ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO · descreveu em seu livro História das Idéias Pedagógicas...
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ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO:
REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO
PROFESSOR COMO EIXO PARA A MELHORIA NA
APRENDIZAGEM DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO E
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
SUZETI APARECIDA JULIANI MARTINS*
ELIANE CLEIDE DA SILVA CZERNISZ**
RESUMO
Este trabalho tem como temática a organização do trabalho pedagógico na escola, com enfoque na prática pedagógica do professor de Ensino Médio e Educação Profissional. Propõe uma análise sobre a prática pedagógica em sala de aula, dialogando sobre ela e, no coletivo, a busca de caminhos à luz dos objetivos propostos, respeitando-se os limites e possibilidades do processo. Na introdução, descrevemos o problema levantado e estabelecemos os caminhos a serem trilhados durante a realização do presente trabalho. A seguir, fizemos a caracterização do perfil dos professores envolvidos na pesquisa, a partir de uma entrevista em que delineamos o professor necessário ao contexto escolar atual. Com base nos dados coletados por meio do Diário de Campo Reflexivo, apresentamos a análise da prática pedagógica do professor em sala de aula, alicerçada por uma fundamentação teórica. O papel do pedagogo no processo de ensino-aprendizagem foi descrito, enfocando a importância de sua atuação na organização do trabalho pedagógico da escola. Destacamos a necessidade de investir na formação continuada dos profissionais da educação, bem como na pesquisa em educação no interior das escolas públicas, mais especificamente no Estado do Paraná.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Médio; Educação Profissional; Prática Pedagógica; Formação Continuada; Papel do Pedagogo.
* Professora pedagoga do Colégio Estadual Antonio Iglesias – Ensino Fundamental, Médio e Profissional e
Colégio Estadual Olavo Bilac – Ensino Fundamental, Médio, Profissional e Normal de Ibiporã. Especialista
em Alfabetização; Educação Especial – DA; Administração, Supervisão Escolar e Orientação Educacional.
Professora PDE – Plano de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná – edição 2007. **
Doutora em Educação. Professora do curso de Pedagogia no Departamento de Educação da Universidade
Estadual de Londrina. Orientadora do PDE – Plano de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná –
edição 2007.
2
ABSTRACT
This article brings as theme the organization of pedagogy work at school, with focalization in the teacher’s pedagogy practice of High School and Professional Education. It proposes an analysis about the pedagogy practice at classroom, dialoguing about this practice and, in the collective, the searching of ways about proposed objectives, respecting the limits and possibilities of the process. At introduction, we described the presented problem and we established the ways to be followed during the realization of the present work. Afterwards, we made the making-up of the teachers’ profile involved in the searching, through an interview in which we delineated the teacher necessary to the actual school context. Supported in collected data through the Reflexive Field Diary, we presented the analysis of teacher’s pedagogy practice at classroom, consolidated by a theoretical basis. The role of pedagogy professional in the process of teaching-learning was described, focalizing the importance of his performance in the organization of pedagogy work at school. We pointed out the necessity of investing in the continuous formation of the education professionals, as well in the investigation about education inside the public schools, mainly at State of Paraná.
KEY WORDS: High School; Professional Education; Pedagogy Practice; Continuous Formation; Pedagogy Professional’s role.
1 INTRODUÇÃO
Apesar de ser apenas um dos inúmeros problemas educacionais que são
motivos de ampla discussão na sociedade hodierna, o fracasso escolar tem sido
uma preocupação constante dos educadores atualmente. Neste trabalho, partimos
do entendimento do fracasso escolar como aquele que se caracteriza pela
reprovação e/ou evasão do aluno.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96), em seu artigo 3º,
inciso I, o ensino no Brasil será ministrado com base no princípio da “igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola” (LDB, 1996). No entanto, não é
o que percebemos quando analisamos os dados estatísticos sobre o rendimento
escolar nos últimos anos, pelo menos no que diz respeito à permanência – com
qualidade – dos alunos na escola.
Segundo dados do INEP (2008), em 2006, 41,3% dos alunos matriculados
na terceira série do Ensino Médio apresentaram atraso de escolaridade, ou seja,
tiveram, em seu percurso escolar, perda de pelo menos um ano letivo.
Isso não é diferente no Colégio Estadual Antonio Iglesias – Ensino
3
Fundamental, Médio e Profissional, de Ibiporã, escola em que encontramos traços
do fracasso escolar. Constatamos esse fato, analisando, à guisa de exemplo, os
índices do rendimento escolar1 do colégio, no ano de 2007, quando a taxa de
aprovação foi de apenas 69,60% no Ensino Fundamental, 47,60% no Ensino Médio
e 73,90% na Educação Profissional (Curso Técnico em Enfermagem). Podemos
perceber que um número muito grande de alunos, mormente no Ensino Médio, não
alcançou sucesso no processo educativo, delineando um quadro que exige a
atenção dos educadores.
O que tem inquietado os professores é que não vêem significativas
mudanças na aprendizagem dos alunos, apesar do esforço e dedicação ao trabalho
de sala de aula. Segundo eles, procuram envolver os alunos no processo ensino-
aprendizagem, apresentando os conteúdos de forma clara, relacionando-os com o
cotidiano dos estudantes, mas estes demonstram pouco interesse naquilo que está
sendo trabalhado nas aulas e, por conseguinte, a aprendizagem é prejudicada.
Entendemos que, no atual contexto de neoliberalismo, a escola é vista
como redentora dos problemas sociais, atribuindo-se a ela a função de adaptadora
e ajustadora dos homens à sociedade. Ocorre também a exigência de uma
qualidade educativa com prevalência da lógica eficientista e produtiva sobre a lógica
da eficácia, onde os resultados são buscados a qualquer preço. Há uma grande
preocupação com os números de ingressivos na educação básica e os números de
concluintes. Soma-se a essa preocupação o fato de que há um processo de
responsabilização velada ou explícita daqueles que deveriam garantir a educação
das crianças, adolescentes e jovens, no caso a família. Na perspectiva eficientista,
o professor e a escola são responsabilizados pelo desempenho ruim. Por isso
entendemos que precisamos discutir o problema como um elemento resultante da
integração de várias forças, que englobam a escola como instituição, as relações
entre professor e aluno, a família e o contexto de forma geral.
