Os 10 Mais Belos Experimentos

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    Robert P. Crease

    Os Dez Mais BelosExperimentos Cientficos

    Traduo:Maria Ins Duque Estrada

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    s coisas selvagens, em todos os lugares

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    A cincia destri a beleza?

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    O peso do mundo

    O austero experimento de CavendishInterldio 5

    Integrando cincia e cultura popular

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    A luz como onda A lcida analogia de Young

    Interldio 6Cincia e metforas

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    A Terra giraO sublime pndulo de Foucault

    Interldio 7 A cincia e o sublime

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    Observao do eltronO experimento de Millikan com a gota de leo

    Interldio 8 A percepo na cincia

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    Beleza nascente

    A descoberta do ncleo atmico por RutherfordInterldio 9

    Artesanato na cincia

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    O nico mistrio

    A transferncia quntica de eltrons isolados

    Interldio 10Quase vitoriosos

    Concluso A cincia ainda pode ser bela?

    Notas Agradecimentos

    ndice onomstico

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    Lista de il ust raes O mais antigo contador de horas conhecido,O Louvre Foto RMN , p. 18. O raciocnio de Eratstenes,p. 22. A medio de Eratstenes,p. 22. Torre Inclinada de Pisa, p.32.

    Plano inclinado com sinos,Copyright Istituto e Museo di Storia della di Firenze, p.48.

    Plano inclinado e queda livre, p.49. Reconstruo da demonstrao de Galileu. Reimpresso com autoriza

    Science, n.133 (1961) 20. Copyright 1961, Associao Norte-American Progresso da Cincia, p.53.

    Oexperimentum crucis de Ne wton, p.60. Luz passando atravs de um prisma, p.65. Experimentum crucis, p.68. Equipamento de Cavendish para medir a densidade da Terra, p.78. Feixe e esferas de Cavendish, p.87. Padro de interferncia, p.94. Padro de interferncia,p. 100. Pndulo de Foucault no Panthon, p.108. Pndulo de Foucault no Panthon, 115. Equipamento da gota de leo de Robert Millikan.Cortesia dos Arquivo

    Instituto de Tecnologia da Califrnia, p.124. Diagrama do experimento da gota de leo, p.131. A primeira anotao de Rutherford sobre estrutura atmica, p.140. Detectando disperso de ngulo obtuso, p.147. Acmulo gradual do padro de interferncia de eltrons em eltr

    isolados. Usada com permisso do grupo de Bologna, do grupo Hitachi, e da Ados Professores de Fsica, publicada originalmente em American Journal of Physn.44 (1976), 306; 57 (1989), 120, p.156.

    Trs experimentos de duplas fendas.Usada com a permisso da propriede Heinz Pagels, copyright 1982 por Heinz Pagels, p.159.

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    Prismas duplos pticos e de eltrons, p.162. Padro de interferncia de eltrons.Usada com permisso de Claus Jn

    publicada originalmente no American Journal of Physics,n.42 (1974) , p.164. O primeiro BNL g-2 Squiggle.Cortesia do G-2 Collaboration, p.174.

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    IntroduoO momento de transio

    No consigo lembrar a primeira vez em que ouvi cientistas se referirem aexperimento como belo, mas consigo lembrar a primeira vez em que entendque estavam falando.

    H muitos anos, eu me encontrava sentado em um escritrio acadmico miluminado no prdio de fsica da Universidade Harvard, cercado por pidesarrumadas de livros e papis. minha frente estava Sheldon Glashow,fsico enrgico cujas feies, incluindo os culos de grossura industrial, quasescondiam por trs de um vu oracular de fumaa de cigarro. Aquele foiexperimento belo, ele dizia, um experimento absolutamentebelo! Algo em intensidade e na nfase me fez entender que escolhia palavras com cuidadoseus olhos, o experimento que estava a descrever era literalmente uma cbela.

    Glashow no uma pessoa ignorante. Como muitos cientistas, ele sabe mmais sobre as artes e cincias humanas do que os praticantes desses camgeralmente sabem sobre o seu: fsica de alta energia. Ele , alm disso,cientista famoso, e recebera o Prmio Nobel de Fsica em 1979, poucos anos ade nossa conversa. Naquele momento, em seu escritrio, fui forado a consida possibilidade de que algum realmente encarasse um experimento cientfcomo belo, querendo dizer o mesmo que a maioria de ns quando classificamuma paisagem, uma pessoa ou uma pintura como belas.

    Fiquei curioso para saber mais sobre aquele experimento que empolgGlashow, ao qual ele se referira resumidamente como experimento de correnneutras de Slac. Era um projeto difcil e complicado que havia consumidesforos de cientistas, engenheiros e tcnicos por muitos anos. Levou nove apara ser planejado e construdo, e finalmente foi executado na primavera de 19

    em um acelerador de partculas de trs quilmetros de comprimento localizano Slac, ao Sul de So Francisco, nas montanhas de Santa Clara. O experimenvolvia a criao de eltrons polarizados eltrons orientados na medireo para ento dispar-los pelo acelerador numa velocidade quase igual luz, acert-los em uma massa de prtons e nutrons, e observar os resultadDisso dependia uma nova teoria sobre a matria em seus nveis mfundamentais a participao de Glashow foi decisiva para o desenvolvim

    desse experimento. Se a teoria estivesse correta, os experimentadores dever

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    ver uma pequena diferena no modo pelo qual os eltrons polarizados diferentes direes ricocheteavam nos prtons, indicando a presena de achamado correntes neutrais violadoras de paridade. A diferena extremamente pequena algo como um em mil eltrons. Observar isso extamanha preciso e para o experimento ser convincente os cientistas deverobservar dez bilhes de eltrons que muitos cientistas acharam a tar

    impossvel, ou que o resultado seria inconclusivo.Poucos dias depois do incio do experimento, porm, tornou-se claro qu

    resposta no era nem um pouco ambgua ou questionvel, e que a ambiciteoria estava correta. (Glashow e dois outros cientistas ganharam prmios Npor seus papis na criao dessa teoria.) De fato, o experimento executadmaneira to magistral fez a existncia de uma nova e fundamental propriedadenatureza as correntes neurais violadoras de paridade to vividamente apar

    para qualquer pessoa com treinamento em fsica que at mesmo aqueles que nparticiparam do projeto o acharam emocionante. Quando um dos cientisenvolvidos descreveu para outros, pela primeira vez, o trabalho experimenseus resultados, em palestra realizada no auditrio do acelerador, em junho1978, ningum na plateia se lembrava de outra ocasio em que o pessoallaboratrio normalmente um grupo dado a polemizar no tivesse contestos resultados. Na verdade, no houve sequer uma pergunta. Todos os presentambm se lembram de que os aplausos que se seguiram palestra foram mlongos, apreciativos e respeitosos do que habitualmente.1

    A ideia de que um experimento pudesse ser belo me fez pensar no que podse incluir numa lista de belos experimentos. Isso produziu resultados que intrigaram no mbito de minha carreira dual: como filsofo e como historiada cincia. O que significa dizer que um experimento belo? E o que signpara a beleza, dizer que ela inclui experimentos?

    Quando falo com no cientistas sobre a beleza de um experimento, tendem a ser cticos. H trs fatores que explicam tal ceticismo, na miopinio. Um social: quando os cientistas se apresentam em pblico relataseu trabalho formalmente ou conversando com jornalistas , eles rarameusam a palavra beleza. As convenes sociais para pesquisadores determique eles apaream como pesquisadores objetivos da natureza e mascarem viso subjetiva e pessoal. Para passar essa imagem, os cientistas apresentam experimentos como objetos puramente funcionais, como a mera manipulaoum grupo de instrumentos que quase automaticamente produz a informa

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    correta.O segundo fator cultural: o modo como a cincia em geral ensinada

    escolas. Livros escolares usam experimentos como veculos para o planejamde uma aula, como um acessrio para que os estudantes adquiram uentendimento mais profundo. Encarando os experimentos apenas como uobstculo para se completar um curso, os estudantes facilmente deixam perceber sua beleza.

    Um terceiro fator o preconceito de que beleza verdadeira s podeobservada no abstrato. Apenas Euclides viu a beleza nua, declarou a poeta ESt. Vincent Millay. Por essa razo, discusses sobre a beleza na cinormalmente focalizam seu papel em teorias e explicaes. Abstraes, cequaes, modelos e teorias, possuem simplicidade, clareza, profundidaeternidade e outras propriedades que tendemos a associar beleza. Experimen

    trabalhar com mquinas, hardware, produtos qumicos e organismos nparecem se encaixar nessa classificao.

    Em seu cotidiano, os cientistas sabem que o trabalho de laboratrioextremamente tedioso. A maior parte do trabalho do que fazem calibpreparar, planejar e resolver problemas, a comear com o financiamento apoio a suas pesquisas. A maior parte da atividade cientfica consiste em ampas possibilidades do que fazemos e do que sabemos. Mas, a qualquer momen

    inevitavelmente, ocorre um evento que cristaliza novas ideias e reordena o mcomo pensamos as coisas. Isso nos coloca numa confuso que nos mostrdiretamente, sem qualquer questo o que importante, transformando nossideias sobre a natureza. Os cientistas tendem a chamar esses momentos belos.

    A palavra aparece em conversas, memorandos, cartas, entrevistas, cadernoanotaes e coisas assim. Beleza. Publicar isto sem falta, belssimo!, escr

    o fsico ganhador do Prmio Nobel Robert Millikan em uma pgina de caderno de laboratrio em 1912 porm no usou a palavra beleza no relatcientfico que publicou em seguida. James Watson, vendo a agora famfotografia que Rosalind Franklin fez da molcula de DNA no incio de descreveu-a como uma hlice simplesmente bela. E no primeiro esboofamoso relatrio sobre a descoberta do DNA que escreveu com Francis Cricse referiu ao belssimo trabalho de Franklin e dos outros cientistas do Ki

    College. Diante da insistncia de seus colegas, porm, ele retirou a frase da ve

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    final. Em momentos espontneos e no censurados, os cientistas aplicampalavra belo a resultados, tcnicas, equaes, teorias e, talvez o intrigante, aos propulsores do avano cientfico, os experimentos.2

    Quando falam de beleza nesses contextos, os cientistas geralmente aplicampalavra de forma livre, equivocada, e s vezes at contraditria. difcil culpexistir algum tema mais difcil de se discutir com preciso? Victor Weisskopdos grandes fsicos do sculo XX, declarou em 1980 que o belo na cincimesma coisa que bela em Beethoven. Mas apenas alguns anos depoisescreveu que o que se chama de beleza na cincia tem pouco em comum cbeleza que vemos na arte.3 Weisskopf viu tanto uma similaridade quanto umdiferena entre beleza na cincia e na arte, mas no possua os meios penunciar essa diferena de forma coerente.

