacutestica se tornou objeto da reflexatildeo filosoacutefica Enquanto J Habermas soacute no comeccedilo dos anos 80 realizou a sua viragem linguiacutestica tomando por modelo de accedilatildeo comunicativa

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a concepccedilatildeo de linguagem de K Buehler os estudos realizados por K O Apel nos anos 50 prepararam jaacute a transformaccedilatildeo linguiacutestico-hermenecircutica do Kantismo e a sua tese de habilitaccedilatildeo intitulada A Ideia de Linguagem na Tradiccedilatildeo do Humanismo de Dante ateacute Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova laquoPrima Philosophiaraquo que substituiacutea a velha Ontologia por ser a radicalizaccedilatildeo da criacutetica kantiana do conhecimento e a sua transformaccedilatildeo em criacutetica da linguagem que eacute uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicaccedilatildeo sem exclusotildees nem repressotildees A valorizaccedilatildeo da Sofiacutestica e da Retoacuterica natildeo reprimiu a consciecircncia dos perigos dos equiacutevocos histoacutericos do discurso retoacuterico e por isso K O Apel distingue da Retoacuterica da persuasatildeo psicoloacutegica a Retoacuterica da convicccedilatildeo cuja loacutegica de argumentaccedilatildeo pragmaacutetica permite reconstruir idealmente as condiccedilotildees de um consenso verdadeiro e universalizaacutevel ou do auditoacuterio universal segundo a terminologia de Ch Perelman Na comunicaccedilatildeo argumentativa de J Habermas eacute indissoluacutevel a vinculaccedilatildeo de teoria e praacutexis pois a ciecircncia natildeo eacute neutra mas orientada por determinados interesses que satildeo as suas condiccedilotildees transcendentais de possibilidade J Habermas apropriou-se de uma divisatildeo do saber que em 1929 Max E Scheler propusera na sua obra Visatildeo Filosoacutefica de Mundo laquosaber de domiacutenioraquo laquosaber formativoraquo e laquosaber salvadorraquo (PEREIRA 1994 p 50-51)

O caminho percorrido pela retoacuterica referenciado anteriormente mostra as variaccedilotildees entre teoria e praacutetica ao longo dos seacuteculos no Ocidente Com efeito as variaccedilotildees apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes agrave argumentaccedilatildeo

Oratoacuteria e Retoacuterica TeoloacutegicaA retoacuterica e a oratoacuteria teoloacutegica natildeo satildeo muito diferentes da retoacuterica e oratoacuteria

filosoacutefica mas o objetivo eacute outro Se a retoacuterica filosoacutefica se propotildee ao debate de ideias e sua contraposiccedilatildeo para produzir um debate e uma estrutura dialeacutetica a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento Para construir um argumento que convenccedila a plateia o orador deve observar alguns criteacuterios Reboul (apud SEGUNDO 2006 p 75)

[] pontua as cinco caracteriacutesticas que diferenciam fundamentalmente a demonstraccedilatildeo da argumentaccedilatildeo1 nesta o discurso sempre se dirige a um auditoacuterio que para Reboul eacute sempre particular de modo que o auditoacuterio universal se constitui apenas em uma pretensatildeo abstraccedilatildeo ou ideal argumentativo 2 aleacutem disso a argumentaccedilatildeo expressa-se em liacutengua natural sofrendo as consequecircncias de sua opacidade

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3 por trabalhar com o verossiacutemil as premissas argumentativas nunca satildeo verdades propriamente ditas o que demanda uma relaccedilatildeo interpessoal de confianccedila atenccedilatildeo e reconhecimento de autoridade da parte do auditoacuterio em relaccedilatildeo ao orador 4 nesse sentido a progressatildeo dos argumentos depende do orador que procuraraacute ordenaacute-los de modo a satisfazer as condiccedilotildees de persuasatildeo projetadas por ele acerca daquele auditoacuterio 5 por conseguinte as conclusotildees tornam-se sempre contestaacuteveis jaacute que o auditoacuterio pode rejeitaacute-las ou aceitaacute-las mediante seu julgamento Consequentemente natildeo cabe na argumentaccedilatildeo isolar razatildeo e emoccedilatildeo As duas caminham necessariamente juntas na medida em que crenccedilas satildeo intrinsecamente afetivas e afetaratildeo o julgamento e a conclusatildeo independentemente do caminho racional da disposiccedilatildeo argumentativa apresentada (SEGUNDO 2006 p 75)

Desta maneira a principal diferenccedila presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teoloacutegicas em questatildeo Por isso a verdade teoloacutegica transmitida pela chamada oratoacuteria e retoacuterica teoloacutegica deve levar o interlocutor ao convencimento Neste aspecto o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem

A vocecirc estudante da disciplina de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ficar claro que na teologia natildeo podem ser produzidas questotildees que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem soluccedilatildeo Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposiccedilotildees sobre aquilo que a dimensatildeo teoloacutegica abarca e o que escapa a este modo de pensar Citamos na sequecircncia um exemplo de discurso para que vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica entenda como podemos interpretar os diversos significados A discussatildeo toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte

Figura 1 ndash Exemplo de discurso tirinha Mafalda

Fonte Disponiacutevel em lthttpastroptorgblogwp-contentuploads201201Mafalda1jpggt Acesso em 10 jul 2017

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Observamos que a discussatildeo natildeo possui nenhum argumento empiacuterico que sustente a possibilidade evocada mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor

Na teologia observamos uma terminologia proacutepria que o indiviacuteduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer vejamos um exemplo

Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica Jesus lhe responde com outra pergunta ldquoQue estaacute escrito na Lei Como interpretasrdquo - que embora de forma impliacutecita estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princiacutepios da sagrada Lei de Deus Inquirido o inteacuterprete da Lei respondeu ldquoAmaraacutes o Senhor teu Deus de todo o teu coraccedilatildeo de toda a tua alma com toda a tua forccedila e de todo o teu entendimento e a teu proacuteximo como a ti mesmordquo A resposta evidencia uma correlaccedilatildeo de dois textos mosaicos Deuteronocircmio 6 5 e Leviacutetico 19 18 Utilizados assim permitem ao inteacuterprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essecircncia de toda a religiatildeo Ao findar o primeiro instante do debate Jesus respondeu de maneira notaacutevel agrave pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar ldquoRespondeste corretamente faze isto e viveraacutesrdquo O verbo grego ποιέω comumente traduzido por ldquofazerrdquo ldquopraticarrdquo encontra-se nesse versiacuteculo no particiacutepio imperfeito ποίει expressando dessa forma uma ideia de accedilatildeo constante de praacutetica vitaliacutecia Com efeito a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergecircncia entre ortodoxia e ortopraxia A premissa teoloacutegica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e concomitantemente com o evangelho de Jesus Entretanto o cerne da questatildeo era Seraacute que este inteacuterprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo A disposiccedilatildeo cognitiva deste doutor era excelente no entanto seu desempenho ainda era questionaacutevel Ao analisar essa paraacutebola Joachim Jeremias afirma O fato de Jesus surpreendentemente remetecirc-lo ao agir como sendo a vida para a vida deve se entender a partir igualmente desta situaccedilatildeo concreta todo o conhecimento teoloacutegico de nada serve se o amor para com Deus e para com o proacuteximo natildeo determinar a direccedilatildeo da vida A proposta filosoacutefica da eacutetica da alteridade encontra profundas raiacutezes nesta premissa teoloacutegica Eacute inevitaacutevel a identificaccedilatildeo do projeto filosoacutefico levinasiano com a Lei de Moiseacutes uma vez que Levinas fora instruiacutedo em um contexto marcado por um profundo espiacuterito de dedicaccedilatildeo agrave Lei Nilo Ribeiro Juacutenior ao descrever a relaccedilatildeo entre Levinas e as Escrituras sublinha que ldquoo ponto de partida do pensamento filosoacutefico levinasiano eacute a Escritura considerada como fonte natildeo filosoacutefica da filosofiardquo Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profeacutetico de amor a Deus e ao proacuteximo Essa nova concepccedilatildeo da tarefa da filosofia rompeu com a claacutessica definiccedilatildeo da filosofia enquanto ldquoamor agrave sabedoriardquo estabelecendo-a como ldquosabedoria de amarrdquo Em Levinas a verdadeira sabedoria natildeo consiste em uma reflexatildeo teoreacutetica ou mesmo em um vil conhecimento cientiacutefico que tende a reduzir os sujeitos a objetos mas consiste em uma vivecircncia de amor compassivo que se faz responsabilidade pelo outro como expressatildeo radical do amor a Deus e escopo do ser humano Dessa forma toda a reflexatildeo levinasiana eacute um postulado do amor proposto pela Lei mosaica interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON ALMEIDA 2016 p 51-52)

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Deste modo o teoacutelogo articula uma sequecircncia teoloacutegica de argumentos com um pensamento filosoacutefico de um autor contemporacircneo tomando o cuidado de complementar as ideias

Por isso a oratoacuteria e a retoacuterica teoloacutegica possuem forte inclinaccedilatildeo ao convencimento e agrave persuasatildeo que dependem sobretudo do caraacuteter e da formaccedilatildeo do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos Em outras palavras a formaccedilatildeo moral dos dirigentes religiosos padres pastores e outros precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito

Moral e Retoacuterica Aspectos Fundamentais

A relaccedilatildeo entre moral e retoacuterica eacute uma das questotildees muito importantes para vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica pois eacute uma questatildeo que implica na exposiccedilatildeo dos argumentos Antes de detalharmos o problema da moral precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicaccedilatildeo de fenocircmenos e de seus signos e representaccedilotildees

