ORTIZ Pós Modernidade

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renato ortiz reflexões sobre a pós-modernidade: . O EXEMPLO DA ARQUITETURA o leitor que tiver a paciência de passear pela biblio- grafia sobre pós-modernidade poderá facilmente constatar que o debate sobre o tema é bastante confu- so. O próprio termo "pós" é ambíguo e dá 'margem a dúvidas. Ele sugere uma ruptura radical entre um "an- tes" e um "depois", sendo a modernidade percebida como algo pertencente ao passado. Existe ainda uma polarização política em torno de posições, que em princípio se caracterizariam como sendo "progressis- tas" ou "conservadoras", o que traz um elemento de complicação para a discussão. No caso da América Latina, pergunta-se ainda se realmente tal controvér- sia teria sentido. Não se trataria de uma outra "moda" intelectual? Como falar em pós-modernidade, se não conhecemos plenamente a própria modernidade? No Brasil, há um outro dado: o debate vem sendo travado mais na mídia do que nós meios intelectuais, o que torna as coisas mais embaralhadas. Meu ponto de vista é que deveríamos tomá-Io seriamente. Na verdade, a pós-modernidade é uma das expressões (e eu insistirei que se trata de uma entre outras) de um rearranjo dos processos sociais e societários "pós-industriais". Evidentemente, não te- nho a intenção, no escopo deste artigo, de discutir se essa "condição pós-moderna" é fruto de uma terceira etapa do capitalismo, como pensa Fredric Jameson, ou se ela se encaixa melhor nas transformações de um capitalismo flexível que se inicia nos anos 70, como propõem Scott Lash e John Urry.(l) Mas retomo des- 1 - Cf. Jameson, Fredrie, "Postmodernism and eonsumer soeie- ty". ln Foster, Hal. The anti-aesthetic: essays on postmodern cul- ture, Port Townsend (W), 1983; Ver também Lash, Seott e Urry, John. The end of organized capitalism, Madison, University of Wisconsin Press, 1987, Uma obra que retoma e amplia esse ponto ses autores um argumento que me parece fundamen- tal. As mudanças por que passam as sociedades indus- trializadas neste momento são reais. e se estendem não somente aos países centrais, elas atingem o siste- ma internacional como um todo. Essa modernidade- mundo, para utilizar uma expressão de Jean Ches- naux. é distinta das modernidades do século XIX e do início do XX, o que significa que as relações entre o homem e o mundo, e entre os homens entre si, se encontram em processo de mutação. Provavelmente o contratempo da discussão reflete este momento de transição que conhecemos. Neste sentido, meu interesse pela cultura, e particularmente pela arquitetura, é estratégico. A arte encerra não apenas disponibilidades estéticas, mas também um aspecto cognoscitivo que traduz de ma- neira ideal as relações sociais. Ela pode ser apreendi- da como um sintoma das transformações mais amplas que envolvem a sociedade. Não é casual que a polê- mica sobre a pós-modernidade tenha se iniciado justa- mente no seu âmbito.(2) A sensibilidade artística tra- duzia. já desde os anos 60, as inquietações em relação a descompassos ainda imperceptíveis no plano macro da sociedade. de vista é Harvey, David, The condition of postmodernity, Cam- bridge, Basil B1aekwell, 1989. 2 - Ver a esse respeito o belp artigo de Andreas Huyssens, "Ma- peando o pós-moderno", ln Holanda, Heloísa Buarque de (org.), Pás-modernidade e politica. Rio de Janeiro, Roeeo, 1991. RBCS n!! 20 ano 7 out. de 1992

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Renato Ortiz - Reflexões sobre a Pós-Modernidade: o exemplo da arquitetura

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renato ortiz

reflexões sobre a pós-modernidade:. O EXEMPLO DAARQUITETURA

o leitor que tiver a paciência de passear pela biblio-grafia sobre pós-modernidade poderá facilmenteconstatar que o debate sobre o tema é bastante confu-so. O próprio termo "pós" é ambíguo e dá 'margem adúvidas. Ele sugere uma ruptura radical entre um "an-tes" e um "depois", sendo a modernidade percebidacomo algo pertencente ao passado. Existe ainda umapolarização política em torno de posições, que emprincípio se caracterizariam como sendo "progressis-tas" ou "conservadoras", o que traz um elemento decomplicação para a discussão. No caso da AméricaLatina, pergunta-se ainda se realmente tal controvér-sia teria sentido. Não se trataria de uma outra "moda"intelectual? Como falar em pós-modernidade, se nãoconhecemos plenamente a própria modernidade? NoBrasil, há um outro dado: o debate vem sendo travadomais na mídia do que nós meios intelectuais, o quetorna as coisas mais embaralhadas.

Meu ponto de vista é que deveríamos tomá-Ioseriamente. Na verdade, a pós-modernidade é uma dasexpressões (e eu insistirei que se trata de uma entreoutras) de um rearranjo dos processos sociais esocietários "pós-industriais". Evidentemente, não te-nho a intenção, no escopo deste artigo, de discutir seessa "condição pós-moderna" é fruto de uma terceiraetapa do capitalismo, como pensa Fredric Jameson,ou se ela se encaixa melhor nas transformações de umcapitalismo flexível que se inicia nos anos 70, comopropõem Scott Lash e John Urry.(l) Mas retomo des-

1 - Cf. Jameson, Fredrie, "Postmodernism and eonsumer soeie-ty". ln Foster, Hal. The anti-aesthetic: essays on postmodern cul-ture, Port Townsend (W), 1983; Ver também Lash, Seott e Urry,John. The end of organized capitalism, Madison, University ofWisconsin Press, 1987, Uma obra que retoma e amplia esse ponto

ses autores um argumento que me parece fundamen-tal. As mudanças por que passam as sociedades indus-trializadas neste momento são reais. e se estendemnão somente aos países centrais, elas atingem o siste-ma internacional como um todo. Essa modernidade-mundo, para utilizar uma expressão de Jean Ches-naux. é distinta das modernidades do século XIX e doinício do XX, o que significa que as relações entre ohomem e o mundo, e entre os homens entre si, seencontram em processo de mutação. Provavelmente ocontratempo da discussão reflete este momento detransição que conhecemos.

Neste sentido, meu interesse pela cultura, eparticularmente pela arquitetura, é estratégico. A arteencerra não apenas disponibilidades estéticas, mastambém um aspecto cognoscitivo que traduz de ma-neira ideal as relações sociais. Ela pode ser apreendi-da como um sintoma das transformações mais amplasque envolvem a sociedade. Não é casual que a polê-mica sobre a pós-modernidade tenha se iniciado justa-mente no seu âmbito.(2) A sensibilidade artística tra-duzia. já desde os anos 60, as inquietações em relaçãoa descompassos ainda imperceptíveis no plano macroda sociedade.

de vista é Harvey, David, The condition of postmodernity, Cam-bridge, Basil B1aekwell, 1989.

2 - Ver a esse respeito o belp artigo de Andreas Huyssens, "Ma-peando o pós-moderno", ln Holanda, Heloísa Buarque de (org.),Pás-modernidade e politica. Rio de Janeiro, Roeeo, 1991.

RBCS n!! 20 ano 7 out. de 1992

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~ L- _REFLEXÕES SOBRE A PÓS-MODERNIDADE:

A arquitetura pós-modernaCharles Jenks tem uma opinião precisa sobre a "mor-

I te" da arquitetura moderna: o falecimento teria ocor-rido em Saint Louis, Missouri, no dia 15 de julho de1972, às 15h e 32m. Neste instante, o conjunto habi-tacional Pruitt-Igoe, símbolo da aplicação dos princí-pios modernistas à construção de massa, foi abaixo.Uma carga de dinamite destruía o sonho de umaarquitetura voltada para o desenvolvimento e o pro-gresso social. O evento escolhido por Jenks é signifi-cativo. O edifício em questão representava na verdadeum espaço construído a partir doideário modernista,procurando reproduzir em seu interior um sistema de"ruas no ar", sendo composto por corredores anôni-mos, e peças que favoreciam a completa ausência depri vacidade. De uma certa forma, poderíamos dizerque a racionalidade da rua havia penetrado o interiordas vidas privadas.

