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DOI: 10.20287/ec.n23.a01 Os 100 primeiros dias do XXI Governo Constitucional através da imprensa generalista: quando as finanças travam uma mudança de ciclo político Felisbela Lopes & Paula Espírito Santo Universidade do Minho; Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade / Instituto Superior de Ciência Sociais e Políticas (ISCSP), Universidade de Lisboa; Centro de Administração e Políticas Públicas E-mail: [email protected] / [email protected] RESUMO Os 100 primeiros dias de um Governo correspondem a um tempo vital na cons- trução de uma marca. Neste contexto, os media assumem-se como guias de re- ferência de uma opinião pública que vai sendo estruturada em grande parte por influência daquilo que os jornalistas es- crevem. Para saber como é que a im- prensa generalista mediatizou este pe- ríodo no que diz respeito ao XXI Go- verno Constitucional, analisamos todos os textos noticiosos dos jornais genera- listas que elegeram a ação dos governan- tes como frame principal. Este conjunto de textos noticiosos totalizou um corpus de 961 artigos jornalísticos e 2165 cita- ções de fontes de informação. Dessa aná- lise sobressai uma cobertura noticiosa in- tensa (publicam-se em média 2,4 textos por dia), desenvolvida em textos de ta- manho médio ou extenso, declinada mai- oritariamente pelo ângulo positivo, feita em forma de notícia, refletindo mais de metade dos textos acontecimentos previ- amente agendados pelos atores políticos. Apesar do esforço deste Governo em pro- clamar um novo ciclo político afastado do tópico daausteridade que havia dominado o discurso político dos anos precedentes, os jornalistas privilegiaram a tematiza- ção financeira e, quando o fizeram, cri- aram uma cobertura jornalística distinta daquela que se constituiu como padrão da actividade governativa dos restantes mi- Data de submissão: 29-07-2016. Data de aprovação: 23-10-2016. A Revista Estudos em Comunicação é financiada por Fundos FEDER através do Pro- grama Operacional Factores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto Comunicação, Filosofia e Humanidades (LabCom.IFP) UID/CCI/00661/2013. Estudos em Comunicação nº 23, 1-22 dezembro de 2016

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Os 100 primeiros dias do XXI Governo Constitucionalatravés da imprensa generalista: quando as finanças

travam uma mudança de ciclo político

Felisbela Lopes & Paula Espírito SantoUniversidade do Minho; Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade / InstitutoSuperior de Ciência Sociais e Políticas (ISCSP), Universidade de Lisboa; Centro de

Administração e Políticas PúblicasE-mail: [email protected] / [email protected]

RESUMO

Os 100 primeiros dias de um Governocorrespondem a um tempo vital na cons-trução de uma marca. Neste contexto,os media assumem-se como guias de re-ferência de uma opinião pública que vaisendo estruturada em grande parte porinfluência daquilo que os jornalistas es-crevem. Para saber como é que a im-prensa generalista mediatizou este pe-ríodo no que diz respeito ao XXI Go-verno Constitucional, analisamos todosos textos noticiosos dos jornais genera-listas que elegeram a ação dos governan-tes como frame principal. Este conjuntode textos noticiosos totalizou um corpusde 961 artigos jornalísticos e 2165 cita-ções de fontes de informação. Dessa aná-

lise sobressai uma cobertura noticiosa in-tensa (publicam-se em média 2,4 textospor dia), desenvolvida em textos de ta-manho médio ou extenso, declinada mai-oritariamente pelo ângulo positivo, feitaem forma de notícia, refletindo mais demetade dos textos acontecimentos previ-amente agendados pelos atores políticos.Apesar do esforço deste Governo em pro-clamar um novo ciclo político afastado dotópico daausteridade que havia dominadoo discurso político dos anos precedentes,os jornalistas privilegiaram a tematiza-ção financeira e, quando o fizeram, cri-aram uma cobertura jornalística distintadaquela que se constituiu como padrão daactividade governativa dos restantes mi-

Data de submissão: 29-07-2016. Data de aprovação: 23-10-2016.

A Revista Estudos em Comunicação é financiada por Fundos FEDER através do Pro-grama Operacional Factores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais atravésda FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto Comunicação,Filosofia e Humanidades (LabCom.IFP) UID/CCI/00661/2013.

Estudos em Comunicação nº 23, 1-22 dezembro de 2016

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nistérios. Ano e meio depois do fim ofi-cial doPrograma de Assistência Econó-mica e Financeira a Portugal, a imprensaportuguesa continuou a encontrar nas fi-

nanças um tópico persistente. Tal aconte-ceu, porque o calendário político a isso oobrigou, mas porque também os jornalis-tas não quiseram fazer desvios de rota.

Palavras-chave: jornalismo político; 100 dias de governação; imprensa portuguesa;tematização; fontes de informação.

ABSTRACT

The first 100 days of a Government cons-titute a vital period in the making ofa brand. In this context, the mediaassume themselves as reference guidesof a public opinion which is structuredlargely by influence of what journalistswrite. To get to know how the genera-list press publicized this period regardingthe 21st Constitutional Government, wehave analyzed all the news texts of ge-neral newspapers that elected the gover-nors’ action as main frame. This set ofnews texts totaled a corpus of 961 newsarticles and 2165 quotes from informa-tion sources. From this analysis, an in-tense news coverage stood out (on ave-rage 2,4 texts are published every day),developed in medium-sized or extensivetexts, declined mostly by the positive an-gle, made in the form of news, more

than half of the texts reflecting previouslyscheduled events by political actors. Des-pite the efforts of this Government in pro-claiming a new political cycle away fromthe topic of austerity that had domina-ted the political discourse of the prece-ding years, journalists promoted financialthemes and, when they did, they crea-ted a news coverage different from theone which was established as standard ofthe other ministries’ government activity.Year and a half after the official end of theProgram of Economic and Financial As-sistance to Portugal, the Portuguese presscontinued to consider the finance matter apersistent topic. Such happened, not onlybecause the political calendar forced it,but also because journalists didn’t wantto make detours.

