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GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2014 V. 12 nº 1 1-14 Porto Alegre Origem e Significado Geológico da “Barra Falsa”: Uma Feição Geomorfológica Peculiar da Margem Leste da Lagoa dos Patos/RS, Brasil Tomazelli, L.J. 1,2 ; Barboza, E.G. 1,2 ; Dillenburg, S.R. 1,2 & Rosa, M.L.C.C. 1 1 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica - CECO/IGEO/UFRGS, 2 Programa de Pós Graduação em Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 1, 2 Av. Bento Gonçalves, 9500 - Agronomia - CEP: 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil [email protected], [email protected], [email protected], [email protected]. Recebido em 16 de junho de 2014; aceito em 27 de agosto de 2014. RESUMO A feição geomorfológica conhecida como Barra Falsa aparece nos mapas que retratam a margem leste da Lagoa dos Patos, nas proximidades da localidade de Bujuru, no município de São José do Norte, litoral médio do Rio Grande do Sul. Nos últimos anos, vários artigos científicos foram publicados defendendo a hipótese de que esta feição é um paleocanal que estava ativo durante o Holoceno (últimos 10 ka), conectando a Lagoa dos Patos com o Oceano Atlântico. Além disso, vários trabalhos publicados atribuíram a origem desta feição à atividade erosiva do Rio Camaquã durante o Holoceno, quando o mar situava-se em um nível mais baixo do que o nível atual. O trabalho aqui apresentado mostra que estas interpretações estão equivocadas e não se sustentam em evidências científicas. Para refutar as hipóteses defendidas nesses trabalhos anteriores, este artigo apresenta uma série de evidências geológicas, geomorfológicas, sedimentológicas, hidrológicas e geofísicas que mostram, de forma muito clara, que, durante o Holoceno, a Barra Falsa não se comportou como um canal de ligação entre a lagoa e o mar, e que sua origem não está relacionada à atividade erosiva do Rio Camaquã. Provavelmente a origem desta feição esteja relacionada à atividade de um pequeno canal fluvial voltado para a Lagoa dos Patos, que seria sua bacia receptora, em sentido inverso ao sugerido pelos trabalhos anteriores. ABSTRACT The geomorphological feature known as Barra Falsa appears on maps that depict the eastern margin of the Lagoa dos Patos lagoon, near the village of Bujuru, in São José do Norte, middle coast of Rio Grande do Sul. During the last years, several scientific articles were published advocating the hypothesis that this feature is a paleoinlet that was active during the Holocene (last 10 ka), connecting the Lagoa dos Patos with the Atlantic Ocean. In addition, several published studies have attributed the origin of this feature to the erosive activity of the Camaquã River during the Holocene when the sea stood at a lower level than the current level. The work presented here shows that these interpretations are wrong and do not hold on any scientific evidence. To refute these hypotheses defended in previous work, this paper presents a series of geological, geomorphological, sedimentological, hydrological and geophysical evidence that show, very clearly, that during the Holocene, the Barra Falsa did not behave as a channel connection between the lagoon and the sea, and that its origin is not related to the erosive activity of the Camaquã River. Probably the origin of this feature is related to the activity of a small river that flowed to the land and not in the direction of the sea. This river flowed into the Lagoa dos Patos, which was his receiving basin, in a reverse direction to that suggested by previous work. Palavras chave: Evolução Costeira, Geomorfologia, Sensoriamento Remoto.

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GRAVEL ISSN 1678-5975 Novembro - 2014 V. 12 – nº 1 1-14 Porto Alegre

Origem e Significado Geológico da “Barra Falsa”: Uma Feição

Geomorfológica Peculiar da Margem Leste da Lagoa dos Patos/RS, Brasil

Tomazelli, L.J.1,2; Barboza, E.G.1,2; Dillenburg, S.R.1,2 & Rosa, M.L.C.C.1

1 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica - CECO/IGEO/UFRGS, 2 Programa de Pós Graduação em Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. 1, 2 Av. Bento Gonçalves, 9500 - Agronomia - CEP: 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil

[email protected], [email protected], [email protected], [email protected].

Recebido em 16 de junho de 2014; aceito em 27 de agosto de 2014.

RESUMO

A feição geomorfológica conhecida como Barra Falsa aparece nos mapas que

retratam a margem leste da Lagoa dos Patos, nas proximidades da localidade de

Bujuru, no município de São José do Norte, litoral médio do Rio Grande do Sul. Nos

últimos anos, vários artigos científicos foram publicados defendendo a hipótese de que

esta feição é um paleocanal que estava ativo durante o Holoceno (últimos 10 ka),

conectando a Lagoa dos Patos com o Oceano Atlântico. Além disso, vários trabalhos

publicados atribuíram a origem desta feição à atividade erosiva do Rio Camaquã

durante o Holoceno, quando o mar situava-se em um nível mais baixo do que o nível

atual. O trabalho aqui apresentado mostra que estas interpretações estão equivocadas

e não se sustentam em evidências científicas. Para refutar as hipóteses defendidas

nesses trabalhos anteriores, este artigo apresenta uma série de evidências geológicas,

geomorfológicas, sedimentológicas, hidrológicas e geofísicas que mostram, de forma

muito clara, que, durante o Holoceno, a Barra Falsa não se comportou como um canal

de ligação entre a lagoa e o mar, e que sua origem não está relacionada à atividade

erosiva do Rio Camaquã. Provavelmente a origem desta feição esteja relacionada à

atividade de um pequeno canal fluvial voltado para a Lagoa dos Patos, que seria sua

bacia receptora, em sentido inverso ao sugerido pelos trabalhos anteriores.

