Organizaçãodejogoe de Treino

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  • 7/23/2019 Organizaodejogoe de Treino

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    Universidade de Lisboa

    Faculdade de Motricidade Humana

    Organizao do Jogo e do Treino de

    uma equipa de Futebol

    Relatrio de Estgio Profissionalizante na Escola deFutebol Dragon Force Lisboa

    Relatrio elaborado com vista obteno do Grau de Mestre em Treino

    Desportivo

    Orientador: Professor Doutor Ricardo Filipe Lima Duarte

    Jri:

    Presidente

    Professor Doutor Pedro Jos Madaleno PassosVogais

    Professor Doutor Lus Pedro Camelo Vilar

    Professor Doutor Ricardo Filipe Lima Duarte

    Joo Lus Mendes Ferreira

    Lisboa, 2014

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    O segredono correr atrs das borboletas... cuidar do jardim para queelas venham at ns.

    Mario Quintana

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    Agradecimentos

    Dizer obrigado parece to fcil, e todavia, to difcil! Quantas vezes dizemos

    obrigado em famlia? Quantas vezes dizemos obrigado a quem nos ajuda, vive perto de ns e

    nos acompanha na vida? Muitas vezes damos tudo isso como suposto! Obrigado uma das

    palavras-chave da convivncia.

    Jorge Mario Bergoglio (2013)

    Ao Professor Doutor Ricardo Filipe Lima Duarte pela disponibilidade e

    oportunidade, pela sabedoria e por ter sido uma pessoa fundamental nos

    conselhos e ensinamentos que permitiram tornar este trabalho uma realidade.

    A todos os treinadores da escola de Futebol Dragon Force Lisboa. Para

    haver crescimento tm de existir situaes de conflitos de ideias que

    despoletem a necessidade de reflexo. Ao longo deste estgio deparamo-nos

    com momentos que suscitaram dvidas e interrogaes. Estes momentos

    resultaram em dificuldades que foram ultrapassadas atravs do dilogo, da

    partilha de experiencias, reflexes pessoais e em grupo que resultaram sempre

    na recolha de informaes importantes para cada um de ns.

    Ao Nuno Ferreira, por toda a liberdade, confiana e ajuda no processo

    de treino e de competio. Apesar das dificuldades, foi um prazer trabalhar

    contigo.

    Ao Davide, Telmo, Lino e Lus Gonalo pela presena, apoio e

    amizade

    Aos meus pais, que sempre acreditaram em mim, sempre me permitiram

    seguir os meus caminhos, as minhas escolhas. Por todo o esforo e sacrifcios

    que fizeram. Por estarem sempre l quando necessito. Um agradecimento

    muito especial.

    Aos meus irmos, Filipa e Lus pelo carinho e apoio

    A todos, um muito OBRIGADO!

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    ndice

    Agradecimentos ................................................................................................. 4

    ndice .................................................................................................................. 5

    ndice de Figuras ................................................................................................ 7

    ndice de Quadros .............................................................................................. 9

    ndice de Grficos ............................................................................................ 10

    Resumo ............................................................................................................ 11

    Abstract ............................................................................................................ 12

    1. Introduo ................................................................................................. 151.1 Aes e tarefas ..................................................................................... 17

    1.2 Objetivos ............................................................................................... 18

    1.3 Finalidades ............................................................................................ 18

    1.4 Processo de realizao do Relatrio de Estgio ................................... 19

    2. Enquadramento da prtica profissional.................................................. 23

    2.1 Contexto legal e institucional ................................................................ 23

    2.2 Macro-ContextoOrganizao do Jogo e do Treino de uma equipa deFutebol ........................................................................................................ 24

    2.2.1 O Jogo de Futebol como Sistema Complexo .................................. 24

    2.2.2 Organizao do Jogo de uma equipa de Futebol ........................... 26

    2.2.3 Organizao do processo de treino no Futebol .............................. 32

    2.2.3.1 Pertinncia do exerccio de treino no Futebol ........................... 33

    2.2.3.2 Conceo de exerccios de treino no Futebol como conceber o

    exerccio de forma a dele se poder retirar o mximo rendimento para osjogadores e para a equipa ..................................................................... 36

    2.2.3.3 A anlise das redes de interao social uma forma de avaliar e

    controlar o treino e a competio .......................................................... 45

    3. Realizao da prtica profissional .......................................................... 51

    3.1 Filosofia da Escola de Futebol Dragon Force ....................................... 51

    3.1.1 Dragon Force Lisboa ...................................................................... 52

    3.2 Conceo da prtica profissional .......................................................... 53

    3.3 Atividades ............................................................................................. 54

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    3.3.1 Organizao e gesto do processo de treino e competio ........... 54

    3.3.1.1 Modelo de Jogo ......................................................................... 54

    3.3.1.1 Modelo de Treino....................................................................... 57

    3.4 Dificuldades sentidas ............................................................................ 83

    3.5 Sistema de avaliao e controlo do trabalho desenvolvido ................... 83

    4. Estudo de Investigao ............................................................................ 89

    4.1 Estudo - A representatividade dos exerccios de treino e o seu transfere

    para a competio: o caso da procura do jogo interior na 2 fase de

    construo .................................................................................................. 89

    4.1.1 Introduo ....................................................................................... 89

    4.1.2 Metodologia .................................................................................... 91

    4.1.2.1 Participantes .............................................................................. 91

    4.1.2.2 Procedimentos .......................................................................... 92

    4.1.3 Resultados ...................................................................................... 97

    4.1.4 Discusso ..................................................................................... 104

    4.1.5 Concluses ................................................................................... 106

    5. Evento - Relao com a Comunidade................................................... 109

    6. Concluses e perspetivas de futuro ..................................................... 119

    7. Referncias Bibliogrficas..................................................................... 125

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    ndice de figuras

    Figura 1 - O Jogo de Futebol Coordenao dentro da equipa e entre as

    equipas ............................................................................................................ 27

    Figura 2 - Estrutura e Organizao do jogo de uma equipa de Futebol

    (adaptado de Oliveira, 2004) ............................................................................ 29

    Figura 3 - Organizao dos diferentes momentos de uma equipa de Futebol

    (Adaptado de Oliveira 2004)............................................................................. 37

    Figura 4 - Fatores a ter em conta na conceo de exerccios (Adaptado de

    Arajo et al (2006), Duarte (2012); e Travassos et al. (2012) .......................... 45

    Figura 5- Anlises das redes de interao social (Duch, Waitzman & Amaral,2010) ................................................................................................................ 47

    Figura 6- Ficha de Avaliao Diagnstico e Semestral .................................. 55

    Figura 7- Ficha de Perfil do Aluno .................................................................. 56

    Figura 8- Ficha de Avaliao Diagnstico da Turma ...................................... 56

    Figura 9- Planeamento Semanal (microciclo) ................................................. 63

    Figura 10- Conceo de Exerccios de treino ................................................. 67

    Figura 11- Plano de Treino de 3 feira (microciclo 17).................................... 69

    Figura 12- Estimulao do Futebol de RuaExemplo de Evento nas portas do

    Estdio do Drago ............................................................................................ 70

    Figura 13- Exemplo Torneio das Naes ....................................................... 73

    Figura 14- R.E.D.E 2013/14 ........................................................................... 74

    Figura 15- R.E.D.EInformao Pedaggica (pgina 16) ............................ 74

    Figura 17- R.E.D.EInformao de Psicologia (pgina 41) .......................... 75

    Figura 18- R.E.D.EInformao de Sade (pgina 45) ................................ 75

    Figura 19- Anlise Quantitativa da Qualidade ................................................ 77

    Figura 20- Anlise Qualitativa ......................................................................... 78

    Figura 21- Tempo de exercitao dos sub-momentos, sub-principios ........... 80

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    Figura 22- Linhas de Passe ao portador (DC) sempre por dentro (interior e

    MC a vermelho) e por fora da estrutura adversria (defesa lateral a azul)...... 93

    Figura 23- Bola dentro da estrutura adversria (no mdio interior esquerdo) 93

    Figura 24 - Passe para espao interior (dentro da estrutura adversria) e

    exterior (fora da estrutura adversria) .............................................................. 97

    Figura 25- Exerccio 1 (8x8+(2)2 Sub-Momento (Equipa A)...................... 98

    Figura 26- Exerccio 1 (8x8+(2)2 Sub-Momento (Equipa B)...................... 99

    Figura 27- Exerccio 2 (GR+8x8+GR+(2)2 Sub-Momento (Equipa A) ..... 100

    Figura 28- Exerccio 2 (GR+8x8+GR+(2)2 Sub-Momento (Equipa B) ..... 101

    Figura 29Jogo SCP vs DF Lisboa2 Sub-Momento ............................... 102

    Figura 30- Capa Torneio Carlos Chainho................................................... 110

    Figura 31- Regulamento do Torneio ............................................................. 110

    Figura 32- Equipas participantes e respetivos Balnerios ............................ 111

    Figura 33- Calendrio Competitivo dos escales 2003 e 2002 .................... 111

    Figura 34- Calendrio Competitivo dos escales 2001 e 2000 .................... 112Figura 35 - Balano do Torneio Carlos Chainho (presente nos anexos do

    relatrio) ......................................................................................................... 113

    Figura 36- Equipa DF Lisboa 2001 fotografia no final de um dos encontros

    (campo n2) .................................................................................................... 114

    Figura 37- Equipa DF Lisboa 2002 fotografia no final de um dos encontros

    (campo n 3) ................................................................................................... 114

