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1 Aspetos específicos do metabolismo em órgãos e tecidos selecionados Departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto [email protected] 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 16,0 18,0 20,0 kcal kg -1 hora -1 despesa energética específica em órgãos e tecidos em condições de respouso Os diferentes órgãos têm, no organismo, papeis diversos mas todos consomem energia. Em condições de repouso, em termos de despesa energética basal específica (despesa energética basal / massa de tecido) os órgãos mais gastadores são os rins e o coração, assim como o cérebro e o fígado. 2 Wang e col. (2000) AJPEM 279: E539 Nos músculos esqueléticos em repouso a despesa específica é 30 xs inferior à do coração (ou rins). No tecido adiposo a despesa específica é 100 xs inferior à do coração (ou rins). 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 Kcal / hora despesa energética média considerando BMR total = 70 kcal/h (1680 kcal/dia) Se considerarmos a despesa energética basal dos diferentes órgãos em valores absolutos, os músculos esqueléticos (devido à sua massa) passam, em repouso, a gastar tanto como o cérebro e o fígado e mais que os rins e o coração. 3 Baseado em: Bosy-Westphal (2013)FP 4: 47 e Wang e col. (2000) AJPEM 279: E539 Os músculos esqueléticos (25-40 % da massa do organismo) gastam cerca de 20 % do total. No seu conjunto, o fígado, rins, cérebro e coração (4,5% da massa total) gastam cerca de 60% do total. 20% 22% 8% 19% 7% 60% Baseado em: Bosy-Westphal (2013)FP 4: 47 Baseado em: Bosy-Westphal (2013)FP 4: 47 e Wang e col. (2000) AJPEM 279: E539 Nos homens a % de tecido muscular é, geralmente, maior que nos mulheres (38% versus 27% numa amostra estudada por Bosy-Westphal e col.) e isso reflete-se no seu maior peso na despesa (25% versus 19%). Nas mulheres a % de tecido adiposo é, geralmente, maior que nos homens (42% versus 27% numa amostra estudada por Bosy-Westphal e col.) e isso reflete-se no seu maior peso na despesa (11% versus 6%). 37,8% 26,7% 27,2% 42,0% 30,5% 27,0% 0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 100,0% homens mulheres % da massa total resto do organismo tecido adiposo músculo esquelético coração cérebro rim fígado 20% 21% 8% 8% 21% 23% 8% 8% 25% 19% 6% 11% 12% 12% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% homens mulheres % da BMR resto do organismo tecido adiposo músculo esquelético coração cérebro rim fígado

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Aspetos específicos do metabolismo em órgãos e

tecidos selecionados

Departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto

[email protected],0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

20,0

kcal kg-1

hora-1

despesa energética específica em órgãos e tecidos emcondições de respouso

Os diferentes órgãos têm, no organismo, papeis diversos mas todos consomem energia.

Em condições de repouso, em termos de despesa energética basal específica (despesa energética basal / massa de tecido)os órgãos mais gastadores são os rins e o coração, assim como o cérebro e o fígado.

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Wang e col. (2000) AJPEM 279: E539

Nos músculos esqueléticos em repouso a despesa específica é 30 xs inferior à do coração (ou rins).

No tecido adiposo a despesa específica é 100 xs inferior à do coração (ou rins).

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Kcal / hora

despesa energética média considerando BMR total = 70 kcal/h (1680 kcal/dia)

Se considerarmos a despesa energética basal dos diferentes órgãos em valores absolutos, os músculos esqueléticos (devido à sua massa) passam, em repouso, a gastar tanto como o cérebro e o fígado e mais que os rins e o coração.

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Baseado em:Bosy-Westphal (2013)FP 4: 47 eWang e col. (2000) AJPEM 279: E539

Os músculos esqueléticos (≈ 25-40 % da massa do organismo) gastam cerca de 20 % do total. No seu conjunto, o fígado, rins, cérebro e coração (≈ 4,5% da massa total) gastam cerca de 60% do total.

20%22%

8%

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≈60%

Baseado em:Bosy-Westphal(2013)FP 4: 47

Baseado em:Bosy-Westphal(2013)FP 4: 47 eWang e col. (2000) AJPEM 279: E539

Nos homens a % de tecido muscular é, geralmente, maior que nos mulheres (38% versus 27% numa amostra estudada por Bosy-Westphal e col.) e isso reflete-se no seu maior peso na despesa (25% versus 19%).

