Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

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ORNITOLOGIA

BRASILEIRA

HELMUT 5ICK

EDIÇÃO REVISTA E AMPLIADA POR

CAPÍTULOS ESPECIAIS ESCRITOS POR

JÜRGEN HAFFER E HERCULANO F. ALVARENGA

ILUSTRAÇÕES

PAUL BARRUEL

PRANCHAS COLORIDAS-

PAUL BARRUEL E JOHN P. O'NEILL

3' impressão

Rio DE JANEIRO2001

-EDITORA NOVA FRONTEIRA

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© 1997 by Ingeburg Kindel

Direitos desta edição em língua portuguesa adquiridos pela EDITORANOVAFRONTEIRAS. A.Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar,

em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão da Editora.

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Coordenação da obraosé ndo checo

Projeto Gráfico e Editoraçãoo Elet ni

Ilustraçõesel,

P , B. l, He c ,e e de o

CapaAquarela O,80xO,60m

en e ight

S5680

CIP - Catalogação na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

97-0001

020197

Sick, Helrnut, 1910-1991Ornitologia BrasileiraI Helmut Sick; ilustrações Paul Bai:ruel;

pranchas coloridas Paul Barruel e [ohn P. O'Neill ; coordenaçãoe atualização José Fernando Pacheco. - Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1997

912p. : il.

ISBN 85-209-0816-0

1. Ornitologia - Brasil. 2. Aves - Brasil. I. Pacheco, JoséFernando. II. Título.

CDD 598.2981CDU 598.2 (81)

030197 002429

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pioneira na pesquisa de campode aves no Brasil.

Dedicadoà

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Sumário

'2

2.12.22.32.4

2.5

33.1

'\ 3.23.3

3.4

3.53.6

3.73.83.9

4

4.1

PARTE 1 21

1 o País e suas Aves7 231.1 Domínios Morfoclimáticos 231.2 As Paisagens e sua Avifauna 231.3 Os principais hábitats das aves do Brasil 25

Breve.história da ornitologia brasileira doséculo XVI ao início do século XX 45Século XVI 45Século XVII 47Século XVIII 49Século XIX 49Século XX 56

Conservação 59História da Conservação no Brasil 59Unidades de Conservação , 60O problema da fragmentação doshábitats naturais 63Problemas de conservação, especialmente naAmazônia 65Mata Atlântica e florestas de calcário 69Reflorestamento e dependênciada fauna. Preservação Ambiental 71Poluição, aves como bioindicadores 71O comércio ilegal de aves: novas perspectivas 73Nova orientação 75

Biogeografia e Especiação (Jürgen Haffer,com comentários de Helmut Sick) 78Aves da região neotrópica 78

5 Morfologia 845.1 Morfologia, adaptações especiais 84

6 Classificação e Nomenclatura 936.1 Classe 946.2 Ordem 956.3 Família 956.4 Gênero 956.5 Espécie : , ..956.6 Subespécíe 966.7 Tipos 97

7 Biologia 987.1 Manifestações sonoras 987.2 Alimentação, modo de caçar e pescar, resíduos 1117.3 Hábitos, etologia, sentidos 1127.4 Reprodução : 113

7.5 Relações interespecíficas 1167.6 Parasitos de aves, faunanidícola, problemas

sanitários, doenças 1177.7 Predação,acidentes, impactos atmosféricos 118

8 Aves Fósseis: História da Origem e Evolução(Herculano E Alvarenga) 120

8.1 A Evolução das Aves 1208.2 Aves Fósseis da América do Sul 1228.3 Aves Fósseis do Brasil 123

9 Composição da Avifauna Brasileira 1249.1 Categorias de aves brasileiras 1249.2 Análises populacíonaís, biodiversidade 1369.3 . Fontes 137

PARTE2 141

Sinopse Ilustrada das Ordens eFamílias das Aves Brasileiras 143

10 Famílias e Espécies 153Ordem Tinarniformes 153Ordem Rheiformes 168Ordem Podicipediformes 172Ordem Procellariiformes 175Ordem Sphenisciformes 186Ordem Pelecaniformes 189Ordem Coconiiformes 201Ordem Phoenicopteriformes 226Ordem Anseriformes 229Ordem Falconiformes 243Ordem Galliformes 270Ordem Opisthocorniformes 287Ordem Gruiformes 290Ordem Charadriiformes 307Ordem Columbiformes 341Ordem Psittaciformes 351Ordem Cuculiformes : 383Ordem Strigiforrnes 393Ordem Caprimulgiformes ,' 406Ordem Apodiformes , 422Ordem Trogoniformes 467Ordem Coraciiformes : 472Ordem Piciformes 479Ordem Passeriformes 519Bibliografia Geral 817Índice .de Espécies 837Pranchas 863

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da, e é da natureza dos livros, em contraste com a dasrevistas e dos jornais, que não possam acompanhar oritmo das mudanças e dos acréscimos que periodicamen-te se fazem ao conhecimento. Apesar disso,

e Helmut Sick foram, e continuam sendo, nãoapenas o principal marco dessa ciência no Brasil no sé-culo XX,mas de fato a principal mola propulsora de seudesenvolvimento, com o incentivo que deram para a con-solidação de inúmeras vocações eO surgimento e aper-feiçoamento de muitos jovens ornitólogos nopaís,

Para que se concretizasse esta segunda (e definitiva)edição em português deO na qualHelmut Sick trabalhou até os últimos dias de sua vida,empenharam-se a sua maior amiga, Sra. IngeburgKindel, e um de seus discípulos mais aplicados ao estu-do das aves brasileiras, José Fernando Pacheco, que

. meticulosamente reviu, atualizou e ampliou o manus-crito deixado inacabado pelo mestre. O resultado, quenão poderia ter sido melhor, é a materialização do seuúltimo sonho.

Ornitologia Brasileira aqui está, mais uma vez, so-berana, para deleite de todos os que ainda encontramna beleza das aves, na sua riqueza de comportamentose formas de expressão, inspiração para enfrentar os so-bressaltos deste fim de século. Particularmente, vejo estelivro como uma janela entre dois milênios, e espero queo que ele retrata não seja apenas o que se poderá ver aoolhar para trás, mas também uma projeção para o futu-ro. Helmut Sick fez a sua parte. O resto agora depen-de de nós.

_ Apresentação

Passados mais de dez anos desde a primeira ediçãode e mais de cinco desde a mortede Helmut Sick, essa continua sendo uma obra de valorinestimável, que não pode faltar na estante dos amantesda natureza brasileira, do estudante ou profissional deornitologia, ou mesmo do biólogo atuante em outrasáreas do conhecimento. Permanece válida minha afir-mativa, em resenha escritaà época do lançamento da-quela edição, de que muitas décadas deveriam se pas-sar antes que trabalho de semelhante envergadura en-contrasse sucedâneo.

Aproxima-se o final do século e com ele o fim de ummilênio. Um século que testemunhou um crescente afas-tamento entre o homem e a natureza, o surgimento dotransistor, do "chip" de computador e de uma impres-sionante capacidade de armazenamento e velocidade detransmissão de informações. Outros livros sobre as aves

.-. brasileiras certamente serão escritos e serão bem-vin-dos, cada vez mais completos, cada vez mais atualiza-dos, cada vez mais modernos (em CD-ROM ou talvez"on line"?) . Em todos, porém, estará a marca indeléveldeste que, ainda no século XX,pela primeira vez reuniutanta informação sobre essas criaturas emplumadas queforam a essência e a razão de ser dos 81 anos de vida doseu autor. Na verdade, penso hoje, nenhuma outra obrasobre as aves brasileiras jamais poderá substituir a de'Helmut Sick, pelo que ela representa, em seu conjunto,de originalidade, romantismo, dedicação e amorà na-tureza.

O estudo de nossas aves progride de forma acelera-

Luiz Gonb de o

de

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Apresentação à primeira edição

Otnitólogo realizado, com farta produção científicade primeira qualidade, que o tornou conhecido no mun-do inteiro, Helmut Sick dispensa qualquer abono noátrio deste seu novo livro.

O livro, é óbvio, custou-lhe muitos e muitos dias deatu~ado trabalho, dias que ele certamente gostaria deempregar em novas aquisições científicas, mormente senalgum longínquo rincão, no convívio da Natureza. Seoptou por escrevê-lo, foi por se ter persuadido de queera serviço da maior relevância e premência para o de-senvolvimento da ornitologia no Brasil, para a promo-ção da pesquisa ornitológica entre nós.. O livro não visa somente à formação de ornitólogos,

sendo acessível a todos aqueles que, sem serem estu-dantes de ornitologia, querem estender o seu conheci-mento das aves do Brasil, em geral, ou porventura ape-nas informar-se sobre um ponto ou outro. Deve, porém,ser assinalada uma peculiaridade, que interessa aosornítólogos profissionais. É que em virtude da vastaexperiência de Helmut Sick (que não deixa passar nadasem registro em seus cadernos de notas), o livro está re-

pleto de observações originais, que nele pela primeiravez são dadas à estampa.

Para uma "Introdução", a visão de conjunto que olivro proporciona não poderia ser mais minuciosa ecompleta, e tem o mérito, consoante ao intento de pro-moção da pesquisa, de deixar bem claro quão deficien-tes são ainda, em muitos pontos, os nossos conhecimen-tos.

Cumpre acrescentar que o livro, muito acertadamen-te, se ocupa também com o problema da conservaçãodas aves. Problema angustiante, pois o impacto da civi-lização vem tendo um efeito literalmente devastadorsobre a nossa avifauna, sendo já elevado o número deespécies ameaça das de extinção.

Em razão de sua excelente qualidade, não hesito empredizer que o livro atingirá em cheio o seu objetivo, eque a sua contribuição para o desenvolvimento da orni-tologia será de um vigor sem paralelo na história dessadisciplina em nosso país. Ficamos devendo a HelmutSick nosso caloroso reconhecimento por haver se dedi-cado, com inexcedível seriedade, à sua elaboração.

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português. Não sendo nativo da língua portuguesa ereconhecendo suas dificuldades, era sua idéia que to-dos esses textos de inserção passassem por uma meti-culosa revisão gramatical. William Belton, tradutor daversão americana dessa obra se utilizou desses textosem Português não revisados para conceber os textos emInglês. Verificamos que alguns pequenos equívocos co-metidos na edição americana tinham por origem a falta

. de clareza existente nos originais em Português. O pró-prio Belton em uma de suas correspondências afirmouque "em muitos lugares [do texto] faltou a precisão ne-cessária para permitir a tradução exata". Esta foi umadas principais razões para que fosse definitivamenteabandonada a idéia de se preparar esta nova edição emPortuguês através da tradução direta da edição ameri-cana do livro. Esta opção, caso viesse a ser implementa-da, seria ainda responsável pela perda do estilo perso-nalizado dos textos remanescentes da edição originalque não sofreram alteração.'. Da edição americana reproduzimos em parte o seu

padrão de distribuição dos capítulos e diagramação.Foram reintegrados à esta nova edição os capítulosintrodutórios que Sick decidiu retirar da edição ameri-cana - Morfologia, Biologia e Vocalizações - por consi-derar "que os leitores em inglês não precisariam dos de-talhes elementares sobre as aves" porque tinham acessoa muitos livros textos que tratavam dessas matérias. Ocapítulo sobre aves fósseis foi reescrito durante a prepa-ração dos originais dessa nova edição por seu autor,Herculano F. Alvarenga, que incorporou substanciaisalterações em relação ao texto da versão americana. Ocapítulo sobre Biogeografia e Especiação, preparado emcolaboração com Jürgen Haffer especialmente para a edi-ção americana, foi traduzido diretamente do inglês porP" S. M.-da Fonseca. ..'

O preparo dos originais de forma a viabilizar a pu-blicação da nova edição de exigiuo estabelecimento prévio de critérios práticos de deci-são editorial. A atualização de todos os múltiplos temastratados à luz das mais recentes contribuições exigiriatarefa diversa da que foi executada e envolveriaidealmente a participação de um conjunto de profissio-nais das mais diferentes áreas do conhecimentoornitológico.

O trabalho de revisão e preparação dos originais des-ta nova edição foi realizado em duas etapas. A primeiraetapa consistia na avaliação que visava estabelecer se otexto de inserção preparado por Sick estava finalizado,

Notas à edição revista e ampliada

Helmut Sick faleceu no Rio de Janeiro na manhã dodia 5 de março de 1991, aos 81 anos e em completa luci-dez, após curta enfermidade. Viúvo e sem filhos, Sickestava trabalhando intensamente nos originais da novaedição de que pretendia publicarsimultaneamente em português e inglês.

foi publicada em1985pela Editora da Universidade de Brasília e teve trêsreimpressões, a última datada de 1988. Esta primeiraversão da obra, concebida quase integralmente em ale-mão e traduzida para o português por Guttorm Hanssen,foi fruto de 25 anos de trabalho do autor.

Ciente do largo emprego de seu livro entre nós, Sickdesde o lançamento da edição original, empenhou-seimediatamente em seu projeto pessoal que visava pu-blicar em poucos anos uma nova versão revisada e atua-lizada. Paralelamente, William Belton, nos Estados Uni-dos, seu antigo colaborador iniciou a tradução dos ori-ginais para preparar uma versão da obra destinada aopúblico de língua inglesa.

Quatro anos depois, ao reconhecer o seu trabalhoadiantado, Belton sugeriu a Sick que não mais en-viasse acréscimos para serem incorporados. Nessemomento, Sick passou a trabalhar exclusivamente narevisão e atualização da almejada nova edição brasi-leira. Contudo, a morte de Sick deixou esse trabalhoinacabado.

o

O conjunto de originais deixados por Sick e utiliza-dos no preparo dessa nova edição brasileira foi resulta-do de sua intensa atividade de revisão e a~~~lização daversão original de sua obra nos últimos seis anos desua vida. Sem se utilizar dos recursos dos modernoseditores de textos informatizados, Sick preparava suanova edição' manualmente. De uma maneira que hojeclassificaríamos de artesanal, os muitos textos novosou de atualização que elaborou foram datilografa dosàparte e, em seguida, recortados e colados em seu devi-do lugar no manuscrito principal. Esses originais.da'nova edição eram, na prática, uma cópia da edição de1985 com muitas adendas. Essa edição 'original, queservia de matriz para as pretendidas alterações de con-teúdo e forma, continha ainda várias anotações ma-nuscritas feitasà margem. Diferentemente da ediçãooriginal, Sick preparou os textos novos diretamente em

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ORNITOLOGIA BRASILEIRA

esboçado ou indicado. Nesta etapa foi decidido se o ,.acréscimo seria ou não integrado aos originais, levandoem consideração, primeiro, a relevância do tema da in-serção e segundo se a elaboração do texto em Portuguêsestava concluída. Este critério viabilizou a revisão dosoriginais em tempo hábil, tendo em vista que Sick usan-do três línguas anotou na margem das páginas inúme-ras vezes frases. curtas onde indicava que pretendia tro-car algum termo, "desenvolver texto maior" ou expli-car melhor uma situação. Estas múltiplas indicações es-tavam à lápis nos próprios originais ou permaneciamesboçadas em papéis de recado fixados por clips.É dese acreditar que muitos desses avisos seriam elabora-dos posteriormente pelo próprio Sick, caso a morte nãotivesse impedido essa intenção. Porém, em muitos ca-sos, essas anotações eram meros sinais para uma even-tual revisão que poderia ou não resultar em alteraçãodo texto original. A segunda etapa consistiu no trabalhode aperfeiçoamento dos textos em português ainda nãorevisados. Muitas vezes optou-se por reconstruir inte-gralmente as frases para que as idéias originais de Sick,considerando as fontes mencionadas, fossem tornadasclaras e precisas. Os textos originais foram mantidos emsua essência e na forma como foram elaborados por seuautor e apenas alguns dados equivocados, desatuali-zados ou incompletos foram substituídos, eliminadosou aditados. Em geral, e considerando que muito traba-lho na revisão dos textos em português foi dispendido,apenas os textos definitivamente elaborados pelo pró-prio Sick foram incorporadosà nova edição.

A tarefa de incorporação de novos dados, como for-.ma de contribuição do coordenador, foi limitada a qua-tro aspectos. (1) Sabendo do interesse de Sick em man-ter a lista de espécies brasileiras atualizada foi decidi-do dar especial atenção a esse aspecto. Todas as 57 es-pécies recentemente descritas ou, de alguma maneira,incorporadas ao Brasil nos últimos quatro anos foramincluídas. (2) Foram preparados textos curtos para to-das as espécies constantes do livro, em especial paraaquelas que apareceram nas edições anteriores apenasmencionadas como espécies ocorrentes adicionais. (3)Foram incorporados na bibliografia geral e das famí-lias um conjunto inédito de títulos, sendo vários pu-blicados após a sua morte, além de ter sidoreconstituída a bibliografia integral mencionada nosoriginais, que teve itens seletivamente eliminados,por questão de economia de espaço, da versão ame-ricana. (4) Foi incluído para todas as espécies trata-das no livro um nome vernáculo, de conformidadecom a intenção do autor.

Toda a contribuição do coordenador em forma detexto está identificada através do uso de colchetes. Esteprocedimento foi utilizado em comentários gerais, tex-tos curtos de espécies e notas explicativas. Asteriscosforam utilizados pelo coordenador para designar itensinéditos da bibliografia, incluídos durante o processode elaboração desta nova edição.

A atualização sob forma de reformulação do conteú-do foi necessária também na confecção das tabelas exis-tentes nos capítulos introdutórios, sobre espécies de avesendêmicas, visitantes e ameaçadas.

Foram criados nomes vernáculos artificiais (v. Intro-dução) ou, segundo o caso, foram aproveitados nomesgerais sugeridos por Willis e Oniki(1991). Todos osnomes presentes nesta última publicação foram, quan-do necessário, incluídos como sinônimos para figurarcomo opção adicional de nomenclatura vernacular. To-dos os nomes incluídos desta forma pelo coordenadorestão acompanhados de asteriscoà direita do nome.

Vários novos dados sobre peso médio das espéciesforam adicionados para complementar a idéia originaldo autor. Esses dados foram consultados, em sua maiorparte, de fontes monográficas tradicionais, comoP: ex:8lake (1977), Dunning (1987) e Ridgely e Tudor(1989,1994).

Sick deu especial atenção na distribuição das espé-cies, a presença na Guanabara, entidade política hojeabolida, que corresponde a área do atual município doRio de Janeiro, capital do estado do mesmo nome. Foiconvencionado que essas menções permaneceriamindica das como ex-Guanabara, conforme utilizado nasedições anteriores. Mais trabalho será necessário pararevisar e redistribuir os registros específicos estaduaisexistentes para Mato Grosso e Goiás, depois da subdi-visão a nível estadual que envolveu essas duas unida-des da federação, com a criação dos novos estados deMato Grosso do Sul e Tocantins, respectivamente.

A ordem sistemática utilizada no livro foi aquelaestabelecida por Sick para a versão americana e temcunho próprio. Algumas alterações de seqüência, na mai-oria dos casos, foram realizadas apenas no sentido deadequar o posicionamento de novas espécies recente-mente descritas ou assinaladas para o Brasil.

As opiniões taxonômicas de Sick foram acatadas. Pas-sados cinco anos de sua morte e mais de dez anos dapublicação da edição original as suas opiniões podemvir a ser consideradas excessivamente conservadoras.Mesmo nos casos onde a sua posição sobre questõestaxonômicas diverge da maioria dos autores recentesesse critério foi adotado para manter a identidade doautor sobre a obra, sem excluir nestes casos a própriaopinião do coordenador. Na maioria dos casos ondeexiste divergência quanto ao tratamento taxonômico ocoordenador chamou atenção para o problema atravésde uma nota elucidativa. Os c.asosque melhor exempli-ficam essa situação são: pipile, ,

eurfgnaiha, , eci, pe / ec

Considerando a questão da sinonímia nornen-clatural como matéria complexa e de uso restrito foidecidido desincorporar informações específicas quetratavam deste aspecto nos textos individualizadosde espéci.es para evitar eventuais falhas de interpre-tação.

-

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NOTAS À EDIÇÃO REVISTA E AMPLIADA

As espécies descritas, validadas taxonomicamente ouassinaladas recentemente para o Brasil, depois do fecha-mento da edição americana de 1993 e que passam a cons-tar no corpo do livro com texto próprio são:

eIlus llus H l i

oe nonectes lli l is

Puffinus

tesol iceps t

e H l tH l tes

tEl e l........,

i li eCOCC t tes i

ll h c tesh t l us s

ipectus Huuicot l t

Eubucco e fuscicauda

oglossus tes lc i e

c litt lis l lCe c Conioptilon cile cnosiol lophotes i i

l t speculige es l bouu es

o ons lC eludens ius

As espécies suprimidas do cômputo geral na presenteedição e constantes da edição americana são aqui listadasde modo a facilitar a consulta: (1) registro existente nãoconfirmado; (2) forma incorporada como subespécie; (3)

_ registro existente descartado por nova identificação domaterial; (4) procedência duvidosa do material, formaestranha ao Brasil; (5) espécie sinonimizada. .

c e (1)

elec nus e os (1)

Otus gu te e (2)

- enetes nige (1)gusti (1)

(1)~ s g (4)

- ol t il/e (1)

(3)

l ii (4)c nig s (3)

(5)(4)

n (3)chus toni (2)

obsoletus (3)

(

As alterações de nomes específicos em relaçãoà edi-ção americana, conforme as seguintes razões, foram:(1)forma encontrada no Brasil incorporada a outra espéciemais antiga; (2) nome com precedência ou validado pelaComissão Internacional de Nomenclatura Zoológica; (3)forma encontrada no Brasil elevada ao nível de espécie;(4) nome emendado.

(P ) (1)es (E. crestaius) (2)

o g (G. g lli go) (3)( . (3)

. ) (4)C eule (C. julieni) (2)

lossus (P ost ) (2)onnellii ( . oest ) (3)i (H. ig (2)

(P t icolo (1)egus franciscanus ( . aierrimus) (3)

c ( . b unniceps) (3)e (E. (3)

i (T. icierus) (3)el is de (2)

Abaixo estão relacionadas as espécies que nessa edi-ção figuram em gêneros diferentes da edição americanade 1993 (em parênteses) segundo propostas taxonômicasacatadas:

diomedea us)le s s)

nitida (Buieo)

collis eopholus)e nostol schist ce ( stoc )e os leucostig ocic )e s

g )l

ohe iÚ

Cl ides lo e o ( uto olus)

Cichlopsis leucoge estes)ol nius Ieucotis dol nius)

. eistes s (Siurnella)

As siglas básicas presentes nessa nova edição utili-zadas primordialmente nos textos individualizados dasespécies foram:

En Espécie endêmica do Brasil (v. Tabela 9. 1)Am Espécie considerada ameaçada de extinção (v.

Tabela 3. 1)

VN Visitantes setentrionais, provenientes do he-misfério norte (v. Tabela 9.2)

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ORNITOLOGIA BRASILEIRA

,-",.

VS Visitantes meridionais, proveninetes do conesul do continente (v. Tabela 9. 3)

Pr Informa o número da prancha e posição ondeestá ilustrada a espécie.

Fig. Informa a figura no corpo do livro onde a es-pécie está ilustrada a bico de pena.

Diferentemente do trabalho de tradução de WilliamBelton para a versão americana da obra, não foi possí-vel submeter as alterações realizadas pelo coordenadorao autor. Muitas dessas sugestões ou acréscimos ao li-vro são declaradamente decisões unilaterais. Em algunscasos foram encontradas antigas sugestões do coorde-nador - apenas anotadas ou já elaboradas - derivadas deconversas do mesmo com o Prof. .Sick, quando ele soli-citava para que chamasse a' sua atenção para possíveisequívocos ou omissões. Muitos de seus alunos e cola-boradores agiram de modo semelhante e assim foi pos-sível verificar o papel significativo dessas contribuiçõesde terceiros ao trabalho de aprimoramento da ediçãooriginal. .

O trabalho principal de revisão e ampliação em tem-po integral foi realizado entre dezembro de 1994 e agos-to de 1995. A revisão mais fina das provas aconteceuentre setembro de 1995 e abril de 1996. A confecção detextos novos para as espécies não tratadas nas ediçõesanteriores e a inclusão de bibliografia recente teve comodata limite 3 de maio de 1996. O trabalho de diagramaçãofinal foi executado entre meados de maio e 15 de de-zembro de 1996.

A tarefa de coordenar o preparo dos originais e edi-. tar a nova edição brasileira de mefoi confiada pela Sra. Ingeburg Kindel, amiga e herdeiralegal de nosso mestre, a quem agradeço primordialmentepela honrosa e irrefutável oportunidade. Participaramda indicação de meu nome, como conselheiros de oca-sião, os colegas Luiz Pedreira Gonzaga e Vânia SoaresAlves da Universidade Federal do Rio de Janeiro; JohannBecker, do Museu Nacional e William Searight, da Fun-dação Margaret Mee.

Foram efetivamente atuantes no processo de corre-ção das provas Claúdia Bauer e Paulo Sergió Moreirada Fonseca, a ambos agradeço o apoio inestimável. Re-conhecimento especial se faz também ao apoio impor-tante prestado na discussão de partes do livro aos cole-

gas: Tadeu Artur de MeloIúnior e Luiz Fábio Silveirade Belo Horizonte; Maria Martha Argel de Oliveira, deSão Paulo; Giovanni N. Maurício e Rafael A. Dias dePelotas; o casal de professores Edwin e Yoshika OnikiWillis de Rio Claro e, é claro, Luiz P Gonzaga e Bret M.Whitney do Rio de Janeiro. Está também nesse caso, Her-culano F.Alvarenga de Taubaté que atendeu prontamenteo nosso pedido para revisar o capítulo de sua autoria.

Especial agradecimento a William Belton, tradutorda edição americana da obra e antigo amigo de Sick,pela remessa de material e informações importantes parao bom andamento dos trabalhos.

Um grande grupo de pessoas acompanhou e colabo-rou com grande interesse nos trabalhos desenvolvidosdesde dezembro de 1994, quando do início da revisãodos originais. Mandando sugestões, enviando artigos ecolaborando de maneira diversa nas várias fases do tra-balho, destaco: J. Becker, A. F. Coimbra-Filho, M.Werneck de Castro e A. Whittaker. Agradeço ainda a : J.L. Albuquerque, A. L. P Aleixo, M. A. Andrade, L. dosAnjos, I. N. C. Astor, P Auricchio, T. R. Azevedo, R. O.Bierregaard, R.Bóçon, S. H. Borges, M. R. Bornschein, P.F. S. Bustamante, D. R. C. Buzzetti, H.F. A. Camargo, A.M. P Carvalhães,C. E. S. Carvalho, G. D. A. Castiglioni,R. B. Cavalcanti, M. Cohn-Haft, P H. C. Cordeiro, P F.Develey, M. A. Efe, I. Ferreira, L. F. Figueiredo, A. C.Piuza, P. S. M. Fonseca, R. L. Gagliardi, L. P Gonzaga, J.Hidasi, R. Krul, E. M. C. Leme, V K. Lo, P Lonergan, N.C. Maciel, F. Mallet-Rodrigues, L. C. Marigo, M.Â.Marini, P Martuscelli, G. T. de Mattos, T. A. MeIo [unior,V S. Moraes, J. L. X. Nascimento, M. L. M. Noronha, H.Nomura, F. C. Novaes, F. Olmos, D. C. Oren, M. P Paiva,T. A. Parker, R. Parrini, J. Pearson, C. R. G. M. Penna, R.M. Pinto, H. B. Rajão, B. L. Reinert, R. Ribon, L. A. Rosá-rio, P Roth, P Salviano Filho,.M. Sander, P M. R. S. San-tos, P Scherer Neto,r. M. Schloernp, J. Searight, J. M. C.da Silva, R. Silva e Silva, J. E. Simon, A. B. A. Soares, L.L. Short, D. Souza, M. C. Souza, D. F. Stotz, F. C. Straube,L. Trindade, P E. C. Ventura, W. A. Voss, B. M. Whitney,C. Yamashita, C. E. Zimmermann.

Sick não chegou a elaborar um novo "agradecimen-tos" relativo ao período 1985-1991, com uma nova rela-ção de colaboradores, nem mesmo pilra a edição ameri-cana. O leitor encontrará ao final dos agradecimentosoriginais de H. Sick uma lista inédita preparada pelocoordenador. Foram utilizadas as suas muitas anotaçõesdispersas nos originais para compor a lista de colabora-dores diretos do autor que precederam ao presente tra-balho.

1I

sé eco,31 de de 1996

ó de ologDe to de ogi

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Agradecimentos

No Brasil, citamos a valiosa cooperação dos colegase amigos Dr. Olivério M. de O. Pinto e seu sucessor Hé-lio F.A. Camargo (Museu de Zoologia da Universidadede São Paulo), Dr. Fernando C. Novaes (Museu ParaenseEmílio Goeldi, Belérn, Pará), Augusto Ruschi (Museu deBiologia Prof. Melo Leitão, Santa T-eresa, Espírito San-to), H. F. Berla (Museu Nacional, Rio de Janeiro), ÁlvaroAguirre (antiga Divisão de Caça e Pesca, Museu daFauna, Rio de Janeiro) e Dr. Humberto T. Ferreira, Riode Janeiro. No corpo do livro fazemos menção a outraspessoas.

O Dr. Otto Schubart (pirassununga, São Paulo) dedi-cou-se à identificação dos animais invertebrados extraí-dos de estômagos de aves, e a Dra. Graziela Maciel Barro-so (jardim Botânico, Rio de Janeiro), identificou sementesencontradas em papos e estômagos de aves coletadas .

O Senhor Rogério Marinho, Diretor de OGlobo,Riode Janeiro, não cansou de estimular-nos durante a ela-boração do livro.

Tivemos sempre o apoio integral do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq), sobretudo na pessoa do Dr. Manoel da FrotaMoreira, que acompanhou nosso trabalho com o maiorinteresse.

Não podemos deixar de mencionar o nosso velhoorientador, Prof. Dr. Erwin Stresernann, Museu de Zoo-logia da Universidade de Berlim (v. História, sob E.Snethlage).

Adolf Schneider, diretor de uma escola em BerlimOranienburg, veio ao Brasil com o autor em1939; tor-nou-se conhecido pelo estudo da iconografia de GeorgMarcgrave (v. sob História). Excursionamos juntos noEspírito Santo até o fim de1939(havia começado a guerrana Europa); depois, Schneider trabalhou no MuseuNacional, Rio de Janeiro, identificando material riascoleções ornitológicas (v. Schneider& Sick 1962), e fezduas viagens para coletar aves: uma ao Sertão das Co-bras, Rio de Janeiro, e outra a Porto Quebracho, MatoGrosso. Regressouà Alemanha em1942, onde faleceuno fim da guerra, em Berlim.

Memória toda especial devoà minha esposa, MargaSick, já falecida, pela datilografia dos manuscritos, e odesprendimento com que cuidou de tantos serviços mais,ligados a nosso trabalho.

Com profunda gratidão referimo-nos ao Dr. AristidesPacheco Leão, ex-Presidente da Academia Brasileira deCiências, que tomou a si acompanhar de perto o anda-mento do trabalho, dando estímulo e o prazer intelec-

Antes de tudo, devemos salientar a intuição com quese houve Paul Barruel, St. [ean d'Arvey, Savoie, França,na execução das ilustrações. A remessa à residência doartista, dos espécimens a serem pintados ou desenha-dos, foi possibilitada pela colaboração dos Museus deParis l d Hi elle, Prof. Dr. JeanDorst), München g, Dr. G.Diesselhorst), Frankfurt e Dr.Joachim Steinbacher), Bonn e e enig,Prof. Dr. Günther Niethammer +), London

Dr. [ames D. MacDonald)e New York l Histo AMNH,Dr. Dean Amadon). Valemo-nos também da coleção doPríncipe Maximiliano, do século passado, depositada noAMNH (v. História). Para facilitar o trabalho do artista,.ou seja, para dar as posições características das aves vi-vas, m:andamos ao senhor Barruel desenhos das avesfeitos por nós no campo, no Brasil.

A confecção dos fotolitos das pranchas (feitos em197;\) coube à Quimigráfica Mayer Ltda., São Cristóvão,Rio de Janeiro, cujo pessoal se dedicou a essa tarefa como conhecido esmero.

A revisão final do texto da 1a edição foi realizada porLuiz Osório Machado de Oliveira.

Entre os colegas e amigos mais interessados na obradestacaram-se: Dr. Eugêne Eisenmann (AMNH, NewYork), Dr. Philip S. Humphrey e

Kansas), Rodolphe Meyer de Schauenseel iences,Philadelphia), Dr. Alexander

Wetrnore Institution, Washington), Prof. Dr.Ernst Mayr e ti , HarvardUniversity, Cambridge), Dr. T. E. Lovejoy e

Washington), Prof. Dr. Ernst SchüzStuttgart), Paul Schwartz (Rancho Gran-

de, Venezuela), Dra. Maria Koepcke (Lima, Peru), Dr.Luc Hoffmann (Tour du Valat, França), Dr. Fritz Neubaur(Wiesbaden, RFA), Frei Tomas Borgmeier O. F. M. (Riode janeiro), Dr. Étienne Béraut (Rio de Janeiro), WalterKlemm (Embaixada da RFA, Rio de Janeiro) e WilliamBelton (ICBP -Inte i Council on -Seção Pan-Americana) .

. O Dr. P. L Ames, Chicago, fez os três desenhos desiringes de Passeriformes, o Dr. Pierce Brodkorb

, Gainsville) forneceu a maioria dosdados paleontológicos. O Dr. Jürgen Haffer, Essen, RFA,permitiu a reprodução de vários dos seus mapas. Naparte de biologia tivemos todo o apoio do Dr. AlexanderF. Skutch, Costa Rica.

", ,: .

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ORNITOLOGIA BRASILEIRA

tual da colaboração. [Colaboraram durante o processode produção das novas edições, incluindo informaçõesrepassadas anos atrás, as seguintes pessoas: A.Abendroth, C. Abreu Filho, G. M. Achenbach, F.Allmenroeder, H. M. F. Alvarenga, V. S. Alves, D.Amadon, W. Andersen, M. A. Andrade. P. T. Z. Antas, A.Assumpção, R. M. A. Azeredo, M. Berger, R. Best, L. G.M. Bezerra, R. O. Bierregaard, W. C. A. Bokermann, M.L. de Brooke, B. Caetano, I. G. Câmara, I. L. Campos, A.R. Carvalhães, C. E. S. Carvalho,J. c. M. Carvalho, R. B.Cavalcanti, A. Closs, V. Coaracy, A. G. M. Coelho, E. P.Coelho, M. Cohn-Haft, N.J. Collar, A. T. Costa, J.Davidson, J. Delacour, J. M. Dietz, W. Engels, M. I.Ferolla, P. S. M. Fonseca, B. C. Forrester,J. Forshaw, D.Fortaleza, M. S. Foster,J.L. Freire, R. Garcia, E. Garlipp,J. Goerck, E. Gouvêa, D. Greenberg,J. M. Grugan, N.Guidon, L. R. Guimarães, J. C. Guix, J. K. Hahn, J. K.Hart, R. F. Hensel,J. Hidasi, J. R. Hill, G. Hoffmann, G.Hoy, W. E. Kerr, A. Kindel, E. V. Kozlova, J. Lanna, W. E.

Lanyon, S. M. Lara-Resende, F. S. Lobo, H. S. Lopes, N.C. Maciel, J. C. R. Magalhães, C. C. Maia, M. Maier, L. C.Marigo, J. T. Marshall, N. P. Martins, P. Martuscelli, G. T.

. Mattos, E. S. Morton, J. Moojen, P. Nardelli, A. Negret,C. Neideck, A. Neunteufel, J. T. Nichols, J. Nicolai, J. P.O'Neill, Y. Oniki, D. C. Oren, R. Otoch,J. F. Pacheco, C.V. Pádua, M. T.J. Pádua, T. A. Parker, B. S. Pascoli, B. T.Paulí. H. F. Paulini Filho, N. A. Pérez, A. R. Phíllíps, R.B. Pineschi, F. B. Pontual, R. Reitz, B. Ribeiro, R. WE.Risebrough, L. A. Rosário, P. Roth, M. Sander, I. Sazima,U. Schadrack, P. Scherer Neto, W. Scheithauer, A.Schneider, D. A. Scott, F. Silva,J. M. C. da Silva, E. K. P.Silveira, H. Sioli, R. Siqueira, A. L. Spanns, A. M.Springer, D. F.Stotz, R. Straneck, A. Studer, A. Sucksdorff,C. Taffarel, H. Tessmer, B. T. Thomas,J. M. E. Vielliard,R. Vieira, L. D. Vizotto, I. Vogelsang, K. H. Voous, W.Voss, V. Wellisch, H. E. F. Werneck, M. Werneck de Cas-tro, J. S. Weske, A. Wetmore, A.J. Whiteck, A. Whittaker,F. Wildholzer, E. O. Willis, C. Yamashita.]

Hel t ic31 de o de 1982

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Introdução.

A América do Sul é o continente das aves, sendo onúmero de espécies residentes aproximadamente da or-dem de 2.645. Se considerarmos igualmente as visitan-tes, este total ultrapassará as 2.920 (Meyer deSchauensee 1970), o que não é igualado por qualqueroutra região do planeta, correspondendo a pouco me-nos de uma terça parte das aves vivas de todo o globo.O total das aves do mundo é calculado em 9.021 espé-cies (Bocket . , 1980). [O total aproximado de espéciespara todo o mundo e América do Sul atinge hoje as mar-cas de 9.700 e 3.200 espécies, respectivamente (Sibley&Monroe 1990).]

O Brasil possui 1.590 espécies, conforme o nosso úl-timo recenseamento, em 1981, abarcando 86 famílias e23 ordens. [Nesta nova edição um total de 1.677 espé-cies são apresentadas como pertencentes a avifaunabrasileira.] Isto significa 55,3% das aves residentes daAmérica do Sul, e 54,1 % do total das aves deste con-tinente. A superfície do Brasil representa 47,8% dasuperfície da América do Sul. Referimo-nos a todasas espécies localizadas em território sob a jurisdiçãobrasileira, por conseguinte também nas águas terri toriaise nas ilhas atlânticas sobre cuja ocorrência recebemosinformações seguras. Se considerarmos também as ra-ças geográficas, o total ultrapassa 2.500. As raças ousubespécies são tratadas, neste livro, apenas quando sãosignificativamente diferentes.

Em matéria de aves, o Peru e a Colômbia, países re-lativamente pequenos, rivalizam 'com o Brasil, não sópor participarem em larga escala da riqueza da faunaamazônica, como ainda por abrangerem a fauna andina,tão extraordinariamente variada, que falta inteiramenteao Brasil, exceto por alguns poucos reli tos de uma colo-nização pleistocênica. Por outro lado, o Brasil possuielementos da grande fauna patagônica (relacionadaàfauna dos Andes), que penetraram no sul. Riquíssimosem aves (mais de 1.000 espécies) são também a Bolívia,Venezuela e a América Central. A abundância de avesdo Brasil torna-se também impressionante se compara-da com os mamíferos. Calculada, .na base das coleçõesde J. Natterer (v. História), a relação das espécies de ma-míferos para as de aves seria aproximadamente 1:6; ouseja, em média poder-se-ia juntar 6 espécies de aves antesde encontrar-se uma espécie de mamífero. Na África do-minam os mamíferos, mas a região do Congo é tambémmuito rica em aves, abarcando mais de 1.000 espécies.

Além da quantidade, a avifauna do Brasil reúne inú-meros superlativos qu.antoà qualidade. Vive aqui, p. ex.

uma das maiores aves do mundo, a ema, ao lado dasaves de menor porte, os beija-flores. Os últimos são osmaiores bailarinos aéreos e as aves deste hemisfério quemais desafiam o naturalista que procura compreendero seu organismo e suas funções. Entre as aves do Brasilencontram-se os voadores de maior porte da Terra: oalbatroz e o condor, ambos de ocorrência apenas oca-sional. O gavião-real, residente no Brasil, é a ave-de-rapina mais possante do mundo. Ocorrem aqui as avesde vôo mais veloz: falcões e andorinhões. A ema é umadas poucas aves do mundo que renunciaram completa-mente à faculdade de vôo, a favor de um deslocamentono solo. Isto é também particularidade dos pingüins, vi-sitantes regulares das nossas costas meridionais, e quese tornaram campeões de natação submarina, usandoas asas como remos.

Entre os representantes mais estranhos de aves domundo estão os nossos urutaus ou mãe-da-Iua,Nyctibius,que para não prejudicar sua camuflagem, indispensá-vel à segurança dessas aves noturnas durante o pousodiurno, desenvolveram um sistema de ver sem abrir osolhos ("olho mágico").

Embora não seja sábio discutir sobre a beleza, pode-se afirmar que o Brasil fornece várias aves da mais altacotação internacional em valor decorativo, como as ara-ras, o galo-da-serra upic e beija-flores como

o e . Falta ainda escolher com prudênciaa AVE NACIONAL do Brasil, assunto tratado até agorasem os necessários critérios. Uma boa opção seria aGuaruba, Gu g , endemismo brasileiro derara beleza, com as cores da bandeira brasileira, amare-lo ~ verde (v.Psittacidae).

O Brasil está muito bem provido de catálogos da avi-fauna, além de trabalhos sistemáticos, sobretudo de au-toria de Olivério M. de Oliveira Pinto ( 1938, 1944, 1964,1978, etc.), veterano mestre da ornitologia nacional. São,porém, escassas as informações sobre a ave viva e suasmúltiplas relações com o ambiente. Justamente essa parteconstitui nosso interesse principal. Partimos, sempre quepossível, da observação da ave viva e só depois passa-mos para o estudo de livros ou material mortcconser-vado em Museus, Escrevem Mayr, Linsley& Usinger(1953) is isi e end ng on iststo ch e biologistsless less e c t logue .Em outras palavras,passaram-se os tempos de um estudo puramente estáti-co de gabinete. Visamos uma sistemática dinâmica, fa-zendo uso quanto possível do conceito de espécie geo-

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, I,I.

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ORNITOLOGIA BRASILEIRA

gráfica ou superespécie (Mayr 1942),que leva à real com-preensão da fauna. Temos em mira a análise bionômicae biogeográfica da avifauna brasileira, colocada emâmbito histórico e mundial. Reunimos elementos sobrea sua origem, sua evolução e seu parentesco filogenético,tirando perspectivas sobre o resto do mundo.

Correspondendo ao quadro da nossa "Introdução aOrnitologia", não podemos entrar em muitos pormeno-res. Chamamos a atenção aos fenômenos que julgamosimportantes, sem termos a menor pretensão de sermoscompletos. Baseamo-nos, geralmente, em observaçõespróprias. No lapso de quarenta anos de experiências deornitólogo profissional no neotrópico, incluindo dezanos (1946 a 1957) como naturalista da Fundação BrasilCentral, acompanhando aExpedição Roncador- Xingu-Tapajós dos irmãos Vilas Boas, em Mato Grosso e Pará(viajando a lombo de burro, de canoa, de teco-teco e aviãoda Força Aérea Brasileira, FAB) e visitas a outros paísesdeste continente, registramos muita coisa, acumulandomais de 8.500páginas de diário científico. Quando consta"encontramos", etc., estamos dando ênfase de que se tra-ta de uma verificação feita pelo autor. Muitos registrosnossos ficaram sem aproveitamento por falta de incen-tivo, escassez de bibliografia e de material. Muita gentese aproveitou dos nossos conhecimentos, sem citar meunome. Autores de língua inglesa não consideraram asnossas publicações em português e alemão. Perdemosem muitos casos a prioridade.

Trabalhamos durante mais de vinte anos na redaçãode um livro es do . Iniciamos em 1960 um guiade campo, tendo escolhido como ilustrador da obra PaulBarruel, artista dos mais famosos no setor, que acabarade ilustrar o livro de F. Haverschmidt (1968) sobre asaves do Suriname. No decorrer dos preparativos, o ditoguia de campo, que compreendia apenas uma seleçãode aves brasileiras, acabou tomando a feição de tratado,ao modo da "sopa de pedras", da mitologia, que seriapublicado no início da década de 70 pela Academia Bra-sileira de Ciências, cujo então presidente, Dr. AristidesPacheco Leão, demonstrou particular interesse pelamatéria. O considerável lapso de tempo decorrido des-de a época da primeira apresentação do manuscrito àAcademia Brasileira de Ciências até a entrega definitivaem janeiro de 1982, exigiu do autor uma revisão quasecompleta para a atualização. Surgiu, entre outros, o pro-blema de ponderar novos resultados, como pesquisassobre ost ius de parentesco de certas unidades; lembra-mos a recente eliminação da família de Coerebidae e anova organização dos Tyrannidae - publicações que sa-íram quando o nosso manuscrito estava praticamenteconcluído. Durante os últimos vinte anos o interesse pela

. ornitologia, a qual, na América Latina, era uma disci-plina reservada a poucos especialistas, cresceu muito,provocando atividades múltiplas nesse campo e umabibliografia imensa. Começou a captura de aves comredes de nylon para fins de identificação e anilhamen-to, a gravação de vozes e fotografia de aves no campo.

A partir de poucos anos tornou-se habitual contra-tar ornitólogos de campo para orientar grupos de turis-tas interessados em aves. Estão se formando reuniõesde ornitófilos, como o Clube de Observadores de Aves(COA), no Rio Grande do Sul.

Referimo-nos relativamente poucoà descrição daplumagem. Demos mais destaque a problemas especiaisda morfologia comparada e do comportamento, da bio-logia, da evolução e da distribuição. A estrutura geraldo nosso livro é caracterizada pela apresentação de duaspartes: (A) [dez] capítulos introdutórios, e (B) o corpodo livro, tratando todas as famílias e espécies de avesbrasileiras.

[As finalidades dos capítulos introdutórios são as se-guintes]:

1. Dar algumas noções gerais (básicas e perspectivasmais longas) sobre os mais variados assuntos de grandeinteresse. Resumimos, nesses capítulos, temas comple-xos cuja problemática não pode ser tratada apenas sobo cabeçalho de uma espécie ou de urna família, no cor-po do livro. Tem que ser esclarecida a terminologia;

2. Chamar a atenção onde, neste tratado, que juntauma enorme matéria, podem ser encontrados os assun-tos relevantes. Num capítulo como, p. ex. "Hábitos",não damos um respectivo sumário, mas apontamos cer-tas especialidades, como os hábitos de "formicar-se" e"espaçar", quase desconhecidos no Brasil. Tornam-se,assim, esses capítulos introdutórios, uma espécie de ín-dice para o corpo do livro .

Incluímos nos capítulos introdutórios quatro listasfaunísticas, orientando sobre o seguinte: [1. Espéciesameaça das de extinção, 2. Espécies endêmicas, 3. Espé-cies visitantes setentrionais, 4. Espécies visitantes meri-dionais.]

O corpo do livro. No corpo do livro apresentamosum texto sobre cada família, para dar urna idéia geralda mesma, depois abordamos assuntos de interesse es-pecial, comparando também com outras famílias. Ostópicos a considerar mudam de família a família, con-forme as particularidades mais importantes do grupo.Abstivemo-nos de seguir um esquema rígido, igual paratodas as famílias e espécies. Uma padronização, comogeralmente adotada em tipos semelhantes de livros (p.ex. "identificação, hábitat, hábitos, nidificação, distribui-ção"), não seria aqui adequada. Aos representantes maisinteressantes, ornitologicamente ou para o povo, dedi-camos o maior espaço. Consagramos textos mais .am-plos às famílias típicas para o Brasil como Tinamidae,Cracidae, Psi ttacidae, Trochilidae, Furnariidae ePipridae, e a espécies bem populares como a avoante,

o joão-de-barro, , ogaudério ou chopim, olo bon ensis,o tico-tico,

ensis e o pardal, sse esticus.Entre os tópicos tratados estão os seguintes: Morfo-

logia, incluindo casos especiais como a heteroginia, es-pécies crípticas, mutações, polimorfismo, albinismo evariações, hibridação, ginandria, muda e desenvolvi-

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INTRODUÇÃO

mento pós-embrionário (ontogênese), adaptações espe-ciais. Classificação, parentesco filogenético (reveladotambém por métodos bioquímicos e ectoparasitos). Ma-nifestações sonoras. Alimentação, modo de caçar, pes-car, etc. Hábitos, incluindo, p. ex. divertimento (v.Falconidae, Hirundinidae) e canhotismo (v.Psittacidae),termorregulação. Reprodução, acasalamento, cerimôniaspré-nupciais, seleção sexual, ninho, ovos, incubação,despistamento do ninho, filhotes. Adaptaçõesantipredatórias de ninhos e ovos. Espécies parasitas.Raças fisiológicas e raças etológicas. Idade. Hábitat edistribuição. Evolução e especiação. Raças geográficas.Espécies sintópicas. Migrações e vários deslocamentos,invasões. Inimigos e outros fatores adversos, incluindoimpactos atmosféricos. Parasitos e fauna nidícola. Po-luição, inseticidas, etc., mortandades. Utilização, caça,guano. Nocividade suposta, problemas sanitários, fre-qüência. Espécies sinântropas. Declínio, preservação,reservas, povoamentos. Relações interespecíficas. Cru-zamentos em natureza. Criação em cativeiro focalizan-

do repovoamentos. Domesticação. Popularidade, len-das, folclore, crendices. Nomes vulgares ou popularese nomes vernáculos artificiais.

Quando as observações realizadas neste país exigi-ram um confronto, não hesitamos fazer alusão a fatosregistra dos fora do Brasil e até em outros continen-tes, considerando o papel didático de nossa obra. Te-mos em mente uma introduçãoà ornitologia em geral,baseados na matéria "Aves do Brasil".

Nossos esforços, no sentido de abordar o assuntodo maior número de ângulos possíveis, visaramestimular tanto o especialista como o leigo a novasobservações, sobretudo o estudioso brasileiro cujoabastecimento com literatura especializada é limitado.Na ornitologia de todos os países os amadores contri-buem consideravelmente para a ampliação dos conhe-cimentos. Conhecer, saber mais da interessantíssimavida das aves, é o primeiro passo para estimular osentimento de conservar a natureza, que atualmentepassa por tantos perigos.

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PARTE 1

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'1

......"

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1 oPaís e suasAves

io Brasil com 8.512.oo0km2 ocupa 47,3% da superfí-cie da América do Sul, sendo o quinto país no globo emextensão territorial (após a União Soviética, Canadá,EUA e China). Considerando o fato de que as aves sãodependentes do meio ambiente, apresentamos um es-quema dos grandes espaços climático-geomorfológicosdeste País e das respectivas biotas ou ecossistemas. Cha-mamos a atenção para a necessidade de se conhecer nãosomente a atual situação morfoclímátíco-ambíental, massim certos resultados da história paleogeográficadaAmérica do Sul através dos séculos, fatores responsá-veis pela formação deste continente e sua flora e fauna.Ocorreram profundas alterações do clima e da vegeta-ção.

1.1

Ab'Saber (1973) reconhece seis grandes domíniospaisagísticos e macroecológicos do Brasil, definidos porfeições morfoclimáticas de grande extensão e pelos prin-cipais quadros de vegetação:

1. oucom mais de 2.5

rnilhões de quilômetros quadrados, zona de pla-nícies de inundação labirínticas (rio Amazonas) emeândricas (maioria dos afluentes doAmazonas).Esse domínio é situado em clima constantementequente e úmido; em Manaus e Santarém temoscerca de 2.000mm anuais, na Serra do Navio(Amapá) 2.300mm, em Uaupés (Amazonas)2.950mm de precipitação.2 dos ou dos

recobertos por cerrados e penetrados porflorestas-galerias e endaves de matas, área comcerca de dois milhões de quilômetros quadrados.Regiões de maciços planaltos. Precipitação entre1.300e 1.800mm, concentrada no verão e relativa-mente baixa no inverno.3. ou domínio dos "ma-res de morros". Área com aprox. 1 milhão de qui-lômetros quadrados. A precipitação varia entre1.100 e 4.5OOmm.Florestas tropicais recobrindo aárea, originalmente, por mais de 95% do espaçototal.

4. sobre depressõesinterplanálticas semi-áridas do Nordeste. Área va-riando entre 700.000 e 850.000km", Ritmo desi-gual e pouco potente das precipi tações, 350 a

600mm anuais, com fortes disparidades de anopara ano.5. dos Área deaprox. 400.000 km-. Entre 850 e 1.300m de altitu-de, revestida por bosques de araucária de diferen-tes densidades. Clima subtropical, úmido, preci-pitações relativamente bem distribuídas pelo anotodo, em seus setores mais elevados (planalto deS. Joaquim, Lajes, Curitibanos, Santa Catarina)sujeitos a eventuais nevadas.6. Oli

. Área de aprox. 80.000 km",funcionando como se fosse margem do domíniodas pradarias pampeanas. Zona temperada úmi-da e subúmida, sujeita a algumas estiagens. So-mente restritas áreas estão fora do balizamento de1.500 a 2.000mm anuais.

Ab'Saber (1973) destaca a importância das faixas detransição e contato entre os grandes domínios paisagís-ticos, impossibilitando traçar limites lineares entre osdomínios (v.as partes brancas do respectivo mapa).

Quanto à evolução das floras do Cretáceo aoQuater-nário, no Brasil, Ab'Saber chegaà conclusão que entreo Médio Terciário e o Qua ternário devem ter sidoelaborados todos os padrões básicos de vegetação,relacionados mais de perto com os quadros atuais davegetação inter e subtropical brasileira: mata, cerrados,caatingas, araucárias e pradarias. Pradaria correspondea uma cobertura vegetal formada de gramíneas complantas herbáceas ou subarbustívas, com raras árvores.Tais floras sofreram alterações sob o controle dassucessivas mudanças climáticas, forçadas pela instávelpaleoclimatologia dos tempos quaternários.

1.2 e

Deparamos com duas categorias maiores de 'vegeta-ção, verdadeiros padrões de paisagens, que o povo cha-ma simplesmente mata e campo, duas classes de forma-ções fitofisionômicas. A avifauna terrestre pode ser clas-sificada, basicamente, da mesma maneira: pertencendoàmata,OU ao campo. Categoriaà parte são as aves aquáticas.

1.2.1 FrrOGEOGRAFLA

Entre os vários sistemas fitogeográficos do Brasil, oprimeiro e o da maior influência, foi a classificação de

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24 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Azis Ab'Sáber

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Fig. 1. Domínios naturais da América do Sul, há 13.000-18.000 anos, primeira aproximação (seg. Ab'Saber 1977a).

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o PAís E SUAS AVES 25

Martius (1967), amplamente empregada na(1840 a 1906, em 40 volumes) dividindo o

Brasil em cinco províncias ecológico-vegetacionais: (1)Região montano-silvestre ou floresta pluvial montana,atlântica. (2) Região cálido-seca ou da caatinga, Nordes-te. (3) Região cálido-silvestre ou floresta pluvial equato-rial, Amazônia. (4) Região extratropical ou da florestade araucária. (5) Região montano-campestre ou dos cam-pos e cerrados, Planalto Central.

Barbosa Rodrigues (1903) reconheceu três grandeszonas ecológicas: a Amazônia, a Montano-Campesina ea Marina. Engler (1879-82) e Sampaio (1938)

remanejaram o sistema de Martius. Adotamos a divisãofitogeográfica do Brasil por Rizzini(1963, 1979) admi-tindo três províncias, subdivididas em váriassubprovíncias: a Atlântica, a Central e a Amazônica.

I. Presentemente a melhor base para chegar-se a umaaproximação melhor no que diz respeito a uma boa re-presentação dos grandes espaços naturais do nosso con-tinente, é o Mapa de Vegetação da América do Sul deKurt Hueck (1966) ou de Hueck & Seibert 1972, no qualse baseou para realizar seu trabalho Ab'Saber(1973).1

Fig. 2. Os grandes complexos de vegetação e osprincipais hábitats das aves do Brasil. Mapa de vegeta-ção adaptado de Hueck& Seibert,1972. 1.Florestapluvial amazônica.2. Floresta pluvial atlântica;2.1.Floresta litorânea ou costeira;2.2. Floresta de monta-nhas. 3. Floresta de araucária.4. Cerrado de campos doBrasil central, os campos ao norte do Amazonas,restinga e campos de altitude;4. CA Campos do rioBranco e do Amapá.5. Caatinga e Pantanal de MatoGrosso; 5. P.Pantanal; CH Chaco. 6. Região gaúcha. 7.Manguezal: a seta em"7" indica o limite meridional dosmanguezais na costa atlântica em Santa Catarina,28"205.8. Ilhas oceânicas. 9.Ambiente aquático.

A vegetação primária do Brasilhoje é muito reduzi-da ou já desapareceu, dissipada que foi, durante sécu-los, pela agricultura, mineração, industrialização e ur-banização. Surgiram formações secundárias, paisagenscampestres e quase desertos antropógenos. Em substi-tuição à mata primária desenvolve-se, na melhor das hi-póteses, a capoeira. No Meio-Norte (Maranhão, Piauí) etambém no norte do Espírito Santo a derrubada da matavirgem provoca o desenvolvimento de babaçuais (Zonados Cocais de Sampaio1938). Vegetação extremamenteresistente é o cerrado; após desmatamento para pasta-gens e eventuais culturas, retorna o cerrado ..

1.2.2 E

Para o zoólogo são sobretudo interessantes as classi-ficações biogeográficas feitas por zoólogos. Burmeister

. (1855-56) reconheceu, para o Brasil, três grandes zonas:Amazônia, Brasil Central e a Floresta Atlântica. Pelzeln(1868-71), baseando-se no enorme material de aves, ma-míferos e outros animais, coletado por J. Natterer, regis-trou apenas duas regiões, classificação semelhante à dobotânico Engler (1879-82). Wallace (1876, ex Udvardy,1969) considera para o Brasil três regiões: a amazônica,o Brasil meridional e um pedaço da região de Pampa.As quatro províncias "escorpiológicas" brasileiras deMello-Leitão (1937 em diante) identificam-se com as pro-víncias mastozoológicas de Cabrera& Yepes (1940): aProvíncia Amazônica, a ProvínciaCariri-Bororó (Nor-deste, Brasil Central e o Chaco boreal), a ProvínciaGuarani (estendendo-se até o Chaco Boliviano), e a Pro-víncia Tupi (florestas ~osteiras).

1.2.3 I

A destruição da vegetação primária está implicandona dissolução dos limites dos ecossistemas como aquidefinidos. Nota-se a invasão de espécies de aves do cer-rado e da caatinga nos ecossistemas florestais vizinhos,onde a mata está sumindo. Assim aparecerem, por exem-plo, os tinamídeos campestres cens e

na parte ocidental do EspíritoSanto e do Rio de Janeiro. Agralha do campo, o

começa a invadir o Rio de Janeiro (J. F.Pacheco) e São Paulo. O dendrocolaptídeo mais típicodo cerrado do Brasil central, c s,já foi observado na ilha do Paquetá, baía da Guanabara,Rio de Janeiro: um indivíduo isolado que ocupou umninho e se esforçou em vão para achar um companheiro(L. P. Gonzaga). No corpo do livro chamamos a atençãopara esses casos.

1.3 Os do

'propomos adotar onze grandes seções ecológicasonde vivem as aves deste país, baseando-nos, na parte

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26 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

da vegetação, em Hueck& Seibert (1972)e Rizzini (1979)JSeguem algumas palavras para caracterizar essesecossistemas e sua avifauna. Esses macrohábitats ou re-giões ecológicas principais podem ser divididas em nu-merosos nichos ecológicos aos quais nos referiremosoportunamente no corpo do livro.

Tendo em vista a distribuição das aves, a identida-de florística (fundamental para o botânico) não é da .maior valia. Prevalece para as aves a fisionomia dohábitat. Uma mata seca, mesófila do Brasil central, porexemplo, pode ter uma avifauna bem semelhante a umamata xerófila da caatinga. Há também o fenômeno delargas faixas de transição entre as regiões bem defini-das, como acontece no caso da vegetação (v. Domíniosmorfoclimá ticos).

1.3.1 FLORESTA FLUVIAL AMAZÔNICA

J o maior corpo florestal do planeta; ao qualHumboldt e Bonpland aplicaram o nome dé'-"Hylaea".$ a floresta equatorial que vai do Atlântico aos contra-fortes dos Andes, limitada ao norte e ao sul por forma-ções mais secas. Inclui a baixada do Orinoco e a Guiana.Essa área coincide quase exatamente com a da seringuei-ra, a qual, aliás, serve para caracterizar a hiléiabotanicamente. No Brasil se fala da "Amazônia Legal":uma área de cinco milhões quilômetros quadrados,abrangendo os estados do Amazonas, Pará, Rondônia,Amapá, Acre, Mato Grosso, parte do Maranhão e To-cantins,

1\ expressão "floresta amazônica" design~ coletiva-.mente vários tipos de floresta úmida dos quais basica-mente os dois seguintes devem ser considerados sepa-radamente: a mata de terra firme e a mata de várzea.Existem muito mais formações, dentro do domínio daAmazônia, como a várzea de buritizais, as "caatingas",dos rios Negro e Solimões, as "campinas", as "savanas"e pequenas serras com matas secas (por exemplo, naSerra dos Carajás, Pará).

;Embora a idade da Amazônia seja avaliada como in-ferior à idade do cerrado, a floresta Neotropical existehá milhões de anos dando origem a um grupo deecossistemas dentre os mais complexos do mundo. Os-cilações climáticas no continente levaram a modifica-ções drásticas na Amazônia, que em certo momento al-cançavaô Sudeste do BrasiL!

Particularidade da Amazônia é a existência de riosde cores diferentes que têm também influência sobre aflora e fauna: (1) água "branca", barrenta (rios Amazo-nas, .Madeira e Branco); (2) água verde-clara, transpa-rente (rioTapajós) e (3) água "preta", marrorn-olivácea(rios Negro e Cururu) (Sioli& Klinge 1962).;

MATA DE TERRA FIRME

Existente fora da influência dos rios.É a grande eimponente floresta pluvialhileiana.Amata de terra fir-me está localizada em planaltos pouco elevados (30-

200m), ondulados ou recortados por pequenos cursosd'água, não sujeitos a inundações fluviais; o substrato éfreqüentemente areia argilosa. - .

Há geralmente, uma estratificação da mata, poden-do-se identificar até quatro estratos. O estrato supremo(abóbada florestal) alcança 30-40m, mas não raramentedesce a 20m. São muito características as emergentes quechegam a 50 e 60m; uma das emergentes mais notáveisé a castanheira-da-pará, que compõeos castanhais,

Abaixo do estrato supremo há um segundo andararbóreo, e subordinado a ele, outro andararbóreo-ar-bustivo entre 2 e 5m, que forma a submata, rica em pal-meiras. A riqueza em árvores da hiléia é única, porém, adominância de determinadas espécies é moderada; poroutro lado espécies representadas por um único indiví-duo, numa certa área, são numerosas. O número de ár-vores e espécies por unidade dá uma idéia da riquezadessas florestas: na região de Belém, Pará (150 km dis-

-tante do Equador e do Atlântico, a precipitação anual éde 2.800mm ou mais, a temperatura média oscila entre25° e 26°C), conta-se por hectare 133 árvores (com diâ-metro de tronco de lOcm a 120cm acima do solo) de 42espécies; no rio Madeira, Amazônia, se encontram 111árvores de 60 espécies e chega-se, no alto Amazonas, atéa valores mais altos: 120 a 290 espécies de árvores porhectare (Gentry 1988). Na Europa central acham-se nomáximo 10 espécies de árvores por hectare em média.Os censos aprofundam a compreensão da fitofisionomia.Nota-se na fauna uma evolução correspondente: rique-za em espécies, mas poucos indivíduos por espécie.

Atraem a atenção raízes tabulares (sapopemas) eraízes escoras respiratórias, estas semelhantes às dosmangues. Feições típicas são, outrossim, lianas provi-das de caule achatado ou escalariforme (por exemplo,escada-de-macaco, Abundam plantasmirmecófilas. Comumente tais matas são limpas e detrânsito fácil. Obstáculos maiores são grossos troncostombados. Os gigantes tombados formam com as árvo-res.atingidas ao redor um matagal impenetrável, por cimado qual se abre uma espécie de clareira natural na mata.

MATA DE VÁRZEA

Domínio localizado em terrenos baixos e sujeitos ainundações periódicas por rios de água branca, barren-ta na época das chuvas. As matas estendem-se àsnumerosíssimas ilhas fluviais. Um gigante da mata devárzea é o maparajuba, que atinge 40metros de altura; as árvores ali tem em regra 20 a 30metros. As várzeas são entrecortadas por pequenos riose riachos, chamados igarapés. A submata é pobre emespécies vegetais. Em lugares de forte sedimentação cres-ce a bela sumaúma, de porte característico.

MATA DE [CAPÔ

.É a mata inundada por águas claras, pretas, paradasjunto às margens dos rios. Formam-se tais matas tarn-

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OPAÍSESUAsAvES 27

bém em plena terra firme, às margens dos riachos. Oigapó passa para os buritizais, belíssima formação dapalmeira buriti, sp.

FORMAÇÃO RIBEIRINHA

Abrange as praias arenosas com formação arbustivade li oldii n coberta inteiramente por água du-rante a cheia, que dura freqüentemente cinco meses. }lma .faixa de mata baixa comC e brenhas deHe localmente a palmeiraj u marca a pró-pria beira do rio. As ilhas com arbustos desaparecempor completo durante a enchente.

AS AVES DA AMAZÔNIA

Não há outro lugar no mundo onde vivem tantasaves: em número de espécie em geral e em número deespécies existentes no mesmo hábitat (sintópicasj.] Acomposição desses hábitats muda dentro da mesma matade modo quase imperceptível para nós. Assim a faunamuda numa adaptação evoluída durante milhares deanos; nós percebemos apenas uma parte dessas ligações .'íntimas. A biodiversidade fica mais fácil de entenderquando estudamos os animais inferiores, vivendo navegetação e no solo. .

Nunca faltam frutos, sementes, flores e artrópodespara a farta alimentação da avifauna durante o ano todo.IPodemos dar aqui apenas uma idéia muito vaga dessa-situação extremamente complexa.

AAmazônia é a terra dos grandes Cracidae (rnutuns),muitos Tinamidae (inhambus, temos que conhecer asvozes das espécies), Psittacidae (araras, papagaios e pe-riquitos, inclusive a bela ararajuba,endêmico ao sul do Amazonas, símbolo nacional brasi-leiro), pitorescos Ramphastidae (tucanos earaçarís),muitos Picidae (pica-paus) e muitos Passeriformes comopor exemplo, Forrnicariidae, os mais interessantes de-les correndo ou pulando no solo, por exemplo, as

l Os Pipridae fascinam pelas suas danças, sãoconhecidos como uirapurus, famosos na Amazônia.Émuito interessante prestar a atenção no folclore amazô-nico (também mencionado no corpo do livro) ao qualtrata freqüentemente às aves, a partir do mundo espiri-tual fantástico dos índios, donos tradicionais dessas ter-ras há milhares de anos. Aves típicas da Amazônia, in-cluindo o Orinoco, são a cigana(Opist s hos jacamins ( spp.) e o pavãozinho-do-pará

hel o último distribuído até o México tro-pical, cuja voz melodiosa, emitida no crepúsculo, cha-ma muito a atenção. Ocorrem, ainda em quantidade ra-zoável. as aves-de-rapina mais possantes: o gavião-real,H e o uiraçu-falso, phnus s. !Entre osbeija-flores do dossel ensolarado se distingue a belíssima

enquanto no interior da mata mais escura abun-dam os pardos.Os Capitonidae, capitães-da-mata, são pantropicais, no Brasil só ocorrem na Amazô-nia. é um quase-endemismo da Amazônia

brasileira. Entre os Passeriformes mais típicos se desta-cam, por exemplo, Cotingidae, como

il is, Que ul pu Ceph lopt nissoc s lo e nod us foeiidus. O grito es-

tridente do "tropeiro", ns, é a "voz daAmazônia".

Alegião dos papa-moscas, Tyrannidae, ocorrendo em. todos os estratos da mata, mas dominando nos mais al-

tos, desafia o mais treinado ornitólogo que tem que co-letar amostras para a devida identificação.

Difícil é o controle da avifauna da abóboda florestal,atravessada por bandos de pássaros (Thraupinae, etc.),ou sendo o hábitat constante de espécies como oassobiador-do-castanhal ieucotis, Vireonidae).O observador "quebra o pescoço" para descobrir e iden-tificar um pássaro lá em cima cuja voz ainda não conhe-ce. 'Conhecer a vocalização do todo à sua volta é indis-pensável no registro de aves, dia e noite, exigindo tra-balho duro durante meses e anos.

Frutos caindo atraem papagaios ou macacos comen-do nas copas, mas é difícil achar uma lacuna na folha-gem para ver os animais. Os frutos, espalhados no solo,atraem tinamídeos, de encontro difícil em outros luga-res. Árvores caídas com seus discos radiculares(radiculação superficial) dão oportunidade à nidificaçãode aves (substituto de barrancos), as clareiras naturaisatraem aves de beira da mata, 'inclusive migrantes vin-dos da América do Norte, como os Parulinae, durante oinverno de lá. As colunas vibrantes das formigas-de-correição denunciam-se ao longe pela gritaria excitadada passarada. prevendo corn ida fácil e farta, aprovei-tando-se da infinidade de pequenos animais afugenta-dos pelas formigas. São atraídas as aves mais cautelo-sas, como o grande cuculídeo terrícola phus, ele-mento notável da Amazônia.

Papagaios, araras e cotingídeos (por exemplo,puni voam de uma emergente a outra. Um

dos' maiores espetáculos na Amazônia são os vôos cole-tivos de araras, papagaios e grandes icterídeos(japú,

lius) a tardinha, na procura dos locais tradicio-nais onde dormem. A construção de uma torre de obser-vação, como foi feita primeiramente na Área de Pesqui-sas Ecológicas do Gtiamá (APEG),Belém, Pará, é muitoútil.

Foi uma surpresa encontrar nos altos rios Xingu eTapajós, Mato Grosso, espécies consideradas exclusivasdo alto Amazonas, comoCep p e us(Cotingidae).

O mais fascinante é sairà noite para tentar d'~cifrar ocoro de animais noturnos, corujas, bacuraus e urutaus,estes entre as aves mais esquisitas da região neotropicale do mundo. Existem mamíferos (roedores noturnos,arborícolas do gênero o macaco-da-noite,e até batráquios com uma vocalização semelhante àsaves. O canto dosocó-boi ig l ), pode serbem parecido ao esturro distante de uma onça-pintada;como aprendemos no Brasil central. Em noites de luar

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28 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

pode-se ouvir, em beira de rio (o "rasgar das asas" doscujubins cujubi) que são cracídeos arborícolas,voando de uma copa a outra. A voz ventríloqua de umjacamim sp), empoleirado junto com os seuscompanheiros, lembra-nos que estamos em plena Ama-zônia.

Nas matas periodicamente inundadas faltam, até cer-to ponto, aves terrícolas, mas ocorre durante a vazanteuma notável imigração de espécies, como inharnbus,vindas dos arredores não inundados, atravessando atébraços de rio, voando.

Perto da costa atlântica, como na região de Belém,Pará, a mata da várzea está sujeita à maré, tornando-seinundada duas vezes por dia, período aproveitado porcertas aves, como inda e nicollis,para invadir' a área.

Nas praias vivem dois trinta-réis: a grande eihuse a pequena que se confunde com obacurau da praia, rupesiris. Descansam ban-dos de corta-água de bicão vermelhogritante e aparece o esquisito pato-corredor,j endêmico do Neotrópico. Passam martins-pesca-dores, biguás e garças.É surpreendente a pobreza daavifauna aquática da Amazônia (v.sob Anatidae) e, par-ticularmente, do rio Negro. Enquanto na água preta dorio Negro mediram-se 0,14 g/m3 (gramas por metrocúbico) de biornassa, esta mede na água mista da várzeado próprio Amazonas 6,2 g/m3, portanto 40 vezes mais(Fittkau 1975). Faltam até os mosquitos no rio Negro,designado pelos locais "rio morto" ou "rio silencioso".

Finalmente lembramos das aves que sobrevoam o

Amazonas e seus tributários, como periquitos, papagaios,araras, tucanos e gaviões, vistos pelos turistas que viajamde navio. Sempre há andorinhas, sobretudo no outono einverno meridionais (março a agosto), vindo emmilhares e milhares do distante sul do continente, asso-ciando-se às tesourinhas í, da mesmaprocedência, "veraneando" na hiléia. As andorinhaslocais e chamammenos a atenção. Caem muito na vista bandos de xexéus

cicusOs hábitats criados na Amazônia pelos rios

c e (fig. 3) atraíram nos últimos anos a aten-ção especial de ornitólogos americanos que trabalharamno Alto Amazonas, na Colômbia e no Peru. Remsen&Parker (1983) chegaramà conclusão de que uma per-centagem alta (15%) das aves não aquáticas da Amazô-nia estão restritas a hábitats ribeirinhos.

TRANSIÇÃO AMAZÔNIA - REGIÃO PLATENSE

Interessantes são regiões de transição como porexemplo, aquela entre as drenagens das bacias Amazô-nica e Platina, na área do rio Paraguai superior ao nortede Cáceres, Mato Grosso. Lá se encontram duas faunas:(1) espécies amazônicas como o momotídeoElec on

t h , o araçari e oglossus bito oformicarídeo nig escens e o saí

e (2) elementos típicos do cerrado e do Pantanal/Chacoparaguaio: a seriema c , o rinocriptídeo

o io as gralhas se C. s el/us e emberizídeos da subfamília Thraupinaecomo e e upis [asciaia. Nes-sa região, no rio[aurú, Mato Grosso, registramos até oCondor-dos-Andes como visitante.

FRIAGENS

No alto Amazonas, por exemplo, altos rios[uruá(Acre), Purús (Amazonas), Madeira (Rondônia) eTapajós

(Pará, observação própria) ocorrem entre junho e setem-bro, no tempo seco, regularmente friagens, causadas pelainvasão de massas de ar frio, vindas das regiões antárti-cas (não dos Andes, como anteriormente suposto). Ven-tos fortíssimos de sudeste trazem num instante nuvens(não chuva) e a temperatura desce de25°C a 10°C e atémenos. Consta que as águas de pequenos rios e lagospodem esfriar tanto que causam mortandades de pei-xes. Diminui a atividade da fauna toda. Quase não hámais vocalização de aves. Não voam insetos e supomosque a alimentação de aves insetívoras fique bastante pre-judicada. As formigas-de-correição, tão importantes namata amazônica para tantas aves insetívoras (quase to-das suboscines, v. sob Formicariidae), ficam no bivaque.Também aves frugívoras ficam prejudicadas, uma vezque o vento forte sacode a galhada das copas, expulsan-do até espécies maiores como tucanos, papagaios e mes-mo cotingídeos como de s [oetidus e C ting

.Beija-flores e andorinhas não aparecem; eles têm ca-

pacidade de entrar em estado de torpor para reduzir ati-vamente seu metabolismo (v.sob Trochilidae). A duraçãodas friagens (conhecidas no sul do Brasil como "Friagemde São João"), não duram mais de três a cinco dias.

1.3.2 ou

É um corpo florestal do Brasil oriental, ocorrendo doRio Grande do Norte até Rio Grande do Sul, na faixalitorânea, restinga adentro. A floresta pluvial atlântica éconstituída por dois corpos: a floresta litorânea e a flo-resta de montanhas, ambas com um grande número deendernisrnos. O maior índice de endemismos está mes-mo no sudeste do Brasil, com aproximadamente 140 es-pécies florestais (Haffer 1985). '

FLORESTA LITORÂNEA

'Ocorre no Nordeste (onde é chamada florest~ dos ta-buleiros) até o Rio de Janeiro em ,terreno plano ou sua-vemente ondulado, de 20 a 200m acima do nível do mar.As condições climáticas são bem semelhantes às daAmazônia; em Caravelas, Bahia, temos 1.850mm anuaise em Ilhéus, Bahia, até 2.134mm, A flora e a fauna pos-suem fortes relações com a hiléia. A mata atlântica é ain-da mais úmida que a Amazônia'e assim possui mais

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OPAlsESUASAVES 29

Linha Máxima D'água

Ilha de AreiaFormação Arbustiva Floresta Ribeirinha

Floresta Transicional

Mata de Várzea

Fig.3. Hábitats criados pelos rios no oeste da Amazônia (adaptado de Remsem& Parker1983).

Bromeliaceae. A mata existente ao norte do rio Doce,Espírito Sant~, e no sul da Bahia, hoje muito reduzida,assemelha-se fisionomicamente bastanteà floresta ama-zônica; um dos últimos remanescentes é o RefúgioSooretama e a Reserva da Companhia Vale do Rio Doce,em Linhares, Espírito Santo; faltam a essas matas as gran-des emergentes da Amazônia.

Entre as aves da floresta litorânea há elementos ama-zônicos, como o mutum-do-sudeste (jacu-estalo Cuculidae) e váriosPasseriformes-suboscines, como cotingídeos, por exem-plo, os gênerosCot e l . Em ambas as áreas

. ocorrem 30 espécies de não-Passeriforrnes e 67 espéciesde Passeriformes em comum, embora freqüentementereconhecíveis como subespécies (Müller 1973).

O pavão ( s, existente também nosAndes, é no Brasil um elemento meridional, atingindotambém altitudes. Várias outras espécies aqui listadasocorrem tanto na floresta litorânea como na serra do Mare seus prolongamentos no interior do país ..J-Iá váriostinarnídeos, antigamente até seis espécies simpátricas:

sol e cinco espécies de inclu-sive C. n. gus, endêmico. Sejam mencionados ain-da os seguintes exemplos de não-Passeriformes eSuboscines endêmicos ou quase endêmicos .3.ue ocorremna floresta litorânea:

ACClf'ITRIDAE: I endêmicoPSITTACIDAE: u i t ,

b e .todos endêmicos; antigamente.

STRIGIDAE:tROCHlLIDAE: uius e R.

, e , Cl l , todosendêmicos:

BUCCONIDAE: coptil _ t , endêmico.PIClDAE: l is· endêmicoFORMICARIIDAE:H d gutt

, M. unicolo , M. is,e! ,

C l todos endêmicosCOTlNGIDAE: ,

l lus, l C lc todos endêmicos

PIPRIDAE:ll , l ambosendêmicos.

Pertence tambémà-mata atlântica litorânea a Flores-ta da Tijuca (Parque Nacional da Tijuca), às portas oudentro do Rio de Janeiro que os visitantes estrangeiroscostumam conhecer primeiro.É muito empobrecidaquanto à avifauna mas ainda ocorrem tucanos-de-pei-to-amarelo itellinus) e a araponga

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nudicollis) podem ser observados jacupembas elopeUrús e juruvas

gavião-da-matase trai pela vocalização e não existem mais

tinamídeos, grandes psitacídeos, Trogonidae eGalbulidae. A Floresta da Tijuca foi criada no séculopassado (1861), para resolver o problema de abasteci-mento d'água da cidade do Rio de Janeiro. A área eraum mosaico de fazendas de café e outras culturas e ser-viu à exploração de lenha. Existem ainda hoje árvoresseculares da mata primária, ao lado de eucaliptos degrande porte, árvore importada já naquele tempo daAustrália.

FLORESTA ATLÂNTICA MONTANA

~ a mata de altitude, existente na cadeia montano-marítima, do Nordeste até o Rio Grande do Sul (esten-dendo-se até a Argentina). Sua área principal são as Ser-ras do Mar e da Mantiqueira, penetrando bastante nointerior dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio deJaneiro e Espírito Santo. Ocorre entre 800 e 1.700mm, nasua forma típica.As chuvas da floresta atlântica de mon-tanhas não diferem muito das da Amazônia, podendohaver 2-4 meses secos. 'Em Petrópolis. Rio de Janeiro,registram-se cerca de 2.200mm, e no Parque Nacionalda Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro, 3.100mm anuais.Nas montanhas impera um clima ameno com tempera-turas médias entre 14°C e 21°C; nos cumes e no sul atemperatura pode cair abaixo de 0°.

As árvores podem atingir 30 e 40m de altura. Nasubrnata ocorrem o palmito es edulis) e bambusalto-escandentes em 'grande quantidade, além de fetosarborescentes. Q?eculiar nas tais matas são asnumerosíssimas plantas arborícolas, destacando-sebromeliáceas de todos os tamanhos, as plantas mais de-corativas da América do SuL"Rizzini (1979) dá uma listade 792 espécies de plantas epífitas da floresta pluvialmontaria. encabeçada pelos fetos, orquídeas e musgos:

Há na floresta montana atlântica também um núme--ro bom de endemismo de aves, como psitacídeos ecotingídeos,' Vive ali, muito isolado, o sabiáCichlopsisI./eucoge Há quatro a cinco espécies dE(.}inan:tí~eos,sendo obsoletus o mais encontradiço. E ouera domínio da jacutinga g e do Jacuaçu( enelope Em espécies. endêmicas ou quase en-dêmicas citamos ainda a seguinte seleç~.~:

ACCIPITRIDAE: polionoPSITTACIDAE: o pil ,

e .'TROCHILlDAE: eu uno e, eucochic s- lbicollis, s sGALBULIDAE:

RAMPHASTIOAE: , onius b il/oniPICIOAE: ocopus sFURNARIlDAE: [uscus, Ciehlo ptes

ieucoph Heliobletus tus

FORMICARIlOAE: cine en i l e. e ci l ic Conopo /in .

RHINOCRYPTIDAE: ul is e , t lopus indigoticuse , s guit tus.

PIPRIDAE: llic isCOTlNGIDAE: ijue e condii C nis cucutl

ugus oides, oen nudicol/is. A arapongaé um dos componentes mais conhecidos da mataatlântica, ocorrendo em várias altitudes, sua mar-telada é mesma a "voz da mata atlântica".

TYRANNIDAE: llos lus, He it iccusc s, seipip uetul

EMBERIZIDAE, THRAUPINAE: O s chlo ci us,o , O chesiicus beil/ei

Elementos de altitude, como os formicarídeos do gê-nero e , descem, às vezes, a altitudes mais bai-xas (cerca de 200m) quando existem matas contínuas como alto (p.ex., região de Itaguaí e município do Rio de Janei-ro) [ou mesmo ao nível do mar, Mangaratiba, Angra dosReis, P S. M. Fonseca, J. F. Pacheco]. Certas espécies se .espalharam em direção ao interior, durante os últimos sé-culos que podem passar como não sendo representantesda mata atlântica, exemplo disso é o galbulídeo

on que aparece no vale do Paraíba. O gêneroopus começou até a colonizar o Brasil central.

MATA ATLÂNTICA DO NORDESTE

No nordeste do país, em Pernambuco e Alagoas, amata atlântica se apresenta na forma de floresta de bai-xada existindo também uma floresta montana. A de bai-xada hoje quase não existindo mais, abriga uma faunanotavelmente amazônica, dando uma boa idéia da anti-ga ligação desta com a Amazônia, seguindo a costa, atéo sudeste do Brasil. Um dos últimos testemunhos vivosdessa invasãoamazônicaé o mutum-do-nordeste, itu

tu. Ocorrem também cdo e o so.

A mata de altitude de Alagoas e Pernambuco guar-da maior afinidade com a mata atlântica ao sul do rioSão Francisco. Ocorrem os cotingídeos n s nudicollise s n el oee s. Duas espécies apenas desco-bertas em 1979,Phibfdor e Terenura sicki, repre-sentam substitutos geográficos respectivamente deP

illus e . da mata atlântica do sudeste doBrasil, comprovando a antiga relação íntima dos doiscorpos de mata. Por outro lado os dois representantesdocumentam a longa separação geoclimática das duasregiões, suficiente para permitir uma evoluçãobem di-ferente de táxons tão aparentados.

No Nordeste do país a exploração naturalística co-meçou no século XVII sob a administração holandesa,deixando uma boa documentação iconográfica.

FLORESTA DE ARAUCÁRIA

O pinheiro-do-paraná, u /i , existenas partes altas da região montanhosa do Brasil rneri-

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OPA!SESUASAvES 31

dional, geralmente acima de 1.200m, nas serras daMantiqueira e do Mar, nesta em localidades opostas aomar. Associa-se a componentes da floresta montícola(Rizzini, 1979); é a paisagem menos tropical do Brasil.As araucárias imigraram da região meridional chilena-argentina ao Brasil, vindo da sub-Antártica onde há fós-seis que se ligam com a área principal atual da araucária:Austrália oriental, Oceânia e Nova Guiné; esta floraimigrou a América do Sul do lado pacífico meridional enão do lado atlântico. No Brasil as araucárias são elimi-nadas naturalmente pela mata subtropical-úmida. Aaraucária ocorre subespontaneamente do Rio de Janei-ro e Minas Gerais até o Rio Grande do Sul, em climapermanentemente úmido; Curitiba, Paraná, tem1.373mm anuais.

Na submata dos pinheirais há abundância de taqua-ra dos gêneros ost e além de fetosarborescentes, aparecendo sobretudo o pinheirinho,

imigrado junto com ,as araucárias.O pinheiro é heliófilo e avança sobre áreas campestres,formando capões e matas de galerias.

A única espécie de ave que conhecemos com ocor-rência exclusiva nos pinheirais, é o furnarídeo

i fato até comentado pelo povo noRio Grande do Sul. A gralha-azul,sempre citada como ave típica do pinheiral, ocorre amiú-de em outros tipos de mata. Os tinamídeos são os mes-mos como na floresta atlântica montana. No extremo sul

n p et é, periodicamente, ave de pinheiral, apre-ciando os pinhões.É citado do pinheiral a jacutinga, ocorujão Ci huhul o pavão o melro

e Freqüente no pinheiralé o pintassilgo, l .

1.3.3 CERRADO, MATA DE GALERIA, BURITIZAL E

SUAS AVES

CERRADOº cerrado ou campo cerrado, de uma fitofisionomiabem característica, corresponde à formação da"savanaarborizada" de outros continentes tropicais. O cerradoocupa uma área de mais de dois milhões de km-, corres-pendendo a cerca de 26% da superfície do Brasil. EmGoiás 69% são cerrado, no Distrito Federal até 88%. O~uadC2..i.ª_-pai?"ªgem dominante da região Centro-Oes-te, estendendo-se até o Paraguai, Pará, Amapá e Ama-zonas:.: A fitofisionomia campestre do' cerrado engana,até éé-rto ponto, pois o cerrado é, pela sua origem, umaformação arbórea. O grande desenvolvimento dos cam-pos na área do cerrado é freqüentemente secundário,provocado pelo fogo. Erro muito divulgado é conside-

rar o cerrado uma formação secundária, provoca da pelofogo. O fogo apenas modifica o cerrado. Achamos pos-sível a ocorrência de fogo espontâneo, provocado porraios e cacos de vidro porventura existentes, que agemcomo uma lente ustória (o último admissível apenas emtempos pós-colombianos). Ao lado do cerrado existiram,no Brasil central, durante séculos, campos.

O cerrado é uma formação subxerófila na qual pre-dominam arbustos e árvores esparsamente dissemina-das, não-altos, de galhos tortuosos, com espessa cascasulcada, folhas geralmente coriáceas. Nos troncos caemmuito na vista cupinzeiros de cor avermelhada, gran-de atrativo para aves que ali cavam ocos para instalarseu ninho. O cerrado passa gradativamente ao"cerradão" (cuja fitofisionomia se assemelhaà mata).Freqüentemente o cerrado é bem ralo, sucessor dosecossistemas abertos ,que, até o pleistoceno, abrigaramuma fauna de grãndes mamíferos, como cavalos(Equidae)'. Afirma-se que precursores do cerrado re-trocedem a formações que, nas Guianas e no Brasil cen-tral, já existiam antes do Cretáceo, tratando-se por con-seguinte de uma flora muito mais antiga do que a daatual bacia amazônica.

Espalham-se os campos sujos ou limpos e a savanade cupim que, por sua vez, com mais umidade, cede oterreno aos buritizais t no Brasil cen-tral). Os rios são acompanhados pela mata de galeria oumata ciliar que, em Goiás, pode ter cunho florístico efaunístico da mata atlântica que imigrou. '

AS AVES DO CERRADO

Ocorre a ema os Rheiformes eramrepresentados nesta região já no Paleoceno superior, hácerca de 55 milhões de anos. Outra ave muito típica docerrado é a seriema i com antecessoresfósseis no terciário inferior, há mais de 50 milhões deanos. Os tinamídeos sãoCrfpt lus is,

u e . Oúltimo pode ser confundido com a saracura sintópica

.IAlista mos ainda as seguintes espécies do cerrado,

uma pequena seleção, a maioria quase-endêmica ouendêmica, vivendo no cerrado ou em ecossistemas se-melhantes:

FALCONIDAE:COLUMBlDAE: t e

quase endêmicosPSITTAClDAE: endêmico e numero-

sos periquitos, por exemplo, são.", os inquilinos dos mencionados cupinzeiros

arbóreos

1 Há razões para discutir seriamente se o homem já participouà essa época no Brasil (Toca da Esperança, Bahia): artefatos dequartzito associados a ossos fossilizados a uma fauna quaternária extinta -aves não foram identificadas - de uma idade de cerca300,000anos, datação pelo método do urânio e tório. As conclusões tiradas desses achados não são aceitas unanimarnente.

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32 ORNITOLOGIABRASILEIRA

TROCHILIDAE:He ctin c uBUCCONIDAE: t lus u u, de larga distribuiçãoRAMPHASTIDAE: tocoPICIDAE:C is, de larga distribuiçãoFURNARIIDAE: tes poeci endêmico;

n lDENDROCOLAPTIDAE:pidocol tes tFORMICARIIDAE: us ius

RHINOCRYPTIDAE:t tTYRANNIDAE: i inis, endêmico; C s

endêmico; l ci cujo pio melodio-so nunca falta no cerrado;Culi

CORVIDAE: c llus, no campo cerradoEMBERIZINAE: ciCARDINALlNAE: icollis,

THRAUPINAE: t[asciata

A gargalhada da seriema é a "voz do cerrado". Avocalização mais forte no local é a do gralhão(

Falconidae), considerado um galináceo pe-los caçadores, gritando em coro.

MATA DE GALERIA

Endemismo das matas bem úmidas de galeria oumatas ciliares mais fechadas, entremeadas no cerradode Goiás, é o tapaculo ü is, de des-cendência atlântico-andina, descoberto em 1957, emBrasília. achado depois também em tais matas naschapadas altas de Minas Gerais ocidental. Outra ave tí-pica dessas matas ciliares do Brasil central que chamamuito a atenção é piprídeo muito sin-gular. Ocorrem os furnarídeos i ius, qua-se endêmico, e e o parulíneo

l endêmico. Pertence às matas maislargas de galeria o mutum-de-penacho iendêmico e existe o pavão-do-matopor exemplo, no Distrito Federal, imigrado da mataatlântica.

BURITIZAL

Os buritizais, belíssimos palmares do Brasil ce-ntral(na Amazônia são os miritizais) em lugares com águaabundante, estão inseridos de permeio no cerrado.Endemismo singular desses palmares é o furnarídeo

O ndo nh adap-tou seu ninho, feito de penas coladas, às palmas pen-dentes.

Os buritizais são ricos em Psittacidae, inclusive cin-co espécies de arara:Anodorlnmchus

. l e e doismaracanãs: i eOs cocos servem para alimento, os troncos ocos fornecemo melhor abrigo para a nidificação dos psitacídeos eandorinhões .

1.3.4CAMPOS DO RIO BRANCO EDOAMAPÂ,

CHAPADAS MINEIRAS E BAIANAS, CAMPOS ALTI-

MONTANOS E RESTINGA E SUAS AVES

CAMPOS DO RIo BRANCO E DO AMAPÁ

Esses domínios são semelhantes ao campo cerradoaberto do Brasil central. O clima é classificado comoserni-úmido, com estação seca prolongada. A precipita-ção média anual em Boa Vista, Roraima, é de cerca de1.500mm.

A avifauna dos campos do Rio Branco e do Amapátorna-se diferente da do cerrado do Brasil central pelaexistência de elementos imigrados do norte do continen-te: o um-do-campo, Colinus , o téu-téu-da-savana, e o pedro-celouro,

CHAPADAS MINEIRAS E DA BAHIA

Um outro tipo de campos altimontanos são as cha-padas altas de Minas Gerais e Bahia, como a serra doEspinhaço e sua continuação, a chapada Diamantina. Emaltitudes superiores a 700m existe alí uma vegetaçãoarbustiva rupestre, rica em palmeirinhas

Ocorrem vários endemismos em avescomo os beija-flores e oemberizídeo e o pequeno tiranídeo

Recentemente foi encontrado naserra do Cipó (Minas Gerais) um (Furnariidae),gênero freqüente no extremo sul do continente e nosAndes.

OS CAMPOS ALTIMONTANOS

Nas serras mais altas do Sudeste, Serra daMantiqueira e do Mar (Caparaó, Itatiaia, Serra dos Ór-gãos) as florestas de montanhas sãosubstituídas,acimade 1.900m (o ltatiaia chega a 2.400m), pelos camposaltimontanos ou campos de altitude ou "alpinos". Estazona úmida acima da mata tropical daquelas serras podeser considerado, biogeograficamente, um substituto dos"páramos" dos Andes. Uma das suas plantas dominan-tes é a criciúma-bengala, Em parte,esses vegetais denunciam a filiação próxima à vegeta-ção dos Andes, na mesma altitude, por exemplo, na Bo-~~. "

Houve uma imigração de flora e fauna andinas/patagônicas no Pleistoceno. Um endemismo de aves doscampos altimontanos do sudeste é o furnarídeo

- que tem todo o seu-parentesco nos Andes; vive ao lado de outro elementoandino: o rinocriptídeo lopus Ç) bacurau

é também de proveniênciaandina.O beija-flor 'típico para oscampos altimontanos do sudeste, ocorre em clima ame-no no sul (Rio Grande do Sul) ao nível do mar (regrabiogeográfica de Humboldt, 1805

du Existem doisEmberizinae semelhantes: e ,

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OPAfSESUASAvES 33

o último endêmico; o gênero evoluiu em várias espéciesno domínio dos Andes e no sul, em clima ameno. O gran-de noph us d tus, Thraupinae, cantor notá-vel, ocupa as serras altas do sudeste brasileiro e o lesteda Argentina. Os pintassilgos l us)alegram a região montanhosa brasileira - da mesmamaneira que fazem nos Andes e em montanhas daAmé-rica do Norte e do Velho Mundo. Foi documentado noalto Itatiaia a ocorrência de perdiz hotus ns)e da seriema i c is ambos imigrados do pla-nalto mineiro.

RESTINGAA restinga ou as planícies dos cordões marítimos se

estendem do Amapá ao Rio Grande do Sul..É a regiãojustamarítima do Brasil oriental, sobre as areiasholocênicas, desde o oceano até as primeiras elevaçõesda Serra do Mar. Levantamentos arqueológicos docu-mentam em sambaquís do litoral idades de c. de4000anos. Na desembocadura dos rios e lagunas a restingapassa a manguezais (v. a seguir). Pela sua vegetação arestinga lembra o cerrado ("cerrados do litoral").'

A avifauna da restinga oferece problemas especiais.É caracterizada por elementos que se encontram tam-bém em outras paisagens abertas e meio abertas. Há,por exemplo. a rolinha-de-asa-canela'0 beija-flor l o sabiá-da-praiagiluus, o vireonideo o parulinae

ti e os traupinae pee o emberizídeo

e o tiranídeo H t nidipendulus que é bas-tante comun; eé um eridernismo do sudeste. Ocorre oforrnicarídeo. recentemente descrito, ioo lit is.

1.3.5 CAATINGA E PANTANAL DE MATO GROSSO

CAATINGA

_O "Polígono das secas" é a região sub-árida do Nor-deste com seus solos argilosos, pedregosos ou arenosose a estação seca irregular e intensa (7 a 8 meses e maissem chuvas). No Raso da Catarina, Bahia, a caatinga seespalha sobre um platô, cortado por . Os arvore-dos e arbustos decíduos existentes, armados freqüente-mente de espinhos, são despidos de folhas durante me-ses, a galhada nua de cor cinzento-claro ("caa-tinga" -mata branca). Há boa quantidade de plantas suculen-tas, cactos e bromélias terrícolas; ervas só vegetamna curta época chuvosa. Ocorrem poucas gramíneas.A caatinga, por origem, é tão pouco antropógena quantoo cerrad o.Tiá certa semelhança com a vegetação dosafloramentos de calcá rio em Minas Gerais. Sobrevindochuva, transforma-se radicalmente o aspecto da caatin-ga, aparecendo a mesma como uma capoeira folhuda,verde e florida, com poças de água de onde surgemanuros e até peixinhos "sazonais" que "dormiam" nofundo seco.

Há uma grande transversal de formações abertas, li-gando a caatinga brasileira ao chaco paraguaio, atraves-sando o cerrado do Brasil central; foi mais "corredor"no pleistoceno superior do que nos últimos milênios(Ab'Saber 1981), servindo à dispersão da flora e faunacampestres, Sobre as aves do Chaco v. Short (1975).

Existe um bom número de endemismos de aves nacaatinga como o tinamídeo ee o cracídeo Os psitacídeos estão re-presentados por vários periquitos como

quase endêmico. Os endemismos mais impor-tantes do Nordeste são a ararinha-azule a arara-azul-pequena , apenas em1978 localizada no extremo nordeste da Bahia. Provi-denciamos ainda a seguinte seleção de aves típicas dacaatinga: _

RHEIDAE:o Nordeste (Pernambuco) é a pátria da ema-de-bicão = origi-nalmente abundante, hoje ainda mais reduzidaque a ema do Brasil central e do sul.

COLUMBIDAE:impressiona a abundância de pombi-nhas, sobretudo a avoante pe-riodicamente aumentando tanto que lembra a ex-tinta Ectopistes da América do Norte.

CAPRIMULGIDAE: endêmico.TROCHILIDAE: gounellei, endêmico.ApODIDAE:localizamos um pouso invernal de mui-

tos milhares de andorinhõesno Rio Grande do Norte; ain-

da não sabemos onde reproduzem.P1ClDAE: Existem várias espécies endêmicas de

picapauzmhos: l e

FURNARIlDAE: esão endemismos notáveis;

é comum.FORMICARIlDAE:

e são endemismos.Encontradiço é cuja dis-tribuição ocupa os dois pólos do "corredor" men-cionado, região árida, que liga a caatinga com ochaco paraguaio.

CORVIDAE:cancã, d eÍ'1'8'êiüsm'0.PARULINAE:canário-da-mata, flaueolus,

bem típico para a caatinga.EMBERIZINAE:galo-de-campina dominicanay,

endemismo.ICTERINAE:sofré endêrnico, como o

galo-de-campina um dos pássaros mais popula-_res no Nordeste.

THRA-UPINAE:carretão é umendemismo notável do Nordeste, que chamamuito a atenção pelo seu vozerio monótono.

Nas escarpas rochosas do Nordeste nidifica o urubu-rei e aves de rapina como o acauã

e a águia-chilena e

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34 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

"", Do Nordeste veio uma surpresa paleontológica todaespecial: numa jazida da chapada do Araripe, Ceará, demais de cem milhões de anos de idade, onde o famosonaturalista americano Louis Agassiz há cem anos esca-vou peixes fósseis, foi achado, ao lado depterosáurios,uma pena de ave; nunca tinham aparecido ali aves fós-

seis.

PANTANAL

Na aludida faixa que liga a caatinga do nordeste doBrasil ao chaco paraguaio, fica o pantanal de Mato Gros-so, área de 75.000km2, a maior e mais rica região emaves paludícolas do continente, com lençol de águasquase contínuo durante a cheia (dezembro a abril). Naseca tem água apenas nas lagoas ("bacias") e nos riosque formam meandros, onde ocorre também a célebrevitória-régia. A vegetação do pantanal é, em parte, apa-rentada àquela da caatinga nordestina; veja, por exem-plo, a carandá, palmeira muito parecidaà carnaúba. C e do Nordeste.

No Pantanal de Mato Grosso atração toda especial éexercida pelos capões onde se concentram as avespaludícolas de grande porte como garças, colhereiros,cabeças-secas, jaburus, biguás, bigua-tingas, fala-se de"viveiros brancos" e "viveiros pretos" que, ao lado demuitos jacarés e capivaras mansas tornam o Pantanalgrande atraçãoturística,'

Abundam tachãs i u t u °carãoestá presente.É a área do aracuã-do-pantanal

t n lensiss. Ocorrem três espécies de arara:a grande azul us a canindé

ntú e a arara-vermelha-grandechlo Existe o n toco e o araçari

lossus São comuns os caramujeirossoci lis, ocorre o gavião-belo, llus

llis, especializado na pescaria, semelhante à águia-pescadora, ndion s, migrante da América doNorte, que aparece por aqui anualmente. Entre ospasseriformes chamam a atenção os bandos maciços doemberizídeo i , "cavalaria" típico para ooeste de Mato Grosso e os países adjacentes.

REGIÃO GAÚCHA

No Rio Grande do Sul alternam as coxilhas e as cam-pinas, a"campanhav.Txtensosbanhados se estendemao redor dos lagos e lagunas. As várzeas meridionais,de águas quietas, cobertas de denso revestimento vege-tal palustre, tapetes flutuantes, juncais e sarandizais, re-presentam ricas comunidades bióticas. Nos pastos sedestacam altos caraguatás sp.) e se espalhamos espinhosos 'maricás sp.). Nas ribanceiras dosarroios restam poucos capões e matas de galeria.

!~Entre as várias sub-regiões mencionamos: (1) o pla-nalto no norte do Rio Grande do Sul, estendendo-se aosul de Santa Catarina, região de campos e pinheirais, (2)as lagoas e pântanos do sul, com a Estação Ecológica de

Taim, e (3) o extremo sudoeste, o "Parque. Espinilho",com os seus algarobos espinheiros sp.), conti-nuação da mesma formação muito espalhada no nor-deste da Argentina. I

!Q. Rio Grande do Sul é a província brasileira maisrica em marrecas (v.sob Anatidae), incluindo os maio-res e mais vistosos representantes: a capororoca,

e o cisne-de-pescoço-preto, gllus- Aparece o flamingo; s

chilensis, como visitante, vindo da Argentina. A espéciemais importante de psitacídeos da área é o charão-

ei), reunindo-se em certos pinheirais em bomnúmero. A caturrita chusi é considera-da praga.

No planalto setentrional e em regiões adjacentes aSanta Catarina, ocorre o pedreiro,Cinc/odesfurnarídeo descendente da fauna patagônica-andina,ocupando a área mais fria do Brasil. No Sudoeste, no"Parque Espinilho", existe uma fauna muito peculiar,sendo um dos representantes mais notáveis o grandedendrocolaptídeo D nisb meio terrícola.

~As costas do Rio Grande do Sul são a parte do paísmais afluída por aves marinhas visitantes, entre elas nãopoucas espécies subantárticas que vêm durante o inver-no meridional.

1.3.7 AMBIENTE CAVERNÍCOLA

Um caso muito especial entre as aves que permane-cem a metade de suas vidas em grutas profundas, emlocais que podem estar um quilômetro da entrada dagruta, é o do guácharo t ave notur-na. Ela ocorre nas serras altas de Roraima, na divisa Bra-sil- Venezuela. Para se orientar na escuridão absoluta, oguácharo evoluiu a ecolocação. Andorinhões, como

o e procuram grutas menos pro-fundas que estão ainda ao alcance (de um pouco) da luz(de fora) e assim não desenvolveram a ecolocação.

1.3.8 MANGUEZAL

.Osmanguezais são uma vegetação pantrópica cos-teira que, no Brasil, alcança seu limite meridionalem"?"

Santa Catarina. Os maiores manguezais brasileiros, commangue-vermelho, e, estendem-se dacosta piauiense até o Amapá, chegando a larguras de 50a 60km. À fisionomia inconfundível do mangue contri-buem suas raízes-escoras (respiratórias). Os manguezaisque enchem as áreas estuarinas. penetramno rio Ama-zonas.

'~Omanguezal é muito rico em aves, inclusive Passe-riforrnes, °sebinho-do-mangue i é ex-clusivamente do manguezaL Outras espécies típicas paraesta formação são o guará e ocaranguejeiro eog e lis) que se aprovei-tam da multidão de crustáceos que vivem na lama e

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o PAÍS E SUAS AVES 35

sobre as árvores. O savacu-de-coroa lé também do manguezal. Quando este é bem 'afbóreo( sp. pode ter altura de seis metros) vêm papa-gaios n ni i. Aparecem o cuculídeoC us no e pássaros "ribeirinhos" como alnenget e u ius ulus (Rio de Janeiro). Ocorre asaracura, pouco conhecida,Aramides ngle. Pescammartins-pescadores de todos os tamanhos. De setembroa abril os lamaçais enchem-se de Charadriiformes mi-grantes: maçaricos e batuíras que fogem do severo in-verno setentrional.

1.3.9 AMBIENTE AQUÁTICO

Quando nos referimos ao ambiente aquático utiliza-do por aves, temos que distinguir entre a fauna de águadoce e a do mar.

AVES DE ÁGUA DOCE OU SALOBRA

A maioria das aves aquáticas viveà beira de águaestagnada, nas margens lamacentas de lagoas: biguás,garças, jabirus, marrecas, saracuras, maçaricos e narcejas.As "mais aquáticas" são os mergulhões (Podicipedidae)e a pícaparra, l .

chama a atenção Don(Troglodytidae). endêmico do Neotrópico. No sul vivemfurnarídeos e emberizídeos singulares palustres,endêmicos ou quase endêmicos como l

l ste e E e nus. Inesperada é apobreza em aves aquáticas na Amazônia. O pato do mato

bem conhecido domesticado, ocorreselvagem no Brasil todo. Enquanto o número de espé-cies de garças (Ardeidae) aumenta na direção dos trópi-cos, seguindo o padrão geral, o número de espécies deanatídeos decresce das altas latitudes em direção aos tró-picos. A proporção de espécies aquáticas para espéciestérrestes diminui drasticamente em latitudes mais bai-xas, sendo mínima nos trópicos úmidos (Slud 1976).

conforme o ambiente existente no alto rioSão Francisco, Minas Gerais, onde vive o pato-mergu-lhão, octoset e na beira de tais córregos ondepesca a garça [asciatum, ambos raros.

de q d e alémda famosa Catarata do Iguaçu,Paraná, existem inúme-ras quedas d'água espalhadas pelo interior do país. Sãoconhecidas em parte como "cachoeiras de andorinhas",por exemplo, no alto Madeira (Aripuanã, Mato Grosso)e na serra do Cachimbo (Pará). Não há andorinhas nes-se'ambiente mas sim andorinhões: i ,

loides e us.O marfim-pescador; le q , e certos trinta-

réis pescam tanto na água doce como no mar. O mesmose observa ocasionalmente com o bem-te-vi, guss e no extremo sul com o furnarídeo migranteCinclodes uscus que tira animalejos das pedras molha-das pelo mar. Durante migrações aparecem garças e

marrecas na costa, e no sul , nadando. Osflamingos sãf5 altamente adaptados a ambientes extre-mamente salinos.

AVES MARINHAS

iente coste o,praiano. São as gaivotas, trinta-reis.atobás e tesourões que nidificam em ilhas lito-râneas. Encontram-se elas nas praias. O mesmo vale paraos Charadriiformes migrantes, já mencionados sobmanguezal.

Ecologicamente diferentes são asaves oceânicas ou pelágicas. Elas vivem no mar aberto,em alto mar, e aparecem nas costas apenas ocasional-mente, inclusive cadáveres são levados às praias pelomar. São os pingüins e os Procoellariiformes, abrangen-do pardelas. grazinas e albatrozes. Eles penetram emáguas brasileiras durante extensas migrações, vindo nasua maioria de regiõessub-antárticas, Uma e-spécie

reprod uz-se na Ilha de Trin-dade. Os rabo-de-palha reproduzem-se emvárias ilhas oceânicas brasileiras.

A longa CQ~ atlântica do Brasil, de 7.408quilôme-- tros, é pobre em aves marinhas em conseqüência do mar

tropical pouco nutritivo; o extremo sul, com clima mais.ameno, torna-se mais favorável. O 'pacífico, ao contrá-rio, recebe uma correnteza fria, aquela deriquíssima embio favorecendo uma fauna varia-da nas costas do Chile e do Peru.

lei durante a década de 1970 umato unilateral do Brasil estendeu o mar territorial do paísde 12 para 200 milhas como "zona econômica exclusi-va". Cada ilha tem também 200 milhas ao seu redor. Paraefeito do nosso livro consideramos como "brasileira"toda a ave oceânica registrada dentro de uma faixa de200 milhas a contar do litoral.

Além de termos praias lindíssimas, paisagens para-disíacas, um sol amigo, os recursos do mar apresentamenorme significado econômico e social para o Brasil.Desde a lagosta, os demais crustáceos, os peixes, osquelônios até mamíferos marinhos foram e estão sendoexplorados muitas vezes à exaustão como é o caso dasbaleias.

Existem trêsunidades de conservação marinha: Abro-ll s, Parque N~ciS'AaiMarinho' de Fernando d~ Noro-nha e a Reserva Biológica do Atol das Rocas.

1.3.10 ILHAS OCEÂNICAS (Fig. 4)

As duas ilhas oceânicas principais brasileiras, Trin-dade e Fernando ..deNoronha,avistadasàdistância, dãoa impressão de uma montanha abrupta eriçada de pi-cos, elevando-se acima do mar. Fernando de Noronhafaz parte de uma cordilheira submarina de origem vul-cânica, cujos picos emergem neste local, formando ilhas.Há, porém, praias e vegetação arbustiva earbórea, des-tacando-se em Trindade samambaias gigantes.he

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36 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

---1

alcançando 5 a 6 metros de altura. Em todas asilhas a vegetação sofreu a influência funesta do corte edo fogo. Em Fernando de Noronha foram cortadas asárvores para evitar que fugitivos da colônia penal en-contrassem material para construir barcos. Sobre as avesdas ilhas oceânicas divulgaram em artigos recentemen-te Olson (1981), Oren (1984) e Nacinovic& Teixeira(1989).

:.::;.: ~,,:.:.:.:..;

!%i ~ _ ~ / _ 2782

:\ 3947 ------;.~----~ ----- ~ll Tristão da Cunha

Gough-Fig.4. Ilhas no Atlânticomeridional, com algumasdistâncias em quilômetros. As flechasindicam osventos principais na superfície do mar (seg.Olson1973,adaptado).

TRINDADE

As aves residentes (em parte migratórias) na Ilha Trin-dade e Martim Vaz, 1.207 km distantes do continente,são exclusivamente marítimas:i oin

e iel t t e s.sulieni t e gis l Como migrantes são citados

ie h , alguns Charadriiformes eduas andorinhas: ch e H us Fo-

....... ," ram introduzidos a galinha-de-Angola, o pombo,e Est ild ld. Já apareceu s ibis.

O desaparecimento das matas em Trindade, assina-lado desde o começo do século passado, foi provocadopor queimas e falta de regeneração; depois cabras aca-baram com o que restou. Também as matas desamambaiaçu em Trindade estão muito reduzidas.

FERNANDO DE NORONHA

O arquipélago de Fernando de Noronha, área sobjurisdição do Estado de Pernambuco, é 356 km distanteda costa nordestina. A avifauna torna-se interessante pelaexistência de três espécies de aves terrestres: a avoante,

e e dois Passeriformes endêmicos:Ei (s (Tyrannidae) e

~- id Foi achada também umasaracura subfossil (Olson 1981). São residentes

os dois ihon, os três 5te [uscaia,

os dois us e gis. É lamentável que a ilha já tenhasido usada por pessoal do então IBDF de Pernambucopara soltar aves apreendidas no continente. Foi intro-duzido o tejú u sp.) que preda severamente asaves que nidificam no solo. Abundam ratos, camundon-gos, preás sp.), cabras e gatos. Ocorre o mocó

Existiu um roedor grande(Cricetidae), conhecido apenas como fóssil. Os grandescrustáceos terrestres (até 7cm de comprimento), "landcrabs", inus , constituem uma praga na-tural das ilhas oceânicas (Atlântico do Sul: Fernando deNoronha, Trindade etc.) e tornam-se perigo para as avesque reproduzem no solo e em buracos como pardelas.Não existe um controle para garantir o equilíbrio natu-ral dos ecossistemas do arquipélago, abalados pela pre-sença humana e fauna introduzida.

OUTRAS ILHAS

Temos os e pdulo. (a 869 krnda costa, v. sob siolidus, Laridae) e oa 250 km da cidade de Natal, declarado como ReservaBiológica, único atol verdadeiro de corais no atlântico,onde reproduzem as seguintes aves marinhas:

e S. t t siolidus e. t fala-se de 60 mil aves, incluindo alguns

visitantes; existem tartarugas marinhas,(Paulo T. Z. Antas).

Ilhas mais próximas ao continente são os Abrolhos,Bahia, 60 km da costa, pertencendoà plataforma conti-nental, onde reproduzem i

S. l ni estolidus (Coelho 1981), e as do ul, Santa Cata-rina. Nas Moleques do Sul, a apenas 12 km da costa,reproduzem-se 4 espécies marinhas: Ieuc t ,

1 cens, s nus e e he 3 espécies terrestres: urubu, corruíra e tico-tico (Bege&Pauli 1989).

1.3.11 AMBIENTES AN1R6róGENOS, A'Kí!'SÍENTt

URBANIZADO

A alteração das paisagens naturais pelo homem tor-na-se hoje uma quase geral neste país, até nos pontosmais longínquos. Embora o ecossistema florestal secun-dário, intocado por muitos anos, pode se ass.emelharàmata primária, tanto floristicamente comoà respeito dasua avifauna, notam-se sempre lacunas sérias, como, porexemplo, entre as aves terrícolas e as cinegéticas, quenão voltam mais ou são sacrificadas de novo.

_Monoculturas de eucalipto e de spp. são pau-pérrimas em aves. O néctar das flores do eucalipto atraibeija-flores. Existem no Brasil alguns levantamentos deaves em ecossistemas antropógenos, por exemplo, as

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Fig. 5. Campos do rio Branco, Roraima. Lugar do téu-téu-da-savana, e do pedro-celouro, . Foto Harald Sioli.

Fig. 6. Amazônia/Brasil Central, alto Xingu, Mato Grosso. Meandros do rio Kuluene dentro da mata alta onde ocorremo rnutum-cavalo, e o jacamim-de-costas-verdes, . Foto H. Sick.

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, -

Fig. 7. Amazônia/Brasil Central, alto Xingu, MatoGrosso. Lugar do anambé-preto,Ce op us

e do anambé-pombo, ode us joetidus.Foto H. Sick.

Fig. 8. Amazônia/Brasil Central, alto Xingu, MatoGrosso. Lugar do pavãozínho-do-parã,he s,do peixe-frito, c nellus, doarredio-do-rio, e do galo-de-campina, Foto H. Sick.

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\ .'.

Fig. 9. Buritizal, rio das Mortes, Mato Grosso. Lugar do canindé, do andorinhão, edo limpa-folhas, Foto H. Sick. .

f~1

".!.r.Fig. 10.Campo cerrado, rio das Mortes, Mato Grosso, Expedição Roncador-Xingu- Tapajós em 1946.Nos fundos umamata de galeria. Lugar da seriema, e da perdiz, s scens.Nesse ponto a onça-pintada

apanhou várias mulas da expedição. Foto H. Sick.

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Fig. l1. Caatinga, Bahia. As árvores estão despidasde folhas; em frente um xique-xique. Lugar docasaca-de-couro, do sofrê,Ic e do cancã, .Foto H. Sick.

Fig. 12. Caatinga, "canyon" no Raso da Catarina, Bahia.Lugar da arara-azul-pequena,periquitão, cutic e gibão-de-couro,Hi ndi e gine . Foto D.M. Teixeira.

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Fig. 13. Pinheiral, Camanducaia, MinasGerais, 1.400Ín. Lugar do pica-pau-do-campo, Col tescampesiris, do grimpeiro,ept sel e do melro,

Gno i ops chopi.Foto H. Sick.

Fig. 14. Serra do Mar, interior de mata atlânticana Serra dos Órgãos, io de Janeiro, 1.500m.Lugar do jacuaçu, enelope obsc domatracão, cine e e da saudade,

. Foto H. Sick.

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Fig. 15. Campos altimontanos da Serra dos Órgãos, Rio de Janeiro, 2.000m. Lugar do beija-flor,ph n is -e da garrincha-chorona, e e. Em frente Chusqu pini l . Foto H. Sick.

Fig. 16. Aparados da Serra, Rio Grande do Sul. Lugar do andorinhão,C pse/oides Na áreacampestre ocorre o pedreiro,Cinc/odes p bsti.Foto M. Sander.

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Fig. 17. "Parque Espinilho", Rio Grande do Sul. Lugar do pica-pau, s, do coperete,/ophotes(vários ninhos na árvore em frente) e do rabudinho, Foto H. Sick.

Fig. 18. Atol das Rocas. Existem grandes colônias de aves marinhas, corno do trinta-reis,e e do atobá-grande, Foto Paulo T. Z. Antas.

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Fig. 19.Pantanal de Mato Grosso. Ninhal de cabeça-seca, e garça-branca-grande, scolhereiro, etc. Foto A. Sucksdorff.

'.. ...

monoculturas de acácias no Rio Grande do Sul (Voss &Sander 1981), parques, de universidade, aeropor-tos e cidades.'

Sobre aavifauna dos canaviais brasileiros sabemospouco. Na Austrália (Queensland) o cuculídeoCe

. i antigamente raro, encontrou nos canaviaisboas condições de vida. Os mandiocais estão sem aves.

Arrozais oferecem grandes vantagens para marrecas,sarácuras e outras aves aquáticas ou palustres, entre elasa pioneira e o úl-timo utilizando o próprio arroz para substrato de seuninho. Na expansão daCol em São Paulo acultura do arroz teve papel importante (H. F.Alvarenga).Há nos arrozais para as aves as mesmas inconveniên-cias como em cafezais e canaviais, que são periodica-mente perturbadas ou até eliminadas pelo homem .:

Os cocais no Norte, considerados antigarnenteúmacategoria própria da flora natural, revelaram ser a vege-tação secundária que aparece sempre após a derrubadada mata amazônica, também no Espírito Santo onde exis-tem ou existiram tais matas amazônicas avançadas. Oscocais são muito pobres em aves, ao contrário-dosburítizais,'

As hidroelétricas levam à extinção toda a faunaterrestre local e tornam-se atrativas para algumasaves aquáticas geralmente banais como garças: atraem

a águia-pecadora, , vindo da Américado Norte, como também trinta-réis, emmigração,'

~!'Jo ambiente urbano trata-se de três categorias deespécies de aves: (1) sobreviventes da paisagem existenteanteriormente no local, como por exemplo, o bacurau-tesoura, ili , dentro de um bosque pro-tegido, como registramos em Laranjeiras, Rio de Janei-ro, há muitos anos. (2) Invasores, como no Rio outrobacurau, long a pombínha,

(em Belém, Pará, é C. e as andorinhas;um papel importante no ambiente urbanizado brasilei-ro podem ter beija-flores. (3) Aves introduzidas: as exó-ticas e c -

Vários tiranídecs, como us ue,gus s , tetes s e i

og se arranjam bem nas cidades. Às vezesg acha nas construções humanas um

substituto de escarpas ..Em certas áreas (Sudeste) ando-rinhões ei) costumam nidificar ern charni-nés residenciais. Satisfaz que oportunamente até pássa-ros florestais como formicarídeos se ambientam bem em.cidades, como no Rio de Janeiro p eem Rio Claro, São Paulo, ophilus do s (Y.Oniki),espécies citadas como generaiistas no forrageamento,facilitando a sua adaptação.

-

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Breve história da ornitologiabrasileira do século XVI aoinício do século XX

2

Apresentamos um apanhado sucinto, citando algu-mas figuras envolvidas na história da ornitologia brasi-leira. Damos o essencial sobre seus trabalhos de camponeste país e suas publicações, passando depois aos tra-balhos de outros, que elaboraram o material procedentedo Brasil. Por detrás dos autores, surgem os museus, ondeforam depositadas as coleções no Brasil: o Museu Nacio-nal do io de Janeiro, o Museu de Zoologia, em São Pau-lo, e o Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém do Pará.Términamos nossa relação com Alípio Miranda Ribeiro eOlivério Pinto, ambos nascidos ainda no século passado,desenvolvendo suas atividades até nossos dias. No corpodo livro referimo-nos também a dados históricos.

2.1 éculo INa época das descobertas era motivo de orgulho

para os viajantes trazer animais desconhecidos. Estascriaturas serviam, principalmente, para comprovar oencontro de novos continentes. A apresentação de bi-chos vivos (a técnica de preparar aves e outros animaisera muito rudimentar) foi muito mais sugestiva do queas narrações dos cronistas, tantas vezes' insuficientes.Adiantou muito pouco, p. ex. quando Pero Vaz de Ca-minha, acompanhante de Cabral, em sua carta a EI-ReiD. Manuel (1.V1500), fala sobre "papagaios verdes". Piorainda quando os escrivães inventavam os maiores ab-surdos, como fez Antônio Pigafetta, cronista de Fernãode Magalhães na sua viagem circum-navegatória, quedesembarcou na região do atual Rio de Janeiro em 1519.Pigafetta passou por "grande mentiroso" (Taunay 1934),quando, P: ex. descreveu uma ave marinha que punhaos ovos no dorso do macho, pousando no oceano, e aíos chocava durante semanas. Esta narrativa grotescarefere-se claramente às lendas sobre aves-do-paraíso daNova Guiné (e não do Brasil), das quais a tripulação deMagalhães trouxe as primeiras peles, que eram despro-vidas de qualquer osso, inclusive os pés (no paraíso nãose necessita de pés, alegavam). As aves. eram assim pre-paradas, para fins comerciais, durante séculos.

Acontecia freqüentemente que animais desconhecidosna época, obtidos pelos navegantes, chegavam às mãosdos cientistas sem indicação precisa da procedência.

Assim Linnaeus nomeou o nosso curióOgolensis, pensando que a espécie fosse de Angola, Áfri-

ca. O beija-flor o osquiius foi consideradoprocedente da Índia. Em muitos casos constou "Brasil"como procedência de uma ave, desafiando às vezes aargúcia dos cientistas até os nossos dias para descobrironde, no Brasil, tinha sido encontrada (v. arara-azul-de-Lear, chus .

É claro que todas as aves capturadas para serem ven-didas cornosouu ou enfeite, como milhares de beija-flores (amiúde preparadas de asas abertas), ficaram semindicação quantoà sua origem. Nestes casos o julgamen-to da técnica depreparação, o típico up, ajuda adar uma idéia sobre a origem. Assim, p. ex. distinguem-se três tipos de preparação de peles de beija-flores, pre-paradas em estilo clássico para o comércio, vindas daColômbia (Bogotá), de Trinidad e da Bahia (v.Trochilidae). Mencionamos as coleções desprovidas deprocedência, de Villa-Real e Bourgain, no Museu Nacio-nal, Rio de Janeiro.

De modo geral os portugueses que primeiramente che-garam ao Novo Mundo não estavam muito interessadosno Reino Animal. Aos navegadores as aves serviam ape-nas como indicação da proximidade da terra (referimo-nos a esta circunstância no corpo do livro), mas em terraperseguiam-nas para o enriquecimento do cardápio.

. Os europeus impressionaram-se principalmente comos papagaios; estas são as primeiras aves citadas destecontinente. Em vários dos primeiros mapas do Brasil,desenhados pelos Portugueses na época da descobertaconstam araras, mais vistosas no mapa de Contino de1502. Às vezes, as pinturas (fig. 20) são fontes precisaspara se conseguir, muito antes de um registro científico,uma boa documentação sobre a fauna e flora, sobretudonuma época (começo do século XVI) na qual ainda nãose conhecia a técnica de conservar aves e outros, animais.Aves tão pequenas como beija-flores eram assim docu-mentadas. Dos contos de um viajante como UlrichSchrnidelde Straubing. que aventurou-se de 1534a 1554em terras da América Meridional, inclusive o Brasil,aproveitamos pouco: Ulrich cita avestruzes (emas), gali-nhas (provavelmente cracídeos como jacus) e patos cria-dos pelos aborígenes,C i os (SchmideI1891).

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46 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Informações valiosas sobre as aves do Rio de Janeirodevemos ao missionário calvinista Jean de Léry (1534-1611), francês, que veio a essa região na época da ilusãode uma "França Antártica". Hostilizado por católicos,entre eles o padre francês André Thevet (inferior a Léryno conhecimento dos selvagens e da fauna), Léry viviaquase refugiado entre os Tupinambá, terríveis canibais,Surgiram, desta maneira, as melhores condições paraLéry conhecer o ambiente indígena. Bom lingüista, deucom primor os nomes indígenas das aves por ele encon-tradas nas aldeias (muito melhor do que descrições efiguras deficientes), possibilitando assim que suas indi-cações pudessem ser interpretadas quase que de ime-diato, mesmo tratando-se de espécies tão semelhantescomo dois jacus, e P. fezreferência ao mutum-do-sul, e aomacuco, É certo, porém, que os ín-dios tenham recebido aves em permuta com outros

Fig.20.Pintura deHans Burgkmair,executada em1518na Alemanha, mostran-do um maracanã, nobilis (L.), notroncoà direita. BayerischeStaatsgemaldesammlungen (seg.Sick1981).

índios de tribos distintas, de forma que, p. ex. ojacuaçu

e o mutum não deviam ser procedentes da sx-Guanaba-ra, mas de algum lugar mais distante do Rio como tam-bém a ema, cujas penas os índios utilizaram para fazer o.."ararojé", queLéry, de bom humor, comparou com umacesta repleta de galinhas, pendurada pela espinha (fig.21). Léry conta que os índios não comiam as galinhasdomésticas. mas se aproveitavam das suas penas quepintavam de vermelho (v.Phasianidae, Apêndice). Usa-ram como enfeite os papos amarelos dos tucanos, quemais tarde, inspiraram os imperadores brasileiros naconfecção de uma murça de gala. Foi Léry que desman-chou o absurdo inventado por exploradores mentirososque os papagaios colocassem seus ninhos, feitos de jun-co e raizes, sobre galhos para se salvar de cobras, afir-mando que nidificavam em oco? de árvores. Em notasmusicais Léry escreveu uma canção dos Tutinambá so-bre o canindé, A primeira edição do seu

''''""'I

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-'BREVE HISTÓRIA DA ORNITOLOGIA BRASILEIRA 47

--

Fig.21.Índios Tupinambá, enfeitadospara dançar,região do atual Rio de Janeiro,séculoXVI.O homemna frente tem um grande maço de penas de ema nasnádegas, acima dele uma arara (seg.Léry1961).

livro saiu em1578.Léry tornou-se mesmo o primeiro quecomunicou dados seguros sobre as aves do Brasil, prece-dendo Cristóvão de Lisboa e Marcgrave (v.século XVII).