    Outros cientistas, porm, tentaram falar do problema de forma m

    cuidadosa. Um deles foi o matemtico britnico G.H. Hardy, que, em maravilhoso livro A Mathematicians Apology, cita vrias comprovaes matemticomo belas e defende tais afirmaes. Hardy sugere que o critrio essencial pabeleza em seu campo de trabalho o inesperado, a inevitabilidade e a econome tambm a profundidade, ou seja, quo fundamental uma demonstraoAssim, uma comprovao matemtica pode ser chamada de bela, e um problde xadrez no pode, diz ele. A soluo de um problema de xadrez no pode m

    a natureza do jogo, mas uma nova afirmao matemtica pode alterar a prpmatemtica.4

    Michael Faraday, fsico ingls do sculo XIX, ficou famoso por suas palpblicas na Royal Institution em Londres. Uma das mais populares foi A hisqumica da vela. No incio de sua palestra, Faraday descreveu as velas belas. Ele explicou que no estava se referindo beleza de cor ou formverdade, Faraday no gostava de velas ornamentais. Em vez disso, ele exp

    beleza significa no aquela que parece mais bela, mas aquela queage de formmais bela. A seus olhos, uma vela bela porque funciona de forma elegaeficiente em decorrncia de vrias leis universais. O calor da chama derrete a ao mesmo tempo que puxa correntes ascendentes de ar para esfri-la nas bordcriando uma bacia para a cera derretida. A poa de cera derretida se manhorizontal pela mesma fora gravitacional que mantm os mundos em slugares. A ao capilar puxa a cera derretida pelo fio at a chama no enquanto o calor da chama inicia uma reao qumica na cera que mantmchama acesa. A beleza da vela, dizia Faraday, est no intricado jogo de princ

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    cientficos do qual ela depende, e na economia com a qual esses princpinteragem.5

    Mas e a beleza de um experimento? Um experimento, ao contrrio de pintura ou escultura, dinmico. Parece mais uma performance dramtisendo algo que as pessoas planejam, preparam e observam, no intuito produzir algo pelo qual tm um interesse especfico. Como saber a circunferda Terra sem passar uma fita mtrica ao redor da linha do Equador? Como saque a Terra gira sem voar para o espao sideral e observar, ou como saber o quno interior de um tomo? Preparando cuidadosamente um evento em laborat s vezes com objetos to simples quanto prismas e pndulos , podemos fcom que respostas para essas perguntas apaream diante dos nossos olhosforma emerge do caos e no magicamente, como um mgico puxando coelho da cartola, mas em decorrncia de eventos orquestrados por ns mesm

    Fazemos os mistrios do mundo falarem.6 A beleza de um experimento est emcomo ele faz esses elementos falarem

    comparao de Hardy entre uma comprovao cientfica e um problemaxadrez sugere que um experimento belo aquele que nos mostra algo profusobre o mundo, de maneira a transformar a compreenso que temos delemodo como Faraday evoca a beleza da vela sugere que os elementos deexperimento devem ser arranjados de forma eficiente. E tanto Hardy qua

    Faraday sugerem que um experimento belo deve ser definitivo, revelandoresultado de forma clara, sem necessidade de inferir ou generalizar coisa alguSe o belo experimento traz perguntas, elas so mais sobre o mundo do que sobexperimento em si.

    Cada um dos trs elementos da beleza que o experimento seja profuneficiente e definitivo aparece de forma consistente nas descries de belezafilsofos e artistas tm feito ao longo dos sculos. Alguns, de Plato a M

    Heidegger, do nfase ao modo pelo qual algo belo aponta, alm de si, para verdadeiro e bom; o surgimento do nico em meio aos vrios, do infinitfinito, do divino no mundano. Outros, como Aristteles, focalizam macomposio do objeto belo, enfatizando o papel da simetria e da harmoniafazer com que cada elemento contribua com algo essencial. Outros, por incluindo David Hume e Immanuel Kant, falam da forma particular de satisfaque recebemos de um objeto belo. s vezes desconhecemos nossas expectatat que elas sejam atendidas, mas um objeto belo traz com ele uma frealizao: Eraisso o que eu queria! O fato de os experimentos possurem e

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    propriedades sugere que eles podem ser chamados de belos e no apenasforma metafrica, ampliando o significado literal do termo, mas na forlegtima e tradicional da palavra.

    Em Os inocentes no estrangeiro, Mark Twain conta sua visita ao batistrioDuomo de Pisa, onde contemplou o famoso candelabro oscilante que, dilenda, inspirou Galileu, aos 17 anos, a consultar seu pulso e, em um experimrstico e improvisado, descobrir que o balano do pndulo era iscrodemorava o mesmo tempo para ir e voltar, no importando a distnpercorrida. (Twain sabia que a isocronia de um pndulo o principio bsicomaioria dos relgios mecnicos.) Twain achou o pndulo ao mesmo temaristocrtico e proletrio; olhando para ele, encheu-se de admirao pdescoberta de Galileu, que permitiu humanidade demarcar as horasexperimentou uma nova intimidade com o mundo.

    Parecia algo muito insignificante, para ter conferido uma extenso to grande aos domnios dos munda cincia e da mecnica. Ponderando diante de sua presena sugestiva, parecia-me ver um universo inde discos balanando, os filhos trabalhadores desse pai sedado. Ele parecia ter uma expresso inteligcomo se soubesse que no era uma lmpada, que era um pndulo; um pndulo disfarado, para propsprodigiosos e inescrutveis de sua prpria criao, e no um pndulo qualquer, mas o velho, origpatriarcal pndulo o pndulo Abrao do mundo.7

    No estilo inimitvel de Twain, suas palavras ilustram a beleza que atrudimentar experimento cientfico pode ter ao nos revelar algo profundo sob

    mundo, de forma simples e direta, para nos satisfazer sem precisar de proadicionais.O balano do candelabro, os raios de luz atravs de um arranjo de prisma

    lenta progresso do plano de oscilao de um pndulo num crculo, a descquase simultnea de objetos de pesos diferentes que caem, a razo da velocidde gotas de leo todos esses eventos, quando preparados de certa manepodem revelar algo sobre si mesmos e sobre o mundo. Eles so, ao mesmo tem

    como pinturas paisagsticas, que nos agradam, convencem e iluminam, e comapas, que nos guiam mais profundamente no mundo. Um experimento evento de abertura: ele pode fazer uso de objetos simples e comuns, mas servem como ponte para um mundo de descoberta e significado. A beleza conduz a um mundo de ideias, ao mesmo tempo que nos ancora em um munde lgica, como o poeta alemo Friedrich Schiller costumava insistir. A belezmomento de transio, como se a forma estivesse pronta para fluir em ouformas, escreveu o norte-americano Ralph Waldo Emerson.8

    A beleza dos experimentos pode assumir vrias formas assim como a b

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    de uma pea de Bach diferente de uma de Stravinsky. Alguns tm uma besinptica, resumindo diferentes leis universais, ao passo que outros possuembeleza da amplitude, juntando elementos em escalas imensamente desiguaAlguns tm uma beleza austera, seduzindo na simplicidade despojada pela qrevelam a forma pura, enquanto outros so sublimes e nos conquistam transmitir sinais do poder terrvel, ilimitado, incompreensvel e definitivo

    natureza. Os mais belos experimentos envolvem elementos dos dois tipos. Voc pode pensar neste livro como um tipo de galeria de arte. Esta ga

    contm peas de beleza rara, cada uma com design prprio, materiais distintoum apelo peculiar. Talvez voc no aprecie todos igualmente, j que seu passexperincia, educao e preferncias vo inclin-lo a preferir algumas das peoutras.

    Uma das tarefas mais difceis quando se monta a galeria decidir o que ex

    Eu lidei com esse problema da seguinte maneira: em 2002, motivado por ocientista que falava da beleza de um experimento, e lembrando-me no apedas palavras de Glashow, mas de centenas de outras que eu havia observaddecorrer dos anos, realizei uma pesquisa. Perguntei aos leitores da revinternacional Physics World , na qual escrevo uma coluna, quais experimentos epensavam ser os mais belos. Para minha surpresa, os leitores enviaram mais300 candidatos. Eles variavam de experimentos histricos a imaginr

    experimentos propostos, provas, teoremas, modelos. Abrangiam todos campos cientficos, da fsica psicologia. Minha pesquisa foi adotada porwebloe grupos de discusso na Internet, provendo-me com centenas de nocandidatos. Para compilar minha lista dos experimentos mais belos, selecionedez mencionados com maior frequncia.9 Alguns leitores podem argumentar qa lista dominada por experimentos da fsica, e verdade que em minha colna Physics World eu pedira aos leitores que nomeassem os mais belos experimenfsicos. Ainda assim, sinto-me justificado ao declarar que esta galeria de retrhistricos contm os dez mais belos experimentos cientficos. E eu o fao poa maioria daqueles que responderam, tanto Physics World como a outras mdiarealmente compreendeu que a pesquisa era sobre os dez mais belos experimencientficos, e porque at mesmo as sugestes de leitores da Physics World variaraentre qumica, engenharia e psicologia.

    E no podemos esquecer que mais da metade dos experimentos nesta liocorreu antes que a fsica existisse como uma diviso da cincia. Alm dissoaparecem como exemplos clssicos nos livros escolares, frequenteme

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    discutidos e realizados quando os experimentos histricos so ensinados colgio, e se tornaram emblemticos da cincia em geral. No surpresa algque descries desses experimentos apaream nos trabalhos de artistas tdiversos quanto o dramaturgo Tom Stoppard, o msico Philip Glass romancista Umberto Eco e frequentemente tambm na cultura popular.10

    Decidi apresentar os experimentos em ordem cronolgica. Isso proporciona um poderoso entendimento da vastido da jornada que a cintrilhou em mais de 2.500 anos. A lista nos leva de um tempo no qual as quemais urgentes da cincia incluam obter estimativas simples das propriedadmais bsicas da Terra entre elas seu tamanho e posio no Universo erque os cientistas comeam a fazer medidas precisas das propriedades do tomde suas partculas. Leva-nos do tempo dos instrumentos simples, como dissolares e planos inclinados, para a poca dos instrumentos sofisticados. Leva-

    de uma poca em que os cientistas trabalhavam sozinhos (ou, no mximo, cum assistente) ao tempo presente, em que os cientistas trabalham em gruposcentenas de indivduos. Essa lista nos oferece uma percepo das personalidae do pensamento criativo de algumas das figuras mais interessantes da cinMuitos experimentos marcantes na evoluo da cincia aparecem aquiexperimento de Galileu com planos inclinados estabeleceu pela primeira vforma matemtica para o movimento acelerado; oexperimentum crucis de IsaNewton revelou a natureza da luz e das cores; o experimento das duas fendaThomas Young revelou a natureza ondulatria da luz; e a descoberta do natmico de Ernest Rutherford inaugurou a era nuclear. A lista contexperimentos que ilustram poderosamente, ou ajudaram a motivar, algumas dgrandes mudanas de paradigma da cincia, da perspectiva de Aristteles Galileu sobre o movimento, da imagem corpuscular da luz at sua concepcomo onda, e da mecnica clssica mecnica quntica.