Keywords: political journalism; 100 days of governance; the Portuguese press;topicalization; sources of information.

NOTA INTRODUTÓRIA

EM cada ciclo político que se renova, a expectativa dos primeiros 100 diasde governação constitui um marco simbólico, e também pragmático,

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acerca da linha de condução política dos Governos e dos seus protagonistas.O modo como a mensagem é construída através dos media, e da imprensa emespecial, marca os traços fundamentais que resultam da relação de construçãoe do reflexo que os jornais permeabilizam entre os seus públicos e os atorespolíticos da cena governamental. Quisemos perceber como é que a imprensaportuguesa mediatizou esse período no XXI Governo Constitucional de Portu-gal. Para isso, analisámos todos os artigos dos jornais generalistas diários quetiveram como ângulo principal a ação dos respetivos governantes. Nesse tra-balho verifica-se que, de entre as várias pastas e ministérios sob observação,existem grupos top que acabam por gerar diferentes níveis de interesse porparte da imprensa. As finanças destacam-se amplamente dos restantes camposgovernamentais, contaminando, em grande medida, a imagem do Executivocomo um todo. A demonstração desta tendência abre-nos um conjunto de pis-tas e focos de atenção sobre não apenas este campo vital da praxis, como dacomunicação governamental e política, do Estado no seu composto institucio-nal. Neste tempo, os jornalistas centraram-se na pasta das finanças como focoessencial da governação nacional (totaliza 30,5 dos artigos noticiosos sobreos governantes Portugueses). É sobre este objeto que nos debruçaremos deforma particular, conquanto a sua pertinência transmite e indicia um formatopróprio acerca da construção da imagem política do Governo na sua fase demaior expectativa e num dos momentos de maior observação crítica por partedos media e, consequentemente, da opinião pública.

Neste sentido, a questão de fundo que colocamos é a seguinte: em quemoldes se constrói e se torna hegemónico, na imprensa, um objeto políticoe governamental central? Esta questão abre-nos a porta para a complexidadeanalítica acerca da construção de um conjunto-chave de categorias e indica-dores frequentes na imprensa nacional, os quais poderão indiciar um padrãode produção da mensagem jornalística em relação ao ciclo inicial dos 100dias de governação do Estado. Assim, procuramos definir o predomínio temá-tico ou categorial dos conteúdos noticiosos sobre a política governamental;analisar o tratamento jornalístico construído acerca do desempenho governa-mental; identificar as fontes noticiosas, ponderando a sua diversificação, no-toriedade e funcionalidade instrumental no contexto da produção noticiosa;e discutir os moldes da organização noticiosa à luz da hipótese da agenda-setting. Em termos metodológicos, a técnica de suporte a este estudo é aanálise de conteúdo, a qual será utilizada numa vertente quantitativa. O cor-

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pus de análise é constituído pelos textos noticiosos publicados na imprensadiária Portuguesa selecionada nos primeiros 100 dias de governação, ou seja,961 textos jornalísticos, dos quais 294 artigos são sobre as finanças. Ao longodeste tempo, destacaram-se três importantes acontecimentos, os quais justifi-cam, em grande medida, o foco mediático sobre as finanças: a apresentaçãodo programa do Governo, a crise no Banco Banif e a discussão e aprovação doOrçamento de Estado. O volume de fontes citadas nestes 100 dias de gover-nação foi elevado (2165 fontes), tendo sido analisado e organizado com baseno processo categorial e nos indicadores obtidos na organização da análise deconteúdo efetuada. Os resultados esperados desta contribuição apontam paraa funcionalidade e instrumentalidade da construção noticiosa política e gover-namental, identificada através dos focos temáticos e contextuais selecionadosnum momento central para a governação, os seus primeiros 100 dias. Estepercurso de construção noticiosa indicia e, potencialmente, marca a imagemdo Executivo, contribuindo de modo permanente para consubstanciar os mol-des identitários da imagem pública da governação, dos seus protagonistas, epastas, ao longo do mandato governativo.

O TEMPO E ESPAÇO DO GOVERNO NA IMPRENSA NOS PRIMEIROS 100DIAS: FOCOS DE ATENÇÃO E CONSTRUÇÃO NOTICIOSOS

A construção do tempo e espaços da política nos 100 primeiros dias de go-vernação constituem importantes fragmentos da identidade política da Nação.Este período contribuiu para consolidar o espaço vital das múltiplas cumpli-cidades políticas, sociais e identitárias não só do Executivo em cada mandato,como do contexto de representação parlamentar que, com este, se ergue naslegislaturas ligadas ao mandato do Governo. O regime político Português,designado semipresidencialista, salienta o importante papel de coabitação po-lítica entre três dos quatro órgãos de soberania nacional, o Governo, a As-sembleia da República e o Presidente da República, cabendo aos tribunais umpapel paralelo no campo do equilíbrio e sustentação legal, fiscalização e con-trolo da comunidade e das estruturas de funcionamento do Estado. A imagempública construída através dos media, e da imprensa em especial, constitui,neste sentido, um reflexo de prioridades, de focos de atenção, de dinâmicasde poder, de interesses programáticos, mas também editoriais, tanto quanto oagenda-setting os atende e entende e expõe. Contudo, os valores e conteúdos

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reflectidos nos media constituem-se, sobretudo, como referentes com impor-tância relativa no plano da afetação dos públicos das democracias, aliada aum sentido de focagem de rápida permanência no espaço e visibilidade pú-blicas. Ou seja, os indicadores produzidos pela focagem noticiosa dos mediapermitem retirar ilações sobre interesses mediáticos, mas, entre estes e o es-paço público de retenção e interesse, o hiato tende a constituir-se de modoacentuado.