    Figura 38- Cerimnia final com o ex-jogador e representante do torneio Carlos

    Chainho .......................................................................................................... 115

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    ndice de Quadros

    Quadro 1- Contedos Organizao Ofensiva ................................................. 60

    Quadro 2- Contedos Organizao Ofensiva (individual) .............................. 60

    Quadro 3- Contedos Organizao Defensiva ............................................... 61

    Quadro 4- Contedos Organizao Defensiva (individual) ............................. 61

    Quadro 5- Contedos Transio Defesa-Ataque ............................................ 61

    Quadro 6- Contedos Transio Ataque-Defesa) .......................................... 62

    Quadro 7- Microciclo Padro .......................................................................... 65

    Quadro 8- Grelha de avaliao do estgio ..................................................... 84

    Quadro 9- Exerccios de treino avaliados - Microciclo 11 ............................... 95

    Quadro 10Legenda das posies dos jogadores ........................................ 98

    Quadro 11- Percentagem de passes dos defesas para os restantes colegas de

    equipa (Equipa AExerccio 1) ....................................................................... 99

    Quadro 12- Percentagem de passes dos defesas para os restantes colegas de

    equipa (Equipa BExerccio 1) ..................................................................... 100

    Quadro 13- Percentagem de passes dos defesas para os restantes colegas de

    equipa (Equipa AExerccio 2) ..................................................................... 100

    Quadro 14- Percentagem de passes dos defesas para os restantes colegas de

    equipa (Equipa BExerccio 2) ..................................................................... 101

    Quadro 15- Percentagem de passes dos defesas para os restantes colegas de

    equipa (Jogo DFL vs SCP) ............................................................................. 102

    Quadro 16 - Percentagem de passes dos defesas para jogadores que

    receberam em espaos interiores e exteriores............................................... 103

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    ndice de Grficos

    Grfico 1- Tempo de exercitao dos momentos de jogo no microciclo 17, 18,

    19 e 20 (Janeiro) .............................................................................................. 80

    Grfico 2- Tempo de exercitao dos sub-momentos ofensivos de Novembro

    a Abril (para cada ms foram considerados 4 microciclos de treino) ............... 80

    Grfico 3- Tempo de exercitao escalas/partes (microciclo de treino 21).. 82

    Grfico 4- Tempo de exercitao escalas/partes (microciclo 29, 30, 31 e 32)82

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    Resumo

    A estruturao do processo de treino assume-se como um fator

    determinante na preparao de uma equipa de Futebol. Particularmente nocontexto do Futebol de Formao, a Metodologia de Treino adotada destaca-se

    como fator capital, j que o objetivo desenvolver a capacidade do jovem se

    tornar competente no jogo.

    O objetivo do trabalho desenvolvido consiste em compreender, refletir e

    fundamentar o processo de treino e competio da equipa sub-14 da Escola de

    Futebol Dragon ForceLisboa, onde foi desenvolvido o presente estgio. Para

    alm do trabalho de terrenocolaborao ativa em todo o processo de treino ecompetio foi realizado um estudo de investigao tendo como objetivo a

    avaliao da representatividade dos exerccios de treino e o seu transfere para

    a competio. Na rea de relao com a comunidade, foi organizado um

    evento vocacionado para a formao de jogadores.

    Do cruzamento da informao proveniente da reviso da literatura, da

    reflexo pessoal, da experincia prtica adquirida e do estudo realizado, foi

    possvel concluir que: devem-se criar tarefas de treino (exerccios)representativas, em que os constrangimentos representem as pistas

    informacionais presentes no ambiente competitivo, para que os jogadores

    possam manter as mesmas relaes funcionais (acoplamentos) entre perceo

    e ao; a anlise ao jogo de futebol deve atender ao seu carter complexo e

    dinmico, focando-se nas interaes entre os diferentes intervenientes, e as

    suas mudanas ao longo do jogo; criar contextos facilitadores, mantendo o

    nvel de variabilidade aparente no desempenho competitivo e promovendo a

    emergncia dos princpios de jogo, parece ser fundamental para o transfere

    positivo entre o treino e a competio.

    Palavras-Chave:Organizao do jogo, processo de treino, exerccio de treino,representatividade da tarefa, princpios de jogo.

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    Abstract

    The training process structuration and everything it involves is taken as a

    key feature in the preparation of a football team. Particularly in Youth Football,

    the adopted Training Methodology stands out as a major factor since its goal is

    to develop the youngsters capacity of becoming competent in the game.

    The goal of this report is to understand, reflect and fundament the

    training and competition process in the team the intern was placed. Therefore,

    the intern took part in a professional internship in the U-14 team of Escola de

    Futebol Dragon Force Lisboa in which he actively collaborated in all the training

    and competition process on the field work. Besides, he conducted an

    investigation aiming at the representativeness assessment of the training

    exercises and its transfer to the competition. It was organized an event devoted

    to the formation of players, regarding community relations,

    As a result of all the reading process, personal reflection, practical

    experience acquired and study developed, it is possible to conclude:

    representative tasks shall be created implying the need to ensure that practice

    task constraints represent the competitive performance environment so that

    learners can maintain the same perceptual-motor relations with key individuals,events and objects; the football analysis shall focus on a dynamic logic of the

    game and on the interaction of the different participants of the game; as well as

    to create easing contexts, keeping the apparent variability level in the

    competitive performance and promoting the emerge of the game principles,

    which seems essential to the positive transfer from training to competition.

    Keywords:Game organization, training process, practice task, representative

    task design, game principles

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    1. Introduo

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    1. IntroduoAs cincias do desporto tm vindo, ao longo dos anos, a adquirir uma

    maturidade suficiente, gerando um corpo de conhecimentos especficos e teis

    ao desenvolvimento e evoluo das diferentes modalidades desportivas

    (Castelo, 2005). Williams & Hodges (2005) referem que tm sido levadas a

    cabo inmeras pesquisas com o objetivo de se identificar os fatores mais

    importantes que levam a bons desempenhos no desporto. Lembram que a

    importncia das cincias do desporto apreciada por todos aqueles que esto

    envolvidos em equipas profissionais e que a grande maioria dos trabalhos

    nesta rea pertena dos fisiologistas do exerccio sendo que disciplinas como

    a psicologia desportiva ou a aprendizagem motora so relegadas para segundo

    plano. No entanto, estudos mais recentes tm vindo a dar cada vez mais

    enfase aos aspetos tticos do jogo. Os mesmos autores encontram explicaes

    para a parte fisiolgica ser a mais estudada: muito mais fcil avaliar a

    efetividade de um programa de condio fsica do que monitorizar intervenes

    que visam alterar comportamentos. Mudanas nas capacidades aerbia e

    anaerbia ou nas caractersticas antropomtricas como a massa ou

    composio corporal, podem ser facilmente determinadas usando testeslaboratoriais padronizados. Por outro lado, constructos como a ansiedade,

    auto-confiana, antecipao e tomada de deciso so difceis de medir

    diretamente e podem apenas ser inferidos atravs de mudanas

    comportamentais ao longo do tempo. Esta explicao serve-nos tambm a

    ns, pois a realizao deste trabalho visa compreender melhor a forma como o

    treino conduz a uma determinada organizao do jogo de uma equipa de

    futebol.

    O jogo de futebol algo imensamente complexo, muito por fora da

    vasta rede de relaes que se estabelecem com o seu decorrer. Este pode ser

    considerado como a oposio de duas equipas com objetivos idnticos

    marcar golos, e evitar golos da equipa adversria. Nesta relao, ambas as

    equipas precisam de coordenar os seus jogadores (coordenao intra-equipa)

    atravs de uma estratgia coletiva que considere a oposio da outra equipa

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    (coordenao inter-equipa) num contexto em evoluo (McGarry, Anderson,

    Wallace, Stephen, Hughes, Mike, Franks & Ian, 2002).

    Assim, a orientao das aes dos jogadores torna-se algo de

    importncia superior, como forma de tornar um pouco mais harmoniosa a redeque se estabelece entre os elementos da mesma equipa. A dinmica relacional

    coletiva do jogo, caracteriza-se por uma existncia simultnea de aes de

    cooperao e oposio e pela necessidade constante de coordenar as aes

    dos jogadores, tendo como pano de fundo um contexto de elevada

    complexidade, sendo que a sua realizao depende igualmente das

    caractersticas dinmicas do prprio jogo (Jlio & Arajo, 2005). Neste

    contexto, as aes que um jogador desenvolve ao longo de um jogo, exigemcomportamentos congruentes com uma determinada lgica de organizao.

    Em funo de cada situao de jogo, importante que o jogador seja capaz de

    responder de forma adequada, atuando em conformidade com o projeto de

    jogo coletivo da sua equipa. Desta forma, atravs da operacionalizao do

    processo de treino que o treinador faz emergir um conjunto de regularidades no

    comportamento da equipa.