ABSTRACT

The geomorphological feature known as Barra Falsa appears on maps that depict

the eastern margin of the Lagoa dos Patos lagoon, near the village of Bujuru, in São

José do Norte, middle coast of Rio Grande do Sul. During the last years, several

scientific articles were published advocating the hypothesis that this feature is a

paleoinlet that was active during the Holocene (last 10 ka), connecting the Lagoa dos

Patos with the Atlantic Ocean. In addition, several published studies have attributed

the origin of this feature to the erosive activity of the Camaquã River during the

Holocene when the sea stood at a lower level than the current level. The work

presented here shows that these interpretations are wrong and do not hold on any

scientific evidence. To refute these hypotheses defended in previous work, this paper

presents a series of geological, geomorphological, sedimentological, hydrological and

geophysical evidence that show, very clearly, that during the Holocene, the Barra Falsa

did not behave as a channel connection between the lagoon and the sea, and that its

origin is not related to the erosive activity of the Camaquã River. Probably the origin

of this feature is related to the activity of a small river that flowed to the land and not

in the direction of the sea. This river flowed into the Lagoa dos Patos, which was his

receiving basin, in a reverse direction to that suggested by previous work.

Palavras chave: Evolução Costeira, Geomorfologia, Sensoriamento Remoto.

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INTRODUÇÃO

O nome Barra Falsa, constante na toponímia

dos documentos cartográficos da margem leste da

Lagoa dos Patos, é aplicado a uma reentrância da

margem lagunar próximo à localidade de Bujuru,

no município de São José do Norte (Figs. 1 e 2).

O nome reflete, certamente, a primeira impressão

de quem observa esta feição e a confunde com

uma possível desembocadura para o mar (feição

denominada, normalmente, por “barra”). Este

“pitfall” geomorfológico pode, no entanto, ser

acompanhado de outros de consequências mais

sérias do que simplesmente não encontrar a saída

para o mar. O erro nesta interpretação pode

conduzir a um modelo evolutivo falso para a

Planície Costeira do Rio Grande do Sul (PCRS)

durante o Pleistoceno superior e o Holoceno. O

problema resulta do fato de que a feição

denominada de Barra Falsa encontra-se em uma

posição coincidente ao que seria o prolongamento

do Rio Camaquã, situado na margem oposta da

Lagoa dos Patos. Devido ao seu alinhamento,

quem observa um mapa, ou uma imagem de

satélite, fica tentado, de pronto, a estabelecer uma

relação entre as duas feições: a Barra Falsa

representaria um vale fluvial, escavado pelo Rio

Camaquã em períodos em que a depressão onde

situa-se, atualmente, a Lagoa dos Patos

encontrava-se exposta, ou seja, em períodos de

nível de mar mais baixo que o atual.

Toldo Jr. et al. (1991) foram os primeiros a

levantar a hipótese de que a Barra Falsa

representaria um paleocanal que, durante o

Holoceno, comunicaria a Lagoa dos Patos com o

Oceano Atlântico. Mais tarde, Weschenfelder et

al. (2005, 2008a, 2008b, 2010) e Baitelli (2012),

interpretaram esta feição como tendo sido gerada

pelo Rio Camaquã durante a última glaciação,

quando o nível do mar situava-se próximo à borda

da plataforma continental. Portanto, segundo

estes autores, o Rio Camaquã teria seccionado a

barreira pleistocênica de 125 ka (Barreira III de

Villwock et al., 1986).

Neste trabalho serão apresentados dados que

demonstram, de forma muito clara, que estas

interpretações são incorretas. Ao mesmo tempo,

será apresentada uma proposição alternativa para

a origem da Barra Falsa, proposição esta que é

mais consistente diante dos dados geodésicos,

geofísicos, geológicos, geomorfológicos,

hidrológicos e sedimentológicos disponíveis.

Figura 1. Localização da Barra Falsa na margem leste da Lagoa dos Patos, litoral médio da PCRS, em posição

“alinhada” ao Rio Camaquã (mapa geológico de Tomazelli & Villwock, 1996).