A discussão sobre as bases políticas de identidade junto dos públicos daimprensa, construídas através dos media, tal como Lippmann (1922), de modopioneiro, as introduziu e discutiu, projetou a importância da opinião pública,evidenciando o papel dos interesses políticos e da manipulação da mensagemnos meios de comunicação. Segundo Lippmann, apesar da influência das eli-tes na construção da opinião pública, esta mesma opinião pública seria um dosaspetos centrais da comunicação, mas também da política e da democracia. Airracionalidade da construção da ‘opinião’ e da ‘multidão’ em Tarde (1901)sublinhava o carater heterógeno e a pouca coesão das massas, as quais seriamdesprovidas de reflexão e profundidade, visíveis no plano da ação coletiva. Jána visão de Lippmann (1922), a opinião pública constituía-se como um entemoldado em bases política e democraticamente instituídas, onde a irraciona-lidade das massas estaria na base da falta de coesão social, da crítica, assimcomo do desligamento em relação à ação do poder político. As limitaçõesassociadas à opinião pública encontravam raízes na incompetência políticados cidadãos, aliadas às suas dificuldades de enraizamento sociocultural, bemcomo a fatores individuais e psicológicos. Lippmann acentuou ainda a im-portância da seleção editorial dos ângulos do acontecimento como o principalmarco de construção das bases da opinião pública, através da imprensa, assimcomo da ação fundamental da propaganda e da persuasão políticas, na cons-trução da designada ‘manufatura do consentimento’, ou seja, num julgamentocoletivo contruído, assumido e consentido pelo sistema político.

O papel e valor da imprensa constituem um dos principais motivos deobservação no plano político. Neste quadro, reúne indiscutível interesse arelação da imprensa com os seus protagonistas, a opinião pública, mas sobre-tudo com os editores, os políticos e os públicos. A literatura tem questionadoa débil força da opinião do eleitorado, em contraste com a da elite (Neuman,1986). Segundo Neuman (1986: 3), “o paradoxo da política de massas é ohiato entre a expectativa de uma cidadania informada em face da teoria demo-

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crática e da realidade desconfortante revelada pela sistemática investigaçãopor sondagens”. A enfatização do fosso entre a construção mediática e o en-volvimento e motivação do eleitorado coloca-se no modo como é construída aimagem do poder em termos noticiosos e os ângulos selecionados como maisurgentes e funcionais. O desinteresse e a desafetação pública em relação aosassuntos da política tendem a vincar-se em simultâneo com maiores níveis deinstrução, de educação e de compreensão socioeconómica e política (Patter-son, 1997; Norris, 2000; Norris, 2011). Ou seja, o aumento da competênciapolítica é acompanhado por uma evolução que tende a ser inversamente pro-porcional ao interesse gerado pela política, nomeadamente pela informaçãoacerca da política.

O estudo da influência dos partidos na agenda política e o efeito dos medianas agendas partidárias, conduzido por Hopmann et al. (2009), demonstrouque os partidos possuem bastante influência na agenda dos media, mas queestes têm pouca ascendência sobre a agenda partidária. Este estudo tambémsublinhou que não são sistemáticos os motivos que estão na base da maior in-fluência de alguns partidos, em relação aos demais, sobre o espaço noticiosoque lhes é dedicado. De entre os motores da construção da notícia, salientam-se alguns aspetos que estão na base da seleção do framing escolhido. A au-tenticidade, a negatividade e a personalização constituem focos essenciais darelação que os atores políticos constroem com os media (Hopmann, 2014).Estes elementos apresentam-se como ferramentas e instrumentos de medi-atização e reflexão acerca dos conteúdos protagonizados na imprensa pelosatores políticos.

Daqueles três aspetos, a negatividade é aquele que tem atraído mais a in-vestigação, pela frequência deste recurso na construção da notícia e pela atra-tividade e estímulo que gera no seguimento da mesma junto dos públicos dosmedia. Focando-se no ‘tom das notícias’, Mortensen, Green-Pedersen e The-sen (2015) sublinham que “a consistência dominante das notícias negativasao longo do tempo” parece indiciar que as suas causas são estruturais e ins-titucionais, ressalvando-se, contudo, a variação grande na sua intensidade, deacordo com o contexto político. Mortensen, Green-Pedersen, Thesen (2015)acentuam aqui o papel dos media enquanto watch dogs, o qual acaba por fazersalientar, sobretudo, a negatividade na construção noticiosa. AnteriormenteThesen (2013) apontava já as reações e aproveitamentos distintos dos parti-dos, consoante se encontram no poder e na oposição, em relação às boas e

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más notícias, enfatizando que a responsabilidade política e o tom da notíciaconstituem aspetos preponderantes quanto à explicação da politização nas no-tícias. O papel de reforço dos partidos enquanto poder em relação às notíciaspositivas contrasta com a oposição, que faz eco e amplia as notícias negativasem torno da atuação dos partidos na sede do poder político. A negatividadeindicia a capacidade de atração dos recursos editoriais em relação a objetose argumentos que geram interesse pela sua oposição, crítica, fragilidade emrelação a estruturas, eventos, protagonistas, objetos ou fenómenos que o quoti-diano comunicacional desencadeia. A personalização centra-se na construçãoda imagem e identidade política dos protagonistas do sistema político, na suaatuação, nas suas opções estratégicas, problemas e soluções ao longo da suacaminhada e exposição pública perante os desafios e missões para os quaisforam mandatados para gerir e governar.