Nas mulheres a % de tecido adiposo é, geralmente, maior que nos homens (42% versus 27% numa amostra estudada por Bosy-Westphal e col.) e isso reflete-se no seu maior peso na despesa (11% versus 6%).

37,8%

26,7%

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30,5% 27,0%

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resto do organismo

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% da BMR

resto do organismo

tecido adiposo

músculo esquelético

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O cérebro, apesar de corresponder, no adulto, a apenas 2% (1,4 kg) da massa

total de um indivíduo, consome ≈≈≈≈ 22% (≈≈≈≈ 380 kcal/dia) da despesa energética em repouso (e ≈≈≈≈ 15% da despesa energética total de um “indivíduo sedentário”).

Enquanto a despesa energética de órgãos como os músculos esqueléticos e cardíaco varia marcadamente com a sua atividade, a despesa energética do cérebro é sempre igual.

Independentemente do que eu possa estar a pensar, gasto sempre o mesmo:

≈ 380 kcal/dia

Exceto no jejum prolongado (depois de 1 ou 2 dias, no caso dos adultos), o único combustível usado pelo cérebro é a glicose(cerca de 4 g/hora ≈ 100 g/dia) e a oxidação é completa: forma CO2.

Ao contrário do que acontece com outros órgãos e tecidos (músculos, fígado, rins e tecido adiposo), a insulina não estimula a captação de glicose pelo cérebro, mas a administração de uma dose excessiva insulina provoca desmaio: a estimulação da captação de glicose nos outros tecidos faz baixar a glicemia…

Dose alta de insulina ⇒hipoglicemia ⇒

Se a glicemia se situar acima de ≈≈≈≈ 45 mg/dL, as atividades do cérebro e o seu consumo de glicose não são afetados. O cérebro dos diabéticos não gasta mais glicose.Mas se a glicemia baixar abaixo de 45 mg/dL (2,5 mM) o indivíduo desmaia. Porquê?

GLUT3Km = 1,6 mM

[glicose sanguínea] normal4,5 mM

[glicose nos neurónios] ≈1 mM

Glicólise aeróbia e ciclo de Krebs a velocidade normal

CO2

HexocínaseKm = 50 µM

G-6-P

1- Os neurónios quase não têm glicogénio e dependem da oxidação da glicose do sangue para produzirem o ATP que necessitam.

2- O transportador de glicose nos neurónios é o GLUT3. Normalmente, o valor do Km para a glicose é mais baixo que o valor da concentração normal de glicose no sangue; quando a glicemia se mantém dentro de valores próximos do normal a velocidade de entrada de glicose para os neurónios não é afetada.

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No entanto, se a glicemia descer e se aproximar do Km, a velocidade de entrada de glicose ↓ ⇒

[glicose] intracelular ↓⇒ velocidade de oxidação ↓ ⇒

síntese de ATP ↓.

0

2

4

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0 2 4 6

velocidadede entrada de glicose

nosneurónios

(g/h)

glicemia (mM)

Limite de tolerância para hipoglicemia sintomática

Glicogénio

O cérebro (quase) não oxida ácidos gordos mas, no jejum prolongado, o fígado produz corpos cetónicos a partir de ácidos gordos e a concentração do somatório β-hidroxibutirato + acetoacetato pode aumentar de 0,2 mM (jejum matinal) para 6 mM.

Glicose 40 g/dia

≈≈≈≈ 60% da energia de corpos cetónicos

CO2

Devido a características específicas do endotélio dos capilares cerebrais (junções oclusivas) há muitas substâncias que entram para os outros tecidos, mas que (quase) não passam para o cérebro (barreira hemato-encefálica).

No jejum prolongado o consumo de glicose desce para metade (ou menos de metade), mas o consumo energético cerebral não varia: a energia que não é fornecida pela glicose passa a ser fornecida pela oxidação dos corpos cetónicos. 7

O consumo de ácidos gordos no cérebro é diminuto e não serve para sustentar a reposição do ATP hidrolisado.

Apesar de representarem 25-40% da massa corporal, a despesa energética dos

músculos esqueléticos em repouso representa menos de ¼ da despesa total (porque a sua despesa específica é 30 xs inferior à do coração ou dos rins).