    Com uma exceo, estes experimentos foram escolhidos pelo mesmo nmde pessoas. Portanto, eu no os classifico em ordem de importncia. A exceexperimento das duas fendas, ilustrando a interferncia quntica de eltrosimples, foi de longe o mais mencionado como experimento cientfico mais bInevitavelmente, os crticos vo discutir as minhas escolhas. Mas eles estdiscutindo o processo de seleo, e no o tema da galeria: a beleza experimentos cientficos.

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    A medida do mundoEratstenes mede a circunferncia da Terra

    No sculo III a.C. o sbio grego Eratstenes (276-c.195 a.C.) fez a primemedio conhecida do tamanho da Terra. Suas ferramentas eram simplessombra projetada pelo ponteiro de um relgio de Sol, mais um grupo de mede suposies. Mas essas medidas foram to engenhosas que seriam citadas cautoridade por centenas de anos. um clculo to simples e instrutivo qurefeito anualmente, quase 2.500 anos depois, por crianas de escolas em todmundo. E o princpio to gracioso que seu simples entendimento nos faz qumedir o comprimento de uma sombra.

    O experimento de Eratstenes combinou duas ideias de grande importnciaprimeira foi imaginar o cosmo como um grupo de objetos (a Terra, o Sol, plane estrelas) no espao tridimensional comum. Isso pode parecer bvio para nmas no era uma crena comum naquela poca; foi uma contribuio grega pa cincia insistir em que, sob a mirade de movimentos sempre em mutaomundo e do cu noturno, havia uma ordem impessoal e imutvel, uarquitetura csmica que poderia ser descoberta e explicada pela geometriasegunda ideia foi aplicar prticas comuns de medio para entender o escopo dimenses da arquitetura csmica. Ao combinar essas duas ideias, Eratstechegou audaciosa ideia de que as mesmas tcnicas desenvolvidas para constcasas e pontes, abrir estradas e campos e prever alagamentos e monpoderiam fornecer informaes sobre as dimenses da Terra e de outros corcelestes.

    Eratstenes comeou presumindo que a Terra era aproximadamente redondPorque, apesar da crena generalizada em nossos dias de que Colombo deciprovar que a Terra no era plana, muitos dos gregos antigos que haviam reflecuidadosamente sobre o cosmo j haviam concludo que ela no s deveriaredonda, mas tambm que deveria ser relativamente pequena se comparada restante do Universo. Entre esses sbios estava Aristteles, que, no livroSobrecus, escrito um sculo antes de Eratstenes, props vrios argumen

    diferentes, alguns lgicos, outros empricos, para explicar por que a Terra dev

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    ser esfrica. Aristteles assinalou por exemplo que, durante os eclipses, a somda Terra na Lua curva algo que poderia ocorrer apenas se a Terra fredonda. Ele tambm notou que viajantes observam diferentes estrelas quanvo para o norte ou para o sul (o que seria improvvel se a Terra fosse planacertas estrelas visveis no Egito e em Chipre no podem ser vistas em terranorte, e que certas outras, sempre visveis no norte, surgem e se pem no

    como se fossem vistas a distncia, a partir da superfcie de um objeto redonIsso indica no apenas que a massa da Terra esfrica em sua forma, escreAristteles, mas tambm que, comparada s estrelas, no grande tamanho.1

    Primeiro contador de horas conhecido do sculo III a.C., em que Eratstenes viveu.

    A pea est praticamente intacta, mas perdeu o ponteiro, ou gnmon,

    que projetava a sombra do Sol sobre a tigela.

    Mas o verstil pensador tambm ofereceu argumentos mais criativos. Pcontos de viajantes estrangeiros e expedies militares, ele sabia que os elefaeram encontrados tanto a leste (frica) quanto a oeste (sia). Portanto, disseessas terras estariam provavelmente unidas uma deduo esperta, porincorreta. Outros sbios gregos sugeriram argumentos adicionais para a foresfrica da Terra, inclusive a diferena no tempo do nascer ao pr do soldiferentes pases e o modo como os navios desaparecem gradualmente

    horizonte, do casco para cima.

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    Mas nada disso respondia questo bsica: que tamanho tem essa Teredonda? Seria possvel descobrir isso sem que os pesquisadores tivessemviajar por toda a circunferncia?

    At Eratstenes, conhecamos apenas estimativas do tamanho da Terramais antiga de Aristteles, que escreveu: os matemticos que tentam calcultamanho da circunferncia terrestre chegam ao resultado de 400 mil estdioMas ele no revelou suas fontes nem explicou seu raciocnio.2 Tambm impossvel converter esse resultado em nmeros modernos. Um estdio se refao comprimento de uma pista de corrida grega, que variava de cidade para cidUsando a estimativa aproximada de um estdio, os pesquisadores de hcalcularam o resultado de Aristteles em pouco mais de 64.372 quilmetronmero real mais ou menos 40 mil quilmetros). Arquimedes, que constrmodelos do cosmo nos quais os corpos celestes giravam um ao redor do ou

    chegou a uma estimativa ligeiramente menor que Aristteles: 300 mil estdiospouco mais de 48 mil quilmetros. Mas ele tambm no deu qualquer pistrespeito de suas fontes ou de seu raciocnio.

    Entra Eratstenes. Contemporneo de Arquimedes, porm mais jovEratstenes nasceu na frica do Norte e foi educado em Atenas. Era um polmum especialista em vrias reas, desde crtica literria e poesia at geografmatemtica. Mas no o consideravam capaz de chegar ao primeiro lugar

    nenhuma delas, o que levou seus companheiros a lhe dar o apelido sarcsticoBeta, a segunda letra do alfabeto grego, uma piada indicando que ele sempre o segundo melhor. Apesar das brincadeiras, sua inteligncia era renomada que, em meados do sculo III a.C., o rei do Egito o convidou parprofessor de seu filho, e depois o indicou para dirigir a famosa bibliotecaAlexandria. Essa foi a primeira e maior biblioteca de seu tipo, e havia estabelecida pelos Ptolomeu, soberanos do Egito, como parte da elevaoAlexandria ao posto de capital cultural do mundo grego. Essa biblioteca se toum ponto de encontro para os sbios do mundo inteiro. Em Alexandriabibliotecrios conseguiram reunir uma enorme coleo de manuscritos sobuma ampla variedade de temas que qualquer um com as credenciais necessrpoderia utilizar. (A biblioteca de Alexandria tambm foi a primeira de que senotcia a organizar os manuscritos por autor e em ordem alfabtica.)

    Eratstenes escreveu dois livros de geografia que foram de particimportncia no mundo antigo. Geogrfica, um conjunto de trs volumes, foprimeiro a mapear o mundo usando paralelos (linhas paralelas ao equador

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    meridianos (linhas longitudinais, que passam por ambos os polos e por determinado local). O seu Medidas do mundo continha a primeira descriconhecida de um mtodo para medir o comprimento da Terra. Infelizmente,duas obras se perderam, e temos de reconstituir seu pensamento por meio comentrios de outros autores da Antiguidade que conheciam seu trabalhFelizmente, estes eram muitos.

    Eratstenes partiu do raciocnio de que se a Terra fosse um corpo pequenesfrico em um vasto universo, ento os outros corpos, como o Sol, deveestar muito distantes to distantes que seus raios estariam essencialmente eparalelo, no importa onde atingissem a Terra. Tambm sabia que, medida o Sol sobe no cu, as sombras se tornam progressivamente menores e sabia,meio de relatos de viajantes, que no solstcio de vero, na cidade de Siena (Assu), o Sol paira diretamente sobre a cidade, e as sombras desaparecem

    redor de objetos verticais, at mesmo colunas, mastros e at nos gnmonsindicadores verticais ou ponteiros de relgios de Sol, cuja nica funo prosombras. As sombras desapareciam at de dentro do poo da cidade quando ao banhava de modo uniforme, como uma tampa que se encaixa exatamenteum buraco, de acordo com uma fonte antiga.4 (Exagero um pouco: elas ndesapareciam por completo, apenas se projetavam diretamente abaixo dobjetos, em vez de se projetarem para o lado, como em geral acontece.)

    Alm disso, Eratstenes sabia que Alexandria ficava ao norte de Siena e ou menos no mesmo meridiano. E, graas aos pesquisadores que o fara envpara viajar pelo rio Nilo e mapear as terras todo ano depois das encheperidicas, Eratstenes sabia que as duas cidades estavam separadas por cercacinco mil estdios (o nmero foi arredondado, ento no podemos usar einformao para estabelecer o equivalente preciso de um estdio em unidadesmedida moderna).

    Em termos atuais, Siena estava no trpico de Cncer, uma linha imaginque corta o globo terrestre passando pelo norte do Mxico, sul do Egito, da nda China (ela aparece na maioria dos mapas). Todos esses pontos no trppossuem uma mesma caracterstica incomum: o Sol se posiciona diretameacima deles apenas uma vez por ano, no dia mais longo do ano 21 de junhsolstcio de vero (para o hemisfrio norte). Aqueles que vivem ao norte do trde Cncer nunca veem o Sol diretamente acima de suas cabeas, e ele semprojeta uma sombra. Aqueles que vivem no hemisfrio norte, porm ao sutrpico de Cncer, veem o Sol diretamente acima de suas cabeas duas vezes

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    ano, uma antes do solstcio e outra depois, e o dia exato varia segundo o lugar A razo para isso tem a ver com a posio da Terra, cujo eixo inclinad

    relao ao Sol. Mas isso no preocupava Eratstenes. O que importava parera que o Sol, quando estava diretamente acima de Siena, no estaria diretameacima nem ao norte nem ao sul at em Alexandria , e um gnmon projeuma sombra nesses locais. O comprimento da sombra dependeria da grandezacurvatura terrestre; se a curvatura fosse grande, a sombra em um lugar coAlexandria seria maior do que se a curvatura da Terra fosse pequena.

    Graas ao seu conhecimento de geometria, Eratstenes sabia o suficiente pcriar um experimento inteligente que lhe diria o tamanho exato da curvaturportanto, da circunferncia terrestre.

    Para apreciar a beleza deste experimento no precisamos saber nada sobrmodo especfico pelo qual Eratstenes o realizou. Sorte nossa, pois no tesequer sua descrio do que fez. Sabemos apenas do experimento por bredescries deixadas por seus contemporneos e sucessores, muitos dos quevidentemente no entendiam todos os seus detalhes. No precisamos sabnada sobre o percurso de sua investigao o que especificamente motivarainteresse por esse problema, quais foram seus primeiros passos, os retrocessoshouve algum, como chegou concluso final, e para que outras direes concluso apontava. Azar o nosso, pois isso pode dar a impresso de que a i

    lhe chegou como um raio em um cu azul, do nada, mas no um obstcunossa capacidade de entender o experimento. Tambm no precisamos nengajar em saltos de lgica especulativa, seguir um raciocnio matemcomplexo ou empregar argutas adivinhaes empricas baseadas em coisas coa demografia de elefantes. A beleza desse experimento est no modo cpermite descobrir uma dimenso de propores csmicas medindo comprimento de uma simples sombra.