Em segundo lugar, a autenticidade constitui um dos valores aclamados noespaço público como pilar da retórica democrática, facilitador da transparên-cia política entre eleitos e eleitores, base e argumento de proximidade entreas massas e o poder político. É neste âmbito que Harwood (2004) destacaa caminhada do público em busca da autenticidade da informação. A con-fiança que esta gera nos cidadãos permite e reforça um estado de constante‘julgamento’ e contextualização pessoal, por parte de cada um de nós, so-bre a veracidade e significado da informação transmitida. O pessimismo ea descrença tendem a acentuar-se à medida que as bases de julgamento nãosão claras, nomeadamente as fontes utilizadas na construção noticiosa, nãoidentificadas ou pouco claras e a omissão de dados relevantes para o entendi-mento da história e do papel desempenhado pelos seus protagonistas políticos.Coloca-se a questão sobre a autenticidade da notícia enquanto espelho da re-alidade, abordagem, como lembra João Carlos Correia, que tende a ser, cadavez mais, substituída pela da notícia enquanto narrativa baseada num disposi-tivo com vista a “dar forma à experiência tal como um poema, um romance,um livro de histórias ou um conto de fadas (Correia, pp. 57-58). Deste modo,a notícia constitui-se como uma narrativa, cujo contexto, personagens e histó-ria são enquadradas, de modo funcional, nas expectativas, tempo e espaço emcurso. Ou seja, a construção noticiosa superintende um conjunto de quadrosde referência institucionais, económicos e políticos vitais, que formatam, demodo imperativo, os encaixes e limites noticiosos com os quais o jornalistase defronta. Na linha de Maia (2008), Gil Baptista Ferreira (2011) sublinha

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que os “jornais não são canais provedores neutros de informação”, mas estãoligados e integrados, institucionalmente, em organizações com relações polí-ticas, económicas, e com culturas profissionais próprias e conflituantes comos demais actores sociais. Como sublinha Rogério Santos (2006), a comple-xidade da construção noticiosa resulta de um conjunto de dinâmicas e agentesintegrantes, cujo produto final, a notícia, nem sempre permite fazer transpa-recer a forma como o processo foi concebido, assim como os moldes combase nos quais se estabeleceram opções, interacções, ângulos noticiosos. Oprocesso noticioso promove a relação de negociação, nem sempre regular esistemática, entre jornalista e fontes. Esta relação, na base da construção no-ticiosa, tende a moldar-se, em cada momento político e social, de acordo comas necessidades atinentes a cada objecto noticioso e personagens envolvidos.Num trabalho centrado na profissão de jornalista (Lopes, 2015), enunciámosa importância da observação próxima e crítica dos constrangimentos e limi-tes económicos colocados à profissão, os quais tendem a constituir-se comocondição sine qua non de entendimento e reflexão das opções noticiosas emdemocracia.

Em terceiro lugar, a personalização da construção noticiosa constitui umaprática frequente com vista ao desenvolvimento de uma identidade próximacom o protagonista e com o objeto da notícia. Para o efeito de personalização,as valências tecnológicas da era digital têm vindo a ser há muito destacadas(Negroponte, 1995, Norris, 2001; Hidman, 2012). No entanto, esta diferenci-ação nos seus usos está longe de ser massificada, quando se compara a utili-zação da imprensa no contexto das democracias ocidentais. A personalizaçãona política constitui um objeto que tem vindo a ser destacado pela sua prepon-derância nos media (Wattenberg, 1995), através da importância atribuída aosdesempenhos dos candidatos, sobretudo em tempos de campanha eleitoral,secundarizando a ideologia como tópico de importância política. A persona-lização na política é patente, em particular, na imprensa partidária, sobretudoassociada a partidos de poder e de massas (Espírito Santo, Ferreira Costa,2016), e menos realçada em partidos onde o coletivo e o partido como umtodo constituem o motor fundamental das forças partidárias, como é o casodo Partido Comunista. A personalização na política constitui-se como umelemento constante na construção e seleção noticiosa. Contudo, na imprensageneralista, a personalização tende a ser mais evidente quando os objetos em

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realce poderão carecer de projeção perante a opinião pública, e os seus prota-gonistas usufruem de um estatuto diferenciado perante a mesma.

Com base neste quadro de referência e a partir da identificação das linhasestruturantes da construção do discurso nos media, e na imprensa em particu-lar, desenha-se um conjunto de questões subsidiárias à investigação, colocadasnos seguintes termos:

— existe um ciclo noticioso autónomo nos 100 primeiros dias de gover-nação que marque uma identidade noticiosa característica do novo Go-verno? Ou seja, haverá um ciclo noticioso que apresenta estabilidadena tematização, no foco e nas fontes?

— identificam-se valores predominantes (autenticidade, negatividade,personalização...) nos conteúdos noticiosos construídos em torno dos100 primeiros dias de Governação?

— é possível encontrar pontos fortes e fragilidades na primeira aborda-gem noticiosa ao novo Governo e de que modo estes podem ser pre-nunciadores de uma marca de identidade do Governo para o futuro?