É contra essa irracionalidade que a arquiteturase insurge, pois o movimento moderno, "como a esco-la racional, a saúde racional e o desenho racional dosternos femininos têm o defeito de uma época que sereinventa totalmente em termos racionais".(3) A críti-ca incide, portanto, sobre a irracional idade da moder-nização do mundo em que vivemos. A senda unilineardo progresso não traz necessariamente a realização dohomem, mas a uniformização dos costumes e dos es-tilos. Por isso, Jenks dirá que a arquitetura moderna éunivalente, utilizando poucos recursos materiais eabusando da geometria do ângulo reto: "Característi-

I' camente, este estilo reduzido era justificado comosendo racional e universal; a caixa de metal e vidrotornou-se a forma mais simples e usada na arquiteturae significa em todos os lugares do mundo edifício deescritórios".(4) A padronização do "estilo internacio-nal" representaria assim uma adequação das formasarquitetônicas ao industrialismo das sociedades demassa, possuindo a arquitetura uma dimensão inte-gradora do homem a uma sociedade desumanizada.

Os pós-modernos rejeitam o compromisso queo modernismo retinha com o desenvolvimento social;em termos estéticos isto implica a recusa do primadoda universalização das formas, em detrimento de seuscontextos. Diante da padronização da sociedadeindustrialista, eles valorizam as diferenças. Contraria-mente, imagina-se o projeto da casa como "máquinade morar", sem se conseguir integrar o homem nasresidências e nos locais de trabalho. As primeiras idéi-

3 - Charles Jenks, The language of post-modern architecture,London, Academy Editions, 1981, p.lO.

4 - lbid, p. 15.

OE)

as de Robert Venturi pretendiam combater a monoto-nia dessa arquitetura univalente, buscando revalorizara complexidade dos múltiplos contextos sociais.(5)

A contraposição do universal ao local leva ospós-modernos a reabilitar os traços da história. A pre-ocupação de Aldo Rossi com a memória coletiva ilus-tra bem esse aspecto.(6) Retomando as teses de Halb-wachs, ele considera a cidade como uma memória dospovos, ligando os fatos aos lugares. A história estariaassim incrustrada na materialidade dos monumentos,das ruas, dos edifícios pertencentes a uma comunida-de; a arquitetura se enraizaria no meio ambiente en-volvente. Por isso, o gesto inicial de fundação do mo-vimento pós-moderno na Bienal de Veneza (1980) fazdiretamente apelo à história. O documento de apre-sentação do movimento ao público, intitulado Stradanovissima, teve como subtítulo A presença do passa-do. Nele lemos em letras garrafais: "É de novo possí- IIvel aprendermos com a tradição e vincularmos nossotrabalho à finura e à beleza do passado".

O argumento contrasta com o do modernismo,que, em nome de um futuro a ser construído, faziatabula rasa de tudo que lhe era anterior. A arquiteturamoderna, na luta para se impor como legítima, haviadecretado o fim da arte tradicional. Com isso, a análi-se funcionalista eliminou a gramática das arquiteturaslocais, depositando sua esperança apenas na utiliza-ção dos novos materiais tecnológicos. Em nome dodevir, o passado é recalcado. Por isso, Paolo Porto-ghesi afirma que a arquitetura pós-moderna baseia-seno "reconhecimento da validade parcial e relativa detodos os sistemas convencionais, desde que se aceiteque pertencemos a uma rede policêntrica de experiên-cias, todas merecendo serem ouvidas".(7)

No entanto, a proposta apresentada não é ummero exercício estético. Ela se fundamenta numa vi-são de mundo, filosofia que interpreta e integra trans-formações das sociedades industrializadas. Lyotard ésaudado como o primeiro grande filósofo da pós-

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5 - Ver Venturi, Robert, Complexity and contradiction inarchitecture, New York, Museum of Medem Art and GrahamFoundation, 1966. Cabe sublinhar que Venturi, entre a data depublicação de seu livro e 1972, quando edita Learning from ÚJS

Vegas, muda substancialmente seu posicionamento. Como obser-va Huyssens, o pós-modernismo na década de 70 perde inteira-mente a perspectiva crítica. Consultar Mahfuz, Edson. "Apren-dendo com Venturi", Revista de Arquitetura e Urbanismo, n" 37,agosto/setembro 1991.

6 - Ver Rossi, Aldo, A arquitetura da cidade. Lisboa, Cosmos,1977.

7 - Cf. Portoghesi, Paolo, Postmodemism, New York. Rizzoli,1983, p. 26. 8 - Ide

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_O_E_X_E_M_P_L_O_D_A_AR__ Q_U_I_TE_T_UR__ A ~I~modernidade porque formula uma "teoria das dife-renças", que adquire um valor explicativo para umgrupo de artistas que tateia à procura da legitimaçãoideológica de seu próprio movimento. Dentro dessecontexto. a discussão adquire uma coloração política.A crítica de Portoghesi é clara: o movimento moder-nista "foi uma tentativa de construir. de maneira line-ar, uma relação entre arquitetura e progresso. de modo

" que seria possível distinguir, em todos os tempos.entre o bem e o mal, decretando-se anexações e expul-sões como num partido político".(8)

O modernismo se revelaria assim como um es-forço "totalitário" para impor uma única verdade. Eleprescreveria um programa intlexível das formas e dasvivências, sendo o progresso e o desenvolvimentoidentificados à felicidade humana. O ecletismo pós-moderno tem por finalidade se rebelar contra esseestado de coisas e quer ser uma resposta à "tirania donovo" a qualquer custo, uma valorização do plura-lismo da vida diante da coerção das ideologias. O pós-moderno seria. assim, uma forma de imaginação de-mocrática.

Essa filosofia de vida não se reduz, porém, auma perspectiva política. Os artistas tentam vinculá-Ia à própria "condição pós-moderna". Para eles, asmudanças da ordem mundial nos últimos anos nãoapet:las favorecem como exigem modificações pro-fundas na esfera da consciência. Tudo se passa comose os modernistas não tivessem percebido que o mun-do atual difere daquele inaugurado pela revolução in-dustrial - predomínio das fábricas, da produção cen-tralizada, de uma cultura de massa. Transformaçõesvitais da sociedade contemporânea são deixadas delado, como por exemplo o advento da revolução dainformática. Os pós-modernos procuram vincular suaproposta estética à emergência de um novo contextosocial, no qual ocorre um movimento de descentrali-zação da produção, do consumo, do poder e das rela-ções sociais (idéia associada à existência de um capi-talismo desorganizado). A autoridade centralizadacede lugar ao pluralismo descentralizado. Se antes acultura de massa padronizava seus produtos para atin-gir indiscriminadamente a todos, hoje ela se encontra-ria em outra fase: a da segmentação da produção. Osindi víduos teriam agora a oportunidade de realizarsuas indi vidualidades no interior desses mercados di-versificados. Por isso Jenks dirá: "Com a aldeia globale a revitalização de tantos neo-estilos competitivos, areinvidicação de cada olhar torna-se cada vez mais afé naquilo que desejaria ser a verdade. Atingimos um

8 - Idem, p.26.

ponto paradoxal com a quebra do consenso, com o fimdos estilos nacionais ou da ideologia modernista,onde qualquer estilo pode ser e é revivido. Variedadede humor e conveniência da escolha são valores no-vos que substituem a ortodoxia do estilo e da consis-tência".(9) Ao panorama monolítico do intemationalstyle, adequado a uma etapa histórica determinada,substitui-se uma plêiade de estilos, configuração dadiversidade vigente. Nesse sentido, o modernismonão é somente uma visão enrijecida de mundo, ele éobsoleto; o pós-moderno pretende superá-lo, na medi-da em que se coloca como sendo "mais moderno", istoé, mais integrado aos novos tempos.

