"Orixás - 8º Episódio - Xiriêê Ri Obá

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8º Episódio: XIRIEÊ RI OBÁ! Novos Personagens Gonga – Negro velho. Altivo e bem humorado. Contador de casos e histórias. Cena 1 – Externa. Tomada área de fila de carros embarcando na balsa em São Joaquim Zoom in lento em um dos automóveis quase em ponto de embarque. É o de Dodô e pela janela do motorista se distingue Bibi. Cena 2 – Interior do automóvel de Dodô Diálogo já em andamento. Dodô Puta filme chato! Bibi Dodô nem viu o final. Dormia de roncar. Dodô A gostosona me ouviu roncar? Bibi Dona Alzira? Dodô Que Alzira? O que é que mulher velha tem de gostosa? Bibi Ah!... É bonitona! E deve ser mais nova que Dodô. Dodô Que mais nova o quê? Tem idade pra ter sido minha babá. Tô falando da única gostosa que

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8º Episódio: XIRIEÊ RI OBÁ!

Novos Personagens

Gonga – Negro velho. Al t ivo e bem humorado. Contador de casos e h is tór ias.

Cena 1 – Externa. Tomada área de f i la de carros embarcando na balsa em São JoaquimZoom in lento em um dos automóveis quase em ponto de embarque. É o de Dodô e pela janela do motor is ta se d is t ingue Bib i .

Cena 2 – Inter ior do automóvel de DodôDiálogo já em andamento.

DodôPuta f i lme chato!

Bib iDodô nem v iu o f ina l . Dormia de roncar .

DodôA gostosona me ouviu roncar?

Bib iDona Alz i ra?

DodôQue Alz i ra? O que é que mulher ve lha tem de gostosa?

Bib iAh! . . . É boni tona! E deve ser mais nova que Dodô.

DodôQue mais nova o quê? Tem idade pra ter s ido minha babá. Tô fa lando da única gostosa que t inha: a v iz inha do Andrew. A que no f i lme faz ia a amiga da magrela.

Bib iMercedes.

DodôEssa aí . Chegou junto, mas o pai f icô de o lho e fo i sentar do lado do velho pra não dar na v is ta. Preciso v is i tar mais o Andrew. E então, v iu?

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BibiO quê?

DodôQue eu tava roncando, porra!

Bib iAh! Isso todo mundo ouviu.

Cena 3 – Panorama de passageiros na murada da balsa.Zoom in em Ronald e Mar l i que conversa com Andrew.

Mar l iExpl ique a e le. Mas expl ique d i re i t inho que é pra não pensar mal de mim. Nunca t ive nada com Dodô, mas sabe como ele é?

AndrewI know! I know! Eu conhece Dodô very wel l ! No problem! No problem!

Mar l iIh ! Ó pá í ó ! Foi fa lar no d iabo. . .

Mar l i acena efus iva para Bib i estac ionando o carro.

Cena 4 – Inter ior do automóvelBibi abr indo a por ta do veículo. Dodô c i rcunspecto, ref le t indo.

Bib iVamô al i então, Dodô?

DodôPera aí que tenho de dar um te lefone. Cadê o celu lar que te dei? Não perdeu esse também, né? Então l igue aí pro banco e mande chamar o Car l i to .

Bib i apanha o celu lar no por ta- luva, d isca, aguarda e pede.

Bib iO Senhor Car los Salmon, por favor . . . É Bib i de Brotas por par te do Senhor Dodô Excelência. (pra Dodô) Foi chamar.

DodôEntão dê cá e vá lá que já vou.

Bib i sa i do carro.

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Cena 5 – Externa. A part ir de close de Dodô ao telefone, enquadramento de panorâmica da balsa

Dodô (no te lefone)Ô Car l i to ! Que h is tór ia é essa do Jacinto te subst i tu i r na gerência?. . . É. Encontre i e le ontem e me contou. . . Mas d isso eu já sabia.Você mesmo contou. Só que não é porque você vai se t ransfer i r que vai fer rar com a agência, né Car los?. . .

Com a voz de Dodô em of f , a lenta panorâmica f ina l iza com a imagem do at racadouro se afastando.