    A metodologia do treino do futebol conduziu primeiramente aprendizagem, desenvolvimento e aperfeioamento de gestos tecnicamente

    corretos, partindo do princpio que, estes seriam suportados por programas

    motores considerados, os mais adequados. Posteriormente, em virtude de uma

    eficiente automatizao desses gestos, que o jogador deveria procurar

    resolver os problemas tticos do jogo (Castelo, 2009). De acordo com o mesmo

    autor, este um paradigma em substituio, pois, j demonstrou as suas

    limitaes, uma vez que no atende contnua variabilidade dos contextos de

    jogo, bem como, s particularidades inerentes de cada jogador. O treino do

    Futebol evoluiu, desta forma, de uma perspetiva mecanicista anteriormente

    mencionada, para outra perspetiva que se edifica a partir de um interesse

    crescente pelos aspetos estratgico-tticos e pela dimenso cognitiva do

    rendimento, privilegiando as perspetivas comunicacional-informacional e

    sistmica (Garganta, 1997). A ao de jogo ento uma propriedade

    emergente das diferentes interaes dinmicas da perceo, do sistema motor,

    do contexto situacional, dos objetivos estratgicos e tticos, pressupondo uma

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    finalidade e um vnculo funcional, entre as intenes dos jogadores e dos

    constrangimentos a que estes esto sujeitos (Castelo, 2009). Assim, tem sido

    defendido que as tarefas/exerccios de treno devem ser concebidas para

    assegurar a generalizao da melhoria do desempenho desportivo (Arajo,

    Davids & Passos, 2007; Dicks, Davids, & Araujo, 2008; Pinder, Davids,

    Renshaw, & Arajo, 2011).

    Nos ltimos anos, a investigao em torno da aprendizagem de

    comportamentos desportivos assistiu ao aparecimento de novos conceitos e

    metodologias (Arajo, 2009). Neste sentido, a pedagogia no-linear sugere

    que a aprendizagem seja perspetivada como o resultado das interaes que os

    aprendizes estabelecem com o envolvimento em diferentes escalas temporaise que os conduzem a uma estabilizao de determinados comportamentos

    (Chow et al, 2011). Tem sido tambm sugerido na literatura que as

    modificaes no comportamento podero dever-se a mudanas no modo como

    os indivduos usam a informao disponvel no ambiente (Arajo, 2009). Estas

    evidncias realam a importncia da aprendizagem decorrer em contextos de

    desempenho representativos (Chow et al, 2011), mantendo os

    constrangimentos informacionais especficos dos contextos para onde se

    pretende generalizar a aprendizagem (neste caso, o jogo de futebol).

    1.1 Aes e tarefas

    Este estgio compreendeu diferentes aes e tarefas, especificando:

    Incluso de um estagirio, Joo Lus Mendes Ferreira, na escola

    de futebol Dragon Force Lisboa, durante um perodo que decorreu entre

    Setembro de 2012 e Junho de 2013;

    Funo principal: apoio/acompanhamento ativo ao treinador

    principal da equipa de iniciados C (sub 14) em todo o processo de treino e

    competio;

    Funes/tarefas adjacentes: planeamento das sesses de treino;

    apoio ao treinador principal em determinados exerccios; orientao de

    exerccios de treino; elaborao de relatrios de jogo; criao de fichas de

    controlo e avaliao da carga de treino;

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    Elaborao de um relatrio de estgio com a finalidade de

    caracterizar todo o processo, a entregar na Faculdade de Motricidade Humana

    da Universidade de Lisboa

    1.2 Objetivos

    Considerando este conjunto de necessidades, o objetivo geral, a que

    nos propomos dar resposta, consiste em compreender e fundamentar, todo o

    processo de treino e competio da equipa em que o estagirio esteve

    colocado.

    Assim, tendo como base esse mesmo objetivo geral, consideramos

    como objetivos especficos: Identificar aspetos relevantes para a organizao do jogo de uma

    equipa de futebol;

    Identificar aspetos relevantes para a organizao do processo de

    treino de uma equipa de futebol;

    Perceber a importncia do exerccio de treino no rendimento dos

    jogadores e da equipa;

    Perceber de que forma se estrutura e operacionaliza o processode treino e competio na Escola Dragon Force Lisboa;

    Avaliar a representatividade dos exerccios de treino e o seu

    transfere para a competio;

    Organizao de um evento desportivo vocacionado para a

    formao de jogadores.

    1.3 FinalidadesTrata-se de um Relatrio que comporta a descrio, fundamentao e

    reflexo de todo o processo de estgio, assim como os ensinamentos e as

    competncias que nos permite evoluir enquanto profissionais. Compreende

    uma reviso bibliogrfica dos temas anteriormente referidos; o processo de

    acompanhamento, apoio e realizao das tarefas e funes referidas; o que as

    fundamentou; um processo de reflexo pessoal acerca destas temticas; um

    estudo de investigao direcionado para o tema do trabalho; a organizao deum evento vocacionado para a formao de jogadores; concluses e

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    ensinamentos que retiramos do estgio; e perspetivas futuras a nvel

    profissional.

    1.4 Processo de realizao do Relatrio de Estgio

    Tendo como inteno cumprir com os objetivos definidos, o presente

    Relatrio de Estgio est estruturado de acordo com os seguintes pontos:

    A introduo, que tem como finalidade sistematizar as temticas

    que sustentaro o presente estgio, descrevendo o estado atual de

    conhecimentos e boas prticas para que se entenda o quadro de

    problematizao do exerccio profissional considerado. Nesta tambm

    apresentada a caracterizao geral do estgio e os objetivos do mesmo;

    O enquadramento da prtica profissional, no qual tivemos

    inteno de caracterizar o contexto a este associado de uma forma

    aprofundada, considerando quer o macro contexto Organizao do jogo e do

    treino de uma equipa de futebolquer os contextos legais e institucionais;

    Realizao da prtica profissional onde definimos e

    caracterizamos a conceo a esta associada, as atividades desenvolvidas, as

    dificuldades sentidas, o sistema de avaliao e controlo do trabalho

    desenvolvido;

    O estudo de investigao direcionado para a temtica em

    questo;

    Relao com a comunidade, no qual descrito o evento

    vocacionado para a formao de jogadores;

    Concluses e perspetivas para o futuro, no qual pretendemosrefletir acerca dos ensinamentos retirados assim como as intenes que se

    seguiro a este estgio;

    Referncias Bibliogrficas utilizadas;

    Anexos (suporte digital) onde temos inteno de reunir todos os

    documentos que ajudem a explicitar mais detalhadamente os temas

    abordados.

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    2. Enquadramento da

    prtica profissional

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    2. Enquadramento da prticaprofissional

    Para comear, iremos abordar o contexto onde o estgio se inseriu, noseu mbito legal e institucional, para de seguida, nos reportarmos ao

    enquadramento de onde surgiu a prtica profissional Organizao do jogo e

    do treino de uma equipa de Futebol. Iniciaremos o tema com uma abordagem

    aos sistemas complexos, e posteriormente, relacionaremos os mesmos com a

    forma como organizamos o jogo e o treino de uma equipa de futebol. Ainda

    olharemos mais especificamente para a pertinncia do exerccio de treino e

    como conceber o mesmo de forma a retirar o mximo rendimento dosjogadores e da equipa. Por fim faremos uma pequena reviso sobre uma nova

    ferramenta de controlo do treino e competioas redes socias.

    Todas as temticas presentes neste ponto serviro de suporte e

    fundamento da prtica profissional realizada.

    2.1 Contexto legal e institucionalO Estgio realizou-se na escola de Futebol Dragon Force Lisboa na

    equipa de Iniciados C (sub-14). No de uma forma contratual mas como funo

    de Estgio Profissionalizante, inserido no Mestrado em Treino Desportivo da

    Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa. Surgiu na

    sequncia de contactos formais e informais entre as duas entidades DF

    Lisboa e FMH atravs de um protocolo de colaborao solicitado pelo

    estagirio em questoJoo Lus Mendes Ferreiraapoiado na orientao doProfessor Ricardo Filipe Lima Duarte. Teve como durao o espao temporal

    definido entre Setembro de 2012 e Junho de 2013, e comportou um horrio de

    trabalho de cerca de duas horas dirias, ao longo de 3 dias teis (3,4 e 6), e

    ainda o jogo, geralmente, realizado ao domingo

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    2.2 Macro-ContextoOrganizao do Jogo e do Treinode uma equipa de Futebol

    2.2.1 O jogo de Futebol como Sistema Complexo

    A cincia das partes ajudou-nos a compreender o mundo que nos rodeia. No entanto, est

    se a tornar cada vez mais evidente que importantes perguntas s podem ser respondidas caso

    se pense mais cuidadosamente sobre relaes. Na verdade, o grande problema que

    pensamos que a soluo est nas partes, quando est nas relaes que estas estabelecem.

    Bar Yam (2008)

    Uma equipa de Futebol um grupo, no qual, desde logo pela sua

    especificidade, as relaes sero necessariamente complexas. Complexas

    pelo nmero de pessoas envolvidas, complexas pela forma como estas se

    relacionam, complexas porque nas relaes humanas cada um tem a sua

    forma de ser e atuar, complexas porque tudo que rodeia um jogo o influencia.

    Os sistemas complexos so a nova abordagem ao estudo da cincia das

    relaes, entre as partes de um sistema darem origem a comportamentoscoletivos, e como o sistema interage e forma relaes com o meio ambiente

    (Bar Yam, 2008). De acordo com von Bertalanffy (1956 cit. por Bertrand &

    Guillemet, 1994) podemos definir sistema complexo como um conjunto de

    elementos em interao. Partindo desta ideia defende-se que um sistema

    caracteriza-se pela abertura que tem na relao com o envolvimento e tem

    como finalidade o atingir de um estado final que o caracterize por inteiro.