Até o momento, limitei-me a uma breve apre-sentação das propostas e do ideário pós-moderno.Como reagir diante delas? Uma alternativa seriaaceitá-Ias, validando um certo neoliberalismo dos es-tilos. Esta não é minha intenção. Outro caminho é oindicado por Haberrnas, que, ao refutar os termos dodebate, preserva o projeto de uma modernidade in-completa. Os pós-modernos seriam os porta-vozes deuma pseudovanguarda, de uma estética inconse-qüente. Daí a recuperação das idéias de Frank LloydWright, Gropius, Mies van der Rohe, Le Corbu-sier.(lO) A opção é problemática, uma vez que incen-tiva um certo conformismo modernista, esquecendo-se de revelar que a utopia moderna se encontra, desdeseu nascimento, vinculada à instrumentalidade dassociedades capitalistas.

Não creio que seja satisfatório contrapor mo-dernidade versus pós-modernidade, como se estivés-semos diante da necessidade de uma escolha irn-preterível. Seria, no caso, traduzir uma polarizaçãopolítica no plano do pensamento e da crítica. Por isso,quero afirmar que o movimento pós-moderno é umaexpressão e um ajustamento aos tempos atuais. En-quanto expressão, ele aponta para um conjunto dequestões relevantes para a compreensão do mundocontemporâneo. Como ajustamento, ele integra acriti-camente, sem contradições, os impasses das socieda-des industrializadas. Um paralelo com os precurssoresda arquitetura moderna pode ser feito. O racionalismoe o funcionalismo tinham que romper com os estilospassados, gótico e clássico, se quisessem criar uma

9 - Jenks, Charles, What is post-modernism Z, London. AcademyPress, 1989, p.52.

10 - Ver Habermas, Jürgen, "Arquitetura moderna y posmo-derna", In Habermas, J .. Ensayos Políticos, Madrid, Península.1988. Para uma crítica de suas posições. ver Arantes, Otília. "Asobrevida da arquitetura moderna 'segundo Habermas". Revista deArquitetura e Urbanismo, n° 30, junho/julho 1990.

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~~ R_E_F_L_E_X_Õ_E_S_S_O_B_R_E_A__ PO_'_S-_M_O_D_E_R_N_I_D_AD E:linguagem nova. Ao questionarem as formas e os ma-teriais utilizados até então, eles pretendiam inventaroutra estética.

Porém, esse processo de criação e de rupturaencobre um outro, o da adequação da arte à moderni-zação da sociedade. Tony Garnier pode ser considera-do como um dos primeiros urbanistas realmente mo-dernos, mas isto não nos deve fazer esquecer que seuprojeto de cidade industrial se fundamentava no prin-cípio funcional da racionalidade capitalista. Há algosemelhante com o pós-modernismo. Ele é crítico como passado da modernidade, mas conformista com osdesafios do presente.

A ambigüidade pós-modernaUma afirmação que se tornou corriqueira na literaturasobre a pós-modernidade é que arte e cultura popularconstituem hoje um mesmo domínio. As fronteiras jánão existiriam mais, misturam-se obras de arte e in-dústria cultural em seus mínimos detalhes. Os pós-modernos saúdam esse fato em nome da democraciacultural, do fim do "elitismo"; arte de elite e culturapopular teriam por fim se encontrado. Um exemplo éo esforço de Robert Venturi em recuperar os aspectoskitseh de Las Vegas, integrando as formas de umaarquitetura "banal" , "ordinária" aos cânones acadê-micos.(l1)

Os críticos partilham o mesmo ponto de vista,embora invertam a polaridade do julgamento de valor.A pós-modernidade, para eles, seria uma negação daautonomia da arte, um processo de indiferenciação nointerior do qual "qualquer coisa é arte, já não sendomais possível a inovação".(l2) Uma visão radical econtundente é a defendida por Baudrillard, quando serefere à emergência de uma "transestética't.t l S) Nomundo de indiferença em que vivemos, a arte conser-varia apenas sua função antropológica de ritual, per-dendo toda e qualquer especificidade. Estaríamos,portanto, de volta ao estágio dos povos primitivos, emque a solidariedade mítica impede qualquer afirmaçãoda individualidade artística.

Mas as coisas se passariam mesmo assim? Evi-dentemente, é necessário reconhecer que a oposição

11 - Ver Venturi. Robert et alii, Learning from Las Vegas.Massachusetts, MIT Press, 1972.

12 - Picó, Josep. "Introdução". In Picó. Josep (ed.), Modemidady postmodemidad, Madrid, Alianza Editorial. 1988, p. 35.

13 - Baudrillard, Jean. A transparência do mal. Campinas,Papyrus, 1991.

excludente entre arte e cultura (popular ou de merca-do) que existia no final do século XIX não tem maisrazão de ser. Como já havia observado Walter Benja-min. o estatuto da arte na era de sua reprodutibilidadetécnica é outro. As inovações surre alistas encontram-se hoje incorporadas à técnica da publicidade, e a artepop integra um conjunto de elementos e de recursosoriundos da indústria cultural. Não há dúvidas de queocorre uma aproximação e uma interpenetração defronteiras. Mas isso indicaria uma superposição dosespaços?

Retomo uma observação de Peter Burger paraencaminhar minha reflexão. Ele diz a respeito daslatas de sopa Campbell pintadas por Andy Warhol,que todos sabemos são idênticas às da marca Camp-bell: 'Temos aí uma mera duplicação, com todos osdireitos do original. O sujeito cancelou sua habilidadeem se expressar na obra de arte. Mas é justamenteatravés desse gesto de auto-supressão que ele ganha aaura que de longe supera o brilho de um ego artísticoque vive desse poder. No centro da instituição de arte,permanece um sujeito que prova ser muito mais resis-tente do que o anúncio de sua própria morte".(l4)

Penso que poderíamos dizer o mesmo daarquitetura. Para se lançar como movimento artístico,os pós-modernos escolheram criteriosamente o cená-rio de seu inconformismo: a Bienal de Veneza. É nointerior do loeus consagrado pela tradição que elesinserem sua rebeldia. Não há, pois, marcas de ruptura,mas de continuidade com a "instituição arte"; se utili-zássemos um conceito elaborado por Burger, diría-mos que o pós-modernismo não constitui a rigor uma"vanguarda".(15) Ele preserva, no seio da instituição,as fronteiras do mundo da arte. Creio que é nessa linhade argumentação que podemos interpretar as tentati-vas que se fazem para resgatar a idéia de umasemiologia das formas.

A crítica ao modernismo visa claramente aoexcesso de sua funcionalidade, isto é, em termos esté-ticos, aos limites impostos pela adequação da forma àfunção. Paolo Portoghesi é explícito a esse respeitoquando compara a arquitetura às outras artes: para ele,a conquista da forma "traz a arquitetura para uma área

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16 - Po

17 - Aperspecele prosam, notes prestônico VI

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14 - Burger, Peter, "Aporias of modern aesthetics". New LeftReview n° 184. novembro-dezembro 1990, p.49.

15 - O autor estabelece uma distinção entre modernismo e van-guarda. A vanguarda se caracterizaria somente quando a críticanão se estende apenas a outras correntes estéticas, mas visa àsuperação da instituição arte. Nesse sentido. o impressionismonão é uma vanguarda. -rnas o surrealismo o é. Consultar Burger,Peter, Teoría de las vanguardias . Madrid, Ed.Península. 1989.