Se há de um lado a preocupação com a família e com outros fatores
externos à escola que implicam um desempenho insatisfatório por parte do aluno,
por outro lado é na escola que o pedagogo e os demais professores poderão atuar
via práticas pedagógicas que objetivam a aprendizagem de fato, a emancipação
dos alunos que freqüentam o Ensino Médio.
1 Dados retirados no Portal dia-a-dia educação, na página http://www4.pr.gov.br/escolas/selecao_
ano.jsp?opcao=2. Acessado em 08/12/2008.
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Ao trazer para nosso contexto alguns questionamentos feitos por
COUTINHO (2008), intentamos desvelar a questão ora em pauta: Será que os
professores buscam atualizar constantemente os conhecimentos específicos da sua
disciplina, visando a mudanças significativas na sua prática pedagógica? Será que,
partindo da análise da sua formação inicial, repensam sua atual formação, a fim de
detectar as defasagens de conhecimentos? A escola proporciona momentos
específicos que permitem aos professores uma formação continuada? Essas
questões remetem a uma reflexão crítica sobre a escola que temos e a que
queremos.
Na condição de profissionais, os professores querem ser cada vez mais
competentes, desenvolvendo uma prática pedagógica condizente com seus
objetivos, ou seja, com a aprendizagem e formação de seus alunos. Por isso,
devemos nos perguntar: Que conhecimentos devem nortear as ações de forma a
superar os desafios da educação? Qual é o verdadeiro papel da educação formal?
A escola teve funções específicas ao longo dos anos, de acordo com as
idéias pedagógicas predominantes em cada época2.
Na educação tradicional, por exemplo, a ênfase era no trabalho do
professor (como ensinar) designado para transmitir o acervo cultural ao aluno, que
devia assimilar os conhecimentos que lhe eram ensinados.
Com a pedagogia nova – que surgiu para atender às novas exigências do
capitalismo numa época em que o processo de industrialização e urbanização
ganhava força –, o foco passa a ser o aluno, uma vez que o eixo principal agora é o
“como aprender”.
Já na pedagogia tecnicista – determinada pela crescente industrialização –,
a escola deveria formar indivíduos competentes para o trabalho. A eficiência do
ensino dependia do trabalho do professor. Os métodos e as técnicas foram muito
valorizados nesse período.
Com o movimento “contra-hegemônico”, como se refere Saviani (2007,
p.399), surgem as teorias crítico-reprodutivistas, que buscam orientar a prática
educativa nos anos 80. Como relata Saviani, “em termos teórico-pedagógicos
surgiram tentativas de elaborar propostas suscetíveis de orientar a prática educativa
numa direção transformadora” (SAVIANI, 2007, p. 413).
2 Dermeval Saviani fez um estudo precioso sobre as características da educação em cada época e as
descreveu em seu livro História das Idéias Pedagógicas no Brasil. Ver SAVIANI, 2007.
5
Para falar sobre o papel da educação, é importante lembrar que o
“desenvolvimento humano ocorre em meio à atividade prática mediadora da relação
ativa indivíduo-meio” (LIBÂNEO, 2007, p. 140) em que o homem, diferentemente
dos animais, age sobre a natureza, transformando-a para satisfazer suas
necessidades. Portanto, o trabalho é a atividade basilar para sua humanização.
Então, qual seria o papel da educação? Libâneo afirma que “a educação
opera uma mediação entre teoria e prática, entre o sujeito e sua interação com o
meio ambiente” (LIBÂNEO, 2007, p. 140) e faz uma citação de Vasquez, que
explicita bem o papel da educação, salientando a responsabilidade dos educadores
na busca de possibilidades concretas de mudanças, fundamentadas num
referencial teórico consistente e numa prática pedagógica comprometida com a
emancipação dos alunos da escola pública:
A teoria em si não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem indispensável para resolver ações reais, efetivas (VASQUEZ, 1977, p. 207, apud LIBÂNEO, 2007, p. 140).
Atualmente, as expectativas e aspirações dos alunos – a curto (visando a
um emprego imediato) e a longo prazo (preparação para a universidade) – têm
como foco o mercado de trabalho.
No entanto, a sociedade capitalista, na qual o trabalho está a serviço da
acumulação do capital, promove a subordinação, a alienação do trabalhador.
Nesse contexto, considerando que aprendemos e ensinamos na prática da
realidade social e que internalizamos experiências positivas e negativas no decorrer
de nossas vidas, e que a educação é algo inseparável da vida do homem, e que a
escola é o lugar onde se dá a educação sistematizada, sendo responsável pela
promoção do desenvolvimento do cidadão, no sentido pleno da palavra, é preciso
conceber uma escola “onde se possa pensar o trabalho de modo que o sujeito não
seja o mercado e, sim, o mercado seja uma dimensão da realidade social”
(FRIGOTTO, 1980, apud CIAVATTA, 2008).
Para se construir uma escola que ao mesmo tempo garanta a educação
básica de qualidade e forneça subsídios para a inserção no mercado de trabalho,
6
há que se tomar “o conceito de trabalho como eixo do currículo, compreendido
como práxis humana, e não apenas como práxis produtiva, ou seja, como todas as
formas de ação humana para construir a existência, sejam elas materiais ou
espirituais” (KUENZER, 2007, p. 13).
Segundo a mesma autora,
este eixo, a articular os conhecimentos, atitudes e comportamentos necessários ao domínio da cultura, à apropriação do conhecimento e à prática laboral, deverá vencer dois desafios: o da mera instrumentalização da ciência e da cultura a partir de uma área de trabalho e o da mera formalização científica, tão comum à versão secundarista dominante ao longo da história do Ensino Médio, desarticulada do movimento de construção da realidade” (KUENZER, 2007, p. 13).
Nesse sentido, é preciso empreender um esforço coletivo para vencer as
barreiras e entraves que inviabilizam a construção de uma escola pública que
eduque de fato para o exercício da cidadania e seja instrumento de transformação
social.