Contexto Geológico

De acordo com o modelo de evolução

paleogeográfica proposto para a Planície Costeira

do Rio Grande do Sul (Villwock et al., 1986;

Villwock & Tomazelli, 1995; Tomazelli &

Villwock, 2000), a formação da Lagoa dos Patos

estaria condicionada ao desenvolvimento da

Barreira II e, principalmente, ao estabelecimento

da Barreira III. Esta última barreira está associada

ao estágio de mar alto do último interglacial

pleistocênico – estágio isotópico de oxigênio 5e

– ocorrido há cerca de 125 ka (Tomazelli &

Dillenburg, 2007). Segundo este modelo, os rios

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provenientes das terras altas adjacentes (Rio

Camaquã, sistema do Rio Jacuí e outros

afluentes), que se estendiam pela plataforma

continental durante períodos de mar baixo,

passaram, a partir da formação da Barreira III, há

aproximadamente 125 ka, a se encaixar na Falha

Pelotas (Saadi et al., 2002), uma zona deprimida

atualmente ocupada pela Lagoa dos Patos e pela

Lagoa Mirim.

Durante o último período glacial, que se

estendeu de, aproximadamente, 90 a 17 ka A.P.,

o nível do mar atingiu sua posição mais baixa,

posicionando-se próximo à borda da plataforma

continental, cerca de 120 m abaixo do nível atual

(Corrêa, 1995). Neste cenário, a plataforma

continental do Rio Grande do Sul encontrava-se

exposta, comportando-se como uma planície

costeira de baixa declividade, muito semelhante à

atual planície costeira.

Diante desta paisagem de nível de mar baixo,

surge a questão: o que estaria acontecendo com

as drenagens provenientes do continente?

Figura 2. Fotografia aérea vertical de maio de 1975, mostrando a configuração da Barra Falsa como um vale que

se abre para a Lagoa dos Patos e não para o Oceano Atlântico, como sugerido nos trabalhos anteriores.

Observa-se, de forma clara, a continuidade física dos terrenos pleistocênicos da Barreira III e

holocênicos da Barreira IV que não apresentam nenhum sinal de incisão.

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A Barra Falsa como um paleocanal

(paleoinlet) gerado pelo Rio Camaquã durante

o Holoceno: argumentos prós e contras

Argumentos favoráveis

Toldo Jr. et al. (1991) foram os primeiros a

defender a hipótese de que a Barra Falsa seria um

paleocanal que teria comunicado a Lagoa dos

Patos com o Oceano Atlântico durante o

Holoceno. Weschenfelder et al. (2005, 2008a,

2008b, 2010) e Baitelli (2012), aceitaram esta

hipótese e propuseram que esta feição teria sido

gerada pelo Rio Camaquã, e representaria, assim,

um vale inciso escavado por este rio no

Pleistoceno superior/Holoceno, quando o nível

do mar situava-se mais baixo do que o nível atual.

Consequentemente, estes autores propõem que a

Barreira III (gerada no interglacial de 125 ka) foi

seccionada por este rio na sua busca da linha de

costa que situava-se, então, em alguma posição

da atual plataforma continental.

O principal argumento apresentado por Toldo

Jr. et al. (1991) para alicerçar a hipótese de

ligação da Lagoa dos Patos com o mar, durante o

Holoceno, através da Barra Falsa, foi a

composição e a idade de camadas biodetríticas

encontradas em cinco testemunhos coletados nos

setores central e norte da lagoa. A associação

faunística foi interpretada como representativa de

ambientes estuarinos e marinho raso, ambientes

estes que não são compatíveis com a situação

atual que é de água doce. Chamou a atenção dos

próprios autores (pg. 102) que "embora as

camadas tenham diferentes níveis de localização

nos testemunhos, todas apresentam idades

semelhantes, entre 2080 anos e 2450 anos A.P."

Os autores interpretaram estes dados como

indicativos de que a Barra Falsa manteve-se ativa,

como um canal de ligação com o mar, entre 2080

e 2450 anos A.P. Com o seu posterior

fechamento, as condições de salinidade

diminuíram até ser atingida a situação de água

doce atual.

