Os ancestrais dos mamíferos

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Paleontólogos descobrem no Rio Grande do Sul fósseis que preenchem lacuna na evolução dos vertebrados OS ANCESTRAIS DOS MAMIFEROS GENOMA DA BACTÉRIA XANTHOMONAS É DESTAQUE INTERNACIONAL GRUPO DE SÃO PAULO APERFEIÇOA MATERIAIS SOFISTICADOS DERIVADOS DO VIDRO Junho 2002 Nº 76 www.revistapesquisa.fapesp.br ASSINANTE EXEMPLAR DE VENDA PROÍBIDA

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Pesquisa FAPESP - Ed. 76

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Paleontólogos descobremno Rio Grande do Sulfósseis que preenchem lacunana evolução dos vertebrados

OSANCESTRAIS

DOS MAMIFEROS

GENOMA DA BACTÉRIAXANTHOMONAS É DESTAQUE INTERNACIONAL

GRUPO DE SÃO PAULO APERFEIÇOA MATERIAIS SOFISTICADOS DERIVADOS DO VIDRO

Junho 2002 Nº 76 www.revistapesquisa.fapesp.br

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Paleontólogos descobremno Rio Grande do Sulfósseis que preenchem lacunana evolução dos vertebrados

OSANCESTRAIS

DOS MAMIFEROS

GENOMA DA BACTÉRIAXANTHOMONAS É DESTAQUE INTERNACIONAL

GRUPO DE SÃO PAULO APERFEIÇOA MATERIAIS SOFISTICADOS DERIVADOS DO VIDRO

Junho 2002 Nº 76 www.revistapesquisa.fapesp.br

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 3

28Equipe da UFRGS

descobre fósseis de duasespécies de antecessoresde mamíferos na regiãogaúcha de Santa Maria

14 Organização Mundial da Propriedade Intelectual busca formas de proteger o conhecimento tradicional da biopirataria

84Arte e ciência já não habitammundos distintos e cada vezmais as obras de arte ajudam os cientistas em suas análises,enquanto os artistas lançam mão da ciência em suas criações

66Pesquisadores da UFSCaravançam no conhecimento das vitrocerâmicas, material originário do vidro que pode ser usado em fogões,espelhos de telescópios e ossos artificiais

CARTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4EDITORIAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA . . . . . . . . . . . . . . . 10

ESTRATÉGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10PERSPECTIVAS DA GENÔMICA . . . . . 18FÓRUM DAS FAPs . . . . . . . . . . . . . . . . 21ACIDENTES DE TRABALHO . . . . . . . . . 22

CIÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24LABORATÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24AS PREGUIÇAS TERRÍCOLAS . . . . . . . 35O MAPA DO NORDESTE FEITO POR SATÉLITE . . . . . . . . . . . . . 36VIDA MODERNA TRAZ NOVAS BACTÉRIAS . . . . . . . . . . . . . . 43TRIPANOSSOMA CONTRA CHAGAS . . . 46CLONE BOVINO DE CÉLULAS DE FETO . . . . . . . . . . . . . . . 48O PRIMEIRO MAPA DE DOWN . . . . . . 50MAIS 19 GENES NO CROMOSSOMO 21 . . . . . . . . . . . . . 53JOGADORES PATOLÓGICOS . . . . . . . . . 54MOLÉCULAS EM INTERAÇÃO COM A ÁGUA . . . . . . . . . 56COMO FUNCIONAM AS MEMÓRIAS DOS COMPUTADORES . . . . . . . . . . . . 60

TECNOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62LINHA DE PRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . 62MICROPEÇAS DO LNLS . . . . . . . . . . . . 70CHAPAS ANTI-RUÍDO . . . . . . . . . . . . . 74VÍDEOS DIGITAIS . . . . . . . . . . . . . . . . 76MINIUSINAS INTEGRADAS . . . . . . . . 78SUBPRODUTOS DA LEVEDURA . . . . . . 80SEM QUEIMADAS, CAPOEIRA É INCORPORADA AO SOLO . . . . . . . . . . . 82

HUMANIDADES . . . . . . . . . . . . . . . . 84A MISSÃO CULTURAL DE MÁRIO DE ANDRADE REFEITA . . . . . . . . . . . . 89A CIDADE DE SÃO PAULO QUE A GLOBALIZAÇÃO CRIOU . . . . . . 92BANCO DE DADOS DAS POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO . . . . . . . . . 94

LIVROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96LANÇAMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97ARTE FINAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

40Seqüenciamento de duas linhagens da bactéria Xanthomonasindica rotas de combate ao cancro cítrico

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Capa: Hélio de Almeida Foto: Miguel Boyayan

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4 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

C A R T A SC A R T A S

Agricultura orgânica

Parabéns à revista Pesquisa FA-PESP pela reportagem sobre a pesqui-sa que está sendo realizada pelo Cenada Esalq/USP, em Piracicaba. Comovice-presidente da Associação de Agri-cultura Orgânica (AAO) e pesquisadorcientífico do Instituto de EconomiaAgrícola da Secretaria de Agricultura eAbastecimento do Estado de São Pau-lo/APTA, fico feliz em ver que a agri-cultura orgânica finalmente está sendolevada a sério e começa ser pesquisa-da pela ciência agrícola brasileira.

A análise de resíduos em alimen-tos não foi feita até o presente pelo seuelevado custo, mas deve-se esclarecerque esse método científico, emboraimportantíssimo, não substitui total-mente a atual estrutura de inspecção efiscalização das Certificadoras, cujaresponsabilidade é acompanhar ri-gorosamente todo o processo deprodução e evitar que produtos irre-gulares cheguem ao mercado e enga-nem o consumidor.

Discordamos, portanto, da afirma-tiva de que esse processo represente“...o fim das incertezas”, pois considera-mos que hoje já há uma certeza, aindaque relativa, como tudo neste mundo,mas que é construída e defendida ri-gorosamente por todas as Certificado-ras, agricultores, comerciantes e con-sumidores de produtos orgânicos.

A realização de exames de pre-sença de resíduos deveria ser feitaespecialmente nos produtos agríco-las convencionais, cujo processo deprodução não é fiscalizado nem hápenas que possam ser impostas aninguém, ao passo que os produto-res orgânicos podem sofrer puniçõ-es, que vão desde advertência até aeliminação da sua certificação (queé o que lhe dá acesso a um mercadoque apresenta preços diferenciadospara mais), caso seja flagrado des-respeitando as normas.

RICHARD DOMINGUES DULLEY

Instituto de Economia Agrícola São Paulo, SP

[email protected]

Clonagem

Estive lendo a reportagem especialsobre clonagem na revista de Marçodeste ano e surgiu-me uma dúvidareferente à página 4. Pegando comoexemplo o caso da clonagem da ove-lha Dolly e considerando-se que asmitocôndrias se autoreproduzem, épossível concluir, então, que elas per-tencem e originam da ovelha escura.Se esta afirmativa for correta, direta-mente a clonagem passa a ser des-considerada?

MARILIA MIGUEL DE CASTRO FERREIRA

Campinas, SP

A professora Mayana Zatz, titu-lar de Genética do Instituto de Bio-ciências da USP e coordenadora doCentro de Estudos do Genoma Hu-mano, responde: No caso da clona-gem da Dolly, realmente as mitocôn-drias são aquelas do óvulo querecebeu a transferência de núcleo e,portanto, diferentes da Dolly. Um clo-ne 100% idêntico do ponto de vistagenético seria aquele que tivesse omesmo DNA nuclear e mitocondrial.Entretanto, as mitocôndrias, apesarde ter um papel importante no meta-bolismo energético da célula, têmpouca influência nas característicasgenéticas, já que mais de 99% do nos-so DNA está no núcleo. Além disso,devemos lembrar que existem muitopoucas mitocôndrias no espermato-zóide; assim, na reprodução sexuada

as mitocôndrias são sempre de origemmaterna e, portanto, diferentes dopai. No meu entender, o conceito declonagem reprodutiva continua nocaso da Dolly.

Árabes e judeus

Li, com muito agrado, o núme-ro de maio de 2002 da revista Pes-quisa FAPESP, toda ela graficamen-te muito bem feita e de conteúdosmuito interessantes. A entrevista dofísico Luiz Davidovitch foi brilhan-te e sua conclusão merece reflexão.Entretanto, a matéria da página 11,“Renascimento no Deserto”, empre-ga duas expressões que merecem re-paro (grifos meus).

A primeira é: “o melhor exem-plo vem dos judeus, OPONENTESHISTÓRICOS DOS ÁRABES”.

A segunda: “A ASTF terá muito aganhar se convencer árabes norte-americanos endinheirados a fazercomo SEUS RIVAIS JUDEUS EAPOIAR a pesquisa”.

Ambas as frases são incorrretas.Nem árabes e judeus são historica-mente oponentes, nem os separa ri-validade. Não se deve confundir epi-sódios pontuais de natureza políticae efêmera com destinos inexoráveis.Os dois povos provêm da mesmaorigem, o patriarca Abraão. Por isso,anteponho aos textos criticados doisversículos do Pentateuco, livro sa-grado de cristãos, judeus e muçul-manos:

O primeiro: Disse Abrão a Lot:“Não haja, te rogo, briga entre mime ti, e entre meus pastores e teus pas-tores; porque homens irmãos somosnós” (Gênesis 13.8);

O segundo: “Não é um mesmo oPai de todos nós? Não foi um mes-mo Deus que nos criou? Por que se-remos desleais uns para com os ou-tros, profanando a aliança de nossospais? (Malaquias 2.10)”.

MOYSES SZAJNBOK

Escola Politécnica da USPSão Paulo, SP

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 5

ções de “abstracts” e “e-tocs”, divul-gação de sites de publicações diver-sas como Nature, Neuroscience, osArchieves, os Journals. Como a revis-ta prima por uma grande mescla deassuntos, acho que ampliaria aindamais a abrangência, usando poucaspáginas. A terceira e última é que hajauma seção para as informações sobrebolsas, fundos, fundações de apoio apesquisadores, que vá além da pró-pria FAPESP. Uma seção para pessoasque, como eu, não formalmente li-gado à academia, possam ter acesso aesse tipo de informação, que não émuito simples de se obter.

Por fim, peço que persistam, di-vulguem e vendam muita publicida-de e ponham esta revista única, in-substituível, em todas as bancas doestado e do país. Só com ela, estarãodando um imenso amparo ao futu-ro da ciência neste país, formandoo mais difícil: gente interessada porciência interessante.

SÉRGIO BARBOSA DE BARROS

São Paulo, SP

Cobaias sob medida

A reportagem Cobaias sob medi-da saiu com um erro na coordenado-ria do projeto multiusuários. Apesarde eu ser o coordenador do projetoque originou a cobaia, a coordenaçãodo projeto multiusuários é do Profes-sor Aron Jurkiewicz.

JOÃO BOSCO PESQUERO

Departamento de Biofísica da UnifespSão Paulo, SP

Infra-Estrutura

Houve um erro no suplementoespecial da revista número 72, de fe-vereiro de 2002, Infra-Estrutura 4, nareportagem “Apoio estratégico para aindústria nacional”. A foto, cuja le-genda é Destiladores de resíduos noLEI, refere-se ao Laboratório de Resí-duos Químicos (LRQ) do campus deSão Carlos. O LRQ foi modernizadograças ao financiamento dessa Funda-ção no Infra 5 – Resíduos Químicos.

MARIA OLÍMPIA DE OLIVEIRA REZENDE

Inst. de Química de São Carlos, USP,São Carlos, SP

Revista

Vocês estão fazendo da PesquisaFAPESP uma senhora revista de di-vulgação científica e que em muitoscasos já pode entrar na Literatura Ci-tada (ou Bibliografia Citada, ou Refe-rences) de artigos científicos originais.Não sei como é a distribuição no Nor-te pobre, porém eu sugeriria enviá-lapara as Bibliotecas seguinte: Inpa,Universidade do Amazonas, Univer-sidade Estadual do Amazonas, Em-brapa, Fundação de Medicina Tro-pical do Amazonas, Fiocruz, Sebrae,Universidade Luterana da Amazônia,Governo do Estado do Amazonas, Fu-nai e Ibama. Agora um pedido pes-soal. Um médico ficou entusiasmadoquando viu que eu estava lendo su-plemento especial sobre clonagem.Não tive outra alternativa a não serdar-lhe o meu exemplar. Gostaria deser presentado com um outro.

WARWICK ESTEVAM KERR

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)

Manaus, AM

Da redação: agradecemos os elogiose anotamos as sugestões para envio darevista àquelas instituições. Quanto aoseu exemplar, já está a caminho.

Como bolsista da FAPESP, foiuma enorme satisfação receber a re-vista Pesquisa e verificar que ela co-bre projetos de várias áreas do co-nhecimento, consolidando-se comoum importante órgão de divulgaçãocientífica.

Ao produzir uma revista de altaqualidade e distribui-la em bancas, aFAPESP proporciona à população acerteza de que os seus recursos estãosendo muito bem empregados paraa formação de pesquisadores cujostrabalhos trarão benefícios a todos.

Eu gostaria de mencionar meuapreço pela seção “Memória”, dedi-cada a momentos decisivos da histó-ria da ciência. Muitas vezes atentosàs novas descobertas, perdemos devista o processo que fez da ciência oque ela é hoje, através de vertigino-sas mudanças de paradigmas e vi-sões de mundo.

Espero que Pesquisa consiga for-mar um público de leitores interes-sados e que mantenha sempre o altonível que atingiu.

JOSÉ BENTO MACHADO FERREIRA,Mestrando em Filosofia pela USP

Sou um leitor recente desta revis-ta – apenas após sua chegada às ban-cas. Gostaria de cumprimentar a todospela excepcional qualidade da revista,no seu conteúdo e apresentação. Semdúvida, uma inestimável contribui-ção à divulgação científica e à induçãode novos talentos. Como médico, des-cubro-me interessado em assuntosque nunca li, tecnologias que não co-nhecia, feitas aqui no nosso país, e istoé um grande “anabolizante” mental.

Gostaria de fazer algumas suges-tões. Já que a revista chega agora aogrande público, sugiro a publicaçãomensal de artigos temáticos, indepen-dente de pesquisa, que sirvam comobase de conhecimento (por exemplo,como está o conhecimento da Imu-nologia Humana), escrito por espe-cialistas da área e que nos traga até oque se pesquisa hoje, a fronteira. Asegunda sugestão é que haja mais se-

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REALIZANDOO FUTURO

ANOSANOS

6 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

descoberta de fósseis que ajudama desvendar uma das transiçõesmais importantes na longa evo-

lução do reino animal sobre a terra,ocorrida há cerca de 210 milhões deanos, costuma deixar excitados paleon-tólogos de qualquer lugar do mundo. Es-tamos falando da transição dos répteisaos mamíferos, entre os quais estamosnós, espécie humana – e daí, talvez,parte do enorme fascínio dessa passa-gem até para além do campo dos espe-cialistas, já que ela nos acena com expli-cações sobre nossa própria origem.

Pois bem: uma nova razão para dei-xar agitados os paleontólogos, e inte-ressados os que gostam de novas pistassobre a origem das diferentes classes doreino animal, surge agora do Brasil, maisprecisamente de sua região sul: foi alique pesquisadores da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul (UFRGS)e do Museu Argentino de Ciências Na-turais identificaram dois novos cino-dontes com características anatômicaspara serem apontados como os ances-trais mais próximos dos mamíferosprimordiais. Seus nomes provisórios:Brasilitério, que significa mamífero doBrasil, e Brasilodonte, palavra que re-sulta da articulação entre dente (odon)e, claro, Brasil. Não, eles ainda não eramrigorosamente mamíferos, mas sua evo-lução estava claramente orientada nes-sa direção, daí esse batismo.

Os cinodontes brasileiros, conformerelata o jornalista Marcos Pivetta, na be-la reportagem de capa desta edição (pá-gina 28), foram identificados a partirda análise de fragmentos fósseis de pe-quenos répteis, não maiores que umacaneta, resgatados nos dois últimosanos da região gaúcha de Santa Maria.E se algum deles não é um exemplar daespécie que deu o último passo parainaugurar o reino dos mamíferos, seusdescobridores estão convencidos deque ambos são peças importantes dodesafiador quebra-cabeça filogenéticosobre o qual estão debruçados.

Outra boa notícia da pesquisa cien-tífica no Brasil, divulgada recentementena imprensa nacional, mas que merece,

por sua importância, destaque nestaedição, tem origem em São Paulo: pes-quisadores que integram a rede de la-boratórios ONSA (Organization forNucleotides Sequencing and Analysis) –formada a partir do projeto de seqüen-ciamento da Xylella fastidiosa que, em1997, deu origem ao programa Geno-ma-FAPESP e projetou internacional-mente, três anos depois, a pesquisa ge-nômica brasileira –, apontaram, emartigo publicado na edição de 23 de maioda respeitada revista científica Nature,caminhos para o combate à Xanthomo-nas citri e, ainda, apresentaram os re-sultados do seqüenciamento da Xan-thomonas campestri. O que é preciso aquiressaltar é que esse novo trabalho, apre-sentado quase um ano e meio depoisda conclusão do seqüenciamento da X.citri pelo mesmo grupo (Pesquisa FA-PESP 60, dezembro de 2000), poderáter impacto sobre todas as pesquisas depatógenos agrícolas, porque o estudodetalhado de cem genes da citri paradefinir caminhos de combatê-la na citri-cultura, onde ela provoca o cancro cí-trico, foi feita em comparação com suaprima X. campestri, que tem uma ca-racterística muito favorável para a pes-quisa, que é a de infectar a Arabdopsisthaliana, planta-modelo para estudosgenéticos. Na verdade, o conhecimentogerado com esse trabalho poderá be-neficiar não só a citricultura, como asprincipais plantas que servem de ali-mento para o ser humano, porque o gê-nero Xanthomonas é constituído por 20espécies que atacam 392 vegetais, entreeles, feijão, arroz, mandioca, algodão,milho, cana, trigo e soja.

Em tecnologia, vale destacar osavanços obtidos por um grupo de pes-quisadores da Universidade Federal deSão Carlos (UFSCar) na pesquisa dosmateriais vitrocerâmicos, com possibi-lidades extraordinariamente amplas deuso, dos telescópios aos ossos artifi-ciais. Mas há muito mais para desco-brir nesta edição que se faz acompa-nhar de uma cuidada edição especialpelos 40 anos de fertilíssima vida daFAPESP. Boa leitura.

Dos fósseis à Xanthomonas

EDITORIAL

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

FAPESPCARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

PRESIDENTE

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADOVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORADILSON AVANSI DE ABREUALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZCARLOS VOGT

FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTOHERMANN WEVER

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDAMARCOS MACARI

NILSON DIAS VIEIRA JUNIORPAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

RICARDO RENZO BRENTANIVAHAN AGOPYAN

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVOFRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZDIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESPCONSELHO EDITORIAL

ANTONIO CECHELLI DE MATOS PAIVA, EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO,FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO

ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUÍS NUNES DE OLIVEIRA, LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS,

PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITORES SENIORESMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDSON MARCOLIN

EDITOR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

EDITORESCARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA)CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON LINE)

REPÓRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTESADILSON AUGUSTO, DINORAH ERENO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÃOJOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORESALEXANDRE AGABITI FERNANDES,

CAROLINA JULIANO, FRANCISCO BICUDO,ROBINSON BORGES, SILVIA MENDES,

SIMONE BIEHLER MATEOS, SUZEL TUNES,WANDA JORGE, YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 – FAX: (11) 3038-1418e-mail: [email protected]

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Iniciado em 1997, SciELO é produto de projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos. A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq

Adote a SciELO como sua biblioteca científica

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8 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

M E M Ó R I AM E M Ó R I A

m torno de uma caixa metálica de 1 metro decomprimento por 1 metrode altura e 80 centímetrosde largura, pesando

100 quilos, reuniram-se o bispo, o governador e o reitor. Era julho de 1972e todos estavam ansiosos para ver funcionar o primeiro minicomputadorbrasileiro, apelidado de Patinho Feio,uma máquina que representou uma vitória importante para os pesquisadoresda Universidade de São Paulo (USP).Quando o então governador de SãoPaulo Laudo Natel foi apertar o botãopara ligar o equipamento, um fotógrafomais afoito tropeçou em um fio e odesconectou da tomada. O acidente

NELDSON MARCOLIN

Patinho Feiocompleta30 anos

E

Primeiro minicomputadorbrasileiro foi projetado e construído na Escola Politécnica da USP como tarefa de curso de pós-gradução

Bispo benze a máquina, com o governador Laudo Natel ao lado (esq.)

e o reitor Miguel Reali ao fundo:fotógrafo quase estraga a festa

descarregou a memória e não houve a esperada demonstração – ligado, ocomputador iria realizar uma série defunções simultaneamente, acionandovárias máquinas ao seu redor. Restouao bispo d. Ernesto de Paula, que representava a Igreja de São Paulo emalgumas solenidades, abençoar amáquina. Os autores do computador,no entanto, pouco se frustraram como malogro da experiência pública.Todos estavam felizes por ter participado da façanha que começou atomar forma alguns anos antes, em1968. Naquele ano, a Escola Politécnica de São Paulo, da USP, criouo Laboratório de Sistemas Digitais(LSD) e reformou o currículo do

curso de Engenharia Elétrica desmembrando em dois:telecomunicações e digital. Ocorre que não havia um professor que tivesse conhecimento suficiente paramontar um curso sobre máquinas digitais em geral. Para cumprir bem amissão, foi convidado um funcionário da IBM que já havia morado no Brasil, o norte-americanoGlen Langdon Jr., especialista em protótipos de computador. O diretorda escola, Oswaldo Fadigas, tratou deconseguir recursos nas agências defomento e o curso só foi começar paravaler em fevereiro de 1971 com 18pessoas, entre professores, alunos depós-graduação e estagiários. “Como

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Patinho Feio hoje, no corredorda Escola Politécnica

ao lado de fotos antigas:lembrança do pioneirismo

tarefa, Langdon pediu a construção deuma máquina digital”, conta o professor Antônio Massola, então aluno de mestrado e um dos que trabalhavam na criação do software.Com a orientação de Langdon,o grupo completou a parte teórica epartiu para a construção dos componentes da máquina. Como tudo era novo, foi preciso montar uma oficina para fabricação de circuitosimpressos de precisão e, para fazer amemória, os professores Edith Ranzine Paulo Patullo usaram um modeloPhilips. Depois dessa fase, os pesquisadores adequaram e montaramtodas as partes e o computador começoua dar sinais de vida, isto é, a dar ciclo.

No final, o que começou como umamera tarefa de curso resultou em umamáquina digital com 450 pastilhas decircuitos integrados, com cerca de 3mil blocos lógicos, distribuídos em 45placas de circuito impresso e 5 mil pinos interligados. A memória principalfoi feita com núcleos de ferrita, com capacidade para 4.096 palavras de 8 bits(ou 32 mil bits). “O Patinho Feio serviupara desenvolvimento de software,treinamento de estagiários e proporcionou teses de mestrado edoutorado”, diz Massola. Cumprida suamissão, o minicomputador virou peçade exposição: está à mostra no principal corredor que dá acesso à diretoria da Escola Politécnica.

Visão dos componentes docomputador: 450 pastilhas de circuitos integrados e 3 mil blocos lógicos

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� Acordo de silêncio

Oficialmente, Vietnã e Esta-dos Unidos acabam de firmarum acordo para participaçãode um programa internacionalde pesquisa que investigará osefeitos causados pelo desfolian-te Agente Laranja, usado pe-los militares norte-america-nos como arma de guerra. Naprática, porém, tanto as au-toridades norte-americanasquanto as vietnamitas pare-cem ter firmado um acordotácito de silêncio: ambas têminformações a esconder. Noúltimo mês de março, epide-miologistas, toxicologistas ecientistas ambientais de 13 paí-ses estiveram em Hanói paradar início às pesquisas que in-vestigarão os casos de câncer,

Remédio para curar a vida moderna

Os consultórios médicos e asfarmácias estão cada vez maischeios de gente procurandocura para males como me-nopausa, stress e calvície. Masserá que todos eles necessi-tam de remédio? A comuni-dade médica está começandoa se preocupar com a exces-siva “medicalização” da vida.E a publicação British Medi-cal Journal jogou lenha na fo-

gueira pedindo a 570 médi-cos, via Internet, que listas-sem dez “condições”que me-lhor se encaixassem numairônica definição de “não-doença”: “um processo ouproblema humano que al-guém definiu como umacondição médica, mas naqual as pessoas poderiam termelhores resultados se não oencarassem dessa maneira”.

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desordens imunológicas edefeitos congênitos associadosà dioxina, poluente resultan-te do Agente Laranja. O acor-do estabelece a formação deum comitê consultivo paraorganizar as visitas de pesqui-sadores, reuniões e intercâm-bios entre estudantes de gra-duação. Sobra boa vontade.

Efeitos do Agente Laranjausado no Vietnã: doenças,e contaminação ambiental

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

E S T R A T É G I A SE S T R A T É G I A S

A lista das 20 “não-doenças”relacionadas pelos médicos éencabeçada pelo envelheci-mento, e também inclui cal-vície, alergia à vida moderna,celulite e ansiedade a respeitodo tamanho do pênis. E mais:13% dos entrevistados in-cluíram síndrome da fadigacrônica, 12% o fumo, e 8%obesidade e hiperatividade.Segundo Richard Smith, edi-

tor da revista, a identificaçãode “não-doenças” não signi-fica um desprezo a condiçõesque provocam sofrimentoreal, mas, apenas, um alertasobre a crescente tendênciada sociedade ocidental emtratar problemas de estilo devida como se fossem doen-ças. Na origem de todos essesmales estaria apenas a exces-siva carga de trabalho. •

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Porém, o projeto não recebeunenhum financiamento es-pecial e, sem dinheiro, é difícilacreditar no sucesso da em-preitada. Os pesquisadores en-volvidos no projeto tambémreclamam da carência de da-dos. Além do governo norte-americano, o governo vietna-mita também está reticente:

teme que o monitoramentodos níveis de dioxina nos pei-xes e frutos do mar da costado Vietnã possa causar pre-juízos às exportações. •

� Menor procura pelas ciências exatas

Embora tenha crescido o nú-mero de graduados nas uni-versidades britânicas entre1995 e 2000, caíram significa-tivamente as graduações noscursos de física, engenharia equímica: 7% em física e enge-nharia e 16% em química,nos últimos cinco anos. A re-velação faz parte de um rela-tório elaborado pelo governo

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 11

� Mais dólares para pesquisa genética

Um dos mais amplos estudosmundiais das relações entre ge-nes e doenças, o projeto Bio-Bank deverá receber um su-porte inicial de recursos de US$65 milhões do governo britâ-nico e da Wellcome Trust, in-forma o Financial Times. Oprojeto analisará amostras doDNA de 500 mil voluntários demeia-idade procurando rela-cionar sua herança genéticacom seus registros médicos. Oanúncio dos recursos para oBioBank veio depois de quasetrês anos de discussão sobre oprojeto. Enfermeiras voluntá-rias retirarão amostras do DNAdos voluntários,encaminharãopara exame médico e para ela-boração de um relatório com-pleto de sua saúde e estilo devida, como dieta, exercício, fu-mo. A National Health Servicee outros bancos de dados desaúde serão usados para acom-panhar os voluntários por pelomenos dez anos. O objetivodo projeto é descobrir a com-plexa inter-relação entre ge-nes, ambiente e estilo de vidaque ocasionam doenças comocâncer, diabetes e distúrbioscoronários. •

� Link entre a SciELOe a Web of Science

Os usuários da Web of Scien-ce, base de dados do Institutefor Scientific Information (ISI)que reúne artigos de 8.400 pu-blicações especializadas de to-do o mundo, já podem acessar,por meio de links, os textoscompletos dos artigos de pe-riódicos da coleção SciELOBrasil. Estarão ao alcance dacomunidade científica inter-nacional o conteúdo de 17 tí-tulos de periódicos brasileirosindexados, dando maior visi-bilidade à produção científicabrasileira. A SciELO – Scien-tific Electronic Library Onli-ne é um projeto mantido pelaFAPESP em convênio com oCentro Latino-Americano e doCaribe de Informações emCiências da Saúde (Bireme):uma biblioteca eletrônica vir-tual de revistas científicasbrasileiras que, hoje, tem dis-poníveis 75 publicações. Omodelo foi adotado pelo Chi-le, que já tem 20 publicaçõesindexadas, e está sendo im-plantado na Costa Rica, Cubae Venezuela.A SciELO já man-tém conexões com outras ba-ses de dados como a PubMED,LILACS e Currículo Lattes.

inglês noticiado na revistaScience, em sua edição de 19de abril. O declínio na forma-ção de recursos humanos na-quelas áreas já se reflete noscolégios britânicos, onde cer-ca de 2/3 dos professores defísica não têm formação naárea, e nas universidades e em-presas, onde escasseiam os no-vos talentos para pesquisa. Deacordo com Peter Cotgreave,do grupo de pressão Save Bri-tish Science, há o risco de, den-tro de algum tempo,a Grã-Bre-tanha não conseguir manter oseu padrão de produção cien-tífica de Primeiro Mundo. Orelatório chama atenção paraa necessidade de revisar o sis-tema educacional do ReinoUnido e recomenda que as es-colas recrutem estudantes deuniversidades locais comoprofessores assistentes. Reco-menda ainda uma melhor re-muneração para os pesquisa-dores que permanecem nasacademias. O problema, en-tretanto, parece não se limitarà Grã-Bretanha. Segundo in-forma a Nature, edição de 2 demaio, novos dados na Françarevelam uma dramática que-da do número de estudantesuniversitários em algumasáreas das ciências. O número

Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

Ciência na web

www.elsevier.com.brFerramenta de busca para literaturacientífica com acesso ao texto de maisde 1.200 periódicos. O serviço é pago.

www.endofpolio.orgO site da campanha mundial paraerradicação da pólio até 2005 trazfotos de Sebastião Salgado.

www.prossiga.br/pacc/bvl Site da Biblioteca Virtual de Literatura, serviço que reúne informações sobre o universo das letras.

LA

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IZde alunos de física caiu 46%,desde 1995, e o de Ciências daVida, 27%. A questão se tornamais grave no país porque seprevê que cerca de metadedos pesquisadores em ativi-dade deverão aposentar-senos próximos dez anos. •

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12 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

A FAPESP lançou, no dia 7 demaio, o segundo volume dasérie Indicadores de Ciência,Tecnologia e Inovação em SãoPaulo. A publicação, de cujaelaboração participaram cercade 50 estudiosos, deve cons-tituir-se em um importanteinstrumento para subsidiar aformulação da política deciência e tecnologia no Estadoe no país. Afinal, seus 11 ca-pítulos trazem dados e indi-cadores abrangentes de te-mas que vão da educação aoimpacto econômico da ciên-cia e tecnologia.Coordenado por Ruy de Qua-dros Carvalho e Sandra Ne-graes Brisolla, professores doDepartamento de PolíticaCientífica e Tecnológica daUniversidade Estadual deCampinas (Unicamp), o volu-me foi concebido de forma aabranger três grandes blocos:indicadores de insumos para aprodução científica e tecnoló-gica, indicadores de resultados,traduzidos em produção cien-tífica e inovação tecnológica, eindicadores de impactos eco-nômicos e sociais da pesquisacientífica e tecnológica.O primeiro bloco reúne dadossobre educação básica e supe-rior e faz um balanço dos re-cursos humanos e financeirosexistentes e disponibilizados noEstado para a pesquisa e de-senvolvimento. Registra au-mento das taxas de escolari-dade média da população ecrescimento de matrículas noensino básico, cuja qualida-de, entretanto, é preocupante.Quanto ao ensino superior,os indicadores apontam reto-mada da sua expansão, a par-tir de 1995, graças sobretudoà iniciativa privada. A partici-

pação relativa do segmentoprivado no conjunto de vagasoferecidas passou de 68%, em1989, para 74%, em 1998, noBrasil. Em São Paulo, esseporcentual passou de 84%para 89%.Na pós-graduação, o estudodestaca um aumento signifi-cativo do número de profes-sores com título de mestre edoutor e a expansão dos cur-sos e das matrículas em SãoPaulo e, sobretudo, no Brasil:entre 1989 e 1998, houve um

Publicação deverá subsidiara formulação da política de C&Tno Estado

E S T R A T É G I A SE S T R A T É G I A S

Crescimento na universidadeEvolução do número de pesquisadores no segmento

acadêmico, por área de conhecimento _ Estado de São Paulo

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Fonte: Indicadores de CT&I em São Paulo - 2001, FAPESP

1999

1996

crescimento de 60% no nú-mero de alunos matriculadosnos cursos de mestrado, noBrasil, e de 200% nos cursosde doutorado. Ainda nestebloco, os indicadores mos-tram que, enquanto o gover-no federal sustenta a maiorparcela de pesquisadores ati-vos nas demais regiões dopaís, em São Paulo esse papelé desempenhado pelo seg-mento estadual e que igual-mente vem caindo a partici-pação financeira do governo

federal no esforço de pesqui-sa paulista.O segundo bloco trata daprodução científica e da ino-vação tecnológica. A produçãocientífica é medida pela publi-cação de artigos de pesquisa-dores brasileiros em periódi-cos científicos internacionais:a produção nacional corres-ponde a 1,1% da produçãocientífica mundial. Quanto àprodução tecnológica, ela éanalisada tanto pelo balançode pagamentos tecnológicoquanto pelas inovações intro-duzidas na indústria paulista.Os indicadores revelam que,em São Paulo, em dez anos, osprodutos intensivos em P&Ddobraram sua participaçãona pauta de importação e tri-plicaram o seu valor. No quese refere às exportações, os re-sultados não foram positivos.Constatou-se, no entanto, quecerca de um quarto das empre-sas introduziram, no período1994-1996, pelo menos umainovação tecnológica de pro-duto ou processo. Mesmo as-sim, o número de patentes deinvenções no país, de empresasnacionais, é bastante pequeno.O terceiro bloco traz dadossobre o impacto econômicoda pesquisa e o impacto socialda pesquisa em saúde, alémde um levantamento sobre aciência e tecnologia na mídia.No primeiro, são examinadosestudos de impacto econô-mico do programa de capaci-tação tecnológica para explo-ração de petróleo em águasprofundas (Procap), da Pe-trobras, e de impacto econô-mico da pesquisa agrícola,traduzida em aumento deprodutividade e redução dospreços dos alimentos. •

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Como está ciência & tecnologia em São Paulo

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� O salto do ProBE

De 2000 para 2001, saltou de303,5 mil para 2,2 milhõeso número de usuários que en-traram no sistema do Pro-grama Biblioteca Eletrônica(ProBE), da FAPESP, fizerama busca de um artigo nas edi-toras científicas internacionaisque integram o sistema e, emseguida, fizeram o downloaddo texto completo. O incre-mento foi de 625% e reflete anecessidade e o interesse dospesquisadores em acompa-nhar a produção científica in-ternacional e a importânciada democratização do acessoàs publicações especializadas.O ProBE foi criado em 1999como um consórcio entre aFAPESP, o Centro Latino-Americano e do Caribe deInformações em Ciências daSaúde (Bireme) e as universi-dades públicas no Estado –Universidade de São Paulo(USP), Universidade Estadualde Campinas (Unicamp), Uni-versidade Estadual Paulista(Unesp), Universidade Fede-ral de São Paulo (Unifesp) eUniversidade Federal de SãoCarlos (UFSCar). Posterior-mente, incorporaram-se aoprograma institutos de pes-quisa estaduais e federais noEstado. Todos os professores,pesquisadores e estudantesdessas instituições têm acessoaos textos científicos das edi-toras Academic Press (178 tí-tulos), Gale Group (505 títu-los), HighWire Press (36títulos), Elsevier Science (829títulos), Ebsco Online (512títulos), aos 498 títulos daseditoras MIT Press, Black-well Science e Blackwell Pu-blisher e aos 71 da SciELO. Paraefeitos comparativos, foramconsideradas apenas as qua-tro primeiras editoras, cujostítulos estavam disponíveisnos dois anos. •

� O novo ciclo da borracha

A Embrapa, Empresa Brasi-leira de Pesquisa Agropecuária,está pesquisando o cultivo daseringueira no Estado do Riode Janeiro. O objetivo é estra-tégico: o governo quer se pre-parar para um futuro cenáriointernacional de crise de petró-leo. E quer usar a ciência paravencer seu competidor maisperigoso, a Malásia. A pesqui-sadora Ciríaca do Carmo, daEmbrapa Solos, acredita queisso é possível. Baseando-se

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Cultivo daseringueirano Rio deJaneiro tem objetivoestratégico

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em estudos anteriores feitosna Zona da Mata mineira, elaaposta no potencial produtivode borracha vegetal no sudes-te do Rio de Janeiro e prevêuma produção de 2.400 quilosde borracha seca por hectareao ano. Contando apenas como sol e a água da chuva, o solofluminense teria condiçõesde produzir látex o ano todo.Além do retorno financeiro, opaís ainda teria lucros ambien-tais, com o plantio das árvo-res, e sociais, pois a vida útil daplanta,de 30 anos, ajuda a fixaro trabalhador no campo. •

� Sérgio Ferreira na Academia dos EUA

O professor de farmacologiada Faculdade de Medicina daRibeirão Preto, da Universida-de de São Paulo (USP) SérgioFerreira foi eleito membro as-sociado da Academia Nacionalde Ciência dos Estados Unidos.Sérgio Ferreira, que foi presi-dente da Sociedade Brasileirapara o Progresso da Ciência(SBPC), tem importantes pes-quisas relacionadas com osmecanismos de processos in-flamatórios e foi o descobridor,na década de 60, dos peptíde-os potenciadores de bradicini-na (PPBs), toxinas encontradasem grande quantidade no ve-neno da jararaca (Bothrops ja-raraca) e que potencializam aação hipotensora da bradicini-na.A descoberta permitiu que ocientista inglês John Vane (ga-nhador do Prêmio Nobel) che-gasse ao protótipo molecularque daria origem ao primeirode uma série de medicamentosanti-hipertensivos no mun-do. Ferreira veio juntar-se aosoutros três brasileiros mem-bros da academia: os geneti-cistas Warwick Kerr e Francis-co Mauro Salzano e o físicoJacob Palis. •

� Secretaria incorpora turismo

A Secretaria de Ciência, Tec-nologia e DesenvolvimentoEconômico do Estado de SãoPaulo incorporou a antiga Se-cretaria de Turismo. Na opi-nião do secretário Ruy MartinsAltenfelder Silva, a medida de-monstra a disposição do go-verno em fazer o turismo termaior participação, como a in-dústria e o comércio, no desen-volvimento econômico.No anode 2001, o Estado de São Pau-lo recebeu 1,5 milhão de tu-ristas internacionais e 7,2 mi-lhões de turistas brasileiros. •

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avanço da biotecnologia e a fragilidadedos marcos legais de proteção da biodi-versidade expõem perigosamente o co-nhecimento tradicional a ações de biopi-rataria. O Brasil, cujo território abriga

23% da biodiversidade do planeta, é um dos seus princi-pais alvos. A ayahusca, por exemplo, planta medicinalamazônica utilizada por diferentes comunidades indígenasem rituais e usada pela seita Santo Daime, foi patentea-da por um laboratório multinacional que ainda conse-guiu autorização para utilizá-la comercialmente. O cura-re, extrato vegetal conhecido de várias tribos brasileiras,teve a patente depositada por uma multinacional viroubase para relaxantes musculares hoje produzidos por trêslaboratórios, e é vendido livremente nos Estados Unidos.Os exemplos se multiplicam na Ásia, na África, no Cari-be e na América Latina.

No caso do Brasil, cuja biodiversidade tem valor po-tencial estimado de US$ 2 trilhões, de acordo com oscálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), o prejuízo é grande. Isso sem falar que a biopira-taria ainda dilapida o patrimônio cultural da nação. Ébom que se ressalve que proteger o conhecimento tradi-cional não significa reivindicar para o pajé a condição deco-inventor na descoberta de uma molécula. Trata-se, naverdade, de buscar meios e modos de viabilizar a repar-tição de benefícios que resultam da exploração desses re-cursos por laboratórios e multinacionais com as comu-nidades que, ao longo de várias gerações, acumularamconhecimento sobre espécies de plantas e animais compropriedades farmacêuticas, alimentícias e agrícolas.

O Brasil, assim como grande parte dos países em de-senvolvimento, ainda não dispõe de um sistema de pro-teção legal dos direitos de propriedade intelectual de co-munidades tradicionais. “O sistema de patentes, hoje,protege o que inova, que desenvolve novas tecnologias.

BIODIVERSIDADE

Ompi estuda medidaspara proteger culturase recursos genéticos

Ações contraa biopirataria

O

O curare, utilizado como veneno,

foi patenteado por multinacional

CLAUDIA IZIQUE

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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trimônio cultural. O escritório de pa-tentes da China coleta informações so-bre usos, tradições e costumes nas áreasde medicina e agricultura e sugere àscomunidades que solicitem patentespara os conhecimentos mais inovado-res. A Índia, que quase perdeu a tur-mérica, desenvolve uma base de dadosem que está sendo compilado todo oconhecimento tradicional disponível.Todos esses dados recebem classificaçãosegundo seu uso e são disponibiliza-dos para os examinadores de patentes.“Isso é prevenção”, ressalva Carvalho.

Venezuela adotou medidadistinta. Ali, há três anos,o Serviço Autônomo daPropriedade Intelectual,ligado ao Ministério de

Ciência, Tecnologia e Indústria, criouum portal com mais de 15 mil referên-cias catalogadas nas áreas de química,farmacêutica, artesanato, entre outras,com indicação para aplicações e até re-comendações do pajé para o risco deinteração com outros produtos. Os in-teressados têm acesso a essas informa-ções mediante pagamento de uma taxaao Estado, posteriormente repartidaentre as comunidades locais.