Muito ao contrário Thevet procurou sensação, mos-trando na sua iconografia "Singularidades da FrançaAntártica" p. ex. um tucano com um bico aparentemen-te pesadíssimo e muito maior do que o resto do corpo, eum quadrúpede de cara humana. No seu mapa de1557constam nas costas brasileiras monstros horrendos amea-çando os navios. Por intermédio da obra de Thevef(republicada em1878,;' o grande naturalista suiço,Conrad Gesner, recebeu informações sobre aves brasi-leiras. Na sua famosíssimaHi publica-da em 1555, bem ilustrada, consta a descrição de umbeija-flor.

Enquanto cronistas quinhentistas como Staden,Anchieta e Gandavo forneceram subsídios de valor qua-se que exclusivamente para o conhecimento das tribos,Fernão Cardim e Gabriel Soares de Souza mostraram-sebastante interessados na fauna. Cardim, que chegou aoBrasil em 1583, descreveu a dança dos tangarás,Chi o p c e relata diversas fases da plumagemdo guará, Eudoc s e assunto já abordado por

H. Staden em1557.O guará tomou-se conhecido na Eu-ropa através do Duque Karl von Croy(1560-1612:).Soa-res de Souza, cuja obra foi escrita em1587,trata tanto departicularidades morfológicas das aves (p. ex. escamasno tarso do macuco e o problema dos papagaios "con-trafeitos"), como de pormenores biológicos (p. ex. mododo jaburu alimentar sua prole, e a pugna cidade dosuiriri). Cardim foi também o primeiro que mencionoua ararajuba, candidato mais forte para ser a AVENACI-ONAL (v. Psittacidae). .

2.2 SÉCULO

Numa coletânea e de figuras emaquarela e a óleo, pintadasin tn entre 1600 e 1614naAlemanha, constam psitacídeos brasileiros (v.Psittacidae). Em1614foi publicada a obra His

dos es os do ,pelopadre Claude d' Abbeville. O autor visitou tambémFernando de Noronha, onde observou a avoante

cul t , 'a pombinha famosa do Nordeste. Mais tardetornou-se conhecido o relato de Frei Cristóvão de Lis-boa, Histó dos s e es do ,escritoentre 1625e 1631;contém 30 desenhos (fig.22) a lápis ounanquim; a estrutura da plumagem executada com amaior fidelidade, resultaram nU!fia ilustração muito

Fig.22.Ilustração de Cristóvão de Lisboa,começodoséculo XVII.Mostra o xexéu, icus cel comninho, eo pica-pau, l lus (seg.Cristóvão deLisboa1967).

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48 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

. Fig.23. Frontispícioem estilobarroco da obra deMarcgraveHISTORIANATURALISBRASILIAE,Amsterdam1648.O casal de índios se assemelhaàpinturas de "Adão e Eva" da época.No meioconstaNetuno, Deus das águas dos romanos. Os animaisrepresentados lembram apenas remotamente animaisneotrópicos:arara, preguiça, bugio com cara de gente,cobra,cação-martelo,jaboti,micoe tamanduá-bandeira.

melhor que as xilogravuras provisórias da obra deMarcgrave. Inclui morcegos entre as aves, corno fez'Plinius (23-79 d.e), que ensinava que morcegos eramas únicas aves que amamentavam seus filhotes. O relatode Cristóvão de Lisboa é o orgulho dos Lusitanos, umavez que precede Marcgrave por alguns anos.

A obra de de , de Diogo FernandesFerreira (1616), camareiro do rei .de Portugal, contémum capítulo "Dos Açores do Brasil". Ferreira mencionaduas aves de rapina levadas para Portugal para seremutilizadas na praxe de altaneria na corte do Infante D.Luís (Sick 1960). Os índios do Brasil não parecem tertido conhecimento deste tipo de caça, que só poderiadesenvolver-se em terreno conveniente, quer dizer, emsavanas, desertos e montanhas desprovidas de mata.

Chega em1636, a convite do conde Maurício deNassau-Siegen, o naturalista alemão George Marcgrave(nascido em1610,faleceu com apenas34 anos de idade,em Luanda, na Angola, em outra viagem de pesquisas)incumbido de executar a primeira expedição científicazoológica, botânica e astronômica em solo brasileiro. A

i de Marcgrave foi editada em1648 (fig. 23) e uma outra obra; de autoria de Piso&Marcgrave, em1658.Segundo Cuvier, Marcgrave foi "omais hábil, o mais exato de quantos tenham descrito ahistória natural dos países remotos durante os séculosXVI e XVII", Contribuiu para o sucesso de Marcgrave ointeresse do próprio Conde de Nassau sobre a fauna -um dos homens mais cultos de sua época. Foram feitosna época belíssimos quadros a óleo pintados por AlbertEckhout, pintor conhecidíssimo, e aquarelas, provavel-mente pintadas por Zacharias Wagener (ou Wagner) epelo próprio Marcgrave, anotadas à parte pelo próprioConde Nassau, Muitos destes originais que foram reu-nidos nos pict e nunca foram publicados, esta-vam depositados na Biblioteca Nacional de Berlim, ondeforam estudados com afinco porAvSchneider (1938),obra que em parte pudemos acompanhar. Os quadrossão da maior importância pois a obra imprimida deMarcgrave foi ilustrada apenas com péssimasxilogravuras, simplificando ao mínimo os originais, den-tre os quais encontramos o mutum do Nordeste,

(redescoberto apenas em1951), descrito porLinnaeus em1766 baseado na obra de Marcgrave; nãoexistem espécimes coletados por Marcgrave. Durante aSegunda Guerra Mundial os pic foram evacua-dos para a Silésia e pareciam estar perdidos, mas foramreencontrados; estão depositados atualmente na Biblio-teca Jagiellon, em Cracóvia. Existe ainda o chamado

(Bestiário), de Zacharias Wagener (v.Wagener1964)e a documentação de Hoflõssnitz perto de Dresden,na Saxônia, pequeno castelo de caça. Hoflôssnitz con-tém 80quadros de aves brasileiras, pintadas por Eckhoutem 1644, após seu regressoà Europa .(Schaeffer1970).Esses quadros, mais decorativos que fiéis à natureza, en-feitam o teto da grande sala do Castelo. As aves estãoacompanhadas pelo seu nome popular no Brasilnassoviano. Consta a figura de um papagaio imaginá-rio que serviu a Gmelin em1788, para a descrição doseu s g que, portanto, só existiu na ima-ginação de Eckhout.

Numa das pinturas de Eckhout, de Pernambuco.consta um periquito africano, g (l pro-vavelmente registrado tambémnos

sobre a mão de um menino, ao lado de umabonita negra, enfeitada com um chapéu de penas depavão. A única ave africana (além da galinha dangola),ac1imatada no Brasil, é o bico-de-lacre,Es s .Em 1968 o Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeirorecebeu alguns quadros do acervo da Academia de Ciên-cias de Leningrado, URSS, para uma exposição, materi-al examinado por nós em1982em Leningrado; trata-se

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BREVE HISTÓRIA DA ORNITOLOGIA BRASILEIRA 49

propriamente de cópias adicionais contemporâneas dasérie original.

O príncipe de Nassau mandou a capitania do RioGrande do Norte incluir nas suas armas a ema (fig. 24),"que se encontrou em grande abundância nas margensdo rio Grande". Hoje a ema está extinta naquele estado;aparece freqüentemente em pinturas rupestres pré-his-tóricas no Nordeste, v. sob Ema.

2.3 SÉCULO

Durante sua viagem ao Chile, o engenheiro militarAmédée FrançoisFrézier, aportando em 1712 na ilha deSanta Catarina, assim como Dom Pernetty, em 1763, com-panheiro de M. de Bougainville, encontraram o guará,Eudoci u registro mais meridional desta espéciee do maior interesse, porque é ave extinta há temposnaquela região (Berger 1979).

Em 1783 veio Alexandre Rodrigues Ferreira (nasci-do na Bahia ep11756 e falecido em Lisboa em 1815), che-fiando a "Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso eCuiabá", organizada emPortugal, para fazer pesquisas durante quase dez anos.É compreensível que o plano de visitar a Amazônia, fe-chada à curiosidade dos naturalistas estrangeiros, foimuito elogiado pelo grande Linnaeus numa carta a Do-mingos Vandelli, antigo mestre de Alexandre na Uni-versidade de Coimbra.

Entre outubro de 1783 e janeiro de 1792, portanto du-rante quase dez anos, Alexandre estudou toda a paisa-gem física daquela região: flora e fauna, a população,sobretudo a indígena, condições climáticas e oextrativismo t l, animal e mineral, deixando urna

vastíssima documentação. Suas coleções constituíram-se no primeiro material científico que foi do Brasil paraa Europa. Entre os desenhos encontram-se figuras deaves tão importantes como o anambé-preto,

i us o Geoffroy St. Hilaire, 1809, e ourumutum, ihoc u i (Spix 1825), portantoespécies ainda não descritas cientificamente naqueletempo. .

Sobre os resultados da comissão de RodriguesFerreira, na época pouco divulgados, informa umaIconografia editada pelo Conselho Federal de Cultura

J<. 'êto Rio -de Janeiro, em 1971. Entre as 51 pranchas colori-das de aves existe uma que mostra um artefato: um anu-branco no qual foi colocada a cauda de uma outra ave(caracará?), situação que pode lembrar o papagaio ima-ginário pintado por Eckhout em Pernambuco no séculoXVII. Quanto ao destino das coleções conclui-se que oMuseu de Lisboa cedeu o material de Rodrigues Ferreiraao Museu de Paris, onde Geoffroy de Saint-Hilaire o ela-borou; não houve saque por ocasião da ocupação fran-cesa pelas tropas napoleônicas em 1808, como é freqüen-temente frisado, e sim uma doação, como afirma ArthurCezar Ferreira Reis, a maior autoridade de história Ama-zônica na citada Iconografia. Essa cessão de material

Fig. 24.Armas do Rio Grande do Norte (mostrando aema) do séculoXVII, sob a administração do PríncipeMaurício de Nassau (seg.Anon. 1986).

vinha aliás sendo efetuada já muito antes da invasãofrancesa. Com a licença das autoridades locais GeoffroySt. Hilaire inventariou o material, que ainda encaixota-do em sua quase totalidade, encontrava-se em estadoprecário de conservação; havendo também sérios pro-blemas com os rótulos (etiquetas) das peças coletadas.,Portanto, Geoffroy até teria salvado o material do apo-drecimento, levando criteriosamente as peças para aFrança, em porção mínima. Isto foi da maior vantagempara o Brasil, uma vez que assim as aves mais impor-tantes, desconhecidas da ciência, foram logo descritas.Outras espécies novas da coleção de Alexandre ficaramesquecidas emLísboa, acabando por ser coletadas maistarde na Amazônia extra-brasileira, perdendo assim oBrasil a primazia.

Consta num depoimento redigido em 1798 por H. F.Link, renomado cientista da época, acompanhandoHoffmannsegg, que eles haviam encontrado em LisboaAlexandre R. Ferreira, adoentado e sem nenhuma ativi-dade científica, assinalando apenas que ele havia esta-do muito tempo excursionado pelo Brasil. Estava tam-bém presente D. Vandelli, idoso e em total passividade.

Que sejam mencionados ainda José Mariano da Con-ceição Velloso (1742-1811), botânico conhecido, que pu-blicou o lico, e Diogo de Toledo Lara eOrdonhes (1752-1826), que deixou fragmentos de um

de es do (Tauray 1918).

2.4 SÉCULO INo princípio do século XIX, o forte interesse de co-

nhecer ospaísesla_tino-americanos concretizou-se coma vinda de Alexander von Humboldt a este continente.Chegando em 1800 com o botânico Bompland, peloCassiquiare, ao Rio Negro, foi proibido de penetrar noBrasil por decisão da coroa em Lisboa. Humboldt, queincluía também aves em seus estudos (descobriu na

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50 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

.VenezpelaO guácharo, Humboldt,1817, ave noturna espetacular), teve contato com o Bra-sil apenas em 1854, com 85 anos de idade, quando deu oparecer decisivo para delimitar as fronteiras entre aVenezuela e o Brasil (Stresemann 1950).

As primeiras coleções científicas de aves que, após omaterial de Rodrigues Ferreira, chegaramà Europa, fo-ram as de Luís Beltrão, do Rio de Janeiro, de F.A. Go-mes, da Bahia e do Rio de Janeiro, e de F. W. Sieber, doPará. Todas estas coleções foram incentivadas pelo Con-de J. C. von Hoffmannsegg, fidalgo apaixonado pelasciências naturais, recebendo do Brasil o material de 1800em diante. O acervo de Hoffmannsegg constitui urna daspartes fundamentais da coleção ornitológica do Museude Berlim. No material de Gomes encontra-se o ninhosingular do andorinhão Sieber, jáservindo ao Conde Hoffmannsegg na Europa cornopreparador, veio em 1800 a Belém onde permaneceu 11anos na região do baixo Amazonas. Mandou 400 aves aSerlim, entre elas quase 70 espécies ainda desconheci-das na época, descritas por Carl Illiger e H. Lichtenstein(Berlim), C. J.Temrninck (Leiden),J. Wagler (Dresden), H.Kuhl e outros. Sieber tornou-se o descobridor de

, , Helicolestes ,uult e várias outras espécies interessantes.

Hoffmannsegg e Illiger se dedicaram ao máximoàmatéria de saber mais sobre a fauna interessante dessefascinante país desconhecido - o Brasil- estimulandoos coletores e elaborando logo o material remetido. As-sim Illiger escreveu por volta de 1803 a Gomes: "Nãoexiste aí um cuculídeo que deposita seus ovos em ni-nhos de outras aves?" Gomes anotou no rótulo deuii

(Kuhl, 1820) "Periquito surdo", bem aproveitadopor Kuhl no nome científico da espécie; seguramenteGomes verificou o mesmo que ensina a nossa prática:esse papagainho é tão manso que nem reage ao barulhofeito por bater palmas - corno se fosse surdo. QuandoGomes mandou um pingüim da Bahia, os cientistas nãoqueriam acreditar na procedência (v.sob Spheniscidae).O conde Hoffmannsegg ensinou seus coletores a usararsênico (não mais usado no Brasil, devidoà sua altatoxidez) na preparação dos vertebrados, razão pela qualo material se tornou bem resistente. Em troca das cole-ções, Hoffmannsegg mandou a Gomes, que conheceraem Portugal, livros sobre zoologia e botânica de grandevalor, presentados mais tarde por Gomesà nova Biblio-teca pública da atual Salvador.

Com a abertura dos portos, em 1808, o Brasil tornou-se mais acessível. Em 1813 veio de São Petersburgo (Le-ningrado) ao Brasil Georg H. von Langsdorff, na quali-dade de Cônsul da Rússia (era alemão).O Barão deLangsdorff, formado em medicina e naturalista entusias-ta, muito viajado, membro da Academia de Ciências dePetersburgo, tornou-se figura importante para o pro-gresso da ornitologia brasileira. Seu nome foi perpetua-do no minúsculo e raro beija-flor-rabo-de-espinho,

ope gsdo Temminck, 1821. Langsdorff trouxe

G. W. Freyreiss e Friedrich Sellow, mais tarde o francêsE. Ménétriês. A casa de Langsdorff no Rio, em belíssimasituação acima da cidade, e a sua Fazenda "Mandioca"(adquirida em 1817), situada ao pé da serra da Estrela,Inhomirim, Rio de Janeiro, tornaram-se centros de cien-tistas e artistas. Foram ali recebidos Wilhelm vonEschwege, fundador da mineralogia brasileira, J.Natterer, Spix e Martius, o pintor Moritz Rugendas,Hercules Florence (ao qual os naturalistas devem o ori-ginal "Zoofonia"), L. Riedel (botânico) e muitos outros.As pinturas de paisagens de Rugendas são de urna bele-za insuperável. Contudo, verifica-se que Rugendas,estranhamente, não se interessava muito pela fauna. Aspoucas aves (p. ex. papagaios e araras) e mamíferos queaparecem nos seus quadros são mal feitos. Na sombrade uma belíssima ma ta alta e frondosa, perto deMangaratiba, Rio de Janeiro, Rugendas colocou doisflamingos - urna ignorância imperdoável que se tornamesmo inoportuna urna vez que um leigo, inocente,poderia concluir que no Brasil os flamingos viveriamdentro da mata escura e não em praias ensolaradas.

Freyreiss dedicou-se a intenso trabalho de campo noBrasil oriental, fazendo grandes coleções de aves. Seumaterial foi elaborado por C. P. Thunberg (Estocolmo)que, p. ex., descreveu o cotingídeo e em1823, apanhado perto do Rio.

Friedrich Sellow, que teve a proteção de Humboldt,veio ao Rio de Janeiro em 1814 e trabalhou até 1831nes-te país, ano em que se afogou no rio Doce. Sellow viajouno leste brasileiro, da Bahia e de Minas Gerais até o Uru-guai. Associou-se por algum tempo ao naturalista F.vonOlfers. No Rio Grande do Sul, Sellow registrou em 1823urna arara azul que só podia serodo s gl ucus,atualmente considerada extinta. Mandou ao Museu deBerlim 5.457 aves ernpalhadas, incluindo p. ex. três es-pécimes do atualmente raro pato-mergulhão,e gusoctosei ceus, procedentes do Brasil. Coletou também ni-nhos, ovos e esqueletos (Stresemann 1948, 1954). Emmuitos casos Sellow - e com ele o Brasil - perdeu aprioridade porque o então responsável pelo Museu deBerlim, Lichtenstein, não se dedicou suficientemente aestas coleções, que entretanto foram superadas pelascoleções de Natterer e Spix, elaboradas imediatamentepor Temmínck que as recebeu, respectivamente, do Mu-seu de Viena e de Munique. Sellow tem o maior renomecorno coletor botânico, existindo a revista botânica

do Herbário "Barbosa Rodrigues", editada porRaulino Reitz, emItajaí, Santa Catarina. Em 1981 ini-ciou-se a série "Zoologia" da Sellowia com.o artigo"Aves do Estado de Santa Catarina". .

Eugene Ménétries, jovem entomologista que esteveno Brasil de 1822 a 1825, tornou-se conhecido na ornito-logia por descrever aves tão interessantes como osrinocriptídeos c opus spelunc e lo phusg ambos em 1835, procedentes de Minas Gerais;conservados no Museu de Leningrado (Petersburgo).Sabemos por intermédio de Burmeister (1856) que

II.,

r-.....

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BREVE HISTÓRIA DA ORNITOLOGIA BRASILEIRA 51

Ménétries se orientou bem pela vocalização das aves,achando desta maneira, as espécies mais furtivas. Seunome aparece no formicarídeo n t l

enet ii (d'Orbigny, 1837).Em 1815 chegou ao Rio de Janeiro o Príncipe

Maximilian von Wied Neuwied. Palmilhou o litoral eregiões adjacentes, do Rio até os campos gerais da Bahia,durante três anos. Foi acompanhado no início porFreyreiss e Sellow, em Salvador encontrou-se com F. A.Gomes. A narrativa da viagem de Maximilian, publica-da em 1820/21, é um documento do mais alto interessebiogeográfico, referindo-se a tudo que se apresentavanaquele tempo, sobretudo, fauna e flora e aborígenes;suas observações confrontaram-se com as de Marcgravee Azara, o último uma autoridade contemporânea emciências naturais no Paraguai (Don Felix de Azara). A

de Wied, publica da em boa tradução portugue-sa (1940), foi fartamente comentada por Olivério Pinto.

Com a elaboração dos seus estudos realizados no Bra-sil, Maximilian encheu quatro volumes (os ge, Con-tribuições à História Natural do Brasil, não existe tra-dução em português), de 2.221 páginas, apenas sobreaves, obra publica da em 1831/33, notável pelo rigor dedescrição dos caracteres morfológicos (em parte ilustra-dos) e pela comunicação de pormenores biológicos; fez,p. ex. as primeiras observações sobre a situação únicado desenvolvimento do filhote da picaparra,Helio[uiica. Relatou também nomes populares e lendas, fezdesenhos muito hábeis de paisagens, índios, etc., queserviram depois aos artistas ilustradores das suas obraspara realizar uma apresentação perfeita do ambienteneotropical brasileiro. O nomecientffico da maitaca dosul, ni (Kuhl 1820), do bicudo meridio-nal, maximiliani (Cabanis 1851), e do papa-gaio U uiiedi (Allen 1889), citado atualmentecomo (Wied 1820), lembrarão para sem-pre o Príncipe. A coleção de aves de Maximilian, incluin-do muitos tipos, está hoje sob os cuidados especiais doAmerican Museum of Natural History, em Nova lorque(v. Tyrannidae, t . Seja mencionado queWied viajou também na América do Norte, como natu-ralista. .

Achamos oportuno encaixar aqui algumas observa-ções museológicas.As coleções antigas, como as de Wied,eram todas montadas, quer dizer, as aves, mamíferos,etc., eram empalhados como se vivos, providos de olhosde vidro, bico e pés pintados, as aves freqüentementede asas abertas, pousadas sobre galhos ou numa tábua,para servirem em exposições públicas. No início do sé-culo passado, alguns cientistas começaram a prepara-ção em série em inglês, lg em alemão); estas erampreparadas em posição deitada simples, como recente-mente morta, de olhos enchidos de algodão, como o res-to do corpo; os respectivos cientistas foram acusados decomodistas que prejudicavam a apreciação pública. Co-leções valiosas como as de Wied foram posteriormentedesmontadas.

o material seriado tem a vantagem de representarrelativamente pouco volume no transporte e, nos Mu-seus, pode ser guardado em gavetas, obtendo, portanto,grande economia de espaço e facilitando o combate aosinsetos daninhos. E somente assim as coleções podemser protegidas rigorosamente contra a luz do dia. Estaluz e, principalmente, a luz solar direta, descora as pe-nas e pêlos, chegando ao ponto de tudo ficar pálido, deum pardo-avermelhado lfoxy, cor da raposa européia),perdendo-se quase por completo a possibilidade de apre-ciar o colorido natural; ficam intactas unicamente asproporções métricas. Certos pigmentos são especialmen-te fugazes, como o vermelho e o amarelo intenso dossurucuás (Trogonidae), que desbotam logo após a mor-te, tornando-se finalmente brancos. Desbota tambémrapidamente o magnífico amarelo-laranja do galo-da-serra, o , para dar mais um exemplo. O desbota-mento das cores é acelerado em clima úmido. Por estarazão é necessário, num país tropical como o Brasil,manter as coleções de aves sob ar-condicionado, como éfeito no Museu Goeldi, em Belém, Pará.

Em 1816 veio ao Rio de Janeiro o botânico Augustede Saint-Hilaire, acompanhado pelo zoólogo AntoineDelalande. St. Hilaire viajou neste país até 1822, em par-te junto com Langsdorff, apanhando também aves. Suascoleções ornitológicas foram elaboradas de 1818 emdiante, por Louis J. P. Vieillot. Delalande, mais interes-sado em beija-flores (v.e o Vieillot, 1818),ficou somente um ano coletando nos arredores do Rio;foi mais tarde empregado por Geoffroy Saint-Hilaire,como preparador,

Em 1816chegou também William Swainson, inglês,que aportou em Pernambuco e viajou até a Bahia. cole-tando aves, peixes, insetos e plantas; encontrou-se comSellow e Freyreiss e regressou à pátria em 1818. Swainsonfoi o segundo naturalista a visitar Pernambuco(Marcgrave foi o primeiro). Swainson, cientista muitoconhecido na época, criou alguns gêneros bons, como

ig , Den oc g e Ch deiles, e deixou umaiconografia , obra rara, constando de 80 etantas estampas, representando as espécies mais carac-terísticas. st Cabanis & Heine, 1859, éum tiranídeo comum, (Pelzeln1858) é a famos~ maria-leque 'ci'o sudeste do Brasil, e

o insonii (Vigors 1825) é um gaviãozinhocampestre de vasta distribuição no interior.

Quase ao mesmo tempo (chegou em 1816) trabalhouem Pernambuco e Maranhão outro inglês, CharlesWa terton; ó nome- do beija-flor ni to onii(Bourcier, 1847) lembra esse naturalista que se tornoumais conhecido por seu livro e eg ções é cdo , publicado em várias edições.

O ano de 1817 tornou-se significativo na história daexploração naturalística do Brasil, uma vez que chega-ram os zoólogos Johannes Natterer e [ohann Baptist vonSpix e o botânico Carl Friedrich Philip von Martius, to-

. dos fazendo parte da expedição científica que acompa-

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52 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

----..,: ....

nhou a Princesa D. Leopoldina, posteriormente esposade Pedror.

Natterer (1787-1843) foi o que mais tempo permane-ceu no país, constituindo aqui família e trabalhando semdescansar durante18 anos. Em dez grandes expediçõespalmilhou quase todo o Brasil: do Rio de Janeiro aoParaná, Goiás, Mato Grosso (onde contraiu uma fortefebre, vindo a morrer, nestas mesmas condições, seucompanheiro austríaco Sochor),Rondônia, Amazonasaté as fronteiras com a Venezuela, Roraima e Pará. Osúltimos oito anos passou na região do Amazonas e deseus tributários, principalmente Mamoré, Madeira, rioNegro, rio Içaria, rio Branco e a área de Belém. Deixoude explorar o Nordeste (Maranhão à Bahia), isso devidoà erupção da guerra civil no Pará, lacuna preenchida,até certo ponto, mais tarde pelo seu conterrâneo OtmarReiser, que visitou aBahia e o Piauí em1903. Nas cole-ções de Natterer consta algum material de Pernambucocoletado por Swainson, a quem conheceu. Natterer ca-sou-se com uma brasileira em Barcelos, no alto Rio Ne-gro, em 1831 e regressou à Europa em1835.

. As coleções de Natterer, encaminhadas pessoalmen-te pela Imperatriz, que estava muito interessada nos tra-balhos dos naturalistas, compreenderam12.293 avesempalhadas (representando1.200 espécies) mais de1.000

mamíferos, peixes,35.000 plantas secas, milhares deobjetos indígenas, etc. St.Hilaire, que se encontrou comNatterer em Ipanerna, São Paulo, escreveu: "Era impos-sível deixar de admirar a beleza de suas aves; não viuma só pena colada ou uma gota de sangue".

Quando o leigo toma conhecimento hoje do volumedessas coleções antigas, fica pasmo. Naquele tempo, po-rém, coleções grandes eram necessárias para construiras bases da sistemática, não havendo ainda' perigo deprejudicar a fauna e a flora das regiões em questão.

Natterer fez muitas anotações sobre caracteres sóapreciáveis em exemplares vivos ou recentemente aba-tidos, tais como cor da íris, do bico, das pernas e demaispartes nuas, a forma da língua, o estado de muda, con-teúdo do papo e do estômago e detalhes anatômicos.Fez observações sobre o hábitat, distribuição geográfi-ca, a voz, e tirou parasitos das aves preparadas, tudomuito semelhante ao que o Príncipe de Wied fazia. Suamorte prematura não 'lhe permitiu aproveitar os resul-tados obtidos. O material de Natterer foi magnificamenteelaborado por August von Pelzeln, do Museu de Viena.Em muitos casos o próprio Natterer deu um nome àssuas aves, comoCol , pombinha do Bra-sil central, uma das mais raras aves deste continente.Este nome, constando apenas nos manuscritos deNatterer, foi aproveitado por Pelzeln para descrevera nova espécie, hoje conhecida comoCol u

(Pelzeln 1870). Outro nome publicado por

Natterer é, p. ex., i gouldii (Natterer 1837).

A maior parte das anotações de Natterer perderam-se num incêndio em1848, no Museu de Viena, cinco anosapós seu falecimento. PhilipL. Sclater(1829-1913), gran-de ornitólogo do Museu Britânico, chamou Natterer de

John Gould (1804-1881 ),grande artista e cientista in-glês, elaborou as mais belas iconografias sobre aves devários continentes (deixou mais de3.000 pranchas pin-tadas à mão; teve a colaboração de sua esposa, que noentanto faleceu cedo). Juntou-se a Gould, EdwardLear,

artista e poeta, que se tornou mais famoso por suabelíssima prancha de s que serviu aBonaparte em1856 para descrever esta espécie, confun-dida até aquele tempo com a mais comum arara-azul-grande . h cinthinus. Gould trabalhou também na re-gião neotropícal, publicando as monografias de beija-flores (1849-1861) e sobre tucanos(1854); descreveu al-gumas de nossas espécies, como os araçarisglossusplu icinctus, P e elenide . Em 1840

Gould trouxe o primeiro periquito-da-Austrália selva-gem para a Inglaterra, dando início à reprodução da es-pécie em cativeiro (v. Psittacidae/ Apêndice).

Grande contemporâneo e amigo de Gould foi o Prín-cipe Charles de Bonaparte, sobrinho de Napoleão, bomsistema ta em vertebrados; descreveu do Brasil, p. ex.Cop long o em 1825, redescoberto por nósem 1941; e o jnchus i, em 1856, encontradaapenas em1978 pela primeira vez na natureza.

Os nomes Spix e Martius são os mais citados no cam-po das ciências na turais deste país. Sua obrag pelo

nos de 1817 1820 foi editada várias vezes,recentemente (1981) numa revisão competente e cientí-fica, em português. Spix(1781-1826), formado em medi-cina, era o mais velho e mais graduado dos dois; foi in-cumbido, em1815, de preparar a expedição ao Brasil.Os dois cientistas viajaram juntos, atravessando grandeparte do Brasil.

Várias das espécies apanhadas por Spix pertencemàs aves cinegéticas mais conhecidas, deixando bem cla-ro que naquela época quase tudo era desconhecido.Constam 10 espécies de cracídeos: seis mutuns

i, C. e C. globulo .. l ~M. e e s, 2 jacus

c e P c , o aracuã (O g e ajacutinga e cuting O uru (Odontopho ei s,duas codornas ( bo e N. doisjacamins s le e P idis) e a marreca

hen são também de Spix. Achamos ótimo queSpix tenha usado em sua nomenclatura nomes popula-res brasileiros (Sick1983). Sua obra, species no1824/25, em dois volumes, foi comentada em1906 porC. E. Hellmayr'", uma das maiores autoridades da sis-

l"t . ,

2CharlesE.Hellmayr descreveu mais de 300espéciese subespéciesde aves;42espécies têm oseu nome, como,p. ex.,osnossosGya/ophy/ax hellmayri e Anthus he t .

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temática de aves neotropicais, confirmando 67 espéciesválidas, às quais acrescem uma boa quantidade de re-presentantes reduzidos, entretanto a subespécies, comoa linda n ulu lis di (Spix 1824).

Spix foi o primeiro que, por volta de 1819, coletou aararinha-azul. C ops spi ii (Wagler 1832), não ima-ginando a importância desse achado; pensou tratar-sede d ijnchus h cinthinus (Latham 1790), portantoespécie já conhecida na época. Por outro lado, Spix trou-xe também um casal do genuíno. thinus que, jul-gando ser uma espécie ainda desconhecida, descreveucomo . li (Spix 1824), nome que caiu nasinonímia de . inthinus. É interessante que Spixescreveu cinthinus (e não gênero deLacépede, 1799, válido por prioridade), reconhecendo onome correto brasileiro "arara". Spix escreveu tambémcorretamente enelope çu, mutilado mais tarde, naEuropa, por falta do conhecimento do tupi, em(Sick 1965b). Spix notou a diferença da vocalização en-tre C.spi ii e seu ili ni e distinguiu o biótopo dos

.dois: in c is fiuminis . (C.spi res-pectivamente s ibus inc .

thinus).O indivíduo de C.spi ii, apanhado pelo próprio Spix,

serviu mais tarde a Wagler como tipo, para descreveresta espécie, perpetuando. assim o nome de Spix. Essahistória é um exemplo de quanto trabalho dedicado foinecessário para tirar as dúvidas, estabelecendo a atualnomenclatura das aves cuja firmeza é admirada por to-dos. Vem ocorrendo porém, no últmo tempo, não pou-cas alterações na nomenclatura devido a novas técnicasaplicadas na taxonomia.

Spix faleceu seis anos após seu regresso, com 45 anosde idade, enquanto que Martius teveà sua disposição48 anos para elaborar seu material trazido do Brasil, tor-nando-se um dos cientistas mais conhecidos do mundo,tanto assim que, para muitos, o nome de Spix teria ape-nas alguma significação quando citado com o deMartius. O próprio Martius contribuiu ativamente parao estudo da fauna brasileira, p. ex. com a publicação de

i liu in lin upi (v.Martius 1863).Em 1818 estiveram no Rio de Janeiro os naturalistas

Quoy e Gaimard, que visitaram a Serra dos Órgãos e aregião de Nova Friburgo. Numa obra bem ilustra da,.descreveramP: ex. ieu (Freycinet 1825).

No início do século XIX, há um detalhe interessanteque liga a ornitologia com o Império. A Corte lembrou-se de fazer um manto real de gala para D. Pedro 1,con-feccionado com papos de tucanos. Numa Portaria de 25de novembro de 1822, JoséBonifácio de Andrada e Silvamandou o Museu Nacional entregar todos os tucanos

uiiellinus el) existentes nas coleções, excetodois exemplares (entristecendo o pessoal daquele esta-belecimento, que pouco antes os haviam coletado parao Museu). Fizeram então uma bela murça imperial, queaparece em vários quadros figurando D. Pedro I ou D.Pedro II; ~oje esta peça faz parte do Museu Imperial de

Petrópolis. Existe ainda uma segunda murça, feita depenas de galo-da-serra,upicol upico , pertencente aD. Pedro lI, que aparece no quadro a óleo de Le Chevrel,do Museu Imperial (Carvalho 1953).

Em 1825Peter Wilhelm Lund, paleontólogo dinamar-quês, introduzido nas ciências naturais por GeorgesCuvier e Alexander von Humboldt, veio ao Brasil ondepassou grande parte de sua vida. Incluiu nos seus múl-tiplos trabalhos sobre as cavernas de Lagoa Santa, Mi-nas Gerais também sobre aves fósseis,subfósseis e recentes. Reuniu na sua coleção aproxima-damente 40 espécies, todas já conhecidas na época -demonstrando como já ia adiantado o conhecimento dasaves locais. Lund foi o primeiro a descrever a falta deestômago muscular nos gaturamos iEuphoniThraupidae), tese de doutorado. Colaboraram com Lundos ornitólogos Oluf Winge e J. T. Reinhardt, do Museude Kopenhagen; o último visitou o Brasil três vezes,publicando finalmente a o ento[auna dos do l (apenas em dina-marquês) em 1870. Existe outra publicação de O. Winge(1888) sobre as aves de cavernas das ossadas no Brasil,já traduzida em português por G. Hanssen. Pela publi-cação no vernáculo tornou-se mais conhecido, neste país,Eugênio Warming, botânico, ao qual devemos pesqui-sas sobre a origem do cerrado, e uma lista dos animaisvertebrados da Lagoa Santa. Sobre Lund e sua contri-buição à ornitologia brasileira (v. O. Pinto 1950).

O célebre naturalista francês Aleide d'Orbigny queviajou pela América do Sul de 1826 a 1833, contratadopelo governo argentino, penetrou no Brasil apenas noextremo oeste de Mato Grosso e na região do Guaporé.Citamos d'Orbigny no caso da arara-azul-pequena me-ridional, us gloucus. D'Orbigny elaborousuas coleções de aves no Museu de Paris, em parte juntocom o Barão de Lafresnaye.

Da mesma forma que d'Orbigny, os irmãos Robert eRichard Schomburgk, estes vindos das Guianas ondetrabalharam de 1835 a 1844, apenas passaram nas fron-teiras da Amazônia brasileira, tocando as cabeceiras dosrios Branco e Negro. Seu material foi elaborado por JeanCabanis, do Museu de Berlim. Os Schomburgk deraminformações sobre a época de reprodução de algumasaves e sua vida.

Em 1831 instalou-se na Bahia (Salvador) o farma~êu-tico Franz Kaehne, de Prenzlau, coletando algumas avesque estão entre as muitas remessas de material de histó-ria natural comercialmente levados do Brasil para a Eu-ropa (Museu de Berlim), servindo-nos, em 19,60,paradescrever o rinocriptídeo e is st se

Emílio Joaquim da Silva Maia (1808-1859, v. Feio1960a), nascido em Salvador, Bahia, e formado pela Uni-versidade de Paris, foi nomeado Diretor de Zoologia doMuseu Nacional em 1842 e fazia, entre outros, estudossobre beija-flores; fez também comentários sobre a con-servação da natureza. Sob o títuloEspécie no e ode o ile o, Silva Maia (1851), fala de uma ave

-, .

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54 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

da província do Rio de Janeiro que tinha o singular cos-tume "de descer debaixo d'água e andar no fundo delaem procura dos pequenos animais de que se nutre" -tal qual o melro-ribeirinho da Europa,Cinclus iicus,(referindo-se, segundo disse, a observações de J. T.Descourtilz). Silva Maia concluiu que o pássaro em ques-tão devia ser chamado ophiius iicus, não vol-tando mais ao assunto. Não conhecemos nenhuma avebrasileira capaz de realizar a proeza de andar por baixod'água como os representantes deCinclus, Passerifor-mes existentes também nos Andes. No Brasil osfurnarídeos o e Cinclodes lembram um pouco aoCinclus, mas eles não mergulham.

Dois zoólogos franceses, Francis Conde Castelnau eEmille Deville, no curso de sua viagemà América doSul (1843-1847), atingiram também o Brasil. Coletaramaves e fizeram anotações biológicas sobre algumas avesamazônicas como o galo-da-serra, pico co , e acigana, Opistho ho Levaram seu material aoMuseu de Paris, onde foi estudado por O. desMurs,:Menegaux e C. E. Hellmayr. Os dois últimos descreve-ram o formicarídeo ophil deuillei, em 1906.

Entre os viajantes mais conhecidos da Amazônia bri-lham os naturalistas ingleses Alfred Russel Wallace eHenry Walter Bates, que chegaram juntos em 1848.Wallace ficou 4 anos, Bates 11anos, Ambos dedicaram-se também ao estudo de aves. Bates conta como ele ati-rou na mariposa gloss iit n, julgando tratar-se deum beija-flor que ele desejava obter para sua coleção;fez uma boa descrição da cerimôniapré-nupcial doanambé-preto, e s o , matéria ainda des-conhecida na época (achamos o priIneiro ninho e o ovodo anambé-preto no alto Xingu, Mato Grosso, em 1949).As coleções de Bates e Wallace: foram identificadas porPh. L. Sclater e Osbert Salvin. O livro de s O tulis no io s (original inglês de 1863), escritodivertido mas muito correto e sendo magnificamenteilustrado, continua a ser uma das publicações mais cita-das da Amazônia. Wallace se tornou mais famoso pelaformulação da seleção natural, em 1859, em conjuntocom Charles Darwin, baseando-se em registros feitos naAmazônia e na região oriental.

De 1850 a 1852 esteve no Brasil o Dr. HermannBurmeister. Dirigiu-se a Nova Friburgo, Rio de Janeiro,para se encontrar com C. H. Bescke Jr. de Hamburgo,conhecido comerciante de objetos de ciências naturais,sobretudo material entomológico, principalmente bor-boletas. Bescke, cujo pai já era um famoso coletor, tinhavários fornecedores de material, razão pela qual a pro-cedência das peças comercializadas não pode ser atri-buída apenas a um lugar. Assim Bescke vendeu ao Mu-seu de Berlim p. ex. umEleot eptus o us,sem proce-dência, bacurau raro, provavelmente não da região deNova Friburgo. Depois, interessado em fósseis, Bunneistervisitou Lund e Reinhardt em Lagoa Santa, Minas Gerais.

Considerando o tempo bastante reduzido em queBurmeister esteve no Brasil, é admirável que tenha dei-

xado o êndio dos s do sil,1855/56, em trêsvolumes, obra didática muito bem escrita, dando a im-pressão de uma obra moderna (em alemão). Publicoutambém um bonito volume i il, em portu-guês, muito bem ilustrado, e um atlas, em formato gran-de. Os dados sobre as aves são freqüentemente compi-lados e não seguros. Burmeister era primeiramente en-tomólogo. descreveu, p. ex., es i us,grande cu-pim, apreciadíssimo pelas aves (v. soblco pe inus).Chamado em 1856 pelo governo argentino para dirigiro Museu de Ciências Naturais em Buenos Aires,Burmeister se dedicou mais à paleontologia. Foi distin-guido com um funeral oficial (1892) e um monumentono Parque Centenário da capital argentina (Ulrich 1972).

Figura que ocupa um lugar todo especial é o francêsJoão Teodoro Descourtilz, que viveu no sudeste brasi-leiro desde 1829. Foi naturalista viajante do Museu Na-cional de 1854 a 1855, ano em que morreu no litoral es-pírito-santense. Deixou uma coleção preciosa de pran-chas coloridas de aves, acompanhadas por anotações de-talhadas sobre hábitos e costumes das espécies figura-das. Sua dedicação reflete-se na escolha das aves estu-dadas, entre as quais figuram representantes de difícilobservação como os cotingídeos u

so el e O cus i .Descourtilz pintou as aves frugívoras pousadas nos

seus vegetais prediletos. No caso dos beija-flores pintouas flores procuradas por eles. Descourtilz, antes de virao Brasil, serviu como médico clínico nas Antilhas Fran-cesas quando teria publicado ao dici d nti-

. Certa vez, passou mal após ter provado as fruti-nhas da marianeira, stus , Solanaceae,baga apreçiada por alguns pássaros, mas indigesta paranós por ser rica em saponinas, Descourtilz teve a sualíngua fortemente intumescida e perdeu o uso da pala-vra por alguns dias.

Não podemos deixar de mencionar Fritz Müller(1822-1897) naturalista por vocação, formado em medi-cina, imigrado da Alemanha em 1852. Foi durante al-gum tempo naturalista viajante do Museu Nacional, Riode Janeiro, mas residia em Santa Catarina. Sua atençãoestava voltada principalmente para insetos e plantas. Es-tudando apolinização, ocupou-se também com beija-flores. Descreve como ol quasefez malograr suas pesquisas sobre polinização artificialde tilon, pois a ave furava com seu bico a gaze com aqual o naturalista tinha envolto as flores; aconteceu queos grãos de pólen, colados no bico do beija-flor, ficaramretidos pela gaze. Os "corpúsculos deMüller" daimbaúba estão entre as inúmeras descobertas 'desse gran-de cientista (v. Thraupinae).

As observações de Fritz Müller foram muito aprecia-das por Charles Darwin, com quem se correspondia, quechamou Müller de "o príncipe dos observadores". O pró-prio Darwin alcançou a costa brasileira em 1832. Des-creveu a matança de aves marinhas no arquipélago deSão Pedro e São Paulo e nos Abrolhos e, após quatro

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BREVE HISTÓRIA DA ORNITOLOGIA BRASILEIRA 55

meses na Bahia e no Rio, concluiu que a botânica e a. ornitologia, no Brasil, já seriam muito conhecidas(too

ll , Di , ed. Nora Barlow, 1934:74). Darwin(1868) se interessou pelo problema dos papagaios "con-trafeitos", a "tapiragem" dos índios brasileiros, descritapor Wallace (1853); v. sob Psittacidae.

Em 1853 imigrou o suíço Karl Hieronymus Euler(Carlos Euler Senior 1832-1901) que se radicou como fa-zendeiro em Cantagalo, Rio de Janeiro. Após ter publi-cado, sob estímulo de J. Cabanis, Berlim, editor doi e, de 1867 a 1868, três trabalhos sobre ni-nhos e ovos das aves do sudeste do Brasil, chegou a acres-centar, em colaboração com H. von Ihering, mais dados,publicados na do em 1900.

Um dos dedicados colaboradores de Euler foi Jeande Roure, coletor de aves, residente em Muriaé, MinasGerais que recebeu o primeiro e até hoje único exem-plar existente em Museus de e o mandouao seu amigo Euler. Este, remetendo o pássaro a J.Cabanis, Berlirn, pediu para que nome de Roure fosseaproveitado para a denominação científica da espécie.Observamos N. em uma única oportunidade noEspírito Santo, v.Thraupinae ..O cuculídeo pouco conhe-cido e o tiranídeo s

eul descritos por Cabanis, perpetuamo nome desse grandeornitófilo, muito citado.

Euler teve contato com Karl Schreiner, funcionáriodo Museu Nacional, também interessado na reprodu-ção de aves. Um filho, Carlos Euler[únior, tornou-se ilus-tre engenheiro ferroviário brasileiro (Minvielle, 1981).

"La Expedición científica espanhola aAmérica, 1862-1866", sob a direção de Jiménez de Ia Espada, iniciou asua viagem neste continente na Bahia seguindoposteriormente a costa do Rio de Janeiro, Santa Cata ri-na e Rio Grande do Sul (Miller 1968, Regueiro 1983).Tomaram contato com coletores residentes como o ale-mão Otto Wucherer na Bahia e o francês AugusteBourguet, no Rio que ofereceu a venda de uma boa cole-ção de beija-flores. A expedição foi depois a Montevi-déu, passou pelo estreito de Magalhães e subiu a costapacífica em toda a sua extensão. Quatro dos expedicio-nários regressaram ao Brasil e desceram o Amazonasaté a sua foz no Atlântico. O anfíbio

/ us Espada, 1870, P!8.ç~de~!e do Corcovado,Rio de Janeiro, documenta esta viagem. .

Na década de 1880 residiu na província do Rio deJaneiro o pintor e viajante ornitófilo Paul Mangelsdorffque deixou várias publicações boas sobre as aves da-quela região (p. ex. Mangelsdorff 1891).

Entre os ornitólogos colecionadores que, na segun-da metade do século XIX, trabalharam na Amazônia, se-jam mencionados os seguintes: (1) Hauxwell, inglês re-sidindo d-e1850 a 1870 em várias partes do alto Amazo-nas, suas coleções foram elaboradas por Gould, Selatere Salvin, vide p. ex. ieili (Sclater 1857),formicarídeo da Amazônia. (2) G. Garlepp, alemão,trabalhou também no alto Amazonas em 1883/84, era

orientado pelo Conde Berlepsch. (3) E. Layard, cônsulbritânico em Belém, Pará. (4) C. Riker, norte-americanoque em 1884 e 1887 passou alguns meses nos arredoresde Santarém, Pará, tornando-se seu nome mais conheci-do entre nós pelo furnarídeo singular e e i(Ridgway 1886), representante marcante da ornitofaunado buritizal; Riker tinha contato com Frank M. Chapman,do Museu de Nova lorque. (5) W. Schulz, alemão, quede 1892 a 1894 coletou no baixo Amazonas, apanhandoP: ex. i Pelzeln), belíssima espécie deuirapu ru.: que se tornou quase lendária, pois o únicoexemplar conhecido naquele tempo, coletado porNatterer, se perdera, de maneira que Pelzeln tivera quese basear nas notas de campo de Natterer para descre-ver a espécie. (6) Domingos S. Ferreira Pena, fundadordo Museu de Belém, enviou uma coleção de aves ao Mu-seu Nacional do Rio de Janeiro (Miranda Ribeiro 1928).

As atividades de outros ornitólogos coletores, daépoca, estão documentadas principalmente no Nordes-te. A "Comissão Científica do Ceará" (1859-61), a pri-meira expedição científica organizada por brasileiros,após a expedição de Alexandre R. Ferreira no séculoanterior, acompanhada por Gonçalves Dias, obteve bas-tante material, que foi depositado no Museu Nacional,Rio de Janeiro. São as peças mais antigas que consegui-mos localizar nesse Museu. Os respectivos espécimes,p. ex. mais de 90 exemplares de j são re-conhecíveis tão-somente pela esplêndida técnica do ca-çador e preparador Villa-Real (Pacheco 1995a), pois nãotêm etiquetas. A preparação deste material lembra a deBourgain, outro taxidermista muito bom (material doMuseu Nacional, caracterizado pelo modo de amarraros dedos internos). Os espécimes de Bourgain, entre elesaves interessantes como es gle, ticn)phes

s e go undul trazem uma pequenaetiqueta escrita em francês, onde encontramos dia, mês,ano (por volta de 1891), sexo, raras vezes a procedência.

Em meados de 1880, o anatomista britânico W. H.Forbes trabalhou em Pernambuco, região não maispesquisada desde Swainson; um dos seus achados foi oicterídeo us (Sc1ater 1886) espécie até hápouco mal conhecida. Na revistaIbis o próprio Forbes(1881) publicou alguns resultados.

O entomologista francês Pierre Emille Gounelle, apóster trabalhado em Minas Gerais, penetrou também noNordeste - Bahia, Pernambuco (1892/93) e Ceará, che-gando até o Pará. Gounelle interessava-se principalmen-te por beija-flores; coletou na Serra do Caraça (1899) eperto de Diamantina (1903), Minas Gerais, stes

Seu nome foi perpetuado em ídetgounellei Boucard, 1891.

Em Mato Grosso e Rio Grande do Sul viajou HerbertH. Smith, cujas coleções foram elaboradas por J.A. Allen(1891-1893); o Museu Nacional do Rio de Janeiro rece-beu algumas das duplicatas.

Neste meio tempo, havia chegado ao Brasil (em 1880)Hermann von Ihering (1850-1930), fixando-se no Rio

. ... \ .

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56 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Grande do Sul, onde viveu longo tempo, exercendo adupla atividade de clínico e de naturalista (sendo for-mado nas duas disciplinas). Foi convidado em 1894paradirigir o Museu Paulista, cargo que exerceu durante 25anos (até 1916). Seu principal interesse era a distribui-ção geográfica dos animais na América do Sul, estudosque contribuíram decididamente para a realização dasua obra do publicada em 1927,pouco antes de sua morte, na Alemanha. Era um cientis-ta universal. Trabalhou sobre todas as classes de verte-brados, sobre botânica e paleontologia; foi autoridademundial em malacologia.

H. von Ihering fez tudo para ampliar as coleções deaves do Museu Paulista, dando ênfase a reunir ao ladodas coleções expostas, material seriado destinado exclu-sivamente ao estudo científico. Obteve a colaboração devárias pessoas; como a do farmacêutico Ricardo Krone,de Iguape, São Paulo, que mandou material também parao Museu Nacional do Rio de Janeiro e Museus da Euro-pa e dos EUA. Embora as aves fossem a predileção deKrone (foi o primeiro a descrever o ninho da araponga,no Estado de São Paulo, em 1903), ele se tornou maiscitado por suas escavações pré-históricas (sambaquis).Outros nomes conhecidos, na época, são os de J. Zech,A. Hempel, A. Hummel, Valêncio Bueno (v.

lenciobuenoi Ihering, 1902), e principalmen-te dois naturalistas viajantes do Museu, Ernst Garbe eJoão Leonardo Lima. Fernando Schwanda forneceu im-portantes peças do Maranhão, p. ex. [asciolaia

na década de 1900 (Pinto 1945).H. von Ihering dedicou-se tanto à sistemática (clas-

sificação) comoà biologia, usando o conhecimento des-ta para afirmar conclusões morfológicas. Estudou ninhose ovos de pássaros. Já na virada do século começou adebater em prol da conservação da natureza, reclaman-do uma lei federal de caça e proteção às aves. Deixoumais de 300 trabalhos, na sua maioria referentes à zoo-logia, incluindo longos estudos sobre insetos sociais.Sobre aves publicou, às vezes, junto com seu amigoBerlepsch. Seu filho, Rodolfo von Ihering, trabalhandona piscicultura, tornou-se mais conhecido comodivulgador, destacando-se seus livros dos nossosn e D io dos do (reeditado pela

Universidade deBrasília), obras didáticas' excelentes,baseando-se exclusivamente na fauna indígena, ao con-trário de outros livros de zoologia deste país.

Pouco após a vinda de Ihering, veio ao Brasil o suíçoEmil A. Goeldi (1859-1917), formado em Jena com o co-nhecido filogenista Ernst Haeckel. Durante pouco tem-po foi funcionário do Museu Nacional, Rio de Janeiro, eestudou a avifauna da região de Cantagalo, neste Esta-do. Assumiu em 1894 o encargo de reorganizar o MuseuParaense de História Natural e Etnografia, existente des-de 1866, instituto que hoje possui seu nome: MuseuParaense Emilio Goeldi (MPEG). Goeldi começou o es-tudo sistemático da Amazônia, reunindo boas coleções,sobretudo de aves e mamíferos. Adquiriu alta reputa-

ção com seus dois livrinhos de divulgação:do (1893)e do (1894), este com o suple-mento ilustrativo de (1900a 1906),coleção de 48 pranchas coloridas, executadas magistral-mente por Ernst Lohse, excelente desenhista, pintor elitógrafo do Museu e bom conhecedor do ambiente ama-zônico e suas belezas, morto em 1930 na porta do Mu-seu por revolucionários. Contribuíram, naquele tempo,para o estudo das aves da região, os funcionários doMuseu, Gottfried Hagmann (suíço) e H. Meerwarth (ale-mão). O t do foi uma das primei-ras revistas científicas brasileiras de vulto internacional.Goeldi regressou em 1905 à pátria, onde desenvolveuainda grande atividade como professor universitário.

2.5 SÉCULO XXChamada por Goeldi, chegou em 1905 a Dra. Emilie

Snethlage (1868-1929)ao Museu de Belém, após ter tra-balhado no Museu de Berlim comA. Reichenow; foi umadas primeiras mulheres que fizeram o Ph. D. na Alema-nha, em 1904. Assumiu mais tarde o cargo de chefe dazoologia e de Diretora (1914) do Museu Pàraense.Oswaldo Rodrigues da Cunha. pesquisador e historia-dor do Museu Paraense, escreveu: "Ernilie Snethlage, emtoda a América do Sul, foi a única mulher cientista aocupar uma posição administrativa elevada em umainstituição científica de renome".

Snethlage era muito ativa no serviço de campo. Pro-curou as áreas mais inóspitas da Amazônia, por seremjustamente as mais promissoras em espécies mal estu-dadas. Realizou em 1909a travessia Xingu-Tapajós, Pará,expedição que lhe deu ensejo, ao lado de amplas pes-quisas sobre a fauna e flora, a corrigir o mapa geográfi-co da região (rios Iriri, Curuá e [amauxirn) e fazer umextenso vocabulário da língua dos Chipaya e Curuahé.Prova mais eloqüente de sua coragem foi quando am-putou, ela mesma, com um facão emprestado, o dedomédio de sua mão direita, machucado seriamente porpiranhas.

Penetrar na Amazônia mais longínqua era, naqueletempo. tarefa extremamente árdua para uma mulher.Emilie Snethlage viajava quase sempre sem outra comi-

,tiva que os tropeiros e remadores. Quando certa vez,um cientista do Museu Nacional, Rio de Janeiro, tentouacompanhar Snethlage a uma viagem ao interior deGoiás; a resposta dela foi negativa: "Eu, em viagem, sóespero por mim." Ela tinha uma linguagem sóbria e sim-ples. Quando certo dia recebeu uma carta endereçada"Ao Sr. Dr. Emílio Snethlage" ela disse: '/Isto conven-ceu-me de que havia feito trabalho de um homem." Ins-pirou respeito aos selvagens pela sua personalidade,bondosa mas enérgica e destemida, e pelos seus cabeloslongos e cheios, pretos, dando-lhe uma dignidade igualà do cacique. Impressionou sua extrema simplicidade."Em poucas horas tomara de assalto as simpatias dagente" (Moraes 1938)..

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BREVE HISTÓRIA DA ORNITOLOGIA BRASILEIRA 57

Trabalharam sob sua orientação os preparadoresFrancisco Queirós Lima e Oscar Marfins. sendo o pri-meiro tratado por ela como um filho. Permaneceu a ser-viço do Museu Goeldi até 1921, quando se esgotaram osrecursos do Estado do Pará devidoà crise da borracha.Em pouco tempo, Snethlage era considerada a maior au-toridade da avifauna amazônica, principalmente da re-gião do baixo Amazonas que, na literatura especializa-da, era chamada "a área da Snethlage".

De 1922 a 1929 Snethlage foi naturalista viajante doMuseu Nacional do Rio de Janeiro, sob a Diretoria deArthur Neiva e, nos últimos anos, Edgard Roquete Pin-to. Em 1923/24 esteve no Maranhão, junto com seu pri-mo Dr. Heinrich Snethlage (1897-1939), do Museu deEtnologia de Berlim, muito interessado em aves e quetrabalhou três anos (até 1926)no Nordeste, deixando umgrande relatório com notas biológicas sobre a avifauna(1928), enquanto C. E. Hellmayr (1929) realizou a apre-ciação sistemática. Heinrich Snethlage deixou tambémum trabalho botânico: a descrição de novas espécies deimbaúba,

Emilie Snethlage visitou em 1925/26 o Espírito San-to, Minas Gerais e Bahia, em 1927, Goiás, em 1928 todosos estados meridionais até o Rio Grande do Sul e MatoGrosso, em 1929 a Serra doCaparaó, Minas Gerais e orio Madeira. Encontrou-se na Serra doCaparaó com EmilKaempfer, 'coletor alemão, que, de 1926 a 1931, fez gran- .des coleções de aves no Brasil oriental para o MuseuAmericano (American Museum of Natural History), v.sob o beija-flor . Do material, cole-tado por E. Snethlage para o Museu Nacional, existe,neste Museu, uma relação datilografada por ela mesma,constando a identificação específica e subespecífica, fal-tando apenas a relação dos espécimens da sua últimaviagem. Em 1926, E. Snethlage tomou posse na Acade-mia Brasileira de Ciências como membro corresponden-te, homenageada por Alípio Miranda-Ribeiro (1936),comuma lista de suas publicações.

Emilie Snethlage interessava-se sobretudo porzoogeografia e ecologia; queria saber mais sobre a evo-lução de formas vicariantes: raças geográficas e as "es-pécies geográficas" ou aloespécies, o fenômeno maisintrigante que o estudo da fauna amazônica apresenta.Snethlage foi uma das primeiras pesquisadoras a com-preender a ação da evolução neste sentido, colhendo,ela mesma, as respectivas comprovações com a espin-garda, uma Flaubert, durante seus levantamentos bemplanejados. Preparou as peças coletadas com grandehabilidade. Tinha uma predileção por pica-paus, papa-formigas e vireonídeos. Estudando a reprodução dasaves, coletou ninhos e ovos. Uma dedicaçãoà "ornito-logia de campo" que havia sido desprezada pelos.antí-gos sistema tas, que a consideravam uma ocupação vul-gar que cabia aos coletores que forneciam as avesempalhadas aos gabinetes de história natural. Destemodo Snethlage tornou-se pioneira(v. a nossa dedica-ção deste livro a ela). Já passaram pelo Brasil outros pre-

cursores da ornitologia de campo como, p. ex., o prínci-pe de Wied. Não conseguimos saber até que pontoSnethlage estudou a vocalização das aves (o nosso inte-resse principal), que pode dar as melhores sugestõessobre o parentesco das aves. As coleções de Snethlage(coletou também mamíferos) são o fundamento da cole-ção ornitológica tanto do Museu de Belém como o doRio de Janeiro.

Snethlage descreveu aproximadamente 60 espéciese subespécies novas de aves. Outros cientistas tambémreceberam seu material; ela tinha contato com o CondeHans von Berlepsch (1850-1915,Castelo Berlepsch), Prof.A. Reichenow (Berlim), Dr. R. B. Sharpe (Londres), A.Menegaux (Paris), Dr. Ernst Hartert (Tring, 1859-1933),C. E. Hellmayr (Munique, 1878-1944)e ultimamente como Prof. Dr. E. Stresemann (Berlim, 1889-1972, tornando-se mestre do autor desde 1933). Snethlage identificouseu material durante visitas que fez aos museus euro-peus. Berlepsch, cuja coleção, rica em material brasilei-ro, foi posteriormente incluída aos acervos do MuseuSenckenberg, Frankfurt, dedicou um gênero de tiranídeoà grande ornitóloga: . Sua maior obrá é oC -t logo d s es s (1914). Outros trabalhos,publicados na Alemanha, tratam da nidificação das aves;o maior foi publicado posi- (1935). Parece que seperdeu um manuscrito sobre oologia da avifaunaparaense durante o preparo do VI Congresso Internacio-nal de Ornitologia em Kopenhagen (1926).Lutando des-de 1909 contra a malária, Snethlage faleceu a 25 denovembro de 1929, por um enfarte, durante uma excur-são ao rio Madeira, em Porto Velho, Mato Grosso. Nasua cruz consta apenas a data de sua morte, não de seunascimento. Soubemos em 1941 Ror Fritz von Lutzow,Baixo Guandu, Espírito Santo, anfitrião de Snethlage na- .quela cidade, que ela, considerando seu trabalhoornitológico neste país bem adiantado, pensou emregressarà Alemanha para elaborar uma extensa obrasobre as aves do Brasil.

Em 1894, ano no qual Goeldi assumiu a direção doMuseu de Belém, Alípio de Miranda Ribeiro (1874-1939)foi admitido como secretário interino do Museu Nacio-nal, Rio de Janeiro, depois como chefe da zoologia. En-controu em Carlos Schreiner, mais tardecorri Pedro P.Peixoto Velho e Bruno Lobo, colegas e amigos.Alípio.de espírito empreendedor e infatigável trabalhador, in-teressou-se por vários grupos de animais, principalmen-te peixes (fundou e dirigiu a Inspetoria de Pesca), mastambém batráquios, mamíferos e aves. Percorreu quasetodo o país em excursões científicas. Integrou a Comis-são Rondon e suas notáveis expedições de 1908 a 1909(Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de MatoGrosso ao Amazonas) e classificou o material oriundoda Expedição Ruosevelt-Rondon até o fim. As coleções.posteriores foram feitas pelos botânicos Frederico CarlosHoehne e João Geraldo Kuhlmann. A expedição conti-nuou até 1915 sob a chefia do próprio Rondon eTheodore Roosevelt, Participaram Henrique Reinisch

" J, .

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58 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

(que depois trabalhou na Serra dos Órgãos, Rio de Ja-neiro, v. Schneider & Sick, 1962), Leo E. Miller, GeorgeK. Cherrie (os dois últimos no serviço do AmericanMuseum of Natural Hístory). e, finalmente, Emil Stolle(v. 1. Roosevelt h ough the editadodepois em português como s do il). AlípioM. Ribeiro tomou posse na Academia Brasileira deCiências em 1917.

Trabalharam na época, no Museu Nacional, CarlosMoreira, especialista em crustáceos, que se tornou maisconhecido no ramo da ornitologia pela descoberta dofurnarídeo l Ribeiro,1906, aliás um dos pássaros mais comuns no alto deItatiaia, provando como era fácil, naquele tempo, arran-jar novidades. Como preparador serviu EduardoSiqueira. Um dos colecionadores de Alípio era o fazen-deiro alemão Rudolf Pfrimer, vivendo em Goiás, e JoséBlaser que obteve um casal do raro pato-mergulhão,

us oct us, para o Museu Nacional. Alípio crioua subespécie leucotis i, de Goiás. PedroPeixoto Velho trouxe material da Ilha da Trindade, em1916.

Miranda Ribeiro teve oportunidade de visitar a Euro-pa e os Estados Unidos, em 1911. Em 1920 publicou suarevisão dos psitacídeos brasileiros. Boa parte dos seus tra-balhos, como as monografias sobre a seriema,

t (1938a), e os tinamídeos (1938b), incluiu nas suastológic Emilie Snethlage dedicou-lhe o furna-

rídeo e o tiranídeo Idioptilon e.Alípio Miranda Ribeiro foi pioneiro na zoologia bra-

sileira visto que, até os fins do século XIX, a fauna destepaís foi estudada quase exclusivamente pelos naturalis-tas estrangeiros. Pretendia publicar umaFauna

, visando dar acesso à zoologia pátria àquelesque não contam com recursos de coleções e bibliografiadas instituições científicas maiores.

O Museu de Viena, Áustria, comprou no começo doséculo, de R. Franke, [oinville, Santa Catarina, mais demil peças, a maioria aves cuja rotulação (1911 a 1913)freqüentemente não garante a procedência. O Paranárecebeu entre 1910 e 1924 três visitas de naturalistaspoloneses sob a inic'iativa de1. Chrostowski. Foramcoletadas espécies interessantes comooctoset ig e ipile O ma-terial se encontra na Academia Polonesa de Ciências emVarsóvia (Chrostowski 1912, Sztolcman 1926).

Voltando aos destinos do Museu em São Paulo, veri-ficamos que, após o término do exercício de Hermannvon Ihering, as atividades da seção de Zoologia foramrestringi das vários anos à boa vontade dos coleciona-dores Ernst Garbe e filho, João L. Lima e filho, HerrnannLüderwaldt e José Pinto da Fonseca. Em 1929 OlivérioM. de O. Pinto, formado em medicina, foi admitido comoassistente do Museu, o qual era dirigido por Afonsod'Escragnole Taunay Não se podia imaginar uma pes-soa mais competente para garantir de novo e em escalabastante ampliada e moderna o desenvolvimento da

coleção ornitológica do Museu Paulista e de seu s~bse-qüente progresso no Departamento de Zoologia da Se-cretaria de Agricultura (extinta em 1939, hoje Museu deZoologia da Universidade de São Paulo), durante qua-tro sucessivas administrações.

Olivério Pinto obedeceu rigorosamente ao progra-ma de exploração metódica do país. O sucesso dos taxi-dermistas colecionadoresJ. L. Lima, W. Garbe e EmílioDente manifestou-se na obtenção da pombinha rara

, do Brasil central, porW. Garbe em1940, apanhada pela última vez por seu pai, E. Garbe,em 1904, oitenta anos após a descoberta da espécie (em1823) por Natterer. Durante expedições ao Nordeste foiredescoberto o mutum de Marcgrave, , conse-guindo-se informações sobre a possível existência daarara-azul-de-Lear odo Foram adquiri-das coleções de Alfonso Olalla, coletor profissional co-lombiano, residente ultimamente em São Paulo,conhecidíssimo pelo imenso material amazônico que elee outros membros da família venderam a Museus, comode Estocolmo (Conde Nils Gyldenstolpe). Estreitou-se ointercâmbio com o Museum of Compara tive Zoology(Harvard), American Museum of Natural History (NovaIorque) e os Museus da Argentina. Foi instalada umamoderna exposição de animais agrupados em seu am-biente natural.

Olivério Pinto submeteu-se à elaboração meticulosade tudo, principalmente da sistemática, baseado numconhecimento profundo da literatura e da história. Con-tribuição importante sobre a biologia das aves é suapublicação sobre a coleção Carlos Estevão, de peles,ni-nhos e ovos das aves deBelém, Pará (1953). Seu traba-lho, exaustivo e extremamente apurado, é. tambémestilisticamente aprimorado. O renome de O. Pinto nãoficou restrito ao seu meio, e sim tornou-se conhecidoem amplos CÍrculos. Teve, por algum tempo, a boa cola-boração de seu cunhado EuricoA. de Camargo. Em 1945J. Lee Peters dedicou a Olivério,pintei, de Goiás.

O go do (1938/44), de OlivérioPinto, cujo primeiro volume (Rheidae atéRhinocryptidae) foi reeditado em 1978 pelo próprio au-tor, é a base para qualquer trabalho ornitológico siste-mático deste país. Sua grande obra liense(1964, Volume I) ficou inacabada. Nestor da ornitologiabrasileira, celebrou seu 800 aniversário em 1976; faleceuem 1981. Pinto era na ornitologia um dos maiores no-mes internacionais.

Na oportunidade da celebração do 1200 aniversáriode fundação do Museu Goeldi, MPEG, em 1986, foi edi-tado um volume bem ilustrado, com texto de OswaldoCunha, historiador do Museu.Aseção de aves do MPEG,abandonada há muitos anos, se desenvolvera da melhormaneira com a transferência da Instituição ao CNPq(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico) e com a dedicação de Fernando C. Novaes.à reorganização de suas coleções [Silva& Oren 1992].

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3 Conservação

3.1 no

O movimento conservacionista brasileiro está enrai-zado em tempos coloniais; foi José Bonifácio de Andradae Silva (1763-1838) que formulou: "A natureza fez tudoa nosso favor, nós, porém, pouco ou quase nada temosfeito em favor da natureza". Destacaram-se também aspreleções de Hercules Florence (1877): "Vede, por tod~ aparte neste imenso Brasil tombam aos golpes do des-truidor machado e a poder de fogo e do incêndio dilata-das e seculares florestas, abrigo de inúmeros quadrú-pedes e voláteis. Perdidos os sombrios recantos que lhessão precisos, tornar-se-ão cada vez mais raros, esquivos;e por fim de todo sumir-se-ão, inocentes vítimas daconquista do homemàsolidão. Quem conservará a exa-ta representação do modo por que exprimiam esses se-res seus sentimentos ou modulavam seus cantos, se nãofor a zoofonía?" Usando um sistema modificado denotas musicais, Florence, de 1831 em diante, desenvol-veu sua muito original "zoofonia": simbolizando a vo-calização de animais brasileiros, sobretudo aves(Nomura 1959). ,

Em 1876 surgiu a primeira proposição para se criarParques Nacionais no país. Animado com a criação em1872 do primeiro Parque Nacional do mundo -Yellowstone, nos EUA - foi proposto a criação de doisParques Nacionais: Ilha do Bananal e Sete Quedas.

Mas decorreram muitas décadas antes do surgimentoem 1937, do primeiro Parque Nacional decretado no Bra-sil, o do Itatiaia. Em 1939 foram criados os de Iguaçu eda Serra dos Órgãos. Em 1961 foram criados vários par-ques, alguns até mesmo em um só dia, como os ParquesNacionais de Brasília, Caparaó, Chapada dos Veadeiros,Emas, Monte Pascoal, São Joaquim, Sete Cidades e SeteQuedas. Durante muitos anos o serviço de Parques Na-cionais foi favorecido pela iniciativa de Maria TerezaJorge Pádua (Pádua& Coimbra Filho 1979).

Em 1958 foi instituída a Fundação Brasileira para aConservação da Natureza (FBCN), entidade não gover-namental, sob a iniciativa de José Cândido de Meio Car-valho, Harold E. Strang, Wanderbilt Duarte de Barros,Almirante Ibsen de Gusmão Câmara, Alceo Magnaninie outros. A FBCN tem por objetivo: recomendar e reali-zar uma ação nacional no sentido de conservar osrecur-sos naturais renováveis e não-renováveis, e em especiala flora e fauna, as águas, o solo, as paisagens e os monu-mentos naturais, inclusive pleiteando a reserva de áreasque tenham valor científico, histórico, estético ou queapresentam importância econômico-financeira vital ao

bem-estar futuro do povo. Com o símbolo a FBCN esco-lheu o curupira do folclore indígena (fig. 25), espíritobom e protetor que defende os animais e plantas, ao con-trário do saci-pererê (v. sob Cuculidae, Ocurupira possui os pés virados para trás, característicaque utiliza para despistar os predadores e destruidoresda nossa natureza, fazendo-os perder a trilha ou rastroda caça; ajuda os animais feridos a se recuperarem.

A entidade governamental responsável pela con-servação da natureza e, em particular, dos ParquesNacionais e de mais Unidades de Conservação é hojeo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais Renováveis (IBAMA, com a Diretoriade Ecossistemas), congregando a ex~SEMA, ex-IBDFe ex-SUDEPE.

A grande preocupação dos conservacionistas brasi-leiros com a destruição progressiva da natureza, refle-tiu na fundação de duas entidades conservacionistas im-portantes não governamentais no mesmo ano, desdeentão desenvolvendo grandes atividades: em julho de1986 foi criada em Brasília a Fundação Pró-Natureza,FUNATURA, com o objetivo de contribuir com a con-servação dos recursos naturais renováveis em todas asregiões do país e em setem.bro do rnesrno ano em. SãoPaulo foi lançada a Fundação S.O.s. Mata Atlântica como objetivo prioritário de defender os 5% restantes deMata Atlântica e biomas associados, como manguezaise restingas.Ambas recebem ajuda financeira institucionalexterna, sobretudo dos EUA: União Internacional paraa Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais

Fig.25. Curupira, logotipo da Fundação Brasileirapara a Con~ervação da Natureza (FBCN).

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60 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

(IUCN), i e (WWF), e(TNC), Conservation International (CI) e

outras.

3.2 de Conse õoc; - ' - -

O Brasil possuía em 1989, 34 Parques Nacionais, 19Reservas Biológicas Federais e 20 Estações Ecológicas anível nacional. Com mais algumas" Áreas de ProteçãoAmbiental" e "Reservas Ecológicas" o total de áreas pro-tegidas perfaz 2,05% da extensão territorial.

De acordo com estatísticas mundiais, as áreas natu-rais protegidas atingem no mundo uma média de 3,2%por continente. Outros países, também do terceiro mun-do, apresentam percentagens bem mais expressivas queo Brasil como a Indonésia 16%, a Venezuela 8% e a Cos-ta Rica 8%. O.estabelecimento de quadros comparati-vos de percentagens não é cientificamente adequado,pois o que é relevante é a representatividade deecossistemas abrangidos pelas áreas protegidas.

Há vários Parques e Reservas Biológicas a nível es-tadual de suma importância p. ex., Parque EstadualCarlos Botelho (37.640 ha), São Paulo onde se pode vera rara jacutinga, pile j cutin e o maior macaco do con-tinente, o mono oumuriquí, teles chnoides.Alei permite reconhecer, em todo o território nacional,como "Refúgios Particulares" áreas de propriedade pri-vada, onde a caça de animais nativos é proibida por ini-ciativa do proprietário, amparado por ato específico dopoder público. Tais refúgios foram registrados em bomnúmero, p. ex. no município deCorumbá. Mato Grossoe no Paraná. O Rio Grande do Sul tornou-se pioneiroem legislação preservacionista; em 1971 foi a Associa-ção de Proteção ao Ambiente (AGAPAN), sendo JoséLützenberger um de seus fundadores.

Deveríamos aproveitar as áreas que estão sob juris-dição das Forças Armadas para a preservação da faunae repovoamentos, uma vez que estas áreas sãoinvioláveis. É, aliás, um erro achar que a preservação danatureza se faz apenas em parques e reservas oficiais[ou que estes, a partir de sua simples decretação, garan-tirão a perenidade dos recursos naturais que abrangem~m suas áreas.] Lembremos ainda que o Brasil detém33% do que resta de matas tropicais do planeta, o maiornúmero de espécies de psitacídeos, e o maior númerode espécies de prima tas conhecidos, o maior número deplantas superiores e o maior número de espécies de pei-xes de água doce.

O Brasil figura entre os países que abrangem amaior diversidade biológica. Este enorme patrimôniogenético tem de ser preservado em sua representati-vidade para benefício das atuais e futuras geraçõês.

Informações sobre os hábitats e a avifauna típica dasrespectivas regiões acham-se no capítulo "O País e suasAves".

3.2.1 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA AMAZÔNIA

BRASILEIRA

(Os n en e nteses in lo li dos26)

Estado do AmazonasParque Nacional do Pico da Neblina (23)Parque Nacional do[aú (22)Reserva Biológica do AbufariEstação Ecológica de Anavilhanas

Estado do ParáParque Nacional de Amazônia (21)Reserva Biológica do rio TrombetasEstação Ecológica do[ari

Estado de RondôniaParque Nacional de Pacaás Novos (24)Reserva Biológica do[aruReserva Biológica do GuaporéEstação Ecológica de Cuniã

Estado do MaranhãoReserva Biológica do CurupiParque Nacional dos Lençóis Maranhenses (19)

Território do AmapáParque Nacional do Cabo Orange (20)Reserva Biológica do Lago PiratubaEstação Ecológica de Maracá-Jipioca

. Território de RoraimaEstação Ecológica de MaracáParque Nacional Monte Roraima (33)

Estado do AcreParque Nacional da Serra do Divisor (34)

Estado do Mato GrossoParque Nacional da Chapada dos Guimarães (26)

A ameaça pela qual a flora e a fauna da Amazôniapassa é o resultado da ocupaçãodesordenada da regiãoque tem assumido proporções extraordinárias.

3.2.2 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO CERRADO

Estado de GoiásParque Nacional do Araguaia (25)Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (30)Parque Nacional das Emas (28)

J Esta parte foi beneficiada por informações recebidas de Maria TerezaJorge Pádua, Presidente da Fundação Pró-Natureza(FUNATURA)e doAlmiranteIbsende GusmãoCâmara,Presidenteda FundaçãoBrasileirapara a conservaçãoda Natureza (FBCN).

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CONSERVAÇÃO 61

Estado de Minas GeraisParque Nacional da Serra da Canastra (10)Parque Nacional da Serra do Cipó (11)Parque Nacional Grande Sertão Veredas (31)

Estado do PiauíParque Nacional de Sete Cidades (18)Estação Ecológica de Uruçui-Una

Distrito FederalParque Nacional de Brasília (29)

Tendo em vista a célere destruição dos ecossistemasda região do cerrado para dar lugar a imensas mono-culturas de soja, arroz, e cana-de-açúcar com a geral-

.mente completa destruição das matas ciliares e onde nãose observa os 20% de proteção exigidos por lei (CódigoFlorestal), a fauna está sendo profundamente dizimada.Devido à esta insana destruição de hábitats, as pragasagrícolas vem aumentando por conseqüência da elimi-nação de seus predadores naturais, como as emas. Asmatas ciliares devem ser encaradas com especial aten-ção quando se trabalha com a preservação dos cerradosdo Brasil Central e Centro-Sul.

3.2.3 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA CAATINGA

Estado do PiauíParque Nacional da Serra da Capivara (16)

Estado do CearáEstação Ecológica de AiuabaParque Nacional de Ubajara (17)

Estado da BahiaEstação Ecológica do Raso da CatarinaParque Nacional da Chapada Diamantina (15)

Estado de PernambucoReserva Biológica de Serra Negra

3.2.4 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA MATA DE

ENCOSTA ATLÃNTICA, MATA ATLÃNTICA

Outrora a mata da encosta atlântica cobria toda umafaixa que começava no nordeste e ia até os estados dosul do país. Esta faixa, que sustentou o homem brasilei-ro por quatro séculos, recebeu pouco erp troca - foi ful-minantemente destruída pelo ímpeto do desenvolvimen-to. Ocupando antes 350.000 km2 restou, em 1985, ape-nas 3% de sua área primitiva. O Estado de São Paulo,por exemplo, possuía uma cobertura florestal na ordem

de 81,8% - hoje resta menos que 5%, quase tudo sobcategorias de áreas protegidas como Parques Nacionais,Parques Estaduais, Reservas e Estações Ecológicas. Estequadro se repete em outros Estados como o Rio de Ja-neiro, Espírito Santo, Bahia, Paraná, entre outros.

Estado do Rio de JaneiroParque Nacional do Itatiaia4 (7)Parque Nacional da Serra dos Órgãos (9)Parque Nacional da Tijuca (8)Parque Nacional da Serra da Bocaina5 (6)Reserva Biológica de Poço das AntasEstação Ecológica dos TamoiosEstação Ecológica Piraí

Estado do Espírito SantoReserva Biológica do Córrego do VeadoReserva Biológica de SooretamaReserva Biológica Augusto Ruschi (ex-Nova

Lombardia)Reserva Biológica de Comboios

Estado de São PauloEstação Ecológica da [uréiaEstação Ecológica dos Tupiniquins

Estado de Minas GeraisParque Nacional do Caparaó (12)Estação Ecológica de Pirapitinga

Estado da BahiaParque Nacional de Monte Pascoal (14)Reserva Biológica de Una

Estado do ParanáEstação Ecológica de Guaraqueçaba

Estado do SergipeEstação Ecológica de ltabaiana

Estado de PernambucoEstação Ecológica de Mamanguape

Concluindo, a respeito da mata da encosta atlânticahá que se ressaltar que não obstante o número relativa-mente grande de Parques, Reservas, Estações Ecológi-cas e Florestas Nacionais existentes, a soma é de apenas300.000 ha protegidos, sob essas categorias. Felizmenteexistem muitos Parques e Reservas Estaduais, e Áreasde Proteção Ambiental neste bioma tão severamentedepredado. Tudo o que ainda resta da Mata de EncostaAtlântica deveria ser- preservado para benefício e gozodas gerações futuras. .

4 O Parque Nacional do Itatiaia está localizado nos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.5 O Parque Nacional da Serra da Bocaina abrange áreas do Estado do Rio de Janeiro e São Paulo.

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62 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

70'

10'+50'

+50'

+'0'

75'

0'+

34

10'+75'

@ Parque Nacional

@ Capital Estadual

30'+50'

32

@

.....

+10'32'

'"'""

-...

"'

o 500

km

Fig. 26. Parques Nacionais do Brasil (mapa preparado por Francisco13. Pontual). Círcufõs..,~,'Parques Nacionais; Triângulos =capitais estaduais.

1 - Lagoa do Peixe (RS)2 - Aparados da Serra (RS)3 - São Joaquim (SC)4 - Iguaçu (PR)5 - Superagui (PR)6 - Serra da Bocaina (SPIRJ)7 - Itatiaia (RJ/MG)8 - Tíjuca (RJ)9 - Serra dos Órgãos (RJ)10 - Serra da Canastra (MG)11 - Serra do Cipó (MG)12 - Caparaó /E )

13 - Marinho de Abrolhos (BA)14 - Monte Pascoal (BA)15 - Chapada Diamantina (BA)16 - Serra da Capivara (BA)17 - Ubajara (CE)18 - Sete Cidades (PI)19 - Lençóis Maranhenses (MA)20 - Cabo Orange (AP)21 - Amazônia (=Tajapós) I AM)22 - Jaú (AM)23 - Pico da Neblina (AM)24 - Pacaás Novos (RO)

25 - Araguaia (TO)26 - Chapada dos Guimarães (MT)27 - Pantanal Matogrossense (MT)28 - Emas (GO) ..29 - Brasília (DF)30 - Chapada dos Veadeiros (GO)31 - Grande Sertão Veredas (MG)32 - Fernando de Noronha. 356 km da

costa do RN, 3°50'S, 32"25'033 - Monte Rorairna (RR)34 - Serra do Divisor (AC)

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CONSERVAÇÃO 63

3.2.5 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO PANTANAL

MATOGROSSENSE

Uma imensa região, abrangendo cerca de200.000km-, está situada a oeste do Brasil entre os Estados deMato Grosso e Mato Grosso do Sul, que abarca 2/3 desua extensão. Ecossistema único na face da Terra, é ummisto de Amazônia com Cerrado, tendo adquirido suaspróprias características, ao longo do tempo.

Estado de Mato GrossoParque Nacional do Pantanal (27)Estação Ecológica de Taimã

3.2.6. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO PLANALTO

SUL BRASILEIRO

Predominam nesta região as rochas eruptivas bási-cas. Engloba solos férteis, tradicionalmente usados paraa agricultura e pecuária tendo assistido um desmata-mento cruel.

Em poucas décadas esta região foi devastada e vio-lentada sofrendo em conseqüência um enorme proces-so erosivo e assoreamento do sistema fluvial o que acar-reta enchentes regulares na região.

Estado do Rio Grande do SulParque Nacional de Aparados da Serra (2)Parque Nacional da Lagoa do PeixeEstação Ecológica do TaimEstação Ecológica de Aracuri-Esmeralda

Estado de Santa CatarinaParque Nacional de São Joaquim (3)Estação Ecológica de CarijósEstação Ecológica de Babitonga

Estado doParanáParque Nacional de Iguaçu (4)Parque Nacional Superagui (5)

.3).7 UNIDADES I?.ECONSERVAÇÃO MARINHAS

Existem três unidades de conservação marinhas: oParque Nacional Marinho de Abrolhos(13), o ParqueNacional Marinho de Fernando de Noronha (32) e a Re-serva Biológica do Atol das Rocas.

CONCLUSÃO

As leis para proteger a flora e a fauna brasileira sãoótimas mas falta a fiscalização. O desempenho da entãodiretora dos Parques Nacionais Maria Tereza Jorge Pád ua,e do então Secretário especial do Meio Ambiente, PauloNogueira-Neto, valeu-lhes em1982 o "Prêmio GE1TY",também chamado o "NOBEL da Conservação Mundial".

Pode parecer, tendo em vista onúmero deunidades de conservação, a nivel federal, criadas no Bra-sil que a situação é boa. No entanto, embora o númeroseja expressivo a soma total das áreas é Ínfima em rela-çãoà extensão territorial do país - cerca de 2% apenas.Além do mais há que se ressaltar que a maioria das uni-dades decretadas não sofreu implantação. Grande partede suas terras ainda encontram-se em mãos de particu-lares; não existe fiscalização adequada, nem tampoucoinfra-estrutura administrativa e científica.

Dois Parques Nacionais já foram extintos para a ins-talação de usinas hidroelétricas: o de Paulo Afonso quefora criado em1948,extinto em1968e o de Sete Quedasque fora criado em1961 extinto, também após20 anos,em 1981. O Parque Nacional do Araguaia foi cortadopor uma estrada para atender a um empreendimentoagropecuário projetado após a criação do parque.É opotencial econômico que manda. Muitas unidades so-freram reduções drásticas em seus limites sendo o casomais expressivo o do Parque Nacional da Chapada dosVeadeiros, criado em1961, com cerca de600.000 ha eapós sucessivos decretos' de redução encontra-se hojecom 60.000ha. .

Uma nova ameaça agora no Parque do Iguaçu são oshelicópteros que sobrevoam aárea para que turistaspossam ver melhor as cataratas (v.Andersenet 1989,que aborda a reação de gaviões.em reprodução para comhelicópteros) .

Concluindo parece que as unidades de conservaçãodo Brasil não têm dono, são terras de ninguém, ondetudo acontece, desde o fogo, a caça, a extração de ma-deiras, de pedras, a pesca predatória, rodovias,hidroelétricas, linhas de transmissão, etc. Das 32 Esta-ções Ecológicas,11ainda aguardam decretação.

\ 3.3 O dos

O Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos flores-tais (PDBFF), , emexecução na Amazônia tem como propósito pesquisar adinâmica biológica de fragmentos florestais, focalizan-do a manutenção de ecossistemas, de forma a estabele-cer as bases biológicas fundamentais para o planejamen-to e manejo de Parques e Reservas (Lovejoy& Oren1981).Esse estudo é particularmente importante em face dosprojetos agropecuários em desenvolvimento na Amazô-nia e do conseqüente desmatamento de grand.es áreas.Ao norte de Manaus em extensa região de mata primá-ria (existindo até grandes mamíferos, como anta e onça),condenada a transformar-se em campos de pastagem,estão sendo delimitadas12 áreas entre1 e 10.000hecta-res a serem consideradas reservas inalteráveis. Nestasáreas, distantes umas das outras500 a 2.000metros, sãofeitos constantes levantamentos de fauna (sobretudo deaves, por anilhamento, usando também anilhas colori-

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64 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

das e radiotelemetria) bem como da flora, para estudaros efeitos do progressivo isolamento dessas parcelas, im-plicando um continuado empobrecimento de espécies,tanto de animais como de plantas. O projeto "TamanhoMínimo" era executado e financiado pelo Fundo Mun-dial para a Natureza (WWF-US) e o Instituto de Pesqui-sas da Amazônia (INPA), tendo a duração prevista devinte anos (Recentemente o Smithsonian Institution as-sumiu a posição de principal patrocinador americano).Assim se consegue os primeiros dados sobre a dinâmi-ca de populações de animais de todas as classes em frag-mentos florestais, permitindo conclusões sobre delimi-tações de unidades de conservação.

As reservas florestais (o mesmo vale para reservasde campo primário, banhados, manguezais, etc.), loca-lizadas no meio de uma ambiente antropogênio hostil,assemelham-se a ilhas oceânicas, separadas dos conti-nentes aos quais estiveram ligadas em outras épocas.Entre os primeiros que chamaram a atenção para essetipo de biogeografia dinâmica estão R. H. MacArthur eE. O. Wilson (1967). Para as reservas vale um raciocíniosemelhante (não igual) ao usado para as ilhas: ilhasmaiores hospedam mais espécies, tanto de animais comoplantas, que ilhasmenores.,

O lugar clássico onde foi estudado o declínio da faunapelo isolamento da área é C lsl área de15,6 km2 de mata tropical, que se tornou uma ilha quan-do foi criado um grande lago na região do Canal de Pa-namá, no começo do século. Barro Colorado tornou-seum espetacular laboratório natural, mas falhou comoboa reserva, comprovando que a área é pequena parapreservar os elementos mais sensíveis do ecossistemaem questão,

Levantamentos executados em três matas residuaisde São Paulo (1.400, 25 e 21 hectares) revelaram que res-tavam 202, 146 e 93 espécies de aves, respectivamente,correspondendo a 87,8%, 63,5% e 40,4% do provávels original, isto é, numa mata extensa local, onde'deveriam hospedar-se cerca de 230 espécies (Willis 1979).

"', bs alterações humanas drásticas da paisagem impli-cam que o resto do ambiente natural pode tornar-se pe-queno demais para abrigar espécies de animais que exi-gem um espaço mais amplo para sobreviver. Não é pos-sível preservar a avifauna oferecendo-lhe apenas sobrasde hábitat, p. ex. um sítio de poucos hectares, desrespei-tando mínimas exigências. A densidade populacional demuitas espécies é baixa, sobretudo na Amazônia. Tantomaior tem que ser a área a proteger para a sua preserva-ção.

'Manter aves voláteis em pequenas áreas ou lotes demata e campos primitivos, espaços entre terrenos culti-vados, impede-as de manter o ciclo biológico durantetodo o ano. Muitas espécies; após a reprodução, costu-mam empreender migrações locais, ligadas em geral àprocura de alimentos diferentes, como certas frutas e se-mentes cuja ocorrência pode ser local e varia durante oano.:.É o caso p. ex. dos tucanos, papagaios e cotingídeos.

Aves de grande porte, como muitos gaviões, não se fi-xam logo em um território. Durante os primeiros anosde sua vida, quando ainda não se reproduzem, peram-bulam numa vasta região, e também durante a repro-dução muitos rapineiros estão acostumados a voar paralonge a fim de encontrar presas adequadas. Para umgavião-real foi calculado na GuianaFrancesa um território de entre 100 e 200 km-.

No cálculo da extensão de uma reserva devem serconsiderados mais detalhes inesperados pelo leigo, comoP: ex. o seguinte: o pavó-do-mato, u od us scu umdos maiores e mais vistosos cotingídeos ameaçados, nãoencontra numa área limitada de mata a quantidade ade-quada de machos e fêmeas para completar sua coletivi-dade; as aves irão perder-se durante a procura malogra-da de mais companheiros.

Entre os representantes mais ameaçados de extinçãoestão as espécies maiores, como gaviões, aves cinegéti-cas, os grandes frugívoros (papagaios, tucanos, cotingí-deos, ete.) que vivem nas copas, e espécies do estratoinferior da mata que são "maus colonizadores"colonists, Terborgh & Weske 1969), como o cuculídeo

e certos insetívoros terrícolas, en-tre eles os formicarídeos maiores como as . Areprodução dessas aves diminui de ano para ano e não'compensa mais a mortalidade dentro da população, le-vando a espécie sucessivamente à extinção sem ocorrereventos dramáticos como destruição de hábitat e caça(Terborgh 1974). Os frugívoros são substituídos, até certoponto, por onívoros (tiranídeos como bem-te-vis; sanhaçuse pombínhas), espécies típicas para a orla da mata.

Verificamos que em restos menores de matasnão apa-recem mais formigas-de-correição, que, pelo seu efeitode levantar insetos e outros animalejos, tornam-se fonteimportante e até indispensável de alimento para muitasaves florestais (v. sob Formicariidae).

Há, em todas as espécies animais, inclusive nas aves,oscilações naturais, independentes de alterações antró-picas: aumento, declínio e extinção, freqüentemente de-vido a causas desconhecidas para nós. Tal processo podeser o esgotamento genético ou o desequilíbrio intra-es-pecífico e, no decorrer dos séculos, o resultado de mu-danças climáticas, como tantas vezes documentado napaleontologia. Ocorrem epizootias, capazes de erradicaruma espécie (veja sob Psittacidae).

Dentre os fatores limitantes que se impõem sob con-. dições ecológicas alteradas estão a escassez de lugar ade-quado para nidificar, como ocos em árvores de grandeporte, necessários p. ex. aos tucanos e papagaios. So-mem os grandes pica-paus, comoCampephiius oousius,devido à falta de madeira em decomposição de ondetiram seu alimento e onde fazem seu ninho. Pica-pausde tamanho médio, como ulus e enili , são me-nos atingidos. Dnjocopus / tus, do sul do Brasil, é es-pécie em retrocesso, ao passo que os pica-pauzinhos,

tornam-se até freqüentes, tal qual também naAmazônia o pequeno dendrocolaptídeoGl

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CONSERVAÇÃO 65

us. No caso de Campephilus influi o tamanhoconsiderável da espécie, que implica uma populaçãonormal de poucosindivíduos numa área relativamen-te extensa.Espécies grandes, como também psitacídeose gaviões maiores, facilmente dão a falsa impressão deformar uma população estável, enquanto existe apenasum ou outro exemplar (um casal) que, pela sualongevidade, é encontrado durante muito tempo, poden-do porém estar sem descendentes (sua reprodução é lentae baixa). Quando esses indivíduos morrem ou emigram,a espécie subitamente desaparece. Na avifauna neotro-pica1 existem muitas espécies de aves de tamanho mé-dio e até pequeno que são naturalmente raras. Sua per-petuação em áreas limitadas parece ser impraticáv~l~

3.4 oble s de conse o, especi ente n-, ni

O Brasil, desde o seu descobrimento, como costumaacontecer às nações novas, sofreu um processo dedesbravamento extrativista onde o machado e o fogoarrasaram tudo. O conceito de progresso e desenvolvi-mento significou durante séculos explorar ao máximo aflora e fauna silvestres. Valia unicamente conse~uir odomínio pleno do homem sobre omeio natural. E umamentalidade encontrada até hoje neste país. FormulouAb'Saber (1977b): "O brasileiro tem tido dificuldade, poruma razão ou outra, de conviver com uma paisagemonde sobreexistem florestas". Se, p. ex., alguém compraum sítio, o respectivo local tem que ser primeiramente"limpo" ("há perigo de cobras", em outras épocas eramtemidos os felinos e índios que se escondiam na mata)- as árvores então são cortadas. A floresta torna-se umempecilho que precisa ser erradicada. Faltam conheci-mentos da flora e da fauna. "Há que se alterar todo umcontexto cultural e social para que a população brasilei-ra, como um todo, passe a pautar seus atos por uma éti-ca de respeito à natureza." (Ibsen de G. Câmara). O con-flito entre o desenvolvimento e a conservação da natu-reza é um fenômeno geral a todos os países.

A região amazônica é única pelas condições ecológi-cas que apenas durante os últimos 40 anos tem sido es-tudadas e esclarecidas. As noções básicas da ecologialocal são até hoje pouco conhecidas. A falta de conheci-mento sobre como explorar racionalmente a região levaprojetos grandes ou pequenos ao fracasso. Vítima é afloresta equatorial neotrópica cuja conservação é hojeuma das primeiras prioridades na conservação da natu-reza mundial.

Para gente não esclarecida sobre' as condições espe-cíficas do Brasil e sobretudo da Amazônia, citamos maisalguns dados adiante, inclusive alguns sobre os índios esobre a economia local, conflitantes em alguns casos coma causa conservacionista.É válido que naturalistas queviajam neste país saibam cada vez mais sobre os proble-mas específicos regionais de conservação muitas vezesmal interpretados fora de sua região.

3.4.1 A FLORESTA AUTO-SUSTENTÁVEL

Foi descoberto, antes de qualquer discussão, a sur-preendente pobreza do solo da Amazônia em cerca de90% das matas de "terra firme". A floresta tropical úmi-da da Amazônia cresce paradoxalmente sobre um solopaupérrimo, muitas vezes composto de areia quase pura,tornando-se independente da fonte edáfica de nutrien-tes; a floresta usa o solo somente como meio de sua fixa-ção mecânica.

A floresta arnazoruca é um sistema em equilí-brio. Durante o dia, devido a fotossíntese, as fo-lhas sintetizam a matéria orgânica, absorvendo gáscarbônico e liberando oxigênio. Durante a noite asfolhas respiram, bem como os animais e m icro-organismos quando si:' dá o inverso da fotóssíntese.Assim resulta um equilíbrio entre os dois proces-O diurno e noturno.

Em outras palavras, a exuberância da floresta tropi-cal deve-se a ela mesma, que produz e recicla os nutrien-tes para sua auto-alimentação. As matas tropicais"autofágicas" concentram cerca de 90% dos nutrientesna 'sua própria estrutura(bíosfera), enquanto as matasde regiões de clima moderado conservam apenas 3% dosnutrientes na sua biosfera e tiram mais de 90% do solohumoso. Os nutrientes da mata são acumulados quaseque exclusivamente dentro da biomassa viva da flores-ta e estão sendo continuadamente reciclados, numa cir-culação fechada e constantemente repetida. A biomassaatinge seu clímax, sendo constante.

A densa folhagem das árvores protege o chão contraa erosão e contra um escoamento rápido superficial dasprecipitações, impedindo a compactação do solo e man-tendo a permeabilidade dele. As folhas aparam as gotasdas chuvas e deixam a água chegar ao solo em forma depingos ou de escorrimento ao longo dos troncos, emambos os casos com pouquíssima energia cinética. A .metade da chuva que cai sobre as florestas amazônicasresulta duma reciclagem regional. Pela alta evapo-transpiração desta floresta a outra metade das precipi-tações volta logoà atmosfera em forma de vapor d'águaque se condensa de novo e cai outra vez como chuva. Oenraizamento desta floresta é superficial, quase não atin-ge o lençol freático. A floresta depende da alta freqüên-cia de chuva. A evaporação consome bastante energiatérmica e, desta forma, abaixa a temperatura do ambienteflorestal.

Se a floresta tropical for eliminada (derrubada e quei-mada) as chuvas e a erosão levam logo os poucos centí-metros e s, provocando desertificação. Nota-se naAmazônia que em lugares de antiga agricultura, aban-donada há 10 anos, como na Transamazônica quase nãoexiste qualquer tipo de vegetação, enquanto em outraspartes do Brasil como no 'Sul com clima ameno, umaboa reconstituição de áreas desma tadas pode ocorrer em30 anos. A mata amazônica, cortada e queimada, nãovolta mais.

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66 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

3.4.2 BIODIVERSIDADE

Na volumosa biomassa produzida pela mata neotro-pical se encontra a maior diversidade de nichos e orga-nismos adaptados que nem somos capazes de conceber.Até há poucos anos avaliações do total das espécies deseres vivos existentes na Amazônia indicaram entre 1,5e 2 milhões. Novas estimativas, baseadas em extrapola-ções dos números de espécies novas, especialmente deinsetos, vão agora até 30 milhões. Como essas espéciesvivem um enredamento gigantesco no qual todas elasdependem direta e/ ou indiretamente uma das outras,como demonstra P: ex. a polinização da castanheira-do-Pará e holle e el uma das árvores mais caracte-rísticas da Amazônia, um dos gigantes formidáveis daAmazônia: a polinização é feita por uma só espécie deabelha. Nos meses nos quais a castanheira não floresce,a abelha depende da floração de outras árvores na flo-resta vizinha. Nas plantações de castanheira emmonocultura esta abelha não pode sobreviver aos lon-gos meses nos quais não há floração das castanheiras;elas crescem bem mas não frutificam. As abelhas se afas-tam dos castanhais artificiais e não conseg.uem retomar.

3.4.3 DESMATAMENTOS

odesmatamento e o fogopõem fim a maravilha queé a mata autofágica. Durante os últimos 50 anos aconte-ceram três grandes tentativas ou fases de reconquistada Amazônia, ameaçando grandes partes da região queantes pareciam ser inatingíveis. A construção daTransamazônica refletiu claramente o grande problemada explosão populacional: a ocupação da Amazônia porcolonos imigrantes, os "Sem terra". Houve a primeiragrande desilusão, não existiam suficientes solos férteise os poucos existentes eram aproveitados pelos índios.A Transamazônica tornou-se na boca dos colonos em"Transamargura", como eles mesmos disseram a nós naregião do Tapajós, Pará em agosto de 1979. Finalmenteas terras da Transamazônica foram abandonadas. Aolado da estrada não cresce mais qualquer tipo de vege-tação, senão algumas gramíneas invasoras; a floresta nãoretoma e em muitos trechos não é mais possível ver amata nem no horizonte.

Depois veio a fase das grandes fazendas'd~" gado. Pro-clamava-se oficialmente que a Amazônia seria a maiorregião de criação de gado bovino do mundo. Voltava amentalidade de progresso rápido que já dominara aAmazônia pelo fim do século passado, na época áureada borracha. Começou uma verdadeira segunda ondade conquista de uma parte da Amazônia que até então

não tinha experimentado a ação dos civilizados. A faltade compreensão dos problemas ecológicos, as práticasagrícolas agressoras ao meio ambiente e o descaso totalpela natureza, tornaram-se fatais. As facilidades propor-cionadas pelos incentivos fiscais da Superintendênciade Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e direcio-namentos de natureza política, portanto manobras pu-ramente econômicas na busca incessante do lucro fácillevaram fazendeiros e empresários de tedas as regiõesdo planeta para a floresta. A Amazônia estava sendo de-predada por uma concepção neocolonialista, que visa-va unicamente o desenvolvimento econômico, ou me-lhor, um simples enriquecimento de certos grupos, semlevar em conta os aspectos ecológicos, sociais e socioló-gicos - uma economia predatória impulsionada peloimediatismo.

A Volkswagen derrubou 2.000km2 para semear pas-tos e colocar bois. Parecia ótimo, mas poucos anos de-pois as culturas, inclusive os pastos, começaram a dege-nerar. Só então os "decision makers" se lembraram dasmonoculturas abandonadas de borracha(H sp.) emBelterra e Fordlândia, no Tapajós, Pará, na década de 20.Apareceram pragas antes desconhecidas e os solos tor-naram-se exaustos. Enquanto antes constava oficialmen-te que a pastagem melhorava o solo na Amazônia e sub-sidiava a formação de novas pastagens, foi registradomais tarde em Rondônia que um pasto com três anosproduz o dobro do capim que um pasto de 12 anos: ofósforo diminui bastante e ocorre forte compactação eerosão do solo (Fearnside 1989).

Ninguém queria confessar o fracasso. Estragos fo-ram classificados oficialmente como benfeitorias. Da flo-ra e fauna sacrificados ninguém falou. A Volkswagenvendeu a área depois de 10 anos de tentativas malogra-das. Na região a agricultura tem vida de dois a três anos,a pecuária de cinco a oito anos. A pecuarização da Ama-zônia é impossível. Nenhum benefício real foi computa-do para a Amazônia, todo o lucro foi exportado, fican-do no local uma destruição triste, para sempre.

Ao mesmo tempo da avalancha de grandes emprei-teiros, imigraram para a Amazônia milhares de sulis-tas, mineiros e nordestinos sem terra à procura da flo-resta prometida. Associa-se muita gente que "sobrou"da mecanização das grandes culturas no sul aos garim-peiros na busca incessante do "Eldorado", Só o governode Rondônia registrou mais de 50 mil pessoas por ano(dados de 1988), que chegaram ao Estado abandonandosuas atividades originais de produtores ou trabalhado-res da cultura do café, arroz, milho, feijão, borracha eoutros produtos. A explosão populacional'' no Brasil é averdadeira e crescente ameaça à natureza, flora e fauna.

6 O Brasilestá entre os países mais populosos do mundo que registram as maiores taxas de crescimento (semelhante às da Chinae às da índia). Nos últimos 40 anos a população do Brasil triplicou: em 1950constavam 51.941.397habitantes, em 1989 foramestimados 150.051.784habitantes. [Dados do IEGEindicam que o crescimento da população no período 1970a 1980foi de 2,48porcento ao ano. No período 80 a 91 foi de 1,93por cento ao ano. Esta queda foi devida à redução da taxa de fecundidade da mulherbrasileira que no período acima considerado reduziu-se de 4,4 filhos por mulher para 2,7 filhos por mulher (P.S.M. Fonseca).]

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CONSERVAÇÃO 67

A constante migração não controlada de populaçãopara a Amazôni~ aumentou constantemente as taxas dedesmatamento. E, aliás, muito divulgado que na Ama-zônia os fazendeiros desmatam, queimam e plantampastos para assegurar a posse da terra impedindo queoutros possam fazê-lo, como p. ex., posseiros, grileirosou o Estado (Reforma Agrária).

Quanto ao uso do fogo no Brasil tem que ser ditoque o ~gricultor ou pecuarista deste país quase não co-nhece outro tipo de manejo da terra se não o fogo. Ofogo exerce um verdadeiro fascínio tendo a maior po-pularidade, a começar com os balões iluminados de SãoJoão que levam fogo como combustível. Quando caemos balões ameaçam o meio ambiente em qualquer partedeste país. Infelizmente este pseudo-espetáculo se repe-te todos os anos, ignorando asproibições. Sendo o ma-nejo da mata feito oficialmente por intermédio do fogo,o próprio governo contribuiu decididamente na incrí-vel destruição da Amazônia quando, p. ex., por inter-médio do Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária (INCRA) providenciou o preparo da infra-es-trutura viária em Rondônia: derrubando a mata pelosprocessos mais rudimentares antes de mandar queimartudo. Rondônia tem, ou será que tinha, uma das faunasmais ricas do Brasil, inclusive aves.

Justamente em Rondônia ocorreram verdadeiras ex-plosões de desmatamentos e queimas de forma expo-nencial, dobrando a cada ano. Falou-se de uma taxa dedestruição de 35 mil km2 ao ano - área muito maior doque a Bélgica (citada em protestos internacionais) quepossui somente 25 milkm-, Esses cálculos, feitos peloInstituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sãodiscutíveis. Interferem na análise queimas de cerrado,capoeiras e pastos. Consta que a concentração de gasesna atmosfera de São Paulo, resultado da queima da cana-de-açúcar, pode ser até maior do que aquele acima paraa Amazônia.

Para acelerar o processo de secagem da mata antesde queimar foi usado inclusive (p. ex. no [arí, Pará) odesfolhante "agente-laranja", um veneno de incrívelpoder destruidor usado na guerra do Vietnam. Ninguémpode imaginar o horror que representam os desfolhantespara os animais, que ficam cegos antes de morrer; de-pois, a fauna toda, viva ou morta, é queimada, da lagar-tixa no solo até a ave e o macaco na galhada. Tantas ve-zes nem as madeiras de lei são aproveitadas. As quei-mas no [arí-foram tão.intensas que causaram fortes tem-pestades elétricas a 10 km da zona da ação. Em 1986 osatélite registrou uma fumaça compacta de 65.000 km2

sobre a Amazônia, produzida pelas inúmeras queima-das. Os jornais escreveram: "O Brasil vulcão" e "guerrade fogo". Foi descoberto um buraco na camada de ozô-nio sobre a floresta amazônica, semelhanteà um tal bu-raco registrado sobre a Antártica. Está sendo estudada acontribuição do desmatamento para o efeito estufa, naAmazônia: Um grupo da NASA verificou que as vár-zeas amazônicas naturalmente inundadas periodicamen-

.te todos os anos, são grandes fonte do metano na atmos-fera. O metanoé um gás muito importante no caso doefeito estufa. Inundações maiores antrópicas da várzeapoderiam duplicar a produção de metano levando aimpactos globais.

No Brasil central a multidão de queimadas produzna época seca (junho a setembro) a "bruma seca". Todosos aeroportos são fechados periodicamente. Tal brumano Brasil central prejudica a fauna e flora uma vez queimpede a produção de orvalho que ocorre apenas emnoites claras. O orvalho é a única fonte de "precipita-ção" nessa época, vital para plantas e animais e alíviopara nós.

3:4.4 HIDRELÉTRICAS

Outro empreendimento que ameaça a integridade daAmazônia é a construção e instalação de hidrelétricas.Na tentativa de aumentar o potencial elétrico instala-seuma grande usina hidrelétrica após a outra, implicandona inundação de imensas áreas. O primeiro grande exem-plo, ainda fora da Amazônia, foi o reservatório da ItaipuBinacional, na divisa com Paraguai. Sendo seis vezesmaior que a deAswan (a maior do mundo, anteriormen-te) foi destinado a inundar aproximadamente 1.360km2.

As bacias de inundação das usinas hidrelétricas naAmazônia tantas vezes nem chegaram a ser desmatadas,os responsáveis pela obra, agindo sob pressões políti-cas, nem esperam o fim dos necessários estudos topo-gráficos e pluviométricos. Inunda-se as áreas com a flo-resta alta ainda de pé; calculou-se, no caso da usina hi-drelétrica de Tucuruí, Pará, represamento do rio Tocan-tins, Pará, 5,5 milhões de metros cúbicos de madeiraperdidos, um inaceitável desperdício de recursos natu-rais. Esta usina custou 6 bilhões de dólares, dinheirosuficiente para priorizar apenas o lado econômico doprojeto. Em Tucuruí foram inundados 2.430km2, um ver-dadeiro desastre ecológico; a decomposição da massade substância submersa produziu gás sulfídrico queinterferiu severamente na fauna e na população ri-beirinha cabocla e índia, bem como na corrosão do açodas turbinas, neste último caso um problema de ordemeconômica.

,. ~_I"" .

A usina de Balbina (gerando pouca energia elétricapara a cidade de Manaus, Amazônia) que por sinal, pos-sui 150km de comprimento, afogou 2.346km2 da calhado rio Uatumã, e uma parte de área indígena. AELETRONORTE que instalou Balbina, defendeu queilhas iriam diminuir o impacto para com afáuna: osanimais iriam se refugiar nas ilhas mantidas proposital-mente ao invés de se afogarem - tolas especulações deleigos. Na realidade essas ilhas duplicaram o impactodo reservatório sobre a fauna, uma vez que os animaisque para elas se dirigiram, acabaram morrendo, em pro-cessos intercompetitivos num espaço limitado. O balan-ço total do projeto foi apresentado como benefício àsespécies vegetais e animais da região quando realmente

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OS impactos ambientais foram altamente nocivos, sen-do a extensão desses impactos incalculável.

O plano de construir sete hidrelétricas na área doXingu, Mato Grosso/Pará foi apresentado pelaELETROBRÁS ao governo Federal como "o maior pro-jeto nacional do fim desse século e início do próximo".Em 1985 foram anunciados 76 projetos de barragens naAmazônia previstas para até o ano 2010. Falando orgu-lhosamente de progresso e desenvolvimento tornam-seesses entusiastas os coveiros da Amazônia.

Argumentar no caso da ocupação da Amazônia como fato de que a Amazônia é muito grande para ser des-truída, significa subestimar perigosamente a modernatecnologia. Para tornar nítida a rapidez com que se des-trói a natureza, citamos o bom e forte exemplo da moto-serra: leva-se três minutos e meio para cortar uma árvo-re que se desenvolveu em 100 anos ou mais. Entretantoa moto-serra é muitíssimo superada pelos desma-tamentos com tratores e queimadas. O maior perigo sãoos grandes interesses envolvidos na continuação dosprocessos predatórios, protegidos pela permissividadedas autoridades responsáveis. Continuando a progres-são atual de depredação, a Amazônia deverá ser des-truída em 50 anos.

3.4.5 SIDERÚRGICAS, NECESSIDADE MUNDIAL DE

MADEIRA

Um dos problemas mais sérios que ameaçam a re-gião do baixo Arnazorias é o uso ilimitado de carvão

vegetal, capaz de se alastrar por toda a Amazônia, empouco tempo: combustível dos fornos que transformamo minério deCarajás em ferro gusa para a exportação. Aquantidade de ferro em Carajás é de 18 bilhões de tone-ladas; para somente 2,8 milhões de toneladas de ferrogusa são necessários 1.000 km2 de floresta queimada.

Existem na área do baixo Amazonas inúmeros ou-tros projetos, como fábricas de cimento, todos pressu-pondo O uso de carvão de madeira. Milhares e milharesde serrarias são montadas, a cada ano, na região. Os pre-ços da madeira nos mercados internacionais vem subin-do constantemente. sobretudo em função de estarem aca-bando as últimas florestas do sudeste da Ásia. Um novoperigo para as matas da Amazônia ocidental seria pro-longar a Transamazônica na direção de Pucallpa, Perupassando pelo Acre, estabelecendo uma ligação diretaao Pacífico, facilitando muito a exportação das madei-ras de lei ao Japão. A pressão sobre a floresta amazôni-ca, como podemos antever, tende sempre a aumentaratravés dos mais diversos empreendimentos,

Fala-se agora de uma plantação em grande estilo dena região do baixo Amazonas, melhor fonte de

carvão de madeira,pára ser comercializada após 16 anos(v. também sob reflorestamento).

3.4.6 PRESENÇA DE íNDIOS

O fato de que no Brasil existem "ainda" índios? criaproblemas: O caso mais citado é aquele da ocupaçãodesordenada da Amazônia onde os índios e seus territó-rios não são respeitados. Os intrusos brancos que se sen-tem importantes como "desbravadores" querem "lim-par" as áreas de seringueiros, castanheiros, índios e ou-tros pequenos posseiros. A situação iguala francamenteà uma guerra local,à bala, à fogo e até com veneno en-volvido. Aconteceu no Xingu, Pará, o seguinte: para re-tirar caboclos e seringueiros, os imigrantes invasoresbloquearam seletivamente os castanhais e seringais, sus-tento dos residentes tradicionais, com Tordon, um ve-neno-herbicida violento, aparentado ao Agente Laranja(os pequenos aprendendo com os grandes, v-acima) aca-bando por expulsá-los. Compare com a ética dosKaimurá, índios não civilizados do alto Xingu, MatoGrosso: para nós o mel das abelhas existe para servir-nos, enquanto os Kaimurá consideram o mel proprie-dade privada das abelhas, portanto, o homem ou pedelicença para usá-lo ou-comete um furto. Os invasores serecusam a admitir a idéia de que os indígenas são osverdadeiros senhores da terra na Amazônia.

Os índios, culturas "primitivas" milenares sediadasna Amazônia, de origem ainda discutida (oceânica/ja-ponesa/asiática, imigrados através do Pacífico, comosugerem elementos lingüísticas) são considerados obs-

táculos quando são planejadas rodovias, hidrelétricasetc. As terras férteis dos índios e as jazidas minerais nosubsolo de áreas indígenas atraem os intrusos. Em Ro-raima, em pleno território Ianomami, trabalharam em1989, de 10 a 20 mil garimpeiros. A presença dos índiosnão deve ser um impedimento para criação de ParquesNacionais, sob o pretexto de que os indígenas podemser transformados em instrumentos da ação de madei-reiros, como ocorre no caso dos Pataxó no Parque Nacio-nal de Monte Pascoal, Bahia.

Quando penetramos em 1947 na área do alto Xingu,Mato Grosso, encontramos uma dúzia de tribos de .1P-dios, todos eles ainda nas suas aldeias originais, firme-mente aderidos à sua cultura milenar como autóctonesdeste continente. Nem os missionários, supérfluos nes-se ambiente, tinham acessoa região. Encontramos a flo-ra e a fauna intocadas. Reinava ainda o perfeito equilí-brio entre indígenas e seu ambiente natural: um verda-deiro testemunho de um Brasil do descobrimento, comohá 500 anos atrás.

Uma situaçãoquase parasidíaca como não foí possí-vel perpetuar num tempo de desenvolvimento moder-

7 Calcula-se atualmente (1989)que existem 136.400índios naAmazônia. No século XVIviviam na Amazônia aproximadamentedois milhões de indígenas puros, segundo estimativas de antropólogos.

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CONSERVAÇÃO 69

no. Criou-se em 1961 o Parque Indígena do Xingu. En-tretanto a área do alto Xingu é ameaçada pelos mesmosproblemas de outras regiões da Amazônia, são, p. ex.,planejadas várias hidrelétricas no território dos índios.

Para o naturalista o índio, excelente observador danatureza, suas complexas relações com seu hábitat, é ricafonte de informações sobre assuntos da fauna e da flora.Os nomes de bichos e plantas em língua Tupí, usadospelos índios atuais, são os mesmos conhecidos desde otempo da descoberta do Brasil pelos portugueses, cons-tando em muitas publicações. O ornitólogo aproveitado conhecimento dos indígenas p. ex. na procura de cer-tas aves de encontro difícil. Os adornos de penas(plumárias) revelam a ocorrência de espécies notáveis edocumentam, ao mesmo tempo, o alto instinto de bele-za dos aborígenes (v. pr. 46).

Está se formando um grupo que trabalha com etno-biologia. Citamos A. A. [ensen, 1985, tese na Universi-dade de Campinas, SP, "Sistemas indígenas de classifi-cação de aves". O sistema zoológico é visto pelos índioscomo conjuntos formados por uma espécie padrão ("che-fe") e um reino de outras espécies, situadas estas a dife-rentes distâncias, segundo seu grau de semelhança como padrão. Os agrupamentos se comparam favoravelmen-te com descontinuidades naturais de aves, reconhecidasna sistemática Lineana, Há diferenças interessantes noconceito de vários grupos de índios.

Impressiona o conhecimento perfeito da fauna útilpara os índios (p. ex.Kaiapó), como abelhas sociais semferrão (Meliponinae); reconhecem praticamente todas asespécies, classificadas por detalhes ecológicos (Camargoe Posey 1984). Entre os caracteres indicados pelos índioscomo diagnósticos para separar certas qualidades deabelhas, consta o cheiro. Lembramos que em aves doBrasil apontamos também o cheiro típico de certas fa-mílias como surucuás (Trogonidae), bacuraus(Caprimulgidae) epapagaios (Psittacidae). Qualquerespécime vivo ou recém-morto dessas aves pode seridentificado como pertencente a uma dessas famíliaspelo cheiro particular da sua plumagem ou carne.

É surpreendente que uma iniciativa, parecendo pri-meiro só sensacionalismo, chamou a atenção do mundopara os problemas da Amazônia: o músico inglês Stinglevou em 1988 o índioKaiapó Raoní a 17 países do he-misfério norte para chamar a atenção do mundo para aAmazônia e obter ajuda. Neste conexto foi criada a Fun-dação Mata Virgem, ligada a um programa educativo.Em dezembro de 1989 a campanha arrecadou dois mi-lhões de dólares, destinados à demarcação de reservasindígenas.

Aqui não é o lugar para entrar em mais detalhes so-bre os indígenas. É importante para nós apresentar osíndios como uma parte integrante da região amazônicareclamando para eles toda a atenção. Podemos apren-der ainda muito com os índios e devemos por razõeséticas trabalhar no salvamento desses povos tradicio-nais tão ameaçados. pela civilização.

3.4.7 A AMEAÇA À FAUNA AMAZÔNICA,

ESPECIALMENTE AS AVES

Ainda não temos elementos suficientes para falarsobre a destruição da avifauna amazônica. Citamos apropaganda enganadora da ELETRONORTE, constru-tora das represas na Amazônia, sobre o "benefício" dasilhas da hidrelétrica Balbina. Foi calculado que a avi-fauna da região de Balbina, constituída de aproximada-mente 400 espécies de aves (Willis& Oniki 1988), foiquase integralmente exterminada, inclusive umformicarídeo muito raro, spho o .

Sempre aparecem mais ameaças. Assim, p. ex., a área.da Cachoeira Nazaré, no rio [iparaná, em Rondônia,onde recentemente uma equipe americana realizou umapesquisa exaustiva, verificando que a avifauna é extre-mamente rica, será inundada.

As notícias em jornais e revistas sobre ações de sal-vamento da população animal por ocasião da fase críti-ca de fechamento da barragem, não vão além do sensa-cionalismo. No caso de Itaipu, BrasiljParaguai, p. ex.,anunciou um jornal "10.000 animais resgatados, agora afesta". É a pior demagogia. Os animais resgatados sol-tos na mata mais próxima, precisam disputar com asespécies residentes, aumentando o impacto predatóriona área. Não se fala das centenas de milhares de ani-mais massacrados.

A bem conhecida' distribuição limitada de certas avesamazônicas, como, p. ex. Formicariidae, faz prever aextinção de espécies e subespécies, restritas p. ex., aosinterflúvios.

Também a fauna aquática deve ser muito atingidapelo represamento de rios, fragmentando-se a coerên-cia do sistema potâmico do Amazonas. A piracema, asgrandes migrações regulares de certos peixes para as nas-centes dos rios, são interrompidas.

É surpreendente que no terceiro ano após o enchi-mento de Turucuí, Pará, os registros de capturas de 12espécies de peixes comercialmente importantes, se mos-trararn semelhantes aos da fase de pré-enchimento.

3.5 l e de

A Mata Atlântica é, ao lado da Amazônia, o outrofoco principal da conservação, no Brasil. Ela penetra nointerior do continente em distâncias variáveis, chegan-do a ultrapassar as fronteiras do país na regiãomissioneira (Argentina) e no sul do Paraguai.

Constituindo a mata atlântica uma muralha vegetalao longo da costa, dificultou no passado a penetraçãodo colonizador ao interior. Encobrindo solos de boa qua-lidade para a agricultura, possibilitou plantios extensi-vos de café e cana (mais recentemente trigo, algodão esoja) além de bananas. Deu igualmente bom solo para apecuária e possuía espécies arbóreas de alto valor co-mercial. Assim as florestas atlânticas estavam fadadas

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ao desaparecimento, resultando uma destruição quasetotal.

No século XVII, Maurício de Nassau (v. História) jáse preocupava com o destino das então exuberantesmatas costeiras do Nordeste - justamente o local onderegistramos agora a extinção de um mutum. Hoje, namaior parte, os resíduos florestais são pequenos frag-mentos disjuntos, floristicamente empobrecidos nosquais se torna difícil discernir sem estudos botanicamen-te mais aprofundados, as matas primitivas daquelas se-cundárias. A superfície total remanescente da mata atlân-tica é estimada entre um e cinco por cento da extensãooriginal. O Estado de São Paulo que praticamente tinhatoda a sua extensão cobertapo mata atlântica, possuíano ano de 1911ainda 64,7% (originalmente mais de 81%)da sua superfície cobertos de mata. Em 1919 a per-centagem baixou a 15,6% e hoje a 3%. A MataAtlânticaera uma área de 1,1 milhão de quilômetros quadrados.É admirável, portanto, que ainda não presenciamosa extinção de várias aves.

Até quase o final da 'primeira metade do séculoatual, grandes espaços de matas primitivas ainda co-briam parte do Nordeste, do sul da Bahia e de vastas

.parcelas dos territórios do Espírito Santo, Rio de Janei-ro, Minas Gerais, São Paulo,Paraná e Santa Catarina,conservando relativamente bem a avifauna. As derru-badas se aceleraram desde então, com a facilidade depenetração, propiciada pelas novas estradas queà épo-ca se construiam. Ao mesmo tempo o tremendo aumen-to da população, o avanço agropecuário e o processoacelerado de industrialização abriram novas fronteiras.O pior eram os incentivos fiscais em prol de reflores-tamento com espécies exóticas para fins energéticose industriais. Eram autênticos incentivosà destruição.

Finalmente foram poupadas apenas florestas nasáreas em que a topografia acidentada tornou difícil ouanti-econômica a exploração agrícola e a pecuária. Mes-mo nessas áreas a caça e o extrativismo ilegais de pro-dutos florestais (como madeira, o palmito, o xaxim e asplantas ornamentais) continuou, como também a ocu-pação de terras por invasores e a especulação imobiliá-ria nas proximidades das áreas urbanizadas ou melhorservidas de transporte.

A fauna, quando não se tratava de espécies mais vis-tosas (como grandes Psittacidae, Ramphastidae,Trcigonidae e Galbulidae) e, naturalmente; cinegéticas,sobreviveu por enquanto relativamente bem nas ilhasde vegetação primária ou regenerada, restos deecossistemas fragmentados, separados por grandes ex-tensões de pastos e áreas agrícolas ou urbanizadas. Numfuturo próximo vai ser óbvio que em muitos casos asespécies assim isoladas não atingirão mais ou estarãomuito próximas o tamanho mínimo tolerável para quesubsista, em face do perigo da consangüinidade ou pelasimples falta de indivíduos existentes. Várias espéciesou subespécies dos mico-leões( eontopithecus sp.) foram

testadas nesse sentido,in siiu e, como medida extrema,e siiu, vale dizer: na natureza ou em cativeiro. O mico-leão-dourado (L. s li ) cujo hábitat natural chegou aser reduzido a uma minúscula parcela da baixada lito-rânea fluminense, está hoje em situação satisfatória, comuma população em cativeiro mui to superioràselvagem.

Quanto às aves, o mutum-do-nordeste ,em Alagoas, é o representante mais ameaçado: sua so-brevivência em natureza não é mais garantida. E, infe-lizmente, a intervenção humana, a criação em cativeiro,também não dá resultado satisfatório neste sentido; aextinção da espécie parece ser inevitável. Outro cracídeo,o mutum-do-sudeste C bl ii, muito ao con-trário, mantém uma boa população silvestre no EspíritoSanto e reproduz com toda facilidade em cativeiro, per-mitindo pensar em repovoamentos. Os últimos, na maio-ria dos casos, hoje nem podem ser executados mais porfalta absoluta de locais suficientemente preservados e

. fiscalizados.

Somos cientes de casos de extinção de aves do Brasilmesmo apenas no mutum-do-Nordeste e na arara-azul-pequena ( od nchus gl no extremo sudoeste.Este balanço negativo deve ser aumentado na mata atlân-tica e na Amazônia até o fim deste século em conseqüên-cia da brutal destruição das matas equatoriais.

Felizmente as regiões outrora abrangidas pelas flo-restas atlânticas ostentam um elevado número de uni-dades de conservação federais e estaduais, cobrindo po-rém, áreas relativamente pequenas e com os males crô-nicos de quase todas as unidades de conservação destepaís: falta de regularização fundiária, populações hu-manas residentes no interior de reservas e deficiênciade fiscalização. Uma das melhores reservas existentes éo conjunto de Sooretama e a reserva vizinha da Compa-nhia do Vale do Rio Doce no Espírito Santo. Também lájá houve sérias perdas: em 1939 viveu ali ainda ajacutinga e a arara-vermelha( chlo opt

O Parque Nacional do Iguaçu (170.080 ha),Paraná,representa uma das maiores extensões contínuas preser-vadas de floresta; por enquanto é capaz de sustentar umapopulação geneticamente viável do jaguar(

ís).

Na distribuição das unidades de conservação exis-tentes o pinheiral, as matas da está represen-tada. Existem bons pinheirais nos parques nacionais dosAparados das Serra (10.250ha), Rio Grande do Sul/SantaCatarina, e de São Joaquim (33.500 ha), Santa Catarina oúltimo muito desvalorizado pela falta de regularizaçãofundiária e a existência de várias serrarias trabalhandodentro do parque,

A floresta de calcá rio, a chamada mata seca, flores-tas semi-decíduas sobre solos derivados de calcário, doBrasil central (Bahia,Coiás) estão muito ameaça das pelaindústria carvoeiraa. M. C. da Silva). Uma espécie deave interessante aí encontrada é o beija-flor

te us l gipennis tinensis.