    Quando nos referimos a Sistemas Complexos indispensvel falar detotalidades, partes e relaes. Uma das observaes importantes que tudo

    feito de partes. Descobrir como funcionam as partes para depois podermos

    descobrir o todo fundamental (Bar Yam, 2008). O mesmo autor refere que o

    grande problema pensarmos que a soluo est nas partes, quando na

    verdade est nas relaes que estas estabelecem. No fundo para

    descobrirmos o todo temos que perceber de que so feitas as partes e como

    as mesmas se relacionam (Bar Yam, 2008). Changeux (2002) segue namesma linha de pensamento afirmando que para compreender bem como se

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    construam as catedrais, no chega a descrio minuciosa das pedras

    assumidas uma a uma: preciso ter tambm uma representao das suas

    relaes mtuas e do plano de organizao geral dos pilares, das abbadas,

    dos tmpanos

    Garganta (1996) aplica o conceito ao futebol ao afirmar que as equipas

    podem ser consideradas sistemas complexos, hierarquizados e especializados,

    nas quais se tem tentado encontrar um mtodo que permita reunir e organizar

    conhecimentos, procurando a interao dinmica entre os elementos de um

    conjunto, conferindo a este um carcter de totalidade. Quando olhamos para

    uma equipa de futebol percebemos que esta tambm feita de partes e as

    mesmas se relacionam constantemente. A forma como interaes locaisinfluenciam a forma como a equipa se comporta a nvel coletivo um exemplo

    do que referimos pouco.

    Segundo McGarry, et al. (2002) o jogo de Futebol visto como um

    sistema complexo, na medida em que, aberto j que est constantemente a

    ajustar-se ao envolvimento para manter a sua organizao (por exemplo:

    adaptao ao jogo do adversrio, substituies, encaixes de sistemas);

    complexo porque composto por inmeras componentes em interao que serelacionam de forma no linear (por exemplo: tendncia de passe de um

    jogador); dinmico porque o estado e funcionalidade do sistema vai mudando

    ao longo do tempo (por exemplo: acumulao de fadiga, concentrao,

    conhecimento do adversrio). Duarte (2012) ainda refere que os sistemas

    complexos apresentam 3 caractersticas fundamentais: existe influncia do

    envolvimento no comportamento do sistema; h uma interdependncia entre

    escalas, ou seja, existe uma influncia mtua entre o individual, o grupal e o

    coletivo; e o comportamento emergente (atravs de pequenas regras

    podemos moldar comportamentos).

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    2.2.2 Organizao do Jogo de uma equipa de Futebol

    Os jogos desportivos coletivos so uma criao da inteligncia humana.

    Deleplace (1994)

    Para Garganta & Grhaigne (1999) o problema fundamental dos JDC

    pode ser enunciado da seguinte forma: numa situao de oposio, os

    jogadores devem coordenar as aes com a finalidade de recuperar, conservar

    e fazer progredir a bola, tendo como objetivo criar situaes de finalizao e

    marcar golo. O jogo de futebol um desporto coletivo no qual os

    intervenientes, (jogadores) organizados em duas equipas, lutam

    incessantemente, num espao e tempo perfeitamente definidos, pela conquista

    da posse da bola com o objetivo de a introduzir na baliza adversria,

    respeitando as leis do jogo (Castelo, 1994).

    Segundo Garganta & Grhaigne (1999) as equipas funcionam num

    registo de uma termodinmica do no-equilbrio, pois s assim possvel

    desenvolver mecanismos de auto-organizao que criem estrutura e sentido a

    partir da aleatoriedade. A interao dos jogadores em condies longe-do-

    equilbrio prende-se com o fenmeno de auto-organizao, um processo em

    que as componentes comunicam espontaneamente entre si e cooperam

    subitamente num comportamento comum, coordenado, concertado (Stacey,

    1995, cit. por Garganta & Grhaigne, 1999). Os mesmos afirmam que os

    comportamentos dos jogadores so condicionados por um conjunto de regras e

    por relaes com uma forma de feedback no-linear. H cerca de 30 anos

    atrs, atravs de simulaes de computador, vrios cientistas desenvolveram

    uma forma de capturar o comportamento coletivo de um grupo de animais

    atravs das interaes locais que estes estabeleciam. Couzin (2009) conseguiu

    observar que um grupo de peixes formavam um padro regular sustentando-se

    em apenas 3 regras. Observaram tambm que pequenas alteraes nestas

    regras originavam padres distintos. Tambm em estudos com humanos foram

    observados padres regulares atravs do cumprimento de determinadas

    regras. Segundo Duarte (2012), os padres de jogo de uma equipa emergem

    de forma espontnea da interao dos graus de liberdade do sistema com oenvolvimento onde decorre a ao, acrescentando que numa equipa de futebol,

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    os graus de liberdade correspondem s possibilidades de movimento de cada

    jogador (componente). Atravs da alterao de determinados princpios locais

    podemos manipular as interaes entre jogadores que por sua vez daro

    origem a um determinado padro coletivo (Duarte, Arajo, Correia, & Davids,

    2012). Regras simples podem gerar comportamentos complexos e ampliados.

    Duarte (2012) referia-se a isto quando mencionava que uma das caractersticas

    dos sistemas complexos que o comportamento emergente, ou seja, atravs

    de pequenas regras podemos moldar comportamentos.

    Teoduresco (2001) cit. por Duarte (2012), define equipa como um micro-

    sistema social, complexo e dinmico. As diferentes caractersticas dos

    elementos do sistema (os jogadores), assim como o tipo de relaesestabelecidas entre eles (intra-team coordination), e entre eles e a equipa

    adversria (inter-team coordination) cria dinmicas de jogo altamente

    especficas. McGarry et al. (2002) concluram que desta relao que surgem

    os padres de jogo das equipas. Oliveira (2004) parece partilhar da mesma

    opinio quando diz que uma equipa de futebol uma micro-sociedade que tem

    uma cultura, que tem uma linguagem, que tem uma identidade e muitas outras

    coisas prprias. Garganta (1996) refere que os coletivos em confronto

    organizam-se em torno de lgicas particulares, em funo de regras, princpios,

    e prescries, operando em contextos de elevada imprevisibilidade e

    aleatoriedade.

    Figura 1. O Jogo de FutebolCoordenao dentro da equipa e entre as equipas

    Envolvimento:Treinador

    ClimaDimenses do Campo

    A

    D

    M

    D

    MA

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    Nas afirmaes anteriores so realados 3 aspetos importantes a

    organizao nica de cada equipa (intra-team coordination), o confronto entra

    as duas equipas (inter-team coordination) e o fenmeno de auto-organizao.

    Cada equipa tem a sua organizao, estando esta assente sobre a ideia de

    jogo do treinador. Segundo Oliveira (2003) devem ser claras as ideias de como

    queremos que a nossa equipa jogue, tanto nos aspetos mais gerais como nos

    aspetos mais particulares. Se o treinador souber claramente como quer que a

    equipa jogue e quais os comportamentos que deseja dos seus jogadores, o

    processo de treino e de jogo ser mais facilmente estruturado, organizado,

    realizado e controlado. Contudo importante referir que so os jogadores que

    operacionalizam as ideias do treinador. Em situao de jogo existe um

    adversrio que condiciona sempre a nossa ideia de jogo (inter-team

    coordination) e que leva a que os jogadores se adaptem constantemente aos

    constrangimentos a que esto sujeitos e que comuniquem espontaneamente

    entre si (auto-organizao). Travassos (2012) refere que as melhores equipas

    so aquelas que apresentam uma maior variabilidade de comportamentos que

    lhes permite constantemente ajustar-se s adversidades da equipa adversria.

    Garganta (1996) parece referir-se a isto quando diz que um sistema catico

    pode ser isoladamente imprevisvel mas globalmente estvel, se o seu estilo

    particular de irregularidade persistir face a pequenas perturbaes. Neste

    sentido o autor argumenta que a explicitao de um entendimento sobre o jogo

    de Futebol, tanto no plano do jogador como do treinador, deve realizar-se a

    partir da emergncia duma constelao conceptual, construda a partir do

    compromisso entre o estabelecido (as regras, os princpios) e a inovao.

    Para Garganta & Grehaigne (1999), na construo da atitude ttica, o

    desenvolvimento das possibilidades de escolha de um jogador depende do

    conhecimento que este possui do jogo, estando a sua forma de atuao

    fortemente condicionada pelo modo como ele concebe e percebe o jogo, isto ,

    pelos seus modelos de explicao. Isto significa que a forma de um jogador

    entender o jogo e de nele se exprimir, depende de um fundo, que constitui

    aquilo que podemos designar por "modelo de jogo". As relaes que o jogador

    estabelece entre este modelo e as situaes que ocorrem no jogo, orientam as

    respetivas decises, condicionando a organizao da perceo, a

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    compreenso das informaes e a resposta motora. Assim, o modelo de jogo

    permite condicionar as escolhas dos jogadores para um padro de

    possibilidades, ou seja, orienta as decises dos jogadores (Silva, 2008).

    Oliveira (2003) entende por modelo de jogo uma ideia/conjetura de jogo

    constituda por princpios representativos dos diferentes momentos/fases do

    jogo, que se articulam entre si, manifestando uma organizao funcional

    prpria, ou seja, uma identidade. Segundo Duarte e Frias (2011) esta

    identidade surge atravs da distribuio posicional dos jogadores no terreno

    jogo, das caractersticas especficas de cada jogador e das Interaes que eles

    tendem a desenvolver durante o jogo.

    Figura 2. Estrutura e Organizao do jogo de uma equipa de Futebol (adaptado de Oliveira,

    2004)

    A figura 2 esquematiza a forma como pode ser estruturado e organizado

    o jogo de uma equipa de Futebol. Como foi referido fundamental o treinador

    ter uma ideia clara de como quer que a equipa se comporte em jogo. Assim

    sendo, determinante o treinador, antes de mais, fazer um esforo desistematizao mental das suas ideias, porque s assim pode maximizar as

    suas funes.