É o projeto político-pedagógico que deve estabelecer novos paradigmas de
gestão e de práticas pedagógicas que levem a instituição escolar a corresponder às
necessidades e aos anseios de todos os que participam do cotidiano escolar. É
importante lembrar que
os projetos político-pedagógicos sempre expressarão a unidade provisória da diversidade, porquanto resultado de processos efetivamente democráticos de construção da dialética entre individual e coletivo; é sempre bom lembrar que unanimidade é totalitário, e, no limite, a vontade do poder é imposta pela força (KUENZER, 2007, p. 15).
É relevante uma indagação que priorize a análise daquilo que está sendo
efetivamente consolidado como caminhos para atender às demandas de uma
educação que potencialize a formação integral do educando, tendo por premissa a
importância dessa formação para sua atuação na sociedade.
Propusemo-nos então, a refletir sobre a realidade da organização do
trabalho pedagógico na escola, dialogar sobre ela e, no coletivo3, buscar caminhos
à luz dos objetivos propostos a partir da reelaboração do projeto político-
pedagógico, visando “superar a lógica do fragmento sem cair na ilusão de um
sistema científico único que articule todos os conhecimentos” (KUENZER, 2007, p. 3 Lembrando que, na realização do trabalho coletivo, não há lugar para a dominação, a sujeição do outro e,
tampouco, para arbitrariedade e a ausência de ética.
7
13), respeitando-se os limites e as possibilidades do processo.
Nesse sentido, para a consecução dessa investigação, foi realizada, em
primeiro lugar, uma entrevista com os professores, que, inicialmente, se dispuseram
a participar do trabalho. Em seguida, utilizando a técnica do diário de campo,
realizou-se uma investigação teórico-prática para detectar como os professores
desempenham suas ações no cotidiano do seu fazer pedagógico. As anotações
feitas pelos professores, confrontadas com as proposições do projeto político-
pedagógico da escola acerca desse contexto, embasaram as discussões e
propostas de eventuais mudanças. Essa investigação aconteceu em duas etapas,
sendo a segunda antecedida pela leitura de textos que discorrem sobre a função
social da escola, focando na dualidade estrutural entre Ensino Médio e Educação
Profissional. Como último estágio desse trabalho, elaborou-se um plano de ação que
foi fundamentado nos dados obtidos durante o processo.
De um universo de trinta e seis professores que compunham o corpo
docente e equipe administrativa e pedagógica do Ensino Médio e Educação
Profissional, inicialmente vinte se propuseram a participar do trabalho ora em
questão. Destes, apenas oito chegaram até a última etapa, juntamente com a
pedagoga responsável pela pesquisa.
Portanto, os resultados não são passíveis de receber inferências e
generalizações para o total da população de professores do estabelecimento de
ensino.
2 CARACTERIZANDO OS PROFESSORES
As novas exigências dos sistemas social e produtivo passam a edificar uma
nova pedagogia e, conseqüentemente, um novo perfil de professor.
A pedagogia até então dominante, seguindo a lógica taylorista/fordista, que
visava atender às demandas de trabalhadores e dirigentes, originou segundo
Kuenzer (1999), tendências pedagógicas fundamentadas no rompimento entre
pensamento e ação.
Os professores de Ensino Médio envolvidos na pesquisa, em sua maioria,
concluíram sua formação inicial nos anos 80 ou 90. Todo processo de formação
desses professores foi embasado nessa pedagogia, que segundo a mesma autora,
foi dando origem a propostas que ora se centraram nos conteúdos,
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ora nas atividades, sem nunca contemplar uma relação entre aluno e conhecimento que verdadeiramente integrasse conteúdo e método, de modo a propiciar o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas. Em decorrência, a seleção e a organização dos conteúdos sempre tiveram por base uma concepção positivista de ciência, uma concepção de conhecimento rigorosamente formalizada, linear e fragmentada, em que a cada objeto correspondia uma especialidade, a qual, ao construir seu próprio campo, se automatizava, desvinculando-se das demais e perdendo também o vínculo com as relações sociais e produtivas (KUENZER, 1999).
Sabemos que todo processo de mudança é lento e doloroso, o que não
poderia ser diferente diante das mudanças de concepção na educação. Os
profissionais da educação tendem a reproduzir os modelos de educação que lhes
foram apresentados durante o processo de sua formação inicial. No entanto,
sabemos que uma das principais características do novo perfil do professor,
conforme relata Kuenzer, é
ser capaz de, apoiando-se nas ciências humanas, sociais e econômicas, compreender as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, construindo categorias de análise que lhe permitam apreender as dimensões pedagógicas presentes nas relações sociais e produtivas, de modo a identificar as novas demandas de educação e a que interesses elas se vinculam. Ou seja, compreender historicamente os processos de formação humana em suas articulações com a vida social e produtiva, as teorias e os processos pedagógicos, de modo a ser capaz de produzir conhecimento em educação e intervir de modo competente nos processos pedagógicos amplos e específicos, institucionais e não institucionais, com base em uma determinada concepção de sociedade (KUENZER, 1999).
Trabalhar sob essa perspectiva e ainda administrar situações adversas
criadas num cenário onde a instituição escolar vem enfrentando, no cotidiano, o
incremento progressivo de dificuldades relacionadas a problemas internos e
também de fatores externos como o desemprego, a pobreza, a exclusão social e o
tráfico de drogas, entre outros, tem sido difícil para o professor que, não raro,
adoece.
Para enfrentar problemas com essas dimensões, é preciso estabelecer
metas e direcionar ações com fundamentação teórica consistente. Caso contrário, o
trabalho educativo perde o sentido e, ao invés de promover mudanças no quadro,
reproduz e cristaliza seus entraves.
Trata-se de um fato que tem nos preocupado, visto que pouco tempo é
dispensado para uma formação continuada mais efetiva dos profissionais da
9
educação. Apesar de apresentar melhora significativa nos últimos anos, esta
acontece esporadicamente, de forma estanque e compartimentada, o que não
permite uma visão geral do processo educativo.
Dagmar Zibas salienta que muitos fatores limitam a iniciativa dos governos
estaduais no que diz respeito à capacitação docente. Dentre eles,
a rarefação e fragmentação dos cursos, a falta de sintonia entre as reais necessidades de formação do conjunto de profissionais de cada escola e os cursos oferecidos, a acomodação dos docentes, sua alta rotatividade por diferentes escolas da rede e a pulverização dos professores envolvidos, que não se comunicam com seus pares dentro de suas instituições... (ZIBAS, 2005, p. 31).
