Origem e Evolucao de Plantas Cultivadas

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Origem e Evolucao de Plantas Cultivadas

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  • Embrapa Informao TecnolgicaBraslia, DF

    2008

    Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuriaEmbrapa Clima Temperado

    Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    Rosa La BarbieriElisabeth Regina Tempel StumpfEditores Tcnicos

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  • Exemplares desta publicao podem ser adquiridos na:

    Embrapa Informao TecnolgicaParque Estao Biolgica (PqEB), Av. W3 Norte (final)CEP 70770-901 Braslia, DFFone: (61) 3340-9999Fax: (61) 3340-2753www.sct.embrapa.br/[email protected]

    Embrapa Clima TemperadoRodovia BR-392, Km 78Caixa Postal 403CEP 96001-970 Pelotas, RSFone: (53) 3275-8100Fax: (53) [email protected]

    Todos os direitos reservados.A reproduo no autorizada desta publicao, no todo

    ou em parte, constitui violao dos direitos autorais (Lei no 9.610).

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Embrapa Informao Tecnolgica

    Embrapa 2008

    Coordenao editorialFernando do Amaral PereiraMayara Rosa CarneiroLucilene Maria de Andrade

    Superviso editorialRbia Maria Pereira

    Reviso de textoJane Baptistone de ArajoRafael de S Cavalcanti

    Normalizao bibliogrficaMaria Alice Bianchi

    Projeto grfico, tratamento dasilustraes e editorao eletrnicaMrio Csar Moura de AguiarCarlos Eduardo Felice Barbeiro

    CapaMrio Csar Moura de Aguiar

    Fotos da capaRosa La BarbieriLus Andr Nassr de Sampaio

    Mapas da guardaFrederick de Wit (1660)Joan Blaeu (1664)

    1 edio1 impresso (2008): 3.000 exemplares

    Origem e evoluo de plantas cultivadas / editores tcnicos, Rosa La Barbieri,Elisabeth Regina Tempel Stumpf. Braslia, DF : Embrapa InformaoTecnolgica, 2008.909 p. : il.

    ISBN 978-85-7383-221-1

    1. Alimentao. 2. Biodiversidade. 3. Planta forrageira. 4. Planta ornamental.I. Barbieri, Rosa La. II. Stumpf, Elisabeth Regina Tempel. III. Embrapa ClimaTemperado.

    CDD 635

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  • AutoresAdelar MantovaniEngenheiro agrnomo, doutor em Cincias Biolgicas,professor da Universidade do Estado de Santa Catarina, Lages, [email protected]

    Alessandra Pereira FveroEngenheira agrnoma, doutora em Agronomia,pesquisadora da Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia, Braslia, [email protected]

    Alexandre MariotEngenheiro agrnomo, M.Sc. em Recursos Genticos Vegetais,doutorando da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, [email protected]

    Alfredo do Nascimento JuniorEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,pesquisador da Embrapa Trigo, Passo Fundo, [email protected]

    Aline Pedroso Lorenz-LemkeBiloga, doutora em Gentica e Biologia Molecular,pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Ana Lcia Cunha DornellesEngenheira agrnoma, doutora em Agronomia,professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropdica, [email protected]

    Antnio Costa de OliveiraEngenheiro agrnomo, ps-doutor em Gentica,professor da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Ariano Martins de Magalhes JniorEngenheiro agrnomo, doutor em Fitomelhoramento,pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, [email protected]

    Caroline Marques CastroEngenheira agrnoma, doutora em Cincias Biolgicas,pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, [email protected]

    Clarisse Palma da SilvaBiloga, M.Sc. em Gentica e Biologia Molecular,doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

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  • Cludia Erna LangeEngenheira agrnoma, doutora em Fitotecnia,pesquisadora do Instituto Rio Grandense do Arroz, Cachoeirinha, [email protected]

    Claudir LorencettiEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,melhorista da Alliance One Brasil, Santa Cruz do Sul, [email protected]

    Clause Ftima de Brum PianaBiloga, M.Sc. em Agronomia, doutoranda da Universidade Federalde Pelotas, Pelotas, [email protected]

    David Hawkins ByrneEngenheiro agrnomo, doutor em Plant Breeding and Genetics,professor da Texas A&M University, College Station, Texas, [email protected]

    Douglas Andr Mallmann SchmidtEngenheiro agrnomo, M.Sc. em Agronomia,doutorando da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Eduardo CaieroEngenheiro agrnomo, M.Sc. em Agronomia,pesquisador da Embrapa Trigo, Passo Fundo, [email protected]

    Eliane Kaltchuk dos SantosBiloga, doutora em Gentica e Biologia Molecular,professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Elisabeth Regina Tempel StumpfEngenheira agrnoma, doutor em Agronomia, bolsista ps-doutor jnior doConselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq),Embrapa Clima Temperado, Pelotas, [email protected]

    Elisane SchwartzEngenheira agrnoma, doutora em Agronomia,engenheira agrnoma da Prefeitura Municipal de Pelotas, [email protected]

    Elizete Beatriz RadmannEngenheira agrnoma, doutora em Agronomia, bolsista ps-doutor jnior do CNPq,Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Fbio de BarrosEngenheiro agrnomo, doutor em Biologia Vegetal,pesquisador do Instituto de Botnica, So Paulo, [email protected]

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  • Fbio PinheiroBilogo, M.Sc. em Cincias Biolgicas,doutorando da Universidade de So Paulo, So Paulo, [email protected]

    Fernanda BeredBiloga, doutora em Gentica e Biologia Molecular,professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Fernando Iraj Flix de CarvalhoEngenheiro agrnomo, doutor em Gentica e Melhoramento de Plantas,professor da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Gecele Matos PaggiBiloga, M.Sc. em Gentica e Biologia Molecular,doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Gustavo HeidenBilogo, mestrando da Escola Nacional de Botnica Tropical /Instituto de Pesquisas Jardim Botnico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, [email protected]

    Igor Pirez ValrioEngenheiro agrnomo, M.Sc. em Agronomia, doutorandoda Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Ionara Ftima ConteratoBiloga, M.Sc. em Zootecnia,doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Iraj Ferreira AntunesEngenheiro agrnomo, doutor em Cincias Biolgicas,pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, [email protected]

    Irineu HartwigEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,bolsista ps-doutor jnior do CNPq, Universidade Federal de Pelotas, [email protected]

    Irno Luiz MallmannEngenheiro agrnomo, M.Sc. em Fitotecnia,diretor de Produo e Pesquisa & Desenvolvimento da Alliance One Brasil,Santa Cruz do Sul, [email protected]

    Ivandro BertanEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,pesquisador da Syngenta Seeds, Uberlndia, [email protected]

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  • Jean Pierre DucroquetEngenheiro agrnomo, doutor em Biologie et Physiologie Vgtale,pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuria e Extenso Ruralde Santa Catarina S.A., So Joaquim, [email protected]

    Joo Renato StehmannBilogo, doutor em Biologia Vegetal,professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, [email protected]

    Jos Antnio Gonzalez da SilvaEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,professor da Universidade Regional do Noroeste do Estado doRio Grande do Sul, Iju, [email protected]

    Jos Eduardo Figueiredo DornellesBilogo, doutor em Geocincias,professor da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Jos Fernandes Barbosa NetoEngenheiro agrnomo, doutor em Plant Breeding,professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Jos Geraldo de Aquino AssisEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,professor da Universidade Federal da Bahia, Salvador, [email protected]

    Karine Louise dos SantosEngenheira agrnoma, M. Sc. em Recursos Genticos Vegetais,professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, [email protected]

    Loreta Brando de FreitasBiloga, doutora em Gentica e Biologia Molecular,professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Luciano Carlos da MaiaEngenheiro agrnomo, M.Sc. em Agronomia,doutorando da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Manoel Ablio de QueirozEngenheiro agrnomo, doutor em Genetics and Plant Breeding,professor da Universidade do Estado da Bahia, Juazeiro, [email protected]

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  • Maria Aldete Justiniano da Fonseca FerreiraEngenheira agrnoma, doutora em Agronomia,pesquisadora da Embrapa Recursos Genticos e Biotecnologia, Braslia, [email protected]

    Maria do Carmo Bassols RaseiraEngenheira agrnoma, doutora em Plant Science,pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, [email protected]

    Maria Jane Cruz de Melo SerenoBiloga, doutora em Gentica e Biologia Molecular,professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Maria Teresa Schifino-WittmannBiloga, doutora em Gentica e Biologia Molecular,professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Mariangela dos SantosEngenheira agrnoma, M.Sc. em Fitotecnia,geneticista da Alliance One Brasil, Santa Cruz do Sul, [email protected]

    Maurcio Sedrez dos ReisEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, [email protected]

    Miguel Pedro GuerraEngenheiro agrnomo, doutor em Cincias Biolgicas,professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, [email protected]

    Miriam Valli BttowBiloga, M.Sc. em Agronomia,doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, [email protected]

    Neusa SteinerEngenheira agrnoma, M.Sc. em Recursos Genticos Vegetais,professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, [email protected]

    Noryam Bervian BispoEngenheira agrnoma, M.Sc. em Agronomia,doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Paula WiethlterBiloga, M.Sc. em Fitotecnia,doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

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  • Raquel Silviana NeitzkeEngenheira agrnoma, M.Sc. em Agronomia,doutoranda da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Renato Ferraz de Arruda VeigaEngenheiro agrnomo, doutor em Cincias Biolgicas,pesquisador do Instituto Agronmico de Campinas, Campinas, [email protected]

    Ricardo de Azevedo LourenoEngenheiro agrnomo, supervisor do Departamento Estadual de Proteodos Recursos Naturais, Ubatuba, [email protected]

    Roberto Lisba RomoEngenheiro agrnomo, doutor em Recursos Fitogenticos,professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, [email protected]

    Rodrigo Cezar FranzonEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,pesquisador da Embrapa Cerrados, Braslia, [email protected]

    Rosa La BarbieriBiloga, doutora em Gentica e Biologia Molecular,pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, [email protected]

    Rubens Onofre NodariEngenheiro agrnomo, doutor em Gentica,professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, [email protected]

    Sntia Zitzke FischerEngenheira agrnoma, M.Sc. em Agronomia,doutoranda da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

    Tatiana de Freitas TerraBiloga, M.Sc. em Agronomia,doutoranda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, [email protected]

    Valmor Joo BianchiEngenheiro agrnomo, doutor em Agronomia,professor da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, [email protected]

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  • PrefcioA conscincia sobre nossa responsabilidade pela preservao do meio ambiente uma realidade nos debates acadmicos, no meio poltico, assim como para amaioria da populao. Sem condies que lhe garantissem a reproduo da vida,a sociedade humana simplesmente desapareceria. Mas isso no tudo; outrosdebates permeiam nossas preocupaes.