Esses diferentes sistemas de prote-ção ao conhecimento serão divulgadoseste mês, na terceira reunião do comitêinterministerial da Ompi, em Genebra,com a intenção de fornecer subsídiopara os demais países. “Vamos divulgardois ou três exemplos, com autoriza-ção dos governos”, adianta Carvalho.Ele reconhece, no entanto, tratar-se demedidas “defensivas”, que não garan-tem às comunidades o exercício plenodo direito de dizer não.

Advogados indígenas - Nesse interreg-no legal, a Ompi tem procurado colo-car à disposição dos países membrosinformações sobre jurisprudência emodelos de contratos padrão de utili-zação da biodiversidade e conheci-mentos firmados entre comunidadestradicionais e empresas, como o queconsolidou a parceria entre os aguaru-nas, do Peru, e a Monsanto-Searle. E ascomunidades começam a se prepararpara defender seu patrimônio. O INPIrealizou, no início de maio, o primeirocurso sobre propriedade intelectual deadvogados de comunidades indígenas

Não protege aquele que detém a biodi-versidade ou o conhecimento tradicio-nal”, diz José Graça Aranha, presidentedo Instituto Nacional de PropriedadeIndustrial (INPI). “Temos que encon-trar mecanismos que venham a cobrir,por meio da legislação existente ou deum sistema sui generis de proteção, es-ses detentores da biodiversidade.”

Vedas Upanishads - O desafio de bus-car a forma mais adequada de protegeros recursos genéticos e conhecimentostradicionais levou a Organização Mun-dial da Propriedade Intelectual (Ompi)a criar, em 2000, um comitê especialintergovernamental formado por re-presentantes dos 175 países membrose de entidades como a Organização dasNações Unidas para Agricultura e Ali-mentação (FAO), Organização das Na-ções Unidas para a Educação, a Ciênciae a Cultura (Unesco) e organizaçõesnão-governamentais (ONGs) de todoo mundo, na tentativa de encontraruma solução para esse problema. Ain-da que não haja consenso sobre a efi-cácia da legislação existente, a Ompitem recomendado às nações que regis-trem, num banco de dados, por exem-plo, as informações sobre o conheci-mento tradicional de domínio público,incluindo, se possível, as indicações deuso. “Grande parte do conhecimentotradicional é oral, não documentado enão há como apresentar provas paracontestar o depósito de uma patenteconsiderada irregular”, justifica NunoCarvalho, diretor da Ompi. A lei norte-americana, por exemplo, não autorizaa impugnação de patentes depositadasnaquele país com base na tradição oralde países estrangeiros. Ele lembra o ca-so de dois cientistas da Universidade deWisconsin que patentearam o princí-pio ativo da turmérica, uma raiz mile-narmente conhecida na Índia por suaspropriedades cicatrizantes. O registrofoi contestado, mas mantido, até que aÍndia apresentou uma prova docu-mental: uma passagem dos Vedas Upa-nishads, escritura hindu provavelmentena virada do século 16, onde está des-crito o uso medicinal da turmérica. “Apatente foi derrubada”, conta Carvalho.

O direito de dizer não - A despeito daindefinição legal, alguns países já ado-taram medidas para proteger seu pa-

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brasileiras, com o apoio da Ompi. Ocurso teve 20 participantes, sendo 13índios, que receberam treinamento so-bre marcas, patentes e direitos autorais.“Não é mais a luta de arco e flecha, masde apropriação de novos conhecimen-tos que podem ser usados em benefíciodas comunidades, seja pela proteção denossos conhecimentos tradicionais,seja pelo patenteamento de fitoterápi-cos, de forma a reverter para a comu-nidade uma parte dos lucros auferi-dos”, afirma Lucia Fernanda, assessorajurídica da comunidadecaingangue-guarani, doRio Grande do Sul, queparticipou do curso. Ogrupo decidiu criar, aofinal do curso, uma co-missão permanente de es-tudos sobre a propriedadeintelectual, preparando-seassim para acompanharos entendimentos e a con-fecção de contratos de ex-ploração da biodiversida-de local que venham a sernegociados entre as comu-nidades e laboratórios.

CDB X Trips - A Ompi, noentanto, considera quemedidas como essas queestão sendo adotadas peloBrasil são estratégias de-fensivas, e busca açõesmais eficazes: criou um comitê técnicode peritos para ver se há possibilidadesde classificar o conhecimento tradicio-nal utilizando os mesmos critérios daclassificação internacional de patentes.O objetivo é tentar criar um mecanis-mo que permita que essas informaçõesestejam disponíveis aos examinadoresde patente. Eles não podem recusar oregistro por não saberem tratar-se deum saber comunitário, já que esse co-nhecimento não está classificado eporque não há mecanismos de buscas.Mas a idéia, para muitos, é arriscada, jáque pressupõe a exposição pública deum conhecimento que se confunde coma identidade das comunidades tradicio-nais. “Algumas coisas podem ser publi-cadas, mas existem características denosso patrimônio cultural que estão atéhoje protegidas e que devemos preser-var por serem intrínsecas à nossa cultu-ra”, argumenta a caingangue Fernanda.

Noutra frente, a Ompi buscar har-monizar o acordo sobre a proprieda-de intelectual da Organização Mun-dial do Comércio (OMC), conhecidocomo Trips (Trade Related IntelectualProperty Rights), e a Convenção sobrea Diversidade Biológica (CDB), assi-nada no Rio de Janeiro durante a Eco-92, que definiu como objetivos básicosa conservação, a utilização sustentávele a repartição justa e eqüitativa dos be-nefícios advindos do uso dos recursosgenéticos. O Trips, concluído em 1994,

os dois acordos. “Mas esse é um deba-te para vários anos”, prevê Carvalho.

Lei sui generis - O avanço da biotec-nologia e da engenharia genética só fezesquentar o debate sobre a proteção dabiodiversidade e dos conhecimentos tra-dicionais, que, na verdade, teve iníciona Eco-92, quando foi assinada a CDB,lembra Graça Aranha. A convenção re-comendou que a FAO e os países parti-cipantes elaborassem um Plano Globalde Ação para Recursos Genéticos em

Alimentação e Agricultu-ra (PGA), que foi apro-vado na Conferência In-ternacional de RecursosGenéticos realizada emLeipizig, em 1996. O PGAfoi adotado por todos ospaíses que compõem aComissão de Recursos ge-néticos, inclusive o Brasil.“No âmbito da FAO, serárelevante definir como fa-zer para que toda essa ri-queza, uma vez protegida,se transforme em melho-ria efetiva das condiçõesde vida da nossa popula-ção, diminuindo carên-cias, principalmente nospaíses tão ricos em biodi-versidade quanto em de-sigualdades sociais”, dizGraça Aranha. O outro fo-

co de discussão, da qual o Brasil temparticipado ativamente, é a compati-bilização do acordo Trips.

O Brasil também se alinha aos quedefendem a idéia de um novo marcojurídico que proteja e preserve a biodi-versidade. “Hoje isso é tão fundamen-tal como os direitos de propriedade in-telectual o foram no final do século 19,com a Convenção de Paris”, comparaGraça Aranha, referindo-se ao tratadointernacional que até hoje regula o re-gistro de patentes e é base para a defe-sa de marcas e segredos industriais.

Essa também é a disposição de 25nações indígenas, cujos representantesse reuniram em dezembro do ano pas-sado, em São Luís, no Maranhão, numencontro promovido pelo INPI. No do-cumento, batizado de Carta de São Luiz,propõem a adoção de “um instrumen-to universal de proteção jurídica dosconhecimentos tradicionais, um sistema

não é específico e, em relação à biodi-versidade, permite o direito de pro-priedade intelectual sobre microrga-nismos, processos não-biológicos emicrobiológicos. A compatibilizaçãoentre os dois acordos exige que sejaincluído no Trips um dispositivo quecontemple a proteção dos conheci-mentos tradicionais e dos recursos ge-néticos. “O Brasil defende uma emen-da ao Trips no sentido de incorporaros requisitos de identificação do mate-rial genético utilizado na invenção, derepartição dos benefícios com os de-tentores de recursos genéticos, deconsentimento prévio fornecido pelosdetentores e dos conhecimentos tradi-cionais associados à invenção”, explicaGraça Aranha, presidente do INPI. Naconferência ministerial da OMC emDoha, no Catar, realizada em novem-bro último, já foram apresentadas al-gumas propostas para compatibilizar

Laboratório busca autorização para comercializar a ayahuasca

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alternativo, sui generis, distinto dos re-gimes de proteção dos direitos de pro-priedade intelectual”, e que o governobrasileiro “adote uma política de pro-teção da biodiversidade e sociodiver-sidade destinada ao desenvolvimentoeconômico sustentável dos povos in-dígenas”. Reivindicam que o governoreconheça os conhecimentos tradicio-nais como saber e ciência,“conferindo-lhes tratamento eqüitativo em relaçãoao conhecimento científico ocidental” ,estabelecendo uma política de ciência etecnologia que reco-nheça a sua importân-cia, que crie um bancode dados e registrodesses conhecimentose um fundo – financia-do pelos governos egerido por uma orga-nização indígena – quetenha como objetivosubsidiar pesquisas rea-lizadas por membrosdas comunidades. Naavaliação de MarcosTerena, coordenadorde direitos indígenasda Fundação Nacionaldo Índio (Funai), “é afragilidade de prote-ção aos conhecimen-tos tradicionais quegera a biopirataria”.

Marco legal - No pla-no nacional, algunspaíses têm regras mui-to claras de proteçãodo conhecimento tra-dicional. A Costa Ri-ca, por exemplo, dedi-cou um capítulo desua Lei da Biodiversi-dade, aprovada em 1998, à “proteção dodireito de propriedade intelectual e in-dustrial” e reconhece a existência e va-lidade das formas de conhecimento einovação e a responsabilidade do Es-tado de outorgar essa proteção. ORegistro de Propriedade Intelectual eIndustrial, por exemplo, deve, obriga-toriamente, consultar a Oficina Técni-ca da Comissão Nacional para a Gestãoda Biodiversidade antes de concederregistro de propriedade intelectual ouindustrial a inovações que envolvamrecursos da biodiversidade.

O Equador aprovou, em 1996, umapequena lei de proteção da biodiversi-dade que se limita a declarar que o “Es-tado equatoriano é o titular dos direitosde propriedade sobre as espécies queintegram a biodiversidade no país”. Aexploração comercial estaria sujeita auma regulamentação especial, mas des-de que ficassem garantidos os direitosancestrais das comunidades indígenassobre os conhecimentos e os compo-nentes intangíveis da biodiversidade.Está em debate uma proposta de regu-

ploração comercial desse conhecimen-to, e fixar um porcentual sobre os lu-cros gerados por processos ou produtosdesenvolvidos com base em conheci-mentos tradicionais. Esses recursos for-marão o Fundo de Desenvolvimento dosPovos Indígenas do Peru.

No Brasil, a biodiversidade e os co-nhecimentos tradicionais são protegidospela Medida Provisória 2.186 de 2001,que condiciona o acesso a recursos natu-rais à autorização da União, prevê a re-partição de benefícios, se houver uso e

comercialização, e re-conhece o direito dascomunidades indíge-nas e locais de decidi-rem sobre o uso de seusconhecimentos asso-ciados a recursos gené-ticos. Outros tantosprojetos de lei sobre oassunto tramitam noCongresso Nacional,entre eles o da senadoraMarina Silva (PT-AC),já aprovado pelo Sena-do, que estabelece ascondições para autori-zação de acesso a recur-sos genéticos nacionaise determina a criaçãode uma Comissão deRecursos Genéticoscomposta por represen-tantes do governo, cien-tistas, comunidades in-dígenas e locais.

O Brasil tambémestuda a sugestão daOmpi, já adotada porvários países, de criarum banco de dados dosconhecimentos tradi-cionais. Graça Aranha

avalia que a catalogação das informa-ções é “uma forma clara de cobrar.”Ressalva, no entanto, que o Brasil játem algumas iniciativas de proteçãodesse conhecimento – “a medida pro-visória é exemplo disso”, sublinha – e acriação de um banco de dados dessanatureza é uma medida difícil de serimplementada, já que muitos conheci-mentos “não são apenas de uma mesmatribo”. Pergunta: “Quem vai receberesse benefício?”. E ele mesmo respon-de: “A única forma de superar essas di-ficuldades é ampliando o debate”. •

lamentação dos direitos coletivos emrelação à biodiversidade, elaboradapela Confederação Nacional Indígenado Equador e a ONG Acción Ecológica.

No Peru, um grupo formado porrepresentantes de comunidades indíge-nas, ONGs e representantes de váriosministérios do governo está elaboran-do um projeto de lei para regular oacesso a recursos genéticos e protegeros conhecimentos tradicionais. O pro-jeto deverá estabelecer regras para arealização de contratos entre comuni-dades e empresas interessadas na ex-

Lucia Fernanda: a luta agora é pela apropriação de novos conhecimentos

Graça Aranha: Brasilquer revisão do Trips

Marcos Terena: fragilidade da proteção gera a biopirataria

Nuno Carvalho: escritura sagradaderruba patente da turmérica

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Genômica para a saúdeRELATÓRIO

OMS prevê avançosna luta contradoenças mórbidase genéticas

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Tikki Pang, diretor da OMS para Políti-ca de Pesquisa e Cooperação (veja boxna página 19), realizou um levanta-mento detalhado, com 241 páginas,sobre o estágio e perspectivas de desen-volvimento das pesquisas nos diversospaíses. Eles constataram que as infor-mações geradas pela genômica podemser utilizadas para produzir, nos próxi-mos anos, um espetacular avanço naluta contra doenças mórbidas como amalária, a tuberculose e a Aids, de altamorbidade nos países em desenvolvi-mento. Também oferecerão pistas im-portantes para a prevenção, o diagnós-tico e tratamento de doenças de origemgenética ou crônicas, como as cardio-vasculares, o câncer, o diabetes, entreoutras. “A investigação do genoma deagentes patógenos nos ajudará a com-preender melhor a transmissão de do-enças e os mecanismos de sua virulên-cia, assim como a maneira pela qual osagentes infecciosos destroem as defesasdo portador. Essas informações deve-riam possibilitar o desenvolvimento denovas classes de diagnóstico, vacinas eagentes terapêuticos”, indica o relatório.

A OMS constatou, no entanto, quea maioria das pesquisas em genômica e

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

pesquisa genômica, se mani-pulada corretamente, podemudar os sistemas de saúdeem todo o mundo e abrircaminho para a preven-

ção e o tratamento de doenças que dizi-mam milhões de pessoas, principalmen-te nos países em desenvolvimento. Mashá que se evitar o risco de os conheci-mentos gerados aprofundarem a diferen-ça da qualidade de assistência médica en-tre os países. Essa foi uma das principaisconclusões do relatório da OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS), Genômica eSaúde Mundial, divulgado no dia 30 deabril. O relatório reúne informações so-bre as pesquisas genômicas em todo omundo, avalia perspectivas e elabora ce-nários para uso futuro da genética.

A OMS começou a investigar os pos-síveis impactos da revolução genômicana saúde e suas implicações para os paí-ses em desenvolvimento, tão logo foianunciado o seqüenciamento do geno-ma humano, no início de 2001, com oobjetivo de definir suas estratégias deatuação em relação ao novo campo depesquisa. Ao longo de 13 meses, umgrupo de 14 médicos, pesquisadores eespecialistas em ética, coordenado por

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biotecnologia está sendo desenvolvidano mundo industrializado e sempre di-rigida ao mercado. O relatório apontaalgumas exceções e cita os casos da Chi-na, Índia, Cuba e Brasil, que estão utili-zando as possibilidades abertas pela ge-nética para desenvolver pesquisas dedoenças locais (veja box na página 20).“Existe o perigo de que esses avançosacentuem a disparidade na assistênciamédica dentro de cada país e entre paí-ses”, adverte o relatório.

situação se agrava quando seleva em conta a falta de in-centivos para que a indús-tria farmacêutica realizeinvestigações com o ob-

jetivo de combater doenças não-assis-tidas, que dizimam a população dospaíses mais pobres. “O potencial da ge-nômica para combater essas enfermida-des não se consumará e as desigualdadesde saúde se agravarão se esses países nãoaumentarem sua capacidade biotecno-lógica ou se não fomentarem mecanis-mos que estimulem investimentos porparte de instituições públicas ou priva-das, tanto em países desenvolvidos co-mo em desenvolvimento”, recomenda aOMS. Para evitar esse risco, o relatórioendossa “fortemente” a recomendaçãoda Comissão de Macroeconomia e Saú-de da OMS de criar um Fundo Globalde Pesquisa em Saúde, com um capitalinicial de US$ 1,5 bilhão, para o finan-ciamento de P&D de países em desen-volvimento. E defende que valor idên-tico seja disponibilizado para países einstituições que estejam trabalhandoem novas vacinas e no desenvolvimen-to de drogas contra a Aids, tuberculo-se e malária.

Ética e genética - O relatório tambémexamina o papel da ética nas pesquisase na medicina genética. As práticas éti-cas habituais, como o consentimentoinformado ou a confidencialidade, têmque ser revistas, em função da naturezada informação genética.Cada país deve-ria estabelecer o seu próprio marco éti-co e criar legislação baseada em princí-pios definidos internacionalmente,indica o relatório.

A OMS adverte, ainda, para o fato dealgumas características da tecnologia doDNA recombinante, particularmentequando utilizada na manipulação de

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Países que financiam pesquisagenômica se encontram numa po-sição privilegiada para entender edebater as implicações clínicas, éti-cas e legais resultantes de avançosobtidos nessa área de conhecimento.A opinião é do médico Tikki Pang,diretor da Organização Mundialda Saúde (OMS) para Política dePesquisa e Cooperação que coor-denou os trabalhos do relatórioGenômica e Saúde Mundial. “Nãoconcordamos com a idéia de quesomente as nações ricas devem fa-zer pesquisa genômica, que é, pornatureza, cara”, diz Pang, em en-trevista a Pesquisa FAPESP.

Ele não considera que os in-vestimentos nacionais em biotec-nologia e genômica seja um luxo.“Países em desenvolvimento tam-bém devem fazer isso.” Para o di-retor da OMS, as sociedades quetiverem uma melhor compreen-são dos profundos impactos da ge-nômica poderão se beneficiar deforma mais efetiva das descobertase tecnologias criadas por esse ra-mo da ciência. “As nações que en-tenderem de forma mais clara oimpacto da genômica e investiremnesse setor poderão maximizar seusganhos”, afirma Pang.

Na maior parte do mundo emdesenvolvimento, quase não há pes-quisa genômica. Esse quadro, dereduzidos investimentos em ciên-cia nas regiões mais pobres do pla-neta, preocupa a OMS, pois mui-tos cantos do globo correm o riscode ficar à margem das novidadesproduzidas por essa linha de pes-quisa. Quatro nações periféricas, noentanto, figuram como exceções àessa regra: China, Índia, Cuba eBrasil, que têm investido no setor.Entre esses quatro países, o Brasiltem uma posição de destaque.“Em termos de pesquisa genômicaaplicada à área agrícola, o Brasilnão está atrás de ninguém, nemdos países ricos. Já a China pareceter centrado mais seus esforços naárea de saúde”, comenta Pang.

Para reduzir a distância entre onível das pesquisas feitas em paísesricos e pobres, o OMS defende o es-tabelecimento de formas alternati-vas de financiamento da pesquisagenômica em países não-desenvol-vidos. Segundo Pang, a criação doFundo Global de Pesquisa em Saú-de – um mecanismo para financia-mento de estudos científicos (ge-nômicos também) em países emdesenvolvimento, que contaria comuma verba inicial de US$ 1,5 bi-lhão – dependerá da captação de re-cursos em duas fontes: os paísesdesenvolvidos e a indústria farma-cêutica. “Não é fácil convencer oscontribuintes desses países, que équem paga a conta no final, a daresse dinheiro”, comenta Pang. “Émais difícil ainda dobrar a indús-tria farmacêutica, que está mais in-teressada em ter lucros e em pro-duzir para os grandes mercados.”

De acordo com o diretor daOMS, o Brasil, por sua posição deliderança na ciência da AméricaLatina, é uma das nações que po-dem vir a receber parte dos recur-sos do fundo.“O Brasil possui cen-tros de excelência em pesquisa, ogoverno tem investido em ciênciae o país reúne condições de ser umcentro irradiador de conhecimen-to para seus vizinhos da região”,afirma Pang.

A despeito do maior ou menorgrau de investimento em pesquisagenômica, todo e qualquer país pa-dece de um problema universal, navisão do diretor de OMS: há sem-pre um descompasso entre os últi-mos avanços da pesquisa e a legisla-ção que regula a prática científica.“As mudanças geradas pelas novasdescobertas são muito rápidas e associedades se movem lentamentepara criar mecanismos de regula-ção”, diz Pang. Para ele, esse pro-blema afeta indiscriminadamentetanto países ricos e industrializadoscomo nações em desenvolvimento.

MARCOS PIVETTA

Descompasso nas pesquisas

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genomas humanos e animais, exigiremregulamentação em termos de segu-rança pública, saúde do investigador,riscos para o meio ambiente e contra apossibilidade de usos sociais e políti-cos inadequados.

s países precisam estarpreparados para adotarperspectivas radicalmentenovas em relação à pes-quisa e à prática médica,

recomenda a OMS, e avaliar a sua capa-cidade biotecnológica e de bioinfor-mática atuais para estabelecer priori-dades estratégicas. A OMS se dispõe a

apoiar as nações que queiramampliar esse campo de inves-tigação, por meio da pres-tação de assistência técnica e

apoio à criação de centros degenética clínica e programas de

investigação genética voltadospara problemas de saúde especí-

ficos. Também poderá facilitar atransferência de tecnologias, a cria-

ção de programas de formação entreo norte e o sul e o desenvolvimento deredes regionais de pesquisa.

A tecnologia genômica poderá auxi-liar no combate a enfermidades trans-missíveis, comuns em países em desen-volvimento. Essa área de pesquisa, afirmao relatório, deveria reunir universida-des, instituições de pesquisa públicas eempresas em programas de P&D quepermitam obter novos produtos de assis-tência à saúde. Mas essa estratégia exigi-ria o estabelecimento de acordos entreos parceiros, além de incentivos fiscais euma ampla rede de pesquisa.

A OMS recomenda ainda que os paí-ses invistam na acumulação de massa crí-tica de conhecimentos especializados,para que possam participar das investi-gações e ter acesso aos bancos de dadosgenômicos, parte dos quais oferecidosgratuitamente ao público. A OMS estádisposta a oferecer assistência técnicaaos Estados para, por exemplo, a imple-mentação de cursos de curta duração.Dispõe-se, ainda, a assumir um “papelcrucial na vanguarda da bioética”, par-ticularmente no que se refere à genô-mica e à saúde mundial, e a assessoraros governos sobre a melhor maneira deestabelecer sistemas de regulamentaçãopara a ampla gama de tecnologias queestão sendo geradas pelas pesquisas. •

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O bom exemplo do Brasil O relatório Genômica e Saúde

Mundial dedica a página 95 e parteda 96 ao relato das estratégias dedesenvolvimento das pesquisas ge-nômicas no Brasil, que, nos últimoscinco anos, passou a integrar o pri-meiro escalão entre os países quedesenvolvem pesquisa em genô-mica, utilizando o modelo de pes-quisa em rede, um exemplo paraas outras nações. Lembra que, em1997, a FAPESP tomou a “decisãoestratégica” de iniciar um grandeprograma de pesquisa que come-çou com o seqüenciamento do ge-noma da bactéria Xylella fastidio-sa. Em vez de construir um centropara a realização do trabalho, a FA-PESP iniciou um “instituto virtualde genômica” – a rede Onsa (Or-ganization for Nucleotide Se-quencing and Analysis) –, comaproximadamente 200 pesqui-sadores baseados em 30 la-boratórios no Estado de SãoPaulo, mantido com recur-sos iniciais da ordem deUS$ 13 milhões.

A rede seqüen-ciou, em menosde um ano, su-blinha o relatório,90% dos 3 milhões de genomasda Xylella, e publicou a seqüênciacompleta na revista Nature, em ju-lho de 2000. Esse feito recebeu con-siderável atenção da mídia, tantono Brasil como em todo o mundo,afirma o relatório.

O segundo grande programa darede Onsa, avalia, foi o projeto doGenoma do Câncer, que contoucom US$ 10 milhões da FAPESP edo Instituto Ludwig de Pesquisa,utilizando a Orestes, uma técnicapioneira para o seqüenciamento.“O projeto teve um sucesso fe-nomenal: uma semana depois doanúncio do seqüenciamento daXylella, o Projeto do Câncer anun-ciou que tinha mapeado 500 mi-lhões de ESTs”, segundo consta norelatório. Em outubro de 2001, ogrupo publicou no Proceeding of

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Seqüenciamento da Xylella foinotícia no Brasil e no mundo

the National Academy of Science,nos Estados Unidos, a identifica-ção de 700 mil fragmentos ativosem 24 tecidos normais e com cân-cer. “Esse trabalho sugere que asestimativas iniciais do número to-tal de genes humanos pode estarsubestimado”, ressalva o relatório.O Brasil agora está, ao lado dosEstados Unidos e do Reino Unido,na condição de líder mundial empesquisa genômica do câncer. Cita

ainda os projetos de seqüencia-mento dos genomas do Schistoso-ma manzoni e da cana-de-açúcar,este já finalizado.

O relatório menciona, ainda,que o Ministério da Ciência e Tec-nologia lançou um programa na-cional de pesquisa genômica emparceria com o Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq), que reúneuma rede de 25 laboratórios emtodo o país. A rede já seqüenciou ogenoma da Chromobacterium vio-laceum. E conclui que não há dúvi-das de que outros países podemaprender muito com a capacidadebrasileira de construir estratégiasbem-sucedidas de pesquisa.

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FAPs

Fundações participarão do Sistema Nacional de informação em C&T

Indicadores estaduais

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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Secretários de consolidar o Sistema Na-cional de Inovação a partir do fortaleci-mento dos sistemas estaduais de C&T.As FAPs pleiteiam maior participaçãona definição das políticas de C&T e narepartição de recursos dos Fundos Se-toriais. “Essa será uma estratégia im-portante para a consolidação das pe-quenas fundações”, justifica Landi. Umgrupo de trabalho integrado por repre-sentantes dos dois fóruns deverá defi-nir, junto com o Centro de Gestão deEstudos Estratégicos (CGEE), os con-tornos dessa parceria com o governofederal.

Fórum de municípios - Na reunião emBrasília foi formalizada a constituiçãodo Fórum Nacional de Secretários Mu-nicipais de C&T, criado em dezembrodo ano passado, em Vitória, com o ob-jetivo de estreitar as relações entre asdiversas secretarias municipais envol-vidas com a área e promover maioraproximação com os órgãos dos gover-nos federal e estaduais. Integram o fó-rum 12 secretarias municipais de Ci-ência e Tecnologia, entre elas, além deVitória, as de capitais como Porto Ale-gre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro,Aracaju e municípios como, São Car-los, no Estado de São Paulo, e Itajubá,em Minas Gerais. •

Ministério da Ciência e Tec-nologia (MCT) quer criar umsistema nacional de informa-

ção em Ciência, Tecnologia e Inovaçãoem todos os Estados brasileiros, com oobjetivo de criar uma base de dados se-melhante àquela reunida nos documen-tos Indicadores, da FAPESP, publicadosem 1998 e 2002 (veja página 12). A pro-posta, apresentada aos participantesdos fóruns das Fundações e Entidadesde Amparo à Pesquisa dos Estados e Dis-trito Federal (FAPs) e dos secretáriosEstaduais de Ciência e Tecnologia, reu-nidos nos dias 16 e 17 de maio, em Bra-sília, foi imediatamente encampada. Jáestá criada uma comissão de trabalho,formada por representantes dos doisfóruns e do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), que teráprazo de dois meses para formular me-todologias de trabalho e apresentar umplano de atuação. “A base de dados terápadrões internacionais e sua implemen-tação deverá estimular o atual sistema decoleta de dados em cada Estado”, afir-ma Francisco Romeu Landi, diretor-presidente da FAPESP e presidente doFórum das FAPs. As primeiras infor-mações, ele prevê, poderão estar dispo-níveis nos próximos dois ou três anos.

No encontro, também esteve empauta o pleito das FAPs e do Fórum de

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SAÚDE DO TRABALHADOR

Projeto vai dimensionarreal incidência de acidentes de trabalho em Piracicaba

Subdiagnósticocomprometepolíticas públicas

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A subnotificação, no entanto, ressal-vam, ocorre mesmo no caso de traba-lhadores com direito a benefício, já quea comunicação é feita pelas empresas,que, em grande parte das vezes, omi-tem a informação e não são fiscaliza-das. Estimam que apenas um quintodos acidentes com trabalhadores regula-mentados seja notificado.

“Dados incongruentes induzem aum subdiagnóstico e podem compro-meter a eficácia de políticas públicasimplementadas nos diversos níveis degoverno com o objetivo de prevenir aci-dentes e garantir condições adequadaspara o trabalho”, adverte Ricardo Cor-deiro, do Departamento de Saúde Pú-blica da Universidade Estadual Paulista(Unesp) de Botucatu. Ele coordena oprojeto Diagnóstico e Controle de Aci-dentes de Trabalho em Piracicaba, umamplo levantamento que pretende di-mensionar e registrar a real incidênciade acidentes de trabalho no municípiopara propor uma política de monitora-mento das ocorrências e, ao mesmotempo, fornecer subsídios para a im-plementação de um sistema nacionalde notificação mais adequado. A pes-quisa, que também conta com a parti-cipação da Universidade Metodista dePiracicaba (Unimep), é financiada peloPrograma de Pesquisa em Políticas Pú-blicas da FAPESP e tem suporte do Mi-nistério do Trabalho e Emprego.

s estatísticas oficiais têm re-gistrado queda no númerode acidentes de trabalho noBrasil. Em 1998, por exem-plo, foram notificados 414

mil casos, caindo para 387 mil em 1999e 343 mil em 2000. Mas esse quadro,aparentemente otimista,é contestado portécnicos e especialistas que atuam naárea de Saúde do Trabalhador. Eles ava-liam que esse declínio das ocorrências éresultado do aumento da subnotifica-ção porque o sistema oficial de coletade dados é inadequado. Os técnicos ga-rantem que a ocorrência de acidentestem registrado forte crescimento, sobre-tudo no mercado informal de trabalho,e calculam que, para cada dez aciden-tes, apenas um é notificado.

As estatísticas oficiais se apóiamem informações coletadas no docu-mento denominado Comunicação deAcidente de Trabalho (CAT), do Insti-tuto Nacional de Seguridade Social,utilizado para fins de pagamento debenefício. O resultado, argumentamesses especialistas, é que os funcionáriospúblicos, autônomos, empregados do-mésticos, proprietários e trabalhado-res do setor informal da economia –que representam pelo menos metadedo contingente de trabalhadores – fi-cam fora desse sistema de coleta de da-dos por não estarem incluídos no pla-no de benefícios da Previdência Social.

AVigilância Sanitária - A iniciativa dapesquisa foi da prefeitura de Piracica-ba, um município com 318 mil habi-tantes, no interior de São Paulo. Com56.487 trabalhadores com emprego for-mal, a grande maioria ocupada na in-dústria (44,5%) e no setor de serviços(56,7%), a média de acidentes oficial-mente notificados era de 51 para cadagrupo de mil trabalhadores segurados,em 1997, bem acima da média nacio-nal registrada no mesmo período, de16 acidentes para cada grupo de miltrabalhadores segurados. Por conta daalta incidência de acidentes, a prefeitu-ra implantou o Programa Municipalde Saúde do Trabalhador para monito-rar as ocorrências e desenvolver pro-gramas de vigilância sanitária. “Haviacasos de empresas com uma média de40 acidentes para cada cem funcioná-rios”, conta Rodolfo Vilela, coordenadordo programa. Mas a subnotificação, afalta de informações sistematizadas so-

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não foram, portanto, notificadas. EmPiracicaba, estima-se que apenas a me-tade da População EconomicamenteAtiva (PEA) do município tem carteiraassinada e faz parte da população segu-rada pelo INSS, via Consolidação dasLeis de Trabalho (CLT). “Não temosqualquer informação sobre o mercadoinformal de trabalho”, afirma Vilela.

Pesquisa domiciliar - Em Piracicaba, apesquisa de campo começou no dia 15de maio. Serão consultados todos osmoradores acima de 10 anos de um to-tal de 3.521 domicílios distribuídos em450 pontos na zona urbana do municí-pio. Em todos os casos, serão identifi-cados local de trabalho, ocupação, tipode regulamentação de trabalho, entreoutras informações cruciais para iden-tificar os tipos de acidentes mais pre-valecentes na economia formal e infor-mal. Nas entrevistas, também serãolevantadas informações pormenoriza-das sobre acidentes de trabalho dequalquer natureza – acidente do traba-lho típico ou do trajeto, acidente do-méstico, acidente em atividade de es-porte ou lazer, etc. – ocorridos nosúltimos 90 dias. Todos os acidentesde trabalho de notificação compulsóriaidentificados serão cotejados com osregistros do INSS, de forma a permitira observação da incidência de sub-re-gistros entre os trabalhadores com di-reito a benefícios.

Ao final dos três primeiros mesesde pesquisa, o projeto será avaliadopelo comitê de Políticas Públicas daFAPESP. Se aprovado, o grupo de pes-quisadores terá prazo de dois anos paraconcluir o trabalho. Além de identifi-car os acidentes de trabalho com maiorincidência entre os trabalhadores domercado formal e informal de traba-lho, a pesquisa pretende apontar osambientes de trabalho onde priorita-riamente deverão se centrar as açõesde vigilância sanitária, assim como asintervenções necessárias à prevenção.E a identificação da magnitude dosub-registro, outra meta do projeto,fornecerá subsídios para a correçãodos indicadores oficiais. •

A estimativa é que apenas um quinto dos acidentes com trabalhadores formais seja notificado pelas empresas

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O PROJETO

Trabalho Informal e Acidentes de Trabalho em Piracicaba

MODALIDADEPrograma de Pesquisa em Políticas Públicas

COORDENADORRICARDO CARLOS CORDEIRO –Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp

INVESTIMENTOR$ 29.330,00

bre a distribuição e as característicasdos acidentes de trabalho e, sobretu-do, a ausência de dados sobre os aci-dentes na economia informal compro-metiam o bom andamento do projeto.“Procuramos a Unimep e a Unesp deBotucatu, município onde Cordeiro játinha desenvolvido pesquisa seme-lhante”, diz Vilela.

A pesquisa Acidentes de Trabalhoem Botucatu, coordenada por Cordeiroe também financiada pela FAPESP, em1997, constatou que os registros previ-denciários captaram apenas 22,4% dosacidentes de trabalho.“O próprio siste-ma, no entanto, subnotifica 80% dosacidentes. Só são comunicados os demaior gravidade”, afirma Cordeiro.Essa situação, ele avalia, que deve se re-produzir em Piracicaba, é fortementeinfluenciada por modificações na legis-lação previdenciária, como o aumentoda carência do seguro de dois para 15dias, o que acarretou o incremento do

sub-registro de acidentes leves, ou daexclusão de autônomos e empregadosdomésticos do seguro-acidente.

O levantamento realizado em Botu-catu revelou que 51,3% dos acidenta-dos eram funcionários públicos, autô-nomos, assalariados e empregados semregistro em carteira, e as ocorrências

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� Efeitos colateraissó nas farmácias

O tempo parece ser mesmo omelhor juiz. Um em cada cin-co medicamentos apresenta sé-rios efeitos que só aparecemdepois que os produtos se en-contram há um bom temponas prateleiras das farmácias.A conclusão se baseia em umestudo publicado na edição de1º de maio no Journal of theAmerican Medical Associatione realizado com base em 548drogas aprovadas entre 1975e 1999. Dessas, 56 foram tira-das do mercado por causa dosinesperados e intensos efeitos

colaterais. O número de dro-gas nessa categoria salta paracerca de 20% quando se consi-deram os medicamentos libe-rados já no final do períodoanalisado. A Agência Federalde Alimentos e Medicamentos(FDA) dos Estados Unidos re-conhece que tem reduzido asexigências para aprovação denovos fármacos, mas alertapara os médicos lerem commais atenção as restrições aouso listadas nas bulas. Os au-tores do estudo, coordenadopor Karen Lasser, do EscolaMédica de Harvard, fazemoutra recomendação à classemédica: prescrever medica-

mentos mais antigos e com-provadamente seguros, a me-nos que os novos sejam real-mente superiores. •

� Células-tronco adultas sob suspeita

Os avanços mais recentes dagenética elegeram as células-tronco embrionárias, matri-zes que podem se desenvolverem qualquer tipo de célula docorpo, como a grande espe-rança para a cura de lesõescardíacas e neurológicas. Masas pesquisas encontram ad-versários ferrenhos, pois, apósa obtenção dessas células, o

embrião é simplesmente des-cartado. A solução para o im-passe ético seria a utilização decélulas-tronco adultas. Nor-malmente, as células-tronco detecido adulto têm opções li-mitadas. Assim, por exemplo,certas células da medula ósseasó poderiam formar células san-güíneas. Mas pesquisas reali-zadas nos últimos dois anosindicam que as células pre-cursoras do sangue poderiamformar outros tecidos, se elasforem, primeiro, incubadascom células-tronco embrio-nárias. Ou seja: as células-tronco adultas seriam quasetão maleáveis quanto as em-

Como reduzir a pobreza no Vale do JequitinhonhaO povo que sobrevive nasregiões castigadas pela ari-dez costuma encarar seusofrimento como provaçãodivina. Mas uma pesquisarealizada por uma equipeda Universidade de SãoPaulo (USP) e Universida-de Federal de Minas Gerais(UFMG) mostra que é pos-sível tornar a vida mais fácilcom ações relativamentesimples. Os pesquisadores,coordenados pelo geólogoUriel Duarte, da USP, estu-daram a fundo a hidrogeo-logia da região central doVale do Jequitinhonha, emMinas Gerais, e constata-ram que, de fato, a naturezanão foi das mais pródigasnesse lugar. Falta chuva, osolo não é fértil e as águasubterrâneas – alternativapara a carência de recursoshídricos superficiais – têmalto índice de salinidade. Mashá saídas: o estudo sugere

provou algo que a popu-lação já havia percebidoempiricamente: após a im-plantação das monocultu-ras, houve uma sensível re-dução do período de fluxodos rios temporários e a di-minuição do volume de águados rios perenes. •

a adoção de culturas maisadaptadas ao clima, como apalma e o milheto, e mais re-sistentes à salinidade da água,como a cevada, o sorgo e oalgodão. Também foramconsideradas obrigatóriasnas pequenas propriedadesrurais as leguminosas alga-

roba e leucena, que ajudama melhorar a fertilidade dosolo. Já as extensas monocul-turas de eucalipto localiza-das no vale receberam enfá-tica condenação, sobretudopor exigir alta demanda deágua, o que diminui a umi-dade do solo. O estudo com-

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Alternativa: leguminosas podem recuperar a fertilidade do solo e reter a água escassa

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adjacentes às represas da hidre-létrica no rio Juba deveriam serampliadas e englobar rema-nescentes de mata e, sobretu-do, as nascentes, que concen-tram a biodiversidade (dez das14 prováveis espécies novas depeixes, por exemplo).“Se ain-da temos alguma oportunida-de de conservação, é na baciado Sepotuba, a mais conser-vada”, comenta Reinaldo Lou-rival, diretor da ConservationInternational Pantanal. “Asoutras já estão detonadas.” •

� Massacre no litoral gaúcho

Oito filhotes de lobos-mari-nhos foram encontrados mor-tos no litoral do Rio Grandedo Sul. Os principais suspei-tos da chacina são identifica-dos pela sigla POP – de po-luentes orgânicos persistentes.Pesquisadores do Laboratóriode Microcontaminantes Or-gânicos e Ecotoxicologia daFundação Universidade do RioGrande (FURG) fizeram aná-

lises químicas no organismodos filhotes e constataram oacúmulo de PCBs, poluentesderivados de óleos isolantestérmicos, e de pesticidas DDTs,Clordanes e HCHs. Os po-luentes não provinham decontaminação direta, mas debioacumulação antiga – pro-vavelmente vieram por meiodo leite materno de fêmeascontaminadas há anos. Aindanão se pode dizer que os po-luentes tenham sido a causadireta das mortes, mas já sesabe que essas substâncias fa-vorecem o surgimento de in-fecções oportunistas. •

� Futebol einteligência

Jogar futebol não causa da-nos ao intelecto. Essa erauma preocupação dos paisde craques mirins desde quea Academia Americana dePediatria afirmou que aindaeram desconhecidos os ris-cos de se cabecear uma bolade futebol ou de se bater acabeça contra a de outro jo-gador – e, por isso, aconse-lhava os jovens atletas a evi-tarem jogadas com a cabeça.Mas um novo estudo realiza-do na Universidade da Caro-lina do Norte, Estados Uni-dos, publicado no AmericalJournal of Sports Medicine,esclarece a questão. Os pes-quisadores compararam ascapacidades de raciocínio ede aprendizado de jogadoresde futebol com outros atletasda universidade e não encon-traram nenhuma evidência deredução de performance emtestes cognitivos. Em contra-partida, os jogadores de fute-bol sofrem, realmente, maisconcussões cerebrais que ou-tros atletas – nos casos maisgraves, o dano cerebral podepôr fim ao sonho de freqüen-tar os bancos de uma uni-versidade. •