Estes mesmos dados paleontológicos e

geocronológicos podem ser interpretados de

outra forma. A semelhança das idades, apesar da

distância entre os testemunhos e dos diferentes

níveis estratigráficos amostrados, associado ao

fato de que as análises foram realizadas na década

de oitenta por um laboratório não certificado e

que há vários anos deixou de realizar este tipo de

análise, permite supor que as idades reais possam

ser mais antigas do que as apresentadas, como já

foi sugerido por Cordeiro (1991) e Cordeiro &

Lorsheitter (1994). Estas autoras analisaram a

palinologia completa de um destes testemunhos

coletados na Lagoa dos Patos. Além dos dados

palinológicos as autoras apresentam duas

datações por radiocarbono realizadas em um

laboratório certificado e reconhecido

internacionalmente (Beta Analytic Inc. – Miami-

FL-Estados Unidos). As datações de amostras

coletadas na base do testemunho 2,12 m, e a 1,24

m acima da base revelaram, respectivamente,

idades de 5170 +/- 120 anos A.P e 4080 +/- 110

anos A.P. Os dados palinológicos do testemunho

mostram uma influência marinha na base e que

decresce para o topo. Segundo as autoras, os

dados florísticos indicam que a lagoa sofreu uma

salinização progressiva que, após atingir um

máximo, decresceu no sentido do topo do

testemunho até atingir as condições de água doce

atual. Como destacado por estas autoras, este

fenômeno pode muito bem ser explicado pelo

aumento e diminuição gradativa da salinização

através do maior e menor influxo de água

marinha pela atual desembocadura da Lagoa dos

Patos (Canal de Rio Grande) como resposta às

flutuações do nível do mar nos últimos milhares

de anos. Assim, no máximo nível do mar do

período pós-glacial, atingido há cerca de 5-6 ka,

quando o nível da Lagoa dos Patos situava-se

cerca de 3 m acima do atual (Barboza &

Tomazelli, 2003), é de se esperar que a lagoa

apresentasse salinidade mais elevada. Com a

posterior queda do nível do mar esta salinidade

foi progressivamente diminuindo até chegar à

situação de água doce atual. Este fenômeno pode

ser explicado, sem maiores dificuldades, com a

geomorfologia atual da lagoa, sem a necessidade

de postular a existência de outra comunicação

com o mar. Portanto, o argumento apresentado

pelos autores não pode ser considerado como um

argumento consistente uma vez que o fenômeno

pode ser explicado de maneira mais simples.

Lembramos aqui um dos princípios-guias que

devem nortear a pesquisa científica que é o

“princípio da parcimônia”, também conhecido

como a “espada de Okhan”: quando duas

hipóteses podem explicar o mesmo fenômeno,

normalmente a mais correta é a hipótese mais

simples.

A hipótese de que a Barra Falsa é um

paleocanal escavado pelo Rio Camaquã durante o

Holoceno foi apresentada com base na

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interpretação da presença de canais no fundo e

subfundo da Lagoa dos Patos, registrados em

levantamentos sísmicos de alta resolução

realizados nesse corpo lagunar (Weschenfelder et

al., 2005, 2008a, 2010; Baitelli, 2012). Alguns

destes canais detectados localizam-se próximos à

Barra Falsa e, segundo os autores, estariam

alinhados com o Rio Camaquã, indicando que

este rio os teria escavado durante o Pleistoceno

superior/Holoceno.

A fragilidade deste argumento reside no fato

de que é impossível determinar a verdadeira

posição espacial de um canal ou paleocanal pela

simples análise de imagens registradas em linhas

sísmicas 2D isoladas, como foram as linhas dos

levantamentos sísmicos realizados. Nestas

condições, os cortes observados nas imagens

possuem orientação aleatória em relação à

posição real do canal, podendo ser

perpendiculares ou oblíquos a ele. Para a

determinação da posição real do canal seria

necessário um levantamento sísmico 3D, com

uma malha de linhas com espaçamento

compatível com a largura do canal, à semelhança

do levantamento por Georradar (GPR) realizado

na região do Banhado do Taim e que identificou

um vale inciso que conectava a Lagoa Mirim com

o mar (Tomazelli et al., 2009).

Outro aspecto importante a ser considerado na

avaliação do argumento das linhas sísmicas é que,

como foi sugerido no modelo evolutivo proposto

por Villwock & Tomazelli (1995), tudo indica

que, durante os períodos de nível de mar baixo, a

região ocupada atualmente pela Lagoa dos Patos

se comportava como uma planície exposta,

topograficamente baixa e com declividade muito

suave. Estas características geomorfológicas

estimulariam um padrão altamente meandrante

para os rios que drenavam esta planície.

Serpenteando por ela, os canais provavelmente

teriam orientações muito diversas,

impossibilitando deduzir o sentido dos fluxos dos

rios a partir da simples análise de algumas linhas

sísmicas 2D.

Argumentos contrários às hipóteses

formuladas

Além do fato de os argumentos principais

apresentados pelos autores citados poderem ser

contestados, existem vários outros argumentos,

de ordem geológica, geomorfológica,

hidrológica, sedimentológica e geofísica,

claramente contrários às hipóteses formuladas.

Analisados e considerados em seu conjunto, estes

argumentos apresentam base consistente

apontando para o falseamento destas hipóteses. A

aceitação das hipóteses necessariamente deveria

derrubar os argumentos que serão apresentados a

seguir.

1. O primeiro dos argumentos contrários às

hipóteses formuladas para a origem da

Barra Falsa pode ser considerado de

natureza geológica. Durante o

mapeamento geológico da Folha de

Bujuru, onde se situa a Barra Falsa,

realizado pelos pesquisadores do

CECO-IGEO-UFRGS, e que se baseou

em um detalhado trabalho de campo,

com cuidadosa amostragem de

sedimentos (as amostras estão

armazenadas e disponíveis no acervo do

CECO-IGEO-UFRGS) verificou-se a

continuidade física da Barreira III na

área de estudo. Não se encontrou

nenhuma evidência de incisão na

barreira que indicasse o prolongamento

da Barra Falsa. Esta situação, retratada

no mapa geológico publicado

(Tomazelli et al., 1988) pode ser

constatada, hoje em dia, in situ, ou,

através de fotografias aéreas e imagens

de satélite do local, as quais mostram

que a Barra Falsa secciona somente os

terrenos lagunares pleistocênicos e

holocênicos, não afetando a Barreira III

(Figs. 2, 3 e 4).