Das narraccedilotildees miacuteticas chegaram-nos as metaacuteforas da morada e do caminho da retidatildeo da vida e da erracircncia e foi ainda em termos de ecircxodo que I Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova eacutepoca da razatildeo laquoAufklaerung eacute a saiacuteda do homem da sua menoridade culpaacutevelraquo Esta libertaccedilatildeo da casa-prisatildeo da razatildeo menor teve uma provocante traduccedilatildeo na secularizaccedilatildeo dos quatro sentidos da Escritura em vez do sentido literal ou histoacuterico da realidade a posiccedilatildeo transcendental constituinte de objetos para noacutes com a suspensatildeo da inatingiacutevel coisa-em-si em vez do sentido tropoloacutegico ou moral inseparaacutevel da teologia a pergunta eacutetica racional pelo que eu devo fazer em vez do sentido alegoacuterico ou simboacutelico a pergunta da razatildeo pelo que se pode humanamente conhecer em vez do sentido anagoacutegico ou miacutestico a pergunta racional pelo que se pode esperar A maioridade da razatildeo estaacute na reduccedilatildeo de todas as perguntas agrave pergunta pelo homem e consequentemente de todas as respostas a proposiccedilotildees racionais dentro dos limites humanos do conhecer do agir e do esperar Apoacutes a eliminaccedilatildeo kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploraccedilatildeo dentro da filosofia da vida da linguagem enquanto notificadora de vivecircncias do sujeito G Frege distinguiu em 1892 na concepccedilatildeo global de sentido dois momentos o do sentido propriamente dito e o da relaccedilatildeo agraves coisas que a versatildeo francesa traduziu por laquodenotaccedilatildeoraquo e a inglesa por laquoreferecircnciaraquo Agrave distinccedilatildeo entre a realidade material e as dimensotildees psicoloacutegica loacutegica e referencial do signo G Frege acrescentou que natildeo eacute o ato do intelecto mas o signo que pelo sentido e pela referecircncia realiza a verdade como adequaccedilatildeo ou tracircnsito do sentido para a referecircncia modelarmente realizado pelas ciecircncias (PEREIRA 1994 p 23)

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O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relaccedilatildeo agrave linguagem e o alcance de seus discursos retoacutericos Conforme entende Reboul (2004) a retoacuterica e a oratoacuteria possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variaccedilotildees natildeo haacute evoluccedilatildeo no pensamento filosoacutefico retoacuterico Eacute a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento

Neste sentido a moral (Kant) do orador ou seja as virtudes morais do orador satildeo importantes para que se possa produzir um modo de exposiccedilatildeo adequado das ideias ou argumentos

A questatildeo da autoridade moral ligada agrave pessoa do orador se recoloca em um primeiro sentido trata-se realmente dos seus caracteres reais Assim Bourdaloue afirma que ldquo1 o orador convenceraacute por argumentos se para bem dizer ele comeccedilar por pensar bem 2 Ele agradaraacute pelos seus modos se para pensar bem ele comeccedilar por bem viverrdquo Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espiacuteritos No entanto Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retoacutericas de Gibert de Crevier e de outros para mostrar que a questatildeo da moralidade natildeo elidia nos claacutessicos a ideia de uma construccedilatildeo do orador pelo seu discurso Eacute o sentido dos ldquocaracteres oratoacuteriosrdquo ou imagem produzida pelo discurso a ser distinguido dos caracteres reais Distinguimos caracteres oratoacuterios de caracteres reais Isso natildeo apresenta dificuldades pois quer algueacutem efetivamente honesto quer seja piedoso religioso modesto justo faacutecil no conviacutevio com o mundo ou ao contraacuterio quer seja corrompido [] aqui estaacute o que chamamos caracteres reais Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso isso se chama caracteres oratoacuterios quer ele seja tal como pareccedila ser quer pareccedila mesmo sem o ser Pois pode-se mostrar algo sem secirc-lo e pode-se natildeo parecer tal e ainda assim o ser pois isso depende da maneira como se fala A preocupaccedilatildeo com a moral impede a dissociaccedilatildeo clara dos dois planos assim distinguidos Gibert nota que os caracteres ldquomarcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o oradorrdquo Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais claacutessicos que a eficaacutecia do discurso deriva claramente dos caracteres oratoacuterios e natildeo dos caracteres reais Eacute interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma anaacutelise do ethos definido como a construccedilatildeo de uma imagem de si correspondente agrave finalidade do discurso (AMOSSY 2005 p 18)

Com efeito a moral do orador ou da retoacuterica natildeo eacute regra aplicada aos outros mas a vocecirc que deseja ser um bom expositor de pensamentos Eacute fundamental a intenccedilatildeo do orador se sua intenccedilatildeo eacute ludibriar convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais Na retoacuterica de nossos dias muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexatildeo mais profunda

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Uma teoria do ethos fundada na uniatildeo entre a retoacuterica e a narratologia foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W Halsal para a ldquonarrativa pragmaacuteticardquo Ela se funda no exame da concepccedilatildeo aristoteacutelica de autoridade aplicada a uma questatildeo frequentemente debatida na poeacutetica da narrativa a da credibilidade do narrador A escola americana do ldquoponto de vistardquo iniciada por Percy Lubbock a narratologia de Kaumlte Hamburguer e de Doritt Cohn as taxionomias de Geacuterard Genette e de Mieke Bal fornecem noccedilotildees (como a voz e o modo narrativos a focalizaccedilatildeo) e as distinccedilotildees (entre autornarradorpersonagem e tambeacutem entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questatildeo da imagem do locutor no quadro especiacutefico da narraccedilatildeo Halsall combina esses dados com os fornecidos natildeo soacute pela Retoacuterica mas tambeacutem pela Poeacutetica de Aristoacuteteles para ver como e em que condiccedilotildees o enunciador parece confiaacutevel aos olhos do leitor Ao fazecirc-lo Halsall reformula a problemaacutetica do ldquonarrador digno de confianccedilardquo em termos greimasianos de ldquocontrato fiduciaacuteriordquo Toda comunicaccedilatildeo estaacute fundada em uma confianccedila miacutenima entre os protagonistas e cabe a uma retoacuterica narrativa segundo o autor determinar como ldquoa enunciaccedilatildeo contribui para criar no enunciataacuterio uma relaccedilatildeo de confianccedila fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencerrdquo O interesse pela narrativa proveacutem segundo Halsall da complexidade e frequentemente da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas De fato o ponto de vista e a voz do personagem natildeo remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegeacutetico A autoridade acordada a um ou a outro natildeo eacute natural e deve ser negociada As diferentes possibilidades satildeo o apanaacutegio do narrador que se manteacutem fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual por exemplo) e do narrador intradiegeacutetico (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar) Entretanto a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar oferecendo assim numerosos casos de indefiniccedilatildeo acerca da confiabilidade do enunciador e consequentemente do sentido do enunciado A narrativa pragmaacutetica que visa a persuadir tende a reduzir ao maacuteximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso Nessa oacutetica Halsall examina as diferentes figuras que a retoacuterica coloca agrave disposiccedilatildeo da narraccedilatildeo para assegurar a autoridade do narrador O autor as divide seguindo Aristoacuteteles em dois grupos o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos e o dos argumentos internos ao discurso Na primeira categoria ele agrupa o apelo aos princiacutepios atestados ou apodeixis (a nota aforiacutestica) o proveacuterbio ou a sentenccedila o apelo agrave proacutepria experiecircncia ou martyria as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc A segunda categoria compreende o panegiacuterico dos ouvintes (comprobatio) a declaraccedilatildeo de boas intenccedilotildees (eucharistie) etc Outras figuras pertencem ao pathos a simulaccedilatildeo de submissatildeo (philophronegravese) e o eulogie ou becircnccedilatildeo A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptaacute-las agraves estrateacutegias narrativas Halsall o demonstra em diversas narrativas literaacuterias entre as quais O uacuteltimo dia de um condenado de Victor Hugo (AMOSSY 2005 p 20-22)

Essa teoria que une a retoacuterica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada Natildeo basta um modelo estiliacutestico eacute preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Atividade de Estudos

1) Leia o texto disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt paacutegina 25 a 26 e explique o que vocecirc entende sobre a possibilidade de uma retoacuterica integrada agrave linguiacutestica Explique com suas palavras

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Argumentaccedilatildeo Pedagoacutegica Filosoacutefica

A argumentaccedilatildeo retoacuterica pode ser pedagoacutegica ou filosoacutefica Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica eacute aquela que produz um efeito educativo quer constranger o outro indiviacuteduo a seguir aquilo que estaacute sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI 2012) Jaacute a argumentaccedilatildeo filosoacutefica eacute aquela em que se prioriza a exposiccedilatildeo de ideias e que implica necessariamente em um debate ou na exposiccedilatildeo linear e concatenada de argumentos

Uma argumentaccedilatildeo pedagoacutegica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte Com efeito para falarmos de uma retoacuterica e de uma oratoacuteria pedagoacutegica precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas