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_O_E_X_E_M_P_L_O_D_A_AR__ Q_U_I_T_E_TUR__ A I~de liberdade lingüística que outras disciplinas artísti-cas já haviam conquistado, ou que nunca perderamcompletamente".(l6) A antiga discussão sobre a auto-nomia da arte é reativada. Os arquitetos aparentemen-te negam-se a submeter suas experiências às exigên-cias alheias àquelas definidas pelo universo artístico.Daí a afirmação recorrente de que o pós-modernismonão é apenas função. mas cenário, ficção, enfim, umterritório que de alguma maneira escaparia à coerçãodas demandas externas. A ênfase na idéia de uma"arquitetura simbólica" tem em boa medida a inten-ção de superar a contradição entre arte e utilidade.( 17)As formas presentes e passadas são percebidas comoum léxico do qual o arquiteto se apropriaria para satis-fazer um imperativo de ordem estética. Sob esse ân-gulo, a semiologia surge como uma ciência privilegi-ada. Ela liberaria a linguagem das formas de suainstrumentalidade prática. Penso que até mesmo a crí-tica do uso político da arquitetura, que os pós-moder-nos fazem ao modernismo, pode ser compreendidadentro dessa ótica. Como a literatura no século XIX,eles buscam um terreno autóctone, independente daspressões ideológicas. O princípio da "arte pela arte"encontraria, assim, no campo da arquitetura, uma ma-nifestação tardia de sua concretização.

A definição que Jenks fornece do pós-moder-nismo é esclarecedora. Ele o considera como "a com-binação de técnicas modernas com alguma coisa amais (usualmente edifícios tradicionais), a fim de quea arquitetura se comunique com o público e com umaminoria interessada, usualmente outros arquitetos".Sublinho, por enquanto, um dos polos da definição,para chamar a atenção para a forma como a individu-alidade pós-moderna é definida no interior do campoda arquitetura (uso o conceito de Bourdieu). Enquantoproposição, ela adquire sentido quando contraposta aomodernismo, interagindo com outras alternativasexistentes. O universo da arquitetura é complexo evem marcado pela manisfestação de diversas tendên-cias. Segue-se daí a necessidade de se determinar umaestratégia de distinção em relação a uma possível con-fusão de papéis. Os pós-modernos querem se diferen-

16 - Portoghesi, Paolo, op.cit. p.35.

17 - A idéia de "galpão decorado" de Venturi radicaliza essaperspectiva. Para uma sociedade onde o consumo é efemeridade.ele propõe a construção de edifícios simples e baratos. que pos-sam, no entanto, ser decorados de acordo como o gosto dos clien-tes presentes e futuros. Com isso. um mesmo volume arquite-tônico variaria sua estética. sua aparência, independentemente desua função. O arquiteto funcionaria nesse caso como fachadista,não como projetista.

ciar de seus concorrentes, do "último modernismo",do "pós-modernismo cismático" e do "regionalismo

I crítico". Por isso, eles reivindicam uma modalidadeestética que os caracterize de maneira inequívoca. Noembate concorrencial que os envolve, eles certamentenão deixarão de fazer uso das instâncias de consagra-ção regulamentadas pela história de sua disciplina: asexposições e as revistas de arquitetura.

Diante das múltiplas inclinações artísticas quecoabitam nesse campo de tensões, afirmar que a arte ea cultura popular seriam domínios indiferenciados éarriscar-se demasiadamente. O depoimento de DeniseScott Brown ilustra bem esse ponto. Sua análise darelação entre cultura erudita e cultura popular é sinto-mática. Diz ela: "O interesse pela cultura popular de-corre do fato que ela é capaz de influenciar e vivificara alta cultura. Estou certa de que existe uma relaçãoentre elas. Se quisermos atingir uma espécie de ar-quitetura, diferente da arquitetura de renovação urba-na, que cremos não ser pertinente, é preciso aceitaressa arquitetura no nível em que as decisões são toma-das. Considerar a cultura popular e interpretá-Ia à luzda alta cultura é o único meio de transformar a atitudedas pessoas que julgam os concursos e daquelas queencomendam os contratos aos arquitetos".(18) Portrás do discurso comercial, interessado, reafirma-se aautonomia da esfera da arte; o que se propõe é umaaproximação, mas não uma coincidência dos espaços.O kitsch ressemantizado não significa indiferença,mas elemento de distinção no interior de um universoque o rejeitava anteriormente.

No entanto, a separação entre estética e funçãoé ilusória. Poderíamos lembrar aqui o argumento deHegel, mostrando que a arquitetura encontra limitesprecisos na densidade material que a predetermina(trata-se para ele da mais pobre das artes).(l9) Mascreio que isso não é necessário. Os arquitetos sabemque não há uma distância radical entre projeto e reali-zação. As obras preenchem um papel definido pelademanda externa. Um escritório não é uma casa, umabiblioteca não é um teatro. A função é constituídasocialmente, independentemente da vontade estética;é no quadro dessa exigência que o arquiteto exerce, ounão, sua criatividade.

Por isso, as portas para a funcionalidade nãopodem ser inteiramente fechadas. Habilmente, ospós-modernos irão recuperá-Ias quando falam deuma arquitetura "comunicativa" - o segundo elemen-

18 - Cf. depoimento de Scott Brown, Denise. In Cook, J.W. eKlotz, H. Questions aux architectes, Liege, 1975. p.430..19 - Ver Hegel, F. Esthétique, Paris, PUF, 1970.

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EQJL- _REFLEXÕES SOBRE A PÓS-MODERNIDADE:

to da definição de Jenks acima mencionada. O pós-moderno se apresenta assim como uma dupla co-dificação. Ele teria um pé na cultura "elitista", outrona cultura "popular". Sua linguagem comporia umaestratégia de comunicação em relação ao públicomais amplo. Evidentemente, essa ambigüidade não évista como contradição, mas, creio, neste momentoos problemas emergem. A definição proposta porPaolo Portoghesi é interessante: "O pós-modernismoem arquitetura pode ser lido como a reernergência dearquétipos ou como a reintegração de convençõesarquitetõnicas: portanto, como a premissa para a cri-ação de uma arquitetura comunicativa, uma arqui-tetura da imagem para uma civilização da ima-gem".(20) Acriticarnente, a inclinação artística devese adaptar ao espírito de uma sociedade publicitária.Nesse ponto Habermas tem razão: para se exprimir, agrafia dos símbolos escolhe um campo distinto dalinguagem formal. A autonomia laboriosamente es-culpida na crítica ao modernismo cede lugar aoacomodamento oportuno.

Diferenças ou distinções?Penso que um ponto forte da postura pós-modernista éa ênfase dada à noção de diferença. Poderíamos ima-ginar que ela corresponde apenas a uma tática ideoló-gica, a um ocultamento da realidade. Isto seria umaresposta cômoda, mas infelizmente pouco convincen-te: a problemática em questão não se reduz à falsaconsciência. Por isso, toda uma corrente norte-ameri-cana irá associá-Ia aos movimentos de minoria: porexemplo, o feminismo, que encontra junto aos ques-tionamentos pós-modernos um impulso positivo, umavalorização do discurso do outro.(21) Ihab Hassandirá que essa "obsessão epistemológica pelos frag-mentos, pelas fraturas, corresponde a um compromis-so ideológico com as minorias no plano político, se-xual e lingüístico. Pensar bem e sentir bem, de acordocom essa épistême do unmaking, é rechaçar a tiraniadas totalidades; a totalização, em qualquer empresahumana, é potencialmente totalitária".(22) Assim, aparte não deve se submeter ao todo. O argumentolembra T. W. Adorno, quando radicalmente denunci-

20 - Portoghesi. Paolo, op.cit., p.l l .

21 - Ver o artigo de Owens, Craig "The discourse of others:feminists and postmodernism", In Foster, Hal (ed.), op.cit ..

22 - Citado por Wellmer, Albrecht, "La dialéctica de modemidady postmodernidad". In Picó. Josep (ed.), op. cit., p.105.

OEXi

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ava os mecanismos totalitários da sociedade industrialna sua ânsia em reduzir os indivíduos à lógica doimperativo iluminista.