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Pbrionárias. Seriam mesmo?Dois artigos da revista Nature(13 de março) questionamesses resultados. Em vez de es-tarem, repentinamente, mu-dando de função – a chamadatransdiferenciação, as células-tronco adultas estariam, narealidade, fundindo-se às cé-lulas embrionárias para for-mar um tipo de célula total-mente novo. E essas célulasfundidas seriam demasiada-mente anormais para teremutilidade na medicina. Numaconferência realizada no Co-lorado, Estados Unidos, ospesquisadores que observa-ram a transdiferenciação sedefenderam dizendo que pro-curariam evidências de fusão,mas que não viam motivospara suspeitar de que ela esti-vesse por trás de seus resulta-dos. Diane Krause, da Uni-versidade de Yale, afirmou quesuas células-tronco transdife-renciadas continham um nú-mero normal de cromosso-mos, enquanto uma célulafundida deveria ter duas ve-zes o número normal. •

� Novas espécies dosrios do Pantanal

Em 20 dias, um grupo de 36biólogos percorreu a bacia decinco rios do Pantanal ma-to-grossense (Sepotuba, Jau-ru, Cabaçal, Juba e Paraguai)e encontrou 36 prováveis es-pécies novas de animais. Rea-lizada entre fevereiro e março,essa foi a terceira expedição doPrograma de Avaliação Rá-pida de Ecossistemas Aquá-ticos (AquaRAP), organizadapela Conservation Internatio-nal do Brasil com a finalida-de de identificar áreas priori-tárias para conservação. Umadas conclusões da equipe, queandou por 600 km de rios e1.000 km de terra, no norte doPantanal, ao sul de Mato deGrosso: as áreas de proteção

Prioridade:conservar as nascentes,berço dadiversidadebiológica

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Bola em campo: sem afetar a capacidade de aprendizado

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26 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP26 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

rior afastando-se do centroda estrela, astrofísicos belgas,suíços e dinamarqueses des-cobriram que a estrela secomporta como um gigan-tesco instrumento ultrabaixo,oscilando a um período detrês horas e a uma velocidadede 2 metros por segundo,uma amplitude bastante dife-rente da do Sol. É a primeiravez que se define o espectrode uma estrela gigante (o somemitido pela xi Hya pode serouvido no endereço eletrôni-co www.eso.org). O estudo,feito por meio do Observató-rio La Silla, do Chile, permitiuconhecer melhor o que ocor-re no interior de uma estrelamadura, já que a xi Hya apro-xima-se do fim da vida, inflae se torna uma gigante ver-melha – um estágio pelo qualo Sol também passará. •

� Coqueluche voltaa preocupar

Causada pela bactéria Borde-tella pertussis, a coqueluchereapareceu entre adultos naFrança – e com uma novaforma de transmissão: nãomais entre crianças, mas deadultos para crianças. O aler-ta partiu do Instituto de Vi-gilância Sanitária, que atribuia situação à redução da pro-teção vacinal. Em 217 adul-tos com tosse persistente, osintoma mais característico,32% tinham coqueluche e nãosabiam. E, entre os pacientesjá confirmados, 60% já ha-viam sido vacinados e 33%tiveram a doença na infância.A recomendação é que osmédicos fiquem atentos: umadulto com tosse persistenteaguda ou crônica pode estarcom coqueluche – e, na dúvi-da, é melhor manter longeas crianças e os recém-nasci-dos. Na França, estima-se que300 mil adultos possam estarcom coqueluche. •

Satélite Aqua leva sensor brasileiroO satélite Aqua foi lança-do no dia 4 de maio daBase Aérea de Vandenberg,na Califórnia, Estados Uni-dos. A bordo, leva o sensorHSB (Humidity Sounder forBrazil ou Sensor de Umi-dade para o Brasil), quefaz parte de um avançadosistema operacional desondagem, constituído poroutros cinco instrumentoscientíficos, quatro norte-americanos e um japonês.Produzido pela EquatorialSistemas, empresa de SãoJosé dos Campos, em par-ceria com a Matra MarconiSpace, da Inglaterra, o HSBresulta de um acordo decooperação entre a AgênciaEspacial Brasileira (AEB)e a Nasa, agência espacialnorte-americana. O Aquavai coletar dados sobrechuvas, evaporação e o ci-

clo da água. Durante suamissão de seis meses, vairecolher informações so-bre mudanças de circula-ção nos oceanos e o modo

pelo qual as nuvem e osprocessos na superfície daágua afetam o clima. Osatélite integra o Sistemade Observação da Terra(Earth Observing System),programa da Nasa monta-do com o objetivo de en-tender as mudanças climá-ticas e o ambiente naturaldo planeta. Esse programa,que reúne instituições depesquisa e agências espa-ciais da América do Sul edo Norte, Europa, Ásia eAustrália, consiste de trêssatélites: o primeiro, Terra,entrou em órbita em 1999,e o terceiro, Aura, aindaserá lançado. •

No espaço:para entender melhor como o clima funciona

L A B O R A T Ó R I OL A B O R A T Ó R I O

� O verdadeiro rei Escorpião

Enquanto no Brasil o des-compromissado filme depancadaria Escorpião Rei,protagonizado por um astroda luta livre norte-america-na, lota as salas de cinema,no Egito um casal de pesqui-sadores descobre o que podeser o mais antigo registro es-crito humano relatando umfeito do lendário rei Escor-pião. Só que, lá, a história éséria. O rei Escorpião teriasido um líder guerreiro degrande importância para aunificação dos principadosregionais do antigo Egito,numa época anterior à dasdinastias faraônicas. A placacalcária com 50 cm de com-

primento encontrada pelocasal de arqueólogos John eDébora Darnell num oásis a400 km do Cairo pode ser omais antigo documento his-tórico conhecido: tem 5.250anos. Segundo os pesquisa-dores, os desenhos estiliza-dos da placa estariam rela-tando o retorno vitorioso dorei Escorpião à cidade deÁbidos, após vencer uma ba-talha em Naqada. O rei esta-ria representado pela ima-gem de um falcão – símbolodo deus Hórus e sinônimode rei – sobre um escorpião.O que os cientistas queremprovar, agora, é que as figu-ras sobre a placa não são ape-nas desenhos, mas sinais ide-ográficos, com interpretaçãosimbólica. •

� O som que vemdas estrelas

O estudo das ondas sonorassolares deu um salto com asobservações da xi Hya, estrelalocalizada a 130 anos-luz, comum raio dez vez maior e 60 ve-zes mais luminosa que o Sol.Acompanhando as freqüên-cias de oscilação das partícu-las da atmosfera estelar supe-

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A xi Hya: amplitudes audíveis

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 27PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 27

� Herbicida torna rãs hermafroditas

O atrazina, herbicida banidode vários países da Europa, masde uso corrente nos EstadosUnidos, é capaz de mudar osexo das rãs, tornando her-mafroditas os machos de di-versas espécies, de acordo comum estudo publicado na Scien-ce de 19 de abril. Há mais dedez anos, pesquisadores obser-vam o declínio alarmante dapopulação de anfíbios e mes-mo a extinção repentina dealgumas espécies. Sugeriramque o fenômeno poderia tercomo causas desde o ataquede fungos patógenos fúngicosaté o aumento da incidênciados raios ultravioleta, as mu-danças climáticas e os resí-duos de pesticidas. Toxicolo-gistas se concentraram, então,no herbicida atrazina, do qual27 milhões de quilos são apli-cados anualmente em planta-ções de milho e outras culturas.Levado pelas águas da chuva,o defensivo químico atingeas águas de superfície e sub-terrâneas. Descobriu-se que osistema hormonal dos anfí-bios pode ser alterado mesmocom baixa concentração doscomponentes do pesticida.Em laboratório,os pesquisado-res observaram que os machosdesenvolvem uma extragôna-da e se tornam hermafroditasnuma concentração 30 vezesmenor que a água, considera-da segura de acordo com os

Dendrobates: pesticidas ameaçam sobrevivência de anfíbios

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Chapadões no norte de Minas: sob o impacto da erosão

te instante, um lento e silen-cioso movimento para cima.Indícios do chamado soergui-mento, que consiste na eleva-ção natural das massas con-tinentais, foram detectadosnas pesquisas de André Sal-gado, sob orientação do pro-fessor Roberto Valadão, daUniversidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG). A causadessa movimentação pode es-tar diretamente ligada à ero-são acelerada que ocorre nesselocal. Segundo os pesquisado-res, a Depressão do Gouveia,no Espinhaço Meridional,está sofrendo da desnudaçãogeoquímica, perda de massaresultante da retirada de ma-terial iônico pela água, queacontece quando a água pe-netra no solo e reage quimi-camente com as rochas. A ta-xa de material iônico nos riosda região foi considerada su-perior ao que seria o espera-do. Esse processo químico fa-vorece a erosão mecânica, pordesagregar o material rocho-so em sedimentos cada vez me-nores, mais fáceis de ser trans-portados mecanicamente pelovento ou pela água da chuva.O resultado os pesquisadoresjá constataram na forma desulcos, ravinas e voçorocas,marcas de relevo que denun-ciam o acelerado processo de

padrões dos órgãos ambienta-listas.Outro estudo,relatado naNew Scientist de 4 de maio, in-dicou que pesticidas comoDDT e dieldrin, também empequenas quantidades, redu-zem bastante a produção deanticorpos em sapos – umefeito equivalente ao da ci-clofosfamina, poderoso imu-nossupressor. Essa fragilidadedos anfíbios pode estar asso-ciada à vulnerabilidade a in-fecções, a mutações e ao de-saparecimento de espécies. •

� Os movimentos da Serra do Espinhaço

Estamos acostumados a ou-vir falar da estabilidade tec-tônica do solo brasileiro – éela que garante a ausência deterremotos. Mas na Serra doEspinhaço, em Minas Gerais,pode estar acontecendo, nes-

erosão. A erosão, por sua vez,provoca uma necessidade deequilíbrio das massas, razãodo soerguimento. “A intensi-dade dos processos erosivosnos leva a crer que a regiãopossui condicionantes natu-rais que os favorecem”, explicaValadão. Esses fatores natu-rais, combinados com açãohumana, podem causar umdesastre de grandes propor-ções. Por isso, Valadão asse-gura que as práticas agráriastradicionais são contra-indi-cadas na região. •

� Os soldados de Napoleão

A descoberta em Vilnius, ca-pital da Lituânia, de cerca de2 mil esqueletos de soldadosfranceses que fizeram parteda Grande Armada de Napo-leão Bonaparte e morreramde fome e frio na famosa emalsucedida campanha daRússia, em 1812, pode jogarluz sobre o estado de saúdedos súditos do imperador – edos europeus em geral – noinício do século 19. Os restosdos militares, encontradospor acaso durante escavaçõesrealizadas em novembro poruma empresa de construção,foram enterrados, às pressas,há quase 200 anos pelos rus-sos, que temiam a eclosão deum surto infeccioso se os ca-dáveres não ganhassem osubsolo rapidamente. Agora,antropólogos e especialistasem medicina legal do CentroNacional de Pesquisa Cientí-fica da França se dedicam aprecisar, a partir dos ossadasresgatadas, quais eram ascondições de saúde dos sol-dados de Napoleão no mo-mento de sua morte. Espe-ram determinar a altura,estado da dentição, carênciasalimentares e eventuais doen-ças desses guerreiros vitima-dos na campanha. •

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PALEONTOLOGIA

do tamanho de uma caneta e seme-lhantes a ratos ou esquilos selvagens –resgatados nos dois últimos anos na re-gião gaúcha de Santa Maria, a cerca de200 quilômetros de Porto Alegre, cen-tro do Estado, os pesquisadores identi-ficaram dois novos cinodontes – quechamaram provisoriamente de Brasili-tério e Brasilodonte – com característi-cas anatômicas para serem os ances-trais mais próximos dos mamíferosprimordiais. “Esses répteis pré-mama-lianos do Brasil podem ser o grupo ir-mão dos mamíferos”, diz o renomadopaleontólogo argentino José Bonapar-te, 73 anos, que descobriu os ossos pe-trificados das duas espécies juntamentecom pesquisadores do Instituto de Geo-ciências da UFRGS, onde é pesquisador

médio com três ossículos condutoresde som e crânio avantajado. Por reuni-rem pioneiramente esses traços ósseose, provavelmente, apresentarem sanguequente, pêlos no corpo e glândulas pro-dutoras de leite para a prole, essesbichos foram os exemplares primor-diais dos futuros mamíferos, entre eleso homem. Talvez nunca se determinecom precisão que espécie de cinodontedeu o último passo em direção aos ma-míferos, mas paleontólogos da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) e do Museu Argentino deCiências Naturais acreditam ter encon-trado importantes peças desse quebra-cabeça filogenético.

A partir da análise de vários frag-mentos fósseis de pequenos répteis –

CIÊNCIA / CAPA

A origem dos

mamíferosMARCOS PIVETTA

ualquer paleontólogo sa-be que os mamíferos des-cendem de alguma for-ma de cinodonte, vastogrupo de animais – ex-

tintos, como os dinossauros – caracte-rizado por ter crânio e dentes seme-lhantes aos dos atuais cachorros. Oscinodontes pertenceram ao grupo dossinápsidos, que serviu de transiçãoentre os répteis e os mamíferos. O quefalta é precisar qual linhagem de cino-donte gerou, há cerca de 210 milhõesde anos (mais ou menos a época emque os dinossauros surgiram), os pri-meiros seres com as características ós-seas que hoje definem um mamífero:quatro tipos de dentes diferenciadosfuncional e anatomicamente, ouvido

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Fósseis de pequenas espécies descobertasno Rio Grande do Sul podem ser os ancestraismais próximos dos maiores animais de hoje

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 29

Rochas do período Triássico,

com fósseis de animais que

viveram há cercade 210 milhões de

anos: irmãos dosmamíferos

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visitante, com bolsa do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq).“Esses animais, re-tirados de rochas do período TriássicoSuperior – com idade geológica estima-da entre 230 e 205 milhões de anosatrás –, não eram mamíferos, mas suaevolução estava claramente orientadanessa direção.” Por isso receberam no-mes que remetem a esse grupo animal.Brasilitério quer dizer “mamífero doBrasil”, enquanto o Brasilodonte temdentes (odon) de mamífero e seus pós-caninos, usados para triturar, formamquatro ângulos retos.

maioria dos fósseis encontra-dos são crânios completosou parciais, com mandíbu-las e dentes preservados.Foram resgatados outros

ossos, mas nenhum esqueleto inteiro.Ainda este mês, pesquisadores daUFRGS e técnicos do museu argenti-no voltariam à região de Santa Mariaem busca de mais fósseis.

O confronto das formas do crânio,mandíbula e dentes desses animais comos do Morganucodon – um dos mamí-feros mais antigos (cerca de 200 mi-lhões de anos) com material fóssil de

boa qualidade e que tinha15 centímetros de com-primento e se parecia comum rato selvagem – tornaos achados gaúchos fortescandidatos a serem os me-lhores representantes dalinhagem de cinodontesque desembocou nos ma-míferos. “Os cinodontesdo Rio Grande do Sul apre-sentam um tipo de denti-ção carnívoro-insetívora,sobretudo na mandíbula,comparável à dos primei-ros mamíferos”, afirma Bo-naparte. Ele acredita queo Brasilitério produziudescendentes que, gera-ções mais tarde, podemter levado tanto ao ma-mífero primordial Morganucodon comoao Brasilodonte, animal com maior nú-mero de características de mamífero. Emoutras palavras, a linhagem do Brasili-tério pode ter sido ancestral tanto de si-nápsidos muito parecidos com mamí-feros quanto dos primeiros mamíferos.

Grupo irmão - Por ora, os fósseis do Bra-silitério não parecem passíveis de aná-

lises tão aprofundadas quanto os doBrasilodonte, e os pesquisadores nãochegam a rotular os minicinodontesgaúchos como pais de todos os mamí-feros. Em vez de enfatizar a noção de li-nhagem paterna e filial, preferem umconceito mais preciso do ponto de vistacientífico: o de grupo irmão. Se suas teo-rias se mostrarem corretas, o Brasilo-donte e o Brasilitério deverão tomar o

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O passado desenterrado

Lagoa dosPatos

Formação Santa Maria

PORTO ALEGRE

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Fonte: UFRGS

Região dos fósseisde pré-mamíferos

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Brasilodonte:acima, mandíbula

esquerda e, ao lado, maxila

esquerda com dentes

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te existentes. Essa origem, ao que pare-ce, está mais provavelmente relacionadaa um mamífero do tipo do Hadrocodium.

Objeto de um artigo de capa da re-vista norte-americana Science em maiodo ano passado, esse bichinho asiático éconsiderado o potencial ancestral co-mum dos três grupos atuais de mamí-feros (um quarto grupo, o dos multitu-berculados, está extinto há 40 milhõesde anos): os monotremados, que bo-tam ovos e são representados pelo orni-torrinco e por duas espécies de equidna,semelhante a um ouriço; os marsupiais,como o gambá, o canguru e o coala,que abrigam e amamentam os filhotesnuma bolsa de pele; e os placentários,mais numerosos, que incluem de roe-dores a elefantes, passando pelos prima-tas, entre os quais o homem. Confron-tar os novos fósseis gaúchos com oHadrocodium, ascendente mais distantede todos os mamíferos vivos até agoralocalizado, é um modo de averiguar seo Brasilitério e o Brasilodonte tambémnão guardariam alguma relação, aindaque remotíssima, com os atuais ani-mais de pêlo e sangue quente.

s descobertas ainda não fo-ram publicadas formalmen-te, o que deverá ocorrerainda este ano. Em abrilde 2001, num encontro

informal com pesquisadores da Amé-rica do Norte no Museu de ZoologiaComparada de Harvard, Bonaparteexpôs alguns dos fósseis e discutiu aspeculiaridades e a importância dasnovas espécies. Ele diz que a recepti-vidade dos colegas foi muito boa. Aproposta de que os minicinodontesgaúchos sejam os mais próximos pa-rentes conhecidos dos mamíferos podeparecer ousada, mas Bonaparte, que há17 anos tem apoio financeiro da ins-tituição norte-americana National Geo-graphic Society para seus trabalhos decampo e pesquisas, tem credenciaispara defendê-la.

Com mais de quatro décadas depesquisa, Bonaparte é um dos maio-res especialistas em dinossauros domundo. Graças a seu trabalho, sobretu-do na Patagônia argentina, mais de 20espécies de dinossauros típicos do he-misfério sul foram descobertos, entreeles o Amargasaurus, o Argentinosaurus(talvez o maior do mundo, com até 12

lugar de duas famílias de pequenos ci-nodontes, os tritylodontídeos e os tri-thelodontídeos (também chamados ic-tidossauros), encontrados em váriaspartes do mundo e que disputam hátempos a primazia de ser o grupo ir-mão mais próximo dos animais de pêloe sangue quente. “Nossos achados po-dem ajudar a entender melhor a ori-gem dos mamíferos e mostrar quais li-nhagens de cinodontes participaramdo processo de transição dos sinápsidosem direção a esse tipo de animal”,comenta o paleontólogo Cesar Schultz,da UFRGS, co-autor dos estudos de Bo-naparte sobre os minissinápsidos pré-mamalianos gaúchos.

Com aparência e dimensões simila-res às do Morganucodon, os novos cino-dontes mediam de 9 a 15 centímetrosda cabeça à ponta da cauda, e o com-primento de seu crânio variava de 18 a22 milímetros. O peso não devia passarde algumas dezenas de gramas. O Bra-silodonte era cerca de 40% maior doque o Brasilitério.“Esses animais prova-velmente comiam insetos e outros bi-chos menores, viviam em buracos e ti-nham hábitos noturnos”, afirma Schultz.As patas deles, que já deveriam ter ocorpo coberto de pêlos, eram fortes o

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 31

bastante para que abrissem tocas naterra, onde se abrigavam de predadorescomo os primeiros dinossauros e ou-tros répteis. Os restos dessa ainda malconhecida minifauna foram retirados derochas em sítios paleontológicos dosmunicípios gaúchos de Faxinal do So-turno e Candelária, pertencentes à For-mação Santa Maria, uma das áreas doEstado com sedimentos do Triássico –agitado período de pouco mais de 40milhões de anos, entre 250 e 205 mi-lhões de anos atrás.

Ancestral chinês - Além de comparar aanatomia dos cinodontes gaúchos como mamífero primordial Morganucodon,o grupo confrontou seus achados coma morfologia do mamífero chinês Ha-drocodium wui, que viveu há 195 mi-lhões de anos e também era similar aum ratinho. Resultado: a dentição su-perior do Brasilodonte e do Brasilitériose parece com a desse fóssil chinês, quemedia ínfimos 2 centímetros de com-primento total. O sentido da compara-ção vem do fato de que, embora animaisdo tipo do Morganucodon sejam consi-derados os primeiros mamíferos, nãose sabe com segurança se seus descen-dentes geraram as linhagens atualmen-

Rocha com dentes doBrasilitério: manchasbrancas à direita

Hadrocodiume seu crânio:o mais antigo

representante dosmamíferos de hoje

Crânio e mandíbulado Brasilitério:segunda espéciedescoberta

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metros de altura), o Saltasaurus e oCarnotaurus. Este último, um carní-voro de 3,5 metros de altura, 7,5metros de comprimento e dois chi-fres, transformou-se até em perso-nagem de desenho animado – no fil-me infantil Dinossauro, lançado em2000 pela Disney.

ais recentemente,sem abandonar osdinossauros, Bo-naparte começoua estudar os an-

cestrais dos mamíferos, que surgi-ram na mesma época desses gran-des répteis e viveram discretamenteà sombra deles por 160 milhões deanos. Na Argentina, encontrou fósseisde pequenos sinápsidos com traços ma-miferóides, que poderiam ser rotula-dos de primos mais distantes do Mor-ganucodon. “Mas esses fósseis eram doTriássico Inferior e Médio, entre 250 e230 milhões de anos atrás”, pondera.Sua esperança de encontrar cinodon-tes avançados, que fossem o elo entrerépteis e mamíferos, deslocou-se entãopara o Sul do Brasil, mais especifica-mente para as rochas gaúchas do Triás-sico Superior.

Em meados de 1997, Bonaparte veiotrabalhar no Museu de Ciências Natu-

rais da Fundação Zoobotânica do RioGrande do Sul, em Porto Alegre, conhe-cida pelas pesquisas na área paleonto-lógica. Um ano depois, ao lado de doispesquisadores da fundação, Jorge Feri-golo e Ana Maria Ribeiro, resgatou nu-merosos fragmentos fósseis de um novocinodonte avançado, o Riograndia guai-bensis, em afloramentos rochosos deCandelária, e descreveu o animal numartigo publicado em 2001 na revistabritânica Palaeontology.

Possível ancestral do Brasilitério edo Brasilodonte, o Riograndia não po-deria ter descendentes mamíferos.“Seus

dentes são diferentes”, diz a paleontó-loga Marina Bento Soares, da UFRGS.No entanto, a localização de muitosrestos petrificados dessa espécie con-firmou os indícios de que valia a penaexplorar o solo de Candelária e arre-dores. “O potencial fossilífero da re-gião é muito grande”, comenta AnaMaria Ribeiro, que continua a estudaros pré-mamíferos do Triássico gaúchoparalelamente ao trabalho de Bona-parte, hoje baseado na UFRGS. In-crustados e por vezes achatados emmeio aos sedimentos rochosos aver-melhados da Formação Santa Maria,

32 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

O tecodino de Santa MariaA região de Santa Maria, no centro

do Rio Grande do Sul, não forneceapenas fósseis interessantes de minici-nodontes que podem ajudar a explicara origem dos mamíferos. De lá, já saí-ram outros vestígios ósseos de animaisextintos do período Triássico, que ha-bitaram a Terra entre 250 e 205 milhõesde anos atrás. Um famoso fóssil retira-do de rochas da região, por exemplo, é oStaurikosaurus pricei, um dos mais anti-gos dinossauros resgatados no mundo,cujo esqueleto, descoberto em 1937, estáexposto no Museu de Zoologia Compa-rada de Harvard, Estados Unidos.

Mais recentemente, paleontólogosde uma instituição estadual – o Museude Ciências Naturais da Fundação Zoo-botânica do Rio Grande do Sul – ,que em1998 já haviam participado da desco-berta dos primeiros minicinodontespré-mamalianos nos arredores de San-ta Maria, fizeram outro achado instigan-te: encontraram rico material fóssil deum misterioso bicho, chamado porora, informalmente, de tecodino.

O que seria essa criatura? O paleon-tólogo Jorge Ferigolo, da fundação, ain-da não sabe precisar se os ossos petrifi-cados resgatados no município de Dona

Francisca – um esqueleto completo,dois crânios inteiros, dois crânios par-cialmente preservados e quatro colunasvertebrais quase intactas, além de par-tes do esqueleto do que parece ser umexemplar juvenil do enigmático animal– pertenceram a tecodontes, ancestraisdos dinossauros, ou a dinossauros mes-mo. Ou, talvez, a um animal de transi-ção entre esses dois tipos de répteis,hipótese que inspirou o nome provisó-rio de tecodino. “Ainda temos de pre-parar a maioria dos fósseis – limpar eseparar os ossos petrificados incrusta-dos na rocha – e estudá-los com cui-dado”, afirma Ferigolo.

Embora pouco material tenha sidopreparado até agora, os fragmentos fós-

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ANSchultz (à esq.) e Bonaparte

(de gravata) com paleontólogos daUFRGS: terreno fértil

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os vestígios ósseos desses di-minutos répteis pré-mamalia-nos são de difícil localizaçãopara olhos não treinados.

Lugar privilegiado - A pistado osso petrificado geral-mente não passa de um pon-to branco – por conter cálcio,que é dessa cor – do tamanhode uma cabeça de fósforo, nasuperfície da rocha. “Estáva-mos acostumados a procurarfósseis de répteis maiores,como dinossauros e mesmocinodontes de maior porte”,conta Cesar Schultz.“Tivemosde aprender a olhar a rocha deuma forma diferente na busca por es-ses pequenos pré-mamíferos.” Por sero único lugar do país com sedimentoscontendo fósseis de vertebrados ter-restres do período Triássico, quandosurgiram tanto os dinossauros comoos mamíferos, o Rio Grande do Sul é umterreno privilegiado para prospecção.

Uma das grandes dificuldades paraestudar animais de épocas de transi-ção é justamente classificar cada fóssilnuma dada categoria – cinodonte oumamífero, dinossauro ou ave. É co-mum achar nada mais do que dentesou fragmentos do crânio, de difícilidentificação. No caso dos répteis pré-mamalianos gaúchos, até queos fósseis encontrados sãorazoavelmente fartos e ricosem detalhes. Ainda que exis-

tam convenções bem aceitas para tra-çar a linha divisória entre as espécies,dificilmente há unanimidade. “As clas-sificações refletem mais ou menos aspreferências de cada autor e são, em al-guma medida, arbitrárias”, diz Schultz.

No Triássico, a terra firme estavaunificada no supercontinente Pangea,cuja centro era um imenso deserto. Ogelo das calotas polares havia derreti-do. Nesse ambiente árido, há cerca de230 ou 220 milhões de anos, surgiramos dinossauros, descendentes de rép-teis do grupo dos tecodontes. Até ofim do Triássico, num movimento derenovação da fauna quase simultâneo

ao aparecimento dos dinos-sauros, viriam os primeirosmamíferos, crocodilos e tar-tarugas, além dos pterossau-ros, répteis voadores tambémextintos. A essa altura, faunae flora eram muito parecidasem todos os lugares, já quehavia um só continente.“Ani-mais semelhantes aos mini-cinodontes do Rio Grande doSul devem ter existido em ou-tras partes do planeta”, comen-ta Bonaparte.

É nesse mundo perdidodo Triássico, há mais de 200milhões de anos, que os pes-quisadores se esforçam para

encontrar o lugar mais adequado doBrasilitério e do Brasilodonte na ár-vore evolutiva. Quão próximos dosprimeiros mamíferos estariam essesrépteis que lembram ratos? Há dois pa-râmetros anatômicos nos ossos queajudam a mostrar a distância de um bi-cho em relação aos mamíferos: a cons-tituição dos dentes e da mandíbula e acomposição óssea do ouvido médio.Mamíferos trocam de dentição uma sóvez na vida e têm quatro tipos de den-tes bem definidos: incisivos para mor-der ou roer, caninos para rasgar e mo-lares e pré-molares para mastigar etriturar. Nos répteis, a substituição dos

dentes é contínua por toda avida e é impossível diferen-ciar molares e pré-molares.“No Brasilodonte e no Brasi-

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 33

riam muito comuns emdinossauros posteriores.

A região de Santa Ma-ria é tão rica em fósseisque o governo do Rio

Grande do Sul, por meio do ProgramaPró-Guaíba, que faz um levantamentodo potencial dessa bacia hidrográfica, jápropôs a criação de um parque paleon-tológico nos arredores da cidade deCandelária.“A área escolhida já está emfase de desapropriação”,diz a paleontólo-ga Ana Maria Ribeiro, da fundação.

menos como ocorre hoje nos crocodi-los, chamadas de osteodermas. Embo-ra fosse de se esperar que apresentas-sem essas placas ósseas, por se situaremevolutivamente próximos dos tecodon-tes, os dinossauros mais antigos, daidade do tecodino, aparentemente nãoas tinham. As osteodermas se torna-

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Trabalho de limpeza de fóssil: cuidado e paciência

seis já limpos do tecodino refor-çam a hipótese de que se trata deuma espécie híbrida, com algu-mas características de tecodontee outras de dinossauro. O miste-rioso animal – que viveu há 235milhões de anos e devia ser umbípede com cerca de 2,5 metrosde comprimento total – revelamuitos caracteres da coluna ver-tebral que são mais ou menos típicosdos dinossauros. Ainda não foi possí-vel determinar, contudo, se sua articu-lação para o fêmur, na bacia, é perfura-da, traço característico dos dinossauros.

O lado tecodonte do bicho se mani-festa nas placas ósseas que parecem terexistido embaixo de sua pele, mais ou

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Placas ósseas da colunavertebral do tecodino:espécie de transição

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litério, a distinção entre molares e pré-molares ainda não é clara e a troca dedentes parece obedecer ao padrão dosrépteis”, comenta Bonaparte. Apesar dis-so, as cúspides (pontas) dos caninos seassemelham às de mamíferos primor-diais, o que reforça a tese de que tinhampotencial para gerar, linhagens à fren-te, alguma forma de mamífero.

O sistema auditivo mostra que es-tavam a caminho, mas ainda não erammamíferos. Isso porque nos mamífe-ros o ouvido médio, uma cavidade in-terna cheia de ar, é composta por trêspequenos ossos interconectados: mar-telo, bigorna e estribo. O ouvido mé-dio dos cinodontes, entre eles o Brasi-litério e o Brasilodonte, não tem essesossículos. Evolutivamente, o martelo, abigorna e o estribo do ouvido médiodos mamíferos se constituíram a par-tir de ossos originalmente situados namandídula e na região da articulaçãodo crânio de répteis ancestrais. Os ma-míferos têm sempre apenas um gran-de osso na mandíbula e três no ouvidomédio. Ao passo que os répteis têm a

mandíbula articulada em cima de vá-rios ossos e o ouvido médio sem mar-telo, bigorna e estribo. Os cinodontesapresentam justamente um padrãotransicional entre esses dois extremos.“Quanto menos ossos possuir a man-díbula de um animal, mais próximoesse bicho está da condição de mamí-fero”, compara Schultz. Os fósseis gaú-chos ainda carregam mais de um ossona mandíbula, denotando seu caráterpré-mamífero.

A descoberta gaúcha dos novos ir-mãos dos animais de sangue quente

também põe em xeque umaidéia comum sobre os bichosque fizeram a ponte entre ci-nodontes e mamíferos: a deque houve uma miniaturiza-ção desse grupo de répteisantes de derivar para os pri-meiros mamíferos. Embasa-do nas evidências dos fósseisgaúchos, Bonaparte discorda:a fauna de cinodontes, mes-mo antes de originar o Mor-ganucodon e outros mamífe-

ros primordiais, já tinha tamanhosvariados, alguns com mais de 1,5 metrode comprimento e outros com poucoscentímetros, caso do Brasilodonte e doBrasilitério. Portanto, não tiveram dediminuir de tamanho para virar ma-míferos. Para ele, aconteceu algo dis-tinto: havia grandes e pequenos cino-dontes, mas só um dos pequenosevoluiu para os mamíferos. “Com osfósseis gaúchos, poderemos conhecermelhor esse processo de transição”, dizBonaparte.“E, em muitos casos, conhe-cer melhor é substituir teorias.” •

34 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

Dinossauros da fronteira

Um novo sítio arqueológico ga-nha fama no Rio Grande do Sul: omunicípio de Santana do Livramen-to, no oeste, fronteira com o Uru-guai. Ali, a 500 quilômetros de PortoAlegre, pesquisadores da Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) e da Universidade do Valedo Rio dos Sinos (Unisinos) encontra-ram em 2001 e em janeiro deste anovários tipos de pegadas de dinossau-ro à beira de uma estrada onde se fa-zia terraplenagem. Pelo formato,pertenceram a duas formas que de-vem ter vivido entre 144 e 137 mi-lhões de anos atrás, no final do Ju-rássico ou início do Cretáceo, quandoos dinossauros dominavam o cenário.

Um tipo de rastro, que chega aformar trilhas, lembra pegadas deelefante, cada uma com 40 centíme-tros de diâmetro, em média. “Essaspegadas devem ser de um saurópo-de, grande herbívoro de pescoço lon-go que podia ter mais de 13 metros

de comprimento”, diz Cesar Schultz,da UFRGS, que estuda os vestígiosrecém-descobertos na fronteira. Ou-tro tipo de pegadas foi feito por patascom três dedos, que podem ter perten-cido a dinossauros carnívoros ou aogrupo herbívoro dos hadrossauros: emqualquer dos casos, pelo tamanho daspegadas, seriam dinossauros bípedescom cerca de 3 metros de altura.

No Uruguai foram encontradosfósseis de peixes e dinossauros na mes-

ma camada rochosa em que agoraafloraram os rastros de répteis dolado brasileiro da divisa. Por isso, ospesquisadores farão viagens explora-tórias à região, na esperança de res-gatar ossos dos autores das pegadas.A camada rochosa que preserva as pe-gadas está abaixo do tipo de rochaque forma o arenito Botucatu, cujo to-po está datado em 134 milhões deanos, já no Cretáceo, portanto, mascuja base pode remontar ainda ao fi-

nal do Jurássico. É possívelque se trate de um blocosedimentar da última eta-pa do Jurássico ou do iní-cio do Cretáceo, períodoque não tinha camadas co-nhecidas no Rio Grandedo Sul.

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Pegada com marcas de trêsdedos: provavelmente umterópode (carnívoro) ou umhadrossauro (herbívoro)

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ma velha suspei-ta agora foi con-firmada: Luzia eas enormes pre-guiças terrícolas,

os “elefantes” sul-americanos,foram contemporâneos e divi-diram o mesmo pedaço de ter-ra. O nome de mulher é umareferência ao fragmento de es-queleto humano mais antigoencontrado na América, o crâ-nio de uma jovem que viveu há11 mil anos, encontrado na re-gião mineira de Lagoa Santa,rica em sítios pré-históricos.

O bicho, versão terrestre eavantajada das atuais preguiçasque moram em árvores, é pos-sivelmente o mais espetaculardos animais extintos que com-punham a megafauna da por-ção sul do continente. A dúvidasobre a coexistência do homemcom esses quadrúpedes pelu-dos – que, dependendo da es-pécie, podiam pesar até 5 to-neladas e atingir 6 metros decomprimento total – se desfezcom a divulgação, em abril, doresultado de um teste de car-bono 14 ao qual foi submetido umfragmento de costela de uma preguiçaterrícola desenterrada nos arredoresde Lagoa Santa, da espécie Catonyxcuvieri, uma das 13 identificadas noBrasil até agora.

“O exame mostrou que a preguiçahabitou aquela área há 9.990 anos”, dizo bioarqueólogo Walter Neves, do Ins-tituto de Biociências da Universidadede São Paulo (IB-USP), que encomen-

dara o exame ao laboratório norte-ame-ricano Beta Analytic. Neves coordenaum projeto temático da FAPESP quepropõe uma nova teoria de ocupaçãoda América.

Mamíferos da ordem dos Xenarthra,que se originou e se desenvolveu naAmérica do Sul e cujos representanteshoje se restringem a três grupos de ani-mais – preguiças arborícolas, tatus etamanduás –, as preguiças terrícolas

surgiram cerca de 50 milhõesde anos atrás. Mas não se sabiaexatamente quando se extingui-ram – se antes ou depois da pre-sença do homem nessa partedo continente.

Com o resultado da data-ção, ficou comprovado, de for-ma inequívoca, que as preguiçasainda andavam pelos cerradosdo Brasil, seu hábitat, há cercade 10 mil anos, portanto, de-pois dos primeiros registros dapresença humana na América.Logo, preguiças gigantes e se-res humanos devem ter tido al-gum grau de convivência porcerto tempo.

A hipótese de que as pre-guiças terrícolas e o homem te-nham estado lado a lado emMinas Gerais foi levantada emmeados do século 19 pelo na-turalista dinamarquês PeterLund, que fez muitas escavaçõesem Lagoa Santa e encontroufósseis desses grandes bichos.

Nas últimas décadas, o pa-leontólogo Cástor Cartelle, daUniversidade Federal de MinasGerais (UFMG), também vi-

nha defendendo essa tese, muito antesde a datação ficar pronta. “Temos os-sos de preguiças com marcas de cortesque devem ter sido feitos por huma-nos”, diz Cartelle. Em breve, devem fi-car prontos novos testes de carbono14, feitos com ossos de outras espéciesde preguiça resgatados do solo minei-ro, aumentando assim as evidênciasdo convívio entre homens e esse por-tentoso bicho. •

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 35

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PALEONTOLOGIA

Os enormes mamíferos sul-americanosforam contemporâneos do mais antigo fóssil humano da América

Luzia com as preguiças

CIÊNCIA

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Preguiça terrícola: ao lado dos humanos há 10 mil anos

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epois do retrato da Ama-zônia apresentado há oi-to meses (Pesquisa FA-PESP nº 67) a EmbrapaMonitoramento por Sa-

télite, centro de pesquisa do governo fe-deral sediado em Campinas, desvenda asmarcas da ocupação humana do Nor-deste: uma nova história da região po-de ser contada a partir do colorido mo-saico que acaba de ser montado com123 imagens de satélite, que cobremnove Estados e mais de 1,3 milhão dequilômetros quadrados. As marcas evi-denciam, de um lado, a atual atividadeeconômica – ligada à irrigação, à ex-pansão agrícola e à modernização damalha viária – e, de outro, sérios pro-blemas ambientais, com riscos de perdado bioma caatinga, de salinização deterras irrigadas, exploração predatóriade manguezais e desmatamento de re-servas e chapadas.

A exemplo do que ocorreu com aAmazônia, os dados do trabalho, coor-denado pelo ecólogo Evaristo Eduardode Miranda, foram agregados em CD-Roms e estão disponíveis também naInternet e em papel fotográfico. Naverdade, já foi feito o levantamento detodo o território nacional, de modoque ainda este ano serão mostrados osmosaicos das regiões Sudeste, Sul eCentro-Oeste, completando um retratoinédito da atual paisagem brasileira.

As imagens servem a estudos com-parativos, sobretudo se juntadas à car-tografia do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE): pode-se

superpor uma imagem de satélite emtransparência sobre mapa temático damesma área.“O Nordeste dispõe de umacartografia bastante rica”, comenta Mi-randa.“O cruzamento de dados com essaimagem precisa permite que problemassejam detectados, contornados e corri-gidos, além de poder apoiar tecnica-mente as decisões”.

O sentido das cores - O mosaico nor-destino revela uma dinâmica muitogrande: urbanização crescente, trans-formações em larga escala no semi-ári-do – devidas sobretudo a projetos de ir-rigação, assentamentos e modernizaçãopecuária –, expansão da ocupação agrí-cola mecanizada nos cerrados e expres-sivo desenvolvimento da infra-estrutu-ra – estradas e redes elétricas, porexemplo –, resultante da transformaçãocomandada pela expansão das cidadese do setor primário. Há também umaconstante: as marcas da destruição deecossistemas, principalmente ao longodo litoral, da Bahia à Paraíba, pela ex-pansão das atividades de hotelaria e deespeculação fundiária. Miranda enfati-za uma utilidade um tanto inesperada:fornecer dados para democratizar o de-bate sobre transposição das águas dorio São Francisco.

Doze pesquisadores trabalharampor um ano e meio no desenvolvimen-to de programas de produção de mo-saicos e na uniformização das cores dasimagens do satélite norte-americanoLandsat 7. Com aproximação de até 30metros, as cores dos nove Estados são

36 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

AMBIENTE

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Cicatrizes da ocupação

traduzidas em dados ambientais. Con-trapostas aos tons verdes e azuis, as to-nalidades rosas e avermelhadas indicamcontrastes ambientais, pois correspon-dem a áreas desmatadas ou solos prepa-rados para plantio. Cultivos em estágioprecoce aparecem nesses tons, em for-mas geométricas regulares. Cidades epovoados também surgem em rosa, li-lás e tons de vermelho.

As salinas típicas do Rio Grande doNorte têm tons azulados fortementecontrastantes com seu entorno. Rios,lagos, represas e açudes vão do azul-escuro ao preto – quando têm águasclaras onde a luz do sol penetra e qua-se não é refletida. Já o tom azul-claropara áreas de água denuncia excessode material em suspensão, como argi-las ou poluentes.

Áreas de aqüicultura para criaçãode camarões ocupam parte das salinas ede seu entorno, em áreas vizinhas a man-guezais. É possível identificá-las pelaregularidade geométrica dos tanques,pela presença da água e por sua posiçãopróxima dos mangues.