    Sua simplicidade e graciosidade empolgantes podem ser captadas em ddiagramas, as FIGURAS 1.1 e 1.2.

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    Figura 1.1. O ngulo (x) projetado pelas sombras em Alexandria igual ao ngulo ( y) criado pelos dois ra

    cujo vrtice est ao centro da Terra e que passa por Alexandria e Siena (o desenho no est em escala). A

    frao que o arco de uma sombra ( EF ) representa, em Alexandria, um crculo completo igual frao distncia ( AE) de Siena a Alexandria mede na circunferncia da Terra.

    Figura 1.2. Eratstenes obteria o mesmo resultado medindo tanto a frao do comprimento da sombra E

    com relao circunferncia do crculo descrito pelo gnmon em torno do relgio de Sol, quanto a fra

    ngulo da sombra (x) em relao ao crculo completo.

    Durante o solstcio, quando o Sol est diretamente acima de Siena (Asombras desapareciam elas se projetavam diretamente na direo do centroTerra (linha AB). Enquanto isso, as sombras em Alexandria (E) tambprojetavam na mesma direo (CD) porque os raios de Sol so paralelos; como a Terra curva, eles caam com um pequeno ngulo, que chamaremos Um ngulo estreito ou uma sombra curta significaria que a curvatura da Terrarelativamente plana e que sua circunferncia era grande. Um ngulo largouma sombra longa significariam uma curvatura pronunciada e uma peque

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    circunferncia. Existiria uma forma de descobrir a circunferncia apenas pcomprimento de uma sombra? A geometria proporcionou esse meio.

    De acordo com Euclides, so iguais os ngulos interiores de uma linhainterseo com duas linhas paralelas. Portanto, o ngulo (x) projetado pelsombras em Alexandria igual ao ngulo ( y) criado pelos dois raios cujo vrest no centro da Terra e que passa por Alexandria e Siena (BC e BA). Isso sigque a razo entre o comprimento do arco de um gnmon (FE) e o crcompleto ao redor do gnmon (VER FIGURA 1.2) a mesma que a razo edistncia entre Siena e Alexandria (AE) e a circunferncia da Terra. Quem meessa frao, percebeu Eratstenes, poderia calcular a circunferncia terrestre.

    Embora Eratstenes possa ter feito essa medio de vrias maneiras,historiadores da cincia tm bastante certeza de que ele a realizou usando contador de horas, a verso grega de um relgio de Sol, pois o arco da som

    desse objeto seria perfeitamente definido. Um contador de horas, ouskaphconsistia em uma tigela de bronze equipada com um gnmon, cuja somdeslizava lentamente sobre as linhas de horas marcadas na superfcie da tigMas Eratstenes empregou esse equipamento de uma nova forma. Ele no esinteressado na posio da sombra sobre as linhas de horas para medirpassagem do tempo, e sim no ngulo da sombra projetada pelo gnmon ao mdia no solstcio de vero. Ele mediria a frao daquele ngulo em rela

    crculo completo (a prtica de medir o ngulo em graus obtidos pela diviscrculo em 360 partes iguais s se tornaria comum mais de um sculo depois).no que termina sendo a mesma coisa, ele pode ter medido a razo comprimento do arco projetado pelo gnmon na tigela para a circunferncompleta da tigela.

    Naquele dia, s 12 horas, Eratstenes teve a certeza de que o ngulo da somera 1/50 de um crculo completo (ns diramos que tinha 2,2 graus). A dist

    entre Alexandria e Siena era, portanto, um quinquagsimo da distncia atravtodo o meridiano. Multiplicando cinco mil estdios por 50, ele chegou a 250estdios como a circunferncia da Terra; mais tarde, ajustou esse nmero p252 mil estdios (ambas as medidas equivalem a pouco mais de 40 quilmetros). O motivo desse ajuste no claro, mas provavelmente tem acom seu desejo de simplificar o clculo de distncias geogrficas. Eratstenes tinha o hbito de dividir crculos em 60 partes, e uma circunfernde 252 mil estdios forma um nmero inteiro de 4.200 estdios para cada udas 60 partes do crculo. Mas tanto faz usarmos 250 mil ou 252 mil estdio

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    seja qual for a medida empregada para converter estdios em unidades moderde distncia, sua estimativa estar sempre a poucos por cento do nmero achoje, de 40 mil quilmetros.

    A representao que Eratstenes fazia do cosmo foi vital para o sucesso dexperimento. Sem essa representao particular, a medida da sombra no daricircunferncia terrestre. Por exemplo, um antigo texto cartogrfico chin

    uainanzi, ou Livro do Mestre de Huaianan, observa que gnmons da mealtura, mas em diferentes distncias (ao norte ou ao sul) um do outro, projesombras de comprimentos diferentes no mesmo momento.5 Partindo dprincpio de que a Terra era plana, o autor atribuiu essa diferena ao fato de qgnmon que projetava a sombra mais curva estava mais diretamente abaixoSol, e sugeria que essa diferena no comprimento das sombras podia ser uspara calcular a altura do cu!

    As informaes e medidas de Eratstenes eram aproximaes. provavelmente sabia que Siena no estava precisamente no trpico de Cnnem se situava exatamente ao sul de Alexandria. A distncia entre as duas cidno exatamente de cinco mil estdios. E como o Sol no um ponto de luzum pequeno disco (de aproximadamente meio grau de largura), a luz de um ldo disco no atinge o gnmon no mesmo ngulo que a luz do outro laborrando ligeiramente a sombra.

    Mas com a tecnologia que Eratstenes tinha sua disposio, o experimefoi bem-sucedido o bastante. Seu resultado de 252 mil estdios foi aceito,centenas de anos, pelos gregos antigos como um valor confivel parcircunferncia da Terra. No sculo I d.C. o autor romano Plnio aclaEratstenes como uma grande autoridade a respeito da circunferncia da Tereputou seu experimento como audacioso, seu raciocnio como sutil e resultado como universalmente aceito.6 Cerca de um sculo depois

    Eratstenes, outro sbio grego tentou usar a diferena entre o ngulo do questrela brilhante Canopus era visvel em Alexandria e o ngulo da mesma esvista em Rodes (onde, dizia-se, a estrela repousava exatamente no horizonte) medir a circunferncia da Terra, mas o resultado no foi muito confivel. Meum milnio depois, os astrnomos rabes foram incapazes de aprimorar o trabalho, embora tenham usado mtodos tais como medir o horizonte visto topo de uma montanha de altura conhecida e calcular a distncia de uma estrem relao ao horizonte de dois lugares diferentes, simultaneamente. O clcde Eratstenes no foi aprimorado at os tempos modernos, quando se tornar

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    possveis medidas muito mais exatas das posies dos corpos celestes.Esse experimento transformou a geografia e a astronomia. Primeiro, perm

    a qualquer gegrafo estabelecer a distncia entre dois lugares quaisquer clatitude seja conhecida entre Atenas e Cartago, por exemplo, ou entre Cartaa foz do Nilo. Permitiu a Eratstenes descobrir o tamanho e a posio do muhabitado conhecido. E proporcionou aos sucessores um parmetro para tendeterminar outras dimenses csmicas como as distncias da Lua, do Sol e estrelas. Em resumo, o experimento de Eratstenes transformou a viso quseres humanos tinham da Terra, da posio da Terra no Universo (ou pelo meno sistema solar), e do papel da humanidade nisso tudo.

    O experimento de Eratstenes, como todo tipo de procedimento abstrato,sentido de que no depende de nenhum modo especfico de percepo e pode realizado de vrias formas. Seus ingredientes so simples e familiares: u

    sombra, um instrumento de medida, geometria de ginsio. No precisamos esem Alexandria para usar oskaphe; nem precisamos faz-lo durante o solstcCentenas de escolas de todo o mundo tm o experimento de Eratstenes em grade curricular. Algumas usam as sombras projetadas por relgios de improvisados, outras usam mastros ou torres. Frequentemente essas rplicas sfeitas em colaborao com outras escolas, via e-mail, usando uma pginageografia da Internet para determinar latitudes e longitudes e o MapQuest p

    determinar a distncia. Rplicas do experimento de Eratstenes no so corplicas, digamos, da Batalha de Gettysburg feitas por entusiastas da Guerra Cdos Estados Unidos, nas quais o objetivo a preciso histrica ou pelo muma simulao interessante. Os estudantes no copiam ou simulam experimento eles o executam, como pela primeira vez, e o resultado fica visvel diante de seus olhos, to diretamente que no deixa margem a qualdvida.

    O experimento de Eratstenes tambm ilustra com expressividade a naturda prpria experimentao. Como podem os cientistas saber algo comcircunferncia da Terra sem medi-la fisicamente? Ns no somos incapazes, nprecisamos depender de mtodos rudimentares como fitas mtricas com dezende milhares de quilmetros de comprimento. Um procedimento preparado forma inteligente, usando os objetos certos, pode induzir at mesmo coiefmeras e fluidas como as sombras a mostrar-nos as dimenses fixas e imutdo cu. O experimento mostra o modo como podemos estabelecer a formpartir do caos, ou at mesmo de sombras, usando dispositivos de nossa prp

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    criao. A beleza do experimento de Eratstenes vem de sua incrvel amplitude. Al

    experimentos do ordem ao caos pela forma como analisam, isolam e dissecalgo nossa frente. Esse experimento dirige a nossa ateno para a direoposta, medindo a grandeza em pequenas coisas. Ele expande a nossa percepoferecendo-nos novos modos de enfrentar uma pergunta aparentemente simplO que so as sombras, e como se formam? Faz com que percebamos qdimenso dessa sombra particular e efmera est conectada com o fato de a Tser redonda, com o tamanho e a distncia do Sol, com as posiconstantemente mutveis desses dois corpos, e com todas as outras sombras planeta. A vasta distncia que o Sol est de ns, a progresso cclica do tempforma arredondada da Terra adquirem uma presena quase palpvel nesexperimento. Ele, ento, afeta a qualidade da experincia que temos do mundo

    Experimentos nas cincias fsicas tendem a ser vistos como impessoparecendo minimizar a importncia da humanidade no Universo. Imagina-se a cincia remova a humanidade de sua posio privilegiada e mucompensam essa perda imaginria ao se engajar em pensamentos mgicfantasiando que o Sol, os planetas e as estrelas tm uma ligao mstica com destinos. Mas o experimento aparentemente abstrato de Eratstenes nhumaniza de um modo mais genuno ao dar-nos uma sensao mais realstica

    quem somos e de onde estamos. Enquanto quase tudo ao nosso redor celebrgrandeza, o imediatismo e a dominao, este experimento cria uma valorizado poder explicativo do pequeno, do temporal e da forma pela qual coisatodas as dimenses esto intimamente conectadas.