A Pedagogia Retoacuterica por conseguinte ressaltou especialmente o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores Por essa razatildeo era por natureza canocircnica Segundo Burton (1994 p 96) a Pedagogia Retoacuterica repousa numa iacutentima relaccedilatildeo entre leituraescrita e observaccedilatildeocomposiccedilatildeo Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas anaacutelise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecaccedilatildeo do texto modelo praelectio) e gecircnese A observaccedilatildeo de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiccediloa a fala e a escrita Assim o incentivo agrave leitura natildeo se deve somente agrave busca do conteuacutedo mas tambeacutem agrave busca de teacutecnicas e estrateacutegias uacuteteis Tais teacutecnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes atraveacutes de vaacuterios tipos de exerciacutecios de imitaccedilatildeo ndash

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Imitatio Esse termo imitatiomiacutemesis (imitaccedilatildeo) em sua origem refere-se agrave accedilatildeo ou faculdade de imitar de copiar de reproduzir ou representar a natureza o que para Aristoacuteteles eacute o fundamento da arte Entretanto a imitatio natildeo eacute exclusividade da gecircnese da arte Toda accedilatildeo humana inclui procedimentos mimeacuteticos a aptidatildeo do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitaccedilatildeo Desse modo Aristoacuteteles defendia que eacute a miacutemesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1 IV) Portanto a imitatio eacute sem duacutevida o maior pilar da Pedagogia Retoacuterica Outra concepccedilatildeo basilar para a Retoacuterica eacute a divisatildeo entre ldquoo que eacuterdquo comunicado por meio da linguagem e ldquocomordquo isso eacute comunicado a distinccedilatildeo entre forma e conteuacutedo ndash para Aristoacuteteles logos e lexis res e verba para Quintiliano bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luiacutes Vives Essa divisatildeo embora questionaacutevel e questionada ndash jaacute que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisiacutevel da expressatildeo verbal e das ideias ndash eacute muito uacutetil se entendida como um artifiacutecio para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retoacuterica na qual a praacutetica da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteuacutedo (SOUKI 2012 p 2)

Nesse sentido o sujeito que utiliza da argumentaccedilatildeo pedagoacutegica sempre se preocupa em expor um argumento para algueacutem e como consequecircncia quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor

Se a opccedilatildeo do orador for utilizar argumentaccedilatildeo filosoacutefica deve ficar claro que o sujeito supotildee uma oposiccedilatildeo de argumentos ou uma exposiccedilatildeo com sequecircncia loacutegica e com uma finalidade de expor as ideias natildeo necessariamente o convencimento

Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposiccedilatildeo de argumentos Vocecirc estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica deve ter em mente essa distinccedilatildeo para escolher o modo adequado de argumentaccedilatildeo

Eacute importante recordar alguns pontos fundamentais da retoacuterica e da oratoacuteria para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela

Embora se deva a Hermaacutegoras o mais antigo tratamento dos estudos retoacutericos foi Ciacutecero que efetivamente legou para a posteridade essa divisatildeo dos estudos retoacutericos como os Cacircnones da Retoacuterica (Ciacutecero De Inuentione 17 Ciacutecero De Oratore 131-142 Quintiliano Institutio Oratoria 33) Foram organizados em cinco categorias invenccedilatildeo (Inuentio) arranjo (Dispositio) estilo (Elocutio) memoacuteria (Memoria) e apresentaccedilatildeoperformance (Pronuntiatio) Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a criacutetica do discurso e portanto se configuravam em um padratildeo para a educaccedilatildeo retoacuterica e para o ensino da gecircnese dos discursos Particularmente o cacircnone heuresisinuentio que significa descoberta de fontes para a persuasatildeo discursiva estaacute latente em todo problema retoacuterico O proacuteprio termo latino

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Oratoacuteria e Retoacuterica

inuentio do grego heuresis em portuguecircs significa invenccedilatildeo ou descoberta Esse cacircnone foi na antiguidade um dos processos mais teorizados por estudiosos retoacutericos da eacutepoca principalmente por Aristoacuteteles que definia a Retoacuterica como invenccedilatildeo Por isso a categoria invenccedilatildeo estaacute relacionada agrave essecircncia da persuasatildeo e argumentaccedilatildeo dessa arte milenar Para ele a Retoacuterica era uma das melhores formas de persuasatildeo (ARISTOacuteTELES Retoacuterica I 2) A Retoacuterica pode ser considerada uma disciplina praacutetica cujos preceitos se datildeo a partir de ferramentas a serem aplicadas na praacutetica E como a Retoacuterica na antiguidade natildeo dispunha de uma mateacuteria proacutepria os oradores tinham como meacuterito poder falar sobre qualquer assunto Na praacutetica entretanto os discursos eram para os oradores um desafio Isso na medida em que era necessaacuterio propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender Como preconizava Ciacutecero aleacutem do gecircnio inato era necessaacuterio ao orador o meacutetodo isto eacute a Retoacuterica para entatildeo buscar os melhores argumentos Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retoacuterica jaacute estaria em vantagem e que na falta dele era imperioso ao orador buscar artifiacutecios para descobrir argumentos Nesse caso a invenccedilatildeo ou heuresisinuentio era o meacutetodo para demarcar a descoberta desses argumentos Dessa maneira eacute fundamental nesta parte salientar os dois grandes tipos de argumentos de acordo com Aristoacuteteles Satildeo os seguintes os natildeo retoacutericos e os retoacutericos Os primeiros natildeo faziam parte da Retoacuterica eram argumentos externos agrave arte Os oradores ao utilizaacute-los natildeo necessitavam inventaacute-los descobri-los Dessa maneira precisavam apenas localizaacute-los e adequaacute-los ao discurso Acontece entre outros processos por meio do raciociacutenio loacutegico Por sua vez ocorre por induccedilatildeo ou deduccedilatildeo Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentaccedilatildeo ou seja a utilizaccedilatildeo dos argumentos natildeo retoacutericos jaacute que se faz importante conhececirc-los compreendecirc-los e entatildeo utilizaacute-los adequadamente quando conveniente (SOUKI 2012 p 4)

Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um

pensamento eacute a capacidade que iraacute distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um puacuteblico Desta maneira conforme jaacute apontou Soacutecrates devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a anaacutelise dos argumentos

A parte do diaacutelogo platocircnico apresentada na sequecircncia permite a vocecirc estudante um entendimento e uma aproximaccedilatildeo detalhada de um discurso retoacuterico refinado

Estrangeiro mdash Logo se haacute discurso verdadeiro e discurso falso e o pensamento se nos revelou como conversaccedilatildeo da alma consigo mesma e opiniatildeo como a conclusatildeo do pensamento vindo a ser o que designamos pela expressatildeo imagino uma mistura de sensaccedilatildeo e opiniatildeo forccediloso eacute que algumas sejam falsas dadas suas afinidades com o discursoTeeteto mdash Sem duacutevidaEstrangeiro mdash Como jaacute percebeste apanhamos mais depressa do que esperaacutevamos a falsa opiniatildeo e o falso discurso pois natildeo faz muito tiacutenhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizaacutevel

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A Arte de Argumentar Capiacutetulo 3

Teeteto mdash Jaacute percebi realmenteXLVIII mdash Estrangeiro mdash Por isso natildeo desanimemos ante o que ainda nos falta realizar e jaacute que conseguimos chegar ateacute aqui voltemos a tratar de nosso processo de divisatildeoTeeteto mdash Que divisatildeoEstrangeiro mdash Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens a da coacutepia e a dos simulacrosTeeteto mdash CertoEstrangeiro mdash E tambeacutem nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delasTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash E no auge de nossa confusatildeo trevas ainda mais densas nos envolveram com apresentar-se-nos o argumento de contestaccedilatildeo universal de que natildeo existe absolutamente nem coacutepia nem simulacro visto natildeo ser possiacutevel haver seja onde for qualquer espeacutecie de falsidadeTeeteto mdash Falaste com muito acertoEstrangeiro mdash Poreacutem uma vez provada a existecircncia de falsos discursos e de opiniotildees falsas eacute possiacutevel que haja imitaccedilatildeo dos seres e que dessa disposiccedilatildeo do espiacuterito nasccedila uma arte da falsidadeTeeteto mdash Eacute possiacutevel (PLATAtildeO 1980a p 66)

Cabe ao estudante de Oratoacuteria e Retoacuterica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caraacuteter e a suas convicccedilotildees pessoais para explicar e expor uma mensagem teoloacutegica filosoacutefica ou de outra ordem

Figuras de Pensamento e Figuras de Construccedilatildeo

As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL 2004) Desta maneira podemos falar de simples comparaccedilotildees que satildeo simplesmente cotidianas em nossos argumentos Podemos falar tambeacutem de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que satildeo muito comuns em meios juriacutedicos para suavizar determinados atos Merecem menccedilatildeo ainda os eufemismos linguiacutesticos que querem suavizar uma situaccedilatildeo insuportaacutevel Entre outros podemos falar ainda de argumentos comparativos indicativos ambiacuteguos literais e impliacutecitos

De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento o efeito resultante seraacute condicionado agrave amplitude da possibilidade que este tiver Por exemplo para convencer um determinado puacuteblico o orador escolhe um argumento indicativo e direto O resultado estaacute condicionado ao niacutevel da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou natildeo no convencimento mas o tipo do argumento eacute o principal determinante

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Agumas ConsideraccedilotildeesOs aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como

a retoacuterica e a oratoacuteria no decorrer da histoacuteria do conceito se desenvolveram E conforme aponta Reboul (2004) natildeo existe uma evoluccedilatildeo positivista na construccedilatildeo dos argumentos

Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retoacuterica e da

oratoacuteria com periacuteodos de destaque e outros de esquecimento Deve ficar claro que tanto a retoacuterica construccedilatildeo de argumentos quanto a oratoacuteria exposiccedilatildeo destes satildeo componentes do cotidiano de nossas existecircncias