Este argumento reflete um princípio básico da

Estratigrafia relacionado às relações de

intersecção, já postulado por James Hutton

(1795) para definir a idade relativa entre as

rochas. Onde se observa uma rocha

interseccionando outra camada de rocha, a rocha

que interseccionou é a mais jovem. Assim,

podemos correlacionar este postulado com uma

feição morfológica, na qual a mais jovem deve

intersectar a mais antiga. Na realidade, o que se

observa na região da Barra Falsa deve ser

analisado pelo princípio da superposição, no qual

depósitos relacionados a esta feição encontram-

se sobre os depósitos da Barreira III (Fig. 4).

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Figura 3. Integração de dados de sensores remotos aplicada ao mapeamento geológico realizada por Rosa et al.

(2014). Em A, composição colorida combinando as bandas 4 (em vermelho) e 1 (em azul), do satélite

Landsat 7, com o modelo digital de elevação do terreno (em verde). Em B, o resultado da classificação

automática supervisionada (sem correções) realizada sobre o conjunto de imagens do satélite Landsat

7, o MDT e seus produtos derivados (Rosa et al., 2014).

2. O segundo argumento contrário às

hipóteses formuladas é de natureza

sedimentológica e resulta, igualmente,

das observações de campo realizadas

durante os trabalhos de mapeamento

geológico. Todas as amostras de

sedimentos coletadas na área (e que se

encontram arquivadas na litoteca do

CECO-IGEO-UFRGS) são de areias

finas a muito finas, bem selecionadas e

com grãos arredondados, indicativas de

ambiente praial e eólico. Se a hipótese

formulada pelos autores fosse correta, o

Rio Camaquã certamente teria deixado

vestígios de sua passagem refletidos na

natureza dos sedimentos do local, com a

presença de areias grossas e cascalhos

fluviais, semelhantes aos depósitos

existentes hoje em dia junto a este rio,

na outra margem da lagoa. Estes

sedimentos não ocorrem em nenhum

local. Como explicar a ausência destas

fácies se a feição era um paleocanal

fluvial ativo durante o Holoceno?

3. O terceiro argumento contrário às

hipóteses formuladas é de natureza

geomorfológica e pode ser visualizado

em mapas topográficos, fotografias

aéreas ou imagens de satélite. A

morfologia da Barra Falsa se expressa

por uma reentrância que abre no sentido

da lagoa, fechando-se no sentido da

barreira (Fig. 2). Ou seja, a região mais

a montante da Barra Falsa situa-se junto

à Barreira III, enquanto a região mais a

jusante posiciona-se junto à Lagoa dos

Patos (Figs. 2, 3 e 4). Esta morfologia é

o contrário do que se poderia esperar se

a feição correspondesse a um paleovale

fluvial que tivesse sua foz no mar, como

defendem os autores. Se isso fosse

verdade, o vale deveria se abrir no

sentido do mar e não no sentido da lagoa

como ele o faz. Os vales fluviais atuais

(estuários) e os paleovales (vales

incisos) apresentam essa assinatura

geomorfológica que é o contrário do que

se observa na Barra Falsa.

4. Um quarto argumento, também de

natureza geomorfológica, considera os

gradientes do terreno. Os terrenos da

margem lagunar, incluindo o fundo da

Barra Falsa, mergulham atualmente no

sentido da Lagoa dos Patos. Seria difícil

explicar como os processos de

sedimentação, durante o Holoceno,

teriam invertido o sentido do mergulho,

uma vez que, em sendo um vale fluvial,

o fundo da Barra Falsa deveria

mergulhar no sentido do mar.

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Figura 4. A - Modelo digital de elevação do terreno (Shuttle Radar Topography Mission – SRTM, versão 4),

ilustrando a continuidade morfológica da Barreira III na região situada ao norte da Barra Falsa. B -

Morfologia em “V” com fechamento para leste, e nascentes da Barra Falsa sobre a Barreira III (Fonte:

Google Earth). Uma feição similar é observada ao sul, com origem também sobre a Barreira III, mas,

que ao contrário da Barra Falsa, não permaneceu ativa com o desenvolvimento dos terraços lagunares.