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    Interldio 1

    Por que a cincia bela?Temos de chamar o experimento de Eratstenes de belo? Mesmo que

    satisfaa os trs critrios mencionados na introduo mesmo que ele mostre algo fundamental, de modo eficiente e de uma forma que nos satisfadeixe-nos com perguntas no sobre o experimento, mas sobre o mundopodemos no concordar em cham-lo de belo. Ouvi protestos, por exemplo,dizem que falar da beleza dos experimentos algo irrelevante, elitist

    enganador. Aqueles que dizem que a beleza de um experimento irrelevante em gquerem dizer que a beleza o reino do subjetivo, da opinio e da emoenquanto a cincia o reino do objetivo, do fato e do intelecto. Alguns declapor exemplo, que chamar experimentos de belos confunde o que as artes cincias humanas fazem (isto , explorar e expandir a vida e a cultura homens) com aquilo que as cincias fazem (isto , descrever o mundo natu

    Ou eles podem dizer que se est incorrendo no erro que o filsofo BenedCroce chamou de erro intelectualista, a combinao ilegtima de arte e ideiapintor e crtico John Ruskin manifesta um respeito por essa diviso em prprio conceito de beleza: A qualquer objeto material que nos d prazesimples contemplao de suas qualidades externas, sem qualquer uso diretodefinitivo do intelecto, chamo em alguma forma, ou em algum grau, belo.1 Nno gostamos de ter de pensar para apreciar a beleza. Por experimencientficos serem coisas do intelecto, diz essa objeo, eles no pertencem ldas coisas belas.

    Aqueles que afirmam que a beleza dos experimentos elitista levam objeo ainda mais longe. A beleza, assinalam, pode apenas ser intuda e devcaptada diretamente imagine tentar apreciar uma pintura de Van Gogh ou concerto de Mozart pela leitura de uma descrio dessas obras. A beleza deexperimento cientfico, portanto, aparente apenas para cientistas. J. RobOppenheimer uma vez disse que, para algum de fora, tentar entendernascimento da mecnica quntica que ele chamou de um momento de terro

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    de exaltao seria como ouvir relatos de soldados retornando de ucampanha de herosmo e dificuldade sem par, ou de exploradores do aHimalaia, ou relatos de doenas graves, ou da comunho de um mstico comDeus, acrescentando que tais histrias dizem pouco do que seu narrador temdizer. As belezas daquele mundo e dizem que so muitas so acessveis apa seus habitantes. Uma grande parcela da manso da beleza, evidentemente

    fechada para quem no cientista. Mas, para as sensibilidades democrtimodernas, isso uma heresia e soa como elitismo.

    Uma terceira e mais forte objeo o argumento da seduo. Os cientipodem dizer que seu trabalho encontrar teorias que funcionem, e isto ,melhor das hipteses, uma distrao; e, na pior, um perigo, se eles ficapreocupados em criar belos objetos.2 Os cientistas podem acorrentar seintelectos e amolecer ao dar ateno beleza apenas os esteticamente bru

    esto na verdade prontos para o trabalho imaginativo e repleto de insightscincia. Os no cientistas, por outro lado, podem recear que falar da belezacincia seja no apenas superficial e sentimental, mas encubra um plano relaes pblicas. fcil concordar com eles. As imagens que acompanhamaioria das conversas sobre a beleza na cincia que tenho visto se originano no laboratrio, mas em departamentos de relaes pblicas. Em upalestra a que assisti, o ltimo slide foi a famosa foto da Terra se elevando ada superfcie da Lua. Essa foto realmente bela. Mas, embora tenha servimquina publicitria da Nasa por dcadas, nunca foi usada pelos astrnomcomo informao para pesquisa.

    Essas trs objees se baseiam em noes errneas de beleza. A primconfunde beleza com ornamento. Estetizar a cincia olhar para sua aparnexterna o modo mais rpido de perder sua beleza de vista. A beleza dexperimento est em como seu resultado apresentado. Como veremos, a beldo experimentum crucis de Newton nada tem a ver com as cores produzidas por prismas (de fato, ele teve de olhar atravs das cores para criar o experimento)est em como o experimento nos revela o que acontece com a luz. A belezexperimento que Cavendish concebeu para pesar o mundo nada tinha a ver coaparncia externa do seu instrumento monstruoso, e sim com sua austepreciso. E a beleza do experimento de Young no repousa nos padres banailistras brancas e pretas, mas em como elas revelam algo essencial sobre a luz.

    A segunda objeo, como a primeira, falha em apreciar quanto a no(educada) percepo est intimamente ligada a sentimentos e emoes. As

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    como no entramos ingenuamente num laboratrio, tampouco entramos coingenuidade em um museu de arte. Exercitamos uma percepo educadaapreciar a beleza de uma pintura, msica ou poesia, e tambm podemos falhar ereconhecer a beleza de coisas que requerem pouco uso do intelecto paraentendidas. (Por exemplo, um dos poemas de Pablo Neruda, Ode a minmeias, descreve a beleza dessas peas do vesturio.) O esforo necessrio

    entender a beleza dos experimentos e apreciar a beleza dos dez experimecontidos neste livro no requer muito no um obstculo. O real obstculotendncia a ver tudo ao nosso redor de modo instrumental, em termos de coservem aos nossos propsitos. Nossa apreciao da beleza pode ento esimplesmente sonolenta, precisando se levantar. E, como escreveu Willa Caa beleza no to comum que possamos nos dar ao luxo de nos recusar a realguns passos para observ-la.3

    A terceira objeo a mais forte e mais profunda. uma verso do conflito entre razo e arte, j antigo no tempo de Plato o medo de que os humanos sejam mais facilmente comovidos pelas aparncias do que convencipela lgica. Para Plato, na Repblica, as artes servem emoo, no razgratificando a parte tola da alma e nos descaminhando.4 Santo Agostinho outro que viu perigo na habilidade dos sentidos de superar a razo, e advertiu os riscos existentes at mesmo na msica religiosa, confessando que ele s vsentia que o canto em si mais emocionante do que as palavras quacompanham. Isso, ele continua, um pecado grave, e nesses momentospreferia no ouvir o cantor.5 Essa terceira objeo como uma histria de tercuidado com o poder sedutor e mgico das imagens; fique com a lgica e a raDessa maneira, muitas filosofias baseadas na razo divorciam, ou mesopem, verdade e beleza. A questo da verdade, escreveu o lgico Gottlob em um de seus trabalhos de maior influncia, faria com que abandonssemodeleite esttico por uma atitude de investigao cientfica.6

    A resposta a essa terceira objeo nos conduz ao corao da cincia e da Requer que apelemos para tradies filosficas diferentes daquelas dominapor modelos de lgica e matemtica. Essas tradies apelam para uma viso mfundamental da verdade como a revelao de algo, e no como sua representaexata (como Heidegger insistentemente aponta,aletheia, a palavra grega pverdade, significa literalmente desocultamento). Tais tradies abremcaminho para que se veja a investigao cientfica como integralmente ligabeleza. Beleza no um poder mgico alm e separado da descoberta da verd

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    mas a acompanha: um subproduto da cincia, por assim dizer. A beleza talism para se alcanar um novo patamar na realidade, libertando nosintelectos, aprofundando nosso relacionamento com a natureza. Dessa formbeleza no deve ser confundida com elegncia, que no atinge esse npatamar. 7 Beleza descreve uma sintonia ou ajuste entre um objeto que reum novo patamar e a nossa receptividade para o que revelado.8

    O experimento de Eratstenes realmente faz isso? de fato possvel ver esse experimento de forma abstrata, como uma vers

    sculo III a.C. de um sistema de posicionamento global, como um problemaquantificao ou um exerccio intelectual. Foi assim que a maioria de nocolegas de sala o viu quando ele nos foi ensinado no ginsio, e como nprofessor o apresentou. Mas, para v-lo dessa maneira, temos de sufocar noimaginaes instigados por nosso principal desejo, que o de consegu

    resposta certa com a ajuda de uma instruo cientfica convencional, e por nofamiliaridade com fotos de satlite. Na maioria das vezes ignoramos as sombesses fenmenos secundrios da luz, ou pensamos Que legal!, e vamosfrente. Mas o experimento de Eratstenes nos mostra que cada sombra da Teensolarada tecida com todas as outras numa totalidade que evocontinuamente. Contemplar o experimento de Eratstenes estimula a nosimaginao em vez de sufoc-la, tirando-nos de nossa rotina e fazendo-nos p

    e nos tornar mais conscientes de onde estamos no Universo. Este experimereacende nosso deslumbramento com o mundo.Se formos srios com relao beleza, ento, sim, o experimento

    Eratstenes belo. Como outras coisas belas, ele ao mesmo tempo colocmundo a uma distncia em que podemos apreci-lo, e nos envolve nele mprofundamente.

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    Deixe a bola cair: A lenda da Torre Inclinada de Pisa

    Superfcie da Lua, 2 de agosto de 1971.COMANDANTE DAVID R. SCOTT: Vejam, na minha mo esquerda tenho uma pena, na direita, um

    Acho que um dos motivos para estarmos aqui hoje um senhor chamado Galileu, que viveu h muito tempuma descoberta importante sobre a queda de objetos em campos gravitacionais. E ento pensamos: pode hum lugar melhor para confirmar as teorias dele que a Lua?

    A cmera focaliza as mos de Scott, uma das quais segura uma pena, e a outra um martelo, depois retabranger o cenrio por trs dele, incluindo o veculo de transporte da Apolo-15,conhecido como Falco.

    SCOTT: E ento pensamos em fazer a experincia aqui, para vocs. A pena , apropriadamente, a

    falco. Vou deix-la cair ao mesmo tempo que o martelo e, assim espero, os dois objetos tocaro o cho juntSCOTT: Que tal isto? O senhor Galileu estava certo!1

    De acordo com a histria, o experimento na Torre Inclinada de Pestabeleceu de modo convincente, pela primeira vez, que objetos de pediferentes caem com a mesma velocidade, desmentindo assim a autoridadeAristteles. Essa histria est ligada a um nico personagem (o matemtfsico e astrnomo italiano Galileu Galilei), a um nico lugar (a Torre Inclinad

    Pisa) e a um nico episdio. Quanto de verdade existe nessa histria, e mistrios existem em torno dela?