Dodô (o f f )Que p lano de carre i ra o quê, Car los?. . . Foda-se o estatuto! Muda o estatuto! . . . Onde já se v iu cr iou lo gerenciando agência bancár ia?. . . Só porque tem mais tempo de casa não é pra v i rá a casa da Mãe Joana! . . . Sei ! Eu sei que é o mais competente. . . Eu também tenho conf iança. Tenho tanta conf iança que é quem cuida de meus podres todos. Tá tudo na mão dele e você sabe d isso. . . É! É isso. . . Mas não pode dar mui ta asa pra essa gente, não Car los. Cada macaco no seu galho. . . Ah a c l iente la gosta! A c l iente la gosta e eu também gosto, mas bota e le de gerente e vê se a c l iente la não muda de agência, muda de banco. . . Olha, faz o seguinte, pega aquele menino que eu pus aí , como é o nome dele?. . . Esse mesmo!. . . É f raco porque fo i educado pelo mar ido da mãe dele e daí não puxou o pai . . . Claro! Só agora você reparou?. . . Mas f ica quieto. O mar ido é corno, mas não é tão passado quanto o enteado. . . É, pensa que é f i lho e tem de cont inuar pensando. Então, bota esse garoto que fac i l i ta pro meu lado. . . Claro! . . . A inda serve prum picote, mas agora deu de bancar a donzela do pei to caído. Bota o garoto que aí e la fac i l i ta uns pega outra vez. . . Abr iu quando arrumei o emprego, mas vem chantageando, choramingando que o moleque é arr imo da famí l ia . . . A lém de corno o outro é vagabundo. . . Sei lá ! . . . Então a je i ta esse assunto aí pra mim e deixa o Jacinto por minha conta que eu acer to qualquer co isa pra e le depois. Tamos entendidos?. . . Abraço!

Cena 6 – Detalhamento do movimento na balsaAndrew e Ronald junto ao bar , tur is tas e baianos t ransi tando, vendedores, pessoal da t r ipu lação.

Bib i (o f f )F iz o que deu, mas Dodô estava retado. Não quer deixar você sozinha com o Andrew de je i to maneira.

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Marl i (o f f )Enquanto desconf iar do Andrew está de bom tamanho. Mas já combinamos uma conversa pra dar um godeme em Dodô na I lha.

Bib i (o f f )De que je i to? Amorei ra é um t ico!

Cena 7 – Marl i acenando para Andrew e Ronald que se aproximam com latas de cerveja

Marl iMas a i lha é grande! Você cuida do Dodô em Amorei ra que cuido do Ronaldo por I tapar ica afora.

Bib iÉ! . . . A monga aqui f ica com o osso da coste la enquanto você se lambuza com o f i lé .

Mar l iCoisas da v ida, meu bem. Não rec lame e pense no seu futuro nos Is te i tes.

Bib iE como está esse enredo de Love Story?

Mar l i recebe a cerveja e se recosta em Ronald enquanto responde a Bib i .

Mar l iEnredadíss imo!

Bib i sorr i e o lhando abaixo, aponta.

Cena 8 – Dodô sai do carro, num aceno rápido para cimaDodô se d i r ige ao acesso para onde estão os demais

Cena 9 – Murada da balsaObservando Mar l i mais afastada, o lhando o mar, Dodô conversa com Andrew. Mais adiante Ronald f i lma o movimento das pessoas na balsa, auxi l iado por Bib i a quem demonstra o funcionamento da câmera.

DodôE porque Amorei ra?

AndrewEsto no sei . Melhor perguntar to Mar l i que é quem conversou com o mãe de santo. Mas é boa ide ia porque

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Ronald quer mostrar belezas de I lha e aprovei ta pra fazer imagens em pra ias, v i las, pessouas.

DodôMar l i ! Venha cá minha cabr i ta ! Tá aí aperreada com quê?

Mar l i (se aproximando)Tô aperreada, não. Só não quis at rapalhá conversa de negócios.

DodôDê um chei ro! Não tem negócio melhor do que mulé boni ta fe i to tu .

AndrewOh Yes! . . .

Dodô afasta Mar l i , v is ive lmente contrafe i to com a exclamação de Andrew.

DodôPor que essa f i lmagem em Amorei ra? O que é que tem lá?

Mar l iÉ que o Ronaldo quer ia f i lmar a festa de Iansã, mas quer ia usar as cores de Exu e aí não dá cer to. Donana não quis , mas como Ronald quer a lguma coisa for te, um candomblé bem puro, bem ra iz , a lguém lá do terre i ro de Donana recomendou que procurássemos o candomblé dos Eguns, aqui em I tapar ica, porque a l i fazem um r i tua l que só tem em 2 lugares do mundo. Um lá num país da Áfr ica e esse outro aqui , em Amorei ra.