5. Um quinto argumento contrário às

hipóteses formuladas é de natureza

“hidráulica”. Ele considera os papéis

exercidos pelos principais rios que

afetam a região. Uma das mais

importantes bacias de drenagem do Rio

Grande do Sul é a chamada Bacia do

Guaíba, formada por vários dos maiores

rios do estado (Jacuí - o maior deles -

Taquari, Caí, Sinos, entre outros). Este

sistema fluvial deságua no extremo

norte da Lagoa dos Patos. O volume de

água trazido por estes rios é

extremamente superior ao volume

aportado pelo Rio Camaquã. Não há

evidência de que esta situação atual

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tenha sido muito diferente no transcorrer

do Holoceno. Assim, se for aceita a

hipótese de que o Rio Camaquã, durante

o período de mar baixo holocênico,

cortava o terreno ocupado atualmente

pela Lagoa dos Patos, escavando a Barra

Falsa e atingindo o mar, resta uma

incógnita a ser solucionada: por onde

saía o Jacuí e os demais rios do sistema

Guaíba? Baitelli (2012) tentou

solucionar este problema indicando que,

durante o Holoceno, o Rio Jacuí

alcançava o mar em uma posição mais

ao norte da Barra Falsa. Para sustentar

esta hipótese o autor apresentou dados

sísmicos obtidos na Lagoa dos Patos, de

forma semelhante ao que foi

apresentado por Weschenfelder et al.

(2005, 2008a, 2010). Os argumentos e

dados que foram aqui apresentados

refutando a proposição de

Weschenfelder et al. (2005, 2008a,

2010) são válidos, também, para refutar

a proposição de Baitelli (2012). Não

existem evidências de incisão nos

terrenos pleistocênicos que separam a

Lagoa dos Patos do mar. A Barreira III

é contínua em toda sua extensão que se

prolonga desde as imediações de

Tramandaí até o Canal de Rio Grande

(Figs. 3 e 4). Este dado descarta a

proposição de Baitelli (2012) de que,

durante o Holoceno, o Rio Jacuí cortava

a Barreira pleistocênica III e alcançava

o mar em uma posição mais ao norte da

Barra Falsa. Caso a hipótese de

formação da Barra Falsa pelo Rio

Camaquã fosse aceita, teríamos que

aceitar que o Rio Jacuí e seus associados

drenavam, no sentido norte-sul, o

terreno hoje ocupado pela Lagoa dos

Patos e, embora muito mais volumosos,

seriam capturados pelo Camaquã e

infletiriam para leste, originando a Barra

Falsa. Esta é, certamente, uma hipótese

improvável que não possui sustentação

em nenhuma evidência.

6. O sexto argumento contrário às

hipóteses apresentadas pelos autores é

de natureza geofísica. Registros de

Georradar (GPR) na região da Barra

Falsa (Ruppel et al., 2011) não

apresentam evidências de rompimento

na Barreira III, como, por exemplo, a

ocorrência de um canal preenchido. Um

total de 60 km de seções foi adquirido

no entorno da Barra Falsa,

correspondentes a 40 linhas de

Georradar. Os dados obtidos indicam

depósitos associados aos sistemas

deposicionais Laguna-Barreira III e IV,

sem evidenciar feições que

representassem incisões. Os depósitos

relacionados ao Sistema IV são os que

apresentam melhor resposta de reflexão

das ondas eletromagnéticas, visto que

são menos afetados por processos

diagenéticos (Rosa, 2012). Se existisse

um paleocanal em subsuperfície,

esperar-se-ia um registro com

características similares às observadas

por Ayup-Zouain et al. (2003) e

Tomazelli et al. (2009) junto a um vale

inciso holocênico presente na região do

Banhado do Taim, porção sul da

planície costeira do RS (Fig. 5).

Com relação aos dados de Georradar

adquiridos no entorno da Barra Falsa (detalhe da

Fig. 4), somente junto ao lado leste da Barreira

III, em um perfil perpendicular à linha de costa,

foram identificados refletores em downlap com

mergulho no sentido do continente. Estes indicam

a colmatação de um sistema lagunar outrora

existente entre a barreira holocênica e a

pleistocênica. Esse sistema lagunar,

provavelmente, está relacionado à Lagoa do

Peixe, em um período quando ela se estendia

mais para o sul do que nos dias atuais (Rosa et al.,

2014). Os dados obtidos caracterizam

comportamento transgressivo da linha de costa,

resultando em padrão de empilhamento

retrogradacional para a barreira holocênica nesta

região (Dillenburg et al., 2004; Barboza et al.,

2011; Dillenburg & Barboza, 2014; Barboza &

Rosa, 2014; Rosa, 2012; Rosa et al., 2014) (Fig.

6).

Page 9: Origem e Significado Geológico da “Barra Falsa”: Uma Feição ...

Tomazelli et al.

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Figura 5. Seção de Georradar adquirida com antena na frequência central de 200 MHz junto à região do vale

inciso holocênico do Banhado do Taim, no local onde é observado o seccionamento de barreiras

pleistocênicas. Observa-se nesta seção o preenchimento de um canal através da acresção de barras

marginais com um empilhamento progradacional/agradacional (modificada de Tomazelli et al., 2009).