O tipo de nutrientes dos músculos em repouso varia com o estado nutricional:

1- No estado pós-absortivo, a insulina está baixa ⇒⇒⇒⇒80-90% da energia dos músculos provém da oxidação das gorduras (quase tudo ácidos gordos plasmáticos libertados no tecido adiposo). A parte restante (10-20% da despesa) resulta da oxidação da glicose plasmática proveniente do fígado e rins.

2- No estado pós-prandial (refeição contendo carbohidratos), a insulina ↑↑↑↑ e os músculos são (juntamente com o fígado) os principais responsáveis pela manutenção de níveis de glicemia normais (não demasiado elevados; < 200 mg/dL).2a-A cisão glicolítica e a oxidação de glicose aumentam (GLUT4 ↑, desidrogénase do piruvato ↑)

2b-A síntese de glicogénio muscular aumenta (síntase do glicogénio

ativada, fosforílase desativada)2c-A oxidação dos ácidos gordos baixa (glicose → acetil-CoA → malonil-CoA ⇒ CPT1 ↓ (oxidação em β↓)

Os aminoácidos ramificados são oxidados no músculo, mas o seu contributo para a despesa dos músculos é sempre muitíssimo pequeno.

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Ácidos gordos

CO2

glicose

glicogénioCO2

lactato

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Propriedade Fibra de tipo I (de contração lenta ou vermelhas ou oxidativas)

Fibra de tipo IIB (de contração rápida ou brancasou glicolíticas anaeróbias)

Velocidade de contração Lenta Rápida

Atividade da ATPase miofibrilar ( = ATPase da miosina) e força contrátil

Baixa Elevada

Resistência à fadiga Elevada Baixa

Atividade das enzimas da glicogenólise e da glicólise (capacidade glicolítica)

Baixa Elevada

Conteúdo de glicogénio Pode ser mais elevado

Conteúdo de mioglobina Elevado Baixo

Atividade das enzimas mitocondriais e densidade das mitocôndrias (capacidadeoxidativa)

Elevada Baixa

Densidade de capilares sanguíneos Elevada Baixa

Conteúdo de triacilgliceróis intramiocelulares Elevado Baixo

Atividade da lípase de lipoproteínas (nos capilares da vizinhança)

Elevada Baixa

Os diferentes músculos individuais humanos têm proporções variadas de fibras de tipo I (de contração lenta ou vermelhas ou oxidativas) e de tipo IIB (de contração rápida ou brancas ou glicolíticas

anaeróbias). Para além das fibras de tipo I e tipo IIB também existe um tipo com características

intermédias designado de tipo IIA (também designadas de glicolítico-oxidativas).

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As fibras de tipo I são as mais importantes nos exercícios de longa duração. 1a-São oxidativas: Os nutrientes são oxidados pelo oxigénio até CO2 e vêm predominantemente de fora do músculo, através de uma densa rede de capilares. Oxidam glicose mas também ácidos gordos com origem externa (tecido adiposo via plasma) e nos triacilgliceróis intramiocelulares.São mais ricas em enzimas mitocondriais (ciclo de Krebs e oxidação em β) e têm maior armazenamento de TAG intramiocelulares.Os músculos mais ricos nestas fibras têm maior atividade da lípase de lipoproteínas nos capilares.1b- São vermelhas porque têm mais mioglobina e mais citocromos (mais mitocôndrias).

As fibras de tipo IIB entram em ação (adicionando a sua atividade à atividade das fibras de tipo I)2a- … quando se fazem exercícios de tipo anaeróbico que, necessariamente, são de curta duração.A substituição do ATP depende da glicogenólise e da glicólise da glicose-6-P gerada a partir do glicogénio que foi armazenado em cada fibra muscular. A aceleração da produção de ATP para fazer face ao altíssimo consumo pela ATPase da miosina é muito marcada e não depende da chegada nem de nutrientes nem de oxigénio do sangue. O produto formado é o ácido láctico que, via acidificação, limita a continuação da atividade contrátil.2b- Designam-se por “brancas” porque têm pouca mioglobina e citocromos (poucas mitocôndrias).

Cerca de 80 % das fibras musculares do gastrocnemius dos maratonistas de elite são de tipo I; nos maratonistas menos bons a percentagem desce para 60%.