Cena 10 – Tomada da barca aportando em I taparica, do ponto de vista de quem está em terraAssist indo o at racar da balsa, na amurada o grupo se d ispõe com Bib i e Ronald num extremo, e Mar l i ent re Dodô e Andrew.

Cena 11 – Geral de desembarque de passageiros e automóveis Em algum ponto do cais , Ronald, Dodô e Mar l i aguardam. Os carros encostam. Dodô se adianta e abre a por ta t rasei ra do d i r ig ido por Bib i , exatamente quando Andrew desce de seu carro.

Cena 12 – Andrew aproximando-se em direção à Dodô

AndrewDodou! Precisamos nos d iv id i r . Enquanto uns vão procurar o candomblé dos. . . igus?

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Marl iQue igus, seu bobo. Eguns!

AndrewYes! Egluns! Enquanto vocês procura os Egluns, I and Ronald vamos procurar imagens do I lha. Mas prec isa de a lguém que conheça o I lha e prec isa do voz de apresentadora do f i lme.

DodôE fazê como?

Mar l iDonana contô que o povo a l i de Amorei ra é mui to desconf iado com a coisa do candomblé dos Eguns. Diz que são mui to fechados e nos cul tos nem fa lar por tuguês pode. Quem não sabe gege ou iorubá não pode nem abr i r a boca (puxando Dodô pra cochichar) : Vai que e les têm preconcei to com Pomba Gira, sabe como é? Acho melhor i r você que tem mais presença, porque pra Bib i n inguém vai abr i r , não. Pode até espantar .

Alheio, Ronald aguarda com a por ta do carro de Andrew aber ta.

AndrewPercorremos o I lha, Ronald f i lma o que tem de f i lmar e enquanto isso vocês encontra o candomblé, ass im quando chegamos f i lma o que t iver de ser f i lmado. Ok?

Enquanto fa la Andrew abre a por ta t rasei ra de seu carro e deixando Dodo sem o que d izer Mar l i adentra o carro. Andrew também entra e acena enquanto par tem.

Mar l iBye-bye baby!

Dodô entra no seu carro.

Cena 13 – Interna do automóvel de DodôDodô bate a por ta do carro com força.

DodôE o abestado aqui f ica mocorongado, sem dizer nada!

Bib i (ar rancando o carro)

Dizer o que do quê, Dodô?

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DodôComo do quê? A quenga se vai com todo desfrute pro carro do amarelo, e eu nem tusso nem mujo!

B ib iDeixe de bestagem, Dodô! O que é que o Andrew pode querer fazer com Mar l i , se tem o Ronald do lado pra v ig iar?

DodôVig iar como, se é caolho? Nunca v i isso de c ineasta sem um olho!

Bib iE daí? Para o lhar pela câmera prec isa de um olho só mesmo! Pelo menos não tem o t rabalho de ter de fechar o outro o lho.

DodôPois é justo do lado que o outro não enxerga que o gr ingo vai se achegar em Mar l i .

B ib iE cê acha que vai ter tempo? O caolho é prof iss ional ! Não v iu como já chegou querendo f i lmar de tudo? E é todo d ia! Não deu aqui va i pra acolá, ad ianta um lado, resolve outro. Garanto que fo i de le a ide ia da gente i r na f rente pra adiantar o expediente enquanto aprovei ta Mar l i já fazendo imagens da i lha. Essa gente de c inema é assim: o que querem é produção! Ainda mais amer icano! Fosse bras i le i ro pr imeiro v inha f i lmar paisagem, depois t raz ia locutor , depois isso e aqui lo . Ronald não! Já pôs Mar l i de locutora pra i r ag i l izando o processo. Etá gr ingo da porra! Tá doido pra acabar logo e vo l tar pros Is te i tes.

DodôE tomara que leve esse amarelo junto. O suje i to já tá me dando no gargalo com essa mania de achar que tudo quanto é mulher do mundo tem de serv i r de pasto pra jumento do Tio Sam.

Cena 14 – Externa. Fachada de bar beira praia na I lha de I taparica, com espreguiçadeiras na areiaChegada do automóvel de Andrew que estac iona e sa i do carro, com jornais e rev is tas nor te-amer icanas na mão. Do outro lado também saem Ronald e Mar l i . Fazendo a vol ta para a por ta do motor is ta, Ronald passa em f rente a uma mesa sobre a qual joga um l ivro, n i t idamente para le i tura de Andrew que se despede do casal enquanto Mar l i passa para o banco da f rente, no lugar antes ocupado por Ronald.