Os projetos de irrigação para fru-ticultura do médio São Francisco, nopólo Petrolina-Juazeiro, deixam mar-cas verdes na caatinga. Em contrapar-tida, a expansão da pecuária por meiode novas tecnologias de manejo dacaatinga acende um sinal de alerta pa-ra a preservação desse ecossistema.

Caatinga em perigo - O sertão per-nambucano e o oeste baiano têm man-chas preocupantes, referentes à perda deáreas da caatinga – e esse pode ser umdos maiores danos ambientais à região.Na Chapada do Araripe – ilha verde nomeio do sertão semi-árido, na divisa doCeará com Pernambuco, conhecidapela diversidade da flora –, a recente ex-pansão da pecuária provoca desmata-mento intenso com graves implicações:rebaixamento da vegetação, excesso deuso do pasto pelo gado e plantio de ca-pim exótico – o buffel, trazido do Texas,Estados Unidos.

Para o pesquisador, um manejoambientalmente aceitável seria: paracada 10 hectares de caatinga, apenas 1hectare de pasto com capim exótico. Noentanto, o desmatamento tem crescidomuito e, segundo Miranda, os danosvão muitíssimo além disso: “A altera-ção no recobrimento do solo e a inten-

Mapa do Nordeste por satélite retrata devastaçãoda caatinga e litoral

CIÊNCIA

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 37

Ceará, tomada por projetos de irriga-ção e agricultura intensiva. No litoral,expandiu-se nos últimos dez anos aaqüicultura do camarão, hoje uma dasmaiores fontes de renda do Nordeste.

No sul do Ceará, destaca-se em ver-de o oásis do Cariri. As dunas do exten-so litoral, a Serra do Baturité e Orós –maior açude nordestino, alimentadopelo Jaguaribe – dão tons verdes ao cin-za e ao ocre que dominam as imagens.

Estrada da Mula - O Maranhão formaum dos mais belos mosaicos, pela com-binação de cores. Tem a maior área dereservas indígenas do Nordeste e asimagens não apontam problemas rele-vantes de preservação, mas retratamuma diversidade ambiental que vai dosemi-árido da caatinga à exuberanteporção de floresta amazônica a oeste.

“É um Estado que no século 19 vi-veu um desenvolvimento agrícola in-tenso”, acentua Miranda. A terra gravoumarcas dessa atividade: a Estrada da

sificação na ocupação da caatinga alte-ram a dinâmica hídrica: a água dachuva não é interceptada pelas folhas,o solo absorve menos a água – que es-corre mais rápido, provoca enchentese depois o lugar fica mais seco, poisnão armazena tanta água”. Também sealtera o potencial de uso desse bioma. Éa caatinga que normalmente fornecelenha de cozinha, madeira para cons-trução, fibras para artesanato, folhas efrutas (umbu e cajá, por exemplo) paraalimento de animais domésticos e sel-vagens, além de medicamentos tradi-cionais. É também um reservatório deproteína animal, pois sustenta, sobre-tudo na seca, os animais domésticos eos selvagens, caçados pelo sertanejo.“Todo esse delicado e encadeado equi-líbrio tradicional pode se perder”, aler-ta Miranda.

Outra alteração decorre da expansãoda agricultura mecanizada em áreaspioneiras do oeste da Bahia, sul do Piauíe sul do Maranhão: são grandes em-presas que cultivam soja, algodão e mi-lho em larga escala. “Essa atividade, aomesmo tempo que desenvolveu a re-gião e estimulou o surgimento de cen-

tros urbanos, acarretou um dos maisintensos e concentrados processos dedesmatamento recente no país, até agorapouco monitorado”. As extensas plan-tações de caju para exportação da cas-tanha, no Rio Grande do Norte, Piauí eCeará também produziram desmata-mentos significativos.

No sul do Piauí, o desmatamento naSerra da Capivara inclui áreas com 15quilômetros quadrados de extensão.Em Cariris Novos, fronteira com o Ce-ará, onde há nascentes de rios, vê-seuma área desmatada ainda maior, de25 quilômetros quadrados. Na mesmaregião, a expansão da colonização agrí-cola no vale do Gurguéia reduz rapida-mente a vegetação nativa.

Oásis - Na Paraíba, o mosaico evidenciaa urbanização crescente do sertão nasregiões de Souza, Cajazeiras e Pombal.E mostra em que medida o grande pro-jeto de irrigação de São Gonçalo, nocentro do Estado, está comprometidopela salinização da terra.

O mapa do Rio Grande do Norterevela a nova ocupação econômica daChapada do Apodi, na divisa com o

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I Caatinga: destruição da flora desse bioma tira o hábitat dos

animais e o sustento dos sertanejos

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38 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

Mula, caminho pisado por mais de umséculo pelos animais de carga, apareceem forma de uma linha esbranquiçada.Ela cruza o Estado de oeste a leste, até orio Parnaíba, onde a carne-de-sol eraembarcada para outros mercados. Ou-tros destaques maranhenses são a hi-drovia do Tocantins, a ferrovia de Cara-jás (que leva minério de ferro ao portode Itaqui) e um ponto preto que revelaa fumaça emitida do pólo industrial deferro gusa em Açailândia.

Mais diversidade - A Bahia precisou de36 imagens, cada uma com 34 mil qui-lômetros quadrados. O cenário baianotambém é muito diversificado. O oes-te, antes ocupado pelo cerrado, abrigaculturas mecanizadas numa área dequase 30 mil quilômetros quadrados,com largo uso de irrigação por pivôcentral – facilmente notada pelos círcu-los verdes que deixa nas imagens.

Retrato de corpo inteiro:de perto, surgem detalhes de 30 metros

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Na sub-região do Baixo Irecê, noro-este baiano, vê-se a expansão da cultu-ra do feijão nas últimas décadas e, noalém-São Francisco, a consolidação dapequena agricultura de colonização naSerra do Ramalho, às margens do rio.No centro do Estado, nota-se a recente

expansão da cafeicultura em trechos daregião da Chapada Diamantina. E, nosmais de 200 quilômetros do litoral nor-te baiano, aparecem as marcas de umaocupação urbana organizada e crescen-te, ligada ao turismo.

Foi mais difícil compor o mosaicodo Nordeste – em especial o da Bahia –que o da Amazônia, não só pela diver-sidade de paisagens, mas principalmen-te pelas características climáticas: umaépoca do ano é muito chuvosa, outratotalmente seca. E, freqüentemente, aquantidade de nuvens atrapalha a cap-tação de boas imagens no horário emque o Landsat 7 passa sobre a região,por volta das 10 horas da manhã. “Nosemi-árido, o clima é frio à noite e levaà formação, pela manhã, de pequenasnuvens que se dissipam por volta domeio-dia”, diz Carlos Assis Paniago.“Esses pequenos colchões de nuvensestão presentes em alguns pedaços domosaico, porque não conseguimos ima-gens totalmente livres deles.”

Paniago sabe que compor o mosai-co é bem mais do que colar pedaços:“As emendas devem ser corrigidas, por-que as passagens do satélite são diago-nais e cada passagem registra um dia,de modo que as condições de luz va-riam e precisam ser equalizadas”. Alémde fazer emendas perfeitas, ele transfor-mou arquivos eletrônicos – tão grandesque só podem ser lidos em estações detrabalho – em páginas da Internet. Asimagens foram tratadas com progra-mas de domínio público e outros de-senvolvidos na Embrapa.

Popularização - O mosaico nordestinocustou cerca de R$ 1,1 milhão e foiquase todo financiado pelo Ministérioda Agricultura. Os mapas estão dispo-níveis na Internet (www.cnpm.embra-pa.br), em CD-Roms e em mapas im-pressos em papel fotográfico. Os CDscorrespondentes a cada Estado custamR$ 40,00. No endereço da Internet, épossível obter gratuitamente o deta-lhamento técnico, explicações de comoconsultar, bem como as imagens – emdefinição 50% menor que nos CDs, mascom todas as informações levantadas.O formato é auto-explicativo e permiteaproximar as imagens em várias esca-las. A facilidade de uso estimula o aces-so: em um ano e meio, o site foi visitadomais de 800 mil vezes. •

O PROJETO

Expansão da Rede Local da Embrapa Monitoramento por Satélite

MODALIDADEPrograma de infra-estrutura

COORDENADOREVARISTO EDUARDO DE MIRANDA –Embrapa Monitoramento por Satélite

INVESTIMENTOR$ 115.320,00

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Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa05468-901 - São Paulo - SP

Tel.: (11) 3838 4000 - www.fapesp.br

Secretaria da Ciência, Tecnologiae Desenvolvimento Econômico

Um dos melhorespós-doutoramentos

do mundo ficabem aqui pertinho:

em São Paulo.

Programa GENOMA Programas JovensPesquisadores

Programa CEPIDPrograma CEPID

Projetos Temáticos

Programa BIOTA

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Programa GENOMA Programas JovensPesquisadores

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Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande.

A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento, ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitandoestágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercâmbio com centros de pesquisa de outros países produtivo paraa ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. Sãocentenas de projetos, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados agrupos de excelência. Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000.

Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa)Grandes equipes formadas por pesquisadoresde diferentes instituições em buscade resultados científicos, tecnológicose socioeconômicos de grande impacto.

Programa Genoma (60 laboratórios)Projetos com o objetivo de pesquisar genomas,identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária.

Programa CEPID (10 centros de pesquisa)Centros para desenvolver pesquisas inovadorasna fronteira do conhecimento, transferir seus resultados para os setores público e privadoe contribuir para a criação de novas tecnologiase empresas.

Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos)Programa que fomenta a formaçãode novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo.

Programa Biota (25 projetos)Projetos que visam ao levantamento enovos conhecimentos sobre abiodiversidade do Estado de São Pauloe outras regiões do país.

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40 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

uase um ano e meiodepois de concluir oseqüenciamento quedesvendou a identida-de genética da bactéria

Xanthomonas citri, uma praga dos la-ranjais, pesquisadores da rede de labo-ratórios ONSA – formada para o se-qüenciamento de outra inimiga doslaranjais, a Xylella fastidiosa – conse-guem mais duas conquistas. Primeiro,apontam caminhos para o combate àX. citri a partir da análise de apenas100 de seus milhares de genes, o queterá impacto sobre todas as pesquisas

GENÔMICA

Artigo publicadona Nature

compara os genomas

das Xanthomonas citri e campestri

e mostra como evitar o cancro

cítrico, que tornaos laranjais

improdutivos

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Três novas rotas de ataque à praga

CIÊNCIA

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de patógenos agrícolas, já que o estudoda citri foi feito pela comparação comsua prima Xanthomonas campestri. Eesta tem uma característica muito fa-vorável: infecta a Arabidopsis thaliana,planta-modelo para estudos genéticos,cujo genoma foi seqüenciado recente-mente. A outra conquista, depois do se-qüenciamento da citri e juntamente comas sugestões para seu combate, é o se-qüenciamento da campestri.

O conhecimento gerado não bene-ficiará somente a citricultura. Poderáestender-se às principais plantas quealimentam o ser humano, já que o gê-

Laranjeira infectada: a Xanthomonas citri se propaga pela parte externa de frutos e folhas

nero Xanthomonas é constituído por 20espécies que atacam 392 vegetais, entreeles feijão, arroz, mandioca, algodão,milho, cana, trigo e soja.

O seqënciamento comparativo dasduas bactérias, feito por 69 pesquisado-res de 11 dos laboratórios da redeONSA, ganhou as páginas da edição de23 de maio da revista Nature. O reco-nhecimento científico reafirma a lideran-ça nacional na pesquisa de patógenosagrícolas: dos quatro patógenos já se-qüenciados no mundo, três o foram noBrasil. “Com os genomas das duas Xan-thomonas concluídos, temos um mode-

SIMONE BIEHLER MATEOS

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lo perfeito para estudar a relação bac-téria–planta, identificando exatamente osgenes envolvidos nessa interação. Issoservirá de base para entender outraspragas agrícolas”, explica Jesus Apare-cido Ferro, da Faculdade de CiênciasAgrárias e Veterinárias da UniversidadeEstadual Paulista (FCAV-Unesp), emJaboticabal. Ferro divide com AnaCláudia Rasera da Silva, do Instituto deQuímica da Universidade de São Paulo(IQ-USP), a coordenação do projetoGenoma Xanthomonas, den-tro do Programa GenomaFAPESP.

O trabalho desenvolvecom profundidade três rotasde ataque consideradas maispromissoras. Uma partiu dogene PTHA, que se sabia re-lacionado à proliferação a-normal de células que a X.citri provoca. O artigo com-prova que a X. campestri nãotem esse gene, mas identifi-cou nessa bactéria um grandenúmero de enzimas degra-dadoras da parede celular dasplantas (as poligaractorana-ses), o que explica a massivadegradação de tecido que opatógeno causa.

Vários genes são prová-veis codificadores dessas en-zimas e os pesquisadorespreparam um projeto de ge-noma para provar essa rela-ção. Esperam que isso abracaminho para o desenvol-vimento de substâncias quebloqueiem as enzimas, im-prescindíveis para a bactériadigerir a planta.

A segunda rota surgiu dabusca do que determina quecada espécie de Xanthomonassó ataque certas plantas. Achave dessa especialização sãoos genes de avirulência dasbactérias – eles codificam proteínas ca-pazes de acionar o sistema de defesa dealguns vegetais, mas não de outros. Só háinfecção quando os genes de avirulênciade uma bactéria enganam os genes deresistência da planta. É uma interaçãoprecisa, que restringe bem o número dehospedeiros de cada Xanthomonas.

Os genes de avirulência não são ne-cessariamente os mesmos que causam

Na Xanthomonas citri foram identifi-cadas cerca de dez enzimas que resul-tam num antígeno-O específico.

“Queremos estudar mais as enzi-mas e os genes que as sintetizam por-que acreditamos que, se bloquearmossua síntese com alguma substância, aplanta provavelmente passaria a rea-gir contra a bactéria, tornando-se re-sistente”, comenta Ana Cláudia. Essasubstância seria aplicada no pomar epoderia funcionar como uma espécie

de vacina. Embora atuassesobre a bactéria e não sobrea planta diretamente, o tra-tamento tornaria os laran-jais resistentes ao cancropor desmascarar o agressorpara o sistema de defesa.

A terceira via de ataqueenfoca os mecanismos deproliferação da citri. A cam-pestri é sistêmica – espalha-se por dentro e causa o apo-drecimento dos tecidos –,enquanto a citri conquistaáreas na parte externa, naqual se dissemina por açãodo vento. A comparação dosgenomas permitiu identifi-car especificidades metabóli-cas das bactérias relaciona-das às partes da planta ondecada uma vive.

Diferenças - O físico Ronal-do Bento Quaggio desco-briu que a campestri assimi-la nitrogênio de nitratos enitritos do solo e, em quanti-dade menor, da seiva do xile-ma (sistema circulatório daplanta), no qual a bactériavive. Já a citri, que vive no es-paço intercelular, não temessa capacidade: consegue ni-trogênio quebrando proteí-nas em peptídeos, que são ab-sorvidos com a ajuda de um

transportador, o PPA, que joga os peptí-deos para dentro da bactéria. Uma for-ma de combater o cancro cítrico seriaum inibidor que impedisse a bactériade sintetizar esse PPA: a X. citri ficariaincapaz de obter seu alimento e sim-plesmente morreria de inanição.

Tanto a Xanthomonas quanto aArabidopsis, a planta-modelo nos estu-dos nessa área, são de fácil manipula-

a patogenicidade, mas, no caso da X. ci-tri, há uma coincidência. O PTHA, quecausa proliferação celular anormal,também é gene de avirulência. A trans-ferência desse gene para outra espécie deXanthomonas tornou a bactéria incapazde infectar seu hospedeiro habitual, oarroz, porque o PTHA disparou as de-fesas da planta.

Além do PTHA, o estudo identifi-cou, como resultado da ação de genes deavirulência, uma série de proteínas da

superfície da bactéria relacionadas àsíntese do antígeno-O. Acredita-se queesse antígeno engane o sistema de defe-sa. “O gene de resistência fica na super-fície da planta e o antígeno-O, na su-perfície da bactéria, numa interaçãosimilar à que ocorre nos animais entreantígeno e anticorpo”, diz Ana Cláudia.A infecção ocorre se a planta não reco-nhece um antígeno-O como estranho.

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Xanthomonas campestri (ampliação de 3 mil vezes)...

...e X. citri: comparação mostra diferenças metabólicas

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“Com a Xylella”, acrescentaFerro, “tivemos de superar trêsobstáculos, que não existem naXanthomonas: a lentidão de cres-cimento da bactéria, o longotempo que a infecção leva parainstalar-se no hospedeiro e ofato de os métodos de mani-pulação genética convencionaisnão funcionarem com a Xylella”.Já a Xanthomonas, além de cres-cer depressa, tem um hospe-deiro alternativo (Arabidopsis)que também desenvolve rapida-mente a doença e um DNA fa-cilmente manipulável.

Os genomas das duas Xan-thomonas foram confrontadoscom o da Xylella fastidiosa, seuparente mais próximo – estima-se que os gêneros Xanthomonase Xylella tenham se separado

evolutivamente há 160 milhões de anos.A comparação mostrou que os cerca de200 genes da X. campestris que não seencontram na X. citri são a porção deseu genoma mais semelhante ao daXylella: poderiam estar relacionados àespecificidade do hospedeiro, já queambas atacam cítricos.

O estudo evidencia a importânciada genômica comparativa. O plano ini-cial não era seqüenciar toda a campestri,de importância econômica bem menorque a citri. “Mas logo percebemos que,apesar de muito parecidos, os dois ge-nomas tinham grandes pedaços deDNA circular encaixados em locais di-ferentes, o que tornava a comparaçãoimpossível sem seqüenciar tudo”, contaAna Cláudia. O trabalho cresceu e fezda Xanthomonas o primeiro projetobrasileiro de genoma a exceder o prazo.

Olhar ampliado - Foram seqüenciadosos 4.322 genes da X. citri, com seus 5,1milhões de nucleotídeos, e os 4.079 ge-nes da X. campestri. Na citri, os pesqui-sadores acreditam conhecer a funçãode 2.700 genes, dos quais uns 300 sãopossíveis alvos para o desenvolvimentode formas de combate à bactéria e 100– entre eles os genes relacionados àadesão e à citotoxicidade das duas bac-térias – já foram explorados na Nature.O próximo passo é confrontar os genesda citri com os da Xanthomonas quetambém provocam cancro, mas emoutras espécies vegetais. •

O PROJETO

Genoma Xanthomonas

MODALIDADEProjeto do Programa Genoma FAPESP

COORDENADORESJESUS APARECIDO FERRO – Unesp de Jaboticabal; e FERNANDO

DE CASTRO REINACH e ANA CLÁUDIA

RASERA DA SILVA – USP

INVESTIMENTOUS$ 2.210.328,17

Lesões do cancro nos galhos: gene de bactéria engana o sistema de defesa da planta

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ção genética. Segundo os pesquisado-res, é simples inibir ou inserir genes noDNA (ácido desoxirribonucléico, por-tador do código genético presente emcada célula) desses organismos paracomprovar a função de cada gene.

A pesquisa centrou-se na compa-ração do genoma da X. citri com o daX. campestri pela combinação de doisfatores contraditórios: a proximidadegenética das duas bactérias e o fato deterem hábitos bem distintos. Enquantoa citri se propaga pela parte externa, cau-sando um tipo de cancro (câncer) emfolhas e frutos, a campestri provoca achamada podridão negra das crucíferas,algo como uma lepra, que se instala ealastra pelo sistema circulatório de cou-ves, repolhos, Arabidopsis e similares.

O raciocínio que inspirou a compa-ração foi simples: se duas bactérias tãopróximas geneticamente têm mecanis-mos de proliferação e efeitos tão diver-sos, bastaria buscar as diferenças deseus DNAs para encontrar os genes res-ponsáveis pela proliferação e patoge-nicidade de cada uma. A comparaçãoprometia ser esclarecedora, e foi.

Em cada Xanthomona foram iden-tificados os genes vitais que as capaci-tam a digerir os respectivos hospe-deiros. O trabalho sugere, como formaeficaz de combater as pragas, desenvolveruma substância que iniba esses genes,matando as bactérias por inanição. Aequipe acredita ainda ter descoberto osgenes bacterianos responsáveis por ludi-

briar o sistema de defesa das plantas.Inibi-los poderia tornar as plantas re-sistentes à doença.

Outro caminho, ainda pouco ex-plorado, liga-se à quantidade inusitadade genes de quimiotaxia achados naXanthomonas. São genes que determi-nam a atração por certas substânciasquímicas – no caso, a serina, aminoáci-do abundante nas folhas durante a fo-tossíntese. “Esses genes podem estar re-lacionados à capacidade de a bactériapenetrar na planta”, diz Ana Cláudia.“Se essa hipótese for comprovada, po-demos investigar a melhor forma deinibir esses genes.” O estudo abre pers-pectivas para vários projetos de genomaque, segundo Ferro, prometem evoluirmuito mais rápido que os da Xylella,primeiro ser vivo seqüenciado no Bra-sil, causadora da praga do amarelinho.

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EPIDEMIOLOGIA

As bactériasda vida moderna

CIÊNCIA

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O padrão de infestação pela Escherichia coliestá mudando no Brasil e traz sérios riscos à saúde pública

uiz Rachid Trabulsi, res-ponsável pelo LaboratórioEspecial de Microbiologiado Instituto Butantan deSão Paulo, é um persegui-

dor implacável da bactéria Escherichiacoli, causadora da diarréia infantil. Coma autoridade de quem tem mais de 40anos dedicados ao estudo desse micror-ganismo, ele alerta: formas novas e pe-rigosas que se manifestaram primeiroem países desenvolvidos estão sendo ca-da vez mais identificadas no Brasil. Sãobactérias do tipo chamado emergente,associado à vida moderna: costumamestar presentes em alimentos indus-trializados e carnes mal cozidas. Tra-bulsi, que continua a estudar o assun-to em projeto financiado pela FAPESP,não descarta a hipótese de epidemiascausada por essas bactérias no Brasil e

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Colônia de Escherichia coli: o avanço de

linhagens perigosas

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44 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

revela que novas linhagens podemprovocar doenças mortais, se não tra-tadas adequadamente. “Quando algu-mas Escherichia se tornam menos fre-qüentes, outras aparecem e ocupam oespaço. É preciso que o sistema públi-co de saúde dê conta dessa nova situa-ção”, destaca o pesquisador.

ma das maiores dificul-dades para o combate àEscherichia coli é o fatode ser muito diversifica-da.Alguns tipos já foram

estudados com profundidade, en-quanto outros – justamente os “emer-gentes” – apenas começam a ser com-preendidos. Há linhagens que vivemem simbiose no intestino dos se-res vivos, onde são inclusive sin-tetizadoras das vitaminas K e B.Contudo, quando saem desse há-bitat natural e atingem outros ór-gãos, podem causar sérios danos,entre eles infecção urinária, me-ningite infantil e até infecção ge-neralizada (septicemia).

As patogênicas - Outras linha-gens não vivem nos intestinos e,quando ali chegam, provocamdiarréias e infecções. Entre essaslinhagens patogênicas, há trêsgrupos mais comuns e importan-tes. O primeiro é o das enteropa-togênicas, conhecidas pela siglaEpec e responsáveis pela diarréiainfantil. Em maio, numa publicaçãoespecializada em novas doenças infec-ciosas – Emerging Infectious Diseases,do Center for Disease Control (CDC,centro de controle e prevenção de do-enças, dos Estados Unidos) –, Trabulsipublicou um artigo sobre as bactériasEpec típicas e atípicas, ressaltando ascaracterísticas que as distinguem –como o antígeno, as características ge-néticas e os mecanismos relacionadosà virulência.

As enterotoxigênicas, do grupo Etec,são as que provocam a chamada diar-réia do viajante, resultado do consu-mo de alimentos que não fazem parteda dieta habitual do paciente. O tercei-ro grupo é o Stec (Escherichia coli pro-dutora de toxina de Shiga), formadopor bactérias que causam colites he-morrágicas (diarréias com sangue) e,em situações extremas, a síndrome he-

início dos anos 90 – e, desde então, vá-rios estudos foram publicados sobre oassunto.

A edição do mês passado do Emer-ging Infectious Diseases trouxe tambéma descrição do primeiro caso registra-do no Brasil de Escherichia coli produ-tora da toxina Shiga, associada à sín-drome hemolítica urêmica. O texto éassinado por Beatriz Ernestina CabilioGuth, do Departamento de Microbio-logia da Universidade Federal de SãoPaulo (Unifesp), que relata o caso deum bebê de oito meses que apresenta-va anemia, micção escassa (diminuiçãono volume da urina) e um quadro pré-vio de diarréia. Foi atendido em marçode 2001 no Hospital São Paulo, da Uni-

fesp, e a síndrome diagnosticada– os exames laboratoriais apon-taram claramente a presença dacoli produtora da toxina Shiga. Obebê foi tratado e recuperou-se.

Mas, segundo Beatriz, não éfácil esclarecer esses casos. A in-suficiência renal, quando apare-ce, já é uma conseqüência daação da toxina Shiga, e, na maio-ria das vezes, não se consegue iso-lar a Escherichia para fazer o dia-gnóstico. O uso de antibióticostambém pode mascarar a situa-ção. “A descoberta da síndromeno bebê é um alerta importantee reforça os achados de que essasbactérias andam por aqui e po-dem estar associadas aos casos

mais graves”, ressalta a pesquisadora.Outro artigo da edição de abril da

mesma revista – resultado de um tra-balho feito em parceria pelo grupo daUnifesp e a equipe do Instituto Adol-fo Lutz – já citava a identificação, noestado de São Paulo, de três casos pio-neiros de diarréia causados por Ehecdo mesmo tipo que em 1982 provo-cou a epidemia de Pitsburgh. As trêsprimeiras situações de diarréia pro-vocada por Stec haviam sido relatadasno início dos anos 90 pelo grupo doButantan, em conjunto com a equipeda Unifesp.

Típicas e atípicas - Aos 74 anos e jáaposentado duas vezes – em 1988 pelaEscola Paulista de Medicina (hojeUnifesp) e em 1998 pela Universidadede São Paulo (USP), na qualidade deprofessor emérito –, Trabulsi continua

Epec aderida à parede intestinal: diarréias

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molítica urêmica. Essa síndrome, ca-racterizada por anemia, insuficiênciarenal aguda e diminuição do número deplaquetas, afeta principalmente crian-ças e idosos e, se não for bem tratada,pode levar à morte. No grupo Stec es-tá o subgrupo Ehec, das bactérias ente-ro-hemorrágicas, que agem da mesmamaneira, mas estão em geral associa-das às situações mais graves.

Primeiro caso - Trabulsi ressalta umachave para que se entenda a questão:no caso da Epec típica – o primeirotipo a ser identificado, ainda na déca-da de 1940 –, o único reservatóriopossível é o próprio homem. Em todasas outras linhagens citadas, caracteri-

zadas mais recentemente, tanto os se-res humanos como os animais podemservir de reservatório. E é justamentepor isso que estão associadas a hábitosda modernidade, entre eles o do fastfood. “A constituição genética das bac-térias é que determina, em grande parte,os reservatórios que elas poderão atin-gir”, explica.

O novo cenário que envolve asEcherichia coli é conhecido de euro-peus e norte-americanos desde o finalda década de 70. A primeira epidemiaprovocada pelas Ehec aconteceu em1982 na cidade de Pitsburgh, EstadosUnidos, causada pelo consumo dehambúrgueres contaminados. Depois,outros surtos atingiram Finlândia,Alemanha, Inglaterra, Escócia, Cana-dá e Japão. O surgimento das novaslinhagens começou a chamar a aten-ção dos pesquisadores brasileiros no

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 45

maior a possibilidadede sermos surpreendi-dos por uma Echerichiaemergente.

O grande rebanhobovino e a importaçãode carnes são outros fa-tores que favorecem adisseminação dessas bac-térias no Brasil. Podeser até que já tenhamosvivido uma epidemia,sem saber. “O problemaé que nossas autoridadessanitárias não se preo-cupam em identificar osagentes causadores dasdiarréias”, destaca Trabul-si, em cuja homenagem,aliás, pesquisadores doCDC norte-americanoderam o nome de Tra-

bulsiella guamensis a uma bactéria cau-sadora de infecção hospitalar.

Para Trabulsi, o combate às bacté-rias emergentes deve envolver umapostura mais ativa das autoridades sa-nitárias e ações individuais mais respon-sáveis em relação à origem, higiene ecozimento dos alimentos. Também sedeveriam criar condições para os labo-ratórios analisarem mais rapidamenteas amostras de fezes dos pacientes. Umaalternativa são as vacinas, algumas jáem fase de testes, que permitiriam cor-tar o mal pela raiz.

Para acelerar as descobertas, oButantan mantém parcerias com ins-tituições do exterior como InstitutoPasteur de Paris (França), Imperial Col-lege of Science de Londres e Instituteof Child Health de Birmingham (In-glaterra), Institute for Vacine Deve-lopment de Baltimore (Estados Unidos)e Robert Koch-Institute (Alemanha).No Brasil, as relações mais estreitas sãocom a Unifesp e o Adolfo Lutz, alémdo Instituto de Microbiologia do Riode Janeiro.

A partir de setembro, Trabulsi pre-tende concentrar-se na atualização deseus livros Microbiologia (3ª edição,1996, Editora Ateneu, Rio de Janeiro)e Microbiologia das Infecções Intestinais(1982, Ateneu).“Quero deixar uma con-tribuição revista e moderna sobre a E.coli”, diz. “Mesmo depois de 40 anospesquisando, não me canso desses bi-chinhos”. •

O PROJETO

Caracterização de Fatores de Virulência e Mecanismos de Patogenicidade de Alguns Sorotipos Especiais de EPEC e EAEC

MODALIDADELinha regular de auxílio a pesquisa

COORDENADORLUIZ RACHID TRABULSI – InstitutoButantan

INVESTIMENTOR$ 144.200 e US$ 17.578

Trabulsi, 40 anos de pesquisa com E. coli: alerta sobre a origem, higiene e cozimento dos alimentos

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na ativa, como prova o artigo de maiono Emerging, em que caracteriza asbactérias Epec típicas e atípicas.

A primeira grande distinção quefaz diz respeito ao reservatório que po-de abrigá-las: só o homem no caso dastípicas e também os animais para asatípicas. E os dois tipos são formadospor sorotipos ou antígenos diferentes.As típicas têm plasmídeos (elementosgenéticos extracromossômicos) quelhes permitem aderir em bloco à pare-de do intestino.

potencial de virulên-cia das bactérias estáassociado ao plasmí-deo. As atípicas, emque o plasmídeo não

se manifesta, atacam o intestino dis-persamente e produzem toxinas. Ge-neticamente, as atípicas estão maispróximas dos grupos Ehec e Stec quedas típicas do próprio grupo, o Epec.Por fim, sabe-se que as duas linhagensproduzem tipos variados da proteínaintimina – mas as conseqüências dissoainda precisam ser estudadas. Tam-bém não se sabe ao certo qual das duaslinhagens pode causar mais danos àsaúde humana.

No Brasil, as bactérias Epec típicasdominaram a cena até o final da déca-da de 80, quando respondiam por cer-ca de 30% dos casos de diarréia infan-til registrados no país. Hoje, segundoo pesquisador, esse índice caíu para

1% a 2%. Em compensação, as diarréi-as em crianças brasileiras causadas porEpecs atípicas chegam a 7% do total.“Existe uma clara tendência de inver-são no comportamento das bactérias”,assegura Trabulsi.

Condições ideais - O pesquisador bus-cou as causas da consolidação dessenovo cenário de infestação e concluiu:a sociedade moderna conseguiu, emgrande parte, superar os problemasde higiene e de saneamento básico quefavoreciam a transmissão das antigasbactérias Epec. Contudo, foram cria-das condições ideais para que novaslinhagens se desenvolvessem: quantomaior o consumo de alimentos in-dustrializados e carnes mal cozidas,O

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ma equipe da Universi-dade Federal de SantaCatarina (UFSC), emFlorianópolis, caminhapara resolver um dos

problemas do falso diagnóstico da do-ença de Chagas: a confusão a respeitodo real agente causador do problema.Ainda hoje, um protozoário inofensivo,o Trypanosoma rangeli, pode ser facil-mente confundido com o verdadeiroagente do mal de Chagas, o Trypanoso-ma cruzi, por ser transmitido pelos mes-

mos insetos e gerar uma resposta seme-lhante pelo organismo infectado.

O falso diagnóstico, originado tam-bém pelo uso de reagentes ou técnicasnão padronizadas, gera tratamentos des-necessários e amplia os gastos com esseproblema de saúde pública: calcula-seque os custos de cada 100 mil infecta-dos, incluídos o tratamento médico eas ausências no trabalho, ultrapassemUS$ 50 milhões por ano. Há no Brasilde 8 a 9 milhões de infectados, maspelas técnicas de exame em uso não

se consegue distinguir quantos teriamsido contaminados pelo T. cruzi e quan-tos pelo T. rangeli – portanto, quemteria ou não a chance de desenvolvera doença.

O equívoco pode se desfazer a par-tir do tripanossoma fluorescente, quepoderá levar a diagnósticos inequívo-cos. O grupo de pesquisadores coorde-nado por Edmundo Grisard e MárioSteindel implantou o gene da proteínaverde fluorescente ou GFP (do inglêsGreen Fluorescent Protein) de uma

CIÊNCIA

MEDICINA

Catarinensesavançam comtripanossoma fluorescentena luta para reduzir falsos diagnósticos da doença de Chagas

Identidades reveladas

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no organismo são idênticas àsdesencadeadaspelo inofensivoT. rangeli

Trypanosoma rangeli apósimplantação da proteína GFP:ciclo de vidadesvendado

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água-viva, a Aequorea victoria, em umT. rangeli. Quando produzida por ou-tros organismos, a proteína provocauma fluorescência verde intensa e es-tável. Depois, por meio de um micros-cópio de fluorescência, os pesquisado-res rastreiam o percurso do parasitanos organismos em que se aloja e, pou-co a pouco, estabelecem as diferençascom o T. cruzi.

No início de março, o caminho mos-trou-se acertado, ao revelar um detalhedesconhecido do ciclo do parasita noprincipal inseto transmissor, o barbeiro(Triatoma infestans, Panstrongylus spp.ou Rhodnius spp.). A equipe catarinen-se observou que uma forma de repro-dução do T. rangeli sem flagelo (exten-são da membrana celular quefacilita a locomoção) aparente,chamada de amastigota, no in-terior de células dos barbeiros,na verdade são formas flagela-das. Os resultados contrastamcom os obtidos por microsco-pia convencional, que indicavaformas não flageladas nessefase do parasita. Nos barbeiros,o T. cruzi não passa por estágiossemelhantes.

A proteína verde foi im-plantada no genoma do T. ran-geli por meio de uma técnicachamada transfecção, que co-meça a ser usada mais intensa-mente no Brasil no estudo demicrorganismos nucleado, co-mo os protozoários. Na UFSC,essa técnica também serviu para im-plantar, desta vez um T. cruzi, o gene daenzima beta-galactosidase, que produzuma coloração amarelada, azulada ouavermelhada, de acordo com a técnicade detecção empregada.

Esse artifício é usado nos testes decompostos naturais contra Chagas pes-quisados na própria universidade: so-mente os parasitas vivos produzem aenzima, que indica rapidamente se ocandidado a medicamento é ou nãoeficaz. Dos cerca de 150 compostos tes-tados desde o ano passado, apenas doisapresentaram efeito contra tripanosso-mas em células de laboratório. Ambosforam extraídas de arbustos, um do gê-nero Polygala (família Poligalaceae) eoutro do gênero Trichilia (Meliaceae), eencontram-se em fase final de caracte-rização química.

A doença de Chagas, que na formagrave ou crônica causa a destruiçãoprogressiva dos tecidos cardíacos ou di-gestivos, atinge cerca de 18 milhões depessoas nas Américas – metade delasestão no Brasil. “Seriam todos eles real-mente chagásicos ou podemos ter umnúmero expressivo de pessoas infecta-das pelo T. rangeli?”, questiona Grisard.Segundo ele, a infecção pelo T. rangeliafeta, de modo ainda não dimensiona-do, o grupo dos portadores assintomá-ticos da doença de Chagas (60% do to-tal), em especial os que moram nasregiões Norte e Nordeste, áreas de ocor-rência de barbeiros que podem trans-mitir o T. rangeli ao homem. A evo-lução da doença facilita a confusão.

cruzada, que ocorre porque as atuaistécnicas rotineiras de exame de sanguenão diferenciam os dois parasitas. Umdos meios de distinguir as duas espé-cies é observar a forma com que elas seapresentam no sangue dos indivíduosinfectados, a chamada tripomastigotasangüínea: o T. rangeli é maior e maislongo e tem uma organela chamada ci-netoplasto menos volumosa que o T.cruzi. Só que essa forma é muito rara.

O grupo da UFSC concilia a buscade uma metodologia que evite falsosdiagnósticos ao estudo acurado da bio-logia e da epidemiologia do T. rangeli,do qual mal se conhece o ciclo de vida ea distribuição geográfica precisa – des-crito em 1920 na Venezuela, foi coloca-

do de lado até as pesquisas evi-denciarem a superposição como T. cruzi.

O mar da ciência - A essas linhasde pesquisa se soma o trabalhocom marcadores moleculares,técnicas como a reação em ca-deia de polimerase (PCR), se-qüenciamento de ácidos nucléi-cos (DNA e RNA, que definemas características genéticas dosorganismos) e análise de enzi-mas, com os quais se buscam al-vos específicos – uma enzima,proteína, gene, qualquer coisa,enfim, que seja exclusiva desseparasita e permita sua detecçãoinequívoca.

O objetivo é chegar, o maiscedo possível, a algo simples como umkit de teste de malária: uma fitinha que,colocada no soro sangüíneo, assumeuma cor característica se o resultadofor positivo. É o recurso com que certa-mente sonhou o médico mineiro Car-los Ribeiro Justiniano Chagas (1878-1934), que em 1909 caracterizou adoença e participou de uma série de ex-pedições científicas pelo interior do país.“Identificado o alvo, a elaboração de umkit diagnóstico torna-se uma realidadefactível”, assegura Grisard, catarinenseacostumado a checar as próprias rotas.É velejador desde os seis anos (hojetem 36) e nos raros espaços de folga as-sume o leme de veleiros oceânicos, de 8a 30 metros de comprimento. Foi umdos representantes do Brasil na Olim-píada de 1984 em Los Angeles, nos Es-tados Unidos. •

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Carlos Chagas no Rio Negro em 1913: pioneirismo

Depois da fase inicial ou aguda, quan-do o diagnóstico é mais fácil, a infecçãopelo T. cruzi passa para uma fase crôni-ca, na qual é muito difícil encontrar oparasita. Nessa fase, a chamada formaindeterminada da doença, a pessoa po-de ficar sem sintomas. Podem correr decinco a 30 anos sem que o portador doparasita apresente uma das formas ca-racterísticas da doença, que ainda nãoconta com um tratamento eficaz.

Quem está infectado pelo T. rangelipode ficar esse tempo todo julgando-seatingido por uma doença que na verda-de não tem ou tomar medicamentoscontra um parasita que, embora sejainofensivo para seres humanos, desen-cadeia uma resposta do sistema imuno-lógico considerada idêntica pelos méto-dos tradicionais à desencadeada contrao T. cruzi. É a chamada reação sorológica

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exta-feira, 27 de abril de 2002, fazendaPanorama, Campinas. Na sala de parto,todos a postos e grande expectativa. Esta-va em curso algo mais que uma cesaria-na: tratava-se de trazer ao mundo a pri-

meira bezerra clonada a partir de uma célulaadulta de vaca nelore. Responsável pelo projeto, aequipe de José Antônio Visintin, da Faculdade deMedicina Veterinária e Zootecnia da Universidadede São Paulo (USP), aguardava impaciente. Final-mente nasceu: só que, em vez da esperada bezerra,era Marcolino, um forte e saudável macho.

Estavam todos eufóricos com o sucesso e atôni-tos pela surpresa. “É impossível gerar um clonemacho a partir de uma célula adulta de fêmea, poiso sexo já está definido na célula somática”, esclareceVisintin, que coordena duas pesquisas de clona-gem bovina: uma de célula adulta e outra de célu-la de feto. A equipe trabalhou duro por dois anos,revezando-se 24 horas por dia para checar célulase fases do processo de clonagem a cada duas horas.

Com esse empenho e os dados controlados, Vi-sintin descobriu logo a razão de tudo: “Chequei to-dos os procedimentos usados nesses dois anos edescobri que, no dia 20 de junho, foram congela-dos dois grupos de células: um de células adultasde fêmea e outro de células de feto. Apesar de todosos cuidados, provavelmente alguém mais afetadopela rotina estafante do processo embalou célulasde feto achando que fossem células de adulto.” Sãoossos do ofício, a ciência exibindo sua realidade.Como a equipe faz fecundação in vitro há seisanos, sem problemas anteriores, só podia ter havi-do uma troca acidental. Mas era preciso comprovar.

Descartada a possibilidade de a vaca ter sido co-berta por um touro, fez-se exame de DNA em

Graças a um equívoco,nasce o primeiro clone brasileiro de célula somática de feto

CIÊNCIA

O boi inesperado

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ZOOTECNIA

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Marcolino, o clone:desenvolvido por engano,antecipou objetivo de grupo da USP

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amostras da nelore doadora, da vacareceptora, do recém-nascido, da cultu-ra de células da doadora e da cultura decélulas de feto. Com o suporte da equi-pe de José Fernando Garcia, da Univer-sidade Estadual Paulista (Unesp) emAraçatuba, integrante do Projeto Ge-noma, e os exames feitos pelo labora-tório LinkGen, o mapeamento genéticoconfirmou: Marcolino é um clone pro-vindo de célula de feto, o que compro-va a troca involuntária.