Além disso, levantamentos sísmicos de alta

resolução realizados na plataforma continental

adjacente à região da Barra Falsa não

encontraram indícios da existência de qualquer

canal fluvial nas proximidades de Bujuru (Abreu

& Calliari, 2005). No estudo apresentado por

estes autores há um perfil sísmico que se estende

desde as imediações da latitude de Mostardas até

as proximidades do canal do Estreito, situado

mais ao sul da Barra Falsa. O perfil, paralelo à

costa, posiciona-se perpendicularmente à

projeção da Barra Falsa. Portanto, se o Rio

Camaquã saísse pela Barra Falsa durante o

Pleistoceno superior/Holoceno, como defendem

os autores desta hipótese, seu registro deveria ser

detectado por esta sísmica de alta resolução. No

entanto, nada foi encontrado. Somente no limite

norte deste perfil, bem distante da Barra Falsa,

são observados indícios de um paleocanal em

profundidades de 10 a 12 m abaixo do fundo

submarino, sem relações cronoestratigráficas

definidas. Provavelmente, este paleocanal esteja

relacionado com as drenagens pleistocênicas

existentes na região antes da formação da

Barreira III.

A origem da Barra Falsa: uma hipótese

alternativa

Tendo em vista a inconsistência das hipóteses

apresentadas pelos diferentes autores em

trabalhos precedentes (Toldo Jr. et al., 1991;

Weschenfelder et al., 2005, 2008a, 2008b, 2010;

Baitelli, 2012) em função dos argumentos já

apresentados e discutidos, busca-se uma hipótese

alternativa que não colida com as evidências

existentes. Esta hipótese integra o modelo

evolutivo da Planície Costeira do Rio Grande do

Sul, apresentado, inicialmente, por Villwock

(1984) e detalhado, posteriormente, por Villwock

& Tomazelli (1995, 1998).

De acordo com estes autores, há

aproximadamente 125 ka, no máximo do último

período interglacial pleistocênico, estabeleceu-se

na parte média da Planície Costeira do Rio

Grande do Sul um grande sistema lagunar que

ocupava área superior àquela ocupada atualmente

pela Lagoa dos Patos. Esta grande laguna era

separada do mar por uma barreira arenosa

pleistocênica (Barreira III) e encontrava-se

conectada com o mesmo através de um amplo

canal de ligação posicionado em sua extremidade

sul.

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Origem e Significado Geológico da “Barra Falsa”: Uma Feição Geomorfológica Peculiar da Margem Leste da Lagoa dos Patos/RS, Brasil

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Figura 6. A) Seção esquemática relacionada às barreiras III e IV na região da Barra Falsa, ilustrando as

sequências deposicionais, os tratos de sistemas, os padrões de empilhamento e as superfícies chave

definidas a partir da análise das seções de Georradar (EV ≈ 300x) (modificado de Rosa, 2012). B)

Seção de Georradar adquirida paralelamente a feição Barra Falsa, no contato ao leste entre a Barreira

III e a Barreira IV, com uma antena com frequência central de 200 MHz, observam-se refletores com

mergulho para o continente, caracterizando o comportamento retrogradacional do sistema

(modificado de Dillenburg & Barboza, 2014).

Durante o último período glacial (entre,

aproximadamente, 90 e 17 ka) o nível do mar caiu

cerca de 120 m, deslocando a linha de costa para

uma posição próximo à borda da plataforma

continental (Corrêa, 1995). Em consequência, a

região da planície costeira ocupada anteriormente

pela grande laguna pleistocênica transformou-se

numa ampla depressão por onde corriam os rios

provenientes do continente e que desaguavam ao

sul, na região de Rio Grande (Fig. 7). Durante o

Quaternário a região de Rio Grande se comportou

como um baixo gravimétrico (identificado como

“Anomalia de Rio Grande” por Rosa et al., 2009)

que capturava as drenagens provenientes tanto do

norte como do sul. Associados a estas drenagens

vários sistemas deposicionais se desenvolveram

neste setor da PCRS, como identificados por

Barboza et al. (2014) (Fig. 8).

Na paisagem de nível de mar mais baixo que

o atual, a região axial do espaço ocupado

anteriormente pela Lagoa dos Patos, por ser a

região topograficamente mais baixa, abrigou os

cursos fluviais – especialmente os sistemas

associados ao Jacuí – que se deslocavam

preferencialmente no sentido norte-sul,

penetrando na atual plataforma continental na

altura de Rio Grande. Nessa época, o Rio

Camaquã corria no sentido leste até atingir esta

região axial quando então infletia para o sul,

passando a integrar o sistema de drenagem cujo

fluxo direcionava-se para o sul.

Com a subida do nível do mar, após o último

máximo glacial, a planície da Lagoa dos Patos,

antes exposta, passou a ser inundada,

reconstituindo mais uma vez o grande corpo

lagunar. A inundação máxima ocorreu no

Holoceno, no final da transgressão pós-glacial

(em torno de 5 – 6 ka) quando a lagoa atingiu suas

dimensões máximas, e as partes terminais dos

vales fluviais que nela chegavam foram afogadas.