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Enquanto um garçom se aproxima para atender Andrew, acenam e par tem.

Cena 15 – Tomada geral do povoado de AmoreiraGrupos de pescadores na pra ia. B ib i estac ionando o automóvel f rente a um bar . Saem do carro, o lham à vol ta , ent ram no bar .

Cena 16 – Inter ior de bar popularBibi e Dodô aproximam-se do balcão. Dodô pergunta a lgo ao balconista que acena negat ivamente e o lha para um grupo de f regueses aos quais se d i r ig i B ib i , indagando. Um dos f regueses aponta para a pra ia, ind icando a lguém.

Cena 17 – Externa. Bibi e Dodô saindo do bar, em direção à praiaAo passar por um popular caminhando em sent ido contrár io , B ib i indaga e o in terpelado balança a cabeça negat ivamente. Seguem.

Cena 18 – Bibi e Dodô aproximam-se de grupo de pescadoresOs pescadores in terrompem o t rabalho ouvindo a indagação da dupla e um deles aponta em di reção a uma baiana de tabule i ro.

Cena 19 – Ronald fotografando Marl i junto à árvore de praia Marl i faz poses para sequências de fotos de Ronald. Depois abraçam-se, bei jam-se, retornam ao carro.

Cena 20 – Close em baiana no f igurino t ípico das vendedoras de acarajé, acenando negativamenteNa sequência, abr indo em zoom-out , enquadramento de Bib i e Dodô se afastando do tabule i ro da baiana.

Cena 21 – Sequência de cenas de Ronald e Marl i em diversos pontos paradisíacos da I lha de I taparicaNo decorrer da sequência, poses d iver t idas e sensuais de Mar l i para a câmara de Ronald, in tercaladas com mani festações de car inho.

Cena 22 – Sequência de cenas de Dodô e Bibi indagando pessoas que respondem negativamenteNa úl t ima cena da sequência, indagam a um grupo formado por mulheres de saias e cabelos compr idos e homens de terno e gravata, todos com bíb l ias nas mãos. Um homem responde negat ivamente e com má vontade. Uma mulher se exal ta , out ro homem abre sua Bíb l ia e in ic ia le i tura e pregação.

Cena 23 – Ronald e Marl i em praia desertaNua, corpo lambido pelas ondas no encontro de mar e are ia, Mar l i faz d iversas poses para a câmara de Ronald. Depois

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adentra o mar e chama Ronald que leva a câmara para o carro, onde também deixa as roupas e retorna de calção de banho, com as peças do maiô de Mar l i penduradas no pescoço. Dentro do mar bei jam-se, acar inham-se. Mar l i mergulha e retorna com o maiô de Ronald nas mãos. Rindo, enro la e prende o maiô em seu pulso. Envolve a c in tura de Ronald com as pernas e in ic iam uma penetração.

Cena 24 – Na ponta da praia deserta surge uma procisão catól ica na tradicional formação em f i la dupla indiana.Os romeiros embevecidamente o lham à f rente, a té que um a um desviam a atenção para o casal no mar. Sem interromper o r i tmo da caminhada, todos se f ixam no casal , inc lus ive o padre. Abraçados, com os seios de Mar l i esmagados ao pei to de Ronald, o casal corresponde encarando a proc issão. A expressão de Ronald é de quem, apesar de outras sensações, está apreciando o desf i le , mas a de Mar l i , mesmo correspondendo ao f ixo o lhar dos f ié is , é de quem está tendo um intenso orgasmo que, longe de provocat ivo, assume uma expressão beat í f ica.

Cena 25 – Cansados, Dodô e Bibi achegam-se à sombra de grande árvore no al to da praia

B ib iOxeeente! Em Salvador todo mundo fa la do canzuá das a lmas, do i lê das a lmas de Amorei ra, e aqui n inguém conhece.

Dodô senta-se cansadamente na grande ra iz aérea da árvore e Bib i em f rente, sobre a are ia.

DodôSou eu que não conhecem. Vivem iso lados nesse f im de mundo e nem sabem quem é Adônis Celso Mangabeira. Negrada ignorante!

Cena 26 – Close de Marl i em êxtase e segura pela cintura por Ronald a quem se prende pelo enlaçar das coxas, boiando com os cabelos espalhados na água do marRonald a sustêm com um braço e com o outro recolhe melenas dos longos cabelos para acar inhar seus seios.