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    Torre Inclinada de Pisa

    Galileu (1564-1642) nasceu em Pisa, em uma famlia devotada msica

    pai, Vincenzio, era um conhecido msico alaudista, com uma predileo experimentos polmicos, e realizou pesquisas sobre entonao, intervamusicais e afinao, defendendo o privilgio do ouvido em oposio aos antsbios. O filho de Vincenzio tinha a mesma determinao que o pai. Um bigde Galileu, Stillman Drake, descreveu duas caractersticas de sua personalidque foram essenciais para seu sucesso cientfico. A primeira era a disposbelicosa, que o levava a no temer, e at mesmo a buscar, as disputas derrubar a tradio e reivindicar sua posio na cincia. A segunda era que personalidade se equilibrava entre dois extremos de temperamento: por um ladeleitava-se com a observao das coisas, anotando as semelhanas e as relaentre elas, concebendo generalizaes sem ficar excessivamente perturbado cexcees aparentes ou anomalias; por outro, afligia-se e preocupava-se qualquer desvio no explicvel de uma regra, e at mesmo preferia nenhuregra a uma que no funcionasse sempre com preciso matemtica. Ambatendncias so valiosas em cincia, e todos os cientistas possuem uma mistdelas, embora em geral uma das duas predomine. Mas o temperamento

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    Galileu diz Drake equilibrava perfeitamente esses dois extremos.2 Tambm fessencial para o impacto de Galileu no mundo a capacidade literria, graaqual era capaz de falar a todos sua volta e persuadi-los.

    Galileu entrou para a Universidade de Pisa provavelmente no outono de 1com a inteno de estudar medicina, mas ficou fascinado pela matemtiChegou posio de conferencista na universidade em 1589 e comeoinvestigar o movimento dos corpos em queda. Permaneceu na UniversidadePisa por trs anos; se o experimento da Torre Inclinada de fato aconteceu, devsido nesse perodo. Em 1592 Galileu mudou-se para Pdua, cidade em que vpor 18 anos e onde realizou a maior parte de seu importante trabalho cientfincluindo a construo de um telescpio astronmico. Esse telescpio permilhe fazer importantes descobertas; Galileu foi o primeiro a observar as luapiter, por exemplo. O instrumento tambm lhe proporcionou a prime

    oportunidade para estabelecer controvrsias, pois suas descobertas astronmiccontradiziam o sistema ptolomaico (segundo o qual o Sol se move em tornTerra), assim como a descrio de Aristteles para o movimento, e confirmao sistema copernicano (segundo o qual a Terra se move em torno do Sol)Pdua, tambm, ele se tornou famoso por suas demonstraes elaboradas dleis fsicas, dando suas aulas em um salo que acolhia 200 pessoas. Em 1mudou-se para Florena, para a corte do gro-duque da Toscana. Em 1Galileu foi advertido a no esposar nem defender a doutrina de Coprnico, 16 anos depois, em 1632, publicou um livro brilhante, Dilogo sobre dois sistmximos o ptolomaico e o copernicano , o qual, embora aprovado pcensores, foi considerado uma poderosa defesa do sistema de Coprnico. No seguinte, 1633, Galileu foi chamado a Roma pela Igreja Catlica e forado aque abjurava e renegava suas opinies equivocadas. Foi sentenciado prdomiciliar e passou seus ltimos anos em uma aldeia chamada Arcetri, arredores de Florena. Pouco antes de morrer, Galileu contratou os servioum jovem e promissor matemtico, Vincenzo Viviani, que se tornou discpusecretrio fiel do cientista j quase cego, e que ouvia pacientemente srecordaes, ruminaes e discursos. Dedicado a preservar a memria de GalViviani acabou por escrever a primeira biografia do mestre.

    Devemos muitas lendas famosas sobre Galileu biografia fervorosa de VivUma delas a histria do pndulo de Abrao: como Galileu, em 1581, quainda estudava medicina, usou sua prpria pulsao para cronometraroscilao de um candelabro pendurado no teto do batistrio do Duomo de Pi

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    descobriu sua isocronia. Os historiadores sabem que a histria no tem upreciso exata: o candelabro que est ali pendurado hoje foi instalado em 1Mas pode haver um trao de verdade nela, porque o candelabro anterior obeds mesmas leis fsicas. A histria mais famosa de Viviani descreve como Gsubiu ao alto da Torre Inclinada de Pisa e, diante de outros professores, filse de todos os estudantes, e por meio de experincias repetidas, mostrou qu

    velocidade de corpos em movimento, da mesma composio mas de pdiferentes, deslocando-se no mesmo meio, no proporcional a seu peso, coAristteles decretara, mas, em vez disso, a mesma velocidade.3

    Em seus prprios livros, Galileu fornece argumentos de vrios tipos, usanlgica, por meio de experimentos, e analogias para explicar por que dois objde pesos desiguais cairo com a mesma velocidade no vcuo. Sem menciexplicitamente a Torre Inclinada, Galileu relata ter feito o teste ao ar livre,

    uma bala de canho e uma de mosquete, verificando que, como regra geral, chegam ao solo quase ao mesmo tempo. Sua meno meticulosa desse pequdesvio daquilo que considerava a generalizao apropriada, bem como o fatque Viviani no menciona o experimento alm de o relato de Viviani ser a fonte a citar o episdio da Torre de Pisa , torna muitos historiadores da cicticos quanto sua veracidade.

    Tenha Galileu realizado ou no o experimento na Torre de Pisa, muito m

    estava em jogo quando se desviou da doutrina aristotlica ao analposteriormente o movimento. A filosofia natural de Aristteles que incluaexplicao do movimento, e o que chamamos de sua fsica fornece um sistcoerente e bem articulado, com base na ideia de uma Terra estacionria e cente de um reino celeste no qual os objetos se comportam de um modo mudiferente que na Terra. Ao pr em dvida e desafiar o sistema aristotlico, Gapunha em dvida e desafiava esses dois aspectos a concepo de Aristteluma Terra estacionria, assim como sua explicao do movimento terrestre.

    Uma caracterstica central da viso aristotlica do Universo era que o cuTerra eram reinos distintos, feitos de diferentes tipos de substncias e governapor leis distintas. Segundo Aristteles, os movimentos no cu eram ordenaprecisos, regulares e matemticos, ao passo que os movimentos aqui embaeram desorganizados e irregulares, podendo ser descritos apenqualitativamente. Alm disso, os movimentos dos corpos na Terra egovernados por sua tendncia a buscar seu lugar natural; para os objeslidos, isso significava um lugar mais baixo, na direo do centro da T

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    Assim Aristteles distinguia nos corpos pesados um movimento violento,natural e para cima, e seu movimento natural, para baixo.

    Aristteles havia observado o movimento dos corpos em queda e perceque suas velocidades pareciam variar em meios diferentes, dependendo de seresses meios mais ralos, como o ar, ou mais espessos, como a gua. Ele nque os corpos alcanavam uma determinada velocidade quando em queda, e essa velocidade era proporcional a seu peso. Essas ideias esto de acordo conossa experincia cotidiana. Se jogarmos uma bola de golfe e uma bolapingue-pongue de uma janela, a bola de golfe cair mais depressa e atingir o primeiro. Se jogarmos a bola de golfe numa piscina, ela chegar ao fundo mdevagar que no ar, e perder para uma bola de ferro. Da mesma forma, martcaem mais depressa que penas. Aristteles codificou isso num modelo o qufilsofos da cincia mais tarde chamariam de paradigma orientado pe

    fenmenos cotidianos que ele procurava explicar. Por exemplo, um agente (cum cavalo) enfrenta obstculos (atrito e outros tipos de resistncia) ao mauma carroa em movimento. Nessas situaes familiares, o movimento qusempre representa um equilbrio entre fora e resistncia. Aristteles, portanaborda o caso dos corpos em queda como um tipo em que uma fora (utendncia natural, como ele diz, para mover-se em direo ao centro do Univera equilibrada por uma resistncia (a espessura ou a rarefao chamaramos de viscosidade do meio no qual eles se movem; ele tamconcluiu que, na ausncia de resistncia nos meios, a velocidade dos corposqueda seria infinita).

    Em termos modernos, a abordagem de Aristteles peca por no incorpoadequadamente a acelerao. Os estudiosos comearam a suspeitar de algo asmuito antes de Galileu. J no comeo do sculo VI a.C. o sbio bizanFiloponus escreveu sobre experimentos que contradiziam Aristteles: Porqudeixarmos cair da mesma altura dois pesos, dos quais um muitas vezes mpesado do que o outro, veremos que a razo entre os tempos necessrios pamovimento no depende da razo entre os pesos, mas que a diferena de tempmuito pequena. De fato, Filoponus prossegue, se um corpo pesar s duas vmais que o outro, no haver diferena, ou haver apenas uma difereimperceptvel, de tempo.4

    Em 1586, antes de Galileu ir para Pdua, seu contemporneo, o engenhflamengo Simon Stevin, escreveu sobre experimentos que mostravam qudescrio de Aristteles estava errada. Stevin fez duas bolas de ferro carem, s

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    uma dez vezes mais pesada que a outra, de uma altura de nove metros, sobre tbua, para que, ao aterrissar, elas produzissem um som audvel. Veremento, ele escreveu, que a mais leve no demorar dez vezes mais em seu trdo que a mais pesada, mas que elas cairo no mesmo tempo no tablado, e simultaneamente que seus dois sons parecero um s, no mesmo tom.5 Esuma, Aristteles estava errado nesse ponto.

    Durante a vida de Galileu, vrios sbios italianos do sculo XVI tamescreveram sobre experimentos envolvendo a queda dos corpos que contradizAristteles, entre eles um professor chamado Girolamo Borro, que foi profeem Pisa quando Galileu l estudava. Borro descreveu como havia repetidamatirado (o verbo que ele usa ambguo) objetos de pesos iguais, mas de tamane densidades diferentes, e constatado, a cada uma das vezes, um resultacurioso: os objetos de maior densidade caam mais lentamente que os outros.6

    Como acontece com o trabalho de um grande cientista cujos interesses muito amplos, sabia-se que a pesquisa de Aristteles era pontuada de errolacunas. Mas at Galileu aparecer, a maioria dos pensadores europeus encarava esses pequenos defeitos como importantes. A grande conquistaGalileu foi demonstrar que a descrio do movimento feita por Aristtrelacionava-se inextricavelmente totalidade de um modelo cientfico envolvia muito mais que os corpos em queda, e que uma descrio do movim

    que explicasse adequadamente a queda dos corpos devia incorporar o fenmda acelerao, o que exigia a construo de um modelo totalmente noAristteles sabia que os corpos ganhavam velocidade (aceleravam-se) quacaam, mas pensava que isso no era essencial na queda livre, constituiapenas um aspecto acidental e sem importncia do movimento, que ocorria eno momento em que um corpo se soltava e o momento em que ele adquiria velocidade uniforme natural. Galileu, de incio, compartilhava essa opinContudo, acabou percebendo no s a importncia da acelerao, como tambque ela no podia ser simplesmente acrescentada ao sistema de AristtelesAristteles estava errado a respeito da queda dos corpos, seu trabalho no poser remendado, mas precisava ser completamente recriado.