Não podemos negar a seriedade dessa conjuntura, no entanto, não
podemos tolerar que se consolide o descrédito da sociedade no sistema formal de
ensino. É imprescindível encontrar saídas que venham desencadear o
desenvolvimento pessoal e profissional dos educadores, que estão apreensivos
com as atuais condições de trabalho. O rigor do tempo escolar é uma das
fragilidades da escola que têm provocado sérias preocupações nos professores,
uma vez que a forma como está organizado não lhes permite estabelecer contatos
com seus pares, muito menos realizar estudos mais sistematizados.
Num dado momento da pesquisa, foi solicitado aos professores que
realizassem a leitura de quatro textos, que discorrem sobre a função social da
escola, focando na dualidade estrutural entre Ensino Médio e Educação
Profissional, já citado no início deste artigo.
A leitura desses textos foi proposta com a finalidade de dar suporte teórico
ao trabalho dos professores e, conseqüentemente, influenciar na sua prática
pedagógica. A alteração esperada não foi percebida, uma vez que nem todos os
professores desenvolveram a leitura solicitada, apresentando como justificativa a
falta de tempo disponível para tal atividade, uma vez que, por ser uma leitura
técnica, de difícil entendimento, exige uma dedicação maior e até mesmo leituras
complementares. Os professores que cumpriram a tarefa delinearam também as
mesmas dificuldades durante a leitura.
Relataram, durante os momentos de discussão, que em sua rotina, praticam
apenas a leitura de textos referentes aos conteúdos de sua disciplina.
Essa peculiaridade revela-se claramente nas reuniões pedagógicas – um
dos raros momentos em que o professor consegue reunir-se com seus pares (por
10
disciplina ou por turma) – quando os professores expressam preferência por temas
que dizem respeito diretamente a sua disciplina e/ou “trocas de experiência” que,
não raro, geram discussões baseadas em conhecimentos tácitos. Além disso,
verbalizam muitas vezes que as discussões acerca das políticas educacionais,
teorias pedagógicas, teorias da avaliação, dentre outras, são evasivas e
fragmentadas, e que não contribuem significativamente para seu trabalho em sala
de aula. Esperam por soluções práticas e imediatas para os problemas diários.
Se o trabalho pedagógico não for discutido em sua totalidade pelo coletivo
escolar, exacerba-se a fragmentação dos conhecimentos que continuam sendo
trabalhados de forma isolada pelo professor, segundo sua especialidade. Com isso,
o professor corre o risco de transformar-se num “...trabalhador multitarefa, o qual
nem sempre é criativo e autônomo, mas simples tarefeiro em ações esvaziadas de
conhecimento técnico e de compromisso com a transformação...” (KUENZER, 2005,
p. 81).
A questão metodológica não é citada pelos professores durante a pesquisa,
como um dos problemas que dificultam seu trabalho em sala de aula, apesar de
afirmarem que manter os alunos atentos e interessados nas aulas tem sido a maior
dificuldade encontrada, além da indisciplina, geralmente originada pelo não
envolvimento dos alunos nas atividades propostas em sala de aula. Essa afirmação
contraditória mostra a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre o
assunto.
As dificuldades encontradas hoje pelos professores pouco diferem daquelas
encontradas no início de sua carreira profissional, apesar de demonstrarem mais
segurança na elaboração do planejamento e preenchimento do livro de chamada,
citadas como as principais dificuldades de outrora. Embora sejam dificuldades
instrumentais e não exerçam influência direta na prática pedagógica em sala de
aula, interferem no trabalho do professor, que ocupa, com ess também as questões,
parte do tempo que deveria ser dedicado às leituras e reflexões acerca do processo
educativo.
Uma variedade de encaminhamentos metodológicos é utilizada pelos
professores em sala de aula, que, apesar de terem como objetivo a “formação
crítica dos alunos”, como consta no projeto político-pedagógico elaborado pelo
coletivo escolar, muitas vezes apresentam resquícios de uma concepção de
educação tradicional e conteudista ou escolanovista, baseados em princípios
11
neoliberais e que acabam por constituir-se, ao invés de uma prática pedagógica
comprometida com a emancipação dos alunos da escola pública, numa prática
reprodutiva dos ideais do capitalismo.
Notamos que o modelo neoliberal4 de organizar a economia serve de
parâmetro para os outros aspectos da vida social, de tal forma que tudo é
transformado em mercadoria. Isso não é diferente no setor educacional, visto que é
nas instituições escolares que os trabalhadores recebem “formação”.
Romper com essa relação imposta historicamente é um desafio
infinitamente complexo, já que nem o Estado, responsável pelas diretrizes
educacionais, escapa das armadilhas do capitalismo, reduzindo-se a um mero
instrumento dos interesses dos setores dominantes. Quaisquer mudanças que
venham ocorrer nesse sentido jamais serão por benevolência do poder.
Nos últimos anos, vem se abrindo um novo capítulo na história da
educação. Muitos educadores vêm desenvolvendo estudos a fim de direcionar a
educação escolar, mais especificamente na escola pública, à formação integral do
indivíduo, proporcionando aos trabalhadores e seus filhos, bem como aos excluídos
do mundo do trabalho, direito de acesso a todos os tipos de conhecimento para
melhor compreenderem as relações sociais e produtivas da sociedade em que
vivem e nela interagir criticamente.
Para tanto, além de políticas públicas com foco na educação pública de
qualidade, é imprescindível uma nova configuração da profissão magisterial. Isso só
se processa por meio da formação continuada quando os profissionais da educação
têm a oportunidade de socializar e adquirir saberes. Se esperamos mudanças nas
atitudes de nossos alunos, devemos começar a tecê-las na formação dos
educadores.
3 PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR: UMA ANÁLISE REFLEXIVA
Atualmente, devido ao fácil acesso aos recursos tecnológicos mais
avançados, inclusive por parte dos economicamente desfavorecidos, as
informações são atualizadas em fração de segundos. Sendo assim, a sala de aula,
muitas vezes, não é adotada pelo aluno como o único espaço para a aquisição do
4 Nova forma de organização do capitalismo que adquiriu força hegemônica, no século XIX, após a
Revolução Industrial.