RonaldVocê é meu Iemanjá!

Mar l iNão. Sou Oxum. A Oxum da Cida. . . (soerguendo-se surpresa) : Oxente! Você fa la por tuguês?

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RonaldMelhor que Andrew. Falo por tuguês, espanhol , mui tos l ínguas. Via jo mui to. Aprendi no Rio de Janei ro.

Mar l i Seu coisa! Todo esse tempo me enganando. F ingindo que não entende quando fa lo que tô apaixonada e quero que me leve pros Is te i tes.

RonaldNão quero levar um anjo pra in ferno. E não quero Dodô saber que entendo o que e le fa la. Não conte pro n inguém. Nem Bib i .

Mar l i faz cara de jura e dá um longo bei jo em Ronald.

Cena 27 – Dodô é Bibi sob a sombra da árvoreGrande e fechada, a copa da árvore escurece seu própr io t ronco em quase inv is ib i l idade.

DodôSerá que esse povo a inda vai demorá mui to?

Bib iPor cer to, né Dodô. A I lha é grande e o caolho é meio maluco. Não v iu lá no ferr i bote? Quer ia f i lmar tudo! Até me ensinou a mexer na câmera. É fác i l !

DodôQuero ver quanto va i dar esse monte de ro lo de f i lme.

Bib iÉ Dodô quem paga?

DodôÉ minha par te no negócio. Toda a produção na Bahia eu mantenho e os gr ingos f icam com a par te de lá . Mas l iga aí pro Ambrósio, quero vê o que deu. Se é que esse incompetente já fez a lguma coisa. Não d iga que sou eu, não. Compromete. Diz seu nome que e le já sabe que é comigo mesmo

Cena 28 – Andrew lendo na espreguiçadeira e acompanhando a chegada do automóvel com Ronald e Marl i Ronald e Mar l i aproximam-se da mesa e o d iá logo é em inglês.

RonaldBoas le i turas?

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AndrewYes! You? Boas imagens.

Ronald abraça e bei ja o rosto de Mar l i

RonaldBoas imagens e excelentes le i turas.

Cena 29 – Dodô ao celularNo decorrer das conversas por ce lu lar as tomadas in tercalam-se entre b ig c loses em olhos, boca e movimentos de mãos de Dodô; e tomadas de Dodô at ravés do entremeio das fo lhas e galhos da grande árvore, suger indo que a lguém o espre i ta .

DodôSó na Bahia mesmo.. . A essas a l turas o cabra já tá longe. Faz o seguinte: passa uma capivara pros teus colegas de Aracajú pra baixo, até São Paulo. . . Por v ia das dúvidas, av isa os de Reci fe também.. . Avisa todo mundo que o e lemento é per igoso. Terror is ta! É pra t rancaf iar e se não der , e l imina logo! Qualquer co isa me avisa. . . Tô no aguardo.

Dodô desl iga, ref le te por um momento e, estendendo a mão, repassa o ce lu lar . O quadro abre para Bib i pegando o celu lar .

DodôLiga aí para o Ribei r inho. Mas nem fa la nada, me passe assim que chamar.

Bib iTá na agenda?

DodôEvidente! É o pr imeiro da agenda.

Bib i Então é só d ig i tar o número 1.

DodôSe é o pr imeiro só pode ser o número 1, sua besta! Quer ia que fosse qual?

Bib i (passando o celu lar)

Então tome. Já tá chamando.

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Dodo pega o celu lar e se a je i ta sobre a ra iz da árvore, vo l tando-se de costas para o mar e de f rente para o t ronco escondido sob a sombra da própr ia árvore.