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3.6 ento e dependên d[auna.

ese o bient l

No Brasil o reflorestamento é um problema comple-xoedifícil. Existem dois tipos de reflorestamento: o plan-tio comercial e o plantio "ecológico" que significa plan-tio com essências nativas:

Quando se fala no Ér~~ilem reflorestamento, suben-tende-se quase sempre o reflorestamento comercial. Estese consegue muito bem com vegetais exóticos, geralmen-te espécies de e E l também e ou-tros, todos com um desenvolvimento rápido. Assim sãoproduzidas as "matas energéticas" que são mesmo uma'fábrica de madeira. As plantações de são os maisvalorizados.É da maior importância aumentar essas-flo-restas artificiais homogêneas para salvar as matas natu-rais, cada vez mais devastadas. Constou em setembrode 1989 que apenas 20% dos 36 milhões de metros cúbi-cos de carvão vegetal consumidos anualmente no Bra-sil, eram de eucalipto ePinus, sendo o restante originá-rio da devastação de florestas nativas.J impressionante como uma mono cultura exótica,

como uma plantação de no Brasil, equivale, emmatéria de fauna, praticamente a um deserto: falta to-talmente a rica fauna neotropical que depende da maiorriqueza em nichosecológicos a começar por um rico sub-bosque que costuma faltar por completo nessas áreas.Fala-se, em círculos de naturalistas, mesmo de umadesertificação do Brasil com os eucaliptais e matas de

. "as matas de silêncio".É interessante notar queelliottii, introduzido naAustrália, mostra-se tam-

bém, aí, completamente inútil para a avifauna local(J.Forshaw). Não hácondições, nem interesse, em trazer afauna característica das matas de ou eucalipto dohemisfério setentrional ou da Austrália (Psittacidae),respectivamente, como foi sugerido.

Entretanto, certos vegetais exóticos, como a palmei-ra t quando frutificam, são procuradís-simas por aves brasileiras, p. ex.

, etos oitellinus (Espírito Santo). O néctar do

l atrai beija-flores. Na magnólia-amarelada Ásia, registramos no Brasil 14

espécies de pássaros, de7 famílias diferentes comendosuas frutinhas, Assim vegetais exóticos podem se tor-nar bastante procurados por aves brasileiras.'

Na parte principal do livro damos os nomes de mui-tas plantas cujas flores, frutas e sementes servem paraatrair e alimentar aves selvagens. Pode-se coletar as fe-zes de aves e semear as sementes; muitas árvores e ou-tros vegetais vieram dessa origem. Um modo simplespara conseguir as fezes é coletá-Ias d ur ante osanilharnentos, sobretudo quando se trabalha com redesde neblina. Nessa oportunidade pode-se também em-pregar o método de provocar a regurgitação de aves ouaté uma lavagem do estômago para examinar o alimen-to justamente ingerido (utilização de eméticos, Tomback

1975). Na bibliografia constam trabalhos sobre plantasatrativas para aves, como os de Kuhlmann& [imbo(1957).

! ,.s matas nativas são chamadas pelos economistasbrasileiros "matas improdutivas". A tremenda variaçãode espécies de árvores por hectare na mata neotrópica,impossibilita um aproveitamento econômico como oabastecimento regular das serrarias locais. Esta foi a ra-zão que no[arí o empresário americano Ludwig paraproduzir papel, plantou milhares de hectares daverbenácea i procedente da Ásia e s

. Hoje o mesmo esquema tem sido usado no bai-xo Amazonas: plantação de , mas em lugares jádesmatados antes.

Até há poucos anos o Código Florestal Brasileiro per-mitiu, oficializou, substituir matas nativas pelo plantiode florestas homogêneas formadas por essências exóti-cas "com a finalidade de obter-se rendimento econômi-co". Foram dados incentivos fiscais em prol de reflores-tamentos com espécies exóticas "para fins energéticos eindustriais". Isto representou o fim da Mata Atlânticada qual restam 1 a 5%, bioma único no mundo, recupe-rável até certo ponto ao contrário da floresta tropicalúmida, da Amazônia de difícil regeneração.

.Existern boas iniciativas para procuraralternativasnacionais que substituam satisfatoriamente os vegetaisexóticos: existem muitas espécies florestais nativas (amaioria pertencendoà família Leguminosae) que podemser tão produtivas çomo eucalipto ePinus, e, em muitoscasos, produzem madeira de melhor qualidade, além deser de crescimento rápido e não deixando os solos esgo-tados, mas enriquecidos (através da simbiose com bac-térias fixadoras de nitrogênio do ar), e representando,ao mesmo tempo, o hábitat adequado para a fauna au-tóctone.

lAl gl:"tmasLeguminosae que melhoram o solo e bene-ficiam o desenvolvimento de um rico sub-bosque (ge-ralmente não existente nas monoculturas exóticas), in-dispensável à fauna local, sobretudoà avifauna, são:jacarandá e nig ), pau-brasil se t pau-ferro (C. e , angico e spp.),molungu spp.) e a bracaatinga

, v. sob beija-flores), a última sendo de cresci-mento rápido.

Os constan:tes desmatamentos e queimadas que ~emsofrendo a Área de Preservação Ambiental da Serra daMantiqueira em São Paulo levaram os pilotos a se trans-formarem em fiscais alados. Foram lança das semen-tes do pinheiro do Paraná gusti dosaviões colaborando com o reflorestamento da região,até o momento preservada apenas no papel.

',; 3.7 , bi

_I.:alamosacima sobre a poluição atmosférica cau-sada pelas queimadas. No Brasil a primeira indicação

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72 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

sobre a existência de uma severa poluição do ar, veiodo interior de Minas Gerais onde, em Congonhas, osdoze profetas, elaborados em pedra sabão pelo mestreAleijadinho, estariam em processo de degradação ace-lerada.

Existem novas pesquisas sobre o depósito de metaispesados encontrados em aves. Impressionam os resíduossuspensos no ar achados nas penas(v. figo27). Trata-se,especificamente, do depósito de chumbo e cádmio naspenas de vôo (rêmiges e retrizes) uma vez que são aspenas que têm o contato mais intensivo com a atmosfe-ra (Ellenberg 1981, Hahn 1989). Assim aves tornam-seimportantes biomonitores (bioindicadores) no controleda poluição do ar._

As aves constituem elos finais de cadeias alimenta-res, tendendo portanto a concentrar metais pesados a-través da alimentação. Foram determinados teores demercúrio e zinco incorporados ao tecido muscular detrinta-réis e S. avespiscívoras, nidificando nos pilares da ponte Rio-Niteróique atravessa a baía da Guanabara (E.P. Coelho, V S.Alves)._

As amostras de gordura e de sangue, a serem anali-sadas, podem ser retiradas de aves vivas (capturadas),não havendo necessidade de sacrificá-Ias.

Na Europa e nos EUA (no Brasil também deve ocor-rer tal fenômeno), há um grande dec1ínio de aves de ra-pina que se alimentam principalmente de aves e peixes(não de roedores), nos quais encontram-se acumuladosresíduos de inseticidas (fim da cadeia alimentar). Umaestatística feita na Alemanha deu o seguinte resultadoda cadeia alimentar: plâncton0,04ppm (partes por mil);,pequenos peixes servindo como alimentos de aves aquá-ticas 0,17-1,23ppm (peixes de água doce podem alcan-çar mais de10ppm); trinta-réis 3,15-5,17ppm; pato-mer-gulhão 22,8ppm. Os pesticidas, comoo DDT, ingeridos com o alimento, são depositados prin-cipalmente na gordura (não na musculatura) e nos ovos.

A crescente poluição de rios transformando-os emesgotos a céu aberto, levaà expulsão de aves como osmarfins-pescadores, mergulhões, trinta-réis e andorinhascomo As águas das barragens tor-nam-se tóxicas pela falta de oxigenação. A poluiçãoagrotóxica, composta 'p'or fungicidasyherb icid as,pesticidas, inseticidas e carrapaticidas, se associaà po-luição com restos de derivados de petróleo, eà poluiçãoindustrial.' .

A poluição da água, problema em escala nacional,pode ser decorrente da fabricação de álcool etílico, doqual sobram grandes quantidades de vinhoto (tambémconhecido como vinhaça, restilo ou calda de destilaria),substância altamente tóxica para a fauna e a flora, amea-çando p. ex. o Pantanal de Mato Grosso. A primeiramortandade de peixes no Pantanal por causa de umadessas usinas ocorreu em setembro de1981, atingindotributários dos rios Aquidauan~ e o Miranda, dois dosrios pantaneiros mais piscosos..--

Enquanto o problema do vinhoto ainda não estavaresolvido (falou-se de novas tecnologias para desenvol-ver biodigestores do vinhoto) foi chamada a atenção paraoutro problema sério de poluição no Pantanal, mas tam-bém no Tapajós, Pará, e em Roraima: foi registrada umaalta contaminação dos rios por mercúrio pela intensagarimpagem em conseqüência da nova corrida do ouro.

o 0,1 0,2 0,3 [mgfkg] Cd

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Fig.27. Depósito de cádmio numa rectriz (sexta)depombo, do ic Original, E. K.Hahn.

No garimpo dePoconé, Pantanal, recentemente funcio-navam mais de700 dragas diariamente. Aparelhos quetiram a areia do fundo do rio, as dragas assoream osrios (os rios anteriormente largos se transformam emcórregos rasos e sujos). O uso do mercúrio garante umrendimento melhor na produção de ouro através da téc-nica atualmente usada em larga escala. Análises de se-dimentos no garimpo de Poconé acusaram21.9microgramas: 44vezes mais do que o admissível; a águadeu até8.5 microgramas: 425 vezes mais do que o nor-mal. O índice de mercúrio nos peixes do rio Paraguai(onde deságuam os rios vindo do Pantanal) tornou-sealtíssimo: a água envenenada já tem chegado a outraspartes do Pantanal.

(A poluição maior da água ocorre nos manguezaisdevido a muitos projetos industriais e habitacionais. Amaior concentração de metais pesados e agrotóxicos éregistrada na região de Cubatão(já designada "a cidademais poluída do mundo") onde existe ainda conformeinformações recentes e surpreendentes o guará

e .! Os biocidas, produtos quecontêrn Aldrin, usados em

larga escala, matam tanto os insetos úteis como os dani-nhos e seus inimigos naturais; afetam as aves, os mamí-feros e o próprio homem, A aplicação indiscriminadade inseticidas é de praxe nas regiões de grandes mono-culturas de soja e trigo, como no Rio Grande do Sul.Entre as primeiras aves eliminadas estão os tinamídeos

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CONSERVAÇÃO 73

campestres, codorna e perdiz, pois engolem as semen-tes inteiras, sem triturá-Ias, semelhante às pombas.'

muitos anos A. Ruschi (1950) publicou grandeslistas de aves mortas por pulverizações com BHC, noEspírito Santo; verificou, no mesmo local, que os inse-tos, necessários para a polinização de um grupo de maisde cem mangueiras, foram praticamente todos extermi-nados, resultando que não foi produzido um só fruto.

Pela pulverização de biocidas, efetuada por aviões,são sacrificados urubus e saracuras, fato comprovadona Colômbia, bacuraus no Chile, corujas(Otus) nos EUA,aves insetívoras por excelência. No Suriname ocorrerammortandades de peixes após a aplicação de NaPCP emarrozais para reduzir os caramujos Após essaaplicação foram achados mortos 50 caramujeiros,

os cuja musculatura revelou alta con-centração de pentaclorofenol. Morreram também gar-ças e jaçanãs.

Aumentam os casos' de morte de pássaros (tambémde gaiola) no Brasil por ingestão de alimentos envene-nados por biocidas, mas o grau da destruição é desco-nhecido. Trata-se, geralmente, de sementes assim pre-paradas para serem semeadas, como arroz. No Triângu-lo Mineiro morreram os icterídeos eisies gque se alimentaram em tais arrozais. No Catálogo deDefensivos Agrícolas publicado pelo Ministério da Agri-cultura (1981), estão relacionados como registrados 112produtos inseticidas e acaricidas, 76 fungicidas e 125herbicidas, muitos deles contendo substâncias altamen-te tóxicas e persistentes, como DDT, BHC, Parathion,Aldrin, Chlordane e Methoxychlor. A destruição dafauna alada, particularmente nos elos superiores da ca-deia alimentar, é provavelmente intensa. Os agrotóxicosproibidos em seus países de origem, cõmo os EUA, ago-ra não poderão ser mais importados pelo Brasil.

Iniciaram-se, no Rio Grande do Sul, estudos sobreos efeitos nocivos de inseticidas, usando a codorna,

i como teste para apurar o grau da con-taminação com biocidas organoclorados. Acontece per-to dos currais que codornas comem carrapatos envene-nados caídos do gado.

Foi demonstrado que níveis de compostos de DDTno sul do Brasil "eram relativamente baixos, mais bai-xos do que em muitas localidades da América do Norte(R. W. Risebrough). Porém, níveis de Mirex (considera-do potencialmente um cancerígeno para o homem) eramaltos. Mirex é muito utilizado contra formigas-cortadeiras que ini.põem uma ameaça particular às plan- ,tações de soja, sendo esta, atualmente, a principal cultu- .3.8 O de ~pe~spect Esra do sul do Brasil. Níveis altos de vários compostos 10desejo de ter um pássaro na gaiola, cuidando deleorganoclorados foram encontrados em amostras de san- da 'melhor maneira, é um hábito profundamente arrai-gue de aves do Peru e Equador. Entretanto, os resíduos gado neste povo e não pode ser totalmente condenado.acumulados nas áreas de invernada das aves norte-ame- Querer possuir um pássaro engaiolado se nota tanto num'-ricanas não foram tão importantes na limitação da re- colono simples do interior, como num trabalhador qual-produção quanto se havia pensado previamente, como quer na cidade que logo pendura uma gaiola na frenteno caso do Falcão Peregrino", (A. M. de sua casa recém-construída. O mesmo se observa emSpringer). gente de todos os níveis. Não se pode imaginar uma loja

:Parece que ainda faltam em nosso país provas de queos ~esíd~os deDDT no organismo enfraquecem acalcificação dos ovos' das aves; o enfraquecimento dacasca do ovo é o sintoma mais evidente que aponta aalta acumulação de DDT no organismo das aves (v.águia-pescadora, , fenômeno evidente tambémem o g e outras aves dos EUALÉ possívelque o registro de ovos moles do tiranídeo ribeirinho

nig ic ns, observação feita por GunnarHoy,Salta, Argentina, em 1974, refira-se a este fenômeno.

No Rio Grande do Sul o combate ilegal a urubus ecachorros-do-mato através de iscas e carniças envene-nadas acarreta muitas vezes a morte de aves cuja perse-guição não estava prevista, principalmente aves de ra-pina.

A infestação do mar competróleo. provocada porvazamentos dos terminais marítimos da Petrobrás oupetroleiros acidentados, tem como conseqüência a mor-tandade de aves marinhas. No Atlântico, ao largo doBrasil existem relativamente poucas aves, com~sProcelariiformes e pingüins migrantes; sua autópsia re~vela lesões dos pulmões e dos rins. As penas dos indi-víduos atingidos por petróleo colam e não preservammais o corpo contra o frio. Em alto mar tais aves afun- \damo Uma pequena parte alcança as costas, encharcadade óleo. Parece que o problema da "peste do óleo" podeser resolvido por bactérias: no laboratório a bactéria

dissolve o óleo.Sempre de novo há grandes mortandades de gaivo-

tas e outras aves marinhas na Bahia e em São Paulo (p.ex. entre Itanhaém e Peruíbe); os cadáveres espalham-seentre 10 e 30km de praia. As causas ainda não forambem esclarecidas. .

Iyma nova grande ameaça a aves marinhas é aingestão de corpos estranhos não digeríveis, estovandoao ocupar espaço, obliterando ou mesmo ferindo as pa-redes do estômago. Os objetos são plásticos, polímerossintéticos, como os nódulos de polietileno usados paraa embalagem das mais diversas mercadorias comomaquinária e porcelana, transportadas pelos navios. Osnódulos são despachados em quantidade enorme ao mare atraem as aves pelo seu tamanho adequado para en-golir ..~Mais afetadas são as aves oceânicas e pelágicascomo os Procellariiformes - albatrozes e pardelas. Jáfoi encontrada uma bolinha de polietileno no estômagode uma batuíra do .

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74 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

de sapateiro, aberta para a rua, que não tenha seu passa-rinho, numa gaiola pendurada na entrada. Particular-mente significativa no Brasil é a existência de gaiolas deenfeite, vazias: gaiolas sem pássaros, penduradas emlugares bem visíveis como em balcões e terraços, avi-sando que os donos gostam de pássaros. Há uma indús-tria própria que prepara gaiolas bem acabadas, de luxo,servindo unicamente para a decoração, não para abri-gar pássaros. Na maioria dos casos é considerado sufi-ciente uma gaiola simples, sem pássaro, para enfeitar olocal. Conhecemos casos em que aquela gaiola vazia éindumentária há vinte anos e vai continuar sendo.

'É muito difícil essa gente que deseja ter um pássarocompreender que os pássaros mais procurados (há umaconcentração do interesse em certos Emberizidae, comoo curió, O e' o cardeal,

hoje já se tornam raros e não podem ser for-necidos mais a vontade.É pouco conhecido pela maio-ria que existe uma legislação que proíbe todo comérciocom aves nacionais não provenientes de criadouros au-torizados. Essa ignorância se explica em parte pelo fatoque a maioria dos donos de pássaros de gaiola não co-nhecem e nem se interessam pela passarada no seu am-biente natural. Para toda essa gente a fauna nacional nãoé patrimônio valorizado que precisa ser protegida emestado selvagem. Reprodução de pássaros em cativeiroé raramente realizado - se não com canários e periqui-tos da Austrália. Existem no Brasil mais de 170 associa-ções ornitológicas de amadores. Outra atividade popu-lar, ligada às aves, era a caçada de macuco, jacú emarrecas, as aves "cinegéticas.II.,

Assim O comércio ilegal de aves continua a ser um .problema extremamente sério devido a alta demandade pássaros de gaiolª,:O costume arraigado pela longatradição, onde cada brasileiro precisa ter seu passari-nho, deixou prosperar o respectivo comércio. O comér-cio ilegal é atrativo por duas razões: (1) a caçada é paramuitos, sobretudo para certos adolescentes mais atraentedo que um outro trabalho qualquer (2) um bom lucro égarantido; com razão o tráfico de aves silvestres é de-signado como .um negócio de muitos milhões de dó-lares. A legislação quase ninguém conhece e ninguémteme.

É incrível a quantidade e a qualidade de pássaros degaiola existentes em qualquer morada do Brasil. O au-tor destas linhas, morando em Laranjeiras, bairro ao ladodo centro do Rio de Janeiro, pode ouvir do seu 13° an-dar cerca de 20 espécies de Passeriformes nacionais en-gaiolados (livres no mesmo bairro existe um númerosemelhante, mas outras espécies) e mais quatroPsittacidae. Atualmente um passarinheiro que'se mu-dou para o citado bairro, trouxe um leinstalado num balcão aberto, cantor excelente que ale-gra todo mundo ao redor - muito mais do que o local

livre, com canto viciado na cidade ecantando muito menos. Quando um dia o sabiá não can-tar mais (morrer, fugir) - fará muita falta e se desejará

outro e o comércio clandestino resolverá o problema,logo um círculo vicioso. Dbservamos: conservar a natu-reza não significa proibir o seu uso. Porém a nossa acu-sação continua e tem que ser sempre repetida: (1) paratermos um pássaro adaptado na gaiola, são sacrificadosdezenas e centenas durante a captura e a comercia-lização; (2) o pássaro preso é excluído da reprodução,portanto sem possibilidade de deixar descendentes. Ofenômeno comentado acima dá uma idéia sobre o vultodo comérçio de pássaros e como a aquisição de váriasespécies pode ser uma grande tentação. Para o ornitólogopode ser uma prova dos seus conhecimentos se ele con-segue identificar as vozes daqueles pássaros mais varia-dos engaiolados nos arredores.

Manifesta-se sempre de novo o velho grande misté-rio que neste país os pássaros presos cantam até maisdo que em natureza, apesar de estarem aprisionadosnuma gaiola pequena, sem companheiro e sem a possi-bilidade de voar - mas cantam até a noite quando a luzé acesa. Assim eles podem agüentar muitos anos em,aparentemente, perfeito estado de saúde. -----.,.

Em Caxias, Rio de Janeiro, um dos centros de comer-cio ilegal de animais (incluindo mamíferos, sobretudomacacos e répteis) foram expostas a venda entre 1980 a1983, 191 espécies diferentes de aves nacionais, inclusi-ve várias do livro vermelho de espécies em extinção (Car-valho 1985). Num único dia foram contadas 80 espéciesdiferentes para vender. Espécies de alta cotação são"fabricadas": como uma cortando a cauda deuma . São pintados de amarelo as comuns

g , deixando verde apenas asrêmiges: fabricando a valorizadíssima Ararajuba,

g Tais exemplares pintados chegarama ser exportados, enganando cientistas estrangeiros quenão conheciam os truques latinos ..

bssim a fauna tão interessante brasileira é tratadacomo uma simples mercadoria e tende a acabar. Não háfauna no mundo que resista a uma sangria como é o co-mércio ilegal de aves do Brasil. Lembramos o caso daararinha-azul, o i, (dos últimos três) doisindivíduos conhecidos em natureza foram capturados evendidos por um dinheirão em 1988. A situação da au-toridade responsável (anteriormente IBDF, agoraIBAMA) é altamente ingrata:

Ocorreu durante os últimos anos, a começar nadécada de 70, uma alteração notável da mentalidadebrasileira. Não existem mais grandes jornais que nãocomentem algo sobre "ecologia" (confundida com apreservaçã~), a poluição e até preservação do meioambiente. E importante que o movimento brasileiroecológico não seja mais um modismo passageiro.

Um dos resultados dessa nova mentalidade em nos-sos círculos foi a fundação do Clube dos Observadoresde Aves, C.O.A., em 1974; hoje existindo em seis dos 23estados da União, com cerca de 900 sócios. Era uma no-vidade absoluta no Brasil: gente nova, geralmente estu-dantes, querendo excursionar para conhecer as aves em

.\

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CONSERVAÇÃO 75

natureza. O COA pode ser muito útil naconscientizaçãode amplos círculos ao passo que criaO interesse ativo napreservação da natureza e em particular das aves.

Temos que tentar alterara profunda afeição dos bra-sileiros para com a passarada engaiolada no sentido deconservá-Ia livre em natureza e usar apenas as gaiolasdecorativas, sem pássaros presos. Isto seria praticamenteaplicar a estratégia da CITES(Conoention on -

in En ed species ou"Convenção de Washington 1973": boicotando o comér-cio de aves nacionais. CITES distingue três categorias:1) Espécies mais ameaçadas, cujo tráfico não é permiti-do exceto mediante licenças muito especiais; 2) Espé-cies que podem ser comercializadas mediante uma li-cença de exportação especial; 3) Espécies que podem sercomercializadas de acordo com as restrições estabele-cidas na própria convenção,'

,O Brasil tem uma boa legislação, no que diz respeitoà defesa de suas riquezas naturais, satisfazendo o con-ceito de que os problemas da conservação da natureza edos recursos naturais, no mundo moderno, estão inti-mamente ligados ao bem-estar do homem, afetando asaúde dos povos. Contudo esta legislação tem que sermais respeitada, o que é uma questão de educação.Ne-cessitarnos de providências imediatas. .

A destruição da natureza pelo desenvolvimento tec-nológico e pelo aumento da população humana em todaa Terra torna-se um risco moderno gravíssimo e um pre-visível drama futuro. Uma vez extinta a fauna local típi-ca, processo iminente em todo território nacional, eladesaparecerá para sempre da face da Terra. A conserva-ção da naturezaé tarefa primordial de um povo civili-zado.

Formulou muito bem o ex-Presidente do InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente, IBAMA, Fernando CésarMesquita, se referindo especificamenteà população daAmazônia: "De todo o modo é difícil falar emecologia''num país em que uma parte da população passa fome eacaba obrigada a recorrerà fauna e a outros recursosnaturais como alternativa de sobrevivência." Quandoencontramos no Parque Nacional da Amazônia um ca-çador, ele respondeu: "Nós caboclos temos que tambémcomer."

A caça de Tinamidae, Anatidae, Cracidae,Columbidae, Psittacidae e outros desempenhou um pa-pel importante no interior, no sentido de abastecer apopulação rural com carne. Diferente é o caso quando,em certas áreas de colonização italiana, no sul do Brasil,"beija-flor no arroz" e "polenta com passarinho" sãopratos populares, até os nossos dias, e quando"desportístas" abatem triunfalmente araras ainda hoje.Tornaram-se, e tornam-se perigosos coletores "científi-cos", enchendo caixas e caixas com ovos de gaviões ra-ros, peles de beija-flores, etc.

8 É costume usar a palavra "ecologia"ao invés de preservação.

3.9

Nos últimos anos surgiu uma nova orientação. O ins-tituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-turais Renováveis (IBAMA), sucessor do Instituto Bra-sileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) prometeuma nova política no vasto campo da natureza brasilei-ra. Um desenvolvimento sem destruição.O governo ten-tou compensar o antigo descaso a natureza com o lança-mento do programa NOSSA NATUREZA.

É reconhecido que no passado a preservação da na-tureza foi totalmente esquecida. Não houve na históriado homem na face da terra uma destruição de hábitats,flora e fauna como ocorreu na Amazônia, região maisrica no mundo em recursos naturais. São previstos umaatenção especialà Amazônia, à Mata Atlântica e aoPantanal, os três grandes biomas (ecossistemas) maisfamosos. Já existem várias propostas para o uso auto-sustentável das florestas amazônicas. Por exemplo fa-zer reservas extrativistas para retirar, lentamente, pro-dutos de valor da floresta.É necessário a manutençãoda própria floresta em pé, para o pleno desenv~to de suas funções únicas ambientais. Precisam ser ~encontradas mais fórmulas para o uso da floresta ama- -....

zônica que não retirem as suas funções ambientais e suadiversidade biológica.É um novo tipo de silvicultura.

Para não repetir o drama da Transamazônica, as no-vas estradas tem que ser construídas para áreas de solosférteis. Tem que se 'cortar todos os incentivos que acele-rem a destruição da Amazônia como os incentivos depecuária, para serrarias e para o ferro gusa. Aceitar pas-tagem como benfeitoria para fins de estabelecimento deposse de terra foi um dos grandes motivos da progres-são do desmatamento na região amazônica.

A silvicultura, um manejo florestal das matas pri-márias da terra firme com todas as espécies presentes,será uma novidade muito interessante: usar a mata auto-sustentável como recurso renovável.

Técnicos do IBAMA e do INPE terão que prepararum atlas para a apresentação em Tóquio, no Japão, porocasião do Ano Internacional do Espaço. O controle dasalterações na Amazônia e em outras regiões do paíséfacilitado por novos satélites. Uma boa colaboração in-temacional está se desenvolvendo, apoiada peloprogra-'ma internacional de "Florestas Tropicais".

Um "Workshop - Priority conservation areas forAmazonia" em janeiro de 1990 em Manaus, Amazônia,reuniu 95 cientistas, entre eles Gillean Prance, do RoyalBotanic Carden, Kew (botânico), Russel Mitterrneier, daConservation lnternational (primatólogo) e Ted Parker,Museu de Ciências Naturais de Louisiana (ornitólogo).Trataram do planejamento de reservas na Amazônia combase científica botânica/zoológica. Houve concordân-cia de que as áreas de preservação tem que ser grandes

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76 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

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para garantir a sobrevivência do maior número possí-vel de espécies. O ideal seria transformar 20% da Ama-zônia em parques contra 2% legalmente protegidos hoje.Até hoje os parques dos nove países amazônicos foramdecretados apenas para proteger fronteiras, por se tra-tar de áreas imprestáveis para atividades humanas oupara abrigar espécies isoladas. Nunca se pensou no con-junto da flora efauna, como se pretende fazer agora.

[A seguir são relacionadas as espécies indicadas notexto principal das famílias e espécies (Capítulo10) coma sigla Am acompanhadas de classificação adicional deameaça global conforme Collaret 1994:Cr = Critica-mente ameaçado, Am=ameaçado, Vu=vulnerável,Ex=Extinto, EneExtinto na natureza, Dd- Dados defi-cientes. Outras espécies ameaça das segundo propostade Sick estavam indicadas através da siglaRa, que indi-cava originalmente em seus manuscritos que a mesmaestava rareando. As formas ameaçadas cujo tratamentotaxonômico difere daquele apresentado em Collaret l.1994 estão figuradas entre colchetes.

TABELA 3.1- Relação das espécies ameaçadas(134)

TINAMIDAE (4)

us solit -Ra elíus nocti us -Rao - Vu niscus n us -Vu

DIOMEDEIDAE (1)

Oio ede e -Vu

PROCELLARIIDAE (2)

d ince - Vu e it t - Am

ARDEIDAE (1)

ig iso [asciatum - Ra

THRESKIORNITHIDAE (1)

Eud us e -Ra

PHOENICOPTERIDAE (2)

hoenicpie s -Ra oenicopie ndinus -Vu

ANATIDAE (1)

e gus oc -Cr

ACCIPITRIDAE (4)

eucopte nis l -Vuo phnus gui nensis -Ra

H tus co tus -Vupi h - Ra

enelope jocucaca - Raipiie j tin - Vu

gl - Vu

CRACIDAE (6)enelope oc te -Vuitu tu - En

C blu - Cr

TABELA 3.f- Relação das espécies ameaçadas - continuação

te l/us enopie us -Vu

RALLIDAE (2)

Cotu nicops t -Dd

SCOLOPACIDAE (1)

enius bo lis - Cr

( tl - Vu

LARIDAE (1)

COLUMBIDAE (2)

Cl - CrColu i is - Cr

PSITTACIDAE (17)

o us h -Vun h hus gl -Ex

u maracana - Vut auricapiila) - Vuhu Ieucoiis -Ra

ouit s -Amho th - Am

- Vul - Am

o ijnchus - Crspixii - En

Gu ub u -Amuent t - Vu

ouii - Am. - Am

o - Amui - Am

CUCULIDAE (1)

hus -Ra

~RfMYbGIDA-E-(-2)

C us ndi ns -Cr -TROCHILIDAE (1)

Eleot us us Dd

i - Cr

GALBULIDAE (1)

t l - Am

içu l - VuD tus - Cr

PICIDAE (3)

s [uluescens - Vu

RHINOCRYPTIDAE (3)

l is si ni - Cr Cljt -lopus n t lis - Vut lopus ch -Am

FORMICARIIDAE (20) -t nig opectus -Vu

Dusith us plu -Vuthe fluminensis - Vut u - Cr

H lo us pect s -Vuici i ngi - Vuu - Vu

- Vuo i - Am

t - Am

ctoct ntes ogul is -Ddu in Vu

unicol - Vuu - Vu

o lis - Amio h notos -Cr

b sili - Ra- Am

ud - Vuic - Vu

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CONSERVAÇÃO 77

TABELA 3.1- Relação das espécies ameaçadas -

FURNARIIDAE (9)enes l -Am

u - AmPoecilurus kollari - Vu

c o s sec -Am- Vu

l - Aml l - Vu

g o - Vu- Cr

DENDROCOLAPTIDAE (1)

oco c t - Vu

TYRANNIDAE (13)

Eus -Vull tes cecil -Amlos tei - Vu

furcaius - Vuleuconjphus -Vu

He - Vuect - Vu

- Vu

bec Amh ei - Vu

itei - Ame - Am

c s insoni) -Amlegus Ra

PIPRIDAE (2)

l s - Ra

COTINGIDAE (12)

el - Vul - Vu

e - Vu- Cr

e us li -Rao - Ra

- VuC l - AmI - Vu

ugus l ides -Vuseu -Ra

i s - Vu

.. t :

TABELA 3.1- Relação das espécies ameaçadas - ç o

til e - Ra

SYLVIINAE (1)

MOTACILLIDAE (1)- Am

eo g o s -Vu

VIREONIDAE (1)

THRAUPINAE (4)Cono is eso -Vu

ng [astuosa - Ame si -Cr

s es -Vu

EMBERIZINAE (10)os eine e -Ra

e o -Amo nig - Am

s - RaCo ph spi el notis -Vu

o us -Ameus esi -Cr

o ont lis -Ame - Vu

hil - Ams eucos - Ra

Gube c s -Am

IcTERINAE (3)

- Am

CARDUELINAE (1)duelis ellii - Vu]

" . ..., ~

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4 Biogeografia e Especiação

Conforme indicado, partes deste capítulo tiveram acontribuição de Jürgen Haffer, em Inglês, especialmentepara a edição norte-americana, editada em 1993. A bi-bliografia apontada por Haffer foi consolidada juntoàbibliografia geral.

4.1 i

[Sick]: O Brasil ocupa uma parte considerável da re-gião neotrópica, a qual se estende da orla setentrionaldas matas pluviais do México (200N) até o Cabo deHornos (57°S), abrangendo toda a América do Sul, aAmérica Central e as Antilhas. Ao sul de 300S (PortoAlegre) começa a reinar um clima moderado, a regiãode Parnpa.Ao sul de 400S se estende a região patagônica,de clima frio.

A região neotrópica é caracterizada pela grande ex-tensão da planície continental na América do Sul, queabriga a maior extensão contínua de florestas pluviaisda Terra (Amazônia), e pela possante cadeia dos Andes,na qual o Brasil não participa.

A avifauna da região neotrópica apresenta numero-

Fig.28. eg neo ôpic (adaptado de Haffer1974b).Marcaçãoda subdivisão zoogeográfica.Regiãocisandina(pontuada), regiãotransandina (tracejada),regiãodosAndes (preto-maciça).Aregiãoneotrópicase estende do sul do México(200N)até o Cabo deHomos (57°5),incluindo a parte meridionalnão-trápica da Américado Sul.

sas espécies endêmicas, que nela evoluíram. De um to-tal de 930 espécies da Amazônia (esta encarada comounidade ecológica, sem tomar em consideração frontei-ras políticas), perto de 44% são endêmicas, envolvendocerca de 60 gêneros endêmicos; 6 espécies alcançamTrinidad, na costa da Venezuela (Haffer 1974a).

Os Suboscines (ou non-Oscines. Clamatores ouMesomyodi), Passeriformes autóctones da regiãoneotrópica, ocupam urna posição de destaque na Amé-rica do Sul: no Brasil alcançam 36,2% do total de suaavifauna. Os Suboscines ocupam na América do Sul umcerto número de nichos ecológicos que, em outros con-tinentes, são ocupados por outras aves das mais varia-das qualidades.

Umpequeno número de famílias tem a supremacianumérica. As mais ricas em espécies no Brasilsão.,Tyrannidae, 210; Formicariidae, 168; e Furnariidae, 103;todas pertencentes aos Suboscines, e Trochilidae com 78espécies, como representante mais numeroso dos não-Passeriformes. ' '

Podemos reunir em cinco grupos as aves que vivemna região neotrópica (não considerando algumas avesaquáticas e marinhas):

1. Famílias neotropicais: Tinamidae, Rheidae,Anhimidae, Psophiidae, Eurypygidae, Cariamidae,Opisthocomidae, Steatornithidae, Nyctibiidae,Galbulidae, Bucconidae, Ramphastidae,Dendrocolaptidae, Furnariidae, Formicariidae,Rhinocryptidae, Cotingidae, Pipridae ePhytotomidae. Em certos casos, como Cathartidae

. e Momotidae, atualmente exclusivos da região neo-tropical, são conhecidos fósseis do Velho Mundo.

2. Distribuição mais ou menos extensa na AméricadoSul e do Norte: Trochilidae, Tyrannidae,Troglodytidae, Mimidae, Vireonidae. Emberizidaecorno Parulinae, Coerebinae, Thraupinae,Emberizinae, Cardinalinae e Icterinae.

3. Famílias de distribuição pantropical: Anhingidae,Heliornithidae, [acanidae,Psittacidae, Trogonidaee Capitonidae.

4. Famílias oriundas do Velho Mundo: Phasianidae,Columbidae, Cuculidae, Corvidae, Muscicapidaecorno Turdinae e Sylviinae e Motacillidae.

5. Largamente distribuídas no mundo inteiro:Anatidae, Accipitridae, Falconidae, Rallidae,Charadriidae, Scolopacidae, Laridae, Tytonidae,Strigidae, Caprimulgidae, Apodidae, Alcedinidae,Picidae (excetoAustrália, Nova Guiné e Madagascar)e Hirundinidae.

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BIOGEOGRAFIA E ESPECIAÇÃO 79

Fig.29.Centros de endemismos na avifauna dasplanícies florestadas. Centros transandinos(áreas pretas): (A) Cuatemala (7spp.); (B)litoralcaribenho da Costa Rica(14 spp.); (C)litoralpacífico da Costa Rica (12spp.);(O) Chocó (32spp.): (E)Nechí(14 spp.). Centros leste-brasileiros(tracejado): (L)Recife; (Me N) Serrado Mar.Centros amazônicos (com indicação donúmero de espéciesendêmicas) é simplificadopela omissão de algumas extensões desloca das

através dos grandes rios: (F)Napo; (G)lnambari; (H) lmerí; (1)Rondônia;(J) asGuianas;(K) Belém(adaptado de Haffer1967,1974b, 1975 e 1987a).

A influência africana na fauna neotrópica, p. ex. aexistência da família Trogonidae, em ambas as áreas,documenta uma antiga conexão entre os dois continen-tes cuja separação c0n:teçou no Cretáceo, há mais de 60milhões de anos. No Terciário (Eoceno), há 40 milhõesde anos, a distância dos dois continentes ainda não eragrande (Short 1971).

Os quatro Anatidae africanos de água doce -Dend bicol e D. tnd , l e

s - podem ter atravessado o Atlân-tico mais tarde.

As análises da descrição das avifaunas africana e asiá-tica tropicais (Stresernann& Grote 1929; Chapin 1932-54; Moreau 1966),à luz da história geológica/ climática,tornaram-se o modelo para pesquisas correspondentesna América do Sul, principalmente na região amazôni-ca, realizadas com afinco porJ. Haffer (1969 em diante).

Jürgen Haffer, como geólogo de petróleo profissional ecom grande experiência pessoal com a avifauna do no-roeste da América do Sul chegouà melhor síntese des-ses problemas, desenvolvendo a teoria dos refúgios flo-restais, neste continente.

[Haffer]: A avifauna Neotropical, compreendendoaproximadamente 3.300 espécies, é a mais rica do mun-do. Muitas espécies de aves distribuem-se sobre exten-sas áreas da América do Sul e Central, enquanto queoutras espécies ocorrem em áreas de dimensão interme-diária. Um número surpreendentemente grande de es-pécies e subespécies bem diferenciadas encontra-se agru-pado em regiões relativamente restritas das planícies doNeotrópico, caracterizando um conjunto de áreas deendemismo (fig. 32): cinco nas porções florestadas daAmérica Central, seis a sete na Amazônia e três nas flo-restas do leste do Brasil, cada qual com 10 a 50 (ou mais)espécies e subespécies endêmicas (Cracraft 1985;Haffer1978,1985,1987a). Sete áreas de endemismo são conheci-das em regiões de planícies não-florestais da Américado Sul. A maioria das zonas de contato entre subespéciesou espécies parapátricas estreitamente relacionadas, quese hibridizam, agrupam-se em regiões intermediáriasentre os centros de endemismo. Outro fenômenobiogeogr:áfico de destaque na região Neotropical é aampla disjunçãó na distribuição de numerosost re-presentativos, proximamente relacionados (espécies esubespécíes), de aves de montanha e baixada.

[Sick]: Tal é O caso dos bacuraus de cauda extrema-mente longa, com duas espécies nos Andes e uma, obacurau-tesoura-gigante,.Macropsalis e g nas regiõesmontícolas do sudeste do Brasil. O pavó. odel Usscuiaius, um cotíngideo, é amplamente distribuído nasmontanhas da Guiana, Venezuela e Colômbia, e é umtípico representante das florestas primárias do sudestedo Brasil, Paraguai e nordeste da Argentina. A garçamaria-faceira, e o socó-boi,[asciatum, e várias outras aves têm distribuição se-melhante. Tal distribuição altamente disjunta revela,dramaticamente, que ocorreu uma enorme extinçãode populações durante séculos antes que se iniciassea interferência do Homem.

[Haffer]: Os grande rios amazônicos delimitam asáreas de distribuição de várias espécies de aves aolongo de suas porções mais largas. Entretanto, o totalcumulativo de fronteiras de distribuição localizadaslonge dos rios "largos é muito grande (Haffer 1978).Cerca de uma centena de espécies (15%) da avifaunaterrestre da bacia amazônica está restrita a hábitatscriados pelos rios, tais como praias e bancos de areia,vegetação arbustiva sobre bancos de areia, florestaribeirinha; floresta de várzea, floresta de transição ea beira d ' água (Remsen& Parker 1983;vertambémTerborgh 1985)

Dependendo da diferenciação genética alcançada porformas geográficas características, estas são considera-das como espécies, caso elas sejam ( ou presumivelmente

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80 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Fig.30.Refú&iosflorestais.Distribuiçãode refúgiosflorestaispresumidos no Neotrópico durante épocassecasnoPleistoceno.A esquerda: aves (seg.Haffer 1967em diante);no meio:lagartixasdo gênero(seg.Vanzolini&Willians1970);à direita:borboletas do gêneroHeliconius (seg.Brownet . 1974),

sejam) reprodutivamente isoladas umas das outras, ousubespécies de uma determinada espécie biológica, casohibridizem extensamente (ou presumivelmentehibridizem) ao longo das zonas de contato. Espéciesgeográficas características são designadas comoaloespécies, caso não estejam em contato, e comoparaespécies, caso estejam em contato sem (ou pratica-mente sem) hibridação (semiespéciessensu sãoespécies que se hibridizam em parte da área de contato;Short 1969). Uma superespécie é composta por duas oumais paraespécies ou aloespécies que derivaram direta-mente de um ancestral comum (Amadon 1966a, 1968;Selander 1971). Em contraposição, uma espéciezoogeográfica é uma superespécie ou uma espécie bio-lógica independente (que não é membro de umasuperespécie; veja Mayr& Short 1970).

[Sick]: A noção dessas categorias é a chave para oentendimento de complicados processos de especiaçãoe hibridação, tais como o dos tucanos (Ramphastidae)conforme explicado por Haffer(1974b). A percentagemde aves tropicais florestais que podem ser agrupadas emsuperespécies é, em alguns casos, muito elevada: 75%dos aracuãs, jacus e mutuns (Cracidae), bicos-de-agu-lha e arirambas (Galbulidae) e tangarás e afins (Pipridae);nos araçaris e tucanos (Ramphatidae) estes valores al-cançam 85%. Os papagaios, periquitos e araras(Psittacidae); arapongas, anambés e afins (Cotingidae) eos gaturamos, saíras, sanhaços e afins (Thraupinae) sãogrupos onde, sob este aspecto, muito trabalho ainda énecessário.

A situação aloespecífica se torna interessante quan-do aloespécies da mesma superespécie entram em con-tato novamente, após terem estado isoladas. Elas podem

requerer condições ecológicas muito semelhantes e por-tanto competirem como rivais. Este aparenta ser o casoque ocorre com as aloespécies (Uirapuru-vermelho) e [asciicauda (Uirapuru-Iaranja) dasuperespécie do baixo Amazonas. No casode espécies próximas ocupando áreas contíguas, este tipoespecial de alopatriaé denominado distribuição para-pátrica e as espécies são parapátricas.

Excepcionalmente uma aloespécie pode penetrar, emmaior ou menor extensão, na área de outra, sua vizinha,e ser capaz de aí permanecer resultando em simpatría(espécies simpátricas são aquelas que vivem no mesmolugar). Isto ocorre no alto Amazonas com o araçari-cas-tanho, e o araçari-de-dupla-cinta.

lossus i aparentemente sem ocorrermestiçagem (Haffer 1974b).

[Haffer]: Na tentativa de se interpretar a origem daelevada diversidade de espécies no Neotrópico, especial-mente nas regiões florestais, e a origem dos padrõesbiogeográficos, foram propostas três teorias que podemser relevantes em diferentes graus para diferentes gru-pos faunísticos ou.diferentes níveis de diferenciaçãofaunística (Haffer 1974b, 1982; Simpson& Haffer 1978;Prance 19~2 ):

-

4.1.1 TEORIA PALEOGEOGRÁFICA

As mudanças paleogeográficas nas distribuições dasterras e mares devido a movimentos orogênicos e epiro-gênicos durante o Cenozóico (Terciário-Quaternário)levaram à separação e diferenciação de populações ani-mais, de uma biota previamente contínua, em áreas ter-restres isoladas e penínsulas (Chapman 1917; Emsley

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BIOGEOGRAFIA E ESPECIAÇÃO 81

Fig. 3l. Aspectos da distribuição de avesflorestais na Amazônia (seg. Haffer 1980).À esquerda: seis núcleos de espécies endêmicas(áreas pretas). Podem ser reconhecidos quatrotipos de distribuição: (1) aves do alto Amazonas(traço-ponto), (2) aves do baixo Amazonas(traço espesso), (3) aves de larga distribuição naAmazônia, porém, não existindo no sudeste daAmazônia (traço fino), (4) aves amazônicas quefaltam no nordeste da Amazônia (pontilhado).À direita: zonas de contato de espécies de avesamazônicas, setas indicam faunas que estão emexpansão: (1) na região norte-central; (2) naregião sul-central; e (3) no alto Amazonas.

1965; Rãsânem et . 1987; Cracraft & Prum 1988).Permanecem desconhecidos detalhes acerca da históriapaleogeográfica das regiões andina e da área central daAmérica do Sul durante o Terciário - e em particular oefeito da cambiante barreira derivada do contínuo des-locamento dos leitos do rio Amazonas e seus maioresafluentes - necessários para reconstruir a história dafauna (Haffer 1974b;Cracraft& Prum 1988). Durante osperíodos glaciais do Quaternário, o nível global do marencontrava-se cerca de 80 a 100 metros abaixo do nívelatual. Opostamente, durante os períodos interglaciais deelevado nível do mar, várias planícies costeiras daAmérica do Sul foram convertidas em enormes lagosinteriores de água doce ou salobra, que se estendiamà

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9 -10

7-8

5-6

2-4

oeste alcançando a bacia do Marafion, no leste do Peru.De acordo com esta teoria, as espécies e subespéciesexistentes, assim como seus respectivos padrões' dedistribuição, são imaginados como tendo se origina-do devido à mudanças em larga escala na distribui-ção das terras e dos mares durante o Terciário e o iní-cio do Qua ternário.

4.1.2 TEORIA DOS RIOS

o desenvolvimento do sistema fluvial, e em particu-lar a freqüente mudança de posição dos leitos dos rios ede suas planícies de inundação nas terras baixas, comona Amazônia,é visto como causa da efetiva separação e

Fig. 32. Distribuições sobrepostas de dez espéciesde aves típicas do cerrado(à esquerda) e dez dacaatinga (à direita). Adaptado de Haffer 1985.A lista de espécies de Haffer, não apresentada aqui,difere ligeiramente da minha.

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82 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

subseqüente especiação de aves e outras populações devertebrados em margens opostas (Hellmayr 1910,1912;Snethlage 1913; Mayr 1942: 228; Sick 1967b; Willis 1969:393; Hershkovitz 1977:413; Capparella 1988;Cracraft&Prum 1988). Os trechos mais largos de vários rios daAmazônia, freqüentemente em conjunção com suas pla-nícies de inundação, mais largas ainda, são formidáveisobstáculos para a dispersão de aves que habitam o inte-rior da floresta. Eles efetivamente separam populaçõesde várias espécies e subespécies de aves das florestas deterra firme [Sick]: tais como, por exemplo, da separaçãopelo baixo Tapajós das duas raças do jacamim-de-cos-tas-verdes, viridis, e pelo Madeira de duasaloespécies (ver abaixo): P. viridis e o jacamim-de-cos-tas-brancas, P.Ieucopiera. [Haffer]: Entretando, um gran-de número destes taxa estão em contato direto nos cur-sos superiores onde os rios deixam de ser barreiras efe-tivas (Haffer 1982).

[Sick]: Tal contato entre os jacamins não ocorre noBrasil central, nos afluentes da margem sul do Amazo-nas, devidoà ausência de condições climáticas e ecoló-gicas para existência dos jacamins nas cabeceiras destesrios. [Haffer]: Qualquer discussão acerca da importân-cia dos rios para a diversificação da fauna de vertebra-dos é incompleta sem a consideração das condições eco-lógicas, presentes e passadas, das cabeceiras dos rioscujos baixos cursos representam barreiras para disper-são de vários animais da floresta úmida.

[Sick]: O quanto a largura de um rio possa ser ounão uma barreira para a fauna é objetivamente demons-trado pelo Periquito-da-caatinga, caciorum. Es-tas aves, que são excelentes voadoras, colonizaramambas margens do rio São Francisco no nordeste do Bra-sil, mas não cruzam o rio sem necessidade, acarretandoque duas subespécies se desenvolveram, uma em cadalado do rio.

A presença de pequenas aves fotofóbicas como osem ilhas cobertas corri florestas, um ou dois

quilômetros da margem dos grandes rios amazônicos,chama a atenção para o fato de que estas aves, ao voaratravés dos canais fluviais, são mais capazes de coloni-zar do que se esperaria.

4.1.3 TEORlA DOS REFÚGIOS'

[Haffer]: As variações climático-vegetacionais pro-vavelmente acarretaram o isolamento de populações deanimais da floresta em refúgios florestais (fig. 32) du-rante as fases de clima árido e de animais não-florestaisem refúgios não-florestais durante as fases úmidas doCenozóico (Haffer 1969;Prance 1982, 1985; revisão críti-ca por Lynch 1988). Dentro dos refúgios as populaçõesdas espécies (a) se extinguem, (b) sobrevivem sem alte-rações, ou (c) se diferenciam ao nível de subespécie ouespécie. Na Amazônia, refúgios de floresta densa devemter sido separados por florestas menos úmidas e maisabertas dominadas p~r cipós e palmeiras, em vez de uma

vegetação não-florestal como savana e caatinga. A su-gestão original para a possível localização de refúgiosflorestais na América tropical foi baseada na considera-ção da atual distribuição regional de chuvas e no rele-vo, juntamente com outras evidências geocientíficas.Independentemente, os padrões de distribuição bióticasugeriram um conjunto de áreas nucleares (áreas deendemismo. figo32) para organismos florestais (Simpsone Haffer 1978; Brown 1987a,b). Uma comparação entreesses dois conjuntos de áreas, determinados de formaindependente, mostra que eles são, em grande parte,coincidentes, o que sugere que as mudanças climáticase a formação de enclaves florestais provavelmente fo-ram a causa do padrão de especiação. Embora, possi-velmente, mais pronunciados durante o Quaternário, asmudanças climático-vegetacionais também ocorreramrepetidamente no precedente período Terciário. Evidên-cia geocientífica de várias regiões na América tropicalconfirmam a ocorrência de mudanças climático-vegetacionais durante o Cenozóico (Haffer 1987b;Schubert 1988). Entretanto, ainda não se encontra dis-ponível uma evidência direta para uma área em parti-cular que tenha suportado um refúgio florestal ou umrefúgio não-campestre durante um determinado perío-do climático. Falando de uma maneira geral, pode sermuito simplista assumir a alternância de prolongadosperíodos de continuidade e discontinuidade de hábitatsdurante o Cenozóico. Mais precisamente, as constantesmudanças nos padrões climáticos podem ter causadomudanças continuamente complexas na distribuição deelementos florestais e não-florestais durante as fases frio-árida, frio-úmida, quente-árida e quente-úmida. Os re-fúgios podem representar áreas de relativa continuida-de de hábitats e de sobrevivência ordinária de certos gru-pos. Durante os picos de ao menos algumas fases glaci-ais áridas do Quatemário.ia destruição de várias comu-nidades fragmentadas, mais ainda identificáveis comounidades de vegetação (ex.: floresta úmida), pode tercontinuado em algumas regiões, por exemplo, no norteda América do Sul, a tal ponto que somente populaçõesmuito restritas de elementos endêmicos e vários taxa deanimais e plantas não endêmicos persistiram em "mini-refúgios" dispersos e localizados, muito pequenos paraserem documentados nos registros palinológicos (pólenfóssil) (Livingstone 1980).

[Sick]: Um fenômeno peculiar, comum na Amazôniae decorrente de um isolamento anterior, é a distribuiçãoinsular de algumas aves pouco móveis, como os papa-formigas (ex.: espécies de no meio daextensa floresta amazônica. Num período superúmidoa floresta retornou e preencheu as lacunas de mata, masa fauna ainda era incapaz de uma nova expansão. Paraessa situação não se tinha qualquer explicação antes dainterpretação histórica que postula "refúgios", noção querevoluciona a zoogeografia. A presente coexistência devárias espécies similares, tais como mais de dez espé-cies de o ul na mesma área, se torna compreen-

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BIOGEOGRAFIA E ESPECIAÇÃO 83

sível. Em certas localidades, de 20 a 45 espécies dee foram registradas.

É impossível que estas aves proximamente aparen-tadas tenham evoluído no mesmo ambiente, não impor-tando quão variadas sejam as condições ecológicas atuaisna floresta amazônica. Elas devem ter evoluído quandosegregados em um mosaico florestal de "refúgios". Deve-se mencionar que H. W. Bates, em meados do séculopassado, chamou a atenção para a existência de muitasbiotas endêmicas na floresta amazônica.

[Haffer]: Em contraste ao que ocorre na Baixa Ama-zônia, não há informação paleoecológica disponível paraas regiões florestais da Alta e da Amazônia Central, comonovamente apontado por Connor (1986), Colinvaux(1987) e Saio (1987) nas suas discussões críticas acercada base geocientífica para a teoria do? refúgios. Mesmoque futuras pesquisas venham a sugerir que zona dasflorestas na Alta e na Amazônia Central meramente en-colheu em extensão perifericamente, sem se fragmen-tar, durante os períodos climáticos áridos, ainda assima teoria dos refúgios permanece um modelo válido porevidenciar o poder do meio ambiente na evolução e nadiversificação das faunas terrestres sobre vastas regiõesda América do Sul e em outros continentes, durante todaa história da Terra.

[Sick]: Duas outras considerações são aqui pertinen-tes: (1) Evolução em ambiente campestre e imigração se-tentrional. A evolução da fauna campestre (fig. 32) é tãointeressante quanto aquela da fauna florestal. Fator pre-ponderante que limitou a expansão da Hiléia foi a zonarelativamente seca que se estendeu do sul da Venezuelaao nordeste do Brasil, atravessando o Amazonas. Estazona originou-se, presumivelmente, no último grandeperíodo de seca, entre 4.000 e 2.500 anos antes da épocaatual. Posteriormente, com nova expansão das matas,tal zona foi fechada (Haffer 1974b). Esta barreira ecoló-gica, uma "Transamazônica" campestre natural, sepa-rava a Alta Amazônia da Baixa Amazônia e, por sua vez,deu a elementos campestres novas oportunidades de seexpandirem; como abordado no caso de dois beija-flo-res, opel i l e Colib delphi A imigraçãoque se originou na América do Norte aproveitou-se dasáreas campestres do meio da Amazônia, tal como oPedro-celouro, el .~ vistoso icteríneo. Sua"cabeça de ponte" que chegou mais ao sul, alcançou oscampos do baixo Tocantins, Pará. Sucesso idêntico nãotiveram o Uru-do-campo, Colinus t fasianídeo, eo Téu-téu-da-savana, bist us, também de ori-gem norte-americana, que não conseguiram transpor o

Amazonas. Colinus ist ius apresenta-se ao norte doAmazonas, como um substituto ecológico das codornas,

spp., e da perdiz, - tina-mídeos meridionais que, por sua vez, não conseguiramtrespassar o Rio Mar para o norte. Não estou aqui mereferindo à grande imigração da fauna norte-america-na, tanto de mamíferos como de aves, para a Américado Sul, quando do encontro dos dois continentes em tem-pos muito distantes (Plioceno, 5 milhões de anos atrás)quando várias aves de origem norte-americana 'alcan-çaram o extremo sul da América do Sul (ver Oscines).

(2) Imigração Andino/Patagônica. A imigração dosecossistemas andino/patagônico para o Brasil pode terocorrido nos últimos 2 milhões de anos(Quaternário,dividido em Pleistoceno, e Holoceno, qual seja, os últi-mos 10.000 anos), durante várias mudanças climáticas.Assim o Brasil recebeu vários membros da famíliaRhinocryptidae, um grupo de passeriformes Suboscinesgeralmente silvícolas e amplamente distribuído no suldo continente e nos Andes. Os encontram-seentre eles.

Dois Furnariidae tiveram a mesma história imigra-tória: a garricha-chorona, c e o Pedrei-ro, Cinclodes Enquanto que o primeiro é restritoàs serras altas do sudeste do Brasil, com clima tempera-do onde prosperam populações isoladas de bambu

C. vive em áreas abertas no extremosul do país.É difícil decidir se os representantes brasi-leiros desses grupos devem ser considerados pioneirosou relitos. Uma dispersão inversa, das regiões monta-nhosas do sudeste do Brasil para as encostas dos Andes,deve talvez ter ocorrido com o Matracão. cinee com a Tesourinha, s.

[Haffer]: O conhecimento atual da história da Amé-rica do Sul tropical durante o Terciário e oQuaternário,indica repetidas formações complexas e desaparecimen-tos de zonas de barreira através do continente por meiode mudanças paleogeográficas e flutuações climático-vegetacionais. Os dados geocientíficos disponíveis, en-tretanto, são insuficientes para permitir um mapeamentodas mudanças na distribuição das terras e dos mares ouda vegetação florestal e não-florestal durante oCenozóico, e, em particular, para se delinear a históriadas áreas de endemismo. Por conseguinte, ainda não sepode construir cladogramas para a história das áreas ter-restres e as unidades de vegetação no Neotrópico du-rante o Terciário-Quaternário de forma a se compararcom cladogramas derivados de estudos taxonômicos dedeterminados grupos (Haffer 1985; Cracraft& Prum 1988).

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----~

5 Morfologia

5.1

Reduzimos ao mínimo a informação zoológica ge-ral, não repetindo o que costuma constar nos compên-dios usuais. Selecionamos alguns fatos relativos às avesdo Brasil. Defendemos a "morfologia biológica", enca-rando a função do organismo, a ave viva, suas múlti-plas adaptações ecológicas ("morfologia ecológica") eseu comportamento.12- morfologia das aves, a começarpelo esqueleto, é caracterizada por uma uniformidademuito grande.

5.1.1 DIAGNOSE, SACOS AÉREOS

t'I

I

I

As aves são vertebrados cobertos de penas, de mem-bros anteriores transformados em asas (as quais podemser transformadas em remos) e membros posteriores usa-dos para a locomoção bipedial (ou transformados emleme), com a temperatura mais alta conhecida (pombo300g, 41-41, S°C) entre os animais, com um sistema de

sacos aéreos distribuídos pelo corpo.Os sacos aéreos, que são insufláveis, comunicam-se

com os pulmões (que são de volume fixo), o oco dosossos e a boca. Esse sistema respiratório, único no Rei-no Animal, contribui para reduzir o peso e tem váriasoutras funções e vantagens. A mais importante é que ossacos abastecem o pulmão (que é pequeno e relativa-mente simples) com ar, promovendo uma circulação re-petida sem nova respiração (não ocorre estagnação doar no pulmão, como no homem), grande vantagem paraas aves quando voam, mergulham e vocalizam. A rigi-dez dos sacos e seus prolongamentos aumentam a resis-tência dos ossos pneumáticos e protegem a ave contraimpactos quando se precipita na água (v. sobatobá,martim-pescador). O sistema de sacos aéreos contribuipara o isolamento térmico. Os sacos cervicais podemdesempenhar um papel impressionante nas cerimôniaspré-nupciaís (v.tesourão, Fregatidae). Notachá,

o sistema de sacos aéreos é até capaz de produ-zir um ruído.

35

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MORFOLOGIA 85

Fig. A - Partes exteriores da ave (em parênteses nome em inglês). Adaptado de O. Pinto (1964).

I. Cabeça (head)1. alto da cabeça, píleo (pileum, top of the head)2. fronte, testa (forehead)

3. vértice (crown)4. occiput (occiput), v. também 27

5. faixa, lista, risca, linha superciliar ou supra-ocular, so-

brancelha (superciliary stripe, eye-brow)6. faixa transocular7. 101'0,freio (lores)8. íris, no centro a pupila9. pálpebra (eyelid)10. região perioftálmica, anel periocular (eye-ring)11. região pós-ocular, retroocular, transocular12. ouvido (ear)

. 12A. região auricular

13. bochecha (cheek)14. estria malar ou mistacal, bigode (moustachial, malar

stripe)15. mento (chin)16. garganta (throat)16A. base da garganta

n. Bico (bill)(O estojo córneo do bico é designado como ranfoteca)

17. maxila, mandíbula superior, bico superior (upper beak,upper mandible)

18. ponta do bico19. culmen, cume da maxila, cumeeira (culmen)20. tôrnia, comissura (cutting edge)21. narina, venta (nostril)

22. cera, ceroma (cere), existente, p. ex.. em gaviôes.23. dente (tooth)

24. mandíbula, mandible (mandible, under mandible)25. gonis (gonys, união dos dois ramos da mandíbula)26. ricto (rictus), local onde aparecem as saliências ou

carúnculos rictais de pequenos filhotes de Passerifor-mes.nesta área há freqüentemente cerdas (bristles,vibrissae)

Ill.Lado superior27. nuca (nape), v. também 428. pescoço superior ou posterior, face dorsal do pescoço

(hind neck)29. dorso, costas (back). Uma designação um 'tanto vaga é

"manto", usada para o dorso anterior ou, maislogicamente, para todo o dorso em conjunto com as co-berteiras superiores das asas.

30. alto dorso, dorso anterior, região interescapular(interscapularregion)

31. escapulares (scapulars)32. médio dorso

33. baixo dorso, dorso posterior ou inferior (Iower back)34. uropígio, sobrecu(rurnp, em espanhol: lomo)35. coberteiras superiores da cauda, supracaudais (uppertail

coverts, em espanhol rabadilla ou supracaudales)36. cauda, rabo, retrizes (tail, rectrices, tail-feathers)

IV.Lado inferior15. mento (chin)16. garganta (throat)16A. base da garganta

37. pescoço inferior (fore neck)38. pescoço anterior inferior

39. pescoço posterior inferior, região do papo40. lados do pescoço (sides of the neck)41. peito

42. alto peito, peito anterior (chest)43. baixo peito, peito posterior (breast)44. barriga, ventre, abdômen (abdomen)45. lados do corpo (sides)46. flancos (flanks)47. crisso, região ao redor da cloaca (crissum)

48. coberteiras inferiores da cauda, subcaudais, infracaudais(undertail-coverts)

V Membros posteriores, pernas (hind limbs, incluindo ou não opé)(O estojo córneo do pé é designado como podoteca)

49. calção, calça, polaina, coxa (thigh,tibia)50. tarso,canela, tarso-metatarso (tarsus)51. acrotarso52. planta do tarso53. 1° dedo (hind toe)54. 2° dedo (inner toe)55. 3° dedo (middle toe)

56. 4° dedo (outer toe); os dedos, compostos de falanges,constituem o pé (foot); a designação "pé" é usada àsvezes para o conjjmto dedos-tarso; os dedos podem serprovidos por membranas natatórias ou interdigitais

57. unha (claw)

58. esporão (spur), existente, p. ex., no galo doméstico; exis-tem, às vezes, esporões da asa, p. ex. no quero-quero

VI. Asa (wing)

59. encontro, curva da asa (bend of wing)

60. margem da asa, orla alar, borda metacarpal ou carpal(edge of wing)

61. dragona (epaulet), p. ex., em certos icteríneos62. asa bastarda (bastard wing, alui a)

63. espelho, espéculo (speculum), p. ex., em anatídeos ecertos emberizíneosrêmiges (remiges)

I rêmiges primárias (primaries)II rêmiges secundárias (secondaries)Ill terciárias, secundárias internas (tertials), de fato

não são rêmigescoberteiras, tectrices (coverts)

IV grandes coberteiras superiores da asa (greaterwing-coverts)

V coberteiras médias superiores da asa (medianwing-coverts)

VI pequenas coberteiras superiores da asa (lesserwing coverts); o lado inferior da asa é cobertopelas coberteiras inferiores e as axilares.

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~[IIIII,

I'I

II

86 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

5:1.2 ESQUELETO

oestudo dos ossos está relacionado sobretudo à sis-temática (a classificação dos seres, arrumados na prová-vel seqüência filogenética), no campo da paleontologiae da anatomia comparada.

A aquisição da faculdade de vôo implicou numa re-dução máxima do peso dos ossos sem prejudicar a esta-bilidade do esqueleto. A substância óssea da ave é ex-tremamente dura. Muitos ossos são ocos, pneumáticos,resultando daí a surpreendente situação de o esqueletopoder ser mais leve que o integumento - as penas, apele e os estojos córneos do bico e dos pés: ranfoteca epodoteca, respectivamente - (Brodkorb, 1955). Numaáguia de o esqueleto pesou apenas 272g-(6.66%do peso total), enquanto o integumento pesou 1.044g(25.58%do peso total), a musculatura e o sistema nervo-so pesaram 2.360g (57.81%) e as vísceras 247g (6.06%).~Quando as aves perdem secundariamente a capacidadede vôo, os osso~ tornam-se compactos e pesados (p. ex.,pingüim, erna).

O crânio é uma das partes do esqueleto que mos-tram nitidamente a economia de substância óssea quan-do se trata de aves voadoras. Enquanto bacuraus e co-rujas têm um crânio levíssimo, esponjoso, marrecas quevoam pouco mas mergulham muito, possuem um crâ-nio de osso maciço.

Boa parte do crânio é tomada pelos olhos, muito gran-des. Que o bico caracteriza as famílias é óbvio. Sua for-mação obedece tanto às relações filogenéticas como aadaptações às técnicas mais variadas para apanhar acomida) circunstâncias tratadas detalhadarnente nos tex-tos de f~mílias. S. L. Warter estudou a osteologia cranialdos tiranídeos. resolvendo problemas nessa maior fa-mília de aves nas Américas.

Considerando as exigências muito grandes de vôo,o tronco ou tórax tem que ter estabilidade, na qual aju-dam a estrutura da cintura escapular e as apófises

i iii, que faltam nas Anhimidae. Osfalconídeos apresentam a parte posterior da coluna re-forçada por uma fusão de vértebras Altera-ções profundas ocorreram no esqueleto do tórax da ci-gana, .

A estrutura óssea dos membros anteriores, as asas,corresponde basicamente à dos répteis e mamíferos, sen-do porém os dedos rudimentares e os ossos da mão sol-dados, estabilizando a asa. Referimo-nos sempre à for-ma da asa que depende da estrutura óssea particular edas rêmiges, resultando em diferentes tipos de vôo nasvárias famílias e gêneros ..Evoluíram esporões como ar-mas nas asas da anhuma e da jaçanã. O filhote da ciganatem duas unhas na asa. Há redução drástica daasa nasRatitas, representadas no Brasil pelaérna.

A execução do vôo levou nas "Carinatas", a maioriadas aves, a evolução da t ni, a quilha estema, eda[úrcula, particularidades da classe AVES, a fúrcula jáexistindo no eo nas quais se insere a museu-

Fig.B- Esqueletoda ave (seg.A. Reichenow1913).

1. crânio2. vértebras cervicais3. vértebras dorsais4. sacro5. vértebrascaudais6. pigostilo7. costelas,com apófises uncinadas8. esterno,com quilha esternal9. clavícula(fúrcula)10. coracóide11. omoplata (escápula)12. úmero13. cúbito(ulna)14. rádio15. articulaçãoda mão, metacarpo16. metacarpo17. polegar,1°dedo da mão18. falangedo 2°dedo da mão19. falangedo 3°dedo da mão20. fêmur21. tíbia,tíbia-tarso22. tarso, tarso-metatarso.23.dedo posterior(hálux), 10 dedo do pé24. dedo interno, 2°dedo do pé25. dedo médio, 3°dedo do pé26. dedo externo,4°dedo do péFlechaCA,calcanhar,articulaçãointertarsal, designadaer-

roneamentecomo "joelho"Flecha10, joelho

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MORFOLOGIA 87

latura de vôo:1 Nas aves corredoras, as Ratitas, a quilhaesternal desapareceu junto com a musculatura de vôo.A forma do esterno é usada na sistemática, p. ex. nosFalconiformes e Passeriformes (v. figo198).

Como apoio da cauda evoluiu opigostilo que nãoexiste nas aves que não desenvolvem a caud~~ comoacontece com a ema e as galinhas usuras" (v. sob gali-nha-doméstica).

Chamamos a atenção para os diversos tipos de pés,caracterizados pela eventual perda do primeiro artelhoe pela orientação dos artelhos em adaptação ao uso di-ferente. Papagaios, tucanos e pica-paus são zigodj~los(o artelho externo deslocado para trás, junto aohálux),

martins-pescadores sãosindáctilos (todos três artelhosanteriores unidos na base), surucuás heterodáctilos (doisdedos para frente e dois paratrás):

As garras são afiadíssimas em gaviões e corujas, ca-çadores de vertebrados, mas também em aves que usamas unhas para se afixar no substrato, como andorinhões(Chaeturinae) que pousam em rochas verticais, os filho-tes de beija-flores que se agarram ao ninho e o pato-do-mato que pousa sobre galhos. As garças, o caramujeiro,a suindara, e os bacuraus têm uma garra pectinada queserve para limpeza, exemplo de evolução convergente,ocorrida em ordens não aparentadas.

,.. 5.1.3. MUSCULATURA, CORAÇÃO, TUBO DIGESTIVO,

LÍNGUA, GLÃNDULAS, OLHO, OUVIDO E SIRINGE

Temos no Brasil os casos mais diversos de evoluçãolocomotora nas aves, basicamente variando o peso rela-tivo da musculatura (principalmente o músculo grandedo peito, opect s o e o peso relativo do coração.Os extremos são os Tinamidae, aves pesadas terrícolas,de vôo reduzido e coração muito pequeno, e os beija-flores, aves minúsculas de vôo rapidíssimo e coraçãomuito grande.

A musculatura da mandíbula foi pesquisada no gru-po dos Oscines (Passeriformes) esperando-se-achar ele-mentos úteis na difícil classificação dessas famílias. Amusculatura em geral porém, não é boa indicadora aafilogenia, uma vez que está submetida em boa parte aouso diário, constantemente pressionado pela seleção.

. Na formação do tubo digestivo, outra vez a ciganaapresenta características únicas (papo extra-torácico etc.).Outros casos especiais são, p. ex.ipássaros frugívoroscomo os gaturamos, que não possuem o estômago-mus-cular, presente nas demais aves.'- A língua, assim como o bico;' reflete as condições es-

pecíficas de apanhar o alimento (v.p. ex. sob beija-florese pica-paus).

Entre as glândulas tratamos das "glândulas de sal"de aves marinhas (como gaivotas), que são glândulassupra-orbitais transformadas19s lobos olfatórios de avescostumam ser pequenos; a orientação pelo faro é rara,ocorrendo em pardelas (Procellariidae), em certas espé-

cies de urubu e também no guácharot t . Vestí-gios de faro foram encontrados p. ex. em beija-flores.Certas aves exalam um ,cheiro típico, como papagaios,surucuás, pica-paus e certos icteríneos. Urna glândulabem conhecida é a do uropígio que produz urna graxabenéfica à plumagem.

Os olhos das aves permitem urna visão excelente quediscutiremos no caso dos urubus e gaviões. Aves notur-nas e crepusculares tem os olhos maiores proporcional-mente, sendo o exponente deste grupo o urutau,

ctibius. diferenças no tamanho do olho atédentro de famílias: espécies que vivem nas copas dasárvores, na luz mais intensa do dia, têm olhos menoresque espécies que vivem na penumbra do solo da matatropical densa (v. p. ex. Formicaríidae); Ocorrem duas

ce lis, beneficiando a focalização, p. ex. emFalconiforrnes, Alcedinidae e Apodidae.A percepção decores pelas aves é semelhante à do homem, como mos-tramos no caso dQSbeija-flores.

O ouvido pode ser tão primoroso que a suindara,to, pega um rato no escuro absoluto ou quando ele

corre invisível por baixo de um pano.A traquéia é às vezes transformada, amplificando a

vocalízação, p. ex. nos jacus (Cracidae) e no anambé-preto (Cotingidae).

.A siringe, desenvolvida nos brônquios,éo aparelhofonador das aves, substituindo a laringe dos mamífe-ros, situado no começo superior datraquéia.A estrutu-ra da siringe é usada para separar as duassubordensdos Passeriformes: Suboscines e Oscines.

5.1.4SEXO

As glândulas genitais, as gônadas das aves estão lo-calizadas junto aos rins (v. figoC). O macho tem sempredois testículos, um em cada lado, a fêmea tem um ová-rio somente, no lado esquerdo. Raras vezes são achadosdois ovários, às vezes em Falconiforrnes, sobretudo ogênero cipite - o kiwi da Nova Zelândia tem sem-pre dois ovários, mas apenas um funcionando.: O tama-nho das gônadas varia muito conforme a época: no pe-ríodo do descanso sexual ou em imaturos podem sertão pequenas que não se consegue localizá-Ias. Durantea reprodução aumentam enormemente, até 400 vez~s~

.Dimorfismo sexual nem sempre aparece. Em avesmantidas em cativeiro, há várias técnicas para determi-nar o sexo: análises fecais, análises sangüíneas eendoscopia. Fala-se também de umoentgen diagnósti-co que seria o método mais elegante.

(1)Análises fecais. Isolamento de hormônios femini-nos que, porém, existem em quantidade apreciável ape-nas no tempo da reprodução.

(2) Análises sanguíneas. Trata-se da análise docariótipo para isolar o cromossomo uW", peculiaridadeda fêmea. O material mais apropriado para essa pesqui-sa é a base da pena em desenvolvimento.

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88 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

--.Uma técnica um tanto parecida é o "teste de

Olímpia", isolando a cromatina sexual das células docabelo humano, técnica adaptávelà pena das aves.

(3) Endoscopia. Um veterinário pode executar aendoscopia, aplicável sobretudo quando se trata de umaave maior, por uma pequena intervenção cirúrgica(laparotomia) da ave levemente narcotizada. Uma inci-são de apenas 3 a 4 mm, no lado esquerdo da ave (fig. D)é suficiente para introduzir o endoscópio que ilumina ocampo visual. O ovário se reconhece logo; o testículo,em ambos os lados, pode ser branco ou escuro.É basi-camente a técnica aplicada pelos galinocultores chine-ses para a castração, já há mais de 2000 anos.

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<9" \ Cli l" (\I ~\ '

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QI.

dFig.C - Orientaçãosobre a identificaçãodo sexodeuma ave. Macho(à esquerda), fêmea(à direita).C,cloaca;L,pulmão;0, ovário;00, oviduto;R,rim; S,dueto deferente;T,testículo(seg.Blake1977).

Fig.O- Topografiada parte traseira de uma ave paraorientarsobre a execuçãoda endoscopia.Área (traçoforte),onde fazer no meio uma incisãode3a 4mmpara introduzir oendoscópio, perfurando um sacoaéreo;em frente o pulmão (corrosa),caudal os rins(pardos).Nas três costelasanterioresvêem-seasapófisesuncinadas (seg.Heidenreich 1978).

'Ocorrem .hermafroditas, o fenômeno doginandromorfismo, ou seja a coexistência de caracteressexuais masculinos e femininos, em um mesmo indiví-duo, a plumagem do lado direito se apresentando comomasculina, e a do lado esquerdo como feminina, reflexoda presença do ovário apenas no lado esquerdo. Maisraros são hermafroditas "invertidos" nos quais a plu-magem masculina ocupa o lado esquerdo do corpo e afeminina o direito. Sobre hermafroditas v. Coerebinae eEmberizinae.

5.1.5 PENA, PLUMAGEM

A plumagem, composta pelas penas,é o distintivomais importante da classe AVES.

A evolução da micro-estrutura da pena demonstraclaramente a tendência de formar uma espécie de tecidoresistente (os vexilos da pena) que não cedeà intensapressão do ar durante o vôo. As teorias sobre a evolu-ção da pena foram condensadas por Parkes (1966),Lucas& Stettenheim (1972), Regal (1975) e Feduccia (1980).

Lembramos que a faculdade de vôo evoluiutambémem três outras classes de animais: nos insetos, há apro-ximadamente 235 milhões de anos, nos pterosáurios(répteis), há 180 milhões de anos, e nos morcegos (ma-míferos), há 60 milhões de anos. A idade de

primeira ave conhecida, é de cerca de 150milhões de anos, v. Fósseis.

O eixo da pena (fig. E) é a raque (existe às vezes umhipóptilo, cuja base é chamada de cálamo.Presos nas faces laterais da raque estão os dois vexilos(lâminas, lâmina interna e externa, e). Os vexilos sãoformados pelas barbas cujos eixos são os ramosirami,

Os ramos são providos por sua vez dasbarbicelas As barbicelas anteriores(distais, apontando a ponta da pena) são providas porganchinhos que prendem as.barbicelas poste-riores (proximais) do ramo vizinho (v. sob Tinamidae).Esse mecanismo complicado dá à pena sua admirávelfirmeza, combinada com a maior elasticidade. Umabarbicela de meio milímetro de comprimentoexecuta perfeita função estática, revelando, ao mesmotempo, até certo ponto, a posição sistemática da respec-tiva ave (Sick 1937, Chartdler 1916). . .'

A plumagem consiste: (1)nas pequenas penas do cor-po: penas de contorno, incluindo as várias "coberteiras".e a penugem, composta das plumas,se servin-do ao isolamento térmico; (2) nas penas de vôo: asrêmiges nas asas e as retrizes na cauda (rabo}.

As penas crescem em certas áreas ou fileira~'(pteas quais são separadas pelas aptérias; poucas aves, comoos pingüins, carecem das pterilas, suas penas crescemem qualquer parte do corpo. O conjunto das penas é apterilose, sua descrição a pterilografia.

Há outros tipos de penas, como a penugem lanosa, que cobre toda a superfície do corpo para

esquentar o mesmo; a penugem de pó (pulviplumas,

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MORFOLOGIA 89

Fig.E - Pena de uma ave (rêmigesecundária deum

sabiá,asa esquerda, vista de cima),esquema.Dr,barbicelaanterior ou distal possuindo ganchinhos;F],

vexilos(à direita vexiloexterno,à esquerda vexilointerno);K, raque, haste;Pr, barbicelaposterior ouproximallisa; , ramo; cálamo,raque, canhão(seg.H. Sick1937).

de d ), penas que, desintegrando-se, impermea-bilizavam a plumagem contra a água, substituindo, atécerto ponto, a secreção oleosa da glândula do uropígio(v.p. ex. garças e papagaios); as penas de adorno~ comoas egretes de garças. Pouco menciona-das, mas da maiorimportância para a ave, são as penas sonoras (v.P: ex. ajacutinga, Cracidae, e muitos Passeriformes). Pouco vis-tosas são as filoplumas, que lembram cabelos, brotandoao lado das penas de contorno em certas aves (p. ex. nacabeça de icho upis).

Mais uma categoria de penas, confundida às vezescom as filopl umas, são as rígidas cerdas( stles,

tles) que podem substituir as penas de contornoem várias regiões do corpo. Chamam mais a atençãoquando se acumulam ao redor do bico, formando uma"barba" (v. "capitão-de-bigode", C pito joão-bobo,

sp., etc.); as cerdas ocupam o loro de gaviões e

corujas e compõem a poupa dourada do grou-coroadoda África; apresentam-se como pestanas em certas aves(p. ex. Opisth .C i muitos Cuculidae,Trogonidae, Bucconidae). A função das cerdas. aparen-temente múltipla,é discutida (Stettenheim 1974). O seugrande desenvolvimento em bacuraus (as cerdas podemultrapassar a ponta do bico), papa-moscas, etc., pareceindicar que as cerdas ajudam a capturar e segurar inse-tos. Contudo, em alguns representantes tipicamenteinsetívoros, como andorinhas e até certos bacuraus, ascerdas são pequenas ou nem existem. Suas pontas sãoàs vezes alargadas, sugerindo uma função olfatória que,porém, não foi provada. As cerdas podem proteger asnarinas contra a entrada de ciscos, como serragem e pe-quenos insetos (v.p. ex. pica-paus).

O número das penas de contorno depende sobretu-do do tamanho da ave e do controle térmico: Num bei-ja-flor foram contadas 1.518, num bacurau 3.332, numamarreca 11.450 penas; veja sob mergulhões.

As anomalias na plumagem são raras; achamos umuirapuru ( macho adulto, rio Trombetas,Pará) em perfeito estado, mas não tinha nem vestígio dacauda ..

Entre as mutações se destaca mais o albinismo, me-lhor conhecido em sabiás no ambiente urbano. Encon-trames albinismo parcial numa pequena população iso-lada de sara curas (v.Rallidae). Foram registra dos, entreoutros, emas, urubus e pombinhas albinos, recentemen-te também umatobá,

Existem "fases" escuras de gaviões, p. ex.Muitas corujas e bacuraus costumam ter

duas fases dé"colorido da plumagem: uma cinzenta euma mais avermelhada. Conhece-se uma mutaçãomelanística emI . O luteínismo de papa-.gaíos é em parte artificial ("tapiragem"). Reproduzir efixar mutações é o grande interesse dos amadores.

Podem aparecer nas penas de vôo, comumente nasretrizes barras falhadas , Hunge indi-cando condições de estresse, carência de alimento du-rante a muda ou problemas de consangüinidade (v.sob

n hus l

5.1.6. MUDA -;- .~ .-

f,.s penas são periodicamente substituídas, fenôme-no provocado por uma secreção da tireóide, que podeser induzido artificialmente pela injeção dos respecti-vos hormônios. A muda já se nota no fóssil de

A pena que está em processo de crescimentoé umtubo curto (canhão) contendo uma polpa repleta de san-.gue. A pena nova empurra a velha, exceto na muda daplaca de incubação e na muda de susto (v. abaixo). Amuda ocorrida após a reprodução, produzindo a plu-magem de descanso sexual, é muitas vezes acompanha-da por uma alteração da cor das partes nuas, sobretudoo bico (v.guará e sabiá-poca).

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90 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Jreqüentemente ocorrem duas mudas anuais:1) umamuda parcial que é pré-nupcial, ocorrendo antes da re-produção; substitui apenas as penasdo corpo (ao mes-mo tempo, altera freqüentemente o colorido); e 2) umamuda completa ou pós-nupcial (chamada também mudade descanso, repouso ou inverno), substituindo tanto as

d ,. tri \penas o corpo, como as rerruges e re izes ..

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2)/f

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Fig. F -O processo da muda (esquema de uma fase)das rêmiges de uma ave com 10primárias e 10secundárias, numeradas corretamente. As primáriasmudam de dentro para fora: as cinco internas já foramsubstituídas, a sexta, a sétima e a oitava estão crescen-do, a nona e a décima são ainda rêmiges velhas. Assecundárias mudam em dois sentidos: de dentro parafora, e de fora para dentro. A primeira e a segunda e adécima até a oitava secundárias já foram substituídas;a terceira e a quarta, e mais, a sétima e a sextasecundárias estão crescendo; a quintaé ainda secun-dária velha'.

:A muda das rêmiges (Fig. F) costuma proceder-se daseguinte maneira: as primárias são mudadas sucessiva-mente de dentro para fora, razão pela qual se numeramas primárias neste sentido, de 1 a 10, sendo a décima amais externa; a maioria das aves tem 10 primárias, po-rém a décima primária é rudimentar em alguns grupos(v. sob Oscines), outra razão pela qual não é correto con-tar as primárias de fora para dentro", As secundárias,que têm número muito variável (conforme a família, amaioria dos Passeriformes tem 9 secundárias), são mu-dadas em dois sentidos (de fora para dentro, 1 a 4, e dedentro para fora, 8 a 5). A muda das retrizes é, na maio-ria dos casos, centrífuga, começando com as centrais.Há muitas exceções dessas "regras".

A muda se processa simetricamente em ambos oslados (asas), principalmente em aves de boa potênciade vôo. Referimo-nos, neste livro, a vários fenômenos

especiais da muda, como, p.ex., à plumagem de "eclip-se" ou repouso que, no Brasil, até agora mal mereceuatenção (é melhor conhecida no hemisfério setentrional,em anatídeos), evidente, p. ex., em beija-flores, na polí-cia-inglesa, ies, no saí-azul, , e ememberizídeos.

Focalizamos a muda "em bloco", que ocorre em avesaquáticas como marrecas e saracuras: queda de todas asrêmiges ao mesmo tempo, provocando a perda periódi-ca da capacidade de vôo.'9 modo da muda pode refletirtanto condições ecológicas (v. p. ex. Rallidae), como re-lações filogenéticas (v. p. ex. Accipitridae-Falconidae).

A duração da muda é condicionada por muitos fato-res.As espécies pequenas, como muitos pássaros e maça-ricos mudam em poucas semanas, enquanto as águiasnecessitam de vários meses. Uma primária de 175mmde comprimento de um pombo cresce em 40 dias. Amuda tem que ser integrada nos demais ciclos, sobretudoà reprodução e a migrações .

.Urn fenômeno conhecido entre avicultores e anilha-dores é a muda de susto que ocorre quando a ave sente-seamedrontada à morte, especialmente se for apanhada ànoite, dormindo. O respectivo indivíduo deixa cair pe-nas, sobretudo retrizes e penas da barriga.É registradaprincipalmente em galináceos (inclusiveC pombas(C in e sabiás ( u dus), mas também em muitasoutras aves, p. ex., papagaios . As penas as-sim perdidas são rapidamente substituídas. A muda desusto pode ser interpretada como uma 'espécie de"autotornia" para salvar a vida, fenômeno análogo àperda da cauda pelos lacertílios (Dathe 1955).

'Uma pena gasta que tem que ser mudada, distingue-se geralmente logo pelo estado geral precário. A penatorna-se mole e de aparência apagada, desbotada e sembrilho. A abrasão começa a destruição pelas partes bran-cas, não coloridas, p. ex., uma faixa terminal branca dasretrizes. Os pigmentos dão à pena boa resistência. Poressa razão as penas de vôo têm, geralmente, a ponta preta,(exceção p. ex.H l d . Sobre a abrasãoprovocada por capim cortante v. sob Motacillidae

nthus).Há muita variação no ciclo da muda quando se com-

param espécies diferentes e até indivíduos da mesmaespécie e do mesmo local, como Snow (1976) demons-trou sobre os cotingídeos. 'Jorna-se evidente que existeuma diferença entre representantes frugívoras (como

ugus) e insetívoras (como . Asfrugívoras mudam pelo fim da época seca, as insetívoras

. no início das chuvas. O que significa que a mudarequeras melhores condições alimentares (v. também sob Re-produção). Os cotingídeos frugívoros são espécies detamanho médio ou grande, geralmente. com dimorfis-mo sexual acentuado; os machos dedicam-se quase ex-

9 Quando se descreve apenas a ponta da asa, falando,P: ex., sobre o adelgaçamento das primárias dos gaviões,é lícito contar asprimárias de fora para dentro, dizendo, p. ~x., "segunda primária de fora".

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MORFOLOGIA 91

F

G

-----------

H

J

Fig. C'- Medição da ave.A. comprimento total, com penasB.comprimento total, sem penas

C. comprimento do bico: (1) comprimento do cúlmen, medido da base do bico até bico. Quando existe uma "cera" (p. ex., gavião),se mede da boda anterior da narina até a ponta do bico. 0, osso do crânio; P, contorno das penasD. altura do bico na baseE. largura do bico na baseF.comprimento da asa, modo de medir uma ave menor, esticando a asa

C. medição da asa pouco flexível de uma ave grande, p. ex., umtachã, , método chamado "chord" (corda); S,esporões

H. comprimento da cauda, medir da base das retrizes, encostando na pele, até a ponta das retrizes mais longas; C, doaca, P,coberteiras da cauda, R, cálamos das retrizes!,comprimento do tarso;CA, calcanharJ. comprimento do dedo mais comprido, com a unha

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92 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

clusivamente às suas-cerimônias pré-nupciais, não par-ticipam na nidificação e na assistência aos filhotes. Ma-chos deste tipo mudam mais cedo do que as suas fême-as. Em espécies como cujos machos par-ticipam da nidificação, os sexos mudam ao mesmo tem-po. Os subadultos (indivíduos de um ano de idade)mudam antes dos adultos.

Como a muda sincroniza-se com outras exigênciasespeciais de um ciclo diferente de reprodução, temos, p.ex., que, em gaviões, a grande fêmea que permanece noninho, chocando e depois cuidando dos filhotes, alimen-tando-os com a comida que unicamente o macho traz,aproveita-se desse tempo tranqüilo, sem necessidade devoar, para mudar.

Os filhotes da maioria dos Passeriformes mudamtodas as penas do corpo logo após ter abandonado oninho; rêmiges e retrizes, ainda não de comprimento de-finitivo, continuam a crescer.

5.1.7. COLORIDO DAS PARTES NUAS

Damos ênfasea descrição das partes nuas( t p is)bico, pele perioftálniica, pálpebras, íris (a cor da íris podeservir na identificação do sexo, v. p. ex. Cracidae, e daidade, v. p. ex. Psittacidaeje pernas (tarso e dedos), da-dos mal mencionados na literatura especializada brasi-leira, oferecendo-se amiúde nos nossos próprios proto-colos. A grande importância do colorido berrante decertas partes nuas da ave viva depreende-se do fato deque pode ter' papel decisivo no reconhecimento intra-específico, sendo exigidas em rituais pré-nupciais, como,p. ex., a mancha coronal da pele nua azul do beija-flor

opho c . A pele de muitas aves é clara, esbran-quiçada, mas pode ser também negra, p. ex., na grazina,G is alba, uma das poucas aves do-mundo de pluma-gem branca-pura. 'Q pigmento negro da pele resulta naabsorção mais eficiente dos raios solares que se trans-formam em calor.

5.1.8. MEDIçÃo

Indicamos o comprimento total em centímetros (me-dida da ponta do bico ao fim extremo da cauda), alga-rismo que costuma preceder cada descrição de espécie.

Trata-se nesse "total" de uma média que, em aves comdimorfismo sexual acentuado no tamanho, pode variarbastante. O comprimento das pernas não entra no "com- .primento total" o que, em aves pernilongas como gar-ças, saracuras, maçaricos e Passeriformes terrícolas(como p. ex. o tovaca, engana sobre o tama-nho efetivo da ave. Apontamos, nesses casos, às vezes, a"altura sobre o solo", p. ex., na ema: a altura da ave vivaem pé, de pescoço esticado verticalmente. Também nãoentra no "total" o comprimento da asa que, p. ex., emandorinhões comoCh e pode exceder consideravel-mente o comprimento da cauda. Assim umandorinhãopequeno (corpo pequeno, e cauda bem curta) parece serdo mesmo tamanho que um andorinhão de cauda maislonga, quando se coloca um pássaro ao lado do outro:devido ao comprimento da asa, que é quase igual emambos. O "total" varia com o modo de preparar umaave, tornando-se assim uma medida incerta.

Para fins científicos, o "comprimento total" que pro-porciona uma boa idéia rápida sobre o tamanho, quasenão é aproveitado. Quando é necessário, indicamos asmedidas certas de bico, asas; cauda, tarso e dedo médio.A medida mais usada é o comprimento da asa, esticadanuma régua. Mas o comprimento da asa também nãocorresponde sempre ao tamanho, sendo a asa sujeita àpressão da evolução: torna-se, p. ex., maior ou menor, eaté atrofiada, conforme seu uso ou não. Pode haver di-morfismo sexual na forma e no tamanho da asa, possi-bilitando produção de som pelo macho (p. ex. beija-flo-res). Tal dimorfismo sexual pode ocorrer também nacauda (v. bacuraus, beija-flores).

A idéia mais segura sobre o tamanho de uma ave édada pelo peso, transmite mesmo . Há poucos

. registros de pesos de aves do Brasi1. Existe alguma varia-ção individual no peso, conforme a hora (em aves diur-nas o peso costuma aumentar durante o dia), o mês, aidade, o sexo (a fêmea costuma ser mais pesada na épo-ca de pôr) e a população; os jovens que saem do ninhopodem ser mais leves ou mais pesados do que os adul-tos, etc.

As' aves de arribação, p. ex. certos maçaricos, quan-do se preparam para longos vôosnOI1 stop, acumulamtantas reservas de gordura como combustível, que che-gam a alcançar o dobro (até mais) do peso normal.

~-.i,

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6 Classificação e Nomenclatura

A classificação científica dos animais é o campo dataxonomia ou zoologia sistemática. A taxonomia baseia-se principalmente na morfologia e anatomia (sistemáti-ca tradicional), coletando e estudando corpos inteirosem líquido, esqueletos e espécimens empalhados.

As aves são o grupo melhor pesquisado dos animais.Calcula-se que mais de 99% das espécies recentes sejamconhecidas. Em borboletas, p. ex., provavelmente nema metade das espécies existentes foi descrita. As avesfósseis identificadas são escassas, mas da maior impor-tância. Seria pouco objetivo se concluíssemos que nãotemos nada mais a fazer em termos de classificação deaves, conforme está sendo às vezes propalado.

Nos últimos anos foram desenvolvidas novas técni-cas para a' classificação de aves, sobretudo métodosbioquímicos: a quimio-taxonomia ou sistemática gené-tica. Enquanto a sistemática tradicional trabalhava comtodo o organismo, a sistemática genética trabalha ape-nas com as moléculas: análises comparativas de ácidosnucléicos e proteínas (biologia molecular). ForamCharles G. Sibley e [on E. Ahlquist (1972) que iniciaramessas pesquisas, começando com análises eletroforéti-cas da clara do ovo. Depois aperfeiçoaram essas técni-cas desenvolvendo a DNA hibridação (DNA= AND,ácido desoxirribonucléico), usando o material genéticocontido no sangue. Com a última técnica, "calibrada"com dados geológicos, chegou-se a conclusões bastanteconvincentes sobre o parentesco das categorias superio-res (as famílias), evoluídas durante milhões de anos.Puderam assim ser corrigidas as árvores filogenéticasdas aves, esquemas construídos pelos anatomistas epaleontólogos. As conclusões dos últimos, baseando-seem fósseis, não permitem um controle bioquímico. Osdendrogramas de C. Sibley cobriram durante o XIX Con-gresso Internacional de Ornitologia em Ottawa, Cana-dá, em 1986 uma parede inteira da sala de

O sistema das moléculas é incrivelmente complica-do, tornando-se altamente significativa uma real seme-lhança de tais amostras, que representam as aves a com-parar. As DNA-técnicas revolucionaram a sistemáticadas aves, mas geralmente confirmam as opiniões reinan-tes sobre o parentesco. Foi provado, p. ex., o parentescoíntimo dos tinamídeos com a erna, Em certos casos, comop. ex., na cigana, os resultados surpreendem e estamosesperando confirmações. Não faltam críticas que exigemmais requintes nas técnicas atuais de DNA hibridação(Houde 1987).

Para aplicar a eletroforese em nível genérico e espe-cífico, recomenda-se preparar "skin-skeletons": corpos

inteiros com os ossos, a musculatura, as vísceras, asas ecauda, conservados em gelo seco. A melhor fonte dematerial é o sangue (Johnsonet 1984). As proteínasda queratina de penas secas podem ser também analisa-das bioquimicamente. Esse método foi usado na classi-ficação do cotingídeo , espécie nova brasi-leira muito particular (Knox 1980). Com essa técniça sepode até analisar uma espécie extinta, se ainda houvermaterial conservado em Museus.

Existem vários outros métodos modernos parapesquisar o parentesco de aves. Examinam-se relaçõestaxonômicas e bioquímicas com base em análises de cas-cas de ovos (aminoácidos, Krampitzet . 1975, Paeffgen1979) e compara-se a substância da excreção da glându-la.uropigiana (Poltz & Jacob 1974, Jacob 1980). .

É estudada a ultra-estrutura da casca do ovo (Becking1975). Continua-se a trabalhar com os cromossomos, ocampo da citotaxonomia (Lucca& Rocha 1992). O estu-do dos cromossomos das aves é dificultado pela exis-tência de numerosos microcromossomos (até 60 pares).V. também a análise do cariótipo (identificação do sexo,v. sob Psittacidae).

Feduccia (1974) voltou ao aproveitamento daosteologia, comparando o "stapes" , ossinhodo ouvido interno, que permite tirar conclusõesfilogenéticas uma vez que não fica sujeito diretamente apressões mais fortes da seleção. Em conclusõesfilogenéticas não se deve utilizar apenas um elementocomo fundamento.

A moderna "taxonornia numérica", aplicada no Bra-sil em insetos, trabalhando-se com computador, não éainda utilizada em aves. Temos a DNA-hibridação eoutras técnicas bio-químicas que podem ser considera-das um tipo de taxonomia numérica.

Uma controvérsia campea, atualmente, acerca dequal das três metodologias de classificação biológica sejaa melhor: classificação fenética, cladística o~ evolutiva,Os méritos e as aparentes deficiências das três aborda-gens são discutíveis. Já que classificar é um procedimentode múltiplas etapas, sugere-se que os melhores compo-nentes dos três métodos sejam usadas em cada etapa.Através de uma tal abordagem sintética pode-se cons-truir classificações que são igualmente adequadas tantocomo base de generalizações, quanto como índice parasistemas de armazenamento e resgate de informação.

Referimo-nos na identificação o máximo possível ao .efeito da ave viva, que pode ser bem diferente do causa-do pelos espécimens de museu. Em arapaçus,Dendrocolaptidae, p. ex., a identificação de gabinete

" ,

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94 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

apóia-se geralmente no desenho do lado inferior que,em natureza, mal se vê, pois a ave está sempre "colada"à árvore. Em grupos como aves marinhas e aves de ra-pina damos os caracteres que distinguem a ave em vôo.Com alguma experiência reconhecemos muitas vezesuma ave viva pelas suas proporções e sua atitude, mes-mo pela silhueta, e além disso, pelos seus movimentos.As dificuldades que, no âmbito deste livro, envolvem acaracterização da morfologia, podem ser superadas fre-qüentemente por chamar a atenção à biologia incluindoa etologia dos respectivos representantes, sobretudo avocalização que, em muitos casos, resolve o problema.Lembramos da classificação do furnarídeoc( eoph l e, identificado pelos sistematas degabinete como um s pelo estudo da vocaliza-ção e da construção do ninho foi possível incluí-Ia numgênero andino, imigrado para o Brasil no Pleistoceno(Sick 1985b). A transferência de e idos cotingídeos aos tiranídeos se compreende imedia-tamente pelo seu modo de nidificação.

Para identificar cientificamente uma ave, são neces-sárias em muitos casos, as medidas exatas, em milíme-tros, de asas, cauda, bico, tarso e dedos, além de umaapreciação minuciosa da plumagem, detalhes que ficamreservados a trabalhos de caráter mais profissional, ba-seados em espécimens coletados. Sendo assim, não pu-demos abordar devidamente, p. ex., os problemasintrincados das chamadas "espéciescrípticas" ou "es-pécies gêmeas"(sibling species, ge ino-epecies, Mayr1942): espécies morfologicamente muito semelhantes(como certos papa-moscas, Tyrannidae), para cuja dis-tinção são necessários os mais exatos dados sobre o ta-manho e o colorido. Citamos somente o nome, acres-centando sua distribuição; às vezes, a voz resolve o caso.Da mesma forma tratamos algumas espécies, tanto resi-dentes como visitantes, de ocorrência local, registradasp. ex., só nas fronteiras do Brasil, sobretudo na periferiasetentrional, até há pouco de alcance difícil.

Em espécies ou subespécies muito parecidas (v. p.ex. o), pode-se estudar o comprimento relativo e oadelgaçamento das primárias mais externas que formama ponta da asa (pesquisa possível apenas quando asrêmiges não estejam em fase da muda nem muito gas-

.. "tas), para obter a fórmula. de asa ou o índice de asa(Lanyon 1978, Mlikovsky 1978). O adelgaçamento cos-tuma ser mais desenvolvido em indivíduo adultos epode ser privativo do macho (v. também Música instru-mental, rêmiges sonoras). Asas acentuadamente apon-tadas caracterizam populações migrantes (v. p. ex.

nnus s e Cinclodes). Calcula-se também o índi-ce asa-cauda para diferenciar formas parecidas (cauda x100: asa, ou percentagem). .

Os dados que damos sobre o colorido da plumagemabrangem apenas o indispensável para a identificação,que ainda reduzimos quando consta uma figura. Absti-vemos-nos de descrições mais detalhadas, que pratica-mente qualquer um que manuseie com prudência

espécimens empalhados ou copie livros-pode fazer.Abordamos plumagens juvenis. Mencionamos, opor-

tunamente, certas variações do colorido, sobretudo mu-tações, como,P: ex., polimorfismo em aves-de-rapina,papagaios e corujas, heteroginia em formicarídeos ehermafroditismo, o último registrado nos emberizídeos.Não faltam no Brasil descendentes de cruzamentos deespécies e gêneros na natureza (v, p. ex., Emberizidae).

Fenômenos morfológicos semelhantes podem serinterpretados: (1) como analogias ou convergências, re-fletindo adaptações especiais, ligadas ao complexo daalimentação ou às condições ambientais, ou (2) comohomologias que provam um parentesco filogenético.Fazemos muitas vezes alusão a esta alternativa. Pode-se dizer: a evolução convergente provoca semelhançasfalsas, enquanto a seleção natural ofusca o verdadeiroparentesco. Evoluíram analogias surpreendentes entrea fauna neotrópica e a fauna africana, em perfeita adap-tação ao meio ambiente. O caso mais interessante é odos beija-flores, Trochilidae, que parecem ser imitadospelos Nectariniidae, Passeriformes do Velho Mundo(África e Madagascar, Indo-Austrália). Outros casos evi-dentes são os bicos-de-agulha, Galbulidae (Piciformes),da região neotropical, e os abelharucos, Meropidae(Coraciiformes), do Velho Mundo. Comentamos a seme-lhança de tiranídeós terrícolas nossos do gênero

u ic~ , com o chasco-do-monte, the sp.,Muscicapidae do Velho Mundo. O "perigo" de uma con-vergência adaptativa foi freqüentemente subestimado.O problema é distinguir claramente entre adaptação eparentesco verdadeiro. Enquanto em ordens comoTinamiformes e Procellariiformes a monofilia (descen-dência de uma só raiz) parece certa, a polifilia é provávelem outros grupos, como Coraciiformes e Passeriformes.

Concluiu Bock (1976),que antes de 1940,a classifica-ção das aves se baseou quase toda na morfologia com-parada, enquanto após 1950 as pesquisas não-morfológicas começaram a predominar. Os fatores mor-fológicos continuam a ser, porém, os caracteres maisúteis na taxonomia.

O princípio dos sistematas para organizar a ClasseAVESé colocar os grupos de idade geológica maior e deevolução mais lenta (pingüins e ratitas) na base do sis-tema, os grupos mais novos, de evolução mais rápida(Passeriformes), no fim. Uma seqüência linear, porém,nunca pode satistazer.

Damos aqui uma síntese altamente simplificada, ca-racterizando as unidades sistemáticas(táxon): classe, or-dem, família, gênero, espécie, alo, serni, super e subes-~~. "

E: a

6.1.

O conjunto de todas as aves é a classe. A classe AVESé dividida em duas subclasses: (1) Archaeornithes, quesão as aves ancestrais, representadas porh ,(v.sob cigana, Opisthocomidae). (2) Neornithes, as aves

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CLASSIFICAÇÃO E NOMENCLATURA 95

verdadeiras, entre elas há representantes fósseis, doCretáceo, como e ambas avesmarinhas.

As aves recentes são grupadas em Ratitas (v.Rheidae)e Carinatas (todas as outras aves recentes).

6.2. ORDEM

Para expressar parentesco mais próximo dentro deuma classe de animais, como são as aves, esta é dividi-da em ordens (p. ex. Passeriformes). das ordens,entidade muito coletiva, é discutido. Até dois sistematascontemporâneos do maior renome, divergiram conside-ravelmente: Stresemann(1927-1934),no Velho Mundo,dividiu as aves vivas (excluindo as aves fósseis) em48ordens, Wetmore(1960),representante do Novo Mundo,apenas em27 ordens. Reconhecemos24 ordens no Brasil.

Acima da categoria da ordem, Wetmore adota duassuperordens de aves verdadeiras recentes: os Impennes(pingüins) e os Neognathae (as aves restantes).

Os Passeriformes ou Passeres são confrontados mui-tas vezes ao resto da classe: os não-Passeriformes. A or-dem é subdividida às vezes em subordens (v. p. ex.Charadriiformes e Passeriformes). A próxima entidadeinferior é a família.

6.3. FAMÍLIA

A família (táxon caracterizado pela sílaba terminal-idae, p. ex., Anatidae) constitui a entidade mais alta re-conhecida pelas leis internacionais da nomenclatura (v.sob "Espécie",2.5.). Os membros da família têm que sermonofiléticos. Indicamos na introdução de cada famí-lia, a presumível origem da mesma e suas supostas rela-ções de parentesco. Além da morfologia e da etologia,citamos os resultados das análises eletroforéticas de C.G. Sibley e colaboradores (v.acima).

Nas aves brasileiras temos ainda dúvidas sobre a de-limitação de algumas famílias de Passeriformes cuja po-sição sistemática é próxima, como Cotingidae eTyrannidae ou as antigas Thraupidae e Fringillidae. Re-gistramos em nossa primeira edição,86-87 famílias parao Brasil. A família é, às vezes, subdividida em subfamí-lias, táxon caracterizado pela sílaba terminal-inae, p. ex.,Anatinae. Em certos casos são adotadas superfamílias(v. Passeriformes).

6.4. GÊNERO

A interpretação do gênero é, até certo ponto, subjeti-va, arbitrária. Por isto os gêneros e a composição dosgêneros, como admitida por vários especialistas, sofremalterações. A tendência é diminuir o número de gêneros»=: contra A maioria das reduções de gê-neros e provocada pela aplicação do novo conceito desuperespécie. Às vezes é razoável aumentar o número

de gêneros (v. p. ex. Formicariidae: separação dede . Wesley E. Lanyon erigiu novos

gêneros de tiranídeos baseando-se na siringe.9'

6.5. ESPÉCIE I-

aA espécie é representada pelo indivíduo, o pássaro

que vemos.É a única unidade biológica natural ("espé-cie biológica") e é o elemento básico na classificação,por isto chamada também "espécietaxonômica". En-quanto a espécie é uma unidade individual, agregadoreprodutivo isolado de populações intercruzantes (Mayr1977),o gênero é uma unidade coletiva, reunindo repre-sentantes aparentados de provável origem filogenéticacomum. O isolamento reprodutivo das espécies éconcómitante com diferenças morfológicas que podemser mínimas (como, p. ex., em pequenos tiranídeos dogênero e Por outro lado, certas diferençasmorfológicas que podem. ser muito grandes (como odimorfismo sexual ou diferenças existentes em espéciespolimórficas como gaviões) não provam uma separaçãoespecífica. Quando ocorre na natureza um cruzamentofértil, os pais são considerados, geralmente, co-específi-cosoCasos especiais são, p. ex., o de quatro emberizídeos,residentes em orla de mata baixa e rala: o tié-sangue,

e seu representante amazônico; apipira-verrnelha, e o galinho-da-serra, pileaius, e seu representante ver-melho, o tico-tico-rei, Emconseqüência de uma grande expansão tornaram-sealopátricas e muito diferentes, atingindo, aparentemen-te, o de espécies. Posteriormente encontraram-sede novo, terminando por intergradarem-se, comportan-do-se tal como raças geográficas, ou seja, co-específicas.Mayr (1942)definiu este tipo de especiação como "serni-espécies".

Os cruzamentos de espécies e até gêneros na nature-za, ocorrem no Brasil pela interferência do homem quedestruiu a paisagem original, a qual servia como barrei-ra natural entre espécies aparentadas (v. Pipridae,Emberizidae). Em cativeiro cruzam-se muitas espécies,como marrecas, galináceos, psitacídeos e emberizídeos,produzindo até descendentes férteis.

O conceito da espécie segundo Linnaeus correspon-.de g~ralmente à atual noção, se bem que a espécie,modernamente, não seja mais concebida como unidadeestática (fixa) e, sim, formada pela dinâmica da evolu-ção. A denominação científica (o campo da nomenclatu-ra) pode ser demonstrada no caso do tico-tico:c pensis (Müller 1776),Emberizidae, Passeriformes,Aves,sistematização introduzida por Linnaeus emi758. Osparênteses em Müller indicam que Müller ligou o nome

pensis a outro nome genérico: ngi Müller,1776.Nomes de espécies e de pessoas devem ser escri-tos com inicial minúscula, nomes compostos sem traço-de-união, p. ex., il Autores bem familiari-zados com o latim gostam de latinizar nomes de pes-

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soas na nomenclatura (p. ex.pi us, em vez de Spix),em conseqüência o respectivo nome deve ser escrito comdois i (genitivo latino); p. ex., a ararinha-azul, nopsitt

(Wagler, 1832). Por outro lado, se escreve sspi Sclater, 1856, simples genitivo de Spix, semlatinização.

O ato de dar nomes científicos é controlado pela Co-missão Internacional de Nomenclatura Zoológica(ICZN), que se baseia na lei da prioridade: o nome váli-do é o nome mais antigo conhecido, único método paraa nomenclatura científica não entrar num caos. Essesprincípios abrangem também os táxons a nível de famí-lia, gênero e subespécie.

Acontece que, com uma melhor apuração da litera-tura, são descobertos nomes mais antigos do que aque-les usados hoje. Isto implica que o nome atual tem queser invalidado. Por exemplo no caso do tico-tico, o nomepassou de e pile Boddaert, 1783, para g

nsis P. L. S. Müller, 1776; os nomes dos gêneros tam-bém mudaram, Tais alterações necessárias do nome cien-tífico tornam-se mais raras hoje.

Durante novas revisões de famílias, como pica-pause tiranídeos, os nomes de alguns gêneros foram muda-dos. O grifo icol ( undinico ) l sem si-nal de igualdade, significa, conforme as regras da ICNZ,que icol é mantida como subgênero.

Facilita muito a visão de conjunto num texto quan-do os nomes de gênero, espécie e subespécie (v. o próxi-mo item) são impressos em itálico (nos manuscritos de-vem ser sublinhados), o que em publicações científicasé norma a ser observada obrigatoriamente.É lícito omi-tir o nome do autor e o respectivo ano para não sobre-carregar os textos sem necessidade; neste livro, foramcolocados apenas na lista de aves raras e ameaçadas,onde se acumulam nomes pouco conhecidos.

6.6. SUBESPÉCIE

Algumas espécies são divididas em subespécies ouraças geográficas (que não têm nada a ver com raças deanimais domésticos). As raças geográficas consistem depopulações que se distinguem em colorido e proporções,desenvolvendo-se sob a influência do clima e demaisfatores ambientais e genéticos. Populações que vivemem clima úmido e em mata densa (Amazônia) adqui-rem colorido mais escuro do que as que se mantêm per-manentemente em clima seco, em formações ralas (cer-rado, caatinga), sendo que aí atuam também as tendên-cias crípticas. Deste modo as raças mostram, em escalareduzida, o que as espécies deixam reconhecer em gran-de escala. Quase sempre se vê imediatamente, pelo co-lorido geral, se uma ave, encontrada fora do seu ambien-te, é da mata ou do campo.É verdade que certas carac-terísticas de cor também são peculiariedade de família eda respectiva região zoogeográfica. Assim o verde bri-lhante é característica geral dos bicos-de-agulha,Galbulidae, típicas aves florestais dos trópicos, nem se

destacando muito no ambiente policromo da flora local..Referimo-nos a subespécies, apenas quando são bem

diferentes, tratadas anteriormente como espécies, comoacontece em Cracidae, Galbulidae, Ramphastidae e.Icterinae, ou sendo de interesse evolutivo especial, comouma raça efeminada de um caboclinho: o bico-de-ferropo ophil bou uil p .

As raças geográficas morfológicas recebem um nome(denominação ternária). O nome da raça é colocado de-pois do nome da espécie. A denominação completa deum tico-tico, ocorrendo no Brasil centro-ocidental e este-setentrional, é: t ich c t (Lichtenstein1823). Quando se cita uma subespécie, o nome da espé-cie pode ser abreviado, se não houver dúvida sobre orespectivo nome, sobretudo se a raça é a raça "típica",p. ex., . = ic

Para que possamos dar a uma população o nomeraça, devemos saber diferenciar 75% dos espécimenssubmetidos a exame. Esse critério muda consideravel-mente com a qualidade da ave pesquisada e o númerode espécimens disponíveis.

Um mau costume muito difundido, uma pseudo-ciência, é empregar o nome da raça, toda vez quemenciona uma ave, "para ser exato", usando para tanto,simplesmente, uma estimativa superficial da zona dedistribuição conhecida para a respectiva raça. A propo-sição de um esquema de diferenciação geográfica emsubespécies é tarefa de muita responsabilidade, dadosos aspectos teóricos em que implica. Sobre as raçasgeográficas ou subespécies informa o catálogos de O.Pinto (1944, 1978).

As raças geográficas excluem-se geograficamente,mas fundem-se, intergradam-se, quando suas regiões dedistribuição encontram-se uma com a outra. Às vezes,há verdadeiras cadeias de raças, que apresentam certascaracterísticas de modo cada vez mais acentuado. Emtais casos fala-se de um cline, p. ex., em espécies do gê-nero (Formicariidae).

Fora do tempo de reprodução, durante migrações,duas ou mais subespécies podem aparecer periodica-mente na mesma região, como acontece com andorinhas,por exemplo, com a andorinha-do-campo,

Espécies que apresentam variação geográfica, isto é,que formam raças geográficas, são chamadas espécies"poli típicas", em contraposição às que não as formam,chamadas "mono típicas", como os nossos três ciconídeos:

Cicon e u c .Um fenômeno zoogeográfico geral no mundo, liga-

do à sensibilidade térmica de aves e mamíferos, é o se-guinte: indivíduos de uma espécie de animalhomotérmico que habitam regiões mais frias são maio-res que os indivíduos que habitam regiões mais quentes(Lei de Bergmann). Com o aumento de talhe (tamanho),a superfície do corpo reduz-se em relação à massa docorpo acarretando menor perda de calor. A superfíciedo animal aumenta numa potência quadrática enquan-

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CLASSIFICAÇÃO E NOMENCLATURA 97

to O volume aumenta numa cúbica10. Veja, p. ex.,Psittacidae ionus, n e dois gaviões:

nis ost is e i idi lis, que naAmazônia são menores do que no sul do Brasil.É fatoconhecido aos passarinheiros que os curiós da Amazô-nia são menores que os do sul do Brasil. Veja tambémsob lco p nus.

Há diferenças populacionais geográficas até no com-portamento. Neste caso podemos falar de uma raçaetológica.

6.7. TIPOS

Quando uma nova espécie (ou subespécie) é descri-ta, o autor se baseia em um ou mais exemplares

"

Se apenas um é indicado como o "tipo", esteexemplar é o"holótipo" e os demais, se houver, são os"pará tipos". Não sendo escolhido apenas um exemplarpelo autor, descrição original, cada um dos exemplares,de igual valor, é um"síntipo". Entre a série de síntipospode ser em publicação posterior, selecionado um exem-plar como o "tipo", sendo este chamado"lectótipo". Osdemais síntipos passam, então, a ser denominados"paralectótipos", Quando são perdidos ou destruídostodos os exemplares das categorias anteriormente cita-das, pode ser indicado um novo exemplar para servircomo o "tipo", constituindo um "neótipo".

Antigamente foi usado o termo "co-tipo" para de-signar tanto parátipos como síntipos. Atualmente édesaconselhado o uso do termo co-tipo.

' ... -,

10Doiscãescomo peso de 20kge3,2kgtêmuma superfíciede 7.500sqe2.423sq,respectivamente.Ocãomaior temque produzirpara seu bem-estar 45calorias,o pequeno 88calorias.

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.----~----------------~

7 Biologia

f o estudo das aves no seu ambiente natural é pOUCo'explorado nestepaís.' Damos aqui, tanto quanto possí-vel, sugestões para tais observações. Almejamos comnossas recomendações incitar um intenso(observação de pássaros). Esta atividade, executada nomundo inteiro há 40 anos, freqüentemente se assemelhaa um esporte e pode ser uma pesquisa bem superficial.Queremos estimular um sério interesse na biologia dasaves e concomitantes estudos sobre todo o ciclo de suavida. Em nosso pais quase tudo está ainda por fazer nessecampo, a começar pelas espécies "fáceis", que vivem em,jardins e chácaras, indo ate aquelas que nem o cientistaconhece bem.É, ao mesmo tempo, o melhor estímulopara preservar a natureza e sua fauna.

Reunimos, neste capítulo introdutório, alguns dadossuplementares à matéria que, no corpo do livro, se refe-re à biologia das aves, e resumimos oexposto, Observa-ções' realizadas no campo podem ser ampliadas por re-gistros em cativeiro, analisando pormenores de compor-tamento.

Apresentamos uma exposição relativamente exten-sa sobre manifestações sonoras de aves do Brasil, o cam-po da bioacústica, ao qual atribuímos a maior impor-tância. Seguem capítulos sobre: Alimentação, Hábitos, Re-produção, Relações interespecíficas, Predação e Parasitos.

7.1.

as diversas espécies animais, as manifestações so-noras são exatamente tão características como aspectosmorfológicós.il-Jo Brasil nada existe que possa orientar aesse respeito. E precisamente o Brasil oferece material, dos'mais atraentes, em abundância nesse campo.

j .s manifestações sonoras compreendem dois fenô-menos: a vocalização e a chamada música instrument~l.

7.1.1 VOCALlZAÇÃO

7.1.1.1 - IMPORTÂNCIA. POBREZA ILUSIVA DOS TRÓPICOS

A voz trai uma ave que não se vê ou que não se con-segue ver suficientemente bem, ria densa vegetação, novôo, à hora do crepúsculo ou à noite. Preqüentemente

.não se chega a ver direito mais de dois terços das avesque se encontram durante uma excursão. Nós mesmoscostumamos registrar aproximadamente 90% dos nos-sos levantamentos de aves pelo ouvido, em ambienteneotropical, de visibilidade limitada, devido à vegeta-

ção fechada. Escreveu Arthur Neiva (1929): "No JardimZoológico de Nova Iorque é mais fácil em um só dia vermais representantes vivos da avifauna brasileira do queem 20 anos de existência no Brasil".

O observador que não presta atenção à vocalizaçãodos animais, se queixa da pobreza de aves no nosso país,até na Amazônia. Sua primeira impressão em qualquermata pluvial, também na África pu na Ásia, é que existepouca vida animal. Para compreender que isto é com-pletamente errado, é necessário estudar, dia e noite, avocalização e a estridulação dos animais (aves, anfíbios,mamíferos e insetos, respectivamente), vindas de todosos lados, do chão até as copas mais altas das árvores.Anfíbios e insetos traem-se freqüentemente como taispela continuação ininterrupta desses sons por mais de10 minutos. Admitir pobreza de vocalização nas avesdos trópicos prova ignorância no assunto. Sabemos queo método acústico não é alcançável a todos.

Certas aves como sara curas (Rallidae), bacuraus(Caprimulgidae) e tapaculos (Rhinocryptidae) só sãotidas como raras até se conhecer sua voz, que então pro-va serem elas existentes em muitos lugares. Considera-mos a orientação acústica o instrumento mais eficientedo ornitólogo de campo neste país.O problema é, fre-qüentemente, saber se se tràta mesmo de uma ave ou deum outro animal.

A atenção constante à voz de todos os animais comfreqüência conduz às mais interessantes descobertas.

Muitas vezes é possível identificar facilmente pelavocalização representantes de espécies extremamente se-melhantes umas às outras, como espécies gêmeas quesão difíceis de distinguir pelo aspecto da plumagem.Manifestações sonoras podem servir para confirmar aexatidão da classificação feita por outros métodos, so-bretudo pelamorfología. A classificação da voz já co-meça com o estudo do pedinchar característico dos fi-lhotes, diferente em espécies aparentadas, como verifi-camos, p. ex., em psitacídeos. O estudo da voz é um cri-tério ao qual, não só é admissivel, como pode até sernecessáriorecorrer no exame de condições complicadasde parentesco.

Não se pode negar que certas espécies têm voz tãoparecida que até o especialista encontra dificuldade emdistingui-Ias, sobretudo quando não podem ser compa-radas diretamente, vivas ou gravadas. Às vezes servemsomente certas partes da vocalização para identificaruma espécie, p. ex., em papagaios sp.). Aomesmo tempo em que chamamos tanta atenção para aidentificação pela voz, advertimos energicamente ,con-

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BIOLOGIA 99

tra uma identificação leviana por esse meio que equiva-. le a uma desmoralização do trabalho de campo. O mes-

mo vale para uma identificação leviana pela vista crian-do posteriormente problema e prejudicando o renomedo observador.

No começo cada observador deve ter tido oportuni-dade de verificar que uma determinada voz pertence defato a uma certa espécie. Isso pode ser muito difícil quan-do não se tem quem ensine ou quando não se conhece avoz por tê-Ia ouvido de exemplares engaiolados ou emgravações. Hoje já existem tantas gravações boas de avesdo Brasil, feitas por naturalistas viajantes de vários paí-ses, que é possível uma preparação, excelente até, depessoas que nunca vieram às respectivas áreas. As gra-vações podem ser usadas para confirmar as identifica-ções, trabalhando com "play-back" que costuma atrairmagicamente a respectiva ave na imaginária defesa doseu território, possibilitando a observação a uma dis-tância mínima. Gravando-se ou registrando-se a voz porescrito freqüentemente é possível uma. ulterior explica-ção do que se ouviu, até muitos anos antes.

A voz também de nada adianta quando não a ouvi-mos. Assim, muitos Passeriformes são difíceis de encon-trar, quando durante meio ano não cantam. Mas aindaresta, então, a orientação por meio das chamadas, quesão efetuadas durante o ano todo e que, por exemplo, .nos sabiás, servem pelo menos tão bem como os cantospara distinguir as espécies.

A pesquisa das vozes tem a extraordinária vantagemde possibilitar um experimento real com a ave viva: re-prod uzindo-se uma gravação em fita magnética na frentede um pássaro pode-se verificar se este reconhece ounão a voz em questão como sendo de sua espécie

sound g, Lanyon 1969).Pode ser provado desta maneira que a respectiva vozgravada num outro local sob outras condições (que tal-vez sugerisse tratar-se de uma outra ave), pertence àmesma espécie. As aves pouco ou nenhum interesse têmpelas vozes de outras espécies; elas são psicologicamenteisoladas. Apenas os gritos de alarma (v. Convergência)ou de desespero, são inteligíveis num âmbito maior.

Quando o canto (v.definição de "canto") e a maioriados chamados de dois representantes de avesmorfologicamente muito aparentadas são diferentes, équase certo que se trata de duas espécies, ainda mais seas aves em questão não ocorrem no mesmo local. Poroutro lado podemos dizer que representantes cuja vo-calização parece-nos igl:lal, costumam pertencer à mes-ma espécie, se não há razões morfológicas importantespara separá-Ios.

Por mais essencial, pois, que possa ser a voz para aclassificação de espécies e, às vezes, gêneros (p. ex.

psitacídeos), é geralmente reduzido seu valor na sepa-ração de famílias e ordens (Sick 1979).É verdade que na'maioria dos casos, ouvindo a respectiva voz, podemosdizer se é "uma pomba", "um periquito", "um beija-flor"ou "um pica-pau". Mas existem não poucos chamadose cantos semelhantes em outras famílias e até ordens. Oarrulhar de pombas, p. ex., pode lembrar o ulular decertos cuculídeos e corujas. A voz do pica-pau é pareci-da com a de certos arapaçus (Dendrocolaptidae) e a vozde papa-formigas com a de certos tapaculos.

A vocalização pode prestar bons serviços na separa-ção de gêneros difíceis como (= e

fringilídeos, pesquisados no Velho Mundo(Nicolai 1957).

A bioacústica é uma ciência nova que alcançou gran-de importância na ornitologia, sobretudo em pesquisassobre as categorias inferiores. Pode ser coadunada per-feitamente com a conservação da fauna, pois para a suaprática não é necessário matar os indivíduos, pelo con-trário, estes devem ser mantidos com vida.

Na parte principal do livro, consta para a maioriadas espécies, que são tratadas com mais detalhes, umaobservação sobre suas manifestações sonoras. Os respec-tivos dados são colhidos, geralmente, em nossos diários.

7.1.1.2 - SIRINGE E SUA CAPACIDADE

A ave produz sua voz na siringe, localizada na ex-tremidade inferior da traquéia, na bifurcação dosbrônquios. Nisso difere do homem e dos mamíferos emgeral, cuja voz vem da laringe, situada na extremidadesuperior da traquéia; na ave esta serve sobretudo para.vedar o sistema respiratório enquanto ela bebe e come:A siringe pode ser um aparelho simples ou muito com-plicado/O fortalecimento da voz é em muitos casos con-seguido por meio de transformação da traquéia, porexemplo, por alongamento da mesma, como nos jacus.É raro a siringe não existir, como nos urubus, que ape-sar disso produzem sons.!

_A capacidade da siringe se reflete na amplitude au-ditiva da 'ave, que corresponde aproximadamente a doouvido humano: a capacidade de resolução acústica daave deve, porém, ser maior do que a nossa, conforme sepode concluir, p. ex., da perfeita harmonia de algunsduetos, que mesmo no sonograma, mal podem ser de-senredados, e da faculdade das corujas de localizar eapanhar uma presa na escuridão. '.s;:ada espécie reagemelhor às freqüências das quais se compõe sua própriavoz. Calculam os músicos que a voz das aves abrangeaté 8' oitavas. Parece que os sons mais graves que umaave pode perceber situam-se aproximadamente em

. 40Hz11,na homem em 16 Hz (Thielcke 1970).t

"j .j

: f~r11 1Hz (Hertz)= lvibração (= ciclo)por segundo 1kHz (quiloHertz)ou 1kc/s(= quilociclopor segundo)= 1.000vibraçõespor

segundo. Quanto ma:s depre:sa VIbraruma partícula de ar, tanto mais agudo é o som e tanto mais curto o comprimento de onda.Confrontem-setambem os ruídosproduzidospelo ruflar de asas dos beija-flores.