Porém, seria o enunciado das diferenças sufici-ente? O mundo, tal como imaginam os pós-modernos,é realmente plural, democrático? Os indivíduos pos-suem de fato um poder sobre "as mensagens que osatravessam", como idealiza François Lyotard em Acondição pós-moderna?(23) O próprio Lyotard come-ça a duvidar disso em seus escritos posteriores. Numaautocrítica às suas posições anteriores, ele afirma:"Que a diferença seja destinada a fazer sentido en-quanto oposição dentro do sistema, para falar comoestruturalista, é uma coisa; outra é que ela seja prome-tida ao sistema-devir".(24) Uma nova linha de argu-mentação é introduzida. A existência em si dás dife-renças diz pouco. Elas só adquirem sentido quandoarticuladas ao sistema que as envolve. É preciso qua-lificar o processo de diferenciação, imergi-lo nas situ-ações concretas da história. O raciocínio pós-modernopretendia passar uma visão idílica do mundo contem-porâneo, fazendo-nos crer que a mera afirmação daspartes em contraposição ao todo era sinônimo de de-mocracia. Certo, não podemos deixar de reconheceras especificidades, mas devemos acrescentar que elasse manifestam num espaço permeado por conflitos ehierarquias.

Isto nos permite recolocar a questão da hege-monia: a capacidade de organizar hierarquicamente asdiferenças. Não há contradição em afirmar-se simul-taneamente a parte e o todo. Como observa FredricJameson, "um sistema que constitutivamente produzdiferenças permanece um sistema"; este é por sinal oargumento central das teses de Luhmann.(25) A meuver, há um equívoco em relação à polêmica sobre "ofim dos grandes relatos", como pretendia Lyotard emsuas teses anteriores. Primeiro, esse tipo de assertiva,a rigor, não é uma novidade para o debate. A temáticado "fim das ideologias" já havia sido trabalhada porautores como Daniel Bell e Herbert Marcuse. Segun-do, mesmo se aceitássemos esse ponto de vista, delenão decorre a positividade das diferenças, a conquistado individual como antagônico ao geral. A noção desistema integra a crítica diferencialista, neutralizan-do-a. Um sistema, para funcionar, não necessita de

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23 - Lyotard, Jean-François. o pós-moderno. Rio de Janeiro, JoséOlympio, 1986.

24 - CL Lyotard, J.F .. L'inh uma in, Paris, Galilée. 1988, p.12.

25 - Jameson, Fredric. "Marxism and postmodernism". New LeftReview, n° 176, july-august 1989. p.34; Ver também LuhP.12-'l,Niklas. Sociedad y sistema, Barcelona, Paidós, 1990.

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_O_E_X_E_M_P_L_O_D_A_AR__ Q_U_I_T_E_T_UR__A ~~nenhum grande relato. Ele é um grande relato. Comoapontava Marcuse, a ideologia nas sociedades pós-industriais não corresponde mais à "visão de mundo",a uma "falsa consciência", a uma Weltansehauung.Ela é praxis e se incorpora à materialidade dos objetose da vida. Perforrnance, racionalidade, funcionalidadenão são valores, mas mecanismos que prescrevem odesenvol vimento do sistema.

Quando os pós-modernos valorizam os sinaisantropológicos de cada grupo societário, procurandodecifrar suas estéticas particulares, é importante inda-gar: qual o significado disso? A recuperação queVenturi faz do "mau gosto" da classe média america-na não é ingênua. Como aponta David Harvey, suatática é explorar, de maneira populísta. uma potencia-lidade do mercado. A uma classe média protegida porespaços fechados, shopping-centers, praças e bairrosde moradia corresponde um gosto que não é neutro.Através de sua manifestação, essa mesma classe mé-dia se diferencia legitimamente de uma estética e deum espaço característico das classes subalternas. Eleaspira ainda, por meio da crítica ao elitismo, a parti-cipar do locus consagrado da estética acadêmica. Adiferença torna-se distinção, no sentido que Bourdieuatribui ao conceito. O capital cultural de classe permi-te, dessa forma, estabelecer uma hierarquização degostos e de disponibilidades estéticas.

Na verdade, sob esse ângulo, as arquiteturasmoderna e pós-moderna se tocam. Do ponto de vistasocial, não há nenhum contraste entre um prédio deMies van der Rohe para a Seagram (N.York, 1958) eoutro de Philip Johnson e John Burgee para AT&T(N.York, 1982). Ambos simbolizam o poder das gran-des firmas empresariais. Eles distinguem, no emara-nhado da paisagem urbana, a superioridade daquelesque detêm as posições dominantes na sociedade. Háuma única diferença talvez. Os pós-modernos, comopretendem estar mais afinados com os tempos históri-cos' têm mais chance de se apropriar desse rendosomercado de construções, apresentando aos clientesuma novidade no leque de distinções. No âmago deuma sociedade que gira através da efemeridade dascoisas, eles se revestem de uma atualidade, de umvalor in, que expulsa a obsolescência out das concep-ções anteriores.

Mas as diferenças não significam unicamentedesigualdades entre classes e grupos no interior deuma sociedade determinada. A proposta pós-moder-na ignora que a modernidade-mundo é construídatambém de forma hierárquica. Evidentemente, o sis-tema mundial preserva a uni cidade diferencial dasnações, mas integrando-as a um conjunto que possuiregras e mecanismos próprios. O local não é mera

expressão de sua particularidade, ele se encontraconectado a uma rede assimétrica de forças que oatravessam e o submetem. A revolução informática ecomunicacional que os pós-modernos invocam comosubstrato material para suas perspectivas está longede exprimir qualquer tipo de ideal democrático. Aidéia de "aldeia global" é nesse sentido imprecisa.Ela sugere que o mundo é uma "comunidade" isentade contradições. A transnacionalização da cultura ca-minha em outra direção: o desnivelamento das na-ções implica a presença de conteúdos e de formashegemônicas.

Certamente, as unidades desse sistema mun-dial entram agora em contacto mais intensa e rapida-mente do que antes; porém, o ato comunicativo é pre-determinado pelas posições que os elementos ocu-pam no interior da malha que os transcende. Algunsarquitetos do Terceiro Mundo começam a compreen-der esse fato e procuram afastar-se das idealizaçõesotimistas. É o caso do regionalismo crítico na Améri-ca Latina. Sem abandonar a idéia de uma civilizaçãouniversal, seus defensores buscam retraduzir a ar-quitetura de acordo com a linguagem e as particulari-dades locais. Eles têm, no entanto, consciência deque o campo internacional vem demarcado de manei-ra inequívoca. Por isso, Antonio Toca propõe comoprojeto "a necessidade de lutar por uma arquiteturaespecífica e particular, que se insira no conf1ito glo-bal entre uma cultura hegemônica (que tende a cons-tituir-se como única) e as culturas específicas de cadaregião".(26) A pretensa neutralidade das tendênciasinternacionais é questionada no nível do desenhoarqui tetônico.

Memória: espaço e tempoO modernismo em arquitetura realmente via o passa-do sob o signo da suspeição. À força de buscar a ex-pressividade dos novos materiais, tolhia a imagina-ção, aberta apenas para um futuro nem sempre pro-missor. Herdeiro da modernidade, ele se construía e serefazia incessantemente, acelerando muitas vezes novazio, na direção de sua própria superação. Ao recu-perar a tradição, os pós-modernos reinvestem de sen-tido formas que, diante da proeminência e da sofre-guidão do ângulo reto, haviam sido relegadas a umsegundo plano. Pirâmides, colunas gregas, frontispí-

26 - Toca, Antonio. ':Do desconcerto à certeza: teses para umaarquitetura regional". Revista de A rquitetura e Urbanismo, n° 17,julho, 1988.

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illJL- R_E_F_L_EX_O_- E_S_SO_B_R_E_A_PO_'_S_-M_O_D_E_R_N_ID_AD_E_:

cios neoclássicos adquirem assim direito de cidadanianas sociedades industrializadas. Mas fica a dúvida:qual o significado dessa recuperação? Trata-se da va-lorização de uma memória coletiva, como se pre-tende?