    Em tempos de mudanas climticas, de demanda por mais alimentos, pormatrias-primas e por biocombustveis, nada mais oportuno do que refletirmossobre nossas conquistas e nosso destino, tendo como cenrio a relao sociedade/natureza, bem como a busca de um estilo de agricultura que contribua cada vezmais para a sustentabilidade em suas mltiplas dimenses. O livro Origem eevoluo de plantas cultivadas, organizado por Rosa La Barbieri pesquisadorada Embrapa Clima Temperado , e por Elisabeth Regina Tempel Stumpf bolsistaps-doutor jnior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico eTecnolgico (CNPq) , leva-nos a essa saudvel discusso.

    bom lembrar a pesquisadores, professores, estudantes e curiosos de um vastoconjunto de cincias biolgicas, desde a botnica at a fitotecnia, passando porsistemtica, gentica, recursos genticos, melhoramento vegetal, citogentica ebiologia molecular e celular, que todos eles tero nesta obra uma companhiaindispensvel, h muito tempo reclamada em nossa literatura.

    O acmulo de conhecimentos ao longo da histria e da evoluo da sociedade,incluindo os recursos oferecidos pelo desenvolvimento cientfico dos temposrecentes, sem dvida facilita a organizao de um livro que trate da origem e daevoluo de plantas cultivadas. Quem imaginaria a execuo dessa tarefa, halgumas dcadas ou sculos, sem a realizao de viagens ou de pesquisasdiretamente nos centros de origem das espcies relatadas neste livro? A audciados navegadores, ou dos conquistadores da Idade Mdia, teria sido insuficientepara uma obra dessa magnitude. A evoluo das modernas academias cientficas,dos programas de ps-graduao, de pesquisa e desenvolvimento, bem como ointercmbio cientfico e o acesso informao digital so, evidentemente,condies necessrias para a obra, porm no so suficientes. Nesse caso, a tarefano foi planejada nem executada sob a gide de um cientificismo triunfante, emque a cincia pretendesse deter o monoplio sobre o conhecimento vlido. A obracontempla a preocupao com relatos de corte acadmico, primando, dessa forma,pelo rigor cientfico, mas sempre valorizando os conhecimentos produzidos emmais de 10 mil anos de histria da agricultura, ou melhor, das plantas cultivadas.

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  • No objetivo deste livro tratar de biogeografia ou de geopoltica, nem da sagahumana em busca de novos espaos, e tampouco de ocupao territorial, de expansode poder ou da busca de ouro ou de outros metais preciosos, de especiarias ou deescravos, embora ele considere o fato de esses movimentos terem provocado ointercmbio de conhecimentos, o mapeamento de novas espcies e de hbitats,contribuindo, assim, para a disseminao de muitas das espcies aqui estudadas.Esse foi um lento e poderoso processo de coevoluo, em que sistemas sociais e sistemasnaturais produziram impactos e respostas uns sobre os outros, s vezes resultandono desaparecimento de espcies, ou at mesmo de grupos sociais, pela eleio deestratgias equivocadas.

    Alm disso, o silencioso trabalho de coletores e de camponeses, de populaesindgenas e de agricultores de todos os tipos cada um deles interpretando ossinais da natureza e usando estratgias prprias de determinado contexto histricoe cultural legou-nos o que atualmente conhecemos como plantas cultivadas.O longo percurso do teosinto do altiplano mexicano enorme variabilidadegentica hoje encontrada no milho apenas um exemplo paradigmtico. herana dos conhecimentos prticos, tradicionais ou autctones, podemosagregar o conhecimento cientfico resultante deste livro.

    Por sua diversidade e abrangncia, esta obra conta com a colaborao de nadamenos que 64 autores, entre pesquisadores da Embrapa, professoresuniversitrios, estudantes de ps-graduao e profissionais de instituies depesquisa e do Terceiro Setor. O flego das organizadoras para colocar junto oque de mais representativo existe sobre o assunto, em termos de Brasil, demonstrao esmero, a dedicao e o esforo delas para presentear a literatura cientficanacional com algo distinto.

    O primeiro captulo, que d o tom ao maravilhoso passeio pela histria das plantasna Terra, trata das alteraes na tectnica do planeta e de suas implicaes sobrea ocorrncia, a evoluo ou o desaparecimento das espcies vegetais. Nesse sentido,vale lembrar que, em alguns cataclismos, quase toda a vida sobre a Terra foidizimada. Em alguns casos, houve perda de 95 % da biodiversidade existente.Contou-se, no entanto, com a maravilha da evoluo da vida, a qual permitiuque a diversidade se reconstitusse e presenteasse a espcie humana com umconjunto de opes que resultou no que somos hoje, o que aumenta nossaresponsabilidade e nos compromete com a preservao desse legado.

    Milhes de anos se passaram at que a domesticao das espcies se iniciasse hcerca de 15 mil anos de nossa poca: um tempo recentssimo, que demonstra,indubitavelmente, o resultado da arte e da habilidade do homem de distinguir-

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  • se por sua capacidade de pensar. Nem sempre na melhor direo, bem verdade,mas de forma que isso o fizesse sentir-se superior aos animais das demaisespcies, levando-o, literalmente, a liquidar espcies afins, a exemplo do homemde Neandertal, que habitou a Europa bem antes de ali chegarem nossosantepassados.

    A saga da transio do coletor/caador para a condio de agricultor fantsticae fenomenal. Uma das primeiras cenas do filme 2001: uma odissia no espaoretrata essa passagem. Ao bater com fora sobre o solo, com um osso, queprovavelmente deveria ser um fmur, um homindeo descobre que, a partir dali,outros ossos, que no os dele, poderiam ser quebrados. Inicia-se, assim, a arte daguerra armada. No nosso entender, o mesmo deve ter se dado em relao multiplicao vegetativa e sua relao com a agricultura.

    Imaginamos que, em algum momento, em algum lugar, um rebolo de cana, ouuma maniva de mandioca, deva ter atingido a cabea de algum. Em virtude dochoque, possivelmente esse rebolo, ou essa maniva, tenha se partido em pedaose cado em local frtil; e, depois de semanas, ou aps meses, os contendores(provavelmente os vencedores) devem ter notado que outras plantas de cana-de-acar, ou de mandioca, brotavam misteriosamente no local da luta. Assim, comum grande esforo, certamente eles se recordaram que, ao remeter sua arma(um pedao do colmo), essa se quebrara e alguns de seus pequenos pedaosforam lanados deriva. Pelo menos essa uma de nossas imagens da descobertada agricultura, via material vegetativo.

    No entanto, entre as espcies reproduzidas por sementes a histria deve ter sidooutra. Talvez depois de um longo perodo de seca, com caas a cada dia mais escassas,e, portanto, sem a deliciosa carne, tenha restado ao homem e aos animais quecom ele conviviam valer-se dos cereais e dos frutos que encontrava, o que lhefez constatar que, por onde passava, ou nos stios em que parava, na incessantebusca pela vida e pelo alimento, quando do retorno, e aps as chuvas, plantassemelhantes nasciam e at frutificavam. Deve ter sido difcil entender aquelemilagre, mas as mulheres dos grupos, especialmente, devem ter passado aobservar que, ao enterrarem alguns gros, por foras que elas jamais poderiamcompreender algumas plantas iguais s dos gros enterrados comeavam abrotar.

    Em outros momentos, talvez na tentativa de afastar o fantasma da fome quelhes ameaava a vida, assim como ameaara a vida de seus antepassados desdetempos imemoriais, possivelmente algum tenha enterrado a sobra de algumarefeio na forma de sementes ou de gros intentando com isso preserv-laou para o futuro, ou para um momento de privao. Da para a formao de

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  • novos espaos produtivos, ou de colheita, deve ter sido somente uma questo detempo. O homem atuou, assim, como uma espcie de Rei Midas da natureza:sua simples presena era suficiente para mudar a vegetao do local. Essa outraimagem possvel para explicar o incio da agricultura que at o presenteconhecemos.

    Outra considerao que julgamos pertinente diz respeito s estratgias deapropriao da natureza de forma mais ampla, e no s em relao s plantasutilizadas na alimentao. Durante a histria da civilizao humana, certamentehouve tambm um progressivo processo de tentativas para diminuir o esforoempenhado na obteno de alimento, com a conseqente gerao de artefatos,principalmente com o uso da madeira como matria-prima. Muitos dos equi-pamentos at hoje usados por agricultores e populaes tradicionais seriam,portanto, produtos desse processo. Entretanto, a criatividade no parou por a.Depois de conseguir o alimento, sobrou ao homem tempo para dedicar-se esttica e melhoria da qualidade de vida do lugar de repouso. Por a passariaum pouco da histria tanto das plantas ornamentais como das condimentares,que, tal como a de algumas espcies arbreas, tambm enfocada nesta obra.

    Um aspecto a ser destacado o papel das mulheres na coleta e na guarda desementes (com grande relevncia para a evoluo das plantas cultivadas), queremete a um debate contemporneo: o papel do gnero na agricultura. FrancisBacon, um dos precursores da cincia como a praticamos atualmente, ao defendera apropriao da natureza dizia que deveramos tortur-la tal como se torturauma mulher, para extrair dela os segredos. Hoje temos outra viso: a de coevoluoem lugar da do domnio. No campo cientfico, as mulheres tambm foram pro-tagonistas, o que comprova a edio deste livro.

    Voltando ao livro, cabe dizer que o seu contedo amplo e leva a uma profundareflexo. Trata da maioria dos cereais em uso. Do nosso to atual arroz, cujocentro de domesticao se encontra na sia, o qual smbolo de civilizaesmilenares, como a dos chineses e a de seus vizinhos coreanos, vietnamitas,malaios, japoneses, filipinos, bem como da no menos antiga civilizao indiana.O arroz, que aqui decidimos eleger como representante de todos os cereais,ganhou o mundo, adaptou-se culinria de povos bem distantes, tais como osafricanos e os americanos, assim como aos mais diferentes paladares. Por ser topopular, basta uma reduo em sua produo para que isso cause levantes sociais,furor e desespero em todo o mundo. Sobre esse nobre cereal, h que se fazeruma referncia especial a respeito de sua adaptao no Brasil. Somos o Pas emque o arroz de sequeiro representa uma rea considervel de produo, quase oequivalente rea de arroz irrigado. Esse fenmeno um importante passo na

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  • evoluo de uma cultura originalmente selecionada para cultivo em ambientesmidos, predominantes na rea de abrangncia da Embrapa Clima Temperado.

    Quanto s frutas, uma ampla coleo de espcies frutferas mereceu a atenodos autores e das organizadoras, a qual compreende desde a goiabeira-serranaque, em outras regies do Brasil, conhecida como feijoa, com seu inconfundvelaroma e sabor, at as culturas domesticadas em pocas to remotas quanto a dosprimeiros cereais, como a uva, por exemplo: interessante por ser smbolo de umaalimentao luxuriante. Em qualquer representao de alimentos, depois do leitee de um cereal um cacho de uva indispensvel. Os textos religiosos, ou laicos,da maioria das grandes civilizaes euro-ndicas, invariavelmente citam a uva etratam das delcias dessa fruta e do vinho que dela produzido. H, porm, algode especial nisso tudo. At pouco tempo atrs, a parreira simbolizava a fruticulturade climas mais amenos e de regies temperadas. No que uma vez mais aprofunda inquietao da espcie Homo sapiens caracterizada pelos extremos fez que uvas de mesa fossem colhidas e vinhos de excelente qualidade passassema ser produzidos em reas tropicais, ao lado da Linha do Equador?