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100' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

:Entre as vozes mais graves dentre as aves, estão asdasvratítas", as maiores aves vivas, como a nossa ema(peso33 kg);)A freqüência fundamental do urro da emaé aproximadamente de125Hz. Muito grave é também o"gemer" dos mutuns e jacamins. Segundo Paul Schwartz,o maior perito em bioacústica de aves neotropicais, afreqüência média da voz do rnutum-cavalo,é de 125 Hz, podendo baixar a70-80Hz, provavelmenteaté50Hz. Vozes extremamente graves são também aque-las do tucanuçu, toco, e do socó-boi,

,As aves atingem o limite superior de audição em10.000a 20.000 Hz, no que são semelhantes ao homem(Thorpe & Griffin 1962). Consta que certas aves aindaouvem 30.000 hz quando a vibração é suficientementeforte. Iyibração alta ocorre por exemplo no canto dosbeija-flores, como (peso 3,2g):basicamente entre5.000e9.000Hz. Ao mesmo tempo, estaespécie chega a um número recorde de cantos por dia.

Voz extremamente aguda, têm também, algunsemberizídeos brasileiros, p. ex., e

A freqüência da voz do peque-no parulíneo que alcança o Brasil como ave de arriba-ção, é acima de8.000 Hz,A estrelinha, (peso Sg),citada como um dos pássaros de voz mais aguda daEuropa, tem a freqüência principal de sua voz entre6.000e8.000Hz; ultra-sons da sua vocalização alcançam12.000e 18.000Hz (Becker1974).

É surpreendente que vozes agudas de pássaros pe-quenos freqüentemente não sejam acompanhadas porultra-sons e que ultra-sons em aves parecem ser sempreacompanhados por componentes sônicos (Thorpe&Griffin 1962).Os.ultra-sons parecem ser de importâncialimitada para as aves; seu alcance é muito restrito, po-dendo servir apenas para uma comunicação às menoresdistânciasD registro das freqüências mais altas não é,normalmente, previsto na técnica de confeccionarsonogramas.

, Seja menciori.ado aqui que aves (pombos) são capa-zes de perceberinfra-sons, de 0,06 Hz, produzidos a mi-lhares de quilômetros de distância, como a rebentaçãodas ondas do mar, o que poderia ajudar na orientaçãodurante migrações (Schmidt-Koenig1979).

No sentido da teoria dos instrumentos musicais, nãoexiste relação entre o comprimento datraquéia e a altu-ra da voz (Greenewalt1968).Segundo essa teoria, a tra-quéia de algumas aves deveria ser muito mais curta doque realmente é (quando pássaros grandes têm voz agu-da) ou mais longa do que todo o pássaro (quando pás-saros relativamente pequenos têm voz grave). Tambéinem pássaros pequenos, a freqüência pode ser baixa (p.ex. Rhinocryptidae). Freqüente-mente são emitidos vários sons ao mesmo tempo, cincoou mais harmônicos coexistentes.

Há efeitos peculiares de som, como efeitos ventrílo-quos em jacamins, ou o soar de duas espécies de sonsinteiramente diversos ao mesmo tempo, como na

araponga, e no tangará-rajado,o que poderia indicar uma atuação em sepa-

rado dos dois brônquios. São desconhecidas ainda emgrande parte as condições acústicas do aparelho vo- .cal das aves.

A freqüência da voz de muitos Passeriformesé deaproximadamente 4.000 Hz, o que correspondeà fre-qüência aproximada da tecla mais alta do piano. A ex-tensão da freqüência da voz de uma espécie,P: ex., dopássaro norte-americano e é indica dacomo sendo de2.000 a 8.000Hz, o que equivale a duasoitavas. A extraordinária capacidade da siringe de re-presentantes dos Oscines torna-se clara pelo fato de nãoraro emitir ela45 notas por segundo, com intervalos de0,01 segundos. Um tom pode ter a duração de apenas0,002 segundos.

A capacidade de prod uzir cantos bastante prolonga-dos é também admirável: os cantos do acauã

o es) se estendem a 7 minutos ou mais; os can-tos do gavião-relógio, g até o do-bro. A seriema ainda bate este recorde. Todas estas avesintercalam pausas mais ou menos longas, sem prejudi-car a unidade harmônica do canto. A escala musical datovaca, uloides, pode demorar40segundos,enquanto a seqüência monótona do tapaculo

prolonga-se às vezes além de um minuto;' oscantos de ambos desses Suboscines são continuados, i.e. , os intervalos entre os tons que compõem um canto,são muito curtos. O mesmo vale para váriosdendrocolaptídeos, como incl e

, para dar mais um exemplo. Tam-bém tem um canto muito prolongado.jCha-mamos a atenção para o sistema de sacos aéreosquedeve influir no processo da vocalização.' Até há poucotempo, o problema da respiração das aves durante ocanto não havia sido resolvido; não havia registro devocalização durante a fase inala tória. Finalmente,~eutgen (1969) provou que osabiá-shama, c

, da Ásia, respira normalmente du-rante o ato de cantar, refletindo-se a respiração no ritmodo cantar.'

7.1.1.3 -REPERTÓRIO

O repertório das diversas espécies varia em diferen-tes proporções. A um exame acurado verifica-se em to-das as aves a ocorrência de diversos tipos de comunica-ção vocal, Para conhecer a vocalização de umsabiá,des- .de o pedinchar dos ninhegos até as variações do seu can-to, temos queestudá-lo durante anos; para conhecer suamorfologia externa necessitamos de relativamente pou-co tempo.

A maioria das aves se distingue por uma chamada,um'grito ou um pio que emite em várias ocasiões (sobrecanto v. o próximo item) ..Quando analisamos melhor asituação, fica patente que-também esta vocalização maissimples tem um sentido específico. Existem os chama-

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BIOLOGIA 101

-

dos que orientam sobre a permanência do companhei-ro. Outro tipo de pio é emitido apenas quando queremvoar ou voam, como acontece com o sabiapoca,

linue. Fato mais evidente durante deslocamen-tos, o joão-congo, lius possui um gritomuito típico que serve à comunicação dentro do bando,quando este se dirige para o repouso noturno.

Existem gritos especificamente de agressão. Mas umúnico tipo de voz pode servir a finalidades diversas, p.ex., àagressão eà defesa do território. Há gritos de de-sespero. Algumas chamadas são próprias só da fêmea,como as de vários anatídeos e das galinhas-d'angola;todo mundo conhece o cacarejar da galinha após a pos-tura. Algumas aves fazem ouvir gritos diferentes de alar-ma ou de susto, conforme o tipo de perigo que as amea-ça, que pode ser o aparecimento de um inimigo em vô.oou estacionário.

O pinto ainda dentro do ovo toma contato auditivocom seus genitores. Existe até a influência sonora recí-proca de embriões através da casca, que consiste de es-talos (são relacionados com a respiração, por conseguintenão se trata de voz), e por meio da qual é sincronizada aeclosão de pintos da mesma ninhada. Há várias chama-das próprias dos filhotes, destacando-se entre elas umtipo peculiar ll) que emitem quando saem doninho para atrair sobre si a atenção de aves adultas queandam à cata de alimento, como ocorre, p. ex., nogaudério, s, na mariquita, ena figuinha, speciosum.

Na maioria dos casos o repertório de uma espéciequalquer de pássaros é maior do que se supõe inicial-mente. Para o anu-preto. p. ex., constam 12 pios diferen-tes, 6 dos quais podem ser derivados da chamada devôo ..Em Passeriformes (Oscines) do hemisfério seten-trional foram identificados 10 a 18 tipos diferentes devoz, e na galinha doméstica, segundo se afirma,26.Willis(1973) distingue 16 tipos diferentes devocalização doformicarídeo h nostictue l .

Algumas aves marinhas, como pingüim, albatroz,atobá e tesourão, são extremamente caladas, a não serquando estão no lugar onde nidificam; ali são barulhen-tas.

'7.1.1.4 -CANTO, DUETO, CORO

Fala-se de canto, em sentido rígido, quando a avejunta uma série de notas diferentes, como faz um sabiá.O canto pode consistir também numa simples repetiçãoda mesma nota, como faz umcaburé, .'Podefaltar um nítido limite entre chamadas e canto. -

O canto dos Passeriformes, que todo mundo enten-de imediatamente como canto, tem seu equivalente se-mântico na voz territorial ou proclamação dedominância de todas as outras aves; basta lembrarmoso cantar do galo.É um abuso muito difundido designarqualquer vocalização da ave (como o chamado, o alar-me etc., v. item anterior) como "canto".

~~Dignos de maior açlmiração são os duetos, fenôme-no-não raro na região neotropical, sobretudo nascambaxirras do gênero , vivendo em mata-gais. Macho e fêmea harmonizam perfeitamente suasestrofes, estando pousados um perto do outro.

Nem sempre é fácil distinguir um verdadeiro duetode um canto menos elaborado, mas sincronizado, comorealizam, p. ex., casais da bandoleira g

(Thraupinae), pousando abertamente sobreas árvores 'esparsas da caatinga e do cerrado. A coruja

canta em dueto ou diálogo. Há vários não-Passeriformes, como periquitos e araras, que "cantam"a duas vozes.

O canto conjunto do casal pode também consistir deestrofes que simplesmente duram o mesmo tempo, masnão são encadeadas umas com as outras, como no joão-de-barro , no uru (Odontopho emsara curas,P: ex., co as estrofes do machoe da fêmea podem ser iguais ou diferentes.

Ainda outra modalidade é discernível quando ma-cho e fêmea cantam sua estrofe um depois do outro,como o fazem muitos papa-formigas e certas coru-jas'. . -

Mal se poderá falar aí de duetos de machos, a nãoser em espécies que não vivem acasaladas, como nostangarás (pipridae). Dois machos de o eentoam o coro defronte a uma fêmea silenciosa ou seusubstituto._Ocorrem notáveis coros, coordenados ritmi-camente, de indivíduos estacionários do anu-coroca,

(Cuculidae) e do pardal,, enquanto, p.ex., andorinhas ecaboclinhos,

que durante migrações pousam em bandos nostabuais,cantam em plena confusão. Gritaria um tanto desorga-nizada realizam, p.ex., gralhões, us e nus(Falconidae), aracuãs s) e traupíneos como pipiras

.. Mais uma forma de vocalizar em conjunto é o modo

de certos beija-flores (p. ex. s ei de se reunirem em grupos para can-

ta~._Em espécies de voz vigorosa, como os tropeiros

gus, Cotingidae), pode vir a ocorrer coordenaçãode grito entre machos vizinhos, no sentido de vozearemum depois do outro, e não todos ao mesmo tempo. Omesmo acontece com os casais que compõem um bandode uru .

Situação mais freqüente são os duelos de canto entremachos vizinhos (p. ex. muitos Passeriformes e corujascomo Otus), ficando cada macho em seuterritório, ame-drontando acusticamente o vizinho,à distância. Quan-to mais excitados estão, tanto mais depressa torna-se aseqüência dos seus cantos.

7.1.1.5. -CONSTÂNCIA DA VOZ, DIALETOS

Embora ocorram diferenças individuais na voz, quepodem servir,.por exemplo, para distinguir pelo canto

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. -machos vizinhos, o padrão característico à espécie cos-tuma ser tão pronunciado que permanece facilmentereconhecível, mesmo quando se trata de populações quehabitam regiões tão distantes uma da outra como aAmazônia e o Brasil meridional! Mesmo populações queno decorrer de longostempos se habituaram a outrostipos de paisagem e tanto mudaram seu aspecto exte-rior que as consideramos boas raças geográficas (p.ex,o jaó-do-litoral, C t llus n. e o zabelê doNordeste, llus n. le), costumam conservar amesma voz, no máximo formam dialetos (v. abaixo)._Éraro que duas raças geográficas alterem tanto sua voca-lização que elas não se reconheçam mais como perten-centes à mesma espécie (no experimento com- .Assim s. (Brasil) não reage aopl -b da voz deM. s. i (Argentina, Bolívia). Nestecaso a morfologia também mudou consideravelmente;há áreas intermediárias onde as duas raças se aceitam ese misturam (Lanyon1982). Verifica-se, dentro de umapopulação, forte tendência a padronizar o canto, o quesignifica, ao mesmo tempo, divergir do canto de espé-cies simpátricas aparentadas.

O estudo da voz é um critério ao qual, não só éadmissivel, como pode até ser necessário recorrer aoexame de condições de parentesco complicadas.

Pode servir de teste sobremaneira convincente paraa constância da voz como indicador de parentesco pró-ximo, a vocalização de tucanos de colorido muito dife-rentes: o pequeno tucano de peito amarelo,uiiellinus, e o de peito branco,R. c íus. Estes foramconsiderados até há pouco tempo como duas espécies,devido ao seu colorido basicamente diferente - mas defato devem ser tratados como representantes geográfi-cos de uma só espécie, tomando-se por base circunstân-cias confirmadas plenamente pela vocalização igual.

Uma das dúvidas difíceis de serem eliminadas porcritérios morfológicos, era se os dois gaviões

ollis e t gil collis, que em alguns lugaresocorrem lado a lado, deviam ou não ser consideradosespécies diferentes. Essa dúvida foi definitivamente afas-tada por meio do estudo meticuloso de suas vozes; elassão nitidamente diferentes (v.Schwartz1972,Fa1conidae,bibliografia).

(!Je especial importância 'são as diferenças de voz emaves noturnas, pois, para estas criaturas a comunicaçãoacústica deve ser essencial. Por exemplo, quando coru-jas (Otus) que morfologicamente parecem muito seme-lhantes possuem vozes diferentes, deve-se logo suspei-tar que se trata de espécies diferentes, ou pelo menos depopulações em via de se separarem e formarem espé-cies distintas.

Mas também acontece o caso de aves que sem dúvi-da são aparentadas entre si mas possuem vozes de tododiferentes, como por exemplo nos cotingídeos: as duasespécies de (cucullatus e eph lusi e asduas espécies de gus ( oci e l nioides). Taiscasos devem ser examinados mais detidamente.

Divergências regionais da voz dentro da mesmaes-pécie (dialetos), que imediatamente despertam a aten-ção na área onde ocorrem, existem, por exemplo, nos'cantos de alguns de nossos emberizídeos, como notico-tico e em várias espécies de . Os dialetos po-dem alterar tanto o caráter do canto que, num teste depl - o indivíduo não reconhece mais o canto da suaprópria espécie, gravado numa outra população; masreage aos chamados que não são afetados pelo dialeto.Isto foi estudado, p. ex. emTurdus [umigaius, gravadono alto Xingu (rio Fontoura) por JoséC. R. Magalhães,testado no alto Tapajós (rio Peixoto de Azevedo).

A vocalização dos Suboscines parece estar sob con-trole genético mais rígido do que ~ dos Oscines (v. tam-bém sob Hereditariedade). Um exame minucioso dasvozes por meio de sonogramas revelará a existência dedialetos mais ou menos nítidos em muitas aves brasilei-ras.

Além dos dialetos geográficos que correspondem, atécerto ponto, às raças geográficas dos sistematas (podeocupar áreas menores), existem dialetos locais de popu-lações vizinhas (Sick1939,Marler 1960).Os dialetos10-.cais podem ocupar áreas ecológicas mais ou menos ho-mogêneas. Podem existir nítidas diferenças no canto deindivíduos.

7.1.1.6 -CONVERGÊNCIA DA VOZ

Notam-se semelhanças de vozes que se originam emconvergências fortuitas. A certa distância, p.ex., os gri-tos do pica-pau-do-campo,Co es lembramde modo surpreendente os do maçarico americano

n O assobio fino de um papa-formigas,H poecil , ouvido de perto, se assemelhamuito ao assobio de um cujubi e) que esteja distan-te.

Para dar mais um exemplo: temos as semelhançasdo canto do furnarídeo t s e com o can-to da saracurinha e e o mergulhão

fato talvez devido ao fenômenode uma adaptaçãoecológica.

Evoluíram autênticas convergências da vocalizaçãoem duas situações: (1) por razões físicas, ambientais, e(2) para aumentar o efeito de alarme, entre alguns Pas-seriformes. Finalmente nota-se uma convergência davocalização que se pode chamar "Voz da paisagem".

Temos ainda as raras convergências interespe.cíficasna vocalização de representantes aparentadossimpátricos, v. sob Troglodytidae.

ADAPTAÇÃO ECOLÓGICA DA VOCAUZAÇÃO

A estrutura física da voz se adapta às condiçõesacús-ticas de diversos hábitats. Sons com freqüência baixa sãoaudíveis a maior distância do que sons de igual volum~com freqüência alta. Entendemos melhor isto ao :~m-pararmos espécies próximas (em sentido filogenetIco)

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BIOLOGIA 103

com requisitos ecológicos diversos, p. ex. alguns de nos-sos tinamídeos. Vozes graves, melodiosas, éomo as domacuco. , e de in amb us, p. ex.

pt llus noct podem ser consideradas, até cer-to ponto, adaptação ao ambiente florestal, sobretudo aoestrato inferior, onde ocorrem muitos obstáculos: tron-cos, galhos e ondulações de terreno. Vozes agudas, commodulação rápida, são típicas para aves de campo comoas nossas codornas. O pio de lembraum grilo. Aves de grande porte como a seriema e a emaaqui não se enquadram.

Pássaros que vivem nas copas das árvores, como sa-íras, costumam ter voz aguda ou fina. Os parulíneos,tão fartamente representados na América do Norte, mi-grando em parte para o Brasil habitam todos densa ve-getação, mas em .estratos diferentes; da comparação desuas vozes resulta uma perfeita correlação entre a altu-ra em que vivem e a freqüência de seu canto a qual di-minui de cima para baixo. No mesmo sentido a vegeta-ção cerrada da mata alta tropical tenderia a eliminarvozes muito finas e elaboradas beneficiando a evoluçãode uma vocalização grossa, simples. A tendência de evo-luir uma vocalização mais baixa em ambiente florestale mais alta no campo, fica comprovada até em indivídu-os da mesma espécie quando habitam os respectivoslugares (Marten& Marler 1977).

VOZ DA PAISAGEM

Um caso peculiar de convergência é aquele em queas vozes de certas aves de determinadas regiões podemassemelhar-se umas às outras, conforme pudemos veri-ficar já há mais de 40 anos na Europa. Notamos por exem-plo, que na vegetação palustre, espécies sem qualquerparentesco entre si, cantam em estrofes perfeitamentecadenciadas e articuladas como que por metrônomo. NoBrasil encontram-se neste caso p. ex. o bate-bico,

(Furnariidae), a cambaxirra,Cis is (Troglodytidae), o canário-do-bre-jo, b i (Fringillidae), a narceja,

g (Scolopacidae) e o socoí-verrnelho,) (Ardeidae).

O cerrado parece ter cunhado também um caracte-rístico de voz peculiar, perceptível em representantes devárias famílias: Caprimulgidae, Trochilidae, Furnariidae,Formicariidae e Emberizidae. Na caatinga é surpreen-dente a semelhança da voz da codorna bo ucom a do formicarídeo ilus strigilaius, para darmais um exemplo.É notável. o timbre semelhante da vo-calização do furnarídeo neotropical,oc ,habitante de córregos nos Andes e nas montanhas destecontinente, incluindo o Brasil, e a da alvéola-amarela,

ll cine ,ocorrendo no mesmo tipo de ambientena Europa.

.Pode-se falar de um "biótopo de voz" ou de um"melótopo", lugar onde ocorre uma "melocenose": as-sociação de aves que possuem caráter semelhante de voz.

Esta terminologia foi proposta por H. Stadler (1929),pioneiro na bioacústica.

Cada voz tem sua maior penetração, sua maior efi-ciência, na paisagem, no ecossistema, onde evoluiu. Se-parada do seu ambiente original, a vocalização animalperde seu efeito, torna-se ininteligível, no sentido maisamplo. Lembramos da infeliz mistura de vozes que ca-racteriza um Jardim Zoológico: caso extremo de falta deambiente adequado.

Podemos também selecionar as vozes mais típicas,que dão a nota peculiar a uma determinada paisagem.Assim, a voz possante do tropeiro,p gus e s,do tucano, e do inambu-preto,

cine eus, tornam-se a "voz da Amazôniabrasileira"; o canto da seriema, pode ser cha-mada a "voz do Brasil Central"; o grito docancã,

c nopogon, a "voz da Caatinga" e a mar-telada da araponga, c nudicollis, a "voz da MataAtlântica" e a voz fina do rabo-de-palha, c c( e o e a "voz dos campos de altitude".

A consciência de que agentes sonoros (freqüência,comprimento das ondas sonoras, padrão da vocaliza-ção, etc.) dependem de fatores ecológicos (v. item ante-rior), é um primeiro passo para a interpretação quanti-tativa do fenômeno singular tratado por nós como "vozda paisagem".

CONVERGÊNCIA DO GRITO DE ALARME

Os gritos de advertência de alguns Passeriformes nãoaparentados, assustados com uma ave de rapina quepassa voando, podem ser muito semelhantes: emitemum assobio fino, que soa comosiiiiiit , Esta vocaliza-ção foi estudada mais profundamente na Europa em re-presentantes de , , l , og ,

g e outros. Este assobiar começa baixinho, pro-longa-se por algum tempo, e termina baixinho; é abso-lutamente puro, não tem sons superpostos; no melro-preto, vai de 6.000 a 7.000 Hz. Este som,chegando aos ouvidos do homem, ou da ave de rapina,oferece pouco ponto de apoio para a localização por meiode diferença de fase. Por conseguinte, o pássaro queemite o grito de alarme, não põe a si próprio em muitoperigo. O grito parece vir de todos os lados. O aviso de .perigo não só é compreensível para os indivíduos damesma espécie daquele que o emite, como também paraos de várias outras espécies que com eles convivem. NoBrasil notamos esse tipo de alarme no sabiaúna,

(Espírito Santo, Rio de Janeiro), emTurdus leuc e s (Piauí), fumigatus (Rio de Janeiro),

g (Piauí) e pe u (Santa Catarina).Para advertir da presença de uma coruja no local de

descanso diurno ou de uma ave de rapina pousada, quenão representa perigo imediato, os mesmos pássaros uti-lizam um grito inteiramente diferente, cuja procedênciaé fácil localizar por causa da repetição em rápida suces-são, de seu tom vigoroso e de sua competição por várias

., ,: :'

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vibrações sobrepostas (no sabiá acima mencionado 6tons, que vão de 200 a 8.000 hz). Este grito atrai imedia-tamente a atenção de vários Passeriformes e beija-florespara o ponto exato de onde é emitido: local da presençado inimigo.

Verificamos que o alarme de japu e joão-congo, dadonas suas colônias, é atendido também por outras aves,residentes nos arredores. Existe certo entendimento vo-cal interespecífico na ocasião do aparecimento das for-migas de correição.

7.1.1.7 -SIGNIFICADO DO CANTO, OCORRtNCIA, CANTO DE

MADRUGADA

A voz da ave constitui importante meio de comuni-cação, dirigindo-se quase exclusivamente a indivíduosda mesma espécie e servindo a várias finalidades. Deve-se considerar, porém, que a ave não solta seus gritos deadvertência para avisar as demais de algum perigo; ela'grita simplesmente porque se assustou.

_O canto desempenha papel especial durante a repro-dução, podendo ser estimulado pela injeção dehormônios sexuais masculinos. O canto serve para de-marcar o território, por conseguinte tanto se volta con-tra os rivais, que são advertidos, como se destinaà fê-mea, que é assim atraída. Além disso é mantida por meiodo canto a comunicação constante do casal. Tem lugaraí um estímulo recíproco, ativo sobretudo quando tam-bém a fêmea canta, o que em nosso meio é relativamen-te comum (v.sob Dueto). Machos mudos não são procu-rados por fêmeas .:

Fenômeno peculiar, bem difundido nas Américas, sãoos cantos da madrugada e do crepúsculo, emitidos noauge do período de reprodução, ocorrendo em muitospapa-moscas (Tyrannidae). No Brasil pudemos tambémnotá-Ia, em traupíneos: upis bon iensis e ii ic e até em andorinhas: t e

h ine leu ho também no silviíneo olioptildumicola. É uma notória dificuldade identificar tais can-tos proferidos no escuro, pois é impossível ver o pássa-ro. De dia essas espécies desenvolvem outro tipo de can-to. ch phus po hopt s usa uma das suas estro-fes, emitidas amiúde de dia, como canto crepuscular,proferindo-a em ritmo acelerado.

Uma vocalização ligada ao grau de claridade crepus-cular, torna sobremodo evidente que cada espécie temuma "claridade específica": sua atividade vocal depen-de de um determinado grau de claridade, fenômenomaisevidente em grandes latitudes, como na Europa ou naAmérica do Norte onde reina um período muito maisextenso de meia-luz (lusco-fusco). Dados deste tipo po-dem ser demonstrados em curvas, que proporcionamum quadro bem nítido da "claridade média da espécie",com fundamento em estatísticas sobre o chamado "reló-gio dos pássaros". O canto noturno do tico-tico,

t h nsis,ligado também à época da reprodu-ção, é de natureza um tanto diferente.

Quando ocorre um eclipse do sol, as aves se com-portam como se se aproximasse a noite, tornando-se in-quietas e vozeando da maneira típica, como costumamfazer no crepúsculo (v.p. ex. sabiás); registramos isto noEspírito Santo e em Mato Grosso.

Certos tiranídeos, como e , assim como a pia-cobra,Geot pis ouinocti lis, papa-formigas e beija-flo-res, p. ex. ucochlone lbicollis, emitem dois tipos de can-to diurno completamente diferentes, aparentemente emsituações diversas. Em algumas aves, p. ex. nos beija-flores, existe uma forma peculiar de canto, que é emiti-da quando o casal quer se unir ing song).

Um canto não pode ser encarado como parte inte-grante do processo de reprodução da espécie quandoocorre em indivíduos jovens, imaturos ou em adultos(p. ex., espécies depo cujo desenvolvimento se-xual ainda não começou ou já declinou. Nesses casos, ocanto é executado a meia voz, soa como um monólogo,em pouco volume.É curioso que precisamente estes can-tos juvenis, outonais e primaveris, que praticamentenenhum valor têm como meio de comunicação, são osmais ricos, variados de motivos, justificando o que nósclassificamos como "beleza" ou qualidades emocionais-estéticas do som. Estes cantos, denominados -song, subsong ou "canto secundário", costumam sermuito entremeados por chamadas, e freqüentemente Ihesfaltam quase todos os motivos típicos do canto definiti-vo. Mesmo espécies que habitualmente não imitam vo-zes alheias, o fazem no canto secundário, como obser-vamos na viúva, l t Quando, maistarde, o canto adquire sua vigorosa função territorial(canto primário), torna-se mais padronizado, servindomelhor para um rápido reconhecimento da espécie.

No Brasil e em outros países tropicais, certos pássa-ros, como cambaxirras ( ogl , t ecambacicas , cantam quase todo o ano. Estasaves ocupam constantemente o mesmo território, queprovavelmente costumam habitar com a mesma fêmeapor longo espaço de tempo.Q período de reprodução,para cada indivíduo e para o respectivo casal, só tomauma parte do ano e é caracterizado por uma maior in-tensidade do canto. Durante o tempo da muda e da ali-mentação dos filhotes, contudo, o canto se reduz ao mí-nimo. .

Parece incrível que um sabia-laranjeira, mantido so-zinho numa gaiola durante muitos anos, cante até du-rante a noite, se vislumbra uma luz proveniente de fon-te artificial. Pudemos também observar um papa-capim,

i llis, preso numa gaiolinha durante maisde dezoito anos, que cantava diariamente durante todoesse tempo, exceto na época de muda. O que podemosdizer nestes casos sobreo significado do canto?

O canto pode ainda ser provocado pelo susto. Umtiro, por exemplo, pode fazerQ pássaro emitir um únicocanto, forte, ou então toda uma série de chamados (p.ex. saracuras): v também sob o canto noturno do tico-tico.

A voz de muitas aves é considerada pelo povo como

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BIOLOGIA 105

um prenúncio de chuva. De fato, p. ex. espéciespaludícolas como saracuras, gritam com mais freqüên-cia quando começa a chover. Além disso não há dúvidade que os fatores climáticos em geral, sobretudo a umi-dade atmosférica, exercem considerável influência nosentido de incentivar a atividade reprodutora, influen-ciando também o canto, por conseguinte.

7.1.1.8 -HEREDITARIEDADE E APRENDIZADO DA VOZ,

IMITAÇÃO DE VOZES DE OUTRAS ESPÉCIES

Um campo especial de pesquisas é o dos estudos paraaveriguar se a voz da ave é ou não hereditária. As con-dições necessárias para esses estudos são complicadas edevem ser cuidadosamente analisadas, de espécie a es-pécie, as vozes emitidas por indivíduos criados em am-biente à prova de som. Pode surgir aí uma fonte de er-ros: os pássaros assim criados não chegam a ter um de-senvolvimento normal da voz por lhes faltarem as con-dições naturais para isso.

As diversas vozes que reunimos sob a denominaçãode "chamadas" notes), tanto dos Passeriformes comodos não-Passeriformes, costumam ser inatas, isto é, sãocontroladas geneticamente. São, portanto, estereotipa-das, mas também nelas é possível uma ligeira modifica-ção em dialetos. Evidentemente as chamadas das avesadultas se originam nos gritos correspondentes das jovens.

Os cantos dos Passeriformes, pelo menos os dosOscines altamente desenvolvidos, devem ser aprendi-dos parcialmente. Somente a base é inata. Consta que acapacidade de aprender (imitar) a voz da própria espé-cie é maior durante o primeiro ano de vida. A formaçãode dialetosé mais uma prova evidente para a aprendi-zagem da própria voz, em natureza. Marler e Tamura(1964) indicam para a aquisição completa da voz, su-bentendendo-se do dialeto local, pelo.jovem, cem dias.

Em cativeiro podem ocorrer as maiores deformaçõesdo caráter específico da voz quando falta um pássaro damesma espécie para servir de mestre. Encontramos, porexemplo, no Rio de Janeiro, um coleiro,

engaiolado, que cantava exata e exclusiva-mente como um bigodinho, Pode de-morar meses até o pássaro manifestar em seu canto umtema estranho que ouviu e gravou na memória.

Tem-se a impressão de que nos Suboscines as vozessão inatas em maior proporção do que no repertório dosOscines. Estudos nesse sentido seriam de se desejar.

A imitação de vozes de espécies alheias é comumentre os Oscines, no Brasil sobretudo nos emberizíneos:mas também existe entre icteríneos, turdíneos, mimídeose corvídeos. Conhecemos tais arremedos também entrepsitacídeos ecuculídeos e ranfastídeos (araçaris), mes-mo em liberdade, o que constitui um fato notável. Foisempre posto em relevo que papagaios não arremedamem natureza, o que parecia estranho considerando suahabilidade para isso em cativeiro.

Em regiões tropicais e subtropicais ocorrem muitosimitadores excelentes entre as aves.

Em cativeiro, papagaios e outros psitacídeos, tam-bém gralhas, chegam a imitar os mais variados ruídos eaté palavras, tudo produzido com a siringe. O papagaiomanso pode sentir-se sobremodo estimulado a imitar avoz de seu dono por desenvolver-se nele uma autênticarelação de companheirismo com o homem. Provavel-mente tenta fortalecer essa relação, aperfeiçoando a imi-tação (v. canto em dueto). Há às vezes perfeita associa-ção de situações no espaço e no tempo quando, porexemplo, um papagaio pede café precisamente pelamanhã, à hora certa, ou então quando late no instanteem que vê um cão aproximar-se, mesmo este estandocalado.

Um dos melhores imitadores, fácil de se encontrarno Brasil, é o gaturamo-verdadeiro,Um único macho pode se manifestar em poucos minu-tos na voz de 10 a 16 espécies de 'aves diferentes; sãoimitações perfeitas, mas traduzidas para a sua própriaforça vocal reduzida, por conseguinte na maioria doscasos mais fracas do que o original. Para se determinarse se trata realmente de uma imitação ou apenas de umaconvergência com uma avoz alheia, deve-se conhecermuito bem a vocalização das espécies imitadas. Consti-tuem as melhores indicadoras algumas espécies que, nolocal, se destacam sobremaneira por sua voz. Quase sem-pre trata-se de imitação de chamadas dos citados pássa-ros, não de seus cantos.

Que o repertório do gaturamo se-toma a cópia fielda avifauna da região em que vive, pode ser mostradopela comparação de quaisquer levantamentos locais,como os feitos por nós no alto Xingu, Mato Grosso, apartir de 1947 e no sudeste do Brasil.

Nunca ouvimos uma ave chegar a substituir as cha-madas de sua própria espécie pelas de outra; ela usa asimitações apenas no canto. Um gaturamo, p. ex., entre-meia seu canto com os gritos de advertência dotico-tico:quando, porém, está inquieto, utiliza seu próprio gritode advertência. Por outro lado acontece que umsabiá-do-campo em Cuba), pode imitarchamadas do anu-preto, desorientando assim um ban-do destas aves, que acreditam estar por perto, advertin-do um indivíduo de sua espécie.

Consta que em carduelíneos norte-americanos ocor-re a imitação de chamados de espéciescongêneres e suaaplicação correta.

Não se pode simplesmente refutar que algumas zom-barias não são aprendidas do original alheio, mas de in-divíduos imitadores da própria espécie. Asimitações tor-nam-se parte componente fixa do canto do indivíduo.Na imitação não existe qualquer preferência por espé-cies congêneres.

Raramente se chega a presenciar uma imitação dire-ta, mas na Bahia vimos um cancã arremedando umcarrapateiro depois de ter este pousado perto dele e co-meçado a gritar.É presumível que o mesmo cancãjá ti-

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106 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

vesse, antes, o chamado do carrapateíro em seu repertó-rio.

Alguns pássaros brasileiros, sobretudo ocorrupiâo,, o sabiá-cica, , e o sabiá-da-praia,

gil e ainda às vezes e, aprendem bem a imitar música humana,

como P: ex., partes do hino nacional.Mesmo pássaros de certa idade ainda são capazes

de aprender mais alguma coisa. Em cativeiro, as avesem geral imitam melhor do que em liberdade, o que podeser melhor exemplificado pelos papagaios.

7.1.2. MÚSICA INSTRUMENTAL

Alguns sons emitidos pelas aves para fins de comu-nicação não o são pela siringe, nas vias respiratórias,mas de outro modo. São denominados música instru-mental, em contra posição à música vocal ou voz, comodefinido por Darwin (1871). Em muitos casos é difícildeterminar de que maneira é produzida a música ins-trumental.'

Exist~'o estalar com o bico, às vezes reforçado atétomar-se um matracar, na maioria dos casos produzido'por aves que se sentem ameaça das por algumperigo;Em geral se acredita tratar-se de um vigoroso fechar dobico, como nas corujas e no jacu-estalo,cuculídeo florestal-É possível, porém, que este estalarvenha da região da-extremidade superior da traquéia(p. ex. papagaios) ou da articulação da mandíbula como crânio;" supomos que este último caso se daria, p. ex.,em certos papa-moscas como osc tes cilis(Tyrannidae) e cambaxirras og , talveztambém no estalador,Co .

.Na música instrumental ocupam o primeiro lugaros ruídos produzidos com as asas. Assim, os pombosbatem com as asas quando levantam o vôo, às vezes tam-bém durante o vôo. Certos bacuraus fazem um barulhosemelhante em pleno vôo. Quando são assustados nopouso, os andorinhões batem com as asas,permanecendo agarrados na parede.I

As penas das asas ou rêmiges podem se transformarem penas sonoras, como na jacutinga, e g ou

no cuspídor, g line . Ambos efetuam, de ummomento para o outro, um ruído forte, tal como se nóspuséssemos uma máquina em funcionamento. Normal-mente voam sem ruído apreciável. Nisso contrastam comos beija-flores: o notável rumor que estes fazem ouvirquando voam não tem qualquer significado biológicopeculiar, porque sempre o produzem ao voar, consti-tuindo-se o ruído em fenômeno físico ligado à vibraçãodas asas.

A narceja, i go gu e, tem penas sonoras nacauda, com as quais emite um"balir" ou "cabritar" du-rante seus impetuosos vôos de mergulho, modulando oruído por meio de curtos movimentos das asas. Onarcejão, go un gig e , produz umbarulhão diferente.

Tangarás (Pipridae), dispostos a dançar, recorrem aoruidoso impacto dos pés de encontro ao ramo.

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(4)

Pig. I - Exemplo de transcrição manual do canto dotico-tico, ono pensis, a modo de sono ouespectrograma (Nottebohm 1969).Um canto daColômbia (1),da Argentina (2,4)e do Brasil (3).Cadacantoé representado por uma gravação (sonograma,acima), e por uma transcriçãoà mão, anotação decampo, pelo observador ..

A '.

B

Fig. H - Oscilograma (A) e sonograma (B)da mesma estrofe da cambaxirra,o tes (seg. C. H. Grenewalt 1968).

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BIOLOGIA 107

TYPE B/65 SONAGRAM "KAY ELEMETRles eo. PINE BROOK, N. ~.

Fig.J - Sonograma do canto da tovaca,C e uloides, evidenciando a homogeneidade e a subida muito lenta daestrofe (gravação e sonograma JacquesVielliard).

Entre tais ruídos, alguns são também produzidos nasvia~ respiratórias, mas sem o auxílio da siringe, como obufar ou o fungar do urubu e, talvez, o sibilarà maneirade cobra, emitido por várias aves no ninho, como defe-sa (v.p. ex. Cuculidae).'

O tachã produz um murmúrio na grandealmofada de ar que tem no tórax, ligada com o sistemade sacos aéreos. Não sabemos até que ponto este ruídoatuaria como meio de comunicação.

A música instrumental atinge em certos casos, pro-porções tão elevadas que em intensidade (alcance) igualaou supera a "música vocal" das respectivas espécies.Éo que se dá no "rasgar" ou "ruflar" das asas dos cracídeos

e elope, respectivamente), o "balir" da caudada narceja e o tamborilar dos pica-paus.

No grupo dos tangarás, a música instrumental che-ga a um ponto culminante na rendeira, manacus.

Nestes Suboscines, embora possuam siringe bem desen-volvida, a música instrumental tornou-se tão perfeitomeio acústico de expressão, que substitui inteiramentea vocalização nas danças pré-nupciais.

.Jem-se a impressão de que vigorosas manifestaçõessonoras, quer se trate de vocalização, quer de música ins-trumental, têm efeito contagíante. Em cativeiro, qualquerbarulho é capaz de animar as aves a uma vocalização. \

7.1.3. ANÁLISE SONOGRÁFICA E OSCILOGRÁFICA

Só com a criação de instrumentos eletromagnéticosde alta rotação, tornou-se possível uma compreensãoqualitativa e quantitativa das manifestações sonoras dasaves. Este é o único métodoobjetivo e acessível que pos-sibilita uma pesquisa científica nesse campo.

Podemos fazer uma comparação com a técnica cine-matográfica que, empregada na análise de movimentos

rápidos como o vôo, fornece uma figuração clara quepode ser devidamente examinada.

A avaliação se dá através da leitura de sonogramase oscilogramas (fig. H) que são uma reprodução clara efiel dos sons em papel. Deste modo pode ser examinadaa microestrutura da gravação, que transmite oscaracteres mais delicados das manifestações sonoras.Pelo sonograma são apresentados número, duração, al-tura, amplitude e volume dos tons e o compasso. A al-tura, freqüência ou vibração, dos quais resulta o timbre(pitch), é representada em Hertz. O oscilograma dá umquadro opticamente divergente do sonograma, pois a'altura do tom não é perceptível visualmente, tem queser calculada. Todavia, o oscilograma dá ainda mais in-formações sobre a estrutura dos tons do que o sonogra-ma.

Em vários países do mundo se está trabalhando nosentido de captar, em fita magnética sonora, as manifes-tações sonoras de todas as aves das diversas regiões, se-parando-se as vozes e reunindo-as a seguir num arqui-vo, numa fitoteca, onde se pode encontrar imediatamen-te qualquer espécie. Já, há mais de50 anos, H. Stadler(1929) convocou os interessados paraum. tal.empreen-dimento no Congresso Internacional de Ornitologia deCopenhaguen, numa época em que as gravaçõesfonográficas só serviam para registrar cantigas de po-vos primitivos. Trabalhou-se' com o gramofone, repro-duzindo os sons por meio de discos pesados de cera;todavia, a aparelhagem necessária exigia um caminhãopara transportá-Ia. São centros de coleta de vozes deaves, ib o tu l ounds, sobretudo os arquivosda o g Co po on, na Inglaterra, eo

to o nitholog da Co nell Uni e EUA.Em 1973 começamos a gravar sistematicamente vo-

zes de aves do Brasil, incentivados pelo Dr. Aristides

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108. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Pacheco Leão que há tempos mostrava um vivo interes-se para com a bioacústica e convidou [acques Vielliard,da Escola Normal Superior de Paris, para trabalhar nes-se setor. Foi instalada então na Academia Brasileira deCiências, no Rio de Janeiro, uma fitoteca de vozes deaves 'do Brasil, que se tornou o primeiro centro destetipo na América ào Sul. Depois foi fundado um Labora-tório de Bioacústica na Universidade de Campinas(UNICAMP), com um Arquivo Sonoro Neotropical, con-tendo em 1982 aproximadamente 750 espécies de avesrepresentadas.

[O acervo depositado nessa última instituição come-ça a tornar-se disponível a um público maior com o lan-çamento do CD n2 1 da série Guia Sonoro das Aves doBrasil (Vielliard 1995). Uma série de cassetes comvocalizações de aves, incluindo várias famílias neotro-picais e iniciada em 1975, vem sendo editada pelo Labo-ratório de Bioacústica do oHist , sob a coordenação deJ. W. Hardy (v. Bibliogra-fia das famílias Tinamidae, Columbidae, Cuculidae,Strigidae, Caprimulgidae, Trogonidae, Dendrocolaptidae,Corvidae e Turdidae). São úteis também para o reconhe-cimento de vozes de aves brasileiras, especialmente asdo sul, a série editada por Roberto Straneck (1990) paraas aves argentinas. A estruturação de novos arquivossonoros no Brasil deve aumentar na proporção docrescente interesse da matéria em nosso meio. Nestecaso, encontra-se em fase de consolidação o ArquivoSonoro Elias P. Coelho (ASEC) na Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro, sob a responsabilidade deLuiz P. Gonzaga.]

7.1.4. DESCRIÇÃO FONÉTICA E' DIAGRAMÁ TICA

Enquanto se pode considerar perfeita a reproduçãodas vozes por meio de fitas magnetofônicas, que man-têm tudo, em microestrutura, pronto para análises, pou-co podem proporcionar as figuras em papel desonogramas e ainda menos de oscilogramas quanto auma idéia real da voz, quando não se conhece a mesma.Para transmitir ao leitor, quer seja ele especialista ou lei-go, uma demonstração acústica imediatamente com-preensível, deve-se inicialmente descrever em sílabas,ainda que seja de modo imperfeito, o caráter conjuntoda respectiva produção de tons, poder-se-ia dizer, amacroestrutura.

Uma curta caracterização fonética alcança a maiorimportância na identificação rápida de manifestações so-noras de aves, que é também um dos objetivos deste li-vro, e torna-se um auxílioà memória tão indispensávelquanto as notas sobre as características físicas (colorido,etc.). Esse é o método usado em todos os modernosguias de campo, corno P: ex., a série deeld Guides deRoger Tory Peterson sobre as aves da América do Nortee Europa, a qual se tornou modelo para tais publicaçõessobre as aves de todas as partes do Mundo. A larga acei-tação desses livros atribui-se também ao uso extenso da

descrição fonética da vocalização, que se tornou rapi-damente popular.

Sucintas diagnoses fonéticas são utilizadas tambémem trabalhos puramente científicos, p. ex. em chaves paraa determinação de grupos morfológicos difíceis nosquais cabe ao cará ter da voz importância decisiva, comoem corujas, Otus sp (v. Marshall 1967, Strigidae, biblio-grafia) e tiranídeos i hus spp., Lanyon 1978).

Uma boa alusão fonética, dão as palavrasonomatopéicas ou outros termos incisivos como: urrar(canto da ema e do socó-boi), pipilar (pinto de galinha),grunhir (canto de saracura-sanã, llus n i ns), ron-ronar (coro de anu-coroca e dos tangarás), crocitar (cha-mada de anu-coroca, garça), ulular (canto de coruja), ran-ger (tucanuçu, h tos toco), martelar (araponga),estridular (cigarra, o ophil lc os is), bufar (urubu),sussurrar, zumbir (som das asas de beija-flor).

É comum o sentido de algumas palavras não ser to-mado rigorosamente na linguagem de todos os dias,como "assobio", no verdadeiro sentido sem trêmulo("uiL", p. ex. o canto da alma-de-gato, e "apito",a rigor tremulante, como o apito do guarda de trânsito("truit...", p. ex. no canto do inambuaçu, tu ellusobsoletus). Termos como "cantar", "piar", "gritar" sãousados com sentido absolutamente generalizado. A vozpode ser, p. ex., cacarejando (aracuã), chiando (beija-flor),mugindo (anainbé-preto), flauteando (corrupião), chil-reando (andorinhas, pardal) ou gemendo (mutum).

O hábito de fazer da vocalização de aves (e outrosanimais) o nome vulgar da espécie, é tão antigo como aprópria humanidade. Encontramos nomes onomato-péicos em profusão nas línguas de aborígenes deste con-tinente. Tais nomes são muito bons, dando uma perfeitaimpressão da respectiva vocalização e soam agradáveis,p. ex.: nandu, jaó, coró-coró, tachã,inhuma, acauã, pinhé,caracará, quiri-quiri, carão, arara, muru-cututu, bacurau,birro e cancã.

A mais simples descrição fonética requer uma ter-minologia que designa as partes componentes da res-pectiva manifestação de voz, começando pelas unida-des mínimas:

l. Nota, som, nota musical, elemento; as notas sãoseparadas por curtas pausas, intervalos.

2. Frase, conjunto de notas ou sons; as frases podemser separadas por pausas mais longas' do que asnotas que as compõem.

3. Conjunto de frases ou parte de estrofe.4. Estrofe, designa o conjunto de todas as frases que

compõem uma estrofe, estrofe completa, canto; vá-rios cantos costumam ser separados por pausasmais ou menos longas.

Por meio de recursos lingüísticas só se pode repro-duzir qualidades proeminentes da voz. A transfigura-ção excessivamente detalhada em letras e símbolos atra-palha a compreensão. Sempre que possível, deve-se fa-zer uma comparação com vozes de aves bem conheci-das. Muitas vozes, especialmente aquelas de andamento

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BIOLOGIA 109

rápido, comoP: ex. o canto de um caboclinho, ophill, não se pode escrever em letras. Podemos,

porém, chamar a atenção para certos elementos queas caracterizam, distinguindo-as das vozes de outrasespécies do mesmo gênero.

As vogais dominantes e as consoantes devem ser ou-vidas atentamente: dão o timbre e os harmônicoscoexistentes. Um "i", como som principal, faz ouvir umassobio agudo. Um "e" designa um som pob;e de tom,enquanto um "u" soa de modo grave e cavo. E verdade,contudo, que dependendo das condições acústicas, umamesma vogal pode ser ouvida em várias notas. Freqüen-tes nas vozes das aves são as vogaisii (pronuncia-secomo é),õ (pronuncia-se como o "e" deleu em francês=

fogo) e ü (pronuncia-se como o "u" denu em francês=

nu). É comum uma vogal soar simultaneamente comuma consoante, quando então escrevem-se as letras umaem cima da outra; em reprodução datilografada ou im-pressa, porém, deve-se dispô-Ias uma após a outra, p.ex. "zürrr-zürrr" ou "zrrrü-zrrrü", tico-tico-do-campoda Amazônia,

Uma vogal grifada significa distensão, p. ex.ü i (as-sobio dissilábico do saci, . Distensão maisextensa da vogal é indicada por repetição da vogal, p.ex. (alarme .de sabiá). Pontinhos significam que arespectiva letra ou a respectiva sílaba devem ser repeti-das, p. ex. "düi, düi, düi, ..." (vite-vite,tho cicus). Ocasionalmente utilizamos também ponti-nhos para indicar de um modo geral uma continuaçãoda estrofe e não apenas a repetição da vogal citada porúltimo, ou da última sílaba.

Inclusão em parênteses significa que a respectiva sí-laba pode ser repetida, p. ex. "zrrr (zrrr, zrrr)",

o idus.O ritmo pode ser melhor gravado na memória do

que a melodia. Para isto, a acentuação é da maior im-portância. Sem acentos e sem divisão em sílabas, sepa-radas por espaços, e a colocação de vírgulas e traços,uma descrição com letras de uma vocalização de ave oude outro animal torna-se inútil, uma massa amorfa queninguém consegue interpretar. Quando o volume do tomcresce ou decresce, diz-se que ocorre um crescendo ouum decrescendo, respectivamente. O crescendo pode seassemelhar a uma escala ascendente. Também pode ocor-rer que a escala do tom torna-se acelerada ou retardada.

Temos que registrar se cada um dos tons ou se toda asérie de tons ou de notas transcorre horizontalmente,como p. ex. "psiip", chamada de' sabiá-poca, dus

linus, voando; "tzük-tsük-tsük", estrofe domatracão, cine . As notas podem ascender, p.ex. "tulid", chamada de anu-preto,C g oupodem descender, p. ex. "pí-áu", o pica-pauobuslus. Há também escalas inteiras ascendentes, como

o canto da tovaca, e oides, e escalas des-cendentes, como a estrofe melodiosa do entufado,

uDevemos observar se as notas se destacam umas das

outras, o que pode ser indicado intercalando-se espaços" entre asletras ou sílabas, ou ainda por meio de vírgulas

ou acentos, p. ex. "tsoc, tsoc, tsoc" ou"tsóc tsóc tsóc"(dando mais ênfase aost c to), canto de cig . O contrário se dá quando as notas estão ligadasentre si, o que é indicado por meio de disposição dasletras e sílabas sem intervalos, ou de ligação das letrasou frases por meio de traço de união, p. ex. "tzetzetze ...n

(o tapaculo, spelunc ), "bem-te-re-ré" (ojoão-teneném, is spi ).

Com prática suficiente, estas anotações feitas na hora,segundo percepções do ouvido desarmado, são bemcompreensíveis. Observadores experientes conseguemescrever a voz de modo muito semelhante, embora cadaum na fonética de sua própria língua. Diferenças podemsurgir devido ao grau diferente de percepção dos obser-vadores, o que ressalta o caráter subjetivo dessa técnica.

Baseando-se nestas anotações fonéticas pode-se de-cidir se uma voz corresponde a um pássaro que antes seviu e/ ou ouviu, ou então com que tipo de voz temosque contar, se ainda não ouvimos a vocalização de umaespécie, mas a vimos descrita dessa forma num guia decampo, p. ex. comunicação por carta de anotações foné-ticas, feitas por alunos nossos em diferentes Estados doBrasil, já nos serviram para identificar corretamente vá-rias aves, como o provaram exemplares taxidermizadosenviados mais tarde. .

A descrição fonética é o modo mais rudimentar paracaracterizar a vocalização de aves, mas é indispensável.É a técnica mais acessível e adotada também neste livro.

Além da reprodução fonética através de letras inven-tou-se uma transcrição diagramática ou gráfica. Nestaforma os tons e ruídos são representados por meio desímbolos: pontos ligados entre si (trêmulo), pontos e li-nhas, linhas que sobem ou descem, eventualmente emforma de escada, onduladas, dobradas ou duplas (esteúltimo caso quando há sons impuros), pontos grossosou linhas grossas (notas fortes, claras) ou linhas finas(voz fraca, sussurros), etc. A transcrição gráfica pode sercombinada com notas musicais (v. o próximo item).

Com bastante prática na análise de sonogramas, poderealizar-se. a transcrição gráfica (Fig. I) de vocalizaçõessimples, como o canto do tico-tico, a modo do sonogra-ma (v. Nottebohrn 1969, Emberizinae, bibliografia).

7.1.5. CRITÉRIO MUSICAL, APREÇO E UTILIZAÇÃO

Há séculos tenta-se apresentar as vozes de aves emnotas musicais. Assim fez no Brasil, já em 1816, o Prínci-pe de Wied, com o assovio bissilábic~ dosací, pen i p. ex. O talentoso Hercules Florence, companheirode Langsdorff (v.História) protocolou em 1829, em no-tas musicais e transcrição gráfica, a vocalização de vá-rias aves (p. ex.jaó, tropeiro, araponga), mamíferos (bu-gio, onça, ariranha) e insetos (cigarra). Florence concluiu(tradução deAlfredo d'Escragnolle Taunay, 1877):"Vede,por toda a parte neste ime.nso Brasil tombam aos golpes

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110. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

I.-,

do destruidor machado e a poder de fogo e do incêndiodilatadas e seculares florestas, abrigo de inúmerosquadrúpedes e voláteis. Perdidos os sombrios recantosque lhes são precisos,tornar-se-ão cada vez mais raros,esquivos; e por fim de todosumir-se-ão, inocentes víti-mas da conquista do homem à solidão. Quem conserva-rá a exata representação do modo por que exprimiamesses seres seus sentimentos ou modulavam seus can-tos, se não for a zoofonia?"

Não há dúvida que as notas musicais podem servirmuito bem para orientar sobre o caráter de uma vocali-zação da ave, sobretudo quando é simples e melodiosa.Contudo, é problemático determinar a altura das vozes,e geralmente isto é subestimado. Os tons agudos emiti-dos pelas aves, podem ultrapassar de muito o alcancedo violino, enquanto os tons mais graves situam-se den-tro da escala do piano (v. também sob "A siringe e suacapacidade"). Ao contrário dos tons dos nossos instru-mentos musicais, as vozes das aves quase nunca sãopuras, e sim compostas de múltiplos sons. Aliás, deveser lembrado que também para tímbales e outros ins-trumentos de percussão escrevem-se notas.

Também não podemos corresponder as nossas notasmusicais à sucessão correta de sons da voz das aves,freqüentemente muito rápida, como não podemoscorresponder também aos reduzidos intervalos entre ossons, para os quais nosso sistema de pauta de 5 linhas(pentagrama), não é suficientemente minucioso. Nossoouvido nem consegue captar tais finezas e estamos lon-ge de poder reproduzi-Ias depois. O método mais sofis-ticado para superar essas dificuldades é o de Stadler&Schmitt (1914) que combina notas musicais e símbolosgráficos simples, anexados às notas. Hold (1970)dá novaapreciação da matéria.

A voz das aves contém os mesmos elementos bási-cos de nossa música: tons, rítmica, métrica, dinâmica efraseado. Tudo nos leva a crer que o homem desenvol-veu sua música aprendendo com as aves, cuja vocaliza-ção já existia quando o homem começou a preparar umaprodução sonora. A música de povos primitivos, comoa dos nossos índios que forma laços sociais, dá uma idéiade como deve ter sido rudimentar esse início.

Encontramos com freqüência nas aves melodia e har-monia no sentido humano. Temos exemplos impressio-nantes de''estrofes de estrutura harmônica, de longadistensão, p. ex. no inambuaçu,Cnjptu lue obsoletus,no socó-boi. g o ,seriema, acauã, gavião-relógio,

se o e tovaca,C c nisonHá certos cantos curtos, compostos por duas meta-

des que se completam de. modo convincente, atuandocomo pergunta e resposta de um monólogo; isto aconte-ce, p. ex. com os emberizídeos (trinca-ferro,l to

e rabo-mole,E e s ic a primeirametade, ascendente, tem o efeito de "pergunta"; a se-gunda, descendente, o de "resposta". O maior aperfei-çoamento é documentado pelos duetos dos casais decertas cambaxirras.

É digno observarmos que as aves sabem transpor,-istoé, podem apresentar algumas frases ou melodias in-teiras em posição ora mais alta, ora mais baixa, do quetemos um exemplo no corrupião. Ocorre também a exe-~cução em timbres diferentes pelo mesmo indivíduo, oque pode causar a impressão de estar em duas aves con-versando (v.,p. ex. sob gralhas).

Constantemente encontramos músicos que em suascomposições se deixam estimular pelas vozes das aves,como Richard Wagner, Gustav Mahler, OttorinoRespighi, Villa-Lobos e Olivier Messiaen. Asseveramos,todavia, que a voz pura da ave não pode manter-se aolado da nossa aprimorada música clássica, pois a voca-lização da ave perde então seu encanto, a não ser que setrate de uma voz muito simples como p~ex. a do cucoeuropeu, aproveitada por Beethoven na suat le.

Também na Música Folclórica Brasileira há exemplosdo aproveitamento de vozes de aves nas composições.Assim procederam, p. ex. os nordestinos Luiz Gonzagae Zé Dantas, imitando o melodioso canto do acauã,H e , e o maestro Tom [obim, trazen-do para seu estilo vozes como a do urutau e a de doisinambus, usando, no último caso, pios de caçador (dis-co U WEA).

Outra coisa é quando Zequinha de Abreu se inspiranos movimentos do tico-tico, criando assim uma dasmais sugestivas músicas do Brasil, imitando o passari-nho saltitando e se regalando com o alimento encontra-do em abundância - "o Tico-Tico no Fubá". Ou quan-do Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira acusam a cruel-dade de cegar um "assum-preto", chopi, paraeste não fugir (Gravação original: Luiz Gonzaga no LP de78rpm n° 800.681da RCA Victor,em 26 de maio de 1950):

t é só beleCéu de il e )

- eto, cego dos óio (olhos)(n ndo l , , c de dô

(t l (po ) (ignou pió

(ju ) os óio do - toele i , c ô

to (solto)(n podesi de g o

Desde queo céu, , pudesse (olh )

., . "':.,

eto, o eu nÉ t t iste to o teu

b o )Que l dos óios (olhos) u

A afirmação de que entre os pássaros do Brasil nãoexistem bons cantores ou existem apenas em pequenonúmero (tal como em outras zonas tropicais), foi feitapor europeus que desconheciam as condições do país.

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BIOLOGIA 111

Assim escreve E. A. Goeldi (1894):"H~muitos.gritadorese poucos cantores realmente importantes". Dois fatoresperturbam a opinião dos adventícios: (1) sentem a falta,e com razão, da inigualável concentração de cantos depássaros que todos os anos na primavera ocorre nospaíses setentrionais, ao cabo de longo inverno frio e si-lencioso, (2) não encontram as melodias que lhes sãofamiliares da pátria no hemisfério norte, como as dorouxinol-verdadeiro e do tordo-branco. Nada emocio-na tanto como as impressões recebidas na infância, nolugar onde se nasce. Este aspecto é confirmado por jul-gamentos de brasileiros como Gonçalves Dias, queenalteceu devidamente o canto do sabiá brasileiro. Dooutro lado Gonçalves Dias não se conformou com o can-to das aves da Europa: " ... as aves que aqui gorjeiamnão gorjeiam como lá.", na sua."Canção do Exílio". Sa-ber quais são os cantos mais belos é tema para muitasdiscussões infrutíferas.

Hartshorne (1958) calculou que na região tropical doMundo vive mais ou menos a metade das espécies decanto mais musical. Apenas cerca de 75% dos Oscines("aves canoras", 4.000 espécies) cantam, no sentido deuma ave canora.

Existem muitos ornitófilos que se entusiasmam pe-los numerosos pássaros canoros deste país. Essa dedi-cação chega a tomar-se um esporte, culminando em aqui-sições caríssimas e concursos de canto (v. sob curió,

- Aparentemente uma araponga ouum pichochó, pendurados numa gaiola na entrada deuma loja, são utilizados, por causa de sua voz fortíssima,para chamar a atenção dos passantes e possíveis fregue-

-xses. Caçadores se aproveitam de pios para chamar cer-tas aves, sobretudo tinarnídeos. Aprenderam isto comos aborígenes. Seja mencionado que os índios brasilei-ros, que imitam com perfeição as vozes das aves, utili-zam esta arte não só durante a caça mas também paratransmissão de sinais. Pode acontecer, porém, na prepa-

~ ração de um assalto noturno, que se traiam ao adversá-rio conhecedor, arremedando assobios de espécies quenão existem no lugar em questão, como verificamos no

_alto Xingu, MT, em 1947.

7.2. ALIMENTAÇÃO, MODO DE CAÇAR E PESCAR,

RESfDUOS

Para a alimentação foi reservado um espaço relati-.......vamente grande. Procuramos na maioria dos casos co-

nhecer também a técnica de caçar, pescar, pastar, modoe explorar flores, ete. Certas famílias apresentam pro-

-cblemas especiais, como garças, aves de rapina, beija-flo-res, pica-paus, traupíneos e emberizíneos. ,

Há os mais variados tipos de regimealimentar de.....aves neste país, que podemos classificar com a seguinte

terminologia: onívoro - muitos Passeriformes como"--')em-te-vi esabiá, tucanos; carnívoro - falcão, corujão;-soiscivoro - martim-pescador, atobá; necrófago - uru-

ou, gaivotão; insetívoro - andorinha (aérea), pica-pau

(em troncos), tovacuçu (no solo); malacófago -caramujeiro; frugívoro. papagaio (nas árvores), inarnbu,juriti (no solo); fitófagó - cigana; nectarívoro,exsudívoro - beija-flor; granívoro - rola, canário-da-terra. O curicaca é capaz de comer sapos venenosos. De-vorar carrapatos, alimento que corresponde à carniça, éparticularidade p. ex. do carrapateiro, go, e do gran-de icteríneo . A maioria aceita umadieta mista. '

Uma amostra do alimento ingerido por aves captu-radas em redes pode ser obtida através de drogaseméticas. Foram elaboradas várias técnicas usando es-pécies com dieta e tamanho diferentes. Recomenda-se aaplicação de urna solução de tartarato de potássio porvia oral, provocando uma regurgitação do conteúdo es-tomacal sem intoxicar a ave (Tomback 1975).

A orientação pelo faro na procura de alimento é raraentre aves (v. sob urubus, Cathartidae, Procellariidae e

e o veja também papagaios e beija-flores. Maisdesenvolvido é o faro no kiwi, e da NovaZelândia). A existência de faro foi comprovada, p. ex.,nos pombos (Hentonet 1966).

Ocorrem associàções heterogêneas para comer. Osanus, garças, codornas e outros se aproveitam de resespara espantar artrópodes; as aves de rapina e tucanosperseguem animais afugentados por bandos de maca-cos ou coatis nas copas da mata alta; bandos de

o o acompanham bandos-nômades dena mata inundada da Amazônia, locomovendo-

se por baixo dos macacos e aproveitando-se dos insetosafugentados por estes (Ayres 1985, Cuculidae, bibliogra-fia). O mergulhão odi us podiceps apanha peixes,quando estão para escapar de uma garça; várias aves,como dendrocolaptídeos e formicarídeos, acompanhamas formigas de correição obtendo por esta tática grandefração de seu alimento, nos últimos anos estudada sis- .tematicamente por E. O. Willis. Há o fenômeno dafrutificação da taquara que atrai grandes quantidadesde granívoros (v. Emberizinae e Columbidae). Dessasacumulações de pássaros se aproveitam os gaviões damata, como stu collis.

Mencionamos pescarias coletivas, como aquelas debiguás, biguá-tingas, atobás, jaburus e colhereiros. Hátambém-caçadas estimuladas por incêndios nos campos(gaviões, andorinhões, etc.). Tesourões e gaivotas-rapi-neiras forçam outras aves marinhas a cuspirem o ali-mento, para que depois possam apanhá-lo. Um caso di-ferente é o do gavião eo que finge ser umurubu inofensivo para subitamente atacar animais des-preocupados.

'S'articularidade do sudeste do Brasil é o aproveita-mento da excreção líquida adocicada de pulgões peraves, v. sob beija-flores, Parulinae eThraupinagCitare-mos o fenômeno dos "barreiros", isto é, lugares ondeaves e mamíferos comem terra que possui teor salino;fenômeno mais encontrado no Brasil central (v.Psittacidae).

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112. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Numa síntese sobre o aspecto evolutivo de avesfrugívoras, Snow (1971) explica as várias interações en-tre as plantas e os seus dispersores, na região neotropi-cal. As plantas produzem uma abundância de frutos,freqüentemente vermelhas, azuis ou pretas, para atrairas aves. As aves que comem os frutos, sejam estes sucu-lentos ou não, deixam as sementes intactas (frugívoras"legítimas"). As aves frugívoras têm uma vida fácil quelhes permite extravagâncias como a poligamia; a fêmeaé capaz de criar os filhotes sozinha. Isto acontece p. ex.com os cotingídeos e piprídeos, num total de aproxima-damente 150 espécies, muito úteis para as plantas. Fru-tos comidos pelas aves podem ser comestíveis para ohomem ou não (venenosa para nós é p. ex.tbell don . Frugívoras como os psitacídeos destroem assementes quando comem o fruto.

Diferente é o caso das aves insetívoras que têm queadotar as mais variadas técnicas para conseguir seu ali-mento. Formicarídeos e tiranídeos juntos somam maisde 590 espécies que são predominantemente insetívoras.

Acumulam-se registros de atividades noturnas deforrageamento de aves diurnas sob iluminação artificial,p. ex. beija-flores e tiranídeos, mas também tico-tico,cambaxirra, um sabiá e um caminheiro. A ornitofilia étratada sob beija-flores.

7.2.1. PELOTAS, DEJEÇÕES, GUANO

Referimo-nos também à formação de pelotas (vômi-tos, chamadas também egagrópilas, ejeção de materialapós a ingestão) que podem fornecer amplos dados so-bre a alimentação, p. ex. de corujas, maçaricos,andori-nhões e outras. A formação de pelotas, possibilitada porossos, espinhos, penas, pelos ou quitina, é uma necessi-dade vital para essas aves. A densa vegetação tropicalpode dificultar o encontro deste material, o que tambémpoderá ocorrer em relação aos restos de comida (penas,ossos, ete.) deixados por aves de rapina e corujas no lo-cal da refeição. Tais despojos podem fornecer-nos me-lhores detalhes sobre a espécie de ave que tomou seurepasto (v. falcão). Os ossos em pelotas de corujas po-dem levar à descoberta de novas espécies de roedores.Em pelotas de biguás os otólitos dos peixes podem ser-vir para identificar e contar os peixes consumidos.

As dejeções de andorinhões ocne), aves ri-gorosamente insetívoras, que se concentram em certasgrutas para dormir, podem acumular-se de tal maneiraque são usadas como adubo na agricultura, correspon-dendo ao clássico guano de aves piscívoras como atobás(v. . A biodeposition torna-se um importante proces-so geoquímico (Hutchinson 1950).

., 7.3. H , O OGI

Fazemos muitas alusões a respeito desta faceta dapesquisa. O comportamento varia de acordo com as es-

_pécie.s,gêneros, famílias e ordens. Tais elementos podemproporcionar indicações sobre o parentesco entre as aves,tanto mais semelhante for sua etologia.i

Está certo que o forrnicar-se está ligado a uma sensa-ção agradavelmente estimulante, talvez mais procura-da por indivíduos que estão na muda e devem sentircomichões na pele. Não podemos negar de todo que aaplicação de ácido fórmico tenha um efeito de fungicidaou antiparasítico. Após ter usada a formiga dessa ma-neira o pássaro às vezes come o inseto.

Outra "ação de conforto" é o banho, tomado na águaou na poeira, ou em ambos. Beija-flores e outros gostamde banhar-se na chuva; arrepiando as penas para facili-tar a penetração da água. Muitos Passeriformes tomambanhei nas folhas molhadas pela chuva ou pelo orvalho..Existe ainda o banho de sol. Outro tipo de conforto é a"uro-hidrosis", um hábito pouco difundido: consiste emdefecar sobre os tarsos, molhando-os e refrescando-os,servindo à termorregulação; ocorre no urubu-rei, jaburue outros urubus. O contrário acontece com beija-flores:no frio eles recolhem os pés minúsculos na rica pluma-gem do abdômen esquentando-os, como num regalo.

O esticar das asas de biguá, biguá-tinga, socó-gran-de, maguari e urubus pode ser relacionado tanto à ter-morregulação como à secagem das mesmas. A posiçãodeitada sobre os tarsos, como ocorre na ema, na seriemae no téu-téu-da-savana, , talvez também sirva àtermorregulação. Comumente as aves aliviam-se do ca-lor excessivo pelo ato de ofegar. O fenômeno de bocejar,abrir fortemente a boca, por razões nem sempre eviden-tes, ocorre em todos os vertebrados a começar com ospeixes; os mamíferos (como o homem) acrescentam aoabrir a boca um profundo inalar. Vêem-se as aves boce-jarem amiúde, p. ex., papagaios, pombas e beija-flores,sem se perceber o inalar.

Um outro tipo de abrir a boca é agonístico executa-do por muitas aves, sobretudo ninhegos, p. ex. garças ebacuraus, às vezes ameaçando ainda com um sibilar decobra: tudo herança dos répteis.' Quanto ao modo debeber, algumas aves "sugam" a água sem levantar a ca-beça, veja, p. ex., pombas e o bico-de-lacre. Brincar ocorreamiúde em papagaios e araras. Registramos atividadeslúdicas num falcão fingindo caçar e em filhotes de umfalcão no ninho; 'também numa 'áridorínha e em beija-flores, nos últimos ocorrendo vôos acrobáticos, seme-lhantes aos vôos nupciais. As perseguições de gaviões("mobbing"), realizadas por beija-flores, tiranídeos, an-dorinhas e outros são também em partebrincadeiras,

Raro fenômeno em aves é o uso de instrumentos(tooluse), observado em aves do Brasil, p. ex., garças, ararase marfins-pescadores.

Problemas dos mais interessantes ligam-seà fisiolo-gia dos sen.tidos, como, p. ex., a sensibilidade a coresque é semelhante à nossa (v. beija-flores). As aves perce-bem também luz ultravioleta (v. andorinhas) e luz pola-rizada, faculdades que aproximam as aves dos insetos.Já foi aqui mencionado o faro.

.-.,I

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BIOLOGIA 113

A percepção de-pressões atmosféricas, geomagnetis-mo, infra-sons e luz polarizada devem apoiar a orienta-ção das aves durante longas migrações, sobretudo ànoite. As aves dispõem de um sentido apurado decinestesia, ajudando-as, p.ex., na localização do seu ni-nho.

A existência de atividade onírica (sonhos) em avespodemos atestar quando observamos de pertoxerimbabos que dormem, veja sob Ramphastidae ePsittacidae.

Não podemos entrar em detalhes da fisiologia sen-sorial, mas queremos ao menos chamar a atenção paraessa parte interessante da biologia das aves.

REPRODUÇÃO

7.4.1. CICLO ESTACIONAL

o ciclo reprodutivo, adaptado às estações do ano,constitui uma matéria complexa devido à quantidadede espécies de aves brasileiras e suas exigências. As cau-sas principais para o desenvolvimento deste ciclo jazem:(1) no regime das chuvas e (2) na alimentação que, ge-ralmente, depende da precipitação atmosférica. Não háinfluência ponderável do fotoperiodismo, que regulaeste ciclo em latitudes mais elevadas. O fator proemi-nente que condiciona as atividades reprodutivas é a far-tura de alimento, facilitando a criação da prole. O come-ço das chuvas provoca forte aumento de insetos, benefi-ciando insetívoros, como os andorinhões e muitos Pas-seriformes florestais. Pelo fim da época seca há maiorabundância de frutas, o que favorece os frugívoros, comoos anambés (Cotingidae). Granívoros (p. ex.Emberizinae) são dependentes da maturação de semen-tes. Beija-flores aproveitam-se do auge da floração. Massua adaptação a vários vegetais que possuem umaperiodização diferente, implica um cronograma corres-pendente -,

A obtenção do material para a confecção do ninhopode ser decisiva. o joão-de-barro, rufus, ne-cessita de lama úmida, que só existe após as chuvas.Beija-flores necessitam, para a construção do seu ninho,de paina que conseguem apenas numa certa época; sen-do sensíveis ao encharcamento do seu ninho, reprodu-zem-se na época seca do inverno, julho a novembro emBelém. Também os grandes ninhos de icteríneos podemser préjudicados por chuva pesada. As inundações im-possibilitam a reprodução de aves que nidificam no solo(v. sob Impactos atmosféricos).

_Aépoca de reprod ução das aves do Brasil é indica dageralmente como sendo de setembro a janeiro.É de seadmirar que tanto na região de Cantagalo, interior doRio de Janeiro (22°S, 400m, clima de serra, 1.497,Ommde precipitação anual, 140 dias de chuva, temperaturamédia 17,8°C) como na área de Belérn, Pará níveldo mar, 150km do equador, 2.760,9mm de precipitação

por ano, 244 dias de chuva, temperatura quase invariá-vel 25-26°C) a maior atividade de reprodução concen-tra-se em outubro, enquanto que a maior redução dessadiligência ocorra em abril e maio, correspondendoà pri-mavera e ao outono austrais, respectivamente (Euler1900, Pinto 1953). Porém, sob as mesmas condições cli-máticas, na mesmabiota, pode haver uma variaçãomuito acentuada, diferindo a cada ano..o que dificulta acompreensão do quadro, não se podendo portanto fa-zer uma generalização. Mas em cada espécie as ativida-des são sincronizadas, correspondendo a uma real adap-tação hereditária. Podem ocorrer diferenças do ciclo en-tre várias populações da mesma espécie; fala-se entãode raças fisiológicas (Miller 1960). Ao norte do equadorclimático, que passa a 8°N, ficando portanto fora do Bra-sil, o ciclo reprodutivo é inverso (Snow& Snow 1964).

No Rio de Janeiro (ex-Guanabara) temos registros denidificação no outono e inverno (junho, julho, agosto),p. ex. de tico-tico de bem-te-vis

e e outrostiranídeos como o canto intensivode em julho/agosto deve apontartambém atividades reprodutivas. Em começo de agostoo andorinhão começa com suas gri-tarias coletivas acima do Rio, o sabiá-laranjeira,

canta. No Brasil Central (alto Xingu, MatoGrosso) a reprodução de aves está em pleno desenvol-vimento em julho.

Ocorrem no Brasil de duas a três posturas consecuti-vas, depois o casal descansa e entra na muda. Verifica-mos, p. ex., que na baixada quente ao norte do rio Doce(Espírito Santo), no começo de dezembro, os Passerifor-mes examinados (Furnariidae, Tyrannidae e Thraupinae)encontravam-se todos na muda, mas suas gônadas ain-da estavam bem desenvolvidas. Espécies de regiões tro-picais 'têm gônadas desenvolvidas durante muitos me-ses, sem que contudo estejam sempre se reproduzindo.Pode-se verificar uma atividade reprodutiva individualdurante 6 a 8 meses (Miller 1960). Pode haver dois pe-ríodos de reprodução por ano, separados por alguns me-ses. Não há uma clara separação entre as atividadesreprodutivas e a muda.

Um período reprodutivo contínuo durante todo oano, em latitudes equatoriais, é muito mais raro do queo esperado. Na Amazônia

, e reprodu-zem-se quase todos os meses, mas não os indivíduos.Na região de Cantagalo, Rio de Janeiro, encontram-seovos do xintã, em quase todos osmeses. A suindara, parece reproduzir, em vá-rias regiões do país, durante quase todo o ano.É necessá-rio fazer no Brasil siudies no modelo daquelesfeitos por Margaret Morse Nice(1964) nos EUA,AlexanderF.Skutch (1935 em diante, até os nossos dias) na Améri-ca Central e Alden H. Miller (1960) na Colômbia.

Para compreender melhor o cronograma da repro-dução das nossas aves, é necessária a interpretação cor-

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114 ORNITaLaGIA BRASILEIRA

reta de muitos dados já existentes e a realização de no-vos registros.

7.4.2.NIDIFICAÇÃO, OVOS, ONTOGENIA

No grande complexo da reprodução apontamos, so-bretudo, detalhes das cerimônias ou rituais pré-nupciais(v.p. ex. Fregatidae, Trochilidae, Pipridae e Cotingidae)e da nidificação.

Geralmente ocorre a monogamia, que pode durartoda a vida (p. ex. papagaios e aves de rapina), ou res-tringir-se a um único período de reprodução (p. ex.muitos Passeriformes) .

.No Brasil, são numerosos os casos de aves que nãovivem aos casais.p. ex. beija-flores e tangarás (Pipridae).Temos, ainda, representantes nos quais só o macho cui-da dos ovos e dos filhotes, tais como a ema, os tinarní-de os e a jaçanã. Nesses casos afêmea pode ser o sexodominante e o comportamento pré-copulatório inver-te-se, tornando-se interessante a organização popu-lacional dessas espécies. Há vários tipos de poligamia.O processo da seleção sexual pode ser visual e/ ou acús-tico.

Há uma variedade muito grande na nidificação dasaves brasileiras. Entre os casos mais interessantes domundo, referente à falta' absoluta de providenciar umninho, está a grazina, (Laridae), da Ilha daTrindade, o urutau várias espécies) e obacurau Damos os maiores detalhes a respei-to da nidificação de Apodidae, Trochilidae, Furnariidaee Icterinae. Existem baas publicações sobre anidifíca-ção de aves brasileiras, principalmente de Euler(1900),Ihering (1900),Snethlage (1935)e Pinto (1953),atualmen-te Yoshika Oniki e Anita Studer. Quanto a pormenoressobre a criação dos filhotes, tempo de incubação, etc.,tomamos freqüentemente as indicações de Alexander F.Skutch, clássico nesta matéria, tendo de ser analisadaainda em seus detalhes a aplicabilidade dos dados daCosta Rica ao Brasil.

A associação em colônias é o grande estímulo social:ver outros indivíduos da mesma espécie coletando ma-terial para a construção do ninho, executando cerimô-nias pré-nupciais, etc., geralmente resulta numa maiorcota deproliferação.; A reprodução em colônias, maisconhecida em aves marinhas as quais, no Brasil, não sãodestacáveis, é mais evidente, neste país, p.ex. nosCiconiiformes (garças, etc.), na caturrita,

e em Passeriformes como icteríneos.Muitas aves desenvolvem durante o choco uma "pla-

ca de incubação". Tal placa fica localizada na parte infe-rior do corpo, onde caem as penas e a pele torna-se for-temente vascularizada, como que inflamada, com tem-peratura mais elevada do que o resto do corpo. Esse ca-lor é transmitido diretamente aos ovos.É uma particu-laridade do sexo que incuba. A morfologia destas pla-cas de incubação varia conforme a espécie;' há poucainformação a este respeito em aves brasileiras. Nos

Laridae ocorrem três placas de incubação, correspon-dendo aos três ovos.

(Os ovos e sua incubação são descritos de maneirasumária nas textos das famílias. Para se livrar da cascao embrião usa o "diamante", uma protuberância córneana ponta da maxila (e também da mandíbula se esta, noembrião, é mais comprida do que a maxila, como p. ex.Picidae). Consta que a dureza da casca de ovo chegaperto daquela do vidro. O diamante cai pouco após aeclosão. Entre outras particularidades dos ovos men-cionamos a' ultra-estrutura da casca, servindo nataxonomia. Existem diversas adaptações das ovos rela-cionados ao parasitismo (v. Cuculidae e Icterinae).

i maioria das aves nasce nua (como muitos Passe ri-formes, beija-flores e aves que nidificam em buracos,como pica-paus e tucanos). Após poucos dias brota noninhego uma finíssima penugem e e). Depoissaem, das mesmas papilas, as penas definitivas, empur-rando as n para fora (estas permanecendoaderidas à ponta da pena definitiva por algum tempo).Antes de mudar para a plumagem adulta, o filhote ad-quire às vezes uma segunda (ou até terceira) plumagem;}fala-se então do imaturo, respectivamente dosubadulto.'

termos que nãosão rigorosamente definidos. !Conside-rando o seu desenvolvimento pós-embrionário; distin-guindo dúas categorias de filhotes: (1) nidífugos

, nascem de alhos abertos, são cobertos de pe-nugem natal(neossoptiles), são aptos a correr mal saemdo ovo; geralmente são aves que nidificam no5010,1p.ex., Tinamiforrnes e Charadriiformes: (2) nidícoias

l), nascem de olhos fechados, são incapazes dese locomover, permanecem algum tempo no ninho o qualcostuma ser construído sobre árvores,l p. ex.,Columbiformes e Passeriforrnes, mas também aves a-quáticas como Sphenisciformes, Procellariiformes ePelecaniforrnes que nidificam no solo ou sobre galhos.Os filhotes que estão no ninho são os ninhegoa.Urn tipoe-special do grupo nidícola é a picaparra, [ulica,cujo filhote, nascido em estado bem embrionário, é abri-gado sob as penas ao lado do corpo do pai que o levaaté em vôo.

Os filhotes de certas espécies nidícolas,P:ex., o atobá,expostos às intempéries à beira-mar, e oandorinhão

, expostos ao molhamento de cascatas, evo-luíram uma penugem lanosa, que são osantecessores das dos adultos.

§eja lembrado aqui que o conhecimento sobr: are-produção de uma ave (tipo de ninho e ovos, a~ar~nCla ecomportamento dos filhotes, etc.)pode contnbUlr parao esclarecimento do seu parentesco com outras aves (v.p. ex. , Furnariidae). Em muitos Pas-seriforrnes e também outras aves, a determinação daidade pade ser feita, até ponto, através daossificação craniana. O crânio do ninhego consiste decartilagem: uma única camada elástica transparente,deixando antever, de cima,' o cérebro e as vasossangüíneos. A cartilagem é substituída progressivamente

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BIOLOGIA 115

por osso, de aspecto esbranquiçado, pontuado, duro:duas camadas sólidas, separadas por uma área pneu-mática. Os últimos vestígios de cartilagem aparecemcomo uma ilha em cada lado dovértice,' que finalmentetornam-se bem pequenos num pardal,s do esiicus,de 4 a 5 meses de idade. A ossificação completaéalcançada às vezes apenas co~ 6 a 8 mese.:'. Movimen-tando a pele fina molhada do vértice de uma-ave peque-na, podemos ver (não sempre) se existem tais ilhas,mé-todo aplicável,P: ex., durante o processo de anilharnen-to. EJI1 certas aves, entre elas os melhores voadores comoandorinhões, beija-flores e muitos maça ricos, aossificação nunca se torna completa. Damos várias in-dicações sobre a idade máxima das aves, p. ex., ospsitacídeos e emberizídeos.

7.4.3. PREDAÇÃO EM NINHOS, ADAPTAÇÕES

ANTIPREDATÓRIAS

A predação de ninhos foge na maioria dos casos aum controle direto, uma vez que os perigos.não são ób-vios. Os predadores podem viver no chão, podem serarbóreos ou aéreos. Muitas perdas têm de ser atribuídasà sagacidade de gambás(Didelphis sp.), animais de há-bitos crepusculares e noturnos, e de sagüis sp.),de maior atividade diurna, ambos podendo ser abun-dantes também em regiões sob controle do homem. Maisfreqüente do que se espera é a predação por cobras (v.p.ex. Icterinae). Até ninhos pendurados nas pontas de ga-lhos, como aqueles de ucel(Furnariidae), são alcançados por cobras-cipó, observa-das também a invadir um ninho de joão-de-barro. Deveocorrer, regularmente, a predação de ninhos de aves porforrnigas-de-correição quando estas enchem também agalhada e os troncos, na mata, e não apenas o solo, de-

- vorando tudo (v. sob beija-flores e andorinhas).Segundo E. O. Willis as formigas-de-correição neo-

tropicais "picam e mordem, mas são incapazes de cor-tar a carne de vertebrados. Apenas separam osartrópo-des em suas juntas." Sobre a predação de caranguejeirasem ninhos e em outras oportunidades v. sob Predação.

_Na Amazônia peruana, Maria Koepcke(1972) esta-beleceu o seguinte quadro de padrões antipredatóriosna nidificação, frisando que os maiores perigos' seriammacacos e tucanos: (no Brasil, achamos que seriam co-bras considerando os inúmeros casos de perdas nãoesclarecidas em locais onde não existem macacos nemtucanos)

(1) Construção do ninho em lugares inacessíveis:ár-vores altas (Falconiformes, Icterinae), por cima da água(Icterinae, Tyrannidae), mata cerrada (Cuculidae), pal-meiras espinhentas (Troglodytidae), pontas de galhos(Formicariidae, Tyrannidae, Icterinae).

(2) Nidificação em ocos (Trogonidae, Alcedinidae,Momotidae, Galbulidae, Bucconidae, Ramphastidae,

--.....Picidae, Dendrocolaptidae, etc.).

(3) Ninhos desproporcionalmente grandes de avespequenas podendo ~isfarçar a câmara oológica(Furnariidae, Formicariidae). .

(4) Camuflagem (Trochilidae, Tinamidae; os últimospodem cobrir os ovos com folhas quando saem do ni-nho).

(5) Nidificação em grupos( otoph Icterinae).(6) Defesa pelos pais, incluindo despistamento do ni-

nho (geralmente espécies que vivem no solo' ou pertodele, como Tmamiformes, Anseriformes, Charadriiformese Caprimulgiformes).

(7) Associação com vespas e formigas (Icterinae noBrasil também Cotingidae:G us).

(8) Diminuição do tamanho do ninho até o extremo(Pipridae, Cotingida.&-

No Brasil podemos acrescentar ainda a construçãodo ninho sobre plantas altamente urentes (v. sobTroglodytidae), e a instalação de dois acessos por ninho,às vezes apenas simulados (v. sob Furnariidae), ou aconstrução de um sobreninho (v.Estrildidae).

Na Amazônia brasileira Y.Oniki(1979)fez uma aná-lise' de correlações entre o hábitat e as características deninhos e ovos com perspectivas anti-predatórias:

(1) Ovos azuis, com ou sem pintas, geralmente en-contram-se em ninhos em forma de taça grossa; os ovosazuis parecem imitar as manchas de luz que incidemsobre as folhas circundantes ( g ,

h pis, c us).(2) Ovos róseos, com ou sem pintas, ocorrem sobre

ou próximo ao chão ou em ninhos ralos, os ovos pare-cem folhas secas, a serrapilheira ou o solo ,

.(3) Ovos brancos, com ou sem pintas, são encontra-

dos dentro de cavidades (Picidae), em ninhos em formade forno (Odont us), em ninhos de Columbidae ondeos ovos são constantemente cobertos pelos adultos, emvários ninhos em taças ralas ou grossas (Trochilidae,vários Passeriformes).

Skutch (1976) concluiu que anidificação de aves naregião neotropical tem pouco sucesso devido principal-mente à predação, mas que esta poderia ser reduzida seas aves tivessem menos ovos por postura, menos filho-tes, e portanto menos visitas dos adultos ao ninho paraalimentá-los, reduzindo assim as chances do ninho eadultos serem detectados pelos predadores.

Esta teoria foi apoiada pelos trabalhos Snow& Snow(1964) na Ilha de Trinidad; de Ricklefs(i969) e WiIlis(1961) que também trabalharam na América Central e anoção de que a predação é alta nas regiões tropicais tor-nou-se generalizada.

Entretanto, Snethlage(1935) já havia sugerido, semapresentar dados quantitativos, que nas matas tropicaisda região amazônica, a predação não era tão alta comose supunha.

Os estudos de Oniki em Belém e Manaus, amplian-do as sugestões de Snethlage, mostraram que as taxasde predação em ninhos de aves, às vezes são mais altas

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116' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

que em zonas temperadas, mas outras vezes são seme-lhantes às taxas nessas zonas. Sendo que as taxas depredação não são uniformemente altas nas zonas tropi-cais, o número pequeno de ovos nessas zonas não pare-ce ser resultado de alta predação. Serão necessários es-tudos adicionais em matas naturais, que ainda apresen-tem predadores que possam controlar as populações dospredadores pequenos de ovos (cobras, etc.).

Em ilhas oceânicas, como Trindade, a abundância dovoraz caranguejoGe inus l to s, impossibilitaprovavelmente a ocupação desses lugares por outrosprocelarídeos que nidificam em buracos (Olson 1981)

Fomos informados no Nordeste que abelhas africa-nas, elli e nsoni que, nos últimos anos, se es-palharam sobre o país todo, ocuparam um oco no qualmaracanãs tinham sua prole e que assim foram mortas.

Ocorrem perdas da prole por ações inofensivas deanimais, p. ex. a ocupação fortuita de ninhos por umbicho qualquer. Assim achamos num ninho fresco dofurnarídeo chi c (= eoph l os filhotesrecém-nascidos de um pequeno roedor,O sp.Duas rãs, o e sp. escolheram um ninho de

s, com ovos, como dormida durante o dia; ospássaros abandonaram a postura (A. Studer, Minas Ge-rais). Sobre a ocupação de ninhos velhos por outros ani-mais v. p. ex. sob caturrita (Psittacidae) e Furnariidae.

7.4.4. AVES PARASITAS

Capítulo fascinante é o parasitismo entre as aves, casoespecial da reprodução, que no Brasil pode ser observa-do na mais variada gradação, v. sobretudo Cuculidae eIcterinae. Também existe no Brasil um pato parasita.Descrevemos com maiores detalhes o caso do gaudério,

lo bo iensis. Em certas famílias ocorre às ve-zes parasitismo incipiente, como o nido-parasitismo decertos tiranídeos, andorinhas e icteríneos.

7.5. RELAÇÕES INTERESPECtFICAS

Além das relações entre indivíduos da mesma espé-cie(relações intra-específicas), interessam-nos as relaçõesentre as diversas espécies(relações interespecíficas).

_A maior oportunidade para a associação de váriasespécies ocorre durante a busca de alimento, verifican-do-se em quase todas as famílias de aves. Temos a "hie-rarquia dabicada'" (v. sob Cathartidae). Tipo peculiarde associação é a do icteríneo us com otiranídeo Het is d inic n (Rio Grande do Sul).

Aqui se enquadra a formação de bandos mistos depássaros que perambulam pelas florestas,fenômenomuito difundido na região neotrópica, os participanteschegando a cooperar uns com os outros. Dentro da matatropical com sua múltipla estratificação ocorrem tais des-locamentos tanto nas copas das árvores (dominandotraupíneos como h phonus), como no sub-bosque

Fig.K- Parasitoexterno da ave, alma-de-pombo,Hippoboscidae(seg.Watson& Amerson1967).

(comparecendo, p. ex. formicarídeoscomo )

Notam-se esses bandos durante o ano todo, participaii-'.do também indivíduos que reproduzem na área.(Cadabando tem um líder, uma sentinela, que dá um sirial dealarme, se, p. ex., aparece um gavião. Registrou C. Munn(1986) na Amazônia peruana, que a sentinela às vezesdá um alarme falso imobilizando os companheiros dobando, dando à sentinela maior chance de apanhar uminseto cobiçado. Uma interpretação antropomórfica fa-lou então de "pássaros que mentem".É urna demons-tração de que um animal também pode se beneficiar ao"ajudar" outras espécies.

A marcação com anéis coloridos revelou que essesbandos não são uma conglomeração fortuita mas simcomunidades organizadas, participando certos indiví-duos provavelmente a vida toda, com interrupções du-rante a reprodução. Podem participar na Amazônia bra-sileira 5 a 9 espécies, mas apenas um indivíduo ou umcasal (às vezes com filhotes) de cada espécie. O bandopode reunir 10 a 40 e mais indivíduos. Há bandosinsetívoros (como furnarídeos, dendrocolaptídeos etiranídeos), participando também pequenos pica-paus,e bandos de frugívoros e nectarívoros (traupíneos, in-clusive D is e pes), as últimas trafegando ape-nas nascopas.Cadabando tem uma área vital defendi-da contra outros bandos. Quando tais bandos se encon-tram lutam os indivíduos coespecíficos. Uma das cau-sas para a formação dos bandos deve ser a maior segu-rança. Quanto a outras associações de aves procurandoalimento há ainda o fenômeno importante de formigasde correição.:_

A B

Fig.L- Parasito externoda ave,piolhos de pena,Mallophaga.A, tipoprolongado que vivena pluma-gem do peito e das costas;B, tipo arredondadovivendo na plumagem da cabeçada ave (seg.Watson& Amerson 1967).

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BIOLOGIA 117

A congregação de espécies diferentes durante migra-ções de maior escala é muito ligeira; cada espécie pro-cura a companhia dos indivíduos de sua espécie, mas oseu bando segue os bandos de outras espécies. Existepouco entendimento sonoro entre as diversas espécies(v. "Manifestações sonoras")., 'Existem associações interespecíficas durante a nidi-fícação, principalmente entre as aves que formam colô-nias. 'Muito excepcionalmente as relações interespecíficaspodem levar a um cruzamento. .

Comentamos o comportamento agonístico de pássa-ros para com os rapineiros, corujas e outras espécies deaves, como (Tyrannidae) a qual pode as-sustar a passarinhada pela aparência berrante de suasasas abertas.

. O complexo da predação também faz parte das rela-ções interespecíficas, em sentido ampl~.'

7.6. PARASITOS DE ÁVES, FAUNA NlD/COLA, PROBLE-

MAS SANITÁRIOS, DOENÇAS

No Brasil, o tema torna-se mais interessante p. ex. no'caso do pombo, do pardal e do urubu e na fauna nidícolade Fumariidae, Hirundinidae, Psittacidae (caturrita) eoutros, também aves marinhas. Necessitamos de maisatenção a respeito em aves silvestres.

7.6.1. ARTRÓPODES, FAUNA NlD/COLA

Mencionamos dípteros pupíparos ou hipoboscídeos(alma-de-pombo), que vivem em algumas aves, como opombo e gaviões. São parasitas hematófagos.

Referimo-nos ainda aos "bernes de passarinhos", lar-vas hematófagas de dípteros que podem concentrar-senos filhotes de gaudério criados pelo tico-tico, o que podesignificar a salvação da prole do tico-tico. Os bemes depassarinhos, is (= spp., pertencemàfamília Muscidae, enquanto os conhecidos bernes-de-bois ou bernes verdadeiros, larvas de mosca-berneiraou mosca-do-beme (que parasita também o homem)pertence aos Oestridae. são um tipo de mos-ca vistosa e barulhenta, que põem seus ovos ou larvasdiretamente sobre os filhotes de aves, ao contrário doberne verdadeiro(D .

De observação difícil são os Aphaniptera ouSiphonaptera, pulgas de aves, como a cosmopolita pul-ga da galinha, E l . Um tanto maisóbvio é o grupo dos malófagos, Mallophaga, piolhos daspenas, que mencionamos nos tinamídeos e psitacídeos,onde estes parasitos podem permitir certas conclusõesquanto ao parentesco das aves hospedeiras, situação quepoderia repetir-se em outras famílias (numerosos traba-lhos de Lindolpho R. Guimarães, Museu de Zoologia,São Paulo). Um fenômeno ecológico interessante é quecada região do corpo da ave, p. ex. a cabeça, as costas eas asas, podem ter seu próprio conjunto de malófagos.

Não são tratados os casos dos múltiplos ácaros quevivem dentro e entre as penas, nas narinas, em sacosaéreos, etc., das aves ,(trabalhos de Herbert F. Berla,Museu Nacional, Rio de Janeiro). Em aves aquáticas,como trinta-réis e garças, existem ácaros que transmitemarboviroses letais (Kinget 1977).Carrapatos (Ixodoidea)que se fixam nas partes nuas (p. ex. região perioftálmica),não são tão freqüentes em aves (v.sob atobá).

Informações sobre artrópodes parasitas são dadas aotratarmos da faunanidícola,v. sob Sulidae, Ciconiidae,Psittacidae, Fumariidae e Hirundinidae. Tais dados ad-quirem interesse sanitário quando, p. ex., nos ninhos deandorinhas vivem insetos hernípteros semelhantes aospercevejos dos galinheiros, ou nos ninhos de jaburu,cabeça-seca, caturrita e joão-de-pau aparecem barbeiros,que podem ser transmissores da tripanossomíase ame-ricana, a doença de Chagas. Ainda não foi suficiente-mente estudado no Brasil se de fato ocorrem tais trans-missões ao homem.

7.6.2. VERMES E OUTROS PARASITOS, DOENÇAS

Mencionamos nematóides dos olhos de certas aves,p.ex. Cracidae (oxyspirurose); tais vermes podem exis-tir também na galinha doméstica. Nematóides das viasaéreas são os , que se localizam na tra-quéia, p. ex. do pardal, do sticus produzindo asingamose, o chamado" gogo". As aves se infestam comas larvas do verme que se encontram em fezes de avesou na comida, como minhocas e gafanhotos.

Não relatamos aqui os vermes (trematódeos,nematóides, cestóides) que vivem nos intestinos demuitas aves; sobre este assunto existe no Brasil uma das

literaturas mais ricas (Travassoset , 1969, volume de886 páginas, e muitos trabalhos posteriores).

Nos pingüins ocorremAcanthocephala. Os transmis-sores de ovos de cestóides que infestam as aves podemser as formigas, pondo em consideração especial o há-bito de forrnicar-se (v. Hábitos).

Existem nas aves hematozoários transmitidos por in-setos, que podem ser inofensivos, como aqueles que sãotransmitidos de um pombo a outro por pupíparos, v.sobpombo. Os vetares principais são, na Amazônia, mos-quitos. Ocorrem protozoários como tripanossomas egiárdias, v. sob fauna nidícola de Fumariidae, etc. Emtucanos, na pipira-vermelha, elus o, e nacarnbacíca,Co b flaueola, foram isolados protozoáriosde malária de aves. Sobre a toxoplasmose v.sob pombo-doméstico. Ocorre o botulismo, transmitido por bacté-rias, p. ex. em aves aquáticas como marrecas (Smith1977). Em garças foi isolada a bactéria l

.Entre as doenças citadas em aves silvestres deste país

está a aspergilose (o micróbio causador é o fungosp.), ocorrendo p. ex., em pingüins e macucos,

i ius, em cativeiro (Andrade dos Santos&Tokarnia 1960). .

" J

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118 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Há muitas conjecturas sobre doenças transmitidaspelo urubu (v. Cathartidae).

As próprias aves podem ser os propaga dores dedoenças, e como os patos, que podem ser veiculadoresdo vírus da encefalomielite. Pombos, psitacídeos, o par-dal, a ema e o jacu (Nuneset 1975) são atacados peladoença de Newcastle, epizootia (vírus) largamente es-palhada em galinheiros, sendo às vezes transmitida aaves silvestres, como à pomba da mata, p. ex.Colu

, e periquitos comoEnicog us Iepto hqnchus,ambos do Chile (Behn 1957, Sick 1969);v. também sob aarara-azul-pequena, odo g Talvez sejaliquidada toda a população de certas espécies de umadas nossas reservas, se uma epizootia, como a doençade Newcastle, for introduzida. Psitacídeos bem comooutras aves são acometidos de ornitose ou psitacose v.sob Psittacidae. No Chile foi achado o Diftero-Viruelaaviário em (Cubillos ~t . 1979).É pos-sível que aves migratórias procedentes da América doNorte, como hi undo, tragam parasitos comoDiph llobo (Cestódeos).

Seria interessante apanhar aves com evidente passi-vidade, suspeitas de doença, p. ex. pombos, para verifi-car através de exame virológico eserológico, respecti-vamente, se 1°existe um vírus, e 2°se existem anticorpos.

Em Belém, Pará, existe um centro de estudos sobrearbovírus (vírus transmitido por artrópodes); v. sobFormicariidae. Tentou-se combinar ornitologia eepidemiologia (Lovejoy 1967). Lembramos a existênciados tratados de doenças das aves de Reiset aI. (1936),Reis (1955) e Hofstadet l. (1972).

É melhor falar abertamente sobre a possibilidade deaves que poderiam transmitir doenças do que querer es-conder esse' detalhe. Os perigos com aves silvestres sãomuito reduzidos.

7.7.PREDAÇÃO, ACIDENTES, IMPACTOS ATMOSFÉRICOS

A predação de aves, fora do ninho, executada porrapineiros e outros animais carnívoros, incluindo pei-xes (como pirarucu, traíra), sapos, répteis, morcegos (car-nívoros e hematófagos) e aranhas-caranguejeiras (v. sobbeija-flores), será tratada oportunamente.

O caso clássico da predação praticada pela carangue-jeira, g e sobre pássaros, é"a narração eilustração de H. W.Bates (1863):dois emberizíneos, meioenrolados em teias de aranha sobre um-tronco, a caran-guejeira no ato de sugar um deles. Existem carangue-jeiras arborícolas. sp., que chupam filhotes depássaros em ninhos, em altura média da mata (Xingu,Mato Grosso) e é muito provável que a caranguejeira .

hon n (Dipluridae) que constrói grandes teiasde caça no estrato inferior da mata, apanhe oportuna-mente pássaros e lagartixas (A. T. Costa). Uma caran-guejeira do gênero eteus ocupou o ninho, com 6ovos, de um tuim, e gius a ave abando-nou sua cria (Bahia, Anita Studer). Em Trinidad uma

e apanhou um filhote recém-nascido deand orinhão, , caído acidentalmente doninho (Snow 1962). Um periquito, , emMato Grosso, bateu numa parede e caiu morto, foi leva-do por uma caranguejeira, conth i ti,para dentro de um buraco (Claudio V.Pádua, que pro-videnciou uma fotografia). V. também sob beija-flores.

Abelhas africanas são acusadas de terem matado avesengaioladas que não podiam fugir.

Aves pequenas (beija-flores, andorinhas) ficam àsvezes presas nas teias muito resistentes de aranhas, comoaquelas de , estica das sobre vastos espaços entregalhos ou paredes das casas. Espécies como cambacicas,C , e sanhaçus, h is, no empenho de colhermaterial para construção do ninho, podem acidentar-seficando presas como num laço, quando querem arran-car p. ex. uma fibra da folha de palmeira.

É raro achar deformações em aves silvestres. Coleta-mos, p. ex. um uirapuru,C hinus com bicodeformado (a ponta do bico foi virada ligeiramente parao lado). Em várias aves encontramos defeitos nos de-dos. Registramos uma mutilação, provocada por pira-nhas, nummarreção, (v.sob Anatidae).. Mencionamos ainda acidentes que ocorrem por for-

tes ventanias (v. p. ex. garças, andorinhões). Não pode-mos saber o vulto do perecimento de pequenas avesdurante temporais. Registramos alguns acontecimentosdurante uma chuva de granizo (Columbidae) e inunda-ções (Tinamidae). Muitas vezes até mesmo uma chuvapesada agrada às aves, qUe tentam pousar contra o ven-to. Andorinhas e beija-flores ficamentão de bico levan-tado verticalmente. Sensível ao excesso de umidade,ép. ex. o pardal, s iicus, espécie introduzi da.

As enchentes regulares da Amazônia normalmentenão constituem perigo para as aves ribeirinhas eterrícolas florestais, adaptadas e este fenômeno. Estasaves emigram periodicamente (p. ex. ta-lha-mar, bacu-raus).As regiões florestadas da Amazônia inundadas pormais tempo não são colonizadas por aves terrícolas comotinamídeos. A pororoca, macaréu de alguns metros dealtura, que ocorre na foz do Amazonas, tem maior efei-to de destruição

Lembramos, nesse contexto, as mortandades, nasnossas costas, de aves marinhas procedentes da Antár-tica, como pardelas (Procellariidae), aparentemente casode inanição devido aos mares distróficos.

Fenômeno ainda pouco estudado, embora já men-cionado por Bates (1863),são os efeitos das friagens (cha-madas também de friagens de São João) sobre a avifau-na: quedas bruscas de temperatura, registradas entremaio e setembro no oeste da Amazônia, principalmenteno alto riosJuruá e Paraguai. Consta que estas friagens,eventos de poucos dias, podem causar até mesmo amortandade de peixes em pequenos rios e lagos.,Numafriagem, observada por nós no alto Cururu. Para.Uulhode 1957), registramos apenas a atividade red~zlda deaves e insetos. Concluiu Willis (1976) ser possível que

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BIOLOGIA 119

as friagens atuem no sentido de uma seleção contra avesinsetívoras, favorecendo aves onívoras.

São escassos os registros, por parte de naturalistas,de friagens ocorridas, vez por outra, no sul do Brasil.Conseguimos saber alguma coisa sobre os efeitos dageada de 1975 no Paraná. Duas semanas após o auge damesma, em julho, com lençol de neve durante váriosdias, apareceram jacus,enelope ob , pelas estradas

da mata no município de São José dos Pinheiros. As avesestavam tão fracas que podiam ser apanhadasà mão.Nos seus estômagos se acharam folhas de araçá em vezde frutas que constituem o alimento necessário dessasaves. Pássaros de várias qualidades, na procura de co-mida, chegaram até as casas.

Em "Manifestações sonoras", citamos o efeito de umeclipse na avifauna do Brasil central.

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Aves Fósseis:História da Origem e Evolução

8

F

'As aves descendem dos répteisarcossáurios, prova-velmente de um tronco primitivo dos pequenos e lépidosdinossauros celurossauros.do [urássico Superior da Europa) bem conhecido porcerca de sete esqueletos/representá uma verdadeira tran-sição entre répteis e aves: por um lado parece um réptilpelas maxilas com dentes, uma longa cauda, costelasabdominais e mãos formadas por três dedos indepen-dentes com unhas nas extremidades; por outro lado éuma autêntica ave pela caixa craniana desenvolvida,ausência do osso pós-orbital, presença de clavículas de-senvolvidas e soldadas formando uma fúrcula, e princi-palmente pela presença de pena~~

No Cretáceo Inferior (Fig. 35) algumas aves já tinhamcaracteres mais modernos como(Kurochkin 1982) da Mongólia, onde a cintura escapularé muito mais desenvolvida que em to gru-po mais notável de aves que dominou durante o Cretáceoforam as Enantiornithes (aves opostasjxpossuíam a ar-ticulação escápulo-coracoidea e a formação do canaltriósseo com importantes diferenças do encontrado nasaves atuais (Walker 1981) e o tarsometatarso erafusionado apenas na porção proximal, o oposto do queocorre no desenvolvimento das aves modernas em quea.fusão dos metatarsos começa de distal para proximal.

(AsEnantiornithes eram de pequeno porte, possuíamdenfes, tinham o esterno bem desenvolvido, com gran-de quilha, patas com garras fortes, costelas abdominais

e uma cauda (óssea) relativamente longa, mascom um pigóstilo já formado. Parecem ter dominadodurante todo o Cretáceo. 'Formas como (Sere-no & Chenggang 1992)ê' (Zhou et . !992)são conhecidas do Cretáceo-Inferior da Asia;

(Sanz & Bonaparte 1992) também doCretáceo-Inferior da Espanha. Do Cretáceo Superior sãoconhecidas outras Enantiornithes como(Elzanowski 1977) da Mongólia, (Brodkorb1976) da América do Norte, (Brett-Surrnan &Paul 1985) dasAméricas do Norte e do Sul e outras como

(Walker 1981) da América do Sul e Austrá-lia~Molnar 1986).

Ainda no Cretáceo tivemos as avesHesperornithiformes,' com, mais de uma dezena de es-pécies conhecidas pertencentes a sete ou oito gêneros.Eram aves marinhas com as asas totalmente atrofiadas,

atingiram até 1,5 m de comprimento, nadavam e mer-gulhavam, mas eram quase incapazes de permanecer empé, levando uma vida semelhante às focas atuais. AsHesperornithiformes possuíam dentes, assim como asIchthyornithiformes que eram menores, voavam e ti-nham um aspecto semelhante às atuais gaivotas~\

8.1. A EVOLUÇÃO DAS AVES

(,C.omesses grupos mais conhecidos de aves primiti-vas que dominaram o Mesozóico, não se torna f~cil per-ceber uma história evolutiva clara para as aves.E muitodiscutível que as Enantiornithes tenham se originado dotronco evolutivo de (Sauriura). Por outro'lado, as Enantiornithes, não parecem ter sido ancestraisdas aves recentes. Outros fósseis do final do Cretáceo eprincipalmente do início doCenozóico, mostram algu-

Fig. 33. Reconstrução deDioge e em comparaçãocom a ema atual n em silhueta nofundo. O tamanho menor e o bico mais alto (nãoachatado) são as principais diferenças. Original, H. F.Alvarenga.

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AVES FOSSEIS 121

mas transformações muito rápidas, sugerindo osurgimento abrupto de formas mais modernas(saltacionismo?).

Dentre as ordens atuais de aves, somente asCha~adriiformes (família Graculavidae, extinta) eGaviiformes têm representantes conhe~i~dos desde o Cretáceo Superior.(Alvarenga & Bonaparte 1992) também do Cretáceo-Su-perior da Argentina (Campaniano) parece ter parentes-co com as aves ratitasatuais.'

r Aorigem e evolução dosgrupos atuais de aves aindanã;-estão bemesclarecidas,porém já no Mioceno osgêneros atuais estavam bem definidos. No Oligoceno,como regra geral, os gêneros não se enquadram nosatuais, ou seja, assumem caracteres mais primitivos, masas famílias já tinham os mesmos caracteres das vivent~s.\

No Eoceno as famílias de aves não possuíam asca>

racterísticas modernas; freqüentemente os fósseis mos-tram aspectos de mosaico entre famílias diversas, e atémesmo de ordens ~ (Olson &Feduccia 1980a) do Eoceno Médio da América do Norteapresenta uma mistura de caracteres de Phoenicopteridaee Recurvirostridae; do Eoceno Inferior tam-bém da América do Norte, é outro exemplo de mosaicode caracteres entre Anatidae, Phoenicopteridae eRecurvirostridae (Olson& Feduccia 1980b);do Eoceno Médio da Europa apresenta caracteres deRostratulidae, Threskiornithidae e mesmo deGruiformes (Peters 1983). Sandcoleiformes é uma ordemdescrita para o Eoceno da América do Norte (Houde&01son 1992), com muitos caracteres comuns com as or-dens Coliiformes, Piei formes e Coraciiformes. A análisedesses mosaicos sugere novas interpretações para a sis-temática.

Fig.34, O gigantesco ensis queviveu no Oligo-Mioceno do sudeste doBrasil. (A) -parte do esqueleto usado na reconstrução da ave.(B)- reconstrução da mesma.À esquerda, silhueta deum homem de1,75m de altura para comparação.Original, H.F. Alvarenga.

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Fig.35. Quadro geocronológico.À esquerda, escala dotempo em milhões de anos.À direita,distribuiçãogeocronológica de algumas aves mencionadas notexto. O final do Pleistoceno, e início do Holoceno datade aproximadamente11mil anos. Original, H. F.Alvarenga,

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122. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

As ordens modernas de aves tiveram sua origem noPal~oceno ou final do Cretáceo, entretanto, os Passeri-formes parecem ter surgido entre o OEgoceno e Mioceno,explodindo numa rápida diversificação a partir desseperíod?~'

8.2. AVES FÓSSEIS DA AMÉRICA DOSUL

O registro mais antigo de ave para a América do Sulfoi feito com a descrição de uma pena fossilizada noCretáceo Inferior da Chapada do Araripe (Martins Neto& Kellner 1988), no nordeste brasileiro, mas a ave maisantiga conhecida é deje (Alvarenga& Bonaparte 1992) do Cretáceo Superior (Campaniano)da Argentina. (Patagopterygiformes) tinhao tamanho de uma galinha doméstica, pernas alonga das,não voava e o esterno era sem quilha, possivelmente li-gada a ancestralidade das aves ratitas atuais, que hojese distribuem nas terras derivadas do antigo continente'de Gondwana (fig. 36).

Do Cretáceo Superior do Chile (Maastrichtiano) éLarnbrecht, 1929, o mais antigo (e

único do Hemisfério Sul) representante dos Gaviiformes(Olson 1992),conhecido somente por um tarsometatarso.

Merecem destaque ainda no Cretáceo Superior da Ar-gentina as diversas Enantiornithes apresentadas porWalker (1981) e Chiappe& Calvo (1994).

Do Cenozóico sulamericano são conhecidas váriasfamílias extintas, merecendo especial destaque asPhorusrhacidae (Ordem Gruiformes) com mais de umadezena de gêneros de aves gigantescas, não voadoras ecarnívoras, que durante o Cenozóico preenchiam o ni-cho dos mamíferosCarnívora, não existentes no Terciáriosulamericano. ~}gumas Phorusrhacidae atingiam maisde 2 metros de altura e mais de 300 kg de peso.

. tinha os ossos dos membros posteriores detamanho similar aos de (a extinta ave-elefante de Madagáscar), e certamente pesava muitomais, sendo provavelmente a maior ave que já existiuno planeta.jVárias Phorusrhacidae tinham a cabeçamaior que a de um cavalo.

Ainda no Terciário sulamericano existiram gigantes-cas formas de condores (Cathartidae e Teratornithidae),dentre as Campbell & Tonni1980, que pesava cerca de 80 kg e tinha uma envergadu-ra superior a sete metros; seus fósseis são conhecidosdo Mioceno da Argentina.

Durante o Terciário Médio, viveram na América doSul diversas formas de biguatingas (Anhingidae) nãovoadoras e de grande porte. chilensisAlvarenga, 1995b, do Mioceno Médio do Chile mediaperto de 2 metros de comprimento;(Noriega 1992), também gigantesca e não voadora erado Mioceno Superior da Argentina; na 'fronteira entre oAcre e a Bolívia fragmentos fósseis coletados pela Uni-versidade do Acre parecem confirmar a presença de

c nhin naquela região (idade similar).

A

B

cFig.36. Origem dos continentes: - todosos continentes eram unidos há250 milhõesde anos.(B) - Separaçãoda deGOlld há150milhões de anos.(C) - Os continentesdivididos há50milhões de anos.As linhas pontilhadas indicamplataformas continentais.A deriva dos continentesexplicaa distribuição de muitos grandes gruposanimais e vegetaisno planeta (Holdgate 1987).Original,H. F.Alvarenga.

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AVES FOSSEIS 123

8.3. AVES FÓSSElS DO BRASIL

O primeiro trabalho sobre aves fósseis do B:asil foiescrito por O. Winge (1888), com base no material cole-tado por Peter Lund em cavernas da regi~o de Lag?aSanta em Minas Gerais. Este material, de idade limiteentre Pleistoceno/Holoceno representa em sua quase to-talidade, formas ainda viventes; apenas uma forma fós-sil extinta é descrita: pugil representado por di-versos segmentos do esqueleto, bem maior que a formaatual da Amazônia.' Em 1891 Lydekkerdescreveu uma cegonha da mesma região (Lagoa San-ta), com o nome de Paleociconia australis, corrigido pos-teriormente para li provavelmente um si-nônimo de

Depois dos trabalhos acima tivemos as publicaçõesde Shufeldt (1916) e Silva Santos (1950)sobre o encontrode penas fósseis na bacia de Taubaté (Oligo-Mioceno),Estado de São Paulo, e Ackermann (1964) que tambémdescreveu uma pena fóssil do Mioceno de Capanema,Pará.

Po~teriormente vieram alguns trabalhos descreven-do diversas aves fósseis do Oligo-Mioceno da bacia deTaubaté (Alvarenga 1982, 1983, 1985b, 1988, 1990, 1993,1995) e do Paleoceno de ltaboraí, Rio de Janeiro(Alvarenga, 1983, 1985a).'Desta forma, as aves fósseis (eextintas) conhecidaspará" o Brasil, depois depugil e I i, são as seguinte~=---

QiQgen Alvarenga 1983 (Fig. 33): OrdemRheiformes, Família Opisthodactilidae. Uma extinta ep-rimitiva família muito próxima de Rheidae, de peque-no porte, cerca de 90 cm de altura, com bico similar aosdos Galliformes, diferente do bico achatado da ema edo avestruz atuais.É o mais antigo representante dasaves ratitas conhecido, dentro do Cenozóico. Seus fós-seis procedem do Paleoceno da bacia de Itaboraí, Rio deJaneiro, cerca de 55 milhões de .anos.

[austoi Alvarenga J985: OrdemCathartiforrnes, Família Cathartidae, Um urubu fóssildo OÜgo-Mioceno da bacia de Taubaté, pouco maior que

t) ius, é o mais antigo representante da famí-lia na América do Sul.

nis (Alvarenga 1982) (Fig. 34):Ordem Cruiforrnes, Família Phorusrhacidae. Descritoprimeiramente no gênero foi separado em gê-nero próprio (Alvarenga 1993) especialmente pela co_n-formação da mandíbula e do tarsometatarso. Bem co-nhecido através de um esqueleto quase completo,

era uma ave gigantesca, perto de 2 metrosdealtura, não voadora.icom o tarsometatarso relativa-mente curto e robusto, indicando não ser uma grandecorredora e provavelmente necrófaga. OutrasPhorusrhacidae, como da Patagônia, ti~nham um tarsometatarso longo e caçavam na corrida.

te us it l n 1985a:OrdemGruiformes, Família Phorusrhacidae.É o mais antigo

representante das aves Phorusrhacidae, ,com t~manh.opouco maior que uma seriema atual, porem muito mais.robusto e pesado. Seus fósseis procedem do Paleocenode ltaborai, Rio de Janeiro.

Alvarenga 1988: OrdemGruiformes, Família Rallidae. Uma saracura do porte.de que pelas características anatômicas pare-ce ter sido mais caminhadora que de vida aquática. Suaimpressão fossilizada nos folhelhos da bacia de Taubaté(Oligo-Mioceno), apresentava a região do estômago re-pleta de pedrinhas e marcas de sementes, indicando cla-ramente seu hábito alimentar.

us Alvarenga 1990: OrdemPhoenicopteriformes, Família Phoenicopteridae.Flamingo fóssil procedente da bacia de Taubaté (Oligo-Mioceno) descrito em homenagem a Helmut Sick. Oextinto gênero é conhecido por duas outrasformas da França e Casaquistão, com morfologia ósseamuito similar à forma deTaubaté,

sp.: Ordem Phoenicopteriformes, FamíliaPalaelodidae. Eram flamingos de pernas relativamertecurtas e bico quase reto, que pelas evidências anatõmicas,foram.bons nadadores e possivelmente mergulhadores.Fósseis de elodus foram registrados em todos os Con-tinen tes; no Brasil foram descri tos para a bacia deTaubaté (Oligo-Mioceno) fragmentos de diversos ossosde uma forma muito parecida com da Euro-pa (Alvarenga 1990), faltando entretanto mais elemen-tos para que se possa confirmar a espécie.

e sil Alvarenga 1995a: OrdemGallj]ormes, Família Quercymegapodíídaé:Um peque-~-g~Üf~~~ede porte comparável ao' de um uru(Odontopho é o primeiro fóssil desta Ordem descri-to para o Terciário da América do Sul.É representadopor uma impressão fossilizada dos folhelhos da baciade Taubaté (Oligo-Mioceno), mostrando todo o esque-leto da cintura escapular e asas. mostra umagrande afinidade com os Megapodiidae viventes daAustralásia, porém é melhor enquadrado numa famíliapróxima, Quercymegapodiidae, conhecida apenas doTerciário da França, possivelmente ancestrais dos atuaismegapodiideos.

Da bacia de Taubaté existem ainda fragmentos deossos fossilizados, pertencent~? a representantes das fa-mílias Podicipedidae, Phalacrocoracidae, Anhimidae eoutras que ainda estão mal representadas e aguardammelhores espécimens para serem descritas. Grandequantidade de ossos de aves, procedentes de cavernasda Bahia e Minas Gerais (Pleistoceno/Holoceno), estãoainda por estudar, sendo necessária neste caso, uma ex-tensa coleção de esqueletos atuais para comparação.

Fato muito interessante é o relato de uma saracura(Rallidae) recentemente extinta (certamente pelo ho-mem), identificada por inúmeros ossos, coletados porS. Olson (1977) em Fernando de Noronha, que estão ain-da por estudar.

",

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9 Composição daAvifauna Brasileira

9.1 o de l

A composição da avifauna do Brasil é caracterizadapelos mesmos fatores que já traçamos resumidamentepara a região neotrópica. Parece razoável fazer uma di-visão das aves do Brasil em dois grandes grupos: avesresidentes (1.524 espécies) e visitantes (153 espécies). Te-mos que conhecer a distribuição e o regime de perma-nência (residente ou visitante) das aves nos diversosecossistemas.

Em países como o Brasil a distribuição das aves nemsempre é suficientemente conhecida, podendo as lacu-nas indicar apenas uma falta de levantamentos. Só pu-demos indicar a distribuição, aqui, em grandes traços;não raro, porém, entramos em pormenores, sobretudopara informar a respeito de ocorrências até agora nãoregistra das. Quando consta: "Sul da Bahia e Minas Ge-rais a Santa Catarina", isto significa qu~ a espécie, comoHe , ocorre em lugares adequadosnessa área. Quando são conhecidas maiores lacunasmencionamos os Estados nos quais a ocorrência da es-pécie foi mesmo comprovada.

Na literatura sobre a distribuição baseamo-nos maisnas publicações de O. Pinto (1938, 1944, 1964) e na pri-meira obra de Meyer de Schauensee (1966). Mantemoso designativo "Cuanabara"(= área da cidade ou do mu-nicípio do Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal), abo-lido em 1975, de grande valor prático para a formula-ção da distribuição da fauna e flora locais. Acrescenta-mos muitos dados distributivos nossos não publicadosem outro lugar. Indicamos freqüentemente o ano e mês,p. ex., em relação a aves migratórias e representantescomo Trochilidae, que se observa em flores, não prospe-rando o ano todo. Oportunamente damos também da-dos históricos (indicação do ano), o que se torna interes-sante em espécies mais raras e outras tais que estão seespalhando (v. abaixo), e considerando as constantes al-terações paisagísticas provocadas pelo homem.

A distribuição de uma espécie é, geralmente, estável.Há porém uma certa dinâmica natural da fauna: espéciesque, espontaneamente, alargam sua área de distribuiçãoou espécies que se retraem. A intervenção humana podeacelerar o processo (v.sob caturrita, o o s epardal, Sobre uma expansão espontâ-nea ver, p. ex. sob garça-vaqueira, s ibis,gavião-peneira, , seriema, c , anu-branco, joão-de-barro, rufus e Ffigulus, lavadeira, bírro,

ugin soldado, eistes s e outros.

Para a existência das diversas espécies são necessá-rias certas condições ecológicas às quais se fará referên-cia no textos descritivos das famílias e espécies. Infeliz-mente não é possível, no quadro deste livro, dar maispormenores sobre o hábitat. Influem motivos históricos.No caso de uma espécieestenóica, p. ex. os vários repre-sentantes de ll s (Furnariidae), o tipo de hábitatlogo indica ao perito qual espécie poder-se-ia esperar.Uma adaptação a um ecossistema diferente por umamesma espécie, como ocorre p. ex. nojaó-do-litoral,

u ellus nocti costuma ser acompanhado poruma alteração do fenótipo da espécie, evoluindo umaraça geográfica.

Apontamos freqüentemente a ocorrência de váriasespécies do mesmo gênero ou da mesma família no mes-mo local (simpatria), também para dar uma visão maisclara dos respectivos hábitats e do padrão da sua avifau-na. Chamamos, p. ex., a atenção que dois formicarídeostão aparentados como h us sticioiho e

us en is podem pousar no mesmo galho, emmatas da Serra do Mar, e que os três formicarídeos

ist ius, o hilus igiuüus eH lo so oleucus habitam nas mesmas brenhas da caatinga,embora em nichos diferentes.

A fim de facilitar a localização de espécies conside-radas difíceis de encontrar, como o rinocriptídeo

e e , indicamos alguns representantessintópicos mais comuns que possam servir de "guia"para acharmos o respectivo biótopo. .

Existe a tendência de que populações de aves brasi-leiras que vivem em lugares de um clima mais quente,mais perto do Equador, tenham medidas mais reduzi-das, p. ex., alguns Caprimulgidae, Cotingidae eEmberizidae.

9.1.1. ESPÉCIES RESIDENTES

Toda e qualquer avifauna distribuída por ,um terr~-tório de certa extensão tem como base asespécies resi-'dentes, ou seja, aquelas que se reproduzem no lug~r, nãovindo apenas periódica ou acidentalmente como rrt~gran-tes ou visitantes de outros lugares (v.visitantes). Conta-mos 1.524 residentes, no Brasil.

As espécies residentes brasileiras compõem-se detodos os grupos de aves que foram estabelecidos p~r~ aregião neotrópica: (1) espécies endêmicas, (2)espécieslargamente difundidas na América do Sul e do Norte,(3) espécies pantropicais, (4) espécies que, segundo sua

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COMPOSIÇÃODAAVIFAUNABRASILEIRA 125

primitiva origem, pertencem ao Velho Mundo, e(5) es-pécies distribuídas quase por toda a Terra (cosmopoli-tas).

Damos aqui uma breve análise biogeográficajeco-lógica das espécies residentes, focalizando as espéciesendêmicas e "quaseendêmicas"e as espécies residentesmigratórias. Residentes tornaram-se também espéciesintroduzidas e recentemente imigradas.

Residentes, no sentido mais rigoroso, são as espé-cies sedentárias, como muitas aves silvícolas (v. p. ex.sob trogloditídeos), que permanecem a vida toda numaárea restrita, disputando seu território com indivíduosda própria espécie, como qualquer ave faz durante a re-produção. .

A presença das residentes pode ser influenciada pe-las estações do ano, sobretudo no sentido de só se man-terem na região em questão durante o período de repro-dução, dispersando-se depois por uma área mais vasta,freqüentemente ainda não bem conhecida.

Sendo quase impossível, sem anilhamento, discemiros indivíduos de uma mesma espécie, num certo local,facilmente enganamo-nos ao julgar que os mesmos in-divíduos estejam presentes durante o ano todo numamesma área. De fato, algumas espécies como andorinhasse encontram na mesma área em todos os meses, contu-do os indivíduos são periodicamente substituídos poroutros que vêm de fora como visitantes e somem, quan-do os primeiros retomam para reproduzir

9.1.2. ESPÉCIES ENDÊMICAS (EN)

O núcleo das espécies residentes são as espécies en-dêmicas ou autóctones. São espécies que, por razões his-tóricas, têm uma distribuição restrita. Vivem num certohábitat no qual podem ser comuns. A América do Sulpossui aproximadamente 440 espécies de aves terrestresque ocupam uma área menor de 50.000 km-. Os EUA,sem contar as ilhas, possuem apenas oito espécies sob omesmo critério (Terborgh 1974).

Nossa contagem para o Brasil dá 182 espécies endê-micas, aves conhecidas exclusivamente do Brasil. Per-tencem a 26 famílias. Acham-se assinaladas na parte prin-cipal do livro pela sigla "En", logo após o nome científi-co, e constituem em geral objeto de menção especial, p.'ex. na comparação Suboscines-Oscines. V. também sob"quase endêmicas".