Quando Halbwachs cunha o conceito de me-mória coletiva. ele procura mostrar que as lembrançasse encontram intimamente ligadas à existência dosgrupos particulares. O ato mnernônico requer a parti-lha e a participação daqueles que solidariamente secomunicam uns com os outros. A lembrança é possí-vel porque os grupos existem. O esquecimento resultado seu desmembramento. Mas, para ser vivenciada, amemória necessita de uma referência te rrito riai: ela seatualiza no seio de um espaço comum, conferindopeso às lembranças. Uma igreja não é simplesmenteum local de reunião dos fiéis. Seu lugar e sua forma adistinguem de outros estabelecimentos vizinhos; emseu interior, o espaço se subdivide, separando a cele-bração dos rituais da assistência, ruptura que reforça oantagonismo entre o sagrado e o profano. A memóriacatólica, para se cristalizar. escolhe o espaço construí-do e delimitado pela tradição. O mesmo acontece comas cidades. Suas pedras fazem parte dos eventos vivi-dos pelos di versos agrupamentos que a constituem.As ruas. os monumentos, os edifícios materializam anarrativa das lembranças. A memória coletiva enraízaos indivíduos no solo que os circunda; enquanto tradi-ção, ela lhes assegura uma estabilidade. O passado épreservado em nichos, impedindo que uma histórialongínqua se perca nas brumas do tempo.

A primeira vista, a tentativa pós-moderna arti-cula-se a uma recuperação da memória local. Retomara tradição, recusar o universalismo iluminista (no sen-tido de Adorno) não é justamente realçar a presençadas particularidades? Todavia, para quem se debruçasobre a questão, olhando-a de mais perto. as contradi-ções afioram. O ecletismo pós-moderno pressupõeum tipo de raciocínio que o afasta do tradicionalismo.Os próprios artistas encarregam-se de esclarecer oseventuais mal-entendidos. "O passado do qual recla-mamos a presença não é uma idade de ouro a serrecuperada. Não é a Grécia como infância do mundo,da qual falava Marx, atribuindo-lhe a universalidade.permanência e exemplaridade de certos aspectos datradição européia. O passado com a sua presença, quehoje pode contribuir para fazermos ser os filhos denosso tempo, é no nosso campo o passado do mundo.Ele é o sistema global das experiências conectadas econectáveis pela sociedade".(27) Não se trata, pois,

27 - Portoghesi, Paolo. op.cit .. p.26.

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de uma visão nostálgica. O clássico não é recuperadoenquanto tal, mas enquanto forma produzida em al-gum tempo e lugar.

Dizer, porém. que o passado é um sistema sig-nifica atribuir-lhe uma intemporalidade. Retirados docontexto original, uma cornija egípcia ou um panteãoao ar livre podem coabitar ao lado de arcos clássicosou góticos. A memória da qual falam os pós-moder-nos é estrutural, e se compõe de invariantes. Pirâmi-des. catedrais góticas, palhoças, colunas (helênicas oujônicas), formas abobadais, teto japonês etc são ele-mentos de um conjunto lógico atemporal. Ele consti-tuiria, por assim dizer, o legado da humanidade, en-globando quantitativamente todas as formas conheci-das. ontem e hoje. O presente se alinha ao passado, asarquiteturas nacionais se articulam no interior destemegaconjunto, domínio de todas as formas. Resta aoarquiteto relacionar-se ecleticamente com essa dispo-nibilidade estética quase infinita. Segundo suas ne-cessidades, ele escolheria os termos adequados paracompor seu projeto particular. Da mesma forma que obricoleur, ele age seleti vamente para responder a cadaproblema que enfrenta na prática.

Ocorre, entretanto, uma diferença determinan-te entre essa memória pós-moderna e aquela a que sereferia Halbwachs. O espaço, figura central na defini-ção da memória coletiva, se esvanece. Ele se desterri-torializa. As formas constitutivas dessa memória ci-bernética são elementos vazios, sem qualquer densi-dade particular. Uma pirâmide nada tem a ver com avida dos povos egípcios; um templo grego é algo dis-tante de sua época. O mesmo princípio vale para opresente. Uma forma asiática, para integrar o universobranco da semiologia pós-moderna, deve ser depura-da de seu peso cul tural. A história, que havia sido ofulcro da crítica em relação ao modernismo. se esvaino formalismo. O espaço reinvidicado pelos pós-mo-dernos nada tem de local, e eu diria, inclusive, deuniversal; ele é simplesmente um traço adaptável aseus diferentes usos. Nesse ponto, há uma diferençamarcante entre a tendência pós-moderna em arquite-tura e o regionalismo crítico. Este último propõemediatizar o impacto da civilização universal comelementos derivados da particularidade de cada lugar.O espaço local é assim carregado de historicidade. Aomovimento de desterritorialização global procura-secontrapor a "forma-lugar" como resistência ao cami-nhar da modernidade planetária. Por isso, certosregionalistas críticos como Kenneth Frampton ten-dem a sublinhar mais os aspectos tectônicos das cons-truções do que propriamente seu impacto visual. Ocenário pós-moderno cede lugar à "rugosidade" datextura material. Uma arquitetura "tátil" é privilegia-

28 - Ver]points fo:op.cit.29 - RetcRenato •••:ciafragm

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o EXEMPLO DA ARQUITETURA

da em relação ao sentido da visão, enfatizado pelasociedade de imagens.(28)

No entanto, apesar de nos situarmos diante derespostas diversas sobre como utilizar o espaço, creioque o debate sobre a pós-modernidade tem a virtudede exprimir um processo de desterritorialização maisamplo, que envolve as sociedades como um todo. Amanifestação de um world system, de uma culturamundial, implica o desenraizamento das formas e doshomens. O espaço, que surgia ainda como uma fron-teira de resistência à mobilidade total, definindo osindivíduos em relação ao solo, a suas cidades, a seuspaíses, transubstancia-se em elemento abstrato, po-dendo ser manipulado por uma consciência, sem qual-quer enraizamento cultural. O movimento de circula-ção que a modernidade continha em si mesmo é leva-do pela pós-modernidade ao paroxismo. Num mundoque se internacionaliza, o local só consegue expressaro anonimato do espaço, seu vazio formal.

Mas esse movimento de desparticularizaçãonão é restrito. Ele incide sobre a noção de tempo.Podemos apreender esse ponto retomando a aproxi-mação que fizemos entre ecletismo e bricolage, acres-centando agora um outro elemento, o sincretismo. Doponto de vista da lógica combinatória utilizada nessesprocessos, a analogia parece-me pertinente (diz-secomumente que o pensamento pós-moderno é sin-crético). Mas fora esse aspecto, as diferenças são con-sideráveis. O sincretismo pressupõe a presença deuma memória coletiva, de um mito partilhado por umgrupo de pessoas. Ele é uma bricolage que resulta docontacto de duas tradições. Todavia, existe uma tradi-ção dominante, que escolhe e ordena os elementos deuma tradição subdominante. Um exemplo é o sincre-tismo de Iansã com Santa Bárbara, no quadro da cul-tura afro-brasileira.(29) Existe nesse caso uma duplaoperação: o sistema comanda a escolha e depois or-dena, em seu interior, o elemento elegido. Iansã nãopode ser aproximada a qualquer santo católico. Umalimitação se impõe: a escolha deve recair sobre umasanta. Por outro lado, ela tem que privilegiar umadivindade que apresente, mesmo de maneira bastantevaga, os atributos do orixá da tempestade. Ora, sabe-mos que na hagiografia católica, Santa Bárbara foicondenada à morte na época da perseguição dos cris-

28 - Ver Frampton, Kenneth, "Towards a critical regionalism: sixpoints for an architecture of resistence". In Foster, Hal (ed.),op.cit.29 - Retorno aqui minha argumentação desenvolvida em: Ortiz,Renato, "Do sincretismo à síntese". In Ortiz. Renato. A consciên-ela fragmentada, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.

tãos pelos romanos. Seu próprio pai foi quem a execu-tou, mas imediatamente depois foi surpreendido poruma tempestade e morreu atingido por um raio.