ReferecircnciasAMOSSY Ruth Da noccedilatildeo retoacuterica de ethos agrave anaacutelise do discurso Imagens de si no discurso a construccedilatildeo do ethos Satildeo Paulo Contexto p 9-28 2005 Disponiacutevel em lthttpswwwufmgbronlinearquivosanexosLivro_trechopdfgt Acesso em 12 jun 2017

CHACON Almeida Deus no Outro a noccedilatildeo cristatilde de espiritualidade e sua interface com a eacutetica da alteridade Revista Eletrocircnica Espaccedilo Teoloacutegico Vol 10 n 18 juldez 2016 p 48-60 Disponiacutevel em lthttprevistaspucspbrindexphpreveleteogt Acesso em 15 jun 2017

PLATAtildeO Fedro Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980a

_______ Goacutergias Paraacute Universidade Federal do Paraacute 1980b

REBOUL O Introduccedilatildeo agrave retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2004

PEREIRA M P Retoacuterica hermenecircutica e filosofia Revista filosoacutefica de Coimbra n 5 v 3 1994 pp 5-70 Disponiacutevel em lthttpwwwucptflucdfcipublicacoesretorica__hermeneutica_e_filosofiagt Acesso em 10 jun 2017

SEGUNDO P R G Resenha de Olivier Reboul Introduccedilatildeo agrave Retoacuterica 2 ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2006

SOUKI J D O Argumentaccedilatildeo a pedagogia retoacuterica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva 2012 Disponiacutevel em lthttprevistaarnaldocostatecscombrindexphpfaculdadedireitoarnaldoarticledownload2014gt Acesso em 13 jun 2017

CAPIacuteTULO 4

Implicaccedilotildees da Retoacuterica

A partir da perspectiva do saber fazer neste capiacutetulo vocecirc teraacute os seguintes objetivos de aprendizagem

Escolher argumentos e formas de oratoacuteria para alguns grupos de pessoas

Diferenciar as hipoacuteteses de teses e posturas retoacutericas acerca de um tema

Construir um argumento retoacuterico que convenccedila

Formular uma oratoacuteria para um determinado puacuteblico

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Oratoacuteria e Retoacuterica

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

ContextualizaccedilatildeoNeste capiacutetulo procuramos apresentar a vocecirc estudante de oratoacuteria e

retoacuterica uma reflexatildeo sobre as implicaccedilotildees das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequecircncias destas escolhas

Implicaccedilotildees do ArgumentoQuando enunciamos um argumento devemos saber quais as devidas

implicaccedilotildees do que estamos expondo Ao apresentarmos um determinado argumento devemos saber de suas fontes se ele tem ou natildeo alguma relaccedilatildeo com a verdade no sentido platocircnico que remete agrave epistemologia dos fatos ou se eacute uma mera suposiccedilatildeo do intelecto que produz determinadas situaccedilotildees como fruto de nossa imaginaccedilatildeo

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica de raciociacutenios ele natildeo pode ser um enunciado vazio sem coerecircncia interna Para que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica entenda o que estaacute sendo dito daremos alguns exemplos

Exemplo (a) Soacutecrates eacute homem Todos os homens satildeo mortais Logo Soacutecrates eacute mortal (b) Vovoacute se chama Ana Vovocirc se chama Luacutecio Consequentemente eu me chamo Ana Luacutecia (c) Haacute exatamente 136 caixas de laranja no depoacutesito Cada caixa conteacutem pelo menos 140 laranjas Nenhuma caixa conteacutem mais do que 166 laranjas Deste modo no depoacutesito estatildeo pelo menos seis caixas contendo o mesmo nuacutemero de laranjas (VIANA 2012 p 4)

Natildeo queremos entrar em detalhes loacutegicos formais dos argumentos pois o

estudante de oratoacuteria e retoacuterica natildeo precisa de formalidades filosoacuteficas com detalhamentos matemaacuteticos Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema os estilos e a finalidade de seu argumento

Deste modo as implicaccedilotildees de um determinado argumento satildeo mensuraacuteveis ou seja calculaacuteveis Com efeito vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silecircncio Em muitos momentos da convivecircncia humana argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada logo o silecircncio tambeacutem eacute um argumento saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado por isso citamos um texto juriacutedico para o aluno distinguir do de teologia

Um argumento precisa ter uma sequecircncia loacutegica

de raciociacutenios ele natildeo pode ser um

enunciado vazio sem coerecircncia interna

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Argumentar eacute o ato de produzir argumentos Produzir um argumento eacute apresentar razotildees em defesa de uma conclusatildeo Essa natildeo eacute a uacutenica definiccedilatildeo possiacutevel do ato de argumentar Por exemplo haacute quem prefira entender argumentos como diaacutelogos isto eacute como seacuteries (mais ou menos longas) de afirmaccedilotildees objeccedilotildees e reacuteplicas Essa concepccedilatildeo ndash que poderia ser descrita como ldquodialoacutegicardquo ndash natildeo estaacute errada Ela eacute uacutetil em certos contextos e para certos propoacutesitos mas ela natildeo parece particularmente uacutetil para explicar a interlocuccedilatildeo juriacutedica Devemos adotar uma noccedilatildeo de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentaccedilatildeo juriacutedica Argumentar natildeo eacute exatamente um ato privado ou monoloacutegico (afinal argumentos juriacutedicos satildeo produzidos caracteristicamente no contexto de debates puacuteblicos) mas cada argumentador eacute responsaacutevel por seus proacuteprios argumentos Cada argumentador ao produzir um argumento apresenta as suas razotildees em defesa da sua conclusatildeo Isso natildeo quer dizer que argumentaccedilatildeo juriacutedica seja sempre competitiva ou conflituosa No ambiente acadecircmico por exemplo haacute muito espaccedilo para a colaboraccedilatildeo intelectual (SCHECAIRA 2012 p 1)

Por isso saber o alcance de um argumento e as devidas

consequecircncias eacute uma forma de o orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento adequado Atenccedilatildeo calcular as consequecircncias de seus argumentos natildeo eacute somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relaccedilatildeo utilitaacuteria eacute antes de tudo ter a sensibilidade de saber o que quando e para que serve o que estamos expondo Percebemos estas dificuldades em situaccedilotildees extremas por exemplo quando haacute uma trageacutedia ou quando haacute uma enfermidade grave em nosso meio Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando sendo que naquele momento ningueacutem tem

condiccedilotildees emocionais de escutar um argumento Consequentemente acabamos por falar em um momento em que as palavras natildeo satildeo o mais importante O contraacuterio tambeacutem eacute verdadeiro Quantas vezes jaacute nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos

Os elementos que formam um argumento satildeo proposiccedilotildees Segundo uma compreensatildeo claacutessica proposiccedilotildees podem ser verdadeiras ou falsas segundo corretamente expressem ou natildeo aquilo que ldquocorresponde aos fatosrdquo Jaacute os argumentos sendo estruturas de proposiccedilotildees natildeo satildeo passiacuteveis de verdade ou falsidade [] O seu ldquovalorrdquo epistecircmico se expressa pelas noccedilotildees de validade e relevacircncia Um argumento seraacute vaacutelido se e somente se for impossiacutevel que sua conclusatildeo seja falsa quando se assume que todas as premissas satildeo verdadeiras Com essa caracterizaccedilatildeo fica claro que somente argumentos do tipo loacutegico podem estritamente ser vaacutelidos Nos outros tipos deve-se adotar um padratildeo [] mais fraco de exigecircncia para a avaliaccedilatildeo do argumento Assim muitos filoacutesofos propuseram criteacuterios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores ou seja capazes em maior ou menor grau de conferir plausibilidade

Saber o alcance de um argumento

e as devidas consequecircncias eacute uma forma de o

orador saber o que estaacute fazendo Natildeo basta falar e expor

bem um argumento eacute preciso saber se eacute o local e o momento

adequado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

a suas conclusotildees quando se assume que suas premissas satildeo verdadeiras Um argumento seraacute dito relevante se e somente se aleacutem de vaacutelido todas as suas premissas forem de fato verdadeiras Se contiver ao menos uma premissa falsa seraacute irrelevante porque a existecircncia de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusatildeo eacute de fato verdadeira mesmo o argumento sendo vaacutelido (Um argumento vaacutelido ldquotransmiterdquo a verdade das premissas para a conclusatildeo se entre as premissas houver alguma que seja falsa sua falsidade poderaacute (mas natildeo necessariamente) ldquopassarrdquo para a conclusatildeo) (CHIBENI sd p 2)

Logo identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa iraacute contribuir para

que o estudante de oratoacuteria e retoacuterica se organize e conforme entende Reboul (2004) saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstacircncia

Atividade de Estudos

1) Indique o que vocecirc entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retoacuterica Explique com suas palavras

Se a retoacuterica com a revoluccedilatildeo romacircntica entrou em descreacutedito rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poeacuteticas se os estudos retoacutericos foram depois perdendo importacircncia sobretudo nas escolas da Europa continental tal fato natildeo significou como muitos pensaram e alguns desejaram a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 seacuteculos nem a sua exclusatildeo pelas forccedilas criadoras do gecircnio para o limbo das coisas inuacuteteis

Ao contraacuterio do que se poderia supor foi a retoacuterica em tempos de fasciacutenio pela utilidade imediata dos saberes e teacutecnicas de entre as artes da palavra aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessaacuterio e eficaz nas sociedades que ao longo do seacuteculo XX sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleraccedilatildeo histoacuterica