— evidenciam-se fontes privilegiadas e, em caso positivo, qual o seu pa-pel e em que medida são centrais no frame selecionado?

— há traços permanentes de representação noticiosa sobre o XXI Go-verno Constitucional nos seus 100 primeiros dias de governação emtermos de definição de uma imagem forte ou frágil em termos políti-cos?

A possibilidade da definição do ciclo noticioso dos primeiros 100 dias degovernação constitui um dos dados noticiosos mais marcantes na construçãoda identidade dos novos Governos. Entender as bases da construção desteciclo noticioso abre caminho para possíveis novos patamares de compreensãoda noticiabilidade acerca do Governo e da sua relação com os públicos dademocracia e com os meios de comunicação social.

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RETRATOS QUE A IMPRENSA GENERALISTA PORTUGUESA CONSTRUIUDOS 100 PRIMEIROS DIAS DO GOVERNO DE ANTÓNIO COSTA: ESTUDOEMPÍRICO

Caminhos metodológicos

Analisámos os 100 primeiros dias do Governo de António Costa atravésdos jornais diários generalistas portugueses: Diário de Noticias, Público, Jor-nal de Notícias e Correio da Manhã. Os dois primeiros são jornais de refe-rências e os outros dois apresentam uma linha mais popular. A nossa amostracompõe-se apenas de artigos jornalísticos que têm como ângulo noticioso aação dos membros do Governo, excluindo-se todos os textos em que o Go-verno é apenas o alvo da ação de outros atores sociais. A análise compreendeo período entre os dias 27 de novembro de 2015 e 4 de março de 2016, to-talizando 961 textos e 2165 citações de fontes de informação. A recolha dedados foi efetuada com recurso às versões digitais dos periódicos em causa,selecionando-se os cadernos principais desses títulos e excluindo-se as sec-ções Local (no Público) ou Porto (no JN). Os textos recolhidos foram sujeitosa uma análise quantitativa dos textos, feita através do programa de análise es-tatística de dados Statistics Package for Social Sciences (SPSS), centrada emdois eixos de análise.

O primeiro eixo de análise procura caracterizar o texto através das seguin-tes variáveis: tipo de título (positivo, neutro, negativo), género jornalístico(notícia, reportagem, entrevista, perfil), tema (as categorias seguem os minis-térios que compõem o Governo), ângulo (apresentação/discussão de medidas,reversão de medidas, gestão corrente), agendamento (iniciativa dos media,eventos públicos, conferências de imprensa/comunicados, situação em curso),tamanho do texto (breve, médio, extenso), tempo (antecipação, dia anterior,ponto de situação), lugar (dividindo o nacional por regiões e o internacionalpor continentes).

O segundo nível centra-se nas fontes de informação, analisadas aqui doponto de vista do leitor dos textos, não transportando o investigador para aanálise dos dados os conhecimentos prévios acerca de determinado indiví-duo. As fontes são caraterizadas quanto ao tipo (humana ou não humana),identificação (identificada, não identificada ou anónima), geografia, estatuto eministérios. O estatuto das fontes de informação é encontrado a partir de uma

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tipologia por nós criada e que nos permite saber se estamos a lidar com fontesoficiais, especializadas ou outras.

Neste artigo, separámos os textos que falam de Finanças a fim de se efetuaruma análise mais apurada. Assim, trabalhámos de forma isolada 294 textos e677 fontes de informação.

Discussão de resultados

Nos 100 primeiros dias de governação, os jornais diários portugueses pu-blicaram 961 textos noticiosos com o enfoque centrado no trabalho dos gover-nantes portugueses. Destes, 294 artigos elegeram como tematização principalas finanças, ou seja, 30,5 por cento do que foi publicado nesse âmbito. É umapercentagem elevada, também justificada por três acontecimentos que desen-cadearam uma forte noticiabilidade: a apresentação do programa do Governo,a crise no Banco Banif e a discussão e aprovação do Orçamento de Estado.Neste conjunto de textos que tiveram as finanças como tópico central, citaram-se 677 fontes (o total dos textos em estudo somou 2165 fontes). São númeroselevados quando se fala apenas de um tema e quando existe um discurso polí-tico que anuncia um ciclo novo que pretende subalternizar uma ação políticacomandada pelas finanças, como acontecera no Governo anterior.

Analisando os textos que tratam apenas das finanças, nota-se um certodesvio dos valores-padrão obtidos na análise global dos dados analisados. Écomo se houvesse um noticiário dentro de outro noticiário. Aliás, é assim quese olha para o ministério das Finanças: como um Governo dentro de outroGoverno. Tratamento do tema e escolha de fontes não acompanham a ten-dência desenhada nos jornais portugueses para a cobertura dos 100 primeirosdias de governação. O novo ciclo anunciado pelo primeiro-ministro pode teralguns reflexos na totalidade de textos relativos a esse período, mas se a re-ferência for o conjunto de artigos noticiosos sobre finanças é difícil anunciaruma nova era. Porque a realidade política continua a exigir uma intervençãopermanente das finanças. Porque o passado recente estruturado por uma difícilconjuntura financeira não pode ser subitamente apagado. Porque a imprensageneralista continua presa a um período de austeridade que vigorou de formasevera a partir de 2011, altura em que Portugal ficou sob o rígido comandodo Programa de Assistência Económica e Financeira, não podendo a agenda

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mediática sofrer repentinamente uma revolução no modo como foi pensandoo país político.