    Da frica vem a histria saudosa da melancia, trazida por nossos irmos que, aodeixarem sua ptria e suas famlias, e rumarem em direo a destino incerto e aoexlio em terras jamais imaginadas as Amricas , tentaram trazer, com muitocusto, as plantas que representavam suas aldeias e sua vida, sua infncia e seussabores. Ainda entre as Cucurbitceas importante destacar o exemplo local dasabboras e das morangas, to bem selecionadas por vrios povos das mais diversasregies do Pas.

    As plantas ornamentais, como as bromlias, as petnias e as rosas, tambm estodocumentadas em captulos deste livro. O exemplo mais expressivo da civilizaohumana o gosto pelo belo, pela ornamentao das cidades, das ruas, das praas,dos jardins, dos alpendres e do pequeno jarro a embelezar as salas. Continuamos,ainda hoje, a redescobrir opes de usos de nossas plantas todos os dias.Do pequeno anans s bromlias, que intrigam e apaixonam os mais exigentesdecoradores e as insuspeitas donas de casa, passando pelas orqudeas, todas soenfocadas nesta obra.

    Em tempos de escassez e de redefinio da matriz energtica mundial, nopoderiam deixar de constar aqui captulos tratando das espcies madeireiras eoleaginosas, e, nesse aspecto, temos belas apresentaes sobre as araucrias, bemcomo sobre uma cultura que voltou ao dia-a-dia da produo agrcola mundial:a mamona, que, de planta produtora de leo de rcino, passou a ser exploradacomo uma das principais fornecedoras de leos para uma ampla aplicaoindustrial, incluindo-se como matria-prima na produo de biodiesel.

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  • Jos Geraldo Eugnio de FranaDiretor-Executivo

    Embrapa

    E as especiarias? Estariam fora dessa nossa viagem pela vida vegetal no planeta?Claro que no. a que as pimentas vm tona e insistem em nos lembrar quoimprescindveis foram os temperos em todas as civilizaes, para complementoe enriquecimento dos sabores. No toa que um dos mais importantes captulosda histria humana se deu quando os europeus tiveram de descobrir outras rotaspara abastecer seu mercado de temperos. Foi a que o largo e belo Atlntico foidesbravado, e as caravelas, que pareciam casquinhas de nozes, chegaram spraias americanas. Primeiramente, s paradisacas ilhas caribenhas; e, em seguida,a portos das Amricas do Norte e do Sul.

    A expanso das plantas cultivadas esconde um grande paradoxo. Por um lado, asregies que atualmente so as maiores exportadoras de commodities agrcolas h500 anos nem sequer conheciam os produtos que hoje exportam. Por outro lado,muitas espcies descobertas com os novos territrios, como o milho, a batata e otomate, para citar apenas trs exemplos, ocuparam novas reas outrora destinadas acultivos tradicionais. Ocorre, no entanto, que esse movimento de contingenteshumanos, de novos cultivos, de animais e de microrganismos, resultou no que AlfredCrosby (no livro Imperialismo ecolgico) denomina conquista ecolgica, dado ocarter invasivo daquilo que os novos habitantes trouxeram consigo, a includasas doenas, que acabaram com populaes nativas; e as novas espcies, quedesalojaram as originais provocando, com isso, uma verdadeira eroso gentica.Com certeza, a manuteno da agrobiodiversidade tema premente em qualquerlugar ou instituio que trabalhe com processos de melhoria de plantas cultivadas.

    Este livro consistir, portanto, numa das referncias, no que tange aos recursosgenticos vegetais, origem e evoluo das plantas cultivadas. Esperamos que embreve seja traduzido para outros idiomas, de forma que a contribuio deste seletotime, que to bem representa a cincia brasileira, possa ser partilhada com irmos deoutros pases da Amrica e de outros continentes.

    Para finalizar, permitimo-nos aqui a citao de um trecho adaptado pelosautores do livro Poema do milho, de Cora Coralina:

    Cheiro de terra, cheiro de mato. Terra molhada depois da noite chuvada,relampeada. Tempo mudado, dando sinais. Observatrio... Calendrio...Astronomia do lavrador, que planta com f religiosa, sozinho, silencioso. Cavae planta. Gestos pretritos, imemoriais. Liturgia milenria, ritual de paz. Emqualquer parte da Terra um homem estar sempre plantando. Recomeandoo mundo. Recriando a vida.

    Joo Carlos Costa GomesChefe-Adjunto de Comunicao e Negcios

    Embrapa Clima Temperado

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  • Apresentao

    Esta obra nos oferece a possibilidade de realizar um belo passeio imaginrio pelaorigem e evoluo de vrias plantas fundamentais em nosso cotidiano, que muitasvezes nos passam despercebidas.

    Desde as remotas aventuras das rotas das antigas navegaes (14921600),quando a busca por especiarias induziu expedies de coleta e estabeleceu fluxosde permuta de germoplasma, o intercmbio de plantas e de conhecimentosestreitou as relaes entre os continentes. Contudo, ainda hoje a troca de saberese de receitas culinrias nos aproxima e desperta nossos instintos. Plantar, criar,multiplicar, conservar, embelezar, viver!

    No conjunto dos captulos deste livro, a criatividade das editoras Rosa LaBarbieri e Elisabeth Regina Tempel Stumpf permite-nos acompanhar a trajetriahistrica do cultivo de um significativo nmero de plantas de usos variados,entre os quais o culinrio, o ornamental e o forrageiro. Oferece-nos, ao mesmotempo, um consistente trabalho de resgate e de valorizao da biodiversidade,alm de provocar nossa imaginao no que tange capacidade criativa do homemna adaptao dessas diferentes espcies aos agroecossistemas regionais.

    As espcies abordadas importantes na alimentao humana e/ou animal, comofontes agroenergticas, como recicladoras e recuperadoras de solo, no resgate decarbono atmosfrico, assim como em seus aspectos ornamentais desempenhampapel crucial em nosso dia-a-dia, e sero cada vez mais estratgicas para aqualidade de vida no planeta Terra.

    Sendo assim, a Embrapa Clima Temperado tem a satisfao de disponibilizareste trabalho, que certamente no s servir como fonte de consulta e deinspirao para acadmicos, para profissionais e para a sociedade em geral,como ser tambm obra de referncia no tema.

    Waldyr Stumpf JuniorChefe-Geral

    Embrapa Clima Temperado

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  • Sumrio

    BromliasA beleza exticado Novo Mundo, 235

    BatataO po nossodas Amricas, 219

    AveiaDe vil a herona,a domesticao deuma planta invasora, 209

    ArrozAlimentando ahumanidade h milnios, 185

    AraucriaEvoluo, ontognesee diversidade gentica, 149

    AmendoimDomesticaopelos indgenas, 121

    AlfafaA rainha das forrageiras: doshititas era da genmica, 89

    Abboras e morangasDas Amricaspara o mundo, 59

    Domesticaodas plantasA sndrome que deu certo, 37

    O incioEntendendo a histria davida na Terra em tempogeolgico, 21

    CebolaDas lgrimas ao sabor, 253

    CenteioAspectos evolutivose potencialidades, 267

    CevadaHistria e evoluo, 287

    CitrosEspcies ou hbridos?, 313

    Cravos e cravinasAromas, cores e saboresmuito alm do jardim, 337

    FeijoSua histriae seu futuro, 357

    FumoEspcie repletade histria, 377

    GrberaUm captulo parte, 403

    Goiabeira-serranaDomesticao, 415

    LeucenaDo Mxico para o mundo,a globalizao das rvoresde mil e uma utilidades, 437

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  • UvaDa Antigidade mesa de nossos dias, 891

    TriticaleUm hbridointergenrico para umaagricultura moderna, 853

    TrigoA cultura que deusuporte civilizao, 819

    TomatePresente dos astecaspara a gastronomiamundial, 803

    SojaUma histriade sucesso, 779

    RosasHistria queantecedea humanidade, 747

    Pimentas do gneroCapsicumCor, fogo e sabor, 727

    Petnias-de-jardimConhecendo as espciessilvestres para entendera planta cultivada, 707

    PessegueiroTradio e poesia, 677

    PalmitoDomesticao empaisagem natural, 651

    OrqudeasAlgo mais que belas flores, 619

    MorangosHistria que unedois continentes, 599

    MilhoUma cultura sobdomnio humano, 575

    MelanciaHistria africanade dar gua na boca, 553

    MaracujA religiosidade comoagente dispersor, 531

    MamonaO redescobrimento, 507

    MamoDelcia centro-americana, 497

    LupinusA fascinante (e ainda controversa)histria evolutiva dos tremoose seus parentes, 465

  • Entendendo a histria da vida na Terra em tempo geolgico

    OO incio21

  • Foto: Rosa La Barbieri

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    A biografia da Terra e os 4,5 bilhes de anos de contnuasmodificaes geolgicas internas e externas pelas quais oplaneta passou e vem passando nos fazem compreender aanalogia de que, segundo a teoria de Gaia, a Terra umaespcie de ser vivo, dotada de biografia, complexa de setestar em tempo recente (aquele palpvel pela perspectivada espcie humana), mas eternizada no livro das rochas einterpretada somente em tempo profundo. O conceito detempo profundo talvez tenha surgido da necessidadeconstante do homem de estabelecer uma idade para a Terra.A crescente complexidade das cincias geolgicas forouconstantes mudanas na referncia da idade de nossoplaneta desde alguns milhares de anos at os atuais einimaginveis 4,5 bilhes de anos.

    O estudo do tempo geolgico nasceu da busca pelacompreenso da idade das vrias camadas de rochasencontradas na Terra. A partir da constatao bsica deque existiam rochas mais jovens e rochas mais antigas,

    Jos Eduardo Figueiredo Dornelles

    Oincio23

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    desenvolveu-se uma srie de reas do conhecimentogeolgico, como a estratigrafia (rea da geologia que estudaas seqncias de camadas de rochas, com o objetivo dedefinir os processos e eventos que a determinaram) e apaleontologia (do grego palaios = antigo + logos = estudo),que cincia que estuda os fsseis ou restos e vestgios deorganismos mineralizados que existiram ao longo doregistro geolgico da Terra.

    A formao do planeta Terra:entendendo sua origem e constituio

    De acordo com muitos autores, a formao do Universoteve seu incio h aproximadamente 13 bilhes de anos eest ainda em expanso. O Sol, como parte desse Universo,tem papel muito importante na formao da Terra. Isso sed pelo fato de que infinitas nebulosas gasosas, quecomprovadamente se condensam na rbita do Sol, doorigem a novos planetas.

    Existe uma hiptese de que pequenos planetas com escalasemelhante da Terra, ainda incandescentes, poderiamassumir um comportamento, no qual deveriam colidir complanetas menores e incorpor-los sua massa, tornando-se gradativamente maiores. Sustenta-se a idia de que, nosintermitentes choques de meteoritos e agregaes de novospequenos planetas sua massa, cada vez maior, a Terrapossivelmente convertia a energia de tais eventos na formade calor. Sendo assim, centenas de graus promoviam afuso superficial dos materiais e a manuteno de umverdadeiro oceano de rocha fundida, uma espcie deoceano magmtico. Tal conspcuo oceano daria Terraum aspecto de esfera incandescente, se fosse vista doespao nesse perodo.

