Orelha, Contracapa Máquina do Medo

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ORELHA MÁQUINA DO MEDO (MARCOS CARVALHO LOPES): No livro Meditações do Quixote o leitor encontra Ortega y Gasset caminhando pela cidade de Madrid e se perguntando sobre como fazer filosofia na Espanha. O livro causa certa estranheza porque não é como o título indica uma análise da obra de Cervantes, mas um trabalho filosófico. Nele o autor se pergunta sobre como seria possível herdar a excelência do romance de Cervantes como possibilidade de um pensamento filosófico em língua espanhola. Como arrogar (reinvindicar esta herança) este legado sem assumir uma condição arrogante? Li o livro de Ortega y Gasset no segundo ano da graduação em filosofia e entendi que se tratava de uma questão urgente também para mim. Em certo momento pensei que poderia projetar um livro similar dialogando com Machado de Assis; o título seria algo como Meditações sobre o Casmurro. Em nosso caso a impossibilidade de filosofar estaria ligada a uma forma de ressentimento insuperável, que gera uma cordial “desconversação”: as tentativas de desenvolver algum pensamento autônomo são tidas como idiossincrasias irrelevantes, porém, não existem críticas diretas (o que geraria debate), mas conversas de bastidores que reafirmam as crenças tradicionais, sintetizadas numa canção de Caetano Veloso, “se você tem uma ideia incrível melhor fazer uma canção, já esta provado que só é possível filosofar em alemão”. Este projeto abortado, de certo modo, é este livro. Nele reúno textos escritos entre 2009 e 2012 que mantém perguntas metafilosóficas (os trabalhos da primeira parte do livro, denominada “Rimas do Pensamento”), ou que ensaiam aproximações com a crítica literária (em “O sentido do aqui”). O nome Máquina do Medo roubei de um poema de Gilberto Mendonça Teles que explica que quem procura alcançar uma dimensão universal precisa lidar com a vastidão e os limites que se anunciam em seu lugar, enigma em comum, Goiás. . Marcos Carvalho Lopes é professor na UNIRIO, doutorando em Filosofia na UFRJ e bolsista da CAPES. Natural de Jataí, Goiás, fez graduação e mestrado em Filosofia na UFG. Participa do GT de Pragmatismo e Filosofia Norte-Americana da ANPOF e do Laboratório de Filosofia Pop da UNIRIO. É autor de Canção, estética e política: ensaios legionários (Mercado de Letras, 2012); escreveu ensaios para as coletâneas Caetano e a Filosofia (EDUFBA/EDUNISC), Richard Rorty: filósofo da cultura (Annablume) e Pragmatismo e questões contemporâneas (Arquimedes). CONTRACAPA MÁQUINA DO MEDO (MARCOS CARVALHO LOPES): Os textos desta Máquina do Medo procuram questionar a própria filosofia, seus limites e possibilidades. A proposta é o diálogo com a literatura: a tentativa de traduzir e botar para funcionar algumas “máquinas extraviadas”. Ficar preso à máquina do medo é uma forma de fechar-se em si mesmo, do ready-made narcisista de quem prefere a pequenez ao desafio da autonomia. Uma utopia que nasce no sertão ou na favela deve propor um ritmo diferente da batida que vem do litoral ou do asfalto. Para tanto, o desafio é conciliar os extremos intelectuais que idealizam linguagens sem corpo ou corpos sem linguagem. É preciso muita diadoração! Como explica Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas: “Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso”.

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ORELHA MÁQUINA DO MEDO (MARCOS CARVALHO LOPES):

No livro Meditações do Quixote o leitor encontra Ortega y Gasset caminhando pela cidade

de Madrid e se perguntando sobre como fazer filosofia na Espanha. O livro causa certa

estranheza porque não é – como o título indica – uma análise da obra de Cervantes, mas um

trabalho filosófico. Nele o autor se pergunta sobre como seria possível herdar a excelência do

romance de Cervantes como possibilidade de um pensamento filosófico em língua espanhola.

Como arrogar (reinvindicar esta herança) este legado sem assumir uma condição arrogante?

Li o livro de Ortega y Gasset no segundo ano da graduação em filosofia e entendi que se

tratava de uma questão urgente também para mim. Em certo momento pensei que poderia

projetar um livro similar dialogando com Machado de Assis; o título seria algo como

Meditações sobre o Casmurro. Em nosso caso a impossibilidade de filosofar estaria ligada a

uma forma de ressentimento insuperável, que gera uma cordial “desconversação”: as tentativas

de desenvolver algum pensamento autônomo são tidas como idiossincrasias irrelevantes, porém,

não existem críticas diretas (o que geraria debate), mas conversas de bastidores que reafirmam

as crenças tradicionais, sintetizadas numa canção de Caetano Veloso, “se você tem uma ideia

incrível melhor fazer uma canção, já esta provado que só é possível filosofar em alemão”.

Este projeto abortado, de certo modo, é este livro. Nele reúno textos escritos entre 2009 e

2012 que mantém perguntas metafilosóficas (os trabalhos da primeira parte do livro,

denominada “Rimas do Pensamento”), ou que ensaiam aproximações com a crítica literária (em

“O sentido do aqui”). O nome Máquina do Medo roubei de um poema de Gilberto Mendonça

Teles que explica que quem procura alcançar uma dimensão universal precisa lidar com a

vastidão e os limites que se anunciam em seu lugar, enigma em comum, Goiás.

.

Marcos Carvalho Lopes é professor na UNIRIO, doutorando em Filosofia na UFRJ e bolsista da

CAPES. Natural de Jataí, Goiás, fez graduação e mestrado em Filosofia na UFG. Participa do

GT de Pragmatismo e Filosofia Norte-Americana da ANPOF e do Laboratório de Filosofia Pop

da UNIRIO. É autor de Canção, estética e política: ensaios legionários (Mercado de Letras,

2012); escreveu ensaios para as coletâneas Caetano e a Filosofia (EDUFBA/EDUNISC),

Richard Rorty: filósofo da cultura (Annablume) e Pragmatismo e questões contemporâneas

(Arquimedes).

CONTRACAPA MÁQUINA DO MEDO (MARCOS CARVALHO LOPES):

Os textos desta Máquina do Medo procuram questionar a própria filosofia, seus limites e

possibilidades. A proposta é o diálogo com a literatura: a tentativa de traduzir e botar para

funcionar algumas “máquinas extraviadas”.

Ficar preso à máquina do medo é uma forma de fechar-se em si mesmo, do ready-made

narcisista de quem prefere a pequenez ao desafio da autonomia. Uma utopia que nasce no sertão

ou na favela deve propor um ritmo diferente da batida que vem do litoral ou do asfalto. Para

tanto, o desafio é conciliar os extremos intelectuais que idealizam linguagens sem corpo ou

corpos sem linguagem. É preciso muita diadoração! Como explica Guimarães Rosa em Grande

Sertão: Veredas: “Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais

forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso”.