Finanças: uma tematização em contraciclo

Da mediatização na imprensa generalista diária dos 100 primeiros dias degovernação do executivo socialista liderado por António Costa, sobressai umacobertura noticiosa intensa (publicam-se em média 2,4 textos por dia), desen-volvida em textos de tamanho médio ou extenso, declinada maioritariamentepelo ângulo positivo 1, feita em forma de notícia 2, refletindo mais de me-tade dos textos acontecimentos previamente agendados pelos atores políticos.Apesar do esforço deste Governo em proclamar um novo ciclo político afas-tado do tópico da austeridade que havia dominado o discurso político dos anosprecedentes, os jornalistas privilegiaram a tematização financeira e, quando ofizeram, houve um desvio de um certo padrão que a cobertura jornalísticadesse tempo instalou. Ano e meio depois do fim oficial do Programa de As-sistência Económica e Financeira a Portugal, acordado em maio de 2011 porum período de três anos entre as autoridades portugueses, a União Europeia eo Fundo Monetário Internacional, a imprensa portuguesa continuou a encon-trar nas finanças um frame persistente. Tal aconteceu porque o calendário aisso o obrigou, mas porque também os jornalistas não quiseram fazer desviosde rota.

As finanças foram, sem dúvida, o tópico mais presente nas notícias publi-cadas nos jornais portugueses a respeito dos 100 primeiros dias de governaçãosocialista, reunindo 30,6 por cento dos textos noticiosos. A seguir, surgem aação política do Governo (14,9 por cento); a saúde (9,4 por cento); o traba-lho, a solidariedade e a segurança social (8,9 por cento); a educação (8,4 porcento); e o ambiente (3,1). Os restantes temas reúnem percentagens poucosignificativas, somando sempre menos de 25 textos nesses 100 dias.

Se o universo estudado apresenta mais de metade dos textos com títulospositivos, quando se isolam as peças que falam de finanças, essa percentagemdesce para 37,8 e os títulos negativos crescem de 23,7 para 38,1. Nota-se

1. Em termos percentuais, 53,1% dos artigos apresentam títulos positivos, 23,2% usamtítulos neutros e 23,7 têm títulos negativos.

2. Em termos percentuais, 96,8% dos textos são notícias; 2,4, entrevistas; 0,7, perfis; 0,1,reportagens.

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que a tematização financeira arrasta consigo um enfoque pessimista acercada capacidade que o poder governativo terá em libertar-se dos anos de criseem que mergulhou a partir da segunda década do século XXI. Ainda que odiscurso político insista em resgatar algum ânimo para um futuro mais auspi-cioso para os portuguesas, o discurso jornalístico mantém-se agarrado a umenfoque pouco confiante na capacidade que o Governo terá para fazer revertero contexto de crise em que submergiu o país.

Gráfico 1. Distibuição por tema dos textos noticiosos publicados nos jornaisgeneralistas portugueses

Apresentando-se em tempo de campanha eleitoral com um conjunto depromessas que garantia a reversão de algumas das decisões do Governo an-terior, o primeiro-ministro António Costa contou nos primeiros 100 dias deGoverno com alguns ministérios para o ajudar a cumprir o que prometera. Emtermos globais, 11,4 por cento dos textos noticiosos refletem uma política quereverte deliberações políticas, havendo áreas mais proactivas do que outras.Os cinco ministérios que mais se salientaram a este nível foram os seguintes:Educação (35,8 por cento); Ambiente (35,3 por cento); Justiça (32 por cento);Negócios Estrangeiros (17,6); e Trabalho, Solidariedade e Segurança Social(15,2 por cento). Aí, o ministério das Finanças reuniu uma percentagem de2,1 por cento, dividindo-se os textos entre a apresentação de novas medidas ea gestão corrente.

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Em termos de agendamento, constata-se que 51,5 por cento dos textos no-ticiosos destes 100 dias de governação refletem acontecimentos previamenteagendados pelos governantes. São eles que promovem ou participam empseudo-eventos, a maior parte dos quais organizados em função da cober-tura mediática que podem suscitar. Os restantes dividem-se entre aquilo quese pode calcular como sendo uma noticiabilidade criada pelos próprios jor-nais (uma parte reduzida, é certo) ou como correspondendo à gestão correnteda coisa pública (uma parte mais substancial). No entanto, o ministério dasFinanças não acompanha aquilo que é o comportamento-padrão do Governo.Ao contrário da generalidade dos ministérios, quem se ocupa das Finançasnormalmente não surge nos textos noticiosos enquadrado em eventos públi-cos. Esta situação apenas soma neste ministério 24,5 por cento dos textos.Em contrapartida, é dos ministérios mais ativos em promover conferências deimprensa ou em divulgar comunicados (16,7 por cento dos textos). É claroque, neste período, houve acontecimentos que contribuíram para fazer crescera frequência registada a este nível, principalmente a apresentação do Orça-mento do Estado feita aos jornalistas, a qual decorreu em dois dias de queresultaram dezenas de artigos nos jornais diários. Acima do ministério dasFinanças, apenas se encontra o ministério da Educação que é muito produtivoem conferências de imprensa ou em comunicados. Outros ministérios que sesalientam também a este nível são os seguintes: Trabalho, Solidariedade e Se-gurança Social (15,2 por cento); Ambiente (11,8 por cento); e Saúde (9 porcento).