O coração de um adulto pesa cerca de 300 g (0,4% da massa corporal) mas é

responsável por cerca de 8% da despesa energética em repouso.

A sua força contrátil e a frequência de batimento aumentam via estimulação adrenérgica (recetores β). Durante o exercício físico, a sua despesa energética pode aumentar até 4-5 vezes relativamente à despesa basal.

O coração é um caso extremo de fibra muscular oxidativa.

As suas reservas energéticas próprias são mínimas (muito pouco glicogénio e triacilgliceróis intramiocelulares). Os nutrientes são obtidos do sangue e oxidados a CO2.

No estado pós-prandial a insulina estimula a oxidação da glicose em detrimento do de ácidos gordos e corpos cetónicos.

Insulina

GLUT4↑

↑ Fosfátase ↓ Cínase

↑ Desidrogénase do piruvato

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O coração oxida

1- glicose (que provém maioritariamente do fígado e rins). 2- ácidos gordos (que provêm do tecido adiposo, mas também da ação da lípase de lipoproteínas que é mais ativa nos capilares do coração que nos dos músculos esqueléticos).3- corpos cetónicos quando estes estão a ser produzidos.4- Pode oxidar lactato.

Glicogénio

da desidrogénase do piruvato

O tecido adiposo branco constitui uma % elevada da massa corporal.

Admitindo um IMC de 25 kg/m2 constitui

no sexo ���� ≈≈≈≈ 25% da massa corporal e

no sexo ���� ≈≈≈≈ 40 % da massa corporal .

Mas tem uma despesa energética muito baixa (5-10 % da despesa energética em repouso).

Papel do tecido adiposo no ciclo diário de alimentação-jejum noturno:

1-Período pós-prandial:Insulina ↑ que:1-↑ captação de glicose (GLUT4) que se converte em glicerol-3-P.2-↑ a síntese da lípase de lipoproteínas que hidrolisa os TAG dos quilomicra (e VLDL) captando os ácidos gordos libertados.3-↑ esterificação formando TAG intracelulares.4- ↓ a lipólise intracelular via desfosforilação da perilipina e da lípase hormono-sensível.

2- Período pós-absortivo:Insulina ↓ que ⇒1- ↓ captação de glicose, ↓ da atividade da lípase de lipoproteínas e ↓ da esterificação.2- ↑ da lipólise intracelular porque as adrenalina e noradrenalina (recetores β1) estimulam a fosforilação da perilipina e lípase hormono-sensível (não antagonizada pela insulina).3- ↑↑↑ libertação de ácidos gordos livres e glicerol para o plasma. 12

Frayn; 2012; pág. 200

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Papel do tecido adiposo no exercício físico:

Tono simpático ↑e adrenalina ↑

Recetores β1 dos adipócitos Lipólise intracelular ↑

Recetores α nas células β do pâncreas

Secreção insulina ↓

Libertação de ácidos gordos livres e glicerol para o plasma

A concentração plasmática de ácidos gordos livres não varia com o exercício porque a

velocidade de libertação de ácidos gordos no tecido adiposo =velocidade de oxidação nos músculos.

Quando o valor calórico dos carbohidratos da dieta excede a despesa energética há formação endógena líquida de ácidos gordosno tecido adiposo:

A par do fígado, o tecido adiposo é “um órgão” onde pode haver lipogénese de novo.A insulina estimula a síntese de enzimas da glicólise, da lipogénese de novo (carboxílase da acetil-CoA e síntase do palmitato), da via das pentoses-P e da esterificação (acil-transférase do glicerol-3-P)⇒ Conversão de glicose (e eventualmente AAs) em gorduras. 13 14

Até há cerca de uma década pensava-se que, no homem, só existia nos bebés. Usando técnicas de imagiologia descobriu-se que também existe na maioria dos adultos.

Quando está frio há ↑ concentração plasmática das hormonas tiroideias que, (a) no hipotálamo, estimulam os nervos simpáticos que contactam com os adipócitos do tecido adiposo castanho(b) nos adipócitos do tecido adiposo castanho, aumentam a sensibilidade ao estímulo adrenérgico:

Os adipócitos do tecido adiposo castanho contêm 1- UCP1 (termogenina),2- mais mitocôndrias que os adipócitos do tecido adiposo branco,3- cada célula contém múltiplas gotículas de gordura.