    Por volta de 4,3 bilhes de anos, a Terra iniciou umprocesso de resfriamento por meio do desprendimento degases e vapores. Dos vapores ocorrentes, havia um,

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    considerado importante para todas as atuais formas de vidada Terra: o vapor de gua. Presume-se que, por sua baixadensidade, o vapor de gua elevava-se e, medida que seafastava da superfcie magmtica, perdia calor e setransformava em gua lquida, precipitando-se em formade chuva. Embora os continentes ainda no existissem(pelo menos no modo como os visualizamos hoje), ointermitente processo de precipitaes promoveu nosomente um contnuo resfriamento da camada magmticana superfcie, mas tambm o acmulo de grandequantidade de gua. Sob essa interpretao, nosso planetatalvez tenha formado, ao longo desse processo, uma lminade recobrimento aquoso com profundidade mdia de 4mil metros. possvel que o resfriamento constante doplaneta tenha dado origem a grandes extenses de rochasbaslticas. Alm disso, a presena rara de rochas granticas(at o momento, a existncia de granito s confirmadana Terra) sugere que essas camadas baslticas tenham sidosubmetidas a uma nova fuso, ocorrida em grandesprofundidades. Estima-se que essa profundidade tenhaatingido dezenas de quilmetros abaixo da superfcieincandescente em resfriamento, e que a gua acumuladadesse resfriamento tenha se incorporado s massasbaslticas em reincluso, dando origem ao granito. Emoutras palavras, o granito tipicamente uma rocha terrestree no teria se formado sem a presena da gua.

    Uma pergunta que se torna pertinente no momento : quefenmeno explicaria a conduo das camadas baslticassuperficiais, mais a gua acumulada a dezenas dequilmetros abaixo da crosta terrestre? Sabe-se que ogranito, assim formado, exibe densidade menor que obasalto e, dessa forma, veio a emergir at a superfcie para,finalmente, dar incio origem das massas continentaisque, como hoje, encontrar-se-iam cercadas pelo entorecm-acumulado oceano primitivo. Constata-se que, jpor volta dos 4 bilhes de anos, fenmenos de tectnicade placas, que sero definidos mais adiante neste captulo,atuavam consumindo e gerando novos tipos de rochas:surgem, ento, os continentes.

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    Origem e mudanas dos seresvivos ao longo das eras geolgicas:a compreenso do tempo profundo

    As eras geolgicas constituem uma forma organizada econvencional, criada pela geologia, para que se possaentender a vertiginosa sucesso de rochas, por meio dacombinao espao veresus tempo. Os eventos geolgicos,responsveis por essas sucesses, so fenmenos naturaisde nosso planeta. possvel entend-los e interpret-losgraas s pistas deixadas sob a forma de registros.Os registros mais importantes so aqueles relacionados aformas de vida, as quais, ao longo do passado geolgico,pertenceram biocenose (conjunto de seres vivos de umecossistema) e, hoje, encontram-se inseridas e acumuladasnas rochas, fazendo parte da orictocenose (associaes defsseis). Nesse sentido, podemos entender o surgimento ea transformao sucessiva da vida em nosso planeta, pormeio de seus registros, os quais podemos chamar,analogamente, de o livro das rochas. Entender o livrodas rochas uma tarefa fantstica, pois, a cada letra, palavra,linha, pargrafo e captulos dessa enigmtica obra,desdobram-se no somente segundos, minutos e algumashoras, claramente dimensionveis para a vida humana,mas inimaginveis milhes de anos. Dessa forma,encontrar, classificar e correlacionar a vida passada de nossoplaneta torna-se uma tarefa difcil. Em outras palavras, nosomos uma espcie adaptada para perceber registros emuma escala de tempo muitas vezes superior quela prpriada histria da humanidade. Esse o desafio do tempoprofundo, termo usado por Charles Lyell em seu livroPrinciples of Geology e classificado como imensurvel eincompreensvel para o universo visvel ao ser humano(LYELL; SECORD, 1842). A geologia faz referncia aotempo profundo quando busca exemplificar intervalos detempo inimaginveis, ao longo dos quais os eventos geo-lgicos menos perceptveis tm a capacidade de alterarsignificativamente um continente inteiro.

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    Quando os primeiros fsseis (do grego fossilis = extradoda terra) foram encontrados, as interpretaes dadas a elesorbitavam dentro de uma concepo dogmtica, calculadapelo bispado da Igreja Anglicana, o qual se baseava noVelho Testamento, que postulava uma Terra com 6 milanos de idade. Tomava-se como referncia uma escala detempo baseada na genealogia das tribos de Israel. Faltava,at o momento, a viso de um tempo quase queinfinitamente profundo para a percepo dos sentidoshumanos.

    A imensa quantidade de registros encontrados nos vriostipos de rochas, principalmente naquelas consideradasfossilferas, manifesta as evidncias necessrias para quepossamos compreender que no somente a Terra, mastambm os seres vivos que nela habitam surgiram e vmconstantemente se modificando, gerando, com isso, umsucessivo, complexo e contnuo registro geolgico da vida.Os fsseis nos mostram que os fenmenos do passadogeolgico, responsveis pelo seu surgimento e constantemodificao, continuam agindo hoje da mesma forma. Pormeio do acmulo de milhes de anos de diversidadebiolgica (melhor dizendo, de paleodiversidade), foipossvel entender as constantes e lentas modificaes porque passaram muitas linhagens de organismos, originandocontinuamente novas espcies.

    A histria geolgica da vidae seus eventos mais importantes

    O perodo Pr-Cambriano se estendeu desde o incio daTerra (4,5 bilhes de anos) at aproximadamente 570milhes de anos atrs. Ao longo desse intervalo de tempo,a vida nos oceanos primitivos se modificou, e os seres poucocomplexos, microscpicos e pelgicos (que flutuavam pelasubsuperfcie ocenica) se tornaram os primeiros indivduosmais complexos, que hoje conhecemos como vermes.Ao longo do perodo Pr-Cambriano, ficaram registradosos eventos mais importantes da histria de nosso planeta:

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    a) os registros mais antigos dos movimentos das placastectnicas; b) o incio da vida na Terra, com o aparecimentodas primeiras clulas eucariticas; c) a formao daatmosfera tal qual a conhecemos; d) o registro dos animaise vegetais mais primitivos.

    O perodo Cambriano est compreendido entre 542milhes e 488,3 milhes de anos atrs, aproximadamente.Divide-se em Cambriano Mdio e Superior. Ao longo desseperodo, est registrada a maior paleodiversidade de todosos perodos, at o momento. Esse evento bem conhecidona paleontologia como exploso cambriana, em virtudedo tempo relativamente rpido com que essa paleo-diversidade de espcies surge. O Cambriano umimportante perodo para o entendimento da histria davida na Terra, pois, para a zoologia atual, serve como operodo de tempo em que a maioria dos grupos principaisde animais apareceram pela primeira vez na escalazoolgica, ou seja, no registro fssil. Os grupos zoolgicos,encontrados nas camadas desse perodo, mostraram umarica diversificao: aneldeos, artrpodes, braquipodes,equinodermos, moluscos, onychophordeos, esponjas epriapuldeos. Ao longo do Cambriano Superior, surgemos primeiros registros de braquipodes, trilobitas e equi-nodermos. Registra-se para esse perodo uma tendnciade diversificao das algas.

    O perodo Ordoviciano est compreendido entre 488,3milhes e 443,7 milhes de anos atrs, aproximadamente.Invertebrados marinhos diversos (trilobitas e braquipodes)so os grupos mais abundantes nas rochas desse perodo. Apaleogeografia era definida pelo Hemisfrio Norte quase queinteiramente submerso pelo oceano. As massas continentaisconcentravam-se ao sul sob a forma do supercontinente doGondwana. Seus sedimentos marinhos mostraram conterfsseis importantes de peixes primitivos, cefalpodes, corais,crinides e gastrpodes. Descobertas relativamente recentesde esporos preservados de plantas, similares queles de atuais

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    plantas primitivas terrestres, sugerem aos paleontlogosque elas teriam conquistado a Terra nesse perodo. Suasprincipais novidades estruturais, que viabilizaram suaexpanso terrestre, foram o aparecimento de razes,estruturas cuticulares e esporos resistentes ao resseca-mento ambiental.

    As extines em massa registradas ao longo doOrdoviciano Superior foram uma conseqncia doposicionamento do Gondwana no Plo Sul. Geleirasmacias tomaram forma, o que, segundo os registrosfossilferos, causou pro vavelmente a extino de muitosgneros conhecidos. No caso dos invertebrados marinhos,cerca de 25 % de todas as famlias foram extintas.

    O perodo Siluriano est compreendido entre 443,7 milhese 416 milhes de anos atrs, aproximadamente. Duranteo Siluriano, surgem as primeiras plantas terrestres dotadasde traquedeos e estmatos. Esse perodo foi especialmenteimportante para os vertebrados, at ento agnatos (semmandbula), pois marcou o registro dos primeirosgnatostomados (seres dotados de mandbula), por inter-mdio da descoberta de peixes mandibulados.

    O perodo Devoniano est compreendido entre 416 milhese 359,2 milhes de anos atrs, aproximadamente. Em suasrochas, encontram-se os primeiros registros de anfbios,plantas licopsdeas e as pr-gimnospermas.

    O perodo Carbonfero est compreendido entre 359,2milhes e 299 milhes de anos atrs. Esse perodoproporcionou condies ideais para a formao de carvo,alm de ter sido especialmente importante para a histriaevolutiva dos vertebrados. Foi nele que surgiu o ovoamnitico. Esse tipo de ovo, que surgiu inicialmente nosrpteis e depois nos antepassados dos pssaros e mamferosprimitivos (aplacentrios), revolucionou a forma dereproduo entre os vertebrados anamniticos (peixes eanfbios), que, at ento, dependiam da umidade am-biental (para evitar o ressecamento do embrio) para odesenvolvimento de seus ovos. Tal ovo permitiu, de certaforma, a ocupao de novos nichos ecolgicos, longe dos

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    cursos dgua, continente adentro. Importantes achadosde anfbios labirintodontes marcam a forte expanso dessegrupo nesse perodo. O ovo amnitico promoveu adisperso territorial dos rpteis. Suas formas mais basais,como os cotilossauros (rpteis-tronco), foram identificadasnesse perodo.

    O registro de temperaturas suaves durante o Carbonferopromoveu o declnio das licfitas e de alguns grupos de insetosgigantes. Alm disso, auxiliou na expanso de grandes florestasde plantas vasculares, como os licopsdeos, os esfenopsdeose as samambaias. Surgem nesse perodo os primeiros insetosalados. O Carbonfero dividido em Pensilvaniano (Car-bonfero Superior), identificado pelas grandes jazidas decarvo, e em Mississipiano (Carbonfero Inferior), marcadopor camadas de fsseis marinhos (corais, conodontes,crinides e briozorios).