A força de um conjunto restrito de fontes oficiais na tematização das finan-ças

Na cobertura noticiosa da governação do país, os jornais portugueses re-correram essencialmente a fontes oficiais. Se àquelas que apresentam traçohumano (60 por cento), acrescentarmos os documentos oficiais (15,7 por cen-to), mais de três quartos das citações situam-se a este nível. É uma percen-tagem demasiado alta, deve reconhecer-se. Acerca das finanças, o primeiro-ministro fala menos do que na média global do universo estudado (regista-sequase metade das citações) e os responsáveis internacionais falam mais (quaseo dobro). No que diz respeito aos deputados que, na média geral, reúnem 15por cento das citações, quando o tema são as finanças essa percentagem sobe

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para 21,7 por cento. As fontes profissionais mantêm uma certa distância destatematização. Mesmo os sindicatos que, em média, apresentam uma percen-tagem de 11,9 por cento das citações, neste âmbito esse valor desce para 6,6por cento. Nas fontes não-humanas, registam-se valores muito próximos da-queles que se encontram no universo dos textos considerados. Excepto nosdocumentos oficiais. Enquanto que a nível geral esse tipo de texto soma 10por cento, aqui esse valor é de 15,7 por cento.

Quando se trata de finanças, quem mais fala desta matéria é o respetivoministro e são os seus secretários de Estado. Anunciando desde o início doseu mandato um novo tempo político, o primeiro-ministro fez um esforçopara não falar (muito) sobre este tópico. Tendo vivido um longo períodovergados a uma política de austeridade, os deputados têm mais dificuldadeem desprender-se deste tema. Também o calendário político não foi favorá-vel a outras tematizações. Nos primeiros 100 dias de governação, discutiu-seum programa de Governo onde a crise foi sempre uma sombra omnipresente,abriu-se uma crise sistémica no banco Banif e apresentou-se e fez-se apro-var o Orçamento de Estado. Esta agenda muito presa aos números foi, emboa parte, responsável por um noticiário que se encheu de declarações de teorfinanceiro.

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Tipo de Fontes Fontes de Percentagemde Informação Informação de citações

Primeiro-ministro 3.5Ministros 16.2Secretários de Estado 7.5

Oficiais Presidente da República 0.1Responsáveis internacionais 4.6Deputados 21.7Assessores 0.1Outros 5.3Justiça 1.3Economistas/empresários/gestores 1.8Militares 0.1

Profissionais Académicos/investigadores 0.1Assessores 0.4Outros 1.2Sindicatos /Associações 6.6

Não profissionais Militantes de partidos 0.9Documentos Oficiais 15.7Documentos especializados 1.3

Não humanas Comunicados 2.5Media generalistas 4.1Media especializados 0.6Sites 0.6

Cidadãos desconhecidos 0.1Sem identificação Não sei quem/o que são 3.2

Quadro 1. Distribuição das fontes citadas nos artigos de finanças(universo de 677 fontes)

Olhando para os ministérios, constata-se uma enorme prudência de todosem relação ao tema das finanças. Por norma, ministros e secretários de Estadoevitam este tópico que se concentra, como seria expectável, no ministério dasFinanças. Enquanto que a nível global este ministério reúne uma percenta-gem de 12,4 por cento, em assuntos financeiros a percentagem sobe para 34por cento. Triplica. Os mais citados são o ministro das Finanças e o secretá-rio de Estado dos Assuntos Fiscais, embora a equipa seja composta por mais

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três secretários de Estado que, no entanto, neste período revelam-se parcosna palavra mediática. Refira-se, porém, que não se nota uma inclinação destaequipa pela promoção de pseudo-acontecimentos. Sente-se a maior parte dasvezes que há uma agenda mediática que coloca no topo da atualidade noti-ciosa assuntos financeiros, procurando ativamente declarações políticas sobreos assuntos que se multiplicam neste campo. As fontes aqui são mais reativasdo que proactivas e movimentam-se mais à defesa do que ao ataque.

Fontes do Governo Percentagem(Primeiro Ministro e Ministérios) de citaçõesPrimeiro Ministro 4Presidência e Modernização Administrativa 0.3Finanças 34Defesa Nacional 0.3Administração Interna 0.1Justiça 0.3Adjunto 0.3Trabalho, Solidariedade e Segurança Social 1.2Saúde 0.6Planeamento e Infraestrutura 0.4Economia 0.4Ambiente 0.6Cultura 0.3Ciência 0.6Educação 1Mar 0.1Vários ministros 1.3Não sei 0.9Fontes que não são governantes 53.2

Quadro 2: Distribuição dos ministérios citados nos artigos de finanças(universo de 677 fontes)

Há alguns aspectos, porém, em que não se notam grandes variações. Nageografia, no sexo e na identificação, as fontes citadas em assuntos de finançassão idênticas àquelas que os jornalistas usam noutros tópicos. A este nível, asfontes de informação são hegemonicamente nacionais e falam desenraizadas

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de um ponto específico. Apresentam-se com uma escala nacional. Quase 90por cento dos interlocutores ouvidos pelos jornalistas são assim. Quando fa-lam a partir do estrangeiro, situam-se num ponto europeu, principalmente emBruxelas. No universo em estudo, as fontes europeias reúnem 3,9 por centodas citações; quando o tema são as finanças, esse número cresce para 6,5 porcento. Em relação ao tipo de fontes a que recorrem os jornalistas e à respetivaidentificação, os assuntos das finanças seguem o padrão do conjunto de arti-gos em estudo. Preferem-se as pessoas aos documentos (75,3 por cento dasfontes têm o traço humano) e privilegiam-se os homens às mulheres (por cadamulher ouvida citam-se quatro homens). Cerca de 85 por cento das fontes sãoidentificadas, o que é indubitavelmente uma percentagem alta para o jorna-lismo político, havendo uma reduzidíssima percentagem de fontes anónimas(menos de um por cento). As restantes são fontes não identificadas, ou seja,fontes cuja proveniência é explicitada, embora seja ocultada a sua identidade.