1- Lipólise que liberta ácidos gordos2- Oxidação de ácidos gordos (e glicose que é captada do sangue) nas mitocôndrias… mas grande parte dos protões que são bombeados para o espaço intermembranar da mitocôndria regressa à matriz sem originar ATP.A passagem dos protões ocorre via UCP1 (termogenina).

Apesar de representarem apenas ≈≈≈≈ 0,4% da massa corporal (≈≈≈≈ 300 g no adulto) a despesa energética dos rins é de ≈≈≈≈ 8 % da despesa energética em repouso.A par com o coração, os rins são os órgãos com maior despesa energética específica.

A maior fração da despesa energética é uma consequência da reabsorção (transporte ativo primário ou secundário de solutos que são filtrados).

Os rins reabsorvem ≈≈≈≈ 180 g (1 mole) de glicose/dia: praticamente 90% da glicose filtrada é filtrada é reabsorvida via SGLT2 (sodium dependent glucose transporter 2).

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Os rins reabsorvem ≈≈≈≈ 25 moles de Na+/dia: mais de 2/3 ocorre nos túbulos contornados proximais via ATPase do sódio/potássio.

Sob o ponto de vista metabólico um rim tem dois tecidos completamente distintos.

Os rins têm uma região bem irrigada (o córtex) onde o metabolismo é predominantemente aeróbico e onde há glicose-6-fosfátase (gliconeogénese).

A medula é mal irrigada e o ATP sintetizado resulta maioritariamente da glicólise anaeróbica excretando lactato.

É nos rins que, no estado pós-absortivo, cerca de metade da gliconeogénese do organismo ocorre. Embora, tal como no fígado, o substrato mais importante seja o lactato, no rim (ao contrário do fígado), a alanina é irrelevante e a glutamina é importante.

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Frayn; 2012; pag. 206

lactato = 1+1 g/h

córtex

alanina = 0,8 g/h

glutamina = 0,6 g/h

glicose = 2 g/h

glicose = 2 g/h

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A gliconeogénese renal é tão importante como a hepática, mas não costuma ser tão valorizada por duas razões:

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No jejum prolongado a oxidação dos ácidos gordos e corpos cetónicos substitui

totalmente a glicose (que ainda estava a ser oxidada no córtex) e os rins, entendidos como um todo, passam a ser produtores líquidos de glicose. No jejum prolongado, os rins e o fígado são corresponsáveis (em partes praticamente iguais) pela produção endógena de glicose.

2- No período pós-absortivo, os rins como um todo também consomem glicose e a

quantidade de glicose consumida (maioritariamente na medula; glicólise anaeróbia)

= quantidade de glicose que é produzida (no córtex).

1- Regulação menos bem conhecida

córtex

glicose

glicose

≈≈≈≈ 2 g / h

≈≈≈≈ 2 g / h

lactato

CO2

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Lúmen tubular renal Célula tubular renal Plasma sanguíneo

glutaminaglutamina

glutamato

α−cetoglutarato

NH4+

NH3

H+

Na+ Na+

H+

NH3

NH4+

C5H10O3N2 + 4,5 O2 + 2H+ → 2 NH4+ + 5 CO2 + 2 H2O (1)

C5H10O3N2 + 4,5 O2 → CON2H4 + 4 CO2 + 3 H2O (2)

Normalmente o amónio urinário é uma forma minoritária de excreção do azoto dos

aminoácidos, mas em situações de acidose, como o jejum prolongado, há aumento dasatividades da glutamínase e da desidrogénase do glutamato renais. A glutamínaseinicia uma via metabólica em que a glutamina captada do plasma leva à formação de amónioque é excretado e a α-cetoglutarato que, maioritariamente se converte em glicose (que acabapor ser oxidada).

NAD+

NADH

glicose

H2O

glicose

O catabolismo da glutamina com formação de amónio contribui para o consumo de protões do meio interno. O amónio formado e excretado contém o azoto que fazia parte da glutamina (e do glutamato formado a partir da glutamina), mas também contém protões.

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O intestino tem um gasto energético elevado porque tem um turnover celular e proteico

muito marcado. Os enterócitos renovam-se de forma completa em cerca de uma semana.