COMPOSIÇÃODAAVIFAUNAENDÊMICATendo em vista a magnitude da avifauna do Brasil e

levando-se em conta o que foi dito sobre o alto grau deendemismo da região neotrópica, a cifra 182, apenas11,9% das 1.524 espécies residentes, parece despropor-cionalmente baixa. A causa disso é que as fronteiras po-líticas do Brasil de nenhum modo coincidem com a li-mitação das diversas regiões tisiográficas. Da hiléia ama-zônica participam todos os países da parte setentrionale ocidental da América do Sul. Formaçõescaracterísti-

TABELA9.1- Relação das espéciesendêmícas,En (182)

C el/us nocti 1.ls

TINAI\1.IDAE(2)

t

ACCIPITRIDAE(1)

eucopt nis l l

liss supe ci is

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th gounelleiis us

l oniit i

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CRACIDAE(9)

lope

enelope piC n hii

nelope och t

PSOP!-illDAE(1)

RALLIDAE(1)

COLUMBIDAE(1)

PsmACIDAE (12)

C i

iiuit su d

n iliensis

CUCULIDAE(1)

CAPRIMULGIDAE(2)

les

TROCHILIDAE(12)

Cl ucis doh

i is

opho nish toc o lo is

GALBULIDAE(1)

u

BUCCONIDAE(3)

Page 126: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

126 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

.:rAflJ'LA 9.1

CAPITONIDAE (1)

ectus

u l ee

enilio c ons

PrCIDAE (5)

c ensC g eus

RHrNOCRYPTIDAE (5)

lopus nou

Cls plu

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g n opshoffmannsi

s se nnic opus indigoticus

FORMICARrrDAE (36)

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esiHe pe is

u lope oleucus

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boeg t epschi

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CONOPOPHAGIDAE (2)

CincIodessthe st iol

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FURNARIIDAE (19)

i figutuse

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DENDROCOLAPTIDAE (4)

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TYRANNIDAE (21)

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TABELA 9.1 o)

TYRANNIDAE - continuação

tictus supe

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o es cilisHe iccus nidipendulus

He eHe ino

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PIPRIDAE (5)

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COTINGIDAE (10)

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TROGLODYTIDAE (2)

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THRAUPINAE (15)

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ICTERINAE (1)

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COMPOSIÇÃO DA AVIFAUNA BRASILEIRA 127

cas para o Brasil meridional, oriental e central, e suasrespectivas avifaunas, estendem-se até o Uruguai, Ar-gentina, Paraguai e Bolívia oriental. Deste modo o Bra-sil "perde" muitas espécies, endemismos da regiãoneotrópica, e que "quase" seriam apenas do Brasil. (v."Espécies quase endêmicas") A nossa lista atual dosendemismos brasileiros será ainda mais reduzida, quan-do melhor conhecimento da distribuição de certas espé-cies, até agora registradas apenas no Brasil, revelaremocorrência também, p. ex., em Misiones, Argentina.

Como centros' de origem dos endemismos brasilei-ros entre as aves silvícolas devem ser encarados os refú-gios e o mapa segundo Haffer (1974b). Possivelmentepoder-se-ia contar com outros centros de evolução.

Em parte os endemismos são aloespécies que com-põem uma superespécie ou espécie geográfica, p.ex. osdois (Trochilidae).

Das raças geográficas endêmicas de aves do Brasilcontinental, existentes em grande número, relacionamosapenas os casos especiais, como o Mutum-de-penacho,

[asciolaia Na Ilha da Trindade ocorrem ra-ças endêmicas ou aloespécies de duas aves marinhas,

eTambém em Fernando de Noronha há aves terres-

tres endêrnicas, a saber, uma e um (ambasaparentadas de perto com espécies continentais) e umasaracura extinta.

Os não-Passeriforrnes (total no Brasil 739 espécies)têm no Brasil 52 espécies endêmicas. Estão em primeirolugar os psitacídeos e beija-flores com 12 espécies endê-micas. Entre os psitacídeos (total no Brasil 72 espécies),o endemismo no Brasil é elevado (16,6%).

Nos Tinamidae (2 espécies endêmicas no Brasil),Galbulidae (1 espécie endêmica no Brasil) e Bucconidae(3 espécies endêmicas no Brasil) patenteia-se que o Bra-sil, pelos motivos acima mencionados, tem participaçãoexclusiva muito pequena nas famílias endêmicas típi-cas da região neotrópica.

Nos Cracidae (9 espécies endêmicas no Brasil) ePsophiidae (1 espécie endêmica no Brasil) torna-se agu-do o problema das alo espécies que pertencem a umasuperespécie distribuída além do território brasileiro.Nos Picidae (5 espécies endêmicas no Brasil) trata-seevidentemente, em parte (p. ex. de substitu-tos geográficos, que talvez fosse mais acertado conside-rar como subespécies. ..~.

Os Passeriformes (total no Brasil 938 espécies) têmno Brasil 130espécies endêmicas. Como não poderia dei-xar de ser, os Suboscines, tão característicos para aAmé-rica do Sul (Brasil, 609 espécies), estão em primeiro lu-gar no número das espécies endêmicas do Brasil: 102espécies. Deste número os Formicariidae (total no Bra-sil 168 espécies), com 36 espécies endêmicas (númerosuperior ao total dos endemismos entre os Oscines)perfazem 35,2%, quase tanto como as duas outrasgrandes famílias de Suboscines juntas: Tyrannidae (to-tal no Brasil 210 espécies) com 21 espécies endêmicas e

Furnariidae (total no Brasil 103 espécies) com 19 espé-cies endêmicas. A estas últimas, juntam-se ainda osDendrocolaptidae (total no Brasil 38 espécies), com 4espécies endêmicas. As restantes 3 famílias90S

Suboscines estão representadas no Brasil da seguintemaneira, por endemismos: Cotingidae (total no Brasil37 espécies) com 10 endêmicas, Pipridae (total no Brasil37 espécies) com 5 endêmicas e Rhinocryptidae (totalno Brasil 9 espécies) com5 endêmicas. Nos rinocriptídeoso endemismo é pois sobremaneira elevado: 55%.

Os Passeriformes imigrados para a América do Sulapós a junção com América do Norte, os Oscines (totalno Brasil 329 espécies), que aqui numericamente estãoabaixo dos Suboscines, têm no Brasil 29 espécies endê-micas. Neles os endemismos na sua maioria desenvol-veram-se, no Brasil, entre os Thraupinae (total no Brasil96 espécies), com 15 endêmicas, e entre os Emberizinae(total no Brasil 66 espécies), com 8 endêmicas. Outrosendemismos entre os Oscines no Brasil são:Troglodytidae com 2 endêmicas, (total no Brasil 18 es-pécies) e uma espécie endêmica em cada uma das 4 fa-mílias (ou subfamílias) seguintes: Vireonidae (total noBrasil 17 espécies), Icterinae (total no Brasil 37 espécies),Parulinae (total no Brasil 19espécies)-eCorvidae (totalno Brasil 8 espécies).

E ÉCI E D O

Cerca de 3/4 dos endemismos do Brasil são avessilvícolas, como ojaó-d o-sul, n. gus,o mutum-do-sudeste, e o mutum-do-nordeste, . Igualmente certo número de beija-flores, como os e o joão-barbu-do, são aves silvícolas.

Entre os Passeriformes Suboscines a parte deendemismos que vive na floresta é sobremodo grandenos papa-formigas. Aparecem adaptações a diversasformações florestais, por exemplo no interior de densase escuras matas ribeirinhas, como tuctuoeus,e a vários tipos de mata seca, comoHe s

e Também chama a aten-ção nos formicarídeos ou conopofagídeos endêmicosuma distribuição por diversos estratos: perto do solo

o u , ec e Conopoph a altura médiaalguns o nas copas das árvores

o Endemismo dos campos de altitude (bre-nhas) ét genei. .

Todos os endemismos entre os rinocriptídeos sãoaves da mata. Sobremodo digno de nota éno do Brasil central, imigrado da floresta atlân-tica (Sick 1985b).

Habitantes das matas, dando preferênciaas regiõesmais elevadas (montanhas), são cotingídeos endêmicos,mais pronunciadamente a saudade, e con-

. Num levantamento da avifauna do sudeste do Bra-sil, D. A. Scott & M. de L. Brooke (1985) sumarizaram:"A concentração de espécies endêmicas nas florestasmontanas foi evidente. Enquanto o número total de es-

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128 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

pécies de aves florestais presentes numa determinadaaltitude diminuía constantemente de acordo com a alti-tude, de mais de 200 espécies abaixo de 100m para ape-nas 14 espécies nas florestas de montanha entre 2.100 e2.200m, a proporção de endemismos (e o n° de espéciesendêmicas) aumentava continuamente do nível do maraté 1.200m. Acima desta altitude, em torno de 50% dasespécies presentes eram de aves endêmicas do sudestedo Brasil. Setenta e quatro espécies florestais endêmicasocorriam em florestas de (ou acima de) 1.000m de altitu-de, i.e. quase metade das espécies florestais endêmicasdo leste brasileiro e substancialmente mais da metadedas endêmicas ocorrem no Rio de Janeiro. Cinqüenta esete espécies ocorriam acima de 1.200m".

As espécies florestais endêmicas entre os Oscines sãona sua maioria aves que habitam a orla da mata e ascopas das árvores, como as saíras. , ele-mento sulino, é típico da Serra do Mar. O parulíneo

é um endemismo da mata de ga-leria úmida do planalto vivendo ao lado den e vive nas densas matas ribei-rinhas de cunho amazônico no Brasil central.e olo i endernismo característico do Nordeste, muda emvôo alto da mata de galeria para as palmeiras ao redor,onde também nidifica; constitui a transição para o gru-po seguinte.

ESPÉCIES ENOÊMICAS DE CERRADO, CAATINGA, CHAPAOÕES

DE CLIMA AMENO

Existe um grupo não pequeno de endemismos quevive no cerrado, na caatinga, no campo coberto e nachapada e outros hábitats abertos ou meio abertos. Ocerrado é na realidade, por sua origem, uma espécie demata e não uma savana, tanto que as aves típicas que ohabitam são arborícolas (Sick 1966); tal fato, porém, nemsempre se torna claro por ser o cerrado muitas vezesintensamente entremeado de gramíneas, o que deve serfenômeno secundário. O cerrado tornou-se campo cer-rado e as espécies de campo, ali se difundiram.

Fazem parte dos endemismos do cerrado a codorna-mineira, o e a rolinha-do-Brasil-Central,

Vive na caatinga do baixo São Francisco a ararinha-azul , e, numa área a parte, rica em pal-meiras licurí g le , oendemismo mais importante do Nordeste. O bacurau-zinho é também da caatinga.

Entre os Passeriformes Suboscines, os furnarídeose (arborícolas) são habitantes do

cerrado 0\1 da caatinga.CincIodes espécieterríco-Ia .campestre, e e (arbustícola) podemser chamadas remanescentes ou reli tos glaciais. Entreos Oscines deve ser destacado, como habitante da mataseca o cãncã, ogon. Típicos endernis-mos da caatinga são os do nice lbogul ao passo que o

l nog é endemismo paludícola meridional.

Os beija-flores u tes seu t tuse . lu llus ocu-pam os cumes (950 a 1.600m) de chapadões do interiorde Minas Gerais e Bahia, regiões pedregosas com vege-tação baixa xerofítica. Compartilham tais regiões serni-áridas arbustivas o pequenino tiranídeoo stictus

e long , o último um casode exclusão competitiva com uma espécie aparentada

g sis, Emberizinae).

E ÉCI "QUASE

Uma parte significativa das espécies residentes doBrasil meridional e central estende sua distribuição aregiões adjacentes da Argentina (Misiones) e/ ou Para-guai, Uruguai e leste da Bolívia, às vezes até o Chile(como vários ralídeos). Muitos desses representantes,que podemos designar como "quase endêmicos" parao Brasil, devem ter tido seu centro de evolução no Bra-si! meridional ou centro-austral, contribuindo decidi-damente para dar às respectivas partes do Brasil.seucaráter típico, completando o cunho endêmico da avi-fauna local. Sua maioria são avessilvícolas, aparente-mente oriundas da região da floresta atlântica, o "Refú-gio da Serra do Mar".

Aqui figuram, entre os não-Passeriformessilvícolas,o macuco s solit ius), o gavião-pombo

eucopte poliono , a jacutinga ( ipile euti ), ouru e a saracura

, o paruru is god id ) e váriospsitacídeos, como no s h thinus, a tiriba

), o cuiu-cuiu ( ono pil ), opapagaio-peito-roxo e e o charão

e ei), este último uma ave dos pinheirais; trêscorujas (Otus us, ul ldi eh , um surucuá s i, o tucano-de-bico-verde os dicol us) e vários pica-paus

nebulosus, s lenius, oeopusg , e pes i s, is spil ste e

Entre os Passe riformes silvícolas estão representadosnumerosos Suboscines: 5 arapaçus( iphocol tes

, ptes o is, idoco tes, L. [uscus e o s us), 10

furnarídeos o de o oides, ept thenuse -espécie ligada ao pinheiral, ~ u ic pS. scens, nioleuc obsole , n cenhí s,

us e P. lichtensteini ~ sleucophth e Heliobletus co e vanos papa-formigas, entre eles espécies tão notáveis como as duas

e e o cuspidor, Conopo lin C?nstatambém a grande cine um dos formlcandeosmais vistosos; outros formicarídeos são:p leus

g e ophil .Incluem-se aqui otapaculo t lopus speh e e o

bacurau ops lis (repre?entantes descobertostambém em Misiones); no sudeste do Brasil, ocorrendo

íb . - e seusem montanhas, revelam por essa distnuiçao qu ,antecessores vieram dos Andes. Lembramos dos tres

I.

.'\

r

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COMPOSiÇÃO DA AVIFAUNA BRASILEIRA 129

--

cotingídeos: [unnrostris, a araponganudicollis) e . Finalmente os piprídeos

e e váriostiranídeos, como ue

He diops, iolus e

Entre os Oscinessilvícolas, presentes em menor nú-mero, encontram-se: a gralha-azul c ee vários traupíneos. como dois gaturamos

e E. c duas saíras g seledon e .C e o tiê co e

Também os Cardinalinae e Emberizinae figu-ram com vários representantes, como trinca-ferros

similis e S. osus), bico-de-pimenta s, o pichochó e a cigarra-

bambu ospi unicol i.Entre as 'aves mais características do cerrado está a

seriema, O inambu-carapé, oniscus, étípico para o campo cerrado.

Alguns elementos campestres são: a maria-preta-penacho lophotes), o caminheiro

e e o tico-tico-do-campo .Espécies campestres-paludícola são o galito

o caboclinho cinn o ee g s. Para os campos de altitude do

Brasil oriental é característico o beija-flor is /.ocorrendo até o Paraguai e nordeste da Argen-

tina.O endemismo mais notável centro-austral é o pato-

mergulhão, gus ociose ceus (Brasil, Misiones e Pa-raguai).

9.1.3. ESPÉCIES VISITANTES, MIGRAÇÕES

. .... , , obs o e

Às vezes a procedência das visitantes que alcançamo Brasil é comprovada .com exatidão por meio de anéisde alumínio numerados, colocados nos pés destas, naAmérica do Norte (aves aquáticas e de rapina, andori-nhas, etc.), Argentina (pingüins, marrecas, garças, etc.),Inglaterra (bobo-pequeno, gaivota-rapineira), Finlândia(gaivota-rapineira), Alemanha ocidental (trinta-réis),França (garça), Ilha Selvagem, Portugal (bobo-grande).Também exemplares anilhadosdaAntártica (pardelãogigante, pomba-do-cabo, gaivotas-rapineiras) já apare-ceram em águas brasileiras, e até mesmo da Austrália(pardelão-gigante). As espécies com anéis estrangeirosencontradas com maior freqüência no Brasil são trinta-réis-boreais. e hi ndo, marrecas americanas,disco s, e bobos, inuspu , o n t i dosingleses.

Para dar um exemplo: no anel de uma trinta-reis.o, apanhada viva por nós em Atafona, São

João da Barra, Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 1975,constou: e 772-10350. DC .Soubemos, por intermédio do e g o

Laurel, Maryland, EUA que esta ave, umfilhote que ainda não podia voar, fora anilhada em 5 dejulho de 1974 perto de Wareham, Massachusetts, EUA.

Nos anéis usados na Argentina, serviço controladopela Fundación Miguel Lillo. Tucumán, por iniciativade C. C. Olrog, desde 1961, consta:Deoueiu Instituto o

n .Foi organizado em 1978 um centro brasileiro de ani-

Ihamento de aves: "Centro de Estudos de Migrações deAves" (CEMAVE), sob auspícios do então Instituto Bra-sileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), em BrasíliaDF. O CEMAVE, coordenado por Paulo de Tarso ZuquimAntas, iniciou seu programa de anilhamento em maiode 1980. São usados anéis em 16 tamanhos, de 1,75mm(pintassilgo) a 17,50 mm (flamingo). O tamanho do anelé indicado por uma letra (p. ex. J, tamanho de umagraúna). A inscrição completa de um anel, próprio parauma garça-branca-grande, s e o s lbus, era: iseCe C. P 34 Brasília T 00201. Nos anéis pequenosuma parte da inscrição está no lado interno do anel. Pro-blemático é o anilhamerito de beija-flores devido ao tarsoextremamente curto.

Outro processo de marcação, usado às vezes em avesde grande porte, como urubus, grandes psitacídeos (daAustrália) e trinta-réis (p, ex. te consiste noemprego de uma etiqueta alar de plástico colorido oualumínio ( ing . Para anatíneos podem ser usadasetiquetas nasais coloridas. O Canadian Wildlife Service(Ottawa, Ontário) marca desde 1974 aves da praia(trinta-réis, maçaricos,etc.), pintando certas áreas da pluma-gem (sobre anéis coloridos v. abaixo). Sobre mais méto-dos de marcação, etc. [veja o u l de ilh de

es, editado pelo IBAMA (1994)].A marcação permite obter dados seguros sobre: (1) a

procedência de uma ave, (2) o tempo que uma ave ne-cessita para chegar ao lugar onde é recuperada, e (3)sobre sua idade, quando é encontrada somente anosdepois (v. p. ex. sob e cine e nus e

e undo). O anilhamento é também útil, se nãoindispensável, para estudos de populações locais, inclu-indo aquelas que não migram. Caso encontre algumaave anilhada viva, anotar o local, a data e a inscrição(série e número, que são sempre visíveis) e soltar a ave,havendo oportunidade ela será reencontrada. Para .finsespeciais servem anéis coloridos de material plástico,possibilitando a identificação de indivíduos. Com vá-rias cores e uma disposição alterada dos anéis (pernaesquerda ou direita, acima, embaixo, vários anéis) se che-ga a um bom número de informações, sem capturar denovo a ave. Anéis coloridos foram aplicados na Améri-ca do Norte em garças-vaqueiras( ibis), trinta-réis ( e undo e S.doug i) e maçaricos que podemvir também para a América do Sul e o' Brasil. Apareceuno Suriname um id sc utus, anilhado com um anelcor de laranja em [arries Bar, Canadá. Tem que ser regis-trada a posição relativa dos anéis coloridos nas pernas:acima ou abaixo do calcanhar ("joelho"), etc.; v também

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130. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

sob Charadriidae: bandeirolas de cores para regiões epaíses do Novo Mundo (tabela).

Além do registro das migrações por observação di-reta de dia, ou de noite (com binóculos e telescópios,inclusive observações feitas a bordo de aviões eaeróstatos, e controles auditivos), é usado o registro porradar, à noite, quando se trata de bandos voando.

Para controlar deslocamentos mais limitados de avesmaiores poderia usar-se a telecomunicação por minús-culos rádios transistorizados, fixados nas costas das aves.É um método empregado em estudos locais, p. ex. numapopulação do falcão, o s, nos EUA. No Bra-sil poderia ser utilizado p. ex. em araras e mutuns.

E I DE .O-

Muitas espécies residentes empreendem verdadeirasmigrações, sobretudo, aquelas sulinas que, durante oinverno meridional, procuram regiões mais perto doequador, como muitas andorinhas e tiranídeos. Entre osúltimos destaca-se a tesourinha nnusinsetívora, um dos pássaros mais conhecidos do sul,cujas migrações chamam muito a atenção, tanto na re-gião austral, onde reproduzem e sua presença simboli-za primavera e verão, como na Amazônia, onde se apre-sentam em bandos migrantes às centenas e milhares,durante o inverno. Mesmo as tesouririhas do Brasil cen-tral abandonam no inverno a sua pátria e dirigem-se paraa Amazônia. Assim algumas espécies "residentes" po-dem tornar-se visitantes em certas zonas, aparecendocomo aves de arribação.

Entre as aves que no outono emigram em grande nú-mero do sul (sul do Brasil e países adjacentes meridio-nais) para o norte, aparecendo então em grande quanti-dade, figuram os sabiás, sobretudo o sabiá-poca, us

ochulinus. Bacuraus são também numerosos entremigrantes vindos do sul, chamando mais a atenção ocorucão, od n , devido a seus hábitos diur-nos. O gavião-tesoura, El noides [orficatus, é outromigrador em grande escala.

Localmente torna-se abundante o saí-andorinha,sin i idis. Existem, neste país, muitas aves frugívoras

como papagaios e cotingídeos que executam migraçõeslocais na busca do seu alimento específico. De maneirasemelhante agem beija-flores, nectarívoras, para encon-trarem suas flores prediletas com o néctar mais cobiça-do.

Lembramos as migrações altitudinais realizadas p.ex. por beija-flores, tiranídeos e emberizídeos nas serrasrelativamente altas do Brasil oriental e meridional, p.ex. na Mantiqueira (Itatiaia) e na Serra do Mar; v. tam-bém sob jacutinga, em Santa Catarina e no Rio Grandedo Sul. Esses deslocamentos parecem de pouca impor-tância quando comparados com aqueles executados poraves no domínio muito espaçoso dos Andes.

As migrações outonais freqüentemente já começamantes do início da queda de temperatura e antes de uma

carência de alimentos nas regiões pátrias, como foi veri-ficado, por exemplo, na população argentina do prínci-pe, oceph lus inus (Hudson, 1920). Acontece tam-bém de adultos e jovens manterem-se separados, demaneira que os adultos não podem guiar os filhotes.

Até agora sabemos pouco a respeito de aves proce-dentes do sul que migram para além do equador.n. n chega até a Colômbia. O andorinhão iund ei e idion já foi encontrado no Panamá. Várias

andorinhas meridionais ne ,e chelidon c noleu migram igualmente

para a América Central, em parte até a Nicarágua e oMéxico.

Pode então ocorrer uma sobreposição periódica deraças sedentárias setentrionais por raças migrantes me-ridionais, p. ex. de andorinhas. Na região do surucuásetentrional de barriga amarela,

tius, aparece, no inverno, a raça sulina de barrigavermelha, ogon s. .

Entre os residentes migratórios contam-se também'aves como o frango-d'água-azul, l iinique só periodicamente vem ao Maranhão paranidifi-car, e a avoante, id l , que no Nordeste emcertos locais, aparece a intervalos de uns poucos anosem enormes bandos.

Algumas resi:dentes terrestres são encontradas du-rante suas migrações ocasionalmente em alto-mar, p. ex.os tiranídeos ocep s ubinus e hu is stO recorde em migrações transoceânicas de residentescabe ao frango-d'água-azul, ph nin que,não raro, alcança as mais longínquas ilhas atlânticas eaté mesmo a costa africana. Provavelmente todas essasaves são arrastadas por fortes ventos.É quase certo quenão voltam à sua pátria. Tais deslocamentos nos mos-tram como pode dar-se a efetiva colonização de ilhasoceânicas, como no caso de Fernando de Noronha, po-voada p. ex. pela avoante.

Há migrações regulares de espécies residentes, pro-vocadas por enchentes, sobretudo na Amazônia, v.P:ex. o bacurau-da-praia,Cho deiles upest is,e outras avesribeirinhas. O nível do Amazonas oscila de 10 a 15metros. As enchentes na Amazônia, evento regular, anual(não é acontecimento desastroso se não se trata dapororoca), lembram, até certo ponto, a maré que provo-ca um fluxo e refluxo de garças e aves da praia comomaçaricos, na costa atlântica.

Existem deslocamentos crepusculares de bacuraus(Cho eiles is e C. tipennis) no Brasil central (Sick1950).

Mais um tipo de migração em aves residentes é areunião de marrecas em certos pântanos no tempo damuda em bloco. Deslocamentos de marrecas(D e outros) são freqüentes em várias ocasiões,em muitos lugares.

É impressionante como aves migratórias obedecema um horário certo, modificado apenas ligeiramente pelotempo, no respectivo ano. O andorinhão ,

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- COMPOSIÇÃO DA A VIFAUNA BRASILEIRA 131

p. ex., que some do Rio de Janeiro em março/abril, cos-tuma reaparecer na primavera entre 20 de agosto e 8de :setembro. Registramos na Quinta da Boa Vista, no Rio,os primeiros sabiás-pocas,u dus nus, tran-seuntes no outono, vindos do sul, às vezes no mesmodia, 20 de abril, em vários anos.

Certas aves se deslocam para lugares de um pousocoletivo noturno. Isto acontece mais entre não-Passeri-formes, como o tesourão, t ns, o maçarico-de-cara-pelada, chihi, papagaios e aves de rapi-na, como os dois l go e o caramujeiro, os ussoci bilis. Em Passeriformes notam-se tais migrações p.ex. em tiranídeos e icteríneos. Às vezes as aves se reú-nem primeiro num lugar perto do dormitório, para ocu-par o mesmo apenas quando anoitece (p. ex.il goch ngo, e s lo ). Os deslocamentos paradormir em grupos podem continuar até na época da re-produção, participando p. ex. o macho, enquanto a fê-mea cuida do ninho( sp.). .

Ocorrem invasões de tucanos. Sobre expansões deespécies residentes v. sob Distribuição.

ESPÉCIES VISITANTES, AVES DE ARRIBAÇÃO, MIGRAÇÃO EM GRAN-

DE ESCALA

Sob "visitantes", sensu iciu, entendemos as espé-cies que periódica ou acidentalmente aqui chegam, vin-das de outros países, sem se reproduzirem no Brasil. Nãosão, portanto, aves "brasileiras", no sentido rigoroso.

A alusão a aves de arribação põe em destaque o fe-nômeno de múltiplos aspectos das migrações de aves,incluindo o problema da orientação, discutido em todoo mundo, sobretudo no hemisfério norte, e que até ago-ra no Brasil pouca atenção tem merecido. E precisamen-te no Brasil, o assunto é do máximo interesse, por haveraqui arribação em dois sentidos, do norte e do sul. Sen-do a orientação das aves migrantes (também de pom-bos-correio, v. Columbidae) dependente em parte domagnetismo terrestre, é de importância que o equadormagnético da terra passa pelo Brasil (Ceará).

Não tratamos de temas gerais que não são proble-mas específicos do Brasil, como a orientação das avesmigratórias e a origem das migrações que deve ser liga-da a alterações climáticas profundas durante séculos eaté a uma posição ainda diferente dos continentes. Nohemisfério setentrion~l se concluiu que o rumo das mi-grações pode indicar o rumo em que a ave explorou aatual área de reprodução. Isto não pode ser p. ex. nasAméricas onde os Passeriforrnes-Oscines apreenderama migrar para a América do Sul - para eles ignantes da junção dos continentes.

Em suas migrações, as aves visitantes ou atravessamo Brasil ou permanecem aqui durante algumas semanasou meses. Na maioria doscasos trata-se de espécies queprocuram o Brasil durante o inverno frio dos seus paí-ses de origem. De um modo geral o principal ponto deatração não é a temperatura mais elevada dos trópicos esubtrópicos, mas a maior quantidade de alimentos nas

regiões quentes onde influi decididamente a sucessãodos períodos de chuva e seca.

Ainda resta demónstrar nos diversos casos indivi-duais se em invernos sobremaneira rigorosos nas regiõesde origem vêm mais aves de arribação ao Brasil do queem invernos amenos. O aparecimento de aves marinhasnas nossas costas depende também de ventos fortes quesopram no Atlântico.. A permanência por tempo mais longo no Brasil levaàs vezes a concluir-se erroneamente que estas visitantesse reproduzem aqui. Trata-se nestes casos geralmentede indivíduos imaturos que ainda não atingiram a ida-de de reprodução. Figuram entre eles aves marinhas,Charadriiformes e a águia-pescadora Espéciesde certo tamanho só alcançam a fase adulta em váriosanos. Uma ave marinha relativamente pequena como obobo, inus s, só começa a nidificar comS anos.Consta que a trinta-réis-boreal,t undo, às vezessó volta à pátria setentrional ao cabo de 31 meses depermanência nos trópicos.

Algumas aves, como os parulíneos norte-americanoseo cuculídeoCOCClj U , voam à noite duran-te suas migrações. Tais migrantes noturnas se traem aoconhecedor pelos chamados que emitem em vôo, comoo fazem por exemplo as sara curas e a triste-p ia,Dolichon onjzioorus.

Durante sua estada entre nós, as aves de arribação,procedentes de zonas temperadas, costumam mudar deplumagem (v.P: ex. andorinhas e triste-pia).

Conforme já foi indicado, há no Brasil dois gruposprincipais de visitantes: os que, durante suas migraçõeslatitudinais, vêm do norte, até do Ártico, e as que vêmdo sul, até doAntártico. Chegam mais visitantes elonortedo que do sul. Os bandos de maçaricos e batuíras seten-trionais que, periodicamente, se aglomeram nas costasbrasileiras, chegam não raro a centenas e milhares e fi-guram assim entre os maiores ajuntamentos de aves quepodemos ver no Brasil; v. também as grandes concen-trações de andorinhas setentrionais.

Entre as aves norte-americanas, vindas ao Brasil, pre-dominam habitantes da América do Norte oriental, di-rigindo-se ao Brasil oriental, como n t ilii(como migrante) e i g ii (como resi-dente). As populações migrantes mais setentrionais deaves norte-americanas costumam invernar mais ao sulneste continente (v. lco g nusi.

Fato singular é que também aves de arribação dacosta chilena vêmà América do Sul cisandina tropicalem vez de acompanhar a costa do Pacífico rumo ao nor-te (peru). Acontece assim que o pequeno tiranídeoEl

chilensis, do sul do Chile, atravessa os Andes àaltura de Santiago, migrando depois, juntamente comas de sua espécie provenientes da Argentina, para a re-gião amazônica, avançando em parte até além do equa-dor; atinge também território brasileiro.

Muitas aves árticas que vêm ao Brasil para "vera-near" têm que voar muitos milhares de quilômetros; v.

h

~'. ,

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132. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

sob maçarico branco, e .Correspondendo às diferentes épocas em que é in-

verno ao norte e ao sul do equador, as visitantes apare-cem no Brasil em épocas diferentes do ano, de maneiraque mal acontece se encontrarem; as do norte estão nes-te país entre setembro e abril, as do sul entre março eoutubro. Alguns indivíduos, porém, são encontrados iso-ladamente no Brasil durante quase todo o ano (v.acima).

Algumas espécies ou aloespécies ocorFem tanto nohemisfério setentrional como no meridional, em climassemelhantes (temperado ou frio, subártico respectiva-mente subantártico) e durante o inverno migram emdireção ao equador, cada uma de seu lado. Esse é o caso,por exemplo, da gaivota-rapineira-grande

e do falcão C do norte, vindasda Escócia, foram encontradas no Nordeste do Brasil,C

sulinas, que nidificam na Patagônia e na zona An-tártica, tiveram sua presença demonstrada até no Su-deste e Nordeste do BrasiL

cuja pátria é o extremo meri-dional da América do Sul, segue os Andes durante suasmigrações, e até agora, só foi encontrado no lado atlân-tico do continente até o Uruguai, onde teoricamentepoderia-se encontrar com doextremo norte, que migra até a Argentina. Algumas vi-sitantes não vêm regularmente ao.Brasil, mas apenasuma vez ou outra. Assim, por exemplo, os pingüins nãoatingem todos os anos a altura do Rio de Janeiro e Bahia.

Às vezes as visitantes só aparecem em seus vôos devinda ou de retorno, utilizando pois, evidentemente,rotas diferentes em suas migrações.

Entre as maiores migrações conhecidas em nossa re-gião figuram os vôos transatlânticos do frango-d'água-azul, aos quais já aludimos.

Há ainda o caso de recentes imigrações, v. sob garça-vaqueíra, ibis.

LEVANTAMENTO ESPECÍFICO DOS VISITANTES

Registramos 152 visitantes, o que perfaz 9,0% dasaves do Brasil (1.677). Dependendo esse registro da co-laboração de observadores treinados de campo, que es-tão sempre aumentando, o número de aves visitantes,às vezes, espécies de fácil reconhecimento, aumenta sem-pre. . .

As visitantes são, na sua maioria (109,por conseguin-te 71,7%) não-Passeriformes, Nada menos de 101 espé-cies (66,4%) são aves aquáticas (contamosPandion como"aquático"). Cerca de metade dessas aves aquáticas sãomarinhas, como albatrozes, pardelas, gaivotas-rapinei-ras etrinta-réis. Na maioria dos casos as aves marinhaschegam a águas brasileiras vindas de alto-mar, nãoacompanhando a costa. Quando só se fazem observa-ções em terra firme, mal se suspeita a presença de algu-mas delas por aparecerem periodicamente a algumasmilhas de distância da costa. Um albatroz trazido ca-sualmente por pescadores ou uma mortandade de pin-güins ou faigões quando as aves em massa

são atiradasà praia pelas ondas, indicam então o quan-to é rica a avifauna no oceano, pelo menos na parte me-ridional do mesmo.

Apenas 10 espécies visitantes são não-Passeriformesnão-aquáticas; a metade sãoFalconiformes oriundas donorte. O condor vem dos Andes. Entre elas há ainda2cuculídeos, 1bacurau e1 andorinhão, todos provenien-tes do norte.

Entre as visitantes existem apenas 43 Passeriformes,isto é, 28,2% do total dos visitantes. Na sua maioria elasvêm do norte, como as andorinhas, os sabiás e osparulíneos. Dos tiranídeos 6 espécies vêm do norte e 7do suL

As aves migratórias que são apenas raças geográfi-cas de espécies que vivem no Brasil,P: ex. algumas an-dorinhas nacionais e tiranídeos como a tesourinha,

que dão, nas respectivas épocas de mi-gração, muito na vista, não são incluídas aqui, são trata-das sob Espécies residentes migratórias.

VISITANTES SETENTRiONAIS (VN)Estas espécies foram assinaladas no texto pelas le-

tras "VN", logo após o nome científico. Do norte vêm91 espécies, por conseguinte cerca de 60% das visitantes(152).Destas, 54 espécies são aves aquáticas, isto é, 59,3%.

As aves aquáticas compõem-se de: 3 pardelas, e , 1 alma-de-mestre

o pelicano-pardo, três garças eduas marrecas. Vem a seguir o grande grupo de batuírase maçaricos: 3 caradrídeos (2 1 e 22escolopacídeos - três ,

, sete , , ,, dois , , e final-

mente dois falaropcdídeos.Conforme já foi salientado, essas pernilongas podem

tornar-se muito numerosas na costa. Algumas espécies,como a lis não costumam acompanhar acosta sul-americana em suas migrações, mas vão daVenezuela ao Rio Negro e ao Brasil central. No Rio Gran-de do Sul podem então atingir a costa atlântica. Isso seaplica também, p. ex. a

e ao pisa-n'água, Phalaropodídae.Além disso vêm do norte um Rallidae, um

Glareolidae, quatro gaivotas-rapineiras (trêse três gaivotas e seis espécies de trin-ta-réis , mais freqüentemente umtrinta-réis do gênero e também a águia-pes-cadora norte-americana

É sobremodo digno de nota que do maçaricão,, duas raças setentrionais chegamà

região do Brasil, uma da América e uma da Europa, sen-do que ambas foram apanhadas juntas em Fernando deNoronha, a raça da Europa provavelmente como exce-ção.

As restantes 37 visitantes são aves terrestres. Dessas,nove são não-Passe ri formes, sendo 5 aves de rapina:

dois e 2

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COMPOSIÇÃO DA AVIFAUNA BRASILEIRA 133

e eo si soni já despertaram até mesmo a atençãode repórteres no Rio e em São Paulo, respectivamente.Vêm ainda o cuculídeoCocc us nus (a raça doleste da América do Norte), o bacurau deiles o etalvez o andorinhão e pe gic conhecido

e dos americanos. [Mais recentemente ou-tro papa-lagartas foi registrado no Brasil:e p us.

Além disso 28 Passeriformes: seis tiranídeos (doisus, dois Coniopus, o stes, o , qua-

tro andorinhas ogne, , Hi o), três sabiásus, sendo queC. fuscescens em três raças, ou seja,

procedente de três regiões diferentes da América doNorte), três eo, o icteríneo Dolicho o oitoparulíneos (quatro Den , eiu s, Opo nis,

ilso , oph g dois Thaupinae ( g e umEmberizinae e ).

Na sua maioria estes pássaros só chegam até a Ama-zônia, sobretudo a Amazônia setentrional e ocidental.Nas regiões próximas ao equador poucos migrantesentram na mata, ficando quase todos na beira das flo-restas e capoeiras e nas zonas abertas. Poucas aves mi-gratórias sãofrugívoras, muitas são insetívoras (Willis1966). O poll, De oic st i i passarinho silvícolado extremo norte da América do Norte(Alasca, etc.),vem em pequeno número ao Rio de Janeiro e ainda além.As andorinhas setentrionaisavançam em quantidadepelo Brasil meridional e Argentina, sobretudo a andori-nha-de-bando, Hi undo O triste-pia passa o in-verno setentrional nos campos centrais da América doSul: em Mato Grosso e no pampa argentino.

Sobre as aves de arribação setentrionais que atingemo Brasil, orientam muito bem os guias de campo norte-americanos (Peterson1980, v. Bibliografia Geral), comilustrações de todas as espécies.

TABELA 9.2 - l dos t tes setent is, VN (91 espécies)

PROCELLARllDAE(3)

s C lonect is dpu inus

HYDROBATlDAE (1)

leuco

PELECANIDAE (1)

l occident s

cinloides

ARDEIDAE (3)

ANATIDAE (2)

n n di

TABELA 9.2 (continu

ACCIPITRIDAE (3)

eti ississippiensisp e us

teo

PANDIONIDAE (1)

ndion h li tus

FALCONIDAE (2)

co inus lco us

RALLIDAE (1)

te

CHARADRIIDAE (3)

squius i us

SCOLOPACIDAE (22)

n

to us l usC is uius

en i inil

ctitis ndhilo us pugn

C lis llis

pusiitopus

lonius bo lis

i lapponica

C iC is l tosC

isenius us

g iseus

PHALAROPODIDAE (2)

n [ulicarius pus t lo

GLAREOLIDAE (1)

Gl eol p l

STERCORARIIDAE (4)

th t u

us iicusinus

ion udus

uss cil

ie ie lli

ie nsis

usi n undo

5 te it till

Chl nige

CUCULIDAE (2)

Coc us us ust

I\

CAPRIMULGIDAE (1)

Page 134: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

134 ORNITOLOGIABRASILEIRA

TABELA 9.2 (co

APODIDAE (1)

Ch tu pelugt

TYRANNTIDAE(6)

iod n tes lutei nt isnus nnus

Contopus

ConiopusEmpidonax t illii

subisHi u

HIRUNDINIDAE (4)

i ido t

TURDIDAE (3)

C t [uscescens

us ustul tus

C us i

ceusi

VIREONIDAE (3)

i ltiloquus

IcTERINAE (1)

Oolichon i us

Den petechi

Dend st ti n islson n is

P ARULINAE(8)

Dendroica fusca

Oend ceOp nis gilisetoph uticil

THRAUPINAE (2)

n n ol

CARDINALINAE (1)

i i

I (VS)Estas espécies estão assinaladas no texto pelas letras

"VS", logo após o nome científico.

. É uma peculiaridade da América do Sul que não exis-

ta apenas migração de aves vindas do norte, mas tam-bém do sul. A causa disso é a grande extensão deste con-

tinente em direção ao antártico, massa continental enor-me; habitada- por muitas aves terrestres, bem como, se

considerarmos os mares meridionais circundantes, ri-

cos em aves pelágicas, afluindo até da Austrália.Do sul chegam ao Brasil 61 espécies, isto é, apenas cerca

de 40% de todas as visitantes (152) aqui registradas. A maio-ria, 46 espécies (74,1%), é constituída de aves aquáticas.

Trinta e duas espécies são aves marinhas:4 pingüins

(2 Eud ptes, pheniscus e pteno tes), 8 albatrozes (6Dio 2 hoebe ), 15 procelarídeos ( t

ul us, D ption, 4 e od o 2 h ptil , o ,2 cell e 2 e 3 almas-de-mestre ( nites,2 ge , além de um Pelecanoididae e um Sulidae).

Cinco marrecas meridionais, pl / , nsibil t , C opt C llonett leucoph eitt t , parecem ocorrer neste país apenas como visitantes.

Outras aves aquáticas que vêm do sul (regiãopatagônica) são duasbatuíras: ni e eopholus. Não

existem escolopacídeos sulinos. Aqui figuram também

a pomba-antártica (Chionis), um Thinocoridae, as gai-

vota -rapineiras C th t a gaivota s belch i e a trin-ta-réis n uiit i

Entre as 12 aves terrestres desta seção encontram-se

apenas um não-Passeriforme: ocondor, Itque ocasionalmente vem dos Andes até ao oeste do Brasil.

Os poucos Passeriformes (15) oriundos do sul ou dosudoeste são o furnarídeo Cinclodes fuscus, 7 tiranídeos

o is, l is, essoni , , 2 legus eEl n biceps), o corta-ramos t duasandorinhas, mimídeo i us o icterineo l

e os heuciicus e DNa identificação das aves de arribação meridionais

é útil o guia de campo argentino de C. C. Olrog e Narosky& Izuriet a.

-

TABELA9.3 - l o dos i es is12, VS (62 espécies)

SPHENISCIDAE(4)

en tes t gonicusEud ptes lophus

cicus

e ul

DIOMEDEIDAE(8)

DioDio ede uD e

hoebet

".Di lDi e cnun hunchos

[usca

PROCELLARlIDAE(15)

c onectes h l/i

b i t isd

H l lt belche

l oPuffinus g seus

nectes gig nieusO se

o lessoniio ollis

to c e

us g

PELECANOIDIDAE(1)

e oides ni

12 Pelo menos o condor, g s, e o di u s devem vir provavelmente do oeste ou sudoeste,executando uma migração mais longitudinal do que latitudinal.

Page 135: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

COMPOSIÇÃO DA AVIFAUNA BRASILEIRA 135

TABELA 9.3

icus

ul t

hoenicopt chilensis

C lonett leunopte

l

tu

tus

HYDROBATIDAE (3)

SULIDAE (1)

PHOENICOPTERIDAE (2)

ANATIDAE (5)

itt

CATHARTIDAE (1)

CHARADRIIDAE (2)

TlllNOCORIDAE (1)hinoco us i us

Chionis

t ehilensist n t

us belehe i

Cinclodes [uscus

islegus hudsoni

t

us iu

Diu diu

O-rrONIDAE (1)

STERCORARIIDAE (1)

LARIDAE (2)uit

FURNARIIDAE (1)

TYRANNIDAE (7)

esson

PHYTOTOMIDAE (1)

HIRUNDINIDAE (2)i

MIMIDAE (1)

EMBERIZINAE (1)

CARDINALINAE (1)ucticus u

i

IcTERINAE (1)

9.1.4. E CIE I E

I

A galinha-d'angola, o pombo, a ga-linha doméstica e o peru, foram trazidos pelos portu-gueses para o Brasil. Mencionamos tais espécies domés-ticas num apêndice nas respectivas famílias, como tam-bém o periquito-da-Austrália e o canário-do-reino.

Até agora no Brasil só se introduziram 2 espécies deaves do exterior, que se tornaram comuns nas habita-ções humanas e ao seu redor, onde vivem livremente: opardal, da Europa, e o bico-de-lacre.

da África. .Várias aves européias introduzidas no Uruguai, por

exemplo, como o verdilhão, até agoranão tiveram sua presença assinalada no Brasil, talvez sópor falta de controle. Veja também sob galináceos(Phasianidae), onde abordamos a questão de uma pos-sível utilidade prática da introdução de aves exóticaspara a caça e para a alimentação humana.

Do ponto de vista científico a introdução de aves exó-ticas, praticada com a maior leviandade por amadoresno mundo inteiro, naturalmente sem nhum estudoprévio de suas implicações, deve ser encarada com gran-de ceticismo. Ela foi proibida, e com muito acerto, pelaLei na 5.197/1967 (Proteçãoà Fauna). Nunca se podeprever se um adventício não virá a tornar-se praga ouum risco para a fauna nativa. No Brasil todos conhecemo caso do pardal e da abelha africana, assuntos muitodiscutidos.

Espécies introduzidas podem ser também nacionais,que de um lugar do Brasil, onde existem em estado nati-vo, foram levadas pelo homem a outra região do país,onde não existiam por natureza. Tais transplantes, quea ciência não vê com bons olhos, podem conduzir a umafalsificação da fauna local. Foram efetuados p. ex. com acodorna, com o sofrê e com o baiano,

Enquadra-se neste item a libertação indiscriminadade pássaros engaiolados, realizada pelas autoridades,sobre a qual se alega servirà preservação da fauna (v.Repovoamentos). Assim foi introduzida no Rioa caturrita,

praga no Rio Grande do Sul.A garça-vaqueira, ibis, originalmente vine;

da da África, cuja presença como ave que se reproduzno Brasil foi comprovada desde 1965, imigrou esponta-neamente para aAmazônia brasileira, presumivelmentenão da África, mas da parte seten trional da América doSul, onde já existia em grande número há algum tempo.

A imigração na cidade do' Rio de Janeiro do bacurau-da-telha, que acompanhamosdurante os últimos 40 anos, é também ato espontâneo.

9.1.5.

As aves mais conhecidas em qualquer país do mun-do são as aves s~nântropas: espécies que se associam ao

Page 136: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

136' ORNITOLOGIA BRASILEIRA -homem. O "clássico" desta categoria é o pardalainda desconhecido em quase toda a Amazônia.

Sinântropas, no Brasil, são várias pombinhasspp.) e alguns Passeriformes como a

cambaxirra a cambacica e ando-rinhas. O urubu-preto é também sinântropo, ao contrá-rio de outras espécies de urubu. Sinântropas são tam-bém as espécies do ambiente urbano. Espéciessinântropasseguem o homem no interior, fora do am-biente urbano, nas fazendas, etc.

9.2

O total das aves do Brasil é, aproximadamente1.677espécies. A contagem varia, por dois motivos: (1) sãoacrescentadas sempre "novas" espécies, até então men-cionadas apenas para regiões vizinhas, sobretudo naAmazônia, ou para partes do Oceano Atlântico onde setrata geralmente de visitantes. Só muito raramente acon-tece hoje em dia, no Brasil, ser o número aumentado peladescoberta de espécies ainda desconhecidas à ciência,como se deu na década passada com , es-pécie de distribuição muito limitada na Serra do Marem lugar pouco explorado antes - condições essas exis-tindo mais nos Andes (Peru, etc.), produzindo novasespécies ainda com certa freqüência. [Espécies recente-mente descritas, algumas depois da morte de H. Sick,figuram no corpo do livro, contrariando esse ponto devista.] (2) o número de espécies torna-se às vezes maisreduzido em contagens modernas porque, aves consi-deradas espécies são hoje "rebaixadas" ao nível desubespécies, isto é, não são mais contadas como espé-Ci2S à parte. Goeldi(1894) citou 1.680 espécies de avespara o Brasil.

O território brasileiro penetra no extremo sul umpouco na região de Pampa com sua fauna diferente. Istose reflete na grande lista das aves do Rio Grande do Sul(v.abaixo). Este lado bem positivo compensa um poucoa falta da riquíssima fauna andina e alto-amazônica cujaposse contribui para que países relativamente pequenoscomo ia Colômbia, com pouco mais de um milhão dequilômetros quadrados de superfície, sejam mais ricosem espécies de aves que o Brasil, com mais de oito mi-lhões e meio de quilômetros quadrados de superfície.'Quanto à fauna dos Andes é notável que no Pleistoceno,houve uma pequena imigração de flora e fauna andinosno sul do Brasil (v. sob Furnariidae e Rhinocryptidae).

As aves terrestres distinguem os hábitats por suascaracterísticas estruturais, sobretudo os aspectosfisionôrnicos da vegetação: a fitofisionomia. Durante osúltimos 60 anos foram publicados muitos trabalhos fo-calizando censos de aves e as metodologias para execu-tar tais levantamentos no hemisfério setentrional. Cita-mos apenas Lack(1937),Macarthur & Macarthur (1961),Macarthur et . (1966) e Cody (1985). A descrição dehábitats foi padronizada, modelos e estatísticas da di-versidade de espécies foram desenvolvidos. Grande es-

tímulo para tais levantamentos foi a modificação dapaisagem natural e a correspondente alteração da avi-fauna ocorrendo em todos os países da Europa e daAmérica do Norte.

Devemos no Brasil a T. E. Lovejoy(1974) e F. C.Novaes (1970) as primeiras análises populacionais rea-lizadas por capturas em redes de algumas comunida-des de aves do baixo Amazonas, permitindo estabeleceros padrões de distribuição e abundância, para dar umaidéia do índice de densidade e freqüência das aves emquestão (v. p. ex. sob Trochilidae, Formicariidae,Tyrannidae e Emberizidae). O levantamento de Lovejoy,executado em parte junto com Novaes na mata deMocambo (Área de Pesquisas Ecológicas doCuamá,APEG), Belém, Pará, durante vários anos, incluindo to-dos os estratos (pela primeira vez também as copas dasárvores, usando redes altas), baseia-se em mais de200espécies manuseadas; lá ocorrem aproximadamente300 .espécies.

Foram capturados, pesquisados e soltos15.000indi-víduos. Muitas espécies eram bastante raras, tornando-se assim o índice da abundância bem baixo. Isto confir-ma o fenômeno conhecido, que nos trópicos o númerode espécies de animais e plantas é alto, o número de in-divíduos baixo.

Na elaboração desses dados foidifícil avaliar acapturabilidade diferente das espécies (certas espéciesnão são capturadas, outras com a maior facilidade) epossíveis outros fatores como flutuações populacionais.Sabíamos que como suplemento de um tal trabalho comredes é necessário um registro meticuloso davocalíza-ção e a observação direta das aves presentes - conclu-são à qual hoje todos chegam.

Na área metropolitana de Belérn, Pará(1.221 km),incluindo os municípios de Belém e Ananindeua foramtegistradas472 espécies de aves (F.C. Novaes). Na Re-serva Ducke perto de Manaus, Amazônia(10 x 10 km),Willis (1977) fez uma lista de289 espécies, sendo218florestais. No altoPurús, rio Curanja ao redor de Balta,em território peruano, perto do Brasil (o Purus cruza oterritório do Acre no meio antes de desaguar mais de1.000 km distante no rio Amazonas)J. P.O'Neill regis-trou dentro de uma área de uma milha (um quilômetroe meio),408 espécies de aves e anotou que iriam apare-cer mais espécies ainda com mais tempo de observação.Isto é a conseqüência de existir pouquíssimos indivíduoscoespecíficos naquelas áreas, com um máximo de espé-cies simpátricas. Os censos das aves exigem meses. Abs-traindo migrantes, restaram para a área em questão(Balta)300espécies florestais, pelo menos. Amadon con-clui que a Amazônia supera de longe a riqueza em aves

, do Congo africano (Amadon1973~"':

_9uanto mais variáveis as condições ecológicas, tan-to maior o número de seres vivos que podem viver nes-se ecossistema. As comunidades mais ricas em espéciesde aves, mas de número muito reduzido de indivíduos,se acham próximo aos Andes em matas superúmidas

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COMPOSIÇÃO DA A VIFAUNA BRASILEIRA 1:;7

intocadas, de regiões planas do alto Amazonas. Temosum projeto do INPA/WWF sobre a Diversidade Bioló-gica na América Latina (BIOLAT), sendo conduzido re-centemente (1989) na Bolívia e no Peru. Os maiores ín-dices de diversidade natural existem em território bra-sileiro em Rondônia e no Acre, áreas ainda pouco ex-ploradas em dinâmica de populações de faunai.. cons-tam P: ex. 11 espécies de (Formicariidae)para Rondõnia (D. F. Stotz); no Rio de Janeiro se encon-tram normalmente 3 espécies, no máximo 6 (L. \.Gonzaga). Prevê-se que Rondônia, área de 243.044 km,poderá se transformar num gigantesco deserto até o co-meço do próximo século devido a atual ocupaçãodesordenada.

. [Fora da Amazônia, do sul para o norte, segundo al-guns levantamentos regionais disponíveis, o total deespécies assinaladas por Estado é o seguinte: Rio Gran-de do Sul, 610 espécies (Belton 1994); Santa Catarina,596 (L.A. Rosário); Paraná, 669 (Scherer Neto& Straube1995); São Paulo, 735 (E. O. Willis, Y.Oniki); Rio de Ja-neiro, 690(J. F.Pacheco); Espírito Santo, 602 (C. Bauer,J.F.Pacheco); Minas Gerais, 774 . 1993); Bahia,733 (Souza 1996); Pernambuco, 480 (Fariaset .Paraíba, 340 (Schulz Neto 1995b) e Maranhão, 636 (Oren1991),..Mesmo em algumas áreas menores que Estados,mas que foram sistematicamente estudadas e estão emregiões biogeograficamente privilegiadas, o total de es-pécies inventaria das pode ser expressivo como é o casodo município do Rio de Janeiro, ex-Guanabara(1.171km2) , onde a lista de aves tem cerca de 490 espéci-es (H. Sick,J. F. Pacheco), enquanto que para os limitesdo Distrito Federal (5.814 Km2), encravado no Estadode Goiás, foram listadas 429 espécies (Negretet . 1984).

Num trabalho intenso durante mais de 10 anos noRio Grande do Sul (282.184 km) Belton (1984 - 85) che-gou a um total de 586 espécies, das quais pelo menos419 reproduziam no Estado. Com a elaboração cuida-dosa desse material, o Rio Grande do Sul tornou-se na-quela ocasião o Estado melhor pesquisa do do Brasil emorni tologia.

É óbvio que é muito difícil comparar os censos cita-dos referindo-se a áreas tão diferentes em tamanho ecaracteres físicos, e sendo as metodologias completamen-te diferentes.

No sul do Brasil (São Paulo, 22°45/50'S, 47/48 W) E.Willis (1979)examinou três áreas florestais, uma de 1.400ha com 202 espécies de aves (reproduzindo 175), outraárea de 250 ha com 146 espécies (reproduzindo 119) eoutra de 21 ha com 93 espécies (76 reproduzindo). Foicalculado que o número de espécies de aves nas três áreasdevia ter sido originalmente cerca de 230. Dois tipos derecenseamento foram utilizados censo de uma hora ecenso geral.

Desde 1974J. Vielliard se 'dedica a levantamentos'quántitativos (censos) de aves. Testou três métodos bá-sicos: (1) localização dos territórios das espécies presen-tes numa certa área, "quadro", (2) contar todos os indi-

_.

víduos encontrados num certo percurso, "transecto", e(3) a amostragem por pontos, baseando-se em priorida-de na identificação auditiva. A última metodologia, apli-cada em áreas da mata do planalto de São Paulo, mos-trou-se a melhor em terreno heterogêneo e mais fácil nainterpretação matemática, resultando numa diversida-de (índice de Shannon-Wiener) de 3,89; este valor é omaior já obtido para uma comunidade de aves. O le-vantamento qualitativo ("exaustivo") que foi realizadojunto com a amostragem por ponto deu um total de 272espécies em 350 horas de observação em diversoshábitats; este número de espécies, corrigido em funçãodo tempo de observação e da variedade de hábitat, éequivalente aos valores do Equador (Pearson 1971,Vuilleumier 1978), Peru e Bolívia (Pearson 1977).

9.3

9.3.1. , O

Seguimos a disposição proposta por R. Meyer deSchauensee (1966, 1970), a respeito da seqüência das or-dens, famílias, gêneros e espécies, corri poucas exceções, .quando reconhecemos outras relações filogenéticas ouem adaptação melhor às condições brasileiras. Elevamosos flamingos ao nível de ordem: Phoenicopteriformes,Colocamos a cigana também numa ordem à parte:Opisthocomiformes. Incluímos os dois o galo-da-serra, , e a araponguinha, nosCotingidae. Colocamos a tijerila, cno fim dos Tyrannidae. Meyer de Schauensee baseou-seno sistema de Alexander Wetmore (1960), nestor da or-nitologia americana e[amesL. Peters the s

the o Lamentamos que, no Brasil, esse procedi-mento crie alguma confusão, pois aqui todos estão acos-tumados com o sistema de Olivério Pinto, em curso há50 anos. Queremos destacar, nesta oportunidade, a gran-de importância dos livros de Meyer de Schauensee, queabriram mesmo o caminho para uma orientação fácilsobre a multidão das aves do nosso continente; o seulivro tornou-se a nossa "Bíblia".

Para a atual edição do nosso livro, em parte, aceita-mos as conclusões da última edição do

(1983). Turdinae, Sylviinae forarnincluí- '-">-'

das como sub-famílias da grande família Muscicapidaedo Velho Mundo, aves praticamente desconhecidas empaíses neotropicais como o Brasil. Mas cientificamenteé do maior interesse saber que os Turdinae e Sylviinaesão bem aparentados aos Muscicapidae que se espalha-ram durante os milênios até a América do Norte e de lácolonizaram a América do Sul, relevando como houvegrandes alterações nos movimentos dos continentes eclimas da terra e mudanças dodinâmica distribucionaldessas aves. Thraupinae, Parulinae e Icterinae, três uni-dades que são de fenótipo bem característico (o mesmoque vale para Turdinae e Sylviinae) foram incluídas na

'.1'

!

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138 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

grande família Emberizidae como conseqüência de no-vas pesquisas, abrangendo o grupo maior de. Passeri-formes-Oscines, de larga distribuição no Mundo e declassificação polêmica.

Antes de existirem as publicações de Meyer deSchauensee, possuíamos, sobre o Brasil, apenas as obrasde O. Pinto, o t logo d ic s de E.Snethlage (1914), s es do il de E. Goeldi (1894)com o de nic (1900-1906, reeditadopela Universidade de Brasília), e as publicações dos vonIhering (1907, etc., v. sob História). Daí tínhamos querecorrer a cada hora ao monumental Catálogo de CoryConover & Hellmayr (1918-1949), em 15 volumes, refe-rindo-se às aves das três Américas.

A obra que dá os necessários pormenores sobre a no-menclatura d-as espécies e subespécies é aCh -listthe ds the ld, iniciada por [ames L. Peters, 1931em diante, continuada por E. Mayr, J. C. Greenway Jr.,R. A. Paynter [r, e outros, total de 15 volumes (I-VI non-Passeriformes, VII-XV Passeriformes); os primeiros vo-lumes foram reeditados, Tínhamos à disposição a gran-de biblioteca do Museu Nacional, Rio, que é notável pelariqueza de obras do século passado; o problema eramas publicações modernas, inclusive os periódicos cien-tíficos.

Os únicos livros populares disponíveis sobre avesbrasileiras durante as últimas décadas foram os deEurico Santos: eij o e os do l(1938/40). Não possuíamos discos ou fitas de vozes deaves brasileiras. Na década de 60 apareceu o primeirodisco de J. Dalgas Frisch,C tos de do il que tevegrande aceitação popular também fora do Brasil. Segui-ram os discos s d co o len io nto do

ú, Ecos do I no e dee outros, e o livro do mes-mo autor b ile s, primeiro passo para produzirum guia de campo de aves do Brasil.

Também na década de 60, Paul Schwartz, RanchoGrande, Venezuela, autoridade na vocalização de avesneotropicais começou a editar uma série de discos

i en o Schwartz reuniu, em sua época, omaior arquivo de vozes de aves neotropicais, hoje de-positado no da Universidadede Cornell. Ithaca, EUA.

Para a identificação das aves da Amazônia serve-muito bem o guia de campo das aves da Venezuela deR. Meyer de Schauensee e W. H. Phelps (1978), com 53pranchas e o livro de S. L. Hilty e W.1..Brown (1986)com 69 pranchas, sobre a Colômbia, ambos próprios tam-bém para a Amazônia brasileira. Chamamos a atençãoem especial nestas obras quando, no corpo do livro, da-mos a algumas espécies amazônicas apenas poucos da-dos e a distribuição, a qual se estende aos países adja-centes, sobretudo Venezuela, Colômbia e Peru, onde es-sas aves são melhor conhecidas. No extremo sul do Bra-silos guias de campo das aves da Argentina de C. C.Olrog (1984) e de T. Naroskie D. Izurieta (1987) sobreArgentina e Uruguai podem ser úteis.

A bibliografia que figura no final de cada família, nocorpo do nosso livro, pode servir a uma ampliação dos .conhecimentos no respectivo setor. Os títulos citados sórepresentam uma seleção. Na bibliografia geral citamosainda outras fontes, incluindo algumas obras gerais so-bre ornitologia.

Com as facilidades atuais de viajar (duran+ao nosso

trabalho no Brasil Central de 1946 e 1957 tínhamos ape-nas os aviões da Força Aérea Brasileira (FAB); não exis-tiam estradas) e o correspondente desenvolvimento doturismo, surgem no mundo inteiro, publicações sobreas aves locais. Vimos, neste país, até listas de nomespopulares de aves, de uma certa região, compiladas poruma agência de turismo.

As listas das espécies de certas regiões ajudam, quan-do são feitas com todo o critério, como os americanosestão fazendo há muito tempo. As listas cuja qualidadedepende do seu autor tornam-se ainda melhor informa-tivas e fidedignas quando se referem às bases utiliza-das, como: levantamentos bibliográficos (B), levantamen-tos de coleções de museus (M), e levantamentos de cam-po (C), como fizemos para Santa Catarina (Sicket .,1981).

-

9.3.2. DE

Enquanto a nomenclatura científica das aves estáestabelecida há mais de 200 anos, a denominação ver-náculo-popular, sendo produto da imaginação do povo,não guarda sistematização.

Sob "denominação vernácula" queremos dizer duascoisas muito distintas: (1) nomes populares, vulgares oucomuns, são os nomes adotados pelo povo que vive nasregiões onde vivem os respectivos animais. São os me-lhores nomes para a fauna. (2) nomes vernáculos cria-dos por técnicos, quando não existe os nomes popula-res para os respectivos animais.

'-'

Ao designar uma ave, o povo procura relacioná-Ia,p. ex ..com o colorido ("sangue-de-boi", "polícia-ingle-sa"), a forma do bico ("colflereiro", "maçarico"), a ali-mentação ("caramujeiro", "carrapateiro"), o modo decaçar ("bico-rasteiro"), manifestações sonoras (voz:"vivi"; música instrumental: "cascavel"), vários hábitos("pica-pau", "dançador"), nidificação ("joão-de-barro","fura-barreira"), relação ao tempo ("primavera", "ve-rão"), relação à hora quando cantam ("maria-já-é-dia"),biótopo ("fura-mato"), ocupações humanas ("lavadei-ra", "rendeira") e lendas ("mãe-da-iua"). Nomes'onomatopéicos parecem estranhos à maioria, quenâoconhece as respectivas manifestações sonoras.Tais no-mes estão constituídos freqüentemente de frases como:"tem-cachaça-aí" ou "gente-de-fora-vem" (ambos paraC l his nsis), "joão-corta-pau" (para us

rufusv, "água-só" (para l go undul i n e"chupa-dente" (para g . Os nomes

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COMPOSIÇÃO DA A VIFAUNA BRASILEIRA 139

onomatopéicos indígenas são melhores. Nesses nomesestá a alma do povo, os nomes fazem parte da cultura.Um nome popular antigo, arraigado, passa de pai parafilho, não muda nunca.

Os nomes vulgares ou populares de aves do Brasilsão de origem lusa ou tupi, às vezes corruptelas de am-bos. A confusão começou quando os portugueses, logoapós a descoberta do país, aplicaram nomes de aves daEuropa a aves do Brasil. Estas quase nunca são as mes-mas espécies e nem mesmo aparentadas às suas homô-nimas européias. É, p.ex. o caso do urubu,

que, por ser negro e gostar de carniça, como ocorvo europeu, foi impropriamente cha-mado "corvo". A solução satisfatória era usar o nomeindígena: urubu.

Como sabemos, muitas designações são regionais oulocais. Outro obstáculo é que o mesmo nome pode seraplicado para duas ou várias espécies. Por outro lado,há espécies de elevado interesse para o povo (como cer-tos columbídeos) que possuem nomes regionais em pro-fusão. Na pomba o macho é tratadocomo "rola-azul", a fêmea como "rola-vermelha", namesma região. tem 8 nomes popularesno Brasil, 9, 10.

14 e 16. Uma ave popular na Ale-manha, como a alvéola-branca, tem lá maisde Ido nomes populares. Grande, todavia,é- o númerode aves deste país que permaneceu sem nome popularespecífico algum, pois em geral dizemos delas que sãopássaros e nada mais.

O resultado é que a nomenclatura brasileira de avesrevela tanta deficiência que a maioria dos cientistas nemse atreve a uma discussão a respeito. Contudo, em to-dos os países de crescente consciência da conservaçãodo meio ambiente onde se elaboraram, durante os últi-mos anos, livros de maior penetração sobre a fauna, adenominação vernácula das aves tornou-se prementecomo nunca o tinha sido. O Brasil não faz exceção. Istose nota em comparação com outros grupos, como lagar-tos, que, nem de longe, possuem a popularidade dasaves.

Já Hermann vonIhering (1899) formulou: "Creio queé dever dos naturalistas contribuir para a apuração ecodificação da denominação vulgar das aves mais co-nhecidas".

NOMES VERNÁCULOS ARTIFICIAIS

Na Argentina formaram em 1916 umalos de de

1: 40), à qual se reuniram posteriormente ou-tros países sul-americanos de língua espanhola; não che-garam a um acordo. Ultimamente, Olrog (1963) tentoupadronizar essa nomenclatura para a Argentina. Na no-menclatura popular argentina luta-se também com si-nônimos e há divergências entre os autores: as opiniõesdivergem das nossas; p. ex. para as espécies deé usado "perdiz", em vez do nosso "inarnbu",

Uma comissão instituída em 1956 para uniformizara nomenclatura zoológica vernácula, foi prejudicada pelamorte-do seu idealizador, José Oiticica Filho, do MuseuNacional, Rio de Janeiro. O projeto não teve a necessá-ria continuidade. Na década de 1970 foi organizada umacomissão gaúcha para organizar um código de nomesvernáculos das aves do Rio Grande do Sul.

É um fato que até ornitólogos profissionais, de qual-quer parte do mundo, preferem os nomes vernáculos,da sua língua. O uso do nome científico exige um esfor-ço extra, empregado somente quando não existe nomevernáculo. A prática diária mostra claramente que a boavontade de círculos mais amplos, dispostos a colaborar,é logo frustrada quando queremos forçá-Ios a usar osnomes científicos. A falta de uma nomenclaturavernácula paralisa também a conservação: como agir embenefício de uma ave que nem sabem nomear?

Em publicações ornitológicas científicas em inglês(não somente em publicações de divulgação científica),desde muito menciona-se o nome científico de uma es-pécie apenas na primeira citação, junto com o respecti-vo nome vernáculo, usando-se depois exclusivamenteo último, que então todos entendem.

Qualquer adventício que fale inglês encontra no li-vro de Meyer de Schauensee (1970) um nome inglês paracada espécie de ave deste continente, se bem que essesnomes sejam artificiais, nada tendo a ver com nomespopulares. Os nomes ingleses são úteis, pois são descri-tivos e ajudam a memória, são feitos para isto; sãoadotados imediatamente também pelos ornitólogos pro-fissionais de língua inglesa.

É relativamente fácil americanos estabelecerem umanomenclatura em inglês para todos os países latino-americanos, não háobstáculo. Muito diferente é a ela-boração da nomenclatura vernácula dos países latinosnos seus próprios idiomas, pois estão impregnados detradições lingüísticas locais que precisam ser conside-radas.

Vai ser ainda um longo caminho até que comissõesmistas, compostas de ornitólogos e filólogos, tenham ela-borado um código razoável, ou até uma lista oficial (exis-tente em vários países) de nomes vernáculos das avesdo Brasil.É certo que nunca se poderia agradar a todos,pois cada região desejaria que seu nome local fosse uti-lizado. Para tirar asdúvidas.neste caso vai ser necessá-rio, por enquanto, citarmos dois ou mais nomes.

PRÁTICA ADOTADA NESTE LIVRO

Para satisfazer às exigências deste livro, para o qualera indispensável dispormos de um nome brasileiro,pelo menos para as espécies principais e cabeçalhos,utilizamo-nos de três recursos:

(1) Consultamos a biblíografia a respeito, sobretudoo catálogo de aves do Brasil de Olivério Pinto 1938/1944,e a grande lista de nomes vulgares de aves do Brasil deCarlos o. C. Vieira, 1936. Há outros numerosos subsí-dios, como R. von Ihering (1899), do de

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140. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

R. von Ihering (1940),Dic dos doe Paulo Nogueira Neto (1973), de

Foi publicado pela SOM e pelo IBDFdo da autoria de GabrielA. deAndrade

(1982).Temos neste país um estoque grande de bons nomes

vernáculos que são os nomes populares, vulgares oucomuns. Contribuição valiosaà interpretação de nomesindígenas é o estudo de Rodolpho Garcia (1913, 1929):

s de es .(2) Coletamos durante as nossas viagens pelo Brasil

nomes vulgares, interrogando caçadores e outros obser-vadores, merecedores de crédito, inclusive índios, so-bretudo do grupo tupi, do Brasil central.

(3) Quando não encontramos nomes vulgares, nemna literatura, nem por intermédio de informantes pes-soais, adaptamos palavras existentes ou baseamo-nosem caracteres importantes das respectivas espécies, se-jam da morfologia, da biologia ou indicando a regiãogeográfica. Coordenamos os nossos resultados com osda comissão gaúcha, mencionada acima. Tivemos, emcertos casos, a orientação lingüística do Dr. AntônioHouaiss, da Academia Brasileira de Letras. Sugestõesúteis para a formação de nomes vernáculos em qual-quer língua dão Eisenmann& Poor (1946).

O critério adotado na escolha de nomes brasileirosfoi de, sempre que possível, usar-se o nome popular,desde que ele não pudesse ser confundido com outraespécie. As dificuldades, além daquelas já citadas, sãomuitas, por exemplo: o mesmo nome aparece em avespertencentes a famílias distintas, contrariando a siste-mática zoológica, como "jacu-estalo", e phus

o , cuculídeo que se assemelha a um jacu.Aumen-

taria a confusão querendo eliminar um nome popularrazoável deste, usado há muito tempo, para substituí-10 por um nome artificial desconhecido que seria corre-to cientificamente. Não há solução sem compromisso. .

Os nomes que aludem ao tamanho (gigante, grande,médio, pequeno) referem-se ou a uma comparação den-tro do gênero ou dentre gêneros afins. Eliminamos, ge-ralmente, a palavra "comum", porque pode haver re-giões onde a respectiva espécie não seja comum. Paradiferenciar as espécies dentro de um gênero, não há ou-tra solução (caso não existam nomes populares) senão ade adicionar-se ao nome uma qualificação simples, dis-tintiva (como é feito nos nomes vernáculos em outraslínguas), como p. ex."anambé-de-asa-branca": e

inged Cot , l pRelacionamos no cabeçalho da respectiva espécie

dois nomes quando estes são bem conhecidos, ou quan-do um deles tem uma significação diferente em grandeparte do Brasil.É, p. ex. o caso de chotus ns,conhecido como "perdiz" no Brasil central, sendo estenome usado no extremo sul do país para

ul , enquanto h nchotus é lá chamado "perdigão".No fim do parágrafo dedicado a cada espécie citamos,conforme o caso, mais nomes populares existentes, adici-onando freqüentemente o nome do estado onde é usado.

Os nomes compostos escrevem-se com traço-de-união ou hífen, facilitando o 'reconhecimento de umnome próprio, p. ex. "maria-cavaleira" (espécies de

us, Tyrannidae). Não aceitamos a regra ortográ-fica de 1943 de escrever nomes geográficos e nomes depessoas em palavras compostas com inicial minúscula;o que pode se tornar até ridículo como, p. ex. "Pomba-do-cabo", referindo-se ao Cabo da Boa Esperança e nãoa um cabo de vassoura.

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'"\ PARTE 2

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SINOPSE ILUSTRADA DAS ORDENS E FAMÍLIAS DAS AVES BRASILEIRAS

ORDEMTINAMIFORMES

ORDEMRHEIFORMES

Família TinamidaeMacucos, Inambus, Perdiz,Codornas

p.153

ORDEMPODICIPEDIFOEMES

ORDEMPROCELLARIlFORMES

Família RheidaeEmas

p.168

Família PodicipedidaeMergulhões

p.l72

Família DiomedeidaeAlbatrozes

p.175

ORDEMSPHENISCIFORMES

Família ProcellariidaePardelas, Bobos, Pomba-do-caboe afins

p.178

Família HydrobatidaeAndorinhas-do-mar

p.184

Família PelecanoididaePetréis-mergulhadores

p. 185

Família SpheniscidaePingüins

., I

p. 186

Page 144: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

144 ORNITOLOGIABRASILEIRA

ORDEMPELICANIFORMES

Família PhaethontidaeRabos-de-palha~-....::::==p. 189

Família SulidaeAtobás

p.190

Família PelecanidaePelicanos

p.193

Família PhalacrocoracidaeBíguás

p.194

Família AnhingidaeBiguatinga

p.196

ORDEMCICONlIFORMES

Família FregatidaeTesourões

p.198

Família ArdeidaeGarças, Socós

1-p.201 I-...

I!o-..

Família CochleariidaeArapapá

p.210

I""

I11--.

Família ThreskiornithidaeCuricacas, Corocoró; Guará,Colhereiro e afins

p.212

Família Ciconiidae[aburu, Maguari, Cabeç-a-seca.

p.217

Page 145: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

SINOPSE DAS ORDENS E FAMILIAS 145

Família CathartidaeUrubus, Condor

ORDEMPHOENICOPTERIFORMES

p.221

ORDEMANSERIFORMES

ORDEMFALCONIFORMES

Família PhoenicopteridaeFlamingos

Família AnatidaeMarrecas, Patos, Cisnes e afins

p.229

Família AnhimidaeAnhuma, Tachã

p.241

Família AccipitridaeGaviões, Águias e afins

p.243

Família PandionidaeÁguia-pescadora

p.258

Família FalconidaeAcauã, Gavião-mateiro,Gralhão, Carrapateiro,Caracará, Falcões e afins

p.260

ORDEMGALLIFORMES

ORDEMOPISTHOCOMIFORMES

Família CracidaeAracuãs, [acus, [acutíngas.Mutuns

p.270

Família PhasianidaeUrus e afins, Galinha-doméstica

p.283

ORDEMGRUIFORMES

Família OpisthocomidaeCigana

p.287

Família AramidaeCarão

p.290

Família PsophiidaeJacamins

p.292

Família RallidaeSaracuras, Frangos-d'água,Carquejas

p.294

Page 146: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

146 ORNITOLOGIABRASILEIRA

Família HeliornithidaePatinho-d'água

p.302

ORDEMCHARADRIFORMES

Família EurypygidaePavãozinho-do-pará

p.304

Família CariamidaeSeriemas

p.305

Família Jacanidae[açanãs

p.307

Farrúlia RostratulidaeNarcejas-de-bico-torto

Família HaematopodidaePiru-pirus

.....,

p.310

Família CharadriidaeQuero-quero, Batuíras e afins

p.311

Farrúlia ScolopacidaeMaçaricos, Narcejas

p.318

Família Recurvirostridae. Pemilongos

p.325

Família' PhalaropodidaePísa-n'água, Falaropos

p.325

Família BurhinídaeTéu-téu-da-savana

p.326

Page 147: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

SINOPSE DAS ORDENS E FAMfL1AS 147

Família GlareolidaeAndorinhas-do-deserto

p.327

'Família ThinocoridaePuco-pucos

p.327

Família ChionididaePomba-antártica

p.328

Família StercorariidaeGaivotas-rapineiras

p.329

Família LaridaeGaivotas, Trinta-réis

p.331

ORDEMCOLUMBIFORMES

ORDEMPSITIACIFORMES

Família RynchopidaeCorta-águas

p.339

Família ColumbidaePombas, Rolas, Juritis e afins,Pombo doméstico

p.341

ORDEMCUCULIFORMES

ORDEMSTRIGFO~ES

Família PsittacidaeAraras, Maracanãs, Periquitos,Papagaios e afins

p.351

Família Cuculidae. Almas-de-gato, Anus, Saci e

afins

p.383

Família TytonidaeSuindaras ., 1

p.393

Page 148: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

148 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

ORDEMCAPRIMULGIFORMES

Família StrigidaeCorujas, Mochos, Caburés

p.395

ORDEMAPODIFORMES

Família SteatomithidaeGuácharo

p.406

Família NyctibiidaeMães-da-Iua, Urutaus

p.408

Família CaprimulgidaeBacuraus, Curiangos

p.412

Família ApodidaeAndorinhães

p.422

ORDEMTROGONIFORMES

ORDEMCORACIIFORMES

Família TrochilidaeBeija-flores

p.433

Família TrogonidaeSurucuás

p.467

Família AlcedinidaeMartins-pescadores

p.472

-Família Momotidae[uruvas,Udus

p.476

Page 149: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

SINOPSE DAS ORDENS E FAMluAS 149

ORDEMPICIFORMES

Família GalbulidaeBicos-de-agulha,Arirambas-da-rnata

p.479

Família BucconidaeJoão-bobo, Bicos-de-brasa eafins

p.484

Família CapitonidaeCapitães-de-bigode

p.490

Família Ramphastidae.Tucanos, Araçaris

p.492

Família PicidaePica-paus

p.504

Page 150: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

150 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

ORDEMPASSERIFORMES

SUBORDEMSUBOSCINES

Farrúlia RhinocryptidaeTapaculos

p.521

Família FormicariidaePapa-formigas, Chocas,Tovacas e afins

p.527

Família ConopophagidaeChupa-dentes, Cuspidores

p.555

Família FurnariidaeJoão-de-barro, João-teneném eafins

p.557

Família DendrocolaptidaeArapaçus

p.582

Família TyrannidaePapa-moscas, Bentevis, Lava-deiras, Verão, Tesourinha,Patinho e afins

p.590

Família PipridaeTangará, Dançador, Rendeira,e afins

p.636

Família CotingidaeArapongas,Anambés,Galo-da-serra e afins

p.654 -

Família PhytotomidaeCorta-ramos

p.672

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SINOPSE DAS ORDENS E FAMíLIAS 151

SUBORDEMOSCINES

Família HirundinidaeAndorinhas

p.675

Família CorvidaeGralhas

p.683

Família TroglodytidaeCorruíras, Cambaxirra,Uirapurus, [apacanim e afins

p.688

Subfamília SylvinaeBico-assovelado, Balança-raboe afins

p.696

Subfamília Turdinae

Família MimidaeSabiá-da-praia,Sabiá-do-campo

p.708

Família MotacillidaeCaminheiros

p.711

Família VireoniclaePitiguari, Juruviara,Vite-vite e afins

p.714

Page 152: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

152 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Subfamília ParulinaeMariquita, Pula-pula e afins .

p.719

Subfamília Coerebinae

p.725

Subfamília ThraupinaeGaturamo, saíra, sanhaço eafins

p.727

Subfamília Emberezinae eCardinalidaeCardeal, tiziu, papa-capim, curió,canário-da-terra, tico-tico, trinca-ferros,azulão e afins

Subfamilia IcterinaeChopirn, Pássaro-preto,Japu,Corrupião e afins

p.785

Família FringillidaePin tassilgos e afins

p.808

Família PasseridaePardal

p.810

--Família EstrildidaeBico-de-lacre

p.815

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10 Famílias e Espécies

ORDEM TINAMIFORMES

MACUCOS, INHAMBUS, PERDIZ, CODORNAS: FAMÍLIA TINAMIDAE (23)

-As aves de aparência galinácea; significativa família

endêmica do neotrópico, ocorrem do Méxicoà Patagôniaocupando inclusive osAndes até altitudes consideráveis;a perdiz-da-puna, otis pe vive a 4.800 m dealtitude. São muito citadas devido a seu grande valorcinegético. Pertencemà avifauna mais antiga deste con-tinente. Fósseis procedem do Plioceno da Argentina (4milhões de anos); no Brasil há registros de fósseis pleis-tocênicos (15 a 20 mil anos) das cavernas de Minas Ge-rais.

As semelhanças esqueléticas e do cariótipo(cromossomos) com os ratitas são grandes e foram con-firmadas por dados bioquímicos (Sibley& Ahlquist1982). O crânio de um é muito parecido ao deuma ratita, ambos têm pálato ósseo íntegro:Paleognathae. O fato de que os tinamídeos "ainda" voam

. faz com que estes pareçam mais primitivos que os ratitas,que chegaram ao máximo da adaptação à vida terrícola.Os tinamídeos não são ancestrais dase mas devemter um antepassado comum no extinto continente meri-dional: a Os tinamídeos seriam assim umgrupo-irmão dos ratitas. Uma codorna, no seu ambien-te natural, pode parecer uma miniatura de ema: ambasvivem nos mesmos campos. A voz do inambu-relógio,

assemelha-seà do pinto da ema.A semelhança dos tinamídeos com os Galliformes é efei-to de uma convergênciaorruvoluçãó paralela.

--

A 8 c

Fig. 37. Três tipos diferentes de bicos de tinamídeos.A, Inambú, s B, Codorna,

o C, Perdigão, ens(seg. Krieg & Schuhmancher 1936).

Há muitas particularidades na osteologia, em partecomo crânio ("Paleognathae") e o esterno - já bem =xa-minadas no século passado (v. em Stresemann, 1927-1934).Atualmente é também estudada a morfologia com-parada da língua.

As várias espécies são semelhantes no aspecto ge-ral, diferindo bastante rio tamanho oniscus é poucomaior que um pinto de galinha enquanto a fêmea daazulona chega a pesar quase dois quilos). Possuem acabeça pequena, bico fino e mole exceto eme (fig. 37); o pescoço aparenta ser longo e fino

Fig. 38. Estrutura da pena (rêmige) do ma cuco,s solit A, pena inteira, com a localização

do setor ampliado. B, ampliação 135x, pedaço de umramo com algumas barbicelas posteriores que sefundiram, na sua ponta, a uma barra sólida - asbarbicelas de outras aves estão soltas na ponta (seg.Chandler 1916).

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154 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

devido às suas penas curtas. Corpo volumoso, com aparte posterior mais alta pela' plumagem cheia, rica empó ou "cinza". A estrutura microscópica das penas dosTinamidae é única em toda a classe; as partes terminaisdas barbícelas, ou unem-se através de uma barrasólida, notável sobretudo nas rêmiges (fig. 38).Asas bemdesenvolvidas e arredondadas; cauda frouxa, às vezesrudimentar, pode faltar o pigostilo.

Pernas grossas e moles, com a planta do tarso, nogênero , coberta de duras escamas imbricadas.A coloração do tarso pode ser característica; recursooportuno em espécies parecidas quanto ao padrão daplumagem (v. p. ex., nocti gus e C.e th pus). Pés com três dedos curtos relativamente fra-cos.

Possuem um pênis semelhante ao dos Ratitae, dospatos e dos jacus, sendo o mesmo, nos gêneros use chotus, espiralado lembrando o hemipênis dosSquamata (lagartos e cobras) sem ser entretanto bífido.Tal estrutura permite a pronta visão do sexo dos indiví-duos adultos, principalmente na época da reprodução.As fêmeas possuem pequeno órgão fálico.

Dimorfismo sexual notável quanto ao padrão da plu-magem ocorre no inhambu-relógio elluss gulosus) geralmente as fêmeas distinguem-se somen-

. te por serem maiores que os machos, mas as medidasrespectivas podem interpenetrar-se quando se compa-ram sexos opostos de duas espécies diferentes (p. ex.

t os e ino , llus o s e C.). Também existem ligeiras diferenças de tama-

nho dentre certas populações da codorna lhuculoA identificação do sexo da codorna, lo ,

pode ser realizada, com 100% de acerto, através damorfometria da pelve óssea por meio de palpação oucom auxílio de uma régua padrão. Outro critério é a cor

Fig.39. (1)e (2)- Pés de macuco s solit ius),mostrando a conformaçãoe disposição das escamassalientes,com uma" serra". (3)- Pé de inambu dogênero s, no qual se nota a diferenteconformaçãodas placas que são lisas.

.'

Fig.40.Corte transversal pelo tórax de um inambu.Escápula (1),costela (2),fúrcula(3), esterno com ac ist sterni (4)e músculospecto is(5) (seg.H. O.'Wagner 1949).

Fig.41.Macuco, solit us, empoleirado.A averepousa no tarso, do mesmo modo comorepousa nosolo,não usa os dedos (seg.fotografia de WemerBokermann).

da íris das codornas adultas; a tendência é: macho comíris amarela, fêmea com íris pardo-laranja.

Quando perseguidos, os Tinamidae cansam-se rapi-damente. O vôo é uma mistura de vôo ativo com bati-das rápidas das asas, seguido de períodos de vôo plana-

-do. Deslocam-se geralmente apenas por algumas deze-nas de metros e voltam em seguida ao solo. Tal debili-dade não é causada por uma musculatura pouco desen-volvida e sim por uma irrigação arterial ineficiente paraos esforços prolongados. Por incrível que pareça, estasaves possuem. a musculatura de vôo tão desenvolvida(28,6% a 40% do peso total) quanto a de um beija-flor(28,3% a 34,4°/~do peso total). A massa desses músculosé a razão principal para oseu alto valor cinegético. Já odiâmetro dos vasos é muito reduzido, sendo os pulmõese o coração muito pequenos. A quantidade de sangue émínima. Chegam mesmo a ter o menor coração dentretodas as aves (Hartman 1961),atingindo este apenas 0,16a .0,30% do peso total enquanto tal relação eleva-se a

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TINAMrDAE 155

1,25% no pombo doméstico (v. também beija-flores). Taldeficiência na irrigação sangüínea dá uma coloraçãobranca esverdeada à carne dos tinamídeos sendo a mes-ma, aliás como a plumagem, tão frouxa que se desfazante o menor impacto. O esqueleto é bem pneumatizado(descendência de voadores melhoresI), mas o peso totalda ave é relativamente grande.

As principais vozes dos Tinamidae correspondem aocanto territorial de outras aves (p. ex., Passeriformes)sendo-lhes, geralmente, as únicas vocalizações percep-tíveis. Os assobios das espécies de esão fortes e melodiosos; suas vozes baixas e cheias sãouma adaptação ao denso hábitat florestal repleto de obs-táculos que impedem a livre propagação das ondas so-noras. Já a voz das codornas, que são campestres, é fina,podendo ter o timbre daquele de um grilo.É notávelque entre as espécies de (todas florestais), a es-pécie menor, . , pareça ser a que possui a vozmais grave, contrariando o esperado.

A vocalização representa o auxílio mais significati-vo na identificação destas aves e, seguramente, mesmopara elas deve ser o meio mais importante elereconheci-mento intra-específico. Cada espécie possui vários as-sobios ligeiramente diversos; nos inambusfreqüen-

temente ambos os sexos fazem ouvir uma seqüência maiscurta e outra mais longa; os piados dos sexos sãodiscerníveis; a voz da fêmea de C.gulosus é mais bai-xa do que a do macho.

Vocalizam mais em certos períodos, no auge da épo-ca de reprodução assobiam incansavelmente. Ojaó,C s , por exemplo, pode piar 30 mi-nutos ininterruptamente, com pios sucedendo-se a in-tervalos de 5 a 18 segundos (média de 12,5 segundos).Énesta época que o macuco e a azulona executam o"chororocado", tipo peculiar de voz emitido insistente-mente às vezes durante minutos a fio; o chororocado domacho é mais baixo, mais curto e de tremular maisrápi- .do que o da fêmea; vocalizam no poleiro.

Piam mais comumente à tardinha e de manhã.canta com maior vigor durante alguns

-rninutos em certo período do crepúsculo após o pôr-do-sol, espécie amazônica florestal,chega ao auge do seu canto nas horas mais quentes dodia. Periodicamente vocalizam mesmo de noite, sobre-tudo em noites de lua cheia, do seu ponto de pouso, comoo fazem mutuns e urus.

Há dialetos, p. ex., os dosCnj obsoletus (SãoPaulo e Mato Grosso) e ellus (EspíritoSanto eMaranhão).

Emitem sua voz esticando verticalmente o pescoço,erguendo obliquamente a cabeça e abrindo largamenteo bico. Quando não cantam, os Tinamidae passam total-mente despercebidos, parecendo não existir.

As vocalizações servem para confirmar o parentes-co de certos representantes. Pode-se assim, agrupar al-guns em :

1- C. e opus eC. nocti gus.2 - obsoleius, C. o e C. .

também e

Há pouca vocalização de alarme (p.ex.,pt llust e o ) ou de chamada; o codornil

o vive na caatinga em pequenos bandoscujos componentes contactam-se mutuamente por inter-médio de um pipilar baixo e constante que, ao mesmotempo, liga os bandos vizinhos entre si. Situação seme-lhante ocorre em um inambu florestal,C llus

opus, sendo que no caso os indivíduos associadosandam menos juntos. Este tipo de comunicação dentrodo bando lembra os galináceos como os urus,Odontopho s, e Colinus. A codorna, th l

que foge voando, emite às vezes um"tü, tü, tü ..." quepode ser tomado por um barulho de asa, mas évocalização. Existem ainda outras vozes, como os piosfracos que o pai emite para chamar os filhotes e os pró-prios gritos destes últimos. No macuco pode-se regis-trar uma meia' dúzia de vocalizações diferentes. Umafêmea de inhambuaçu de quatro meses de idade já cantano ritmo da mãe, embora mais debilmente, emitindoapenas estrofes curtas.

Comem não só bagas, frutas caídas (p. ex., merindi-bas, tangerinas e coquinhos de palmito; u ellus

us come sobretudo os' coquinhos do açaí,Euie peole ), como folhas e sementes duras (o macuco e oinhambuaçu, p. ex., foram observados, em São Paulo,enchendo o papo com sementes do taquaruçu,usupe Em todo caso é certo que preferem as semen-tes, não ligam para a polpa dos frutos. Freqüentemente2/3 do conteúdo do papo e do estômago são compostosde sementes que são digeridas; tinamídeos não sãodíspersores de plantas. Também procuram pequenosartrópodes e moluscos que se escondem no tapete defolhagem apodrecida; viram as folhas e paus podres como bico à procura do alimento, jamais esgravatando o solocom os pés como fazem os galináceos (uma exceção v.sob Reprodução). Os inhambus às vezes pulam paraapanhar algum inseto. Um macuco em cativeiro comeuadmiravel"mente uma caranguejeira após a terdesmembrado. Pode-se atrair um macuco arremedandoum grilo.

O perdigão, nchotus, que é dotado de bico forte,longo e curvo, cava a terra jogando-a para o lado, pro-curando e arrancando tubérculos e raízes; gosta imen-samente de gafanhotos e de amendoim, que é engolidocom casca. Um único indivíduo desta espécie havia en-golido 707 cupins. Seu trabalho de cavar cupinzeiros _

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156 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

praticado do mesmo modo por - é facilitadonos casos em que o cupinzeiro foro.danificado c depoiereparado pelos cupins com material fresco. Contudo

é capaz de perfurar a superfície dura decupinzeiros intatos, abrindo buracos de vários centíme-tros de diâmetro. ocasionalmente caça pe-quenos vertebrados como lagartixas, ratinhos e até pe-quenas cobras. Apanham raizes sobretudo no inverno,quando escasseiam os insetos.

As codornas catam carrapatos nos pastos e se apro-veitam da movimentação do gado no meio da vegeta-ção para apanhar insetos (p. ex., gafanhotos) quando sãoespantados. De117codornas exami-nadas, 109, ou seja, cerca de91%, ingeriram tanto ali-mento animal como vegetal. Em um segundo lote de100exemplares, 93% se alimentaram de substâncias vege-tais e o restante de matérias animais. A imensa "utilida-de" da codorna resulta dos seguintes levantamentos fei-tos no Rio Grande do Sul: das44 espécies vegetais usa-das como alimento por 14 eram noci-vas aos cultivos, às pastagens ou ao gado. Das28 espé-cies animais de que as codornas se alimentaram, 26 eramconsideradas nocivas à agricultura e/ou pecuária.(Menegheti et 1982).Também cavam a terra à procu-ra de raízes tenras e tubérculos, porém em pequena es-cala; desta forma, o fato de tanto como

terem as narinas colocadas na base do bico podeter uma razão funcional-ecológica.É interessante notarque parece ser o único represen-tante do gênero que possui tal 1isposição sendo, aomesmo tempo, o mais campestre de todos.

Os Tinarnidae bebem regularmente sempre que háágua. Engolem pedrinhas; os filhotes dependem de ali-mento animal. Bebem sugando, não levantam a cabeçapara engolir a água (v. Columbidae).

Desconfiados, imobilizam-se instantaneamente depescoço ereto, parte posterior do corpo levantada ou dei-tam-se; neste último caso, depois do primeiro susto, fi-cam novamente de pé e procuram ângulo melhor paraexaminar o perigo escondendo-se atrás de folhas ou ca-pim. Indivíduos assustados por um tiro às vezes fingem-se de mortos. As codorrtasse escondem ocasionalmenteem buracos. Vimos uma codorna atravessar uma estra-da, andando às furta delas para não chamar a nossa a-tenção; em cada passo deitou o tarso no solo enquantopuxou a outra perna, ficando sempre de corpo abaixa-do, executando todos os movimentos em câmara lenta.Não esgravatam o solo com os pés.quando procuramcomida (v.sob Alimentação), mas tais movimentos sãoexecutados pela fêmea convidando o macho para galar(v. sob Reprodução).

Alçam vôo apenas como último recurso, sendo o mes-mo pesado e retilíneo; são quase que incapazes de evi-tar obstáculos, mas pilotam relativamente bem quando

planam para aterrissar. Excepcionalmente ocorrem vôoslonti05; João Moojen um ínambu-xínta, encurraladopelo fogo, atravessar o rio Paraíba do Sul em vôo livrede mais de350 metros. Para constamvôos livres de50 a 270 metros, para 700 a1.300metros.

Até certo ponto vôos longos de tinamídeos devemser um ato regular na Amazônia, provocados pelas en-chentes periódicas, forçando p. ex. um

a sobrevoar 500 metros de água aberta paraalcançar uma ilha no meio do rio (Remsen& Parker1983,Ayres & Marigo 1995). Conforme observações de A.Aguirre entre outros, há perdas consideráveis dentre osTinamidae na ocasião da cheia, quando a água invadeas ilhas. Nesta ocasião, "narnbus" como o

procuram ganhar a terra firme caindo na água, poisa distância a vencer é grande demais ou por já estaremesgotados, ou ainda por chocarem-se com o muro verdeda margem. Os moradores locais aproveitam-se de taiseventos.

Fazem estrepitoso ruído com as asas quando deco-lam ("inambu" do tupi: - nam - bu", "o que sai comestrondo"), as espécies campestres, voando, produzemsonoro sussuro, principalmente Demaneira geral estas primeiras voam muito melhor doque aquelas silvestres, adaptadas à vegetação alta, exce-ção feita pelo inambu-carapé, que embo-ra campestre está em vias de perder a capacidade de vôo.

Tanto ocorre o banho de água (macuco, deixando as"cinzas" das penas na superfície dos poços ou córregos)como poeira inhambuxintã, codornas)além de banhos de sol. A plumagem das codornasfreqüentemente adquire, por estar impregnada, a cor daterra do local. Sob chuva pesada adotam uma posiçãoereta (sua silhueta então assemelha-se à' de uma garra-fa) deixando a água escorrer sobre a plumagem.

As espécies de empoleiram-se para dormir.Para pouso, o macuco elege um galho horizontal nomínimo a dois metros acima do solo, freqüentemente aquatro metros ou mais. A ave sobe estrepitosamente(ouve-se de longe), decolando quase que a prumo, emuma trajetória previamente escolhida e que deve estartotalmente desobstruída; tendo alcançado o poleiro cos-tuma virar-se para o lado de onde veio para então aco-modar-se. Exige um galho que lhe possibilite deitar so-?"bre os tarsos escamosos e ásperos os quais, em poleirosfreqüentados por algum tempo, raspam os líquens pelouso. Não usam os dedos para se segurar (detalhe obser-vado já por Fernão Cardim no século XVI), nem empoleiros mais finos, equilibrando-se pelo peso docorpo(fig. 41). Não se acham fezes sob os pousos, mas o chãoapresenta-se como que varrido pelo turbilhão das asas.O tururim, que possui o tarso liso, às vezes tambémempoleira, mas em um leito de ramaria(Schãffer 1954).

Quando assumem atitude agressiva arrepiam as pe-nas, estendem a cabeça para a frente (geralmente nãochegam a bicar), abrem as asas, prontos para bater.

-

Page 157: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

TINAMIDAE 157

ciclo

Para vencer os obstáculos que os reservados tinamí-deos opõem à observação direta de sua vida, são utili-zados pios (ver sob "caça"). As aves assim atraídas eabatidas, principalmente durante a época de reprodu-ção, fornecem um material de valor relativo para umaanálise da relação numérica entre os sexos, base da or-ganização populacional de uma espécie. Ao mesmo tem-po obtêm-se dados seguros sobre o estudo de desenvol-vimento dos órgãos sexuais. Nestas caçadas influi deci-didamente se o caçador pia como macho ou como fê-mea e qual sexo é mais territorial no período em ques-tão. Às vezes vários exemplares atendem a um mesmochamado, como observamos em undulaius,

Muitos tinamídeossão atraídos pelo pio de seu pró-prio sexo. Concluiu-se assim, por exemplo, que haviapredominância numérica de fêmeas no macucosolitarius. Tal resultado porém foi conseqüência do fatode ser a "macuca" mais agressiva que o macho, aten-dendo mais prontamente ao pio. Em

o piar do macho é sempre atendido por0)1-

tros machos. O mesmo ocorre com C.Levantamentos meticulosos de J. Carlos R. Maga-

lhães acerca do macuco, revelaram que no início da épocade reprodução (junho-julho) atendem ao pio mais ma:chos, em agosto as percentagens entre machos e fêmeasse equilibram e de setembro em diante a percentagemde fêmeas aumenta caso se pie tipicamente como fêmea.Parece portanto haver equilíbrio numérico entre os se-xos no macuco.

É surpreençl.ente que na azulona, , substi-tuto amazônico da anterior, exista, aparentemente, umnítido predomínio de machos em uma relação de 2,2 para1 (baseado no exame de 224 espécimens do alto Xingucoletados de maio a setembro). Restam-nos ainda algu-mas dúvidas pois estes dados, tal como os outros já cita-dos, são oriundos de coletas através de pios e não deum exame efetivo da população. Deve-se considerar ain-da se a área de coleta está intacta ou se caçadas anterio-res já eliminaram parte das aves que atenderam ao pio.Se fizermos extrapolações para a população total, comofoi calculado por J. Carlos R. Magalhães, chegaremos,na azulona, ao resultadode 1,5~iomachos por fêmea.Tal excedente de machos sugeriria um estoque biológi-co, sendo os machos sujeitos a maiores riscos depredação no choco, condições que se agravam na hiléia.Entre e há grande diferença en-tre os respectivos hábitos reprodutivos. As fêmeas deT

fazem uma postura de seis ovos, por estação,incubados por um macho. Já as fêmeas de acasalarn,consecutivamente, com dois machos, dando a cada umtrês ovos.

Para o chororão na Guiana,consta até uma proporção ainda maior de machos (4machos para 1 fêmea); esta espécie, porém, apresentauma situação peculiar, pois sua época de reprodução é

mais prolongada e a fêmea põe apenas um ovo por ni-nho.

Vários Tinamidae (como o macuco, o inhambuguaçu,o chororó, o xintã e a codorna, andamaos casais; em um certo local o macuco foi encontradoaos casais durante todo o ano. Por falta de controle indi-vidual não sabemos quantas vezes a composição dospares muda e em quais períodos. A situação complica-se ainda mais se considerarmos que o indivíduo, com aidade, muda de comportamento; um macho pode sermonógamo quando novo e polígamo se mais velho, con-forme foi demonstrado no caso de um tinamídeo andino

O sistema de reprodução da família reve-la-se muito eficiente, como se pode comprovar pelaabundância dessas aves em áreas virgens ou quando nãosão perseguidas. A poliandria é o caminho mais certopara uma multiplicação mais rápida.

Trabalhando com oito espécies florestais detinamídeos na Amazônia, entre latitudes de 100 e 15° S,J.C. R. Magalhães identificou um nítido ciclo reproduti-vo que principia em maio, atinge o auge em julho e de-clina de setembro em diante. Esse ciclo reprodutivo éprovocado por um período de intensa luminosidade de-corrente da diminuição das chuvas e conseqüente au-mento do número de horas de brilho solar efetivo. Por-tanto, um estímulo luminoso que independe do com-primento dos dias cuja variação é muito pequena nes-sas baixas latitudes.

Durante o cortejo e na intimidação de rivais, osinhambus e o macuco baixam o peito até o chão e levan-tam a parte posterior do corpo até a vertical, simulandoserem bem maiores do que o são na realidade. Ao simu-larem esta posição, exibem, para um observador fron-tal, todo o lado superior e, se visto de trás ou lateral-mente, mostram as coberteiras inferiores da cauda e aspenas laterais, ambas muito desenvolvidas e bemmarcadas. Essas cerimônias podem lembrar os respecti-vos comportamentos de certos faisões (Davidson 1976).

Embora a fêmea muito mais ativa, seja o sexo domi-nante, esta situação pode se inverter nas relações pré-nupciais. Registramos em ceri-mônias pré-copulatórias surpreendentes da fêmea. Bai-xando o peito até o solo, ela estica ao máximo as pernas ._.(mais para os lados do que para trás), raspando, com osdedos abertos, fortemente o chão. Isto pode ser umasimbolização do preparo do ninho: limpar o chão defolhas e esgravatar uma depressão onde pôr os ovos.Independente disto a fêmea toma a seguinte atitude es-tranha: levanta as asas até a vertical e curvaó' pescoçopara baixo.

Os indivíduos territoriais medem-se por intermédiode vocalizações, piam horas a fio semsaírem de suasrespectivas áreas, respondendo-se e atiçando-se mutua-mente. Tais disputas são extraordinariamente impres-sionantes entre e C.Quando brigam utilizam-se das asas e não dos pés comoinstrumento contundente. Sobre o tamanho do territó-

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rio de espécies florestais v. sob Preservação. Menegheti(1985) calculou a densidade populacional da codorna,

, no Rio Grande do Sul, tomando o nú-mero de indivíduos levantados por um cão porunidade de tempo.

,

As espécies florestais põem em uma depressão natu-ral coberta de folhas junto a um tronco; inhambus cam-pestres como ochororó, numa cavidade de terra junto auma moita de capim. O macho do perdigão cava o ni-nho na terra forrando-o com palhas secas.

Os ovos são geralmente grandes em comparação como corpo da fêmea e variam consideravelmente na for-ma. Mas acontece que uma espécie grande como us

não tenha ovos tão maiores que uma espécie bemmenor, como bon (Schãffer 1954).Acasca é tão fina que possibilita uma observação do em-brião sem abrir o ovo. Os ovos assumem a forma ovalregular ou elíptica, por exemplo, nas espécies pequenasde tornando-se bem mais esféricas nos

sendo isto ainda mais .pronunciado para'e C. gulosus.

Seus ovos estão entre os mais belos que se conhe-cem; vivamente unicoloridos, são brilhantes, como quepolidos ou esmaltados, parecendo ser de porcelana. Talcoloração, porém, descora em poucos dias; por exem-plo, de púrpura ou cor-de-vinho, os ovos depassam para o plúmbeo claro. Esta é uma das razõespor que encontramos tantas divergências nas descriçõesdos ovos dos Tinamídeos.

Há, entre as espécies brasileiras, ovos de cores:

1- Verde-turquesa ou azul: spp. eellus .

2 - Chocolate ou cor-de-vinho tinto: sp.exceto as citadas em1 e 3), espp.

3 - Róseo,passando para cinzento ou violáceoe C. gulosus) ou

amarelado (C. .

O colorido característico dos ovos serve às vezes paraconfirmar a separação de espécies, por exemplo,C.

gus e e pus. Consta que excejJ'"'cionalmente ocorrem ovos brancos puros, por exemplo,em

Estão entre as poucas aves nas quais o macho se in-cumbe da tarefa de chocar e criar filhotes, sistema dereprodução que envolve a Poligamia (poliandria epoliginia).

A "macuca" põe a intervalos de três ou quatro dias,p ellus st igulosue às vezes em dias consecutivos.

Seis ovos seriam uma postura completa de macuco (Riode Janeiro, São Paulo); entretanto, em cativeiro, umamacuca alimentada com ração conseguiu uma posturade doze ovos. Em posturas maiores (ocorrem de 9 a 16ovos por ninho, p. ex., em inhambus) devem ter partici-

pado duas ou mais fêmeas como também leva a crer di-ferenças de tamanho e cor dentre ovos do mesmo ni-nho. g põe apenas um ovo por pos.-tura (Mato Grosso).

Quando se ausenta o macho cobre o ninho cuidado-samente com folhas (macuco,azulona, jaó)ou com pe-nas (perdigão), camuflando-o e ocultando assim os ovoslustrosos.

Quando incomodada, a ave que choca abre as asas esaindo do ninho, solta trinado (p. ex. no chororó e xintã)fingindo estar ferida, desta maneira atraindo para si opredador e afastando-o do ninho.

Não encontramos placa de incubar na codornaEntretanto, J. Carlos R. Magalhães co-

. munica-nos que abateu, em fins de outubro (época dealta probabilidade de choco), um macho de macuco quechamou-lhe a atenção por ter o ventre totalmenteimplume cuja pele apresentava-se avermelhada, indican-do intensa vascularização.

A incubação temduração-de 17dias, em ptu ellus(seg. Werner Bokermann, ao qual devemos

muitos dados valiosos sobre nossos tinamídeos), de19a 20 dias, em so e de 19 a 21 dias, em

iaiaupa e us escens.Após a eclosão do último ovo os pintaínhos abando-

nam o ninho sob a guarda do pai, que abriga a prole sobas asas e que, ao defendê-Ia, arrosta até mesmo o ho-mem. Estando mais distantes do pai, os filhotes imobili-zam-se em caso de perigo, levantando a traseira e con-fundindo-se completamente com o solo. Inhambuzinhosque atravessem um espaço livre de vegetação corremtal qual pintos de saracura, podendo ser confundidoscom ratos. O desenho do pinto do macuco imita o pa-drão escuro e manchado de folhas secas no solo da mata,mas se destaca muito uma mancha branca atrás do ou-vido que tem um efeito dissipador. O pinto de

otus, que se assemelha ao da erna, é todo estriadoem fundo bem claro, resultando num grande efeitocríptico no campo. O pinto de s o s éunicolorido pardacento.

Durante os primeiros dias o macuco protege a proleno solo, inclusive à noite, não empoleirando. O pai ape-nas empoleira quando todos os pintinhos conseguemacompanhá-lo. Com aproximadamente cinco dias o

.macuquinho já é capaz de voar a um poleiro de um metroe pouco de altura seguindo o pai, acomodando-se tantotrepado nas costas paternas como agachado ao seu ladoou entre as suas pernas firmemente deitado na "serra"do tarso como o pai, não usando os dedos. Os filhotespodem ter tamanhos diversos se o choco iniciou-se an-tes de ter completado a postura.

Nos primeiros dias enquanto os pintos se aprovei-tam ainda da reserva embrionária de nutrientes o paicaptura artrópodes pequenos colocando-os diante dofilhote. Mais tarde estes são muito ágeis na perseguiçãode qualquer inseto pequeno.

O fato excepcional de encontrar-se uma fêmea junto

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TINAMIDAE 159

a filhotes pode ser sinal destes terem perdido o pai. En-contramos pintainhos amoitados sob poleiro de umamacuca e uma fêmea adulta de inhambuguaçu com doisfilhotes já crescidos. O fato de nem a fêmea da perdiz,nem a dos inhambus estarem propensas a zelar pela pro-le é facilmente aquilatável em cativeiro, pelaagressividade da mãe para com os filhotes.

e o

A quadra reprodutiva do macuco é limitada, ini-ciando-se no meio do inverno, atingindo o auge no meioda primavera; há nesse intervalo duas incubações (SãoPaulo). Conforme foi verificado no Estado de Mato Gros-so, a reprodução da azulona ocorre mais cedo, atingin-do o auge em pleno inverno. No Rio Grande do Sul acodorna efetua de duas a três incubações por ano sendoa última em abril. Em cativeiro, um macho de perdigão,inseparável de duas fêmeas mas muito agressivo paracom outros machos, realizou (de novembro a janeiro)três incubações; as fêmeas continuaram a vocalizar e apôr ovos regularmente em um total de mais de trinta,que no hábitat natural seguramente teriam confiado aoutros machos de ninhos ainda não lotados. Imagina-seque o mesmo deva ocorrer na azulona e no chororão.Duas outras fêmeas de perdigão puseram, entre 20 demaio e 24 de setembro, 85 ovos e uma de tururirn, isola-da em cativeiro, mais de 20 ovos em uma única estaçãoa. c. R. Magalhães). Também cativa uma macuca, sem-pre privada do seus ovos, não parou de pôr de agosto afevereiro, produzindo quase 60 ovos (Rio de Janeiro).Uma fêmea de xintã, em cativeiro com dois machos,realizou um total de cinco posturas de junho a setem-bro, sendo três delas (de seis ovos) para o ninho de umdos machos e as outras duas (de dois e cinco ovos) para'o ninho do outro. No Rio de Janeiro encontram-se ovosde xintã em quase todos os meses (Euler 1900).

Pode acontecer que um macho de chororão, que ain-da esteja cuidando dos filhotes, comece a incubar nova-mente.

H , , e [oiciore

Embora considerados remanescentes de aves "pri-mitivas", os tinamídeos são produto coroado de muitosucesso na América do Sul, tendo se adaptado perfeita-mente às condições ecológicas mais variadas.

No Brasil há maior variação específica no âmbito flo-restal. No Rio de Janeiro existiam, ainda recentemente,em certos lugares, quatro espécies:p ellus soui,C.obsoletus, C. tus e C.i i antes ocorrendo tam-bém C.noctiu gus e n us solit ius. O tururim e oinhambuguaçu vivem no sub-bosque fechado quer dematas altas ou baixas enquanto que o macuco ocupa flo-restas altas e limpas, isto é, com pouca vegetação baixa.Na Amazônia há por vezes três espécies de e

mais espécies de ellus nas mesmas matas embo-ra cada uma possua suas próprias exigências ecológicas.

As exigências específicas podem variar conforme aregião, v. p. ex. ellus nocti O jaó-verdadei-ro, C t ellus s, tão típico para as matas ribei-rinhas, vive igualmente em matas secas longe de quais-quer mananciais. Também o macuco, a azulona e o zabelênão dependem da água para seu bem-estar. Nas secasdevem ali passar meses sem nada beber, pois, dentrodas matas há pouco orvalho.

Como Paul Schwartz notou na Venezuela existe urnaadaptação a certos micro-hábitats na floresta, possibili-tando uma distribuição parapátrica em mosaico de es-pécies semelhantes como p. ex.C uptu ellus und ius eC. igulosus. Quando tinamídeos ocorrem sintopica-

. mente existe uma diferença de porte das espécies (situa-ção semelhante à dos jacus, Cracidae); ocorre, p. ex.,

us gutt us junto com e . i , espéciesmaiores. Para espécies campestres, como tus e

, a altura da vegetação é decisiva, o primeirovivendo em vegetação mais alta, o segundo em vegeta-ção mais baixa.

Tinamídeos amazônicos alcançaram o Nordeste (p.ex. tu lus s ulosus) e, acompanhando a florestaatlântica, chegaram ao Rio de Janeiro( s

ieg s). Através do Brasil central o jaó(C pt llusundul , penetrou no sul do país (interior do Paraná).A florestal azulona, n us t o, nossa maior espécie,pode ser considerada "aloespécie" do macuco,insoli us, constituindo com ele uma "superespécie": são,portanto, descendentes do mesmo antecessor, que evo-luíram devidoà formação da Amazônia como região flo-restal independente; poderiam ser tratados até comoraças geográficas de uma só espécie; no Nordeste há umaárea remanescente que nos mostra a intergradação en-tre a azulona e o macuco, demonstrando a antiga cone-xão da floresta atlântica com a hiléia.

Em C tu llus nocti evoluíram duas raças,uma de coloração escura, adaptada à sombria matahigrófila do Brasil oriental (C t llus nocti gusnocti e uma segunda pálida, adaptada às matassecas e claras da caatinga (o zabelê,C llusnocti . l pode-se.falar.nesse caso de raças eco-lógicas.

Ainda neste gênero, com numerosas espécies flores-tais, observamos que o xintã representa um tipo ecoló-gico de transição entre a mata e o campo (é encontradona caatinga junto com as codornas); já o chororó apre-senta-se ainda mais campestre, avançando do Brasil cen-tral e Nordeste às áreas campestres ao longo do rioAmazonas, começando também a povoar a Ilha deMarajó, Pará.

Notamos que os representantes campestres meri-dionais ( tus escens e spp.) não ultra-passam o rio Amazonas, sendo substituídos alhures pelouru-do-carnpo, Colinus ius, galináceo setentrionalque, em contrapartida, também não passa da margem

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norte do Amazonas para o sul. A distribuição das co-dornas na vasta região de cerrados e caatingas pode serlocal; verificamos que codornas podem faltar inteiramen-te em áreas extensas, p. ex., em Mato Grosso ".Endemismos do Brasil central são a codorna-mineira,

thu e o inhambu-carapé, niscus n nus.Distribuições disjuntas observam-se,P: ex., no

inhambuguaçu, us obsoletus, (que concomitan-temente mostra notável adaptação a climas tão diversoscomo aqueles de montanhas e de baixadas) e naobo Esta última apresenta-se em duas populações,uma na caatinga e outra no Chaco, em caso paralelo aodo formicarídeo o chilus s igil tus.

Achamos interessante que a lenda brasileira se inte-ressouno profundo antagonismo ecológico dejaó e per-diz. Dizem que os dois viviam inseparáveis, ora no matoora nos campos. Um dia brigaram e se separaram. O jaófoi ao fundo das florestas e a perdiz ficou nos campos.Tempos depois, o jaó, solitário e triste, saudoso da per-diz, veio até a orla da mata e lançou seu canto magoado:"Vamos fazer as pazes?" Mas a perdiz, ainda cheia deraiva, respondeu: "Eu, nunca mais".

Segundo L.'R. Guimarães, conhecem-se mais de240espécies de malófagos ("piolhos das penas") em45 es-pécies de Tinamidae. Em um único indivíduo deinhambu chegaram a ser encontradas nove espécies depiolhos. A maioria dos ectoparasitos encontrados nosTinamidae lhes é exclusiva, sendo alguns deles restritosa certos gêneros ou espécies. Desta maneira, os levanta-mentos sobre a sistemática dos malófagos levaram a umaconfirmação dos resultados anteriormente obtidos pe-los ornitólogos na classificação destas aves. Sob esteângulo ressaltá-se o parentesco entre us so se o e entre i e . j além dissocada uma das quatro espécies possui sua própria faunade malófagos.

Baseando-se em tais critérios, L. R. Guimarães divi-diu o gêneroC elíus em três grupos principais:

1 - e/lus cine eus.2 - pt llus soui, C. obsoleius, C. b i s, C.

u ius, C. os s, C. i p , ressaltando-se a semelhança entre os malófagos destes doisúltimos.

3 - ellus undul ius, C. nocti us, C. st losusmais outras espécies do alto Amazonas.

Os Tinamidae também são. parasitados porhipoboscídeos hematófagos. Encontramos, por exemplo,

p podopost no jaó, C tu lus undul .(Mato Crosso), eO e si holopie em nchotus.

Na região de Parati (Rio .de Janeiro), H. F. Berla en-controu no macuco, us solit us, uma sanguessu-ga ainda não identifica da localizada por debaixo da peleda testa da ave, provocando ali uma intumescência deonde o parasito esticava-se alcançando o globo ocular,aparentemente para se alimentar, executando sobre omesmo um movimento análogo ao de um limpa-vidrosde automóvel. Este caso lembra o dos vermesnernatóides que se instalam sob a membrana nictitantede mutuns, tucanos e outras aves (v.tambémC .

Há muitos registros de nematódeos, cestódeos etrematódeos que parasitam Tinamidae (Travassoset .1969). Foi encontrado em codornas, ihu ii,mantidas em cativeiro no Colorado. EUA, um plasmódioda malária pedioceiti, conhecido de galiná-ceos residentes naquela região (Stableret q/. 1973).Emcertos campos as codornas são grandemente infestadaspor um carrapato de tatu que não lhes serve de alimento.

A fauna de ácaros encontrada nos Tinamidae é mui-to rica e original; parece ter um pouco mais afinidadecom os ácaros dos Galliformes que com os dos Ratita(Gaud et . 1972).

Ini gos

Predadores naturais são, por exemplo, gatos-do-mato, raposas, guaxinins, furões,iraras,gambás; nãoéraro encontrarem-se na floresta as penas de um inharnbuvitimado por alguns destes carnívoros. Soubemos commateiros no Pará que os váriosgatos-do-mato caçam depreferência os tinamídeos silvestres, sobretudo na épo-ca em que os gatos têm filhotes. Lenda sempre muitocitada é aquela que conta que os felinos, especialmentea onça pintada, sabem imitar o piado do macuco paraassim atraí-Io e abocanhá-lo: o que poderia acontecer,porém, é de um caçador ter piado como um tinamídeoatraindo assim um gato-do-mato (ou mesmo uma onça)que aproximar-se-ia supondo realmente encontrar umapresa. Isto demonstra que os felinos estão entre os ini-migos mais constantes dos tinamídeos.

Os ninhos podem ser saqueados, por cobras, maca-cos, gambás e até mesmo pelo tarnanduá-bandeira, que,na Ilha de Marajó, Pará, foi visto quebrando, com asunhas, os ovos da perdiz, otus, para sugar-lhe oconteúdo. No Cururu-açu, alto Tapajós, Pará, encontra-mos o ninho de um predado por uma ji-bóia, que estava enrolada ao redor do ninho. Achamosum ovo no esôfago da cobra e outro no seu estômago;restavam ainda quatro dos belíssimos ovos )'erde-azulados brilhantes, no ninho.

Entre os gaviões que caçam tinamídeos na mata es-tão os . Um o oleucus apanhou uma co-dorna que acabou de levantar vôo no campo.

13 Foi descoberta uma população deihu l muito isolada na região do Roncador,bacia do Araguaia, porJ. c. R.Magalhães,representantes bem pequenos e escuros.

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TiNAMIDAE 161

A azulona empoleirada e as outras espécies deus que empoleiram, com sua pele finíssima, de-

vem ser vítimas prediletas dos vampiros (v.sob Cracidae).

, suposto

Estão entre as mais importantes aves cinegéticas bra-sileiras, fornecendo à população rural parte das proteí-nas indispensáveis; foi calculado, por exemplo, que noCeará uma família de sete elementos consome por anocerca de 60 codornas, além de 200 pombas e rolinhas evários mamíferosa. Moojen).

Os Tinamidae são os troféus mais cobiçados por qual-quer caçador, seja o ma cuco, a peça mais nobre da pa-ciente caçada de pio na floresta, seja a perdiz ou codor-na, levantados pelo perdigueiro nos campos, para o tiro .da caça em vôo. A primeira modalidade é herdeira daatividade venatória do indígena, dando origemQ. típicaindústria artesanal de "pios" no Sudeste do país, in-dústria esta ligada a nomes como Antônio Procópio (SãoPaulo) e Maurilio Coelho (Espírito Santo). A técnica dossilvícolas pode também ser sentida em outros momen-tos da caçada do macuco e outras espécies florestais, atra-vés da utilização do "embaiá" (choça de folhagem quedissimula o caçador ante os olhos da presa arisca) quefoi transmitida ao caboclo, e deste ao caçador desportista.Modo tradicional é a captura em armadilhas (arapuca,mundéus); já um novo perigo para os macucos são ascaçadas noturnas facilitadas pelas modernas e possan-tes lâmpadas que não têm dificuldade em localizar a aveno poleiro.

Antigamente os Tinamidae eram tão numerosos quechegaram a ser vendidos em feiras urbanas, inclusiveno Rio de Janeiro. No Rio Grande do Sul, o perdigão foiindustrializado até o ano de 1935 por uma fábrica deconservas.

O perdigão causa, às vezes prejuízo comendo raizesde mandioca e aipim, além de amendoim pronto para acolheita.Acodorna freqüentemente sai dos capinzais pe-netrando nos trigais, arrozais e outras lavouras de cere-ais.

, declínio, ç

o chororó, o xintã, as codornas e mesmo a perdiz seaproveitam do desmatamento e se infiltram até em áreascultivadas. A introdução de grarníneas altamentesementíferas como o murubu(Panicum sp.) fornece fartoalimento ao chororó (Distrito Federal). Consta que o xintãrevela extraordinária resistência às modificaçõesambientais e que o tururim adapta-se bem a certasmatassecundárias (Rio de Janeiro, Pará); no caso a espécie tema vantagem de exigir apenas territórios bem pequenos,p. ex., 20 x 50 m. No que tange à área territorial de cadacasal de azulona, s o, maior dos nossos Tinamí-deos, Magalhães (1972) indica aproximadamente 10ha.

A codorna, hu eu/ , deixa os campos incul-tos em demanda das plantações de milho e algodoais;os trigais do planalto médio e as Missões (Rio Grandedo Sul) são-lhe também muito favoráveis, e ainda es-tende sua área ao Nordeste (Pernambuco). Contudo res-saltamos que os Tinamidae campestres estão ameaça-dos pelo emprego de inseticidas (p. ex., Aldrin), espa-lhados indiscriminadamente por toda a parte. As codor-nas comem formigas cortadeiras envenenadas por is-cas granuladas e carrapatos mortos caídos do gado tra-tado (seria uma preocupação útil manter o gadoestabulado até que os carrapatos caíssem). Além disso,as posturas das espécies campestres são prejudicadaspelas queimadas e trabalhos agrícolas entre agosto enovembro. Consta que nos trigais rio-grandenses-do-sul,os tratoristas enchiam sacolas de "perdizinhas" duran-te o trabalho noturno, executando-se assim um extermí-nio criminoso (A. Closs). Nas modernas rodovias doNordeste e Sul, as codornas são atropeladas em quanti-dade em qualquer época do ano sem que haja o mínimoaproveitamento.

Espécies florestais como o macuco, o chororão e ojaó do litoral (C tu lus n. noeti gus) estão ameaça-dos pela destruição ambiental; o representante maisduramente atingido é provavelmente o macuco-do-nor-deste, solit ius oucensis.Medidas urgen-tes deveriam ser tomadas no sentido de preservar nos-sos Tinamiformes, aves das mais interessantes dentre asque possuímos.

o

Os Tinamidae foram levados pelo homem de um lo-cal ao outro, inclusive para fora do país, devido ao seugrande valor cinegético (v. sob perdiz, nehotus

seens). Fala-se da introdução da codorna nos arredo-res de Campos (Rio de Janeiro), no começo deste século;contudo, o princípe Maximiliano de Wied, já no começodo século passado, assinalava aquela espécie nesta re-gião, tratada por ele como "Campo dos Goitacazes".Talvez a codorna realmente tenha sido ali introduzidaapesar de já existir na região em número reduzido.Épossível que h tus tenha sido introduzido na Ilhade Marajó (Pará); contudo sua ocorrência na foz doAmazonas encontra certo paralelo com a dochororó,C llus paruirosiris. Veja também item seguinte epovoamentos com Galliformes (Phasianidae).

C i i o, entos

A reprodução de Tinamidae em cativeiro é relativa-mente fácil, embora até recentemente tenha sido consi-derada pouco promissora e apenas excepcionalmenteposta em prática; não foi tentada pelos índios, não ha-vendo portanto domesticação verdadeira, como de restotambém não ocorreu com jacus, mutuns e urus. A criação

"j 1

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162' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

de chororós em Minas Gerais e perdizesno Rio Grande do Sul recentemente, tem dado bons re-sultados, que poderiam ser vantajosamente aplicadosnos repovoamentos (sobre o potencial reprodutivo v.item específico). Em Minas Gerais foi criado o inambu-xororó (C. em "baterias" como a codornajaponesa. Houve três a quatro posturas anuais. Cons-tam que tinamídeos são resistentes a doenças que ata-cam a galinha doméstica (Nogueira Neto 1973).

Em cativeiro ocorrem cruzamentos entre espécies,congêneres, p. ex., e C.(Jardim Zoológico de São Paulo),e N. (criadouros argentinos). e

cruzam com facilidade, sendo o produto dahibridação fecundo, como é de se esperar, sendo elesparentes tão chegados.

Os Cruzamentos com galinhas domésticas, emborafreqüentemente citados, não foram comprovados. Asgalinhas "suras" são raças domésticas puras e não hí-bridos; da mesma maneira ovos esverdeados ou azuisdenunciam a presença da galinha araucana do Chile, naascendência, e não uma hibridação com o macuco.

Deve-se ainda desfazer a confusão com relação às"codornas" criadas em "baterias" para o fornecimentode ovos e carne; tratam-se de Galliformes (Phasianidae)de origem japonesa e não Tinamiformes. (v.Phasianidae,Apêndice).

dosde espécies

Existem dois grupos naturais que se podem elevarcomo subfamílias, distinguindo-se em traços da morfo-logia e da ecologia (florestais ou campestres, respecti-vamente):

Subfamília Tinaminae: Gênero (4), Gênero(14)

Subfamília Nothurinae: Gênero (1),Gênero (3), Gênero (1)

MACUCO, Am Pr, 1, 1

48cm, 1.200g a 1.500g (macho), 1.300g a 1.800g (fê-mea). O maior dos representantes meridionais. Incon-fundível. Dorso pardo-azeitonado, ventre cinza-claro.'

piado grave, monossilábico "fón"; tanto o machocomo a fêmea podem piar mais grosso ou mais fino ousustentar a nota por tempo variável; o macho costumapiar menos e parece não executar repetições. Ao instala-rem-se no poleiro à tardinha (v. Introdução) piam trêsou mais vezes em seguida"fó ó ó". No auge da repro-dução ambos os sexos "chororocam": uma vocalizaçãotrêmula e prolongada, cheia e melodiosa.

Ovos verde-turquesa. Apesar de gostar de mata lim-pa é encontradiço em áreas bem acidentadas comocórregos e grotas de difícil acesso, p. ex., na Serra do

Mar. R~gião florestada do Brasil oriental, de Pernambu-co ao Rio Grande do Sul (Aparados da Serra), MinasGerais (alto rio Doce), sul de Goiás (fumas floresta dasde afluentes da margem direita do rio Paranaíba: riosMeia Ponte e dos Bois) e sudeste de Mato Grosso (rioParaná: rio Amapaí, chocando em outubro); Paraguai eArgentina. Aproxima-se de em Mato Grosso eGoiás. A sua existência hoje em qualquer mata do país éum bom sinal no sentido de que a área em questão épouco caçada.