DodôDoutor Ribei r inho, por favor . . . Adônis Mangabeira. . . É, da Bahia. . . ( junta o ce lu lar ao corpo, rec lamando) De onde essa ser iema caída do n inho acha que sou?. . . Doutor Roberto! Como vai meu amigo?. . . E os meninos?. . . E a senhora?. . . Ah, aqui va i tudo bem! Tudo bem!. . . S im, o fa turamento está bom s im. . . É! Nós f izemos esse país, não é doutor Rober to?. . . Quando ter íamos os rendimentos que temos hoje, se cont inuasse aquela bagunça que era antes de 64?. . . Isso mesmo!. . . Olha doutor Roberto, apesar de estar tudo conforme p lanejamos, estou aqui com um probleminha. Lembra-se do caso daquele jornal is ta de que já fa le i?. . . Aquele esquerd inha met ido a Zorro, Robin Hood, Che Guevara. O demagogo protetor do povo. . . Esse mesmo!. . . Como é?. . . Ah s im! Ofereci s im, mas é daqueles que se candidata a santo, sabe como é?. . . Diz que não se vende por nada. . . É! Aqui na Bahia a inda tem disso. . . Prov inc ianismo! A Bahia a inda é mui to prov inc iana! . . . Tem razão, são mesmo os mais per igosos. . . Não, je i to não tem.. . Bom era os métodos do nosso tempo pra cuidar desses t ipos, mas com essa h is tór ia de “d i tadura acabô” já v iu ! Dá n isso! . . . Se deixá, vo l ta a baderna! . . . É, in fe l izmente não deu para acabar com todos, mas não pode medrar as erva daninha. . . O problema é que não estamos conseguindo encontrar o subvers ivo aqui na Bahia e por isso pensei em pedi r sua a juda. . . Foi o que imaginei . . . O nome do suje i to é Anís io Pere i ra, mas deixe que amanhã mesmo meu assessor va i passar nome e número de regis t ro no s indicato e o da car te i ra prof iss ional . Posso mandar deixar com sua secretár ia?. . . Não, c laro! . . . Nem tem mesmo, é só pedi r te le fone e endereço, marcar entrev is ta, re torno, qualquer co isa assim. . . Isso! Foi o que pensei . . . De onde for av isam para a sua centra l que me repassa e passo pro meu pessoal . . . S im, já tá toda a pol íc ia do país em aler ta. . . É. . . Como nos bons tempos! A d i tadura pode ter acabado, mas cont inuamos v ig i lantes. . . Só que agora ao invés de Operação Condor é a Operação Carcará! . . . Ah! Pegá a gente pega s im! Sempre pegamos! . . . Isso doutor Roberto! Sei que posso contar com o senhor . Grande abraço e mui to obr igado! . . . Eu é que d igo! Grande abraço!

Dodô desl iga e repassa o ce lu lar para Bib i , recomendando:

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DodôVou deixar em c ima de sua mesa o nome e o número do meu in formante no s indicado dos jornal is tas. Amanhã, ass im que chegar você l iga e pede o número de regis t ro s indica l e da car te i ra de t rabalho do ta l Anís io. É Anís io Pere i ra. . . Deixo anotado também. Depois que te passarem os dados, você l iga pra esse mesmo número do Riber inho. O número 1 aí da minha agenda. Pede pra fa lar com a secretár ia do Doutor Roberto. Se não quiserem passar , d iz que é meu assessor , mas não vai fa lar em Dodô Excelência que lá só me conhecem por Adônis. Adônis Celso Mangabeira. Entendeu tudinho?

Bib iEntendido e regis t rado Excelência.

Cena 30 – Marl i entre Andrew e Ronald no banco da frente do automóvel . Apreciam as paisagens de I taparicaGest icu lam e fa lam alegremente. In teressada por a lgo, Mar l i faz com que parem o carro. Descem. Aproximam-se do vendedor de ar tesanato. Compram, caminham pela pra ia.

Cena 31 – Bibi e Dodô sob a árvore

BibiBora perguntar pra outras pessoas, Dodô. Tem de ter a lguém nessa Amorei ra que conheça o candomblé dos Eguns.

DodôConhecer todo mundo conhece, o que esses tabaréus não querem é contar onde f ica.

Uma voz de velhoTem de perguntar pra quem sabe.

Dodo sal ta e Bib i quase cai de susto.

DodôOxeeen! Quê d iabo é isso?

Bib i f i rma os o lhos no centro da árvore de onde veio a voz e só então d iv isa um vul to que se confunde ao t ronco da árvore, escondido pela escur idão da sombra. Prat icamente apenas se enxerga o branco dos o lhos e dos dentes de uma boca em sorr iso.

Bib iAí í í í í moço! O senhor quase me mata de susto

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VelhoEu não mato n inguém. Vocês é que já tão morrendo de medo. (apontando pra Dodô) O valentão a i tá mais morto de medo do que quem o medo dele qué matá.

DodôTá desde quando aí ouvindo conversa, ve lho?

VelhoEu tô aqui desde sempre. Vocês é que v ieram de fora t razê a conversa pra eu escutá. Não me in teressa, não, mas quis a judá. Se não qué a juda, me calo.