1- Os enterócitos do intestino delgado têm como principais nutrientes: 1a- a glutamina, que vem maioritariamente do lúmen (durante a digestão) ou dos músculos (nos intervalo entre refeições) e 1b- a glicose (predomínio de glicólise anaeróbica).

2- Os colonócitos (intestino grosso) têm como principais nutrientes: 2a- a glutamina (que vem dos músculos) e 2b- o butirato que resulta da ação das bactérias intestinais nas fibras ingeridas.

Glutaminólise nas células intestinais

glutamina

glutamato

α-cetoglutarato

oxalacetato

fosfoenolpiruvatopiruvato

NADH

QH2 NADH + CO2

alanina

Ciclo de Krebs

lactato

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Os enterócitos

1-participam na digestão porque contêm ectohidrólases(polo apical) catalisam a hidrólise das maltodextrinas, maltose, isomaltose, sacarose, galactose e polipeptídeos.2- participam na absorção apical de monossacarídeos (SGLT1 e GLUT 5), de dipeptídeos (PEPT1), de aminoácidos, de ácidos gordos, de monoacilglicerol, de colesterol, de lisofosfolipídeos, de sais biliares e de vitaminas e minerais.3- no citoplasma contêm peptídases que catalisam a hidrólise dos di- e tripeptídeos absorvidos.

Na mucosa do intestino delgado há também células enteroendócrinas

que produzem hormonas (1) com papeis relevantes no processo digestivo (colescistocinina, secretina e serotonina) e (2) no metabolismo da glicose, as incretinas (que estimulam a secreção de insulina):GIP – polipeptídeo inibidor gástrico também conhecido como polipeptídeo insulinotrópicodependente da glicose e GLP-1 - peptídeo semelhante à glicagina tipo 1 (Glucagon-like peptide-1).

As células caliciformes produzem muco

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As células do sistema imunológico (linfócitos, macrófagos e

polimorfonucleares) e as células precursoras dos eritrócitos e leucócitos na medula óssea usam como principais nutrientes a glicose (sobretudo glicólise anaeróbica) e a glutamina.

Glutaminólise nas células imunológicas e precursoras dos eritrócitos e leucócitos

glutamato

α-cetoglutarato

oxalacetato

aspartato

NADH

QH2

NADH + CO2

glutamina

Ciclo de Krebs

Ciclo de Krebs

A massa do fígado (≈≈≈≈1,5 kg num adulto) representa ≈≈≈≈ 2,5 % da massa corporal,

mas a sua despesa é ≈≈≈≈ 20 % da despesa energética basal.

Quais os nutrientes do fígado?O catabolismo da maioria dos aminoácidos ocorre no fígado: a oxidação dos aminoácidos da dieta (e os que resultam da degradação das proteínas) pode representar 50% da despesa energética do fígado. Outros nutrientes são os ácidos gordos e a glicose (só no período pós-prandial). O fígado não oxida corpos cetónicos.

O fígado tem um papel central no metabolismo dos hidratos de carbono.No período pós-prandial:1-Em termos líquidos capta glicose do sangue (produção < captação).2-Armazena glicogénio quer pela via direta quer pela via indireta (por esta via mais nas células periportais).3-Produz lactato (mais nas células perivenosas).4-Oxida glicose via glicólise →desidrogénase do piruvato →ciclo de Krebs (síntese de ATP)5-Oxida glicose através da via das pentoses-P (síntese de NADPH)6-Pode converter parte da glicose em palmitato (lipogénese de

novo).

No período pós-absortivo e no jejum prolongado:1-Em termos líquidos liberta glicose para o sangue e, em última análise para os outros tecidos (produção >> captação).2-A produção resulta da degradação do glicogénio e da gliconeogénese.3-Capta lactato, alanina, glicerol e outros aminoácidos que usa na gliconeogénese. 22

Frayn; 2012; pag. 143

O fígado também tem um papel importante no metabolismo dos TAG e dos ácidos gordos.