Assim, a tradição dominante (a memória co-letiva africana) seleciona, entre todas as santas possí-veis, aquela que melhor correspoderia a Iansã. Entre-tanto, não se deve pensar que Santa Bárbara sejaIansã, pois nem todas as suas características são perti-nentes ao conjunto que a escolheu. Santa Bárbara só éIansã, na medida em que é uma santa católica cujahistória encerra traços de chuva, trovão e raio. O sin-cretismo fundamenta-se sobre uma tradição que pre-serva sua coerência; dito em linguagem lógico-for-mal, o conjunto memória coletiva aumenta em exten- .são, ao integrar elementos que Ihes eram estranhos,mas sua pertinência permanece a mesma.

O quadro é outro com os pós-modernos. Naausência de uma memória dominante, a escolhaeclética se faz unicamente voltada para o pragma-tismo que a exige. Não há regra possível para sin-cretizar os traços no conjunto das formas disponíveis.Cada operação é singular e termina na sua particulari-dade. A diferença torna-se fragmentação.(30) Daí umnovo tipo de relacionamento com o tempo. Como nãohá correlação entre as seqüências de escolha, cada atoeclético esgota-se no momento da seleção. A pós-modernidade, tal como é vista pelos seus proponentes,se consome no presente de cada partícula. Por isso,Jameson dirá que ela é esquizofrênica, isto é, cadaexperiência é um isolado, algo desconectado do todo.Decorre dessa perpétua condenação ao presente umaimpossibilidade de se conceber o pretérito e o porvir.Nas sociedades primitivas, o futuro não podia ser ima-ginado, a não ser como projeção do presente; entre-tanto, o tempo mítico não era descontínuo; por seridealizado como um momento idílico, ele se prolon-garia até os dias atuais. Sua imanência se legitima pelaexistência de uma época áurea, remota, continuamen-te recuperada pelo trabalho mnemônico. A memóriapós-moderna não é nem mítica, nem utópica, ela para-lisa-se na sua instantaneidade.

30 - Não deixa de ser irônico perceber que a ausência completa dequalquer organicidade na escolha das formas arquitetõnicas as-susta inclusive alguns pós-modernos. Jenks, pressentindo o perigode uma configuração caótica, sublinha várias vezes a necessidadeda existência de regras para o ecletismo: mas, submerso pelo seuraciocínio, é incapaz de enunciá-Ias. Ver What is post-moder-nism?

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-illJ~---------------------------------------------------------------------REFLEXÕES SOBRE A PÓS-MODERNIDADE:

Símbolo e signoOs arquitetos pós-modernos reiteradamente realçam ocaráter comunicati vo de suas obras. Criticando o mo-dernismo, eles dirão, por exemplo, que "houve umtempo em que na arquitetura a forma era enfatizada nolugar do símbolo, quando os processos industriaiseram considerados determinantes essenciais das for-mas para qualquer tipo de edifício, em qualquer lu-gar".(31) O caráter formal predominaria sobre o ele-mento simbólico, restringindo a interação entre oshomens. Charles Jenks é explícito nesse sentido: "Omodernismo falhou como construtor de casas em mas-sa e edifícios nas cidades, em parte porque não conse-guiu se comunicar com seus habitantes, com seus usu-ários ... O duplo código, essencial na definição do pós-modernismo, tem sido usado como uma estratégia decomunicação em vários níveis".(32) Sublinha-se, por-tanto, a dimensão da comunicação; é através dela queo arquiteto dialoga com o público. O que faltava aomodernismo é recuperado, procurando-se equacionara questão dos sentidos, do isolamento das pessoas.Um prédio, um estabelecimento, deve trazer com eleuma "mensagem", algo a ser compreendido por aque-les que os contemplam. Como essa galeria em Stutt-gart, cujo azul e vermelho do corrimão das escadascombinaria, ou melhor, se comunicaria com o públi-co, se tivesse as cores vivas usadas pelajuventude quea freqüenta.

No entanto, o que devemos entender por ar-quitetura-símbolo? A resposta, os pós-modernos aencontram no 'passado; é no tempo pretérito que elesbuscam inspiração. Essa perspecti va fica clara quandoum autor como Jenks abre seu livro Arquitetura sim-bólica; logo no primeiro capítulo ele nos propõe duasfábulas.(33) A primeira conta a lenda de um ditadorque tinha abolido todas as manifestações culturais,religiosas, científicas e políticas. O povo desse reinoinfeliz perdeu a herança de uma língua em comum esó podia viver no fechamento de sua privacidade. Paracompensar essas atribulações, o ditador decidiu in-centivar algo para além dessa incomunicabilidade.Ele ordenou a edificação de vários estabelecimentos,belos e admiráveis, mas cuja intenção se reduzia àconfirmação do poder, de sua eficiência. Mesmo sem

31 - Venturi, R. e Brown, D. S., "Diversity, relevance andrepresentation in historicism", ln Venturi, R. e Brown, D. S., Aview from lhe Campidoglio, New York, Harper and Row, 1984,p.108.

32 - Jenks, Charles, What is posl-modernism?, p.19.

33 - Jenks, Charles, Toward a simbolic architecture. London,Academy Editions, 1985.

maiores esclarecimentos, o leitor já pode perceber quea descrição se aplica ao modernismo, no qual a domi-nância da forma esvazia o conteúdo dos significados.

A segunda fábula é mais generosa. Jenks nosconvida a imaginar um mundo no qual o sentido con-ferido às coisas é partilhado por todos, integrando opúblico e o privado. Diz ele: "Os líderes e os habitan-tes desse mundo levavam uma vida simpática porquetudo o que faziam, por mais insignificante que fosse,era parte de uma história mais ampla".(34) Ligadasumas às outras, as pessoas dessa terra imagináriatSignificatus), como as crianças, acordavam todos osdias descobrindo novas relações entre os objetos, des-vendando os segredos dos símbolos incrustrados naespacialidade do mundo.

Para povoar esse espaço utópico, Jenks recorreàs culturas antigas. Sua digressão sobre as pirâmidesegípicias tem a meu ver um valor paradigmático. Paraele, elas representam uma arquitetura total, de signifi-cação "densa" (retomo uma expressão de Gertz). Suasformas imponentes, majestosas, expressariam a esta-bilidade de uma época, simbolizando a presença deRa, o deus-sol, junto ao reino dos homens. Como es-cadas, elas ajudam as di vindades a descerem dos pín-caros do céu, misturando a altura das nuvens à hori-zontalidade profana. Erigidas ao lado do Nilo e cerca-das pelo deserto, elas reafirmam a continuidade davida diante da aridez que as circunda. Arquitetura,religião, poder, autoridade, filiação são faces interli-gadas ao cosmos, unindo as entidades espirituais aomundano, o sagrado à vida cotidiana. Arquitetura querequer um esforço de interpretação incessante, convi-dando aquele que a aprecia a agir como um detetiveem busca das pistas e dos recantos ocultos.

Mas a interpretação proposta se choca com aseqüência restante do livro. Para contracenar com agrandiosidade do passado, Jenks nos oferece apenas olugar modesto da casa que projetou para sua família.Todos os capítulos que seguem compõem uma tenta-tiva inócua de decifrar as possíveis leituras de seuespaço privado. Há nisso uma exagerada dose denarcisismo, mas o raciocínio apresentado abre hori-zonte para uma reflexão interessante. Um primeirotraço: a casa possui um nome próprio. Ela se chamaGaragia rotunda e minuciosamente o autor nos expli-ca o porquê dessa escolha. Cada aposento, cada peçamaterial, cada desenho tem um sentido particular e aspáginas do livro se alongam procurando traduzi-lopara o leitor. Ficamos assim sabendo a intencio-nalidade que se aninha por trás das pinturas das pare-

34 - Idem, p.21.

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_O_E_X_E_M_P_L_O_D_A__AR~Q_U_IT_E_T_UR__ A ~des, das figuras clássicas que adornam a moradia. oraimpondo-se explicitamente ao olhar, ora disfarçando-se através de mil artifícios. Os quartos são tambémindi vidualizados. pintados com as cores preferidas deseus habitantes e até mesmo a modulação do mobiliá-rio tenta traduzir a individualidade de cada um.