Bib iEu sô Bib i de Brotas e esse é o Seu Do. . .

VelhoNão perc isa d izer nome de n inguém, não. Cês já d isserô seus nome, sobrenome, a lcunha, apel ido e tudo. Já deram nome até das praga lá do Rio de Janei ro e não quero ouvi tudo outra vez. E se quiserem sabê de meu nome pra depois se in formá: é Gonga. É só perguntá desse velho que aqui nessa Amorei ra os mais ant igo tudo me conhece.

Bib iO senhor é daqui de Amorei ra, Seu Gonga?

GongaNão! Sô não, meu f i lho. Sô de antes, de mui to antes!

Bib iDe antes de Amorei ra? Lá da Vi la de I tapar ica?

GongaMui to antes, menino. Mui to antes!

Bib iCachaprego, Barra do Gi l , Bom Despacho?

GongaMais antes! Mui to mais antes!

Dodô, a inda ressabiado, tentando enxergar melhor o vu l to que se cofunde ao t ronco da enorme árvore, se arr isca a par t ic ipar da conversa aproximando-se do centro do escuro, mas quando o br i lho dos o lhos se vol ta para e le, recua assustado.

DodôVocê também é do ser tão?

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GongaMas não do seu ser tão.

DodôE quem te d isse que sou do ser tão?

GongaVocê!

DodôEu não d isse nada!

GongaAcabou de d izê! (apontando Bib i ) Não fo i?

Bib iÉ Dodô. . . Se eu sou Bib i de Brotas e você pergunta se o Seu Gonga também é do ser tão, f ica c laro que você é do ser tão. Eu não sabia d isso, não. Dodô sempre pareceu tão c idadino.

Depois de um tempo para engol i r a vergonha de ter se revelado sem perceber , Dodô torna ao assunto:

DodôDe que ser tão tu é, ve lho?

GongaSou dos ser tões de minha gente. E eu e minha gente v iemos de outros ser tões. Amamos outras matas onde se escondiam outras feras.

Zoom até enquadramento de o lhos e sorr iso, sempre envol to ao escuro da sombra e encostado ao t ronco, como se a e le inerente.

Cena 32 – Sequência de imagens de cot idiano e festas r i tuais de aldeias afr icanasAs imagens correspondem ao descr i to na fa la. A voz, embora cont inue sendo a de Gonga, assume outra entonação e pronúncia formal , revest indo-se de maior c i rcunspecção.

Gonga (o f f )V iv íamos de bem v iver , fazendo de tudo um pouco e sempre quando necessár io . Quando nada era necessár io sa l távamos de uma grande pedra e mergulhávamos fundo. . . Tão fundo quanto um peixe. Ou subíamos as montanhas e, lá dos píncaros, o lhávamos a terra como a o lham as águias.

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A terra! Terra onde nossos f i lhos nasciam para correrem descalços e rápidos como as zebras e, um dia, já homens, aprender as ar tes da caça com os leões. Quando velhos, nossos f i lhos ensinar iam aos seus f i lhos os segredos dos deuses.E os deuses nos abençoavam na paz, ou nos cast igavam na guerra.Na guerra éramos valentes, for tes e d ignos. Valor izávamos e respei távamos nossos in imigos e por e les éramos valor izados e respei tados, pois todos reconheciam o valor da força e da valent ia .Assim eram nossos d ias. Dias em que nossos homens caçavam, ou vagabundeavam, ou guerreavam. E nossas mulheres cuidavam das roupas e dos a l imentos.À noi te , nos reuníamos em vol ta das foguei ras para contar as h is tór ias de nossa gente e cantar nossas músicas. . . Bat íamos os tantãs e evocávamos nossos deuses.

Cena 33 – Com caracterização de f igurino e movimentos, uma manifestação de Obá tendo como fundo o mapa da Áfr ica onde se destaca a região correspondente à narrat iva

Gonga (o f f )Amávamos Obá porque era a deusa do amor e era a guerre i ra que protegia os f i lhos de Gâmbia, Guiné, Gana, Gabão e todos aqueles deser tos, savanas e se lvas por onde errávamos nas imensidões de nossa Áfr ica a lém Congo. Ossa-Ossi , ass im a chamávamos quando, em dias de paz, v inha dançar em torno de nossa foguei ra, ocul tando com o abebê a ore lha par t ida. Então consolávamos seu amor não correspondido por Xangô, e Obá nos parecia mui to f raca e anciã. Mas quando os tantãs c lamavam os homens para a lu ta, Obá guerre i ra surg ia ter r íve l com damatá e escudo. E depois ensinava-nos a perdoar nossos in imigos e curava nossas fer idas com suas ervas.Morto era aquele que tentava enfrentar o arco, a seta ou o d isco de nossa mãe. Perdoado era o que a e la pedia c lemência. Assim era a just iça de Obá, r iva l de Oxum, dona do r io Obá.