    Para Oliveira (2003) um outro aspeto relevante na organizao de uma

    equipa de futebol so os jogadores. importante o treinador ter conhecimento

    dos seus jogadores ao nvel do entendimento e do conhecimento que eles tm

    do jogo, assim como, as capacidades e as caractersticas especficas de cada

    um. A partir deste conhecimento o treinador adapta a sua ideia de jogo s

    Ideia de Jogo do Treinador

    Modelo de Jogo Adoptado

    OrganizaoFuncional

    Princpios de Jogo:

    DefensivosOfensivosTransies

    OrganizaoEstrutural

    Caractersticasdos Jogadores

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    caractersticas dos jogadores que possui, com o objetivo de conseguir retirar o

    mximo rendimento dos mesmos e da interao entre eles, ou seja, fazer uma

    equipa melhor. Desta forma, o modelo de jogo adotado dever evidenciar e

    potenciar o melhor das caractersticas e das capacidades dos jogadores e,

    consequentemente, da equipa.

    Outro ponto fundamental e constituinte muito importante do modelo de

    jogo so os princpios de jogo. Estes so comportamentos e padres de

    comportamento que os treinadores desejam que sejam revelados pelos seus

    jogadores e pelas suas equipas nos diferentes momentos do jogo (Oliveira,

    2004). Nos jogos desportivos com bola, as aes e as decises pr-fabricadas

    raramente ocorrem do modo como so realizadas em treino (Arajo, 2009).Frade (2014) refere que os princpios de jogo, so parmetros de controlo que

    conduzem a forma como a equipa joga atravs de uma variedade de estados

    possveis, mas no dita, prescreve ou codifica os padres emergentes,

    reduzindo drasticamente os graus de liberdade da equipa e dos jogadores.

    Para que os princpios de jogo emirjam como cultura, tm de ser manifestados

    e concretizados de forma plstica. Isto s possvel se o que se deseja como

    identidade parte do pressuposto que os princpios de jogo so isso mesmo,

    princpios e no fins. Um jogador ou uma equipa, mesmo com um modelo de

    jogo, ou com um plano de ao especfico para um jogo, precisa explorar o

    contexto, e interagir com colegas e adversrios para resolver as situaes do

    jogo (Arajo, 2009). Como j foi referido atravs da alterao de determinados

    princpios locais podemos manipular as interaes entre jogadores que por sua

    vez daro origem a um determinado padro coletivo (Duarte, Arajo, Correia, &

    Davids, 2012). Esses comportamentos e padres de comportamento quando

    articulados e entre si evidenciam um padro de comportamento ainda maior, ou

    seja, uma identidade de equipa a qual se denomina por organizao funcional

    (Oliveira, 2004).

    Castelo (1994) faz um resumo daquilo que so princpios de jogo para

    alguns autores:

    - os princpios tticos de base, so durante o jogo as ligaes comuns a

    todos os espritos, estabelecendo os pontos de referncia sobre os quais a

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    imaginao, o gnio, se devero apoiar para elevar o nvel de jogo (Poulain cit.

    por Castelo, 1994).

    - os princpios so bases comuns para que os jogadores falem a

    mesma lngua, permitindo exprimirem-se num estilo diferente (Franz cit. porCastelo, 1994).

    - os princpios so regras de ao representadas pelo pensamento e o

    meio de os jogadores explicarem racionalmente os seus comportamentos

    (Mialaret cit. por Castelo, 1994).

    - os princpios so as condies a respeitar e os elementos a tomar em

    considerao para que o comportamento seja eficaz (Grehaigne cit. por

    Castelo, 1994).

    Para todos estes autores, os princpios de jogo so vistos como guias de

    ao. Como vimos no ponto 2.3.1 deste trabalho, o jogo de Futebol deve ser

    entendido como um Sistema Complexo em que os jogadores operam em

    contextos de elevada imprevisibilidade e aleatoriedade. Posto isto, os padres

    de comportamento dos jogadores e da equipa so consequncia de uma

    ordem e de uma organizao da prpria equipa que no deve ser indutora de

    limitaes individuais ou coletivas, deve ser sim produtora de comportamentos

    criativos balizados por padres de comportamento desejados (Oliveira, 2003).

    Um outro aspeto a ter em considerao na organizao do jogo de uma

    equipa de futebol so as organizaes estruturais. Entende-se por organizao

    estrutural a disposio que os jogadores tm em campo e, consequentemente,

    a disposio que a equipa assume (Oliveira, 2003). As estruturas no devem

    ser castradoras da organizao funcional da equipa. Equipas com

    posicionamentos muito rgidos, sobretudo a atacar, no so capazes de se

    adaptar aleatoriedade, e s exigncias do posicionamento do adversrio. As

    estruturas devem ir ao encontro dos princpios de jogo definidos, da

    organizao funcional e das capacidades e caractersticas dos jogadores.

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    2.2.3 Organizao do processo de treino no Futebol

    Operacionalizar uma filosofia dar corpo inteligncia, imaginao e criatividade.

    a responsabilidade de uma ligao umbilical entre o exerccio, a referncia ideolgica e o seu

    inventor. A evoluo d-se ao ritmo de cada exerccio, de cada treino, de cada jogo e de cada

    competio. Percorre-se medida que se constri. O objetivo ser sempre o mesmo: criar

    intenes e hbitos; tornar consciente e depois sub-consciente um conjunto de princpios de

    forma a exponenciar naturalmente uma determinada forma de jogar

    Faria (2006)

    Depois de vermos como pode ser estruturado e organizado o jogo de

    uma equipa de Futebol, debruamo-nos sobre a forma como devemos treinarpara levar os jogadores a operacionalizarem a ideia de jogo do treinador. Por

    mais que se tenha um modelo de jogo claro, bem estruturado e de acordo com

    as caractersticas dos nossos jogadores, caso no se consiga treinar de forma

    eficaz no se conseguiram bons resultados de certeza. Mas afinal o que

    treinar de forma eficaz?

    Ao longo dos tempos, diferentes tm sido as perspetivas dominantes

    relativamente aprendizagem e controlo do movimento humano. Podemosdistinguir, essencialmente, duas abordagens contrastantes: uma baseada na

    psicologia cognitiva tradicional (no paradigma do processamento de

    informao), e outra baseada na psicologia ecolgica e na teoria dos sistemas

    dinmicos (Arajo, 2003). A primeira metodologia preconiza a aprendizagem

    assente na procura de um modelo ideal de execuo. Os processos cognitivos,

    como a tomada de deciso, so conceptualizados como elaboraes mentais

    baseadas nas memrias armazenadas, que posteriormente so implementadas

    pelas estruturas executivas (ossos, msculos, etc.) (Arajo, 2005).

    Por sua vez, a segunda metodologia idealiza a aquisio motora

    baseada na manipulao dos constrangimentos, visando que o atleta encontre

    o seu prprio padro de execuo (Passos, Batalau, & Gonalves, 2006).

    Sendo assim tem de haver mais que um comportamento predefinido ou pr-

    programado para o jogo (Arajo, Davids & Serpa, 2005). De facto, os jogadores

    expressam aes exploratrias e performativas com os outros jogadores, e nocontexto de jogo, visando um objetivo. Durante este processo, as decises

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    comportamentais emergem da interao dos constrangimentos do jogador, do

    seu objetivo e do contexto (Arajo, Davids, Chow & Passos, 2009). Neste

    sentido a estrutura do jogo de futebol, implica a totalidade das aes individuais

    e coletivas como uma unidade definida, pois cada elemento, est relacionado

    com o conjunto, pelo que, este s exprime o seu significado total quando

    observado no seu contexto. A teoria dos sistemas dinmicos concebe os

    constrangimentos como presses, ou ligaes entre elementos que influenciam

    a aquisio de aes e movimentos coordenados num determinado sentido

    (Arajo, 2005). Deste modo os movimentos coordenados, emergem a partir da

    interao entre mltiplos constrangimentos. Segundo o mesmo autor, torna-se

    necessrio identificar e manipular os constrangimentos mais relevantes para

    que as aes e decises tenham maior eficcia. Isto indica que necessria a

    adaptao intencional aos constrangimentos da tarefa.

    Procura-se assim, transpor para o treino os modelos de ao mais

    eficazes bem como as tendncias evolutivas do jogo que caracterizam o

    desempenho dos melhores jogadores e das melhores equipas do mundo, de

    forma a estimular, atravs dos exerccios, o desenvolvimento de

    comportamentos definidos, integrados em estruturas funcionais que

    consubstanciam as suas exigncias dominantes (Castelo, 2005).

    2.2.3.1 Pertinncia do exerccio de treino no Futebol

    O exerccio de treino pertinente e adequado s exigncias e situaes do jogo

    o elemento fundamental do Futebol

    (Tschiene, 1978)

    Um padro de jogosurge atravs de um conjunto de comportamentos

    que a equipa evidencia em jogo que so resultado do cumprimento de

    determinadas regras definidas pelo treinador. Mas como so

    promovidos/estimulados estes comportamentos?