    O perodo Permiano delimitado entre 280 e 245 milhes deanos. Mudanas climticas globais, como aridez crescente,contrastam radicalmente com as feies paleoclimticascaracteristicamente midas vistas no perodo Carbonfero.A paleodiversidade faunstica e florstica (marcada peladiversificao das gimnospermas) bem menos exuberantedo que aquela vista ao longo de todo o Carbonfero. A grandeexploso de diversidade observada nos anfbios do Carbonfero marcada por um relativo declnio ao longo do Permiano.Ademais, os rpteis tm sua supremacia marcadamenteascendente nesse perodo, at aproximadamente o final doMesozico. Grandes extines ao final do Permiano marcamo registro do desaparecimento de vrios grupos deinvertebrados e vertebrados, que haviam dominado durantetodo o paleozico.

    O perodo Trissico est compreendido entre 251 milhese 199,6 milhes de anos atrs, aproximadamente. Florestasde gimnospermas e samambaias gigantes so relativamenteabundantes nas formaes trissicas de todo o mundo.Licopsdeos, equisetales, cicadales, coniferales, gingkgoales

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    e cicadeoidales tm registros importantes ao longo desseperodo. Uma das caractersticas mais importantes doTrissico que nele surge um grupo importante devertebrados denominados de sinpsidos. Esses estorelacionados diretamente com as linhagens que deramorigem aos mamferos atuais. Durante o Trissico, estoregistrados, em seus sedimentos, os dinossauros maisantigos, denominados de prossaurpodos. Esse perodo conhecido pela configurao dos continentes na forma dosupercontinente de Pangea. Surgem tambm rvores degrande porte, como as conferas. O perodo Trissicofinalizou com a extino de algumas linhagens de verte-brados, como os dicinodontes. Presume-se que essasextines tenham resultado de fortes mudanas climticasque submeteram os paleoambientes a climas peridesrticos.

    O perodo Jurssico est compreendido entre 199 e 145milhes de anos atrs. Foi caracterizado por uma faunabastante variada. Os crustceos e os amonitas so os fsseisque diagnosticam esse perodo, em termos de abundnciae paleodiversidade. um perodo importante para o estudoda evoluo das aves, j que, na China, seus sedimentosocultam importantes achados de dinossauros aviformes(com penas). Praticamente todos os grupos de peixesmodernos j estavam presentes, bem como os anfbiosmodernos (lissamphibia) e os pequenos mamferosmarsupiais. As formaes jurssicas no Brasil so muitopouco preservadas, em virtude dos ambientes antigos desedimentao terem sido desfavorveis. A conseqnciadisso que, no Brasil, o registro fssil dessa idade no to abundante. A paleoflora e os padres climticos bemestabelecidos marcavam registros de gingkos, pinheiros eoutras espcies de conferas. Embora predominassem asgimnospermas, os estudos palinolgicos j registravamplens de angiospermas. Um processo crescente deseparao dos blocos continentais tratou de fragmentar oPangea. Esse padro tectnico durou aproximadamente100 milhes de anos, estendendo-se por todo o perodoJurssico e atingindo o perodo Cretceo.

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    O perodo Cretceo est compreendido entre 145,5 milhese 65,5 milhes de anos atrs, aproximadamente. Para abotnica, esse perodo tem singular importncia evolutiva,j que nele surgem as primeiras plantas com frutos asangiospermas , as quais deram origem a vrias fam-lias que hoje representam muitas plantas modernas.O aparecimento e a diversificao das angiospermasestimularam o surgimento e a diversificao de muitosgrupos atuais de insetos, como as formigas e as borboletas.

    Os moluscos cefalpodes (que constituem o grupo dosatuais polvos e lulas), os moluscos bivalves (representadosatualmente pelos mariscos e mexilhes), as esponjasmarinhas e os equinides (representados atualmente pelosourios-do-mar, bolachas e estrelas-do-mar) soabundantes nos sedimentos cretceos. As formaescretceas de corais eram homlogas s espcies atuais. Osmoluscos gastrpodes (lesmas e caracis) tm seusprimeiros registros nesse perodo. Quanto aos registros depeixes, observa-se uma constante diversificao em direoao fim desse perodo, fato esse corroborado pelosurgimento e derivao de muitos grupos de tubares epeixes sseos modernos. Os anfbios so representados pormeio de grupos de rs e salamandras que se originaramde linhagens primitivas de anfbios labirintodontes.

    Os Testudinata (tartarugas, cgados e jabutis) eram muitosemelhantes s formas atuais. No entanto, algumas formasmarinhas eram gigantescas, como Archelon, com 3 m dedimetro. Os Squamata (lagartos e serpentes modernos)surgem nesse perodo, e deles derivaram uma linhagemde lagartos aquticos marinhos de grande porte, como osplesiossauros. As condies climticas tropicais noscontinentes possibilitaram o desenvolvimento deecossistemas ideais para muitas famlias de crocodildeosde gua doce. Contrariamente, as formas marinhas decrocodilos entraram em forte declnio e desapareceramjuntamente com linhagens de grandes lagartos marinhos.Os arcossauromorfos (dinossauros, pterossauros e aves)

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    encontravam-se em franca diversificao, de formaque, dessas linhagens, apenas as aves deixaram repre-sentantes atuais.

    O fim do perodo Cretceo foi marcado por uma dasmaiores e mais fantsticas extines em massa. O assimdenominado evento ou intervalo K-T foi diagnosticadopor meio de uma teoria catastrfica. Evidncias geolgicasmarcadas por nveis anormais de irdio apontam para apossibilidade da queda de um grande meteorito na regio,onde hoje se encontra a Pennsula de Yucatn, no Mxico.Tal evento teria suspendido quantidades colossais desedimentos (poeira) na atmosfera. Essa poeira teria cobertoa Terra, evitando a passagem dos raios solares: fato queacarretaria um crescente resfriamento da superfcie doplaneta. Presume-se que isso teria sido capaz de levar nossoplaneta a uma espcie de Era Glacial forada. Logo, osorganismos produtores foram impedidos de realizar seusprocessos fotossintticos, entrando em um forte declnio,o que, conseqentemente, causou a extino de muitaslinhagens. Logicamente, a inevitvel quebra do equilbriodas relaes trficas entre os produtores e consumidores,em face da insuficiente incidncia solar, promoveu aextino de, aproximadamente, metade de todas aslinhagens animais (entre elas os dinossauros, os grandeslagartos marinhos, vrias linhagens de pssaros arcaicos,os amonitas e a maioria dos cefalpodes belemnites,moluscos e muitos microrganismos). Em meio a todasessas adversidades ambientais de dimenses catastrficas,os mamferos primitivos (marsupiais e monotremados),de alguma forma, sobreviveram e viabilizaram adiversificao e a manuteno de todas as linhagens atuaisde mamferos placentrios.

    A Era Cenozica iniciou h cerca de 65,5 milhes de anos e seestende at a presente poca (Holoceno). O nome cenozicoprovm de duas palavras gregas que significavam vidarecente. Essa era divide-se em dois perodos principais: oTercirio e o Quaternrio. O mais antigo (o Tercirio)

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    subdivide-se nos perodos Palegeno (com incio h 65milhes de anos e trmino h 24 milhes de anos) e Negeno(com incio h 24 milhes de anos e trmino h 1,8 milhode anos). J o Quaternrio subdivide-se nas pocas Pleistoceno(com incio h 1,8 milho de anos e trmino h 11 mil anos)e Holoceno ou recente, com data inferior a 11 mil anos.O perodo Palegeno subdivide-se em trs pocas: Paleoceno,Eoceno e Oligoceno. O perodo Negeno subdivide-se emMioceno e Plioceno. A Era Cenozica foi marcada peloaparecimento de 28 ordens de mamferos, das quais 16 aindafazem parte da atual classe Mammalia. Ao longo doPleistoceno, registros importantes de considerveis eventosglaciais, principalmente no Hemisfrio Norte (evidncias deatividades de glaciao de magnitudes menores tambm foramobservadas no Hemisfrio Sul), deram a esse perodo adenominao popular de Era do Gelo. Com relao evoluo humana, os registros mais antigos do gnero Homodatam de sedimentos do Pleistoceno (cerca de 450 mil anos).Alm de fsseis humanos, esse perodo contempla achadosimportantssimos de fabulosos mamferos. Entre os achadosmais comuns, figuravam os mastodontes e mamutes,ancestrais gigantes das preguias (megatrios), tatus gigantes(gliptodontes), felinos como os tigres-dentes-de-sabre (Smilodon)e os toxodontes, grandes mamferos notoungulados comhbitos semelhantes aos dos atuais hipoptamos. A ocupaode novos hbitats marcou no s o predomnio, mas tambma radiao adaptativa das angiospermas.

    A teoria de Wegener:estariam os continentes deriva?

    Essa pergunta, aparentemente simples, tem um enormesignificado na histria do homem. As primeiras civilizaesque obtiveram o domnio tecnolgico das cinciascartogrficas provavelmente tiveram a sensibilidade deperceber que, de certa forma, o contorno dos continen-tes era contguo, ou seja, tinha tudo para se encaixar

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    perfeitamente, como se fosse um enorme quebra-cabeamundial. Antnio Pellegrini, um pesquisador do sculo19, em suas investigaes, postulou empiricamente queos continentes teriam sido interligados em um passadogeolgico, separando-se a posteriori.

    Notvel foi o trabalho do cientista alemo Alfred LotharWegener, que, em 1912, retomou as hipteses de Pellegrini,aprofundando-se nessa idia ao basear seu modelo de derivacontinental em fundamentos geofsicos e no somente noempirismo visual do contorno contguo dos blocos continentais.Ao final dos anos de 1950, a teoria da tectnica global ganhacorpo a partir de estudos feitos no assoalho rochoso do OceanoPacfico. A descoberta de anomalias magnticas, relacionadasa atividades de extruso de lavas vulcnicas submarinas, trouxesubsdios fundamentais para corroborar a hiptese de que oassoalho ocenico expandia-se, em virtude de fenmenos deconveco ocorrentes nas camadas do manto. Os nveis maisinferiores do manto terrestre teriam uma temperatura bemmais elevada. Isso acarretaria um processo ascensional a partirda rea de maior temperatura. Esse fluxo ascensional de lavaocorreria pela prpria caracterstica fsica que a torna menosdensa. O material ascendente, ao atingir os nveis maissuperiores (posicionados logo abaixo da crosta), logicamentese resfriaria e, ao tornar-se mais denso, assumiria um sentidodescendente, como um ciclo clssico de correntes de conveco.O fluxo magmtico descendente seria, em tese, reconsumido(ou reaquecido), tornando novamente a ascender, retro-alimentando o sistema de conveco. O somatrio dessas forascolossais seria capaz de afastar placas ocenicas e continentaisa partir da ao sob suas bases, ou fazer com que placas sechocassem. Fundamentalmente, esse processo, como um todo,afastaria ou aproximaria continentes inteiros, afetandolentamente padres climticos em escala continental.A influncia desses fatores sobre a fauna e a flora seria demagnitudes globais, visto que, guardadas as devidas escalas detempo geolgico, seriam capazes de remodelar a geografia fsicade continentes inteiros.