Antecipação - “Nossa idéia era desen-volver primeiro o clone de célula adul-ta: teríamos até o final de 2002 parafazer isso. Só depois partiríamos para aclonagem da célula somática do feto”,revela Visintin. Assim, o engano inver-teu as pesquisas e antecipou objetivos.“O mais importante”, acentua o pesqui-sador, “é que fizemos o primeiro clonede célula somática no Brasil e prova-mos que temos tecnologia para pro-duzi-lo. Um resultado diferente do al-cançado pela Embrapa de Brasília, queproduziu uma fêmea clonada de célulaembrionária.”

Para ele, o objetivo da clonagem éreproduzir animais em extinção ou dealta produção, além de multiplicar ani-mais transgênicos mais facilmente.Pode-se, por exemplo, reproduzir vacasleiteiras mais produtivas e transgênicosque produzam altas quantidades decomponentes de interesse farmacológi-co – caso dos fatores 8 e 9 de coagula-ção, muito importantes no tratamentode hemofílicos, e que podem ser pro-duzidos no leite. “Dado que a vaca nãotem Aids, esses fatores poderiam ser re-tirados e fornecidos ao homem sem osriscos das transfusões de sangue.”

O processo - O primeiro passo da equi-pe foi colher e cultivar células da orelhade uma vaca nelore adulta. Paralela-mente, foi feita a cultura de células defetos sem raça definida, com 45 a 60dias de gestação e de 20 a 30 centíme-tros de comprimento, recolhidos emmatadouros logo depois da retirada dasvísceras de vacas abatidas. Os fetos fo-ram postos em solução e recipientepróprios para a conservação das célulase levados ao laboratório da Faculdadede Veterinária, no máximo até 3 horasdepois da morte da vaca. Depois delimpos e picotados, foram colocados

em meio de cultura. Os fibroblastos ob-tidos nas duas culturas foram congela-dos em separado.

Paralelamente, ovários de vacas aba-tidas foram recolhidos no matadouroe seus oócitos (óvulos), aspirados em la-boratório. Dos já amadurecidos, foramretirados os núcleos, obtendo-se célulasenucleadas (sem DNA nuclear). Um fi-broblasto de cultura, privado de sorofetal bovino por dois dias, em estágio Gzero (início de desenvolvimento da cé-lula), foi em seguida inserido no óvuloenucleado. Foi dado um estímulo elé-trico, o que desencadeou uma reprogra-mação celular do citoplasma: as célulascomeçaram a se dividir. Transcorridosde sete a oito dias de cultura, atingiu-seo estágio de blastocisto, com início deformação das células da placenta e dobotão embrionário. Então, o futuro clo-ne foi transferido para o útero da vacade aluguel, dando seqüência à gesta-ção de nove meses.

correm perdas em todasas fases desse processo. Decada 100 oócitos recolhi-dos, por exemplo, só cer-ca de 80% maturam. Na

retirada do núcleo, há uma nova perdade cerca de 50%, restando cerca de 40óocitos enucleados. Depois da inserçãodo fibroblasto e do choque elétrico, sómetade dos oócitos se funde, o que per-mite a cultura de 20 deles. Destes, final-mente, apenas uns cinco se desenvol-

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 49

vem e atingem a fase de blastocisto paraimplantação nas vacas. Depois de ini-ciada a gestação, também há perdas. Osperíodos mais críticos – com grandeincidência de má fixação e abortos –são os primeiros 20 dias de gestação, afase seguinte entre 20 e 50 dias e aos 90dias. E às vezes o bezerro morre logo aonascer, por má formação de órgãos. “OMarcolino é o primeiro sucesso emdois anos de pesquisa”, diz Visintin.“De16 implantes de blastocistos, consegui-mos quatro gestações. Uma delas resul-tou em um aborto e temos outras duasvacas prenhes de clones produzidos porminha equipe: uma com seis meses eoutra com dois meses de gestação.”

Ele lembra que o índice de perdasleva a reflexões importantes, já que aspesquisas com humanos sempre resul-tam de pesquisas com animais: “Sehoje a fecundação humana in vitro estábem desenvolvida, é porque esse pro-cesso é corriqueiro em animais há mui-tos anos”. Com uma diferença essen-cial: “Na clonagem bovina, ainda emfases iniciais, se algo sai errado, pode-se sacrificar o animal”.

Dois laboratórios - Obtidos os clonesde célula adulta e fetal, o grupo vaicomparar o desenvolvimento de ambospara responder a certas questões: “Oclone originado de célula adulta já nas-ce velho? Se de uma célula faço duas outrês, essas células clonadas obtidas a ca-da repique também envelhecem?” Parasaber, é preciso obter o mais rapida-mente possível o clone de célula adulta.“Vamos disponibilizar os clones paraestudos de fisiologia (bioquímica e se-xual) e genética.” A equipe de MariaAngélica Miglino, do Departamento deAnatomia da Faculdade de Veterinária,analisará as placentas de cada gestaçãopara verificar forma, composição e fun-ção, em relação a placentas de gestaçãonormal, o que deve contribuir para adescoberta das razões dos insucessos.

Para garantir que não haja nenhumnovo acidente, o pesquisador da USPprovidenciou a separação total dos la-boratórios: um só para clonagem de cé-lulas adultas e outro para a de célulasfetais. Ele espera que, com o sucesso dasegunda fase antecipado, os artigos so-bre Marcolino e seu estudo molecularpossam estar prontos para publicaçãoaté o fim do ano. •

OS PROJETOS

Maturação e Fertilização de Oócitos e Co-Cultivo de Zigotos Bovinos em Cultura Primária de Células Epiteliais de Oviduto de Bovinos e Linhagens Permanentes

INVESTIMENTOR$ 127.290,00

Clonagem de Embriões Bovinos: Desenvolvimento da Técnica deTransferência Nuclear

INVESTIMENTOR$ 312.716,01

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORJOSÉ ANTÔNIO VISINTIN – Universidade de São Paulo

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e fosse um time de futebol,o Laboratório de BiologiaMolecular da UniversidadeFederal de São Carlos (UFS-Car) seria semelhante ao São

Caetano: jovem e modesto, mas bemequipado e eficiente, pronto para sur-preender as estrelas da genética. FlávioHenrique da Silva, que coordena os 18pesquisadores do laboratório, deu asaída na formação de um ambiciosobanco de dados genéticos: num traba-lho inédito no Brasil, concluiu o mapade expressão gênica de um portador dasíndrome de Down, um dos acidentesgenéticos mais comuns, que ocorre emum em cada 700 nascimentos.

O mapa recém-concluído é o pri-meiro de uma série de outros, já em an-damento, cuja meta é compreender asdiferentes manifestações desse problemagenético por meio da busca de correla-ções entre o genótipo (o conjunto degenes) e o fenótipo (como eles se ex-pressam fisicamente – na forma de pes-soas baixas ou altas, por exemplo). O re-tardo mental e a fraqueza muscular sãosinais comuns a todos os portadores,mas a síndrome freqüentemente causaproblemas endócrinos e gastrointesti-nais, além de deficiências do sistemaimunológico. É elevada a incerteza so-bre seus desdobramentos: quase meta-de dos indivíduos atingidos pode apre-sentar problemas cardíacos, leucemia,numa probabilidade maior que a dapopulação em geral, e precocemente, en-tre 30 e 40 anos de idade, o mal de Al-zheimer, uma doença neuronal marca-da pela crescente perda de memória.

Equipe de São Carlos começa a relacionar as origens genéticas às diferentes manifestações da síndrome

O primeiro mapa de Down

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SÍNDROME

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CIÊNCIA

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O mapa de expressão gênica – outranscriptoma –, o modo pelo qual seprocura entender as origens dos sinto-mas, é uma interpretação funcional dosgenes, uma avaliação da quantidade deRNA (ácido ribonucléico) que a célulausa na síntese de proteínas a partir dasseqüências de DNA (ácido desoxirribo-nucléico, portador do código genético)de cada gene. “Se um indivíduo tivermenos RNA de um gene específico, vaiproduzir menos proteína”, resume Sil-va. Como as proteínas codificadas pelosgenes regulam o funcionamento de to-das as células do organismo, essa asso-ciação indica aquelas envolvidas com asíndrome e permite entender mais cla-ramente a evolução do problema.

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 51

madas fatores de transcrição, que regu-lam a expressão de outros genes.

Para confirmar que esses genes apre-sentam uma expressão diferencial emrelação a não-portadores da síndromee, portanto, sinalizam efetivamente di-ferentes manifestações da doença, Silvatrabalha na análise da expressão gênicade outros 20 portadores de Down resi-dentes em São Carlos. Desta vez, sãocrianças e adolescentes, como Pedro Pi-nheiro Fagian, um garoto de 13 anosque estuda, como qualquer um de seuscolegas, na sétima série da Escola Ocados Curumins. A amostra poderá serampliada ainda mais por meio da cola-boração de pesquisadores da Faculdadede Medicina da Universidade de SãoPaulo (USP) em Ribeirão Preto, demodo que no futuro, separando os pa-cientes por grupos a partir dos genesmais ou menos expressos, se possa es-tabelecer uma gama de padrões de ex-pressão gênica. O que se pretende, apartir desses padrões, é entender maisacuradamente os mecanismos respon-sáveis pela síndrome e chegar a novasestratégias terapêuticas.

Para realizar seus objetivos, a equi-pe de São Carlos tem de calcular o nú-mero de genes expressos numa célula.Não é nada fácil: além de células dife-rentes expressarem genes diferentes, aexpressão também varia conforme a si-tuação em que a célula está. De qual-quer modo, os genes detectados podemser utilizados para comparar o padrãoglobal de expressão gênica entre porta-dores da síndrome e com indivíduosnão-portadores.

Cromossomo triplo - Descrita em 1866pelo médico inglês John LangdonDown (1828-1896), a síndrome foi ini-cialmente chamada de mongolismo eseu portador de mongolóide, devido aostraços faciais característicos – termosde conotação racista excluídos em 1965das publicações da Organização Mun-dial de Saúde. Suas causas só foram des-vendadas em 1959 pelo francês JérômeLejeune (1926-1994), que identificouuma anomalia chamada trissomia livre:em vez de 46 cromossomos (23 herda-

Esse primeiro mapa consistiu nomapeamento de, até agora, 12 mil ge-nes expressos (ativos) em um tipo decélulas do sangue, os leucócitos, de umpaciente de 29 anos, morador de Pas-sos, no Estado de Minas Gerais, a mes-ma cidade onde o pesquisador nasceu,e escolhido justamente pela possibili-dade de elucidar as relações entre a sín-drome e o envelhecimento. Um dos re-sultados mais notáveis desse estudo,feito por meio da técnica Sage (análiseserial da expressão gênica), é a indica-ção de que ocorre uma diminuição daexpressão de pelo menos 15 genes quecodificam proteínas conhecidas comocitocinas, envolvidas na diferenciaçãocelular e resposta imune, e outras, cha-

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Pedro Fagian, um dos doadores de células para estudo, e um de seus colegas da escola: convivência

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dos da mãe e 23 do pai), oportador tem 47, porque háum cromossomo extra dopar 21. Ou seja, no lugar dedois, o portador tem trêscromossomos 21.

Nos últimos tempos, umclima de intensa competiti-vidade marca a pesquisa so-bre Down. À frente, desta-cam-se dois craques. Um é ogrego Stylianos Antonara-kis, da Universidade de Ge-nebra, Suíça, que coordenouo seqüenciamento comple-to do cromossomo 21. Ooutro é Xavier Estivill, doInstitut de Recerca Oncolo-gica, de Barcelona, Espanha,que em 1995 isolou o pri-meiro gene suspeito de par-ticipar do quadro clínico deDown, resultante da soma-tória da ação de um conjunto ainda in-certo de genes.

Já a equipe de São Carlos, correndopor fora, encontrou seu próprio espaçode reconhecimento na busca dos meca-nismos que possam explicar as mani-festações da síndrome. O padrão de ex-pressão gênica de um indivíduo comDown já é bem diferente do padrão deum não-portador, mas Silva espera en-contrar diferenças relevantes tambémentre os pacientes da síndrome. Em umaabordagem paralela ao mapa de ex-pressão gênica, Silva coordena o estudoem profundidade das proteínas suspei-tas de envolvimento no quadro clínicode Down. Num trabalho desenvolvidocom o Centro de Biotecnologia Mole-cular Estrutural do Instituto de Físicada USP em São Carlos, a equipe de Sil-va analisa atualmente 11 proteínas daRegião Crítica da Síndrome de Down –DSCR, da sigla em inglês –, a parte cro-mossômica considerada suspeita de sera responsável pela produção das proteí-nas envolvidas na doença.

O reconhecimento da DSCR surgiupela constatação de que não é precisohaver um cromossomo 21 inteiro a maispara que a síndrome se manifeste: al-guns portadores têm em triplicata ape-nas um fragmento, geralmente aderidoao cromossomo 21 ou ao 14. Os genesdesse fragmento correspondem à re-gião crítica e acredita-se que alguns re-gulem a atividade de outros genes, pro-

Ao estudar a interaçãoda DSCR-1 com outras pro-teínas, a equipe de São Car-los, em paralelo a grupos doexterior, fez uma descobertasurpreendente: a DSCR-1diminuiu a ação da enzimacalcineurina. Essa enzima éuma fosfatase – retira fosfa-to de proteínas. Uma dessasproteínas, a NFAT (fatornuclear de células T ativa-das), deve perder um fosfa-to para chegar ao núcleo dascélulas e ativar os genes queacionam a produção das ci-tocinas. Pouco a pouco, asrelações se esclarecem. “Acalcineurina é a responsável,por exemplo, pela desfosfo-rilação da proteína Tau, quese acumula hiperfosforiladanos pacientes com Alzhei-

mer”, comenta Silva.“Se a DSCR-1 com-pete com a Tau pela calcineurina, a Tauhiperfosforilada pode se acumular nocérebro dos pacientes, contribuindo pa-ra a progressão do Alzheimer.”

Envelhecimento - A evolução precocedo mal de Alzheimer em portadores deDown também é tema do grupo deMarília Cardoso Smith, da Universida-de Federal de São Paulo (Unifesp). Elainvestiga as relações do Alzheimer coma perda parcial do cromossomo 21, cu-rioso fenômeno que ocorre no proces-so de envelhecimento precoce dos pa-cientes. Com o tempo, explica Marília,de 2% a 4% das células dos portadoresde Down perdem o cromossomo 21 ex-tra. Mas não se tornam normais: ficamcom dois cromossomos 21 do mesmogenitor (pai ou mãe), quando o normalé haver um cromossomo de cada geni-tor. Supõe-se que esse fenômeno inter-fira na expressão dos genes e contribuapara a degeneração cerebral.

Compreendendo os mecanismos dedesenvolvimento da síndrome, os pes-quisadores esperam combater suas ma-nifestações e melhorar a qualidade devida dos portadores. Pretendem tam-bém chegar a informações preciosassobre a estrutura de proteínas acionadasou bloqueadas, de modo a permitir odesenvolvimento de novos medica-mentos. Nesse ponto do jogo os com-petidores estão do mesmo lado. •

52 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

O PROJETO

Expressão e Localização Intracelularde DSCR-1 – Uma Proteína Relacionada com a Síndrome de Down

MODALIDADEPrograma Jovem Pesquisador

COORDENADORFLÁVIO HENRIQUE DA SILVA – UFSCar

INVESTIMENTOR$ 261.050,01

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Trissomia do cromossomo 21: desdobramentos imprevisíveis

vocando a vasta gama de manifestaçõesda síndrome. Para confirmar essa hipó-tese, procura-se desvendar a função dasproteínas da DSCR. Os estudos avan-çam mais na DSCR-1, a primeira pro-teína da região crítica, expressa prefe-rencialmente no cérebro, no coração enos músculos, justamente as áreas maisafetadas na síndrome.

Destinos - Uma pista para confirmaresses mecanismos é a localização daproteína, que define seu papel na célula– as proteínas envolvidas em regulaçãogênica, por exemplo, ficam no núcleo.Em vista dessa situação, a equipe asso-ciou a DSCR-1 a uma proteína verdefluorescente (GFP ou Green FluorescentProtein) que serve de marcador, inse-riu-a em diversos tipos de células e ob-servou: é para o núcleo que a DSCR-1vai, um indício de seu papel regulador.

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Herança em paresCada célula de um ser humano (exceto as sexuais) contémdois cromossomos 21, um recebido do pai e outro da mãe.

Ambos têm o mesmo tamanho e número de genes.

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 53

entendimento dos me-canismos genéticos en-volvidos na síndrome deDown, no que se refere avários tipos de câncer,

passa pela identificação dos genes docromossomo humano 21 (HC21), cujatrissomia é responsável pela síndrome.Uma equipe do Instituto Ludwig dePesquisas sobre Câncer – junto compesquisadores de quatroinstitutos suíços – acabade identificar 19 novosgenes do HC21. Já ha-viam sido caracteriza-dos 127 genes e previa-se a existência de mais98. O trabalho da equi-pe, publicado em junhona revista Genomics, re-sultou num aumento de9,5% na contagem degenes do HC21.

Nenhum dos 19 no-vos genes identificadoshavia sido previsto pe-lo Consórcio de Mape-amento e Seqüencia-mento do Cromossomo21 nem pelo consórcioEnsembl, que se puseramà frente desse trabalho.Mas, enquanto o grupo preparava oartigo, a Celera Genomics, dos EstadosUnidos, reportou a identificação de trêsdos mesmos 19 genes, elevando a con-fiabilidade do estudo, que inclui umatabela descritiva dos novos genes e dasproteínas de seu RNA (ácido ribonu-cléico). Notou-se que a maioria dassubstâncias dos novos genes não temsimilaridade significativa com nenhu-ma proteína já caracterizada.

tidas por meio de RNAs validados ex-perimentalmente. Os dados obtidos pe-los brasileiros sugerem, por exemplo,que as atuais técnicas de identificaçãocontêm numerosos dados falsos, prove-nientes de erros unidirecionais – falsosdados positivos e falsos negativos.

Todos os 19 genes identificados co-dificam proteínas previstas com tama-nho médio de 121 resíduos – extrema-mente abaixo das médias de 575 ou 469anteriormente previstas. O problema,acredita o grupo, é que as previsões maisusuais contêm um número excessivo depseudogenes, como se comprovou nocaso do genoma humano: inicialmenteestimado entre 45 mil e 140 mil genes,no seqüenciamento recentemente con-cluído a previsão baixou para 35 mil.Extrapolando os dados de seu trabalho,os pesquisadores vão além: “Se o nú-mero de genes do HC21 fica entre 218e 250, podemos prever que o númerototal dos genes humanos está entre21.500 e 24.500”, relata o artigo, assina-do por 16 pesquisadores – do Ludwig

participaram AnamariaCamargo, Fabiana Bet-toni, Rapahel Parmigia-ni, Sandro de Souza eAndrew Simpson.

A descoberta de 19genes de um cromosso-mo já bem estudado – oprimeiro a ser mapeado,em 2000 – mostra que aidentificação do trans-criptoma (conjunto deproteínas) humano com-pleto não pode basear-se só na previsão gené-tica. O artigo alerta: “Aanotação gênica defini-tiva do genoma huma-no irá requerer umaabordagem gene por ge-ne, aliada a uma verifica-ção experimental”.

Com os avanços no mapeamentodo HC21, espera-se detectar a contri-buição de cada gene nas diversas mani-festações da síndrome de Down. Novosestudos também devem contribuir pa-ra esclarecer a suspeita – sugerida porestudos epidemiológicos – de que osportadores da síndrome estejam prote-gidos contra certos tipos de câncer, queincidem num grau muito maior na po-pulação em geral. •

GENÉTICA

Equipe brasileira participa da descoberta de novos componentes do cromossomo responsável pela síndrome de Down

Mais 19 genes

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CIÊNCIA

O objetivo do grupo foi aperfeiçoara anotação genética do HC21, avalian-do o grau de precisão dos métodos atuaisde identificação gênica por análisescomputacionais. Para isso, montou umabase de dados com todo o mapeamen-to disponível do cromossomo, incluin-do as previsões, e incorporou instru-mentos para facilitar a descoberta degenes. A análise desse material, alimen-

tada por uma farta documentação ex-perimental, permitiu identificar os 19genes e mais quatro unidades de trans-crição do HC21.

Convencidos de que a análise com-putacional não é suficientemente sensí-vel e precisa ser aliada a dados experi-mentais, os pesquisadores crêem que,daqui por diante, a identificação gené-tica dependerá do alinhamento de ge-nomas finalizados com seqüências ob-

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e você conhece alguém que fa-la muito em jogar e só se sentefeliz quando entregue a carte-las de bingo, caça-níqueis, lo-terias, carteados ou corridas de

cavalo, cuidado. A obstinação por apos-tas é um traço do jogador patológico,uma personalidade desequilibada que,se não controlada, pode chegar a extre-mos de roubar ou matar para manter-se no jogo, tal qual – numa comparaçãoagora sustentada cientificamente – umdependente químico.

Diagnosticado com precisão no Bra-sil há poucos anos, o jogador patológicoera facilmente confundido com porta-dor do transtorno obsessivo-compulsi-vo (TOC), indivíduo que sofre de ma-nias: lavar as mãos a todo momento oumanter a casa sempre impecavelmentearrumada, por exemplo. Mas são cate-gorias diferentes, como demonstrou omédico Hermano Tavares em seu dou-torado na Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo (USP). Otrabalho obteve o reconhecimento doNational Council on Problem Gambling(NCPG), organização norte-americanadedicada a entender e conter o vício emjogos de azar: Tavares foi premiado comuma placa gravada e convidado a daruma conferência no congresso anual dainstituição, em Dallas, Estados Unidos,no dia 14 deste mês.

Na tese, orientado por ValentimGentil Filho, Tavares pesquisou os tra-ços de personalidade peculiares aos por-tadores desse distúrbio pouco estudadono Brasil. Com a equipe do Ambulató-rio do Jogo Patológico e Outros Trans-tornos do Impulso (Amjo), do Institu-to de Psiquiatria da USP, comparou

reações de 40 jogadores patológicos, 40pacientes com TOC e 40 pessoas semesses problemas.

Uma das conclusões mais impor-tantes é que, embora combine traçosimpulsivos (pouca reflexão seguida derápida reação, prodigalidade e poucoapreço por normas e padrões) e com-pulsivos (medo da incerteza), além daobsessão por apostas em dinheiro, apersonalidade do jogador patológico éclaramente distinta da do portador deTOC. “A tese demonstra que existemmais semelhanças do jogo patológicocom dependências químicas do quecom TOC”, revela o pesquisador, quefaz pós-doutorado na Universidadede Calgary, Canadá. Para ele, a melhordefinição de jogo patológico é umadependência comportamental. A sen-sação de êxtase – semelhante à expe-rimentada pelas drogas – vem da apos-ta, da emoção de obter bons resultadose ganhar.

A mente não sai do ambiente deapostas: “O jogador patológico estáconstantemente preocupado com o jo-go, esperando a hora de poder fazer umanova aposta, bolando estratégias paraganhar ou imaginando como conseguirdinheiro para pagar dívidas de jogo”,diz Tavares. Outro sinal: o desejo de re-cuperar o dinheiro perdido, num movi-mento contínuo de apostas que ali-menta a dívida e a ansiedade. “A faltade controle sobre o comportamento”,prossegue, “revela-se em tentativasfrustradas de reduzir ou abster-se dojogo, mentiras para ocultar a extensãoda dependência e envolvimento em ati-vidades ilegais, como falsificação decheques e furtos, para financiar o jogo.”

Tavares adotou escalas de personali-dade habitualmente usadas para distin-guir jogadores patológicos e portadoresde TOC. Em 2000, ano em que a tesefoi concluída, saíram na Revista de Psi-quiatria Clínica os resultados comple-tos sobre uma das escalas, o Inventáriode Temperamento e Caráter (ITC), queconcebe o desenvolvimento da perso-nalidade como um caminho de mãodupla entre temperamento e caráter:fatores hereditários de temperamento(busca de novidade, dependência de re-compensa e persistência, por exemplo)motivam fatores de caráter (autodire-cionamento e cooperatividade, entreoutros), que por sua vez acionam osmecanismos de resposta a um estímu-lo (vontade de jogar, por exemplo).

Problema social - “A procura por tra-tamento aumentou vertiginosamentedepois que os bingos eletrônicos e osvideojogos, principalmente de pôquere do próprio bingo, espalharam-se pelopaís, nos anos 90”, observa Tavares. Seuestudo e os de outros especialistas mos-tram uma nítida correlação entre a per-missão da prática de jogos de azar –cada vez mais acessíveis – e o aumentodos diagnósticos confirmados de joga-dores patológicos.

No Brasil não há estatísticas, masas do exterior indicam que de 1% a4% da população padece desse distúr-bio, que é considerado uma depen-dência, embora menos freqüente queas do álcool, do tabaco e de drogasprescritas por médicos, como tranqüi-lizantes e anfetamínicos, por exemplo.Mas é mais comum que a dependênciade cocaína e de crack e que transtor-nos psiquiátricos clássicos, entre eles aesquizofrenia.

“Os efeitos do jogo patológico, co-mo o endividamento crônico, as tenta-tivas de suicídio e o aumento da crimi-nalidade, deveriam ser considerados nomomento em que se discute a reintro-dução dos cassinos no Brasil”, alerta opesquisador, que lança uma convoca-ção: “Já passa da hora de começarmosum estudo sobre a freqüência e o impac-to do jogo patológico na sociedade bra-sileira, pelo menos nas cidades maiores,onde os bingos eletrônicos e a os video-jogos se tornaram populares”.

De antemão, sabe-se que as mulhe-res podem ser mais afetadas que os ho-

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PSIQUIATRIA

Tese premiada definepersonalidade dosjogadores patológicos

Cartas na mesa

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CIÊNCIA

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 55

O PROJETO

Jogo Patológico e suas relações com o espectro impulsivo-compulsivo

MODALIDADEBolsa de doutorado

COORDENADORVALENTIM GENTIL FILHO – USP

INVESTIMENTOR$ 40.585,32

Caça-níquel,que proliferou na década de 90: criador de dependência

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AR mens. Em 2001 Tavares publicou um

trabalho no Journal of Gambling Stu-dies mostrando que as mulheres desen-volvem o quadro de jogo patológicoduas vezes mais rápido. “Hoje as esta-tísticas apontam para uma proporçãode dois homens para cada mulher”, dizele, “mas, à medida que o jogo se tornamais popular, mais mulheres estão jo-gando e a tendência futura é a propor-ção cair para uma para cada homem.”

Com os videogames caseiros, o peri-go parece menor. Segundo Tavares, emprincípio, a dependência só se estabele-ce a partir de jogos de azar, definidospor duas características: a habilidadedo jogador não aumenta as chances deganho e os resultados finais são geral-mente aleatórios. Mas ele adverte quenão se pode ter certeza disso, porqueainda não há estudos que relacionemum interesse excessivo de crianças porvideogames com o surgimento do jogopatológico na vida adulta.

No Canadá, com Nady el-Guebalye David Hodgins, pesquisadores vete-ranos na área, Tavares trabalha na apli-cação de seus dados a uma amostra lo-cal e na comparação entre jogadores ealcoólicos quanto à personalidade eavidez. Os resultados preliminaresapontam para uma correlação entreavidez e traços impulsivos de persona-lidade. O pesquisador, que pretendevoltar em dezembro, acredita que apartir daí surjam critérios de classifi-cação de jogadores patológicos emsubtipos – predominantemente im-pulsivo ou compulsivo, por exemplo –e variações terapêuticas: “O tratamen-to dos impulsivos enfocaria a avidezcomo fator de risco para recaídas; e odos compulsivos, as emoções negati-vas, a ansiedade e a depressão comoprecipitantes de recaídas”. •

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56 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

FÍSICO-QUÍMICA

Simulação com moléculas quemudam de comportamento quandomergulhadas em solventes permitemodelar novas substâncias

Diálogos com a água

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FRANCISCO BICUDO

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ga e mamão, entre outros, o betacaro-teno é um dos precursores da vitami-na A, que está diretamente ligada aobom funcionamento da visão. Dura einflexível, essa molécula é também apo-lar – tem pouca capacidade de atrair ealterar outras moléculas. E esse é umdesafio às pesquisas.

A última característica, no entanto,só se manifesta quando o betacarote-no é analisado isoladamente. No líqui-do, o quadro muda, pois a densidadeé alta e a movimentação, intensa. Nadisputa por espaços, constantementeprovocado pela presença do solvente,o caroteno responde aos estímulosdesenvolvendo polaridade induzida:passa a interagir com as moléculas dolíquido, principalmente as mais próxi-mas. Essa dança pode ser comparável abolero, samba ou rock pauleira, de-pendendo da temperatura. Chamadaforça de Van der Waals, é uma interaçãoque determina mudanças nos níveis deenergia – as camadas ou órbitas ondese distribuem os elétrons. Isolada, a mo-lécula do caroteno tem níveis de ener-gia hipotéticos A, B e C; no solvente,esses níveis mudam para A1, B1 e C1.

Quem determinar quais são essesnovos níveis também poderá definircom precisão a quantidade de energiaque os elétrons precisam absorver parasaltar de uma faixa a outra. No caso docaroteno, os pesquisadores apontaramos valores da energia da primeira ban-da de absorção nos quatro solventesem que ele foi avaliado – metanol, iso-pentano, acetona e acetonitrila.

“Os resultados que obtivemos estãoem plena concordância com os trabalhosexperimentais”, afirma Kaline Couti-

nho, professora da Universidade deMogi das Cruzes, que participa do gru-po.“Até hoje, nenhum outro método ti-nha conseguido fazer esses cálculos demaneira tão precisa quanto o nosso.”

Canuto também comemora: “Agoratemos um modelo seguro e confiável deanálise, que pode ser aplicado a outrasmoléculas com propriedades seme-lhantes”. Os estudos estão numa faseinicial, de observar para compreendero que se passa, mas a longo prazo aanálise do comportamento de molécu-las em líquidos deverá trazer grandescontribuições às indústrias de medica-mentos e cosméticos, entre outras. Porexemplo: a síntese de remédios com aperspectiva de interferir na composiçãopara eliminar possíveis efeitos ou rea-ções colaterais indesejadas. O mesmovale para produtos de cosmética.

RPG e cassinos - O estudo do que sepassa com moléculas mergulhadas emsolventes ganhou força após a SegundaGuerra Mundial, mas nos últimos 15anos o desenvolvimento de programasde observação levou a um salto de qua-lidade. O grupo da USP usa as ferra-mentas da informática como se estives-se diante de um jogo de RPG (RolePlaying Game): nessa brincadeira dedesempenhar papéis que há anos fasci-na adolescentes pelo mundo, os partici-pantes encarnam personagens imagi-nários para atuar diante de problemasconcretos e apresentar respostas. Emvez de criaturas idealizadas, os pesqui-sadores lidam com moléculas, que têmsuas danças e interações simuladas porcomputador, de um modo o mais per-to possível da realidade.

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difícil estudar o comporta-mento das moléculas em faselíquida ou em solução, mes-mo que seja esse o hábitat na-tural delas, no qual ocorrem

processos vitais – formação de proteí-nas, do DNA e das membranas celula-res, por exemplo. O problema é que,quando se põe uma substância dentrode solventes comuns, como água e ace-tona, ela tem suas propriedades altera-das e passa a interagir, a conversar comesses meios. Toma forma uma espéciede dança, uma movimentação constan-te que gera uma quantidade enorme deimagens a avaliar. Quais dessas imagensdevemos observar?

Usando simulações em computadore métodos multidisciplinares, o grupode Ciências Moleculares do Instituto deFísica da Universidade de São Paulo(Ifusp) responde a essa pergunta comresultados que poderão fazer avançarprocessos industriais, especialmente demedicamentos e cosméticos. Os pesqui-sadores concluíram, primeiro, que quemvê a substância sozinha e depois mer-gulhada em líquidos observa duas situa-ções completamente diferentes. As pes-quisas ajudam a compreender mais osdesvios de comportamento das molécu-las. Em quase cinco anos, o grupo ana-lisou o comportamento de cerca de 20substâncias. “Nossa aplicação mais re-cente foi com o betacaroteno: a interaçãodele com os solventes é especial”, afirmaSylvio Canuto, coordenador da equipe.

Calor e ritmo - Hidrocarboneto for-mado por ligações simples e duplasentre átomos de carbono e encontradoem alimentos vegetais – cenoura, man-

É

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Os programas computacionais queo grupo desenvolveu são o instrumen-to de observação das moléculas e ga-rantem uma visão do conjunto caóticoque se manifesta. Por meio das fotogra-fias que produzem, pode-se conhecer adistância entre os átomos, as modifica-ções que acontecem nos níveis de ener-gia, a quantidade de camadas de molé-culas e de que modo se mexem, além deobter dados estatísticos e gráficos decada simulação.

Contas difíceis - Até chegar a esse está-gio, no entanto, há um longo caminho.Afinal, os líquidos não têm forma geo-métrica definida e podem assumir umainfinidade de configurações e posições– uma característica chamada compor-tamento estatístico. Some-se a isso o fa-to de o grupo investir na análise multi-disciplinar: a leitura do que acontecenas simulações exige o uso da físicaquântica (que estuda a matéria na es-cala do mais pequeno) e da física esta-tística (que trata do comportamentomédio do sistema), além de buscar sus-tentação nos processos químicos e bio-lógicos envolvidos.

A intersecção de comportamentoestatístico e multidisciplinaridade trou-xe um desafio crucial: se, por causa dossolventes, são geradas milhões de cenase configurações, como fazer cálculosquânticos, que demoram semanas? Caso

moléculas hidrófobas. Também um hi-drocarboneto, formado por seis átomosde hidrogênio e seis de carbono ligadosem forma de hexágono, o benzeno éusado em larga escala na produção de re-sinas, plásticos, lubrificantes e detergen-tes, entre outros produtos, além de seradicionado ao óleo diesel e à gasolinapara melhorar suas características.

Nesse caso, o grupo dividiu o pro-cesso de observação em duas etapas.Primeiro, analisou as interações na fasegasosa, em duas situações distintas: aprimeira situação incluiu uma molécu-la de água e outra de benzeno; na se-gunda, foram usadas duas moléculas debenzeno. Os pesquisadores foram ano-tando o que acontecia, sem que hou-vesse ainda a interferência do líquido,para depois estabelecer as comparaçõese ver o que mudava.

Na segunda etapa, avaliaram uma edepois duas moléculas de benzeno, en-volvidas por 400 moléculas de água. Nosdois casos, percebeu-se que, na regiãomais próxima ao benzeno, formou-seuma gaiola de proteção, chamada cla-trato. Constituída por moléculas de águaconectadas por ligações de hidrogênio,essa cápsula de isolamento impede a in-teração entre os meios. É a manifesta-ção evidente do efeito hidrofóbico. Ca-nuto revela: “Comparativamente à fasegasosa, a interação entre o benzeno e aágua, quando misturados, foi reduzida

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Betacaroteno, o precursor da vitamina A: afinidade com as moléculas

mais próximas

não resolvessem esse dilema, os físicos es-tariam numa situação inviável, devido àquantidade de informações obtidas eao tempo necessário para avaliá-las. Aresposta que queriam emergiu da aná-lise estatística dos dados, que selecionaapenas as imagens relevantes, geradas apartir da técnica chamada de MonteCarlo – uma referência à cidade doscassinos, onde é a probabilidade quedita as regras. A seleção dos melhoresmomentos garante um ganho enormede tempo, sem perda de qualidade oude confiança nos resultados.

m exemplo: No caso deoutra molécula estuda-da, o benzeno, os pes-quisadores fizeram oscálculos com 10 mil

configurações moleculares e depois osrepetiram usando apenas 40 delas. “Osresultados foram os mesmos”, garanteCanuto. Assim, as simulações torna-ram-se bem mais ágeis – um cálculoque no início da década de 90 levava até40 horas, agora pode ficar pronto emmenos de um minuto.

O grupo observou e detalhou outrofenômeno que ocorre com algumassubstâncias: o efeito hidrofóbico, ou aincapacidade de certas moléculas semisturarem com a água. No caso, tra-balharam com o benzeno e desenvolve-ram um modelo que serve para outras

U

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em 80%. Por outro lado, percebemosque a interação entre os benzenos noclatrato é três vezes maior do que a ve-rificada no gás e duas vezes maior doque a que existe num líquido formadopuramente por benzenos.”

Trocando em miúdos, é possível afir-mar que, na presença da água, as molé-culas de benzeno preferem fortalecersuas relações e conversar entre si, dei-xando o resto de lado – e o mesmoacontece com a água. Já que as duaspartes não manifestam interesse em es-tabelecer diálogo, surge o efeito hidrofó-bico. “Conseguimos quantificar algunsde seus aspectos”, acrescenta Canuto.Os estudos desenvolvidos pelo grupoentre 1999 e 2002 originaram 27 arti-gos em revistas internacionais e 11 dis-sertações de mestrado, doutorado ouprojetos de iniciação científica.

Sem tentativa e erro - Além do betaca-roteno e do benzeno, o grupo analisouos complexos de guanina e de citosina(peças elementares do DNA) em água;a piridina, a pirimidina e a pirazina(moléculas de bases nitrogenadas) emvários solventes; e famílias de cetonas ecorantes em vários líquidos. É contínuoo intercâmbio com outras instituições egrupos. No Brasil, pesquisadores do Ins-tituto de Química da Universidade Fe-deral de São Carlos (UFSCar), do Insti-tuto de Química da USP e do Instituto

Kaline Coutinho lembra que já sefazem experiências com diversos solven-tes, até chegar ao correto para cada tipode situação. “Ainda se testa e se testa atéchegar ao ideal”, comenta a pesquisa-dora. Não é assim que se quer traba-lhar. “Poderemos eliminar esse métodode tentativa e erro e inverter as mãos dedireção, já apontando o melhor tipo desolvente para cada objetivo.”

Modelagem - Nesse processo de mode-lagem molecular, a mecânica quânticaocupa lugar de destaque. A partir doconhecimento preciso das interaçõesque as moléculas estabelecem com ossolventes, elas poderão ser modificadas,fazendo surgir, por exemplo, remédiosmenos tóxicos e mais eficientes.

Há mais de 25 anos atuando na áreae apaixonado pela idéia de que, em úl-tima instância, os mecanismos biológicosdependem de interações físicas entremoléculas, Canuto está satisfeito comos resultados. Lembra, no entanto, que osucesso só será completo se for mantidaa perspectiva da multidisciplinaridade,uma ênfase do grupo, à qual se atribuia amplitude dos resultados. “O elétronnão diz: ‘Agora estou me comportandocom base em princípios físicos, agoramudei para a química’ ”, comenta opesquisador. “Ele simplesmente secomporta e nos desafia a compreenderesse comportamento.” •

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O PROJETO

Estrutura Eletrônica de LíquidosMoleculares

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORSYLVIO ROBERTO ACCIOLY CANUTO –Instituto de Física da Universidadede São Paulo

INVESTIMENTOR$ 311.181,39

de Química da Universidade Estadualde Campinas (Unicamp) também tra-balham com simulação computacionalenvolvendo líquidos. “Todos fazemciência da melhor qualidade”, destacaCanuto. “A diferença é que passamos aaplicar a mecânica quântica em líqui-dos e talvez sejamos o único grupo bra-sileiro a atuar com essa perspectiva.”

Para Canuto, parcerias com as in-dústrias química e farmacêutica seriamsaudáveis, principalmente porque,atualmente, em função dos conheci-mentos e da competência desenvolvida,a universidade pode estabelecer umarelação estável e simétrica – e não dedependência. Afinal, mostra-se cadavez mais viável a idéia de projetar molé-culas que assumam determinados com-portamentos, eliminando custos e po-tencializando benefícios.

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Benzeno, sozinho e em dupla:gaiola de proteção impede interação

com a água

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s computadores realizam umade suas habilidades básicas –o armazenamento de infor-mações – sem que se consigaentender exatamente como.

Mas houve um avanço. Um grupo de pes-quisadores da Universidade Federal de Per-nambuco (UFPE) explicou um fenômenoessencial para o funcionamento das novascabeças de leitura dos discos rígidos (harddisks), que, embora descoberto há 40 anos eusado há três, sobrevivia com escassa fun-damentação teórica.

A equipe coordenada por Sergio Rezen-de, do Departamento de Física da UFPE,comprovou que a rugosidade tem uma im-portância crucial na interação entre as ca-madas metálicas da cabeça de leitura dodisco – é essa interação que determina, di-

FÍSICA

Equipe de Pernambuco

elucida umfenômeno

essencial doscomputadores

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O relevo da memória

CIÊNCIA

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retamente, o desempenho dos computado-res. A descoberta permite compreendermelhor o fenômeno que viabiliza a compac-tação de informação num momento em que,no mundo todo, buscam-se memórias commaior capacidade, mais rápidas e de menorconsumo de energia.

Como um pião - A ponta das cabeças deleitura do disco rígido usadas atualmente,tecnicamente chamadas de magnetorresis-tivas, é um conjunto de camadas metálicasde poucos átomos. Como em um sanduí-che, são intercaladas: uma primeira, feitade material ferromagnético (normalmente,uma liga de ferro e níquel ou cobalto), sesobrepõe a uma segunda, de material anti-ferromagnético (geralmente, óxido de ní-quel), e assim sucessivamente. Na superfí-

Disco rígido: rugosidade entre as camadas

metálicas determina a capacidade de

armazenar informações

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cie e no interior de cada camada, os elé-trons agem como um pião: giram emum sentido, como os ponteiros de umrelógio, ou no sentido oposto.

