Ortigoza Geografia e Consumo

download Ortigoza Geografia e Consumo

of 283

Transcript of Ortigoza Geografia e Consumo

SILVIA APARECIDA GUARNIERI ORTIGOZA GEOGRAFIA E CONSUMO:DINMICAS SOCIAIS E A PRODUO DO ESPAO URBANO RIO CLARO 2009 Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 2DEDICO ESTA TESE AO MEU QUERIDO ESPOSO CARLOS E MINHAS AMADAS FILHAS NAYARA E LETICIA. E AOS MEUS PAIS EM MEMRIA - SAUDADE ETERNA. Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 3AGRADECIMENTOSAgradeo primeiramente a Deus.Agradeoatodaminhafamlia,emespecialsminhasfilhasNayarae LetciaeaomeuqueridoesposoCarlos,porsuportaremminhaausncia durante todo o perodo despendido nesta tese, ficando junto comigo em todos os momentos.SandraPitton,sempreamiga,quenomediuesforosparame substituiremvriasatividadesdaUniversidade,possibilitandoassimo desenvolvimento desta tese. AnaTerezaCortez,peloapoioepelasreflexesgeogrficasque juntas construmos. MagdaLombardo,que nosltimosmesesfoiminha conselheira ese dispsameacompanharnosexaustivostrabalhosdecampo,inclusiveem Dubai e Seul.Ao Auro e ao Enas, pelo companheirismo sempre demonstrado. Pela amizade e auxlio na reviso do questionrio agradeo a Lucy e a Ligia.AosmembrosdoConselhodoProgramadePs-Graduaoem Geografia,emespecialaovice-coordenadorFadel,pelainestimvel contribuio.EqueridasecretriaVera,peloapoionessesltimosmeses, sem o qual teria sido muito difcil conseguir concluir a tese. UmagradecimentoespecialaoTavares,idealizadordaimplantaoda escaladedocentes,visandoocrescimentonacarreirauniversitria,que facilitouoalcancedestametadispensando-nosdasatividadesdidticasna graduao, por um semestre.AtodososfuncionriosdoDepartamentodeGeografia,tantoosque contriburammaisdiretamente,Tiago,GilbertoeRita,comoindiretamente, Rose,Judite,GiovanaeCarlos,meusagradecimentospelototalapoio.As monitoras Tatiana e Paula pela contribuio na elaborao dos grficos. Silvana Pintaudi, pelas importantes orientaes durante o mestrado e doutorado. Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 4Agradeotambmatodososalunosqueorienteiduranteestaminha trajetria, e que me instigaram a abordar novas temticas de pesquisa.Marisaque,comdedicaoecompetnciasemprerevisoumeus textos,desdeomestrado,doutoradoeagoraatesedelivredocncia,meu muito obrigado.Estafasedeconclusoedefesadapesquisa,quehojevivencio,faz partedeumlongoprocessoquemeaproximoudemuitaspessoasqueme ajudaram.Agradeoatodasque,mesmonoestandocitadasaqui,tmum lugar na minha lembrana.Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 5O Caminho da Vida Ocaminhodavidapodeserodaliberdadeeda beleza, porm nos extraviamos. A cobia envenenou a alma dos homens... Levantou no mundo as muralhas do dio... E tem-nos feito marchar a passo de ganso para a misria e morticnios. Criamosapocadavelocidade,masnossentimos enclausuradosdentrodela.Amquina,queproduz abundncia, tem-nos deixado em penria. Nossosconhecimentosfizeram-noscticos;nossa inteligncia,empedernidosecruis.Pensamosem demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de mquinas, precisamos de humanidade. Maisdoquedeinteligncia,precisamosdeafeioe doura.Semessasvirtudes,avidaserdeviolnciae tudo ser perdido." (O ltimo discurso, do filme O Grande Ditador) Charles Chaplin Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 6RESUMOAsreflexeselaboradasnestapesquisasepreocuparamemabordaro consumocomocategoriadeanlisegeogrficae,pormeiodeseu entendimento,compreenderosprincipaisimpactosnaproduodoespao urbano, na atualidade. Observadas as metrpoles de So Paulo, Lisboa, Seoul e Dubai,construiu-seumpensamentoqueconsideraametrpolecomo espao-sedutor. Nesta investigao, elaborou-se uma leitura das paisagens do consumo nas referidas metrpoles e vrias foram as contradies encontradas nas relaes de consumo e na produo do espao urbano, e para debat-las foiessencialousodomtododialtico.Oreconhecimentodasarticulaes entre a produo, a circulao, o comrcio e o consumo, dentro do processo de generalizaodamercadoria,tambmganhouimportncianesteestudo.Ao finaldapesquisaprocurou-seabordaroconsumocomodimensosocialda questoambiental,eassimoutrosconflitosforamapontados,entreelesa existnciadeumageografiadafelicidadeparadoxaleaemergente necessidade de se minimizarem os impactos ambientais do consumo.Palavras chaves: geografia, consumo, metrpole, comrcio, paisagem.Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 7ABSTRACT The reflections elaborated in this research concerned about approaching theconsumptionasananalysisofgeographicalcategoryand,throughits understanding, learningaboutthemainimpactsinthe productionofthe urban space,atthepresenttime.ObservedthemetropolisesofSaoPaulo,Lisbon, SeoulandDubai,athoughtwasbuiltthatconsidersthemetropolisas seductive-space.Inthisinvestigation,areadingofthelandscapesofthe consumption was elaborated in referred metropolises and several contradictions were found in the consumption relationship and production of the urban space, andtodebatethemitwasessentialtheuseofthedialecticmethod.The recognitionofthearticulationsamongtheproduction,thecirculation, thetrade andtheconsumption,insideoftheprocessofgeneralizationofthe merchandise,alsowasconsideredimportantinthisstudy.Attheendofthe researchitwastriedtoapproachtheconsumptionassocialdimensionofthe environmentalsubject,andsootherconflictswerepointed,amongthemthe existence of geography of the paradoxical happiness and the emerging need of minimizing the environmental impacts of the consumption. Key words: geography, consumption, metropolis, trade, landscape. Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 8LISTA DE FIGURASFigura1:PaisagemdoconsumonasmetrpolesdeSoPaulo(BR),Lisboa (PT), Seul (KR) e Dubai (AE) ........................................................................... 89Figura2:PaisagemdoconsumonasmetrpolesdeSoPaulo(BR),Lisboa (PT), Seul (KR) e Dubai (AE) ........................................................................... 89Figura 3: Localizao das Metrpoles Estudadas............................................ 95Figura4:AsformasdocomrcionasmetrpolesdeSoPaulo(BR),Lisboa (PT), Seul (KR) e Dubai (AE) ........................................................................... 97Figura5:AsformasdocomrcionasmetrpolesdeSoPaulo(BR),Lisboa (PT), Seul (KR) e Dubai (AE) ........................................................................... 97Figura 6: O comrcio popular no centro da metrpole de So Paulo (BR)..... 106Figura7:AdinmicadocomrcionasruasdocentrodametrpoledeSo Paulo (BR)...................................................................................................... 107Figura 8: A forma do comrcio e seu padro de uso e ocupao do solo na Rua Oscar Freire na metrpole de So Paulo (BR)............................................... 113Figura9:AimagemeapaisagemdaRuaOscarFreirenametrpoledeSo Paulo (BR)...................................................................................................... 116Figura10:OsformatosdaslojaseasvitrinesdaRuaOscarFreirena metrpole de So Paulo (BR)......................................................................... 116Figura 11: A presena marcante das grandesmarcas na Rua Oscar Freire na metrpole de So Paulo (BR)......................................................................... 120Figura12:Aconcentraodelojasdealtopadrona RuaOscarFreirena metrpole de So Paulo (BR)......................................................................... 120Figura13:AfachadadoShoppingCidadeJardimformandomaisumgrande complexo do empreendimento imobilirio na metrpole de So Paulo (BR).. 124Figura14:ApredominnciadaluzsolarnoambientedoShoppingCidade Jardim nametrpole de So Paulo (BR). ...................................................... 124Figura15:OprojetodepaisagismobuscaumambientediferenciadoparaoShopping Cidade Jardim nametrpole de So Paulo (BR)........................... 125Figura 16: O conjunto elaborado pela luz natural e pelas espcies de vegetao diferenciadascriaumaimagempositivadopontodevistaambientalno Shopping Cidade Jardim na metrpole de So Paulo (BR)............................ 125Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 9Figura 17: A vista externa a partir do Shopping Cidade Jardim mostra o que h de mais valorizado na metrpole de So Paulo (BR)..................................... 128Figura18:Partedaestruturacomercialnocentrotradicionaldametrpolede Lisboa............................................................................................................. 137Figura 19: A beleza arquitetnica e seu uso comercial no centro tradicional da metrpole de Lisboa....................................................................................... 137Figura 20: O cotidiano do centro tradicional da metrpole de Lisboa............. 139Figura21:Ascompras,olazer,afestanocotidianodocentrotradicionalda metrpole de Lisboa....................................................................................... 139Figura22:OamploespaodecomprasnoCentroComercialColombona metrpole de Lisboa....................................................................................... 144Figura 23: O ambiente contagiante do consumo do Centro Comercial Colombo na metrpole de Lisboa. ................................................................................. 144Figura24:Asistemticaconstruodasgrandesestruturascomerciaisque esto sendo criadas na metrpole de Lisboa. ................................................ 146Figura25:Osamplosespaosinternosdoscentroscomerciaisumnovo modelo que vem sendo adotado na metrpole de Lisboa.............................. 146Figura26:Areproduoartificialdacidadenoambientedecomprasna metrpole de Lisboa....................................................................................... 147Figura27:Simulacrodapaisagemdoconsumonooutlet Freeportna metrpole de Lisboa....................................................................................... 147Figura28:Ascores,aluzeosmateriaisutilizadosfazemumconjuntoque apela para o consumo no espao e do espao em Lisboa............................. 148Figura29:Aformadiferenciadadocomrciodevizinhananosbairros residenciais na metrpole de Lisboa.............................................................. 150Figura 30: As grandes estruturas comerciais do comercio central em Seul. .. 155Figura 31: Os grandes shoppings centers se espalham por toda a metrpole de Seul. ............................................................................................................... 155Figura 32: O comrcio se especializae se concentra em determinadas reas da metrpole de Seul ..................................................................................... 156Figura 33: O comrcio especializado tambm se instala em grandes shoppings centers na metrpole de Seul......................................................................... 157Figura34:ShoppingCenterespecializadoemtecidosemercadoriasafinsna metrpole de Seul .......................................................................................... 157Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 10Figura35:Acoesoespacialpropiciadapelocomrcioespecializadona metrpole de Seul .......................................................................................... 