    Segundo Bezerra (2001) uma semana aps o incio da poca

    futebolstica, a equipa tem que apresentar uma performance muito prxima dasua mxima expresso. Estas necessidades/requisitos levaram a interrogar e a

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    repensar todo o processo de planeamento e periodizao do treino. O modelo

    proposto por Matveiev em 1986 considerando um perodo preparatrio, um

    geral e um transitriocada vez mais vai sendo substitudo por modelos mais

    atuais que se centrem no uso de exerccios que promovam a integrao de

    vrios fatores (fsicos, tcnicos, tticos) com um aumento da intensidade

    especifica da carga de treino visando a manuteno de um alto nvel de

    intensidade durante todo o processo anual de treino e competio (Tschiene,

    1978). Para o mesmo autor, o exerccio de treino pertinente e adequado s

    exigncias e situaes de jogo o elemento fundamental do Futebol. O

    exerccio deve identificar-se o mais possvel com o tipo de jogo pretendido pelo

    treinador a nvel tcnico e ttico, muitas vezes definido no Modelo de Jogo, e

    contemplando as capacidades fsicas especificas do futebol (velocidade, fora,

    resistncia e flexibilidade). Isto aponta para aquela que deve ser a tarefa

    fundamental do treinador criar exerccios que devem reproduzir parcial ou

    integralmente o contedo e a estrutura do jogo (Teodoresco, 1984).

    Segundo Arajo (2005) a ao ttica emerge do resultado da explorao

    das possibilidades de ao, as quais so constrangidas pelas regras, pelo

    tempo disponvel, pelas capacidades individuais, pelo seu estado emocional

    etc. Os jogadores ao longo da sua evoluo vo ficando sensibilizados para

    usar as informaes relevantes. Sempre que se usa a informao relevante

    (normalmente surge pela orientao do treinador) a probabilidade de voltar a

    usa-la aumenta (Arajo, 2005). Ou seja, a possibilidade de emergir uma

    soluo favorvel tende a aumentar com o treino. Estar sensibilizado para usar

    uma dada informao, quer dizer que o jogador deteta, cada vez melhor, as

    informaes que lhe permitem agir com sucesso em cada situao. Isto

    significa que atravs do treino promovem-se comportamentos que quando so

    realizados de forma favorvel pelos jogadores tornam-se mais slidos nas

    suas aes.

    Segundo alguns autores o treino e o exerccio servem para criar pr-

    representaes e assim aumentar a velocidade dos acontecimentos fazendo-os

    depender de algo j previamente definido e no somente da soluo que o

    crebro teria que encontrar e realizar para cada momento do jogo. Parece que

    Changeux (2002) se refere a isto, quando afirma que a capacidade de

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    antecipar representa um recurso essencial de predisposio para adquirir

    conhecimentos. Tambm Silva (2008) refere que a realizao regular dos

    princpios de ao faz com que os jogadores criem uma familiaridade com uma

    lgica de funcionamento que os leva a antecipar com maior eficcia e menor

    esforo os efeitos dos comportamentos. Segundo Changeux (2002) esta

    capacidade de antecipao da recompensa foi registada por mtodos

    eletrofisiolgicos ao nvel dos neurnios de dopamina do tronco cerebral no

    macaco. Estes estudos revelaram que a ativao dos neurnios

    dopaminrgicos no coincide com a recompensa, mas antecipa-se na

    sequncia da aprendizagem. Para Campos (2008) esta concluso acaba por

    explicar a rapidez de processos que as grandes equipas de futebol evidenciam

    contrariando a lentido dos mecanismos cerebrais pois perante determinadas

    situaes de jogo, o jogador age, ativando os neurnios dopaminergticos, o

    que lhe permite uma antecipao na sequncia da aprendizagem garantida

    pelo treino exaustivo dos comportamentos pretendidos.

    Williams & Hodges (2005) afirmam que as novas abordagens

    prescritivas devem-se em grande parte ao desenvolvimento de teorias

    alternativas baseadas na psicologia ecolgica e na teoria dos sistemas

    dinmicos. Como j foi referido estas perspetivas vm o sujeito como um

    sistema dinmico e complexo com o padro de comportamento observado a

    constituir-se como o produto de constrangimentos impostos ao aprendiz. De

    acordo com esta viso, a coordenao do movimento atingida como

    resultado da adaptao do sujeito aos constrangimentos que lhe so impostos

    durante a prtica. Em vez de forar o jogador, o treinador precisa de criar um

    contexto facilitador. A importncia da prtica deve por isso ser

    convenientemente sublinhada. S a presena sistemtica dos comportamentos

    que se pretendem que pode conduzir sua assimilao - princpio da

    repetio sistemtica.

    Daqui conclumos que a repetio sistemtica dos princpios

    comportamentais, atravs do exerccio de treino pertinente (com informaes

    semelhantes s da competio), o caminho para a operacionalizao do

    modelo de jogo criado, sendo este efetivamente um modelo abstrato na medida

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    em que cada treinador deve elaborar o seu de acordo com aquilo que pretende

    ver implementado e com aquilo que encontra no clube.

    2.2.3.2 Conceo de exerccios de treino no Futebol como conceber o

    exerccio de forma a dele se poder retirar o mximo rendimento para os

    jogadores e para a equipa

    Deve-se treinar para lidar com a incerteza e com a variabilidade das situaes em vez

    de se treinar para a mecanizao

    Arajo (2005)

    Como vimos anteriormente o exerccio de treino a forma de dar corpo

    a uma determinada ideia de jogo. No fundo, atravs do exerccio de treino

    que promovemos os comportamentos que queremos que a equipa evidencie,

    durante a competio, nos vrios momentos do jogo. Investigaes atuais

    indicam-nos que devemos ter algumas preocupaes na criao de exerccios

    de forma a deles podermos retirar o mximo rendimento para os jogadores e

    para a equipa.

    Num estudo realizado por Bezerra em 2001 concluiu-se que a escolha

    criteriosa dos exerccios de treino pode constituir um instrumento eficaz do

    mesmo. Identificar o tipo de aes que se pretende para a equipa e selecionar

    os exerccios de treino, procurando que estes se aproximem o mais possvel da

    situao real de competio, parece ser a chave do sucesso.

    Para Oliveira (2004) na criao de exerccios o primeiro passo

    estarmos focados no princpio que queremos promover. Segundo o mesmopara que esta tarefa seja concretizada, dentro de uma lgica percetvel,

    fundamental dividir o jogo em quatro momentos e definir princpios e sub

    princpios que pretendemos que sejam revelados em jogo pelos nossos

    jogadores e equipa.

    Como vimos no tema 2.3.1 deste trabalho uma das caractersticas dos

    sistemas complexos que estes so feitos de partes mas que fundamental

    ter em conta a relao entre as mesmas. Oliveira (2003) parece ter isto emconta quando considera a existncia de quatro grandes momentos de jogo

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    (Figura 3) e que estes devem ter relaes muito estreitas entre si. Segundo o

    mesmo, a separao que se possa fazer apenas deve ser evidente no plano

    didctico-metodolgico, para facilitar o processo de estruturao e organizao

    do treino e do jogo. necessrio ter sempre em considerao a relao

    permanente entre os diferentes momentos. No deve existir, em nenhum

    momento, comportamentos que sejam inibidores de outros comportamentos

    desejados.

    Figura 3. Organizao dos diferentes momentos de uma equipa de Futebol (Adaptado de

    Oliveira 2004)

    Como tambm foi referido no tema 2.3.1 deste trabalho, segundo Duarte

    (2012), uma das caractersticas dos sistemas complexos que existe uma

    interdependncia entre escalas. Num estudo do mesmo em 2012, o autor

    desenvolveu um modelo conceitual que capturou a interdependncia entre

    diferentes nveis de organizao, que vo desde as dades para os coletivos

    (ou seja, 1vs1, 3vs3 e 11vs11). Esta interdependncia implica uma causalidade

    circular, o que significa que cada jogador, individualmente, influencia

    reciprocamente o comportamento coletivo da equipa. Como vemos na figura 3

    tambm fundamental dividir o coletivo por escalas/partes (individual, sectorial,

    grupal intersectorial e coletivo) mas tendo sempre em conta que estas partes

    so interdependentes, ou seja, existe uma influncia mutua entre as mesmas.

    Individual

    Sectorial (Grupal)

    IntersectorialColectivo

    Individual

    Sectorial (Grupal)

    IntersectorialColectivo

    Individual

    Sectorial (Grupal)

    Intersectorial

    Colectivo

    Individual

    Sectorial (Grupal)

    Intersectorial

    Colectivo

    OrganizaoOfensiva

    TransioDefensiva

    OrganizaoDefensiva

    TransioOfensiva

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    Segundo Travassos (2012) a tomada de deciso no tomada pelo jogador

    com bola nem pelo que no tem a bola, mas sim pela relao que os mesmos

    estabelecem. Segundo o mesmo, no jogo, a tomada de deciso surge da

    confluncia destas relaes que se estabelecem entre os jogadores. Duarte

    (2012) tambm refere que, momentaneamente, os jogadores cooperam para

    alcanar sub-objetivos parciais do jogo e que estes fazem emergir padres de

    comportamento grupal especficos. Posto isto, importante dividir e treinar por

    escalas/partes mas contextualizando sempre a situao. Silva (2008), refere

    que ao fracionar a situao para incidir nos diferentes sectores no perde o

    sentido. Pelo contrrio, enriquecido porque os jogadores realizam uma maior

    densidade, por exemplo, de passes mas sempre contextualizados no

    desenvolvimento do modelo de jogo. De acordo com esta lgica, fraciona-se o

    jogo mas sem o empobrecer.

    Durante os ltimos anos a melhoria das habilidades tcnicas e tticas

    tem sido uma das reas estudadas por vrios investigadores. Estes tm

    influenciado a forma como os treinadores concebem e operacionalizam o

    treino, levando-os a crer que dividindo as tarefas por componentes (por

    exemplo, em tcnicos, tticos e fsicos) e mais tarde juntando-os beneficia o

    desempenho dos seus jogadores (Ford, Yates, & Williams, 2010). No entanto,

    segundo Davids e Araujo (2010) este mtodo de treino falha por no ter em

    conta a relao entre os jogadores e as informaes presentes no ambiente.