Em muitos lugares tornou-se escasso ou extinguiu-se. Ocorre ainda principalmente nas cercanias do litoralonde poderá sobreviver se seus derradeiros redutos fo-rem respeitados e a caça praticada prudentemente, sen-do suspensa tão logo se notem sinais de declíniopopulacional. Antigamente existia até mesmo nas ma-tas do Corcovado na cidade do Rio de Janeiro. No Nor-deste é representado pela "macuca" solit iuspe (En, Am), que constitui transição entre aforma típica e t. do baixo Amazonas; o re-presentante nordestino acha-se bastante ameaçado pelodesmatamento, resistindo ainda em matas residuais deAlagoas, conforme verificámos em 1976 e 1979.

AZULONA,

42,5-49cm, é ligeiramente maior (macho 1.300g1.800g, fêmea 1.400g - 1.990g) que a anterior. Dorsoardósia-cinza-azulado, ventre cinza-chumbo claro. Voze cor dos ovos muito parecidos com as do macuco. NaAmazônia brasileira confinado ao sul do baixo Amazo-nas até a margem direita do rio Madeira, penetra pelasmatas de galeria que acompanham os cursos d'água naregião do cerrado no Brasil central, até Tangará da Ser-ra, Mato Grosso (Bacia do Prata, W. Bokermann) e até orio Pindaíba e alto rio das Garças, leste de Mato Grosso;localmente em.tributários orientais doAraguaia, no oestede Goiás (Jussara, 1960-61); norte de Tocantins (Gurupi)e leste do Pará (rio Capim). Também na Bolívia, Peru,Equador, Colômbia, Venezuela e Guiana. "Inharnbu-açu",: "Inhambu-tona", "Inharnbu-peba" (Amazonas),"Inamu" (Kamaiurá, Mato Grosso), "Ubu" (Menaco,Mato Grosso).

INHAMBU-DE-CABEÇA-VERMELHA,

41cm, de 950g a 1.150g. Espécie amazônica abundantee de vasta distribuição. De tamanho médio, possuicocuruto cor de ferrugem e dorso verde-azeitonado.piado grave, cheio,de'duasa dez notas monótonas, par-te delas trêmulas, podendo consistir, e o é com freqüên-cia, uma estrofe prolongada. Ovo arredondado, verde-azulado ou azul-esverdeado, como uma edição reduzi-da daquele da azulona. Habita a mata de terra firme evárzeas (Amazonas). Ocorre do Méxicoà Bolívia, nortede Mato Grosso (Teles Pires) e Pará (Cachimbo e Belém)."Inharnbu-grande", "Inhambu-serra","Inhambu-toró",

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TiNAMIDAE 163

"Inharnbu-galinha" (Amazonas), "Inhambuaçu"?","Macuco-do-pantanal" .

lNHAMBU-GALINHA, Pr. 1, 2

34cm. Menor representante do gênero. Distinguívelpela presença de pintas amarelo-claras nas coberteirassuperiores das asas e cauda e pelas coberteiras inferio-res da cauda castanhas. piado ainda mais grave queo do anterior; dissilábico, a primeira nota é longa, as-cendente em sua partefinal, enquanto que a segunda,emitida após intervalo marcante, tem a mesma alturada nota anterior sendo apenas mais curta. Ovo de azul averde-turquesa. Habita a mata de terra firme, onde podeencontrar-se com o precedente. Distribuição amazôni-ca: da Venezuela ao alto Amazonas; Bolívia, Mato Gros-so (altos rios Tapajós e Xingu), leste do Pará (Belém) e.Maranhão. "Inhambu-serra", "Nambu","Macuquinho",

INHAMBu-PRETO, ellus

29cm. Representanteamazônico de cor quase uni-formemente cinza-anegrada; raques das penas dos la-dos da cabeça brancas..Voz: assobio simples, agudo,elevando-se no fim, a cada um ou dois segundos. Ovochocolate escuro. Habita as terras inundáveis com matadensa, capoeira e plantações adjacentes, abundante emmatas de várzea no alto Amazonas; vive extremamenteescondido. Ocorre das Guianas e Colômbiaà Bolívia eMato Grosso, para osul, e ao Amapá, leste do Pará(Belém, Marajó) eMaranhão, a leste. "Inarnbu-pixuna"(Amazonas), "Narnbu-sujo" (Pará).

TURURIM, SURURINA, soui

23cm. Pequeno tinamídeo florestal de vasta distri-buição. Canela-pardacento imaculado, garganta branca,pernas esverdeadas. piado bemvariável, semprede timbre brando e trêmulo, soando corno "tu-ri-rim";também seqüências mais prolongadas, ascendentes, eassobios descendentes. Ovo cor de chocolate. Viveàbeirade mata fechada, capoeira densa, mata secade restingaetc. As vezes empoleira em trançados de cipó, em gru-pos de 3 a 5 indivíduos, no que lembra o uru. Ocorre doMéxico à Bolívia e Brasil para o sul até o Espírito Santo,Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso. No Rio deJaneiro nas baixadas até a quota de aproximadamente400 m (Serra dos Órgãos). "Sovi" (Amazonas, Pará).

.INHAMBU-GUAçU, obsoletus Pr. 1,3

29cm. É típico das matas densas das serras do Su-deste do Brasil (Itatiaia, Petrópolis etc.), também em cer-tos lugares ao nível do mar como em florestas da Baixa-da Fluminense onde, porém, está bastante reduzido (Rio

de Janeiro: Magé, lugares pantanosos, 1969, A. Aguirre;Guapí, ao lado de C. ieg s, 1958, H. F.Berla; estradaRio-Petrópolis, rio Iguaçu, 1948,H. F. Berla). Coloridomuito peculiar: castanho-chocolate-escuro com o mentoe garganta cinzentos, píleo cinzento-escuro; pernasesverdeadas. o fortíssimo assobiar de timbre de umsilvo de guarda de trânsito: chamada simples vibranteou estrofe composta, admiravelmente longa, começan-do pausadamente, depois acelerandoà medida que as-cende, terminando em um tremular mais grave; a fêmeaemite pios mais fortes e séries de piados mais prolonga-dos. Esquematicamente podemos dizer que o machoemite: (1) um pio único, fortíssimo (briga) e (2) seqüên-cia ascendente relativamente curta, sendo os pios emiti-dos ligeiramente, sem pausas longas (canto). Já a fêmeaemitiria: (1)seqüência ascendente extremamente prolon-gada, inicialmente com pausas acentuadas e aceleradano fim, tornando-se então fortíssima (canto);(2) seqüên-cia ascendente curta de pios fortes e iguais (resposta aomacho); (3) seqüência irregular de pios suaves e fracos("chororocado" para chamar o macho). Há diferença davoz (dialetos): timbre "trinado" (São Paulo) e timbre"arranhado" (Mato Grosso).

Ovo chocolate. Habita a mata. Ocorre do sul daBahia,Espírito Santo e Minas Gerais até o Rio Grande doSul,Paraguai e Argentina; populações isoladas ao sul do A-mazonas, por exemplo, no norte de Mato Grosso (rioPeixoto de Azevedo), no sul do Pará (rio Cristalino, en-tre a Serra do Cachimbo e rio Cururu) e no baixo Tapajós;também da Venezuela ao Equador e Bolívia. Na regiãoandina pode estar confinado a certas zonas, por exem-plo, entre 1.700m a 2.400m. "Inharnbu-açu"."Inharnbu-bico-preto" (Iguaçu, Paraná).

Exames da fauna de malófagos sugerem a separaçãodos obsoletusdo Brasil central (inclusive de C.obsoietusg ei ent do sul do Amazonas) das populações doalto Amazonas e da porção setentrional da América doSul.

JAÓ, ellus undul ius Pr. 1, 4

31cm. Espécie Comum no Brasil central e em grandeparte da Amazônia. Distingue-se pelo desenhovermiculado das partes superiores e pescoço anterior, oqual varia conforme a região (há quatro raças geográfi-cas reconhecidas no Brasil); pernas esverdeadas.piado melancólico de três a quatro sílabas de flexão in-terrogativa, portanto ascendente na parte terminal: "dódó doó?" ("eu sou jaó?"); a estrofe curta trissilábica, "soujaó" parece ser privilégio da fêmea. Ovo quase esférico,rosa-claro ou cinzento-claro. Habita a mata de várzea egaleria, capoeirão, matas secas e ralas, cerrado. Ocorreda Venezuela, Guiana Inglesa, Colômbia e Peru ao Pa-raguai, Argentina e Brasil: da região Norte (e partesadjacences do Nordeste) ao Centro-Oeste até São Paulo,Minas Gerais e Paraná."Macucauá", "Sururina" (Ama-zonas, Pará).

r -~ ,

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164 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

CHOROROZINHO,

24cm. Representante amazônico pouco maior queo tururim. Assemelha-se a uma miniatura dochororão, tendo porém o bico mais curto (2cm ao in-vés de 3cm), os flancos menos manchados etc.; per-nas esverdeadas. Habita a mata da várzea, às vezes(p. ex. no Acre) na mesma área que o chororão. Ocor-re dos rios Negro e Madeira ao Amapá e Guiana Fran-cesa. Inclui C. do sul do Solimões."lnhambu-carijó*"

CHORORÃO,

28cm. Espé.cie média de vasta distribuição. Partessuperiores grosseiramente barradas de preto e ferru-gem, garganta branca, peito e pescoço destacados poruma cor canela intensa; pernas esverdeadas. es-trofe melancólica de quatro a seis sílabas, todas elasgeralmente tremulantes, a primeira descendente eisolada das subseqüentes, as quais são ascendentes;esta voz tremulada lembra a do tururim (o qual àsvezes é seu vizinho), sendo porém bem mais forte.Ovo chocolate-claro. Habita a mata de diversos tipos.Ocorre das Guianas e Venezuela ao Peru, norte doMato Grosso, leste do Pará (Belém) e Maranhão; tam-bém no Brasil oriental, do sudeste da Bahia ao Espí-rito Santo (norte do rio Doce, ao lado de C.nocti gus),Rio de Janeiro (Cuapí, ao lado de C.obsoletus e C.soui,1958, 1969, H. F. Berla; Cachoeiras de Macacu, 1963,A. Aguirre) e Minas Gerais. No Brasil oriental mui-to reduzido, tal qual C.nocti us. "Inarnbu-onça","Inambu-relógio", "Inhambu-anhangá*", "Cho-rão".

INHAMBu-DE-PERNA-VERMELHA,

27cm. Representante da Amazônia setentrional, depernas vermelho-claras. Partes superiores avermelha-do-escuras (a fêmea podendo tê-Ia barrada de ama-relo lembrando aquela do C. gargantabranca, peito superior cinzento. pio claro "soi-so-la"; um baixo "wup-wup" serve como chamadaquando as aves, associadas em pequenos gruposesparsos, andam pela floresta. Ovo cinzento-averme-lhado ou cor-de-rosa amarelado. Habita a mata secadecídua, ilhas de mata. Oc~rre das Guianas eVenezuela até a margem setentrional do baixo Ama-zonas: Amazonas (Manaus), Pará (Faro, Monte Ale-gre) e Amapá. A coloração das pernas e dos ovos nãoconfirmam a reunião de C. th us com C.

oc da Amazônia e C.nocti gus do sul, comofoi proposto por alguns autores."Macauã"".

JA6-DO-SUL, ZABELÊ, llus nocti gusEn Am Pr.l,S

35cm. Maior espécie do gênero. A forma do Brasiloriental ellus n. nocti gus, En, Am), caracteri-za-se pelos tarsos azeitona e pela plumagem de vivocolorido: papo cor de chumbo contrastando com a gar-ganta amarelada e o peito vermelho-escuro; já a formanordestina (C.noctiu us be/e),em adaptação ao am-biente ensolarado da caatinga, apresenta-se mais páli-da, destacando-se larga faixa superciliar esbranquiça-da; tarsos amarelos. baixa, profunda, de três a qua-tro sílabas, a primeira acentuada, fortemente descenden-te e prolongada, as outras curtas, sem flexão, seguindohorizontalmente em um nível ainda mais b-aixo; a voz é.mais grave e cheia que a do C. undu s e se destacapelo caráter descendente da estrofe; não há tremulado,ao contrário de C. eg us. A voz do zabelê, ouvidapor nós em várias partes da Bahia, é muito parecida coma do representante meridional, pelo menos em suamacro-estrutura.

Ovo azul-claro, desbotando em poucos dias para umcinza-claro. Do sul da Bahia, Espírito Santo, Minas Ge-rais (alto rio Doce), Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul;(C llus n. noct gus "jaó" Rio de Janeiro,"[uó"São Paulo, "[aó do litoral"). Do norte de Minas Geraisao Piauí e Pernambuco (C. nociiu gus ele "zabelê"Bahia, "jaó" Piauí); no noroeste da Bahia penetra na mataúmida na beira de rios mas não o ouvimos nos mesmoslocais em que ocorre C. und , que alié menos fre-qüente. A forma típica, anteriormente comum no Sudes-te, tornou-se escassa ou desapareceu por completo decertas regiões (p. ex. ex-Estado da Guanabara); a dimi-nuição do [aó do litoral na mata Atlântica é pelo menostão evidente como a do macuco. A forma nordestina ain-da se mantém em número regular, sendo o representan-te que habitualmente se vê em cativeiro. Localmente (p.ex., no norte do Espírito Santo e sul da Bahia) sintópicocom o chororão.

INHAMBu-DE-COROA-PRETA,

us

28-31cm: Espécie restrita ao sudoeste da Amazônia.Assinalada pela primeira vez no Brasil apenas em 1994no oeste do Acre, região de Taumaturgo, através de do-cumentação sonora (A. Whittaker). Anteriormente co-nhecida apenas do sudeste do Peru e norte da Bolívia.

INHAMBu-DE-PÉ-CINZA *, ellus duid e

[28,5-31cm. 'Confinada às florestas do noroeste daAmazônia, Colômbia e sul da Venezuela, embora aindapouco conhecida. No Brasil apenas para a região da Ca-beça do Cachorro, rio Papuri, afluente do Uaupés(Novaes 1978b).]

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TINAMIDAE 165

INHAMBU-RELóGro,

Pr. 1, 6

28cm. Representante amazônico de porte mediano.Apresenta notável dimorfismo sexual, partes superio-res avermelhadas uniformes no macho (v. prancha) oudorso inferior e asas listradas de amarelo-claro (fêmea).Garganta c lados da cabeça ferrugíneos vivos, peito cin-zento, centro do abdômen branco; tarsos cinzentos,

. unhas esbranquiçadas.o fácil de identificar pelo can-to, que se compõe de piado melodioso, prol~ng~do eininterrupto começando com um crescendo e finalizan-do decrescentemente; o piado da fêmea é algo mais gra-ve. Cantam quando o sol aquece as matas, concorrendoentão com o estridular das cigarras. Sua vocalizaçãolembra aquela do pinto da ema. Ovo quase esférico, detonalidade lilás muito clara lavada de róseo, lembran-do o de C.undu us, do qual difere por ser menor emais arredondado. Habita a mata de terra firme, fre-qüentemente ao lado dei us t Vive ao sul doAmazonas, desde a foz (Belém, Pará) ao Peru e Bolíviapara oeste; ao sul até Mato Grosso (alto Xingu). Tam-bém no nordeste do Brasil (Maranhão, Pernambuco eAlagoas). "Macucauá da mata" (Amazonas). V.Cnjpíu llus e j us.

lNHAMBU-USTRADO*, Crupiurellus iqui e

[25,5-27cm]Semelhante à anterior, mas de costas comfaixas transversais negras e ferrugíneas. [Conhecida depoucos pontos na região fronteiriça da Colômbia,Venezuela e Brasil.]

INHAMBU-CHOROR6, ellus sPr. 1, 9

21cm. O menor representante do gênero; espéciecampestre de vasta distribuição no interior. Extrema-

. mente parecido com a espécie seguinte, tendo porémo bico menor (menos de 2cm); e o tarso mais curto(menos de 3cm); ambos têm colorido vermelho páli-do.. .o seqüência prolongada de notas agudas e ás-peras, as primeiras retardadas, depois acelerando, eascendentes e em seguida decrescentes, terminandoem dois ou três trinados baixos. Um chamado apa-gado dissilábico "prrr prrr" (fêmea). Pia mais nashoras quentes. Ovo chocolate violáceo-claro. Habitaos campos sujos primários e secundários, cerrado,campos de cultivo (p. ex., milharais, algodoais) etc.Ocorre ao sul do Amazonas, do Pará (Santarém,Belém e Marajó) ao nordeste, leste (Minas Gerais,Espírito Santo), sul (São Paulo, Paraná ao Rio Gran-de do Sul) e Centro-Oeste do Brasil. Também no Peru,Bolívia, Paraguai e Argentina. "Ch ororó "

(onomatopéico); "Inambuzinho".

lNHAMBU-CHINTÃ, ~

24cm. Semelhante ao anterior sendo porém maior etendo o bico vermelho vivo (com a ponta negra no ma-cho). Difere do anterior também pelos tarsos arroxeados,píleo mais escuro (ardósia), pelo manto castanho-escu-ro e pelo desenho dos flancos ser mais contrastante. Omacho costuma ser nitidamente menor que a fêmea.bem mais forte que a dochororó, atingindo um volumenotável para ave de tal tamanho. Compõe-se de umasérie, mais curta ou mais longa, de ásperas notas em es-cala decrescente "prrr prrr prrr prrrr" ou "prrr prrr prrrprrr prrr prrrrr", As vocalizações dos sexos podem sernitidamente diversas: Macho (1) seqüência longa e des-cendente, pelo fim um pouco acelerada (canto); (2) ape-nas três pios bem destacados em escala descendente (bri-ga). Fêmea - seqüência longa ou curta descendente,ambas terminando fortemente aceleradas. Quando as-sustado emite um tremulado. Ovo chocolate-clarorosáceo. Habita a mata secundária qualquer, capoeirõessecos, caatinga, canaviais (portanto lugares de vegeta-ção mais alta onde o chororó não penetra). Ocorre noNordeste, leste (inclusive o ex-Estado da Guanabara),Sul (até o Rio Grande do Sul) e Centro-Oeste do Brasil;também no Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina."Inambumirirn", "Bico-de-lacre". Designado às vezescomo "chororó", o que cria confusão com a espécie an-terior.

PERDIZ, PERDIGÃO, nchotus escensPr. I, 10

37,Scm. Maior Tinamidae campestre nacional; in-confundível. Bico forte utilizado para escavar raízes.

piado alto e plangente de três frases sendo a pri-meira espaçada das outras três (mais unidas) dasquais a última é mais baixa: "tchilí-dí-dídí", repetidoa intervalos de 16 a 20 segundos quando o cantor estáanimado.

Ovo vináceo ou chocolate-violáceo. São mais ativosnas horas quentes. Antigamente abundante em regiõescampestres, cerrados e buritizais (gosta de hábitat úmi-do); também nos planaltos descampados (Itatiaia, Riode Janeiro, com postura em novembro): Ocorre da-Ar-gentina e Bolívia aos campos semeados nahiléia, ao suldo rio Amazonas (p. ex. entre a serra do Cachimbo e orio Cururu no Pará). Registrado na Ilha deMarajó (Pará)em 1897 e 1918, parecendo aí subsistir em certos locaisaté nossos dias (observação pessoal, 1965);é pouco co-nhecido nesta região, achamos possível que tenha sidointroduzida. É prejudicado pelas queimadas (agosto emdiante) no período em que se reproduz (v. Introdução). ,Em qualquer lugar onde ocorraé carne das mais procu-radas, sofrendo lento extermínio pela ação dos caçado-res, pelo envenenamento com inseticidas e outros ma-les da civilização. Pode se aproveitar do aumento da áreacampestre do país. Na divisa Minas Gerais/Espírito San-

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to imigrou desde 1968, após o desmatamento (A.Aguirre). [Está plenamenfe estabelecido no sul d.aBahiae norte do Espírito Santo, vivendo nos pastos sUJos(J. F.Pacheco).]

A denominação "perdiz" é a mais corrente para aespécie no Brasil, à exceção do Rio Grande do Sul ondetal termo é reservado para as codornas assu-mindo o nome de perdigão. No século pas-sado. quando estavam em moda certas transplantações,o foi levado para vários países europeus epara os EUA, não obtendo tal empreendimento, contu-do, resultados duradouros.

CODORNA-DO-NORDESTE,

25cm. Espécie relativamente grande, típica do Nor-deste do Brasil. Distingue-se pelo nítido topete verticalnegro, pelas partes inferiores brancas, pelos tarsos ama-relos vivos e pelo vexilo interno das primárias negrouniforme (no que difere definíssimo pio prolongado descendente terminalmente,emitido a intervalos de 4-5 segundos (canto); timbre se-melhante à voz do formicarídeoo qual pode inclusive fazer-se ouvir nos mesmos locais("voz da paisagem"). Baixo "bit, bit, bit. .."; emitido porindivíduos associados que se respondem mutuamente;levantando vôo produz um ruído forte, ressonante,"psuit-psuit-psuit...." bem típico. Ovo chocolate-claro,menos brilhante que o de N.maculosa. Em pequenos ban-dos. Caatinga, campo sujo, às vezes perto de N.e e até mesmo C. , caso acaatinga seja densa (Piauí); penetra na mata ribeirinha(noroeste da Bahia); ocorre do nordeste do Brasil a Mi-nas Gerais (Pirapora); reaparece no Paraguai e Bolíviaem formações correspondentes à caatinga. "Codornil"(Minas Gerais); "Codorna-baiana", "Codorna-de-cabe-ça-preta=",

CODORNA-MINEIRA, BURAQUEIRA,

En Am

19,5cm. De ocorrência restrita ao Brasil central; notamanho reduzido assemelha-se ao macho de N.

diferindo pelos tarsos e pés mais delgados, bicomenor, alto da cabeça e costas castanhas e primárias ex-ternas geralmente sem riscos no vexilo interno. Habitao cerrado; às vezes na mesma região que N.porém freqüenta campos mais sujos. Ocorre de MinasGerais (Paracatu, Diamantina etc.) a São Paulo (Botucatu,Itararé etc.), Goiás e Mato Grosso (Campo Grande,Chapada). V também , o qual é ainda menor:"Codorna-buraquaira".

CODORNA-COMUM, PERDIZINHO,

Pr. 1,8

23cm. Geralmente a espécie mais conhecida do gê-nero. Seu colorido altera-se freqüentemente conforme acor da terra que impregna a plumagem; caracteriza-sepor ter todas as primárias barradas de amarelo (tantono vexilo interno como no externo) ao contrário das an-teriores. O tamanho dos sexos pode variar considera-velmente. Os indivíduos pequenos não são maiores queos da espécie anterior. o canto compõe-se de umaseqüência horizontal de curtos pios finos que se acele-ram, durando aproximadamente oito segundos e tendocomo arremate alguns pios curtos que descem abrupta-mente: "ti, til ti... tirrr". Seqüência mais destacada, mo-nótona (advertência, emitida tanto enquanto foge cor-rendo ou voando); o timbre de sua voz se assemelha aodo grilo que é abundante nos mesmos campos (RioGran-de do Sul). Ovo chocolate-escuro' arroxeado. Habita oscampos ralos e baixos, campos de cultivo.(soja, milho,trigo e arroz, neste último em terra firme). Ocorre daArgentina, Uruguai e Paraguai ao Brasil (Sul, leste, Nor-deste - raça pequena e clara, ensis - e Centro-Oes-te), porém apenas muito localmente, faltando em mui-tos lugares onde existe (p. ex., no Paraná eMato Grosso) O nome rio-grandense-do-sul "Perdiz"causa confusão (v. "Perdizinho" (Rio Gran-de do Sul), "Codorna-amarelat".

INHAMBU-CARAPÉ, Am Pr. 1,7

13em. Menor dos tinarnidae, sendo seu porte infe-rior ao de qualquer o adulta (inclusive ihu

. Pouco conhecido. Pernas bem curtas, amarelas;seu aspecto geral é quase de uma pombinha. Costasanegradas finamente vermiculadas de branco, partesinferiores creme esbranquiçadas, peito e lados do corpogrosseiramente barrados de preto: rêmiges uniforme-mente anegradas, sem quaisquer faixas transversais. Avoz tem o mesmo timbre da de"tzirrrrrr-ti-ti-ti..." o trino no começo dura dois a trêssegundos, depois 6 a 10 pios isolados, como A. Negretanotou em Brasília de 1980em diante: houve inicialmen-te confusão com (Rallidae) que ocorre namesma área. Habita o cerrado e campo sujo. Quase nãovoa, esconde-se em buracos. Às vezes sintópico com

. Ocorre no Brasil central e meridional:Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal (1965, 1966e 1967), interior de São Paulo e Paraná; também na Ar-gentina. Em comparação à saracurinha g dize-mos que não arrebita a cauda à feição daquelae tem o corpo mais volumoso. O nome "earapé" vem dotupi, significando anão. V.sob g .

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TINAMIDAE 167

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'liI

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-ORDEM RHEIFORMES

EMAS: FAMíLIA RHEIDAE (1)

Aves pernaltas de grande porte, nãovoadoras",per-tencentes ao grupo das ratitas, que estão representadasna África pelo avestruz a maior ave viva, ul-trapassando os 100 kg de peso), na Austrália pelo casuar

e emu e na Nova Zelândia peloquivi

Restritas a América do Sul, possuem ancestraisregistra dos neste continente desde o Paleoceno Superior(55 milhões de anos) do Brasil, além de outros fósseisdo Terciário e do Pleistoceno. Figuram portanto entre asaves mais antigas deste continente; doCretáceo Superior (80 milhões de anos) da Patagônia,parece estar ligado também aos ancestrais das emas. Vejao capítulo sobre aves fósseis.

A hipótese monofilética da origem das ratitas,modernarnente novamente contestado, foi sugerida tantopor dados morfológicos e bioquímicos como pelo com-portamento e achados parasitológicos. Sua distribuiçãoatual, extremamente disjunta, indica conexões antigasentre os continentes meridionais. Presume-se que tantoos antecessores dos pingüins como os dos Galliformes,Suboscines e ratitas, tenham se originado no continentede Gondwana, e portanto antes da separação entre Amé-rica do Sul e África, que se supõe ter começado noCretáceo, há ca. 80 milhões de anos.

Estudos osteológicos, a ultraestrutura das penas e dacasca dos ovos, os cromossomos e análises bioquímicasrevelam que os nandus são estreitamente aparentadosaos tínamídeos, outro grupo antiquíssimo de aves naAmérica do Sul. Baseando-se na estrutura do crânio,Rheidae e Tinamidae são reunidos como Paleognathae,ao contrário de todas as outras aves que são osNeognathae (pálato bipartido). As ratitas são altamenteespecializadas na vida terrícola, sobre a redução dosdedos do pé v. abaixo.

Existem duas espécies atuais de nandu: a nossa emae um representante mais meridional, andino,

, que não alcança o Brasil.

As ratitas se distinguem das carinatas pela falta da(carena) na qual se fixa a musculatura de

vôo das carinatas. Esse particular, que se nota já no em-brião das ratitas, evidencia a impossibilidade de voar.dessas aves. Por outro lado a existência de penas e suamicroestrutura provam que os ancestrais das ratitaseram voadoras; não são conhecidas aves primariamen-te não voadoras.

EMA, Fig.42

Altura 134-170cm, conforme a postura adotada.É amaior é mais pesada ave brasileira, o macho atinge 34,4kg e a fêmea 32kg. As macias e cinzentas penas das asas(incluindo as "plumas", que nas outras aves cor-respondem às rêmiges) se dirigem obliquamente de cimapara baixo formando um manto que se eleva em umacorcova dorsal e que envolve todo o corpo exceto o tra-seiro, que é branco e coberto por curtas penas piliformes.Falta inteiramente a cauda e o pigostilo, no que diferedo avestruz africano (no qual tanto as retrizes como asrêmiges são transformadas em plumas). As emas estãoentre .as poucas aves que não possuem glând ulauropigiana. A cloaca é marcada por uma mancha escuravisível de longe. Há separação de fezes e urina, ao con-trário das outras aves. Os machos adultos possuem umgrande pênis, que é posto para fora da cloaca com certafreqüência. Cabeça e pescoço emplumados de cinza-pardacento, sendo que o macho distingue-se por ter abase do pescoço, peito anterior e parte mediana do dor-so anterior negros ("papo-preto", Rio Grande do Sul). Abase do pescoço é encoberta por um tufo de penas late-rais cinzentas, de modo que o preto do dorso apareceapenas quando a ave se inclina para frente. Além de sermais robusto, o macho adulto tem a cabeça mais per-filada e seu pescoço e suas pernas são mais grossas.

14 A perda de vôo ocorre,durante as épocas geológicas,mais depressa do que sepensa. Certas aves hojenão voadoras doHawaí,como p. ex. um íbis, que podia alcançar essas ilhas apenas voando, atravessando2000 milhas de mar aberto, desistiram, comoresidentes das ilhas, completamente de voar.A resposta do organismo foi:eliminar a musculatura de vôo e a carena.Umavez quese sabequando as ilhas emergiram do mar,existeuma base para calcularo tempo necessáriopara essasaves perderem a faculdadede voar: menos que seis milhões de anos (Olson1983).

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RHEIDAE 169

A população do Nordeste (Maranhão, Pernambuco) debico maior .

Fig. 42. Ema, machoadulto

No tempo da reprodução (julho a setembro,Mato Grosso), o macho emite um urro forte, ventrílo-quo, bissilábico:"bu-úp" ("nan-dú"), lembrando o bra-mido de um grande mamífero como um boi; prepara-separa urrar enchendo o peito com bastante ar emitindodepois o urro de bico fechado; urra até mesmo de noite(novembro, Rio Grande do Sul). O alcance do urro daema é de um quilômetroé provavelmente bem maisquando não há vento contrário. Por outro lado aconteceque não se consegue descobrir uma ema urrando próxi-mo se a caatinga ou o cerrado são fechados. Alarme:grasnido rouco. Os filhotes extraviados emitem assobiosmelodiosos, lembrando o canto do inambu-relógio,

que o pai responde com leveestalo de bico.

Comem folhas, inclusive as espinhosase ardidas, frutinhas, sementes, insetos, sobretudo gafa-nhotos. Caça pacientemente moscas em qualquer lugar,procurando-as perto de carne em putrefação. Apanhaqualquer pequeno animal ao seu alcance, tais como la-gartixas, rãs e cobras, mas não é propriamente ofiófago;até agora nada encontramos que comprovasse a afirma-ção corrente de que a ema come cobras venenosas. Neiva& Pena (1916)que tiveram o ensejo de examinar o tubodigestivo de várias destas aves, jamais encontraram co-bras.

Procuram queimadas, onde acham coquinhos caídose animais moribundos, ingerem pedrinhas, ou qualquercoisa que lhes auxilie a trituração do alimento. O dito

popular "tem estômago de avestruz"éextensívelà ema.Pastám devagar e andam ininterruptamente, razão pelaqual se afastam quase que imperceptivelmente sumin-do nos campos onde, apesar de seu tamanho e de ser ocapim baixo, pouco se destacam.

Tornam-se excelentes dispersores de plantas. De se-mentes marcadas colhidas depois nas fezes dessas aves66% originaram novas mudas com até 100 metros dedistância do ponto original. Sementes colocadas dire-tamente para germinar geraram apenas 25% de no-vas mudas no mesmo período (Magnani& Paschoal1990).

h , Aves terrícolas por ex-celência. A ema possui "ainda" três dedos, enquanto oavestruz africano os reduziu a dois, sendo isto o máxi-

. mo de adaptação do pé de uma ave que vive constante-mente no solo. Perseguida pelo homem, a ema foge agrande velocidade, dando passos de um metro e meio.Corre executando ziguezagues, os quais são controla-dos pelas asas que são abaixadas e levantadasalternadamente, demonstrando assim a grande utilida-de de uma asa longe. para uma ave sem capacidade devôo. Correndo à frente de um automóvel uma ema al-cançou mais de sessenta quilômetros por hora. A emacorre mais rápido do que um cachorro mas é menos re-sistente. Andando tranqüilamente movimenta as asasritmicamente. Esconde-se deitando no solo (p. ex. atrásde uma moita) sumindo total e inesperadamente, o quetalvez tenha dado origemà lenda que a ema (e o aves-truz) enfia a cabeça na areia para fugir ao perigo (daí otermo "política de avestruz"); os tinamídeos têm com-portamento semelhante. Com vento forte a ema costu-ma também deitar. Descansam sentados sobre os tarsos,às vezes entram em decúbito ventral com as pernasesticadas para trás. Dormem com o pescoço esticadohorizontalmente no chão ou dobrado para as costas.Durante o auge do calor ofegam de bico meio abertorefrescando-se. Gostam de tomar banho, metem-se nosbrejos e atravessam rios a nado. São dotadas de vistaaguda e, graças aos olhos salientes, conseguem ver paratodos os lados. Vivem em bandos, procuram a compa-nhia de ovelhas, vacas e veados campeiros.

O macho adulto expulsa os rivais e reú-rié Um grupo de três a seis fêmeas, que permanecem jun-tas enquanto que ele costuma andar só. Aparentementeas fêmeas têm relações com mais de um macho e pareceexistir mais fêmeas (Mato Grosso). Reina franca poliga-mia, tanto poliginia como poliandria (v. Tinamidae).

Os machos lutam a bicadas entrelaçando os pesco-ços e girando engalfinhados. Fazem corte às fêmeas es-ticando as asas horizontalmente (posição típica do ma-cho); correm fazendo roda, abrindo e agitando as asas,executando, então, exibição arrebatadora que chega aconfundir o espectador pela exuberância das "plumas"macias eriçadas que a mais leve brisa faz tremular. Noauge desta dança as asas parecem desenvolver vida pró-pria, e uma ema adquire, de súbito, a aparência de duas

I

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170. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

ou três, e não sabemos mais qual é a sua parte dianteirae qual é a traseira.

Levantam a parte posterior do corpo, cerimônia queserve também para a intimidação de rivais e lembra arespectiva atitude dos tinamídeos.

O macho prepara uma depressão no solo como ni-nho, aproveitando-se, p. ex., de uma concavidade esca-vada por um touro. Com o bico corta o capim ou qual-quer folhagem ao redor do ninho pisando a vegetação epuxando o material obtido para a escavação, o que re-sulta em uma área perfeitamente limpa de dois a trêsmetros de raio. Essa providência serve em primeiro lu-gar para acolchoar o ninho e pode ter um valor aindamais vital ao impedir a aproximação oculta de inimigose evitar que o fogo das queimadas atinja os ovos.

Somente o macho incuba, e o número de ovos de cadaninho depende do número de fêmeas presentes e donúmero de machos aos quais as fêmeas podem confiar

. seus ovos. Pode-se considerar completa uma postura de20 a 30 ovos. Em cativeiro se notou que posturas de 12 a18 ovos apresentam o melhor índice de nascimentos(Paschoal& Magnani 1990). Consta que antigamente,quando a população de emas era muito mais densa; 60ou mais ovos acumulavam-se em um só ninho, o quetornava impossível a incubação. Uma fêmea é capaz depôr de 10 a 18 ovos em um só período, com intervalosde dois dias: os últimos ovos que cada fêmea põe nãosão férteis (aproximadamente 30% do total). Muitos ovos(os chamados "guaxos" ou "órfãos", Rio Grande do Sul)espalham-se e apodrecem no solo ao redor, embora omacho tenha forte instinto de arrastar para o ninho nãosó ovos distantes de até vários metros, mas tambémqualquer objeto que a eles se assemelhe. Durante a incu-bação ingere tanto os ovos que se quebram como asmoscas que são atraídas pelos "guaxos".

O peso dos ovos varia muito; a média pode ser, p.ex.,de 605g (Mato Grosso), o que corresponde a cerca deuma dúzia de ovos de galinha. Há ovos de diversos ta-manhos dentro de um mesmo ninho, tanto mais por sero total da postura proveniente de várias fêmeas. Os ovossão elípticos (geralmente não esféricos como os do aves-truz africano), brilhantes e dourados, tornando-se bran-cos após cinco ou seis dias de exposição ao sol:É inte-ressante observar que a outra espécie de ema (v. Intro-dução), o casuar e o emu da Austrália, põe ovos verdes(os ovos do emu tornam-se quase pretos dentro de pou-co tempo), cuja cor lembra aquela dos ovos do macuco

O macho que choca altera freqüentemente sua posi-ção, girando uma volta completa (360°) a cada vinte equatro horas. Cada vez que se ajeita no choco, puxa doisou três ovos da beira para dentro da concavidade, destemodo garantindo que, p.ex., uma postura de vinte ovosseja chocada regularmente. A incubação começa cincoou oito dias após as fêmeas terem iniciado a postura (oque implica períodos de incubação com até doze diasde diferença) e pode durar de vinte e sete a quarenta e

um dias. Os filhotes nascem todos no mesmo dia, comapenas algumas horas de diferença. Talvez a fortevocalização emitida pelos embriões prontos para sairde dentro dos ovos tenha um efeito mutuamente esti-mulante, levando a essa sincronização. Após 24 horas ofilhote já se mantém firme nos próprios pés.

O macho no choco defende o ninho com o pescoçoesticado horizontalmente e serpenteando no chão, sibi-lando como uma cobra, em atitude extremamente ate-morizadora. Adverte os assaltantes pequenos bicando-os e defende-se dos maiores a pontapés. O animal maispernicioso para a postura da ema é o grande lagarto teiú

sp.) que espera pela saída do macho paraentão empurrar, por todos os lados, os ovos para forada escavação, o que pode acarretar o abandono do ni-nho. Entre os predadores dos ovos estão os tatus.

O cheiro ativo exalado pelos ovos em eclosão atraigrande número de moscas, que os recém-nascidos ca-çam em torno de si a após cinco ou seis horas de vida;além disso comem avidamente as fezes do pai, pretasnesse período. O pai zela pelos filhotes, que se alimen-tam sozinhos formando bando bem unido; cuida tam-bém de filhotes órfãos ou desgarrados, razão pela qualos componentes de uma mesma "creche" são, às vezes,de diversas idades. Em caso de perigo os pequenos aga-cham-se, de pescoço esticado rente ao solo, ou procu-ram abrigo sob as asas paternas. Para amedrontar uminimigo que desponta à distância, o macho ergue-se emtoda a sua altura exibindo o negro em torno da base dopescoço. Com seis meses de idade os filhotes são fortese têm praticamente o tamanho das fêmeas adultas; tor-nam-se maduros com dois ou três anos de idade. Fora

da época 'de reprodução, as emas formam progressiva-mente grandes bandos mistos de adultos e filhotes.

, utili , desenhos stó-Regiões campestres e cerrados desde que haja água.

Sul do Pará (campos dos Mundurucu), Nordeste, inclu-indo Maranhão e campos gerais do vale do São Francis-co, Sul e Centro-Oeste; Paraguai, Bolívia, Argentina eUruguai. "Avestruz" (Rio Grande do Sul. usado maispara o macho, a fêmea é a "ema"), "Nhandu" (Tupi,MatoGrosso), "Congo".(somente o macho, Bahia). No Cearáe Rio Grande do Norte, onde a ema está extinta hoje, aema perambulou em bandos de 20 a 30 no começo doséculo. Foi designada ave símbolo do Rio Grande doNorte. Ocorre ainda no Piauí de onde é levada, aindaem 1987, para o Ceará para "limpar as fazendas de co-bras peçonhentas" (R. Otoch).

As cercas, além de impedir as emas de perambularem liberdade, freqüentemente prendem-nas entre' seusfios. Caçadas "recreativas" ou destinadas a 'suprir ocomércio de espanadores (sobre o valor das plumas daema consta que não chega a atingir um décimo do valordas plumas de avestruz) eliminaram ou dizimaramdrasticamente os bandos da maioria das regiões ondeabundavam. Durante séculos as plumas foramexportadas, sendo Cuiabá (Mato Grosso) um dos centros

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RHEIDAE 171

de comércio. Tal atividade continua clandestinamenteaté hoje naquele Estado, sendo que o produto obtido émandado, via Paraguai, para fora do continente. Aschamadas "Fábricas de Espanadores" não passavam deum trabalho feito artesanalmente. Consta que no Cearánão havia mercado consumidor para as penas da erna,no começo do século (Malveira1986).

No Rio Grande do Sul, os gaúchos tinham o costumede arrebanharem emas em currais cercando-as com redesbaleando-as de cima dos seus cavalos; as aves eramsoltas após terem suas plumas arrancadas, sendo talprocesso tão brutal que causava profundos ferimentosna maioria delas. Para os indígenas, a erna representavatanto uma fonte de plumas aproveitadas na confecçãode ornatos, corno uma peça de caça, p. ex., para os índiosCanela (Maranhão) e Parecis (Mato Grosso). Estesúltimos caçavam-na, e tambémà seriema e ao perdigão;dissimulados pelo "zaiacuti", escudo constituído por umarcabouço de varas revestidas com folhas de indaiá.

Na vastidão do interior, a ema foi, ou ainda é, muitoaproveitada pelas populações rurais; seus ovos entramem receitas de várias iguarias; sua gordura é aplicadacontra picadas de cobras, suas unhas utilizadas comocabos de faca etc. Da carne são aproveitadas as "coxas";o restante é considerado muito duro. A ema limpa ospastos de uma infinidade de insetos e plantas daninhaso que lhe valeu a proteção de fazendeiros maisesclarecidos.

A ema figura com destaque no folclore brasileiro,usando-se suas plumas no bailado popular "boi suribim"ou "bumba-meu-boi" do Nordeste e a mesma é motivopara uma série de quadrinhas populares. Destacamosainda que os índios da nação Bororo (Mato Grosso), vêemno Cruzeiro do Sul o símbolo do nhandu.

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Criam-se emas nos EUA com toda facilidade (Wright1977). Apesar de tão grandes potencialidades, em ummundo onde tudo se traduz imediatamente em lucro, aema é uma espécie que marcha a passos largos para aextinção se não for criada sistematicamente. Hácontaminação por agrotóxicos usados em grandequantidade em lavouras de soja e feijão p. ex. emSerranópolis, Goiás, em1990: morreram 20 emas aocomer sementes tratadas com o veneno.

A ema é freqüente em desenhos rupestres pré-históricos do Nordeste, p. ex. no Rio Grande do Norte(micro-região do Seridó). No Piauí pinturas de emas naSerra da Capivara, aparecem durante vários séculos, de12.000até 9000;8000 a.c. (N. Cuidou). As figuras maisantigas são pequenas, aquelas das épocas finais enormes.Existem também desenhos de rastros da ema. NaArgentina, com muito material de tais desenhos, váriosmais antigos, pode-se reconhecer um "impressionismo"que depois passa a um "expressioriismo" - bemcomparável à pintura clássica da Europa.

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ORDEM PODICIPEDIFORMES

MERGULHÕE5: FAMÍLIA PODICIPEDIDAE (4)

Grupo de vasta distribuição; fósseis do Mi~ce~o In-ferior da Europa e da América do Norte (20 ml~~oes .deanos).As afinidades destas aves com outras famílias am-da não foram esclarecidas. No Brasil apenas modesta-mente representados, freqüentando rios e lagos. y~r tam-bém carqueja , Rallidae), picaparra (He~lOmarrecas (Anatidae) e biguá ). Nao eXIS-tem galgueiros (Gaviidae) na América do Sul.

,

Pernas implantadas bem atrás no corpo, facilitando,durante mergulhos; a natação, a qual é impulsionadaexclusivamente por intermédio dos pés, que operamcomo a cauda de um peixe; não se utilizam jamais dasasas para tal azáfama, mantendo-as ocultas sob a densaplumagem dos flancos. Dedos sem nadadeiras, porémmarginados de lóbulos servindo de remos. Apenas ex-cepcionalmente saem da água, ficando então bem ere-tos, pousados nas margens; praticamente não andam.

Diferenciam-se facilmente dos patos pelo bico pon-tiagudo e deprimidolateralmente. Voam bem, porém de-colam da água com alguma dificuldade; durante a mudaperdem por completo a capacidade de voar (muda .si-multânea das rêmiges, v.marrecas). Neste grupo, os prm-cipais caracteres, que nos permitem uma diagnose es-pecífica, estão localizados na cabeça; sexos parecidos;no inverno assumem uma plumagem de modesta colo-ração (plumagem de repouso). A disposição das penasdo ventre formam um colchão de ar, bastante funcional(fig. 43); situação típica muito semelhanteà de outrasaves aquáticas, sendo exceção o biguá-tinga, .As aves aquáticas têm o maior número de penas; foramcontadas 15.016 penas de contorno numpodiceps num sabiá-de-carnpo, , registraram-se3.297 penas enquanto numa águia 7.182penas (Brodkorb1951). O macho pode ser um pouco maiorpodiceps).