Com efeito se a comunicaccedilatildeo no passado era naturalmente limitada pelo espaccedilo ndash do tribunal da assembleia da igreja da praccedila puacuteblica ndash por natildeo haver maneira de propagar mais aleacutem a voz humana no nosso tempo instrumentos e teacutecnicas cada vez mais aperfeiccediloadas permitiram dar agrave palavra forccedila incoerciacutevel e eficaacutecia inaudita

Eacute verdade que haacute muito o homem vencera as barreiras do tempo por meio da escrita e lograra a propagaccedilatildeo do discurso atraveacutes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

do livro impresso a retoacuterica constitui-se como arte na Greacutecia do seacuteculo V a C quando se expande o conhecimento e uso da escrita a retoacuterica renasce na Itaacutelia do Quattrocento quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg com a imprensa a retoacuterica pocircde transformar-se em retoacuterica literaacuteria Mas esse era um tempo diferido que alterava as condiccedilotildees da situaccedilatildeo comunicacional e quando em diferentes momentos e por razotildees vaacuterias a retoacuterica eacute reduzida agrave teacutecnica de anaacutelise e composiccedilatildeo perde a sua dinacircmica padecendo de letteraturazione deleita talvez ensine deixa poreacutem de impelir agrave accedilatildeo a distacircncia entre orador e ouvinte dificulta o ofiacutecio de persuadir Esse foi o tempo da retoacuterica senza microfono

O seacuteculo passado viu nascer a comunicaccedilatildeo de massas a difusatildeo do discurso escrito e oral agrave escala planetaacuteria mercecirc de poderosos meios de amplificaccedilatildeo da voz humana o meio frio da galaacutexia de Guttenberg rapidamente substituiacutedo pelos canais quentes da era de McLuhan mas viu tambeacutem como tamanho poder perverte a verdadeira comunicaccedilatildeo na poacutelis deste nosso tempo saturado de discurso e informaccedilatildeo de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983 23-56 e Verdelho 1986 139-156)

[] Na Europa a recuperaccedilatildeo da retoacuterica processou-se sobretudo a dois niacuteveis no plano filosoacutefico e no campo dos estudos linguiacutesticos e literaacuterios A filosofia haacute muito tempo que excomungara a retoacuterica Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretoacuterica que desde Platatildeo marcava o pensamento filosoacutefico A reabilitaccedilatildeo da retoacuterica neste domiacutenio inicia-se em 1952 quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletacircnea de artigos sob o tiacutetulo Rheacutetorique et Philosophie aiacute proclamam o seu propoacutesito de estudar laquoles moyens drsquoargumentation autres que ceux relevant de la logique formelle qui permettent drsquoobtenir ou drsquoaccroicirctre lrsquoadheacutesion drsquoautrui aux thegraveses qursquoon propose agrave son assentimentraquo (Lempereur 1990 117) Em 1958 sistematizam essa teoria no Traiteacute de lrsquoargumentation que apresentam como nouvelle rheacutetorique Para resolver o velho dissiacutedio entre retoacuterica e filosofia Perelman regressa agrave tradiccedilatildeo claacutessica elegendo como texto fundacional a Retoacuterica de Aristoacuteteles (SOARES 2011 p 19-22)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Os Sofistas e a Retoacuterica de HojeO nascimento da retoacuterica no Ocidente se relaciona de modo substancial com

um movimento filosoacutefico antigo que foi contemporacircneo ao pensamento platocircnico por volta do seacuteculo IV aC que foi chamado de sofista Os sofistas satildeo um grupo de pensadores da eacutepoca de Platatildeo e que natildeo acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso Logo surgiu a contenda em que Platatildeo os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade A disputa entre Soacutecrates e os sofistas descrita por Platatildeo visto que Soacutecrates nada escreveu mostra este problema da discussatildeo sobre a elaboraccedilatildeo de um discurso presente entre os gregos Passamos agora para alguns trechos do diaacutelogo Sofista de Platatildeo para evitarmos a falsa impressatildeo de que a retoacuterica e a oratoacuteria evoluiacuteram O diaacutelogo comeccedila com Soacutecrates e Teodoro um amigo da eacutepoca

I mdash Teodoro mdash Fieacuteis Soacutecrates a nossa combinaccedilatildeo de ontem aqui estamos na melhor ordem Trouxemos conosco este Estrangeiro natural de Eleia eacute amigo dos disciacutepulos de Parmecircnides e de Zenatildeo e filoacutesofo de grande merecimentoSoacutecrates mdash Natildeo se daraacute o caso Teodoro de sem o saberes teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro segundo aquilo de Homero quando diz que de regra os deuses e particularmente o que preside agrave hospitalidade acompanham os cultores da justiccedila para observarem o orgulho ou a equidade dos homens Quem sabe se natildeo veio contigo uma dessas divindades para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tatildeo fracos todos noacutes algum deus disputadorTeodoro mdash Natildeo Soacutecrates natildeo eacute do caraacuteter do nosso Estrangeiro ele eacute mais modesto do que todos esses amantes de discussotildees Natildeo acho absolutamente que o homem seja alguma divindade Poreacutem divino teraacute de ser sem duacutevida natildeo eacute outro o qualificativo que costumo dar aos filoacutesofosSoacutecrates mdash E com razatildeo amigo Poreacutem talvez a raccedila dos filoacutesofos natildeo seja por assim dizer muito mais faacutecil de conhecer do que a dos deuses Em virtude da ignoracircncia da maioria esses varotildees percorrem as cidades sob as mais variadas aparecircncias contemplando sobranceiros a vida caacute de baixo Natildeo me refiro aos pretensos filoacutesofos poreacutem aos de verdade Aos olhos de algumas pessoas eles carecem em absoluto de merecimento para outros satildeo dignos de toda a consideraccedilatildeo Ora se apresentam como poliacuteticos ora como sofistas havendo ateacute quem decirc a impressatildeo de ser completamente louco Por isso mesmo gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro caso nada tenha a opor como pensam a esse respeito laacute por suas bandas e como os denominam (PLATAtildeO 1980 p 2-3)

Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou forccedila sob a fundamentaccedilatildeo retoacuterica do relativismo e das correntes filosoacuteficas que se apoiam nele Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver inaugurando a profissatildeo de professor ambulante seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade suplantando a busca da verdade da filosofia socraacutetico-platocircnica

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Oratoacuteria e Retoacuterica

E para irmos ao cerne do problema nos referimos agrave definiccedilatildeo dada por Soacutecrates no texto escrito por Platatildeo sobre os sofistas e seus estilos de argumentaccedilatildeo em defesa da natildeo existecircncia da verdade

III mdash Estrangeiro mdash Belas palavras poreacutem sobre isso tu mesmo resolveraacutes no decorrer de nossa discussatildeo No momento o que importa eacute te associares comigo para darmos iniacutecio ao nosso estudo a comeccedilar segundo penso pelo sofista investiguemo-lo e mostremos com nossa anaacutelise o que ele venha a ser Por enquanto eu e tu apenas num ponto estamos de acordo o nome Mas quanto agrave coisa designada por esse nome talvez cada um de noacutes faccedila ideia diferente Poreacutem em toda discussatildeo o que importa antes de tudo eacute ficar em concordacircncia com relaccedilatildeo agrave proacutepria coisa por meio da explicaccedilatildeo adequada natildeo apenas a respeito do nome sem aquela explicaccedilatildeo A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar natildeo eacute faacutecil de definir Mas para levar a bom termo empresas grandes segundo preceito antigo de aceitaccedilatildeo geral soacute seraacute de vantagem experimentar antes as forccedilas em temas menores e mais faacuteceis e soacute depois passar para os maiores Por isso Teeteto o que na presente situaccedilatildeo sugiro para noacutes dois jaacute que reconhecemos ser difiacutecil e trabalhosa a raccedila dos sofistas eacute nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples a menos que te ocorra indicar um caminho mais cocircmodoTeeteto ndash Natildeo nada me ocorre nesse sentido Estrangeiro mdash Concordas entatildeo em escolhermos um exemplo singelo e apresentaacute-lo como modelo para o maiorTeeteto mdash ConcordoEstrangeiro mdash Que assunto pois escolheremos simples a um tempo e faacutecil de conhecer mas cuja explicaccedilatildeo natildeo exija menor nuacutemero de caracteriacutesticas do que temas importantes O do pescador talvez Natildeo eacute assunto bastante conhecido e natildeo nos merece a maior atenccedilatildeoTeeteto ndash Isso mesmoEstrangeiro ndash Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definiccedilatildeo mais condizente com o nosso intentoTeeteto ndash Seria oacutetimoIV mdash Estrangeiro mdash Pois entatildeo comecemos por aiacute Dizei-me uma coisa como devemos concebecirc-lo eacute artista ou sujeito carecente de arte poreacutem dotado de alguma outra capacidadeTeeteto ndash De jeito nenhum poderaacute ser carecente de arteEstrangeiro ndash Mas todas as artes se reduzem a duas espeacuteciesTeeteto ndash Como assimEstrangeiro ndash A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal depois tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados a que damos o nome de utensiacutelios e por uacuteltimo a imitaccedilatildeo natildeo seraacute justo designar tudo isso por um uacutenico nomeTeeteto ndash Como assim e que nome seraacuteEstrangeiro ndash Damos o nome de produtor a quem traz para a existecircncia o que antes natildeo existia denominamos produto o que passa a existir em cada caso particularTeeteto ndash CertoEstrangeiro ndash Entatildeo designemos tudo aquilo por um nome uacutenico seratildeo as artes produtivasTeeteto ndash SejaEstrangeiro ndash Depois dessas vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento as do ganho a da luta e a da caccedila as quais nada fabricam mas que por meio da palavra ou da accedilatildeo procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido ou impedir que outros se apropriem O nome geneacuterico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATAtildeO 1980 p 5-6)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Neste sentido os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platatildeo e Aristoacuteteles Isso natildeo significa em superaccedilatildeo pois em filosofia natildeo existe conhecimento retoacuterico ultrapassado Vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica deve saber disso natildeo haacute conhecimento superado em filosofia Deste modo vocecirc pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retoacuterico mais adequado