    As tarefas tradicionais podem ser demasiado estticas, uma vez que os

    jogadores precisam de ajustar constantemente as suas decises e aes ao

    ambiente dinmico em que esto inseridos (Travassos, Arajo, Vilar, &

    McGarry, 2011). Para Arajo (2005) a contextualizao das tarefas deve ser

    um critrio central a respeitar no processo de treino. Durante os treinos, os

    jogadores precisam de aprender a decidir e a agir de acordo com as

    possibilidades de ao que o contexto proporciona tal como acontece durante a

    competio. Num estudo de Silva (1998) cit. por Arajo (2005) este verificou

    que apenas 12% das jogadas apresentaram semelhanas com as

    combinaes e circulaes tticas previamente definidas e treinadas. Este

    problema remete-nos para a coordenao inter-pessoal para alm da intra-

    pessoal. Daqui conclui-se que caso o treino no tenha em conta a coordenao

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    inter-pessoal, ou seja, caso no promova exerccios de treino semelhantes aos

    da competio (por exemplo, com oposio) o transfere para o jogo ser

    reduzido.

    Tendo isto em conta surge-nos o conceito de Especificidade como algonuclear para que o modelo de jogo criado pelo treinador seja operacionalizado

    pela equipa. Oliveira (2006) cit. por Silva (2008) abordam o conceito de

    Especificidade afirmando que tem a ver com a necessidade da melhoria de

    todos os princpios de jogo e isso s se consegue quando o processo acontece

    tendo como preocupaes as melhorias singulares relativas a cada princpio de

    jogo. Segundo estes a especificidade a incidncia repetida de todos os

    princpios de jogo definidos no modelo de jogo. Digamos que as interaes dojogo resultam das relaes dos jogadores e que devem ser modeladas para

    fazer emergir a dinmica coletiva que se pretende. Assim, as relaes e

    interaes dos jogadores do-se numa organizao coletiva, ou seja, numa

    lgica que contextualiza esses comportamentos. Para Arajo (2005) como a

    perceo e o movimento so inseparveis e especificamente acoplados, a

    prtica tem de ser altamente especifica. Isto quer dizer que deve ser aprendido

    durante a prtica a acoplar a informao e o movimento. Segundo o autor, o

    treino de futebol, deve ento ir ao encontro da situao de jogo tanto quanto

    possvel. A informao visual disponvel durante o treino deve corresponder

    informao disponvel durante o jogo, caso contrrio a habilidade aprendida, ou

    seja, o acoplamento relevante entre informao e movimento, no ser

    estabelecido e a prtica ter pouco ou nenhuma utilidade (Arajo, 2005). Faria

    (2002) parece partilhar de uma opinio semelhante referindo que para se

    instalar uma linguagem comum com regras, princpios, uma cultura de jogo, um

    modelo de jogo fundamental que isso seja feito atravs do jogo. Para isso

    necessrio no treino situaes que permitam aos jogadores estarem

    identificados com aquilo que se quer que seja a competio. Na teoria dos

    sistemas dinmicos, entende-se que os comportamentos consistem numa

    adaptao intencional aos constrangimentos impostos pelo envolvimento,

    durante a realizao de uma tarefa. O treinador deve criar um conjunto de

    condies que leve o jogador a ficar afinado a um acoplamento especfico de

    informao-movimento (Arajo, 2005).

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    At aqui podemos concluir que se devem criar exerccios, com

    informaes visuais disponveis semelhantes s da competio, que vo

    sempre ao encontro dos princpios comportamentais que se pretende que a

    equipa evidencie em jogo (conceito de especificidade). Para que isto acontea

    no treino necessrio reduzir o jogo sem nunca o descontextualizar. Ou seja,

    trabalhar por partes e por momentos e, sempre que possvel, em situaes

    semelhantes s da competio. No fundo treinar alternadamente diferentes

    escalas e momentos do jogo tendo sempre em conta as suas relaes. No

    entanto, s isto no chega para criarmos exerccios que consigam promover o

    rendimento mximo para os jogadores e para a equipa.

    Para Arajo (1992), Castelo et al. (1994) e Garcia (1998), cit. porFerreira, A. (2011), na construo de exerccios de treino ttico, devemos ter

    em conta alguns princpios metodolgicos. Alguns destes vo ao encontro

    daquilo que j referimos anteriormente mas vejamos:

    (1) o princpio da sistematizao: segundo Castelo (1996) para a

    aquisio de uma capacidade especfica, os jogadores passam por um

    conjunto de etapas traduzidas pela aplicao de um conjunto de exerccios de

    treino aplicados de forma sistematizada e integrada num todo. Neste sentido,para se atingir um objetivo mais elevado (global) dever-se- estabelecer um

    processo de progresso pedaggica, prevista antecipadamente, atravs da

    qual se ir rentabilizar e racionalizar a diversidade e o grau de mobilizao de

    recursos a serem utilizados.

    (2) o princpio do carcter alternativo das tarefas tticas: a formao e o

    aperfeioamento da ttica devem dirigirse para formas de organizao da

    prtica e para a programao de objetivos que se produzam de uma formaalternativa. Alternam-se formas de organizao, nveis de dificuldade e

    objetivos especficos. Este princpio vai ao encontro do que foi referido

    anteriormente quando falvamos do treino alternado de diferentes escalas e

    momentos.

    (3) o princpio da unidade entre a formao ttica elementar e da

    formao ttica complexa: este princpio estabelece um compromisso entre a

    complexidade e a dificuldade do exerccio de treino, com a capacidade

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    (habilidade) dos jogadores. Com efeito, as exigncias do exerccio devero

    estabelecer-se do simples para o complexo, do conhecido para o

    desconhecido, do pouco para o muito e do concreto para o abstrato.

    (4) o princpio da relao entre a formao ttica individual e a formaottica coletiva: o exerccio dever estabelecer-se do tipo top-downou buttom

    up, do individual para o coletivo ou deste para o individual.

    (5) o princpio da unidade entre a formao ttica terica e a formao

    ttica prtica e (6) o princpio da sntese tima indutiva e dedutiva: segundo

    Castelo (1996), a que chama tambm de princpio da atividade consciente, o

    exerccio de treino dever ter como objetivo ltimo a "construo" de jogadores

    que conseguem resolver as diferentes situaes de jogo de forma autnoma,consciente e criativa. Isto s possvel, se a atividade for organizada

    consubstanciando o empenhamento ativo e consciente dos praticantes na

    execuo das exigncias determinadas pelo exerccio de treino, o que

    pressupe a compreenso clara dos objetivos do mesmo. Da que, torna-se por

    vezes necessrio a explicao sumria das finalidades do exerccio de treino

    (objetivos), bem como das condies que o acompanham e de instrues

    precisas para a sua realizao. Neste sentido, as intervenes do treinador,antes, durante e depois do exerccio de treino so uma via para a atividade

    consciente dos jogadores.

    (7) o princpio do aumento progressivo da dificuldade perturbao: o

    comportamento ttico melhora e consolida-se progressivamente no confronto

    progressivo das dificuldades derivadas pelas formas de exerccio utilizadas e

    da variao dos diferentes elementos do modelo. Oposio passiva, semi-ativa

    ou perturbadora para alm do competitivo, associado velocidade deexecuo so os ingredientes determinantes, no esquecendo a complexidade.

    (8) o princpio da especificidade e da identidade da tarefa: o domnio de

    qualquer meio ttico s se alcana quando possvel realiz-lo em

    competio. Como tambm fizemos referncia anteriormente todas as

    situaes de treino devem ser especficas, ou seja, ir de encontro aos

    comportamentos que se pretendem em situao de competio.

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    Para Arajo, Davids e Hristovski (2006) a tomada de deciso emerge

    num processo contnuo e cclico de procura de informao para agir, e agir

    para detetar melhor a informao A capacidade de tomar decises

    essencialmente um meio de deixar a maior parte da informao no jogo,

    usando cuidadosamente em tempo real sequncias de interaes entre o

    jogador e o contexto para resolver problemas de modo consistente e adaptvel

    (Jlio & Arajo, 2005).

    Atualmente a dinmica ecolgica tem sido proposta como um paradigma

    terico confivel para abordar esta relao jogador-ambiente. As oportunidades

    de ao - ou seja, affordances (Gibson 1979) - indicam a forma como os

    indivduos interagem com informaes do ambiente, e o seu uso adequadopromove o desempenho adaptativo. Portanto, mais que memorizar um grande

    nmero de regras, ou aes, os jogadores precisam de desenvolver a

    capacidade de detetar os constrangimentos informacionais que revelem os

    caminhos para o objetivo (Arajo, Davids, Chow. & Passos. 2009).

    Estas ideias tm implicaes importantes na conceo de tarefas

    representativas. A representatividade foi um conceito inicialmente proposto por

    Egon Brunswik (1956) que defende a necessidade de assegurar que osconstrangimentos da tarefa representam o ambiente competitivo para que os

    jogadores possam manter as mesmas relaes percetivas e motoras (Pinder,

    Davids, Renshaw, & Arajo, 2011). Quando os constrangimentos da tarefa

    resultam na recolha de informao importante para a ao dos jogadores,

    diferentes padres de movimento emergem (Pinder, Renshaw & Davids, 2009).