12
conhecimento.
Isso tem provocado insegurança nos professores; o que, de certa forma,
compromete o processo ensino-aprendizagem. Percebe-se a necessidade de
reconsiderar as ações desenvolvidas na escola, visto que esta não tem dado conta
de atender às novas exigências da sociedade contemporânea. O professor sabe
que é preciso romper com práticas cristalizadas ao longo dos anos, mas, muitas
vezes, não sabe como mudar, e isso o deixa angustiado e insatisfeito com seu
trabalho.
Urge tomada de decisões que gerem mudanças significativas no agir
pedagógico. Todos os professores têm consciência dessa necessidade e almejam
melhorias, inclusive em suas práticas pedagógicas. Percebemos que mesmo
aqueles que as consideram satisfatórias, continuam buscando caminhos
alternativos que venham contribuir para aprimorá-las cada vez mais.
Não podemos ignorar que inúmeras dificuldades têm limitado a ação
pedagógica dos professores, dentre elas, a escassez, insuficiência ou inadequação
de recursos físicos e materiais; bibliotecas pouco equipadas; desarticulação com
seus pares; espaços e tempos rígidos; currículos lineares. Mas também sabemos
que tais dificuldades não podem impedir o trabalho do professor, visto como
idealizador de práticas que favoreçam o processo ensino-aprendizagem.
Possibilidades e alternativas devem ser vislumbradas e encalçadas por ele. Não
pode ter medo de ousar, pois o receio imobiliza, estagna, cristaliza.
De acordo com Menga Lüdke, “o recurso à reflexão aparece mesmo como
parte inerente ao desempenho do bom professor, ainda que ele não se dê conta
claramente disso” (LÜDKE, 2001).
Sabendo da importância desse recurso, propusemos aos professores5
envolvidos na pesquisa que, durante duas semanas, fizessem a análise reflexiva de
sua prática pedagógica. Para tanto, usaram a técnica “Diário de Campo”, pois, de
acordo com João Bosco Pinto, “possibilita ao professor criar o hábito de observar
com atenção, descrever com precisão e refletir sobre acontecimentos de um dia de
trabalho” (PINTO Apud FALKEMBACK, 1997).
Durante o processo, percebemos que os professores não têm o hábito de
5 É importante lembrar que os professores envolvidos na pesquisa atuam no Ensino Médio e na Educação Profissional – Curso Técnico em Enfermagem, em nível subseqüente – ambos no período noturno.
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refletir sobre a sua prática de sala de aula. Ao avaliar essa primeira parte do
trabalho, uma professora afirmou que, uma vez comprometida com o registro dos
fatos concretos ocorridos durante a aula, passou a observar com mais atenção a
ação e reação dos alunos diante dos conteúdos e/ou da metodologia utilizada na
aula. Com isso, durante o desenvolvimento do trabalho, sua atuação pedagógica
passou a ser mais reflexiva, suprimindo, mesmo que momentaneamente, a
automatização6 em seu trabalho, um vício criado ao longo do tempo.
Na visão dos professores, o fracasso e/ou sucesso dos alunos depende,
sobretudo, do interesse dos próprios educandos. Esse foi um fato marcante nos
relatos dos professores durante as anotações no diário de campo.
A falta de perspectiva dos alunos que vêm à escola apenas para garantir a
presença (apesar de apresentar um grande número de faltas) e conquistar o
certificado no final do curso também é proeminente dentre os problemas
levantados, que prejudicam a qualidade do ensino, uma vez que estão pouco
preocupados com a aquisição dos conhecimentos. Ideamos que isso se deve ao
fato de que, ao mesmo tempo em que o jovem sabe que a certificação do ensino
médio é imprescindível para a obtenção de um emprego formal, também tem claro
que são pequenas suas chances no exigente mercado de trabalho.
Os professores perceberam que, tanto no Ensino Médio quanto na
Educação Profissional, repetidas vezes, alguns alunos fazem a matrícula e
desistem nas primeiras semanas de aula. Esses alunos, não raro, já no primeiro dia
de aula solicitam à secretaria do Colégio uma declaração de matrícula para ser
entregue na empresa em que trabalham. Ousamos concluir que, ao matricular-se,
estão apenas interessados na referida declaração exigida pelas empresas7 como
condição para a permanência no emprego. Como a declaração tem validade por um
ano, retornam à escola apenas no ano seguinte para nova matrícula.
As demais questões levantadas também estão intimamente ligadas ao
aluno: faltam excessivamente, recusam-se à realização das atividades propostas,
apresentam dificuldades na aprendizagem, são indisciplinados, dentre outros.
No entanto, sabemos que são inúmeras as causas do desinteresse e da
indisciplina dos alunos, e que isso pode ser gerado em conseqüência da prática
6 Característica do Taylorismo/Fordismo. 7 Geralmente exigem apenas declaração de matrícula e não acompanham o desempenho escolar dos
funcionários.
14
pedagógica em sala de aula. Dagmar Zibas explica que
os professores têm, em geral, grande dificuldade de aproximar-se da cultura adolescente. Esse distanciamento afunila a cultura da escola, empobrece as trocas entre os sujeitos do mundo escolar e converte, muitas vezes, o conteúdo das disciplinas em elemento aversivo aos alunos. Além disso, está muito evidente que, mesmo aqueles jovens que conseguem terminar o ensino médio, o baixo crescimento econômico do país e, em alguma proporção, as novas estruturas produtivas já automatizadas tornam as oportunidades de trabalho muito escassas. Essa falta de perspectiva tende a induzir o estudante a desinteressar-se pelas atividades escolares e a incentivar comportamentos agressivos (ZIBAS, 2005, pp. 25-26).
Os professores também elegem a educação familiar – ou a falta dela –
como causa do fracasso escolar, já que os pais transferem para a escola as
responsabilidades que lhes são devidas e esta, diante das inúmeras funções que
lhe são conferidas acaba por não cumprir a sua tarefa na transmissão e
reelaboração dos conhecimentos sistematizados pelas gerações anteriores e assim
contribuir na construção da cidadania.