158Figura36:Ocomrcioderuacontribuiparaaconstruodapaisagemdo consumo na metrpole de Seul ...................................................................... 160Figura37:Ocomrcio,ocomerciante,oconsumoearuaseinterrelacionam dando contedos diferenciados na paisagem da metrpole de Seul. ............ 160Figura 38: As formas comerciais modernas na metrpole de Seul. ............... 163Figura 39: As feiras dos produtores na metrpole de Seul............................. 164Figura 40: O espao democrtico da feira e as possibilidades de sobrevivncia por meio do comrcio na metrpole de Seul. ................................................. 164Figura41:Ocomrciodepassagemeapaisagemdeconsumodiferenciada em Seul. ......................................................................................................... 166Figura42:Osmercadosperidicos- cenasdaadaptaodocomrciona metrpole de Seul. ......................................................................................... 166Figura 43: O comrcio incessante em Seul.................................................... 168Figura44:EmSeulanoitenasruasdoscaladesocomrciotemum dinamismo prprio.......................................................................................... 169Figura 45: A paisagem do consumo a noite ganha luzes e movimento em Seul........................................................................................................................ 169Figura 46: O grande canteiro de obras de Dubai. .......................................... 174Figura 47: A paisagem e a arquitetura moderna e monumental de Dubai. .... 175Figura48:OcenriourbanodeDubairetrataumacidadeemconstruo composta pelas mega, super e hiper construes. ........................................ 175Figura49:Osshoppingscentersseproliferamnapaisagemdeconsumode Dubai.............................................................................................................. 176Figura50:EmDubaiosshoppingscenterssoformadosporenormes estruturas que conjugam lazer, compras, massagens, alimentao entre outras atividades ....................................................................................................... 177Figura 51: Em Dubai a decorao interna dos shoppings centers so modernas ediversificadascomointuitodeevitaramonotonianesteambientesde consumo......................................................................................................... 177Figura 52: A mesquita outro grande smbolo presente na paisagem urbana de Dubai.............................................................................................................. 179Figura 53: O apelo ao consumo ntido na arquitetura urbana de Dubai ...... 179Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 11Figura54:OsetordaconstruocivilemDubaimuitodinmicoeamoto-serra e os guindastes esto presentes em todo o espao urbano. ................ 180Figura 55: Dubai uma obra humana inacabada. ......................................... 182Figura 56: A paisagem-mercadoria de Dubai ................................................. 182Figura 57: O tamanho das obras da construo civil chega a ser assustador em Dubai .............................................................................................................. 183Figura 58: Tudo se junta em Dubai, o comrcio, o lazer, a hotelaria e os prdios de escritrios num grande complexo imobilirio............................................. 184Figura59:Dubaiumprojetodecidadeondeprevaleceoconceitode grandiosidade:notamanho,naquantidadeenaamplitudedeseusespaos........................................................................................................................ 186Figura60:EmDubaioconceitodeluxotambmvemsendovalorizadoem seus ambientes internos e externos............................................................... 186Figura61:OshowacontecetodososdiasemDubaiemseuscentrosde compras,cadaummaisinovadoreemocionanteparaconquistaros consumidores de espetculos. ....................................................................... 187Figura62:Oshowacontecetodososdiasnoscentrosdecompras,cadaummais inovador e emocionante para conquistar os consumidores de espetculos....................................................................................................................... 188Figura63:ShoppingCenteremDubai:ovisvelcontrasteentreomundoreligioso e o mundo do consumo.................................................................... 189Figura 64: H o predomnio dos homens de branco e as mulheres de negro nos shoppings Centers de Dubai os quais consomem em lojas de grandes marcas........................................................................................................................ 189Figura 65: A grande estao de ski de Dubai no Mall of the Emirates retrata o poder do homem na construo de simulacros.............................................. 191Figura66:Aperfeitasimulaodanaturezanagrandeestaodeskide Dubai no Mall of the Emirates. ..................................................................... 191Figura 67: O comrcio perifrico de Dubai. .................................................... 192Figura 68: Aspectos do comrcio de vizinhana em Dubai. ........................... 192Figura 69: A paisagem de consumo de Dubai................................................ 194Figura 70: Faixa Etria dos Entrevistados...................................................... 216Figura 71: Pases dos Entrevistados.............................................................. 217Figura 72: Entrevistados por estados brasileiros............................................ 217Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 12Figura 73: Entrevistados por situao de moradia......................................... 219Figura 74: Nvel de renda dos entrevistados.................................................. 219Figura 75: Formas de pagamento mais utilizadas pelos entrevistados. ......... 220Figura 76: Fatores de maior importncia no momento da compra. ................ 223Figura 77: Influncias na escolha do produto................................................. 225Figura78:Consumidoresqueutilizamainternetparaarealizaodesuas compras.......................................................................................................... 225Figura 79: Produtos mais adquiridos por compras pela internet .................... 226Figura80:Lugardeprefernciadosentrevistadosparaarealizaodesuas compras.......................................................................................................... 228Figura 81: Local onde os entrevistados costumam comprar. ......................... 230Figura82:ComportamentodoConsumidor:Autoavaliaodosentrevistados........................................................................................................................ 230Figura 83: Entrevistados que se preocupam em comprar produtos de empresas ambientalmente corretas. ............................................................................... 232Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 13LISTA DE TABELAS E QUADROS:Tabela 1: Tipos e Quantidade de Shoppings no Brasil ........................................ 61Tabela 2: Evoluo do nmero de shoppings por regies.................................... 62Tabela 3: Nmero de Shoppings nas Capitais Brasileiras.................................... 62Quadro 1: Caractersticas do comrcio tradicional e moderno............................. 151Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 14SUMRIO:AGRADECIMENTOS......................................................................................... 3RESUMO............................................................................................................ 6ABSTRACT........................................................................................................ 7LISTA DE FIGURAS.......................................................................................... 8LISTA DE TABELAS E QUADROS: ............................................................... 13INTRODUO................................................................................................. 16Captulo I: Do Global ao Local: o papel do consumo na vida urbana ....... 281.1. As Formas do Comrcio e a Generalizao da Mercadoria...................... 301.1.1. As lojas e suas formas .................................................................... 401.1.2. A Loja de Departamento ................................................................. 421.1.3. O supermercado.............................................................................. 441.1.4. O Hipermercado.............................................................................. 521.1.5. O shopping center ........................................................................... 541.1.6. A Loja de Convenincia, Outlet e Rua shopping............................. 641.1.7. O Fast-food ..................................................................................... 681.1.8. As formas comerciais no tempo e no espao.................................. 75Captulo II: Paisagens Urbanas: imagens e representaes do mundo do consumo ......................................................................................................... 802.1. As paisagens do consumo nas metrpoles ........................................... 882.1.1 So Paulo ........................................................................................ 992.1.2. Lisboa............................................................................................ 1322.1.3. Seul ............................................................................................... 1522.1.4. Dubai ............................................................................................. 170Captulo III: As contradies da sociedade de consumo e seus impactos nas dinmicas socioambientais .................................................................. 1963.1. A metrpole como espao-sedutor ...................................................... 1993.2. A Geografia da Felicidade Paradoxal .................................................. 2073.2.1. O consumo como experincia: anlise dos depoimentos dos consumidores.......................................................................................... 2143.2.2. Consumo: a dimenso social da questo ambiental? ................... 233CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 246REFERNCIAS .............................................................................................. 255BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................... 269ANEXOS........................................................................................................ 