Precisamos mencionar neste capiacutetulo que a passagem da arte da enganaccedilatildeo como era conhecida a retoacuterica e a oratoacuteria entre os gregos para a arte do falar bem envolve uma dinacircmica que implica em evoluccedilatildeo O que ocorreu eacute uma retomada da perspectiva dos sofistas da eacutepoca platocircnica pois embora Platatildeo os combatesse valorizava a arte retoacuterica destes

Houve tempos em que a retoacuterica foi tratada como sinocircnimo de enganaccedilatildeo A leitura do diaacutelogo Goacutergias de Platatildeo deixa evidente que a dupla serventia da persuasatildeo ndash ora podendo estar a serviccedilo do bem ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar O ensino e o uso da retoacuterica e da oratoacuteria para fins poliacuteticos tambeacutem contribuiacuteram para o seu afastamento do elenco dos meacutetodos cientiacuteficos Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de aacuteguas que marcou o momento em que a retoacuterica caiu no esquecimento Por isso mesmo na esteira das contestaccedilotildees pragmaacutetica e behaviorista no seacuteculo XX abriu-se caminho para o ressurgimento da retoacuterica A retoacuterica natildeo se trata portanto de uma corrente de pensamento mas sim de um instrumento E natildeo eacute correto tambeacutem ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento especiacutefica como alguns criacuteticos jaacute o fizeram no Brasil ao atacarem os seguidores da retoacuterica em diversos momentos como sendo difusores de instrumentos a serviccedilo do neoliberalismo O objetivo do projeto retoacuterico eacute o estudo pormenorizado do alcance da teacutecnica E eacute justamente por isso que o estudo da retoacuterica enquanto teacutecnica de persuasatildeo deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da aacuterea da economia a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenccedilatildeo para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodoloacutegico em detrimento da unicidade de meacutetodo alertam para a necessidade de natildeo se jogar fora o contraditoacuterio de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e agraves tratativas impessoais tatildeo presentes no hardcore neoclaacutessico Chamam ainda a atenccedilatildeo para a necessidade de facilitar a comunicaccedilatildeo entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA 2016 p 17)

Eacute importante mencionar que as teacutecnicas retoacutericas formais de construccedilatildeo de

um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo A filosofia e a retoacuterica filosoacutefica funcionam com a contraposiccedilatildeo das ideias e natildeo com descobertas cientiacuteficas Deste modo a filosofia e sua subaacuterea a retoacuterica satildeo maneiras de

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Oratoacuteria e Retoacuterica

pensar que permitem ao homem desde seus modelos conhecidos na Greacutecia e em outros lugares se debruccedilar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Greacutecia e arredores

Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retoacuterica parece ser a maneira menos controversa de defini-los Eles supriram a demanda por uma educaccedilatildeo juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos puacuteblicos e privados Vistos positivamente eles eram ldquoos transmissores de competecircncias valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira poliacutetica e de um modo geral nos ecircxitos mundanosrdquo (SOUSA PINTO 2002 p 13-14) Seu ensino era pago e eram procurados principalmente por jovens de famiacutelias abastadas que pretendiam alcanccedilar poder poliacutetico atraveacutes do domiacutenio das teacutecnicas do discurso persuasivo Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem futuramente os ensinamentos sofiacutesticos com fins inescrupulosos era um risco da profissatildeo e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados O estudo da retoacuterica orientado pelos sofistas incluiacutea desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais ateacute a discussatildeo de assuntos de composiccedilatildeo estrutura e argumentaccedilatildeo O objetivo destes estudos era a construccedilatildeo do discurso natildeo apenas mais adequado e convincente mas do melhor e mais envolvente Suas praacuteticas pretendiam o aprimoramento no uso de teacutecnicas discursivas tais como o uso do argumento provaacutevel ou verossimilhante contra-argumentaccedilatildeo e justaposiccedilatildeo de argumentos contraacuterios adequaccedilatildeo agrave ocasiatildeo (causa puacuteblico situaccedilatildeo etc) figuras de linguagem efeitos causados sobre o puacuteblico etc (PREZOTTO 2008 p 242)

Depois deste detalhamento importante queremos apontar como a

modernidade se desenvolveu sobre a definiccedilatildeo sofiacutestica de que natildeo existe a verdade O homem moderno resultado do desenvolvimento cientiacutefico chegou a acreditar em uma maacutexima relativista elencada por Protaacutegoras sofista grego ldquoo homem eacute a medida de todas as coisasrdquo de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade

De um modo geral alguns professores esclarecidos da geraccedilatildeo anterior assemelhavam-se aos sofistas como os preceptores de Peacutericles que ensinavam sobre astronomia geografia e fiacutesica e mantinham com seus alunos discussotildees dialeacuteticas acerca de problemas diversos No entanto embora partilhassem com seus predecessores o ofiacutecio de treinar os jovens para os deveres as atribuiccedilotildees e os acontecimentos da vida adulta privada ou puacuteblica os sofistas distinguiram-se [] por trazer agrave tarefa uma gama maior de conhecimento com uma maior multiplicidade de toacutepicos cientiacuteficos e outros - natildeo soacute poderes mais impressionantes de composiccedilatildeo e discurso servindo como um exemplo pessoal ao aluno mas tambeacutem uma compreensatildeo dos elementos da boa oratoacuteria para poder transmitir os preceitos conducentes agravequela realizaccedilatildeo - um tesouro consideraacutevel de pensamento acumulado

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

em moral e assuntos poliacuteticos destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos sobre temas gerais ou lsquolugares comunsrsquo para que os alunos aprendessem de cor (GROTE 1907 p 317) Acreditar que os sofistas transmitissem apenas teacutecnicas e aptidotildees especiacuteficas eacute simplificar o escopo de sua atuaccedilatildeo Influenciados pela filosofia jocircnica os sofistas satildeo racionalistas e inquiridores As explicaccedilotildees lsquonaturaisrsquo de Anaximandro em diante para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutaacuteveis natildeo mais como misteacuterios intangiacuteveis em que os papeacuteis fundamentais eram representados pelos deuses O contato com outros povos a percepccedilatildeo da relatividade dos valores morais dos costumes da religiatildeo foi outro fator que contribuiu para a formaccedilatildeo da nova geraccedilatildeo de pensadores relativistas e humanistas Outra caracteriacutestica dos sofistas eacute a de serem itinerantes assim como os antigos aedos Viajavam pelo mundo grego visitando vaacuterias cidades transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos em conferecircncias maiores ou em epiacutedeixeis Tambeacutem se apresentaram em festivais e em outras ocasiotildees puacuteblicas Dos sofistas mais famosos desta eacutepoca apenas Antiacutefon parece ter sido ateniense Protaacutegoras era de Abdera (na costa da Traacutecia) Goacutergias de Leontinos (na Siciacutelia) Proacutedico de Ceacuteos (em territoacuterio jocircnico) e Hiacutepias de Eacutelis (nordeste do Peloponeso) Todos eles estiveram em algum ou vaacuterios momentos de suas vidas em Atenas pois ldquoAtenas por uns 60 anos na segunda metade do seacuteculo V a C era o verdadeiro centro do movimento sofista De fato tanto isso eacute verdade que sem Atenas eacute provaacutevel que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO 2008 p 243-244)

Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na

modernidade procura explicar coisas para as quais natildeo pode dar uma resposta definitiva ou ainda atribui agrave ciecircncia essa tarefa que natildeo pode ser cumprida pois agrave ciecircncia compete investigar fenocircmenos e natildeo coisas em si conforme ensinou o filoacutesofo alematildeo Immanuel Kant (2005)

Todas as caracteriacutesticas do movimento sofista ateacute aqui expostas suscitam tanto admiraccedilatildeo como repulsa A nova educaccedilatildeo que promove eacute satirizada por Aristoacutefanes em As Nuvens Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso ensinando os jovens a justificarem maacutes accedilotildees com argumentos retoacutericos livrando-se assim de suas consequecircncias Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaccedila pelas mudanccedilas e discussotildees que incitavam os mais pobres que natildeo tinham acesso ao seu ensino viam-nos com preconceito como os detratores dos bons e velhos costumes Neste ambiente hostil lsquosofistarsquo passa a ser um tiacutetulo depreciativo usado para intelectuais adivinhos pedantes ateus fiacutesicos filoacutesofos etc implicando charlatanismo e velhacaria ou astuacutecia esperteza em sentido pejorativo A maacute reputaccedilatildeo dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platatildeo cuja opiniatildeo continua ainda hoje a influenciar a visatildeo que se tem do periacuteodo sofiacutestico Apenas a partir do seacutec XIX eacute que se comeccedila a desvincular o estudo do movimento sofista da visatildeo legada por Platatildeo A criacutetica platocircnica em linhas gerais recai sob duas acusaccedilotildees 1) os sofistas natildeo satildeo pensadores seacuterios e 2) eles satildeo indiviacuteduos imorais A primeira acusaccedilatildeo diz respeito ao empreendimento platocircnico que busca ridicularizar