Além disso, citam as dificuldades que a escola vem enfrentando com a
formação do profissional de novo tipo, exigido pela sociedade hodierna, diante da
reestruturação produtiva. Hoje, cada vez mais, a cultura do “ter” sobrepõe a do
“ser”, levando os nossos alunos a buscar cada vez mais cedo um trabalho, muitas
vezes informal e/ou mal remunerado, onde se vê claramente a exploração da mão-
de-obra barata, em nome da “sobrevivência”, ou seja, para sustentar o consumismo
exacerbado dos dias atuais.
Vemos aqui a necessidade de ressaltar que, conforme propõe Dagmar
Zibas,
é preciso reconhecer que as necessidades de desenvolvimento social e econômico são muito concretas e que – embora as relações macroestruturais componham o núcleo dessas rápidas mudanças – a formação da juventude para enfrentar a nova realidade impõe-se como um desafio muito objetivo, sempre resguardada a compreensão de que tal formação deve ser muito mais ampla e profunda do que aquela determinada pela produção (ZIBAS, 2005, p. 25).
É notório que somente o simples acesso não garante o direito de todos à
educação de qualidade nem atende às necessidades básicas da aprendizagem. É
preciso também que se garanta a permanência dos alunos na escola. Para isso,
precisamos diminuir o índice de evasão e repetência. Segundo Acácia Kuenzer,
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a melhoria das condições de sucesso e permanência dos estudantes depende de uma série de investimentos, tendo em vista a qualidade de ensino: em equipamentos, em ampliação do espaço físico, na qualificação permanente dos professores. Entretanto, nada será suficiente se não houver um rigoroso esforço na reconstrução da proposta político-pedagógica da escola, tendo em vista as demandas de educação do jovem e da sociedade, em face da nova realidade da vida social e produtiva (KUENZER, 2007, p. 45).
A questão da prática docente foi timidamente mencionada. Geralmente, os
professores não arrolam sua atuação pedagógica como possível movedora do
fracasso escolar. Quem sabe pelo fato de utilizarem em suas aulas uma variedade
de encaminhamentos metodológicos, como já citamos no início deste texto. Eles
afirmam, em sua maioria, que acreditam estar oferecendo aos alunos um ensino de
qualidade e que as atividades propostas intra e extraclasse têm proporcionado
oportunidades de aprendizagem efetiva dos conteúdos historicamente construídos.
Entretanto, ratificam a dificuldade de conseguir uma efetiva participação dos alunos
nas aulas.
Muitas vezes – relata uma professora – os alunos parecem estar atentos na
aula, principalmente quando recursos audiovisuais são utilizados, entretanto, a
participação nas discussões referentes ao assunto é ínfima.
Sabemos que há uma heterogeneidade cultural e sócioeconômica, além
das diferenças e desigualdades dos alunos. Há que se cuidar, segundo Acácia
Kuenzer, para que,
em nome da unidade de orientação não se obscureçam as diferenças de classe, que determinam diferentes demandas com relação ao acesso ao conhecimento, e consequentemente, diferentes tratamentos quanto ao conteúdo e ao método, uma vez que os menos favorecidos necessitam de mais numerosas e diversificadas mediações para se apropriar de conhecimentos e desenvolver capacidades que os filhos da burguesia desenvolvem naturalmente em face de suas experiências de classe (KUENZER, 2007, p. 46).
Outro mote muito em pauta nas discussões dos professores em torno do
fracasso escolar é o hábito de leitura. Relatam que os alunos, em sua maioria, não
apresentam gosto pela leitura e se recusam a realizá-la em sala de aula ou fora
dela. E, quando lêem, apresentam dificuldades na interpretação do texto lido. Dão
preferência às atividades que exigem pouca concentração e esforço para
desenvolvê-las. Inertes, esperam sempre que alguém resolva por eles. Dão
preferência às atividades reprodutivas em detrimento às criativas.
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Esse comportamento também é notado durante os estágios
supervisionados, em que alguns alunos encontram dificuldades nas tomadas de
decisão, principalmente quando exigem um conhecimento mais aprofundado.
Estamos nos referindo àqueles alunos que, em sala de aula, durante as aulas
teóricas também demonstram pouco interesse na aprendizagem; moldam-se
conforme as decisões dos colegas. Diante disso, percebemos que muitos alunos
não têm desenvolvido sequer o senso crítico.
Vale lembrar que muitos alunos se mostram bastante interessados e se
envolvem efetivamente no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, não
apresentam os resultados esperados, uma vez que o desânimo dos colegas
interfere na prática de sala de aula e, consequentemente, na qualidade da
aprendizagem.
Um círculo vicioso se forma quando, diante do desinteresse dos alunos, os
professores perdem o entusiasmo para preparar aulas mais dinâmicas e
interessantes, o que reforça o desânimo dos alunos.
Isso nos leva a alguns questionamentos: o aluno sente prazer em estudar,
em freqüentar a escola? Tem o sentimento de pertença ao espaço escolar? Os
espaços físicos e pedagógicos estão organizados de forma que as relações com o
conhecimento se estabeleçam de forma prazerosa? Os professores têm as
condições físicas e materiais necessárias para desenvolver seu trabalho
adequadamente?
Sabemos que, nas últimas décadas, o Ensino Médio foi o nível de ensino
que apresentou maior índice de expansão. Para atender à demanda, as escolas
que não foram pensadas nem feitas para receber os jovens, se adaptaram
(precariamente), utilizando os espaços ociosos do ensino fundamental. Sem o
devido planejamento para atender às características dos jovens e adolescentes, as
escolas não estavam preparadas para uma mudança qualitativa que lhes permitisse
acolher os novos contingentes de alunos. Também não dispunham de espaço físico
e recursos materiais adequados. Acácia Kuenzer afirma que “[...] assim como não
construíram a sua identidade em termos de concepção, também não construíram
sua identidade física como escolas que educam jovens” (KUENZER, 2007, p. 51).
A autora diz que, mesmo diante das inúmeras dificuldades encontradas
pelas escolas públicas, dentre elas, faltam recursos físicos e materiais adequados e
suficientes e não há verbas governamentais disponíveis para atender às demandas
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das escolas, “é preciso decidir com realismo e buscar a otimização dos recursos
disponíveis na escola e na comunidade, o que não significa desobrigar o Estado de
suas responsabilidades” (KUENZER, 2007, p. 47).