, ,

A vocalização abrange tanto altos trinadosque lembra certas saracuras),

quanto gritos baixos podiceps, do timbre docarão,

s

~~~Im~mm~~~~-~Ht

Sp

Fig. 43 .Plumagem ventral do mergulhãoodicepsstutus, formando alta almofada pneumática que isola

o corpo contra o frio e a umidade. Pele (Ht); raque depena de contorno (5), integrando a superfície sólida,impermeável da plumagem (Ock);penugem (As,Dn,Pd) (seg.H.Sick 1937).

As espécies brasileiras alimentam-se de peixinhos,larvas ou imagos de insetos aquáticos (p. ex., da baratad'água sp. e lavandeiras Aeschnidae), crustá-ceos e vegetais. Vimos um devorar uma co-bra d'água de 40cm de comprimento. A formado bico, bem distinta nos vários gêneros, já indica que aalimentação das espécies em questão deve ser diferente;

ceps por exemplo, tem o seu em forma de pu-nhal, como o do biguatinga.

Apanham o alimento geralmente sob a água, mer-gulhando com afinco. A duração das submersões depen-de dos vários fatores ecológicos, por exemplo, da pro-fundidade da massa d'água. Foi verificado que o

ptus submerge de 8,7 a 14,7 segundos;já em relação ào o us podiceps, foram anotados naColômbia mergulhos de até 34, 37 e 43 segundos. A pri-meira espécie pode deslocar-se 3m, 5m e até 8msubmerso, tanto para pescar como para fugir.

Há muitas particularidades na técnica piscatória dosmergulhões; vimos um i nadar rapida,me~~ena superfície de um rio o qual, de tão ralo, não permitiaque a ave submergisse. Esta, então, mantinha apenaspescoço, cabeça e pés sob a água tocando corn-o bico, acurtos intervalos, o fundo lodacento; quando um peixeescondido saiu, foi perseguido a toda velocidade pelaave, sempre com o corpoà flor d'água. odi oca-sionalmente aproveita-se de garças para espantar os pei-

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PODICIPEDIDAE 173

xes, à semelhança de anus que acompanham o gado; seubico grosso parece ser uma adaptação para quebrar crus-táceos. Consta que o bico impressionante de

não é usado como punhal, ao contrário dobiguatinga, g Os mergulhões engolem penas emquantidade, sendo as mesmas acumuladas no piloro eestômago; ingerem tanto as próprias penas do corpo,que por exemplo perdem durante a arrumação da plu-magem, como engolem aquelas de outras aves (p. ex.,garças) que porventura encontrem. A utilidade, ou tal-vez mesmo necessidade, de tais ingestões é ainda discu-tida. Fala-se tanto da proteção dos intestinos contra es-pinhas como de uma função filtradora da massa forma-da na retenção da qui tina. A ingestão de penas pareceser vital pois os pais já as administram aos filhotes. Ex-pelem pelo tas.

s mostra às vezes uma técnica singular 'desubmergir; no local onde está, afunda verticalmentecomo uma pedra, sem fazer os costumeiros movimen-tos de mergulhar, que consistem em agitar as pernasprojetando a cabeça para frente. Supomos que omergulhão "espreme" o ar que conserva, em apreciávelvolume, no espesso colchão de penas do corpo, afun-dando. Este tipo de mergulho está ligado à fuga e não àpesc.a.

Certas espécies, comoo bus podiceps,dedicam-se, com freqüência, a banhos de sol: boiando calmamen-te n'água e eriçando a plumagem da parte traseira docorpo; deste modo, a pele, que aí é negra, fica exposta àabsorção dos raios solares para aquecimento (Storeret

. 1975).

Têm cerimônias pré-nupciaís específicas. Fazem umvolumoso ninho flutuante, do qual apenas uma parteemerge, sendo todo material molhado. Põem 4 a 6 ovos,Podilvmbus, (Minas Gerais) pequenos, alongados, bran-cos com uma crosta calcária, tornando-se manchados (outotalmente pardos) pelo contato com detritos vegetaisúmidos, ainda mais que são recobertos pela ave quandoesta deixa o ninho. O período de incubação é de 22 a 24dias em o s e 21 dias em s do inicus.Mostram-se brigúentos quando criam.

Os filhotes, no início negros, de cabeça e pescoço ris-cados de preto e branco, trepam sobre o dorso maternoque os leva' nadando,.ou abriga-os sob as asas. Constaque quebra peixes batendo-os na superfícieda água para facilitar a alimentação dos filhotes peque-nos, embora estes sejam capazes de deglutir bocados bemgrandes.

g es, gos, igos

Fora da época reprodutiva são migratórios; seu nú-mero aumenta no sul do país sob a influência do inver-

no e no Nordeste provavelmente. elTl_cons.eqüência doregime variável de águas. Entre seus inimigos estão osgrandes peixes carnívoros (como o pirarucu) na Ama-zônia. São parasitados por sanguessugas que se afixamnos seus pés. A poluição dos lagos e rios acaba por eli-minar os mergulhões.

MERGULHÃO-PEQUENO, c ptus cusFigo 44

23cm. Menor mergulhão do continente. Pardo-acinzentado com a garganta preta na época reproduti-va; asas com grande espelho branco (aliás como outrasespécies do gênero) que chamam a atenção quando aave arruma as penas ou voa rente à superfície d'água;olhos amarelo-claros. agudo "tirrí", "kirr-kirr", gri-tos guturais que podem lembrar a voz do macaco-pre-go; violenta seqüência monótona que soa como um açoi-tar (canto), podendo ser prolongada; lembra, à distân-cia, o canto da saracurinha lius o ius sen-do porém maisforte. Há dueto do casal; filhotes baru-lhentos: "bibibi ...", São encontrados em qualquer mas-sa d'água, até em poços artificiais bem pequenos,contanto que não estejam cobertos por plantas aquáti-cas (p. ex., escavações ao lado de rodovias). Do sul dosEUA ao norte da Argentina, fodo o Brasil. "Mergulhão-pompom*".

MERGULHÃO-DE-CARA-BRANCA, o

30,Scm. Preto, lado inferior castanho. Inconfundívelpelo desenho branco berrante dos lados da cabeça. Ha-bita do Peru ao Uruguai, Argentina, Chile também o ex-tremo sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Mato Grosso,Pantanal). Espécie comum na Argentina. "Mergulhão-de-orelha-branca>"o V.a e~pécie anterior.

MERGULHÃO-GRANDE~ CHORONA, eps

é l crn. Possui um pequeno, porém distinto; topeteoccipital, bico longo e pescoço comprido, vermelho oubranco. forte e sonora, assemelha-se a um miadodescendente - ... , Nidifica no Rio Gran-de do Sul (o,!tubro, novembro). Durante as migrações

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174. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

aparece na costa, pescando perto da arrebentação, àsvezes ao lado de pingüins (Rio Grande do Sul, agosto).Espécie meridional, indo da Terra do Fogo ao Uruguai.Paraguai e Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina,Paraná, São Paulo). "Huala" (Chile).

MERGULHÃO, odil us podiceps

33cm. Bico grosso, ausência de branco na asa. Bico

ibliog odicipedi( ej t é g l)

Borrero H.,J. r. 1972. oe. Cienc. 29:477-86. opodiceps, alimentação e reprodução)

Brodkorb, P.1951. c . ei. 12(4). (número de penas)Harrison, P.1983. ds, tion guide.London & Sidney:

Croom Helm. (guia de campo)Heintzelmann, D. S.1964. ilson uli. 76:291. (mergulho)Miranda-Ribeiro.A. 1927. I. Mus. . de o3:57-59. (foto

monstrando um mergulhão carregando um filhote)Pinto, O. M. O.1941. . ool. S. o 1:237-39. (construção

do ninho) .Sick, H.1964. . uls. . io de nei o49. (proteção contra

a umidade)Storer, R. W.1963. C 65:279-88. s hábitos)Storer,R.W: 1963. oc.13th lnte n. no C , Ith c 562-69. (cortejo,

filogenia)

~.

branco, durante a época reprodutiva aparece com umacinta negra ao redor do bico, garganta negra. cheia,"kó", "kau-kau kau" às vezes dueto do casal. Ocorremda América do Norte ao Chile, Argentina e no Brasiloriental, é freqüente nos açudes do Nordeste; falta, aoque parece, a oeste do rio Araguaia. Vivem nos mesmoslugares que h nicus, distinguindo-se ime-diatamente deste pela diferença de tamanho (v:tambémmarrecas que mergulham, "Mergulhão-caçador*".

Storer, R. W.1967. Ho e o 10:339-50. ( ol nd, hábitos)Storer, R. W.1967. Co 69:469-78. (padrão de plumagem)Storer, R. W.1976. n Diego oe. Hist. s. 113-26.

s do , hábitos e parentesco)Storer, R. W.1979. Order Podicipediformes. Pp.140-55. In: Chec

List ihe Vol. 1. 2nd ed. (E.Mayr& G. W. Cottrell,eds.). Cambridge, Mass.:Museum of Comparative Zoology"

Storer, R. W.& T. Getty.1985. Pp. 921-31. In: e O nilholo(P.A. Buckley, M. S. Forster, E.5:Morton, R. S. Ridgely, F. G.Buckley, eds). Lawrence: A.O.U. (Omith. Monog r.çSé).

b ptus do cus, variação geográfica)Storer, R.w., W. R. Siegfried&J. Kinhan. 1975. he uing 14 45-

57. (banho de sol)Zusi, R. L. &R. W.Storer.1969. Misc. . s. ol. Uni n

139. od , osteologia e miologia)

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ORDEM PROCELLARIIFORMES

A ordem dos Procellariiformes reúne a maior parte dasaves marinhas, embora em número de espécies a ordemCharadriiformes (maçaricos, trinta-réis e gaivotas) este-

ALBATROZES: FAMÍLIA DIOMEDEIDAE (8)

Aves oceânicas de grande porte, na sua maioria dohemisfério sul. Numerosos fósseis conhecidos desde oOligoceno Superior da América do Norte (25 milhõesde anos). Aparentados aos pingüins e não às gaivotas.

, ,

A família abrange as maiores aves voadoras do mun-do . também Condor); pode excederos três metros e meio de envergadura, ultrapassando opeso de sete quilos. Albatrozes fósseis são ainda maio-res. Corpo pesadão. Longas asas rígidas, muito estrei-tas, cujas pontas jamais se abrem, não deixando ver pri-márias isoladas (ao contrário do urubu, por exemplo);no esqueleto destaca-se o braço muito longo.

Bico muito forte, curvado em gancho e composto demúltiplas peças. Cauda tão curta que o leigo, quando vêum exemplar capturado, pensa que as retrizes foramcortadas a tesoura.

Para decolar têm de correr vários metros sobre a su-perfície da água tal qual as pardelas (Procellariidae).Voam planando. A maestria deste tipo de vôo se baseiano braço longo com um grande número de secundáriascurtas (38 a 40; uma marreca tem 12). Medimos numDio ed e is, recentemente morto na Barra daTijuca, Rio de Janeiro, uma envergadura das asas de 1,94m, e uma largura máxima da asa (no meio das secundá-rias) de apenas 18cm. Não batem com as asas ao contrá-rio das gaivotas que voam mais alto. Aproveitam-se decorrentes atmosféricas que; sobre o mar, são totalmentehorizontais; mantêm altura sem o menor esforço físicovisível, ganhando até mesmo altura se voam contra ovento. Desta maneira seguem a baixa altura sobre asondas em uma trajetória ondulada, serpenteando, su-bindo e descendo transversalmente ao vento. Sem estatécnica os albatrozes seriam incapazes de executar vôoplanado, pois o peso por unidade de superfície de suaárea é grande demais. O mesmo modo de voar ("planardinâmico") é apresentado pelos bobos e pardelas(Puffinus, etc.).

ja em primeiro lugar. Enquanto os Charadriiformes sãoaves costeiras, os Procellariiformes são aves oceânicas oupelágicas. São encontrados sobretudo no hemisfério sul.

Pés grandes providos de nadadeiras semelhantes àsdas gaivotas, parecendo tão leves como estas quando dei-tados na superfície do mar. Decolam com dificuldade, cor-rendo pela superfície d'água, ou no solo, contra o vento.

Mantêm-se calados enquanto permanecem em nos-sas costas. Alimentam-se de pequenos animais, sobre-tudo Cephalopoda e Crustácea, que se aproximam daflor d'água; seguem navios para apanhar detritos. Comoem outros Procellariiformes a metade do conteúdo es-tomacal de um albatroz consiste de um líquido oleoso,derivado da comida (Prince 1980). Não se preocupamcom tempestades de alto-mar. Procuram a terra geral-mente apenas para nidificar (o que não ocorre em nossopaís); excepcionalmente aparecem nas praias atraídospor peixes mortos.

Há, em águas br asi leir as, representantes deProcellariiformes durante todo o ano, em sua maioriaindivíduos imaturos que perambulam pelos oceanos até;atingirem a maturidade sexual (os albatrozes criam ape-nas com seis ou mais anos de idade). Consideramos, nonosso livro, como "brasileira" toda a ave oceânica re-gistrada dentro de uma faixa de 200 milhas, a contar dolitoral (zona "econômica exclusiva"). Cada ilha, comoTrindade engloba ao seu redor também 200 milhas. Omar territorial do país é de 12 milhas. Os albatrozes reali-zam migrações espetaculares; consta que, na regiãoaustralasiana, um exemplar anilhado deD nsfez 2.950 milhas em 22 dias (média diária de 214,5km).

O número de Procellariiformes nos mares aumentano outono e inverno austrais, de março a setembro. Apa-recem, nesta época, em nossas costas, sobretudo nas por-ções meridionais, geralmente sob a ação de tempesta-des que os forcem em direção ao continente; nestas .opor-tunidades aparecem albatrozes junto com pardelas eatobás (estes últimos muito menos pelágicos), o que fa-cilita sobremodo a estimativa do tamanho das diversasespécies, o que é bastante difícil em mar aberto.

. ,

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176' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Durante as longas fases não reprodutivas (consta quea fase juvenil de dura nove anos) osProcellariiformes são levados no hemisfério sul por for-tes ventos oeste, na direção leste, resultando em migra-ções latitudinais circumpolares seguindo a massa pro-dutiva dos mares.

A região neotropical é muito rica em Procellariiformesem conseqüência da América do Sul avançar bastantepela região Antártica, pátria de muitas dessas aves. Commais observações no alto mar serão registradas no Bra-sil mais espécies de aves pelágicas. O nome "albatroz" écorruptela de "alcatraz", não derivando de alvo (branco).

dos

Encontramos na costa do Rio Grande do Sulespécimens de e sujos de petróleo;na costa doParaná, um exemplar deo. osucumbiu ante a mesma poluição. Os mares tornam-secheios de plásticos flutuantes e redes abandonadas quetantas vezes significam a morte de aves oceânicas. Vtambém sob Procellariidae.

ALBATROZ-GIGANTE, VS Am

120cm. Maior das espécies. Enorme bico amarelo ourosado; as narinas abrem para cima; plumagem total-mente nívea exceto na ponta da asa que é negra; imatu-ros predominantemente pardos, semelhantes aos deoutras espécies da família. Pelágico. Encontra-se aciden-talmente na costa brasileira, por exemplo, no Rio Gran-de do Sul e Rio de Janeiro (Cabo Frio, julho). Nidificaem ilhas subantárticas. "Albatroz-viageiro*".

ALBATROZ-REAL, VS

lIOcm. Muito parecido com o anterior, porém de bicomenos grosso e com a parte cortante da maxila anegrada;as narinas abrem para a frente. Ocasionalmente encon-trado nas costas de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Gran-de do Sul. Um indivíduo anilhado como filhote em NovaZelândia em outubro de 1976, foi encontrado morto emTramandaí, 'Rio Grande do Sul, em ag~sto de 1977.

ALBATROZ-DE-SOBRANCELHA,

VS Pr. 2, 4

83-93cm, envergadura de 2 metros, sendo a largurada asa de apenas 16cm. Espécie relativamente abundan-te em nosso litoral meridional. Bico amarelo, olhos atra-'vessados por uma curta faixa cinzenta; face superior dasasas e cauda negras ao contrário das duas espécies ante-riores, uropígio branco. Imaturo mais escuro, com bico,alto da cabeça e lado superior do pescoço anegrados.Nidifica na Argentina (p. ex., Terra do Fogo); migra até

São Paulo (março), Rio de Janeiro (março, maio, junho,julho, e outros meses), ex-Estado' da Guanabara (junho,novembro, dezembro) e até mais ao norte. Dentre osfi-

lhotes anilhados nas ilhas Falkland (Malvinas), 46 fo-ram encontrados em costas brasileiras em fevereiro de1976, sendo 41 entre o Rio Grande do Sul e Rio de Janei-ro, 4 na Bahia, um em Sergipe e um em Alagoas. Umindivíduo anilhado ainda filhote nas Malvinas, em fe-vereiro, foi capturado a 32 km da costa do Rio Grande doSul (entre Solidão e Mostardas), em maio do mesmo ano."Caivotão", "Antenal", "Pardelão" (Rio Grande do Sul).

ALBATROZ-DE-NARIZ-AMARELO, eVS

79cm, envergadura 190cm. Menor representante dogênero (do porte de uma gaivota grande), sendo porémde cauda mais longa em relação ao corpo. Na pluma-gem semelhante ao anterior, distinguindo-se imediata-mente pelo bico negro de cúlmen amarelo vivo. Locali-zado, por ex., no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, SãoPaulo e Rio de Janeiro nos meses de abril, maio e agos-to. Em geral não é visível na costa, sendo comum emalto-mar; em maio de 1971, por exemplo; cerca de umadúzia deles foram avistados dois quilômetros ao largoda peninsula de Búzios (Rio de Janeiro); já em maio de1964 foram vistos, entre o Rio e Cabo Frio, tanto indiví-duos isolados como em grupos de até meia dúzia, nesteúltimo caso sempre em companhia de igual número deexemplares deOio e n

ALBATROZ-DE-CABEÇA-CINZA ". eVS .

. [70-80cm] Mar aberto de São Paulo e Santa Catari-na, maio (Sick 1979), lembrao. chlo h nchos, tambémpequeno, cúlmen e mandíbula amarelos. No Rio de Ja-neiro em setembro.

ALBATROZ-ARISCO, VS

91-99cm. Como visitante pelágico está assinaladopara as costas do Peru, Chile e Argentina ..Primeiro re-gistro para o Brasil provém de uma fêmea jovem encon-trada morta na península de Mostardas, litoral do RioGrande do Sul em abril de 1990 (Petryet i. 1991).

.... ,-.;:; . .

PIAU-PRETO*, sc VS

84-89cm. Pelágico, reproduz em ilhas do sul dos ocea-nos Atlântico e Índico. O exemplar encontrado mortona praia de Bertioga, São Paulo em 28 de agosto de 1954,inicialmente identificado comoP.p lpeb (Pinto 1964),foi considerado como pertencente a P. (Willis &Oniki 1985). Embora esta identificação tenha sido em

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OIOMEDElDAE 177

seguida contestada (Teixeiraet . 1988), os dados apre-sentados ultimamente para validar a identificação comoP. s são perfeitamente pertinentes (Willis& Oniki1991). Existe um registro adicional (setembro) para oBrasil em alto mar, cerca de 33°S, costa do Rio Grandedo Sul (Rumboll & Jehl 1977).

Di deid( ej liog i G l)

I'"'I -

Harper, P.C. & F.C. Kinsky. 1974. t lIdentiji tion Cuide. Victoria: Victoria University Press.

Harrison, P. 1983. e bi s, iden n guide. London & Sidney:Croom Helm. (guia de campo)

[ouanin, C. & J. L. Mougin. 1979. Order Procellariiformes. Pp.48-121. In: Ch st b lhe ld.Vol. 1. 2nd ed. (E. Mayr &G. W.Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museurn of Compara tiveZoology*

MartuscelJi, P. 1992. I E elot 82-83.chl i chus, Ilha do Cardoso, SP)*

Miranda-Ribeiro, A.1928. i. io de o, 4 55-61.(espécies brasileiras)

Moraes,V. S. &R. Krul. 1994. esu I Cong . Om. 45.

PIAU-OE-COSTA-CLARA*, oe pe iVS

72cm. Totalmente cor de fuligem com cabeça, asas ecauda anegradas; em torno do olho um anel branco nãocontínuo; bico negro. Rio Grande do Sul.

(dados de captura. de s e O. sno Paraná)"

Petry, M.v., G. A. Bencke &G. N. Klein. 1991. uli. B. O. C. 1ll:189-

90 (D u ,primeiro registro no Brasil)'Prince,P.A. 1980. Ibis 122:476-88 , alimentação)

RumbolJ, M.A. E. &J.R. Jehl, Jr.1977. s. Diego . Hist.1 1-16. t ju registro em águas do sul do Brasil)'

Sick, H. 1979. li. B. O. C. 99:116. ch t primeiroencontro no Brasil).

Vooren, C. M. &A. C. Fernandes.1989. de l e êis dol do . Porto Alegre: Sagra.

Willis, E. O. &Y. Oniki. 1991. li. B. O. C.113:60-61. i ,confirmação da identificação)"

t,

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178. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

PAR DELAS, BOBOS, POMBA-DO-CABO e afins: Ff>.MíLIA PROCELLARIlDAE (21)

Aves oceânicas de aspecto e costumes semelhantesaos dos albatrozes. não atingindo geralmente o porte des-tes. Fóssil do Mioceno da Flórida (há 25 milhões de anos).

Numerosas espécies visitantes em nossas costas, suaidentificação não é fácil, exigindo literatura mais espe-cializada. Existem na literatura muitas indicações erra-das, baseadas emsig eco , como em coleções demuseus.

Fonte segura para a obtenção de espécimens sãoaquelas praias onde o mar lança indivíduos mortos oumoribundos, cuja cabeça (sobretudo o bico) geralmentepermite a diagnose; todavia tais carcaças se desfazemrapidamente. Um único representante,

inioni n reproduz no Brasil, na Ilha da Trindade.[Acrescente-se aqui, possivelmente,Puffinus ssi e

lh inie i, conforme evidências recentes.]Restos de procelarídeos são encontrados em sítios

arqueológicos pré-columbianos no sudeste do Brasil (Vtambém pingüins).

Espécies de procelarídeos pertencem às aves mais nu-merosas do mundo, p. ex.Puffinus griseus cujo total foicalculado em um bilhão. Muito mais numerosas são cer-tas espécies de ploceídeos, comoQuele que da Áfricameridional, calculados em vários bilhões.

ologi h bitos, e o

Narinas tubulosas coladas uma à outra junto à basedo cúlmen ("Tubinares"). Por esses túbulos corre a se-creção de sal feita pela "glândula de sal" (v. Laridae)para a ponta do bico por um sulco entre o culminicórnioe o latericórnio. Voam velozmente rente à superfície domar, planando e batendo, às vezes rapidamente as asas;fazem curvas abruptas virando o corpo de um lado parao outro. Tal como os albatrozes, seguem uma trajetóriasinuosa, serpenteando sobre o mar aproveitando-se daação das correntes aéreas horizontais. Concentram-se naárea da plataforma continental onde a alimentação é maisrica; aproveitam-se dos cardumes de peixes jovens, atraí-dos por barcos pesqueiros; us g is chega a mer-gulhar para apossar-se de uma isca usando as asas comoremos (v. também ec oides).

As pardelas do gênero l vivem do plânctonque filtram no bico através de um sistema de lamelasque lembram as barbatanas das baleias (v. também sobpingüins). Num vôo rente à superfície do mar os

l capturam com o bico aberto e submerso ozooplâncton (sobretudo crustáceos, comoEuph queaflora durante a noite; muitos desses organismos minús-culos são luminosos, orientando as aves. Oscom seu bico forte de gavião têm o hábito de arrancarpedaços de grandes Cefalópodes ou lulas ("fura-bucho").Associam-se várias espécies de pardelas e aparentados

em lugares onde há concentração de peixes(comensalismo). Foi provado que os Procellariidae seorientam pelo faro para achar comida e para localizarsuas colônias situadas em pequenas ilhas no meio dosoceanos. O índice lobo olfatóriojhemisférios é de 29%em várias espécies de Procellariiformes, muito maior doque o da maioria dos Passeriformes; o índice do pomboé 20%. Todos os procelarídeos têm um cheiro penetran-te de almíscar que também permanece por tempo inde-

,- -, -,'";I , ,

,- - I

Fig. 45.Pardela,Puffinus puffinus, em vôo planadodinâmico, visto da praia de Copacabana, Rio deJaneiro; d. direção do vento. Abaixo projeçãovertical da mesma situação, em escala reduzida. Orumo da ave procede num ziguezague, acompanhan-do os lombos e vales das ondas, ascendendo edescendendo, a ave se tornando visível apenasquando sobe, destacando-se então contra o horizonte.A ave se aproveita do vento que sopra sobre asuperfície do mar comoúnico meio propulsor,abstendo-se inteiramente de batidas das asas.Da mesma maneira voam os albatrozes, no alto-mar.

finido em exemplares taxidermizados e até em coleçõesoológicas.

As l , D tion, certos e tambémas almas-de-mestre (Hydrobatidae) são tão adaptadasà vida em alto-mar que em terra não sabem andar nemconseguem se manter em pé; escavam (o que não faz

e n i galeri'á's subterrâneas que pos-sam atingir em vôo direto; o pardelão, nectes, pou-sa na terra como uma gaivota, onde procura cadáverese tira ovos e filhotes de aves costeiras.

ig

Puffinus puffinue executa migrações anuais regularesentre a Europa e América do Sul (Atlântico Sul), sãoportanto, migrações transequatoriais. Os recém-nasci-dos acumulam depósito de gordura tão grande que de-vem ser capazes de viajar direto do mar da Irlanda àságuas do Brasil.C ect is procedente da Il~a

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PROCELLARIIDAE 179

da Madeira, vem ocasionalmente à costa da América doSul.

Inversamente, is procria no Atlânticomeridional, migrando ao Atlântico setentrional ondepermanece durante o verão, regressando na primaveraaustral; faz 9.000 km em 35 dias (300 km por dia). Calcu-la-se queP is migra 24.000 km por ano,P saté 35.000 km.

Há durante todo ano numerosos procelarídeos espa-lhados pelos mares, pois tornam-se adultos apenas comcinco ou mais anos de idade, tendo antes folga paraperambular pelos oceanos (v. albatrozes). Em nossaságuas já foram apanhados diversos representantes des-ta família que haviam sidoanilhados,sobretudo o bobo-pequeno, procedentes da I.nglaterra. O aparecimento deProcellariiformes ao longo dos grandes rios no meio docontinente parece bastante estranho; existem vários re-gistros destes p. ex. para ,

e is eaté para Mato Grosso.

n

Algumas espécies, sobretudo as , têm suapresença assinalada no litoral brasileiro somente quan-do ocorrem mortandades. Seus restos são então atira-dos em grande quantidade a certas praias sem que sesaibam as causas que levaram a tal morticínio (v. pin-güins). Mortandades de nas costas doSuriname ficaram também sem explicação. Foi ventila-da a falta de comida naqueles mares tropicais distróficos,que essas aves têm que atravessar durante suas migra-ções regulares para chegar das águas eutróficas antárti-cas às águas correspondentes árticas (Mees 1976). Estainterpretação é confirmada por observações nossas: em11km de praia foram encontrados em julho de 1982, 2000

, alguns ainda com vida(L. A. Rosá-rio, B. T. Pauli, Santa Catarina). Visto que os autopsia-dos tinham estômago vazio, poder-se-ia concluir que asaves morreram de inanição. O problema é que os

i vivem de plâncton ou alimento semelhantediminuto cuja detecção no estômago é difícil, até emmaterial fresco; poderia-se obter mais amostras utilizan-do pequenos e breves bombeamentos no ,tubo digesti-vo. Mais significativo é quando não se acha vestígio degordura e o peso das aves está abaixo da média. Apósuma tempestade (inverno de 1987) que durou quatrodias, com vento leste de velocidade variando entre 20 e40 nós, foi percorrido um trecho de 21 km na praia doCassino, Rio Grande do Sul, onde foram encontrados 2

l o , 50 g c , 10l spp., 1 s, 1 e

lessonii e 6 Muitos destes indivíduosapresentavam estômagos com alimento: cefalópodes,peixes, plásticos (enchendo completamente o estômagode um indivíduo), também patas de pequenos

procelarídeos (Costalunga & Chiaradia 1988).Procellariiformes costumam fugir das frentes de maltempo, aparecendo então longe da sua região típica; nes-ses casos podem seguir rios chegando até mesmo a MatoGrosso. Os procelarídeos são ameaçados por engolirplásticos e partículas de polietileno e pela poluição porpetróleo, o que registramos sobretudo empu (Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro).

PAROELÃO-GIGANTE, s VS

88cm. Porte de um albatroz, porém tendo as asas bemmais curtas e largas. Uniformemente fuligem, bico ex-cepcionalmente grosso e alto na base, os túbulos nasaissão muito compridos, estendendo-se sobre todo oculminicórnio, a cor do bico é amarelo-claro, o que cha-ma a atenção. Voa com rápidas batidas de asas, int=rca-lando um curto planeio. Pesca, ataca e devora outrasaves marinhas. O costume dessas aves de vomitar o con-teúdo estomacal fedorento, quando são apanhadas, pos-sibilita controlar o seu alimento e até parasitas internos.Migrante austral, nidifica, p. ex., nas Malvinas; chegaaté São Paulo e Rio de Janeiro (agosto), sendo freqüenteno Rio Grande do Sul. Um exemplar capturado em 14de junho de 1961, fora anilha do ainda filhote numa ilhaao sul da Austrália, em 3 de janeiro de 1961. Outros trêsindivíduos, anilhados na Antártica (S. Orkney) foramencontrados no Brasil: dois no Rio Grande do Sul (mar-ço, junho) e Rio de Janeiro (junho). Estão envolvidas duasespécies crípticas(sibling specie onectes gige M. halli, e até híbridos dos dois que não são raros naAntártica (Iohnstone 1974). M.gig tem a ponta dobico verde, M.halli avermelhada. "Petrel-gigante*". Vergaivota-rapineira-grande (Stercorariidae).

PETREL-G,IGANTE-OO-NORTE, esVS

81-94cm. Considerada espécie gêmea de M. gig s,assinalada ao longo da costa da América do Sul para onorte até o Uruguai, apenas recentemente foi registradano Brasil. Martuscelli et l. (1995) divulgaram o encon-tro de um exemplar imaturo encontrado morto em 27de setembro de 1994 na praia de Ilha Comprida, litoralsul de São Paulo.

PAROELÃO-PRATÚOO, l es VS

50cm.Ave grande de corpo pesado, bico alto.aduncoe cor-de-rosa. Plumagem cinzenta bem clara (manto), ca-beça e partes inferiores brancas; asas com uma grandeárea branca na base das primárias internas, lembrandoD ption. Migrante meridional que aparece ocasionalmen-te em número razoável. Por exemplo: Rio Grande doSul (novembro), Rio de Janeiro (setembro), Rio Grandedo Norte (São Roque). Considerado substituto geográ-

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180 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

fico do setentrional c "Fulmar-pratea-do*". V Introdução, mortandades.

POMBA-DO-CABO, VS Fig. 46

36cm. A espécie de maior ocorrência e abundânciadentre as que seguem navios: inconfundível pelo dese-nho xadrez do dorso e pela presença de duas áreas bran-cas maiores sobre cada asa. Procedente do Antártico,aproxima-se da costa, tendo aparecido em Cabo Frio (Rio

Fig. 46.Pomba-do-cabo,D ption pense,mostrando otípicopadrão xadrez.

de Janeiro) e no ex-Estado da Guanabara (novembro) .. Dois exemplares anilhados em S. Orkney foram apanha-dos no Brasil no mês de setembro, um em Santa Catari-na e outro em São Paulo, a 70 milhas ao largo de Santos."Pintado" (espanhol).

PARDELA-DA- TRINDADE,

Fig. 47

40cm. Um dos poucos representantes da família queprocriam em território nacional. Inteiramente cor de fu-ligem ou com áreas brancas de extensão variável no ladoinferior, havendo muita variação. Quando em vôo e 'vis-to de cima, destaca-se pequena área branca na base dasprimárias (que possuem raques amarelas), lembrandouma gaivota-rapineira. semelhante à do trinta-réis.Abundante na Ilha da Trindade onde nidifica em cavi-

Fig. 47.Pardela-da-trindade.

dades naturais dos picos fonolíticos ou protegido porvegetação rasteira. Põe um único ovo branco; parece quereproduz durante o ano todo.É diurno (ao contrário deoutras pardelas) e é, conseqüentemente, de observaçãofácil. Sobre uma aproximação ao continente não há da-dos seguros; a identificação pelo binóculo é precária, jáexistem tais observações; não é migratório, mas é leva-do às vezes por tempestades até a América do Norte."Fura-buxo", "Grazina-da-trindade*". P. oé substituto geográfico dee o o neg/ec do Pacífi-co e doÍndico (Mauritius).

FURA-BUXO-DE-CAPUZ, VSAm

44cm, envergadura Ll.Ocrn.Espécie grande, cor dechocolate, também lado inferior das asas e infracaudais,garganta salpica da, barriga branca. Comum no Atlânti-co Sul, reproduz em Tristão da Cunha, aparece em águasdo Rio Grande do Sul, tanto ao largo (cerca de 100km dacosta, setembro a novembro, em número razoável), comomorto nas praias (Cassino, novembro), Santa Catarina(Florianópolis, novembro) e Rio de Janeiro (novembro),por exemplo. "Grazina-de-barriga-branca*".

GRAZINA-DE-BICO-CURTO*,

VS

[36cm.Um macho capturado perto de Salvador, Bahiaem setembro de1985 (Teixeiraet aI. 1988).Um exemplarde sexo indeterminado foi encontrado na praia do Cas-sino, Rio Grande do Sul (Vooren& Fernandes 1989).Pelágico, reproduz em ilhas do Atlântico Sul e oceanoÍndico.

A alegada ocorrência de P no Brasil ba-seia-se na hipotética e esquemática área de dispersão daespécie por mares do sul, atingindo as latitudes, de 25°ou 30°(Harríson 1983).Sua permanência na lista de avesdo Brasil carece agora de evidência adicional, pois o re-gistro de P t baseado em duas peles oriundasde Santos, litoral de São Paulo (Pinto1938),que interfe-riu certamente para delimitação desta amplitude de dis-persão, provou mais tarde tratar-se de nus gapós reexame do material (Teixeiraet aI. 1985).

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PROCELLARIIDAE 181

GRAZINA -DE-CABEÇA-BRANCA *,

lessonii VS

[40-45cm. Vagamente indicado como ocorrente nacosta sul do Brasil (Meyer de Schauensee 1966), a espé-cie foi encontrada morta na praia do Cassino, no inver-no de 1987 (Costalunga& Chiaradia 1988) e registradano litoral de Santa Catarina (T. R. Azevedo). Reproduznos mares do sul estando na América do Sul assinaladotambém para o Chile; Argentina e Uruguai.]

DIABLOTIM*, VN Am

[35-46cm. Único procelarídeo em declínio e ameaça-do de extinção mencionado para o Brasil (Collaret at.1992).Afora vagos registros de ocorrência em águas bra-sileiras (Mathews 1934, Peters 1931), consta q~e entre1987e 1988 foi encontrada nas ilhas de Trindade e MartinVaz (Nacinovic et aI. 1989). Reproduz atualmente emilhas do mar do Caribe: Cuba, Haiti e RepúblicaDominicana. ]

GRAZINA-MOLE*, VS

[34-38cm. Assinalado no Brasil para o litoral do RioGrande do Sul, setembro, outubro e novembro (Paessler1911, Belton 1984, Vooren& Fernandes 1989) e Paraná,maio (Moraes& KruI1994). Pelágica, reproduz em ilhaslocalizadas no sul do oceano Atlântico e Índico.]

PRIÃO-AZUL ". VS

29cm. Semelhante aos í fronte esbranqui-çada. Búzios, Rio de Janeiro, julho de 1984 (Teixeiraet1985).

PARDELA-DE-BICO-DE-PATO, VS

29cm. Parecida com a espécie que se descreve a se-guir, porém tendo o bico largo e intumescido (13,6mma 16,Omm de largura, contra 11,5mm ou menos para

. apresentando lamelas bem distintas. Porexemplo em São Paulo (julho, agosto), Rio de Janeiro (ju-lho, agosto), Pernambuco (julho) e Praia do Cassino, RioGrande do Sul, (outubro) (Belton 1984). Incluide acordo com Sinclair (1987). "Prião-de-bico-largot".

FAIGÃO, VS

28cm. Menor dos procelarídeos. De bico singular (v.o anterior): Partes superiores cinza-azuladas, partes in-feriores brancas; sobre as asas uma faixa negra que ligaas escapulares com o encontro e este às primárias, demodo que quando em vôo, a ave apresenta algo comoum "M" marcante (aliás, caráter geral de todo o gêne-

ro). Gregário como seus congêneres. Pelágico, sendo re-gistrado na costa apenas quando ocorrem mortandades;em uma delas, ocorrida em 30 de agosto de 1972, emBúzios (Rio de Janeiro), foram contados restos de 200exemplares desta espécie (havia também cadáveres de

a um quilômetro da praia. Ao mesmo tempo(25 de agosto de 1972) foram encontrados mais restosde P na praia de Jacarepaguá (ex-Estado da Gua-nabara), distante do local anterior 150km pela linha dacosta; seguramente ambos os locais testemunhavam amesma mortandade, o que nos dá idéia do vulto do acon-tecimento. Ignoramos em quantos quilômetros além daárea indicada as praias ficaram juncadas de cadáveresatirados à costa pelo mar. Registraram-se outras mor-tandades entre São Paulo (junho a agosto) e Rio Grande

. do Sul (junho). "Gaivota" (Rio Grande do Sul), "Pardela".(ex-Estado da Cuanabara), "Prião-de-bico-fínot".

PARDELA-PRETA, VS

55cm, envergadura 138cm. Porte avantajado, asasestreitas. Inteiramente cor de fuligem com o mento bran-co (o que nem sempre é visível durante o vôo) ou escuracomo o corpo; bico relativamente curto mas forte, es-branquiçado, com desenho preto. Visitante meridionalabundante em alto-mar (Rio Grande do Sul, abril), tam-bém aparecendo na praia sob a forma de indivíduos iso-lados. São Paulo, Rio de janeiro (abril, agosto), Ilha deMarajó e embocadura do Tocantins (Pará), por exemplo."Pardelão-de-queixo-branco", "Corvo-de-bico-branco","Procelária-de-bico-branco*". Mencionado porMarcgrave em 1648.

P ARDELA-CINZA, e cin VS

48cm. Um indivíduo morto foi encontrado na praia deRio Grande (32"5), Rio Grande do Sul em novembro de1982 (Vooren& Femandes 1989).Dois outros registros an-tigos foram feitos em alto-mar na altura da costa do RioGrande do Sul (Belton 1984). "Procelária-de-asa-preta*".

BOBO-GRANDE, VN

49cm. Tem o porte e o aspectoda espécie mé'nc'lO-na-.da a seguir, diferindo desta por ter o boné mais claro(pardacento) e o bico amarelado, ponta escura. Visitan-te setentrional, no alto-mar na altura de Pernambuco eEspírito Santo (maio), Bahia (maio). Dois indivíduos a-nilhados na Ilha Selvagem (entre Madeira e Canárias)foram encontrados mortos na costa do Ceará (dezem-bro) e do Rio Grande do Sul (Tramandaí, fevereiro); umterceiro cadáver não anilhado deu às costas de SantaCatarina (dezembro) e mais um no Rio de Janeiro (ju-nho). "Pardela-de-bico-amarelo+". [Um sumário de suasaparições na costa brasileira está apresentado emPacheco& Maciel (1995).]

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182' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

BOBO-GRANDE-DE-SOBRE-BRANCO, nusVS .

SOem, envergadura ll1cm. Um dos maiores repre-sentantes do grupo, distinguível pelo boné e mantocor de fuligem escura, asas e cauda negras em con-traste com um colar, uma cinta na base da cauda e aspartes, inferiores brancas; bico negro, nadadeiras rosa-das. Visitante meridional que atinge as águas brasilei-ras em número considerável durante suas migraçõesregulares (v. Introdução) quando se dirige, entre abril emaio, para o Atlântico setentrional aproximando-se dacosta em grandes bandos neste ínterim, por exemplo nolitoral do Rio Grande do Sul (setembro a novembro) eCeará (maio, voando rumo norte); às vezes grupos de50 a 100 ao redor de navios perto do litoral (Búzios, Riode Janeiro, maio; um cadáver lançado à praia (ex-Esta-do da Guanabara, julho); Bahia (maio) Paraíba, Ceará,ao largo. Nidifica em grandes colônias no arquipélagode Tristão da Cunha no período de setembro a abril e,provavelmente, também nas Ilhas Malvinas. "Pardela","Pardela-de-bico-preto*" .

BOBO-ESCURO, inus VS

44cm. Espécie média totalmente cor de fuligem,exceto pelo. lado inferior das asas que é branco; bico enadadeiras negras. Visitante meridional infreqüente,assinalado por ex.: no Rio Grande do Sul (maio, agos-to), Barra da Tijuca, Rio de Janeiro (julho) e Bahia. Umadas aves mais numerosas do mundo. "Pardela-preta*".

BOBO-PEQUENO, Puffinus VN

35cm. Espécie pequena de bico fino; partes superio-res negras uniformes, inclusive os lados da cabeça e dopescoço; partes inferiores brancas.Puffinus p.

g el( ej t é g )

Antas, P. T. Z., A. Filippini & S. M. Azevedo-Iuníor, 1992. ist 79-80. s ss , primeiro registro para o

Brasil)'

Brenning, U. & W. Mahnke. 1971. eit . ge . 1 -103.(migração)

Cooke, F. & E. L. ls.1972.Ibis114 245-51. (aves pelágicas na costada Argentina)

Costalunga, A. L.& 'A. Chiaradia. 1988. s os Cong . s.ool. . 466. (mortalidade na praia do Cassino)

Efe, M. A. & C. M. Musso. 1994. os Cong s. o82. primeiro registro no Brasil)"

Gill, F. B., C. Jouanin &R. W. Storer. 1970. 87:514-21. e o, biologia)

Harris, M. P.& L. Hansen. 1974. . o . 68 117-37.(migração)

reproduz na Europa (também na Islândia e nas Bermu-das; outras raças no Havaí, na Nova Zelândia etc.) imi-grando durante o inverno setentrional ao Atlântico me-ridional onde permanece durante alguns meses em alto-mar; neste período não é raro em nossas águas. Em 1962foram localizados nove indivíduos, anilhados na Ingla-terra, na faixa de costa entre o Rio Grande do Sul e o ex-Estado da Guanabara; dentre estes, um exemplar captu-rado em 16 de outubro, em Caiaguatatuba (São Paulo),fora anilhado 45 dias antes em Skokholm, País de Gales,ainda filhote. Um outro indivíduo, achado morto naponta norte da Ilha de Santa Catarina (Praia Brava) em25 de setembro de 1980, fora anilhado em 30 de agostode 1970, também na Ilha de Skokholm. Até novembrode 1975 foram registra dos emáguasbrasileiras 80 indi-víduos anilhados na Inglaterra. Tanto no Uruguai comona Argentina foram encontrados espécimens anilhados.Procriam apenas com cinco anos de idade (v. Introdu- .ção), "Pardela", " Cerva", "Pardela-sombriat".

PARDELA-PEQUENA *, lis

[25-28cm) Um exemplar capturado em Fernando deNoronha em 21 de março de 1989 (Antaset 1990)Depois se falou até numa pequena colônia nessa ilha

do , 23 agosto de 1990). [A reprodução emfendas nas rochas, na ilha Morro da Viuvinha, Fernandode Noronha foi constatada em duas oportunidades(Schulz Neto 1995a).]

PARDELA-DE-ASA-LARGA, Puffinus lherminieri

29-31cm. Encontrado recentemente reproduzindo noarquipélago da Itatiaia, costa do Espírito Santo (Efe&Musso 1994), tratando-se da primeira menção para oBrasil. De ampla distribuição nos oceanos tropicais, re-produz, p. ex., a forma típica em ilhas do Caribe.

Harrison, P. 1983. s, n identi c on guide. London & Sidney:Croom Helm. (guia de campo)

Haverschmidt, F. 1971.[. O no 112:459-60. s, migração)

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Luígí, G. 1992. II C . . o G 86.injon n biologia)'

Martuscelli, P. 1992. n E V, elot 82. ( i71U g is, SãoPaulo)'

Page 183: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

PROCELLARIIDAE 183

Martuscelli, P. 1992. 82-83.ides, Ilha do Cardoso, SP)'

Martuscelli, P.,F.Olmos & R. Silva e Silva. 1995. .o.C. 11 187-88. primeiro registro no Brasil)"

Mathews, G. M. 1934. it. . 39:151-206 (lista sistemática edistribuição )'

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Metcalf, W.G. 1966.Ibis 108:138-40. u inus is, costa brasileira)Moraes, V.S. &R. Krul. 1994. 45.

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Nacinovíc, J. B., G. Luigi, D. M. Teixeira, E. Kischlat & R. Novelli.esu I l. 135.

t Trindade)"Novaes, F. C. 1952. . 12:219-28. ilha

Trindade)

Novaes, F. C. 1959. 61:299 rioAmazonas)'

Pacheco,J. F. & N. C. Maciel. 1995. 3:82-83. csumário de aparições no Brasil)"

Paessler, R. 1911. . Rio GrandedoSul)*

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Straube, F.C. & M. R. Bornschein. 1991. I .l 32-33.tPuffinus Bahia, Paraná e Santa Catarina)*

Stresemann, E. & V. Stresemann. 1970.J. 111:378-92.(muda emigração)

Thomson,A. 1.1969. 130-40. tPuffinus, migração)Vooren, C. M. &A. C. Fernandes. 1989. de e éis do

do . Porto Alegre: Sagra.

fI

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184 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

ANDORINHAS-DO-MAR: FAMÍLIA HYDROBATIDAE (4)

As menores dentre as aves oceânicas; uma alma-de-mestre pesa apenas 20 gramas, enquanto um albatroz,representante da mesma ordem, Procellariiformes, podepesar mais de 8 quilogramas. Fósseis do Mioceno Supe-rior da Califórnia (10 milhões de anos).

Têm apenas o tamanho de uma andorinha; voam tãorente ao mar que logo desaparecem atrás das ondasmaiores. Sua trajetória errática de vôo pode lembrar ados morcegos, manobram com os pés pendentes comose andassem sobre a superfície d'água, daí o nome"Calcamar", "Ave de São Pedro", "Petrel", "Danzarin".Suas pernas são tão fracas que, sobre o solo, estas avesarrastam-se sobre o ventre apoiando-se com as asas (v.também família anterior). Crepusculares e noturnoscomo muitos Procellariiformes porém, também ativosde dia. Sobre olfato veja sob Procellariidae. A excreçãodo sal do mar (cloreto de sódio), pelas glândulas supra-orbitais, processa-se através das narinas tubuliformes,num jato semelhante ao de uma pistola de água (v. sobLaridae). Durante tempestades refugiam-se nas baíaseaté nos portos. Procriam em ilhas oceânicas, fora do Bra-sil. Não guardam parentesco nem com as andorinhas eandorinhões, nem com os trinta-réis.

ALMA-DE-MESTRE, Oce es VSFig.48

18cm. Ave delgada de cauda curta e quase retangu-lar. Totalmente fuligem com o uropígio branco; pernaslongas (maiores que a cauda), membranas natatóriasamarelas, o que, em vôo, chama-nos muito a atenção.Visitante austral que nidifica nas Malvinas, por exem-plo; chega até oAtlântico setentrional. Comum nas águasbrasileiras em alto-mar, sapateando na superfície da águae fazendo até pequenos saltos, pescando, às vezes embando, por exemplo, entre o Rio e Cabo Frio (maio, as-

. sociadas a albatrozes-de-sobrancelha) ou isoladas entreilhas (Santos, São Paulo, maio, julho); ex-Estado da Gua-nabara (novembro), Rio de Janeiro (maio, agosto, novem-bro), Pernambuco (março). "Andorinha-das-tormentas".

ibliog eb li Ge l)

Bourne, W. R. P. 1985. Storm-petrel. Pp. 454-56. In: Dictis (B. Campbell & E. Lack, eds). Calton: T& A D Poyser e

Vermillion: Buteo Books."

Escalante, R. 1988.Co ol. us. Hist. nt ideo 12: 167.(O no o leu Uruguai)

Fig. 48.Alma-de-mestre,Oce ites oce s.

TAPERElRA, · VN

21cm. Cauda relativamente longa e algo bifurcada (oentalhe é pouco nítido); pernas curtas, nadadeiras negras;uropígio branco, dividido longitudinalmente por uma áreanegra. Amapá (maio, dezembro), Bahia (fevereiro) e Riode Janeiro. Visitante doAtlântico setentrional. "Painho-de-cauda-forcada*".

PAlNHO-DE-BARRIGA-BRANCA ".

VS

20cm. Lado superior anegrado, uropígio branco; ladoinferior branco como nas coberteiras inferiores das asas.A espécie seguinte é muito semelhante. Em alto marentre Rio de Janeiro e Bahia (outubro, Coelhoet i. 1985).

PAlNHO-DE-BARRIGA-PRETA *, e c VS

[19-21cm]Ao largo de S. Pedro e S. Paulo e Femandode Noronha (Teixeiraet I. 1986).

Harrison, P. 1983. ds, identi tion gu London & Sidney:Croom Helm. (guia de campo)

[ouanin, C. & J. L. Mougin. 1979. Order Procellariiformes. Pp. 48-121. In: Che ist b s the o ld.Vol. 1. 2nd ed. (E. Mayr &G. W. Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museum ofComparativeZoology.*

Page 185: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

PELECANOIDIDAE 185

.-. PETRÉIS-MERGULHADORES: FAMíLIA PELECANOIDIDAE (1)

Pequenas aves marinhas lembrando bastante asalcas (Alcidae, como os papagaios-da-mar, cdo hemisfério setentrional - uma admirável evolu-ção convergente. Eles vivem mais nadando e mergu-lhando que voando, adquiriram até uma muda embloco (v. marrecas). Mergulhando usam as asas comoremos (v. pingüins). Vôo vibrando, baixinho sobre omar.

bl elec oididt i Ge

Bourne, W. R. P. 1985. Diving-petrel. Pp. 455-56. In:D(B. Campbel! & E. Lack, eds). Calton: T& A D Poyser e

Vermillion: Buteo Books."Harrison, P. 1983. s, identi ion guide. London & Sidney:

Croom Helm. (guia de campo)

PErREL-I\.1ERGULHAOOR-DE-MAGAUiÃES*, ele sVS

20cm. Lado superior preto, lado inferior branco; ves-tígio de um colar branco visível de lado, secundáriascom pontas brancas, escapulares com ou sem (imaturo)desenho branco. Costa sul do Rio Grande do Sul (Vooren1985). Reproduzem no sul na Patagônia e no Chile.

[ouanin, c. & J. L. Mougin. 1979. Order Procel!ariiformes. Pp. 48-121. In:C ist the ld. Vol. 1.2nd ed. (E. Mayr&G. W.Cottrel!, eds.). Cambridge, Mass.:Museum of Compara tiveZoology"

Vooren, C. M. 1985. os II C . . 266-67.(presença no Rio Grande do Sul)

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ORDEM SPHENISCIFORMES

PINGÜINS: FAMÍLIA SPHENISCIDAE (4)

Aves oceânicas por excelência, confinadas ao hemis-fério austral. São as aves mais típicas e mais numerosasda zona subantártica (ao sul de 35°S)e antártica (Círcu-lo Polar Antártico, em aproximadamente 66°S), consti-tuindo mais de 90% da biomassa da avifauna dessa re-gião. Perfazem 18 espécies, 7 das quais na América doSul, uma reproduzindo nas costas do Peru, Chile, outranas Ilhas Galápagos, 5 nas Ilhas Malvinas. No Brasil,apenas como visitantes. Numerosos fósseis do Terciário,desde o Eoceno Superior (40 milhões de anos);

da ilha Seymour (Antártica) atingiu pro-porções gigantescas. Existe certo parentesco com os an-cestrais dos albatrozes, dos quais já teriam se separadono Mesozóico. Substituem junto com os Pelecanoididaeno hemisfério sul a família dosAlcidae (subordern Alcae,orde~ Charadriiformes) das regiões setentrionais. Emsítios arqueológicos (sambaquis, Rio de Janeiro, SantaCatarina, datados com cerca de 4000 anos) são encon-trados ossos de pingüins, mostrando a utilização des-sas aves para a subsistência dos ocupantes pré-históri-cos daqueles sítios. Aparecem em sambaquís belíssimasfiguras zoomórficas escavadas em pedra polida, de abs-tração moderna, como um pingüim nadando de 30cmde comprimento. A datação dos objetos de sambaquis,tantas vezes remexidos, torna-se difícil uma vez que setrata de material acumulado durante séculos; fala-se derestos primitivos de 30.000 anos e mais.

, ,

Sem faculdade do vôo, descendem porém de espé-cies voadoras. Não possuem pterílias, as penas estão dis-tribuídas igualmente por toda superfície da pele como

. os cabelos nos mamíferos. São as aves melhor adapta-dasà vida na água, sendo portanto especializadíssimas.Pesadas, seus ossos não são pneumáticos; aparecemàflor d'água apenas para respirar ou descansar, no últi-mo caso boiandoà vontade, virando-se de lado; distin-guem-se do biguá pelo pescoço e bicomais grossos. Remam com as asas transformadas emaletas, como se "voassem" embaixo da água. Usam "ospés munidos de nadadeiras, como leme; o primeiro dedo(o'posterior das outras aves) é dirigido mais ou menospara a frente integrando a membrana natatória. Pernascurtas, situadas muito atrás. Cauda muito curta, emvários representantes quase rudimentar. Seja frisado que

pingüins têm penas (até altamente especializadas) comooutras aves, razão pela qual achamos pouco feliz a de-signação "Impennes"(= "sem penas") para a super-or-dem dos pingüins. As narinas dos pingüins são fendasquase imperceptíveis. Glândulas nasais bem desenvol-vidas servindo para a excreção dó cloreto de sódio con- .tido, em alta taxa, na água salgada (v.gaivotas). A posi-ção lateral dos olhos não permite visão binocular. Devi-do a certas adaptações morfológicas especiais enxergammuito bem dentro da água onde apanham toda comida;fora d'água a visão é reduzida. Parece que são capazesde ecolocação dentro da água (v. Steatornithidae).

Adaptados ao frio através de espessa almofada depenas - contendo grande quantidade de ar - e grossacamada de gordura; ao darem constantes impulsos parasubirem à superfície d'água produzem calor pela inces-sante mobilidade. Nadam debaixo da água com notávelvelocidade fugindo dos seus inimigos, os lobos-mari-nhos, b que alcançam apenas os mais fra-cos; consta que chegam a 10 metros por segundo, falan-do-se de 36 a 40 km/h. Agüentam. submersos algunsminutos, as espécies grandes meia hora ou mais; vãoalém dos 10 metros de profundidade. Vivem de peque-nos peixes, polvos, crustáceosplanctônicos, sobretudoEup usis o alimento principal das balei-as. Os eniscus, de bico forte, apanham peixes pertoda superfície do mar.

Sobemà terra apenas nos lugares onde procriam ouquando estão exaustos. Andam eretos, "sentam" na cau-da e deslizam sobre a barriga.

I

Procriam pelo fim do ano no distante sul em gran-des colônias, quer nas ilhas oceânicas, quer nas costas,tanto sob o clima antártico como subantártico, regiõesricas em vida marinha em geral. eniscus g nicuscava tocas onde choca; nessa época zurra muito, dia enoite ("burro"). OsEud ptes são adaptadosà vida emlugares pedregosos, nidificando sobre áreas de casca-lho, não escavando a terra. Impressiona o destemor dospingüins em relação ao homem.

es e

Após a reprodução abandonam as colônias em mar-

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SPHENISCIDAE 187

ço e passam à vida pelágica, até setembro, permanecen-do em geral na área da plataforma continental. Quandoviajamos de navio, pingüins e outras aves oceânicascomo procelarídeos e gaivotas-rapineiras, começam aaparecer a partir de 40 milhas da costa. São trazidos paranossas águas pelas correntezas frias (corrente deFalkland) e tempestades, mas migram ativamente, na-dando. Na maioria, 95% dos casos trata-se de indivíduosnovos, de certo modo excedentes da população, que nãoregressam à região de origem. Arribam freqüentementeenfraquecidos, "naufragados", talvez por inanição nomar tropical distrófico (v. Procellariidae).

Sofrem amiúde de aspergiloses das vias respiratóri-as e verminoses (Acanthocephala).É a deficiência decloreto de sódio que favorece o desenvolvimento dernicoses, como atestam indivíduos mantidos em cativei-ro. São muito sensíveis contra qualquer poluição da águae do ar. Já foi anunciada a existência de DDT em águasda Antártica (1981). Foram encontradas pesticidas orga-noclorados na gordura de pingüins na Antártica.

Um novo e grave perigo, sem valor seletivo, os amea-.ça: a poluição dos mares por petróleo. A plumagem gru-dada perde o efeito de proteger o corpo contra o frio.No tratamento de pingüins petrolizados efetuou-se oabrandamento com uso do óleo de soja. A Marinha bra-sileira levou, certa vez, pingüins capturados na costa aCorrenteza de Falkland. no alto rr:ar.

Ocorrem mortandades de pingüins, durante as quaiso mar lança centenas de cadáveres às costas de SantaCatarina e do Rio Grande do Sul (v. p ard e las,Procellariidae). Na cavidade nasal de pinguis mortos foiencontrado um pequeno crustáceo necrófago:

[PINGÜIM-REI, VS

90-97,5cm. 15kg. O segundo maior pingüim (supe-rado apenas pelo pingüim-imperador, . repro-duz-se na região circumpolar antártica, região do CaboHorn e ilhas dos Estados. Dispersa após o períodoreprodutivo moderadamente pelos mares do sul. Rara-mente visita a costa continental da América do Sul. Umpingüim-rei foi capturado em 5 de janeiro de 1995 napraia de Saquarema, litoral do Estado do Rio de Janeiroe incorporado ao plante! do Jardim Zoológico do Rio deJaneiro (Pachecoet 1995). Trata-se do ponto mais se-tentrional relatado para a espécie, superando as duasrecentes aparições na costa da Província de BuenosAires,Árgentina (Battaglia & Salerno 1986, Fiaineni 1992).]

PINGÜIM-DE-MAGALHÃES,

VS Fig. 49

65cm, 4,5kg. Adulto com duas faixas negras atravésdo peito anterior, pouco visíveis quandobóiam na su-perfície do mar. Sexos semelhantes. Imaturos sem de-

senho distinto no peito. No Brasil predominam imatu-ros (v.Introdução) que variam muito na coloração. Ocor-rem no Chile e na Argentina. As colônias mais próximasdo Brasil estão na costa patagônica.

Fig. 49.Pingüim-de-magalhães, niscuse s, imaturo, nadando.

Nem nas suas migrações se afastam muito da terra,permanecendo nos domínios da plataforma continental(60 a 100 km distante da costa), onde há, em água menosprofunda, a maior fartura em peixes (sardinhas) e ou-tros organismos aquáticos, o que determina também aocorrência de outras aves marinhas como pardelas. Pes-cam em bandos, às vezes logo além ou dentro darebentação (Rio Grande do Sul). Sob influência do in-verno (maioa agosto) chegam até o Rio de Janeiro eBahia, excepcionalmente Alagoas, invadindo até baías,p.ex., de Sepetiba, Rio de Janeiro e de Todos os Santos,Bahia, Maior número de exemplares chega em julho eagosto; há ocorrências até em outubro. Há anos em queas praias, p.ex., de Laguna, Santa Catarina, ficam lite-ralmente coalhadas de cadáveres de pingüins após ven-tos Sul e Sudeste. Em 14-6-1971 foi encontrado na Barrada Tíjuca, de Janeiro, um indivíduo anilhadó aindacomo filhote, em 15 de janeiro do mesmo ano, em PuntaTombo (Chubut, Argentina), a 2.500km em linha reta;ocorreram mais três recuperações de pingüins anilha-dos no mesmo ano (Florianópolis, Itapema e Pântanodo Sul, Santa Catarina, julho, agosto). Na marcação dospingüins são usados "clips" do tipo aleta. Ao sul de SãoPaulo aparecem às vezes do lado do mergulhãoodiceps

o ou mais comumente do biguá (v. Introdução)."Pato-marinho", "Pato-do-mar" (Santa Catarina).

PINGÜIM-DE-TESTA-AMARELA,

olophus VS

[45cm] Lados da cabeça providos de um tufo de pe-nas cor de laranja, ligado após a fronte por uma faixa damesma cor. Antártico, subantártico, nicllfica nasMalvinas e em outras zonas subantárticas do globo.Ocasionalmente transviado até o Rio Grande do Sul:barra do Arroio Chuí em 5 de julho de 1964, bando demais de dez exemplares completamente exaustos."Pínguíno-rnacaroní", "Pinguino-de-penacho-anaran-jado" (Argentina).

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188 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

PINGÜIM-DE-PENACHO-AMARELO,

ch s e VS

[40cm] Bem parecido com o precedente, porémmenor, tufos amarelo pálido e não conectados porqualquer faixa. Um indivíduo no Museu de Pelotas,

iog heniscidl G l)

Barbieri, E.& C. M. Vooren.1993. nte 7:18-22 (recuperação depingüins oleados)"

Battaglia, G. E.& J. C. Salerno.1986. es 11:8-9. dp nicus em BuenosAires)*

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em BuenosAires)*Harrison, P. 1983. , n identi guide. London & Sidney:

Croom Helm. (guia de campo)[acobus, A. L., M. Gazzaneo & S. Momberger. 1988. esu

Con . . . Cu ti 465. ( pheniscus l presença

Rio Grande do Sul; uma fêmea encontrada morta napraia de Mostardas, Rio Grande do Sul (agosto 1980,F. Silva, C. Taffarel); espécie que vem mais regular-mente ao Uruguai. Zona subantártica, reproduz nasMalvinas e na porção meridional da América do Sul.

hoppe .

em sítios arqueológicos)[ouanín,C. & J. L. Mougin. 1979. Order Sphenisciformes. Pp.121-

34. In: C ist VoI.1. 2nd ed. (E.Mayr& G.W. Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museum of Compara tiveZoology.*

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Page 189: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

ORDEM PELECANIFORMES

RABOS-DE-PALHA: FAMÍLIA PHAETHONTIDAE (2)

Aves marinhas de distribuição pantropical. Fóssil doTerciário Inferior (Eoceno, há 50 milhões de anos) da In-glaterra e do Quaternário das Bermudas (há 8.000 anos).Lembram os trinta-réis, com os quais não são aparentados.

n

,Do tamanho de um pombo ao qual se assemelham

inclusive na maneira rápida e reta de voar, não sendoperturbados nem por tempestades.

Suas retrizes medianas são extremamente alongadase adelgaçadas do meio para a extremidade, dando-lhesuma aparência graciosa sem igual nas aves marinhas;as pontas das suas retrizes prolongadas quebram du-rante a nidificação. Bico forte, pontiagudo, com narinasexternas (ao contrário dosatobás): bordos das mandí-bulas serrilhados. Sexos iguais.

Deixam-se cair no mar de uma altura considerável(tal como os atobás), mergulhando de três a quatrometros para capturar peixes e polvos; portam grandemembrana natatória (v.Pelecanidae). Seu alimento prin-cipal nos Abrolhos são peixes-voadores (Coelho 1981).Descansam de cauda levantada, pousados sobre a água;bóiam com mais facilidade do que uma gaivota. Deco-lam com alguma dificuldade; aterrissam "de barriga",não sabem andar direito nem podem ficar de pé. Suasvozes lembram as dos trinta-réis.

Criam em ilhas oceânicas, nas escarpas com buracosonde põem, sobre a areia ou entre pedras, ovos densa-mente manchados, ao contrário de outros Pelecaniformesque têm ovos uniformemente brancos ou azulados. Fo-ram registrados em dois filhotes (Abrolhos).Tornam-se competidores de outras aves marinhas, de-salojam, p. ex., pardelas dos seus buracos. A incubação(28 dias) e a permanência dos filhotes no ninho (63 dias)de são longas, situação típica para aves quesão pouco ameaçadas durante ~ reprodução.

og o( t é g Ge

Dorst, J.& J. L. Mougin. 1979. Order Pelecaniformes. Pp. 155-93. In:Ch st o lhe Vol. 1. 2nd ed. (E. Mayr & G. W.Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museum of Comparative

.Zoology'Efe, M. A., G. S. Couto, A. B. A. Soares& A. Schulz Neto. 1992.

os Il Cong , r.49. s,

RABO-DE-PALHA, Fig. 50

Cerca de Irn, dos quais quase 40cm correspondemàcauda. Branco, de costas listradas de negro e ponta das-asas também negra (vexilo externo das primárias é es-curo); bico vermelho coral. Imaturos de cauda curta ebico amarelo. Nidifica em Abrolhos (sul da Bahia) eFernando de Noronha, ocasionalmente visita a costa(Maranhão); um indivíduo observado em Cabo Frio, Riode Janeiro (março 1984, Teixeiraet . 1985). Parece quenada consta sobre sua presença na Ilha da Trindade.Ocorrem regularmente no Pacífico, nas Antilhas e emoutros mares quentes. "Rabo-de-junco", "Crazina"(Abrolhos), "Rabo-de-palha-de-bico-vermelho"".

RABO-DE-PALHA-DE-BICO-LARANJA *,

É algo menor o que só se nota observando-o ao ladoda anterior. Difere ainda pelo dorso imaculadamentebranco e o bico laranja. Imaturo semelhante ao da espé-cie precedente, sendo porém menor. Fernando deNoronha, Mar das Antilhas e outros mares quentes.

Fig. 50. -de , ihon elhe eus.

reprodução em Abrolhos, BAl'Harrison, P 1983. ident ic tion guide.London & Sidney:

Croom Helm. (guia de campo)Snow, B.K. 1985.Tropicbird. Pp. 610-11. In: Dic o s (B.

Campbell & E. Lack, eds). Calton: T& A O Poyser e Vermillion:Buteo Books."

Page 190: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

190 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

ATOBÁS: FAMíUA SULIDAE (4)

Aves marinhas de vasta distribuição. Grande núme-ro de fósseis conhecidos desde o Oligoceno Inferior daFrança (35 milhões de anos).

o , es

Do porte de gaivotas, possuem porém as asas maiscompridas e estreitas. Singular cauda cuneiforme; gran-des membranas natatórias (v.Pelecanidae). Bico pontu-do e serrilhado, não apresentam narinas externas, o quepoderia ser uma adaptação para impedir que a água domar invadisse os dutos respiratórios em conseqüênciado choque de penetração sofrido por estas aves ao lan-çarem-se impetuosamente à superfície do mar para pes-car; notamos que os rabos-de-palha, ethon, que à fei-ção das5u/ lançam-se ao mar na faina da pesca, pos-suem narinas abertas externamente. A conseqüênciamais óbvia de tal disposição é que os atobás têm de res-pirar de bico aberto, o mesmo acontecendo com osbiguás (Phalacrocoracidae); os embriões deul pos-suem narinas abertas externamente.

Um albino de Atobá, /e g e , foi encontradona costa do Rio de Janeiro (Coelho& Alves 1987).

Glândulas nasais utilizadas na excreção.do sal comoocorre em outras aves marinhas. Um sistema de lacu-nas pneumáticas subcutâneas, largamente difundido naspartes inferiores dos atobás e rabos-de-palha; e tambémum sistema de grandes sacos aéreos entre a musculatu-ra, são interpretados como tendo o papel de proteger aave contra os violentos impactos sofridos quando estase choca contra a superfície do mar (mas essapneumaticidade é caráter geral da maioria dosPelecaniformes). Consta que nebou ii, da costaequatoriana, lança-se ao mar a 110km/h, ou seja, 30,56m/seg (Rüppell 1975). A profundidade do mergulhochega a mais de 20 m emlo s s nus.Os mares tro-picais oferecem as melhores condições para a execuçãodeste tipo de pescaria, pois suas águas são bem transpa-rentes devido à escassez de plâncton, o que permite umavisibilidade de vários metrosabaixo d'água.

O modo de pescar do nosso atobá, leucog ste ,freqüentemente não é espetacular; tira, sem ser visto, asiscas dos pescadores, ensaia pescarias coletivas. Ventocontrário forte facilita-lhes parar em pleno ar e obser-var os cardumes, apanha peixes pequenos como sardi-nhas e pescadinhas além de lulas:

Quando não pescam, voam, formando compridas fi-las, rente ao mar, alternando uma série de batidas de asacom um planeio. Para alçar vôo do mar necessitam cor-rer alguns metros para tomar impulso; pousados nasrochas lançam-se ao ar.

Notamos deslocamentos de S.Ieu t no litoraldo Rio de Janeiro, correspondendo, aparentemente, a mi-

grações regulares. Um dos primeiros atobás anilhadosem Santa Catarina como filhote foi recuperado na Ilhado Governador, Rio de Janeiro. .1

e o

Procriam em colônias situadas em ilhas; nesta oca-sião tornam-se barulhentos, suas vozes lembram o latirde cães; fora desta época mantêm-se calados.d ciijl t e l sie nidificam no solo, o ninhodo último pode ser bem arrumado, de pedrinhas e/oumaterial vegetal, dependendo do local. ParaSula sulconsta que constrói sobre árvores ou montes de galhosempilhados quando a mata foi destruída, como na IlhaTrindade, onde porém Olson (1981) encontrou-onidificando no solo. Cada espécie forma sua própriacolônia separada da espécie vizinha; no Atol das Rocas,ul nidifica de permeio com as grandes colô-

nias de trinta-réis5 [uscaia. Nota-se atividade re-produtiva de S.l t a maior parte do ano. As co-lônias podem ter muitos milhares de casais, p. ex. em

s s nus, na Europa.Põem dois ovos pequenos cobertos por uma crosta

calcária branco-azulada que, se raspada, deixa ver o fun-do pardo-azulado (5ul leuc t Colocam os pés porcima dos ovos conforme fazem outros Pelecaniformes,ao que parece mais para segurá-Ios eapertá-los contra oabdômen do que paraesquentá-los, pois a temperaturados pés não é suficientemente alta para o mister do cho-co. Não possuem placa de incubar. O período de choco,em ul l t varia de 40 a 42 dias. Costuma de-senvolver-se apenas um filhote, que nasce nu sendo sus-cetível às inclemências do sol, podendo sucumbir casoo ninho não seja sombreado; adultos e filhotes defen-dem-se da canícula ofegando, fazendo tremular o sacoguiar ou os pés quando voam. O segundo ovo é chama-do "ovo de segurança". Quando nasce o primeiro filho-te o segundo ovo é posto fora do ninho. O modo de des-cansar dos filhotes de pescoço esticado leva no caso de

.S.sul que não nidifica no solo mas sim sobre galhos,à

estranha situação em que as aves permanecendo de ca-beça e pescoço pendentes, de olhos fechados, passem aimpressão de estarem mortas.

Os pais de ul ste podem revelar seu nervo-sismo ao pegarem, com o bico, um grave to, reminiscênciada construção do ninho, fazendo o mesmo emcerimôniaspré-nupciais ("comportamento deslocado"). Os sexosse dis-tinguem pela cor.da face nua que se altera durante os ciclosreprodutivos. A vocalização do casal também é diferente.

) '"

G

Nas ilhas mais freqüentadas por estas aves houve

Page 191: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

SULlDAE 191

acúmulo de excrementos formando substância designa-da como "guano", P: ex., no litoral de Santa Catarina.Uma análise feita de material da Ilha dos Alcatrazes (SãoPaulo), revelou a seguinte composição: água 6,32%,matéria orgânica 22,25%, matéria mineral 71,42%, nitro-gênio 0,97%, fósforo 2,94% e potássio 0,56%. Compara-da com a que se acumula nas rochas costeiras do Peru, aquantidade de guano encontrada nas costas brasileirasé reduzida devido ao pequeno número de aves produ-to~as e a razões climáticas: as chuvas freqüentes remo-vem as fezes a curtos intervalos, o que ocorre tambémnos Penedos de São Pedro e São Paulo, situados no meiodo Atlântico e que abrigam grandes colônias de

stoliduse . Em Fernandode Noronha existiu no século passado uma pequena ja-zida de guano que chegou a ser explorada. produzidapor ul nidificando sobre árvores. Na década de1950 uma empresa francesa voltou a explorar comer-cialmente o guano desse arquipélago com o auxílio demaquinário, terminando por arrasar a ilha Rata. Tantono Peru como na costa da África meridional ambos declima bem seco, o trio formado poratobá, biguá e pelica-no é que contribui para a deposição do guano. Compare o .guano de aves insetívoras (veja Apodidae).

n nidícol

Os ninhos de l l e S. podemabrigar fauna nidícola característica: grandes carrapa-tos (146 indivíduos de uma espécie, retirados de umúnico ninho de S.l pseudo-escorpiões e be-souros das famílias Tenebrionidae, e Trogidae (Arquipé-lago de Abrolhos, Bahia, J. Becker, em Coelho 1981).

itos

São parasitados por dípteros hematófagos(Hippoboscidae): Ol espécie políxenaque atormenta também outros Pelecaniformes,Procellariifonnes e Charadriiformes. Consta que, emregiões tropicais, os ninhos de diversas aves marinhassão severamente infestados por carrapatosargásidos quepodem transmitir um arbovírus que lhes é fatal; ninhose até colônias inteiras (p. ex. de 5 Laridae)são abandonados.

Ini igos

Como várias outras aves marinhas, são importuna-das pelos tesourões, . Para escapar a estes ata-ques, os atobás deslastram-se vomitando o peixe quehaviam devorado, o que é precisamente o que o tesourãoqueria, apresando o butim; às vezes os atobás tentamiludir o cerco das t mergulhando. Nas ilhas maispróximas do continente, os filhotes pequenos são víti-mas de urubus.

end s, es n to, deno

Afirma-se que foram os atobás que chamaram a aten-ção de Colombo ao aproximar-se da terra; a maioria dosrepresentantes desta família não se afasta da terra (v.tam-bém Tesourão, Fregatidae). A pele dura dos atobás deuorigem a um artesanato original em Fernando de Noro-nha: a confecção de chinelos, técnica executada em ilhassubantárticas usando pele de pingüins.

O nome "alcatraz", de origem árabe, como parece, éa denominação portuguesa mais correta para as espé-cies de e não para as eg (Fregatidae).

ol

. Nas praias do Rio de Janeiro se nota durante os últi-mos anos mortandade de atobás por peixes envenena-dos pela poluição do mar.

ATOBÃ-GRANDE, l i l Fig.52

86crn. A maior espécie, branca como a seguinte, di-ferindo dela pelos pés escuros, oliváceos ou plúmbeos.Lança-se de uma altura de 10 metros ou mais em piquevertical no mar profundo, mergulhando vários metrosna perseguição aos peixes. Nidifica nos Abrolhos (se-tembro), Atol das Rocas e Fernando de Noronha. Apa-rece periodicamente na Ilha da Trindade. Foi observadoem alto-mar ao largo de Recife (Pernambuco, maio) Vi-sitante regular, mas não freqüente, em pontos da costa;Cabo Frio, banco de São Tomé e Macaé (Rio de Janeiro)(nestes dois últimos locais parece às vezes nidificar) eSalvador (Bahia). Santa Catarina (Moleques do Sul, ja-neiro 1983, um indivíduo, Lenir A. Rosário). Espécie devasta distribuição no hemisfério meridional. "Piloto-branco" (Abrolhos), "Atobá-mascarado*".

ATOBÃ-DE-PÉ-VERMELHO, l sul

7Dcm. Espécie pequena que apenas acidentalmenteaparece nas costas brasileiras. Branco como a espécieanterior, diferindo desta por seu porte inferior e pés ver-melhos; bico azulado. Espéciepolimórfica. existe ummorfo todo pardo, semelhante ao imaturo, mas de pésvermelhos (em vez de amarelados). Comum emFernando de Noronha, onde a maioria se apresenta nafase branca. Nidifica em Fernando de Noronha e Trin-

Fig. 52. Atobá-grande, ui t .

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192' ORNITOLOGIABRASILEIRA

dade. Registrado voando em alto-mar ao norte de Sal-vador, Bahia, junto com (maio 1964, I.Vogelsang); dois exemplares observados na Ilha Redon-da defronte ao Rio de Janeiro, perseguidos por

(Victor Wellisch, verão de 1978). Espécie devasta distribuição, ocorrendo também no oceano Pacífi-co. A mais pelágica das "Mombebo branco"(Fernando de Noronha).

ATOBÁ, ALCATRAZ, l Pr. 2,574cm. O mais comum dos sulídeos nas costas do Bra-

sil. Pardo-escuro, peito posterior e barriga brancas, bicoesbranquiçado. Sexos reconhecíveis pelas cores das par-tes nuas, sobretudo a região perioftálmica (incluindo aspálpebras) a qual no macho é azulada-escura e amare-la-clara na fêmea, destacando nesta, ainda, uma man-cha anegrada ("olho falso") em frente do olho (o machotem uma mancha loral escura pouco definida); as coresda face e também dos pés, cuja cor combina com a daface, variam conforme a população, a idade, a estação eaté a fase da reprodução. De uma maneira geral o ma-cho é menor e varia mais quanto ao colorido, tendo avoz bem mais fraca (vocalização dentro da colônia). Afêmea se destaca; pelo bico mais grosso.

Imaturo pardo-escuro uniforme, mais claro no ab-dômen, bico cinzento-claro, pode lembrarà distânciauma gaivota-rapineira, Ninhego inteiramen-te branco; as primeiras penas definitivas que surgem sãoas rêmiges e as retrizes pretas.

Ao contrário de , pesca precipitando-se obliquamente de média altura, geralmente em águasrasas, perto de praias e rochedos; submerge por com-pleto; para decolar corre alguns passos sobre a superfí-cie d'água. Ao cair da tarde, voando renteà água em filaindiana, demandam as ilhas aonde pernoitam. Nidificamem ilhas como as do arquipélago dos Abrolhos (Bahia,setembro), as de Macaé (Rio de Janeiro, julho) e a das

g lié i iog Ge )

Alves, V.S. 1992.Ciênci Hoje 84:58-59. (conservação)'Azevedo Júnior, S.M.,W. R.Telino Júnior& R. M. deL. Neves. 1994.

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Bege, L. R.& B.T.Pauli. 1990. B.o. C. 110:93-94.( o ,primeiro registro no Brasil)"

Coelho, E. P.& V.S.Alves, 1991. 2:85-86. ieuc te ,albinismo)"

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Harrison, P.1983. , on guide. London & Sidney:

Cagarras (ex-Estado da Guanabara, de setembro emdiante). O ninho é uma pequena concavidade no sololevemente forrada (v. Introdução). Nas ilhas onde resi-.dem empoleiram-se pacificamente ao lado de tesourões(v. Introdução), nem chegando a investir sobre urubuspousados no solo (embora os ataquem caso estes sobre-voem os locais de nidificação); quando pousam sobretouceiras de cactáceas furam por vezes asmembranas natatórias (Ilha do Francês, Macaé, Riode Janeiro). Durante o período reprodutivo são ati-vos dia e noite.

Espécie tropical e subtropical, meridionalmente atin-ge o Paraná e Santa Catarina, podendo chegar até mes-mo à Argentina. Uma colônia na Ilha Moleques do Sul,seis milhas da costa sul da Ilha de Santa Catarina, pare-ce ser o local mais meridional da América do Sul ondeocorre nidificação. Habita também o oceano Pacífico eoutros mares de clima quente ao redor do globo. "Mer-gulhão", "Mumbebo" (Pernarnbuco). "Freira", "Piloto",e "Piloto-pardo" (Abrolhos), "Atobá-patdo*".

~.

-ATOSÁ-AUSTRALIANO, VS

A superespécie da Europa (grande,branca, com extenso amarelo na nuca, primárias pretas,cauda branca ou com as centrais pretas) tem dois subs-titutos nos trópicos, muito semelhantes entre si,não iden-tificáveis a distância: s s na África, e s

na Austrália. Um representante deste grupo foiregistrado em alto-mar, em frente do Rio Grande do Sul,em julho de 1982 e em abril de 1983 por Vooren (1985).Concluímos que um indivíduo apanhado no litor~eSanta Catarina, na Ilha Moleques do Sul (Bege& Pauli1987), em junho de 1987, pertencia ao to-tal100cm, estria guIar com apenas 45mm (a estria guiarde c pensise M. b nus é bem mais longa); oexemplar taxidermizado foi depositado no Museu Na-cional, Rio de Janeiro.

Croom Helm. (guia de campo)Howell, T. R. & G. A. Bartholomew. 1962.Cond 6 6-18.

(termorregulação)Nelson, J. B. 1972. oc. 15/h lni. C he H u 371-88.

(hábitos)Nelson, J. B. 1978. e /s nd Oxford: Oxford

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s nsis. no Rio Grande do Sul)White, S.J., R. E. C. White& w. H. Thorpe.1970. i 225 1156-58

(reconhecimento individual da vocalização)

Page 193: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

PELECANlDAE 193

PELICANOS: FAMÍLIA PELECANIDAE (1)

Grandes aves aquáticas de certas zonas da Américado Norte e do Velho Mundo. Fóssil do Mioceno da Ar-gentina (há 20 milhões de anos).

Bico desproporcionalmente longo: bolsa gutural elás-tica (cuja .presença quase não se nota caso esteja vazia)que se expande largamente para os lados, servindo comouma rede de pesca e não como depósito. A língua é qua-se rudimentar.

Entre os poucos caracteres evidentes na morfologiaexterna tanto dos pelicanos como dos outros represen-tantes desta ordem estão as extensas nadadeiras queunem os quatro dedos, portanto também o hállux, aocontrário dos Anseriformes.

Existem muitas lendas sobre os pelicanos. Foramdomesticados no antigo Egito e na Ásia e veneradospelos muçulmanos. Especial popularidade ganhou osímbolo do pelicano que alimentava os seus filhotes como próprio sangue, emblema assumido mais tarde para osacrifício de Cristo. Esta lenda peculiar baseia-se no fatode o pelicano alimentar a sua prole regurgitando comi-da que os filhotes retiram ativamente do fundo do papodos pais.

PELICANO-PARDO, e VNFig.51

126cm, envergadura de dois metros. Visitanteocasional no norte do Brasil. Os bandos voam va-garosamente renteà água, em fila indiana, com o pescoçoencolhido: após algumas batidas de asa, cuja freqüêncialembra a dos tesourões g ), planam. Pousados naágua flutuam como cortiça, mantendo as asas meiolevantadas e a ponta do bico encostado no peito,observando os peixes que porventura passem ao redor.Pescam também em águas rasas e enquanto voam sobreo mar, lançando-se então com ímpeto na água. Planamfreqüentemente à grande altura e por muito tempo:

bliog eIe eibli

Dorst, J. & J. L. Mougin. 1979. Order Pelecaniformes. Pp. 155-93. In:C st bi ds the o Vol. 1. 2nd ed. (E. Mayr & G. W.Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museum of ComparativeZoology.*

Harrison, P. 1983. ident tion guide.London & Sidney:Croom Helm. (guia de campo)

pernoitam empoleirados em manguezais. Nidificam nasAntilhas etc., migrando para o sul seguindo em pequenonúmero a costa do continente até o Amazonas, subindo-o às vezes (rioTapajós, rio Branco). Na costa do Peru,onde é chamado de "alcatraz", está entre os principaisprodutores de guano. Excepcionalmente na costa do Riode Janeiro (Mitchell 1957). "Pelicano-do-mar".

A observação de um pelicano branco, pescandodurante dois dias na barra da Baía da Guanabara, voandoaté a Urca, registrado por Victor Wellisch, Rio de Janeiro,em dezembro de 1960, pode-se referir (se não a um

. albino) apenas aoel en da América,do Norte migrando, normalmente, até a Guatemala e,acidentalmente, a Cuba. Seria, ao que parece, o primeiroregistro da espécie para a América do Sul.

Fig. 51. Pelicano-pardo, le s

Schreiber, R. W. 1979.C . s C s. 317,(reprodução)"

Urban, E.K. 1985.Pelicano Pp. 442-43-55. In:Dictio ds (B.CampbelI & E. Lack, eds). Calton: T& A D Poyser e VermilIion:Buteo Books."

" ,;:

Page 194: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

194 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

BlGUÁS: FAMÍLIA PHALACROCORACIDAE (1)

Aves aquáticas do porte de um pato, de vasta distri-buição por todo o mundo, inclusive em regiões de cli-ma frio. Melhor representados na costa pacífica da Amé-rica do Sul, onde encontram ambiente mais favorável,propiciado pela corrente de Humboldt, sendo ali im-portantes produtores de guano. No Brasil inexistembiguás marítimos ou pelágicos. Fósseis numerosos sen-do os mais antigos do Eo-oligoceno da França (37 mi-lhões de anos).

Corpo pesado, bico estreito e adunco; plumagem es-cura ("corvos marinhos"). Nadam meio submersos como bico um pouco levantado; são exímios mergulhado-res, propelem-se unicamente com os pés fortes provi-dos de amplas membranas natatórias, utilizam a caudarígida e longa como um leme. O escasso valor dos mem-bros anteriores dessas aves para a sobrevivência ressal-ta-se no fato de haver uma espécie de biguá nas ilhasGalápagos que possui as asas tãoreduzidas que perdeu a capacidade de voar. Já o nossobiguá não voa mal; bate as asas rápida e continuamente,não plana, voa com o pescoço obliquamente esticado,sobe a boa altura para alcançar locais distantes: seusbandos podem lembrar aqueles de marrecas, distinguin-do-se, contudo, por voarem em formações cuneiformesbem abertas (p. ex. em 160°) que são interpretadas ge-ralmente como sendo de vantagem aerodinâmica, po-dendo haver explicações, porém mais simples, taiscomo a de manter livre o campo visual de cada indi-víduo.

Descansam pousados na beira da água, sobre pe-dras, árvores, estacas ou mesmo sobre cabos. Esticamas asas, tal como os urubus, para secar a plumageme/ou para servir à termorregulação; tanto o biguácomo o biguatinga encharcarn-se totalmente duranteseus mergulhos, ao contrário de outras aves aquáti-cas como os mergulhões (Podicipedidae) e marrecas(Anatidae).

Piscívoros, apanham freqüentemente presas sem va-lor comercial, como, por exemplo, peixes providos deacúleos; o suco gástrico do biguáécapaz de desagregarespinhas. Eliminam, geralmente, peixes doentes. NaArgentina Szidat& Nani (1951) descobriram que larvasde trernatódeos se instalam em quantidade (300 a 500 acada vítima) no cérebro de certos peixes de água doce,P: ex. sp. Tais larvas penetram também nos

cristalinos dos peixes. Os peixes debilitados tornam-sevítimas fáceis dos biguás em cujos intestinos as larvasamadurecem e se reproduzem.

As pelotas de biguás são cobertas por uma membra-na gelatinosa e contêm otólitos e cristalinos dos peixes,os quais são protegidos à rápida digestão no estômago,possibilitando a identificação e quantificação dos pei-xes consumidos. Os biguás, no Brasil, comem tambémcrustáceos como camarões de água doce (Palaemonidae)e espécies de

Realizam grandes mergulhos; os casais e grupos (deàs vezes duzentos, como vimos no Rio Grande do S1,lI)reúnem-se para pescarias coletivas e estratégicas: todosnadam lado a lado no mesmo sentido, bloqueando umcanaJ.--ouuma enseada fluvial, mergulhando quandoum peixe aparece e quer fugir. Mergulham a 20m emais.

Biguás são treinados na Ásia para apanhar peixespelos pescadores locais de forma semelhante com a téc-nica utilizada através de pelicanos adestrados no anti-go Egito.

I

I

~I

BlGVÁ, Pr. 2, 2

15cm, 1,3 kg (macho). Preto, saco guIar amarelo; du-rante a época de reprodução com penas brancas beiran-do a garganta nua e com um tufo branco atrás da regiãoauricular. Imaturos, cor de fuligem. um grito"biguá", "oák". O coro de muitos indivíduos soa ao lon-ge como o ruído de um motor. Nidifica sobre árvoresem matas alagadas, sarandizais etc., às vezes entre colô-nias de garças. Ovos pequenos, cobertos por uma crostacalcária, azul claros; manchas eventuais procedem desujeira, incubação em torno de 24 dias. As fezes ácidasdos biguás destroem as árvores mas adubam a água

_(v. sob garças).) Habitam, os lagos, grandes rios e estuários; não se

afastam da costa para se aventurarem ao mar, mas voampara as ilhas perto da costa, como a Ilha Alfavaca, emfrente ao Rio de Janeiro, onde alguns nidificam. Pescamàs vezes dentro da arrebentação pousando na praia (RioGrande do Sul). Após a nidificação emigram. Ocorremconcentrações enormes, muitos milhares, congregando,na região amazônica, p. ex. nos rios Solimões-Japurá,em outubro (L.C. Marigo). Nos grandes bandos.que apa-recem em fins de agosto na Lagoa dos Patos (Rio Gran-de do Sul),foram encontrados exemplares anilhados ain-da como filhotes em maio e junho em Santiago del Estero(Argentina), a 1.400km de distância (v.também marrecão).

Ocorrem do México à América do Sul (toda); paren-te próximo de P do hemisfério norte. "Biguá-una*".

~I

-

Page 195: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

PHAlACROCORACIDAE 195

g c oco cid et

Bó, N. A. 1956. H n 10:147-57. (morfologia, etologia)

Browníng, M. R. 1986. lson i. 101:101-06. cus, nomenclatura)'

Dorst,J. &J. L. Mougin. 1979. Order Pelecaniformes. Pp.155-93. In:Ch sl lhe . VoI. 1. 2nd ed. (E. Mayr & G. W.Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museum oi Compara tiveZoology.*

Harrison, P. 1983. guide. London & Sidney:Croorn Helm. (guia de campo)

Heruiques, L. M. P. 1993. III . Om. l r. 35.(30.000 estimados no lago Mamirauá, AM)*

Gales, R. P. 1988. lbis 130:418-26. (otólitos)

Gould, L. L. & F.Heppner. 1 91:494-506. (formação do bandoem vôo)

Rijke, A. M. 1968. r E . . 48:185-89. (impermebealidade)"

Schlatter, R. P. & C. A. Moreno. 1976. Cient.Inst. t ct. Chileno4:69-88 '(pelotas)

Szidat, L. & A. Nani. 1951. Inst. Cienc. .1:323-84. (trematódeos em cérebros de peixes).

Page 196: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

196. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

'""BIGUATINGA: FAMíLIA ANHINGIDAE (1)

Singulares aves aquáticas das regiões tropicais dasAméricas, África, Ásia e Austrália. O mais antigo fóssildata do Eoceno (mais de 40 milhões de anos) da Sumatra.Os biguatingas se distinguem nitidamente dos biguás,na morfologia, oologia e etologia. O nome Anhinga énome antigo tupi, equivalendoà "cabeça pequena". Onome foi aproveitado por Marcgrave e introdu-zido na nomenclatura científica por Linnaeus em 1766.

Pescoço fino e muito longo (20vértebras), tipicamen-te angulado mediana mente, lembrando as garças e dife-rindo daquele do biguá. Bico longo, muito pontiagudoe serrilhado (não se apresentando adunco), próprio parafisgar peixes. Cauda ainda mais longa do que a do biguá,tendo a forma espatulada e a estrutura peculiar, pois asretrizes são rígidas e onduladas transversalmente lem-brando uma chapa, construção adequada para reforçaras penas que servem de leme quando nadam abaixod'água. O biguatinga apresenta, ainda mais que o biguá,a tendência de afundar quando nada tranqüilamente; seuesqueleto é ainda menos pneumáticoe seus sacos aére-os não estão em comunicação com os ossos. As penasdo corpo encharcam, perdendo a função de formar umcolchão de ar. Com isso a ave ganha peso, o que facilitao ato de mergulhar. Entende-se que, no caso (do mergu-lhão (Podicipedidae), um invólucro de ar do qual está

Fig.53.Biguatinga, submerso,excetoa cabeça.

revestido, provoca uma impulsão ascensional, uma vezque elimina o peso do corpo.

Ao contrário dos demais Pelecaniformes, osAnhingidae processam muda simultânea de rêmiges oque os incapacita periodicamente para o vôo (v. tam-bém Anatidae). Dimorfismo sexual acentuado.

I -"

BIGUATINGA, CARARÁ Fig. 54Pr. 2, 1

88cm, l,2kg (macho). Negro com rico desenho brancosobre a asa, ponta ~a cauda clara (acinzentada), macho;fêmea de pescoço e peito pardacento-daros; imaturo dedorso pardo, quase não possuindo branco na asa, e debico amarelo. um grasnido.

, Trepam através da ramagem quese encontra sobre a água calma ficandoà espera de inse-tos aquáticos, crustáceos etc., que apanham com rápidobote, com o bico, sem deixar o poleiro. Mergulham des-tes postos na perseguição de peixes, propelem-se comos pés; às vezes abrem as asas durante as perseguiçõesmas jamais remam com elas. A anatomia singular deseu-pescoço permite-lhes dar botes rápidos e vigorosos comoos de uma cobra, espetando lateralmente os peixes comsegura punhalada. Vimos um biguatinga espetar umpeixe com o bico um pouco aberto, a maxila e mandíbu-la agindo como dois punhais independentes que crava-ram-se simultaneamente no corpo da vítima, a qual ti-nha cerca de 20ém. Para engolir a presa vem à tona, des-prendendo-a através de sacudidelas verticais da cabeçae engolindo-a em seguida. Há quem afirme que os"Meuás" reúnem-se em certo número formando umcír-

-Fig.54.Biguatinga, g g , machoadulto,repousando de asas abertas.

Page 197: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

ANHINGIDAE 197

culo à procura de concentrar peixes em um espaço res-trito (Maranhão); esta observação pode se referir aobiguá, .

, Quando não pescam, nadam deva-gar, deixando emerso apenas um pouco do pescoço e acabeça ou somente esta última, que é tão estreita queparece continuação daquele, dando a impressão de es-tarmos defronte de uma cobra d'água; quando nadamnessa posição mantêm o bico levantado quase que navertical. Foge mergulhando como o biguá. Empoleiradopermanece freqüentemente de asas abertas, impressio-nando então o tamanho e a forma côncava das mesmas.A razão para esticar as asas deve ser tripla: (1) secar asasas, (2) acumular calor em horas de temperatura baixa,e (3) SE: livrar de um excesso de calor. Pousa sobre asárvores secas. Voa alternando batidas de asas com

iot ibliog Ge l)

Becker, J. J.1986. u . 103:804-8. (fóssil)

Dorst, J. & J. L. Mougin. 1979. Order Pelecaniformes. Pp. 155-93. In:Chec st bi ds o the ld.Vol. 1. 2nd ed. (E. Mayr & G. W.Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museum of Compara tiveZoology.*

-'

planeios. Paira a grande altura, sua silhueta então asse-mélha-se a uma delgada cruz negra, impressionandoa longacauda. Ocorrem migrações locais dentro da Amazônia.

ep oduç Vivem aos casais, às vezes dentre colôniasde garças. Ninho sobre árvores.É estranho que os ovosdos biguatingas, alongados, brancos ou azulados, nãose assemelham aos ovos dos biguás mas sim aos dosmergulhões, Podicipedidae (Schbnwetter 1967).Chocamsemelhante aos Sulidae,colocando os pés por cima dos ovos.

Fora da época de reprodução encontram-se em ban-dos ou esparsos entre os biguás. Vivem à beira de rios elagos orlados de mata. Aparece em represas piscosas.América do Sul tropical, todo o Brasil; setentrionalmenteaté o México e sul dos EUA. "Calmaria" (Rio Grande doSul), "Peru d'água", "Mergulhão-serpente". O nome tupi"biguatinga" significa biguá com desenho.branco.

Owre, O. T. 1967. pt tions l n eeding in lhe ilhe Double- Washington: A.O.U (Ornith.

Monogr.6.)*

Tets, G. F.van. 1985. Darter. P. 130. In:Diction j ds (B. Campbell

. &E. Lack, eds). Calton: T &AD Poysere Vermillion: Buteo Books."

Page 198: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

198. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

_. TESOURÕES: FAMíLIA FREGATIDAE (3)

Aves de ilhas oceânicas tropicais, fósseis já noTerciário (Eoceno); também em depósitos quaternáriosdas Antilhas (8.000 anos).

l

Macho menor que a fêmea. Figuram entre os voado-res mais elegantes: possuem asas extremamente longas,estreitas e angulosas. Consta que são as aves de menorpeso por unidade de superfície de asa. O total das penasde uma pesa mais que o seu esqueleto resseca-do. Os ossos muito pneumáticos, leves e elásticos; umpelicano que tenha a.mesma envergadura pesa quatrovezes mais. Cauda profundamente bifurcada corno duaslâminas de tesoura e, à semelhança destas, com capaci-dade de abrir e fechar; as pontas de tais "lâminas" po-dem ter comprimento diverso devido à muda.

Bico longo, recurvado; pernas e pés bem pequenos,membranas interdigitais reduzidas. Nunca pousam so-bre o mar (encharcam-se rapidamente) ou sobre a praia;descansam planando, pernoitam empoleirados, suasunhas são muito apropriadas para se agarrarem firme-mente em galhos e no ninho, um fato de particular im-portância para os filhotes.

ni icens pesca na superfície do mar semmolhar-se, executando movimento elegante de cabeça.Apanha filhotes de peixes que sobem à flor d'água emcardumes, apanham peixes voadores. Perto da ilha Gran-de (Rio de Janeiro) vimo-Ia pegar um pequeno peixe-espada; apanham também bagres que sobram do servi-ço dos pescadores, quebrando os três acúleos duros des-ses peixes; parp tal deixam-nos cair tornando a pegá-Iosem pleno vôo, manobrando-os de tal forma até conse-guirem vencer seus espinhos. Quando o butim cai nomar, ocorre inevitavelmente competição com outrostesourões ou gaivotas. Devido ao seu característico vôode .altura os tesourões são muito mais eficientes na loca-lização de barcos de pesca que atobás ou outras avesmarinhas de vôo baixo. Rouba dos atobás e trinta-réis apresa ingerida, perseguindo-os com vôos acrobáticos atéque vomitem a comida, que é apanhada ainda no ar. Umtesourão pode tirar o roubo de outro tesourão, sendo oprejudicado, em geral, um imaturo. Chega a tocar nas'vítimas, pegando-as pela ponta da cauda ou até pela asa;podendo mesmo machucá-Ias (o que não presenciamosna costa do Brasil). A freqüência deste comportamentopredatório (cleptoparasitismo), que nem sempre lograobter êxito, depende da população local de tesourões eda situação respectiva.

Voando renteà areia, arrebata filhotes

de tartaruga recém-nascidos do ovo e que se dirigempara o mar (ilha da Trindade).

Os vários nomes dados a esta ave no mundo inteiroreferem-se a tais hábitos agressivos: "Fregata", que seoriginou de "Fragata", antigo navio à vela muito veloz,usado tanto na guerra corno na pirataria; "Águia-do-mar", -o- (v. também gaivota-rapineira).

itos

São severamente incomodados por hipoboscídeos,dípteros hematófagos:Ol spini (Bahia,Paraná).Tais moscas, parasitos monóxenos restritos ao gênero,enfiam-se entre as penas para alcançar a pele da ave.Voejam-lhes em enxames ao redor, quando a ave estápousada.

TE50URÃO, RABO-FORCADO, JOÃO-GRANDE,

g s Pr. 2, 3

98cm, a envergadura pode exceder dois metros, opesoé de apenas 1,5kg. Macho inteiramente negro comforte brilho violáceo no dorso; apenas excepcionalmen-te visualiza-se nele urna "gravata vermelha" (parte dosaco gular, ver abaixo). Fêmea com peito branco; imatu-ro, de cabeça e partes inferiores brancas, além de ter olado superior da asa com barra parda. Filhote de plu-mas brancas, sendo as escapulares (pardas) entre as pri-meiras penas definitivas que aparecem.H Sob a influência de correntes aéreas ascenden-tes no litoral montanhoso pairam junto aos urubus, po-dendo alçar vôo tão alto que se perdem de vista. Lem-bram remotamente o gavião-tesoura,El , masvoam freqüentemente de cauda fechada; quando os doisse encontram sobre a terra, o último afugenta a .Pescam no mar perto da costa, nos portos e ao redor denavios pesqueiros.

Para tornar banho sobrevoam lagunas e lagos litorâ-neos de água doce. Descendo, molham a cauda e sobem.Peneiram então desajeitadamente, terminando por sedeixarem cair alguns metros sacudindo toda a pluma-gem e, desta maneira, espalhando a água por todo o cor-po (Rio de Janeiro). Coçam-se e arrumam a plumagemvoando; possuem urna unha pectinada assim corno osatobás e algumas outras aves.À tardinha se dirigemem grupos de meia dúzia, planando em círculos, emdemanda de certas ilhas arborizadas (p. ex. Ilha Redon-da, Rio de Janeiro), onde dormem em conjunto às cente-nas; pousam ainda depois do anoitecer. Os tesourõespodem ficar à noite pairando a grande altura, deixan-do-se apenas levar pela brisa, supomos cochilando (v.sob andorinhões, Apodidae). Devido ao seu peso redu-

-

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FREGATlDAE 199

zido podem pousar sobre galhos finos podendo-se fa-lar, portanto, de "aves marinhas arborícolas".

Durante o período reprodutivo o machomostra-se disposto a inflar o "saco guiar" (um prolon-gamento dos sacos aéreos cervicais) que, fora desta épo-ca, permanece coberto pela plumagem. A exibição des-se saco dá-se apenas na área de procriação; enchem-seaté que este forme como que uma grande bola encarna-da (desbotando após a reprodução) quando se dirigempara a fêmea acenam com a cabeça (e com o saco) late-ralmente da direita para a esquerda, mantendo-a jogadapara trás, e deixam ouvir um estranho bulício. Execu-tam este ritual pousados sobre as árvores agindo todosos machos simultaneamente quando uma fêmea sobre-voa o local; exibem-se também os machos que sobre-voam a colônia. As fêmeas soltam um arrulho muitoforte. Ocorre um bater de mandíbulas.

Fazem seu ninho na cerrada parte superior de árvo-res e arbustos capororoca), às vezes sobre tu-fos e moitas de capim mais elevados (Abrolhos), ou atésobre a rocha aberta(F. Trindade, Olson 1981). Adestruição da vegetação pode provocar o abandono dasrespectivas ilhas pelos tesourões, como aconteceu nasIlhas Cagarras, defronte ao Rio de Janeiro. Quando a chu-va faz crescer a vegetação de modo a interferir nos ninhais;as.fragatas procuram árvores mais destacadas, caso exis-tam (Moleques do Sul, Santa Catarina, L. A. Rosário).

O ninho é uma pequena plataforma ou bacia rasa degalhos; coletam o material quebrando pontas de galhosde árvores mortas ou tirando-o dos vizinhos (o últimoprocesso talvez agravado pela escassez de material,provocada pelas atividades do homem); requerem tam-bém palha. Um ninho desocupado por alguns minutospode ter todo o seu material retirado pelos vizinhos.Com o tempo os gravetos soltos são colados pelas fezes.Os machos são mais ativos no processo de construção.

Põem geralmente apenas um ovo branco puro (agos-to em diante, Santa Catarina), às vezes dois ou três (se-tembro, outubro, São Paulo). O casal reveza-se na incu-bação; os machos podem ser muito ativos nisso, inva-dindo até outros ninhos (Abrolhos, Coelho 1981). A in-cubação é extremamente demorada, sendo calculada deseis e meia a oito semanas (Diamond 1972). O ato dêeclosão pode alongar-se por 24 horas, em .Os adultos têm de vigiar constantemente ovos e filhotespequenos para evitar saques por parte de tesourões vi-zinhos (e urubus); afirma-se que os filhotes só deixam oninho com cinco meses de idade ou mais. Foi observa-do, em uma colônia das Antilhas, que quando os filho-tes têm de três a quatro meses os machos abandonam acolônia, passando provavelmente por uma completamuda pós-nupcial. Os filhotes depois de habilitarem-seao vôo, são alimentados ainda por quatro meses pelamãe; pode-se concluir daí que as fêmeas só chegam anidificar de dois em dois anos, como se dá com as gran-des aves de rapina, e que deve existir maior número defêmeas.

Conhecemos poucas colônias de tesourãono litoral brasileiro, por exemplo, nos arquipélagos deCabo Frio e Macaé (Rio de Janeiro), também defronte dacidade do Rio de Janeiro (Ilha Redonda), no arquipéla-go dos Abrolhos (Bahia), Ilha dos Alcatrazes (São Pau-10),no litoral do Paraná (Ilhas Currais, uma colônia gran-de) e nas Ilhas Moleques do Sul (Santa Catarina).

Perambulando pela costa a espécie ocorre do Amapáao Rio Grande do Sul e Argentina, sendo mais freqüentena área sob a maior influência da corrente quente doBrasil (ao sul até São Paulo e Paraná).É a única espéciede e que registramos na costa do Brasil. Ocorremconcentrações migratórias (p. ex. perto de Santos, SãoPaulo, abril). Um e anilhado como filhote na ilhados Currais, Paraná, em março de 1984, foi recuperadona ilha Dorninica, Antilhas, em maio de 1986 (SchererNeto 1986)..

Residente também em Fernando de Noronha (nidifi-cando), Ilha do Cabo Verde, mar das Antilhas, costaspacíficas da América do Sul, Galápagos e México. "Te-soura", "Crapirá" (de = ave = peixe), "Catraia"(Pernambuco); consta que originalmente a denomina-ção "Alcatraz" aplicava-se a espécies de e não as de

eg , "Tesourão-magnífico*". Nas ilhas de Trindade eMartim Vaz ocorrem duas outras espécies,ge , em número reduzido ou apenas periodi-camente. É possível que'a destruição da vegetaçãoarbórea e arbustiva, da qual essas aves necessitam paranidificar, dificulte-lhes a permanência nestas ilhas; naIlha da Trindade um casal de F. fez seu ninho so-bre um tronco caído de (Rhamnaceae), árvorede madeira vermelha semelhante à do pau-brasil. Sobrea vinda dos tesourões daquelas ilhas distantes ao conti-nente, parece nada haver de concreto. Já aos marinhei-ros do tempo da descoberta da América, a prática ensi-nou que os tesourões não se afastam muito de suas ilhase, por conseguinte, sua presença é indício de terra pró-xima; os tesourões que nidificam na Ilha dos Alcatrazes(São Paulo) partem com a aurora para procurar alimen-to principalmente nas imediações do continente e nãono alto-mar. Isto não impede, contudo, que essas avesefetuem migrações em certas épocas e às vezes, quandoplanam a grande altura, sejam levadas para longe pelosventos; daí vem o fato de ocuparem as ilhas oceânicasmaís afastadas.

TESOURÃO-GRANDE*,

[93cm] Muito parecida com a F. . O ma-cho diferindo daquele da espécie anterior pelo dorso debrilho verde com ligeiro tom violáceo; já a fêmea destadistingue-se daquela da primeira pela gargantapardacenta ao invés de negra. Imaturo de cabeça e pes-coço anterior ferrugíneos, o que chama a atenção. Ocor-re na Ilha da Trindade: maio, julho e dezembro (nidifi-cando); não foi encontrado por Olson, em 1975 (Olson1081). Também no Oceano Pacífico.

Page 200: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

200. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

TDSOVMO-PEQVENO"', iel

78cm. Menor espécie do gênero, macho caracteriza-do por uma nódoa branca em cada lado do corpo que énegro. Fêmea com um colar claro (parda cento ) sobre opescoço superior. Ocorre em Trindade: agosto, dezern-

bli( Ge )

Diamond, A. W. 1973. Condo 75:200-209 (reprodução)Dorst, J.& J. L. Mougin. 1979. Order Pelecaniformes. Pp.155-93. In:

ist bi ihe o d. Vol. 1. 2nd ed. (E. Mayr & G. W.Cottrell, eds.). Cambridge, Mass.:Museum of Compara tiveZoology

Eyde, R. H.& S. L. Olson.1983. on 49:32-51. (desaparecimentodas árvores na ilha da Trindade)

Guimarães, L. R.1945. ius. . 4:179-90. (ectoparasitas)Harrison, p.1983. e , ide tíon guide.London & Sidney:

Croom Helm. (guia de campo)

bro (nidificando). A raça arie] i descrita-por A. Miranda Ribeiro em 1919, é restrita às Ilhas deTrindade (não encontrado por Olson em 1975 v. Olson1981)e Martim Vaz; reproduzia-se antigamente tambémem Santa Helena. A presente espécie é mais difundidano Pacífico e no indico.

Lobo, B. 1919. . s. de 22:107-58. (reprodução)Lüderwaldt, H.& J. P. Fonseca.1923. . s. . .

(hábitos)Luigi, G. 1993. su os !lI Cong . . o elo P.26. eg

el, F. i , Ilha da Trindade,s sMahoney, S.A. 1984. 101:181-85. (plumagem)Rezende, M.A. 1987. i. Inst. oce og S. 35:1-5. (associação

de t ni ns e /eucog e )Scherer Neto, P. 1986. s II Rio de Janeiro: 202

(migração) -

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Page 201: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

ORDEM CICONIIFORMES15

GARÇAS, SOCÓS: FAMíLIA ARDEIDAE (21)

Aves de vasta distribuição, sendo na sua maioriapaludícolas. Fósseis do Terciário (Eoceno, há 40 milhõesde anos, e Plioceno, há 10 milhões de anos) da Américado Norte. Parece não existir um parentesco mais chega-do aos Ciconiidae (Sibley 1982). Veja também Arapapá.

. A ordem é chamada às vezes GRESSORES. Foi utiliza-da a nomenclatura adotada por Hancock & Kushlan(1984) que mantém os gêneros e . o-

d e H são incluídos emEg . O gêneroC cdius é mantido seguindo a chec list (1983).

De aparência extremamente elegante, possuem per-nas e dedos compridos, pescoço fino e bico longo ponti-agudo. O bico de s é relativamente curto. A pon-ta do bico de u es (e outros) é provido, por dentro,de finíssimas serrilhas, próprias para segurar qualquerobjeto.

O porte varia muito indo desde o socoí,o chusilis, apenas do tamanho de uma jaçanã até o baguarí.

e cocoi, que ultrapassa um metro de altura. Devidoao pescoço muito extensível, à cauda curta e às pernaslongas, a medida do comprimento total destas aves dáapenas uma vaga aproximação do seu tamanho real.

O pescoço chama a atenção por ser dupla e abrupta-mente angulado, o que deve-seà organização da colunavertebral e a um tendão elástico que funciona como umamola, colocando o pescoço automaticamente em tal po-sição; coisa semelhante ocorre no biguatinga. Como vá-rias. outras aves, garças possuem uma unha pectinadano dedo médio.

A plumagem é rica em pó, o qual é produzido porplumas de pó concentradas no peito e nos lados do cor-po. Ocorrem três ou quatro áreas de plumas de pós. Estepó substitui a gordura da glândula uropigiana (a qual épouco desenvolvida nas garças) no mister de manter aelasticidade das penas e a impermeabilidade da pluma-gem. A existência de uma alteração na" cor da pluma-gem sem a ocorrência da muda; como observamos em

, é também decorrente desse mesmo pó das pe-nas.

Tanto a plumagem como o colorido das partes nuastornam-se mais vistosos no período reprodutivo, fenô-meno bem conhecido através das "egretas", penas deadorno do dorso que desenvolvem-se em certas espé-cies durante a temporada de cria (v. sob utilização).

Sexos parecidos, exceto no socoí(I chus emeb ilus existem duas fases cromáticas independentes

do sexo. Várias espécies apresentam plumagem diversada adulta quando são jovens; em parte já podem nidificarneste estágio( ubulcus). Uma mutação melanística é co-nhecida paraI ob ilis.

i

.1t

~

o o

Grasnido baixo e rouco, com exceção da Maria-faceira ig ). O socó-boi, g i line tem um"canto" elaborado, composto de estrofe prolongada quelembra o esturro da onça pintada. As vozes dos socoíspodem passar por aquelas de sapos.

ent

São difamadas como destruidoras de nossa ictio-fauna, o que é injusto, pois os peixes são apenas partede sua dieta (v. abaixo): Apanham igualmente insetosaquáticos (imagos e larvas), caranguejos, moluscos, an-fíbios (até sapos do gênero Bufo) e répteis.s e odiuse engolem às vezes cobras e preás; o socó gran-de, ocasionalmente, jacarés pequenos (Mato Grosso) .

. s, ig , e odius e Eg e l sãoos representantes mais insetívoros; os dois primeiros ca-çam gafanhotos distante d'água; o primeiro e o últimoexecu.tam estranhos movimentos laterais com o pesco:ço antes de desencadear o bote certeiro que irá capturar,por exemplo, uma mosca; considerando-se o ímpeto comque avançam sobre presas tão pequenas é de admirar-seque o bico não toque o substrato. Seria interessantepesquisa r; em nosso país embasamento que. valide onome inglêsi -he (garça-carrapateira) paraubulcus.

ulcus e E t aproveitam-se do gado para es-pantar insetos. , caçando também insetos no seco,se associa às vezes a curicacas,h ticus. Na água, as

.,i

15Os flamíngos, Phoenicopteridae, tradicionalmente incluídos nos Ciconiiformes, foram separados numa ordem própria.

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202. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

garças podem aproveitar-se. de capivaras,como batedores. Durante a cheia, na Amazônia, garçasbrancas pescam às vezes peneirando sobre a água pro-funda. come restos de comida caídos dos ni-nhos de outras aves que integram a colônia, não repu-dia nem os filhotes mortos dos vizinhos, pesca às vezessobrevoando água profunda. apanha regular-mente pequenos animais vivos, moribundos ou mortos,atirados à praia pela arrebentação, o que ocasionalmen-te é feito por e cocoi.

As garças empregam vários métodos para espantaranimais ocultos na lama dentro d'água. A garça-branca-pequena, por exemplo tremula ou vibra os dedos en-quanto que a garça-azul e o socoí movem opé lentamente corno um ancinho; tais movimentos dospés, que facilitam bastante a pescaria, são hábitos muitoúteis apresentados por outras aves aquáticas corno osCiconiidae (cabeça-seca) e Charadriidae (quero-quero);em um poço pequeno vimos uma solitária pularde lá para cá como que dançando. As garças geralmentenão bebem.

Observamos em 1966 no Jardim de E. Béraut, Rio deJaneiro, que urna não comeu pedacinhosde carne crua jogados perto dela na água, mas deixou-os para atrair peixinhos. Certos pescam comisca que eles mesmos arranjam: quando a garça percebeum peixe, abaixa-se para não ser vista e joga uma isca,como um pedaço de pão ou um inseto, para atrair o pei-xe para dentro do seu raio de ação. Jovens usamcorno isca material, não comestível, uma pena, melho-rando essa técnica aos poucos (Higuchi 1986).

Andam como que se esgueirassem, a passos largos ebem calculados como se observassem um perigo ou umaoportunidade. cocoie ficandoem pé, podem chamar a atenção por dispor as asas emsentido horizontal viradas para cima, em forma de umaconcha deitada, como faz o maguari (Ciconiidae), atitu-de que provavelmente serve à termorregulação.

Voam devagar, com o pescoço encolhido (ao contrá-rio das cegonhas e curicacas) e as pernas esticadas cornotodas as aves pernilongas (ou descendentes de formasde pernas longas).O savacu tem vôo maisfirme, podendo lembrar um gavião.

O nervosismo manifesta-se no balançar da cauda, queé mantida pendente; executa movi-mento vertical (abaixa a cauda levantando-a depois ra-pidamente corno que impelida por uma mola), já

e executam Umbalanço lateral; fecha e abre rapidamen-te as retrizes.

Tanto o socó como o socoí imo-bilizam-se instantaneamente e erguem o bico perfeita-mente na vertical quando desconfiam de algo; nesses

momentos podem passar por um pau ou urna vara qual-quer espetada no brejo. Essa reação se nota até em indi-víduos de Botaurinae assustados no ninho.também imobiliza-se, porém com o pescoço esticadoobliquamente.

Para dormir, as garças não voltam a cabeça para trás,e sim mantêm o bico dirigido para a frente. cpõe o bico verticalmente para baixo de encontro ao pei-to dentre a plumagem, a qual o oculta completamente,no que se assemelha ao arapapá.

Diversas espécies são ativas tanto de dia corno nashoras do crepúsculo; todas gostam de dias chuvosos eescuros, encontrando-se então à vontade tanto espéciesnoturnas como diurnas.À tardinha, quando confluempara certas ilhas de mata, os bandos das duas garçasbrancas e da garça-azul E. fornecem um dos maisbelos e impressionantes espetáculos (costa atlânticasetentrional). Esses pousos coletivos não são idênticosàs colônias (ou "ninhais") usadas dia e noite na épocade reprodução.

\'"

Há múltiplas cerimônias de casais. Fazem ninho so-bre árvores (às vezes a 10 ou 20 metros de altura) ouarbustos nos brejais, em ilhàs de mata, nos camposinundáveis e manguezais. Associam-se geralmente emcolônias ("ninhais", "garçaís", "viveiros") freqüente-mente mistas, compostas por várias espécies de garças,colhereiros, cabeças-secas, biguás e biguatingas. No Pan-tanal, Mato Grosso, as colônias de ,e são designadas como "viveiros brancos", e ascolônias de , coco i, e

corno "viveiros pretos". Dentro da colônia cadaespécie ocupa uma dada área; geralmente os melhoreslugares são ocupados pelos mais fortes. No litoral cri-am colônias em ilhas oceânicas não longe da costa, cornono Rio de Janeiro (ilha Alfavaca, eParaná (Ilha dos Currais, P. Scherer Neto).Consta que da Europa seria polígino.

Ovos esverdeados ou verde-azulados (às vezes bran-cos ou esbranquiçados), uniformes à exceção dee cujos ovos são levemente manchados lem-brando os de saracuras. O período de incubação é de 25a 26 dias nas duas garças brancas e de 22 a 23 dias nosavacu os filhotes deste último permane-cem trinta dias no ninho (Rio de

Os adultos costumam coletar o alimento da prole agrande distância do ninhal. Impressiona o barulhopro-duzido por uma colônia na qual pode haver simultane-amente todas as fases doprocesso reprodutivo: desdecasais em cerimônias pré-nupciais até pares com filho-tes já crescidos (p. ex. . A procriaçãoprocede geralmente no início ou no fim da estação seca,quando o alimento, para as aves aquáticas é normalmen-te mais farto; consta que o baguari, cocoi, nidifica

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ARDEIDAE 203

no estuário do Amazonas (Ilha Mexiana) em plena épo-ca das chuvas, assim como fazem o biguatinga e o pato-do-mato na mesma região. No Amapá o baguari foi en-contrado nidificando em julho, junto com a garça-bran-ca-grande e biguatingas.

Dis ibui o, h t

A metade dos gêneros que aqui ocorrem existe tam-bém no Velho Mundo, às vezes até com as mesmas es-pécies e porexemplo). é cosmopolita.de larga distribuição nas zonas quentes do Velho Mun-do (África, Austrália, etc.) e com representante próxi-mo na América do Norte, deve ter imigrado às Améri-cas, vindo da África, antecipando a invasão deibis.

Notável distribuição disjunta ocorre em es-pécie singular sob diversos ângulos, e em[asciaium, o qual possui vasta distribuição em riosencachoeirados nos Andes e uma população remanes-cente no Brasil. Osavacu, é restrito ao lito-ral. A ocorrência de certos representantes (como

t é local. O belo é a espécie mais flores-tal; e vivem em locais pouco alagadosou secos. Os socoís, e I passam des-percebidos facilmente, também i .

As populações de quase todas as espécies de garçasflutuam. Vários representantes são migratórios, até mes-mo em larga escala, como foi comprovado poranilhamentos no norte da Argentina: filhotes de

dispersaram-se muito, até a 1.200 km parao norte e 700 km para o sul; uma i foi recupe-rada a 1.400 km no Paraná e outra a 3.500 km na Ama-zônia. Campeã em migrações é a garça-vaqueira,

ibis, espécie africana recentemente imigradapara o Brasil, provavelmente via Guianas. Recentemen-te surgiu uma outra espécie exótica na foz do Amazo-nas, da Europa, aparentemente um indiví-

. _"}l.uo que se perdeu (Novaes 1978). O socó-boi,foi registrado várias vezes na Inglaterra. Migrações even-tuais entre o Velho e o Novo Mundo foram documenta-das para e em junho de1986 em Fernando de Noronha, aliás ao lado de umBubulcus ibis (Teixeira et al. 1987).

tos, quitos

Várias garças como, por exemplo, cocoi,s , g além de Co e

cus hospedam o pupíparo

As várias espécies de garças mostram diferentes sen-sibilidades para com mosquitos: enquanto pescadores,como acostumados a espreitar a vítima, to-leram bem mosquitos que lhe pousam na face e nas per-nas, garças insetívoras como se defendemvigorosa mente contra os insetos (Edmanet aI. 1986).

i utili p

Sobre a possível nocividade das garças quanto aosseus hábitos piscívoros, numerosos estudos na Américado Sul comprovaram que: (1) o item peixes na dieta des-sas aves é de menor importância na dieta de garças sul-americanas que na dieta de garças que habitam regiõesmais frias; (2) quando o item peixes está mesmo presen-te, trata-se geralmente de exemplares miúdos, de pou-cos centímetros; quando os peixes são maiores, são, ge-ralmente, doentes ou mortos. As garças atingem apenaspeixes que aparecem perto da superfície,

Pode-se dizer até que a presença de garças e martim-pescadores em lagos e rios é uma necessidade para man-ter o equilíbrio biológico. Quanto mais predadores depeixes tanto mais peixes, quanto mais peixes tanto maisalimento para os peixes.

Além disso, há de considerar-se o fato de que osgarçais, bem como os dormitórios, proporcionamacúmulo de matéria orgânica (restos de comida, pelotas,cascas de ovos, filhotes mortos, fezes) que, ao caírem naágua, beneficiam a microfauna o que se reflete em umaumento da população de peixes ao redor dosninhais,compensando assim o consumo de peixes por parte dasgarças. Pode-se até dizer que quanto mais aves piscívorastanto mais peixes; os ninhais também contribuem parao sustento da fauna vertebrada terrestre, representadapor carnívoros como o mão-pelada e gato-do-mato queintegram o ecossistema em questão. O excesso de aci-dez nas evacuações das garças pode queimar a folha-gem; acontece, também, dos galhos se quebrarem sob opeso das aves. Há lugares, sobretudo na Amazônia, ondeos ovos de garças são coleta dos, seja para o consumolocal, seja para a comercialização, tal e qual ocorre comgaivotas e trinta-réis em outras localidades.

A garça-vaqueira tornou-se muito "útil"; consta queum único indivíduo apanha uma média de 17 insetospor minuto quando perambula pelos campos caçan-do.

As garças foram muito perseguidas pelos "garcei-ros", particularmente na Amazônia, para a obtenção das"penas egretas"; as aves eram abatidas nos ninhais quan-do vinham alimentar os filhotes, época em que as"egretas" atingem sua máxima formosura. Por volta de1914,por exemplo, na região do rio Negro um comer-ciante tinha 80 garceiros empregados na faina de caçargarças; para a obtençãode um único quilo de egretaseram necessárias 300C e odius ou 250 cocoi ou100 Eg .

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204 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Durante ventanias e chuvas de granizo (como ocor-reu no ex-Estado da Guanabara, em 1974) filhotes e ovosde garça-branca-grande são arrancados do ninho e ati-rados ao solo; as chuvas de granizo possuem, no caso,um efeito indireto à medida que espantam os filhotesfazendo-os pular do ninho para a morte, que amiúdevêm não pela queda em si, mas sim pelo enganchamentonas tramas das galhadas da árvore. Ventos fortes em-purram até mesmo uma garça adulta, por exemplo, um

odius pile s, do poleiro, o que pode ser fatal paraela, que perece enforcada na ramaria. Observamos indi-víduos deC dius tão sujos de petróleo que possi-velmente estavam condenadosà morte (Rio de Janeiro).Foi registrada uma garça no conteúdo estomacal de umPirarucu, gig no Ceará. Vimos uma traíra(Hopli sp.) apanhar um socoí, ides s s, pes-cando na beira do rio, após chuvas pesadas. Nas colôni-as de garças pode ocorrer depredação por urubus ecaracarás que pousam nas imediações dos ninhos e ti-ram ovos e filhotes pequenos quando os pais se afastam(Pantanal, Mato Grosso), como acontece com a aproxi-mação de turistas que querem fotografar. Uma boa me-dida seria recomendar os ninhais e pousos coletivos degarçasà especial proteção dos donos das terras e torná-los invioláveis quando estivessem em áreas pertencen-tes ao Estado.

Foram encontrados, no sul dos EUA, resíduos de in-seticidas (em maior percentagem DDT mas também

ld in, Die eHe em ovos e filhotes deEgc e as cascas de ovos de mostraram-se de17% a 18% mais finas que o normal. O uso extensivo deinseticidas e herbicidas em plantações de arroz estáameaçando toda a fauna aquática, da qual também asgarças dependem.

inopse ç s

A diversidade do colorido da maioria das espéciesdificulta a elaboração de um sistema simples. Para ou-tras aves que lembram garças, ver nas três famílias rela-cionadas a seguir: Arapapá (Cochlearidae), cegonhas(Ciconiidae) e curicacas (Threskiornithidae). Ver tambémo carão( e o pavãozinho do Pará g

1 - Brancas essencialmente.1.1- , E e imaturo deE. c e1.2 - ubulcus, e l/oides1.3 - e s

2 - Cor predominantemente cinza ou azulada.2.1 - cocoi2.2 - , .2.3 - E. c ul adulto eE. co2.4 - es2.5 -2.6 - g2.7 - ctic e n s adultos

2.8 - (v. também 3.2)

3 - Pardo, manchado3.1 - is (ambas espécies)3.2 - us (a fase respectiva)3.3 - us (ambas espécies)3.4 -3.5 - i tico e imaturos

GARÇA-ROXA", de pu u e VN

[79cm] Um indivíduo observado em Fernando deNoronha em junho de 1986,ao lado ubulcus e

. De vasta distribuição no sul da Europa e daÁsia. Primeiro registro no âmbito do Novo Mundo(Teixeiraet aI. 1987).

GARÇA-REAL-EUROPÉIA, de cin VN

[90-98cm] Um indivíduo capturado em dezembro de1973 em Capitão Poço, Ourém, Pará, que fora anilhadoem maio do mesmo ano na França (Novaes 1978). Re-gistrado também em Trinidad.V. a espécie seguinte queé semelhante. "Garça-cinza?",

SOCÓ-GRANDE, cocoi

125cm, envergadura 180cm, 3,2kg. Maior de nossasespécies. Cinzenta-clara uniforme, pescoço branco, altoda cabeça, rêmiges e algum desenho das partes inferio-res negro; bico amarelado, pernas anegradas.fortíssimo "rrab (rrab rrab)", baixo profundo. Geralmentesolitário. Termorregutação v. Introdução. Ocorre do Pa-namá ao Chile e Argentina, e em todo o Brasil. "João-Grande", "Maguari" (v. também Ciconia), "Baguari""Garça-moura"". "Socó" significa: a ave que se apóianum pé só. Parecida com a garça-real, doVelho Mundo.

GARÇA-BRANCA-GRANDE, s odius s

88cm. Branca, a filigranadás egretas pode estender-se para trás qual curto véu; tais penas chegam ao com-primento de SOcm ou mais, nascendo em julho / agosto(Rio de Janeiro), no começo da reprodução (utilizaçãov. Introdução). Bico e íris amarelos, o loro pode seresverdeado, pernas e dedos pretos. bissilábico "ha-tá"; quando voa baixo um "rat, rat, raL.". Comumàbeira de lagos, rios e banhados. Migratório, por exem-plo em bandos de centenas em um total de mais de milindivíduos pousados descansando na Lagoa de Itaipu(Rio de Janeiro) e nos lodaçais da Baía da Guanabara(julho/agosto), com algumas poucasEg ett ientremeadas (v.Introdução). Ocorre da América do Nor-te ao estreito de Magalhães, em todo o Brasil, e tambémno Velho Mundo. A população que nidifica no sul dos

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ARDEIDAE 205

EUA migra até o norte da Colômbia. podeser incluído no gênero ou "Garça-gran-.de", "Garça-real", "Guira-tinga" (Pará). "Guará" é usa-do em Pedra de Guaratiba, Rio de Janeiro, para todosas garças brancas. V. a espécie seguinte e a garça-vaqueira.

GARÇA-BRANCA-PEQUENA,

Pr. 4, 2

54cm. A espécie mais conhecida junto com a ante-rior. Totalmente branca; bico e tarsos negros, loro, íris ededos amarelos chamando a atenção em vôo; em plu-magem nupcial com as egretas mais desenvolvidas, comas pontasviradas=paracima desenvolvendo-se de mar-ço em diante. Imaturo, com planta do tarso esverdeada.Bem menor que voando, conseqüentemen-te com uma maior freqüência de batidas de asa que adaquela espécie, com a qual muitas vezes está associa-da, sendo porém menos abundante. Vive tanto na águadoce como em água salobra e até mesmo na praia paracapturar presas que o mar lança na areia. Ocorre namaior parte da América do Sul e em todo o Brasil;setentrionalmente até o sudoeste dos EUA e Antilhas."Carcinha-branca", "Garça-pequena". Tem índole me-nos confiada do que a garça-azul a cujo imaturo asse-melha-se; à distância pode ser confundidaParece-se com do Velho Mundo, v. sob

GARÇA-AZUL,

52cm. Coloração totalmente ardósia, tingindo-se devioláceo no pescoço e cabeça; bico, tarso e dedosanegrados. Imaturo branco lembrando a espécie ante-rior; muda sucessivamente para a plumagem adulta,tornando-se igual aos pais em um ano de idade. Temmovimentos mais lentos do que muitas outras garças.Lamaçais do litoral, zona intertidal, é a garça mais adap-tada à exploração dos lamaçais da vazante. Do sul dosEUA e América Central ao Peru, Colômbia e Brasil,acompanhando o litoral até o Rio Grande do Sul; tam-bém Mato Grosso (Pantanal), [médio Solimões(J. F.Pacheco)] e Uruguai. "Garça morena". Ocorrem raroshíbridos entre E. e E. os quais despertama atenção pelo padrão mesclado que não altera pelamuda (Sprunt 1954).

GARÇA-TRICOLOR*,

[60-70cm] Semelhante à anterior, porém de barriga europígio brancos, garganta e pescoço anterior adjacentebranquicentos manchados de ferrugíneo. Manguezais,do sul dos EUA ao Brasil até o Piauí e Ceará (Pinto&Camargo 1961), Colômbia e Peru.

GARÇA-VAQUEIRA, ibis Fig. 55

49cm. Registrada há, relativamente, poucos anos noBrasil. De aspecto semelhante ao de , sendomenos delgada e de pescoço mais grosso aparentandopossuir um papo. Totalmente branca com o bico, íris etarsos amarelos, dedos pardacentos; durante a reprodu-ção, de vértice, peito e costas cor de ferrugem, bico epernas fortemente avermelhadas. Imaturos de bico,tarsos e dedos anegrados, às vezes já se reproduzemnesta fase (Colômbia). Indivíduos subadultos com bicoamarelo, tarsos e dedos pretos e solas dos pés amarela-das, assemelhando-se a miniaturasd. . Cons-ta que adquirem a completa plumagem de núpcias e ocolorido vivo das partes nuas já no primeiro ano de vida(África).

Fig.55. Garça-vaqueira, ibis

Insetívora; emprega tática original paraobter moscas, a qual consiste em aproximar a cabeça dapresq mantendo-a absolutamente firme enquanto exe-cula vaivéns laterais do pescoço de maneira toda espe-cial. Na Ilha deMarajó encontramo-Ia associada aosbúfalos sobre os quais pousa (tal como faz na África comhipopótamos e elefantes) para ampliar seu campo visu-al em lugar de capim alto, o que tambémfaz, ocasionalmente. No pantanal, Mato Grosso, pousaàs vezes sobre veados.

Devem dar caça às cigarrinhas da pastagem(Cercopidae), grande tormento dos pecuaristas. Em umexame do conteúdo estomacal realizado por H. F.Alvarenga, em Taubaté (São Paulo, outubro de 1974),contaram-se 23 aranhas, 17 gafanhotos, 5 grilos, 8 mos-cas, uma lagarta e duas pequenas rãs.

1 I/.

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206' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

no Campos secos e baixos como aque-le de pangola, (São Paulo), facilitan-do a localização e captura de insetos; é quase sempreencontrado em companhia de gado. Quando o gado deitapara ruminar, alça vôo e procura outro lote que estejapastando. Não é especie da zona intertidal ou demanguezais; aparece em água aberta ao lado de outrasgarças apenas durante migrações.

Registrada no Brasil pela primeira vez em setembrode 1964 na Ilha de Marajó, associada a búfalos,nidificando em bom número junto a outras espécies degarças; existia na localidade ao menos desde 1962 (Sick1965). Zona de Bragantina, Santa Maria, Tracuateuá(Pará), 1968, 1970; alto rioCuruá, Pará, 1984.Amazonas(Manaus, 1976). [Atualmente disseminada por toda aAmazônia; Roraima (Moskovitz et 1985), Acre. eRondônia (Forrester; 1993) Amápá e médio SolimõesO.F. Pacheco)] Brasília (Distrito Federal, 24 de outubro de1971, bando de 30 exemplares). Rio Grande do Sul(Camaquã, 1973 em diante). Mato Grosso (Pantanal,Município deCáceres, 1974 e provavelmente em épocaanterior; rio das Mortes, Município Barra do Garça,1977); São Paulo(Taubaté, 5 de outubro de 1974, doisexemplares coletados). Rio de Janeiro (ex-Estado daGuanabara) em 1976, um indivíduo subadulto junto aum grupo de garças selvagens em um dos tanques doJardim Zoológico do Rio de Janeiro (D. M. Teixeira); 1981em bandos junto ao gado na área de Santa Cruz, Rio.Santa Catarina (Serra da Boa Vista, 1979). Penedos deSão Pedro e São Paulo, ilhas brasileiras situadas no meiodo Atlântico, a mais de 2.000 km ao largo da foz doAmazonas (1968, fotografia mais tarde interpretadacomo [substituto geográfico de E.muito parecido com este, proveniente da África ou daEuropa] que seria uma espécie nova para o Brasil, Benson& Dowsett 1969). Fernando de Noronha 1986 e Trinda-de 1987,Atol das Rocas, fevereiro de 1990 alguns indiví-duos O. Goerck).

A perspectiva é que em futuro próximo a garça-vaqueira seja encontrada em muitas outras regiões dopaís. F. Silva noticiou nidificação no Rio Grande do Sulentre outubro e dezembro de 1980-83.(Belton 1985).Exis-tem poucas informações sobre sua reprodução no Bra-sil. O aparecimento de indivíduos com tons amarelosna plumagem sugere nidificação em vários lugares. [Estapredição de Sick sobre ocorrência e reprodução disse-minada por todo o país é uma realidade atualmente.]

A garça-vaqueira é originária doVelho Mundo (África, Espanha meridional, etc.), acredi-tando-se que começou a invadir as Américas pelo finaldo século passado. O registro de seu 'aparecimento emvárias ilhas oceânicas e o fato de indivíduos terem, pormais de uma vez, procurado abrigo em navios em alto-mar prova que a espécie atravessa o Atlântico voando(distância Dakar-Georgetown, 2.800 km); sua chegadaao norte da América do Sul seria facilitada pelos ventosalísios.

Assinalada na ~lliatlé).já entre 1877 e 1882 (Wetmore1963), em 1973 já havia ocupado todos os países seten-trionais da América do Sul; alcançou o Chile, Bolívia eParaguai, aparecendo e reproduzindo-se em diversaspartes da Argentina (1970 em diante); já foi vista na Ter-ra do Fogo (1974) e na Antártica,(Schlatter & Duarte 1979). Das Antilhas passou, já em1942, para aFlórida, tendo sido registrada até no Canadá.Seu número aumentou também na África; colonizou tam-bém a Austrália.

Tornou-se tão abundante nas porções setentrionaisda América do Sul (no Suriname foram contados maisde 5.500 exemplares em um dormitório, 1965;na Colôm-bia, em 1966, avaliou-se que 15.000 indivíduos confluí-ram para um único local de pouso) que de lá pôde facil-mente colonizar outras áreas (como por exemplo o Bra-sil) sem que seja necessário supormos que novos con-tingentes tenham cruzado o oceano.

O impulso decisivo para essa explosão populacionale espetacular aceleramento do ritmo de propagação de

foi dado pelo imenso incremento da criação degado na América do Sul, no período em questão, pois agarça-vaqueira é espécie largamentesinântropa:na Co-lômbia e países vizinhos quase não há vaca que não es-teja acompanhada por um ou mais da mesmamaneira. que os anus-pretos, as garças andam atrás dasreses aproveitando-se dos insetos (p. ex., gafanhotos) quesão espantados; sob este ângulo as máquinas agrícolastambém são objeto de atração na medida que desempe-nham o mesmo papel para as centenas de garças-vaqueiras que as seguem (Colômbia).

O potencial biótico de é maior do que o demuitas outras garças, pois começam a procriar já no fi-nal do primeiro ano de vida e fazem freqüentementeduas posturas por estação [Em Cabo Frio, re-produziu em todos os meses do ano em 1993-94 com 'supremacia numérica em relação a outras garças (J. F.Pacheco, C. Bauer)]. A população desta espécie costumaestar sujeita a oscilações; enquanto em certos lugares au-menta, em outros diminui ou até desaparece, abando-nando colônias. Parece que nada indica uma competi-ção com as garças indígenas, por explorarem nichos eco-lógicos diversos. "Garça-da-gado", "Carça-boiadeira","Garça-boiadeira" (São Paulo );~'Trat<?reira". .<.

SOCOZINHO, Pr. 3, 8

36cm. Em qualquer lugar que haja água. Inconfundí-vel; p'ernas curtas e amarelas, anda agachado à feição deuma saracurà grande. Solitário, às vezes nidifica em co-lônias. Voz. "kiák" (diagnóstico), "tataca", Tanto nointerior do continente como nos manguezais.Migrató-

rio (Rio de Janeiro). Quase toda a América do Sul (inclu-sive todo o Brasil) até a América do Norte também naÁfrica, Ásia, Austrália e ilhas do oeste do Pacífico. Con-siderado co-específico a da Américado Norte e ilhas Galápagos, com o qual hibridiza na

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ARDElDAE 207

América Central. A espécie ocorre também no sul doVelho Mundo, são descritas cerca de 30 raças geográfi-cas. "Socó-estudante". ["Socó-tripa" (Argel-de-Oliveira1992),"Socó-mijão" (Solimões, J. F. Pacheco).]

GARÇA-CARANGUEJEIRA, VN

[46cm] Um indivíduo observado em Fernando deNoronha em junho de 1986, ao lado deubulcus e

. De vasta distribuição no sul da Europa e daAsia. Primeiro registro no âmbito do Novo Mundo(Teixeiraet . 1987).

GARÇA-DA-MATA, Pr. 3, 2

73cm. De proporções únicas: bico extremamente lon-go (14-15cm), finíssimo, comparável a um flore te, pes~coço muito longo e fino na parte distal com umaangulação lembrando g tarso e dedos surpreen-dentemente curtos, adaptaçãoà vida arbórea.É a nossagarça mais policroma. Imaturo pardo-anegrado compeito estriado. Escondido na beira de córregos e lagosdentro da mata; solitário mas reproduz em pequenascolônias (Marín 1989, Nascimento 1990). Encontramospeixes em seu estômago. Do Méxicoà Amazônia brasi-leira. "Socó-azul", "Socó-beija-flor", "Garça-da-Guiana""Garça -beija-flór=".

MARIA-FACE IRA, sibi Pr. 3, 4

53cm. Espécie policroma, popular no sul do país.Aparência e hábitos singulares. Face azul-clara, bicoróseo. Na plumagem aparece e desaparece a cor amare-la provocada pelo rico pó das penas (ou secreção da glân-dula uropigiana?). muito diferente daquela de ou-tros ardeídeos, um sibilo melodioso repetido sem pres-sa: "i, i, i" que é emitido com o bico largamente aberto epescoço esticado. As asas aparentam estar dispostas sobo eixo do corpo; voa de pescoço menos encolhido doque outras garças, batendo as asas em uma amplitudepequena e rapidamente, rapidez esta que se acelera maisquando a ave grita. Ocorre um vôo de exibição do ma-cho defronte da fêmea. Atividade estritamente diurna.Habita campos secos, arrozais, etc. Nidifica em SantaCatarina sobre velhos pinheiros onde também 'pernoita,Ocorre do Rio de Janeiro e Minas Geraisà Argentina,Paraguai e Bolívia, [recentemente observado no Piauí(Olmos 1993)]também-na Venezuela e Colômbia (v. aespécie seguinte).

GARÇA-REAL, l ius

[51-59cm] Lembra um pouco a anterior. Branca-ama-relada com pescoço às vezes de intensa cor creme, bonénegro, nuca com algumas longas penas brancas; regiãoperioftálmica e base do bico vivamente azuis, bico

(....------------------~----

avermelhado em sua parte mediana. ventríloquo"wup - wúp - wup" enquanto abaixa a cabeça diante deseu parceiro abrindo o topete nucal. Habita rios e lagosorlados de mata, solitário, não sendo comum em lugarnenhum; aparece em poços ao lado da "Transamazônica"o que corresponde a uma nova colonização. Do Panamáao Paraguai, Bolívia e no Brasil, exceto o Rio Grande doSul e a generalidade do Nordeste. Difere deg , porexemplo, pelo manto branco (e não cinzento), bico maislongo, etc. "Garcinha", "Garça-de-cabeça-preta".

SAVACU, c

60cm. Espécie de hábitos noturnos e crepusculares.Bem menos delgada que as espécies anteriores, bico epernas mais maciças, olhos grandes e vermelhos. Altoda ~abeça e dorso negros., asas cinzentas, testa, partesinferiores e alongadas penas nucais brancas. Imaturo,pardo manchado com as coberteiras superiores e rêmigespardas, cada qual com distinta nódoa apical esbran-quiçada ou creme. seu crocitar "o-ák" escuta-seànoite até sobre cidades como o Rio de Janeiro. Espéciecomum. Ocorre do Canadáà Terra do Fogo, inclusivequase todo o Brasil; também no Velho Mundo. "Socó","Dorminhoco", "Taquiri" "Garça-dorminhoca*". V.Arapapá (Cochlearidae) e a espécie seguinte.

SAVACU-DE-COROA, io Fig. 56

60cm. Lembra a anterior, a qual é sua vizinha nosmanguezais. O branco da cabeça torna-se mais vistosono lusco-fusco. Imaturo, semelhante ao de .Gosta de aquecer-se ao sol da manhã pousado nas co-pas dos manguezais. Do litoral dos EUA ao norte doPeru e Brasil meridional até o litoral norte do Rio Gran-de do Sul.

Fig.56.Savacu-de-coroa, n s iol

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208 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

SOCÓ-BOI, Pr. 3, 1

93cm. Espécie grande de bico extremamente lon-go.A plumagem adulta é adquirida apenas aos dois anosde idade, distinguindo-se pelo pescoço castanho e man-to pardo-acinzentado, vermiculado de acanelado. Plu-magem imatura, sujeita a algumas alterações durante amuda, é basicamente amarela-clara com faixas transver-sais negTas, garganta e ventre brancos; bico relativamentecurto. fortíssimo "canto" emitido na época de re-produção lembrando o esturro da onça-pintada: estrofeprolongadade "róko ...", inicialmente crescente e depoisdecrescente terminando em um profundo gemido; bai-xo e profundo timbre de um bugio (chamada);um mugir profundo e monossilábico (ambos os sexos).Desconfiado, estica o pescoço obliquamente, arrepian-do as longas plumas da nuca (que ficam salientes comoum grande dente), e balança a cauda (v. sob "Hábitos",figo57). Habita regiões florestais, nidifica no alto das ár-vores. Solitário e crepuscular, vive escondido na vege-tação ribeirinha. Ocorre da América Central à Bolívia eArgentina, todo o Brasil. "Socó-pintado" "Socó-boi-fer-rugem"", "Iocó-pinim" (Pará),.IIJurukú" (Jurunas, MatoGrosso). V. a seguinte.

Fig. 57. Soco-boi, o posição da avedesconfiada; a longa plumagem do pescoçoéexpandi-da, resultando uma proeminência no pescoço superior.Original H. Sick.

SOCÓ-Bor-ESCURO", AmFig.58

[66cm] Pouco conhecida. Bico e pernas relativamen-te curtos, inclusive nos adultos (cúlmen geralmentemenor que 95 mm). Vértice negro (e não castanho comoem , pescoço e manto xistáceos vermiculadosde amarelo, sendo o desenho formado espaçado (e nãodenso como em flancos uniformementexistáceos; possui, ao contrário da espécie anterior, áreainterescapular de plumas de pó. Solitário. Habita riosencachoeirados nas serras o que corresponde tambémao hábitat da espécie nos Andes onde pode ocorrer aolado da marreca-de-corredeira, e g e t Pou-

sa sobre rochas no meio da corredeira, o mesmo ambi-ente onde vive o pato-mergulhador, e gus ocio s.Ocorre da Bolívia à Argentina (Tucuman, Misiones),Colômbia, Venezuela e Costa Rica. No Brasil(T. .

c foi encontrado em Mato Grosso, Chapada dosGuimarães, cabeceiras do rio Guaporé, Chapada dosVeadeiros, ponto culminante de Goiás, ao lado de(Yamashita & Valle 1990); Santa Catarina, Brusque 1950(G. Hoffmann); Rio Grande do Sul, Taquara (Berlepsch& Ihering 1885). [Acrescente-se a essa distribuição: Riode Janeiro, localidade - tipo (Eisenmann 1965) e Paraná,onde é conhecido de 5 localidades (Straube 1991).]

<iIli>.

Fig. 58. Socó-boi-escuro,g so pousadona pedra em rio encachoeirado. Original F.B.Pontual,baseado em Harcock& Kushlan 1984.

SOCOÍ-VERMELHO, Pr. 4, 3

28Cln, 64,5 g. Anão do grupo, lembra uma saracura.Partes superiores pretas e castanhas, partes inferiorescanela; fêmea sem negro no dorso e com as coberteirassuperiores da asa também canela. Uma mutação rara,descrita primeiramente dos EUA, é

, de lado superior anegrado e lado inferiorcor castanha (Taubaté, São Paulo, Teixeira& Alvarenga1985). profundo "rro-rro-rro ..." (canto, emitido demanhã e à tardinha continuamente); "raab" crocitantelembrando co "ga-a". Trepa e pula com extre-ma agilidade através da densa vegetação de brejos bemencharcados; geralmente torna-se visível apenas quan-do levanta vôo. Ocorre da América do Norte à Argenti-na, maior parte do Brasil (da Amazônia ao Sudeste, Nor-deste, Goiás, Mato Grosso e Santa Catarina). V. as se-guintes.

I, .

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ARDEIDAE 209

SOCOf-AMARELO, I b hus in l s

[28-33cm] Amarelo ferrugíneo, vértice e costasestriados de negro. Juncais abertos. Ocorre nas Guianas,Venezuela e Colômbia, Maranhão, Piauí (Olmos& Sou-za 1988), Sergipe (Teixeiraet 1986), e no sudeste e suldo Brasil. Do Espírito Santo (T. A. Parker), Rio de Janei-ro ao Rio Grande do Sul, Uruguai, Paraguai, Argentina,Bolívia e Chile.

SOCOÍ-ZIGUEZAGUE, b iius undul s

81cm. De bico curto e grosso; partes superiores ne-gras e castanhas, vermiculadas transversalmente deamarelo; mandíbula e íris podem ser amarelas, tambémos dedos. Habita pequenos brejos, movimenta-se naramaria densa baixa, perto ou acima da água. Sua loco-moção é pulando no solo, lembrando umtovacuçu,

(D. A. Scott). Entra na água. Ocorre das Guia-

ibliej é g Ge l)

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nas até a margem meridional do rio Amazonas, Rondônia,Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela. "Socoí-pulador=".

SOCÓ-BOI-BAIO, oi us pinn ius74cm. Espécie de porte avantajado que lembra, quan-

to à plumagem, o imaturo de apre-sentando contudo desenho negro longitudinal e tendotambém os dedos duas vezes maiores' que os dosocó-boi (p. ex. dedo médio 12cm). "ro-ro-ro" levantan-do vôo; seu "canto" é um mugido profundo emonossilábico. Quando alarmado estica o pescoço ver-ticalmente assemelhando-se a um mourão. Demonstra

. nervosismo por ligeira oscilação lateral do pescoço (oqual é mantido ereto), imitando o oscilar dos juncos soba brisa. Habita brejos abertos, juncais; de ocorrência lo-cal. Ocorre em todo o Brasil, localmente; do Méxicoà

Argentina. Parente próximo de B.lentiginosus da Amé-rica do Norte. "Socó-bci-marrom?".

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", ,

Page 210: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

210. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

ARAPAPÁ: FAMÍLIA COCHLEARIIDAE (1)

. Uma única espécie restritaà América tropical; até omomento não se conhecem fósseis. Distingue-se dasgarças por vários aspectos tanto morfológicos quantocomportamentais. Foi proposto incluí-lo nos Ardeidaeformando uma tribo, Cochlearini, ao lado dosNycticoracini (savacus) aos quais seria mais aparenta-do. Bock (1956)considera um tipo aberrantede A técnica de hibridação do DNA-DNArevelou que é o parente mais próximo (Sheldon1987). Os ovos de ambos, e , sãomanchados no polo rombo, caráter alheio a outras gar-ças. O filhote do arapapá carece de topete típico de fi-lhotes de Ardeidae.

ARAPAPÁ, Pr.3,3

54cm, 620 g (macho). Ave paludícola com a aparên-cia de uma garça, e mais particularmente de um savacu

distinguindo-se, porém, pelo bico peculiarextremamente largo e chato, cuja maxila assemelha-se aum barco de quilha alta virado de ponta-cabeça. Olhosmuito grandes e salientes, sugerindo imediatamente ati-vidades crepusculares; quando iluminados à noite pro-duzem um reflexo alaranjado. Ambos os sexos podemapresentar um longo penacho nucal negro (geralmentemais longo e espetacular no macho) que contrasta como manto cinza-claro. Caso seja visto frontalmente im-pressiona o branco puro da fronte e do pescoço anteri-or; peito e abdômen de ferrugíneos a castanho-claros,flancos negros, alto dorso atravessado por uma faixanegra que pouco dá na vista. Na fase juvenil pardo (maisclaro na fronte), com o boné e topete nucal negros e ven-tre creme esbranquiçado, sendo levemente estriado depardo; já se reproduz numa plumagem de transição (ex-Estado da Guanabara). "hágagagagogo", "pst-pst-pst", "pit-pit-pít", pode estalar o bico.

, De dia descansa sobre galhos bemsombreados onde fica absolutamente quieto, passandodespercebido facilmente; mantém então o bico sempreabaixado sobre o peito como se mergulhado em profun-das meditações. Quando realmente dorme inclina a ca-beça para o lado colocando o bico sob a asa fazendo-odesaparecer por completo (v.

Pesca à noite, no crepúsculo, em dias de chuva e,excepcionalmente, em dias claros; anda devagar na águarasa apanhando anfíbios, peíxinhos, crustáceos, insetos,folhas e também pequenos mamíferos. Balança o corpolateralmente lembrando de certo modo Vivesolitário ou aos casais, temporariamente em pequenosbandos. Ocorre freqüentemente na mesma área que osavacu, pousando às vezes ao seu lado em um matagalescuro logo acima d'água, por exemplo um igarapé.

Quando irritado abaixa a cabeça abrindo openacho em forma de maravilhoso leque ou cocar, emcerimônia bastante impressionante; o casal toca-se nosbicos. Vimos um macho cortejar sua companheira colo-cando-se por detrás dela bicando-lhe delicadamente aplumagem do pescoço e tentando colher-lhe o bico.Quando conseguiu este intento, o bico da fêmea mergu-lhou inteiramente naquele do macho que, fechando oseu, reuniu-se firmemente a ela. Ambos então começa-ram a executar uma série de movimentos rítmicos e for-tes como se quisessem interpenetrar-se ainda mais; talcerimônia durou vários minutos dando a falsa impres-são de tratar-se de uma pugna. Finalmente o casal sepa-rou-se fazendo movimentos convulsivos de engolir algo,bebendo em seguida. Cremos que desta maneira o ma-cho passou algum alimento de seu papo à fêmea. Tam-bém observamos um jovem tentar obter alimento de umdos seus pais pelo mesmo processo.

Faz ninho de galhos como as garças, localizando-osobre a ramagem de mata alaga da; associa-se às ve-zes em grupos, gosta da vizinhança de garças eguarás. Põe de dois a três ovos de casca fina que vãodo verde-desmaiado ao br anco-az ul ad o, sendorecobertos por fina camada calcária (Rio de Janeiro);consta que na América Central ocorrem ovosmosqueados com diminutas manchinhas escuras.Oólogos afirmam que seus ovos assemelham-se maisàqueles dos íbis do que aos das garças. Incubação de23 dias (Rio de Janeiro); ninhego coberto de penu-gens, tendo a aparência diversa da de outros filhotesde garças por ter um boné justo, cor de fuligem, aoinvés de um topete alto e eriçado.

Os pais, sobretudo a mãe, são muito agressivos nadefesa do ninho, pondo em 'fuga outras aves que se apro-ximem e protestando com veemência ante o acercamentode seres humanos; tal agressividade é notável em com-paração à de outras garças. O nervosismo dafêmeaaboletada no ninho exprime-se por movimentos laterais

. do corpo e, se é pressionada ainda mais, acaba por che-gar às vias de fato, atacando o intruso com o topete eri-çado, pescoço totalmente esticado para a frente e asasentreabertas, emitindo coaxos e batendo o bico. Quan-do atormentados, os filhotes sobem com grande habili-dade pelos galhos acima do ninho, regressando quandotudo se acalma.H , Habita' as margens de lagos erroscom densa vegetaçãoarbórea, aningais, manguezais.Ocorre do México à Bolívia e Argentina, em quase todoo Brasil, da Amazônia ao Mato Grosso, Goiás, Maranhão.Piauí, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janei-ro, São Paulo e Paraná. "Savacu", "Colhereiro","Socó-de-bico-largo" (Piauí), "Arataiaçu" (Amazônia).

Page 211: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

COCHLEARIIDAE 211

iog Cochl idibl G

Biderman, J. O.& R. W. Dickerman. 1978. 1 -37.(alimentação)

Bock, W. 1956. no. 1779. (revisão taxonômica)Cracraft, J. 1967. 84:529-33. (posição sistemática)Dickerman, R. W.& C. Juarez. 1971. 59:1-16. (nidificação,

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J

J.

iII

. ,.,."

Page 212: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

212' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

CURICACAS, COROCORÓ, GUARÁ, COLHEREIRO e afins: FAMíLIA THRESKIORNITHIDAE (8)

Grupo mais aparentado aos Ciconiidae que aosardeídeos, chamado também Plataleidae. De vasta dis-tribuição no globo, numerosos fósseis registrados des-de o Eoceno Médio da Europa (45 milhões de anos). Oíbis sagrado, embalsamado pelos egípcios na antigüi-dade, personifica esta família mundialmente conhe-cida como íbis. O guará é uma das mais belas avesdo Globo.

e

BiCQlongo, curvo ou em forma de colher, pernasmenos altas do que nas três outras famílias deCiconiiformes. Macho e fêmea parecidos, desenvolven-do-se certo dimorfismo sexual durante a reprodução(guará, colhereiro). Há a tendência do macho ser demaior porte. O imaturo pode ter colorido bem diferen-te, sendo seu bico mais curto.

Na dieta do guará e do colhereiro desempenhampapel importante pequenos crustáceos, responsáveispela intensa pigmentação vermelha que estas avesapresentam em estado selvagem, pigmentação esta quedesmaia nos exemplares cativos sendo entretanto re-cuperada se adicionar-se cantaxantina ou cenouras noalimento que lhes é fornecido (v. também flamingo e otiranídeo "verão", oceph lus). Para constamno Rio Grande do Sul moluscos e caranguejos como ali-mento. O estômago de vários colhereiros da área do Riode Janeiro, estavam repletos de "cracas", larvas de

s (v. s ensis). Os colhereiros executampescarias coletivas.

e sticus ius come às vezes sapos(g nulosusi, fato notável visto ser o veneno dessesbatráquios mortal por via gástrica para a maioria dosanimais, exceto a boipeva, nodon e (Carvalho1940).

H bitos, g es

Voam de pescoço levemente curvado para baixo; asasas dispondo-se côncavas como grandes conchas, sen-do batidas mais rapidamente do que nos Ardeidae; al-gumas vezes alternam curto planeio que, por exemplo,

omite quando voa para longe.São sociáveis, mas os bandos de diversas espécies

mantêm-se segregados. Chamam a atenção quando sereúnem para dormir ou quando se deslocam para pos-tos distantes, para comer. No Rio Grande do Sul os vôoscrepusculares de g chihi tornam-se um espetácu-

Ia, com as aves vindo e indo em correntes numerosas,em direção sul-norte (Estação Ecológica do Taim, janei-ro); encontramo-Ias, depois, dormindo em massa com-pacta nos banhados abertos, pousadas no solo. Simulta-neamente à mencionada migração de percorriamenor número de hi sus inju tus a área do Taim,num trajeto leste-oeste, dirigindo-se para o seu dormi-tório, separado. No Pantanal, Mato Grosso, se reúnembandos enormes de voando alto para o localde dormida, voltando de manhã espalhados, voandobaixo, procurando comida. Os guarás aparecem em cer-tos lugares e logo depois somem. A população anilha dade dis chihi de Santa Fé, Argentina, passa o invernoregularmente no Rio Grande do Sul. Um colhereiro,anilhado no Rio Grande do Sul, deslocou-se para o Riode Janeiro (Silva 1988).

e uç o

Associam-se, na maioria, em colônias. Os doisisticus, inibis e reproduzem-se iso-

lados aos casais. Nidificam sobre árvores (p. ex.Eudoci e ), nos juncais( is e esobre árvores ou rochas semeadas nos campos( isticus). Os ovos são de variados tipos, tantounicolormente azulados us e is), verdescom pequenas manchas escuras inibis), bran-cos ou pardacentos salpicados( e isticus e l ouverde-claro numerosamente borrados de pardo(Eudoc A incubação varia de 23 a 24 dias nocolhereiro. Os filhotes são alimentados por regurgitação(Eudoci us). .

Utili , declínio, inte esse epid iológico, pe gos

Na Amazônia o guará é apreciado como xerimbabo;limpa o quintal de insetos, passando a ser muito assea-do (daí o dito "limpo como umguará"). Foi extinto emgrande parte de sua área brasileira pela intensa caça quelhe moveram' (a fim de aproveitar-se suas penas paraadorno), coleta de ovos e destruição de seus ninhais. NoPantanal de Mato Grosso nota-se um declínio docolhereiro, cujos ninhos são depredados pelo caracará,

ol o colhereiro é menos eficiente na defesa doque as garças com seu bico pontiagudo. Comregistraram-se problemas em relação a inseticidas queforam ingeridos com os alimentos. Colonos de SantaCatarina suspeitam com certa razão que o curicaca,

e sticus c ,contribui para a disseminação dafebre aftosa, voando de um pasto ao outro. Normalmenteo curicaca é protegido pelos fazendeiros como umcontrolador biológico, não deixando que se acentue onúmero de pequenos animais considerados nocivos.

f*""""r

I-!

-

Page 213: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

THRESKIORNITHIDAE 213

No Pantanal, Mato Grosso, foram registrados comopredadores dos ovos do maçarico-real( ticus

e macacos (Cebus e o gavião-pretolus g . A ave defendeu o ninho tenaz-

mente, mas sem sucesso.É porém muito provável queconsiga afastar predadores como gambás, gralhas e uru-bus (Olmos 1990). Foi observado que o guará(Elogo abandona o ninho quando importunado.

MAÇARIC0-REAL, isticus s

73cm. Representante meridional grande, distinguin-do-se pelas penas nucais fortemente alongadas e pelaplumagem cheia e sulcada do pescoço. Cinza-escuro oupardacento, com rêmiges e retrizes negras; algum bran-co na fronte. semelhante à da espécie seguinte masunissilábicas, estrofe ressonante e descendente,"kí-kí-kí...", "gü-gü-gü ... '', Habita os banhados, onde pegamoluscos aquáticos etc., semelhante ao

e que é com freqüência seu vizinho (Rio Grandedo Sul); pode ocorrer ao lado da espécie adiante referi-da. Ocorre da Argentina ao Rio Grande do Sul e MatoGrosso (Pantanal). [Recentemente assinalada para o Ce-ará, aparição excepcional (Teixeiraet . 1993).] Poucoconhecido, não sendo comum. "Curicaca-cinza?".

CURICACA, Pr. 3,5

69cm, altura 43cm. Espécie grande de coloração cla-ra e asas largas. Quando voa exibe grande mancha bran-ca sobre o lado superior da asa, ao contrário do ladoinferior, inteiramente negro. gritos fortes, curtos, dotimbre dos de uma galinha-d'angola,"kí-kí-kí", si o,

"go-gí", "tau-tá-ko". O casal e o bando que se reúnempara pernoitar gritam juntos; no auge do vozerio jogama cabeça para trás. Anda abertamente nos campos secos(inclusive campos de aviação), procura queimadas; apa-nha gafanhotos, aranhas, centopéias, lagartixas, cobras,ratos etc. Para extrair larvas de besouro mergulha o bicona terra fofa até a base.É diurno e crepuscular. Plana agrande altura. No sul do Brasil pernoita e nidifica sobrepinheiros (p. ex. em Santa Catarina), no estuário doAmazonas nos mungubais e carobais. Ocorre da Colôm-bia à Terra do Fogo; também nos Andes; grande parte doBrasil, inclusive nas regiões Nordeste e Sul. "Desperta-dor" (pantanal de Mato Grosso) "Curicaca-comum*".

TROMBETEIRO, C is

70cm. Negro esverdeado; pele ao redor do olho, bicoe pernas vermelhas. lembra a do anterior, sendomais suave, nasal, por exemplo, "ag-ag". Habita o cam-po. Ocorre da Venezuela e Guianas à Colômbia e Brasil,apenas no noroeste (rio Negro) norte (Rio Branco,Moskovitz et l. 1985) e oeste (rio Guaporé). Savana embeira de rio. "Tarã".

COROCORÓ, s Pr. 4, 4

58~~. Única espécie florestal. Verde-escuro, bico epernas negro-esverdeadas. melodiosa, "Korro ...gogogo", "koró-koró ...", timbre de anu-coroca. ouvidocom mais freqüência ao crepúsculo. Margens de rios,lagos dentro da mata, aningais (Amazônia). Come inse-tos, vermes e plantas; nos intestinos de dois indivíduosautopsiados foi encontrada grande quantidade de ma-terial vegetal fibroso, ao lado de pequenos vermes evários insetos, sobretudo besouros (Linhares, EspíritoSanto, novembro). Do Panamá ao Paraguai, Argentina(Misiones) e Brasil (quase todo}, por exemplo, no Espí-rito Santo, Rio de Janeiro (junho, J. F. Pacheco), São Pau-lo, Paraná e Rio Grande do Sul (janeiro), às vezes indiví-duos isolados, de passagem. Abundante na Amazônia."Tapicuru", "Caraúna", ["Curubá" (Solimões, J. F.Pacheco)]. V Carão, s.

TAPICURU-DE-CARA-PELADA,

54cm. Negro de brilho esverdeado, cabeça anteriornua e vermelho-clara, bico esbranquiçado (a cor varia),"pernas anegradas. fraco" gü-gü-gü", freqüentemen-te mudo. Banhados, campos recentemente arados, etc.;procura alimento na água rasa caminhando lentamentecom 'um quarto do bico submerso, à feição do guará.Come inclusive matérias vegetais (sementes e folhas).Periodicamente uma das aves mais numerosas do Pan-tanal (Mato Grosso), portanto altamente migratório, emoutras partes pouco comum ou ausente. Das Guianas eVenezuela à Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai e Bra-sil (Roraima, Meio-Norte, Leste e Sul; também no Cen-tro-Oeste). "Maçarico-de-bico-branco", "Maçarico-pre-to", "Tapicuru", "Frango d'água" (Pantanal), "Chapéu-velho". V dis chihi.

GUARÁ, Am Pr. 3, 6

58cm. Uma das aves mais espetaculares do Globo;típico para os manguezais da costa atlântica setentrio-nal da América do Sul. Sua magnífica plumagem ver-melha carmesim decorre do carotenóide cantaxantina.Durante a reprodução o bico do macho torna-se negrobrilhante; as pernas continuando sempre com a colora-ção vermelha-clara. A fêmea mantém inalteradamenteo bico (que é mais fino) pardacento com a pontaenegrecida e as pernas verrnelho-esbranquiçadas. Regis-trames às vezes o vestígio de um maciço saquinho depele nua 'cor-de-rosa de cada lado da garganta; tal dis-positivo, que se forma durante a reprodução, ocorre re-gularmente na fêmea deE lbus, representantemais setentrional. Imaturo pardo-escuro com o baixodorso e coberteiras superiores da cauda brancos, abdô-men branco-amarelado. Ninhego coberto de plumasnegras; nessa idade o bico é reto.É hoje geralmente acei-

.,!

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214' ORNITOLOGIA BRASILEIRA

--------------=-~ ~~ 2'P'

to considerar E. e E. coespecíficos. Eles sãoférteis entre si reproduzindo juntos nos llanos daVenezuela.

Anda vagarosamente naágua rasa, com a ponta do bico submersa, abrindo e fe-chando as mandíbulas aceleradamente em busca de ca-ranguejos, caramujos e insetos. O alimento básico emsua dieta são pequenos caranguejos tais como o "cha-ma-maré" ou "sarará", sp., e o "maraquani", abun-dantes na zona intertidal. A espécie de caranguejo varialocalmente, dependendo do teor salino da água, que di-fere, por exemplo, ao sul e ao norte da foz do Amazo-nas, conforme as correntes de água doce que atinjam acosta setentrional; é abundante também em rios elagos salobres. Antes de devorá-los, o guará extirpa-lhesaquela maior. Na costa do Amapá aparece junto amaçaricões, migrante setentrional,mariscando os mesmos "sararás" no lodo.

Surgem sempre em bandos, para dormir e nidificarprocuram densa vegetação, por exemplo, extensosmanguezais aturizaise siriubais . Impressionam seus vôos coleti-vos para atingir tais pousos. Vôos que podem estender-

se de 60 a 70 quilômetros até' oslamaçais onde se ali~mentam de dia (foz do Amazonas). Os imaturos podemformar bandos separados.

Partilham de ninhais com colhereiros e cabeças-se-cas. Costumam usar ninhosjá existentes que ficam a umaaltura média nos manguezais. Os pais vistosíssimosdemoram apenas um mínimo de tempo no ninho quan-do trazem comida para os filhotes. Fomos informadosque nidificam no começo da seca, de julho a setembro(Pará), embora conste que se reproduzem, nas Guianas,no período chuvoso.

Existem no Brasil duas populaçõesdisjuntas do Guará, uma no norte e outra no sul. Anti-gamente ocorria no litoral brasileiro até a Ilha de SantaCatarina (Séc. XVIII, Berger 1979), portanto até o térmi-no austral dos manguezais na costa atlântica (28°20íS),sob influência da Corrente do Brasil. No Paraná(Murretas, perto de Paranaguá, ninhais), foi encontradopor A. Saint-Hilaire em 1820, observados ainda em 1977três indivíduos na baía de Antonina-Paranaguá (P.Scherer Neto); nomes como Guaratuba (guará-tuba:muitos guarás), cidade doParaná, perpetuam sua me-mória na região em questão. Do litoral paulista há re-

O" 10044'48'

okm

Oceano Atlântico

N=5.345

PARA

.25-50 51-100 151-200.101-150