    Duarte (2012) parece partilhar da mesma opinio quando refere que

    necessrio constranger a informao do treino para modelar o comportamento

    em jogo. No fundo, isto est relacionado com o conceito de especificidade

    anteriormente mencionado, ou seja, todas as situaes de treino devem ir de

    encontro aos comportamentos que se pretendem em situao de competio.

    Estes devem ser estimulados atravs de exerccios de treino com informaes

    semelhantes s da competio. Isto para que se consigam manter as relaes

    percetivas e motoras do treino idnticas s da competio. Como referem

    Pinder, Davids, Renshaw, & Arajo, (2011), as tarefas de treino devem

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    representar oportunidades de ao para o jogador, permitindo ao mesmo

    explorar o ambiente como se estivessem em competio.

    A fim de assegurar o desenho representativo, na manipulao de

    constrangimentos da tarefa deve-se manter um nvel de variabilidade (ou maisprecisamente, o grau de incerteza) aparente no desempenho competitivo a fim

    de promover uma interao constante entre os jogadores e seu ambiente (Vilar,

    Arajo, Davids, & Renshaw, 2012). Por exemplo, para um jogador executar um

    passe eficaz num jogo de futebol, o mesmo necessita, no s de perceber a

    localizao do companheiro de equipa que ir receber a bola, mas tambm de

    passar a bola a uma velocidade especfica de forma a satisfazer as

    oportunidades emergentes de ao oferecidas pelo meio ambiente. Isto porquenos jogos desportivos coletivos (JDC), a oportunidade de fazer um passe surge

    de acordo com as relaes espcio-temporais que se estabelecem entre os

    jogadores (Travassos, Duarte, Vilar, Davids, & Arajo, 2012).

    Num estudo realizado por Travassos, Duarte, Vilar, Davids, & Arajo

    (2012), foi examinado o efeito da manipulao do nmero de possibilidades de

    ao dos jogadores sobre a velocidade da bola e a preciso do passe em

    exerccios/tarefas de treino no Futsal. Foram comparados dados de tarefas emque o jogador tinha um nmero pr-determinado de possibilidades de passe,

    ou seja, o passe era pr-determinado pelo treinador/investigador podendo ter

    uma ou mais possibilidades, com tarefas em que exigiam um comportamento

    emergente, ou seja, deixava-se que o jogador decidisse para onde passar

    atravs da leitura de jogo. Os resultados indicaram que: 1) mudanas nas

    restries das tarefas, tais como o aumento nmero de possibilidades de ao

    para o passe, parecem melhorar a representatividade da tarefa; 2) quando

    reduzimos as possibilidades de ao aumentamos a preciso mas no

    promovemos a adaptao ao meio envolvente; 3) Para conseguir um alto

    transfere entre o exerccio e a competio importante manter as condies

    dos exerccios semelhantes s da competio para que os jogadores possam

    agir de forma adaptativa; 4) tarefas representativas precisam de promover uma

    co-dependncia entre indivduo, comportamentos e ambiente para desenvolver

    performances adaptativas (Arajo, Davids e Hristovski (2006); 5) as tarefas

    podem ser simplificadas. importante realar que quando o objetivo

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    aumentar a preciso de um determinado gesto tcnico, como por exemplo o

    passe, importante reduzir o n de possibilidades de ao. Ou seja, se

    queremos que o jogador repita sistematicamente um determinado gesto porque

    no o consegue realizar de forma eficaz importante comear com exerccios

    com um baixo n de possibilidades de ao. Porm, a diferena fundamental

    surgiu na observao do comportamento dos jogadores, em que aqueles que

    foram sujeitos a tarefas mais ecolgicas sabiam adaptar as suas aes aquilo

    que era exigido numa determinada situao em competio. Os resultados

    acabaram por ir ao encontro do que Ali concluiu em 2011: o desempenho de

    uma "tcnica" clssica em ambientes artificiais no refletem,

    necessariamente, a capacidade do jogador executar de forma eficaz em

    ambientes como os dos JDC.

    Para alm das concluses deste estudo, Travassos (2012) refere que

    para conceber exerccios de forma representativa e com o objetivo de

    desenvolver a tomada de deciso baseada no nosso modelo de jogo, devemos:

    1) manipular informaes espcio-temporais com os colegas e adversrios

    (definir sectores, corredores, espaos onde pode haver presso); 2) ampliar

    a informao que suporta a ao dos jogadores (criar espaos onde queremos

    que os jogadores joguem, criar zonas de sada para o 2 momento); e 3)

    potenciar o aparecimento de mltiplas solues (permitir que dentro de um

    determinado padro os jogadores criem variabilidade no seu jogo).

    Na figura 4 apresenta-se de forma sumria os fatores que devemos ter

    em conta na conceo de exerccios de treino, de forma a promovermos

    comportamentos adaptativos.

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    Figura 4. Fatores a ter em conta na conceo de exerccios (Adaptado de Arajo et al (2006),

    Duarte (2012); e Travassos et al. (2012)

    Um mtodo possvel para assegurar se uma tarefa representativa

    comparar os dados de desempenho em tarefas de treino com dados em

    situao de competio - fidelidade da ao. Isto ajudaria cientistas do

    desporto a avaliar se existe um transfere positivo entre o desempenho em

    ambientes de aprendizagem e prtica para as configuraes de desempenho

    competitivo (Arajo, Davids, & Passos, 2007); (Pinder, Davids, Renshaw, &

    Arajo, 2011).

    2.2.3.3 A anlise das redes de interao social uma forma de avaliar e

    controlar o treino e a competio

    urgente ultrapassar o reducionismo que s v as partes (anlise quantitativa

    clssica, nmero de golos, cruzamentos, perdas de bola) e o holismo que s v o todo (anlise

    qualitativa bastante subjetiva, realizada por um treinador/investigador que apenas tem uma

    viso geral do jogo).

    Estrada (2009)

    O estudo do jogo a partir da observao do comportamento dos

    jogadores e das equipas tem vindo a constituir um forte argumento para aorganizao e avaliao dos processos de ensino e treino nos jogos

    Elevado n depossibilidades de aco

    promover decisesemergentes em detrimento

    das pr-determinadas

    Simplificar o jogo eampliar informao

    relevante

    Condies semelhantes sda competio

    (variabilidade, incerteza,oposio)

    O Treino deve serconfigurado de acordocom as posies dos

    jogadores

    Co-Dependnciaindividuo,

    comportamentos(definidos no modelo de

    jogo) e ambiente

    Manipular informaesespcio-temporais com os

    colegas e adversrios

    Comportamento Adaptativo

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    desportivos coletivos (Garganta, 1996). A partir da segunda metade da dcada

    de oitenta, a identificao de padres de jogo com base nas regularidades

    reveladas pelas equipas, tem constitudo uma das preocupaes dominantes

    dos investigadores.

    Wilkinson (1982) cit. por Garganta (1997) chama ateno para o facto da

    anlise da prestao dos jogadores e das equipas no Futebol se basear, quase

    exclusivamente, na intuio dos treinadores, denotando uma elevada

    subjetividade e modesto valor cientfico. Contudo, a inpcia das concluses

    decorrentes dos resultados provenientes de estudos quantitativos e centrados

    nas aes tcnicas individuais, levaram os analistas a questionar a pouca

    relevncia contextual dos dados recolhidos, logo, a duvidar da sua pertinnciae utilidade (Garganta, 1997).

    Como vimos no tema 2.3.1 deste trabalho, com a aplicao da teoria dos

    sistemas complexos ao futebol, surge a necessidade de procurar uma anlise

    centrada numa lgica dinmica do jogo e que se foque nas interaes entre os

    diferentes intervenientes do jogo. Sendo assim, na tentativa de colmatar essa

    carncia de conhecimento tm surgido novos mtodos de anlise do jogo

    baseados mais nas interaes e menos nas aes, devido ao facto destasmesmas aes apenas informarem o que aconteceu, e no como e porque

    ocorreu (Passos, Arajo, Davids, Gouveia e Serpa, 2006). Um desses mtodos

    de anlise emergente a aplicao das redes sociais ao fenmeno social

    complexo que o Futebol (Duch, Waitzman e Amaral, 2010). Um desafio

    importante nas cincias sociais entender a estrutura e a dinmica das

    interaes inter-pessoais que contribuem para a organizao e funcionamento

    de sistemas sociais complexos (Passos, Davids, Arajo, Paz, Minguns, &

    Mendes, 2010). A anlise das redes de interao social, cada vez mais,

    comea a ser aplicada no Desporto, considerando equipas como um pequeno

    mundo de redes em que o coletivo suportado pela soma das interaes

    interpessoais (Duarte, 2012). Como Passos, Davids, Arajo, Paz, Minguns &

    Mendes (2010) referem, nos jogos desportivos coletivos, o desempenho da

    tarefa assegurado por uma rede complexa de relaes interpessoais entre os

    jogadores (rede social). Os ndulos da rede sero os agentes diretamente

    envolvidos no jogo, os jogadores, e as linhas que unem os ndulos, isto , os

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    jogadores, representam as formas como os jogadores interagem entre si.

    Segundo Duarte (2012), a inteligncia coletiva da equipa distribuda por todos

    os jogadores e expressa-se atravs das redes de interao que se criam entre

    os jogadores. As redes de interao social captam os sistemas de

    comunicao existentes no seio das equipas, o que permite perceber

    determinados padres de jogo.Para j a maioria dos estudos tm considerado

    o passe como sistema de comunicao entre os jogadores que permitem

    observar determinadas tendncias das equipas.

    Figura 5. Anlises das redes de interao social (Duch, Waitzman & Amaral, 2010)

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    3. Realizao da prtica

    profissional

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