Sabemos que a escola pública é para os que vivem do trabalho, a única
alternativa para a aquisição do conhecimento historicamente construído. Diante
disso, temos a responsabilidade de proporcionar-lhes uma educação de qualidade,
possibilitando uma formação integral a que todos têm direito.
Todavia, não tem sido é uma prática vigente nas escolas de Ensino Médio,
mormente no ensino noturno. Os alunos desse período chegam à escola cansados
e com fome, depois de terem trabalhado o dia todo. Considerando essa realidade e
tentando evitar o alto índice de evasão e repetência, a escola oferece a esses
alunos um tratamento mais flexível, menos rígido. Com isso, não percebe que
faz de conta que cuida da formação destes jovens, trabalhando o mesmo currículo dos cursos diurnos, ajeitando-os de forma que essa população passe pela escola, certifique-se, e continue marginalizada, seja pela não apropriação dos conhecimentos produzidos historicamente, seja por uma falsa idéia de que estão preparados para o mundo do trabalho. Vê-se, desta forma, a perpetuação da exclusão, já que na idade devida esses alunos não tiveram a escolaridade a que tinham direito (PEREIRA, 2007, in mimeo, p. 9).
Destarte, cristaliza-se a dualidade estrutural e curricular dentro da escola
pública, que oferece oportunidades diferentes aos desiguais, distribuindo
diferentemente os conhecimentos científicos àqueles que já têm no mercado de
trabalho disparidade na disposição dos saberes práticos.
Nesse sentido, Kuenzer faz um símile entre o ponto de vista do mercado de
trabalho e o ponto de vista da educação: enquanto no mercado ocorre o que a
autora denomina “exclusão includente”, em que “são identificadas várias estratégias
para excluir o trabalhador do mercado formal, no qual ele tinha direitos assegurados
e melhores condições de trabalho e, ao mesmo tempo, são colocadas estratégias
de inclusão no mundo do trabalho, mas sob condições precárias” (KUENZER, 2005,
p. 92), na educação ocorre a “inclusão excludente”, em que
as estratégias de inclusão nos diversos níveis e modalidades da educação escolar aos quais não correspondem os necessários padrões de qualidade que permitam a formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas do capitalismo; ou, na linguagem toyotista, homens e mulheres flexíveis, capazes de resolver problemas novos com rapidez e eficiência, acompanhando as mudanças e educando-se
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permanentemente” (idem, pp. 92-93).
É importante lembrar que, para a superação desse quadro é preciso vencer
os limites impostos pelo capitalismo, uma vez que as práticas pedagógicas estão
impregnadas de concepções ideológicas, teóricas e políticas, e influenciadas por
relações de poder, o que restringe as ações desenvolvidas no contexto escolar pela
unitariedade do trabalho pedagógico com vistas a uma educação emancipatória.
4 O PAPEL DO PEDAGOGO
São inúmeros os desafios que a escola pública tem para enfrentar,
especialmente numa época em que o conhecimento assume novas configurações.
Ele se modifica permanentemente, sendo atualizado dia a dia pelas descobertas
das ciências.
Sendo a escola uma organização viva em que predomina uma
complexidade causada pelas diferentes visões sobre trabalhar a educação, produto
da formação e história de vida de cada indivíduo, cabe ao pedagogo articular o
fazer pedagógico, enfatizando o trabalho em equipe e buscando superar a
dicotomia entre teoria e prática, com vistas a uma educação contestadora,
comprometida com a emancipação dos alunos, ou seja, uma educação mais voltada
para a transformação social do que para a transmissão de conhecimentos, partindo
do pressuposto de que a escola é um espaço de efetivação do conhecimento
historicamente construído e não um mero transmissor de informações.
Para tanto, é imperativo conhecer o cotidiano da escola: suas contradições,
seus conflitos, seus currículos explícitos e ocultos e, sobretudo os responsáveis
pelo ato educativo.
A concretização da práxis educativa deve estar fundamentada em bases
teóricas sólidas, na perspectiva de que a sua análise interpretativa e crítica venha
contribuir para uma melhor compreensão do contexto e, conseqüentemente, o
desvelamento das contradições e da complexidade do sistema escolar,
diligenciando caminhos seguros nesta época de constantes e rápidas
transformações.
Nesse sentido, o trabalho do pedagogo pode fazer a diferença uma vez que
ele representa um elo importante na possibilidade concreta de redirecionar a trajetória da escola pública, como um espaço que
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precisa dar conta de ofertar uma educação mais pertinente aos anseios dos cidadãos que têm na instituição escolar, muitas vezes, o único meio de acesso aos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade (PEREIRA, 2008, p. 2, in mimeo).
O que vemos nos últimos anos é a precarização do trabalho do pedagogo,
que ultimamente tem sua ação voltada para a resolução dos problemas imediatos.
Além disso, com a nova organização do trabalho, fundamentada no toyotismo, o
pedagogo passa a ser multitarefa. A função que, outrora era exercida pelo
supervisor escolar e pelo orientador educacional, hoje é assumida por um único
profissional: o pedagogo, e espera-se que resolva os problemas da escola. A
diminuição de pessoal é lucrativa para o Estado que, além de promover o
enxugamento, se exime das responsabilidades com a educação (Estado Mínimo).
A materialização do conceito de um pedagogo polivalente, competitivo e
que busque constantemente processos de qualificação – características exigidas
para um profissional de novo tipo, sob o ponto de vista do novo modelo de
produção, apresentado como acumulação flexível – pode ser constatada, conforme
relata Czernisz (2006) em análise à Descrição das Atividades para o Professor
Pedagogo feito pela Secretaria Estadual de Educação. Nesse texto, descreve a
autora, “há o requisito de um pedagogo versátil e flexível trabalhando no espaço
escolar, atendendo a todas as necessidades da escola” (CZERNISZ, 2006, in
mimeo).
É preciso cautela para não cair nas armadilhas do neoliberalismo, que, com
a reconfiguração do trabalho, justificada pela superação da fragmentação, faz do
pedagogo um profissional polivalente e multifuncional que, envolvido nas questões
urgentes da escola, deixa de lado sua função de pensar a escola para além de seus
muros, o que desconfigura e esvazia o seu fazer pedagógico.