201-300 301-400 401-500

46'

l'

-'

MARANHÃO'

44'

Fig. 59. Censo aéreo do guará, , na costa do Pará e do Maranhão em janeiro de 1986 (seg. Morrisonet . 1986).

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THRESKIORNITHIDAE 215

gistros do século XVI, sendo os ninhais disputados en-tre os Tupinambás e Tupiniquins que utilizavam suaspenas na confecção de adereços (H. Staden 1557, na Ilhade Santo Amara, v. História). Foi uma grande surpresaque guarás reapareceram nos manguezais de São Pau-lo, baixada Santista,Cubatão, de 1982 em diante,P: ex.um bando de 42 em setembro de 1984, todos adultos (foitirada uma boa foto), e no inverno de 1986 até 82 indiví-duos, mariscando no lodo e águas rasas ou pousadasnas árvores emergentes do manguezal(W. Bokermann).O local do registra atual é próximo do local onde Staden,prisioneiro dos Tupinambá em 1554, fez as suas obser-vações. Também na área de Cubatão foi observado emjaneiro de 1989 um bando de ca. 100 guarás; falou-se atéde um ninho atendido por um casal (Marcondes-Macha-do et . 1989).

Na Baía de Guanabara (manguezais da Ilha do Go-vernador) ocorria ainda por volta de 1929; pessoas fide-dignas asseveram que um bando de 15 a 20 indivíduos,predominantemente imaturos (o que sugere a existên-cia de ninhal não muito distante), foi visto entre maio eagosto de 1952 na foz do rio Magé, nos fundos da mes-ma baía. Há mais informações nesse sentido sugerindoque existem ainda populações meridionais (1977). Emnovembro de 1979 um guará adulto foi visto na Lagoada Tijuca (Luiz P. Gonzaga) e em fevereiro de 1985 apa-receram outros dois (seu bico não era preto, v. acima) nabaixada de Guaratiba, RJ (J. B. Nacinovic, J. F. Pacheco).

Setentrionalmente estende-se às costas de todos ospaíses do norte da América do Sul, desde a Colômbia eEquador; também em Trinidad (onde o guará é Ave Na-cional) às vezes Antilhas e América Central. Foi intro-duzido naFlórida. região do guará branco,Eudoc

bus (que ocorre também na Venezuela, em número re-duzido), com o qual cruza.

O guará, que era "a ave mais comum entre os volá-teis aquáticos da região amazônica" (Goeldi 1894), tor-nou-se ali escasso, sendo. quase totalmente eliminado dosudeste do país. Segundo informações feitas por H. F.Alvarenga, J. L. Freire e F.C. Novaes (1970/1972) aguaráé ainda relativamente abundante na costa do Amapá,por exemplo, na foz do rio Araguari e na Ilha Vitória(ninhais) e nos arredores da cidade doAmapá (ninhais);visita também rios e lagos no interior da região. Duran-te levantamento sistemático feito por A. L. Spaans (quesobrevoou as costas da Guiana e Amapá de 1970 a 1972)encontraram-se guarás em maior número, em territóriobrasileiro, sobretudo acima do paralelo 3°N, sendo lo-calizado um ninhal, em agosto de 1971, no estuário doOiapoque (Cabo Orange). Para registros mais recentesveja Teixeira& Best (1981). Num censo aéreo em 1981/1982 foi registrado perto da ilha Caviana, na foz doAmazonas, um grupo de aproximadamente 7.500 adul-tos; as aves se escondem nos manguezais e escapam fa-cilmente a qualquer controle, sobretudo os imaturos.

Existe ainda na Ilha de Marajó (Soure, Salva terra,Muaná; ninhais. 1972). Desapareceram os ninhais

registra dos, no fim do século passado, perto de Arari(Marajó) e da Ilha de Caviana, desaparecendo tambémos ninhais do lado do braço norte do Amazonas. Belém(baías de Pirabas, Pilões e Quatipuru), Vigia e São Cae-tano de Odivelas (Pará); subsiste a oeste da foz do rioGurupi, Viseu eLimondéu, Pará (1972, ninhais). Obser-vamos que os locais utilizam a expressão"ninhal" in-distintamente tanto para locais denidificação como parapousas onde as aves (guarás, garças, etc.) apenas vãodormir.

Às vezes, o guará sobe o Amazonas e seus tributári-os, exemplares isolados aparecem, por exemplo, no rioTrombetas, Oriximiná (Pará). O guará vive meionomádico, muda espontaneamente suas colônias e seafasta para longe dos locais tradicionais.

Habitam a costa doMaranhão, entre (Guimarães) eTuriaçu (ninhais, 1972). Litoral do Ceará (perto de For-taleza) como visitante (1973).É anunciado erroneamen-te, como existente no Pantanal de Mato Grosso, confu-são que fazem com o colhereiro. Uma ocorrência deEudoci us no Pantanal onde existem águas salobras (for-madas ali mesmo, não são reminiscências marinhas) nãoparece tão estranha considerando que ele penetra noslhanos da Venezuela de água doce, onde reproduz emgrande quantidade. Contribui para a confusão no Pan-tanal que o cartão-postal mais vendido mostra um ban-do de guará em vôo, foto provavelmente tirada na ilhade Marajó, Pará.

Soubemos que em 1984 na Venezuela as colônias doguará estavam se deslocando do litoral (onde são maisperturbados) para o interior; 50% do total da populaçãoatualmente existente dos guarás ocorrem na Venezuela.Por questões alimentares o hábitat preferido dos guarássão os manguezais, cuja degradação é ampla, começan-do com a poluição do mar e retirada do arvoredo. Acaçae a pilhagem de-ninhos e ovos comprometem mais ain-da a sobrevivência dessa ave sensível. "Cuará-verme-lho*".

CARAÚNA, TAPICURU, eg chihi

53cm. De porte ainda mais delgado que o dehi us, o qual às vezes aparece ao seu lado (Rio Cran-

de do Sul). Quanto ao aspecto pode lembrar ummaçaricão, u plumagem castanho-chocolate,com asas e cauda verdes violáceo-purpúreo; bico e pésescuros, loros nus. Pelo final do ano muda para umaplumagem de descanso, colorindo-se suas faces de bran-co, que é conservada até junho ou agosto. Voz:"baixinho"go-go-go", "guack ... ", lembrando o grasnar dasmarrecas. Arrozais, banhados abertos. Quando voampodem passar' por marrecas-piadeiras; alinham-se emformações cuneiformes e longas filas. Migratório. Indi-víduos anilhados em Santa Fé (Argentina), ainda comofilhotes, foram encontrados em setembro e novembrodo mesmo ano no Rio Grande do Sul, 1.400 km ao Nor-

. r:

tI,

t:

I

1

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216' ORNITOLOGIABRASILEIRA

deste. Do Chile e Argentina (Patagônia) à Bolívia, C()- .lômbia e Brasil: Rio Grande do Sul (onde é comum) aSão Paulo e Rio de Janeiro (agosto, 1968) e Mato Grosso."Maça rico-preto" (Rio Grande do Sul) "Caraúna-de-cara-branca". Setentrionalmente substituída por P.[alcinellus espécie muito parecida e cosmopolita, quenidifica na Venezuela, América do Norte e Velho Mun-do. V Carão, us.

COLHEREIRO, AJAJÁ, Pr. 3, 7

87cm. Único pela forma do bico. Plumagem roseapela presença dos carotenóides cantaxantina eastaxantina (v. guará); seu colorido é intenso apenasdurante a época de reprodução.A faixa vinácea na asa éadquirida por uma muda nupcial(w. Bokermann). Omacho é maior. Estão maduros apenas após aos três anosde idade. Imaturo esbranquiçado (incluindo a cabeça aqual é empenada, ao contrário do adulto), de loros nus,bico e pernas pardacentos e rêmiges negras. gru-nhidos e grasnados.

Aos bandos, procura alimento na água rasa mergu-lhando e sacudindo a "colher" do bico lateralmente, pe-

og es ot ibliog G l)

Antas, P.T. Z., P.Roth. & R. 1.G. Morrison. 1990.I .11 130-136. (Eudcci conservação)'

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Morrison, R. I. G., R.K. Kloss & P.T.Z. Antas. 1986.E o,e n ento 4. iEudoci us , costa do Pará e Maranhão,distribuição)

}~~irando a água; apanha assim animalejos aquáticos taiscomo peixinhos, insetos, moluscos e crustáceos, inclu-sive "cracas" s), sobretudo larvas mas tambémadultos (como evidenciam pedaços de carapaças en-contrados em conteúdos estomacais no ex-Estado daGuanabara). Vimos colhereiros realizarem pescarias co-letivas, dez a vinte indivíduos andando lado a ladomariscando na água rasa (Rio Grande do Sul).

Voa de pescoço esticado, lembrando um pouco osCiconi diferindo destes obviamente por ser muito me-nor e por alternar uma série de batidas de asa com umplanar como fazem as curicacas. Após a reprodução osimaturos brancos formam bandos que podem-se con-fundir, de longe, com garças. Habita praias lamacentasno interior ou no litoral, manguezais; ninhais de per-meio com os de garças e guarás. Habita a região neotro-pical, do sul dos EUA à Argentina, grande parte do Bra-sil, inclusive toda a região Sul; nidificava na Ilha do Go-vernador, às portas da cidade do Rio de Janeiro."Colhereiro-americano*". Parente próximo docolhereiro do Velho Mundo, que é maior e todo branco.É confundido com o guará (que é menor) e o flamingo(que é muito maior).

Nascimento, J. L.X., P.T Z. Antas & I. N. Castro. lQ92. es os IICong . . G . n ,censo aéreo)'

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reprodutiva)

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CrcONIlDAE 217

JABURU, MAGUARI, CABEÇA-SECA: FAMÍLIA CICONIIDAE (3)

Aves grandes de aspecto de garças, de vasta distribui-ção no globo. A África vale como "o continente das ce-gonhas", destacando-se, p. ex. os grotescos marabus

A cegonha-branca,é uma das aves mais populares da Europa, con-

siderada de bom augúrio e responsável por trazer ascrianças, conforme a lenda. São adaptadasà água doce.Fóssil mais antigo do Oligoceno Inferior do Egito (35milhões de anos); no Brasil, fósseis de 20 mil anos nascavernas de Minas Gerais. Já em 1870,A.B. Garrod cha-mou a atenção para a semelhança anatômica dosCiconiidae com os abutres do Novo Mundo, informa-ção renovada nos nossos dias por Ligon (1967) eKõníg(1982). A confirmação veio através da pesquisa bioquí-mica: Ciconiidae e Cathartidae são parentes próximosque evoluíram de ancestrais comuns, separando-se emdois grupos há 35/40 milhões de anos (Sibley&Ahlquist1986). A semelhança dos abutres do Velho Mundo e doNovo Mundo é pura convergência em adaptaçãoànecrofagia.

O jaburu16, o maguari e o socó-grande (Ardeidae) sãoas maiores aves brasileiras após a ema. Os Ciconiidaepossuem bico muito grande, de formato diverso, e plu-magem branca ou branca e preta. Sexos parecidos, ma-cho mais robusto, notando-se também geralmente umadiferença na forma do bico. A cauda do maguari é sin-gular. O povo identifica uma pessoa de porte desajeita-do como "jaburu".

, de bico

São quase mudos (siringe rudimentar) sendo, porém,capazes de matraquear com o auxílio do bico, por exem-plo, "peb-peb-peb" (jaburu, maguari). Consta que tam-bém o cabeça-seca bate com o bico durante a cópula. Omaguari bufa quando irritado, Os filhotes assobiam so-licitando comida (jaburu) e podem ser barulhentos.

de

São onívoros. Apanham animais dos mais diversosdesde insetos, caranguejos e caramujos até rãs e peixes.Os três representantes que ocorrem no Brasil possuemtécnicas de captura de presas. inteiramente diversas. Ocabeça-seca permanece estacionado ou caminha lenta-mente na água rasa (que pode ter a superfície tomada

de vegetação flutuante) com o bico abaixado e ligeira-mente aberto, com as pontas mergulhadas na água; en-quanto isto mexe com um dos pés embaixo d'água, fa-zendo movimento de vai-e-vem; alterna ora o pé direitoora o esquerdo nesta azáfama, que visa espantaranimalejos ocultos no lodo, os quais são apanhados quan-do tocam a ponta do bico, dando-se a captura, portanto,independente da visão. Por estas razões o cabeça-secaparece ser muito "calmo" enquanto procura alimento.

Já o jaburu, ao contrário do anterior, anda energica-mente de lá para cá a passos largos e, em cada um deles,mergulha o bico na água, impelindo-a violentamente, afim de espantar peixes escondidos; sai da água quandotem dificuldade de dominar um peixe que, quando lheescapa caindo ao solo em seco; é mais fácil de recapturar.Pesca bagres (Siluridae) cujos grandes.acúleos parte vi-rando a presa no bico (Pantanal, Mato Grosso). Vimosuma dessas aves pular na água rasa aparentemente tam-bém para espantar animais enterrados no substrato. Pegafilhotes de jacaré (os quais mata batendo-os contra umgalho), tartarugas e e cobras, chegando mes-mo a levar pequenos exemplares de sucuri para o ninho'(Mato Grosso, A. Sucksdorff). Às vezes executam umabatida em regra, associando-se em grupos; marchamentão lado a lado em direçãoà margem, assustandopeixes que fogem para água rasa, sendo então facilmen-te capturados.

O maguari caça de espreita dentre a vegetação aquá-tica mais alta. Tanto ele como o cabeça-seca engolem tam-bém matéria vegetal. A caçada do maguari é visual, en-quanto a do jaburu é predominantemente tátil, aquelado cabeça-seca é quase toda tátil.

Para todas as três espécies o melhor período (inclu-sive para reprodução) é o do começo da época seca, quan-do ocorre a maior concentração de animais aquáticosque lhes servem de presas. Já quando as águas come-çam a descer aparecem em bandos junto a garças e ou-tros pernaltas, em busca de peixes ou outras presasmortas ou moribundas que sucumbem nas poças que aágua deixou ao baixar, e que vão lentamente sendo se-ocas pelo sol. Nas planícies do Mato Grosso e da Amazô-nia, o jaburu exerce saliente papel de saneador na medi-da que devora incrível quantidade de peixes mortos; nãorejeitam nem mesmopedaços de carniça grande arran-cados por urubus.

,

Voam de pescoço esticado; no que diferem dosArdeidae; são mestres no vôo planado, aproveitando-se

16 O nome "jaburu" é usado por vezes para todas as três espéciessul-americanasda família.Usamo-Iano textogeral da famíliaapenas parabi u cte

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218 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

das correntes aéreas quentes ascendentes; todas três es-pécies podem subir tão alto que se perdem de vista. Destamaneira alcançam os melhores lugares para pescar, dis-tantes às vezes 30 km ou mais do seu pouso, ao qualregressam depois através do mesmo método, gastandoassim um mínimo de energia. Reúnem-se em formaçãescuneifonnes quando voam para locais afastados (p. ex.

O cabeça-seca desloca-se regularmente entre ossistemas fluviais do Orinoco e do Amazonas, de modo ater sempre faixas marginais de água rasa à disposição.Na própria bacia amazônica recua rio abaixo ou rio aci-ma conforme as inundações periódicas.

Ocorrem migrações também no sul; foi registrado,p. ex., em início de fevereiro, perto de Capivari, muni-cípio de Osório, Rio Grande do Sul, uma aglomeraçãode 500 a 1.000 cabeças-secas, pou-sados no chão e alimentando-se nos campos de pasta-gem alagados pela chuva (F.Wildholzer).filhotões anilhados no Pantanal, Mato Grosso, pelo fimdo ano, foram recuperados no Rio Grande do Sul (feve-reiro) e em Santa Fé, Argentina(janeiro do ano seguin-te).

São capazes de usar suas pernas longas (que sãoprovidas de uma ramificação reticular arteriovenosa:

para a termorregulação, a medida emque as molham com urina cuja evaporação resulta emum refrescar imediato por esta razãoapresentam-se freqüentemente com as pernas sujasde branco (v. também urubus). A freqüência de urinar,servindo à urohidrose e nãoà eliminação de líquidoexcretório pelos rins aumenta com a intensidade docalor e chega a uma carga por minuto, enquanto o atode urinar normal ocorre uma vez em dez minutos

observado na África). Para que o ja toacerte bem o tarso-metatarso, este é levantado e apro-ximado à cloaca.

Parece que o freqüente esticar de asas que se vê nosciconídeos teria função termorreguladora. O cabeça-secaabre as asas expandindo-as ao máximo como fazem osbiguás e urubus. Já o maguari tem' hábitosíngular.qúêvimos em três exemplares (um deles jovem) no Rio Gran-de do Sul, em janeiro de 1966; as aves tomavam banhode sol pouco antes do ocaso, abrindo as asas deixandoporém a mão pendente e expondo ao sol todas as partesinferiores incluindo as das asas, cujas pontas descaídasestavam atrás dos tarsos. Tudo isto em posição tão eretaque até as coberteiras inferiores da cauda estavam sob aação dos eflúvios solares; mantinham-se de bico aberto,absolutamente imóveis, ficando assim por tempo consi-derável. Tal modo de esticar as asas, descrito e figuradopor Kahl (1971a)para da Índia (del-

ocorre também no cabeça-seca vimo-lomesmo em cocoi e .

Tanto cabeça-seca como o jaburu nidificam sobre ár-vores, o primeiro em colônias ("ninhais") às vezes gran-des e mistas, com o colhereiro e alguns emmatas alagadas.

O jaburu é solitário, fazendo seu ninho sobre as ár-vores mais sobranceiras e, geralmente, isoladas; utiliza-se destes lugares, que são mesmo estratégicos, por mui-tos anos, tratando-se provavelmente do mesmo casal quea longo prazo é substituído por outro. Nidificam tam-bém em palmeiras (p. ex. buritis), instalando-se sobreseu penacho, o que pode acabar matando a palmeira.Trazem galhos grandes de um metro de comprimentoou mais, e Sem de grossura e montões de material fofo;o ninho é forrado de capim. Ocorrem lutas ferrenhas en-tre jaburus territoriais (setembro, Pantanal).

O ninho novo do jaburu é relativamente pequeno masé aumentado a cada período de reprodução. O ninhotorna-se um amontoado volumoso de galhos, lodo e ca-pim que pode atingir o diâmetro de 1,5 a 2,0 metros ealtura de 1,0 a 1,5 metro. No Pantanal de Mato Grosso areprodução do jaburu toma o período seco todo, de ju-nho a outubro/novembro. Semelhantes são as condiçõesno Rio Grande do Sul, referentes ao maguari.

O maguari nidifica no solo, em taboais e juncais semárvores, escolhendo locais de água rasa onde acumulaum monte de capim e hastes secas (p. ex. de grandesciperáceas - "papiro") que pode chegar ao diâmetrode 2 metros eà altura de SOem,assemelhando-se ao ni-nho do tachã. Limpa as cercanias do ninho, utilizandoas plantas arrancadas na sua confecção. Às vezes várioscasais associam-se 'para nidificar, o que fazem a algunsmetros uns dos outros. E a única espécie da família emtodo o mundo que nidifica no solo, embora o faça tam-bém em árvores, por exemplo, na Venezuela (B. T.Thomas).

Os ovos dos Ciconiidae são de um branco puro, nadasemelhantes aos da garça. O jaburu põe de dois a trêsovos, até quatro; já vimos três filhotes no ninho do jaburue do maguari, quatro.

O período de incubação' do cabeça-seca oscila entre28 e 32 dias, sendo que seus filhotes voam aproximada-mente no quinquagésimo quinto dia de vida. Se faltarcomida em anos muito secos, não se reproduzem. Cons-ta que o maguari dá de beber aos filhotes, regurgitandoágua. Kushlan (1975) demonstrou uma relação matemá-tica entre a vazante e o período da reprodução do cabe-ça-seca, naFlórida, EUA. ,"

Sobre a longevidade do jaburu constam 36 anos, do "maguari 20 e do cabeça-seca 27 anos.

Uma recente revisão dos Ciconiidae do mundo (Kahl1972),que se baseia inclusive no comportamento dessasaves, revelou que os três representantes sul-americanos

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!

i- CICONIIDAE 219

podem ser atribuídos a três grupos diferentes, cada umdeles com elementos que os representam no Velho Mun-do, o que dá uma perspectiva zoogeográfica interessan-te. Assim teríamos Mycteriini incluindo ,Ciconiini abrangendo Ci e Leptoptilini com ,concluindo-se que as nossas três espécies são I}lenos apa-rentadas entre si do que a certas outras da Africa e ín-dia. A inclusão do gênero em é tam-bém apoiada pelo comportamento,P: ex. o -do

(jogar a cabeça para trás, matraqueando com obico) típico para todas as espécies do gênero; é executa-do já por maguaris ninhegos (fig. 60).

Inquilinos dos ninhos eos

O enorme amontoado de galhos que é o ninho dojaburu consiste em ponto de atração para várias aves daregião que se instalam na sua base, ali construindoseus ninhos, como fazem por exemplo a graúna

bem-te-vi t gus) e a caturritat a qual até presta bons serviços ao jaburu na

medida que reforça a base deste com o material que trazpara a confecção do seu próprio, além de servir de sen-tinela. O catatau, , apanhamaterial fofo na base do ninho do jaburu para construir(Pantanal, Mato Grosso).

.Fig. 60.Maguari, Jovem no ninhoexecutando o movimento de A ave nesteestágioénegra, com a garganta amarela. OriginalH.Sick.

De interesse epidemiológico é o fato de em ninhosde e e cte instalarem-se bar-beiros odnius prolixus, Triatorninae) principais vetaresda doença de Chagas (o protozoário é o i),conforme foi observado na Venezuela; em seusdeslocamencos as aves transportam larvas e ovos dopercevejo dentro da plumagem, disseminando o vetar.

Na Venezuela não existe a caturrita que no Sul poderiaintroduzir os barbeiros nos ninhos dos ciconídeos.

CABEÇA-SECA, PASSARÃO,

Pr. 4, 1

95cm, 2,8 kg. Cabeça e pescoço nus e negros assimcomo as pernas; dedos rosados. Plumagem totalmentebranca apenas com as rêmiges e retrizes negras. Machomaior que a fêmea. Imaturo, de cabeça e pescoçoernplumados e bico curvo amarelo claro ou rosado, oqual é mantido freqüentemente. abaixado, no que lem-bra um pouco aguará. Empoleira-se freqüentemente. Amais gregária das três espécies sul-americanas; os ima-turos associam-se vivendo à parte dos casais. Ninhaisem capões alagados. Vive em banhados interrompidospor matas. Antigamente uma das aves aquáticas maiscomuns da Amazônia; é considerada peça de caça. Ocor-re do sul dos EUA à Argentina, quase todo o Brasil (in-cluindo as regiões Leste e Sul). Pelo uso de nomes iguais,tanto científicos como vulgares, há às vezes confusãocom os dois outros ciconídeos, principalmente o jaburu.

e . "[aburu-moleque", "Padre" (Rio Gran-de do Sul), "Cabeça-de-pedra?", ood lbis (inglês).Chamado anteriormente de ntulus locul io .

MACUARI, JOÃO-GRANDE,

140cm, altura 108cm, peso 4,5 kg. Branco, com penasalongadas no pescoço anterior; rêmiges, coberteirasgrandes superiores, região escapular e cauda negras. Estaúltima é bifurcada e menor do que as suas coberteirasinferiores as quais são rígidas, sobressaindo além dasretrizes em um triângulo ou retângulo branco que sedestaca no vôo; desta maneira as subcaudais pra ticamen-te substituem as retrizes em sua função de leme. Quan-do a ave está pousada, as pontas das asas apresentam-se como um "prolongamento preto" da parte traseirado corpo, o que não ocorre no cabeça-seca que parece"curto" e todo branco (suas rêmiges negras são cobertaspelo manto). Bico reto e cinza-az u lad o, de pontaaverrnelhada, região perioftálmica, pele nua da base dobico e pernas vermelhas; olhos amarelos. Batem com obico como outros Voa de pescoço esticado como

. outros ciconídeos, v. Introdução.Nidifica no solo (v. Introdução), de dois a quatro fi-

lhotes, brancos ao nascer, passando logo a seguir a umanegrado no qual destaca-se a garganta laranja; após trêsmeses de idade assemelham-se aos adultos (Thomas1979). Reúnem-se fora da época de reproduçãoem bei-ras abertas de lagoas para pernoitar; descansam deita-dos sobre o ventre. Vivem em banhados e brejos compouca vegetação alta. Na Amazônia é considerado caçatal como o tuiuiú. Ocorrem em grande parte da Améri-ca do Sul, todo o Brasil (mais comum no Rio Grande doSul e extremamente restrito na Amazônia e no Nordes-

. ,

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220 ORNITOLOGIABRASILEIRA

Fig. 61.[aburu,[abiru te .

te). "Cauauã" (Paraná), "Cegonha", "Tabuiaiá" (Panta-nal, Mato Grosso), "[aburu-moleque". V também socógrande, e cocoi.

JABURU, TUIUIÚ, Fig. 61

140cm, altura 107cm, envergadura 260cm, peso 8 kg.Bico colossal (menor na fêmea), ligeiramente curvadopara cima. Partes nuas negras como carvão,occiput comalgumas penas brancas. Pescoço dilatável (quase sem-pre espantosamente disforme), de base vermelha (assim

bliog Ciconiidt og Ge /)

Encarnação, C. D. &M. G. Diniz.1993.esu II1 Con O .elo r. 14.( te e [abiru, dados da nidificação na bacia do

Paracatu, MG)'Kahl, M. P. 1963. ol. /. 36:141-51. (termorregulação)Kahl, M. P. 1964.Ecol. onog . 34:97-117. ct , alimentação)Kahl, M. P. 1971a. e ing 10:151-70. (hábitos, taxonomia)Kahl, M. P.1971b.Condo 73:220-29. u, Cico , hábitos)Kahl, M. P.19?~c. u 88:715-22. (hábitos)Kahl. M. P. 1972.. ool. ( ondon) 167:451-61. (taxonomia)Kahl, M. P.1979.Family Ciconiidae. Pp. 245-52. In:C st ds

lhe d. Vol. 1. 2nd ed. (E. Mayr & G. W. Cottrell, eds.).Cambridge, Mass.:Museum of Compara tive Zoology.*

Koníg, C. 1982.t. .12 259-67. (sistemática)Krebs, L R. 1978. 7:299-314. (nidificação em colônia)Kushlan, J.A. 1975.el iion ish íl to ood

to e uction in lhe n E des, o id .Tallahasse:U.S. Dept. Int. Geol. Surv.

Kushlan, J. A. 1976. 93:464-74. (predação)Kushlan, ]. A. 1978.Ecolog 59:649-53. (alimentação)Kushlan, .1979. . . .43:756-60. (efeitos do helicóptero

sobre colônias)Kushlan, ]. A. 1986.Col. 9:155-62. (flutuação do nível

d'agua)

como pequena mancha na sua parte anterior, manchaesta freqüentemente oculta pelo bico abaixado); esta co-loração muda de intensidade tornando-se escarlate quan-do a ave se excita, supomos que por aporte de sanguenos vasos. No Pantanal (Mato Grosso), há localmenteuma variação de "partes nuas" (cabeça e pescoço) intei-ramente vermelhas em contraste com o bico negro (oqual também pode ter vestígios de vermelho); tarsos tam-bém vermelhos (Sick 1979). Plumagem inteiramentenívea, ao contrário das espécies anteriores.

Voa com o pescoço totalmente esticado como os ou-tros cicônidas, dando a impressão de que retrai um pou-co o pescoço ao voar, devido a um chumaço de pele frou-xa pendente juntoà base do mesmo. Alterna algumasbatidas de asa com rápido planeio. Nidifica isoladamentesobre árvores altas ou palmeirais. O filhote é pardo-es-curo (de cabeça e corpo emplumados). Para comer asso-ciam-se em bandos. Considerada ave de caça na Ama-zônia, sua carne lembra a do ganso quanto ao paladar;mais apreciados são os "filhotões", que são muito gor-dos. Vive nas margens de grandes rios e lagos com ár-vores esparsas, campos úmidos semeados de capões.Quando 'pousado abertamente na margem de um riopode passar por um ser humano. Ocorre da AméricaCentral (até o México) ao norte da Argentina e Brasil(.até São Paulo e Santa Catarina) [Recentemente encon-trado no Rio Grande do Sul (Belton 1994)]. A maior po-pulação é encontrada no Pantanal, Mato Grosso (ondefoi escolhido símbolo), e no Chaco oriental, Paraguai.Na literatura mais antiga designado como e-ic "Tuiuiú-coral" (Mato Grosso),"[aburu-moleque",

"Jabiru ll

Kushlan, ]. A. & M. S. Kushlan. 1975. . 1-38.t estação reprodutiva)

Lent, H. &]. ]urberg. 1969. . ol. 29:487-560.(fauna nidícola)Ligon, ]. D. 1967. . 651. t ,

parentesco)Oliveira, D. M. M. 1987. s Cong . de

147. alimentação de filhotes)Pacheco,]. F.1988.oi. C 23:104-20. no Rio de [aneiro)"Schulz, H. 1987. 34:107-17. (termorregulação)Sibley, C. G. & ]. E. Ahlquist. 1986. t. 254 82-92.

(parentesco)Sick, H. 1979. . B.o. C. 99:115-20. e variação)'Thornas, B. T. 1979.oi. c. e . Cienc. .34:239-241.(Ciconi

g i, sucessão de plumagens)Thornas, B.T. 1981.Condo 83:84-85. bi u t , nidificação)Thomas, B. T. 1985. Pp. 921-31. In: g (P. A.

Buckley, M. S. Forster,E. S. Morton, R. S. Ridgely, F.G Buckley,eds). Lawrence: A.O.U. (Ornith. Monogr.,36). (coexistência dastrês espécies de Ciconidae sulamericanos)

Thornas, B. T. 1986.C 88:26-34. (Cí i, hábitos,reprodução)

Yamashita, C. & M. P Valle. 1986. is II E , io de e o 196-97. anílhamento)

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CATHARTIDAE 221

URUBUS, CONDOR: FAMíLIA CATHARTIDAE (6)

Os abutres do mundo são separados em dois gruposanatomicamente diversos. Para os americanos foi cria-da uma famíliaà parte (Cathartidae), ao passo que osabutres do Velho Mundo são incluídos na famíliaAccipitridae da ordem Falconiformes.

Dados da anatomia comparada e do comportamen-to indicam parentesco próximo dos abutres do NovoMundo com os Ciconiidae (Ciconiiformes): o pé dos uru-bus não serve para segurar o alimento (geralmente umbicho morto) com os dedos, mas apenas para pisar nele,pois o primeiro dedo (o traseiro), ficando em posiçãomais elevada, não alcança a presa e ao mesmo tempo osegundo dedo (o interno) não se curva para baixo, devi-do ao alongamento da falange basal (v. figo62). O bicodos catartídeos é perfurado(n pe e), a siringe fal-ta; a ave ocasionalmente bate com o bico e pratica aurohidrose (Kónig 1982). A confirmação se deu atravésde análise bioquímica (DNA). Os catartídeos são porhomologia cegonhas e por analogia necrófagos.

Alguns ancestrais dos atuais Cathartidae eram voa-dores enormes entretanto, os maiores gigantes eram dafamília Teratornithid ae, muito afim dos Cathartidae,como por exemplo, is gni do Terciárioda Patagônia, que tinha envergadura superior a 7 metrose peso perto de 80 kg, maior ave voadora conhecida nomundo. Os mais antigos fósseis conhecidos deCathartidae datam do Eo-oligoceno da França, doOligoceno Inferior da América do Norte e do Brasil.

g ~ es

Cabeça e pescoço nus, o que facilita a higiene apósseus banquetes repugnantes; um denso colar de penas égeralmente interpretado como um obstáculoà descidado repasto meio líquidoà plumagem. Narinas vazadas.Bico e unhas menos possantes do que nas aves de rapi-na. O bico fino de tesé próprio para se aproveitarde bichos mortos pequenos, enquanto o bico forte deCo serve para rasgar a pele de cadáveres maiores,obra ainda melhor executada peloSarcoramphus. Oscarúnculos do macho do último parecem possuir fun-ção tátil. Ohallux é elevado e curto, ao contrário da mai-oria dos Falconiformes. O macho pode ser maior do quea fêmea.

Locomovem-se no solo a custa de longos pulos elás-ticos. As pernas são relativamente longas. Mudos, nãopossuem siringe, sabem porém bufar fortemente, subs-tituindo muito bem uma voz, g ps emite um "koa":já dentro do ovo o filhote emite uma espécie de gritorouco ou bufar. Para a termorregulação abrem as asas edefecam sobre as pernas ("urohidrosis",V. tambémCiconiidae), o que registramos, por exemplo, para

e C . co phus "atira" as fezes

líquidas, brancas primeiro a uma perna e depoisà ou-tra, cobrindo totalmente a cor amarela dos tarsos. Pes-quisas de laboratório revelaram que as partes nuas nacabeça e no pescoço têm também papel importante natermorregulação (Larochelleet aI. 1982). As penas de

us tem um forte cheiro típico.

ç o, , n de supost ,inuiç o d popul o

Como consumidores de carne em putrefação desem-penham importante papel saneador, eliminando maté-rias orgânicas em decomposição. São imunes, aparente-mente, ao botulismo, doença que ataca o homem e aoutras aves (v.doenças) por ingestão de alimentos enla-tados, como patê, contaminados pela bactériaClost ibotulin As toxinas botulínicas são proteínas, consti-tuindo-se nos mais potentes venenos conhecidos ..O sucogástrico dos urubus é bioquimicamente tão ativo queneutraliza as toxinas cadavéricas e bactérias, eliminan-do perigos posteriores de infecção. Quando são alimen-tados em cativeiro com carne fresca são limpos e semmau cheiro.

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l.',... ~-.:. '.

Fig.62.Pé direito do grifo(Gyps [ulous, abutre doVelhoMundo,A), do condor l gryphus, B), e dacegonha-branca ciconi , C),abaixoos respecti-vos esqueletos.A flechaaponta a primeira falange(abasal)do dedo interno:curta emGyps (Falconiforrnes),comprida em u (Cathatidae)eCiconi(Ciconiiformes)(seg.Kõnig1982).

, ,,

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222 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Dotado de vista muito aguda, circulando nas alturasjá de madrugada e ainda no crepúsculo, o urubu comume o urubu-rei tudo observam, localizando a grande dis-tância cadáveres de animais de porte avantajado o quenão é tão difícil, considerando a posição peculiar de umbicho morto e o comportamento de outros urubus, no-tando quando estes encontram algo e descem, o que dápara ver a uma distância de aproximadamente 90 kmquando a ave voa numa altura de 700 m; um objeto de30cm de comprimentoédetectado pelos urubus a 3.000mde altura. Aproveitam-se das correntes ascendentes dear quente ao redor de colinas e serras para elevar-se, pla-nam por horas a fio com um mínimo de dispêndioenergético, quando a temperatura é alta. O escritor J.Guimarães Rosa escreveu: "O urubu é que faz castelosno ar". Podem ser tanto vôos de passeio como de inspe-ção. o. fato da onça cobrir um animal abatido que nãopode comer de uma vez pode ser uma adaptação paraburlar a acuidade visual dos urubus; porém a onça cos-tuma arrastar suas vítimas para dentro de densa vege-tação.

e C. u possuem olfato bemdesenvolvido", conseguindo localizar cadáveres ocul-tos voando baixo, encontrando, por exemplo, um maca-co abatido que ficou preso em uma forquilha dentro deuma densa copa de árvore ou um araçari morto no soloda alta mata amazônica, como registramos no altoCururu, Pará. O urubu-de-cabeça-vermelha é captura-do em armadilhas postas para pequenos mamíferos den-tro da mata fechada; come pequenos animais mortos (sa-pos, cobras, ratos), patrulha as estradas em busca deanimais atropelados; também ingere fezes e gosta de fru-tas, inclusive de cocos de palmeiras como a macaúba

o sc o e o dendê is guineensis) (estaúltima introduzida da África) (Pinto 1965), tornando-seaté nocivo nestas plantações na Amazônia. O urubu-de-cabeça-amarela tem especial predileção por peixes po-dres. Tal "carne branca" (como também cobras e outrosrépteis) atrai sobretudo espécies deC es, enquanto"carne vermelha" é a comida obrigatória de g .Procuram nas queimadas animais moribundos e frutoscaídos. Os urubus são os grandes saneadores naturais.Na África os abutres locais, vivendo nas imensas savanascom muita caça, aprendem a associar o estampido detiro 'à'expectativa de um bicho morto, significando co-mida futura. Os cadáveres inicialmente têm os olhos e alíngua devorados, depois são atacados nas partes anaise vísceras.

g ataca ocasionalmente animais vivos impe-didos de fugir (p.-ex. filhotes de tartaruga e cordeirosrecém-nascidos); em ilhas, como as Moleques do Sul,Santa Catarina, nidifica no meio das colôniasde aves marinhas e rouba tudo que consegue na vizi-nhança (L. A. Rosário). Urubus-reis no Jardimco do Rio de Janeiro, mostraram-se inofensivos mesmo

17 A orientação em larga escalapelo olfato em avesé uma exceção.

para gatos recém-nascidos depositados abertamente pelamãe em seu viveiro. UmSarcoramphus em cativeiro nãoera capaz de localizar carne escondida. Urubus gostammuito de ingerir sal.

As afirmações de serem os urubus disseminadoresde epizootias como o carbúnculo (o agenteetiológico éo s cis), a febre aftosa, a cólera e assalmoneloses, em geral não passam de suposições. En-tretanto a concentração de urubus em depósitos de lixonas cercanias de aeroportos constitui ameaça para a avi-ação.

Surgem notícias sobre a diminuição do número des-tas aves no Brasil (Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás,Rio Grande do Norte) na Colômbia e no México. Sernecrófago não protege da ação letal dos 'inseticidas,como foi amplamente documentado em Israel. Constaque urubus morrem ao comer cadáveres envenenados,mas colonos informaram-nos que certos venenos, comoestricnina e cianureto de potássio, são pressentidos pe-los urubus que vomitam imediatamente a carne ingerida,que deve ter um gosto repelente especial, salvando-os.Quando os urubus se aproveitam de um bicho morto atiro correm o risco de engolir chumbo, o que torna-sefatal, como aconteceu com alguns Condores-da-Califórnia. Acham-se às vezes urubus mumificados oque pode ser o resultado de um envenenamento especí-fico.

Pode contribuir à diminuição dos urubus o fato deque hoje há muito menos cadáveres de gado espalhadospelos pastos, devido ao melhor tratamento das reses (va-cinação etc.), escasseando assim o alimento dos urubus.Cadáveres são até removidos dos pastos (Rio Grandedo Sul).É provável que a falta de alimento tenha causa-do o declínio .do Condor-da-Califórnia provocado pelaextinção da fauna de grandes mamíferos no Pleistoceno.Bichos atropelados nas estradas são geralmente bichosmenores, aproveitados pelo caracará. Urubus pousados,de asas esticadas, morrem às vezes por choque elétricoem torres de alta tensão (Paulo Afonso, Bahia).

Há muitas manifestações literárias sobre o urubu,g , tanto acusações severas como homenagens

populares. O urubu "exerce verdadeira atração sobre acuriosidade humana, pela sua pacífica convivência coma morte, dela extraindo sua própria vida" (Conzaga 1981).

Os urubus têm o hábito de esticar as asas quando des-cansam, semelhante aos ciconídeos. Umco phus,se diverte mexendo com o papo que, normalmente, estáescondido sob as penas. O pap~ então aparece como uma

..bola impressionante, nua e vermelha (cinzenta no ima-turo). Há um caso singular da "imitação" de um urubupor um rapineiro, eo onot tus, tratando-se de ummimetismo agressivo.

1

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'- CATHARTIDAE 223

Como tantas outras aves de porte, tomam-se madu-ros apenas com alguns anos de idade; o Condor dosAndes (que não se reproduz no Brasil), por exemplo, sóatinge a fase adulta aos oito anos. g corteja a fê-mea no solo, pulando com as asas abertas, e no ar, reali-zando maravilhosos vôos nupciais, mostrando-se mui-to ágil, descendo a pique com verdadeiro estrondo.

o faz empoleirado ou no solo, abre e fechaas asas e exibe o vértice vivamente colorido, abaixandoa cabeça; inclinam-se da mesma maneira quando estãodesconfiados e observam algo com atenção - posiçãoadotada também por vários gaviões.

Tanto como nidificam bemescondidos entre rochas de acesso difícil, ou sob raízes.Fomos informados, no Noroeste da Bahia, que ali ambasas espécies nidificam no alto de buritizeiros mortos.Consta que C. .us procura árvores ocas.Sarcoramphus faz seu ninho em paredões ou sobre árvo-res altas, como,P: ex: um jequitibá centenário (Sul deMinas, J. F. Pacheco). Em extensas áreas planas, cober-tas de mata, como na Amazônia, deposita seusovos em buracos abertos entre asraízes de uma grandeárvore tombada. Na cidade de São Paulo, entre outras,

reproduz regularmente sobre edifícios altos(HilI & Scherer-Neto 1991).

Põe de dois a três ovos brancos uniformesou fortemente salpicados e manchados

, os períodos de incubação e de per-manência dos filhotes no ninho são longos, sendo de 49dias, no caso dos e de 50 a 56 dias nos

. O corpo dos filhotes de está co-berto de penugem ainda com oito semanas; com dezsemanas ou mais saem do ninho voando. Quando inco-modados vomitam e sopram fortemente.

Os pais revezam-se no ninho, ministrando a seus pe-quenos comida liquefeita; alimentam os filhotes duran-te meses.

No alto Amazonas reúnem, às vezes, quatro espé-cies , e C.bu u ao redor de um único cadáver na beira deum rio, sendo possível mesmo a associação de uma quin-ta espécie, .

Geralmente só depois que o urubu-rei está saciado éque os outros urubus se lançam à carniça; ocasionalmen-te este permite a presença de outros catartídeos, tantoCo g como por esta razão, o últimorecebeu o nome de "urubu-ministro" (Ceará) -,o reicom os seus ministros. A presença do urubu-rei, ave for-te, é útil para os outros urubus, pois ele dilacera o cadá-ver com mais facilidade. Na região neotrópica existemmuitos insetos, larvas de moscas e besouros que des-troem rapidamente uma carniça.

Co g afugenta es e este C.b oua. hierarquia existente, quer inter ou intra-específica, éorganizada segundo o tamanho, força e fome dos con-correntes; nas suas investidas, que são rápidas, exibemos sinais brancos das asas, levantando-as, tática utili-zada também pelo caracará, us dão pontapés.A competição intra-específica é maior que a inter-espe-cífica.

Costuma ser difícil distinguir-se as espécies deno campo, tantas são as variações de cor da

cabeça, mal definidas em indivíduos imaturos. O me-lhor indicador é a coloração das rêmiges.

Há muitos deslocamentos de urubus que constituemmesmo migrações. W. Voss e F. Silva registraram mui-tas centenas de urubus-de-cabeça-amarela, es

ou , na altura de Tapes, Rio Grande do Sul, emabril, voando de direção nordeste a sudoeste. Ocorremtambém migrações de urubus-de-cabeça-vermelha, C.

, mais conhecidas da Colômbia e dos EUA.É óbvioque condores, que apareceram em Mato Grosso, vieramde longe.

São freqüentemente parasitados por pupíparosphus, C e es

hospedam, por exemplo, e e u

CONDOR-DOS-ANDES, g VS

110cm, a envergadura pode ultrapassar três metros;o filhote recém-saído do ovo pesa 230 g e com meioano de idade atinge o peso normal da espécie (11 kg a12 kg). Negro, espesso colar de plumas e grande áreasobre a asa brancos; cabeça nua vermelho-amarelada;macho maior que a fêmea, apresentando também altacrista carnuda na testa. Imaturo inteiramente pardo e jácom gargantilha destacada. Habita toda a cordilheirados Andes, existindo ainda acima de 5.000 m, penetraem território brasileiro na região do rio[auru (MatoGrosso) a oeste de Cáceres (maio, 1973), em busca decarniça trazida pela correnteza daquele rio que acumu-la durante a seca, em uma certa baía da "ilha dos uru-bus", onde se encontra com e(Sick 1979). [Outro registro, divulgado recentemente,provém do oeste do Paraná (Straubeet . 1991)]. Re-centemente restos do condor foram achados nas caver-nas da Lapa Vermelha, complexo de Lagoa Santa, Mi-nas Gerais (datação aprox. 13.000 anos,I:I. F.Alvarenga).Voa de asas esticadas bem horizontalmente, lembran-do a um certo grau ies e oios, sendo as mes-mas relativamente estreitas lembrando as do gêneroC es e ao contrário das deC g s e co

-, i

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224. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

Sua envergadura geralmente não alcança a doalbatroz gigante, mas seu peso é maior. Existe umasegunda espécie, origináriado oeste dos EUA, sobrevivendo agora apenas em ca-tiveiro.

URUBU-REI,

79cm, envergadura 180cm, peso 3 kg. Voando lem-bra uma' pela grande quantidade branco e pelasasas largas, cujo desenho branco e preto é quase igual,tanto na face superior como na inferior. Cabeça e pes-coço nus violáceo-vermelhos, sobre a cera umacarúncula carnosa amarelo-alaranjada, maior e penden-te no macho. Imaturo cor de fuligem, sendo reconhecí-vel pelo tamanho; filhote coberto de penugem branca.Regiões permeadas e matas e campos, distante dos cen-tros urbanos. Circula bem alto, do Méxicoà Bolívia,norte da Argentina e Uruguai. No Brasil escasseia,sendo perseguido como troféu tal qual as grandes ra-pineiras, mais regularmente encontrado no Norte,Meio-Norte e Brasil Central. "Corvo-branco","Urubu-branco".

URUBU -DE-CABEÇA -PRETA, URUBU-COMUM,

Pr. 6, 1

62cm, envergadura 143cm,peso 1,6kg. Uma das avesque mais chama a atenção de qualquer observador noBrasil; comumente associa-se ao homem. Cabeça e pes-coço nus, cinza-escuros. Voa pesadamente, alternandoalgumas rápidas batidas de asa com o planeio, no qualsão mestres; suas asas são largas, sendo suas extremida-des mantidas a abertas durante o vôo, podendo divisar-se distintamente as pontas das cinco primárias externascujas bases formam área esbranquiçada que falta na es-pécie seguinte. Cria dois filhotes, pardo-amarelados,quando recém-nascidos, tornando-se ,em seguida maisalvacentos e por fim branco puros. E o mais sociáveldos catartídeos, os'casais ficam unidos no seio do ban-do. Amplamente distribuído, foi beneficiado pela colo-nização pós-colombiana, expandindo-se ainda maisatualmente, acompanhando a ocupação humana; faltou,p. ex., nos sertões de Parecis (Mato Grosso), nos camposda Serra doCaparaó (Minas Gerais, 1941, obs. pessoal)e em certas partes do Rio Grande do Sul; falta tam-bém em regiões largamente floresta das (várias par-tes da Amazônia). Foi exterminado de algumas áreasrurais por envenenamento de cadáveres do gado(Uruguai, Rio Grande do Sul); parece sucumbir anteas extensas pulverizações com inseticidas (v. Intro-dução). É possível que a falta de correntes aéreas as-cendentes em regiões planas concorra para ausêncialocal da espécie no Rio Grande do Sul. Habita daAmérica do Norte até a Argentina e Chile. "Corvo""Urubu-preto*".

URUBU-DE-CABEÇA-VERMELHA,

Pr. 6,2

73cm, envergadura 137-180cm, peso 1,2 kg a 2 kg.Cabeça e pescoço róseos ou vermelhos,occipui brancoou amarelo, freqüentemente transfaciado de azul, vér-tice esbranquiçado ou azulado, colar de penas bem des-tacado. Filhotes brancos. Em comparação com a espé-cie anterior tem as asas e cauda bem mais compridas eestreitas. Destaca-se a face inferior cinzenta-clara de to-das as rêmiges, contrastando com as coberteiras infe-riores negras; não se forma zona branca na área da mão,possui raques das primárias denegri das. Voa com asasas ligeiramente angulosas, levantadas como um V,bate as asas lentamente; executa o vôo acelerado, in-clinando ligeiramente o corpo da direita para a es-querda com majestosa maestria; desloca-se rente aosolo procurando carniça miúda. Vive fora das cida-des; tanto em regiões campestres como florestais (v.Introdução). Ocorre do Canadáà Argentina e Chile,todo o Brasil. "Urubu-caçador", "Jereba" (Pará),"Urubu-campeiro" (Rio de Janeiro), "Xem-xem"(Pará). V. que parece imitar as trêsespécies do gênero.

URUBU-DE-CABEÇA-AMARELA,

[S3-6Scm] Bem semelhante ao anterior, sendo umpouco menor. Abaixo do olho uma área de intensoalaranjado ou amarelo pálido, adiante do olho uma nó-doa negra, vértice violáceo ou azulado. Plumagem dodorso alcança até a nuca, ficando nus apenas os ladosamarelos do pescoço. Voa de modo parecido ao do ante-rior, do qual não é fácil de discernir se a luz não permitedistinguir as cores da cabeça ou as raques das primá-rias, as quais são esbranquiçadas, brancas ou cor de pa-lha ("urubutinga") o que chama atenção em vôo. Vivegeralmente distante de áreas cultivadas, freqüentabeiras de rio cercadas de mata e pântanos. Ocorre doMéxico ao norte da Argentina, localmente em diversasregiões do Brasil, mais comum no Nordeste e na Ama-zônia. No Rio de Janeiro é predominante nas restingasa. F. Pacheco). "Urubu-peba" (Pará).

URUBU-DA-MATA*,

[63,S-7Scm]Com a cabeça menos vivamente colori-da do que a anterior, sendo amarela clara sem matizalaranjado ou vermelho, vértice e mancha azul nos loros.Voa de asas esticadas horizontalmente ao contrário dasespécies anteriores, alçando-se geralmente mais alto.Distingue-se de seus dois outros congêneres por ter aface inferior das secundárias cinzentas, sendo o resto daplumagem negra assim como a raque das primárias.Habita as florestas. Ocorre do alto ao baixo Amazonas,

-

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CATHARTlDAE 225

por exemplo no Pará(Belém, Marajó, rios Xingu e Tapa-

jós), também nas Cuianas, Venezuela, Colômbia, Equa-

dor, Peru e Bolívia. Descrito apenas em 1964, por A.

ibli C tt G

Alvarenga, H. M.F. 1996. . 4.gnjphus no Holoceno da região de Lagoa Santa, MG)*

Amadon, D.1977. Condo 79:413-16. (taxonomia)Antas, P. T. Z. & C. L. Silveira. 1980. lni. . -4.

(Sarcommphus, cativeiro)Coleman, J. S., J. D. Fraser& C. A. Pringle. 1985. 87 291-92.

(evolução)Cracraft, J.& P.V. Rich. 1972. Condo 74:272-83. (evolução)Feduccia, A.1977. e 266:719-20. (parentesco)Fonseca, J.P. 1922. . 13:781. (hábitos)Gonzaga, L.P. 1981. 24:10-11. (urubu na cultura popular)Graves, G. R.1992. J. t 26:38-39. (C t

olfato)"Hatch, D.E. 1970. 87:111-24. (termorregulação)Hero, J-M., A. Lima & L. Joseph.1992. H 13:235.

tos, alimentação)"

Hill, J. R. III & P. Scherer-Neto.1991. J. ield . 173-76.tjps, nidificação emedifícios)"

Houston, D. C.1984. ibis 126:67-69. localização doalimento)

Houston, D. C.1988. lbis 130:402-17. (competição entre osCathartidae por alimento)"

Wetmore embora seja a espécie mais comum da Amazô-

nia. A esta espécie talvez corresponda o "urubu-fidal-

go" ou "urubu-pedrez" dos matutos.

Kôníg, C. 1974. J. 115:289-320. (hábitos)Kõníg, C. 1982. J. . 123:259-67. (sistemática)Larochelle, J., J. Delson & K. Schimidt-Nielsen. 1982. J. 200/.

60:49i-94. termorregulação)Ligon, J. D. 1967. 651.

parentesco)Mendelssohn, H.1972. li. I 11:75-104. (biocidas)Parrnalee,P.W. 1954. 71:443-53. no Texas)Pinto,O. M. 0.1 . 10:276-77.(dendêna dietaRamo, C. & B. Busto, 1988. 105:195-96.

nidificação)Schlatter, R., G. Reinhardt& L. Burchard. 1 . -

27. t disseminação de doenças) .Sick, H. 1979. B. o. C. 99:115-20. g primeiro

registro no Brasil)"Stager,K. E. 1964. 81. (olfato)Straube,F. C., M. R. Bornschein& D. M. Teixeira. 1991. u I

01 31-32. gnjphus, relato da presença nadécada de1920 no Paraná)"

Wetmore, A.1964. . Coll. 146(6). (taxonomia)Yamashita, C.& M. P. Valle. 1985.

279. (hábito saprófago)

. ,",.,,'

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ORDEM PHOENICOPTERIFORMES

FLAMINGOS: FAMíLIA PHOENICOPTERIDAE (3)

Grandes pernaltas, dentre as mais pitorescas aves domundo. Fósseis do Terciário da América do Norte e daEuropa, portanto formando o grupo muito antigo; noPleistoceno da Argentina. Sua posição sistemática émuito discutida. Enquanto historicamente os flamingosforam atribuídos aos Ciconiiformes ou Anseriformes,01son& Feduccia(1980)apresentaram as mais diversasevidências (Osteologia, miologia, oologia, parasitos in-ternos, bionomia) para apontar descendência remota apartir dos Charadriiformes (Recurvirostridae). O fóssil-chave é o (fig. 64) (v.Anatidae).

l elodus foi um gênero de flamingos extintos, depernas relativamente curtas, mais adaptado a nadar; nu-merosos restos fósseis foram encontrados na França, e.recentemente também no Brasil na bacia de Taubaté, ain-da inédito (H. F. Alvarenga). Preferimos colocar osflamingos numa ordem à parte, perto dosCharadriiformes. O mais interessante é a evolução doaparelho de filtragem, ligado a um desenvolvimentodescomunal da língua, estrutura perceptível (em vestí-gio) em certos Charadriiformes.

Fig. 63. Flamingo, oenicopte us e

o

De porte excepcionalmente delgado, bico curvadopara baixo em ângulo abrupto, sendo provido de lâmi-nas transversais lembrando, por convergência, a dispo-sição das barbatanas na baleia que são muito semelhan-tes, uma das analogias mais notáveisno Reino Animal;uma adaptação evoluída para a ingestão de plâncton. V.também , Procellariiformes. A estrutura doaparelho de filtragem dos flamingos é basicamente di-ferente da dos anatídeos. Sexos parecidos, fêmea um tan-to menor. Imaturo de cor variada "suja", inconfundível

pelo aspecto geral. Alcançam a plumagem adulta ape-nas com três anos de idade. A cada dois anos, aproxi-madamente, ocorre uma muda simultânea das rêmiges,lembrando a muda "em bloco" dos anatídeos. No Brasilaparecem dois flamingos muito semelhantes: um no ex-tremo norte, o outro no 'extremo sul onde em1989 seacrescentou uma terceira espécie, procedente do Chile.As espécies se distinguem mais facilmente pela cor daspartes nuas.

Fig. 64. Filogenia provável das marrecas e flamingos.Um ancestral Charadriiforme (a). esb o is (b) quepoderia ter dado a origem as marrecas (c) e aosflamingos (d) (seg. Olson& Feduccia 1980).

e o, h tos, c l o

Pescam na água salgada rasa de pescoço curvadopara baixo dispondo a cabeça de tal modo que a maxila,que é mais fina que a mandíbula, fica voltada para o

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PHOENICOPTERlDAE 227

fundo lodoso. Com este bico singular filtram o alimen-to, composto de minúsculos animais aquáticos tais comolarvas de moscas sp.), moluscos, pequenos crus-táceos (p. ex. e algas, dentre os quais al-guns ricos em carotenóides que dão à plumagem a corvermelha intensa, tal como ocorre no guará e colhereiro.Das penas dos flamingos foram isoladas .

e Senão ingere carotenóidesdurante seis meses, um flamingo apresenta decréscimode 86% do nível deste pigmento vermelho no sangue(Villela 1976).

Sua silhueta em vôo assemelha-se à de uma cruz;enfileiram-se em linha oblíqua ou em formaçãocuneiforme, sendo o cabeça do bando substituído poroutro a curtos intervalos, à semelhança do que ocorreno maguari, biguá e 'outras aves. Voam às vezes a gran-des alturas. São altamente gregários. Pousam nas praiasermas, distantes das regiões habitadas.

áspero grasnar , quase como o do pato,soando como um guincho.

declínio

Lagunas rasas salobras sem vegetação e beira do mar,construindo nas primeiras seu ninho de lama em formade pequeno cone com a parte apical formando uma pa-nela rasa, o que reduz o perigo de um alagamento; en-tretanto o material do ninho rapidamente amolece se aágua sobe, pondo a perder ovos e filhotes. Ocasional-mente fazem a postura direto no solo. Esta é compostade um único uniformemente branco, muito grande,de casca grossa. A gema do ovo é vermelha como san-gue, devido a presença de astaxantina (o mesmo ocor-rendo nos belos turacos da África). Os filhotes asseme-lham-se àqueles dos gansos, sendo alimentados às cus-tas de uma secreção vermelha produzida no esôfago dospais, analogia com o "leite de pombo", tendo geradohistórias sobre brigas sangrentas entre os flamingos. Osfilhotes de dois meses são ainda alimentados pelos pais,uma vez que seu bico é ainda mole.

Os flamingos são muito irregulares no nidificar. An-tigamente com ninhais no sul doAmapá (Lago Piratuba,terra adentro no Cabo Norte) e na Ilha de Marajó (CaboMaguarinho), locais que talvez pudessem servir paracriar reservas e tentar um repovoamento utilizando-seexemplares, por exemplo, da Flórida, onde ocorre amesma espécie. Chegaram até o Ceará, conforme teste-munham eloqüentemente nomes tais como "Lago dosGansos" e pinturaspré-históricas rupestres achadas noRio Grande do Norte (Souza& Medeiros 1982). Atual-mente muito escasso, parece nidificar ainda na costa doAmapá ao norte do Rio Cassiporé (1971); registrado em1978 por Teixeira& Best (1981) na ilha de Maracá (Esta-ção Ecológica da SEMA) e na costa adjacente.É citadoerroneamente como próprio do Pantanal do Mato Gros-so e outras regiões do interior; confusão que fazem com

o colhereiro e o guará. Ameaçado no Amapá em seusúltimos redutos pela extensão da rizicultura na regiãode lagunas, pelas salinas ao longo da costa e ainda peloaumento da caça (a carne e os ovos são apreciados) emconseqüência de novas estradas que facilitam o acesso.É arisca.

FLAMINGO, e e Am Fig.63

106cm, altura 90cm. Cor-de-rosa-claro, asas carmim,rêmiges negras. Bicovermelho-alaranjado, de base bran-ca e ponta negra. Pernas e nadadeiras verrnelho-acin-zentadas, articulação tarsiana e dedos vermelho-escu-ros. Norte do continente e Antilhas, atéFlórida, repro-duz no Amapá. Antigamente até o Rio Grande do Nor-te, como prova uma pintura pré-histórica (fig. 65). Devasta distribuição no Velho Mundo. "Ganso-cor-de-rosa"(Ama pá), "Maranhão", "Flamingo-grande*".

Fig.65.Pintura rupestrepré-histórica de um flamingo,RioGrande do Norte, município de SãoRafael,"PedraFerrada", gravado em vermelho (ao lado de formas demãos humanas) sobreum grande blocoliso de rochagranítica (Souza& Medeiros1982).Não existeumadatação específicasegura; podendo ser avaliado em 5.000anos,comoos sambaquis no sul do país (v.pingüins).

FLAMINGO-CHILENO oenicopt us chilensis VS

[105cm] Bico amarelado de ponta negra. Pernas cin-za-rosadas, articulação tarsal e nadadeiras vermelho-sangüíneas. Restrito à América do Sul, até a Terra doFogo. Visitante de inverno no Rio Grande do Sul, de abrila setembro, na Lagoa do Peixe e na praia adjacente, àsvezes bandos de centenas, aparecendo também imatu-ros de cor pardacenta e de tamanho diferente. Excepcio-

.,I

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228 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

nalmente em Santa Catarina (Sicket 1981). A colôniamais próxima está em Santa Fé, Argentina. "Guanaco"(Rio Grande do Sul).

FLAMINGO-GRANOE-OOs-ANDES, sVS

[Ilücm] Ainda maior do que o anterior, de três de-dos apenas, pernas amarelas (imaturo de pernas pretas).

j ibliog G l)

Antas, P. T. Z. 1992. n I E el 80-81. ( oenicop usndinus no Rio Grande do Sul)"

Bege, L. R. & B. T. Pauli.1990. . B. O. C. 110:93-94.

primeiro registro no Brasil)"

Bornschein, M. R. 1992. es os II Con . s. n. C55 (registro adicional de hoenicop s ndinus para Santa

Catarina)"

Feduccia, A. 1976. 93:587-601. (parentesco)

Kahl, M. P. 1979. Order Phoenicopteriformes. Pp. 245-52. In:C st bi o the d. Vol. 1. 2,d ed. (E. Mayr & G.

W. Cottrell, eds.). Carnbridge, Mass.:Museum of Comparative

Zoology.*

"~"I:.

Um jovem, anilhado com cinco meses, fõi encontradodebilitado em Erval-Velho, Santa Catarina, em 19 demaio de 1989, procedente de uma colônia em boa altitu-de nos Andes (2.300m, onde na respectiva latitude, estáacima das florestas), Sallar de Punta Negra, Antofagasta,Chile. [Em abril de 1990 foi registrado um indivíduosubadulto na barra da Lagoa do Peixe, Rio Grande doSul, alimentando-se ao lado do comum flamingo-chile-no (Antas 1992) "Flamingo-andino*".]

.Kear, J. & N. Ouplaix-Hall, eds. 1975. oc. lnt. ingo(fotos de todas as espécies e subespécies)

Nascimento, J. L. X., P. T. Z. Antas & L N. Castro. 1992. IICong . . O n. C e 00. us noAmapá, censo aéreo)'

Olson, S. L. & A. Feduccia. 1980. Conl . ol. 316.(evolução)

Olson, S. L. & A. Feduccia. 1980. iihsoni . 323.(evolução)

Souza, M. S.& O. Medeiros. 1982. tos , seu2, 214. (pinturas em rocha no Rio Grande do Norte)

Võlker, O. 195 99:209-17. (pigmentação)

." r_ . "-qIII;.,.t,

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ORDEM ANSERIFORMES

- MARRECAS, PATOS, CISNES e afins: FAMÍLIA ANATIDAE (25)

Uma das famílias mais conhecidas, beneficiando-seo homem com a domesticação de certas espécies, dentreas quais o sul-americano pato-do-mato. O maior e maisvistoso dos representantes brasileiros é o cisne-de-pes-coço-preto; os cisnes estão entre as maiores aves voado-ras do globo.

Em comparação com regiões de climas mais tempe-rados (tanto meridionais como setentrionais), o Brasilnão é muito rico em Anatidae, tendo o Rio Grande doSul 21 espécies, a zona que mais diversidade apresenta.

A descendência dos Anatidae era enigmática até adescoberta do fóssil do Eoceno Inferior(Terciário, há 50 milhões de anos) dos EUA-que lembraum Charadriiforme com a cabeça de um pato. A mesmadescendência se atribui aos flamingos (v.64). As pernascurtas dos anatídeos são consideradas aquisição poste-rior, adaptaçãoà vida em lagos de água rasa salina, si-tuação que, ao mesmo tempo, levouà evolução do apa-relho de filtragem do bico (Feduccia 1978, Olson&Feduccia 1980).

,

Bico equipado com lâminas transversais("lamellirostres") as quais, junto com a língua grossa emuito sensível, formam aparelho próprio para coar daágua ou da lama, alimento minúsculo; técnica compa-rável à da baleia ao filtrar o plâncton (v. flamingo e aspardelas, em representantes que vivem dealimento maior (p. ex. , as lamelas são poucodesenvolvidas, lembrando as Anhimidae (fig. 66).

Fig.66.Bicodo pato-da-mato, ,mostrando as lamélulascómeas das mandíbulas e osbordos cómeos da língua (seg.Grassé1950).

Pernas curtas; palmípedes, dedos providos de mem-branas natatórias. Na base da mão deochen enota-se a presença de um calo que serve para aumentaro efeito dos golpes dados com as asas durante as brigas,lembrando os esporões dos anhimídeos.

Machos corri órgão copulador designado pelosmatutos como "saca-rolhas" (v. também jacu, macuco,etc.). Glândula uropigiana grande, cuja secreção é usa-da para engraxar as penas e conservar a elasticidade desua estrutura microscópica, pois é a disposição perfeitadesta que garante a impermeabilidade da plumagem.

Na maioria das espécies destaca-se uma série de pe-nas alares (secundárias e respectivas coberteiras superi-ores) de colorido esplêndido (é freqüente a presença deum branco muito vivo) formando a zona chamada vul-garmente de "espelho". Em muitas das espécies .brasi-leiras, por exemplo o g eochen e algunso dimorfismo sexual quanto ao colorido, tão patente emAnatidae setentrionais, é pouco pronunciado. O machodo pato-da-mato, espécie polígama, é muito maior doque a fêmea; o contrário dá-se com a marreca-de-cabe-ça-preta,Hete o , espécie parasita.

Registra-se, nas espécies das regiões boreais, a ocor-rência de uma "plumagem de eclipse", na qual os ma-chos assumem uma vestimenta modesta semelhanteàdas respectivas fêmeas e imaturos, executando umamuda completa coincidindo com a "desasagem". Man-têm esta plumagem durante aproximadamente três me-ses (verão local), readquirindo a subseqüente plumagemnupcial por meio de uma parcial muda adicional; pode-mos travar contato melhor com este tipo de fenômenoatravés de espécies setentrionais (p. ex. quenos chegam como migrantes fugidos do inverno (v.

!l nett ). Geralmente a "plumagem de eclipse", quecorresponde até certo ponto a um período de descansoreprodutivo, não se apresenta em Anatidae tropicais esubtropicais, o que faz crer serem essas espécies menosrígidas em seu ciclo reprodutivo, podendo adaptar-secom maior facilidade aos períodos de chuva ..os quaissão mais ou menos irregulares e governamaépoca dereprodução dessas aves. Há "plumagem de eclipse" decurta duração (por exemplo, s ).

O vôo das espécies pequenas é bastante veloz; umamarreca de 300 g voa 33 m/seg o que equivale a118km/h. Segundo o que se afirma, um marrecão podechegar aproximadamente aos 88 km/h. Os Anatidae

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230 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

voam através de rápidas batidas de asa, não planandosenão quando vão aterrissar, mantendo o pescoço hori-zontalmente esticado. Ocorrem rêmiges sonoras (p. ex.em De oc que aumentam o sibilo produzido pe-las batidas de asa, sendo este forte em espécie grande evolumosa como o pato-do-mato.

Os Anatidae mudam simultaneamente as rêmiges(muda em bloco, "desasagem"), ficando obviamente in-capacitados de voar. Nesta ocasião tornam-se muito vul-neráveis a qualquer perseguição, necessitando de pro-teção absoluta; defendem-se ocultando-se nos pântanosmais inacessíveis; quando são surpreendidas em águaaberta, mergulham, podendo escapar assim à persegui-ção sobretudo quando a água está crispada pelo vento,impedindo a visão de onde as aves afloram para respi-rar," A muda em bloco é mais rápida do que a mudasucessiva, o que significa uma vantagem biológica.Marrecas pequenas podem voar após três, maiores apósquatro semanas, depois do começo da muda.

, eochen, Dend eos s ernpoleiram-se regularmente para descansar.

Um dito popular ensina: "A moral é tão alta como po-leiro de pato". descansa flutuando tambémsobre o mar. Tem acontecido deirerês,voando à noitesob chuva pesada, terem confundido o asfalto úmido deuma estrada ou praça com um rio ou lago e ali aterrissa-rem.

Os anatídeos são aves sociáveis que podem ocorrerem grandes concentrações.

A vocalização da maioria dos anatídeos não é muitoimpressionante; contudo o assoviar dos irerês é uma dasvozes mais conhecidas deste país. A voz singular domacho se ouve apenas num período muito curto duran-te o acasalamento, valendo por isso certas espécies como"mudas". A risada ventríloqua deO do c con-siste em manifestação sonora bastante estranha.É notá-velo dueto do pato-corredor, u A vocali-zação de macho e fêmea dos anatídeos é distinta devidoao aparelho fonador diferente dos sexos.

Alimentam-se de pequenas sementes e folhas, apa-nham vermes, larvas de insetos e pequenos crustáceos.Entre as plantas flutuantes consumidas porDe oc gntndu constam e , e (Magnanini eCoimbra-Pilho 1964); no litoral do Ceará a mesma espé-cie farta-se com um pequeno caranguejo du1cícola cha-

mado acertadamente de "fartura". b h nsis, quepassa porvegetariana, algumas vezes literalmente seentope de larvas de "cracas" (crustáceol us), a umponto tal que o paladar de sua carne torna-se estragado(Baía da Guanabara, J. Moojen). apanhamoluscos como i os , caracóis, crustáceos,pequenos peixes e sementes (Mato Grosso, Pará). Ospintainhos de ananaí são hábeis em caçar insetos, atémesmo mosquitos e moscas (Coimbra Filho1964).Marrecas podem contribuir à dispersão de plantas aquá-ticas, sendo certas sementes, constando nas suas fezes,capazes de germinar. O controle do conteúdo de esôfagosde 41 marrecões ( et no sul do Rio Grandedo Sul mostrou que75,6% do volume de alimento eraarroz (O i e 16,4% capim-arroz

usg lli) (Bretschneider 1981).Todas as nossas espécies necessitam de água rasa

(eutrófica) para se alimentarem bem; todas as espéciesde n s, e ocasionalmente também outros representan-tes, comem remexendo a água, levantando verticalmen-te a parte terminal do corpo(d bling). O comprimentodo pescoço corresponde geralmente à profundidade daqual as marrecas (também gansos e cisnes) são capazesde retirar alimento, sem mergulhar.

O eHete one mergulham regularmente à catade alimento, já outros, comoDe i (tantoadulto como pintainhos) eDend oojgn bicoio ,apenas ofazem às vezes. Foi observado que inic podepermanecer sob a água duas vezes mais tempo (de11,0a26,6segundos) que o mergulhão, hijb ius do nicus(jenni 1969);a duração de tais mergulhos pode ser maisfunção das condições ecológicas do que caráter especí-fico, assim, quanto mais desimpedida de vegetação es-tiver a massa d'água, mais demorados serão os mergu-lhos. Cabe ressaltar que us oct s, espécieictiófaga, apanha todo o seu alimento mergulhando, aocontrário deO que se alimenta mais na superfície;utiliza-se exclusivamente dos pés para propulsar-se soba água.

Enquanto muitos anatídeos são basicamente consu-midores primários (alimentando-se de sementes, raízese vegetação aquática), eles trocam, durante a reprodu-ção, suas dietas para um nível trófico mais alto, selecio-nando mais invertebrados aquáticos, adquirindo, desta'maneira as proteínas necessárias para a formação dosseus ovos e a alimentação dos seus filhotes. Marrecasgostam de molhar a comida na água.

Espécies comoCosco ob n s t el pastam em campos secos. As marrecas são fre-

qüentemente crepusculares, favorecidas pela sensibili-dade do bico, que permite o ato da alimentação sem con-trole visual.

18 Marrecasboreais(Cl l lis) que tinham perdido todas as rêmiges, conseguiram fugir,voando baixo sobreaágua; suas batidas foram rápidas, as coberteirasgrandes substituíram as rêmiges (Kartchev1962).

, ..--

Page 231: Ornitologia Brasileira - Helmut Sick 2ed-01

i,

LANATIDAE 231

-Há cerimôniaspré-nupciais bem variadas, cuja aná-

lise aponta o parentesco de certos grupos de espécies egêneros dentro da família (v.p. ex., eHete .Geralmente monógamos: os machos tornam-se muitociosos de suas fêmeas durante a reprodução. Pouco co-nhecido é o cerimonial de en t o macho, an-dando ao redor e esticando as asas, fica tão ereto que àsvezes cai para trás. A fêmea acompanha a marcha domacho e ambos conversam, de vozes diferentes. Desta-camos' o fato de ser polígamo. Nas espécies semdimorfismo sexual o macho participa na criação dos fi-lhotes.

Ninho bem elaborado ou mais rústico, quase sem-pre forrado de penugem ("arminho") que a fêmea (p.ex. no pato-do-mato) arranca do próprio peito. .

Cos nidifica sobre ilhotas secas nos banhados,construindo às vezes mesmo sobre a plataforma erigidapor ratões-do-banhado (Rio Grande do Sul).C gnus

co executa uma espécie de colchão de folhasdentro d'água, ocultando-o dentre os sarandizais ala-gados. e nis fazem seu~ ~inhos sobreárvores, o último, por exemplo, nos buritis mortos e oprimeiro entre folhas de palmeiras, sobre galhos gros-sos cobertos por plantas epífitas, e utilizando-se tam-bém de ninhos abandonados de gaviões, jaburus, etc.,situados no alto das árvores e às vezes a mais de 5 kmda água; uma instalou-se em oco de buriti cujaentrada estava 4 metros de altura e o fundo a apenasSOemdo solo; os pintinhos pulam do ninho de qualqueraltura, a mãe espera-os no solo paralevá-los àágua.Ocorre também nidificação no solo por entre a vegeta-ção densa (influência de domesticação?).

oc gn lis nidifica em ocos de pau,penachos de palmeira ou no solo;Den gn i t ebicolo tendem, da mesma maneira, a nidificar sobre osolo; instalam-se no lado protegido da árvore, isto é, naface para a qual pende a inclinação do tronco; constro-em o ninho outrossim entre a vegetação herbácea ouarbustiva nas proximidades da água. e sutilizam buracos de árvores, às vezes a boa altura dosolo, para alojarem seus ninhos: o primeiro pode mes-mo ocultar o seu entre o capim e arbustos,à beira do rio(Xingu, Mato Grosso). .'r _ , .

n s serve-se de cavidades, situadas nor-malmente no solo, para nidificar, aproveitando-se, emalgumas ocasiões, dos grandes ninhos fechados dacaturrita quando não acha outro esconderijo (Rio Gran-de do Sul). Os ovos são uniformemente brancos,esverdeados ou azulados; as posturas são grandes, po-dendo atingir quatorze ovos onet O período deincubaçãoé de 25 a 26 dias na ananaí, 27 a 29 dias nairerê e de 30 a 35 dias no pato-do-mato; as espécies gran-des de s (p. ex., o pato doméstico) incubam por 28dias. Os ovos são cobertos por plumas pelo adulto quan-do este sai do ninho.

As plumagens dos filhotes são distintas nas diferen-tes espécies; os pintainhos do pato-do-mato podem ..ser ..uniformemente negros.

C s e C carregam os filhotes sobre as cos-tas, mas não enquanto voam conforme diz a crença po-pular. À aproximação do homem, adultos, por exemplode nett que estejam perto do ninho ou guiandofilhotes, fingem-se de feridos atraindo sobre si a aten-ção do possível agressor.

Ocorrem certas irregularidades na reprodução, porexemplo emDend c gn . Pode ocorrer de mais de umafêmea de' D. t is pôr em um único ninho. Há cer-ta tendência de impingir ovos próprios em ninhos alhei-os, havendo casos de irerês pondo em ninhos decaneleira; pode-se observar uma fêmea de D.d tapascentando um grupo misto de pintainhos de D.

e os seus próprios. No Pantanal mato-grossense, D. t is põe freqüentemente em ninhosde C i o qual cria os filhotes alheios junto aos seus,de resto, fêmeas de i ocasionalmente adotam ni-nhadas procedentes de um outro ninho de sua própriaespécie, o que pode ser percebido pelo tamanho dife-rente dos filhotes. As irregularidades registradas emDend cugn 'durante a postura lembram, até certo pon-to, aquelas dos anus (Cuculidae). EmO icensis(norte-americana, representante de O.itt t ocorreparasitismo incipiente.

H nett tornou-se parasito, pondo sempre em ni-nhos alheios; consta que ocasionalmente recorre até aninhos de gaviões l chi ngo e os us) ospintainhos não correm perigo pois permanecem apenasalgumas horas no ninho de tão peculiar "padrasto". Operíodo de incubação requerido por esta espécie é curto(24 a 25 dias, dando ao filhote intruso maior chance deeclodir antes de seus irmãos de criação), menor por.exemplo que o requerido pelaul (24,5 a 29dias), principal hospedeiro deHet onett na Argentina.Comparado com o parasitismo de outras aves (gaudério,etc.), o parasitismo deH tt é perfeito no sentidoque não danifica ovos ou filhotes da espécie ludibriadae nem o pintainho exige alimentação.

Dis o, h bit tO fato de uma mesma espécie .ocorrer tanto no Brasil

como no Velho Mundo, caso raro em outras famílias,ocorre em quatro Anatidae de nossa fauna: a irerê e opaturi-preto são encontrados não só na América do Sulcomo na África; a caneleira e o pato-de-crista habitamtambém a África e índia, entre outros lugares; aparente-mente houve travessias transatlânticas -(v. garça-vaqueira).

Interessante é a ocorrência de um representante dospatos-mergulhões (Merginae), grupo de vasta distribui-ção holártica, freqüentemente de hábitos marinhos; nos-sa espécie ocorre bem no centro da América do Sul, ex-tremamente isolada de seus congêneres portanto; não é

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~

aparentada com asmarrecas-de-corredeíra dos Andes).

Fato peculiar é que a Amazônia, tão rica em rios elagos, seja pobre em espécies de Anatidae. Uma hipóte-se seria que os peixes teriam exigências tróficas um tan-to semelhantes às de certas marrecas e, por serem muitoabundantes, impediriam o desenvolvimento ideal dogrupo. Existe estreito relacionamento entre a florestaamazônica e os peixes, sobretudo na época das cheias,época de mais fartura para os peixes.

Das numerosas espécies de Anatidae que sãoregistra das no extremo sul do Brasil (Rio Grande do Sul),com seus vastos banhados litorâneos, 20 espécies aotodo, pelo menos4/5 ali se reproduzem, as outras apa-recendo apenas como visitantes. A área de reproduçãode uma dada espécie meridional pode ser bastante am-pla, a de , por exemplo, se estende doRio Grande do Sul à Geórgia do Sul, ilha situada no meiodo Atlântico, à mesma latitude da extremidade maisaustral da América do Sul, na região subantártica.

Ao contrário do que ocorre no hemisfério norte e nasporções mais austrais da América do Sul, não há no Bra-sil Anatidae que habitem constantemente o mar (v.tam-bém sob tampouco ocorrem, entre nós,gansos verdadeiros.

de

Quase todas as nossas espécies são migratórias porrazões de ordem diversa, por exemplo, tróficas: alimen-tação propriamente dita e alterações no nível d' água (tan-to excesso corno falta d'água); ou procura de locais se-guros tanto para dormir como para a muda. Os anatídeostornam-se assim meio nômades.

Grandes concentrações de Anatidae migrantes ocor-rem no Rio Grande do Sul, Pantanal mato-grossense,Nordeste e no Amapá. Na Amazônia há migrações de-correntes das enchentes, que expulsam aves aquáticasdependentes de água clara ou rasa para se alimentarempor causa das enchentes rio acima, as marrecas recuampara além das corredeiras, nas porções mais setentrio-nais passam periodicamente do sistema do Amazonaspara o do Orinoco. Na foz do Amazonas a pororoca pro-voca deslocamentos de marrecas (Sick 1967). -'

Na costa setentrional do Maranhão, bandos de D.e D. voam para ilhas, ali passando o

período das chuvas. No Nordeste, entre outras regiões,a irerê e outras marrecas migram, aparecendo por exem-plo no começo do ano aos milhares no oeste da Paraíba,sem ali reproduzir-se. No Ceará as migrações da mes-ma espécie (chamada de "viuvinha") oscilam entre o li-toral e o interior ("sertão"), o qual com as chuvas torna-se ambiente adequado para a alimentação e nidificaçãodestas aves. No litoral do Rio de Janeiro bandos de irerêsdirigem-se à tardinha da região de Maricá rumo ao poen-te, ao longo da costa, atravessando em bandos de 50 a150 o arquipélago defronte à cidade do Rio de Janeiro,

em vôo baixo sobre o mar, na direção da Ilha Alfavaca(p. ex. maio, agosto).

Foram encontrados no Rio Grande do Sul exempla-res de e

anilhados na Argentina. Destamaneira, descobriu-se que o curso dos marrecões argen-tinos descreve um círculo que atinge o Brasil meridio-nal no inverno. Há muitos registros de exemplares ani-lhados marreca norte-americana, em suamaioria oriundas' do norte do país, mas alcançando tam-bém o Rio Grande do Sul. Um anilhamento de 1.149

na região litorânea do Rio Grande do Sul (La-goa do Peixe) nos meses de janeiro a março revelou umagrande concentração dessa espécie, todos os indivíduostrocando às rêmiges. Um exemplar foi recapturado nacosta pacífica do Chile.

Deslocamentos locais de bandos de irerês são pro-vocados pelo oferecimento regular de comida destina-da a aves aquáticas mantidas em sítios e parques zooló-gicos. Sobre cidades como o Rio de Janeiro e São Pauloouve-se às vezes, à noite, o sibilar estridente de bandosde irerês.

Para sabermos mais acerca dos itinerários de nossosAnatidae e sobre as migrações que se projetam além defronteiras políticas. seria necessário um anilhamento emgrande escala. Um grande aumento da distribuição estáocorrendo com . V. também N.

--..

Dentre estes estão, na Amazônia, jacarés e grandes.peixes carnívoros. Encontramos exemplares deeochen

de pés mutilados por piranhas, sendo que um in-divíduo havia perdido todo o tarso, tendo o mesmo ci-catrizado (alto Xingu, Mato Grosso, 1947). Em açudescearenses foram registrados diversos casos de "paturis",

devorados por pirarucus,não sendo impossível que tais vítimas fossem, pelo

menos em parte, indivíduos machucados ou mortos(Menezes 1960). Na bacia do rio da Prata, inclusive norio Paraná, o dourado, representaum perigo para os marrequinhos. Teiús

alcançam os ninhos de marrecas nadando parachupar os ovos.

,

Os Anatidae constituem importante reservaeconô-'.mica para o país, na medida que representam alimentoapreciado e fonte de renda resultante do comércio liga-do à cinegética ..

A caça das marrecas é executada tradicionalmentecom a exposição de indivíduos amarrados ou mansoSque servem como "chamariz". Curioso processo paraapanhar patos e marrecas, empregado por matutos, por

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ANATIDAE 233

exemplo de Minas Gerais e do Araguaia (Goiás), con-siste em um homem mascarado por uma cabaça, apro-ximar-se, nadando ou andando vagarosamente com todoo corpo sob a água, de suas presas atraídas por um cha-mariz, para tomar-Ihes as pernas e arrastá-Ias para bai-xo d'água.

São utilizadas também armadilhas, as utilizadas porexemplo na região baiana do rio São Francisco, consis-tem em cercados de tela de arame com mais de um qui-lômetro de extensão; em uma única captura efetuada emjaneiro foram apanhadas 5.000 aves as quais, apósmoqueadas, foram levadas em caminhões para as cida-des.

Métodos mais modernos de caça (a prática do tirode espera ou ao vôo, auxiliado por cães para as batidase recolhimento das peças abatidas) receberam na Ilhade Marajó (Pará) um reforço que excede qualquer limitede tolerância, o qual consiste em um canhão municiávelcom cargas especiais de chumbo; desta maneira abate-ram-se marrecas às toneladas.

Abuso inadmissível é a perseguição consagrada àsmarrecas durante o período da desasagem (marrecas"broncas" ou marrecas "pina"), que coincide localmen-te com a queimada dos campos. Soubemos que em 1964,em uma só fazenda do Amapá, foram mortas 60.000marrecas (principalmenteDe oc gn si.

No-Rio Grande do Sul, um dos estados pioneiros emmatéria de manejo de recursos naturais, consta que ha-via, em 1973,aproximadamente 8.000hectares de banha-dos, centros de afluxo de palmípedes e outras aves a-quáticas, sob o controle de caçadores; são feitas muitascompras e arrendamentos de banhados para fins de caçaesportiva. Há no Rio Grande do Sul aproximadamente10.000 caçadores de "palmípedes" legalizados (1974).Das vinte espécies de Anatidae ocorrentes naquele esta-do apenas cinco são consideradas como "aves decaça",a saber a marreca piadeira, a caneleira, a parda, o marrecãoe a.de pés-vermelhos. As peças mais cobiçadas pelos ca-çadores brasileiros são o marrecão e o pato-do-mato.

Em todo o Brasil, assim como em diversos outros paí-ses, os Anseriformes são utilizados no embelezamentode tanques e açudes, estando entre as espécies nacionaismais apreciadas o irerê; é freqüente, na Amazônia, ter-se a marreca-cabocla,De lis, solta nosqi.lintáis como xerimbabo. Cria-se bem gnus.

Em cativeiro geralmente as mais variadas espéciesde anatídeos cruzam-se, provando serem estreitamenterelacionadas. Tais mestiçagens que não ocorrem ou ocor-rem excepcionalmente no hábitat natural dessas aves, ébastante indesejável sob o ponto de vista da preserva-ção.da fauna indígena, na medida que híbridos produ-zidos em aviários ou em regime de serniliberdade po-dem associar-se a bandos selvagens tornando-sefoco:demais hibridações, A maioria dos híbridos é fértil, mes-mo os híbridos intergenéricos eintertribais, Exceção éC (v. abaixo).

As espécies deDe oc gn não cruzam com os ou-

tros Anatidae, embora o façam entre si, o que demons-tra a singularidadedo gênero.D g ut isfoi achado em sítios arqueológicos de tempospré-co-lombianos,

C é a única ave que foi domesticadapor aborígines sul-americanos, sendo o termo usado emsenso restrito como aquele utilizado em relação à gali-nha. O pato doméstico do Velho Mundo, produto de cri-ação humana durante séculos, é op -peou pato gran-de branco uniforme, de bico e pés amarelos, pesandotrês quilogramas.

os, noci e supos , doen

Espécies deDend n e tt pepos podem cau-sar sérios prejuízos nos arrozais irrigados, mas é impru-dente livrar-se das aves através de envenenamento comotem sido feito às vezes, medida que resultou no desapa-recimento quase completo do marrecão no Rio Grandedo Sul em certos anos. Em São Paulo e Goiás:D D. u n lis e t provo-cam estragos nas riziculturas. Rizicultores do Paranáfrisam que as marrecas apenas fazem estragos pelopisoteio, pousando nos arrozais em brotação em ban-dos.

Sob o ponto de vista sanitário ponderou-se que omarrecão, às vezes portador do vírus da encefalomieliteeqüina, poderia transmitir esta doença na região de San-tiago dei Estero (Argentina) e de Porto Alegre (Rio Gran-de do Sul).

De Curitiba, Paraná, foi relatado um surto debotulismo emDen gn uidu t e tt pep vi-vendo num parque aquático (Schonhofen& Garcia 1981).

Cons o

O processo de destruição que ameaça quase todos osbanhados é incessante. Medidas eficientes para conterseu avanço seriam, além da criação de reservas e par-ques nacionais, a instituição de incentivos fiscais embenefício de particulares que conservassem seusalagadiços como criadouros naturais.

De grande valor, comprovadamente, seria a instala-ção de reservas dentre arrozais regulares, plantações. dearroz destinadas unicamenteàs' marrecas e outras avesaquáticas que, deste modo, seriam desviadas das plan-tações economicamente ativas. Talmedida seria das maisimportantes ainda pelo fato, observado no Rio Grandedo Sul, de que marrecas como a piadeira e a caneleiragostarem de procriar nos arrozais. ..,

Os mesmos benefícios adviriam do tratamento ade-quado de açudes, o qual consiste essencialmente na ma-nutenção de plantas aquáticas adequadas nas margensdas represas de pouca profundidade. Desta maneirapode-se recompor em parte áreas outrora paludosas, per-didas por aterros ou drenagens para fins de saneamentoou agricultura. Açudes servem para o pouso de anatídeos

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~igrantes. i!'s terras interessantes para a avifauna aquá-tica: banhados, charcos, lamaçais,brejaís, pantanais evárzeas inundáveis são regiões baixas, cobertas de águarasa, permanente ou temporária, sendo consideradasantigamente como "inúteis" e insalubres. Na realidadeexercem função importante no equilíbrio natural, sendotão indispensáveis para o homem quanto as florestas.Temos que reconsiderar os nossos valores econômicos,recreativos, educacionais, científicos e estéticos em re-lação aos alagadiços, mas de nada adianta umconservacionismo romântico e desvinculado do inte-resse primordial da coletividade.

Necessitamos de um acordo internacional de prote-ção aos nossos anatídeos que podem cruzar três ou qua-tro fronteiras internacionais (Brasil, Argentina, Uruguai,Chile) duas vezes por ano.

dosde espécies

Subfamília AnserinaeTribo Dendrocygníni (3)GêneroTribo Anserini (2)

Gêneros e

Subfamília AnatinaeTribo Tadornini (1)GêneroTribo Anatini (10)GêneroTribo Aythyini (2)GêneroTribo Cairinini (3)Gêneros eTribo Mergini (1)GêneroTribo Oxyurini (3)Gêneros e

MARRECA-CANELElRA,

48cm. Do porte de um pequeno ganso, tem o corpocurto, pescoço longo, bico relativamente comprido, per-nas altas e asas bem largas, tudo portanto ao inversodas outras marrecas. Parda-acanelada com a plumagemdos lados do pescoço sulcada de anegrado à semelhan-ça dos gansos, flancos listrados de amarelo, coberteirassuperiores da cauda brancas, asas sem branco algum;bico e pés (estes bem grandes) cor de chumbo. mui-.to diferente da dos seuscongêneres,de tom nasal parti-cular "gse-gsãa", "tzí-biã".Crepuscular. Alimenta-se devegetação aquática que tira mergulhando à feição dascarquejas. Vive em banhados. Encontra-se da Califórniaà Argentina e todo o Brasil, contudo sendo raro ou apa-recendo apenas periodicamente em muitos locais; tarn-

bém na África e índia, não forma raças geográficas:"X """Menxem arreca-peba*".

IRERÊ, Fig. 67

. 44cm. De porte ereto, máscara branca (que falta nosImaturos), flancos finamente listrados e asas largas ne-gras, sem branco; bico e pés plúmbeos. ainda maisaguda que 'a da espécie seguinte,"wis-wis-wiã", a fê-~ea.pia mais fra~amente. Voando lembra , masnao intercala penodos de planeio com os de bater asas;antes ~e pousar descreve círculos pipilando. Para alça-rem voo ou pousarem usam um vôo quase vertical, aocontrário, p. ex. de Mais ativo no crepúscu-lo, à noite sobrevoa cidades, assobiando, principalmen-te durante as chuvas. Durante o dia descansa em ban-dos compactos, ficando de pé à beira de banhados e cam-pos inundáveis onde também se alimenta; pousa igual-mente nas praias,à beira-mar, descansando durante odia, e até mesmo sobre o mar quando atravessa umaenseada maior. Habita a região tropical da América doSul até a Bolívia, Argentina e Uruguai; todo o Brasil(~bundante inclusive no Sudeste do país); também naAfrica de onde, provavelmente, colonizou aAmérica do

. Sul. "Marreca-Piadeira" (Rio Grande do Sul), "Paturi","Paturi-i?", "Viuvinha" (Ceará), ''Marreca-viúva'' (paraíba).

Fig.67. , casalse acariciando(seg.Scott1957).

ASA-BRANCA, Pr. 5, 1

48êm. De porte semelhante ao das espécies anterio-res, distingue-se delas pela cara cinzenta, barriga pretae grande mancha branca na asa, visível apenas quandoa ave voa; bico e pés vermelhos. Imaturo, pardo-acinzentado, inclusive bico e pés. assobio de qua-tro a cinco sílabas, "tjüi-tjüi-tji-tji-tji", repetido pelosmembros do bando. Pastam no capim baixo alagado,como gansos; às vezes nos manguezais. Podemempoleirar alto para pernoitar ou para dormir de dia,deitados sobre os tarsos. Seus bandos não se mesclamcom irerês e outras marrecas. Pelo menos tão crepuscu-

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ANATlDAE 235

lar como as anteriores e, ao contrário destas, restrita àsAméricas. Ocorrem do Texas à Bolívia eArgentina; gran-de parte do Brasil (subespécie comum na Ama-zônia, torna-se rara, desaparece ou ainda surge apenasperiodicamente no Sudeste do país. [Mesmo no RioGrande do Sul (Belton 1994).] "Marreca-cabocla","Marreca-grande-de-marajó", "Paturiaçu" (Maranhão),"Marajoara" (Goiás).

1-

CAPOROROCA,

100cm, 3,5 kg. Representante meridional bastantegrande, de aspecto de cisne. Branco com a ponta das asasnegras, bico e pés vermelhos. Fêmea menor que o ma-cho. Imaturo, marmoreado de pardo. Filhotebranco-acinzentado de bico e patas avermelhadas. forte "gó-go goá", "coscoroba".Banhados nas proximidades domar, pousam em praias lacustres e marinhas; afastam-se da terra nadando como cisnes e gansos, com o pesco-ço verticalmente esticado. Pastam na água rasa, afastam-se ocasionalmente para longe d'água. Ocorrem daPatagônia e Chile ao Paraguai e Brasil, no litoral do RioGrande do Sul; criam regularmente no referido estado,na mesma região da espécie que se segue. [Outros regis-tros recentes de populações visitantes foram feitos em1978 para Laguna (Sicket 1981), em 1991 para Tuba-rão G. F. Pacheco), ambas em Santa Catarina e três ocor-rências - 1988/1990 - para o Pantanal de Nhecolândia,Corurnbá, Mato Grosso do Sul (Lourival& Herrera1992).] "Pato-arminho".

CrSNE-DE-PESCoçO-PREfO,C eFig.68

120cm, 4,0~5,3 kg. Asas inteiramente brancas e cur-tas em comparação com as do capororoca; pescoço ne-gro aparentando ser mais grosso. Base do bico e pés ver-melhos; a fêmea, além de ser menor, possui apenas umapequena carúncula flácida, distinguindo-se ainda poruma faixa pós-ocular amarelada que se estende até oocciput. Imaturo, fuligem e sem carúnculas; os cisnes jo-vens têm bico e patas cinzentas. voando emite piomonossilábico e melodioso,"o". Vôo pesado ebarulhen-

Fig.68. Cisne-de-pescoço-preto, gnus co s,macho.

to; decola com dificuldade, no que difere inteiramentedo Pousa na água para descansar com o pes-coço esticado verticalmente. Anda muito pouco, ao con-trário da espécie anterior. Come boiando na água rasa osuficiente para que alcance o alimento do fundo mergu-lhando a cabeça e pescoço. Vive em banhados extensos,inclusive os salobres; gosta de descansar sobre o mar,boiando em longas filas indianas cerradas que logo seafastam se aparece alguém na praia.

Ocorrem do Chile e Argentina (onde são abundan-tes) até o litoral do Sudeste do Brasil (Rio Grande do Sule, ocasionalmente até o sul de São Paulo) [e, aparente-mente, Rio de Janeiro (Nacinovicet . 1989).] "Pato-arrninho" (Rio Grande do Sul), "Ganso-de-pescoço-pre-to" (ide "Cabeça-preta" (ide "Pato-argentino" (ide

PATO-CORREDOR, Pr. 5, 2

53cm. Espécie singular e interiorana, de ocorrêncialocal. De estatura de um ganso e porte exageradamenteereto; pescoço comprido, surpreendentemente grosso earrepiado, sendo mantido verticalmente esticado. Bicoe pés vermelhos.Amarelado da cabeça ao peito, costas eventre castanhos, asas negras com uma área branca. Omacho é maior. é diferente nos sexos, por exemploum casal voando, "chüit chüit" (macho) e"aog ..." (fê-mea); o casal pousado na praia"dueta": cada sexo comuma vocalização. Corre de maneira única, voa pouco,pousa em troncos e galhos. Praias abertas, pedregosas,de rios das regiões quentes. Está desaparecendo nos riosnavegáveis. Ocorre da Venezuela à Bolívia, Paraguai, Ar-gentina e Brasil (Amazônia e Brasil central). "Ganso","Marrecão-do-banhado", "Marrecão", "Roncad or ","Wa-na-ná" (Kamaiurá, Mato Grosso). Aparentado aos

dos Andes e das regiões austrais da Américado Sul.

MARRECA-PARDINHA, is

. 41,5cm. Espécie meridional de cauda curta, peito sal-picado, vértice anegrado e bico amarelo. Ocorre da Ter-ra do Fogo ao Rio Grande do Sul (nidificando) e, pelosAndes, até a Venezuela. [Recentemente foi encontradano litoral do Rio de Janeiro (Nacinovic 1991b) e SantaCatarina (Bornschein & Arruda 1991).] "Danadinha","Chur ia-z inha", "Parda-pequena", "Marreca-assobiadeira?", "Marreca-pintada=". V g ..

MARRECA-OVElRA, s VS

51cm. Visitante meridional grande, com zona bran-ca muito vistosa logo por detrás do bico azulado (lem-bra remotamente disco flancos ferrugíneos. Ocor-re do Chile e Argentina ao Paraguai e Brasil (Rio Gran-de do Sul, pouco freqüente); nidifica no extremo sul docontinente.

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MARRECA-TOICINHO, ensis

37cm. Representante de vasta distribuição, facilmentereconhecível pelos lados da cabeça brancos assim como agarganta, pelo canela da cauda pontiaguda e da bordaposterior da asa (tanto no macho como na fêmea) e pelobico azul de base vermelha. Fêmea semelhante ao macho,sendo mais franzina e com a mancha vermelha do bico eo branco das bochechas menos berrantes. Mergulha; so-bre alimentação v. Introdução. Ocorre das Índias Ociden-tais ao Chile eArgentina; localmente no Brasil leste-seten-trional e oriental (Rio de Janeiro, inclusive), excepcional-mente no Rio Grande do Sul. "Paturi-do-mato".

MARRECA PARDA, geo

60cm. Espécie meridional muito semelhante às is quanto ao colorido da plumagem e do bico,

diferindo porém pela cauda longa e pontiaguda (umpint iI) e pela cabeça avermelhada e mais comprida.Ocorre da Terra do Fogo a São Paulo e, pelos Andes, atéa Colômbia. [Eventualmente em Roraima (Shattuck 1926)e Ceará (Teixeiraet I. 1993).] Nidifica no Rio Grande doSul, inclusive em lagoinhas do planalto, freqüentemen-te associada a s o s. "Marreca-danada".

MARRECA-ARREBIO, VN

[56-66cm] Oito indivíduos observados em Fernandode Noronha em dezembro de 1988, em plumagem deeclipse. Espécie de distribuição holártica. Tendo em vis-ta a relativa freqüência de aves originárias do Paleárticoem Fernando de .Noronha, é bem possível que essasmarrecas excelentes voadoras, tenham cruzado o Atlân-tico, vindo da costa africana (Antaset I.. 1992). [Excep-cionalmente no Rio de Janeiro (Nacinovic 1991a).]

MARRECA-CRICRI, u

40cm. Visitante meridional pequeno e bonito; de bo-chechas e garganta esbranquiçadas (lembrando

ensis), boné preto, e flancos raiados de alvinegro;bico azul, base amarela. Ocorre do Chile e Argentina aoParaguai, Bofívia e Brasil no Rio Grande do Sul, onde é,em certos períodos, relativamente comum, inclusivenidificando. "Quiri-quiri", "Pato-argentino". [Assinala-do recentemente para Santa Catarina (Bege& Marterer1991) e Rio de Janeiro (Nacinovic 1991a).]

MARRECA-DE-ASA-AZUL, VN

38cm. Visitante setentrional do porte de uma ananaí;distingue-se pelas coberteiras superiores das asas azul-claras ou acinzentadas, lembrando as duas espécies quese seguem. Partes inferiores pardo-claras, ricamente pin-tadas de pardo-escuro; macho adulto com largo crescente

branco logo por trás do biconegro: 'tal sinal é mal esbo-çado na fase de eclipse do macho (julho a novembro) efalta na fêmea. Migrante norte-americano, periodicamen-te abundante nas regiões mais setentrionais da Américado Sul, vindo em número apreciável ao norte do Brasil(Pará, Maranhão; de fevereiro a abril); penetra mais parao sul, por exemplo atingindo o Rio de Janeiro (abril aagosto) e Rio Grande do Sul (novembro), chegando atéo Uruguai, Argentina e Chile; a ocorrência da espécie naAmérica do Sul não está, portanto, restrita ao períodode rigoroso inverno setentrional. Foram registrados noBrasil, entre 1951 e 1978, 99 indivíduos anilhados noEUA, correspondendo a cerca de 3% do total de exem-plares recuperados. "Sará" (Maranhão)"Marreca-sará"",

-unnged .

MARRECA-COLORADA, n c nopt VS

40cm. Pequeno visitante meridional, pardo-averme-lhado vivo, de crisso preto, tendo sobre a asa uma gran-de área cinza-azulada semelhante às existentesepI I e na espécie anterior. Ocorre nas porções meri-dionais e ocidentais da América do Sul, acidentalmenteaté o Rio Grande do Sul; possui representante residentena América do Norte (A. nopt septe ion is) quemigra ao norte da América do Sul, em típica plumagemde eclipse.

MARRECA-COLHEREIRA, n p l VS

SOem. Visitante meridional caracterizado pelo bicolongo em forma de espátula que faz a ave parecer maiordo que é. Ocorre na América do Sul meridional até oPeru, Bolívia, Paraguai e Brasil, ocasionalmente até oRio Grande do Sul e excepcionalmente até o Rio de Ja-neiro (Schneider& Sick 1962). .

MARRECA-DE-COLElRA, C llone leucoph

30cm. Espécie meridional pequena de bico azulado;distingue-se imediatamente em vôo por uma pequenamácula arredondada e branca sobre as asas,' tanto domacho como da fêmea. Lados da cabeça e pescoço bran-cos, posteriormente debruados e ressaltados de negrono macho. Habita a mata alagada, ao lado deC i(Formosa, Argentina). Ocorre do norte da Argentina àBolívia, Paraguai e Brasil: Mato Grosso, Ri0 Grande doSul, São Paulo (Pindamonhangaba, Alvarenga 1990).[Também no Distrito Federal (Negretet al. 1984) e Mi-nas Gerais (Mattoset I. 1993).

MARRECÃO, t

55cm, 1,0 kg ou mais. Espécie meridional de porteavantajado; inconfundível pela cabeça grande e pelo bico

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J..

ANATIDAE 237

alto e intumescido na base, vermelho no macho e cin-zento na fêmea. Cabeça e pescoço negros no macho; fê;meapardacenta-escura.Em vôo é distinguível uma gran-de área branca sobre as estreitas asas negras; lado inferi-or das asas branco.

Reproduz em certas áreas do Rio Grande do Sul(Belton 1984) e aparece em bandos procedentes da Ar-gentina ocidental(p. ex.. indivíduos anilhados em San-

.tiago deiEstero, a 1400 km de distância) que se dirigemem seguida para o sul, para nidificar no litoral argenti-no. Localmente no Rio Grande do Sul também no verãoem bandos. [Recentemente o marrecão tem sido assina-lado como visitante, para os estados de Santa Catarina,Paraná, São Paulo (Paulínia, J. L. Pegoraro em 1987;Taubaté, Alvarenga 1990); seu limite norte conhecido éa lagoa Feia, norte do Rio de Janeiro (Rocha 1978).]

É a peça favorita dos caçadores gaúchos; os bandoscausam prejuízo aosrizicultores, às vezes mais pelopisoteio do que por comer sementes; a matança dessasaves é paga localmente por cabe.ça, como ocorre com acaturrita (v. Introdução). "Marrecão-da-Patagônia","Pato-picazo",

PATURI-PRETA, t l

43cm. Espécie de vasta distribuição, sendo contudolocal, aumentando consideravelmente durante os últi-mos anos. Marrom bem escura (macho brilhante) de bicoazulado, asas com uma larga faixa branca, visível ape-nas em vôo, que atravessa a base das rêmiges; olhos ver-melhos ou amarelos. Ocorre p. ex. no Brasil oriental,Ceará (1958, 1987), Piauí, Pernambuco, Alagoas, Bahia,Rio de Janeiro (lagoa Feia, reproduzindo, não .raro, em1965); São Paulo (Taubaté, reproduzindo, Alvarenga1990), Brasilia, DF (fevereiro, agosto, Antas& Lara-Resende 1983); localmente do Surinarne, Venezuela eColômbia à Argentina e Chile, também na África oci-dental e meridional "Negrinha*". [Outros Estados comregistros a saber: Rio Grande do NorteQ. F.Pacheco, N.C. Maciel), Paraíba (Zenaide 1953), Minas Gerais (Meio[unior 1992) e Paraná (Lara 1992).]

PÉ-VERMELHO, ANANAÍ, tt liensisPr. 5, 3

40cm, 500 g. Espécie pequena e comum, de pés ver- _melhos; o espelho alar tanto pode apresentar-se comonegro, verde ou azulado brilhante, conforme aincidên-ci= da luz; destaca-se um triângulo branco assim comoas axilas. Macho de bico vermelho, fêmea de bicoazulado, pescoço posterior preto e duas manchas clarasna face, garganta branca. No período não reprodutivoadquire uma plumagem de "eclipse", sem contrastes ecom os pés rosados. "prit-prit.", "dlüid-dlüid", "ât-ii.t-ii.t";surpreendentemente baixo "qusk". Banhados eaçudes, mesmo os menores, ricos em vegetação baixa e

Fig. 69. Putrião, o s /nnotos, durante areprodução (crista intumescida).

densa. Ocorre das Guianas eVenezuela até a Argentina etodo o Brasil, onde é um dos Anatidae mais abatidos pe-los caçadores. "Marreca-ananaí", "Marreca-assobiadeira","Marreca-espelho", "Marreca-pé-vermelho?".

PurRlÃO, PATO-DE-CRISTA, isFig.69

82cm, 2,0 kg ou mais (macho). Inconfundível com suacoloração branca e preta; macho de pescoço amareladodurante a época de reprodução (pelo fim do ano) quan-do também a tuberosidade que possui sobre o bico tor-na-se desenvolvida ao máximo, permanecendo poucosaliente e flácida o resto do ano. Fêmea semelhante, sen-do porém bem menor. geralmente calado, é porémcapaz de roncar forte e baixo. Os .bandos voam em filaindiana, chamando a atenção pelas grandes asas negras.Gosta de pousar nas praias de rios e lagos, empoleirado.Habita regiões pantanosas. Ocorre da América Centralà Argentina; no Brasil localmente na Amazônia, Nordes-te, Centro-Oeste, Sudeste e Sul (p. ex. no Espírito Santo,Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul); tambémna África, índia e China "Pato-cachamorro" (Goiás),"Pato-argentino" (Rio Grande do Sul), "Paturi" (MinasGerais, Mato Grosso), "Pato-ganso" (Mato Grosso).

PATO-DO-MATO, Fig. 70

85cm, envergadura 120cm, peso do macho adultoselvagem 2,2 kg, domesticado chega a 4,5 kg; a fêmeaalcança' pouco mais que a metade. Espécie da maiorimportância na medida em que originou o pato domés-tico sul-americano. É a única ave domesticada pelosaborígines desse continente. Ambos os sexos distinguem-se dos outros Anatidae pela cabeça grande alta, comoque intumescida no vértice, o que se deve à presença deum topete ereto, maior no macho que na fêmea. Pluma-gem negra com algum branco na asa, estando este redu-zido ou mesmo ausente na fêmea, que por sua vez tam-bém, quase não tem carúnculas na base do bico, faltan-

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238 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

do-lhe completamente o penacho nucal e o topete fron-tal. Em ambos os sexos o bico é atravessado mediana-mente por uma faixa branquicenta. um bufar sur-do.

Empoleíra-se sobre galhos desfolhados (p. ex.os das embaúbas) para observar os arredores, descan-sar e pernoitar; seu poleiro noturno, onde podem reu-nir-se vários indivíduos, é denunciado pelo acúmulo dedejeções no solo. Tem unhas compridas e afiadas, comas quais se agarra nos galhos, utilizando-as tambémdurante as brigas o que também faz com a tuberosidadeque possui no encontro e com a qual assesta violentosgolpes. Voando em bandos os sexos costumam segre-gar-se.

e oduç Um macho adulto exige algumas fêmeas; ocasal cumprimenta-se com a cabeça levantada, batendoas mandíbulas. Nidificam sobre as árvores (v. Introdu-ção). Os patinhos descendentes de pais selvagens sãointeiramente negros, ao passo que aqueles oriundos depais domesticados são manchados de amarelo; há, po-rém, informações de filhotes manchados também noambiente natural (Ilha Mexiana, Pará); pintos de penu-gem preta, ao nascerem, tornam-se, quando adultos, deum preto mais intenso e brilhoso. Pais de fenótipo sel-vagem podem produzir, dentro da mesma postura, am-bos os tipos de filhotes.H bit , declín Habita lagos e rios cercados de matasou não muito distantes delas. Vive no leste e sul do Bra-sil já muito reduzido, em conseqüência da destruiçãoambiental e da caça. Entre as aves aquáticas é a maiscobiçada pelos caçadores; torna-se muito arisco pelaconstante perseguição.Dist ibuiç o Ocorre do México ao norte da Argentina,todo o Brasil. "Pato-bravo", "Pato-selvagem", "Asa-branca", "Pato-picaço" (Rio Grande do Sul),"Zewãt"(Karnaiurá, Mato Grosso), "Pato-brava-verdadeiro". Osnomes osc , "Pato-almiscarado", etc., poderiamderivar de "Muisca", nome de uma tribo colombiana,pois C i in não tem cheiro almiscarado algum. O gêne-ro em questão ocorre também no Velho Mundo.D tic Já foi criado no Peru pré-incaico, sendo aúnica ave doméstica (no sentido rigoroso do termo) nestecontinente. Sobre a sua domesticação por parte dos in-

Fig.70.Pato-do-mato, s macho.

-dígenas- brasileiros resta alguma dúvida; o padreAnchieta (1585) relata que "bois, galinhas, perus, car-neiros e patos vieram do Reino", enquanto Gabriel Soa-res de Souza (1587) menciona que os índios tomavam ospatos-do-mato quando estes eram novos e criavam-nosem casa. Os Tupinambás do Rio não comiam os seuspatos domésticos pois imaginavam que isso os torna-riam lentos no correr (Léry 1578).

Devido à domesticação há forte tendência ao aumen-to das áreas brancas na plumagem e do vermelho dascarúnculas, sendo designados como. "corais" aquelesque as têm mais exuberantes; em indivíduos silvestres aface é negra e não inchada. Este "pato-crioulo" torna-semais pesado que seu antecessor selvagem; quando seaproxima de um ano de idade pára de crescer, contudocontinua a ganhar peso.C , int no É muito prová-vel terem os portugueses introduzido logo no começo,junto com as galinhas, o grande pato doméstico brancochamado "pequim" ou "pequinês", procedente do Ve-lho Mundo, que cruza facilmente com nosso pato-do-mato; o híbrido, chamado de "paturi", é infértil, devidoao reduzido parentesco dos progenitores, pois o"pequim"é descendente do pato-real, pl h ,espécie de ampla distribuição no hemisfério nortee daqual descendem todas as formas domésticas (exceto ob-viamente os de patos do mundo.

No século XVI espanhóis e portugueses levaram opato-da-mato para a Europa, onde o mesmo foi desig-nado como "pato-da-turquia" ou "pato-moscovita" oque significaria apenas "pato estranho".

PATO-MERGULHÃO, ociose ceus AmPr. 5, 4

55cm. Uma das poucas aves brasileiras adaptadas arios de regiões montanhosas, hábitat semelhante da rara-garça i . Lembra um biguá (o qual podeaparecer nos mesmos locais) diferindo dele por ser maisdelgado, e ter o bico mais fino, estreito e serrilhado;penacho nuca I desenvolvido (principalmente no ma-cho), asas com espelho branco, pés vermelhos. Habitarios caudalosos -dealtitude, encaixados em falhas, for-mando corredeiras, onde mergulha, pescando. Voa bai-xo vocalizando ao longo do rio do qual não se afasta,pousa em rochas e árvores caídas na água. A voz é um"krack-krack" (alarme). Nidifica no oco das árvores nabeira do rio (julho, Misiones, Partridge 1956)..

. Ocorre no oeste de Minas Gerais, serras divisoras deáguas entre os rios Paranaíba e São Francisco: Serra daCanastra, 1.200m, 1979 e anos subseqüentes, onde a po-pulação foi estudada por J.M. Dietz e um casal foi foto-grafado em agosto de 1984 com 6 filhotes pequenos(Bartmann 1988). Registrado também em 1973na encos-ta da Serra Negra, ribeirão Salitre, cabeceiras do rio Dou-rados (G. T. Mattos); indivíduos foram coletados por

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1I

ANATIDAE 239

F. Sellow, antes de 1823 (Stresemann 1954) em Minas Ge-- rais. Goiás, Chapada dos Veadeiros 1986/87, (Yamashita

& Valle 1990). Registros também na região do alto To-cantins 1953, 1960 e 1972 e Nova Roma em 1950,(Miranda Ribeiro 1937). São Paulo,Itararé, observadapor J. Natterer.Paraná,Salto da Ariranha (Szto1cman1926). Santa Catarina, Blumenau, antes de 1871(Stresemann 1954). Um exemplar foi visto em setembrode 1956 por Jean Delacour acima das Cataratas do Igua-çu, no lado' argentino. Historicamente conhecido adici-onalmente de Misiones, Argentina, num afluente do RioParaná, além do Paraguai. Considerado até há poucotempo como uma das aves mais raras da América doSul. "Merganso-do-sul "". [Dados mais detalhados de suadistribuição no Brasil e países vizinhos e seusi tus deconservação encontram-se em Collaret . 1992.

MARRECA-PÉ-NA-BUNDA, O VS

[36-40cm] Vive apenas no extremo sul do país, comovisitante; é muito parecida com a espécie adiante des-crita, sendo um pouco maior. Macho com a cabeça total-mente negra, fêmea apenas com uma faixa horizontalclara no lado da cabeça, faltando-lhe a linha superciliarbranca de O.do inic Ocorre da Terra do Fogo ao Para-

. guai, ~ comum no norte da Argentina (Salta), ocasional-mente no Rio Grande do Sul. Considerada representan-te de O. icensis da América do Norte, desenvolve,tal como ela, plumagem de eclipse no inverno."Marrecãozinho" "Marreca-de-rabo-duro".

BICO-ROXO, Fig.?l

37cm. Espécie pequena de vasta distribuição, chamapouco a atenção pois vive muito escondida na vegeta-ção aquática cerrada. Cauda singular, rígida, a qual er-gue verticalmente e abre em leque quando se exibe.Macho de cabeça e pescoço castanhos, apenas a másca-ra é negra (ver a anterior); bico alto e azul berrante, naasa; mancha branca marcante lembrando oneleucoph s. Fêmea e certos machos (junho, Minas Gerais)pardo-claros com píleo preto e duas listras negras hori-zontais de cada lado da cabeça; uma das quais atraves-sando o olho; bico anegrado. risada ventríloquam-tiito original, a s~b~r: seqüência fortemente descen-dente de cinco gritos sonoros, parecidos com voz hu-

og( j t ibliog )

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Fig.71.Bico-roxo,O u do ic ,macho.

mana, "glú-glú, glu, glo, gla". De temperamento calmo,mansa; anda com dificuldade mas mergulha bem, paratirar certos vegetais subaquáticos; tem vôo rasante.Como cerimônia pré-nupcial, o macho incha o pescoçoe a garganta mantendo o bico um pouco levantado e bóiasobre a água, sem se movimentar. Habita lagos e pastosalagados. Ocorre do Texasà Argentina, grande parte doBrasil (inclusive Rio de Janeiro). "Marre quinha ","Marreca-rã" (Rio Grande do Sul) "Marreca-de-bico-roxo=". Marreca -tururu "", O singular processo de incharo pescoço lembra a espécie que se segue.

MARRECA-DE-CABEÇA-PRETA,Hete

36cm. Pequena espécie meridional. Macho caracte-rizado pela combinação da cabeça negra e bico azul comuma linha vertical vermelha na base da maxila; quandoabre as asas nota-se a presença de estreita faixa branca;fêmea algo maior que o macho, sendo parda com faixasuperciliar clara. Em caso de perigo prefere ocultar-se,embora voe muito bem. O macho, disposto a cortejar,incha o pescoço que lembra então aquele nu e alargadode urubu ou sapo ("pato-sapo"), assinalando talvez pa-rentesco com o gênero anterior.É espécie parasita. Põeseus ovos em qualquer ninho acessível de altura sobre aágua até um metro, de uma ave aproximadamente doseu porte, sobretudo aquelas aquáticas e abundantescomo, por exemplo na Argentina, os marrecões e asulic(v. Introdução). Habita banhados sem vegetação alta;ocorre do Chile e Argentina ao Rio Grande do Sul (no-vernbro, maio, em bandos) [Santa Catarina (Bege&Marterer 1991)], Paraguai e Bolívia. Sobre migrações' v.Introdução.

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ANHIMIDAE 241

ANHUMA, TACHÃ: FAMÍLIA ANHIMIDAE (2)

Grupo endêmico da América do Sul, tão peculiar que jáfoi colocado numa ordem à parte. São Anseriformes. Aexistência de lamélulas rudimentares no bico deie un prova o real parentesco com os anatídeos. Isto,ao mesmo tempo, sugere não serem os anhimídeos re-presentantes "primitivos" e sim um tipo mais evoluídoque abandonou a técnica de filtragem (Olson& Feduccia1980).O fato de não serem palmípedesdá-lhes, até certoponto, aparência galinácea.

Representados por no Pleistoceno da Argen-tina (há20.000anos).

No Brasil vivem duas espécies, urna meridional eoutra predominantemente amazônica, de larga distri-buição, havendo urna terceira que aqui não ocorre sen-do restrita ao noroeste da América do Sul.

i t tos

Aves corpulentas de bico ficticiamente galináceo. Aslamelas esboçadas no interior da maxila (menos visí-veis na mandíbula) quase não deixam adivinhar que sãovestígios do complicado aparelho de filtragem dos pa-tos (v.figo66).Têm pernas robustas e curtas e dedos enor-mes (adaptação a ambiente paludícola) desprovidos demembranas natatórias, ao contrário dos outrosAnseriformes brasileiros. Nadam apenas ocasionalmen-te e devagar; os filhotes porém fazem-no com facilida-de.

São as únicas aves nas quais faltam os

nas costelas, os quais contribuem decididamente para afirmeza do tórax (tronco). No encontro das asas existemdois esporões, armas poderosas em caso de usarem asasas na defesa do ninho (v. também jaçanã e quero-que-ro). Há pouca documentação de 'pugnas entre tachãs,mas encontram-se às vezes as coberturas córneas dosesporões (as quais periodicamente são mudadas à se-melhança da plumagem, não sendo, portanto, muito fi-xas) cravadas na carne do peito dessas aves. Na pterilosenão há separação empterílas e aptérias.

Pele esponjosa provida de um sistema de lacunascomunicantes com os sacos aéreos e pulmões, lembran-do os pelicanos. A esponjosidade se estende até os de-dos. É curioso corno a plumagem, quando pressionadacom as mãos solta estalinhos. Pescoço curto, mantidoesticado durante o vôo. De asas m~ito largas, vôo pesa-do e barulhento. Nas horas quentes otachá plana tãoalto que some da vista do observador podendo passarpor um urubu ou gavião grande, comportamento estra-nho paraAnseriformes, lembrando, nisto, os Ciconiidae.Anhumas e tachãs voando comodamente de um ladopara o outro chamam a atenção de quem sobrevoa ospântanos de avião. O tachã muda de rêmiges sucessiva-mente e não em bloco corno os anatídeos.

Empoleiram nas copas das árvores onde podem pas-sar por urubus. Gostam de se banhar, molhando-se tan-to que mal podem levantar vôo; secam-se de asasesticadas. Reúnem-se periodicamente em bandos paramigrarem localmente, podendo tais ajuntamentos con-gregarem centenas de indivíduos (Uruguai, Argentina).[Foi observada urna concentração de cerca de1.400tachãs no banhado do Taim em11de janeiro de1990 a.F. Pacheco, P S. M. Fonseca, R. Parrini).] Sexos pareci-dos, sendo a fêmea menor.

t

Amedrontam com um sibilo de cobra e batem leve-mente as mandíbulas. Deixam ouvir um ventríloquo"bú", procedente provavelmente da pele esponjosa. Gri-tos baixos e fortes com fundo melodioso. Ocasal canta em dueto, tendo o macho voz mais baixa;também há dimorfismo nas chamadas, lembrando, decerto modo, o pato-corredor ,

Folhas de plantas aquáticas, capim; apanha artrópodose qualquer animal pequeno morto que encontre enquan-to pasta.

Aos casais; mostram-se carinhosos, acariciando-semutuamente na cabeça com o bico. Fazem grande ni-nho de folhas e talos dentre os brejais, este podendo lem-brar aquele de O ninho da anhuma é baixo emeio flutuante.

O tachã põe de dois a três ovos brancos (que se ama-relam à medida que se vão sujando) parecidos aos degrandes Anatidae; a anhuma põe dois ovos parda cento-oliváceos. O casal reveza-se na incubação (que no tachãoscila entre os44e.1~dias). Cobre~. -9sovos quandosaem do ninho.

U colisões

Não são apreciados corno caça pois, com (reqüência,a pele esponjosa inspira repugnância. Os matutos abo-minam no sul o tachã e no norte a anhuma na medidaem que ambos, com se~s gritos, avisam respectivamen-te o gado bravio e a caça (p. ex. veados) da presença devaqueiros e caçadores. São bons sentinelas, acusandoqualquer novidade com sua gritaria fortíssima, que podeser provocada também por um tiro ou qualquer ruído.

Ao "chifre" frontal pulverizado da anhuma são atri-

. ,

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242. ORNITOLOGIA BRASILEIRA

buídos diversos poderes curativos; passa por preserva-. tivo e tem fama de ser poderoso agente antiofídico, oque já no século XVII os índios de Pernambuco ensina-ram ao conde Maurício de Nassau.

Por ocasião da implantação das primeiras redes elé-tricas junto ao hábitat de tachãs no Rio Grande do Sul,essas aves ocasionaram inúmeros acidentes que mais tar-de foram evitados, quase que totalmente comdistanciamento dos condutores(Tessmer 1989).

ANHUMA, Fig. 72

80cm., altura 61cm, envergadura 170cm, peso 3.150g.Espécie tipicamente amazônica de peculiar apêndicefrontal ("chifre") implantado no crânio,lembrando uma

Fig. 72.Anhuma, nhi co .

antena, a qual tanto pode ser reta como curvada paratrás ou parafrente, às vezes chegando quase a alcançara ponta do bico, tocando portanto o substrato quando aave come. Tal apêndice, que no indivíduo jovem brotaescondido dentre a plumagem do píleo, apresenta-se, noadulto, elástico masfriável, regenerando-se. Plumagemalvinegra, durante o vôo destaca-se uma faixa parda-clara sobre a borda anterior das grandes asas negras.Pernas negras. Imaturo pardo-escuro, de "chifre" curto.

ibli d eé l l)

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um tanto ventríloquo "wíbu wíbu", o casaljunto, afêmea começando, o macho respondendo, de voz umpouco mais baixa, interpretado pelo povo como "JoãoGomes, que comes tu? Minhoca, minhoca"; séries demelodioso "uo, uo, uo ..."; "hu-úrn-hu" como uma gran-de pomba ou mutum. Habita pântanos, até pequenosbrejos e lagoinhas dentro da mata. Vivem aos casais egrupos familiares, também em bandos pequenos ou algomaiores. Emigram quando secam certos braços de rios elagos que habitam durante as chuvas (alto rio Xingu,Mato Grosso). São encontrados em quase toda a Ama-zônia, chegando até o interior do Ceará,Bahia, MinasGerais (Parque do rio Doce), Mato Grosso (onde podeouvir-se no norte do Pantanal, anhumas e tachãs nomesmo local), São Paulo eParaná (rio Paracaí); tambémna Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela e Guia-nas. Comum onde a avifauna aquática é, em geral, rica,portanto em locais apartados da civilização. "Inhuma","Inhaúma", "Unicorne", "Licorne", ["Alencó", corrup-tela de Alencorne. médio Solimões, J. F Pacheco], Avesímbolo de Goiás.

TACHÃ, un Pr. 5, 5

80cm. Espécie meridional cabeçuda e topetuda. Par-da acinzentada-escura, pescoço contornado por umagola negra realçada por uma segunda de penugem bran-ca. Face superior da asa negra com uma grande áreabranca visível durante o vôo; face inferior da asa total-mente branca. Região perioftálmica, anel nu ao redordo pescoço (nem sempre visível) e pernas vermelhas.

fortíssima, lembrando a dos gansos, podendo serouvida a mais de 3 km de distância, "graía-gragrá" can-to, dueto do casal, fêmea de voz bem mais fraca;"chlarü"(desconfiado). Quando grita levanta a cabeça, sacudin-do-a; o casal conversa voando: o macho grita baixinho"ta-há", a fêmea responde alto"tü-hü". Em vôo a avelembra uma "catalina", manobrando desajeitadamentecom os pés meio pendurados. Pousa durante horas so-bre árvores. Forma grandes bandos para pernoitar nosbanhados, ficando em pé na água rasa. Em qualquerépoca do ano há agrupamentos menores ou maiores deindivíduos que aparentemente não procriam mas pas-tam juritos tranqüilamente; em alguns locais são até con-siderados concorrentes das ovelhas (Rio Grande do Sul).Da Argentina e Bolívia até Mato Grosso, Rio Grande doSul e São Paulo. "Inhuma-poca","Chajá", "Anhuma-do-pantanal" (Mato Grosso),"Iachã-do-sult".

. .

Olson, S. L.& A. Feduccia. 1980. s . 323.(fósseis)

Veiga, L. A. & A. T. Oliveira. 1996. e os . s. ool.o e . to q , indivíduo albino no Taim, RS)*

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ORDEM FALCONIFORMES19

GAVIÕES, ÁGUIAS e afins: FAMÍLIA ACCIPITRIDAE (44)2°

Formam grande família cosmopolita. A América La-tina é a região mais rica (e menos investigada) em avesde rapina. Mais de dez gêneros são restritos ao neotró-pico - por exemplo, gus, o s, e nis,

e H . Facilmente reconhecíveis pelo bicoadunco e garras afiadas, caracteres que partilham comas águias pescadoras e falcões. Grupo um tanto seme-lhante é o das corujas. Fósseis mais antigos do Eo-oligoceno da França (37 milhões de anos); também pre-sentes no Pleistoceno do Brasil (15-20 mil anos).

Variam no talhe, havendo tanto aqueles do tamanhode um sabiá como representantes de envergadura dequase dois metros; o gavião-real é incontestavelmente a-mais possante das rapineiras do mundo. Um doscaracteres decisivos da anatomia dos Falconiformes é aforma do esterno e da cintura escapular; quando se pre-para um gavião para coleção é conveniente conservar aseco essa parte do esqueleto em conjunto.

A forma do bico varia bastante, sendo notável a pre-sença de dois fortes dentes em cada lado da maxila em

característica que lembra (Falconidae).Em vários gêneros ocorre uma fusão das falanges basaisdo segundo (interno) dedo. possui uma unhapectinada no dedo médio que deve prestar bons servi-ços na remoção de muco dos moluscos, do qual se ali-menta, presos a sua plumagem. As águias têm uma vi-são duas (não dez) vezes mais apurada que a do homem.

Efetuam a muda das primárias do meio para a pontada asa, ou seja, mudam inicialmente a primeira (maisinterna), terminando com a décima (mais externa) - aocontrário dos Fa1conidae cuja muda começa com a quar-ta primária, daí descendo até.a décima e ascendendo atéa primeira. Em espécies grandes uma rêmige individualpode durar dois anos ou mais, de maneira que se acham,ao mesmo tempo, várias gerações de rêmiges em uso. OsAccipitridae possuem geralmente asas mais largas e maisarredondadas do que os Falconidae; eles planam muito,intercalando às vezes algumas batidas rápidas.

Os sexos quase sempre se assemelham quanto ao co-

lorido, exceto em bu oni, que apresenta acentua-do dimorfismo sexual neste plano. Macho e fêmea dis-tinguem-se geralmente pelo tamanho, sendo freqüente-mente esta maior que aquele, podendo mesmo ser umterço maior do que seu companheiro, parecendo perten-cer a outra espécie (p. ex.ccipite e ). Esse di-morfismo sexual invertido, mais nítido quando se com-param os pesos e não os tamanhos dos respectivos se-xos, é mais pronunciado em representantes como

iu , pite e lco, que apanham presas relativa-mente grandes e ativas (aves) sendo menos pronuncia-do em predadores de roedores e insetos comoeo equase ausente em necrófagos comoo s. O fato dafêmea ser maior pode basear-se no i ndi do ca-sal, evitando assim que o macho que é bem mais agres-sivo, torne-se perigoso para sua fêmea (Amadon 1975).A grande fêmeaé melhor defensora da prole, aprovei-tando esse tempo de repouso para mudar as penas devôo. A muda das rêmiges leva vários meses, O machomuda após ter criado os filhotes. As aves de rapina fre-qüentemente apresentam os dois ovários desenvolvidosem vez de apenas o esquerdo como nas outras aves.

Imaturos muitas vezes não possuem os caracteresmais distintivos dos adultos; durante muito tempo jul-gou-se que cipit p st em plumagem juvenilconstituísse uma espécie, a qual foi denominada de

ipit pe is, sendo tal erro descoberto apenas re-centemente, depois de se registrarem ambas as fases deplumagem como espécies independentes por mais decem anos (Partridge 1961). Os gaviões maiores conser-vam a plumagem imatura por mais de um ano, razãopela qual observam-se mais indivíduos nesta situaçãoou em uma plumagem mista, "subadulta". Para com-plicar ainda mais, ocorrem em algumas espécies fasesmelanísticas(p.rex. Chond ohie uieo lbic tus e

s consta que a fase negra pode aparecer regu-larmente em indivíduos novos, como no caso deuteopoluosoma dos Andes. Ocorrem entre espécies não apa-rentadas semelhanças que deixam o observador perple-xo, como são os casos de gus diodonbi ou ccipit poliog adulto e t

ollei (Falconidae).

" Os Cathartidae. os abutres do Novo Mundo, os urubus, constando antes como primeira família dos Falconiformes, foramtransferidos para os Ciconiforrnes.

~oN~s itens introdutórios das famílias desta Ordem citamos membros da Ordem toda, tendo, nesse caso, a separação emfamílias interesse secundário.

I .

\I'I'',.;r

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244 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

É freqüente destacarem-se os "calções" (tíbias) cons-picuamente coloridos; da maior importância para a iden-tificação das espécies, são o padrão e colorido da cauda.Plumagem rica em pó, por exemplo, equando esta última sacode-se levanta uma nuvem depó. A base do bico, a cera e as pernas são muitas vezesde cor viva.

l

Durante o acasalamento emitem seus gritos, seme-lhantes em várias espécies, sendo geralmente compos-tos de assobios finos, o que causa estranheza em repre-sentantes de grande porte como as águias. Exceção é, p.ex., unicincius que tem um grito baixo, rouco.Certas espécies, por exemplovocalizam durante todo o ano.

de

As espécies brasileiras mostram nítida preferênciapor artrópodos como gafanhotos, percevejos, formigas,vespas, cupins e aranhas; caçam também répteis, anfí-bios e roedores. e outros apanhammorcegos; o urubitinga, cobras, mesmo as venenosas.Algumas especializaram-se; os caramujeiros,e Helicolestes por exemplo, são malacófagos, comendounicamente caramujos aquáticos, o mesmo ocorrendocom llus t em relação 'a caranguejose, em menor escala, com i e llus emrelação respectivamente a caracóis terrestres e peixes.

possui uma articulação intertarsal .maismóvel para facilitar a exploração de certas cavidades.Encontram-se também especializações no plano indivi-dual, havendo por exemplo indivíduos dee

que sabem como encontrar cobras-de-duas-cabeças animais de vida subterrânea,saindo, eventualmente, na chuva.

Diversas espécies, tais comol g eeo ius, procuram queimadas para capturar,

no solo ou em pleno ar animais espantados ou intoxica-dos pela fumaça. gus, , c ,

gni , , se outros aproveitam-se das formigas-de-correição (Williset I. 1983) e dos bandos de macacos, ou quatis como"batedores"; algumas espécies comem ocasionalmentecarniça , Ge ,ou frutas (El .

As grandes fêmeas caçam com freqüência animaismaiores do que aqueles apressados pelos machos, evi-tando-se uma competição. Caso notável é o deeo

n s, que imita perfeitamente um simu-lando, portanto. ser incapaz de atacar presa viva. E.Willis (1966) observou como um , apóscircular de asas esticadas horizontalmente (como um

) e depois levantando as asas a maneira de

es desceu e apanhou um pássaro em vôorente a uma árvore isolada; nenhuma ave nos arredoresdeu alarme - o gavião perfeitamente mimetizado nãofoi reconhecido como perigo. Um tal mimetismo agres-sivo (v. Ramphastidae) foi sugerido também para

bicolo , hábil caçador de aves, "imitan-do" diodon, insetívoro (Amadon 1961).

Quanto à freqüência do alimento tudo leva a crer que,na natureza, o gavião-real caça apenas duas vezes porsemana, exigindo então uma presa mais avantajadacomo um símio; pode jejuar uma ou duas semanas. Paraseu filhote, entretanto, leva comidaurna vez por dia,podendo contudo intercalar intervalos de até cinco diasdurante os quais suspende a alimentação (Fowler&Cope 1964).Em geral os gaviões caçam apenas algumashoras por dia (p. ex. três) e seu sucesso é mais limitadodo que se pensa, p. ex. 11%, emcipite nisus, grandecaçador de pássaros, da Europa. Em leuc s, daCalifórnia, foi registrado que 39% das investidas contraroedores foram bem-sucedidas (Warner& Rudd 1975).V. também Falconidae.

No que concerne aos métodos empregados na caça,dizemos que as aves de rapina (incluindo Pandionidaee Falconidae) possuem dois principais, a saber:

1) Ficamà espreita em um galho ou qualquer outropoleiro, de onde precipitam-se sobre a presa queporventura se aproxime, no solo ou na água. Estas espé-cies costumam ter dedos curtos como, por exemplo osde e h Quando a vítima (por exem-plo um rato) está no solo é ali literalmente "pregado"pelas garras do predador. Atrativo para eo é ominhocuçu sp.) que pode chegar a um metroou mais, com diâmetro de até 5cm; fica bem próximo dasuperfície, saindo do solo em dias de chuva - oportu-nidade que provavelmente ajudou um apanharem São Paulo uma cobra coral falsa o

i) e uma jararaca o ops I. Sazima).A evolução de um "disco facial", como o que apresen-tam o gavião-real e o gavião-do-mangue, deve facilitara localização de suas vítimas através da orientação dadaaté pelos mais suaves ruídos produzidos, o que lembraas corujas.

Variante deste método de caça é quando a ave "pe-neira" antes de descer sobre a presa( us, cus,

e certos falconídeos, adaptação especial a ambi-ente onde faltam pousos elevados). Em vez de peneirar,

imobiliza-se em pleno ar, permane-cendo parado mesmo"vários minutos como se estivessesuspenso por fio invisível, graças ao estratagemadeafrontar o vento forte (sobretudo em lugar de serra) comas asas estica das e imóveis; desta maneira escrutina osolo em busca de presas. Outras espécies patrulhamvoando rente ao substrato a fim de apanhar, p. ex., inse-tos pousados nas folhas ou caramujos que sobemà flord'água. Mais uma técnica enquadrável neste item é aempregada porCho oh e Ge nospi e descritanos textos respectivos das espécies.

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ACCIPITRIDAE 245

2) Perseguem insetos ou aves que passam voando;ora o caçador procura suas vítimas voando ativamente,ora as aguarda passar pousado em um poleiro lançan-do-se dali na perseguição. Caçadores deste estilo, porexemplo e costumam ter dedos longos eplantas dos pés ásperas, de modo a segurar melhor apresa que tudo faz para escapar; são capazes de abatervítimas quase do seu tamanho, mas geralmente estas têmapenas um terço ou a metade do seu peso. ,

os e várias espécies de apanhamgrandes cupins emrevoadat'. e con-somem as larvas de marimbondos e os próprios marirn-bondos em quantidade.

Capturam sua presa com os pés, passando-a em se-guida para o bico a fim de devorá-Ia, o que realizam àsvezes mesmo sem empoleirarern (p. ex. equando caçam saúvas em revoada). Presas pequenas sãoengolidas inteiras; apenas quando pegam uma avemaior nas garras é que lhe arrancam pelo menos asrêmiges e retrizes antes de comê-Ia; é interessante ob-servarmos com atenção tais restos espalhados pelo chão,pois estes podem nos proporcionar dados muito úteistanto sobre o caçador como da caça.

As várias espécies e certos indivíduos desenvolvemtécnicas próprias de lidar com as presas; um gavião-preto

g por exemplo, devorou apenasas grandes pernas traseiras de anfíbios apanhados (Es-pírito Santo). Regurgitam sob a forma de pelotas somenteas penas, pêlos e escamas ingeridos pois, ao contráriodas corujas, têm geralmente a capacidade de digerir os-sos. Costumam produzir uma pelota diária, dependen-do das circunstâncias.

Quanto a especializações aerodinâmicas relativas àcaça há, nos gaviões, três tipos principais:

1)Asas curtas e redondas e cauda longa, conjunto pró-prio para facilitar as manobras dentro da mata fechada;

, , e por exemplo.2) Asas compridas e largas de "pontas abertas" (últi-

mas primárias discerníveis durante o vôo) tal como osurubus, cauda curta, conjunto apropriado para planarem espaços abertos; , , etius,

, tal qual os urubus.3) Asas estreitas e fechadas, cauda média, exímios

caçadores em vôo acima da mata ou no campo aberto,por exemplo, e . .

As aves de rapina geralmente não bebem, no que sãosemelhantes às corujas.

Há exibições aéreas do macho (p. ex. eme sabemos pouco sobre a

nidificação dos representantes brasileiros. eoespécie campestre,-constróí sobre árvores

ou rochas entre gravatás; os gaviões-do-mangue,

no solo em pântanos. O caramujeiro nidifica freqüente-mente em colônias, às vezes instaladas nos juncais;H faz ninho grande como o do jaburu, acontecen-do ser o mesmo utilizado uma vez pelo gavião e outrapelo ciconídeo. o s reproduz em escarpas ro-chosas.

Ovos geralmente manchados, de cor muito variável,até dentro de uma mesma postura. Ovos uniformemen-te brancos ou branco sujo são a regra em , Buieo

us, B. nitidus, g o ,etus, s e Ge o , mas também

ocorrem manchados em e g e o s.Um ovo de ainda não sujo, era de cor cinzentacom forte caiação branca preenchendo os poros dispos-tos por toda a superfície. A variação é tão grande que apresença ou ausência de desenhos nos ovos deacipitrídeos tem pouca importância taxonômica.

Um ovo de co atinge 100g, sen-do 10 g concernentes à casca; um de chega aos113g enquanto o deCo g (Cathartidae) atinge 105g.Algumas espécies põem um único ovo (p. ex.eog

e e u ellus nig ollis).O tempo de incubação, em uma espécie pequena

como s, é de 30 a 32 dias chegando, nasespécies grandes, a 50 dias ou mais 52 dias).Embora haja freqüentemente dois ovos é comum de-senvolver-se apenas um filhote (p. ex. napi ). Constaque na eliminação do segundo contribui decisivamen-te o intervalo de eclosão entre os dois pintainhos e aíndole agressiva do filhote mais crescido ("cainismo").Se o primeiro filhote já é bem ativo quando nasceu seuirmão menor, este tem pouca chance de sobreviver.

A fêmea de s g ensis que vigia o ninho(como tantas vezes é o macho que se encarrega da comi-da) consegue regularmente um galho com folhas verdesque distribui no ninho, além de limpar o ninho dos res-tos de comida (Bierregaard 1984).

Os filhotes das espécies grandes dependem de cui-dados paternos durante meio ano ou mais, tornando-seadultos apenas com 2-3 anos de idade. Pode acontecerde se reproduzirem enquanto ainda ostentam a pluma-gem imatura (p. ex. emo s). As espécies gran-des comoH não nidificam todos os anos; elas ne-cessitam bem mais que um ano para completar um ciclode reprodução. Uma vez que criam apenas um únicofilhote, têm um índice muito baixo de proliferação.

Como predador dojunho de phnus cita-se a irara,da família dos mustelídeos.

e desaparecem das regiões mais aus-trais (do Espírito Santo para o sul) durante o nosso in-verno; consta que também o gavião-real seja migratóriono Rio Grande do Sul. Em Sapucaia do Sul, Rio Grande

", ~, ~

t

I21 Quando oides apanha em vôouma lagartana folhagem,tira-ajuntocoma respectivafolha,deixandoesta logodepoiscair.

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246 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

do Sul, avistou W. Voss em outubro milhares de indiví-duos de caramujeiros, vindos donorte, e se dirigindo ao sul, voando contra o vento fortereinante; consta que abandona a região do Taim nosmeses de abril e maio.

Alguns Accipitridae norte-americanos atingem oBrasil como visitantes eos e B. O encontro de suninsonipredominantemente no Brasil ocidental e austral (entreeles quatro indivíduos anilha dos nos EUA) sugere queesse gavião tem uma rota semelhante àquela de certosmaçaricos norte-americanos (comoque seguem da Venezuela diretamente ao alto Amazo-nas e ao Brasil Central, atingindo a costa do Atlânticono Rio Grande do Sul.

Ocorrem deslocamentos crepusculares entre oscaramujeiros quando estes se reúnem para dormir emcertos capões alagados. Tais migrações locais se obser-vam também nos chimangos.

São freqüentes dípteros hipobóscidos; epolio por exemplo, abriga sobre

11is achamos duas outras espécies,. e sendo a primeira en-contrada também em e

Foi descrita uma microfilária do sangue de(Mazza et 1927).

de

Certos pássaros lançam um grito especial de alarmequando aparece um rapineiro (ver também em corujas);nem sempre discernem se um gavião lhes é perigoso ounão (v. sob andorinhas). Desta maneira, por exemplo,

assusta-se com um caranguejeiro,que consome exclusivamente

crustáceos, e andorinhas-de-casa, , ata-cam caramujeiros, aves excl usivamente malacófagas. Narealidade para eles existe apenas um padrão generali-zado de "ave de rapina" que lhes causa terror.

É divertido ver como um carrapateiro, falconídeolerdo por natureza, acelera seu vôo, faz curvas abruptase deixa-se até cair um bom pedaço, fugindo de um suiririimpertinente, que segue rente à sua cauda.

Gaviões maiores causam inquietação em rapineirosde menor porte; vimos por exemplo o chimango perse-guir carcarás. gaviões-caboclo, águias-chilenas e mes-mo urubus.

do o

Foi registrado na Amazônia, através de radioteleme-tria, que o peixe-boi, inunguis, gosta de deter-se sob pernoites coletivos do caramujeiro, os

(R. Best). Aparentemente isto é um fenômenosemelhante ao registrado por nós em colônias de gar-ças: as fezes acumuladas por baixo dessas colônias deaves, provocam um enriquecimento de nutrientes adi-cionais, favorecendo o desenvolvimento de mais plan-tas e animais aquáticos.

, declínio,

São freqüentemente acusados de apanhar animais do-mésticos; de fato acontece, pegarem um pinto ou umarola e até um frango ou pombo, mas não resta dúvidaque tais "estragos" são amplamente compensados pelogrande número de animais "sem valor" ou até "noci-vos" que consomem, classificação aliás antiquada e ina-dequada, indigna de um povo culto. Ressalte-se o fatodas aves de rapina terem papel indispensável no equilí-brio da fauna como reguladores da seleção. Auxiliam aevitar uma superpopulação de roedores e aves peque-nas além de eliminar indivíduos defeituosos (antes mes-mo que estes passem seus defeitos à descendência) edoentes, evitando assim epizootias. Verificou-se, naAmérica do Norte, que nas regiões onde os rapineirosdeclinaram, as populações de roedores aumentaram ra-pidamente. Há alguns casos raros em que aves de rapi-na (p. ex. o carcará, Falconidae) podem realmente tor-nar-se prejudiciais. Nomes populares de gaviões tendema realçar a periculosidade dessas aves ("gavião-pega-pinto", "pega-macaco", etc.).

Os gaviões em sua maioria estão ameaçados pela des-truição ambiental e caça indiscriminada. O caramujeiroé indiretamente expulso pela introdução da(Cichlidae), pois estes peixes herbívoros eliminam asplantas aquáticas que são o hábitat dos caramujos, úni-co alimento do acipitrídeo, sendo prejudicado, além dis-so, pelo incessante processo de destruição dos banha-dos ante aos avanços agrícolas e rodoviários. Sobre aeliminação do caramujeiro por biocidas v. Poluição, noscapítulos introdutórios desse livro.

Faltam-nos indicações sobre os efeitos funestos dosinseticidas entre os rapineiros brasileiros mas tudo nosleva a crer que tais já existem; os mais ameaçados se-riam aqueles que vivem de pássaros e peixes (v.Pandionidae), predadores de mamíferos geralmente nãosão prejudicados. A concentração de pesticidas nos ovose filhotes de s da Flórida é impressionante(Sykes 1985). Até há pouco tempo instituições científi-cas e colecionadores particulares de ovos tiveram papelbastante daninho em relação às aves de rapina. Sugere-se a marcação dos ovos de espécies cobiçadas, tornan-do-os desinteressantes para os coletores, sem afetar osembriões (Olsenet l. 1982).

Destacamos o fato de que os silvícolas, embora utili-zem as retrizes e rêmiges das espécies grandes para aconfecção de cocares e guarnição de setas, não constitu-

..

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ACCIPITRIDAE 247

em ameaça. Índios do Xingu (Mato Grosso) mantêm umgavião-real cativo a fim de aproveitarem-se de ~uas pe-nas de vôo (uma primária atinge 50cm), garantmdo as-sim sua fonte de penas e, ao mesmo tempo, poupando avida de outros indivíduos. Estes índios desconhecem aarte de caçar com aves de rapina, de preferênciafalcões,treinadas (falconaria, altanaria), praticada tanto no Ve-lho Mundo como por aborígines sul-americanos (Chile,Peru). Consta que"açores" foram levados daqui paraPortugal a fim de serem empregados em tal mister (Sick1960)..

Os construtores do Palácio do Catete foram bem in-tencionados ao mandar esculpir uma ave de rapina comtopete um tanto exagerado, tendo em mente, sem dúvi-da, o gavião-real. O Teatro Municipal, do Rio de Janei-ro, ao contrário, foi decorado com uma águia estrangei-ra, o que pode ser justificado pelo palco internacionalda casa.

Uma das espécies pouco ou não atingidas pelas ati-vidades humanas é o gavião-carijó, nis is.Os 'representantes pequenos de e vivem tão es-condidos nas matas mais fechadas que freqüentementesua presença nas imediações das cidades nem é percebi-da. [Neste caso está um indivíduo decipit siriaiusque vivia nos jardins da casa do paisagista Burle Marx,nos subúrbios da cidade do Rio de Janeiro, bem longeda Floresta da Tijucaa. F.Pacheco).] O gavião-de-rabo-branco, eo tus, amplia sua área de distribui-ção aproveitando-se do desmatamento; outra espéciecampestre, , aumenta suas populações em váriaspartes da extensa região onde ocorre (Eisenrnann 1971).

dos b s( de espécies ênteses)

1) Grupo dos chamados "kites" nos países de línguainglesa: (1), (1), (1), ptodon(1), (1), gus (2), (2),(1) e Helicolestes (1); são gaviões relativamente dóceis,geralmente insetívoros ou vi:rendo de moluscos, Sociá-veis em parte; sexos iguais. A exceção de s, todosos outros são restritos às Américas.

2) c (4), gênero rico em espécies no Novo eVelho mundo; de asas redondas e cauda longa, são exí-mios caçadores; fêmea bem maior que o macho.

3) uteo (6) e afins: po nis (1), st (1),G n ius (1), uteo (1), (6), us ellus(1), uteog (3) e etus (1). De asas longas elargas e cauda curta, disposição própria para o planar.Sexos semelhantes. De todos os gêneros supracitados,apenas ocorre no Velho Mundo.

4) Cav iôe s-d e-p errach o, "águias" americanas:o us (1), (1), iu (1) e tus (2).

Caçadores poderosos, fêmea maior que o macho.Ge o e (v. item anterior) tambémpodem ser designados como "águias".

5) Gavião-do-mangue e gavião-pernilongo, respec-tivamente gêneros cus (2), aves paludícolas e cosmo-politas, eG nosp (1), neotropical. Gaviões delgados,fêmea maior que o macho.

PENEIRA,

35cm. Espécie de asas e cauda longas; partes superi-ores cinza-claros como as de uma gaivota, coberteirassuperiores das asas formando larga mancha negra, la-dos da cauda brancos. Partes inferiores brancas com umanódoa negra alar na regiãoda-mão. Imaturo estriado,com as costas pardas. Caça peneirando demoradamentecontra o vento, examinando o solo a uma altura de cer-ca de 30 metros; mantém as asas bastante elevadas e ospés pendentes com os dedos feçhados. Come pequenosmamíferos (Marsupialia, p. ex., jupatis; Rodentia, v. In-trodução), lagartixas e insetos. Nos campos com árvo-res esparsas, pousa sobre fios balançando a cauda. DaArgentina e Chile à América do Norte; todo o Brasil [res-trito na Amazônia], tornando-se localmente numeroso,o que foi anteriormente registrado também nas Améri-cas do Norte e Central, beneficiado pelos avanços daszonas agrícolas; aparece mesmo em zonas abertas den-tro de cidades como o Rio de Janeiro (Ilha do Governa-dor), Brasília (Distrito Federal) e PortoAlegre(Rio Gran-de do Sul). "Cavião-peneirad or"."Gavião-peneira'","Penereiro-cinzen to?".

GAVIÃOZINHO, G ps nsonii Pr. 8,4

22cm, 113 g (fêmea). Menor gavião do Brasil, tem otamanho de um sabiá, aparentado a e El

"kit-kit-kit", "tzi ü, ü, ü ü". Come insetos, peque-nas aves e lagartixas que espreita empoleirado; quandopousado sacode a cauda; costuma planar a grande altu-ra. Habita à beira de rios e o cerrado. Ocoire da AméricaCentral ao norte da Argentina; Norte, Nordeste e Cen-tro-Oeste do Brasil, atingindo também o oeste de MinasGerais (São Francisco) e o oeste de São Paulo. No aspec-to geral assemelha-se a um falcão o que é confirmadopelo ritmo da muda (razão pela qual preferíamos incluí-10 nos Falconidae), porém pormenores anatômicos.e a .. "fauna de malófagos desta ave indicaram tratar-se de umparente dos "kites" (Plótnik 1956). "Cri-cri" (Pantanalmatogrossense).

GAVIÃO-TESOURA, oides [orficatus -Pr- 7, 1

60cm, envergadura 120cm. Único pela cauda profun-damente forcada à semelhança do tesourão,gCorpo fino, pernas e dedos curtos. "bit-dluid-dluid".Voa tranqüilo sobre a mata, freqüentemente em bandos,à procura de revoadas de cupins ou formigas; em taisocasiões também pousa sobre os cupinzeiros para en-

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248 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

golir OS insetos que saem em massa para o nupcial.Seu normal lembra o de uma gaivota. Passarasante sobre as árvores em busca de lagartas, lagarti-xas e mesmo frutas do murici sp.) e docamboatá vermelho l também dá caçaa cobras-cipó e rãs. Apanha vespas com grande ferrão.Dorme em árvores altas e desfolhadas. Nas regiõessulinas emigra no inverno, o mesmo dando-se com aspopulações serranas do Espírito Santo; em conseqüên-cia de tais deslocamentos aparecem periodicamente embandos maiores. Ocorre da América do Norte à Argenti-na; todo o Brasil.

Observamos ainda que a forma norte-americana,forficaius, distingue-se do nosso

pelas asas e cauda mais longas e dor-so de brilho esverdeado ou azulado ao invés de purpú-reo; inverna 'na América do Sul; um filhote anilhado naFlórida, em 17 de junho de 1965, foi abatido emCuriúva,Paraná, em 22 de dezembro do mesmo ano (Mager 1967);outros exemplares marcados foram encontrados emMato Grosso (outubro, novembro).

GAVIÃO-DA-CABEÇA-CINZA,

54cm. Espécie florestal pouco comum fora da Ama-zônia. Cabeça cinzenta, dorso anegrado, partes inferio-res brancas sendo a face inferior da cauda e asas barra-das de negro; imaturo de cabeça e coberteiras inferioresdas asas brancas, boné preto. gutural "kjo, kjo, kjo...",lembrando e H Come insetos,inclusive marimbondos, rãs, lagartixasarbóreas, e pas-sarinhos. Florestal, espreita abertamente de um galho.Ocorre do México a Argentina, regiões floresta das detodo o Brasil, inclusive Rio de Janeiro(Teresópolis, Ser-ra do Mendanha, às portas da cidade do Rio de Janeiro,Pacheco 1988), São Paulo (Boracéia e zona litorânea, porexemplo) e Rio Grande do Sul. Consideramoso , descrito do Nordeste uma variedade desta espé-cie altamente variável (Foste r 1971), embora exista opi-nião contrária (Teixeiraet 1987).

CARACOLEIRO, Ch hi uncinPr. 9, 3

42cm. De asas compridas e largas, cauda longa e biconotavelmente adunco e forte. Loros com uma manchalaranja viva, olhos brancos. Plumagem muito variável,freqüentemente de par~es superiores pardas e partes in-feriores transfaciadas de cinzento (adulto); há exempla-res negros com duas faixas cinzentas na cauda e outrosde abdômen inteiramente branco. Imaturo com colar'ferrugíneo. hê-tetetete". Espreita dissimuladamen-te, pousado a média altura na mata, beira de brejo, etc.,para capturar caracóis que engole com casca, ao contrá-rio do caramujeiro. Apanha caramujos arborícolas e osgrandes lus terrícolas, come também aranhas

e insetos; também caça pulando de galho em galho. Cir-cula em vôos de reconhecimento. Ocorre do México àArgentina, localmente no Brasil para o sul até Paraná,Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. "Gavião-de-bico-de-gancho". V.Ge .

GAVIÃO-BOMBACHINHA, diodon

33cm. Parece ser "imitado" por cipite bicolotus (v.Métodos de caça). Cinzento, com as cobertei-

ras inferiores das asas(vôol) e os calções castanhos uni-formes tendo (como H.bide uma listra preta nalinha mediana da garganta. Imaturo de partes inferioresestriadas e calções castanhos. assobio rítmico "wiu-wíu-wít", voando acima das matas. Come grandes inse-tos (p. ex., cigarras ou esperanças, Pacheco 1988); asso-cia-se ocasionalmente as coortes das formigas-de-correição, Eciton. Habita a mata não muito densa. Ocor-re das Guianas ao Paraguai, Argentina e Brasil nas regi-ões Norte e Centro-Oeste (localmente), Leste e Sul. Ver

e bicol , . e .

RIPINA, H Pr. 8,2

33cm. Gavião pequeno, atarracado, de bico grossocom dois dentes. Partes superiores e lados da cabeça cin-zentos, partes inferiores ferrugíneas, abdômen e calçõesbarrados de branco, garganta "bipartida"(v. espécieanterior); fêmea mais distintamente barrada no lado in-ferior. Imaturo pardo no lado superior e branco estriadono inferior, tendo os calções uniformemente brancos.Freqüenta diversos estratos arbóreos; espreita insetos elagartixas tanto dentro da mata como em sua orla; temíndole um tanto preguiçosa assim como a espécie ante-rior. Ocorre do México a Bolívia e Brasil na Amazônia eno leste do Brasil, nas florestas de baixada de Pernam-buco ao Rio de Janeiro. Compare o imaturo com is

e o anterior. "Gavião-ripina*".

SOVI, Pr. 7, 4

34cm. Espécie pequena e comum, de asas estreitas ecompridas podendo lembrar um . Inteiramente cin-za-ardósia com a face inferior das primárias intensamen-te castanha; olhos vermelhos como na espécie anterior;pernas alaranjadas. Imaturo de partes inferiores bran-cas estriadas, tendo manchado também de branco o vér-tice. "hí-hi hr-hi". "rjip-tjip". Caça formigas, cupinse outros insetos em pleno vôo apanhando-os com seuspequenos pés (que freqüentemente ficam pendentes),comendo-os em pleno ar; procura queimadas onde apa~nha pequenos répteis no solo (Minas Gerais). Gosta deassociar-se em bandos. Ocorre do México à Argentina;todo o Brasil, desaparece do leste e do Sul durante o in-verno. "Cavião-sauveiro","Gavião-pomba", "Sauveiro*".

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ACCIPITRIDAE 249

[SAUVEIRO-OO-NORTE 1, Ictini sVN

[34-37cm] Periodicamente vem da América do Nor-te. Distingue-se da anterior pela ausência de castanhonas rêmiges, cauda escura uniforme e pelos tarsos escu-ros, pardacentos e não-amarelos. Meridionalmente che-ga até a Argentina. Um exemplar anilhado no Texas foirecuperado na Bolívia (Davis 1989), passando portantopelo Brasil. [Recentemente foi divulgado uma observa-ção específica para território brasileiro: arquipélago deAnavilhanas,21 de novembro de 1985 (Stotzetal. 1992).]

CARAMUJEIRO, soc Pr. 7, 7

41cm. Espécie paludícola inconfundível, bico extre-mamente adunco. Macho cinza-ardósia com a base dacauda branca, sendo' visível tanto por cima como porbaixo; cera e pés laranja. Fêmea e imaturo com faixasupraocular e garganta esbranquiçadas além do ladoinferior estriado de creme, podendo lembrar um imatu-ro de carrapateiro ou de gavião-caboclo. balido ii-ga-ga-ga-ga" ou grito "korra", Malacófago, vive domolusco aquático chamado "aruá"

Ampullariidae), sendo absolutamente dependente daexistência destes gastrópodes. Procura-os sobrevoandoos banhados, descendo de pernas pendentes paraarrebatá-los com um só pé, passando-os às vezes para obico em seguida; caso apanhe uma concha vazia deixa-a simplesmente cair. Uma vez de posse de uma presaempoleira-se para comer; segura o caramujo entre osdedos de um ou ambos os pés e introduz a recurvada eafilada maxila entre a face interna do opérculo e acolurnela, cortando o músculo columelar, o que afrouxa

imediatamente a resistência do molusco; desprende en-tão toda a lesma da concha engolindo-a enquanto a cas-ca vazia, ilesa, vai ao chão. Esta habilidade chegou in-clusive a sugerir a Hugo de Souza Lopes do InstitutoOswaldo Cruz, Rio, uma perfeita técnica de obtençãodas partes moles sem destruição da casca, utilizandouma lâmina exatamente com a forma do bico docaramujeiro (Lopes 1956).Ao redor de um pouso predi-leto (que pode ser um mero monte de terra) acumulam-se cascas e opérculos de presas, estes em menor núme-ro, pois apenas ocasionalmente são arrancadas pela ave.Localmente, p. ex. no Pantanal, Mato Grosso, (como tam-bém na Venezuela), caranguejos do gêneroDiloc inussão capturados; naFlórida, EUA, foi registrada umapequena tartaruga (Beissinger 1990).V.ocarão,

Pernoita aos bandos, que podem ser grandes, em ba-nhados extensos, chamando a atenção quando conflu-em para os pontos de dormida no crepúsculo. Nidificafreqüentemente em colônias; realiza noperíodorepro-dutivo elegantes vôos de exibição, como, por exemplo,piques e "loopings". Ameaçado pela aplicação debiocidas etc., v. Intrcdução, também migrações. DaFlórida e México à Argentina e Uruguai, todo o Brasil

onde quer que haja pântanos. "Gavião-de-aruá" (Ama-pá), "Gavião-caramujeiro*".

GAVIÃO-OO-IGAPÓ*, Helicolestes s

[37-41cm]. Espécie amazônica similar aost us(às vezes colocada no mesmo gênero)que possui o mes-mo tipo de bico, vivendo exclusivamente às expensasde moluscos aquáticos. Inteiramente cinzenta sem bran-co; região perioftálmica e base do bico amarelo-laranja,íris branca (não escura como no anterior); tarso amareloou vermelho. O imaturo apresenta de duas a quatro fai-xas brancas na cauda, tarso preto. Dá suas investidassempre a partir de um poleiro, técnica pouco adotadapelo anterior. Do Maranhão, Amapá (Macapá) e Pará(Belérn, Santarém) até o Peru, Bolívia, Colômbia, Equa-dor, Venezuela e Guianas. [Relativamente freqüente naEstação Ecológica Mamirauá, médio Solimões, Amazo-nas onde recebe o mesmo nome vulgar "Gavião-bico-de-gancho" utilizado para osih us bilis (J. F.Pacheco).]

GAVIÃO-BOMBACHINHA-GRANOE, ipi t

_35cm. Espécie florestal de partes superiores acinzen-tadas e partes inferiores cinza-claras. Calções e cober-teiras inferiores das asas castanhas, estas últimas po-dendo ser brancas, sobretudo na população amazônica.Vimos um exemplar, no Espírito Santo, associar-se a umbando deCebus a fim de apanhar insetos espantadospelos símios e presenciamos um outro caçar um sabiá-laranjeira (Rio Grande do Sul). Do Méxicoà Argentina eChile, todo o Brasil. No Brasil cisamazônicoccipitebicolo pil us semelhante aoH p gus diodon(v.Alimen-tação). "Gavião-bombacha*".

GAVIÃO-MIUDINHO, ccipit supe ciliosus

26cm. Uma das menores rapineiras. De cauda relati-vamente curta, tem as partes superiores cinza-ardósiassendo as inferiores e calções brancos densamentefasciados de estreitas faixas pardacentas lembrando

tu iicoilis (Falconidae). Vive em mata baixa eemaranhada, também em florestas altas nas copas dasárvores. Hábil caçador de aves, apanha também beija-flores. Ocorre da América Central à Argentina; grande.parte do Brasil, indo da Amazônia (p. ex. Serra do Ca-chimbo, Pará) ao Sudeste e Sul (Santa Catarina),

TAUATÓ-PINTAOO, cipit pol i

49cm. O mais robusto representante do gênero. Par-tes superiores negro-pardacentas, partes inferiores bran-cas, cauda barrada de negro. O imaturo, considerado até

, ,

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250 ORNITOLOGIA BRASILEIRA

há pouco como espécie independente,. lem-bra quanto ao colorido o gavião-de-penacho,

(v. este e Introdução). De ocorrência local; pou-co conhecido. Ocorre do norte da América do Sul a Bolí-via e Argenhna; Brasil amazônico e centro-meridional, in-clusive no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.

GAVIÃO-MIúDo, Fig. 73

30cm. Espécie pequena (o macho tem somente o portede um sabiá), excepcionalmente delgada, tendo a caudae dedos muito longos e o corpo delicado. Flancos e cal-ções ferrugíneos uniformes. Caça pequenas aves. O ali-mento de um nos EUA constitui-se em97,7% de aves e 2,3% de mamíferos (Storer 1966). Embo-ra geralmente mantenha-se oculto na mata fechada, oca-sionalmente voa abertamente de uma mata a outra exi-bindo então as partes inferiores barradas; também fre-qüenta as cercanias de habitações. Ocorre da Américado Norte à Argentina; Brasil central e merídio-oriental(inclusive o ex-Estado da Guanabara) até o Rio Grande

Fig.73.Gavião-miúdo,fêmea imatura.

do Sul. [Foiproposto recentemente tratar. s comosuperespécie composta de quatro aloespécies, cuja for-ma . seria a única ocorrente no Brasil(Sibley & Monroe 1990). O seu encontro recente no suldo Ceará estende ao Nordeste sua área de dispersão(Pacheco& Whitney 1995).]

ÁGUIA-CHILENA, noleucus

66cm, envergadura de quase dois metros. Espécie me-ridional de grande porte tendo a cauda tão curta que,

em vôo, mal sobressai do contorno.posterior das asasque são muito largas; cabeça bastante protusa. Partessuperiores ardósias, as coberteiras superiores das asasformam larga área cinza-esbranquiçada: partes inferio-res brancas, papo pardacento. Imaturo estria do apresen-tando a cauda mais longa. São citados como presa: pe-quenos mamíferos, répteis e aves. Encontramo-lo comen-do carniça; foi visto quebrar um ninho de joão-de-barro

.para tirar-lhe os filhotes. Grande planador. Vive em re-giões campestres e montanhosas. Ocorre da Terra doFogo pelos Andes até a Colômbia e Venezuela; tambémchega ao Brasil no Rio Grande do Sul (nidificando), SantaCatarina, Paraná e, ocasionalmente, por exemplo em SãoPaulo, Minas Gerais (Caraça, julho de 1974 e Serra doCipó), noroeste da Bahia (agosto de 1976), Piauí (Sick1979), Rio Grande do Norte (nidificando, outubro) eMaranhão.

GAVIÃO-DE-RABO-BRANCO,

Pr. 9, 6

55cm. Espécie campestre grande relativamente co-mum em lugares abertos. De asas compridas e largas ecauda curta, branca com faixa negra subterminal; gran-de mancha ferrugínea nas escapulares. O branco daspartes inferiores por vezes estende-se até o mento. Háindivíduos totalmente negros mas com a cauda branca;imaturo de cauda cinzenta finamente barra da de preto eventre manchado. "gliii klia-klia-klia", "güli ..." sen-do este último grito emitido durante seus imponentesvôos nupciais. Come grandes insetos, sapos (p. ex.

dos quais retira apenas as pernas), ratos, gambáse cobras; apanha após a chuva minhocõesGlossoscolegig nteus (Oligochaeta) que podem atingir mais de ummetro (Itatiaia, Rio de Janeiro). Plana muito. Habita re-giões campestres, cerrado, buritizais, campos de altitu-de (p. ex. no Itatiaia). Ocorre do MéxicoàArgentina; naAmazônia apenas em algumas áreas campestres(Marajó,

Amapá e Roraima). Amplia sua ocorrência no leste doBrasil favorecido pelo desmatamento; pode aparecerdentro de um grande centro urbano (cidade do Rio deJaneiro). "Gavião-fumaça". V. (que tem caudasemelhante) e "Cavião-de-cau-da-branca=",

GAVIÃO-DE-RABO-BARRADO,

SOcm.Em vôo imita quase perfeitamente um urubu-de-cabeça-vermelha, distinguindo-se pela cabeçaemplumada de negro e não glabra e "seca" como a do

e pela cauda mais retangular atravessada portrês marcantes faixas cinzentas; lado inferior das asascom o padrão típico de duas cores distintas exatamentecomo emC es. Ima turo de cauda finamente barrada.Lança-se sobre pequenos animais terrícolas (v. Introdu-ção). Vive nas paisagens abertas, por exemplo, na caa-