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    Alm das constataes geofsicas, ou mesmo das de cartermais emprico, uma outra rea do conhecimento humanosomou-se na corroborao dos fenmenos envolvidos natectnica de placas e deriva continental: a paleontologiaou o estudo dos fsseis. A partir dos estudos degeocronocorrelao entre formaes geolgicas que tinhamcontinuidade intercontinental, foi possvel observar quefsseis de animais e plantas eram encontrados emcontinentes afastados por distncias ocenicas. So muitosos exemplos registrados pela paleontologia. Um dos maisclssicos envolve os mesossaurdeos, que eram rpteis depequeno porte que habitavam os mares epicontinentaisao longo do Permiano. Esses pequenos vertebradosocorrem em duas importantes formaes geolgicaspermianas mundiais: a Formao Irati, no Brasil, e aFormao Whitehill, na frica do Sul. A ocorrncia dessesmesossaurdeos em continentes intercalados pelo OceanoAtlntico corrobora a hiptese de que, no passadogeolgico, frica e Amrica do Sul estavam muitoprximas.

    Literatura recomendadaCARVALHO, I. S. Paleontologia. Rio de Janeiro: Intercincia, 2000. 628 p.

    GOULD, S. J. Seta do tempo, ciclo do tempo, mito e metfora na descoberta do tempo geolgico.So Paulo: Companhia das Letras, 1991. 222 p.

    HOLZ, M. Do mar ao deserto: a evoluo do Rio Grande do Sul no tempo geolgico. PortoAlegre: Ed. UFRGS, 1999. v. 1. 142 p.

    HOLZ, M.; SIMES, M. G. Elementos fundamentais de tafonomia. Porto Alegre: Ed. UFRGS,2002. 231 p.

    LIMA, M. R. Fsseis do Brasil. So Paulo: EDUSP, 1989. 119 p.

    LYELL, C.; SECORD, J. A. Principles of geology. London: Penguin Classics, 1842. 528 p. Sugestespara leitura

    MENDES, J. C. Paleontologia bsica. So Paulo: EDUSP, 1988. 347 p.

    TEIXEIRA, W.; TOLEDO, M. C. M.; FAIRCHILD, T. R.; TAIOLI, F. (Ed.). Decifrando a Terra.So Paulo: USP Oficina de Textos, 2003. 558 p.

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    A sndrome que deu certo

    DD omesticaodas plantas37

  • Foto: Eugenio Barbiere

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    A domesticao das plantas tem um relacionamento diretode interao com o homem, pois um processo queenvolve mudanas mtuas entre os dois grupos. Essasmudanas determinaram uma dimenso diferente dentroda evoluo dos vegetais, bem como despertaram a atenode muitos autores ao longo dos anos, principalmente pelamultidisciplinaridade do assunto (envolvendo antro-pologia, arqueologia, bioqumica, gentica, geografia,lingstica, biologia molecular, fisiologia, sociologia ebotnica sistemtica). Alm disso, pode ser consideradacomo um dos processos mais importantes relacionadoscom a histria dos seres humanos no planeta, por terpermitido ao homem a possibilidade de selecionar e,posteriormente, cultivar espcies para o seu prprioconsumo. Sendo assim, a domesticao das espcies foidecisiva na mudana do comportamento humano e, dessaforma, pode ser considerada um pr-requisito para osurgimento das civilizaes.

    Maria Jane Cruz de Melo SerenoPaula Wiethlter

    Tatiana de Freitas Terra

    D omesticaodas plantas39

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    Vrios conceitos j foram descritos para o termodomesticao, tais como: um processo mediado poradaptaes morfolgicas e auto-ecolgicas na planta e pormudanas no comportamento humano (RINDOS, 1984);um processo evolutivo operando sob a influncia deatividades humanas (HARLAN, 1992); um processo deseleo gentica que, por alterar traos chaves, trans-forma formas silvestres em variedades domesticadas(SALAMINI et al., 2002), entre tantos outros. Entretanto,de maneira geral, pode-se dizer que a domesticao dasespcies um processo de modificao do gentipo demaneira contnua, evolutiva, efetuado inconscientementepelo homem (EVANS, 1993) e de forma relativamenterpida. Nos ltimos anos, foram desenvolvidos modelosmatemticos baseados em estimativas empricas decoeficientes de seleo, os quais indicam que a domesticaode uma espcie no necessariamente necessita de centenasou milhares de anos, e sim que pode ocorrer em torno de20 a 100 anos (HILLMAN; DAVIES, 1990).

    Diversos trabalhos tm identificado QTLs (QuantitativeTraits Loci) associados com o processo de domesticao.No geral, os resultados encontrados indicam que asgrandes mudanas observadas entre uma espcie silvestree uma espcie domesticada correspondente so decorrentesde mudanas em poucos genes, ou seja, a ocorrncia deseleo em poucos genes suficiente para promover grandesmudanas (WRIGHT et al., 2005; HANCOCK, 2005).A fixao dessas mudanas de maneira relativamente rpidapoderia ser explicada pela localizao prxima dos QTLsassociados com os caracteres da domesticao. Isso porquea proximidade dessas associaes de genes poderia reduzira quantidade de segregao entre esses genes importantesna adaptao (HANCOCK, 2005).

    Contudo, pode-se definir que a domesticao das plantas um processo evolutivo, constitudo de inmeras mudanasgenticas e morfolgicas, que podem ser percebidas a partirde modificaes comportamentais humanas, as quais esto

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    diretamente relacionadas com o desenvolvimento daagricultura de subsistncia (cultivo), efetuada, primariamente,pelo grupo dos caadores-coletores.

    Evans (1993) descreveu alguns conceitos relacionados aocultivo, tais como: o hbito de desenvolver plantas paraprprio uso (BRONSON, 1977 citado por EVANS, 1993);o particular e persistente interesse por uma cultura,implicando em maior envolvimento humano (HELBAEK,1969 citado por EVANS, 1993). O autor conclui que adomesticao envolve aquelas modificaes que conferemadaptao s condies da agricultura, distinguindo daadaptao a novos ambientes.

    A domesticao tem o marco inicial na ao dos homensprimitivos, os quais, inicialmente, eram considerados seresignorantes e indolentes, mas que recentemente emvirtude de estudos arqueolgicos passaram a serconsiderados como profissionais primitivos. Essa alteraona denominao dos ancestrais ocorreu por causa de umasrie de consideraes, tais como o grande nmero deferramentas desenvolvidas, nmero de espcies coletadas(em torno de 2.500 espcies de plantas superiores), almdo amplo conhecimento em relao ao ciclo de vida dasplantas, como o florescimento, a frutificao e a colheita.A coleta das espcies, de maneira geral, no era realizadade qualquer maneira, e sim seguindo alguns critrios, taiscomo facilidade de coleta (sementes que apresentavamtamanhos maiores, mais gros por espiga e inflorescnciamais compacta) e de transporte (facilidade de debulha,considerando a disponibilidade para o estoque). Pro-vavelmente, a coleta intensa de espcies, seguida por ummanejo elementar, pode ter resultado na modificao dealgumas populaes, sugerindo, dessa forma, que adomesticao tenha precedido o cultivo. importantedestacar que os termos domesticao e cultivo no sosinnimos, j que a domesticao envolve mudana naresposta gentica, transformando formas silvestres emdomesticadas, enquanto o cultivo relaciona-se intimamente

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    com a atividade humana de plantio e colheita, tanto naforma silvestre quanto na domesticada (SALAMINI et al.,2002). Alm disso, a domesticao nem sempre evolui emrelaes agrcolas (RINDOS, 1984).

    Existem diversos fatores que tentam explicar o que levouos caadores-coletores a mudar o seu estilo de vida e,definitivamente, dar incio domesticao das espcies.Entre eles, esto as mudanas climticas ocorridas no finaldo perodo Pleistoceno, as quais foraram no somente aconcentrao de homens e animais em osis, comotambm a existncia de sincronia durante as mudanasclimticas e culturais e a evoluo gradual, irregular eindependente em diferentes ambientes (EVANS, 1993).

    Rindos (1984) classificou o processo de domesticao em,pelo menos, trs formas: incidental, especializado eagrcola. A domesticao incidental resultado da seleoinconsciente de algumas plantas sobre outras, por causado consumo humano (sociedade no-agrcola). A interaocoevolutiva com os humanos fez com que certos caracteresmorfolgicos de algumas plantas tivessem uma vantagemseletiva sobre os caracteres das outras plantas, por meioda presso de seleo exercida com a atuao do homem.O resultado no estabelecido por tcnicas agrcolasespecializadas, e as mudanas na morfologia so con-sideradas de baixo impacto. Alm disso, a domesticaoincidental considerada como uma relao que preservae promove uma relao conservativa e tradicional entre oshumanos e o ambiente. Esse tipo de domesticao ocorrequando a agricultura fornece a forma primria de subsistnciapara uma sociedade.

    A evoluo das primeiras plantas domesticadas determinada pela domesticao especializada e permiteque diferentes tipos de interaes de ambiente e pessoassejam estabelecidos. Possivelmente, a fundamental novidadeseja a mudana no comportamento do agente. O homem oagente de disperso das plantas, e as comunidades de plantasdomesticadas eram estabelecidas em reas onde as pessoas

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    viviam. Esse fator tambm determinante para que hajaum padro de sucesso entre as espcies que possuem ouso intensificado. Essas espcies domesticadas esto, dessaforma, sob ao de foras seletivas de grande importnciaevolutiva e apresentam mudanas morfolgicas maismarcantes. Nesse tipo de domesticao, os humanostornam-se suficientemente dependentes de determinadasplantas para a sua sobrevivncia, assim como a sobrevi-vncia de algumas plantas torna-se dependente doshumanos, em algumas regies. Intensificando o sucessodesse relacionamento coevolutivo, um relacionamentoespecializado entre humanos e suas plantas domesticadasincidentais criado, de forma que se estabelea um sistemaagroecolgico primrio. Nesse tipo de domesticao, aproteo, a armazenagem e o plantio tornam-se variveiscomportamentais fundamentais.

    A domesticao agrcola a conseqncia imediata docomportamento humano e da evoluo dentro do sistemaagroecolgico. A manipulao ambiental humana (fogo,irrigao e sistemas de lavoura) auxiliou o estabelecimentoda agroecologia, a qual formou um complexo onde asplantas daninhas comearam a se desenvolver. As plantasdaninhas, tambm denominadas inos, agem comooportunistas e parasitam a interao existente entre oshumanos e as espcies domesticadas coevoludas. importante ressaltar que a domesticao agrcolarelaciona-se com o estabelecimento e o refinamento dossistemas de produo agrcola, mas no resulta no fim dosoutros dois modos de domesticao. Alm disso, assimcomo na domesticao incidental, a domesticao agrcola um processo que ainda est em andamento e apresentacomo tendncia atual o aumento da produtividade.

    Em uma anlise resumida, possvel inferir que adomesticao incidental seja uma conseqncia direta daalimentao humana. A domesticao especializada ocorrequando as pessoas afetam o ambiente de maneira tal que,indiretamente, beneficiam as plantas domesticadas.

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    A seleo das caractersticas na planta, que permitem odesenvolvimento de um processo simbitico entrehumanos e plantas, confere o incio do sistema agrcola defato, estabelecendo a domesticao agrcola.