NOTAS FINAIS

O tempo da política é um tempo de expectativas, que se renova nos mo-mentos em que o voto abre um novo ciclo político que se estrutura com di-ferentes protagonistas. O designado ‘estado de graça’, que caracteriza os pri-meiros tempos de qualquer Governo, é certamente um período de observaçãodiligente, crítica mas também auspiciosa, sendo os jornais um importante pe-riscópio para esse trabalho. Foi exatamente isso que procurámos aqui fazer,elegendo os 100 primeiros dias do XXI Governo Constitucional como linhadiacrónica em estudo. Trata-se de um ciclo político autónomo em que seapresenta ao sistema político e à opinião pública um novo cenário Governativocom figuras políticas que procuram constituir-se como atrações de um sistemaque lutará por durar uma legislatura. Ao nível do enquadramento noticioso,este intervalo de tempo constrói uma determinada tematização, seleciona umconjunto de fontes e escolhe determinados focos que certamente ajudarão aconstruir uma imagem do Governo e dos seus respetivos governantes.

Do estudo aqui realizado sobressai uma mediatização algo diversificada edeclinada num tom maioritariamente positivo, mas ainda com uma forte in-cidência na tematização das finanças, correspondendo isso a uma informaçãoque funciona numa espécie de contraciclo relativamente àquilo que é a cober-tura noticiosa da restante atividade do Governo. É como se houvesse um noti-

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ciário dentro de um outro noticiário, tal como as finanças parecem constitui-secomo um Governo dentro do Governo. Seguindo a atividade governativa atra-vés da imprensa generalista portuguesa, constata-se uma opção clara por umagendamento noticioso centrado nas finanças que obtiveram 30,6 por centodos textos noticioso. A seguir, surgem a saúde (9,4 por cento); o trabalho, asolidariedade e a segurança social (8,9 por cento); a educação (8,4 por cento)e o ambiente (3,1 por cento), que reúnem percentagens envergonhadas quandocomparadas com o tema predominante. O valor algo hegemónico das finançasjustifica-se pela atualidade política do momento (apresentação do Programa edo Orçamento, por um lado, e crise no Banco Banif, por outro), mas tambémdeve ser lida à luz de um noticiário que se habitou a ler a política governativacom um olhar centrado das finanças. Aliás, seguindo a identificação daque-les que assinam as peças analisadas, sobressai um cruzamento de jornalistasde política com jornalistas da área económica que, nos últimos anos, foramdesviados para a cobertura daquilo que se fazia a nível executivo, mas quecontinuaram a transportar para os seus textos uma permanente preocupaçãocom os números. O início de uma nova legislatura e o aparecimento de umelenco governativo não conseguiram mudar aquilo que se enraizou como umframe privilegiado na cobertura noticiosa da política: as finanças. Este enfo-que é apresentada nos jornais portugueses como a principal fonte de desen-volvimento do país, dos seus recursos, das suas decisões políticas internas einternacionais.

Os valores-noticia em torno dos quais se desenvolve a dinâmica noticiosa,na imprensa generalista portuguesa, promove um certo equilíbrio entre a au-tenticidade, a negatividade e a personalização. A personalização evidencia-senos casos em que o sistema político já reconhece os protagonistas, criando-se um ciclo vicioso nos primeiros 100 dias, de modo a evidenciar o que jáé expectável vir a ser reconhecido pela opinião pública. A mensagem polí-tica da imprensa é maioritariamente centrada na figura do primeiro-ministro,exceto quando os assuntos são finanças, representados sobretudo através doseu Ministro Mário Centeno e do seu Secretário de Estado dos Assuntos Fis-cais (apesar de serem três os Secretários de Estado). Na verdade, numa novafase do ciclo governativo, a imprensa portuguesa não pontua todos os prota-gonistas políticos ora porque não estão envolvidos em temas que se colocamno topo dos alinhamentos noticiosos, ora porque ainda não são reconhecidospelos sistemas político/mediático.

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Se nem todos os governantes têm igual acesso à palavra mediática na im-prensa generalista, há dois atores que se distinguem nesse período: os depu-tados e os sindicatos. A substancial visibilidade dos primeiros faz ressaltarindiretamente o novo ciclo que se anunciara. O poder executivo não mais seexerce de forma solitária em gabinetes ministeriais, mas em permanente ne-gociação com o poder legislativo para se encontrar os consensos necessáriosque possibilitem a governação. Há aqui uma nova experiência governamentale parlamentar, um novo equilíbrio de forças entre os partidos de esquerda noParlamento (além do Partido Socialistas -PS, o Bloco de Esquerda- BE, a Co-ligação Democrática Unitária – CDU, e o partido Pessoas, Animais e Natureza– PAN), que introduz uma original dinâmica política precisamente no ano emque se comemoraram, em Portugal os 40 anos da Constituição da RepúblicaPortuguesa.

Em termos noticiosos, outros dos pontos relavantes deste período é a evi-dente capacidade de provocar nos media um agendamento declinado num re-gisto positivo, criando-se assim um período de tréguas noticiosas que poderátambém ser estendido aos vários atores envolvidos no processo noticioso po-lítico (jornalistas, editores, políticos, assessores, opinião pública). Este estadode graça induzido entre os vários dinamizadores do espaço público notici-oso abre a porta a novas identidades e a novos modos de atuação que podemrevelar-se permanentes ao longo dos meses, e anos vindouros, de governação.É nesses traços permanentes de representação do Governo que os media re-fletem que começa a definir-se uma imagem política forte ou frágil perante aopinião pública.

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