Essa tem sido a grande angústia dos pedagogos que se vêem envolvidos
nas questões emergenciais da escola, na maioria das vezes resolvendo conflitos
gerados pela indisciplina dos alunos que repetidas vezes apresentam
comportamentos desregrados, reflexo do modo de pensar mais flexível da
sociedade hodierna, agravados pela insegurança pedagógica de alguns
professores. Os pedagogos vivem um paradoxo: de um lado têm consciência de
que essas ações não constituem o fazer pedagógico propriamente dito, por outro
sabem que, sem a sua intervenção, os conflitos tomam dimensões vultosas,
interferindo de forma desastrosa no processo educativo.
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O trabalho do pedagogo deve ser delineado numa perspectiva de
consultoria, de assessoramento, principalmente no âmbito do Ensino Médio e da
Educação Profissional de nível técnico, conjeturando a concretização de uma ação
pedagógica integrada.
Espera-se que o trabalho do pedagogo, ou seja, a forma como organiza o
trabalho pedagógico na escola, promova a democratização dos espaços de
participação, impulsionando a participação da comunidade escolar nos Órgãos
Colegiados: Grêmio Estudantil, Conselho Escolar, Associação de Pais, Mestres e
Funcionários, Conselho de Classe.
O pedagogo deve contribuir de forma significativa para a melhoria na
qualidade da educação e, para tanto, as suas ações devem ser direcionadas para a
construção coletiva de um projeto político-pedagógico emergente das necessidades
e aspirações da comunidade escolar, considerando-se a problemática da escola e
da sociedade.
Nesse sentido, Czernisz acredita que
ao pedagogo que trabalha na gestão pedagógica, não compete apenas realizar tarefas determinadas, mas compreender o sentido da determinação das tarefas, compreender a essência das tarefas, a prioridade das tarefas, a importância das tarefas. Isso só é possível mediante um processo contínuo de planejamento dos fazeres, um mínimo de reflexão, organização e sistematização de um projeto pedagógico construído coletivamente (CZERNISZ, 2006, in mimeo).
O projeto político-pedagógico tem como meta nortear as ações
desenvolvidas no contexto escolar e os resultados dependem do modo como a
educação é concebida pelos agentes educacionais e pela sua forma de mediar o
processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, é imprescindível uma mudança de
paradigma da escola, reconstruindo a compreensão de homem, de mundo, de
sociedade, de educação. Para que essa mudança se concretize, é necessário que
seja internalizada pelos profissionais da educação, e se revele conscientemente em
suas ações, que devem ser canalizadas para os objetivos da instituição como um
todo e consolidadas num constante processo de reflexão-ação-reflexão.
5 CONCLUSÃO
Diante dos resultados obtidos ao final de cada ano letivo, com um índice de
evasão e repetência bastante elevado, o quadro que vemos nas escolas, mais
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especificamente nas escolas públicas é, por um lado uma inquietação e
necessidade de mudança e, por outro, um sentimento de impotência, uma vez que
os profissionais da educação se mostram, mesmo que inconscientemente,
resistentes a mudanças. Percebemos que, para esse profissional, mormente
aqueles que estão há mais tempo na educação, é difícil perceber e aceitar que a
escola que ajudou a construir já não atende às expectativas e necessidades dos
alunos.
Mudar a escola não é fácil também, como afirma Miguel Arroyo em seus
escritos. De acordo com o autor, “há uma cultura escolar e profissional que é muito
difícil de mudar” (ARROYO, 2002, p. 277), uma vez que não vemos a escola
sociologicamente, mas sim politicamente, como “aparelho ideológico do Estado, ou
ainda, aparelho de hegemonia e contra-hegemonia” (ARROYO, 2002, p. 277).
Contudo, com a nova forma de organização do capital que exige dos
cidadãos a ação imediata diante de novas situações, com os avanços tecnológicos
que promovem a propagação dos acontecimentos em tempo real, a sociedade
hodierna – em que a escola está inserida – sofre mudanças muito rápidas. É
preciso repensar que a escola não pode, alheia a tudo isso, manter-se imutável,
focando suas ações apenas nos acontecimentos intramuros. É mister ultrapassar os
limites dos muros e colocar-se na totalidade da dinâmica social.
Ter consciência dos problemas sociais: exclusão, marginalização,
desumanização, alienação, exploração, dentre outros, refletir sobre essas questões
e saber que a escola não está imune a tudo isso, uma vez que, sendo reflexo dessa
sociedade, é o ponto de partida para quaisquer mudanças idealizadas.
Segundo Miguel Arroyo,
é curioso, quanto mais radicais somos nas análises temos uma visão mais negativa da escola que não queremos e uma maior ilusão de mudar a escola apenas com nosso querer, bem-querer, mal-querer. (...) Termos uma visão mais realista da escola, é possivelmente a única forma de avançar na construção de projetos pedagógicos. Partir dessa realidade brutal, mas também das positividades existentes na sociedade e na escola. Partir de que cada educador, e o coletivo de educadores se descubram, apesar de toda essa precariedade, tentando construir e dar conta de uma relação humana, digna, socializadora, educativa, respeitosa com 20, 30, até 40 crianças por dia. Essa positividade merece nossa atenção, porque é isso que está acontecendo em muitos projetos político-pedagógicos (ARROYO, 2005, p. 278).
Diante dos estudos e análises feitas durante a realização desta pesquisa, e
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sabendo que a ação pedagógica desses profissionais interfere, de forma positiva ou
negativa no processo educativo e, conseqüentemente, na formação dos educandos,
ousamos afirmar que investir na formação continuada dos educadores é o primeiro
passo para a construção de uma escola mais humanizadora e preocupada com a
emancipação de seus alunos.
Outro investimento necessário, a nosso ver, é na pesquisa em educação,
realizada pelos profissionais da educação básica, num processo de formação
continuada e pós-graduação.
Acreditamos ser adequado citar uma fala de Paulo Freire, educador de
renome internacional, capaz de nos impulsionar na luta por uma escola pública de
qualidade: “A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a
sociedade muda”.
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