Cena 34 – Sequência de cenas de arquivo de caça de animais vivos, sem armas de fogo. Com laço e rede

Gonga (o f f )Um dia v ieram as caravanas dos brancos e t rouxeram os laços, as redes e armadi lhas E nos uni ram com o ferro das correntes.

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Acorrentados e ch icoteados fomos levados pelo nosso r io , o r io de nossa Mãe, o r io Obá.

Cena 35 – Sequência de gravuras e desenhos e plantas baixas de navios negreiros

Gonga (o f f )Mui tos d ias e noi tes at ravessamos o grande r io que chamam de oceano. Em bandos, t rancados nos porões da grande canoa que chamam navio. De tudo morr íamos um pouco. Morr íamos de fome, de doença, de açoi te ou de banzo.

Cena 36 – Sequência de gravuras de Debret com f lagrantes da escravidão brasi leira: pelourinho, mordaça, negros e negras trabalhando, mercando, etc.

Gonga (o f f )Os que sobrevivemos e aqui chegamos fomos separados e d iv id idos pelo grande país dos brancos. Vimos nossos f i lhos e i rmãos serem mandados para as p lantações do sul e do nor te. Outros foram para as minas dos gera is , out ros para os curra is dos ser tões. . . Mas nunca f icamos sós. Havia sempre uma corrente a nos prender , uma mordaça a nos calar e uma chibata para zuni r em nossas costas.

Cena 37 – Sequência de i lustrações e gravuras de qui lombos, Palmares, Zumbi

Gonga (o f f )Um dia fug imos e cr iamos uma grande nação de homens l ivres. Mas os brancos nos encontraram, t rouxeram suas bandei ras e nos venceram com seus arcabuzes. Lutamos, mas vol tamos a ser acorrentados e amordaçados. E tornamos a lu tar e fug i r e a morrer e morrer .

Cena 38 – Sequência de i lustrações alusivas à abol ição da escravatura, retratos da Princeza Izabel e de notáveis abol icionistas

Gonga (o f f )Mas os melhores entre mulheres e homens brancos se uni ram à nossa lu ta e ve io o tempo em que não éramos mais apr is ionados nem chicoteados. Então pensamos que a grande mãe Obá atendera a seus f i lhos. Mas logo descobr imos que mesmo não sendo apr is ionados, cont inuávamos pr is ionei ros.

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Cena 39 – Sequência de fotos de detentos em celas superlotadas, manchetes e matérias de imprensa noticiando fatos racistas ou de conotação racista, Exemplo: capa de edição da rev is ta Real idade sobre rac ismo e capa da rev is ta Veja ind icando que negros e pobres são os que decidem votos. Fotos de pessoas públ icos com reprodução, em legenda, de f rases que tenham profer ido com conotação rac is ta. Exemplos: Joaquim Ror iz , Ibrahim Sued, Jorge Bornhausen, Xuxa.

Gonga (o f f )Não zumbem mais os ch icotes sobre nossas carnes, mas a inda nos fust igam com as chicotadas do desprezo pela cor de nossas peles. E cont inuamos fugindo. . . Fugindo e morrendo. Nossos f i lhos cont inuarão a morrer e fug i r . Morrer de desprezo, de pro ib ição e abandono. Morrer de fome, de açoi te , de doença, ou de banzo.

Cena 40 – Sequência de imagens de vi larejos e populações r ibeir inhas do Rio São Francisco, f inal izando com detalhe de carranca em ponto paradisíaco do r io e o ref lexo de Obá nas águas do r io

Gonga (o f f )Cont inuaremos a morrer e fug i r a té que nossa mãe desper te de seu profundo sono no novo r io Obá, que aqui chamam de São Francisco. Um dia e la ouvi rá nosso chamado e sai rá das águas. Então a Bahia será a nossa nova Guiné. . . E o Brasi l será nossa nova Áfr ica. X i r ieê Ri !

Fim do episódio 8