Desse movimento de rotação do elé-tron, que os físicos chamam de spin, nas-ce o campo magnético – ou magnetiza-ção – que permite o armazenamento deinformações da memória permanentedo computador, gravada em cada pontodas trilhas dos discos rígidos, que tam-bém são feitos de camadas de materiaismagnéticos. Em cada ponto, a magneti-zação em um sentido representa o bit 0,e no outro o bit 1 – esse é o código bi-nário, a partir do qual todo texto, grá-fico ou imagem são construídos. Já asinformações da memória rápida, cha-mada RAM (random access memory oumemória de acesso randômico), são ar-mazenadas em semicondutores na for-ma de carga elétrica positiva ou negati-va, representando 0 ou 1.

Limites ampliados - Para entendermelhor a pesquisa desse grupo de Per-nambuco, é inevitável recorrer a umpouco de história e a mais algumasexplicações. Até os anos 90, a leitura dodisco rígido era feita por um processofísico chamado indução magnética: amagnetização do bit produzia umacorrente elétrica na cabeça de leitura,depois processada, por outros dispo-sitivos do computador. Era um recur-so limitado porque a área de armaze-nagem tinha de ser grande para serinterpretada pela cabeça de leitura.

Nos anos 90 ocorreu um salto, comas novas cabeças de leitura, chamadasmagnetorresistivas, e com elas foi pos-sível diminuir a área e, assim, aumen-tar a capacidade de armazenamentode informações dos discos rígidos.Dessa virada tecnológica, por sinal,participou outro brasileiro: MárioBaibich, professor do Instituto de Fí-sica da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS). Em 1989,quando estava na França, Baibich des-cobriu a magnetorresistência gigante,o fenômeno que deu origem às atuaiscabeças de leitura dos discos rígidos eque associa a resistência do materialao campo magnético criado pelo bit deinformação do disco rígido.

Ao comprovar a importância darugosidade, Rezende chegou, de certomodo, a resultados perseguidos pelos

pesquisadores teóricos da IBM, a em-presa que desenvolveu o primeiro dis-co rígido em 1956 e não parou de bus-car como ampliar a memória dessesdispositivos.

esse tempo, o conheci-mento acumulado so-bre as propriedades dascamadas ferromagnéti-cas e antiferromagnéticas

permitiu que a capacidade de armaze-namento aumentasse 3 milhões de ve-zes: dos iniciais 2 kbits por polegadaquadrada no primeiro disco para 20gigabits por polegada quadrada naversão mais recente, de 1999. Mesmoassim, havia apenas hipóteses sobrecomo funcionava a interação entre ascamadas – fenômeno conhecido comoexchange bias ou polarização por in-tercâmbio – permanecia carente desustentação teórica e experimental.

“Os cálculos teóricos de Alex Ma-lozemoff, da IBM, mostraram em 1987que a rugosidade poderia ser a respon-sável pela enorme redução do campomagnético de exchange bias, originadopela interação dos elétrons superficiaisentre as camadas ferromagnéticas e an-tiferromagnéticas”, comenta Rezende.“Nossas experiências e o modelo teó-rico que desenvolvemos comprovamque é esse realmente o caso.” O grupode Pernambuco apresentou as medi-das experimentais em novembro doano passado na Conferência Anual deMagnetismo, realizada em Seattle, Es-tados Unidos, e publicou os estudosteóricos em dois artigos recentes, umem março deste ano na Physical Re-view B e outro em abril no Journal ofApplied Physics.

Embora não se achasse que fossetão importante, a rugosidade entre ascamadas já era conhecida. É uma pro-priedade ainda inevitável das camadasmagnéticas que forma a memória per-manente dos computadores, já queatualmente é impossível produzir umasuperfície absolutamente plana. O quea um simples olhar parece perfeitamen-te liso assume, na escala atômica, con-tornos que lembram os altos e baixosde uma cadeia de montanhas. Duas ca-madas são como suas cadeias monta-nhosas encaixando-se perfeitamente, jáque o processo de fabricação eliminaqualquer espaço vazio entre elas.

Os estudos da equipe de Rezendedetalham exatamente o modo pelo quala rugosidade – a variação de relevo –interfere na interação entre as cama-das. É por causa desses altos e baixosque os elétrons da camada ferromag-nética interagem ora com elétrons comspin num sentido (situados, digamos,num pico da cadeia montanhosa), oracom elétrons com spin em outro sentido(no vale) da camada oposta. O proble-ma é que a rugosidade causa fenôme-nos indesejados, que os físicos deno-minam comportamentos complexos,originados por desordens físicas, co-nhecidas como frustrações, agravadaspelas variações de temperatura. “Essesfenômenos eram observados há anos ehavia especulações sobre suas causas,mas não um comprovação como ago-ra”, comenta Rezende.

Sem perdas - A rugosidade interferetambém, já num plano macroscópico,na redução da interação magnética en-tre as camadas e, em última instância,no desempenho da cabeça de leitura.Seu efeito não é nada desprezível: ocampo efetivo que o filme antiferro-magnético cria sobre a magnetizaçãodo filme ferromagnético é 100 a 1000vezes menor que o campo previsto parauma interface perfeitamente plana. “Odesafio agora é eliminar a rugosidade”,diz Rezende. “Se, usando um métodoainda não conhecido, alguém conse-guir fazer uma camada dupla ferro-magnética e antiferromagnética com in-terface perfeitamente plana, o campoque prende a magnetização da camadaferromagnética será muito maior.” Emconseqüência, o computador vai fun-cionar melhor.

A compreensão da interação entreas camadas poderá ganhar aplicaçõesainda mais refinadas. O exchange bias,junto com outro fenômeno, o chamadotunelamento magnético, é um dos con-ceitos essenciais na construção de umamemória RAM magnética e duradou-ra, não mais volátil como a usada hojenos semicondutores. A IBM anunciouhá dois anos o protótipo dessa nova me-mória, com a qual se pretende algo sim-ples: um computador que ao ser desli-gado abruptamente não perca maisinformações da tela e, ao ser ligado outravez, retome o trabalho no exato pontoem que estava. •

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� Santo André abriga tecnologia

O município de Santo Andréterá sua primeira incubadoratecnológica a partir de julho.É quando termina o processode seleção das empresas queserão abrigadas na incuba-dora, iniciado em março. Naprimeira etapa, foram pré-se-lecionadas dez propostas, nasáreas de software e tecnologiada informação, química fina,cadeia automotiva, robótica,eletrônica e alternativas ener-géticas. Na segunda fase, todasas escolhidas vão participar deum workshop para elaborarum plano de negócios. Se-

A adição de uma pequenacamada de níquel sob o cro-mo que recobre o aço dostrens de pouso dos aviõesproporciona mais resistênciaà corrosão e à fadiga dessesequipamentos. Essa recenteconclusão é de um grupo depesquisadores da Faculdadede Engenharia de Guaratin-guetá da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp). Eles járepassaram essa informaçãoà Eleb, empresa formadapela Embraer e a companhiaalemã Liebherr, que fabrica,em São José dos Campos(SP), equipamentos para aindústria aeronáutica. Esserepasse faz parte de um acor-do existente desde 1990,entre o grupo e a Embraer,para o desenvolvimento depesquisas tecnológicas rela-cionadas ao trem de pouso.Coordenado pelo professor

Finishing (Revestimento eAcabamento Superficial), daSociedade Americana paraEletrodeposição e Acaba-mento Superficial (AESF).O artigo foi assinado pelosdoutorandos Renato Chaves

Mais resistência à fadiga e à corrosão

Herman Jacobus CornelisVoorwald, o grupo ganhoucom o estudo sobre o uso doníquel a medalha de prataem 2001 como um dos me-lhores papers apresentadosna revista Plating & Surface

Souza e Marcelino Pereirado Nascimento, que teve otrabalho desenvolvido emsua tese de mestrado, e pelodoutorando e engenheiro daEleb Walter Luis Pigatin.“Notrem de pouso, as proprieda-des de fadiga, corrosão e des-gaste têm que estar sempreacima das necessidades mí-nimas requeridas”, explicaVoorwald. O trabalho dogrupo segue agora para a to-tal substituição do cromo naproteção do aço do trem depouso. “Estamos estudandoum revestimento alternativoao cromo, ou melhorias aoprocesso atual, porque essematerial é danoso ao ho-mem e ao meio ambiente,tanto no momento da fa-bricação quanto no descar-te da peça ou dos resíduosdo processo de cromagem”,diz Voorwald. •

gundo o coordenador do pro-grama, Roberto Vasques, oworkshop tem como principalobjetivo dar condições deigualdade a todos os parti-cipantes pré-selecionados.“Dessa forma, todas usarão amesma metodologia paraapresentar os planos de negó-cios; o que vai diferenciá-lasserá o mérito do projeto.”Embora a incubadora tenhacondições de abrigar todas aspré-selecionadas, a escolhaserá feita pelo critério de ex-celência. As escolhidas conta-rão com infra-estrutura e as-sessoria completa para odesenvolvimento do seu ne-gócio. O projeto é uma parce-

ria entre prefeitura, Sebrae-SPe Agência de Desenvolvimen-to Econômico do GrandeABC. Até 2004, a prefeiturapretende transformar a incu-badora em um organismoauto-sustentável. Nesse perío-

do, vai destinar R$ 350 milpor ano para o programa. OSebrae também se compro-meteu, por meio de convê-nio, a destinar R$ 100 mil emrepasse único, valor que po-derá ser renovado. •

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TECNOLOGIA

Trem de pouso do ERJ-145: acima das necessidades

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Reservatório

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Calhas decaptação

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� Novas corespara o girassol

O amarelo não é mais a corque identifica o girassol. No-vas variedades, que estarão àvenda no segundo semestredeste ano, produzem flores nascores vinho, rosa-claro, rosaescuro, amarelo-limão de cen-tro claro, amarelo-limão decentro escuro, mesclado, fer-rugem escuro, ferrugem claroe estriada na forma de raios desol. O melhoramento genéti-co tradicional que resultou nasnovas cores foi feito pela Em-presa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa) Soja,de Londrina (PR), de 1996 a2001, e teve investimentos deR$ 111 mil.“As variedades fo-ram desenvolvidas para su-portar as condições climáticasem campo aberto, por issonão há necessidade de gran-des gastos com estufas”, ex-plica o pesquisador MarceloFernandes Oliveira. Quandoo Programa de Girassol Or-namental teve início, a Em-brapa Soja buscava outrasformas de utilizar a planta,que se destina à alimentaçãode pássaros e à indústria deóleo, a qual absorve cerca de70% da produção nacional degrãos. Segundo Oliveira, umdos obstáculos para o cresci-mento da cultura é a ausênciade indústrias esmagadoras dogrão fora de Goiás, São Pauloe Rio Grande do Sul.“Os pro-dutores que não estão nessasregiões ficam impossibilita-dos de cultivar o grão, devidoao aumento do custo comtransporte. Por isso resolve-mos tornar o girassol atraen-te como flor ornamental.” Ogirassol com as novas cores émenor que o tradicional. Assementes do amarelo-limãode centro escuro e do mescla-do estarão à venda a partir dejulho. As outras estarão dispo-níveis em dezembro. •

� Piscininhas para a água de chuva

Uma idéia simples pode aju-dar a minorar os sérios pro-blemas causados pelas chuvasna cidade de São Paulo: aconstrução, em prédios e ca-sas, de reservatórios para ar-mazenar a água que cai docéu. A proposta, criada pelomatemático e inventor ElairAntônio Padin, transformou-se, no início do ano, na Leidas Piscininhas, aprovada pe-

la Câmara Municipal de SãoPaulo e sancionada pela pre-feitura. A medida tem porobjetivo redirecionar a águapluvial que desce pela calhapara esses minirreservatórios.O mecanismo deve reter aágua durante a chuva, evitan-do que se acumule nas ruas eprovoque pontos de alaga-mento. Esse líquido poderá serinfiltrado no solo ou reutili-zado para fins não-potáveis,como descargas sanitárias elavagem de carros. A lei vale

para novas construções emlotes com área impermeabi-lizada superior a 500 m2. Ovolume do reservatório de-pende de um cálculo que levaem conta três fatores: áreaimpermeabilizada do terre-no, índice pluviométrico etempo de duração da chuva.Para um terreno com áreaimpermeabilizada de 500 m2,por exemplo, a capacidade doreservatório será de 40 m2. Omesmo projeto está sendoimplantado em cidades doNordeste que sofrem com aestiagem. Lá, a água será reu-tilizada nos períodos de seca.“As escolas de Campina Gran-de são as primeiras a adotar amedida”, afirma Padin. •

� Bioinseticida contra lagartas

Um bioinseticida que com-bate a lagarta-do-cartucho(Spodoptera frugiperda), pragaque ataca o milho e é respon-sável pela perda de grandeparte da produção do grão,está em fase final de desenvol-vimento pelo Departamentode Farmacologia do Institutode Ciências Biológicas da Uni-versidade Federal de MinasGerais (UFMG). Alternativa ainseticidas convencionais, obioinseticida é baseado naação de um vírus específicopara inseto, chamado baculo-vírus, que existe na natureza.Apesar de ser letal para a la-garta, sua ação é lenta. “Es-tamos elaborando sistemaspara acelerar o processo demorte da lagarta infectadapelo baculovírus”, conta Evan-guedes Kalapothakis, um doscoordenadores do projeto.Esse processo é feito pela ma-nipulação genômica. “Intro-duzimos no DNA desse víruso gene de uma toxina queataca o sistema nervoso da la-garta.” Assim, o vírus mata apraga mais rapidamente. •

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Girassol na cor vinho, uma das nove variedades disponíveis

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64 � JUNHO DE 2002 � PESQUISA FAPESP

menta mudará até o modelode ensino, porque os alunosterão à disposição os prontuá-rios do hospital on-line. Semcontar que será muito maissimples fazer levantamentoscom o perfil do paciente, ti-pos de câncer, tratamentos,resultados obtidos. A primei-ra providência do hospital-escola será eliminar 12 me-tros de prateleiras, utilizadaspara arquivar os prontuáriosdos seus 4.500 pacientes. •

� Melancias pequenase sem sementes

Melancias sem sementes ebem menores que as tradicio-nais, fruto de melhoramentogenético convencional, foramproduzidas pela Faculdade deCiências Agrárias e Veteriná-rias (FCAV) da UniversidadeEstadual Paulista (Unesp), deJaboticabal. A melancia “por-tátil” pesa entre 2,5 e 3 quilose mede 17 centímetros de al-tura por 16 de largura, en-quanto a de tamanho normaltem entre 7,5 e 10 quilos epode chegar a 60 centímetrosde altura por 40 de largura.“Trabalhamos com o mesmoconceito utilizado por outrasculturas tutoradas, em que asplantas são conduzidas navertical”, diz Thiago LeandroFactor, aluno de mestrado deProdução Vegetal, que desen-volveu a pesquisa orientadopelo professor Jairo AugustoCampos de Araújo. O cultivoé feito em estufa. “As plantasficam suspensas em umaespécie de varal, presas por fi-tas, e recebem água com nu-trientes. Os frutos são acon-dicionados em saquinhos eamarrados aos arames do va-ral que sustenta as plantas”,explica Factor. Essa técnica éassociada ao processo deadensamento, que consiste

Um grupo de pesquisadoresda Universidade Texas Tech,baseada em Lubbock, Texas,nos Estados Unidos, conse-guiu fazer um detalhadomapeamento da superfícieda Estátua da Liberdade, omais famoso monumentode Nova York. Os resultadosserão importantes para amanutenção e conservaçãoda estátua, abrindo caminhopara a preservação de ou-tras construções. O mapea-mento foi obtido graças aouso de uma tecnologia dedigitalização tridimensional,desenvolvida pela empresaCyrax Technologies, que em-prega feixes de laser do tipoYttrium Aluminum Garnet(YAG), constituído por óxi-do de ítrio e de alumínio.Agora, os pesquisadores po-dem analisar a deterioraçãodas estruturas, feitas em co-bre, procurando por buracosde oxidação na superfície.Para fazer o mapeamento,os cientistas “bombardea-ram” a estátua com feixes delaser, emitidos por apare-lhos localizados a 100 me-tros de distância, e coletaramum total de 94 milhões deinformações pictóricas, a

Linhas da Estátua da Liberdade

tua tem 93 metros de alturae foi construída em 1886. Éa primeira vez que os cien-tistas conseguem fazer umtrabalho do gênero. •

partir das quais construíramum modelo tridimensionaldas áreas digitalizadas. Lo-calizada numa pequena ilha,ao sul de Manhattan, a está-

Feixes de laserpercorrem a Estátua da Liberdade:oxidação na superfícieaponta estragos naestrutura de cobre

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Detalhe da estátua:mão esquerda

segura tábua com a data da

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� Banco de dadospara o câncer

Um banco de dados informa-tizado, que reúne informa-ções de pacientes com câncer,está sendo distribuído gratui-tamente a médicos, hospitaise clínicas de todo o país. Fru-to de um trabalho conjuntodesenvolvido durante 18 me-ses pelo Hospital das Clínicasda Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp) e La-boratórios Lilly, o CD-ROMorganiza os dados sobre o pa-ciente, a doença e as condutasprescritas durante o tratamen-to. A Apoio Informática foicontratada pela empresa far-macêutica para desenvolver osoftware, baseado nas infor-mações fornecidas pelo setorde Oncologia do hospital.“Fo-mos procurados pelo Lilly pa-ra participar como consulto-

res técnicos do software”, con-ta Paulo Eduardo Pizão, on-cologista clínico e coordena-dor da disciplina e do serviçode oncologia do HC da Uni-camp. A convivência permitiua criação de um verdadeiroprontuário médico eletrôni-co. Os custos financeiros e dedistribuição foram bancadospela laboratório farmacêuti-co. Segundo Pizão, coorde-nador da parceria, essa ferra-

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 65

� Exposição e debatesobre tecnologia

Um megaevento está sendopreparado pelo Ministério daCiência e Tecnologia (MCT)para divulgar projetos de ino-vação, produtos e processosdesenvolvidos por universi-dades, centros de pesquisa eempresas de todo o país. Seráo Salão e Fórum de Inova-ção Tecnológica e TecnologiasAplicadas nas Cadeias Produ-tivas, a ser realizado entre 30 de

em acomodar um maior nú-mero de plantas por metroquadrado e permite obter atédez vezes mais frutos do queno cultivo tradicional. As se-mentes híbridas, fornecidaspor uma empresa japonesa,produzem melancias com pol-pa de coloração amarela, la-ranja e vermelha. •

� Do Recife para asminas do mundo

Primeira empresa a deixar aincubadora do Centro de Es-tudos e Sistemas Avançadosdo Recife (Cesar), iniciativado Centro de Informática daUniversidade Federal de Per-nambuco (UFPE), em 1998, aInForma Software já prestaserviços para várias compa-nhias no país e acaba de fina-lizar um contrato com umaempresa norte-americana, novalor de US$ 150 mil. Situadana cidade de Tucson, no Esta-do do Arizona, a Modular Mi-ning Systems é líder mundialem sistemas para gerencia-mento no setor de mineração,com instalações em minas nosEstados Unidos, Chile, Áfricado Sul e também no Brasil,fornecendo serviços para aCompanhia Vale do Rio Do-ce (CVRD). “Iniciamos nossotrabalho com um projetopara integrar a comunicaçãoda central da mina com os ca-minhões e os tratores, cole-tando dados para verificaçãodo trabalho e para manuten-ção dessas máquinas”, explicaVirgínia Sgotti, uma das dire-toras da InForma. É um tra-balho de integração do soft-ware ao sistema operacionalda Modular e ao hardware dosaparelhos instalados nas mi-

nas e nas máquinas. “Agoraestamos desenvolvendo umsistema de gerenciamentopara uma mina no Chile.” Aempresa, que está instaladano Porto Digital, modernopólo tecnológico de Recife,também desenvolve softwa-res para a Companhia Hi-drelétrica de São Francisco(Chesf) e para a CompanhiaEnergética de Pernambuco(Celpe). No ano passado, a In-Forma faturou R$ 800 mil,com 12 funcionários. •

julho e 2 de agosto, no ExpoCenter Norte, em São Paulo.Sob a coordenação da Finan-ciadora de Estudos e Projetos(Finep), o evento vai abordaro tema tecnologia no Brasil,focando os desafios, as con-quistas a serem atingidas e asaplicações tecnológicas pre-sentes no dia-a-dia. Além damostra, haverá espaço paraamplo debate sobre os fundossetoriais implementados peloMCT. Mais informações nosite: www.redetec.org.br. •

Um radar de bordo inteli-gente, que vai equipar os 54caças AMX da Força AéreaBrasileira (FAB), começaráa ser fabricado no ano quevem no Brasil pela MectronEngenharia, de São José dosCampos. O SCP-01, que fun-ciona como o sensor princi-pal do sistema de mira dasarmas da aeronave de ata-que ao solo, está sendo pro-duzido em parceria entre aempresa brasileira e a italia-na Galileo, responsável pelaunidade transmissora e oprocessador do equipamen-to. Ele detecta e segue a pis-ta de alvos no ar e no mar etambém mede a distânciado alvo para o apontamentode armas. Inicialmente vaiequipar os aviões da FAB,mas a Aeronáutica MilitarItaliana já manifestou inte-resse em comprar o radar pa-ra parte da sua frota de AMX.Os caças foram projetados efabricados na década de 80por um consórcio formado

Radar inteligente produzido no Brasil

em missões de intercepta-ção e ataque antinavio, commísseis lançados de fora doalcance visual. No final doano passado, o radar foi tes-tado no litoral norte paulis-ta, numa operação conjuntada FAB, Marinha, Embraer,Mectron e Galileo. •

pela Embraer e as italianasAlenia e Aermacchi. Sua ca-pacidade de decolar em ape-nas 850 metros permite queoperem a partir de pistas da-nificadas ou até mesmo deestradas. Com o radar, a FABpretende ampliar a capaci-dade operacional do AMX

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Radar do caça AMX: sensor de alvos no ar e no mar

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Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos produzem materiais vítreos que podem ser usados em telescópios, fogões high-tech e ossos artificiais

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TECNOLOGIA

YURI VASCONCELOS

térmico e placas de modernos fogõeselétricos no lugar dos tradicionais quei-madores a gás.

Os materiais vitrocerâmicos surgi-ram há pouco mais de 40 anos. Eles sãoproduzidos a partir da cristalização con-trolada de materiais vítreos. A cristali-zação controlada é um fenômeno queocorre quando o vidro, contendo umagente nucleante dissolvido (óxido detitânio, óxido de fósforo, óxido de zir-cônio, prata, ouro, etc.), é submetido atemperaturas que variam de 500 a 1.100graus centígrados. Como resultado des-se processo, ele se transforma num novomaterial, dotado de características dife-renciadas.“Os materiais vitrocerâmicossão lisos e muito mais resistentes do queo vidro. Além disso, eles podem ter bai-

xa condutividade elétrica e dilatação tér-mica próxima ao zero”, explica o enge-nheiro de materiais Edgar Dutra Zanot-to, coordenador do LaMaV e responsávelpelo desenvolvimento dos novos pro-dutos. As vantagens dessas qualidadessão que esses materiais funcionam comoisolantes elétricos, característica neces-sária aos substratos de discos rígidos,por exemplo, e podem ser usados em si-tuações onde a dilatação do vidro pro-voca prejuízos ao bom funcionamentodo equipamento, como no caso dos te-lescópios ou placas de fogões.

A mais recente das invenções do la-boratório da UFSCar – com patentesendo redigida – é uma vitrocerâmicamuito parecida com o mármore e ogranito e mais resistente que esses ma-

uando o assunto é apesquisa para o desen-volvimento de vidrosespeciais e materiais cor-relatos, o Brasil tem óti-mos motivos para come-

morar. Nos últimos anos, uma equipe depesquisadores do Laboratório de Mate-riais Vítreos (LaMaV) do Departamentode Engenharia de Materiais (DEMa) daUniversidade Federal de São Carlos (UFS-Car) produziu importantes contribuiçõesà pesquisa de vitrocerâmicas, um sofis-ticado material que se origina do vidroe que pode ser empregado na fabricaçãode ossos e dentes artificiais, substratosde discos rígidos de laptops, espelhos detelescópios gigantes, pisos de luxo, pa-nelas transparentes resistentes ao choque

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Muitoalém do vidro

NOVOS MATERIAIS

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teriais. Ela poderá ser usada na fabri-cação de vários produtos que com-põem uma casa: pisos, azulejos e lava-tórios. Por enquanto, o LaMaV dominaa tecnologia para fabricação de peçaspequenas, medindo 15 por 15 centí-metros, mas está desenvolvendo outrasmaiores. No mundo inteiro, apenas aempresa japonesa Nippon ElectricGlass fabrica e comercializa um pro-duto similar, ao preço aproximado deUS$ 500 o metro quadrado, mas comcomposição química totalmente dis-tinta das estudadas no LaMaV. “Aindanão sabemos quanto custará o nossoproduto. O preço será definido na eta-pa de produção, mas certamente serábem mais barato”, explica o coordena-dor do LaMaV.

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– aqueles que são os detentores dos di-reitos sobre a patente – que é a Universi-dade da Flórida”, afirma Zanotto.“Nun-ca recebemos um tostão de royalties”,lamenta o pesquisador.

Há dois anos, os cientistas do La-MaV concluíram o desenvolvimento demais uma vitrocerâmica, desta vez a par-tir de escórias de aciaria, um subpro-duto da indústria metalúrgica com altoteor de silica e óxidos metálicos. O tra-balho foi realizado em parceria com oCentro de Pesquisa e Desenvolvimentoda Usiminas, localizado na cidade deIpatinga (MG). Na Usiminas são gera-das em torno de 125 mil toneladas deescórias de alto-forno e de aciaria pormês, representando um grave problemaambiental. “A produção de vitrocerâ-micas de escórias siderúrgicas livrará oambiente de parte desses resíduos in-dustriais e permitirá a substituição, mui-tas vezes com vantagens, de rochas na-turais e outras matérias-primas”, afirmaZanotto. Graças ao seu aspecto visualagradável, essa nova vitrocerâmica po-derá ser usada como piso, revestimentode paredes e na decoração de ambientes.Os pesquisadores do LaMaV esperaminiciar em breve estudos sobre a fabri-cação do produto em escala piloto.

Avançando as fronteiras - A criaçãodesses novos materiais revela a im-portância das pesquisas conduzidas porZanotto e sua equipe. “Nosso laborató-rio tem 25 anos de atividades e umafilosofia de trabalho bem definida”, dizo pesquisador. “Acreditamos ser possí-vel realizar pesquisa básica de bom ní-vel e aplicar métodos similares ao desen-volvimento de tecnologia. Queremosavançar as fronteiras do conhecimentoe inovar no setor de vidros e materiaiscorrelatos.” Para atingir seus objetivos,o LaMaV tem estabelecido estreita co-operação com indústrias. Nada menosque 18 projetos de pesquisa e desenvol-vimento foram realizados nos últimos20 anos em conjunto com diversas em-presas, entre elas Pirelli, Usiminas, Com-panhia Baiana de Pesquisas Minerais(CBPM) e Alcoa.

Em outra linha de estudo dos pes-quisadores da UFSCar, o objetivo é de-senvolver peças vitrocerâmicas quepossam substituir ossos humanos. Oprimeiro exemplar de uma biovitroce-râmica foi criado em meados dos anos90 numa parceria com a Universidadeda Flórida, Estados Unidos. Trata-se deum material empregado na fabricaçãode dentes artificiais e pequenos ossos doouvido, como o martelo, o estribo e a bi-gorna. Em pó, ele pode ser usado pararecompor cavidades dentárias. No fi-nal da década passada, a patente foi li-cenciada à empresa American Bioma-terials, dos Estados Unidos.“No processode patenteamento, por ingenuidade, fo-mos identificados apenas como os in-ventores do produto e não os titulares

Vitrocerâmica de escória de aciaria: resíduos transformados em peças de decoração, pisos e revestimentos

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Toda essa produção tecno-lógica, segundo Zanotto, estásedimentada no campo daciência fundamental em pes-quisas baseadas na compreen-são do fenômeno de cristali-zação.“Os vidros são materiaisque possuem energia relativa-mente alta no nível atômico de-vido à sua estrutura molecu-lar desordenada e tendem acristalizar-se espontaneamen-te, sem controle, durante a fa-bricação ou o uso, perdendo atransparência, trincando ouquebrando”, afirma Zanotto.“Os materiais cristalinos, aocontrário, como as vitrocerâ-micas, cuja estrutura molecu-lar é organizada, têm a menorenergia possível e, portanto,são termodinamicamente está-veis.” Esse fenômeno, quandoespontâneo, pode ser uma fon-te de sérios problemas. No en-tanto, se a cristalização for fei-ta de maneira controlada, épossível desenvolver novosmateriais policristalinos comoas vitrocerâmicas.

Óculos no forno - Como é comum nahistória da ciência, os materiais vitro-cerâmicos foram descobertos por aca-so. No final dos anos 50, o pesquisadornorte-americano Donald Stookey, daempresa Corning Glass, conduzia pes-quisas com vidros fotocromáticos, des-ses que escurecem com a luz – pois têmminúsculos cristais de prata disper-

sos –, quando percebeu que havia dei-xado, por esquecimento, um par de len-tes de óculos durante toda a noite numforno aquecido. Essas lentes ficaramopacas, completamente cristalizadas,pois haviam se transformado em outromaterial, muito mais resistente, queele acabou chamando de vitrocerâmi-ca (glass-ceramics). Nesse caso fortuito,a prata atuou como agente nucleante.De lá para cá, dezenas de empresas e

laboratórios espalhados peloplaneta vêm estudando novascomposições e formas de produ-ção desses materiais, que se mos-traram úteis em diversas aplica-ções. Os espelhos dos telescópiosGemini (Chile e Havaí, EUA) sãofeitos de vitrocerâmica, assimcomo a superfície de modernosfogões elétricos, que não têm cha-ma e nem fogo, apenas círculosonde são colocadas as panelas ouo próprio alimento. Fogões dessetipo já são fabricados pelas em-presas Bosch, Siemens e Jung, deBlumenau (SC), que importa omaterial vitrocerâmico.

Pulo do gato - Além da criação demateriais inovadores, os cientistasda UFSCar também pesquisamum novo processo de fabricaçãode vitrocerâmicas, conhecido porsinterização com cristalização con-trolada. Sinterizar significa unirvárias partículas por aquecimento.Nesse caso, a formação da vitro-cerâmica não necessita de agentesnucleantes como acontece no pro-

cesso tradicional de obtenção desse ma-terial. A sinterização com cristalizaçãocontrolada, portanto, não demanda aadição de uma nova substância que a-tue como catalisador. Partículas de im-purezas e defeitos presentes na própriasuperfície do vidro fazem o papel doagente nucleante. Zanotto explica: “Ob-servamos que na cristalização descon-trolada o processo de transformação dovidro começa na superfície e concluí-

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Falta integração com a indústria vidreiraA produção industrial de vidros

no Brasil também ganha destaque nocenário mundial ao lado das pesqui-sas relacionadas a novos materiais ví-treos. Em 2001, a capacidade instala-da da indústria vidreira nacional eracalculada em 2,6 milhões de tonela-das, sendo que os fabricantes de vi-dros planos respondiam por 31,7%do total – em seguida vinham os pro-dutores de embalagens de vidro, com31,1%. Juntas, as 74 empresas do se-tor faturam cerca de R$ 2,65 bilhões

por ano e geram quase 12 mil postosde trabalho.

Apesar do excelente desempenhodo setor e do alto nível dos trabalhoscientíficos, não existe uma forte inte-gração entre os fabricantes de vidro eos centros de pesquisa. Poucos pro-fissionais com doutorado ou mestra-do na área são contratados pelo setorprodutivo. “A maioria das indústriasde vidro opera com capital estrangei-ro e mantém centros de pesquisa emseus países de origem”, escreveu Za-

notto no artigo Glass industry and re-search in Brazil (Indústria e pesqui-sa de vidro no Brasil), divulgado emmarço último na revista Glass Inter-national. “Essa é, provavelmente, arazão da fraca interação entre as em-presas internacionais e os grupos depesquisas das universidades brasilei-ras”, alerta. Segundo Zanotto, a rela-ção entre os pesquisadores e a indús-tria vidreira nacional também não éproveitosa. “É infatisfatória, porquefalta diálogo e cooperação.”

Peça que poderá concorrer no mercado com o mármore

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mos que ali existem partículas e falhascujo efeito é semelhante ao dos agentesnucleantes.”, conta Zanotto. A partirdessa conclusão, os pesquisadores doLaMaV moeram o vidro para que o póresultante contivesse essas partículassuperficiais. “Esse foi o pulo do gato denossas pesquisas”.

Pode parecer simples, mas na prá-tica é muito difícil. Os pesquisadoreslevaram sete anos para desvendar ossegredos da sinterização com esse tipode cristalização, chamada de concor-rente. A sinterização deve ocorrer noinício do processo e só no final é quedeve começar a cristalização. “Temosum projeto temático, com complexassimulações computacionais, tentandoentender e controlar a competição en-tre sinterização e cristalização”, afirmaZanotto. Segundo ele, a sinterização comcristalização concorrente é um processoalternativo para fabricação de vitroce-râmicas e, em certos casos, pode ser maisrápido e barato.

Com os resultados dos estudos pro-duzidos pela equipe do LaMaV, o la-boratório tornou-se um dos mais con-ceituados centros mundiais de pesquisaem sinterização para produção de ma-teriais vitrocerâmicos. Apenas algunsoutros grupos conseguiram chegar aosresultados alcançados pelos pesquisa-dores da UFSCar: por exemplo, umaequipe do laboratório BAM, de Ber-

lim, na Alemanha, um grupo ligado àAcademia de Ciências da Bulgária e aempresa japonesa Nippon Electric Glass.“Todos esses pesquisadores têm feito,paralelamente a nós, importantes des-cobertas sobre o fenômeno da sinteri-zação e cristalização controlada”, afirmao pesquisador.

Atuação destacada - Para se ter umaidéia da relevância das pesquisas con-duzidas por Zanotto e sua equipe, bas-ta saber que nos últimos 20 anos ogrupo foi laureado com mais de umadezena de prêmios nacionais e interna-cionais e apresentou, sob convite, cercade 55 palestras nos mais importantescongressos da área. “Uma amostra daimportância e repercussão das pesqui-sas desenvolvidas por nossa equipe é ofato de que, nos últimos dois anos, em

12 ocasiões, fomos convidadosa proferir palestras plenáriasem eventos importantes”, afir-ma Zanotto.

Além do LaMaV, outrosgrupos nacionais de pesquisatambém têm se sobressaído nodesenvolvimento de novos ma-teriais e novas tecnologias asso-ciadas ao vidro. A força da pes-quisa brasileira pode ser avaliadapela publicação de artigos em pe-riódicos científicos internacio-nais. Nos últimos seis anos, apro-ximadamente 5% de todos osartigos divulgados no Journal ofNon-Crystalline Solids e 2% dospublicados no Physics and Che-mistry of Glasses, as mais impor-tantes revistas científicas dosetor, foram assinados por pes-quisadores brasileiros.

Novas instalações - A atuaçãodo LaMaV, cuja equipe é formada portrês professores, dois pós-doutorandos,seis alunos de doutorado, dois de mes-trado, quatro de iniciação científica eum técnico, ficará ainda mais fortaleci-da com a inauguração, no próximomês, das novas instalações do laborató-rio, de 530 metros quadrados. O pré-dio, que custou cerca de R$ 300 mil, re-cebeu financiamento da própria UFSCare de convênios com empresas. Os re-cursos para a infra-estrutura vieram doPrograma de Apoio a Núcleos de Exce-lência (Pronex) do Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq) e do projeto temáticoProblemas Correntes sobre Cristalizaçãode Vidros financiado pela FAPESP. Oprédio tem o formato de um fornopara fabricação de vidros e está apare-lhado com equipamentos de última ge-ração. “Os recursos da FAPESP viabili-zaram a instalação da infra-estruturado novo laboratório, que é de padrãointernacional, e também a publicaçãode vários artigos e a apresentação deuma dezena de palestras convidadas noexterior”, diz Zanotto.

Os pesquisadores do LaMaV es-tão, assim, fazendo ciência e desen-volvendo tecnologia para novos mate-riais que devem compor produtos dediversas funções. De ossos artificiais,passando pelo disco rígido de laptopaté a pia de um bom banheiro. •

O PROJETO

Problemas Correntes sobre Cristalização de Vidros

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADOREDGAR DUTRA ZANOTTO – Departamento de Engenharia de Materiais - UFScar

INVESTIMENTOR$ 794.824,88

Vitrocerâmica desenvolvida para ser usada na confecção de dentes e ossos artificiais

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ENGENHARIAS

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Amostras fabricadas no LNLS: sensores, pinças

para manipular cristais de proteínas e estruturas

para cultura de neurônios

Minúsculas e notáveis

MARCOS DE OLIVEIRA

Laboratório Nacional de LuzSíncrotron desenvolvemicropeças comampla utilização no meio acadêmico e na indústria

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no LNLS em 1999, num projeto idea-lizado pelo professor Ferreira aindautilizando as instalações do Centro dePesquisa e Desenvolvimento (CPqD),criado pela antiga Telebras, o Musa jáproporcionou a fabricação de micrope-neiras para limpeza de água, microdu-tos para contagem de bactérias no leite,guias de laser e até um microdispositi-vo que serve como base para o cresci-mento de neurônios em pesquisas la-boratoriais. Além do suporte do LNLS,o Musa recebe apoio da FAPESP, doCentro de Pesquisas Renato Archer(Cenpra), antiga fundação Centro Tec-nológico para a Informática (CTI), e do

Centro de Componentes Semi-condutores (CCS) da Faculdadede Engenharia Elétrica da Uni-versidade Estadual de Campinas(Unicamp).

Alta velocidade - O experimentoque está mais próximo de ganharo mercado é mesmo o do profes-sor Ferreira. Com a colaboraçãodo aluno de mestrado Pedro Ri-cardo Barbaroto, do CCS da Uni-camp, ele finaliza o defletor defeixes de luz que se movimentapor indução eletromagnética efaz a varredura do código de bar-ras. Fabricado com um monocris-tal de silício, o novo dispositivotem resistência mecânica melhor

que o aço-mola, com custo menor emelhor desempenho que os equipa-mentos usados atualmente. A veloci-dade do novo dispositivo se compara-do com a dos atuais é também um fatorfavorável. Ele pode oscilar 1.300 vezespor segundo, enquanto os aparelhos exis-tentes no mercado não podem oscilaracima de 30 vezes com risco de se enga-nar na leitura.

“Já patenteamos o princípio do acio-namento do mecanismo por induçãonos Estados Unidos e no Brasil”, contaFerreira. O defletor está incluso nessaspatentes. Agora, o trabalho de Ferreirae de Barbaroto é miniaturizar a partedo defletor, chamada de estator, peçaque não se movimenta durante o fun-cionamento do aparelho. “Se uma em-presa se dispuser a produzir esse equi-pamento em larga escala, ele vai ficarbarato”, assegura Ferreira.

Outro experimento produzido noMusa que apresenta possibilidades fu-

s aparelhos que lêem ocódigo de barras dosprodutos nos supermer-cados, e se espalham poroutros estabelecimentos

do comércio, estão ganhando uma pe-quena peça que poderá torná-los maisrápidos e eficientes. Acionado por umcampo eletromagnético, essa peça, quepossui o tamanho de 25 milímetros decomprimento por 12 milímetros de lar-gura, chamada de defletor ou scanner,leva no seu interior um produto precio-so com a espessura de 70 micrômetros(também chamados de mícrons) ou0,07 milímetros de espessura. É umatrilha de ouro instalada no cen-tro do rotor, a parte giratória doscanner que faz a leitura das bar-ras impressas nas embalagens. Aincorporação dessa inovação vaiampliar os exemplos de produtosda tecnologia de microfabricação,um segmento que cresce em im-portância no atual estágio do de-senvolvimento industrial.

No nosso dia-a-dia, váriosexemplos já mostram o potencialdessas micropeças que sempre fi-cam escondidas dentro de equipa-mentos bem maiores se compara-dos com elas, como nas cabeçasde bicos de impressoras de jato detinta, sistemas portáteis de dosa-gem de glicose e os acelerômetros,micromáquinas que acionam o air-bagde veículos.

“A microtecnologia trabalha comdimensões de alguns micrômetros aalguns centímetros”, explica o profes-sor Luiz Otávio Saraiva Ferreira, coor-denador do Projeto Multiusuário deMicrofabricação (Musa) do Laborató-rio Nacional de Luz Síncrotron (LNLS)e mentor do oscilador para leitores decódigo de barras, projeto que recebeufinanciamento da FAPESP.

Não tão famosa como a sua irmãmais nova, a nanotecnologia, já usadanos chips eletrônicos, mas ainda emfase experimental em vários campos deestudo, a microfabricação, além de es-tar presente em diversos produtos, é aesperança para um amplo leque de atua-ções. Por exemplo, ela está cotada paraformulação de microdispositivos de aná-lise clínica que vão funcionar num reci-piente do tamanho de uma caixa de fós-foros e dispensar num futuro não

muito distante os tradicionais examesde sangue. Apenas uma gota retiradado dedo do paciente – como atualmen-te nos exames rápidos de diabetes –será suficiente para se fazer um hemo-grama ainda no consultório do médicoou ao lado de um leito hospitalar.

Ganha o paciente, que não precisa-rá mais ver uma seringa perfurar o seubraço e ganha o médico, que poderá vero resultado de forma instantânea natela do computador que estará conec-tado ao microdispositivo de análiseclínica. “Ainda estamos no começo, tes-tando as enzimas, as interfaces elétri-cas e caracterizando os polímeros que

vão ser usados nos microcanais que fa-rão a análise do sangue”, diz o químicoJúlio César Bastos Fernandes, pós-dou-torando no LNLS com bolsa da FA-PESP, que iniciou em setembro do anopassado um projeto de construção des-ses microdispositivos de análise clínica.