280UNESP/IGCE/RIO CLAROSilvia Aparecida Guarnieri OrtigozaGEOGRAFIA E CONSUMO: DINMICAS SOCIAIS E A PRODUO DO ESPAO URBANOIntroduoGeografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 16INTRODUOComoavanodoprocessodeglobalizao,osestudosurbanostm ampliado seus contedos, pois as dinmicas globais e suas tendncias trazem novoseconsecutivosproblemas,especficoseconcretos, queprecisamser compreendidos. Dentro dessas tendncias mundiais, os setores do comrcio e servios so os que mais crescem, pois o mundo todo vai se tornando urbano. Dessemodo,entenderarealidadesocioespacialatualsignificaobservaras novasfuneseespecializaesquesurgemnascidades.Nasmetrpoles, pela densidade desses setores e pelas contradies socioespaciais existentes, essas dinmicas ganham ainda mais complexidade.Esta pesquisa na rea de geografia urbana tem como foco a anlise do desenvolvimentodoconsumo,notempoenoespao,eseusimpactosna produo do espao urbano. Trata-se de um grande desafio, pois elaborar um olhargeogrfico-reflexivosobreoconsumonotarefafcil,devidos diversas contradies presentes nessas relaes. Alm disso, este olhar deve primeiro reconhecer as articulaes entre a produo, a circulao, o comrcio eoconsumo,dentrodoprocessodegeneralizaodamercadoria,para, posteriormente, analisar os impactos dessas atividades no espao. Ageografiaurbana,comoreadoconhecimentogeogrfico,temum papelcentralnoentendimentodasquestespertinentesmaterializaodas relaes de consumo nas cidades. Nesse contexto, esta tese pode representar um avano no sentido de ter o consumo como categoria de anlise geogrfica.Emboraagrandereaapontadaparaesteestudosejaageografia urbana, o mesmo est centrado em uma subrea bastante importante, que a geografiadocomrcio.Estasubreareconhecidaporpossuirum considervelembasamentoterico,construdonodecorrerdaformaodo pensamento geogrfico, tendo nos ltimos anos apresentado um rol crescente de estudos e de enfoques bastante diversificados, tanto no plano terico como metodolgico,cujoobjetivocentraltemsidoacompreensodacomplexa realidade da sociedade de consumomundial e seus impactos na produo do espao urbano.Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 17Dentreosdiversosobjetivosdestapesquisa est,portanto, o derefletir sobreasquestesdenaturezaterica,destatemtica,procurandotraaroestadodaartedosestudossobrecomrcioeconsumo.Neste levantamento destacar-se-oosautoresportuguesesebrasileirosque sedebruamna investigao desta temtica, haja vista que grande parte da tese que estamos apresentandoestevevoltadapara asobservaesempricasdocomrcioe consumo no Brasil e em Portugal.Neste ltimo, onde tivemosaoportunidadedeaprofundarnossos estudos,existeumnmerosignificativodepesquisadoresqueoferecemum rico conhecimento acumulado sobre a dinmica socioespacial do comrcio e do consumo.Uniresteconhecimentoproduzidoporestasequipesde pesquisadores significou ampliar o dilogo em torno de um tema to importante na atualidade, expandindo o conhecimento geogrfico.A fase da pesquisa realizada em Lisboa permitiu um contato direto com ospesquisadoresdoObservatriodoComrciodaUniversidadedeLisboae outrosdaUniversidadeNovadeLisboa,osquaispesquisamsobreareferida temtica.Almdisso,foramrealizadosexaustivostrabalhosdecampopara coletar um volume qualitativo de observaes.Um ponto em comum entre os pesquisadores portugueses e brasileiros residenoentendimentoquesetemdadinmicadaproduodoespao urbano, o que foi muito importante para o enriquecimento de nosso estudo.Osestudossobreocomrcioeconsumodesenvolvidosporgegrafos tm,demodogeral,partidoatualmentedaarticulaodialticaentreas relaessociaisdeproduoeconsumoeareproduodoespao,parase chegar anlise crtica do urbano. O grande desafio buscar uma anlise integrada do problema, ou seja, conjugaraabordagemdasformascomerciaiscomasvivncias,as experinciaseasprticasurbanas.Trata-sedeapoiar-senadinmicada culturadoconsumoparacompreenderosnovosespaoscomerciais.Existe nestasrelaesumduplomovimento:umexercidopelasformas,pormeioda criaoderituais,espetculosemodosdeapropriao;outrocriadopelos valores culturais, estilos de vida, desejos contidos na diversidade do cotidiano do consumidor. Ambos os movimentos vo se firmando na vida das cidades e acabam criando uma grande complexidade nas formas-contedos no mundo Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 18contemporneo.Nestaperspectivade anlise, possvelconstatar umavastaproduo acadmico-cientfica,quemerecesermelhorexplorada,sistematizadae analisada, sendo esta tambm uma das propostas desta tese. Contextualizao da PesquisaOcomrcioemgeraleavendaavarejo,emespecial,constituem atividades essencialmente urbanas e que exigem centralidade. As ligaes do comrciocomoespaourbanofazempartedeumlongoprocesso,porqueo comrcio varejista faz parte da prpria razo de ser das cidades. o comrcio quepromoveaexistnciadacidade,justificaumaboapartedasua organizao interna, explica inmeros movimentos que se desenvolvem no seu interior. Essas relaes entre a cidade e o comrcio so dinmicas e a cidade vai se tornando produto das decises e das prticas de diversos atores, entre elesoscomerciantes,osconsumidores,ospromotores imobilirioseos produtores/fabricantes. Por outro lado, a cidade condio e meio para que as prticasdesenvolvidasporestesagentescontinuemaserealizar.Daa importncia da dimenso espacial na anlise do comrcio e do consumo. O estudo que estamos apresentando d continuidade s pesquisas que desenvolvemos no mestrado e no doutorado. O mestrado versou sobre o tema AsfranquiaseasnovasestratgiasdocomrciourbanonoBrasil,desenvolvidosobaticadeumageografiadocomrcio,emuitas dasideias aqui colocadas so resultados dos questionamentos que este primeiro trabalho sobreotemaprovocou.Odoutoradocontemplouumestudopautadona anlisedodesenvolvimentodocomrcioderefeiesprontas,principalmente aquelasrealizadasforado lar,eseusimpactosnoespaourbano.Discutiua articulaocontraditriadasdiversasestratgiascomerciaispresentesno centro da metrpole de So Paulo, aquelas que so criadas devido escassez dotempoquantitativoeaquelasquesocriadorasde novoshbitosde consumo,sendoconcludacomoseguintettulo:Otempoeoespaoda alimentao no centro da metrpole paulista. Osresultadosdas pesquisasrealizadasanteriormente,juntamentecom estatesedelivredocncia,refletemasinquietaesabsorvidasduranteos Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 19percursos dos estudos que vimos desenvolvendo nos ltimos 14 anos junto ao NECC (Ncleo de Estudos sobre Comrcio e Consumo) e, mais recentemente, juntoaoLAET(LabotatriodeEstudosTerritoriais).Representam,portanto, um conhecimento adquirido em parceria com outros pesquisadores e alunos de graduao e ps-graduao. A disciplina Dinmicas socioespaciais no mundo da mercadoria, ministrada na Ps-Graduao, juntamente com as orientaes depesquisasquedesenvolvemosnosnveisdeinciaocientfica, especializao,mestradoedoutorado,tmpropiciadoumacontinuidadena anlisedasrelaesentreproduo,comrcio,consumoeseusmltiplos papis no processo de produo do espao urbano. Arealizaodeumapesquisarecente,emnveldeps-doutoramento, juntoUniversidadedeLisboa,permitiu-nosumareaproximaocomos GegrafosdoObservatriodoComrcio,oquereacendeuaideiaea necessidade de uma pesquisa nesta linha da geografia brasileira, que pudesse levantar o arcabouo terico construdoe apontar as possibilidades de novas pesquisas sobre o tema. Contudo,oestudoqueaquiapresentamosultrapassaoconhecimento acumulado,poisapresentaumanovatese,apoiadanaadoodoconsumo comocategoriadeanlisegeogrfica. Baseia-se,portanto,nahiptesede que o estudo aprofundado do consumo pode representar para a geografia urbanaumanovapossibilidadedeabordaradinmicadaproduodo espao urbano na atualidade.Esta hiptese est centrada no reconhecimento do espao como produto econdiodasrelaessociaisdeproduo,portanto,construdo historicamente.possvelobservarque,nestaconcepodeespao,as relaes de consumo esto sendo consideradas, haja vista que esto inseridas nas relaes sociais de produo. O que objetivamos nesta tese voltar nosso foco,deformamaisdireta,paraasrelaesdeconsumo,sem,noentanto, deixar de considerar a totalidade destas relaes.Quandofocamosdeformamaisdiretaasrelaesdeconsumo, defendemosummododepensarquenoslevacompreensodeque oespaourbanoest,cadavezmais,atreladogeneralizaodamercadoria. Este olhar encerra novos significadospara os estudos dos diferentes lugares, porque durante muitos anos a geografia urbana centrou seus estudos na fase Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 20daproduo,naqualalgicaindustrialditava,muitasvezes,asdinmicas espaciais.Omundomudou,osetortercirioseampliaednovosnexosao sistemaprodutivoglobale,dessemodo,apesardaproduofabrilcontinuar sendo muito importante no sistema produtivo geral e na abordagem espacial, apenasummomentodoprocesso,poisaconcretizaodamercadoriasse viabiliza por meio do consumo. por meio dele que ocorre a concretizao do cicloe,assim,arealizaodamercadoria.Sobestepontodevista, observamosque aproduodoespaocontemplatodasasfases,desdea produo, circulao e consumo de mercadorias. Seacidademodernagiravaemtornodafbricaeaindstria comandavaasuaorganizaosocial,culturae arquitectura,a cidadeps-modernaacimadetudoumcentrodeconsumo, jogoeentretenimento,organizadaemtornodosespaos comerciaisedasimulao,doslugaresdahiper-realidadee dosterritriosdacontemplao.Empenhadaempromoveroespectculo,qualquercoisapormaisbanalqueseja suceptveldeserrepresentada,tematizada,transformadaem objecto de interesse e experincia esttica. Todavia, apesar de suaespectacularidadeesimbolismo,osespaosdeconsumo que do vida cidade, enquanto realidade material, funcionam apenascomoumapr-condiodasuaexistncia.So necessrios, porque fornecem o palco, os cenrios e os textos paraasrepresentaesquealimentamasexperinciasde consumo,masdeformaalgumasosuficientes,porqueno planosimblicoeemdilogocomoconsumactorqueo espetculo, as representaes e as narrativas so construdas. (CACHINHO, 2006, p. 48)Nomundoatual,oconsumoque apresentaamaiorpressona produo e reproduo do espao urbano. Vive-se uma era em que todas as esferasdavidasocialeindividualseencontram,deumaformaoudeoutra, reorganizadassegundoosprincpiosdaordemconsumista.