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Oratoacuteria e Retoacuterica

as proposiccedilotildees ou as possiacuteveis conclusotildees advindas da reflexatildeo sofista negando agraves doutrinas sofiacutesticas valor filosoacutefico A energia gasta por Platatildeo neste empreendimento por si soacute jaacute eacute indiacutecio da influecircncia exercida por estes pensadores Grosso modo os sofistas difundiam uma concepccedilatildeo relativista aplicada aos niacuteveis ontoloacutegico e epistemoloacutegico e agrave questatildeo da verdade e foram considerados rivais por Platatildeo que desenvolvia uma filosofia essencialmente lsquoabsolutistarsquo Embora Platatildeo tenha tratado Protaacutegoras e Goacutergias com respeito diferenciando-os dos homens mediacuteocres ligados mais tardiamente ao movimento ele transmite um entendimento fundamentalmente errocircneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO 2008 p 245)

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade

de se buscar a verdade produziu inuacutemeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequecircncias morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos Podemos observar bem esse problema na modernidade no acircmbito do direito e da religiatildeo Devemos mencionar outra acusaccedilatildeo grave aos sofistas a de que restringiram o papel da educaccedilatildeo retirando dela a condiccedilatildeo do ensino da Arete virtude

A segunda acusaccedilatildeo envolve as criacuteticas direcionadas agrave atividade profissional dos sofistas visando desmerecer o valor da educaccedilatildeo que ofereciam Satildeo caracterizados no diaacutelogo sofista como caccediladores de jovens ricos e comerciantes do ensino Como Kerferd (2003 p 47-49) elucidou para entender esta criacutetica eacute necessaacuterio considerar a oposiccedilatildeo conservadora a que qualquer um tenha acesso agrave formaccedilatildeo poliacutetica simplesmente pagando Como dito anteriormente ateacute este momento a educaccedilatildeo juvenil era restrita aos membros das famiacutelias nobres e acontecia numa relaccedilatildeo de amizade entre o jovem e seu mestre Que a instruccedilatildeo estivesse acessiacutevel a todos que pudessem pagar por ela forccedilava a reconsideraccedilatildeo de estruturas internas da sociedade O ambiente da poacutelis democraacutetica era propiacutecio a tais questionamentos mas a polecircmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da eacutepoca saber se aretē pode ou natildeo ser ensinada Tradicionalmente aretē era palavra usada para referir-se agrave qualidade inata dos grandes homens os que se destacaram historicamente pela coragem forccedila valentia sabedoria lideranccedila mas tambeacutem havia um outro uso desta palavra que denotava a excelecircncia em uma tarefa ou funccedilatildeo especiacutefica e relaciona-se ao domiacutenio de uma teacutecnica teacutechnē termo comumente traduzido por arte No diaacutelogo Protaacutegoras Platatildeo apresenta Soacutecrates e Protaacutegoras debatendo esta questatildeo Ao afirmar que ensina teacutechnē

No acircmbito da retoacuterica e da oratoacuteria a tentativa de negar a possibilidade de

se buscar a verdade produziu inuacutemeras

tentativas de reduzir tudo ao modelo

relativista e produziu consequecircncias

morais devastadoras na construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de

argumentos

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

poliacutetica (319a) Protaacutegoras eacute confrontado com dois argumentos socraacuteticos que pretendem demonstrar que lsquoessarsquo aretē natildeo eacute um conhecimento que possa ser transmitido Os argumentos socraacuteticos satildeo 1) em questotildees teacutecnicas os atenienses consultam especialistas jaacute em questotildees poliacuteticas qualquer um pode opinar ningueacutem se opotildee a isto acreditando que eacute preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d) 2) os melhores e mais saacutebios cidadatildeos natildeo foram capazes de transmitir sua aretē a outros cita Peacutericles (319e-320b) Protaacutegoras expotildee sua opiniatildeo atraveacutes de um mito e conclui que todos os homens satildeo dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da teacutechnē poliacutetica justiccedila e respeito diacutekē e aidōs ndash apenas por possuiacuterem todos estas qualidades eacute que a vida em sociedade eacute possiacutevel (320d-323c)

Fonte Prezotto (2008 p 246)

No periacuteodo final da Idade Meacutedia temos um desenvolvimento de caracteriacutesticas que podemos denominar de incorporadas aos estudos das aacutereas de filosofia e teologia Em seguida nos seacuteculos XVII e XVIII eacute esquecida

Na historiografia do seacuteculo XVI as narrativas mariacutetimas de paiacuteses desconhecidos de fenocircmenos naturais de paragens de outras latitudes e climas manifestam de par com a presenccedila do maravilhoso a importacircncia que assume a experiecircncia a componente realista e empiacuterica Satildeo frequentes as marcas da enunciaccedilatildeo lsquoeu virsquo lsquoeu ouvirsquo que servem no discurso do narrador para dar maior credibilidade aos factos que apontam para uma histoacuteria contemporacircnea baseada nos pressupostos teoacutericos de Tuciacutedides Aleacutem disso a verdade factual nutrida por estas marcas de enunciaccedilatildeo eacute a cada passo confrontada com os relatos miacuteticos de um Heroacutedoto com a Cosmografia de um Ptolomeu a Geografia de um Estrabatildeo ou a ciecircncia de um Pompoacutenio Mela ou de uma Histoacuteria Natural de Pliacutenio As crocircnicas de Joatildeo de Barros de Castanheda de Diogo do Couto ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D Joatildeo de Castro as obras de Garcia de Orta de Duarte Pacheco Pereira de Pedro Nunes datildeo-nos a cada passo exemplos significativos Poderemos concluir que na eacutepoca do Renascimento a histoacuteria aleacutem de se afirmar como gecircnero literaacuterio que se impotildee pela arte da escrita como opus oratorium eacute disciplina formativa do caraacutecter em repositoacuterio de paradigmas eacute manancial de exempla que informam a tradiccedilatildeo retoacuterica eacute ponto de referecircncia da exaltaccedilatildeo eacutepica das gloacuterias nacionais eacute suporte de novos modelos ideoloacutegicos e de formulaccedilatildeo poliacutetica em termos modernos eacute fundamento de novos horizontes culturais e cientiacuteficos (SOARES 2011 p 146-147)

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Se na Idade Meacutedia ocorreu uma valorizaccedilatildeo e desenvolvimento da retoacuterica no iniacutecio da modernidade ela foi deixada de lado e ateacute demonizada por diversos autores

Produziu-se uma total confusatildeo de pensamento que em muitos casos deixou de lado ateacute mesmo as convicccedilotildees doutrinais tanto do direito quanto da religiatildeo Com isso temos inuacutemeros argumentos artificiais que simulam determinadas situaccedilotildees apenas para efeito performaacutetico

Atividade de Estudos

1) Leia o texto e explique o que vocecirc entendeu sobre a arte das disputas a eriacutestica e a importacircncia da purificaccedilatildeo da linguagem Explique com suas palavras

Estrangeiro mdash Isso mesmo Conforme jaacute vimos eacute do gecircnero lucrativo da arte eriacutestica da arte de disputas das controveacutersias da arte do combate da arte da luta e do ganho segundo neste momento provou nossa argumentaccedilatildeo que o sofista proveacutem

Teeteto mdash Nada mais verdadeiro

XIII mdash Estrangeiro mdash Como vecircs eacute muito acertado dizer-se que se trata de um animal de muacuteltiplas facetas Daiacute confirmar-se o dito de que nem tudo se pode pegar soacute com uma das matildeos

Teeteto mdash Pois empreguemos duas

Estrangeiro mdash Sim eacute o que precisaremos fazer empenhando nisso todos os nossos recursos a fim de acompanhar-lhe o rastro Dize-me o seguinte natildeo temos designaccedilotildees especiais para determinadas ocupaccedilotildees servis

Teeteto mdash Muitas ateacute poreacutem no meio de tantas a quais particularmente te referes

Estrangeiro mdash Penso nas seguintes coar peneirar joeirar debulhar

Teeteto mdash E daiacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Estrangeiro mdash E tambeacutem cardar fiar urdir e mil outras de emprego corrente em ocupaccedilotildees congecircneres natildeo eacute isso mesmo

Teeteto mdash Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas

Estrangeiro mdash De modo geral todos esses vocaacutebulos exprimem a ideia de separaccedilatildeo

Teeteto mdash Certo

Estrangeiro mdash Ora de acordo com o meu raciociacutenio se uma arte apenas abrange todas essas ocupaccedilotildees teremos de atribuir-lhe um uacutenico nome

Teeteto mdash E como a denominaremos

Estrangeiro mdash Arte de separar

Teeteto mdash Que seja

Estrangeiro mdash Considera agora se nos seraacute possiacutevel distinguir duas espeacutecies

Teeteto mdash Impotildee-me uma tarefa muito raacutepida

Estrangeiro mdash Poreacutem nas distinccedilotildees por noacutes feitas jaacute se tratou da separaccedilatildeo entre o pior e o melhor e tambeacutem entre semelhante e dessemelhante

Teeteto mdash Dita dessa maneira parece-me bastante clara

Estrangeiro mdash Natildeo conheccedilo o nome geralmente aplicado a esta uacuteltima separaccedilatildeo poreacutem sei o que datildeo agrave outra a que reteacutem o melhor e rejeita o pior