Pesquisadores convocados - O braçomais famoso da microfabricação é a mi-croeletrônica, responsável pela produ-ção de chips. Para tornar o outro braçoda microfabricação, que produz micro-peças não-eletrônicas, mais famoso emais útil aos pesquisadores brasileiros efuturamente à indústria, o ProjetoMusa trabalha para assegurar essa no-toriedade. Por meio de rodadas anuaisde editais, o grupo convoca pesquisa-dores interessados em micropeças paradiversos experimentos. O próprio slo-gan do Musa define bem a sua função:“Você projeta, nós fabricamos e vocêtesta”. Dessa forma, desde sua criação

Micropeneira: em um espaço de1 cm por 1 cm, 67 mil orifícios

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turas de ser utilizado pela indús-tria – e que já foi testados emcampo – são as micropeneiras,dispositivos que podem ser utili-zados para retirar partículas mui-to pequenas suspensas em gasesou em líquidos, além de servirpara separar, por tamanho, partí-culas sólidas em pó. As micrope-neiras projetadas e testadas pelaprofessora Maria Aparecida Sil-va, da Faculdade de EngenhariaQuímica (FEQ) da Unicamp, sãofeitas de cobre no tamanho deum centímetro por um centíme-tro e possuem 67 mil orifícioscom diâmetro de 20 mícronscada um. Com essa micropenei-ra foram realizados experimen-tos de filtração de água em labo-ratório, utilizando-se amostrascoletadas de uma estação de tra-tamento de água da Sociedade deAbastecimento de Água e Sanea-mento (Sanasa) de Campinas.

“Com a filtração da água bruta,conseguimos a retirada de 95% da ma-téria orgânica, e a filtração da água tra-tada quimicamente apresentou um ín-dice de transparência de 99,9%”, dizMaria Aparecida. “Esse produto tevebons resultados experimentais e tempotencial de uso no tratamento de águaa um preço barato e com amplo impac-to social, se produzido em larga escala.”

A micropeneira também poderáser utilizada como membrana filtranteem sistemas de hemodiálise, que filtrao sangue de pessoas com insuficiênciarenal. Com esse novo dispositivo, ficamais viável o desenvolvimento de umequipamento portátil para hemodiá-lise. Maria Aparecida tem confiançano uso futuro da micropeneira tantono tratamento de água como na hemo-diálise, porque a boa uniformidade dosorifícios garante o sucesso técnico dodispositivo.

As possibilidades abertas com pro-jetos de microfabricação são amplas. Osdutos dos microdispositivos fabricadosno LNLS também já cedem espaço paraprojetos inovadores, como o do profes-sor Elnatan Chagas Ferreira, da Facul-dade de Engenharia Elétrica e de Com-

putação da Unicamp. Ele pesquisa umcontador de bactérias no leite por meiode microdutos e fibras ópticas. “A con-tagem das bactérias é feita no meio líqui-do em microdutos fabricados no Musaque medem 100 mícrons de largura e100 mícrons de altura”, explica Ferreira.Ele e o doutorando André Teixeira es-tão elaborando um protótipo de conta-dor de bactérias automatizado acopladoa um microscópio óptico especial quefaz a contagem dos microrganismos.

Neurônios de escargô - Outros proje-tos também produziram dispositivospara contato com material orgânico.Um deles foi a criação de uma microes-trutura para a cultura de neurônios numtrabalho realizado no Laboratório deMicroeletrônica da Escola Politécnicada Universidade de São Paulo (USP).Dois doutorandos, Henrique Estanis-lau Maldonado Peres e Nathalia Peixoto,sob a orientação do professor FranciscoJavier Ramirez-Fernandez, desenvolve-ram um dispositivo de 1,2 milímetrode lado, com cavidades para orientar ocrescimento de neurônios de escargô(Helix aspersa) em meio de cultura. Osexperimentos mostraram que as célu-

las aderem e crescem sobre asestruturas e podem ser estimu-ladas por meio de microeletro-dos. “Precisamos, agora, desen-volver um dispositivo com canaisde maior profundidade paraacomodar os neurônios”, explicaPeres. “O maior sucesso foi estu-dar a propagação de sinais elétri-cos (ou estímulos elétricos) nosneurônios in vitro.”

Testador portátil - O óleo de co-zinha usado em restaurantes eoutros estabelecimentos de produ-ção de alimentos, como as paste-larias, foi o objeto de um experi-mento realizado no Musa peloprofessor Edval Santos, da Uni-versidade Federal de Pernambu-co (UFPE). Ele desenvolveu umcapacitor que mede as constantesdielétricas (resistência à passagemde corrente) de líquidos comoóleo de cozinha, solventes e com-bustíveis. “Com esse capacitorpoderemos, por exemplo, carac-terizar o óleo de cozinha usadono comércio, medindo a quali-

dade desse produto”, explica Santos. Omesmo princípio poderá ser tambémutilizado para detectar adulterações emcombustíveis.

Conforme o tempo de fritura, o óleopode perder as características originaise tornar-se, inclusive, cancerígeno. Umadas maneiras de avaliar essa degradaçãoé medir as propriedades elétricas do óleocom o capacitor, que funciona como umsensor químico. “Com o microcapaci-tor produzido no Musa é possível mon-tar um sistema de inspeção para testarno próprio local a qualidade do óleo,funcionando como um sistema de tria-gem para o laboratório que irá emitirum laudo conclusivo”, prevê Santos.

Entre os vários projetos já executa-dos pelo Musa estão, por exemplo, umapinça para manipular cristais de proteí-nas, ferramenta útil para os pesquisa-dores do Centro de Biologia MolecularEstrutural do LNLS. “Já temos a pinça,agora precisamos criar o mecanismoque dará movimento a ela”, explica Iza-que Alves Maia, pesquisador do Musa.Como a pinça, outras peças produzidasno Musa já estão delineadas e fabrica-das, porém não estão prontas para en-trar em ação. Normalmente, elas fazem

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Oscilador em ação: leitura maisrápida e melhor resistência mecânica

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Base Isolantecom filme condutivo EXPOSIÇÃO À RADIAÇÃO

ULTRAVIOLETA (UV) OU RAIO X

Polímeroprotegidoda radiação UV

MOLDEPOLIMÉRICO

Região sempolímero

REMOÇÃODO

POLÍMERO

ELETRODEPOSIÇÃO

Preenchidocom metal

LIBERAÇÃODA BASE

MICRO ESTRUTURA DE METAL

Revelação

POLÍMEROFOTOSSENSÍVEL

Polímeroexposto àradiação

Máscara Litográfica

parte de sistemas maiores que exigemnovos estudos e a criação de novos me-canismos. São, no entanto, peças essen-ciais a sistemas inovadores e, muitas ve-zes, inéditas.

Litografia e metais - Para ser entreguesa seus idealizadores, todas as micrope-ças fabricadas no Musa passam porum mesmo processo de produção compequenas variáveis. Elas são projetadaspelos interessados – pesquisadores deinstitutos e universidades ou de empre-sas – e enviadas ao LNLS. O processode fabricação começa com a produçãode uma micromáscara litográfica pro-duzida em metal com o desenho dapeça. Essa máscara é, então, colocadasobre um polímero fotossensível assen-tado sobre uma base de silício ou vidrorevestido com uma camada condutiva.Depois esse conjunto é exposto à radia-ção ultravioleta. O desenho da peça fi-ca impresso no polímero como num fil-me fotográfico.

Ao retirar-se o polímero da partesensibilizada forma-se um molde damicropeça. Na parte final da fabricaçãodo dispositivo, esse molde ganha poreletrodeposição ou galvanoplastia –sob a ação de corrente elétrica – um

metal, que pode ser cobre, níquel ououro. Essa fase é realizada na empresaMetalfoto, na cidade de Cotia, que faz ocrescimento do metal dentro do moldede polímero. A micropeça fica prontaquando são retirados esse molde e abase de silício ou de vidro.

“Nossa intenção para avançar nesseprocesso de microfabricação é fazer asensibilização (litografia) com o raio X daluz síncrotron em vez da radiação ul-travioleta”, diz o coordenador do Musa,Luiz Otávio Ferreira. “Com isso tere-mos melhor qualidade na fabricação

das peças.” Uma das dez linhas de luz dosíncrotron, chamada XRL, está destina-da exclusivamente para o trabalho doMusa. Esse raio X é produzido a partirda energia dos elétrons que circulam, navelocidade da luz, no interior do anelmetálico de 93 metros de comprimentoe 30 metros de diâmetro que, integradoa dezenas de outros componentes, for-ma a fonte de luz síncrotron.

Uso industrial - Os primeiros experi-mentos com o raio X estão sendo realiza-dos pela equipe do professor Ferreira.Mesmo sem a utilização plena do raioX, os mecanismos de fabricação de mi-cropeças estão disponíveis para quemnecessitar desse serviço industrial. A in-tenção do LNLS é aumentar a participa-ção de empresas interessadas em fazermicrodispositivos.“Nós temos a receitade fabricação de micropeças e podemoscolaborar com empresas nos seus proje-tos”, diz Ferreira, que também é profes-sor da Faculdade de Engenharia Mecâ-nica da Unicamp, onde está formandoum grupo de estudos em microssistemas.São boas notícias para os vários setoresque necessitam de microdispositivos pa-ra o desenvolvimento de aparelhos, sis-temas e equipamentos inovadores. •

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 73

O PROJETO

Projeto, Microfabricação e Caracterização de OsciladoresMicroeletromecânicos comAcionamento Eletromagnético

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORLUIZ OTÁVIO SARAIVA FERREIRA –LNLS

INVESTIMENTOR$ 92.660,25 e US$ 51.671,90

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poluição sonora é conside-rada como a terceira maiorcausa de poluição ambien-tal pela Organização Mun-dial de Saúde (OMS).

As conseqüências do excesso de ruídospara os ouvidos humanos traduzem-seem danos físicos e psíquicos, que se ins-talam gradativamente e afetam a quali-dade de vida nas grandes metrópoles.Nos últimos anos, a preocupação como controle acústico resultou em exigên-

cias para serem cumpridas pelas indús-trias de todo o mundo antes que elascoloquem seus produtos no mercado.

No Brasil, os carros só saem da fá-brica se produzirem até 77 decibéis deruído; as motos, 80; caminhões e ôni-bus, 84. Uma das maneiras de a indús-tria automobilística atingir essas metasé revestir o motor com materiais queabsorvam ruídos e vibrações, como achapa VDS (Vibration Damping Steelou Aço Anti-Ruído e Vibração), fabri-

cada nos Estados Unidos e no Japão eque deve ser lançada comercialmenteno Brasil ainda este ano. A tecnologianacional foi desenvolvida pela FitaferIndústria e Comércio, de Franco daRocha, na região metropolitana de SãoPaulo, com o apoio do Programa deInovação Tecnológica em Pequenas Em-presas (PIPE), da FAPESP.

O embrião do projeto da Fitaferque resultou na chapa VDS, compostapor duas lâminas de aço recheadas por

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ENGENHARIA METALÚRGICA

Sanduíche de lâminas de açoe polímero formam chapas queabsorvem vibrações de motores

Ruído controlado

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TECNOLOGIA

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Adesão do filme depolímero às lâminas

de aço ocorre noforno a 190o Celsius

DINORAH ERENO

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 75

de motor, é para o final do próximoano. “Precisamos de um forno maiorpara fabricar peças de maior porte e,para isso, é necessário um investimen-to alto”, explica Ecidir Dias Taverneiro,diretor executivo da empresa.

No ano passado, o faturamento daFitafer chegou a R$ 8 milhões. Quan-do as peças maiores estiverem em pro-cesso de produção, serão definidos ospotenciais compradores. A indústria au-tomobilística é uma das fortes candida-tas, além das empresas de estamparia.Mas, como a Fitafer também tem a suaprópria estamparia, poderá fornecer apeça pronta. “Tudo vai depender do ta-manho da peça, se cabe ou não na nos-sa prensa”, adianta Taverneiro.

As possibilidades de aplicação dachapa VDS são variadas: equipamentoselétricos, materiais de construção e in-dústria automotiva. Esse amplo campode atuação atrai as grandes siderúrgicasbrasileiras, que já demonstraram inte-resse em dominar o processo para pro-duzi-la. Segundo Assis, a Usiminas estáinvestindo em pesquisas para chegar auma tecnologia própria para produzirchapas similares à VDS. A CompanhiaSiderúrgica Nacional (CSN), por meiode sua subsidiária Inal, já propôs à Fita-fer uma joint venture para fabricar achapa VDS com a tecnologia desenvol-vida com o apoio do PIPE. Enquantoisso, o IPT e o coordenador do projetoestudam a solicitação de uma patentepara o processo de fabricação da chapa.

Parceria vitoriosa - Para o professor, aspequenas empresas não têm comocompetir com as grandes nem em es-cala nem em tecnologia. Portanto, dizAssis Junior, elas precisam diversificarsuas atividades para sobreviver. Essa fi-losofia é compartilhada pela Fitafer,que procura “adequar os seus produtosàs necessidades do mercado brasileirode aços planos”.

Agora, a empresa tem na mão umproduto importante e essencial no atualestágio do desenvolvimento industrial,em que o cuidado com as questões am-bientais está na primeira linha das exi-gências produtivas. Um produto comgrandes perspectivas comerciais, deli-neado de forma exemplar na parceriaentre a empresa, um especialista e oapoio fundamental de um centenário ereconhecido instituto de pesquisa. •

um polímero em forma de filme, origi-nou-se no Instituto de Pesquisas Tec-nológicas (IPT). Em 1997, quando aFundação abriu as primeiras inscriçõespara o PIPE, o engenheiro VicenteMazzarella, na época diretor técnicodo IPT, convidou Francisco de PaulaAssis Júnior, um engenheiro aposen-tado especializado nas áreas de lami-nação e tratamento térmico, com ex-periência de dez anos de trabalho naCompanhia Siderúrgica Paulista (Co-sipa), para coordená-lo.

“Achei interessante porque é mi-nha área de atuação. O Brasil só pode-rá passar dessa condição de emergente,quando desenvolver tecnologia indus-trial”, diz o engenheiro formado pelaEscola Politécnica da Universidade deSão Paulo (USP) e atualmente profes-sor da Faculdade de Engenharia Indus-trial (FEI), de São Bernardo do Campo,e da Escola de Engenharia Mauá, deSão Caetano do Sul. Mazzarella e Assisprocuraram, então, a Fitafer, produtorade aços relaminados, que atuava combons resultados na área e tinha interes-se em diversificar seus produtos.

Assis conta que o ponto de partidapara o trabalho foi uma chapa VDS fa-bricada nos Estados Unidos, usada nocárter (parte do motor onde fica estoca-do o óleo) dos motores a explosão daMWM, uma empresa norte-americanacom filial no Brasil. “Ela nos forneceuamostras da chapa e fizemos uma ava-liação das características do material. Ogrande problema era encontrar o polí-mero adequado, porque a 3M, o forne-cedor do fabricante norte-americano,recusou-se a nos ceder amostras.”

Estabilidade e aderência - O próximopasso foi selecionar, com a ajuda do IPT,três polímeros candidatos para compora chapa VDS com tecnologia nacional.Como essa peça passa por uma série deoperações, o polímero não pode desco-lar. Foram testadas aderência e estabili-dade até temperaturas de 150o Celsius.Os ensaios, que ainda não tinham sidorealizados no Brasil, foram feitos noinstituto com polivinil butiral (PVB),polietileno (PE) e polipropileno (PP).O aço utilizado foi o SAE 1006, cedidopela Fitafer. Os testes da fase laborato-rial resultaram na escolha do PVB co-mo o polímero que tinha melhor ade-rência às chapas de aço.

A segunda etapa do projeto, em es-cala piloto, foi realizada em parte na Fi-tafer, com um forno e outros acessóriosadquiridos com financiamento do PIPE.Nessa fase, o PVB recebeu vários aditi-vos, para absorver melhor os ruídos eas vibrações e garantir sua aderência àslâminas de aço. “Os resultados foramconsiderados muito bons e o polímerodemonstrou ter boa estabilidade e ade-rência”, conta o coordenador do projeto.

processo de rechear aschapas com o polímeroé relativamente simples.As duas lâminas de aço eo filme de polímero são

nivelados para entrar no forno, ondepermanecem durante cerca de uma ho-ra a uma temperatura de 190o Celsius.Passado o tempo necessário para queocorra a cura, a chapa passa por novonivelamento e está pronta para ser usa-da. “O problema maior é o conjunto fi-car bem sustentado no forno e ocorrera cura do polímero, o que significa en-durecer e aderir, formando um conjun-to coeso”, explica o professor.

Produção industrial - A fase piloto ter-minou em outubro do ano passado.Agora, a Fitafer prepara-se para produ-zir comercialmente as primeiras peçasno segundo semestre deste ano. Inicial-mente, vai fabricar apenas peças de pe-quenas dimensões, como chapas paraliquidificadores, com o mesmo fornousado para produzir as chapas em esca-la piloto. Para dar início à produção co-mercial, está construindo uma novaárea na empresa, que deverá ficar pron-ta em agosto. A previsão para fabricarpeças maiores, como a tampa de cárter

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O PROJETO

Desenvolvimento de Chapas VDS(Vibration Damping Steel), para Absorção de Ruídos e Vibrações

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORFRANCISCO DE PAULA ASSIS JÚNIOR –Fitafer

INVESTIMENTOR$ 246.700,00

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xtrair a ima-gem de umcarro de Fór-mula 1 cor-rendo no Au-

tódromo de Interlagos,em São Paulo, e aplicá-laem outro cenário ou des-tacar a imagem de umciclista passeando numacidade e sobrepô-la auma paisagem árida egelada do continente an-tártico são dois exemplosdos efeitos especiais ob-tidos para a edição de ví-deos digitais por umsoftware que está em fasefinal de desenvolvimentopela empresa SDC Enge-nharia, Sistemas e Ele-trônica, de São Paulo. “Criamos umaferramenta computacional inédita, queserá valiosa para os profissionais quetrabalham com edição e pós-edição deimagens”, afirma Robert Liang Koo, di-retor da SDC e coordenador do projetointitulado Segmentação Assistida deImagens e Vídeos Digitais, financiadopela FAPESP dentro do Programa deInovação Tecnológica em PequenasEmpresas (PIPE).

Resultado de mais de dois anos deextenso trabalho, o software será umaferramenta simples e rápida para auxi-liar no processo de segmentação de ima-gens digitais que será muito útil emgravações no sistema Digital Video Disc(DVD) ou para a futura TV digital. Essatécnica de segmentação consiste emisolar os pixels (o menor ponto tonalde um sistema de imagem digital) que

representam o objeto de interesse dosdemais existentes no fundo da imagem.Com ele, será possível fazer o recortede qualquer objeto em qualquer tipode cenário, sem que para isso as gra-vações precisem ocorrer em ambientepreviamente preparado, como é neces-sário atualmente. Em outras palavras,o software, batizado de SDC ProntoVí-deo, permitirá a segmentação de vídeoscom imagens bem mais complexas, in-dependentemente das cores e das ca-racterísticas do fundo e da imagem aser destacada.

A colagem de imagens é um recur-so bastante utilizado pelos telejornais emtodo o mundo. A previsão do tempo doJornal Nacional, da TV Globo, porexemplo, mostra o apresentador e aofundo uma imagem animada do mapado Brasil. Mas, para a cena ir ao ar, as

filmagens do apresentador e do mapa aofundo são feitas separadamente. Primei-ro,o “homem do tempo”é filmado à fren-te de uma parede azul, cheia de marca-ções (pregos ou adesivos) que mostramonde, supostamente, estão os Estadosbrasileiros e os aspectos meteorológi-cos a serem ressaltados – frentes frias,massas de ar seco, ar quente, chuvas,etc. Depois, é feita uma animação emque é mostrado o comportamento dameteorologia no território brasileiro.

Cenário azul - Na montagem final, aimagem do meteorologista é isolada erecortada do cenário azul e colada so-bre a animação. Esse efeito especial sóé possível graças a uma sofisticada téc-nica de edição de imagens conhecidapor croma-key ou fundo azul. Para li-vrar o recorte de distorções, a gravação

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INFORMÁTICA

Empresa paulistana desenvolve software que incorpora efeitos especiais em sistemas de vídeos

Criação sem limites

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TECNOLOGIA

O software isola e faz o recorte de qualquer objetoe propaga o quadro para outra cena

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se dá em um ambiente controlado. Ocenário onde se encontra o apresenta-dor é todo azul, e a iluminação é orien-tada para acentuar o contraste entre elee o cenário ao fundo.

Agilidade e rapidez - Segundo Koo,que também é professor de Ciências daComputação na Pontifícia UniversidadeCatólica (PUC), de São Paulo, o softwaredesenvolvido é bastante superior a si-milares disponíveis no mercado. A seg-mentação de imagens num ambientegenérico é tão difícil que, na maioriados casos, ela é feita manualmente, como usuário desenhando o contorno doobjeto, como se fosse umamáscara, para em seguida re-cortá-lo. Essa segmentação,feita com uma ferramentadisponível em inúmeros sof-twares de desenho, como oPhotoshop, é realizada deacordo com a percepção vi-sual do usuário e leva mui-to tempo. “O que oferece-mos agora é uma ferramentasemi-automática, extrema-mente ágil e muito mais fácilde ser manipulada”, explica.

Sua operação é muitosimples. Inicialmente, o usuá-rio deve assinalar, no primeiro quadroda imagem, o objeto que pretende iso-lar. Para isso, basta posicionar o cursorem cima do objeto e, pressionando obotão da esquerda do mouse, fazer umpequeno risco no objeto. Esse é o mar-cador interno, que leva a cor vermelha.Em seguida, ele faz um marcador exter-no, em azul, nas áreas ao redor do obje-to, pressionando o botão da direita domouse e fazendo outro risco. “Doismarcadores simples, um externo e ou-tro interno, já são suficientes para oProntoVídeo processar a segmentaçãoda imagem”, explica Koo. Ele vai procu-rar encontrar o contorno do objeto,por meio da diferença de padrão dospixels, que é expressa pela mudança decor, textura e brilho do objeto a ser re-cortado e o que está a seu redor.

Uma vez feitas as marcações ini-ciais, o ProntoVídeo projeta o contor-no do objeto e do fundo. Utilizandocálculos de estimativa de movimento,esses contornos são propagados para osquadros seguintes do filme. Caso ocor-ram pequenas distorções no recorte –

O PROJETO

Segmentação Assistida de Imagens e Vídeos Digitais

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORROBERT LIANG KOO – SDC

INVESTIMENTOR$ 91.000,00 e US$ 35.000,00

por exemplo, se parte do objeto, comoo nariz da pessoa, não tiver sido desta-cado –, o usuário interfere no processo,fazendo as correções necessárias, apa-gando alguns marcadores ou introdu-zindo novos. No caso do nariz, bastariaque se fizesse um marcador interno nesseponto e ele seria recuperado na imagemrecortada. “Por isso é que a segmenta-ção é semi-assistida e não totalmente au-tomática”, explica Koo.

O desenvolvimento da tecnologiafoi feito com o auxílio dos pesquisado-res Roberto Lotufo, da Faculdade deEngenharia Elétrica e de Computaçãoda Universidade Estadual de Campi-

nas (Unicamp); Junior Barrera, doInstituto de Matemática e Estatísticada Universidade de São Paulo (USP);Alexandre Falcão, do Instituto de Com-putação da Unicamp; e Rubens Macha-do, do Centro de Pesquisas Renato Ar-cher (Cenpra), de Campinas. SegundoLotufo, o ProntoVídeo terá, inicialmen-te, duas utilidades básicas.“Ele será usa-do para realizar efeitos especiais em ví-deo, como a retirada de fundos, e paraprodução de vídeos no formato MPEG-4,

um novo formato de vídeo digital emque os vários objetos em cena são co-dificados separadamente”, afirma. “Onovo software da SDC ajudará o produ-tor de MPEG-4 na separação dos várioselementos presentes na imagem.”

O produto deverá estar no mercadodentro de um ano. Mas o protótipo,concluído no ano passado, já se encon-tra em plenas condições de ser utiliza-do pelo usuário final. “Estamos apenasfazendo alguns aperfeiçoamentos paraque ele se torne um produto competiti-vo no mercado internacional”, afirma odiretor da SDC. “Entre outras coisas,estamos solicitando uma patente com

o auxílio da FAPESP e me-lhorando o algoritmo de es-timativa de movimento depropagação dos marcado-res”, diz ele. Esse algoritmo éo responsável pela precisãodo recorte do objeto. O soft-ware deverá custar entreUS$ 50 e US$ 100 e sua ven-da será feita apenas pela In-ternet. Quem quiser, poderáfazer um download do pro-grama diretamente do siteda SDC (www.sdc.com.br),mediante o pagamento deuma taxa.

Venda pela Internet - Criada em 1987,a SDC é uma empresa nacional espe-cializada na integração e no forneci-mento de equipamentos, softwares esoluções para automação industrial,automação de laboratórios, visão com-putacional, processamento de imagem,comércio eletrônico e telecomunicações.Em 2000, seu faturamento atingiu US$2 milhões, sendo 10% referentes a ven-das externas. Um de seus produtos demaior sucesso comercial é o softwareSDC Morphology ToolBox, lançado em1999 e hoje exportado para mais de 50países. “Esse software é uma poderosacoleção de ferramentas morfológicas parasegmentação de imagens e utilizado nodelineamento de imagens de examesmédicos”, explica Robert Koo. “O Mor-phology ToolBox foi a base de desenvol-vimento do ProntoVídeo.” Ao que tudoindica, o novo software tem tudo paratambém ser um produto bem-sucedidocomercialmente e tornar-se uma ferra-menta importante na produção de fil-mes digitais. •

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Experiênciasiniciais:o jogador dentro de uma mão

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tituirão na segunda fonte de receita daMuai. “O projeto privilegia a máximaeficiência termodinâmica, produtiva,ambiental e social dentro do conceitode auto-sustentabilidade”, afirma o en-genheiro aeronáutico Geraldo Lombar-di, professor-titular do Departamentode Hidráulica e Saneamento da EESC.

Rede de usinas - Para provar a viabili-dade econômica da Muai, Lombardi eCorsini promoveram, com o apoio fi-nanceiro da FAPESP, a visita do profes-sor Pedro Antonio Rodríguez Ramos,do Instituto Superior Politécnico JoséAntonio Echevaría, de Havana, Cuba,pelo período de um ano. Ramos con-cluiu, em novembro passado, o projetoAvaliação Econômica de uma Miniusinade Álcool Integrada. Ele apontou que,para tornar possível a substituição dos600 mil barris de petróleo importadodiariamente pelo Brasil, seria necessá-rio instalar 3.870 Muais no país. Juntas,elas produziriam 155 milhões de litrosde álcool por dia, uma potência térmi-ca equivalente à do petróleo importa-do, e tornariam disponíveis 24.600 MWde eletricidade excedente, o equivalentea pouco menos de duas hidrelétricas doporte de Itaipu. Os estudos demonstra-ram ainda que o investimento, estima-do em US$ 12,1 milhões, apresentariatempo de retorno em 6,9 anos, o mes-mo de uma usina convencional queproduza exclusivamente 200 mil litrosde álcool por dia.

Além de todas as vantagens econô-micas e sociais, como a geração de 507

AGROINDÚSTRIA

m ousado projeto fun-damentado no conceitode integração agroin-dustrial pode transfor-mar o álcool da cana-de-

açúcar na definitiva substituição dopetróleo importado, utilizado para orefino da gasolina e do diesel. Essa é aexpectativa dos professores GeraldoLombardi e Romeu Corsini, da Escolade Engenharia de São Carlos (EESC)da Universidade de São Paulo (USP),responsáveis pela concepção de umarede de Miniusinas de Álcool Integra-das, batizadas de Muai.

Ainda inéditas no Brasil e no mun-do, essas miniusinas são estabeleci-mentos de médio porte que têm comocarro-chefe a produção de álcool com-bustível. As Muais usam tecnologia jáconsagradas, com processos regenera-tivos e recicláveis. São projetadas paraproduzir álcool, hortifrutícolas, leve-dura seca usada em rações (veja repor-tagem na página 80), energia elétrica,além de possuírem espaço para criaçãode gado. “A Muai é muito mais do queuma simples redução em escala de umausina sucroalcooleira grande”, afirmaRomeu Corsini, professor-titular apo-sentado do Departamento de Trans-portes da EESC e co-autor do projeto.“Sua grande inovação é o conceito deintegração total, até agora não adota-do por nenhum empreendimento dogênero.”

Segundo o pesquisador, a miniusi-na deve produzir 40 mil litros de álcoolpor dia para ter preço de venda compe-

Projeto inovador de miniusinaspropõe a integração total em torno da produção do álcool

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Ganhos ambientaise energéticos

titivo com o dos combustíveis deriva-dos do petróleo. Dimensionada paraoperar em terreno de 4.310 hectares, aMuai irá gerar 131 empregos fixos, sen-do 25% deles terceirizados. A tradicio-nal lavoura de cana-de-açúcar é associa-da ao plantio do sorgo sacarino, umaplanta com quase 3 metros de altura damesma família das gramíneas, que pos-sui colmo (caule) doce e suculento. Comele será possível elevar para dez a 12 me-ses o tempo de trabalho anual da mini-usina, contra os oito meses dos estabe-lecimentos convencionais.

Na Muai serão produzidas 3.630 to-neladas por ano de produtos agrícolasrelacionados ao sorgo. Os colmos dacana e do sorgo produzem o caldo e obagaço. Do caldo fermentado são pro-duzidas 1.130 toneladas por ano de le-vedura desidratada e, através do desti-lador, o álcool e o vinhoto. O vinhotobiodigerido transforma-se em bioferti-lizante e biogás. Nos 188 hectares desti-nados à pecuária, serão criadas 2.800cabeças de gado em regime de semi-confinamento, sete meses em currais ecinco meses fora deles, alimentadas pe-los ponteiros da cana e do sorgo acres-cidos de outros aditivos protéicos. Obagaço, 40% da palha seca e o biogás(gás natural na entressafra) são quei-mados numa caldeira para a produçãode vapor superaquecido a 450˚C. O va-por aciona um turbogerador de alta po-tência e eficiência, com saída de 6,36megawatts (MW) de energia elétricaexcedente a um custo de US$ 6,58 omegawatt/hora produzido, que se cons-

TECNOLOGIA

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Currais

Dejetos

Biodigestor

TRATO COM O GADO

Leite

Carne

Couro

COM

ERCI

ALIZ

AÇÃO

Cortemecanizado

LAVOURA DE CANA E DE SORGO

Colmo

Tombador

RECEPÇÃO DEMATÉRIA

PRIMA

Palha seca

Picador-Desfibrador Difusor

PREPARO DEMATÉRIA

PRIMA EXTRAÇÃODO CALDO

SecadorLeitoSuspensão

Caldeira

TRATAMENTO DE BAGAÇO

GERAÇÃO DEVAPOR E ENERGIA

Energia elétrica

Conjunto Turbo-Gerador

COM

ERCI

ALIZ

AÇÃO

Enfardamentode bagaço

Biog

ás

Cinz

as

Secador

Levedura seca

LAVOURA DE CANA,SORGO E OUTRAS

CULTURAS

Hortaliças, Frutas

COM

ERCI

ALIZ

AÇÃO

TRATAMENTO DA LEVEDURA

Evaporador

Termolisador

BiodigestorTrocador

BIODIGESTÃO

COLUNAS DE DESTILAÇÃO

ÁlcoolHidratado

ÁlcoolAnidro CO

MER

CIAL

IZAÇ

ÃO

Vinh

oto

Regenerador

Vinho

Centrífuga

FABRICAÇÃODE ÁLCOOL

Vinho

Pré-evaporadorCa

ldo

Resfriador

Cuba

Levedura

Mos

to

Dornas

Fundo dorna

Biodigestor

Lodo

filtr

ado

Tanquede

lodoFlotador

Caldo flotado

Caldo

Lodo

Decantador

Aquecedor TRATAMENTO DO CALDO

Cald

o flo

tado

Caldo

TRATAMENTO DO LODO

RESERVAFLORESTAL

PonteirosFolhas verdes

Vales defermentação

Caminhos da integração na miniusina

Biofertilizante

Leve

dura

Produção de energiaProdução de álcoolProdução de ração, alimentos e couroTratamento da leveduraProdução de biofertilizante

mil empregos fixos, a economia anualde US$ 5,5 bilhões com importação depetróleo e a geração de US$ 5,8 bilhõesem impostos por ano, a Muai tambémtem inegáveis benefícios ambientais. Aminiusina atende aos requisitos do Pro-tocolo de Kyoto no que diz respeito àemissão de gases.“Ao substituir os deri-vados de petróleo, ela evitará a emissãocumulativa de quase 2 milhões de tone-ladas de dióxido de carbono por dia,gás agravante do efeito estufa e da qua-lidade de vida na Terra. Retira, ainda,da atmosfera 197 milhões de toneladasde dióxido de carbono (CO2) pela canaem contínuo crescimento”, explica Lom-bardi. Para completar, 680 hectares doterreno de cada Muai, correspondentesa 20% das áreas agrícolas, serão desti-nados para reservas florestais, atenden-do às normas legais de preservação .

Como funciona - Em função de suasmúltiplas atividades, o fluxograma daMuai é complexo (veja ilustração). A fi-losofia da miniusina, no entanto, é sim-ples: tudo deve ser reprocessado e reci-

clado. A palha da cana-de-açúcar, porexemplo, é usada na proteção do solocontra ervas daninhas, além de se desti-nar à produção de vapor para geraçãode eletricidade. O vinhoto e os dejetosdos animais transformam-se em biogáspara queima na caldeira e também embiofertilizante para uso no canavial.

O fato de estar ancorado em um ci-clo completo de produção energética eagroindustrial confere ao projeto boasperspectivas de implementação. Pro-dutores de cana procuraram os doispesquisadores para saber mais deta-lhes. Cuba também pode se beneficiardo conceito de integração total naprodução. O professor Ramos voltouàquele país, severamente dependenteda importação de petróleo, com o com-promisso de apresentar o projeto Muaiao governo cubano. •

PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 79

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O PROJETO

Visita do Professor Pedro AntonioRodríguez Ramos, do InstitutoSuperior Politécnico José AntonioEchevaría, para a AvaliaçãoEconômica de uma Miniusina de Álcool Integrada

MODALIDADEAuxílio a pesquisador visitante

COORDENADORGERALDO LOMBARDI – Escola deEngenharia de São Carlos - USP

INVESTIMENTOR$ 56.181,60

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cheiro não é bom e aaparência ajuda menosainda: uma suspensão decor escura e viscosa. As-sim fica a levedura (Sac-

charomyses cerevisiae) depois de usadacomo fermento para desencadear nasdestilarias o início da operação do pro-cessamento do álcool da cana-de-açú-car. E o tamanho desse resíduo não épequeno. De cada litro produzido, so-bram cerca de 30 gramas de leveduraseca. Se levarmos em conta a produçãobrasileira anual de álcool, que atinge os15 bilhões de litros, sobram 450 mil qui-los de levedura. Todo esse resíduo depouco valor nutricional e comercial édestinado à alimentação bovina.

A reversão desse quadro – de abun-dância e aproveitamento medíocre dalevedura – começou a ser implementadaem 1998 pela Cooperativa dos Produ-tores de Cana,Açúcar e Álcool do Estadode São Paulo (Copersucar) e pelo Insti-tuto de Tecnologia de Alimentos (Ital)em um projeto financiado pela FAPESPdentro do programa Parceria para Ino-vação Tecnológica (PITE). Os resultadosapresentados no início deste ano indi-cam que a levedura não apenas pode seraproveitada de forma mais eficaz na ra-ção animal como pode ser uma boa alter-nativa para a alimentação humana.

O projeto, coordenado pelo pesqui-sador Valdemiro Carlos Sgarbieri, resul-tou na formulação de quatro substânciasderivadas da levedura: autolisado, extra-to, parede celular e concentrado protéi-

co. Todos esses subprodutos possuemproteínas e podem ser adicionados àsmassas, aos biscoitos e aos pães, além deuma série de outros produtos alimentí-cios.São também substâncias ricas em vi-taminas do complexo B, micronutrientese minerais essenciais, como manganês,magnésio, zinco e ferro. Elas podem ser-vir para substituir os aditivos químicosna obtenção de sabor, aroma e coloraçãode alimentos processados, como as so-pas em pó, por exemplo. Na área da in-dústria farmacêutica, o Japão já retiraos ácidos nucléicos presentes na levedu-ra para a produção de medicamentos.

Com tamanho potencial, a Coper-sucar resolveu utilizar melhor a leveduraresidual das 35 usinas cooperadas, res-ponsáveis por 22% da produção brasi-leira de açúcar e álcool. “Nosso interes-

se foi agregar valor na levedura e buscarusos para a alimentação humana”, ex-plica Karl Heinz Leimer, chefe do pro-jeto de levedura na Copersucar.

Produção no campo - A primeira par-ceria para transferência de tecnologiadeu-se com a Usina Santo Antônio, emSertãozinho, na região de Ribeirão Preto.A usina está se preparando para produ-zir os subprodutos da levedura. Leimeravalia que o investimento necessário pa-ra instalar uma planta industrial comcapacidade de processamento diário de5 toneladas é de R$ 500 mil.

Nas usinas, a levedura é utilizada nostanques onde o mosto, que é o meio defermentação formado pela garapa e a le-vedura,é fermentado para depois ser des-tilado para a produção do álcool. Mas opróprio processo multiplica a produçãode levedura a cada ciclo de destilação esua retirada dos caldeirões, além de au-mentar a produtividade na produção doálcool, pode resultar em subprodutosvaliosos como mostrou o estudo.“Nor-malmente, parte da levedura é retiradaem cada novo ciclo, num processo co-nhecido como sangria, no jargão indus-trial”, explica Sgarbieri. Essa biomassa élavada para retirada de impurezas e éseca num equipamento chamado spraydryer que faz a secagem igual a utilizadana produção do leite em pó.

O processo posterior é a autólise,quando o material é deixado sob agita-ção mecânica num fermentador por 24horas. Nessas condições, as enzimas hi-

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LEVEDURA

Ital e Copersucar desenvolvem produtos alimentares de resíduos da produção de álcool

Riqueza nas sobras da usina

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TECNOLOGIA

O PROJETO

Desenvolvimento de TecnologiaVisando o Aproveitamento deDerivados de Levedura emAlimentação Humana e Animal

MODALIDADEParceria para a Inovação Tecnológica (PITE)

COORDENADORVALDEMIRO CARLOS SGARBIERI – Ital

INVESTIMENTOR$ 62.651,00 e US$ 18.521,00(FAPESP) e R$ 596.730,00(Copersucar)

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drolíticas da própria célula rompem asparedes celulares e liberam seus compo-nentes que formam o autolisado. Depois,essa substância é levada à centrífuga paraa separação de dois outros subprodu-tos, a parede celular e o extrato. O quar-to produto, o concentrado protéico, éproduzido por um outro processo. Ascélulas de levedura têm suas paredesrompidas por um processo mecânico eas proteínas, depois de separadas dosfragmentos de parede celular por cen-trifugação, são solidificadas pela adiçãode substâncias ácidas.

A parede celular em pó pode serusada em sopas como espessante e mis-turada a farinhas de trigo e de milhopara a produção de snacks (salgadinhosindustralizados).

Usos e vantagens - O extrato poderáser comercializado em pó ou em pastapara dar sabor de carne em sopas. Avenda do extrato pode render até R$8,00 o quilo, enquanto o preço atual, coma levedura sem beneficiamento,alcança o valor de R$ 0,80 o quilo.“Com o produto processado, épossível alcançar no mínimo o do-bro do valor obtido hoje, ou atédez vezes mais para outros usosna alimentação humana ou emprodutos farmacêuticos”, diz Sgarbieri.

Os usos dos subprodutos da levedu-ra abrangem vários segmentos da in-dústria alimentícia. O extrato e o auto-lisado, por exemplo, foram testados nafabricação de salsichas substituindo esuperando em sabor e aroma a proteínade soja. Nos biscoitos salgados, os mes-mos subprodutos foram testados e osresultados apontaram para um sabormais agradável e uma textura melhor.O mesmo teste foi feito com macarrão.Os melhores resultados de aceitaçãoaconteceram com a massa com espina-fre, de coloração já alterada.

Sgarbieri acrescenta que o extratotambém foi testado, com bons resulta-dos, na formulação de temperos parasaladas e maioneses. O teste foi feitocom a distribuição de amostras nas ca-sas de uma região de Campinas.

Esse trabalho marca um novo passopara a incorporação de inovações nosetor sucroalcooleiro. Também ganha aindústria alimentícia, que terá, em bre-ve, aditivos extraídos de uma biomassaantes desprezada e de pouco valor. •

Levedura integralSeca e em pó após

ser usada naprodução de álcool

Concentrado protéico

Mais valor nutritivo

para os biscoitos

Extrato deLevedura

Tempero em saladas e

maioneses

Parede celularEspessante na

sopa eingrediente

nos salgadinhos

AutolisadoSupera em gosto e aroma

a proteína de soja nas salsichas

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partir de uma série de expe-rimentos conduzidos du-

rante uma década numadas mais antigas áreas decultivo do Pará, a Zona

Bragantina, distante 120 quilômetrosde Belém, pesquisadores da Embrapada Amazônia Oriental e das universida-des alemãs de Göttingen e Bonn desen-volveram um eficiente sistema alterna-tivo de preparo da terra que eleva aprodutividade da agricultura familiarna região sem aumentar os danos aoambiente. Em linhas gerais, o métodopropõe uma alternativa à tradicional enociva prática de queimada da capoei-ra, nome popular dado à vegetação se-cundária que cresce espontaneamentenuma área desmatada, e a adoção deduas medidas. A primeira recomenda,em vez de queimar a capoeira, triturá-la com o auxílio de uma máquina espe-cial acoplada a um trator e usar essavegetação retalhada (mais rica em nu-

trientes do que as cinzas da queimada)para construir uma cobertura vegetalmorta, chamada de mulch, sobre a terraa ser usada no plantio.