(LIPOVETSKY, 2007, p. 109)Se avaliarmos, por exemplo, as diferentes formas de produo limpa (o como produzir), os locais mais indicados para a produo (o onde produzir), os produtos ecologicamente corretos (o que produzir), observaremos que tudo isto passveldeseralcanadopormeiodeinvestimento,deincentivo,de conhecimento,delegislaoedetcnica,masnoadiantamodificarapenas estasetapasdaproduodemercadoriassenotransformarmosos Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 21consumidores. Desse modo, podemos dizer que pela anlise das relaes de consumoque conseguiremosconstruir oentendimentodadimensosocialda questo ambiental.Assim, o objetivo central desta pesquisa compreender, por meio de um olhar geogrfico, o papel do consumo na vida urbana e os principais impactos socioespaciaisdesuadinmica.Esteolhargeogrficoenriquecidoporum aportemultidisciplinar,poisnecessitamosdecontedos,enfoquese perspectivasdeanlises,trazidasporoutrasreasdoconhecimento,para construir, de fato, uma reflexo mais abrangente do fenmeno do consumo, notempo e no espao.As ideias aqui colocadas revelam a construo de um pensamento que estcentradoemumareflexosobreavidacotidianae,tambm,na identificaodosnveisdehomogeneizaoedeespecificidadedasrelaes deconsumo,naatualidade.Nestepercurso,aolongodopensamentogeogrficodoconsumo,algumasquestescentraisemergiram.Paraprocurar respond-las,organizamosumtextoemtrsgrandescaptulos,conformea estrutura que segue.Noprimeirocaptulo abordaremosasquestes:Comosedesenvolve noespaoaconvivnciadesigualecombinadadeformascomerciais originadasemvrioslugareseperodos?Comoentenderaproduodo espao urbano no contexto da generalizao da mercadoria? Qual o papel do consumonavidaurbanaenocotidiano?Quemudanasnomundodo consumo podem representar as condies para que o global se realize no lugar (espao vivido)? Paraosegundocaptuloseparamosasseguintesindagaes: possvelentenderapaisagemurbanacomomaterialidadedasrelaesde consumo?Quaissoasprincipaisformaseestratgiascomerciaisede consumoquehojesedesenvolvememSoPaulo,Lisboa,SeuleDubai,e quais as suas dinmicas gerais e especifcas? Noterceirocaptuloprocuramosdesvendarasseguintesquestes: Comoabordarametrpole(emsuadinmicaecomplexidade)comoum espao-sedutor?Seexisteumafelicidadeparadoxalnomundodoconsumo, como seria a geografia desta felicidade? Como analisar o consumo segundo as finalidades,gostosecritriosindividuais?Comoforamsurgindonovas Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 22aspiraesenovoscomportamentosdeconsumo?Comoavaliaraquesto ambiental, tendo como foco o consumo? Quais os riscos do consumismo para a qualidade de vida das futuras geraes? Parapoderconstruirumareflexoqueconfronteasinformaes coletadaseasbasesterico-metodolgicas sobreocomrcioeconsumonas cidades,apresentaremosaseguiromtododeanlisequedsustentaoa todos os procedimentos e percursos desta pesquisa.Mtodo de anlise e procedimentos tcnicos da pesquisaOmtododeanliseescolhidofoiomaterialismohistricodialtico,porqueacreditamosqueomesmonospermiteenxergarascontradiesque vosedesenvolvendonoprocessodeproduocapitalistaeque,muitas vezes, esto escondidas por trs de toda a coerncia que se revela no mundo visvel e imediato.O referido mtodo, baseado na historicidade, permitir enfocar a histria dasrelaesdeconsumonotempoenoespaoe a imbricao doglobalno local, durante o processo de crescimento e consolidao das diferentes formas comerciais. Articular dialeticamente as relaes sociais de produo e consumo e a reproduodoespaosignificaconstruirumaanliseintegradadoproblema. Nestecaminhoterico-metodolgico, somoslevadosaretirarosvusque revestemomundodamercadoriadecoernciaedediscurso,temosque enxergar dentro dessa ditadura da aparncia as possibilidades de rompimento, pelasvivncias,experinciaseprticasurbanas.Oucomonosadverte Lefbvre (1991):A restituio do contexto social restabelece assim o movimento dialtico.Seexaminosomenteaformadatroca,dovalorde troca,damercadoria,destacosualgica,suaspossibilidades deextensosemlimites,sualinguagemeseumundo.Esse procedimento rigoroso em aparncia implica erro e at mesmo representao que se pode dizer falsificada. Somente a anlise dialtica,quelevaemconsideraotantootrabalhosocial quantoocontextonoqualseinsereaforma,somenteessa anliseatingeoconcreto,ouseja,omovimentoeosconflitos que ele envolve e desenvolve. (LEFBVRE, 1991, p. 139)Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 23Nestaperspectivaanaltica,buscaremosorespaldoterico-metodolgicojconsolidadodaGeografiaUrbanaque,emsuafasemais recente,construiuseuarcabouoembasando-se,emgrandeparte,neste mtodo. Apartir destemtodoe doconhecimentoacumulado,somoslevadosa considerar o espao urbano como produto e condio das relaes sociais de produoe,nessesentido,far-se-aanlisetendoespecialatenoaos fatores ligados s desigualdades socioeconmicas e espaciais, assim como s particularidadesdosatoreslocaisedocontextoregionaldeimplantao, sempre considerando a presso do global nos lugares.ParaSantos(1985),ahistriasempreimportanteparaaGeografia, para se conhecer o objeto em sua temporalidade:O movimento dialtico entre forma e contedo, a que o espao, somadosdois,preside,,igualmente,omovimentodialtico dotodosocial,apreendidonarealidadegeogrfica.Cada localizao,pois,ummomentodoimensomovimentodo mundo, apreendido em um ponto geogrfico, um lugar. Por isso mesmo,cadalugarestsempremudandodesignificao, graasaomovimentosocial:acadainstanteasfraesda sociedadequelhecabemnosoasmesmas.(SANTOS, 1985, p. 2). Comoembasamentodestemtodo,levaremosemcontaas experinciasobservadaspeloNECC(UNESP/Brasil)epeloObservatriodo Comrcio(UL/Portugal),noquetangeassociaodocomrcioedo consumoaoterritrio.Estudosrealizadosporestespesquisadores demonstraramque,mesmohavendoalgunssinaisdeumacerta espacializao, a atividade comercial continua a ser extremamente importante na definio dos lugares e dos espaos, estruturando ou acompanhando o seu futuro.Poroutrolado,oterritrioatrelado adiversasescalas(ametrpole,a cidade,obairro,aperiferia,ocentro,arua)marcafortementeaatividade comercial,constituindoumimportanteelementonaleituradascaractersticas do tecido comercial e na compreenso das suas dinmicas. H ainda uma outra realidade escalar que precisa ser considerada, pois opapeldoespao,quevemsendoabordadosobdiferentesvises,ouseja, enquantoproduto,condio,meio,suporte,contextoeelementode diferenciao,faz-seemdoisnveis:1)noplanoglobal,ditandograndes Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 24princpiosquenorteiamaorganizaoespacialdocomrcio,provocandoem grande nvel a homogeneizao dos sistemas comerciais nas cidades de todo omundo;2)noplanolocal,orientandoasespecificidadespropiciadaspela atuao dos agentes locais. Areferidaanlise,baseadanomaterialismohistricodialtico,buscar construir uma crtica diante do objeto de estudo. Neste sentido, para atingir os objetivosdapesquisaograndedesafiocompreenderarealidadeesua diversidade,reconhecendoosatoressociaisemseucotidianoeprocurando traar as tendncias para o problema investigado. Duranteodesenvolvimentodestapesquisa,asidentificaesdas particularidadesdosatoressociais,representadospelosconsumidores,foram levantadaspormeiodapesquisaparticipante,pois,segundoLemos (1986/1987):Quando se compartilha o cotidiano da realidade social, quando o pesquisador convive com pessoas reais, com suas culturas e seusgrupossociais,apesquisaparticipanteestsendo realizada.Apartirdestemomentoopesquisadorparticipada histriadoobjetodapesquisa.Nomaissepodedividir, separar, a teoria da prtica. (LEMOS, 1986/1987, p. 286-287)A espetacularizao do mundo da mercadoria, a diversidade das formas comerciais, as diferentes normatizaes de uso dessas formas, as leituras das estratgias,doscdigos,dasrepresentaes,doscomportamentos,nos levaramacriarosprocedimentosdapesquisa,amplamentevinculados observao.Dessemodo,nossoolharestevesemprecentradonabusca contnuadecompreenderocomrcioemseumovimentoeoconsumidor enquantoespectadoreator,ouseja, consumactor,conformenosorientou CACHINHO (2006)(...)osconsumidoressetornaram,simultaneamente, espectadoreseactores.Conjugandoafacetadeflneur,de viajantecontemplativo,comadepersona implicadana representao e nas experincias de consumo, transformaram-senafiguradeconsumactores.Parasepodercaptaresta multidimensionalidadedoconsumidorps-moderno,sugere-se o abandono da tradicional segmentao em mltiplos nichos de mercado e que passemos a ver o indivduo de forma integrada, respeitandoasuacomplexa estruturabio-psico-social, que faz dele uma pessoa. (p. 33)Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 25Durante as vrias jornadas de trabalho de campo, no Brasil e no exterior, procuramos,numprimeiromomento,nosdistanciardoobjetoe,pormeioda observaosistemtica,ircaptandoestamultidimensionalidadedo consumidor. De fato, observvel seu momento contemplativo, entretanto, os olharesvosecontagiandoeasmercadoriasfalam,chamam,apelam.As estratgias comerciais, por sua vez, auxiliam neste processo, com o apoio das promoes,dasfacilidadesnopagamento,dacor,damoda,davibrao.E, no demora muito, chega o momento do frenesi, da experincia do consumo. Estas demonstraes se manifestam no comportamento do consumidor esedoemquestodesegundos,mastambmhcasosdeconsumidores quesemantmemestgiosdiferentes,deespectadoredeator.Oquese observa que fica muito difcil tentar separar o que h de individual, de tribal, decoletivooudemassa,nessesmomentosenessescomportamentosdos consumidores. No decorrer desta pesquisa, vamos detalhar estas observaes para refletir sobre a complexa estrutura presente nas relaes de consumo.Num segundomomento, durante os trabalhos de campo,aproximamo-nos do objeto, entramos no mundo do consumo, como atores, ou seja, de igual paraigual,deixamo-nospressionarpelarepresentaodamercadoria, emergimos tanto na contemplao como na experincia do consumo. Cabe ressaltar que esses trabalhos de campo, realizados em So Paulo, Lisboa,SeuleDubai,foramrealizadosdeformatantosistemticacomo participativa, e consistiram em observaes detalhadas das formas comerciais emseuconjunto,nomovimentodourbanoeemseucontextosocioespacial. No se trata, portanto, de uma pesquisa vertical exaustiva e aprofundada sobre ocomrcioeconsumoemcadalocalidade,massimdodesenvolvimentode curtasexpediesdepesquisasexploratrias,poisoquesebuscavaerao reconhecimentodadiversidadedeexperinciasdeconsumoetambma identificaodosnveisdepressoqueasrelaesdeconsumolocaise globaisexercemnasdinmicassocioespaciaisdecadaumadascidades observadas.Apsestesmomentos,novaseconsecutivasquestessurgiam,efoi assim que nasceu a necessidade de indagar os consumidores, de formamais direta,paraquepudssemoscompreenderosignificadodasrelaesde consumo para diferentes pessoas. Foi realizado, ento, um novo procedimento Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 26depesquisa,queconsistiunaaplicaodequestionrios.(Anexo1)Foram inqueridos256consumidores,mas,emnenhummomento,asrespostas obtidaspormeiodosquestionriosaplicadosforamtomadascomoverdades absolutas. Elas tiveram, sim, uma inquestionvel importncia, mas sempre foi levado em conta o peso do discurso dos consumidores. A referida pesquisa e seus resultados estaro sendo descritos e interpretados no captulo 3.Emoutraspesquisasdestanatureza,observou-sequeoconsumidor, muitasvezes,omiteseussentimentos,numatentativadesefortalecer,ou melhor,desemostrarforte.Assumirafragilidadeereconhecer-secomo consumista uma dificuldade inerente a qualquer cidado, e esta tem sido uma questo amplamente discutida entre os pesquisadores que trabalham com esta temtica. Existe uma tentativa de mascarar as reais sensaes, sentimentos e aes, e so nestes pressupostos que residem as principais dificuldades das pesquisas diretas com os consumidores. Quando se tem em mente uma anlise aprofundada do tema, o filtro do discursodoconsumidorprimordiale,nessesentido,atomomentoeste um dos maiores problemas apontados pelos pesquisadores do assunto. Sendo assim,omaiordesafioconstruirmetodologiaseinstrumentosdepesquisa, voltadosaoconsumidor,queretratemarealidadedomodomaisprximo possvel. Dessemodo,asanlisesdasrespostasdosconsumidoresouvidos subsidiaramnossasinterpretaes,contribuindoparaavaliaronvelde complexidadesocioespacialenvolvidanotemadapesquisa,chamandoa ateno tanto para a necessidade de relativizar os resultados e as concluses quantoparaaimportnciadeserealizarem,deformacontnua,pesquisas desta natureza,paraquepossamosconfrontarosdiferentesdadose informaes.Esperamos poder demonstrar, no desenvolvimento desta pesquisa e na exposiodenossasideias,aimportnciadoconsumocomocategoriade anlisegeogrfica,poisdestaimbricaogeografiaeconsumonasceo apontamento de um outro caminho de compreenso do espao urbano. UNESP/IGCE/RIO CLAROSilvia Aparecida Guarnieri OrtigozaGEOGRAFIA E CONSUMO: DINMICAS SOCIAIS E A PRODUO DO ESPAO URBANOCaptulo IDo Global ao Local: o papel do consumo na vida urbanaGeografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 28Captulo I: Do Global ao Local: o papel do consumo na vida urbanaTodasasinibies,todasasbarreirasarcaicasforam eliminadas;nadarestaparaalmdalegitimidade consumista,dasincitaesaosprazeresimediatos,dos hinosfelicidadeeconservaodoprprioindivduo. Conclui-se o primeiro grande ciclo da racionalizao e de modernizao do consumo: nada resta a abolir, o pblico estjformado,educado,adaptadoaoconsumo ilimitado.Aeradohiperconsumocomeaquandoas antigasresistnciasculturaiscaem,quandoasculturas locais deixam de constituir limites ao gosto pela novidade. (LIPOVETSKY, 2007, p. 111)Neste captulo,abordaremosaproduodolugarcomosntesedas dinmicaslocaleglobal,procurandoressaltaropapeldoconsumonavida urbana, edessemodoalgumasquestesnortearonossa reflexo.Soelas: Comosedesenvolvenoespaoaconvivnciadesigualecombinadade formas comerciais originadas em vrios lugares e perodos? Como entender a produo do espao urbano no contexto da generalizao da mercadoria? Qual opapeldoconsumonavidaurbanaenocotidiano?Quemudanasno mundo do consumo podem oferecer as condies para que o global se realize nolugar(espaovivido)?Seexisteumafelicidadeparadoxalnomundodo consumo, como seria a geografia desta felicidade? Iniciamosnossasreflexesressaltandoduas caractersticasessenciais do varejo: a criatividade e a velocidade nas mudanas. Para compreend-las e entender os diversos apelos de consumo, importante discutirmos o processo maisgeraldaproduo,que,emsentidomaisamplo,acabaenvolvendo tambm a materializao das mudanas comerciais no espao urbano. Aintensificaodadivisoespacialdotrabalho,amundializaodo comrcio,oaprofundamentodastrocasdemercadoriaseaabstraodas fronteirasentreosEstados,entreoutros,soprocessosemconstituio,os quaisexerceminflunciadiretanasociedadeurbana,alterandoosfluxosde informaese,consequentemente,oshbitosdeconsumo.Nesteprocesso o espao urbano, pela presso da tcnica global, vai se tornando fluido e passa, gradualmente, a atender velocidade imposta pelas novas relaes sociais de Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 29produo.Essesfluxosdeinformaeseasfunesurbanas,cadavezmais centradas no tercirio, reproduzem o espao continuamente. Acompreensodessastransformaesespaciais,naescalaglobale local,passaasermaisumdesafioatribudoaosgegrafos,jqueas localizaestrazemjuntocomelascontedosdiferenciadosdoespao geogrfico. Como apresenta Chesnais (1996):No todo o planeta que interessa ao capital, mas somente partedele,mesmoquesuasoperaessejampoluidorasanvelmundial,noplanodaecologiacomoemoutros.Ligaro termomundializaoaoconceitodecapitalsignificadar-se contadeque,graasaoseufortalecimentoespolticasde liberalizaoqueganhoudepresenteem1979-1981ecuja imposiofoidepoiscontinuamenteampliada,ocapital recuperouapossibilidadedevoltaraescolher,emtotal liberdade,quaisospasesecamadassociaisquetm interesse para ele. (grifo nosso) (CHESNAIS, 1996, p.18)Noquetangeaoespaourbano,outrascontradiespodemser apontadas:Acidadetemumpapelnastransformaesdoprocessode produo; nos quadros da reproduo social a cidade se revela revelandooquadro da generalizao da troca,daconstituio domundodamercadoria,dainstauraodocotidiano,da concretizao,daordemlocal,daordemdistante,apontando nolugararealizaodasociedadeenquantosociedade urbana.Nestesentidoasociedadeatualcontempornea aparececomosociedadeurbanaemconstituio,oque significaqueaomesmotempoemquecaracterizauma realidadeconcreta,tambmsinalizaumatendncia,a possibilidadedesuarealizao.Nessaperspectivaourbano aparececomorealidademundial,ultrapassandoconceitos parciaiseimpeummtodoquepensaaprticaurbanaem sua totalidade, no plano mais amplo, aquele da reproduo das relaes sociais. (CARLOS, 2005, p. 16)Diantedessespressupostos,nestecaptuloprocuraremosabordarocontedo das articulaes entre espao e tempo, comrcio e consumo, com o objetivodecompreendercomosedareproduodasrelaessociaise, neste contexto, a materializao das formas globais de consumo no lugar. importante observar que o novo no consegue se impor sem um atrito, poisoquejexistemuitasvezesresiste,exigindoumatransformaodos lugares,demodosucessivo.Dessemodo,anovalgicadaproduoedo consumo aprofunda as contradies entre os diferentes lugares.Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 30Nasociedadeurbana,quetendeasegeneralizar,essascontradies apontam para uma enorme mudana nas formas urbanas e nos modos de vida. Os limites definidos entre os diversos espaos vo se tornando sutis, e h uma fortetendnciamundializaodasculturas,dosvaloresecomportamentos, principalmenteaquelesligadosaoconsumo.Aprpriamercadoriase generaliza,facilitandoastransformaes,asquaisoperamprofundas mudanas, tanto social como espacialmente, criando identidades que escapam ao local, ao nacional, apontando para o mundial como possibilidade.1.1. AS FORMAS DO COMRCIO E A GENERALIZAO DA MERCADORIA (...) no basta produzir este modo de vida de uma maneira material, preciso tambm produzi-lo , enquanto novo ritual e nova moral, enquanto ordem social (GRANOU, 1975, p. 57)No foi sem grande presso que a vida urbana mudou nos ltimos dois sculos.Oautomveleasnovastecnologias,desenvolvendonovosobjetos, marcaramprofundamenteocotidianodaspessoas,operaramextremas mudanasnoseuritmo,nasnoesdetempoedeespao.Mesmoquede forma sutil, estas mudanas foram se impondo e conduzindo a vida urbana. Nestapartedenossoestudo,vamosinvestigarasantigaseasnovas formasdecomrcio,procurandodemonstrarquetodaselasvo,aospoucos, sendoincorporadaspelaracionalidadecapitalistaque,comfortepresso,se faz sempre presente em todo o processo produtivo e vai conduzindo, sob sua lgica, a indstria, o comrcio e os servios. Noapenasaesferaindustrialquesemodernizamuito rapidamente:agrandedistribuiotambmsereestrutura, integrandono seufuncionamentoosmecanismosde racionalizaoaplicadosnosistemaprodutivofordiano: exploraodaseconomiasdeescala,mtodoscientficosde gestoedeorganizaodotrabalho,divisointensivadas tarefas,volumedevendaselevado,preotobaixoquanto possvel,reduzidamargemdelucroporunidade,rotao rpidadasmercadorias.Aexpressofbricadevenderdata dos anos 60 do sculo passado, revelando o alcance da lgica produtivistapresentenadistribuioemgrandeescala. Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 31(LIPOVETSKY, 2007, p. 29)precisoestaratentotransformaodoprocessoprodutivodeum modogeral,pois,aosereproduzirelemodificaasvelhaseinserenovas estratgias comerciais. Neste processo reprodutivo das estratgias comerciais, muito dos antigos modelos preservado. Desse modo, o que muitas vezes tem aparncia de antigo, est se modificando sem muita visibilidade. Dentrodessadinmica,paracompreenderamaterializao dasformascomerciaisnoespaourbanotemosque, necessariamente,analis-lasdentrodoprocessode reproduo como um todo. Em outras palavras, s atravs da anlisedaessnciadosprocessosquenotamosquea reproduonoonovototalmente,elaocontmmantendo algodovelho.Nocasodasformascomerciais,pode-sedizerquesuaessnciadadapelousoqueamediaoentre tempoeespao.Nessecaso,nosoasnovasformas comerciaisquetransformamavida;ousoque,dadopela vidacotidiana,donovosentidoforma,muitasvezes transformando-a. (ORTIGOZA, 2001, p. 3-4)As dinmicas internas da produo interferem diretamente na conduo dasrelaesdeconsumo,naatualidade,eobservandosuasgrandes mudanas observamos tambm sua interferncia na vida social como um todo. Desde que Pierre George (1965) publicou o livro Geografia do Consumo, at osdiasdehoje,muitacoisasetransformounasrelaesdeconsumo, ganhandomaiordiversidadeecomplexidade.Dessemodo,estetema desponta,atualmente,comodefundamentalimportnciaparaoentendimento das novas dinmicas socioespaciais urbanas. Entretanto, George (1965) j advertia:Acondiohumanase diversifica pela natureza evolumedos bensdeconsumoeprestaesdeserviosdosquaisos gruposhumanossebeneficiam.ociosooporpases subdesenvolvidosapasesdesenvolvidoscombaseemsuas capacidadeserealidadedeproduo.reduziradados tcnicosatitudesfrentevidaquesotantomaiscomplexas quantomaiselevadoonveldeproduo.Torna-se,portanto, necessrioorientaracuriosidadeparaasmodalidadesdo consumo,paraoconhecimentodesuasmotivaes.Quanto maisdiversificadoecomplexooconsumo,numgrupo determinado, mais ostensivamente se revelam os matizes entre classessociaisougruposgeogrficosdeconsumo(cidades, zonas rurais). (GEORGE, 1965, p. 7)Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 32TodosessesapontamentosdeGeorge(1965)foramganhando complexidadenodecorrerdotempo,comoaumentodadiversidadee renovao das mercadorias, e tambm com o aperfeioamento das estratgias dedistribuioedemarketing. Acitaoqueseguedemonstraestevasto processo de mudana.Osistemafordiano,assentenadifusodeprodutos estandardizados, deu lugar a uma economia da variedade e da reactividadeemque,nosaqualidade,mastambmo tempo,ainovaoearenovaodosprodutossetornaram critriosdecompetitividadedasempresas.Emsimultneo,a distribuio,omarketingeacomunicaoinventaramnovos utensliosdestinadosaconquistarmercados.Enquantose desenvolveumaabordagemmaisqualitativadomercado,em funo das necessidades e da satisfao do cliente, passamos de uma economia centrada na oferta a uma economia centrada naprocura.Polticademarca,,sistemasdefidelizao,progressorpidoda segmentaoeda comunicao:processa-seumarevoluo copernicianaquevemsubstituirainiciativaorientadaparao mercado e o consumidor. (LIPOVETSKY, 2007, p. 8) Nessesentido,ageneralizaodamercadoriaeocrescente desenvolvimentodatcnica,emtodasasesferasdoprocessoprodutivo, redefiniramomovimentodavidaecriaramoconsumocompulsivo,quenos diasdehojeparecenaturaleindispensvele,cadavezmais,regulaas necessidades sociais.Acidade,mesmosobdiferentesaesecontradies,tambm tornadamercadoria,entranocircuitodatrocaeacabasofrendograndes impactosdasrelaesdeconsumonaatualidade.Sobreesteprocesso, Snchez (2005) faz a seguinte leitura:A emergncia da cidade-mercadoria sinaliza um novo patamar noprocessodemercantilizaodoespao,produtodo desenvolvimentodomundodamercadoria,doprocessode globalizaoemsuadimensopoltico-econmicaeda realizaodocapitalismoemsuafaseatual.(...)Umespao prpriofaseatualdocapitalismovemsendoproduzido, especficodassociedadesurbanasdirigidasedominadaspor novasrelaesdeproduocapitalista,comaadaptao tcnicadoterritrio,arenovaodeinfra-estruturasde mobilidade edetelecomunicaeseaconstruode espaos eequipamentosseletivos,voltadosaosnegcios,aoturismo, aoconsumoehabitao.Acidade-mercadoriaexpandeas Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 33fronteirasdourbanonomundodamercadoria.(SNCHEZ, 2005, p. 412)Omundoatualomundodamercadoria.Asmercadoriasque permitem novos fluxos, encontros e desencontros no cotidiano e no espao. A trocapassaaserosentidoeofimdetudo,porqueovalordetrocapassaa subordinar a si todos os momentos da vida. Berman(1986)fazumaleituracrticadoimensopoderdomercadona vidainteriordo homemmodernoe,baseadoemMarx,colocaquetodosos valoresforamtransmudadosemvalordetroca,equefoiassimquea sociedade burguesa absorveu e transformou as velhas estruturas de valor. Asvelhasformasdehonraedignidadenomorrem;so, antes,incorporadasaomercado,ganhametiquetasdepreo, ganhamnovavida,enfim,comomercadorias.Comisso, qualquerespciedecondutahumanasetornapermissvelno instanteemquesemostraeconomicamentevivel,tornando-sevaliosa;tudo oquepagar bemterlivre curso.