    O processo de simbiose que se estabeleceu entrepopulaes de plantas e animais, facilitado pelo apare-cimento de caractersticas adaptativas dentro da primeirapopulao, bem como por modificaes no comporta-mento da ltima. As plantas recebem presso seletivarelacionada aos humanos e tambm ao ambiente. As mu-taes ocorridas nas plantas devem ser necessariamenteteis ao comportamento humano modificado graas competio que acaba por excluir os tipos menosadaptados a esse relacionamento. Por fim, a domesticaoafeta a planta em todos as fases do seu ciclo de vida(RINDOS, 1984).

    No mundo todo, existem em torno de 200 mil espcies deplantas silvestres, das quais aproximadamente 100produziram espcies domesticadas de grande importnciaeconmica (DIAMOND, 2002). Segundo Evans (1993), amaioria das espcies domesticadas pertence a um pequenonmero de famlias (2.489 espcies domesticadas pertencendoa somente 173 famlias). Alm disso, a proporo de espciesdomesticadas varia consideravelmente entre as famlias.Outro fator importante que a grande parte das espciesest distribuda em oito famlias principais, que so: gramneas(poceas), leguminosas, rosceas, solanceas, asterceas,mirtceas, malvceas e cucurbitceas. Dessa forma, com basenesses dados, surge uma pergunta: por que somente certasplantas foram domesticadas? As formas ancestrais dasespcies cultivadas so denominadas prottipos silvestrese teriam sido domesticadas por se comportarem como espciescolonizadoras, ou seja, inos ecolgicos, os quais soincapazes de competir num hbitat silvestre, porm adaptam-se bem em hbitats abertos, onde a competio mnima.Entretanto, importante ressaltar que o prottipo silvestreno pode ser o ancestral direto da espcie cultivada.

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    Considera-se que espcies silvestres e espcies cultivadasevoluram em paralelo, que hibridizam com freqncia,apresentando introgresso de genes, porm com fluxognico limitado. Alm disso, podem ser encontradasfacilmente no mesmo ambiente. Um exemplo claro podeser observado com o milho (Zea mays) e o ancestral teosinto(Zea mexicana). A espcie ancestral encontrada navegetao silvestre no oeste central do Mxico (centro deorigem da espcie) e tambm como invasora nos camposde milho (HAWKES, 1983).

    O homem primitivo, ao alterar o hbitat em que vivia,propiciou a invaso de plantas que se adaptavam a essesnovos ambientes. Com isso, surgiram as plantas invasorasou inos, que, com a provvel domesticao, deram origems plantas cultivadas. Nesse novo sistema, surgiram osinos relacionados s cultivadas, ou seja, ancestrais oudescendentes das cultivadas geneticamente relacionados,formando o complexo silvestreinocultivada, antesinexistente. Esses inos podem ter dado origem plantacultivada ou podem ser derivados da hibridizao entre aplanta silvestre e a cultivada. O fluxo gnico, nessecomplexo, at hoje influencia na introgresso de caracteresdos inos para as plantas cultivadas. O fluxo inverso(cultivadaino) faz com que o ltimo fixe caracteres deinteresse ecolgico, mas mantenha a debulha natural, queo permite sobreviver sem a interferncia humana.

    A sndrome da domesticaoA sndrome da domesticao pode ser definida como oresultado do processo de domesticao das plantas, o qualresulta na modificao das caractersticas originais. Essasmudanas tm sido determinadas como as diferenasexistentes entre plantas silvestres e domesticadas, semignorar muitos exemplos de espcies cultivadas quepossuem caractersticas similares aos seus ancestraissilvestres e, muitas vezes, a perda total da ligao entre as

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    duas populaes. Darwin com sua teoria da variaoparalela anloga e Vavilov com as sries homlogasreconheceram essas caractersticas comuns nos gruposdomesticados de plantas e nas mudanas com adomesticao, apesar do ltimo descrever a perda deligao entre as plantas silvestres e as plantas cultivadas.Contudo, pode-se admitir que uma identificao dascultivadas modernas com seus ancestrais permaneceplenamente possvel, uma vez que o prprio Vavilovdefiniu que grande parte dessa perda encontrou um meiode retornar a seu relacionamento ancestral.

    Amplamente listadas, as diferenas existentes nas plantasdomesticadas em relao s silvestres so consideradasparalelas ao envolvimento humano com o seu cultivo. Issodeliberadamente muito complexo, uma vez que aformao das sociedades envolve uma srie de fatores, entreeles os padres culturais. Entretanto, o cultivo de umaespcie em particular determina a domesticao como umimportante processo evolutivo das plantas, ainda que estepossa ter decorrido de seleo consciente ou inconsciente.

    As principais caractersticas envolvidas com a sndromeda domesticao so descritas em Evans (1993) e estoresumidas a seguir:

    1) Supresso do mecanismo de disperso de sementesA perda do mecanismo de disperso natural das sementesdos cereais determinada como a principal modificaoentre as populaes domesticadas e seus ancestraissilvestres. Mais surpreendente o fato de o carter sercontrolado por um nico ou por poucos genes muitasvezes alelos recessivos. Um excelente exemplo o caso domilho, que apresenta uma arquitetura de planta totalmentediferente do teosinto (provvel ancestral), sob controle deapenas cinco locos distintos. No caso do arroz, a retenodas sementes tem sido encontrada sob controle de doisalelos recessivos.

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    Essa caracterstica, adquirida aps a domesticao, tornouas plantas cultivadas inteiramente dependentes do homem.Em algumas culturas, a perda desse mecanismo irre-levante, permanecendo a forma original de disperso dassementes. Algumas espcies de forrageiras cultivadas sobons exemplos, visto que a debulha natural umacaracterstica desejvel para a manuteno das espcies sema necessidade de nova semeadura.

    2) Modificaes de forma: alometria e condensaoUm exemplo clssico de mudana na forma por causa dadomesticao o grupo de hortalias originado da couvesilvestre (Brassica oleracea): brcolis, couve-flor e couve-de-bruxelas, entre outras. Dentro de uma nica espcie,mudanas nas folhas, razes, inflorescncias originaramformas distintas por intermdio da seleo, entretantoexistem pesquisadores que sugerem que diversas espciessilvestres tenham dado origem a diversas formas do-mesticadas.

    A intensificao seletiva de alguns rgos geralmenteresultado de uma modificao na alometria, com maiorfracionamento de assimilados nos primeiros estdios dedesenvolvimento daqueles rgos. Um exemplo disso foiobservado na beterraba, na qual o dimetro do hipoctilodas plntulas funciona como um marcador eficiente paraindicar o tamanho da raiz e sua produo.

    O processo de condensao tambm foi referido, como oencurtamento de ramos e entrens, levando rgos muitodispersos a estruturas mais compactas. Exemplos extremosde condensao so observados na espiga do milho e nanica inflorescncia terminal nos girassis. Em ambos, asformas silvestres possuam pequenas inflorescncias sobremuitos ramos. Dessa forma, o processo de condensaoconduziu ao desenvolvimento de estruturas consideradasaberrantes no ambiente silvestre.

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    3) Germinao mais rpida e uniformeUma germinao mais demorada e a presena de sementesmais duras so caractersticas comuns e adaptativas dasplantas silvestres, sendo indesejvel para plantascultivadas. Para Ladizinsky, citado por Evans (1993), aseleo para germinao mais rpida foi quase um pr-requisito para a domesticao de lentilhas, reduzindo acompetio entre as plantas.

    Por sua vez, a dormncia pode ser um fator adaptativo naagricultura. Alguns cereais se desenvolvem sob condiesde umidade e, nesse caso, certo grau de dormncia entreas sementes desejado, a fim de evitar perdas de gros.

    A germinao pode ser modificada por outros meios. Umamudana vantajosa e essencial est no fato de as sementesde algumas espcies cultivadas no apresentaremnecessidade de exposio luz para sua germinao,diferentemente de seus ancestrais silvestres.

    4) Sincronismo no florescimento e na maturaoA maturao, quando est condicionada a um longoperodo de tempo, pode ser uma vantagem para plantassilvestres, ao contrrio das cultivadas, nas quais auniformidade para maturao e florescimento, prova-velmente, tenham sido intensificadas pela seleo humanaindireta. Como exemplo, pode ser citada a sincronia deamadurecimento no arroz e de florescimento no trigo.A ausncia de sincronismo em espcies do gnero Coix um indicativo de domesticao parcial.

    5) Mudanas bioqumicas (perda de substncias amargase txicas)A proteo fsica de algumas espcies (por exemplo, emgramneas) um obstculo que pode mais facilmente serultrapassado pelo homem, ao contrrio da presena decompostos qumicos, que reduzem drasticamente opotencial nutritivo de algumas culturas, bem como autilizao de suas sementes.

    Inmeras plantas silvestres apresentavam elementostxicos nos gros, nos frutos e nas sementes, como proteo

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    contra a predao, tornando necessrio algum tipo detratamento especial e/ou cozimento para alimentaohumana. Embora apresentassem essas desvantagens, muitasdelas eram reconhecidas como candidatas perfeitas domesticao. correto afirmar que a toxicidade evoluiucomo um sistema de proteo para rgos com grandeestocagem nutritiva e pode ter sido intensificada por seleoinconsciente em muitas culturas.

    6) Gigantismo de rgosO gigantismo de rgos foi provocado por seleo deestruturas maiores e por eventos de poliploidizao dealgumas espcies. Desempenhando um papel significantejunto s outras caractersticas concomitantes da do-mesticao, essa modificao em partes das plantas querecebem especial ateno na utilizao humana pode serdeterminada como um fator pr-adaptativo para oprocesso em si. O aumento no tamanho das sementes um dos primeiros estgios de domesticao ocorrido emmuitas leguminosas, assim como o aumento nos grosdentro dos cereais ocorreu de maneira bem menospronunciada. Vavilov (1945) identificou que o aumentono tamanho das sementes podia ser reflexo de adaptaoambiental, em vez de domesticao per se.

    Diversas mudanas correlacionadas tm sido atribudas aesse aumento nos rgos principais das plantas em virtudeda domesticao. Exemplos como o aumento no peso degros do trigo e o aumento da rea foliar demonstram certoparalelismo. Muitas vezes, esse paralelismo associado adistintos nveis de ploidia, entretanto existem evidnciasde que, no feijo, o tamanho celular e das sementes possaser um evento estreitamente relacionado, sem denotardiferenas na ploidia.

    Em muitos casos, como em cana-de-acar e no peso desementes de ervilha, o tamanho das clulas e o nmero declulas so importantes. Sendo assim, o dimetro dasclulas tem, presumivelmente, estado sob forte presso deseleo, resultando em diferenas adaptativas entre as

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    variedades crioulas, com alta herdabilidade para o carter,mas pouco associado a diferenas nos nveis de ploidia.Uma grande proporo das plantas domesticadas poliplide, como o trigo, a aveia, o algodo, o fumo, entreoutras. O gigantismo ocasionado pela poliploidiacertamente chamou a ateno do homem primitivo, queselecionou parte dessas plantas para a domesticao.

    7) Ciclo de vida e sistemas de hibridaoO ciclo de vida de muitas espcies cultivadas tem sidoreduzido de perene para anual durante a domesticao,embora muitos ancestrais silvestres tenham sido identificadoscomo anuais. O gnero Gossypium caracterizado por serantigo e de arbustos perenes. As espcies cultivadas sodo tipo anual e desenvolvidas sob domesticao. Issopermitiu que o algodo fosse cultivado alm da zonatemperada, onde anteriormente seu cultivo era restrito.