1- Capta ácidos gordos livres e glicerol do sangue.2- Os ácidos gordos podem ser oxidados ou esterificados com glicerol (prévia conversão a glicerol-3-P).3- Pode armazenar gordura, mas grande parte dos TAG sintetizados são libertados para o sangue incorporados nas VLDL.4- À medida que o jejum se prolonga uma parte substancial dos ácidos gordos captados passam a ser apenas parcialmente oxidados. Parte do acetil-CoA formada na oxidação em β converte-se em corpos cetónicos que são libertados para o sangue.5- Capta os quilomicra remanescentes e os VLDL remanescentes que resultam da ação da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo e dos músculos.6- Via ação da lípase de lipoproteínas hepática participa na conversão de parte das VLDL remanescentes em LDL.7- Quando há excesso de hidratos de carbono na dieta fica ativada a lipogénese de novo.

23

Frayn; 2012; pag. 160

O fígado tem um papel central no metabolismo do colesterol.

1- O fígado sintetiza colesterol e esterifica-o com ácidos gordos (ésteres de colesterol).2- Liberta colesterol esterificado e não esterificado para o sangue incorporado nas VLDL.3- Capta colesterol do plasma (3a) aquando da captação endocítica dos quilomicra remanescentes, dos VLDL remanescentes e das LDL assim como (3b) aquando da ação dos recetores de limpeza B1 nos ésteres de colesterol das HDL.4- Excreta colesterol para a bílis (que em parte se perde nas fezes).5- Converte colesterol em sais biliares que também excreta para a bílis (parte perde-se nas fezes).

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acetil-CoA

colesterol

acil-colesterol

VLDL

quilomicra remanescentes , IDL e LDL

HDL2

HDL pré-β

colesterol + sais biliares (excreção fecal)

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O fígado tem um papel central no metabolismo dos aminoácidos e proteínas.1- É no fígado que uma parte substancial dos aminoácidos é convertida em intermediários da glicólise ou do ciclo de Krebs, em acetil-CoA ou em acetoacetato.(O fígado e o intestino são os órgãos com maior relevância quantitiativa no turnover proteico e na oxidação dos aminoácidos).2- É o órgão com maior relevância na conversão dos aminoácidos glicogénicos em glicose.3- Converte o azoto dos aminoácidos e o amónio em ureia (ciclo da ureia-amónio).4- Participa no ciclo da alanina.5- Sintetiza proteínas quer próprias quer proteínas plasmáticas (albumina, alguns fatores da coagulação, etc.).6- Em situações inflamatórias sintetiza e segrega para o plasma sanguíneo “proteínas de fase aguda” nomeadamente a “proteína C reativa”.7- Converte guanido-acetato em creatina.

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AAs

NH4+

aspartato

UREIA

Proteínas próprias e plasmáticas Proteínas

plasmáticas

NH4+

AAs

Ciclo da ureiaCO2

O fígado tem um papel na conjugação e excreção da bilirrubina.

1- Capta e conjuga a bilirrubina não conjugada convertendo-a em bilirrubina conjugada. 2- Excreta para a bílis a bilirrubina conjugada.

O fígado promove a conversão de xenobióticos em produtos de excreção.1- Via reações de fase 1 (oxidações, esterificações, hidroxilações, etc.) ou/e via reações de conjugação (com ácido glicurónico, sulfato, glutatião) promove a conversão dos xenobióticos em compostos eventualmente menos tóxicos.2- Alguns destes produtos são excretados via biliar e outros no rim.

É no fígado que, esmagadoramente, se dá a conversão de etanol ingerido em acetato.

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etanol acetaldeído acetato

NAD+ NADH

NADPH + O2 NADP+ + H2O2

NAD+ NADHdesidrogénase do etanol

CYP2E1 desidrogénase do acetaldeído

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1. Stipanuk, M. H. & Caudill, M. A. (2013) Biochemical, Physiological, Molecular Aspects of

Human Nutrition, 3rd edn, Sunders, Elsevier., USA.2. Frayn, K. N. (2012) Regulação Metabólica. Uma perspetiva focada no organismo humano., U.P. Editorial, Porto.3. Zierath, J. R. & Hawley, J. A. (2004) Skeletal muscle fiber type: influence on contractile andmetabolic properties, PLoS Biol. 2, e348.4. Gerich, J. E. (2010) Role of the kidney in normal glucose homeostasis and in thehyperglycaemia of diabetes mellitus: therapeutic implications, Diabet Med. 27, 136-42.5. Bosy-Westphal, A., Braun, W., Schautz, B. & Muller, M. J. (2013) Issues in characterizingresting energy expenditure in obesity and after weight loss, Front Physiol. 4, 47.

Bibliografia utilizada