(BERMAN, 1986, p. 108)Assim,osantigosvaloresdeusodacidadedeixamdeexistir,eela prpriatorna-seobjetodeconsumo.Reconhecer,ento,aspossibilidadesdo rompimentodestastendnciashomogeneizadorasdomundodamercadoria um dos grandes desafios dos gegrafos.Nestadinmicadageneralizaodamercadoria,asociedadedo espetculovaiseestabelecendo.Novasestratgiascomerciaisvose cristalizando, de forma sistemtica, e acabam criando novos processos sociais.Ocomrcioesuasformasprecisam,ento,serbemidentificados,nolugareno tempo, para se conseguir entender a extenso destas mudanas.O comrcio retalhista constitui a pedra angular da economia de muitasreasurbanas.Desdeasfeirasmedievaisatos modernoscentroscomerciaisdofindardosculoXX,o comrcio temsido econtinuaaser uma das principais formas deusodaterradascidades.Podemapareceredesaparecer outrasfunes,masocomrcioosanguequealimentaa vida das cidades. Sem comrcio no h atraco para a vinda degrandenmerodepessoascidade,enoafluindo pessoas,asactividadesentramemdecadnciaeacabam,e nessascondies,ascidadestornam-seono lugar, ningumquerirparaleapermanecer.Acresceque ocomrcio,possivelmente,afunourbanamaispassvelde Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 34mudanas.Contacomessacapacidadedemudanacomo foraimpulsionadora,ao procuraroferecernovosprodutos,de formasdiferentes,emnovosambientes,aantigosenovos clientes. (PARKER, 1998, p. 51)Nestesentido,ocomrciodeveserentendidocomoumvalioso instrumento de desenvolvimento econmico local, j que, via de regra, tem sido nomeado pelos pesquisadores do assunto, PARKER e BARATA SALGUEIRO,entre outros, como a atividade econmica que responde pelo grande volume de emprego urbano.Ahistriadocomrcioseconfundecomahistriadascidades.Isto porque,osnovosformatosdelojas,traduzidosemmtodosinovadoresde atrairconsumidores,mudamadinmicadaslocalizaes.Emumestudo pioneironageografiabrasileira,Langenbuch(1974)desenvolveuumaanlise sobreosagrupamentossecundrios,extra-centrais,delojaseservios,na cidadedeSoPaulo.Eentreascontribuiesdesteestudoesta caracterizaogeraldopadroassumidopeladescentralizaodelojase serviosemSoPaulo,apontandoumafortetendnciadosempresrios brasileiros de se inspirarem, sobretudo, no modelo norte-americano. O mesmo estudo destaca ainda a tendncia do desenvolvimento dos shoppings centers ehipermercados no contexto dos equipamentos extra-centrais.Ao analisar a dinmica socioespacial integrada s formas comerciais, na cidade de So Paulo, o referido autor destaca:OSetorSudoesteomaisabastadodacidade,ase localizandoaquase totalidadedosbairroshabitadospela classeA,sendotambmexpressivaaparticipaodaclasse mdia alta. Conclui-se, pois, que as camadas socioeconmicas abastadas so as mais viveis como clientela de agrupamentos especializados e semi-especializados.Dispondoemmaior escaladeautomveis(edeumsegundocarronafamlia),os moradoreslocaiscertamentenovemtantavantagemcomo osdemaisemencontrartudonomesmolugar.Em compensao,paraaspessoasdenveleconmicomais elevado,oshopping comparativo torna-semaisimportante,j quefazemmaiorquestodevariedadeequalidade.Isso obviamentemuitomaisfavorecidonosagrupamentos especializados. (grifos do autor) (LANGENBUCH, 1974, p. 40)Ocomrcio,noque tangessuasestratgiaslocacionais,inovaas acessibilidades, cria e recria a centralidade, enfim, a gesto da cidade ganha, Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 35cada vez mais, importncia na manuteno e desenvolvimento dessa atividade econmica. A funo primordial para a tipificao do ato de comrcio o de colocardisposiodoconsumidorosbensproduzidospor outrem.Naauroradocomrcio,desdeaantiguidade,este processo se dava no mais pblico dos ambientes: as praas de mercado.Emvirtudedoelevadofluxodeindivduos porestes lugares, as praas tinham importncia no s econmica, mas tambm poltica e social. Ao redor das praas desenvolviam-se asruasdecomrcio,ondeseaglutinavamcomerciantesde acordocomoprodutovendido.Athojesepercebeeste fenmenonosgrandescentrosurbanos.NacidadedeSo Paulo, so emblemticos os exemplos das Ruas Santa Ifignia comseucomrciodeeletrnicose25deMarocomo comrcio de armarinhos, entre outros. (FRANA JUNIOR, s/d, p. 3) Aindahojepodemosobservarqueasruasdacidadesooscaminhosquepermitemoacessofcilaosbensdeconsumo.Asruasmais movimentadas e os locais de encontro so aqueles dos centros comerciais, e a prpria sociabilidade mediada pelas relaes de consumo. DofinaldosculoXXaesteinciodosculoXXI,observa-sequeos temascomrcioeconsumo,pormuitotempoconsideradostemasperifricos, voltaramaganhardestaquenaspesquisasemcinciasocial,eatualmente vm ganhando um novo sentido. Embora haja muito ainda a se pesquisar, no podemosdeixardereconhecerquemuitosestudosforamdesenvolvidosnos ltimos anos, os quais tm contribudo para valorizao e aprofundamento das reflexes.Ointeressepelostemascomrcioeconsumorenascepelasprprias indagaes criadas pelo processo de generalizao da mercadoria, o qual leva indstria e ao comrcio a supervalorizao do valor de troca. Este processo provocarelaesdeconsumocadavezmaisaperfeioadas,desagregandoa prpria espontaneidade dos grupos sociais. Aconcretizaodasociedadedeconsumoseddeformagraduale, segundo Lipovetsky (2007), ela pode ser dividida em trs grandes fases:FaseIqueassisteconstituio,nolugardospequenos mercadoslocais,dosgrandesmercadosnacionaistornados possveispelasinfra-estruturasmodernasdetransporteede Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 36comunicao:caminhos-de-ferro,telgrafo,telefone. Aumentandoaregularidade,ovolumeearapidezdos transportesqueservemasfbricaseascidades,asredes ferrovirias,em particular,permitirama expansodocomrcio emgrandeescala,oescoamentoregulardeenormes quantidadesdeprodutos,agestodosfluxosdeprodutosde umestdio deproduoaooutro.Esta fasecoincidiutambm comoaperfeioamentodemquinasdefabricocontnuoque, aumentandoarapidezeaquantidade dosfluxos,permitiram elevaraprodutividadecomcustosmaisreduzidos,abrindo caminho produo em massa.(LIPOVETSKY, 2007, p. 23-25)(...)apassagemdafaseIfaseIInopodeserencarada como uma ruptura, mas como um prolongamento, uma vez queambososestdiosaplicamosprincpiosdaorganizao industrialfordiana.JafaseIIIcompletamentedistinta,no sentidoemquefazentraraproduo,adistribuioeos serviosnaeradasopesediferenciaes sobremultiplicadas. (LIPOVETSKY, 2007, p. 69)Neste conjunto de contribuies sobre o tema comrcio e consumo, dois estudosrecentes,umrealizadoporVargas(2001)eumorganizadopor CarrerasePacheco(2009),merecemdestaque.Oprimeiroanalisaoespao tercirionoquetangeaodesenvolvimentoeconmicoesocial,asprincipais teoriaslocacionais,culminandonainterpretaodaarquiteturadosespaos comerciais; o segundo apresenta uma importante contribuio sobre o papel da ruacomercialnosestudosdacidadeedocomrcio,numaperspectiva internacional.No captulo I de seu livro, Vargas (2001) faz uma discusso em torno do queelachamadeIdiassobreocomrcio,enestaperspectivaprocura desvendar a troca como atividade comercial, colocando que: Ocartersocialdaatividadedetrocaestnelaimplcito,pois paraatrocaserealizarexisteanecessidadedoencontro: encontrodepessoascombenseserviosparaserem trocados.Oatodatrocapressupeaconversaparaqueo negcio seja efetivado. No entanto, a troca s se realiza porque existeanecessidadeou o desejopelobem,levando, assim, busca de uma real satisfao quando a troca se conclui. Alis, umaboanegociaoaquelaemqueambososenvolvidos (vendedorecomprador)saemsatisfeitos.(VARGAS,2001,p. 19)Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 37Aseguir,areferidaautoratratadocomrciocomoatividadenada nobre,muitodoce....Nestapartedeseulivro,Vargasfazumaricasntese sobre a histria da civilizao e o papel das trocas, bem como ressalta o papel docomrcioesuarepresentaonasdiferentesculturasefaseshistricas. Apsanalisar,entreoutras,asideiasdeAristtelesePlato,ideiasda antiguidade, da idade mdia, da era Crist, da Renascena, chega o momento da autora apontar a transformao no modo de pensar:Vaiocorrer,ento, umasurpreendente transformaodacena ideolgica e moral e de modo inesperado. Os responsveis por essadissoluodosvalorestradicionais,noentanto,noo fizeramcomoobjetivodeproporumnovocdigomoralque respondesseaosanseios deumanovaclasse:osburgueses. O impulso aquisitivo e as atividades ligadas a ele, tais como as comerciais, bancrias e eventualmente industriais, vieram a ser universalmente aclamadas. (VARGAS, 2001, p. 29-30)Entretanto,aindasegundoVargas(2001), apartirdosculoXVIIIo comrcio volta a perder, gradativamente, sua posio hegemnica, voltando a assumirumaposiosecundriaemrelaoindstria.Apartirdesta considerao,areferidaautoratrabalhaocomrciocomoconceitode atividadeeconmicaimprodutiva,justificandoestaconcepohistricapela suaprprianatureza,queapresenta umaltograudeefemeridadee ausncia decorporeidade,encerrando-senomomentodoatodatroca,nose materializando posteriormente atravs de nenhum produto. Com base em Kon (1992), Vargas (2001) coloca que Marx introduz uma nova abordagem sobre o comrcio, pois, segundo ele, produo, distribuio e consumo fazem parte de um processo nico, com a finalidade de produzir mercadorias. A referida autora concluiestareflexoressaltandoque,atualmente,amudananoperfildo desenvolvimento capitalista aponta e refora o carter produtivo das atividades ditas tercirias, enquanto criadoras de riqueza.Nestemesmolivro,Vargas(2001)abordaasrelaesentremudana econmicaelocalizao,trabalhandocomdiversasteoriaslocacionais, chegando inclusive a apontar os fatores (trabalho, capital, demanda, transporte, fluxos,organizaoempresarial,poltica,contextosociocultural,tecnologiae espaofsico) queinterferemnaescolhadalocalizao.Nestapartedeseu estudo,aautoralevantaumaquestoquenosparecemuitopertinente,ou Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 38seja,aaodonegociante(negciovarejista)eaaodocapitalimobilirio (negcio imobilirio).Enquantooprimeirotentaescolheramelhorlocalizaoa partir da situao existente ou o melhor uso numa determinada localizao para viabilizar o negcio no que j atua ou pretende atuar,osegundocriaassuasoportunidadescomgeraode localizaes. (VARGAS, 2001, p. 87)Dada seriedade e completude dos dados apresentados na pesquisa de Vargas (2001), a qual contribuiu para nosso embasamento, podemos avanar e trabalhar focando os marcos de mudanas, resgatando, sobretudo, neste e em outrosestudos,oquenosinteressanestemomento,ouseja,enxergar materialmentenoespaourbanoasprincipaismudanasnasrelaesde consumo, procurando fazer uma leitura geogrfica desta realidade.NolivroorganizadoporCarrerasePacheco(2009), aprofundadas reflexestericas, assentadasemestudosdecasosconcretos,discorremsobreopapeldaruanosestudosdocomrcio,citando exemplosdaEuropa, Rio de Janeiro, So Paulo, Vitria, Madrid, Torino, Sarajevo e cidades mdias da Catalunha. Conforme pode ser observado na apresentao do referido livro: trata-sedeummaterialexpressivoediversificado,inditoem termosdanaturezadoconjuntoreunido,cujaleitura proporciona novos enfoques e questionamentos no contexto da geografiadocomrcio,queacadadiasomadimensoeconmicaadimensocultural,atporqueambaslheso intrnsecas,semnuncadeixardeserurbana.