    Uma generalizao comum no processo de domesticaoparece estar na troca da fecundao cruzada para auto-fecundao. Embora o milho, o centeio, o milheto, o sorgo,por exemplo, permaneam com fecundao cruzada,parece haver uma relao positiva entre estabilidade naproduo de frutos e sementes de plantas cultivadas,quando elas esto sob autofecundao (SMARTT, 1997).Esse sistema reprodutivo independe de outras plantas,ventos e insetos para sua sobrevivncia. Esse carter deveter sido importante para as plantas e para o homemprimitivo. Alm disso, a reteno da fecundao cruzadadesempenha um importante papel evolutivo em algumasespcies cultivadas, pois permite a elas a introgressocontnua com seus parentes silvestres.

    Com a domesticao, observada uma reduo naesterilidade das flores, bem como um aumento da fer-tilidade e do conjunto de sementes, no caso dos gros;entretanto, algumas espcies cultivadas com reproduovegetativa tm levado a uma reduo no florescimento ena esterilidade. Nesse caso, os programas de melhoramento

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    vm atuando em hibridizaes com espcies relacionadaspara aumentar a variabilidade gentica desse pool gnico.

    As origens da agriculturaA histria da agricultura complexa porque no existemregistros escritos sobre como e quando a agricultura comeou.Tudo o que se sabe est baseado em evidncias circunstanciais,em concluses extradas de registros arqueolgicos. SegundoHawkes (1983), a agricultura teve vrias origens diferentes,mais ou menos no mesmo perodo, e nasceu, provavelmente,de uma necessidade dos povos de se fixarem em um local,deixando de ser nmades. O fato que h milhares de anos,de maneira instintiva e, provavelmente, inconsciente, ohomem primitivo passou a prestar mais ateno no queocorria a sua volta e descobriu que no havia mais necessidadede mudar de ambiente para se alimentar, e que poderia passara cultivar o alimento prximo a sua moradia, tornando-a,ento, fixa. interessante destacar que, por causa docompromisso com a caa e dos cuidados com o rebanho, provvel que boa parte da agricultura tenha sido desenvolvidapela mulher.

    Existem algumas hipteses que tentam explicar como aagricultura comeou. Uma das hipteses mais conhecidase aceitveis a hiptese conhecida como monte de lixo(ENGELBRECHT, 1916 citado por HAWKES, 1983), a qualsupe que o homem primitivo, aps chegar de sua coletade alimento (sementes e razes), descartava os restos aoredor de suas moradias, onde continuamente eradepositado lixo. Esse lixo enriquecia o solo, permitindoque aquelas plantas, com caractersticas de inos,colonizassem, sem competio, as reas prximas smoradias, as chamadas cozinhas primitivas. Esses locais,provavelmente, apresentavam estaes bem definidas,favorecendo o desenvolvimento dos inos que ali eramdepositados. Com isso, o homem teria percebido que no

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    havia mais a necessidade de buscar o alimento to longe,quando poderia cultiv-lo prximo s suas habitaes.Segundo o autor, no teria ocorrido um planejamento, ouseja, foram as circunstncias que levaram por si s ao inevitveldesenvolvimento. Essa mesma hiptese tambm foi descritamais tarde por Sauer (1952). Entretanto, alguns fatos nopodem ser explicados por essa teoria. Entre eles, destaca-se aseguinte questo: por que somente um nmero to baixo deespcies foi domesticado, considerando-se milhares deespcies de inos que, provavelmente, colonizaram as regiesprximas s moradias?

    Alm dessa teoria, muitas outras j foram desenvolvidas,como as descritas por Harlan (1992), que atribui odesenvolvimento da agricultura a causas divinas ereligiosas, ao estresse causado pela presso exercida peloaumento populacional em determinados locais, e ainda auma teoria sem modelo algum. Esta ltima sugere quealgumas plantas possam ter sido domesticadas segundouma teoria, enquanto outras seguiram outro modelo, nohavendo, portanto, a existncia de um modelo universal.

    Existem evidncias indicando que as plantas terrestresevoluram em torno de 700 milhes de anos atrs(HECKMAN et al., 2001), que o perodo de habitao dohomem no planeta de 6 milhes de anos (DIAMOND,2002) e que a agricultura teria iniciado em torno de 5 mila 10 mil anos atrs (DIAMOND, 2002; ERICKSON et al.,2005). Diante desses fatores, surge uma questo: por quea agricultura foi desenvolvida to tarde considerando anossa histria evolutiva? Vrias hipteses buscamdesvendar essa incgnita. Segundo Sauer (1952), para oestabelecimento da agricultura, havia necessidade de umaforma de existncia estvel, fixa em determinado local, demodo que o homem pudesse desenvolver uma relao comas plantas que passaria a cultivar. Outra hiptese sugereque o fator decisivo para o desenvolvimento da agriculturateria sido uma dramtica mudana climtica (FLANNERY,1973 citado por HAWKES, 1983) que teria resultado na

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    fixao das comunidades em locais determinados, somadosa mudanas na organizao poltica e social. Entretanto,Hawkes (1983) apresenta citaes discordando da ocorrnciade mudanas ambientais de grande impacto para esseperodo. De fato, as verdadeiras causas que justificam osurgimento da agricultura em um perodo to tardio nahistria cultural humana no esto ainda bem definidas, mas provvel que um dos fatores mais decisivos tenha sido amudana na percepo e no comportamento humano.

    A hiptese descrita por Engelbrecht (1916), citado porHawkes (1983), apia fortemente os chamados pr-requisitos para a origem da agricultura, que so:

    1) Climticos: necessidade de reas com estaes bemdefinidas.

    2) Ecolgicos: as espcies domesticadas eram inos, ouseja, espcies oportunistas e colonizadoras que facilmentese adaptaram ao ambiente prximo s moradias humanas,o qual foi alterado pelo homem (que fez do solo umambiente altamente nutritivo e sem competio).

    3) Taxonmicos: o nmero de famlias com espciesdomesticadas extremamente baixo, porm todas tinhamcaractersticas de inos.

    4) Fisiolgicas: as espcies domesticadas apresentamgrandes quantidades de reserva (sementes, razes etubrculos), o que favorecia o homem primitivo, poispermitia a reserva de alimentos para a sobrevivnciadurante as longas estaes de seca.

    A agricultura pode ser dividida em duas fases distintas: apr-agricultura e a agricultura de fato. A pr-agricultura podeser dividida em trs estgios (HAWKES, 1983), que so:

    1) Colonizao: caracterizado pela colonizao de reasabertas por plantas silvestres, com tendncias a inos.

    2) Colheita: caracterizado como um processo maisordenado, baseado no conhecimento da planta. Nesse

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    estgio, os gros so colhidos regularmente em locaisdeterminados e, provavelmente, com seleo de mutantes,visando ao aumento da produo e palatabilidade. Nessesdois primeiros estgios, os povos ainda no estocavamsementes para o ano seguinte.

    3) Plantio: ocorrncia de reteno das sementes, ob-servando-se o perodo adequado para o plantio e comcuidados especiais em todos os estgios, at a colheita.

    A agricultura de fato surgiu muito tempo depois, quandoo homem j possua um amplo conhecimento de suasplantas. Somente nessa fase, a cultura pode ser consideradadomesticada e a agricultura estabelecida definitivamente.

    De acordo com alguns registros arqueolgicos, o incio daagricultura teria surgido em diferentes locais, de maneirase com cultivos diferentes. A agricultura de espciescultivadas por sementes teria surgido em zonas mon-tanhosas de regies temperadas do Velho Mundo e nocinturo norte do Novo Mundo. J a agricultura detubrculos e razes (vegecultura) teria surgido em terrasbaixas tropicais, com um perodo seco bem definido.Acredita-se que a vegecultura tenha sido um processofundamental no incio da agricultura e, dessa forma, teriasurgido primeiro. Porm, Hawkes (1983) relata algunstrabalhos indicando que mais provvel que sementes,razes e tubrculos tenham sido cultivados pelo homemprimitivo mais ou menos no mesmo perodo, porm emlocais distintos.

    Centros de origem das plantas cultivadasEstabelecer os locais de origem uma das principaisdificuldades relacionadas com a domesticao das plantas.Hawkes (1983) apresenta o conceito de De Candolle, de1882, para o qual o centro de origem seria o local onde asplantas crescem na natureza. O principal desafio definir

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    o que realmente a rea de crescimento original (dosilvestre) e o que pode vir a ser apenas um escape da espcie.Entretanto, a localizao das espcies silvestres nem sempre um bom critrio de definio da origem das cultivadas.Um bom exemplo o tomate, que apresenta vrias espciessilvestres crescendo no Peru, porm existem evidnciasde que essa espcie, provavelmente, se originou no Mxico.Em outros casos, ficou comprovado que as provveisespcies ancestrais silvestres de uma cultivada no sosequer relacionadas a essa. Por exemplo, hoje se sabe queos candidatos a genitores das batatas cultivadas (indicadoscomo provenientes do Chile, Uruguai e Mxico) soespcies claramente distintas, at mesmo com nmeroscromossmicos diferentes.

    O botnico russo Nicolai Vavilov, em sua expedio entre1920 e 1930, estudou a diversidade gentica das plantascultivadas ao redor do mundo, bem como de seus parentessilvestres. Em seus trabalhos, determinou que, durante adisperso das espcies cultivadas a partir do seu local deorigem, elas se dividiram em grupos morfolgicos, ecolgicose geogrficos. Alm disso, tambm observou que, em certasreas do mundo, havia maior diversidade de plantascultivadas do que em outras, concluindo que os centros dediversidade gentica correspondem aos centros de origemdas cultivadas. Sua proposta inicial foi de cinco centros(HAWKES, 1983). Alguns anos depois, foram adicionadostrs centros e trs subcentros ou centros secundrios (1935 e1951): 1) Centro chins; 2) Centro indiano; 3) Centro asiticocentral; 4) Centro asitico menor; 5) Centro Mediterrneo;6) Centro Etipia; 7) Centro Amrica Central; 8a) CentroAmrica do Sul (peruanobolivianoequatoriano); 8b)Centro Amrica do Sul (Chilo); 8c) Centro Amrica do Sul(brasileiroparaguaio). Sendo assim, a partir desses estudos,Vavilov props a formao de oito centros de origem das

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    plantas cultivadas e utilizou a denominao de centrossecundrios para descrever alguns casos em que o centrode diversidade da cultura no correspondesse ao seu centrode origem. Entretanto, uma das mais srias crticas teoriade Vavilov foi feita por Harlan (1971), que sugere apenastrs centros verdadeiros, os quais esto relativamenteconectados um ao outro por reas difusas que no socentros. O autor reconhece que algumas culturas soendmicas de uma pequena rea, outras so monocntricase outras, oligocntricas. Sugere ainda que certas espciescultivadas so no-cntricas, ou seja, apresentam seusancestrais dispersos.

    Em 1926, Vavilov reconheceu que os centros de diversidadebotnica nem sempre correspondem aos centros de origemdas espcies. Entretanto, Z