    Entretanto, Galileu no percebeu isso imediatamente, e partiu da suposiento considerada normal de que Aristteles estava certo. E no houve uma pnica e decisiva que o fez mudar de opinio. Ao contrrio, ele chegou trajetria revolucionria por meio da soma de suas pesquisas as pesquastronmicas, bem como as mais terrenas, que diziam respeito a pndulo

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    corpos em queda.Em sua primeira discusso sobre o comportamento dos corpos em queda,

    manuscrito no publicado intitulado Sobre o movimento (escrito enquanto estana Universidade de Pisa), Galileu adotava a concepo de Aristteles de qucorpos caem com uma velocidade uniforme de acordo com suas densidadeuma das regras gerais que governam a razo das velocidades do movim[natural] dos corpos, nas suas palavras. Uma bola feita de ouro deveria cairvezes mais depressa que uma de prata de igual tamanho, porque a primeira quase duas vezes a densidade da segunda. Galileu, evidentemente, resolverificar se isso realmente acontecia mas, para sua surpresa e desapontameficou frustrado porque o experimento no funcionou: Se pegarmos dois cordiferentes, ele relata, cujas propriedades sejam tais que o primeiro deva duas vezes mais depressa que o segundo, e se os deixarmos cair de uma tor

    primeiro no atingir o solo visivelmente mais depressa, ou duas vezes mdepressa.7 Diante disso, os historiadores da cincia concluram que Galileu, bcedo em sua carreira, empenhava-se em testar a teoria por meio da observaMas no mesmo livro Galileu tambm fazia a estranha assero de que o cmais leve de incio move-se com vantagem sobre o corpo mais pesado, emeste acabe alcanando-o. Isso levou alguns crticos a duvidar da sinceridadGalileu ou de sua habilidade como experimentador.

    Poucos anos depois, Galileu mudou de opinio a respeito da queda dos core abandonou completamente o modelo aristotlico. O processo de investigaque o levou a essa postura foi complexo e envolveu muitas formascomprovao e reflexo, no apenas os movimentos terrestres. Grande pdisso foi reconstruda pelos estudiosos de sua obra por meio de uma trabalhanlise, pgina por pgina, de seus cadernos de anotaes. Em seus livros, Dilosobre os sistemas mximos (1632) e Discursos e demonstraes matemticas sobre duacincias (1638), Galileu apresenta uma srie de explicaes sobrecomportamento dos corpos em queda. Estranhamente, para nossos olhos, cauma consiste em uma conversa que se estende por vrios dias entre trs homeSalviati, um substituto de Galileu; Simplcio, que expressa a posio aristotlprovavelmente a posio anterior de Galileu (e, como o nome indica, algumpouco simplrio); e Sagredo, um homem culto, de bom senso. Esse formliterrio garante a Galileu muita liberdade para discutir poltica e teologicamequestes delicadas, sobretudo o sistema copernicano, sem parecer comprometse. Se Salviati apresentava uma argumentao irreverente, Galileu podia ob

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    que ele era apenas um personagem fictcio, cujas opinies no ernecessariamente endossadas pelo autor. O formato tambm lhe permiexplorar diferentes maneiras de expor suas prprias argumentaes. ustificativas de Salviati no englobavam necessariamente as reflexes de Gal

    mas recapitulavam suas concluses.Em ambos os livros, Salviati e Sagredo discutem vrios experimentos

    dizem ter realizado com corpos de diferentes pesos e composies. Durandiscusso do primeiro dia em Discursos e demonstraes matemticas sobre duascincias, Salviati refuta a aparente afirmao de Aristteles de que testou quobjetos pesados caem mais depressa que os leves. Sagredo diz ento:

    Mas eu, que fiz o teste, garanto-lhe que uma bala de canho que pesa 45kg (ou 90kg, ou at maantecipa a chegada ao solo, nem por um segundo, de uma bala de mosquete que no tem mais de 15g, vambas de uma altura de 20braccia [um braccio tem cerca de 0,6m] a maior antecipa a menor por 5cmseja, quando a maior atinge o solo, a outra est 5cm atrs dela.

    Salviati acrescenta: Parece-me que podemos acreditar, com graprobabilidade de acerto, que no vcuo todas as velocidades so absolutameiguais. Mais adiante, no quarto dia, ele observa:

    A experincia nos mostra que duas bolas de igual tamanho, uma das quais pesa 10 ou 12 vezes maisoutra (por exemplo, uma de chumbo e outra de madeira), ambas descendo de uma altura de 150 oubraccia, chegam ao cho com uma diferena mnima de velocidade. Isso nos assegura que [o papel do] dificultar ou retardar as duas pequeno.8

    Salviati pode ser fictcio, mas faz claramente um relato do prprio trabalhGalileu. Ele afirma ter realizado um experimento que, conforme a maioriahistoriadores acredita, mostra que Galileu de fato experimentou objetos diferentes pesos para investigar e desafiar a descrio do movimento Aristteles. Parece que fez essas experincias do alto de torres talvez mesmTorre Inclinada e para desconforto de seus colegas aristotlicos, reconheciam por outras argumentaes de Galileu que ali havia motivosinquietao no s para a teoria de Aristteles sobre o movimento terrestre, para todo o restante de seu sistema tambm. verdade que alguns de spredecessores tambm haviam demonstrado falhas na argumentao Aristteles sobre o movimento, mas Galileu fez muito mais que eles, ao mocomo essa parte do sistema aristotlico era crucial, desenvolver uma explicaalternativa para o movimento e ilustrar sua importncia. Tenha ou no lanabolas do alto da Torre Inclinada, Galileu foi a principal figura desenvolvimento de uma alternativa para a teoria aristotlica da queda

    corpos.

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    Viviani ilustrou bem o seu mestre. Se non vero como dizem os italianos,bene trovato (Se no verdade, poderia muito bem ser), e estamos justificem atribuir a Galileu o experimento da Torre Inclinada.

    Mas como e por que esse experimento se tornou to intimamente entranhano folclore como um importante momento na transio para a cincia modern

    Uma das razes est na fora da descrio feita por Viviani, a qual, embreve, representa uma cena cativante. Embora Viviani em geral seja cuidadopreciso, ele tambm escrevia para um pblico especial acadmicos literafiguras do clero e da poltica, e outros personagens proeminentes no cientistaque no se importava tanto com detalhes matemticos e tcnicos, mas que daateno a uma histria emocionante. possvel que Viviani, escrevehistoriador da cincia Michael Segre, nunca tenha imaginado que alguns de sleitores, no futuro, seriam incrdulos historiadores da cincia.9

    Uma segunda razo a tendncia da literatura popular, ou mesmo literatura histrica, de tomar um nico episdio para resumir e exemplificar usrie complexa de acontecimentos importantes. No caso da mudana do modaristotlico para o moderno, a Torre Inclinada cumpre essa funadmiravelmente, embora tenha o efeito desastroso de obliterar o contexto e daentender que o experimento foi a origem da compreenso de Galileu sobrmovimento, e que as consideraes sobre o movimento foram o principal mo

    do choque entre os dois modelos.Uma razo est no nosso amor pelas histrias de Davi e Golias (pelo m

    aquelas em que Davi um dos nossos), nas quais alguma autoridade reinante exposta como ilegtima, humilhada e banida por meio de um ardil esperto. histrias parecem exaltar a nossa prpria sabedoria.

    Os experimentos, como outros tipos de performances, tm uma criao,histria de nascimento, que culmina na primeira performance, e uma histriamaturao que comea apenas nessa ocasio e cobre tudo o que acontece dep uma biografia, por assim dizer. Como a medio da circunferncia da TerraEratstenes, a experimentao feita por Galileu sobre o movimento dos corem queda livre era ao mesmo tempo algo que ele fez numa determinada ocasinum determinado lugar, e um exemplo para algo que poderia ser refeitodiferentes maneiras com diversos objetos, tecnologias e graus de preciso.longo do tempo, o experimento de Galileu com corpos em queda criou um g

    de experincias e demonstraes descendentes diretas da Torre Inclinada.

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    Por exemplo, a inveno, cerca de 12 anos aps a morte de Galileu, da bode ar que remove o ar de uma cmara tornando possvel criar um v(imperfeito) , permitiu aos cientistas, entre os quais o ingls Robert Boyleholands Willem Gravesande, testar a afirmao de Galileu de que corpopesos desiguais caem simultaneamente no vcuo.

    Demonstraes da queda dos corpos no vcuo menos exatas do ponto de vcientfico continuaram populares mesmo no sculo XVIII, quando a nova fpioneira de Galileu j havia substitudo a de Aristteles. O rei George IInglaterra, por exemplo, insistiu para que seus fabricantes de instrumenencenassem uma demonstrao com uma pena e uma moeda de um guinuntas, dentro de um tubo a vcuo. Um observador escreveu:

    O sr. Miller costumava dizer que desejava explicar o experimento da bomba de ar com o guinu epara George III. Ao apresentar o experimento, o jovem ptico forneceu a pena, o rei deu a moeda e, ao cla, o monarca cumprimentou o jovem por sua percia como experimentador, mas frugalmente devolvmoeda ao seu prprio bolso.10

    Ainda no sculo XX, alguns cientistas continuaram a fazer experincias corpos em queda livre, medindo o tempo exato da queda a fim de testar equapara acelerao de corpos em um meio resistente. Uma dessas experinciasrealizada em tempos recentes, na dcada de 1960, na torre meteorolgicaLaboratrio Nacional de Brookhaven, em Long Island, Estados Unidos, fsico terico Gerald Feinberg. A principal razo para levantar essa questotanto tempo estabelecida, escreveu Feinberg, que os resultados da teoria bem contrrios intuio, pelo menos intuio de quem se criou sob a leGalileu. Equaes em uso h centenas de anos ainda precisavam de correO experimento da Torre Inclinada, evidentemente, ainda pode nos surpreender

    O experimento da Torre Inclinada trata de uma coisa fundamental: comocomportam os objetos desde balas de canho at penas sob a influnciauma fora que afeta a todos ns. Seu projeto simples como a respirao,

    fatores misteriosos no se precisa ter sequer um relgio. E definideixando-nos um tipo especial de prazer que poderamos chamar de surpresperada. Ao mesmo tempo que compreendemos a verdade do modgalileano, o modelo aristotlico aquele em que vivemos. Se vivssemos naonde no h a resistncia do ar, o comportamento dos corpos em queda no vnos seria familiar, e o experimento no exerceria esse poder de descobePorm, a nossa experincia cotidiana nos leva a esperar que os corpo

    comportem da maneira aristotlica, e nos recompensa quando fazemos noss

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    planos de acordo com ela. Quando apanhamos objetos pesados, eles puxnossas mos mais do que os leves, fazendo-nos sentir que cairiam mais deprecomo se desejassem retornar para o lugar a que pertencem. Por essa razo, aipodemos nos deslumbrar com a viso da violao daquela teoria, uexperincia que refora aquilo que j sabemos intelectualmente. O praenvolvido faz lembrar o jogo fort-da descrito por Freud, no qual a criana faz

    pequeno objeto desaparecer e em seguida o faz retornar ao alcance da vnovamente: algo, no retorno do objeto, produz a infinita alegria da crianembora ela soubesse que ele estava ali o tempo todo.