Teeteto mdash Dize qual seja

Estrangeiro mdash No meu entender todas as separaccedilotildees desse tipo satildeo geralmente chamadas purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Com efeito eacute como as denominam

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E todo o mundo natildeo perceberaacute que haacute duas espeacutecies de purificaccedilatildeo

Teeteto mdash Depois de refletir eacute possiacutevel eu pelo menos natildeo percebo purificaccedilatildeo alguma

Estrangeiro mdash Primeiro as dos seres vivos que operam no interior do corpo graccedilas a uma discriminaccedilatildeo exata pela ginaacutestica e a medicina como a purificaccedilatildeo externa de designaccedilatildeo corriqueira alcanccedilada pela arte do banho depois a dos corpos inanimados que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral de infinitas modalidades cujos nomes satildeo considerados ridiacuteculos

Teeteto mdash Eacute muito certo

Estrangeiro mdash Certo natildeo Teeteto certiacutessimo Mas o meacutetodo argumentativo natildeo daacute maior nem menor importacircncia agrave purificaccedilatildeo por meio da esponja do que agrave obtida com poccedilotildees medicamentosas jamais perguntando se os benefiacutecios de uma satildeo mais ou menos relevantes do que os da outra Para alcanccedilar o conhecimento eacute que ela se esforccedila por observar as afinidades ou dissemelhanccedilas entre as artes honrando a todas igualmente e quando chega a comparaacute-las natildeo conclui que uma seja mais ridiacutecula do que a outra Natildeo considera ainda mais importante quem ilustra a arte da caccedila com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas poreacutem mais pretensioso Do mesmo modo agora no que entende com o nome para designar o conjunto das forccedilas purificadoras dos corpos quer sejam animados quer natildeo sejam natildeo se preocupa no miacutenimo de saber que nome eacute de aparecircncia mais distinta Limitar-se-aacute a separar a purificaccedilatildeo da alma deixando num uacutenico feixe as outras purificaccedilotildees sem indagar do objeto sobre que se exercem Seu intento exclusivo consiste nisto precisamente separar das demais purificaccedilotildees a que tem por objetivo a alma se eacute que compreendemos (PLATAtildeO 1980 p 16-17)

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

Verdade e Verossimilhanccedila de Um Argumento

A verdade e a verossimilhanccedila merecem destaque por que vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica precisa entender quando um argumento eacute verossimilhante e quando ele eacute verdadeiro

Platatildeo ao discutir os gecircneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas jaacute levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente Deste modo o problema da verdade de um discurso natildeo fica somente na elaboraccedilatildeo formal e acadecircmica de um debate mas envolve tambeacutem a vida cotidiana dos sujeitos Para entendermos a diferenccedila entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que eacute verdade de fato em um discurso Vejamos a polecircmica suscitada no diaacutelogo Sofista e ateacute hoje sem soluccedilatildeo

LII mdash Estrangeiro mdash Onde iremos entatildeo buscar a designaccedilatildeo apropriada para cada um Evidentemente eacute tarefa por demais aacuterdua porque nisso de dividir os gecircneros em espeacutecies parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicaacutevel indolecircncia que nunca os levou pelo menos a tentaacute-la dar essa carecircncia tatildeo acentuada de nomes De um jeito ou de outro e embora se no afigure um tanto forte a expressatildeo para melhor diferenccedilaacute-la daremos o nome de doxomimeacutetica agrave imitaccedilatildeo que se baseia na opiniatildeo e a que se funda no conhecimento mimeacutetica histoacuterica ou eruditaTeeteto mdash Isso mesmoEstrangeiro mdash Vamos ocupar-nos com a primeira o sofista natildeo se inclui no nuacutemero dos que sabem mas no dos que imitamTeeteto mdash PerfeitamenteEstrangeiro mdash Examinemos entatildeo o imitador que se apoia na opiniatildeo como o fariacuteamos com um fragmento de ferro para vermos se se trata de uma peccedila uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estruturaTeeteto mdash Sim examinemo-loEstrangeiro mdash Pois em verdade aqui estaacute ele e bem patente Entre esses tais haacute o tipo ingecircnuo que acredita saber o que apenas imagina o outro pelo contraacuterio que se deixa arrastar por seus proacuteprios argumentos natildeo esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabeTeeteto mdash Sem duacutevida haacute esses dois tipos que acabaste de descreverEstrangeiro mdash Ao primeiro entatildeo daremos o nome de imitador simples e ao outro o de imitador dissimuladoTeeteto mdash Seria de toda a conveniecircnciaEstrangeiro mdash E este uacuteltimo gecircnero diremos que eacute simples ou duploTeeteto mdash Examina-o tu mesmoEstrangeiro mdash Examino e creio perceber dois gecircneros No primeiro distingo o indiviacuteduo capaz de dissimular em puacuteblico com discursos prolixos no outro o que em ciacuterculos mais restritos com sentenccedilas curtas leva seu interlocutor a contradizer-seTeeteto mdash Eacute muito certo o que dizes

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Oratoacuteria e Retoacuterica

Estrangeiro mdash E o homem dos discursos longos como o designaremos Eacute estadista ou orador popularTeeteto mdash Orador popularEstrangeiro mdash E o outro que denominaccedilatildeo lhe cabe agrave justa saacutebio ou sofistaTeeteto mdash Saacutebio natildeo eacute possiacutevel pois jaacute provamos que ele eacute ignorante Mas por ser imitador do saacutebio eacute fora de duacutevida que alguma coisa do nome deste haacute de passar para ele E agora me ocorre que de um tipo assim eacute que podemos dizer com toda a seguranccedila um sofista acabado Estrangeiro mdash Nesse caso fixemos aqui mesmo seu nome como fizemos antes entrelaccedilando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos Teeteto mdash Perfeitamente Estrangeiro mdash Sendo assim a espeacutecie imitativa e suscitadora de contradiccedilotildees da parte dissimuladora da arte baseada na opiniatildeo pertencente ao gecircnero imaginaacuterio que se prende agrave arte ilusoacuteria da produccedilatildeo de imagens criaccedilatildeo humana natildeo divina desse malabarismo ilusoacuterio com palavras quem afirmar que eacute de semelhante sangue e dessa estirpe que proveacutem o verdadeiro sofista soacute diraacute como parece a pura verdade (PLATAtildeO 1980 p 69-71)

Com efeito ao deixar a questatildeo em aberto no final do diaacutelogo Platatildeo nos daacute um apontamento para uma aproximaccedilatildeo da identidade do sofista No entanto nos deixa um grande ensinamento as opiniotildees satildeo diferentes dos discursos sobre a verdade Os discursos sobre a verdade satildeo de natureza nobre e as opiniotildees sobre um assunto natildeo satildeo conhecimento

E essa diferenccedila nem sempre eacute clara como parece ser Com isso em muitos momentos de nossa existecircncia pensamos que algo eacute verdadeiro simplesmente por parecer e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante aquilo que parece ser verdadeiro mas se olharmos mais de perto natildeo eacute soacute parece ser

Outro problema muito aparente na modernidade eacute a generalizaccedilatildeo de argumentos que produz efeitos catastroacuteficos em muitos segmentos da existecircncia humana Por exemplo escutamos por vezes vaacuterios argumentos deste tipo ldquotodo homem eacute machistardquo ldquotodo poliacutetico eacute ladratildeordquo ldquoos padres satildeo imoraisrdquo todos esses argumentos possuem falsas associaccedilotildees grotescas atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria Isso significa que sequer argumentos satildeo podemos chamaacute-los de enunciados vazios mas que satildeo muito populares em nosso cotidiano

Portanto a verdade de um argumento natildeo estaacute somente em sua forma ou somente em seu conteuacutedo mas na combinaccedilatildeo da disposiccedilatildeo de ambas as caracteriacutesticas que ao se combinarem produzem uma estrutura soacutelida na exposiccedilatildeo de um pensamento (MOSCA 2004)

Com efeito cabe aos estudantes de oratoacuteria e retoacuterica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade Natildeo existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento Antes disso haacute

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Implicaccedilotildees da Retoacuterica Capiacutetulo 4

uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se estaacute inserido para poder convencer

Algumas ConsideraccedilotildeesAgora vocecirc estudante de oratoacuteria e retoacuterica estaacute pronto para seguir seu

caminho escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situaccedilatildeo para expor suas ideias com clareza e objetividade

A construccedilatildeo e exposiccedilatildeo de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um o material disponiacutevel e a plateia para a qual o indiviacuteduo iraacute se dirigir Neste capiacutetulo destacamos as implicaccedilotildees das escolhas argumentativas que fizemos

ReferecircnciasCHIBENI S S Notas sobre tipos de argumentos [sd] Disponiacutevel em ltwwwunicampbr~chibenitextosdidaticosargumentospdfgt Acesso em 13 jun 2017

MOSCA L do L S (Org) Retoacutericas de ontem e de hoje 3 ed Satildeo Paulo Associaccedilatildeo Editorial Humanitas 2004

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PREZOTTO J Protaacutegoras Goacutergias os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē Anais XXIII SEC Araraquara p 241-250 2008 Disponiacutevel em lthttpportalfclarunespbrecBANCO20DE20DADOSXXIII20SECTEXTOSARTIGOS20PDFprezottopdfgt Acesso em 10 jun 2017

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VIEIRA Joseacute Guilherme Silva A retoacuterica como a arte da persuasatildeo pelo discurso 2016

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