(CARRERASe PACHECO, 2009, p. 6) Esta nossa anlise das formas do comrcio, no lugar e no tempo, tendo comopanodefundoageneralizaodamercadoria, inicia-secomum levantamentodosestudosrealizadossobreotema,elaborandouma retrospectiva das estratgias comerciais que foram sendo implantadas.Embora a escala global de desenvolvimento econmico e comercial seja agrandebasedenossaanlise,oestudofocarprioritariamente, neste primeirocaptulo, asrelaesdecomrcioeconsumonoBrasil.Noresgate dosdiversosestudosqueserocitados,deveroserconsideradasas contradieseaspossibilidades.Nestafasedenossapesquisa,nos propusemosafazerumaanlisedasdiferenasencontradasnourbanoeno Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 39cotidiano,nasnovasemodernasformasdecomrcio,assimcomodas possibilidades do rompimento do homogneo, do normatizado. Nessa reflexo procuraremos apontar as mudanas e persistncias nos hbitos de consumo.NoBrasil,pelasuahistriarecente,astransformaesnoprocessode desenvolvimentocomercialenasrelaesdeconsumoapresentaramuma maiorvelocidadenasmudanase,consequentemente,ummaiorimpactono espao urbano, se comparado aos pases europeus.Nopodemosnosesquecerdeconsiderarqueocomrcionopode evoluir isoladamente, nem aomodificar-se o faz sozinho, pelo contrrio, ao se transformarocomrcioarrasta,noseumovimento,asdemaisetapasda produo e o prprio urbano. Onovo,dealgunsanosparac,queasconseqnciasda industrializao,numasociedadedominadapelasrelaesde produoedepropriedadecapitalista(umpoucomodificada, masconservadaemsuaessncia),seaproximamdeseu termo:uma cotidianidade programadanumambienteurbanoadaptado para esse fim. A cidade tradicional explode, enquanto aurbanizaoseestende,oquepermitehojesemelhante empresa.Acibernetizaodasociedadecorreoriscode produzir-seporestecaminho:organizaodoterritrio, instituiodevastosdispositivoseficazes,reconstituiode uma vida urbana de acordo com um modelo adequado (centros dedeciso,circulaoeinformaoaserviodopoder). (LEFBVRE, 1991, p. 73)Assim,emboraenfoquemosnestapesquisaocomrcioeoconsumo dentrodadinmicaurbana,emmomentoalgumdesconsideramosaevoluo globaldoprocessoprodutivo.Entretanto,pormeiodaanlisegeogrfica,no necessitamosestabelecerumenfoqueevolutivorgido dahistria,apenas realaremos algunsmarcosdasociedadedeconsumo, queacabarampor definir caractersticas novas e prprias do processo em questo, pois estamos cientes de que essas caractersticas integram o movimento do todo, portanto, tm repercusso maior e mais abrangente.Aproduodemercadoriasoprincipalpilarnodesenvolvimentoda sociedade capitalista, j que so elas que permitem a materializao do valor, e, portanto, do o sentido e as condies para a reproduo social. Karl Marx trabalhoumuitobemestasquestes,mas,atualmente,asrelaesentre comrcio e consumo ganham maior complexidade e precisam de uma releitura, Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 40poisasformascomerciaisatreladasaosconsecutivosapelosdoconsumo criamnecessidadesqueraramentealcanamonveldesatisfao.Cria-se, dentrodalgicadocapital,umcrculovicioso(tambmvirtuoso)que,regido peloconsumoconsecutivoecompulsivo,geramaiorescondiesde acumulaoaoscapitalistas.Essaacumulaoseampliavialucrosadvindos da realizao do frentico mundo da mercadoria.Dopontodevistasocial,esteprocessofoimuitobeminvestigadopor diversosautorescomoTouraine(1994),Baudrillard(1991),Debord(1997), Lipovetsky (2007), Lefbvre (1991), entre tantos outros.Estasociedadedeconsumosofreu,porpartedestesautores,vrias denominaes, baseadas em percursos tericos que levaram em conta vrios elementos presentes nas relaes de consumo, tais como a espetacularizao domundodasmercadoriasedoslugaresdeconsumo;osistemadeobjetos manipulandoareproduosocial;oscontedosdosdiscursosedos significados e as intencionalidades produzidas; as formas de homogeneizao doscostumesedosgostos;aproduodoconsumidormundializado,ea concretizao de uma sociedade burocrtica de consumo dirigido.Areferidasociedadenoseconcretizoudeformasbita,porisso preciso avaliar as modificaes ocorridas ao longo do tempo. Para os autores citados acima, o sculo XX foi o responsvel pelas grandes transformaes no mododevidaurbano,asquaisforamgradualmentealterandoasrelaesno seio da famlia, na casa e, portanto, refletindo diretamente nos comportamentos de compra.1.1.1. As lojas e suas formasA loja e sua forma retratam o desenvolvimento da atividade comercial no tempo e no espao, respeitando as novas formas de produo. Vargas (2001) fazumextensolevantamento,procurandocompreenderalgicadosespaos tercirios,principalmenteaquelesligadosaocomrcio,denominando-osde arquiteturadenegcios11Para saber mais sobre Arquitetura de Negcios ler: VARGAS, H. Espao Tercirio O lugar, a arquitetura e a imagem do comrcio. So Paulo: Editora SENAC, 2001..Nestepercursodaorigemedahistriadecada forma,aautoraabreadiscussosobreoconceitoeevoluodeespao Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 41pblico e semipblico, e para tanto discute o bazar, os mercados peridicos, as feiras,osmercadoscobertos, entreoutros.Nestecontexto,colocatambma entrada em cena, a partir do sculo XVIII, das galerias ou arcadas comerciais, dosgrandesmagazines,daslojasdedepartamentoeseusdesdobramentos, do super e hipermercado, dos centros planejados e dos shoppings centers.Astcnicasdevendavomudaralocalizaoeosformatos desses locais de troca tambm, mas a base de todos eles ser aquelemdulomnimo,individual,conhecidocomoloja,que aevoluodaspequenastendas,barracasoubancasque adquiremacondiodeserpermanente,masqueaindahoje coexistem. (VARGAS, 2001, p. 97)Lipovetsky(2007),aoanalisarosgrandesarmazns,colocaqueo comrcio de massa impulsionado por esta forma comercial, pois foi capaz, j nofinaldosculoXIX,deaplicarnovaspolticasdevendaagressivase sedutoras. Assim, o grande armazm constitui a primeira revoluo comercial moderna, inaugurando a era da distribuio em massa. (p. 26-27)CombaseemLipovetsky(2007),podemosdizerqueasgrandes mudanas provocadas pelos grandes armazns e lojas de departamento foram: 1) a rotao rpida dos stocks e uma prtica de preos baixos com vista a um volumedenegcioselevado,baseadonavendaemgrandeescala;2) diversificaodosprodutospropostosaosclientes,transformandoosbens outrorareservadoseliteemartigosdeconsumodemassa,destinados burguesia;3)criaodeumnovoformatoquereformulouosmtodosde venda, organizao e disposio dos produtos 4) transformao dos lugares de venda em palcios de sonho.Estaltimamudana nosinteressamais,poisvemdemonstrara transformao no ambiente do consumo, j com os armazns que passam a incorporar um estilo monumental em sua forma. Estilomonumentaldosarmazns,decoraesluxuosas, cpulas resplandecentes, montras de luz e cor, tudo pensado paradeslumbraravista,metamorfosearalojaemfesta permanente,maravilharocliente,criarumclimacompulsivoe sensual propcio compra. O grande armazm no se limita a venderprodutos;empenha-seemestimularanecessidadedeconsumir,emexcitarogostopelanovidadeeamodaatravs deestratgiasdeseduoqueprefiguramastcnicasde marketing modernas. (LIPOVETSKY, 2007, p. 27)Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 42Comestadescriodonovoambientedeconsumo,criadopelos grandes armazns, Lipovetsky (2007) nos transmite a ideia de que, j no final da fase I da sociedade de consumo, criou-se uma forma de ocupar o tempo via consumoetambmcriarumestilodevidaparaaclassemdia.Assim,foijnesta primeira fase que se inventou o consumo-seduo, o consumo-distrao de que somos fiis herdeiros. (p. 28)NoinciodosculoXX,todosostiposdeestabelecimentoscomerciais sochamadosamudardevido,principalmente,produoemmassa, maiorfluideznoprocessodedistribuioestcnicasdeconservaodas mercadorias.Marcadaporumenormecrescimentoeconmico,peloaumentoda produtividadenotrabalho,amplamentereguladapelaeconomiafordiana, nascia a denominada sociedade da abundncia, a partir da qual se construiu, ao longo de trs dcadas do perodo ps-guerra, a sociedade do consumo de massa.Nestafasesurgiramalgunsprodutosemblemticos,como:o automvel, a televiso e os aparelhos eletroeletrnicos. Alm disso, nasceram novasnecessidades:lazer,friasemoda.Outropontofundamentalfoia difuso do crdito.A sociedade de consumo de massa pde apenas desenvolver-semedianteumalargadifusodomodelotayloriano-fordiano deorganizaodaproduo,quepermitiuumextraordinrio aumentodaprodutividade(...)Asnovaspalavras-chavena organizaoindustrialso:especializao,estandardizao, receptividade,aumentodovolumedeproduo. (LIPOVETSKY, 2007, p. 29)Nesta fase da sociedade de consumo, a lgica da quantidade domina a produo, a distribuio e o consumo.1.1.2. A Loja de DepartamentoAsestratgiasdovarejoglobalizadolanamnovaseconsecutivas mudanasnasrelaesdeconsumo,que,porsuavez,voampliandoas condiesparaque novastransformaesocorram.Emestudorecentesobre esta temtica, Silva (2003) observa que:Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 43Nahistriadocomrcio,omercadoeohipermercadosoos representantes extremos da evoluo dos lugares destinados troca de alimentos, onde cada um tem seu lugar. Conforme as cidades iam crescendo novas condies foram sendo impostas paraocomrcioeassim,foramsedesenvolvendonovas maneiras para possibilitarem a troca. (SILVA, 2003, p. 33)As grandes redes varejistas e suas estratgias econmicas e locacionais foram analisadas por Rigo (2000), que revela que essas redes em sua maioria iniciaramsuasatividadescomoLojasdeDepartamentose,comopassardo tempo,sentiramnecessidadedeseinteraremnovadinmicadomercado. (p. 15)Emsuapesquisa,Rigo(2000)enfatizaadinmicadessasredesno estado de So Paulo, e faz, ao longo de seu estudo, uma abordagem temporal, colocando que:AsLojasdeDepartamentostiveramsuaorigememfinsdo sculoXIX,particularmentenaFranaenaInglaterra,oque explica o fato de que as primeiras lojas deste tipo instaladas no Brasil eram, em sua maioria, filiais de grupos internacionais ou, nomnimo,eram frutodainiciativade capitalistas estrangeiros paradiversificarsuasatividades.(...)NoBrasilaslojasde departamentoaparecemcomoalternativaparaanecessidade demelhorarosistemadedistribuiodaproduoindustrial, quandovriosgruposnacionaisseorganizaramemuitas empresas estrangeiras seinstalaramnacidade deSo Paulo. (RIGO, 2000, p.16)ApesardealgumasLojasdeDepartamentosteremabertofiliaisem outras cidades brasileiras e em outros estados, foi na cidade de So Paulo que se deu a concentrao deste tipo de lojas. No levantamento histrico sobre as LojasdeDepartamentos,Rigo(2000)apontaqueapioneiraaseinstalarem SoPaulo,noanode1913,foioMappin,quesevoltavaparaatender aristocraciapaulistana,representadapelosgrandesproprietriosdefazendas de caf. Aps vrias e consecutivas crises no sistema econmico nacional, os grandeslojistastiveramqueseadaptar,cominovaes tecnolgicasecom estruturascondizentescomasnovasexignciasdomercadoconsumidor,e comissoacabarampordiversificarsuasatividadeseprogramarnovas estratgias de localizao. Neste contexto, muitas de suas filiais passaram a se localizaremshoppingscenters,devidoaoperfildosnovosconsumidores. Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 44Segundoamesmaautora,noquetangesRedesVarejistasNacionais,a exemplodasCasasPernambucanas,estasforamimplantadasnacidadede So Paulo nas dcadas de 1910 e 1920.Rigo(2000)aindaobservaquesemprehouvegrandepressodas grandesredesemcimadasmenorese,dessemodo,oprocessode monopolizao sempre submeteu o setor competio agressiva, do ponto de vistaconcorrencial.ParaavaliarmelhoroimpactodasgrandesRedes Varejistas,aautoraaindatraaoperfildosetorinvestigandoasestratgias territoriaisdasLojasAmericanas,dasCasasPernambucanas,doMagazine Luiza, das Lojas Cem, do Ponto Frio, das Casas Bahia, do Carrefour, do Extra Hipermercados.Aanliseespecfica dessasredesfezcomqueRigo (2000)elaborasse trs grandes fases de implantao das grandes lojas varejistas no Brasil:1916 e 1929: Casas Pernambucanas e Lojas Americanas (lojas dedepartamentos),dcadade1950:LojasCem,PontoFrio, MagazineLuizaeCasasBahia(lojasdeeletro-eletrnicos)e, posteriormente,em1975e1989:CarrefoureExtra Hipermercados(hipermercados).Portanto,essasfases demonstramqueaevoluodocomrciovarejistanoBrasil comeacomodesenvolvimentodaslojasdedepartamento, passando pelas lojas de eletro-eletrnicos e culminando com a expanso dos hipermercados. (RIGO, 2000, p. 87)1.1.3. O supermercadoOgrandemarcodasmudanasnastransformaesdocomrcioedo consumonoBrasilfoiapontadoporStilman(1962), Pintaudi(1981)eCyrillo (1987)quando analisaramagneseeodesenvolvimentodossupermercados noBrasil.Apesardahistriadossupermercadostertidoincioapartirda dcadade1920,nosEstadosUnidos,apenasem1934aexpresso supermercadopassouaseramplamenteaceitaportodososque,diretae indiretamente,seencontravamemcontatocomessaslojasdevarejo (ZIMMERMAN,1955)e(STILMAN,1962).Suadifusopelomundo,como formacomercialquetransformouovarejo,porm,ocorreusomenteapsa Segunda Guerra Mundial. Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 45Em sua pesquisa concluda em 1962, Stilman conseguiu avaliar o nvel do impacto provocado pelos supermercados, afirmando que:(...)odesenvolvimentodossupermercadosnosEstados Unidosfezcomqueessaformadecomprarsedisseminasse portodasaspartesdomundo,demonstrandoaexistnciade ampla aceitao por essa forma de varejo. (STILMAN, 1962, p. 356) Deformapioneira,esteestudodeStilman(1962)jtraavaalgumas tendncias com a proliferao desta forma comercial:Seossupermercadosconseguiremrealizareconomiasde escalaevenderapreosmaisbaixosdoqueosdos estabelecimentosconvencionais,pode-setercomocertoque setornarolugaresideaisdecompras,possibilitandoa realizaodetodasascomprasdeprodutosalimentciose mesmo de muitos no-alimentcios destinados ao lar, em locais altamenteagradveis,com ahigienee agarantiadepreos e qualidadequenemtodososestabelecimentosconvencionais oferecem. (STILMAN, 1962, p. 361)Nestesentido, devidoentradadestaformacomercialnoBrasil,a dcada de1950vistacomoummarcoparaocomrciovarejistanopas,j queosupermercadoimpsumnovoritmoparaadistribuioeconsumode mercadorias, principalmente no ramo alimentar.Osupermercadofoioretornomaisexpressivodocomrciopara dinamizarasinovaesqueestavamocorrendonaproduoindustrial.Para Pintaudi (1981):Os supermercados so superfcies comerciais que concentram territorialmenteefinanceiramenteocapital,possibilitandos pessoasencontrarem,nummesmolocal,umgrandeconjunto demercadoriasdisponveisparaseuabastecimento,no sendonecessrioiravriospontosdacidadeparaacompra de produtos. (p.50 e 51)Vargas(2001)destacaqueossupermercadosrevolucionaramo processoeaformadesevenderemasmercadorias,aoinseriremnovos contedossociaiseeconmicosparaareproduodasrelaessociaisno espao urbano. Para Gosling e Barry (apud VARGAS, 2001):Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 46Osupermercadopodeserdefinidocomoummtodo operacional,comnfasesobreofaturamentodemercadorias debaixovalorunitrio,apreosbaixos,exposiomaciade produtos, com lay out, para facilitar o movimento rpido de uma grandequantidadedeconsumidoreseatendimentoaocliente realizadopelatcnicadeselfservice. (GOSLINGeBARRY, apud VARGAS, 2001, p.242)Gaeta (1995)analisaaquestodaracionalizao doespao aplicada nos supermercados, colocando que esta (...) contempla desde a largura dos corredores at a disposio das mercadoriasegndolas,deformanosadirigira circulaocomotambminduzirscompras.Estesgrandes espaosdevenda,unificados(diferentedasfeirasou mercearias),tmumproblemaquenoseresume,como antes, exposio da mercadoria. O consumidor deve circular por ela. A mercadoria no vai at ele. (GAETA, 1995, p.185)Asbasesdasmudanashaviamsidodadas,umanovaformadese trocar mercadorias havia sido lanada, o contato direto entre o consumidor e a mercadoriafoiincentivadoemuitobemaceito,poisatosdiasdehojeo padrodominantedeconsumooauto-servio.Noquetangeaosaspectos administrativos, a racionalizao dos sistemas de gerenciamento se expandiu e a distribuio das mercadorias, a logstica e a concepo das lojas no ficaram imunesaesteprocesso.Umgrandeesforotambmtemsidoempreendido para aperfeioar os planos que visam garantir a fidelidade do consumidor. Enfim, a nova tnica foi lanada: falsa liberdade de escolha e ilusrio conforto.Apartirdosupermercado,todaessaracionalidadefoise reproduzindo,lanandomaisemaisformasparacriarnovasnecessidades, desejos e implantar a iluso da necessidade. Calvino (1994), no captulo denominado Marcovaldo no Supermercado, fazumaleituracrticadasociedadedeconsumo,utilizandoosupermercado como objeto de anlise. Chega a satirizar as relaes de consumo, focando de forma radical as sensaes, emoes e apelos do mundo da mercadoria. Num mistodeficoerealidade,elevainosconduzindo elaboraodeuma imagem rica em contradies.s seis da tarde, a cidade caa nas mos dos consumidores. O dia inteiro, a grande tarefa da populao produtiva era produzir: produziambensdeconsumo.Numadeterminadahora,como Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 47se um interruptor fosse acionado, cessavam a produo e, rua! Lanavam-setodosaconsumir.Todososdiasuma inflorescncia impetuosa mal tinha tempo de desabrochar atrs das vitrines iluminadas,os salames vermelhos balanando,as torres de pratos de porcelana erguendo-se at o teto, as peas de tecido desdobrando drapeados como cauda de pavo, e eis quejirrompiaamultidoconsumidoraparadesmantelar corroerapalparroubar.Umafilaininterruptaserpenteavapor todas as caladas e portais, alongava-se atravs das portas devidronaslojasaoredordetodososbancos,movidapelas cotoveladasdecadaumnascostelasdosoutroscomopor contnuosgolpesdeummbolo.Consumam!eosrolosde barbantecoloridogiravamcomopies,asfolhasdepapel floridofrufrulhavamfrenticas,envolvendoascomprasem pacotinhoeospacotinhosempacoteseospacotesem embrulhos,cadaumamarradocomseulaodefita.E rapidamente embrulhados pacotes pacotinhos bolsas bolsinhas redemoinhavam em volta do caixa num engarrafamento, mos querevistavamasbolsinhasprocurandoosporta-nqueise dedos que revistavam os porta-nqueis procurando trocados, e maisadiante,emmeioaumaflorestadepernas desconhecidaseabasdesobretudos,ascrianasnomais puxadas pelas mos se perdiam e choravam. (CALVINO, 1994, p. 97-98)O referido autor retrata, nitidamente, a forma como todos, ricos e pobres, socontagiadospelomundodoconsumo,masdeixatransparecer,deforma gradual, a grande contradio entre o desejo e a necessidade.NumanoitedessasMarcovaldoestavalevandoafamliapara passear.Estandosemdinheiro,opasseiodeleseraolharos outrosfazeremcompras;poisodinheiro,quantomaiscircula, mais esperado por quem no tem: Mais cedo ou mais tarde acabarporpassarumpoucotambmpormeusbolsos.Ao contrrio, com Marcovaldo, o salrio, entre ser pouco e servir a tantagentenafamlia,eseremtantasprestaesedvidas parapagar,iaemboraquasesemsernotado.Dequalquer modo,erasemprebomolhar,especialmentedandoumavolta no supermercado. (CALVINO, 1994, p. 98)Comestaintroduoentramosnoclimadoconsumo, maravilhosamenteexpostoporCalvino.Inicia-seentoaexposiodeuma cena familiar, onde se encontra plenamente exposta a contradio entre o ser e o ter.Osupermercadofuncionavacomself-service.Haviaaqueles carrinhos,comocestinhosdeferrocomrodas,ecadacliente empurrava o seu e o enchia de todas as maravilhas. Ao entrar, tambmMarcovaldopegouumcarrinhoparaele,suamulher Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 48pegououtro eosquatrofilhosumparacadaum.Eassim seguiamemprocissocomoscarrinhosnafrente,entre prateleirasapinhadasdemontanhasdecoisascomestveis, mostrandounsaosoutrossalamesequeijosechamando-os pelosnomes,comosereconhecessemnamultidorostosde amigos, ou pelo menos conhecidos.- Pai,podemospegareste?- perguntavamosmeninos acada minuto.- No,nomexam,proibido- diziaMarcovaldo,lembrandoque no final daquele circuito a moa do caixa os esperava para fazer a soma.- E porqueaquelasenhoraalipodepegar?- insistiam,aover todas aquelas boas mulheres que, tendo entrado para comprar sduascenourase umaipo,nosabiamresistirperanteuma pirmide de latas e tum!tum!tum! com um gesto entre distrado eresignadodeixavamcairlatinhasdetomatessempele, pssegosemcalda,anchovasconservadasemleo, tamborilando no carrinho. (CALVINO, 1994, p. 98)O contagiante mundo do consumo instiga um ritmo de compras que no permiteareflexo,pelocontrrio, leva-nosaodesejoimpulsivo,muitasvezes incontrolvel.Amoda,amarca,aimitaodooutro,ossignos,ossmbolosemitem ordem. preciso fazer parte deste mundo do consumo, pois isto uma forma de nos sentirmos integrantes da sociedade.Em resumo, se o seu carrinho est vazio e os outros cheios, d paraagentaratumcertoponto,depoisvocdominado pelainveja,pelodesgostoenoresistemais.Ento Marcovaldo,depois deterrecomendadomulhereaos filhos notocaremnada,virourpidonumatravessaentreas gndolas,esquivou-sedavistadafamliae,pegandouma caixadetmarasdeumaprateleira,depositou-anocarrinho. S queriasentir oprazer decarreg-la por dez minutos, exibir tambmelesuas compras como os outros, e depois recoloc-ladeondearetirara.Essacaixa,etambmumagarrafa vermelha de molho picante e um saquinho de caf e um pacote azuldeespaguete.Marcovaldoestavacertodeque,fazendo comcuidado,podiadesfrutarpelomenosporquinzeminutos do prazer de quem sabe escolher o produto, sem ter de pagar nem um centavo. Mas ai dele se os meninos o vissem! Logo se poriamaimit-loesabe-selqueconfusoarmariam! (CALVINO, 1994, p. 98-99)Osupermercadotemcomocaractersticamarcanteadiversidadede mercadorias, de todos os tipos, marcas, cores, para atender a todos os gostos. Grande parte das mercadorias est no rol das guloseimas, dos suprfluos, das novidades.ECalvino(1994),emsuasensibilidadedeobservadordomundo, Geografia e Consumo: Dinmicas Sociais e a Produo do Espao Urbano. 49utiliza-sedaricadescriodeumacenainusitadaparaexporclaramenteos apelosdoambientedosupermercado,seusom,seucheiro,enfim,todasas suas estratgias para provocar o consumo.Marcovaldotratavadeapagarseusvestgios,percorrendoum caminhoemziguezague,entreasprateleiras,oraseguindo empregadasatarefadas,orasenhorascobertasdepele.E, quandoumaououtraadiantavaamoparapegaruma abboraamarelaecheirosaouumacaixadequeijinhos triangulares,eleaimitava.Osalto-falantesdifundiam musiquinhas alegres: os consumidores se mexiam ou paravam acompanhandooritmo,enomomentoexatoestendiamo brao e pegavam um objeto e o pousavam no cestinho, tudo ao som de msica.OcarrinhodeMarcovaldoagoraestavaabarrotadode mercadorias;seuspassosolevavamapenetraremsetores menos freqentados; os produtos com nomes cada vez menos decifrveisestavamfechadosemcaixascomfigurasqueno esclareciam se se tratava de adubo para alface ou de semente dealfaceoudealfacepropriamenteoudevenenopara lagartasdaalfaceoudecomidaparaatrairospssarosque comemaquelaslagartas ouaindadetemperoparasaladaou parapssarosassados.Dequalquermaneira,Marcovaldo apanhava duas ou trs caixas. (CALVINO, 1994, p. 99)Oconsumismopodeserdefinidocomooatodeconsumirdeforma incontrolvel e sem limites. Muitas vezes no se percebe que somos levados a uma consecutiva e compulsiva necessidade de comprar, sem que haja de fato anecessidadeoufaltadaquelamercadoriaqueestamosadquirindo.A necessidadeeodesejoformamassimumpardialtico.Aspessoasque com