Page 11: Origem e Significado Geológico da “Barra Falsa”: Uma Feição ...

Tomazelli et al.

GRAVEL

11

Figura 7. Evolução paleogeográfica da PCRS. Reconstituição da paisagem durante o máximo regressivo de ±17

ka (Último Máximo Glacial). As setas indicam o sentido das principais paleodrenagens. Durante esta

paisagem de mar baixo a região da PCRS onde se situa a Lagoa dos Patos era uma planície

topograficamente baixa, cortada por uma drenagem axial que atingia o mar na região do canal de Rio

Grande. O Rio Camaquã e o curso de água que gerou a Barra Falsa eram, provavelmente, afluentes

dessa drenagem axial (modificado de Villwock & Tomazelli, 1995).

Como incluir a Barra Falsa nesta paisagem?

A Barra Falsa pode ser interpretada como um

antigo vale fluvial voltado para oeste, ou seja, um

paleocanal fluvial gerado por um pequeno

afluente dos grandes cursos fluviais que corriam

na região axial do espaço ocupado atualmente

pela Lagoa dos Patos. Uma observação em

fotografias aéreas e imagens de satélite permite

reconhecer várias feições similares à Barra Falsa,

desenvolvidas ao longo das margens do corpo

lagunar, e que, provavelmente tiveram origem

semelhante (Fig. 4).

Esta hipótese é simples e não apresenta

conflito com os argumentos discutidos

anteriormente. Diante dos dados disponíveis, é a

que melhor explica a gênese da Barra Falsa, uma

feição geomorfológica peculiar desenvolvida na

margem leste da Lagoa dos Patos.

CONCLUSÃO

Os dados geodésicos, geofísicos, geológicos,

geomorfológicos, hidrológicos e

sedimentológicos disponíveis mostram, de forma

clara, que a origem da feição geomorfológica

conhecida como Barra Falsa não pode ser

atribuída à ação erosiva do Rio Camaquã durante

o Holoceno (últimos 10 ka), como defendido por

vários autores (Weschenfelder et al., 2005,

2008b, 2010; Baitelli, 2012) e que esta feição não

se comportou como um canal de ligação ativo

durante o Holoceno, conectando a Lagoa dos

Patos com o mar, como proposto originalmente

por Toldo Jr. et al. (1991) e, posteriormente, por

Weschenfelder et al. (2008a). Os dados mostram

que a possibilidade de o Rio Camaquã (assim

como o Rio Jacuí e outros da Bacia do Guaíba)

chegar diretamente ao mar, formando um

estuário, somente poderia ter ocorrido em um

período de tempo anterior à 125 ka, ou seja,

anterior à construção da Barreira III. Após o

desenvolvimento desta barreira, que conduziu à

formação final da Lagoa dos Patos, o Rio

Camaquã passou a desaguar diretamente no corpo

lagunar, durante os períodos de mar alto. Durante

os períodos de mar baixo, com a exposição da

planície antes ocupada pela lagoa, o Rio

Camaquã passou a integrar o padrão de drenagem

que fluía ao longo da planície recém-exposta.

Com fluxo direcionado, principalmente, de norte

para o sul, esta drenagem fluvial chegava ao mar

no extremo sul do corpo lagunar, nas imediações

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Origem e Significado Geológico da “Barra Falsa”: Uma Feição Geomorfológica Peculiar da Margem Leste da Lagoa dos Patos/RS, Brasil

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de Rio Grande, ou então, se o nível do mar

posicionava-se mais baixo, avançava pela

plataforma continental. Nesta paisagem, a origem

da Barra Falsa pode ser atribuída à ação de um

curso fluvial secundário que, com nascentes

próximas à Barreira III (Fig. 4), fluía no sentido

do continente (sentido oeste), como um afluente

menor do curso fluvial principal, estabelecido na

região axial da planície exposta devido às

condições de nível de mar baixo. O sentido do

fluxo deste canal fluvial é o oposto do sentido do

fluxo do Rio Camaquã, o que contradiz a hipótese

apresentada por diferentes autores em trabalhos

precedentes que abordam a origem da Barra

Falsa.

Figura 8. A) Modelagem a partir de dados batimétricos, sísmica de alta resolução e Georradar da posição do Rio

Grande durante a fase correspondente ao trato de sistemas transgressivo no Holoceno inferior. A linha

tracejada em vermelho representa a atual linha de costa. B) Situação atual da configuração da

desembocadura do Rio Grande. Imagem de satélite base Google Earth 2012. (Modificado de Barboza

et al., 2014).

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Tomazelli et al.

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13

AGRADECIMENTOS

Os autores Barboza, Dillenburg e Tomazelli

agradecem ao CNPq pelo suporte a este trabalho

através de suas bolsas de produtividade em

pesquisa.

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