Qual a razão de tantos detalhes. o motivo dessaobsessão por tudo que emana do indivíduo? Creio queJenks se equivocou de fábula. Na verdade, ele situa-seno interior da primeira que nos contou, a que tanto oamedronta. O simbolismo das pirâmides pressupunhaum substrato anterior. uma organicidade que soldavaas diferentes partes da sociedade. Havia uma memóriacoletiva que envolvia os diversos níveis sociais. Reli-gião, magia, estado, trabalho não eram esferas autô-nomas. donas de uma racionalidade própria. As divin-dades interagiam com os homens, na medida em quetodos se encontravam perpassados pela trama do cos-mos religioso. As pirâmides simbolizam a totalidadede uma civilização inteira, em todos os planos; ossegredos que elas guardam são as múltiplas media-ções que entrelaçam os distintos momentos da vidasocial.

A condição das sociedades atuais é distinta. Amodernidade rompe com os laços de solidariedade enão mais consegue integrar os homens no âmago deum todo orgânico (não é esse o dilema de Durkheim ?).O que é próprio das formações capitalistas modernasé que elas se estruturam em esferas racionais indepen-dentes que falham em se comunicar entre si. A presen-ça dos detalhes, a hipertrofia do eu, que adere à mate-rialidade da casa que Jenks nos descreve, pode ser lidade outra maneira. Ela manifesta não a força, mas aagonia da individualidade, revelando os pedaços deuma sociedade fragmentada, na qual os universosatomizados já não mais se reconhecem. A busca su-perlativa pelo indivíduo, pela sua idiossincrasia, reve-la a incapacidade comunicativa de uma sociedade querompeu com os "grandes relatos" - ciência, política,religião. Cada símbolo é um gesto desesperado noesforço vão de se fazer ouvir.

Os arquitetos sabem dos percalços que existemem se conceber um tipo de arquitetura confinada àsresidências individuais. Ela lhes daria poucas oportu-nidades para veicular idéias coletivas; por isso a no-ção de símbolo deve abranger uma dimensão pública,o lado propriamente comunicativo que a definição doduplo código encerra. O que significa, porém, umaarquitetura expressi va no seio de uma sociedade queperdeu a capacidade de interação? A proposta deRobert Venturi exemplifica como essa contradição étrabalhada, mesmo sem ser superada. Seu estudo so-bre Las Vegas procura demonstrar como o espaço

urbano, que se encontraria fragmentado em partesdescontínuas, descobre um modo de interligação pormeio dos sinais que transpassam o horizonte da cida-de. Sua análise é sugestiva: "Mover-se através da pai-sagem (urbana) é mover-se sobre a vastidão de umatextura extensa, a megatextura de uma paisagem co-mercial. O estacionamento é o parterre dessa paisa-gem de asfalto. O padrão das linhas de estacionamen-to nos dá a direção da mesma forma que o padrão decalçamento, curvas e canteiros nos orienta no tapisvert de Versailles; grades de postes de iluminação,substituídas por obeliscos, fileiras de vasos, estátuassão pontos de identidade e de continuidade nesse vas-to espaço. Mas são os sinais da estrada, por meio desuas formas esculturais, suas silhuetas picturais, suaposição particular no espaço, suas formas moduladas,seu significado gráfico, que identificam e unem estamegatextura. Eles estabelecem uma conexão verbal esimbólica com o espaço, comunicando à distância, empoucos segundos, uma complexidade de sentidos. Osímbolo domina o espaço".(35)

Numa civilização na qual a mobilidade é essen-cial, é necessário que existam balizas, um código deorientação. Como afirma Venturi: "O sinal para omotel Monticello - uma silhueta de um enorme meni-no - é visível da estrada, antes do próprio motel";(36)diante do emaranhado de edifícios, os símbolos indi-cam o caminho, eles antecedem o volume arquitetô-nico. Como um aeroporto ou uma grande estação fer-roviária, a cidade seria análoga a um texto semio-lógico, recortado por indicações e painéis, comuni-cando ao usuário um conjunto de informações quelhes permite enveredar nesse labirinto inextricável.

Penso que a insistência dos pós-modernos emfalar-nos desse gênero de arquitetura reflete justa-mente as necessidades de uma sociedade de comuni-cação. Parece que nesse mundo dominado pela infor-mação a arte deve cumprir um novo papel. De maneiraidêntica a outras instâncias sociais, ela busca transmi-tir algum tipo de idéia. Éessa preponderância da men-sagem que leva a arquitetura a se aproximar da publi-cidade. Ou como comenta Venturi: "Para o arquitetoou o desenhista urbano, a comparação de Las Vegascom outros mundos ou zonas de prazeres - por exem-plo, Marienbad, Alhambra, Xanadu, Disneylândia -sugere que o essencial para uma imagem arquitetô-nica dessas zonas é a leveza, a qualidade de ser umoásis dentro de um contexto hostil, um simbolismopesado e a habilidade de mergulhar o visitante em um

35 - Cf. Venturi, Robect et alii, op.cit., p.13.

36 - Idem, p.8

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~~ R_E_F_L_E_X_Õ_E_S_S_O_B_R_E_A_PO__'S_-M__ O_D_E_R_N_ID_AD__ E_:novo papel. Por três dias, ele pode imaginar-se umcenturião no Caesars Palace, um ranger no Frontierou um ricaço no Riviera, ao invés de ser um vendedorem Des Moines, Iowa, ou um arquiteto em Haddon-field, New Jersey". A passagem é inequívoca. Aarquitetura adquire uma função de persuasão e não sóde orientação, seduzindo o passante; ela integra osdesejos à sociedade de consumo.

No entanto, os pós-modernos parecem não per-ceber que, à medida que as formas arquitetõnicas seacomodam à sociedade informacional, cada vez maiselas se afastam da riqueza semântica que nos era pro-metida. Afinal, o que é um símbolo? Hegel já nosensinava que, na sua essência, ele é equívoco. O sim-bolizado nunca se encontra inteiramente no suporteque o anuncia. Algo sempre escapa, sugerindo umaambigüidade, um sentido misterioso às coisas. As pi-râmides egípcias, um marco da arquitetura simbólica.revelam e escondem um segredo, da mesma formaque o significado do cristianismo ultrapassa a cruzque o simboliza. O símbolo fala para além do que édito. Na verdade o que nos é proposto é um acomo-damento ao império do signo. Sinais que interpelam ousuário com seus conteúdos unívocos pertencem aodomínio da utilidade e existem enquanto instrumentospara veicular determinadas mensagens. Toda gratui-dade e imprecisão é banida, pois a informação requeruma decodificação realista.

Longe de escapar da racionalidade social. opós-modernismo a confirma por outra via, e eu acres-centaria: mais profundamente. Com Venturi, a pró-pria materialidade dos edifícios é redefinida, ou comoele nos diz, caracterizando sua concepção de simbo-lismo: "Eu sou bastante simples; refiro-me à própriaforma do prédio, por exemplo um edifício ao lado daestrada, em forma de hamburger, onde se vende ham-burger, misturando os meios de expressão da pintura,escultura e arquitetura. Ou ainda, o simbolismo quepode se encontrar sobre o edifício, na forma de umsigno. A iconografia arquitetõnica de hoje está ligadaà arte da publicidade, o que é um outro estímulo".(37)

Contrariamente à ideologia professada, para-doxalmente nos encontramos no mesmo pólo do criti-cado modernismo. Não é apenas a arquitetura que sefuncionaliza, mas também a estética. Um prédio quevende hamburger, ao se revestir da forma hamburger,torna-se uma redundância que vivifica sua funçãomercantil. Não há mais ambigüidade, tudo é expli-citado. O funcionalismo que antes existia em relação

37 - Cf. Venturi, Robert, "Entrevista". ln Cook, J.W. e Klotz, H.Questions aux architectes, p. 427-428.

aos papéis sociais (morar, trabalhar, divertir etc.)abarca agora a esfera artística. O resultado é sua exa-cerbação à segunda potência, reforçando a integraçãodos homens a uma modernidade que se tornou "pós".

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Recebido para publicação em fevereiro de 1992.

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