    At recentemente, alguns mistrios cercavam o experimento de Galileu corpos em queda. Um deles diz respeito sua observao, emSobre o movimento, dque um corpo menos denso, quando atirado primeiro, move-se na frente de corpo mais denso, que acaba por alcan-lo. Na dcada de 1980, o historiado

    cincia Thomas Settle reproduziu o experimento de Galileu com a ajuda depsiclogo experimental e, para seu espanto, observou a mesma coisa. Pesquposteriores convenceram Settle de que o objeto mais pesado faz a mo qusegura sentir-se mais cansada, o que leva o experimentador a solt-lo mdevagar, mesmo quando pensa que est soltando os objetos simultaneamente.1

    Outro mistrio recentemente esclarecido envolve a validade do relatoViviani, e por que, se o experimento de fato ocorreu na Torre Inclinada, Ga

    nunca mencionou isso em suas prprias obras. Na dcada de 1970, StillmDrake, especialista em Galileu, examinou cuidadosamente a correspondnciafsico dos anos 1641-42. Galileu, cego e sob priso domiciliar, fazia Viviani lcorrespondncia e escrever as respostas. No incio de 1641, Galileu recebeu vcartas de seu velho amigo e colaborador Vincenzio Renieri, que acabava dtornar professor de matemtica na Universidade de Pisa, ocupando a ctedra pertencera ao prprio Galileu. Em uma das cartas, Renieri referiu-se realizde um experimento no qual fazia duas bolas carem, uma de madeira e outrachumbo, do alto do campanrio da catedral isto , da famosa Torre de PNo h resposta de Galileu, mas a carta seguinte de Renieri deixa claroGalileu indicou a ele os seus prprios experimentos com a queda dos corpos

    iscursos e demonstraes matemticas sobre duas novas cincias, e pediu a Renieri qrepetisse o experimento com corpos de pesos diferentes, mas do mesmo materpara verificar se o tipo de material afetaria os resultados (no afetou). A carRenieri, alm disso, parece ter estimulado a memria de Galileu a respeito deprprio experimento em Pisa, que envolvia a queda de corpos do mesmo mat

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    e que ele descrevera para Renieri ou, pelo menos, para Viviani. Isso, se acontexplicaria por que Viviani estava to a par de uma histria que Galileu h mesquecera, e por que Viviani, em seu relato, deixa bem claro que Galileu bolas de material idntico. As histrias de Viviani contm imprecises, de porm, em geral, trata-se de erros de menor importncia: de cronologia, nou condensao. E por que deveria ter Galileu mencionado a Torre Inclinada

    seus escritos? Ele mencionou lugares altos, e o fato de que um desses lugtenha sido a Torre de Pisa apenas um aspecto acidental do experimento, squalquer influncia sobre a validade dos resultados. Depois de muito penDrake concluiu que, em sua carta a Renieri, Galileu provavelmente descreveuexperimento sobre a queda dos corpos realizado por ele na Torre de Pisa teria sido a fonte da histria de Viviani.13

    O conhecido historiador da cincia I. Bernard Cohen cansou-se de respon

    No sei a perguntas como Algum j lanou duas bolas de pesos diferenteTorre de Pisa?, ou O que aconteceria se algum fizesse isso?. Em uma reudo Congresso Internacional de Histria das Cincias, em 1956, realizadovrias cidades da Itlia, incluindo Pisa, ele fez uma visita Torre de Pisa, pealguns colegas e alunos de graduao para afastar quem passava por um locabase e subiu os degraus de mrmore gastos e escorregadios. Ao chegar ao testendeu os braos, com alguma dificuldade, sobre a borda do canto sul, e deicair duas bolas de pesos diferentes. Elas tocaram o cho quase ao mesmo temdiante de espectadores surpresos, certamente no por estarem vendo alinesperado, mas pelo menos em parte porque sabiam que estavam vendo algosignificado histrico: o famoso experimento da Torre Inclinada de Galileu, qsabe encenado de fato pela primeira vez.

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    Interldio 2

    Experimentos e demonstraesMichelle recria o experimento

    de Galileu na Torre de Pisa

    Esse o ttulo de uma escultura em tamanho natural que pode ser vistaMuseu de Cincia de Boston. Michelle uma afro-americana pr-adolescvestida em um macaco. Ela empilhou duas gavetas em cima de sua escrivaniescalou at o topo, e agora segura uma bola vermelha desoftball na mo esquerd

    e uma bola amarela de golfe na direita. Est preparada para deix-las caimomento em que sua me entra e olha com desaprovao. A me de Michest pensando, de acordo com o cartaz pendurado sobre a sua cabea, O quisto?. Michelle, por sua vez, pensa: Qual delas ser que vai bater no primeiro?

    Uma legenda diz:Como se movem os corpos em queda? Ser que a bola desoftball vai chegar ao cho antes da bola de go

    Michelle, como Galileu 400 anos antes dela, quer ver com seus prprios olhos Eu mesma vou descoisso que voc diz quando no quer apenas acreditar no que os outros dizem.

    Essa escultura mostra a simplicidade do experimento de Galileu na ToInclinada de Pisa, expressa como ela se tornou legendria, exibe um poucosimplificaes da lenda e ilustra parte das diferenas entre experimentodemonstraes.

    Michelle est fazendo um experimento, o que o tipo de procedimento revela algo pela primeira vez. Encenamos procedimentos quando se toimportante para ns esclarecer alguma questo, se ela no pode ser expliccom novas leituras sobre o assunto, e, assim, para prosseguir em nossa pesqutemos de planejar, executar, observar e interpretar uma ao. Num experimenno sabemos como as coisas vo se comportar no final. Essa incerteza nosobservar o procedimento com muito cuidado. Quando o experimento moscomo elas se comportam, no a mesma coisa que aprender a resposta para uquesto de mltipla escolha, porque ns passamos por uma transformamesmo quando ficamos incertos quanto ao nosso prximo passo. Esta uma

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    diferenas que Hardy assinalou entre o xadrez e a matemtica: jogar um jogxadrez no muda as regras, mas uma comprovao matemtica ou experimento cientfico muda a cincia, porque, com ela, alguma coisa noinserida. Exatamente porque isso acontece que a nossa pesquisa no termimas se modifica e aprofunda.

    Por acaso, Michelle se interessou pela queda dos corpos. O porqu, sabemos e difcil imaginar; provavelmente alguma coisa que ela leu sGalileu a intrigou. Ela leva as coisas a srio o bastante para executar uma peqao, envolvendo ingredientes bem conhecidos, a servio de sua pesquTambm pressentimos que, seja o que for que ela descobrir, no ser o fimpesquisa, e que ela ter outras indagaes.

    Um experimento recapitulado se torna uma demonstrao. Enquanto uexperimento um procedimento no qual autores e pblico so as mesm

    pessoas ele se destina a desvendar algo para aqueles que o empreendem e pasua comunidade , uma demonstrao uma performance-padro cujos autoe pblico so diferentes. Se Galileu de fato deixou cair bolas de diferentes pesoalto da Torre de Pisa, isso foi uma demonstrao seu propsito seria menos revelar coisas para si prprio, e sim o de convencer os outros. Um experimque hoje constitui um marco amanh ser uma demonstrao. Umdemonstrao uma recapitulao com um propsito, e, dependendo de

    propsito (estimular uma turma de alunos, convencer colegas, impressioreprteres), a demonstrao ser encenada diferentemente. A fronteira enexperimentos e demonstraes nem sempre ntida, porque, ao prepararcalibrar um novo experimento, com frequncia j se tem conhecimento do ser revelado antes que o experimento comece oficialmente experimentador inteligente capitaliza esse conhecimento para aprimorarexperimentao. Por sua vez, as demonstraes nem sempre se desenrolam coforam planejadas: por exemplo, quando sofrem a interferncia de forterrestres, bem conhecidas, ou de algo novo e imprevisto, que o experimentano sabe o que .

    Quando vamos a um museu cientfico, encontramos demonstraes. Museu de Cincia de Boston, a demonstrao da queda dos corpos, a DSTOP, tem dois cilindros de plexiglas um ao lado do outro. Dentro dos cilinh duas garras mecnicas que podem segurar objetos de pesos diferentes qesto inseridos no fundo dos cilindros e lev-los at a parte de cima, para ensolt-los ao mesmo tempo. Os trajetos desses objetos so acompanha

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    eletronicamente do princpio ao fim. As crianas costumam catar no chomuseu objetos para serem inseridos nos cilindros, o que encanta os curadoresexposio, mas incomoda o pessoal da limpeza. O museu Exploratorium, deFrancisco, exibe uma demonstrao diferente, que consiste em um cilinindependente de plexiglas de 1,20m montado sobre um eixo, que pode ser girpara ficar de cabea para baixo. Dois objetos so inseridos no cilindro uma

    e um brinquedo qualquer, como uma galinha de borracha , e em seguida eligado a uma cmera de vcuo que o visitante do museu pode ligar e desligadois objetos so recolhidos por uma pequena gaveta quando o cilindro giradcaem dela quando o cilindro fica totalmente de cabea para baixo. Ao deixaro ar entrar no cilindro, a pena se atrasa na queda e leva vrios segundos flutuaat embaixo; mas quando retiramos o ar, os dois objetos caem quase ao mestempo. A demonstrao to popular que o visitante invariavelmente tem d

    acotovelar no meio de uma multido de crianas para brincar com o cilindro. As demonstraes tendem a camuflar a dificuldade inerente conceporealizao e compreenso dos experimentos, criando entre o pblico fenmeno uma distncia no presente nos experimentos. Elas tambm podesimplificar demais o processo experimental por meio do uso de equipamenmodernos, construdos com a resposta correta em vista, mesmo quanequipados com resultados imperfeitos para promover a verossimilhana.

    Demonstraes, instrues, relatrios em livros e simulaes podem fornecer uma noo errnea da cincia ao encorajar a ideia de que experimento cientfico apenas uma ilustrao de uma lio j formulada oo reduz a uma obra-prima de crucipixel, pinte com os nmeros , em vezapresentar como um processo. Por essa razo, eles podem at mesamesquinhar a beleza da cincia. Embora um experimento cientfico poapontar um fato simples, escreveu o historiador da cincia Frederic Holmes,foi extrado de uma matriz de complexidade e inevitavelmente introduz ndimenses de complexidade.1 Isso aconteceu tambm com o experimento Torre de Pisa: os cientistas demoraram muito tempo para avaliar a importndos experimentos sobre os corpos em queda, e, em vez de tornar a cincia simples, eles a complicaram mais.

    A queda lunar da pena da Apolo-15 foi, claro, uma demonstrao. Coexperimento, teria sido indesculpavelmente desleixado (exceto nos tiposexplorao mais rudimentares). Ningum mediu a altura da qual os objeforam lanados. Ningum se preocupou em verificar se os braos de S

  • 7/26/2019 Os 10 Mais Belos Experimentos

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    estavam paralelos ao c