Essa prática se torna ainda mais efi-ciente se for precedida do enriqueci-mento da capoeira nativa por meio docultivo de árvores de crescimento ace-lerado, capazes de se desenvolver maisrapidamente do que as espécies origi-nais da região. Dessa forma, cresce aliem menos tempo uma vegetação se-cundária reforçada, que, se triturada deforma adequada, vai gerar uma cober-tura morta com ainda mais nutrientes.

Seis comunidades do município deIgarapé Açu, de um total de 50 comuni-dades na região, testam o novo métodoem propriedades de, no máximo, 25 hec-tares. Os resultados são animadores. Pelosistema convencional, os colonos só po-diam utilizar cada parcela de sua pro-priedade para o cultivo de milho e man-dioca, as principais culturas da região, a

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AGRONOMIA

Terra sem fogo

cada três anos. Eles plantavam um anoe deixavam a terra “descansar” durantetrês ou quatro anos, tempo necessáriopara a capoeira crescer e atingir uma bio-massa mínima que justificasse a adoçãoda queimada “preparatória” do solo paraa próxima safra.

Eficiência produtiva - O abandono dofogo como prática agrícola e o empregocombinado da trituração mecânica dacapoeira enriquecida reduziram o tempode pousio da terra para dois anos. Ou se-ja, o colono adota uma conduta mais lim-pa do ponto de vista ambiental e aindaalcança maior eficiência econômica naexploração de sua propriedade. “Isso ébom para a natureza e para o bolso doagricultor, que, com uma terra mais pro-dutiva, não sente pressão para deixar ocampo e migrar para a cidade”, diz a agrô-noma Tatiana de Abreu Sá, da Embrapa,uma das coordenadoras do Projeto Ca-poeira, uma iniciativa conjunta dos cen-

No Pará, em vez dequeimada, a capoeira étriturada e vira adubo

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sobretudo de dióxido decarbono, que contribuipara o aquecimento exa-gerado da temperatura daatmosfera terrestre. Existeainda outro benefício: oenriquecimento da capoei-ra com espécies de rápi-do crescimento, como asacácias (Acacia auriculi-formis e Acacia mangium)originárias da AméricaCentral, aumenta a quan-tidade de dióxido de car-bono na atmosfera, crian-do um efeito duplo delimpeza do ar da Terra.Isso ocorre porque uma

área com vegetação secundária emfranco desenvolvimento retira mais di-óxido de carbono da atmosfera do queuma capoeira não-enriquecida. Por ora,não há indício de que a introdução denovas espécies de árvores de cresci-mento rápido em meio à vegetação se-cundária da região tenha alterado sig-nificativamente o ecossistema.

Experiências similares estão em tes-te em outros países tropicais. Na CostaRica, por exemplo, há pesquisas sobreos efeitos benéficos do abandono dasqueimadas e a utilização da capoeira tri-turada como cobertura vegetal mortada terra de cultivo. Na África e na Ásia,o enriquecimento da capoeira nativapara futuro uso como cobertura vegetaltriturada também é alvo de trabalhossemelhantes. “A diferença é que a ca-poeira da Amazônia é mais rica em ter-mos de biodiversidade do que a desseslocais”, compara Tatiana. •

tros de pesquisa do Brasil eda Alemanha.

“Precisamos agora en-contrar meios para que ospequenos produtores te-nham acesso a essa tecno-logia.” A Embrapa, juntocom os alemães, desenvol-veu protótipos de má-quinas trituradeiras, co-mo a Tritucap, que podemrealizar o trabalho de corte e trituraçãoda capoeira. Mas a máquina é cara pa-ra ser adquirida: custa de R$ 20 mil aR$ 30 mil. Para os agricultores, a saídaseria formar cooperativas para com-prar a máquina ou alugá-la de algumaentidade que viesse a adquirir o trator.

A adoção do novo método com-pensa. Dados da Embrapa mostram quea técnica traz vantagens para o peque-no produtor. Além de reduzir a dura-ção do período de pousio, permite queo rendimento das culturas agrícolasnão sofra muitas oscilações nos anos desafra. A queimada provoca a perda demais da metade dos nutrientes estoca-dos na vegetação, em especial de nitro-gênio, e costuma dar a ilusão de seruma prática boa para a agricultura emrazão de aumentar no curtíssimo prazoa produtividade do solo. Isso ocorreporque uma pequena quantidade denutrientes da capoeira queimada se ar-

mazena nas cinzas que recobrem a áreaa ser plantada. Mas esse resto de nutri-entes é consumido de forma muito rá-pida pela terra, que, em seguida, caimuito de rendimento.

“Ao preparar a terra com a cobertu-ra vegetal triturada, os nutrientes, alémde serem mais abundantes, permane-cem mais tempo disponíveis no localescolhido para o plantio”, diz Tatiana.Outra vantagem é conferir ao agricultormaior flexibilidade na escolha do mo-mento ideal para preparar a terra. Pelométodo antigo, esse serviço só podiaser feito nos meses mais secos, geral-mente entre julho e setembro, quandoas queimadas imperam na Amazônia.

Seqüestro na atmosfera - Do ponto devista ambiental, os ganhos também sãopalpáveis. O abandono das técnicas ru-dimentares de queimada ajuda a dimi-nuir a emissão de fumaça e de gases,

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À esquerda, a mata com árvores de rápidocrescimento. Acima,o triturador em ação,ao lado, o material picado no solo e a plantação

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m 1935, o poeta FernandoPessoa resumiu as razões pe-las quais arte e ciência habi-taram mundos distintos porgerações e gerações. Para ele,

enquanto a ciência descrevia as coisascomo elas eram, a arte descrevia as coisascomo elas eram sentidas. À luz do novomilênio, entretanto, o poeta certamenteenxergaria um novo cenário, em que ciên-cia e arte passam a ter objetivos comuns.

Os sintomas mais evidentes de con-fluência surgem na academia. Quadrosde Picasso e Munch, por exemplo, estãosendo utilizados para compreendermelhor a cefaléia. Esculturas e pinturasda Antigüidade servem de materialpara a história de doenças que causamparalisia facial. Obras do Renascimentosão usadas para trabalhos sobre desen-volvimento humano e para investiga-ções a respeito das relações entre cére-bro e artes plásticas. Na Itália, o pintorCanaletto é fonte de informação parapesquisadores identificarem o avançodo mar sobre Veneza. Por outro lado,

Cada vez mais cientistas utilizamobras de arte em suas análises e artistas lançam mão da ciênciapara entender suas criações

Relaçãodelicada

EFUSÃO

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HUMANIDADES

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histórias em quadrinhos, vídeo-arte epeças de teatro têm sido criadas a partirde pesquisas em química. Em Chicago,o artista plástico e professor brasilei-ro Eduardo Kac criou uma coelhinhabranca transgênica como uma espéciede instalação artística.

“Há uma disposição de cientistas e deartistas para que haja a fusão entre artee ciência. Nos últimos séculos, o cientistaficou muito restrito em sua área de atua-ção. Com isso, perdeu a oportunidadede ampliar o conhecimento para outrasesferas. Estávamos atados à visão car-tesiana dicotômica, que opõe razão àemoção”, diz Norberto Garcia-Cairas-co, professor da Faculdade de Medicinada Universidade de São Paulo (USP).

Com apoio da FAPESP, Garcia-Cai-rasco dirige e desenvolve pesquisas emNeurociências no Laboratório de Neu-rofisiologia e Neuroetologia Experi-mental da USP. Dublê de artista plás-tico e cientista, ele tem se dedicado ainvestigar a relação do cérebro com asartes visuais. E encontra espaço para

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ção pode ser resumida em dois exem-plos de peso: Leonardo Da Vinci e Mi-chelangelo Buonarroti, ambos gêniosda arte renascentista. “Muitas das ver-sões, algumas magníficas, outras nemsempre precisas, sobre o cérebro, nervose músculos foram conseqüências desseperíodo da história da humanidade.Grandes obras da anatomia acontece-ram nessa época e subseqüentes”, ob-serva.“Talvez Vesalius não teria sido tãoreconhecido como anatomista, não fos-se pela contribuição importante do ate-liê de Ticiano na sua obra”, diz.

No ano passado, o debate sobre essetema se tornou acirrado com o lança-mento do livro O Conhecimento Secre-to, do pintor inglês David Hockney. Naobra, o autor propõe que, no século 15,pintores usavam lentes, espelhos cônca-vos e câmeras escuras para obter maiorrealismo nas pinturas. Detalhe: eles fa-ziam isso antes de todos e no mais abso-luto sigilo. Entre os adeptos dessa técnicaestão nomes relevantes, como Van Eyck,Caravaggio, Lotto, Vermeer e Ingres.

suas abordagens. Para ele, o mundo ex-perimenta hoje uma espécie de neo-re-nascimento, em que cientistas e artistasadmitem as contribuições que a uniãodos dois campos podem oferecer para odesenvolvimento mútuo.

Potencial - Uma evidência de que essemovimento é crescente é a criação doArt Science Research Laboratory, funda-do por ninguém menos do que StephenJay Gould, professor de Harvard, faleci-da no mês passado. Sua proposta era quearte e ciência deveriam unir todo seu po-tencial para o desenvolvimento de mé-todos comuns, do pensamento crítico,da busca pela inovação e de uma pers-pectiva histórica.

O trabalho de Garcia-Cairasco ca-minha nessa direção, unindo uma pers-pectiva histórica com novas propostasde pesquisa e produção artística. “Pro-curo identificar como os artistas viramo cérebro ao longo dos séculos. Essa éuma região mítica e misteriosa”, co-menta. A importância dessa aproxima-

O Experimento Científico,de Derby, e o Casamento dosArnolfini (acima),de Van Eyck, com o detalhedo espelho convexo

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A tese de Hockney vai na contramãoda visão de historiadores, que aponta-vam o realismo das pinturas flamenga erenascentista à invenção da perspectivae da tinta a óleo. Os recursos descritospelo pintor inglês, entretanto, teriamcriado condições para a representaçãocom fidelidade de profundidades, bri-lhos, sombras e volumes.

Logo após o lançamento do livro, agritaria foi geral. Muitos críticos consi-deraram a teoria de Hockney uma má-cula à imagem desses gênios. Mas a res-posta de Hockney salientou como aparceria arte-ciência pode ser bem-vin-da. Segundo ele, instrumentos ópticosnão fazem arte. As lentes, os espelhos ea câmara escura eram tão e somenteferramentas para esses artistas. Sua de-fesa às acusações é que ele apresentauma tese em que artistas descobriraminstrumentos antes de todos.

Neurociências - Garcia-Cairasco nãoentra na discussão. Mas acredita que aunião de ferramentas científicas e artís-ticas é fundamental para o desenvol-vimento dos dois campos. Para ele, oavanço nas técnicas eletrofisiológicas eda biologia molecular, por exemplo,tem trazido o paradoxo entre o conhe-cimento mais profundo e sofisticado emmodelos de microuniversos neurais e oda aparentemente inviável tarefa de co-locar as partes coerentemente no seulugar. Uma proposta de solução está nafusão de arte e ciência. “É preciso quepesquisas em neurociências contempo-râneas destaquem de maneira clara anecessidade de novas associações artis-ta-cientista, com o objetivo de permitiruma interpretação mais realista das dis-secações moleculares, por analogia comas dissecações da renascença”, acredita.

As ferramentas contemporâneas pa-ra os modelos, entretanto, são outrasdas utilizadas pelos pintores renascen-tistas. Trata-se do aparato computacio-nal, eletrônico e virtual. “O gigantescoprojeto da Biblioteca Nacional de Me-dicina dos Estados Unidos, The VisibleHuman, ilustra a fusão histórica da artecom a tecnologia contemporânea”, suge-re. Seu logotipo é uma fusão de umaimagem anatômica de Vesalius com umade ressonância magnética estrutural.

Em seu ateliê, Garcia-Cairasco tam-bém trabalha com esse tema e elemen-

tos. Sua proposta é a conjunção entredesenho digital de natureza e compor-tamentos humanos e animais, com si-tuações relevantes para as neurociên-cias. Uma obra síntese pode ser Poetade Gaveta: Inspiração para Estudos Ce-rebrais, realizada em 1998. “Meu traba-lho recupera a idéia renascentista dohomem com a natureza só que com no-vos instrumentos”, avalia.

Um outro aspecto da interação cé-rebro-arte também discutida em seu la-boratório é a correspondência entre odesempenho humano em tarefas esté-ticas em indivíduos com doenças ce-rebrais. Na investigação, o professorconsidera dois tipos de universos: osgênios que apresentavam quadro ma-níaco-depressivos (Tennessee Williamse Erza Pound) e os que sofriam de epi-

lepsia (Van Gogh). A equipe parte deestudos em modelos animais dessa al-teração neurológica, o que tem permi-tido que se estudem analogamente asmodificações comportamentais no pa-ciente epilético.

Segundo Garcia-Cairasco, a primei-ra e incontestável constatação das pes-quisas nessa área é que essas restriçõesmentais não comprometeram o desem-penho artístico e criativo dessas pessoas.A segunda ainda é uma pergunta. Essesartistas eram gênios pelas patologias queos afligiam? “Estamos todos interessadosem saber como o cérebro processa a in-formação estética e regula a execuçãode performances artísticas”, explica.

Na linha de recuperação histórica,a professora de medicina da Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp)

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Maria Valeriana Leme Moura Ribeirotambém se utiliza dos renascentistas pa-ra desenvolver seu trabalho acadêmico.Ela acaba de escrever o livro Neurologiae Desenvolvimento, no qual aborda ametodologia observacional e qualitati-va da criança, segundo grandes mestresda pintura. “O entrelaçamento entre odesenvolvimento humano e suas alte-rações, no aspecto físico-fisiológico esocial e as obras de arte retratadas nosséculos 16 e 17 decorre de observações,análises e correlações envolvendo con-ceitos e avanços importantes da neu-ropsicologia”, diz.

Perspectivas - Esses pintores tinhamcomo objetivo a busca de um trabalhoque reproduzisse a imagem com a maiorfidelidade possível, valorizando as pro-

porções. “Os pintores recorriam a pro-fissionais de outras áreas, como mate-máticos, para ajudá-los na resolução deproblemas referentes a medidas de seg-mentos corporais, volume muscular,proporções, perspectivas”, fala.

Nesse contexto, despontaram no-mes como Da Vinci, Gerard David, Mi-chelangelo e Rafael. Todos retratavam odesenvolvimento evolutivo da criançacom acuidade e precisão. Para a profes-sora, o procedimento adotado por elesé o mesmo do processo científico. “Elestraçavam objetivos, desenvolviam me-todologias”, explica.

A partir das instâncias de produçãoartística, a professora diz que é possívelidentificar em quadros aspectos im-portantes para o neurodesenvolvimen-to, como os reflexos do recém-nascido,

a apreciação das características do crâ-nio e da face, apreensão das caracterís-ticas do desenvolvimento motor evolu-tivo e até observações da comunicaçãopsico-afetiva da mãe com o bebê.

O professor de medicina da Univer-sidade Estadual Paulista (Unesp) LuizAntonio de Lima Resende também re-correu às artes plásticas para sua tese delivre-docência a respeito da síndrome deRomberg, que provoca a atrofia e defor-mação de um dos lados do rosto. Em suapesquisa, Resende identificou que, em-bora a doença tenha sido documentadaapenas no século 19, ela já deveria terse manifestado muito antes. Sua análiseincluiu obras de arte dos séculos 16 e17. Segundo ele, o primeiro quadro aregistrar a doença foi Cristo Encarnecido,de Grunewald, em 1503. Resende apon-

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Estudo de Pintura (à esq.), deVermeer, e Campo San Vitale, deCanaletto: estudos de luz e arquitetura

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ta, entretanto, que é em Retrato de Ge-rard Lairesse, de 1665, pintado porRembrandt Van Rijn, que a síndrome émais evidente e expressa com precisão.

O professor de medicina da USPJosé Geraldo Specialli é outro cientistaque se sentiu seduzido pelas artes plás-ticas como recurso de pesquisa. Ele temrecorrido a elas para o estudo das cefa-léias. Em suas palestras, apresenta re-produções de obras de arte famosas, emque a expressão dos personagens carac-terizam as dores de cabeça. “Existemdoenças que são identificadas pelo as-pecto físico, mas a dor de cabeça não éexpressa dessa forma. Mesmo assim, al-guns pintores conseguiram reproduzir odesconforto da cefaléia. Os quadros re-gistram o imponderável da dor”, diz.

Enxaqueca - Um dos quadros utiliza-dos por ele é A Mulher que Chora, dePicasso. Segundo o professor, no centro

da mulher pintada há uma manchabranca em ziguezague, uma sensaçãoprópria de quem tem enxaqueca. “An-tes de uma crise, o enxaquecoso temesse sintoma”, diz.

Assim como Specialli, o professor debioquímica da Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ) Leopoldo de Meisdefende que a união entre arte e ciênciaé um recurso didático importante. Eleconstatou que crianças e adolescentes en-xergavam o cientista como um homemsolitário.“Essas características eram mui-to fortes e generalizadas. Não consegui-mos descobrir a razão”, afirma. Foi pelapreocupação com esse isolamento e ruí-do na comunicação acadêmica que deMeis procurou lançar mão de recursosartísticos para desvendar o mundo cien-tífico. A primeira iniciativa ocorreu comuma parceria do professor com o de-signer gráfico Diucênio Rangel. Comapoio da FAPESP e da Fundação Vitae,

os dois produziram uma história emquadrinhos, intitulada O Método Cien-tífico, que já teve duas edições de 8 milexemplares cada.“Queria ensinar a ciên-cia de forma bela e emocionante”. O se-gundo passo foi a criação de uma peçateatral, interpretada por pesquisadores,também batizada de O Método Científi-co. O espetáculo, apresentado em várioscongressos de ciência do país, substitui osantigos slides por dramatizações fei-tas pelos próprios cientistas. Agora, deMeis está envolvido num projeto de ví-deo, chamado Mitocôndria em Três Atos.O trabalho explorou a linguagem cine-matográfica com uma exposição didá-tica sobre as mitocôndrias. “Os artistasusaram um fato científico para se ex-pressar com uma linguagem artística”,resume o pesquisador.

Para ele, a linguagem artística é im-portante para introduzir no universo ci-entífico mais emoção e criatividade. •

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Lição de Anatomia, de Rembrandt:pesquisador usa Picasso para mostrar a dor imponderável da enxaqueca

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mundo de Má-rio de Andra-de era muitomaior do quea sua Paulicéia

desvairada. Com um espíritode explorador moderno, o au-tor de Macunaíma tinha comoprojeto redescobrir o Brasil. Foiem busca desse ideal naciona-lista que, na década de 1920,partiu para viagens para o Nor-te e Nordeste e organizou, em1938, uma expedição para co-nhecer os muitos brasileiros dopaís e registrar as manifestaçõesda cultura popular da região.Essa diligência ficou conheci-da como missão de pesquisasfolclóricas e revelou umagrande variedade de danças emúsicas típicas.Agora, mais de60 anos depois da viagem deMário, pesquisadores da Uni-versidade Estadual de Campi-nas (Unicamp), liderados porCarlos Vogt, decidiram refazer a missãopara compreender o que teria ocorri-do com essas expressões culturais.

Com apoio da FAPESP, a nova ex-pedição se propôs a verificar se as tradi-ções populares do país teriam sobrevi-vido ao tempo, em especial ao impactoprovocado pelos meios de comunica-ção. “Quando Mário de Andrade orga-nizou a primeira expedição, havia apercepção de que o rádio poderia com-prometer as manifestações culturais emsua forma original”, diz Vogt.

A nova missão de pesquisas folcló-ricas constatou que o receio de Mário

Pesquisadores da Unicamp refazem a missão de pesquisas folclóricas pelo Norte e Nordeste,organizada por Mário de Andrade, em 1938

As pegadas de MacunaímaANTROPOLOGIA

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no Daminello, cineasta que partici-pou com Jorge Palmari da segundaexpedição por meio do Laboratóriode Estudos Avançados em Jornalismoda Unicamp. “Hoje em dia, as mani-festações populares adquiriram umcaráter mais turístico. Não são maisrealizadas para um público local. Sãopromovidas para atrair divisas de umpúblico de fora.”

Para Carlos Vogt, se na primeira ex-pedição as manifestações funcionavamcomo um ritual de equilíbrio social pa-ra as comunidades, agora elas são pen-sadas como um evento midiático. “O

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Bordadeira: tradições populares sobreviveram ao tempo

tinha sentido, mas não em sua totalida-de. Segundo a pesquisa, os meios decomunicação de massa influenciarama cultura popular, mas deixou muitasbrechas para sua preservação. Na ver-dade, verificaram-se poucas mudançasnas formas das manifestações. As alte-rações de maiores proporções ocorre-ram na função dessas expressões dacultura popular.

“Na expedição de 1938, não haviatelevisão e o rádio ainda não era ummeio de massa. Por isso, as manifesta-ções tinham a função de divertir as co-munidades locais”, explica Luís Adria-

HUMANIDADES

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melhor exemplo é o Carnaval”, resumeo professor. “A televisão acaba definin-do o que significa diversão e provocan-do um sentimento de que o que nãoestá na telinha só pode ser coisa de ve-lho, de matuto. Passa a ser vergonhoso,entre os jovens, participar dos gruposde cultura popular”, analisa.

O mesmo roteiro - Assim como a expe-dição de 1938, a nova missão percorreuos mesmos seis Estados do Brasil –

Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí,Maranhão e Pará. O trajeto se-

guiu, praticamente, o mesmo ro-teiro estabelecido por Mário

em sua segunda viagem ao Norte eNordeste, realizada em 1928. Foi a par-tir das observações dessa expedição queele escreveu o livro Turista Aprendiz.

“Nessa época, havia uma motivaçãono Brasil e no mundo de compreender asinfluências das manifestações popula-res. Vivíamos num ideal nacionalista.Não por acaso, o modernismo tinha co-mo uma das diretrizes voltar-se paraquestões nacionais”, explica Vogt. A obraMacunaíma – O Herói sem Caráter nas-ceu justamente da proposta antropofá-gica de Oswald de Andrade e reflete aprocura da igualdade da cultura brasi-leira com as demais, consumindo o me-lhor das influências externas.

Na expedição de 1938, o chefe damissão foi Luis Saia, arquiteto e

amigo do escritor. Ele foi acom-panhado por Martin Braun-wieser, Benedicto Pacheco eAntônio Ladeira. Embora te-nha idealizado o projeto,

Mário não participou daviagem. Os quatro

integrantes da equipe tiveram de gra-var, fotografar, filmar e estudar as me-lodias que homens e mulheres usavampara trabalhar, se divertir e rezar emapenas quatro meses, de fevereiro a ju-lho de 1938.

Para esse período, foi preciso umabagagem bastante pesada. Fora as rou-pas dos expedicionários, havia ainda seismalas e três caixas com o material depesquisa, como gravador, amplificador,agulhas, microfones com cabos e tripé,válvulas, 237 discos, gerador, pré-am-plificador, blocos de papel, cadernetaspara anotação, fones, pick-up para gra-vador, 118 filmes para fotografia, 21 fil-mes para cinematografia, câmara fo-tográfica com filtros e lentes, aparelhocinematográfico com lentes e pastas decouro para transporte dos discos.

Boa parte do material foi utilizadana expedição, apesar das dificuldades pa-ra seu aproveitamento adequado. Paragarantir um maior grau de autenticida-de, o grupo de Mário desenvolveu umametodologia de captação das informa-ções. Primeiro, assistiam ao ensaio dapeça, momento em que obtinham da-dos para que a gravação ocorresse comtempo de duração certo, e a disposiçãodos microfones, a fotografia e a filma-gem fossem feitas de forma adequada.

Esse recurso facilitava também apriorização de perguntas a serem feitaspara os integrantes dos grupos popula-res. Mas nem sempre as coisas corriambem. Gravar ao ar livre era tarefa árdua,sobretudo em lugares onde a energiaelétrica era escassa. Para efeito de com-paração, a expedição de Vogt captou cer-ca de 65 horas de imagens e sons comequipamentos digitais.

O material recolhido - Apesar do esfor-ço dos missionários, a expedição de 1938não foi concluída. Mário de Andrade foideposto de seu cargo de diretor do De-partamento de Cultura e a viagem foiinterrompida. Mesmo assim, o materialrecolhido foi enorme, totalizando cercade 10 mil peças. Foram 20 cadernetasde campo, 168 discos 78 RPM, 1.066fotos, nove filmes e 775 objetos. Haviafartura de documentos, mas foram pu-blicados apenas cinco volumes sobre asmanifestações populares em RegistrosSonoros de Folclore Musical Brasileiro.Os temas escolhidos foram xangô, tam-bor de mina e tambor de crioulo, ca-

Mário deAndrade no

navio Netuno

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manifestações populares não iriam de-saparecer propriamente, elas iam sertransformadas”, prossegue.

O canto que desapareceu - Na nova ex-pedição, a única forma de expressão quenão pôde ser revista foi a de cantos de tra-balho, que desapareceu. “Havia váriasformas de canto de trabalho, na casa defarinha, entre os carregadores de pedrae de piano. Havia até toadas dos pedin-tes. Hoje, a nova característica das ativi-

dades econômicas deve ter acabadocom elas”, diz Daminello. Sobre os

cantos de trabalho, Mário deAndrade comentou em seu li-

vro Danças Dramáticas :“Até cantos de trabalho,tão explicáveis por simesmos, se mesclam demisticismo. As famosascantigas de carregar piano,entre nós, não vêm, para oindivíduo popular, da pre-cisão de unanimizar a an-dadura coletiva dos car-regadores, mas de que ocanto obriga o instrumen-to a permanecer afinado”.

Já na missão de 1938,os cantos de trabalho es-tavam em fase terminal.A equipe chegou a encon-trar um grupo que se lem-brava de algumas melodiasusadas no trabalho. Mas,

na primeira iniciativa de gra-var os cantos, não obteve su-

cesso, pois os trabalhadoresnão conseguiam executar a me-

lodia sem um piano. Só depois deprovidenciado o instrumento, asgravações foram feitas.

Mesmo com a morte dos can-tos de trabalho,Vogt considera queas manifestações populares resis-tiram mais às transformações dasociedade do que a música erudi-ta e da elite. A resposta pode estarno fato de que as pessoas liga-das às formas populares de arteacreditam na preservação de tra-dições. “Elas ainda estão muitovivas e continuam tendo a mes-ma importância da época de Má-

rio de Andrade”, conclui Vogt.Provando a perenidade

das idéias do criadorde Macunaíma. •

timbó, babassuê e chegança de maru-jos. Ficaram de fora os documentos so-bre bumba-meu-boi, reis de congo, rei-sado, caboclinho, cambinda e praiá.

Mas, embora a pesquisa fosse exten-sa e com alguns volumes publicados, amissão de 1938 tornou-se quase semaproveitamento por causa da má conser-vação e da organização dos documen-tos ao longo dos anos. “Em vez de estu-dos completos, a maior parte do materialcoletado compõe-se de peças soltas,pequenas amostras de grandes mani-festações culturais”, comenta Vogt.A pro-posta da nova pesquisa, portanto, foiproduzir registros atuais dessas mesmasmanifestações e viabilizar análises reali-zadas por especialistas e pesquisadores.“A idéia era complementar o materialde 1938”, explica. Em 1997, foi feita umaprimeira viagem para contato com osgrupos e, em setembro de 1997, os pes-quisadores partiram para uma viagemde três meses, com equipamentos desom e imagem. Parte do material fil-mado foi usada para o documentárioMissão de Pesquisas Folclóricas, pa-ra a TV Cultura.

Numa segunda etapa, a novaexpedição registrou o trabalhodurante o Carnaval de Recife, em2000, a mesma manifestação que aequipe da missão de 1938 assistiu.Depois, em junho, julho e agosto, fo-ram documentadas as festas do ciclojunino em São Luís do Maranhão e emBelém, também repetindo o circuito damissão. No Natal, foram realizados no-vos registros das festas desse ciclo, nu-ma viagem ao Recife e à Paraíba.

O PROJETO

Missão de Pesquisas Folclóricas

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

PESQUISADORCARLOS VOGT – Lab. de EstudosAvançados em Jornalismo/Unicamp

INVESTIMENTOR$ 55.687,50

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Um registro dastransformaçõesda cultura

“O Mário de Andrade tinha uma vi-são de que a cultura era dinâmica e queo trabalho da expedição não deveria serum registro para efeito museológico. Eletinha como objetivo perceber as trans-formações da cultura. Acreditava que acultura era um processo, era algo dinâ-mico”, analisa Vogt. “Para o Mário as

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partir do final da década de80, com a abertura comer-

cial, a implantação de no-vas tecnologias e modelosde gestão, a economia

paulista foi impelida a reestruturar aindústria, o comércio e os serviços. Acrescente liberalização, integração e ainternacionalização das economias –processo conhecido pelo nome genéri-co de globalização – provocou impor-tantes transformações que repercuti-ram na organização dos espaços ur-banos no município de São Paulo. Esseprocesso possibilitou a dispersão doslugares de trabalho, o declínio de áreasindustriais tradicionais, a descentrali-zação de empregos e fábricas, a expan-são do setor terciário.

A pesquisa Territorialidades da Glo-balização em São Paulo, coordenada porAntonio Cláudio Moreira Lima e Mo-reira, do Departamento de Projeto da Fa-culdade de Arquitetura e Urbanismo da

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Projeto mapeiamudanças

ocorridas nacidade de

São Pauloprovocadas pela

globalização

HUMANIDADES

A nova terra da garoa que a economia inventou

URBANISMO

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AUniversidade de São Paulo (FAU/USP),procura conhecer melhor as manifesta-ções territoriais da globalização na cida-de. Além de Moreira, a pesquisa tem aparticipação de mais três docentes daFAU: Maria Cristina da Silva Leme, Su-zana Pasternak e João Sette Whitaker.

Realizada em parceria com a Secre-taria Municipal de Planejamento de SãoPaulo (Sempla), a pesquisa faz parte doPrograma de Pesquisa em Políticas Públi-cas da FAPESP. Na primeira fase, foramsistematizadas informações disponíveissobre o tema. Constatou-se uma dimi-nuição das áreas ocupadas pela grandeindústria, com forte retração do empre-go; um considerável crescimento do se-tor terciário, movido pela reestruturaçãodo setor industrial e pelos novos em-preendimentos gerados pelos trabalha-dores desempregados como estratégia desobrevivência. Um novo tecido industrialsurgiu, fragmentado, disperso e mescla-do com usos residenciais e de serviços.

Em relação à habitação, o lotea-mento irregular, a casa própria e a au-toconstrução – formas que governa-vam a localização da população debaixa renda entre 1940 e 1980 – perde-ram força. Hoje, o que mais cresce sãoas favelas na periferia. De 1940 a 1980,a cidade era descrita a partir da dua-lidade entre centro e periferia. Atual-mente, novas hipóteses mostram queessa dualidade parece se fragmentar,segundo Suzana Pasternak. “A estrutu-ra ainda mantém os pobres longe docentro, mas nessa nova forma os gru-pos sociais estariam mais próximos fi-sicamente, apesar de separados por mu-ros e tecnologias de segurança, e tendema não interagir em espaços comuns”,diz. “Exemplos que descrevem o quepoderia ser a nova segregação são vi-síveis no Morumbi, onde convivem,separados por muros e grades, fave-la, prédios populares, residências e pré-dios de luxo.”

Marginal do Rio Pinheiros:novo centro do setor terciário do município

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o estudo das características doscircuitos de distribuição presen-tes na cidade – comércio e servi-ços –, avaliando a adequação daszonas comerciais definidas pelalegislação municipal às novas ter-ritorialidades do setor terciário; aanálise do problema da desigual-dade socioespacial em São Paulo,que completa uma nova visão daestrutura urbana da cidade; a in-vestigação sobre o impacto dasações do poder público sobre a es-trutura urbana, identificando ne-xos entre globalização e as açõesdo poder público municipal.

Osaka, Japão - Um dos aspectosinovadores da pesquisa é a articu-lação entre a reestruturação eco-nômica e a exclusão social. “Issopermite pensar problemas comoas diferenças entre favelas da re-gião da Avenida Luís Carlos Ber-rini e da Billings, ambas na ZonaSul de São Paulo. Elas têm inser-ções urbanas muito distintas, compossibilidades de emprego dife-renciadas para seus moradores erepercussões diferentes no quediz respeito à violência”, diz Ma-ria Cristina. “Conhecer o perfildas novas atividades econômicase sua cultura é fundamental.” Acoleta seletiva de lixo, forma de

sobrevivência precária, é um bom exem-plo: se for organizada, será mais efi-ciente e rentável.

Maria Cristina apresentou a pri-meira fase da pesquisa no Japão, entrefevereiro e março. Convidada pelo Ja-pan Center for Area Studies, do Natio-nal Museum of Ethnology, em Osaka,ela viajou com o apoio da Pró-Reitoriade Pesquisa e do Centro de CooperaçãoInternacional da USP. “Osaka é umacidade muito diferente de São Paulo eesse distanciamento permitiu recolocarsob outro ângulo certas questões da pes-quisa, como a segregação socioespacial.A distribuição de renda é excelente, apobreza é quase inexistente e é recorta-da por questões culturais”, afirma a pes-quisadora. Em Osaka, não há a noção decentro e periferia, dado clássico da me-trópole ocidental. Tudo está mistura-do: comércio, indústria, residências declasses sociais diversas, até a agricultu-ra penetra no espaço urbano. •

A Marginal do Rio Pinheirosconsolidou-se como novo cen-tro do setor terciário avançadoda cidade. Dois circuitos de co-mércio coexistem: os shoppingcenters, em franca expansão –que servem às classes mais abas-tadas – e o comércio de rua, pa-ra os pobres, dispostos ao longodos corredores de transportescoletivos.

A partir desse mapeamento,definiu-se um elenco de questõesque serão estudadas na segunda,das três etapas que compõem oPrograma de Pesquisa em Políti-cas Públicas. Na primeira delasfoi estabelecida a metodologia,que é desenvolvida na segunda eseus resultados são implementa-dos na terceira, pelo órgão públi-co parceiro, a Sempla, nesse caso.A primeira etapa foi realizadaentre fevereiro e outubro de 2001.A Sempla forneceu técnicos e da-dos, num valor estimado de R$84 mil, enquanto a FAPESP in-vestiu R$ 13,8 mil.

Utilização do espaço - A segun-da etapa começará nos próxi-mos meses e deve durar um ano.“Como o projeto envolve a uni-versidade e um órgão público, ti-vemos que conciliar os tempos dasduas instituições, que são bastante dife-rentes. O órgão público deve se subme-ter ao calendário político, segue uma ló-gica muito diferente daquela que ordenaa universidade”, diz Maria Cristina daSilva Leme. Articular essas lógicas não éuma coisa simples, é preciso levar emconta as particularidades dos dois lados.“No caso da pesquisa, a mudança de go-verno na prefeitura atrasou o início dotrabalho, nos obrigou a rever a compo-sição da equipe de pesquisadores.”

Três eixos orientam o estudo dosimpactos da globalização no espaço ur-bano paulistano: os efeitos de desindus-trialização, a criação de novos centros ea exclusão social. “Queremos compre-ender os processos que influem sobre omercado e condicionam a ocupação ea utilização do espaço”, explica AntonioCláudio Moreira. Ele diz que a com-preensão é fundamental para orientar adiscussão e a elaboração de políticaspúblicas que apóiem as transformações

do sistema produtivo e corrijam seusefeitos perversos.

Entre os processos cujo conhecimentoé necessário para otimizar políticas de in-tervenção, estão o conhecimento da ter-ritorialidade do parque industrial paulis-tano, ou seja, sua localização, evolução,tendências e a adequação da legislação;

O PROJETO

Territorialidades da Globalização em São Paulo

MODALIDADEPrograma de Pesquisa em Políticas Públicas

COORDENADORANTONIO CLÁUDIO MOREIRA LIMA

E MOREIRA – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

INVESTIMENTOR$ 5.571,72

Vila Anglo, em São Paulo:dos anos 80 para cá, as favelas sãoas que mais crescem na cidade

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om a abertura democrá-tica que ocorreu no Brasilna década de 70, amplia-ram-se as oportunidadesde professores universi-

tários e educadores de universidadespúblicas participarem da gestão dos siste-mas de ensino do país. Esses profissio-nais levaram com eles projetos educa-cionais inovadores, mas essas iniciativassão políticas locais que ficaram restritasà região onde foram desenvolvidas.

Foi para resgatar, documentar, dis-cutir e possibilitar acesso público a es-sas informações que os professores Cel-so de Rui Beisiegel e Romualdo Portelade Oliveira, da Faculdade de Educaçãoda Universidade de São Paulo (FEUSP),elaboraram o projeto temático: Cons-trução de Banco de Dados sobre Experiên-cias de Professores da Universidade Pú-blica na Administração da EducaçãoPública das Últimas Décadas.

Orientados pelos dois professores,sete alunos percorreram vários Estadosdo Brasil coletando e registrando todotipo de informações disponíveis – tantoem gestões estaduais como em munici-pais – sobre as atividades de professoresem universidades públicas na elaboraçãoe na execução de políticas educacionais.Levantaram documentos, entrevistarameducadores e promoveram seminárioscom a participação desses professores a

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tado, região do país ou tema”, explica oprofessor do Departamento de Adminis-tração Escolar e Economia da Educaçãoda FEUSP.“A intenção é criar um acom-panhamento mais sistemático dessaspolíticas e fornecer suporte para qual-quer outro tipo de pesquisa.”

A FAPESP financiou o projeto con-cedendo cinco bolsas de iniciação cien-tífica para os alunos do curso de gradua-ção e mais duas bolsas de capacitaçãotécnica para o aperfeiçoamento dos alu-nos de pós-graduação. A pesquisa decampo durou dois anos e meio e teve iní-cio em 1º de janeiro de 1999. O pontode partida foi a elaboração de uma listaque selecionou previamente educado-res que se envolveram em atividades dedireção de políticas públicas de ensinoa partir de 1982. “Relacionamos várioscolegas que já ocuparam ou ainda ocu-pam cargos de direção, principalmentenos níveis federal e estadual”, diz o pro-fessor Beisiegel. “Mas no trabalho decampo descobrimos trabalhos muitobons nos governos municipais também.”

Para uniformizar a coleta de in-formações, foi elaborado um extensoquestionário para ser respondido pelosentrevistados. O roteiro da entrevistacontemplou os seguintes pontos: dadosgerais e diagnósticos disponíveis sobrea situação do ensino público na época ena região considerada; levantamento dasprimeiras propostas de intervenção; fun-

Projeto organiza banco dedados para arquivar políticaspúblicas em educação

HUMANIDADES

Memórias da escola

fim de entender o trabalho que desen-volviam e debater a sua importância.

O resultado foi a construção de umbanco de dados eletrônico que já contacom o registro de mais de 40 experiênciasde administrações públicas de ensino.O professor Romualdo Portela criouuma estrutura de registro que permitea atualização permanente desses docu-mentos, a inserção de novas experiênciase a consulta por diversos critérios.“Todoesse material está disponível na home-page da Faculdade de Educação paraconsulta pública. Qualquer pessoa podeconsultá-lo por data, administração, Es-

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O educador Paulo Freire:mudando a estrutura da

autonomia das escolas

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 95

alfabetização de jovens e adultos e de for-mação permanente de professores.

Darcy Ribeiro - Outra administraçãoanalisada com profundidade foi o pri-meiro governo de Leonel Brizola à fren-te do Estado do Rio de Janeiro. A marcadessa administração foi a criação dosCentros Integrados de Educação Pública(CIEPs), um projeto de Darcy Ribeiro.Os CIEPs são grandes escolas, projeta-das pelo arquiteto Oscar Niemeyer, quefuncionam como educandários e comocentros culturais para as populações daperiferia metropolitana. “É uma pro-posta inovadora, funcional e que serviude exemplo para outros projetos, inclu-sive em outros Estados”, explica Portela.

Apesar de dar maior atenção e apro-fundar melhor as políticas públicas queacabaram servindo de exemplo ou refe-rência para a elaboração de outros pro-jetos (como as já citadas), o trabalho dospesquisadores não faz nenhum tipo deanálise valorativa. O banco de dados re-gistra os trabalhos desenvolvidos, datase circunstâncias em que foram implan-tados, os resultados e possíveis desdobra-mentos que tiveram. Em um ou outrocaso, a equipe detectou a replicação depropostas em outros locais e com adap-tações. Nesses casos, foram feitas com-parações com as propostas originais.

Todas as atividades do Centro de Es-tudos e Pesquisas de Políticas Públicasem Educação passarão a ser registradas,a partir de agora, no banco de dados de-senvolvido. Assim como as pesquisas detemáticas específicas desenvolvidas pe-los alunos do curso de pós-graduação.A intenção dos professores é que em tor-no desse arquivo se desenvolva um ver-dadeiro laboratório de pesquisas sobreo tema.“Nós formamos a estrutura, de-senvolvemos um sistema e já arquivamosali os primeiros documentos”, diz Por-tela.“A alimentação do banco vai ser fei-ta automaticamente, à medida que ospesquisadores começarem a consultá-lo e sugerirem novas experiências quepossam ser acrescentadas ali.”

Analisar, discutir e qualificar cienti-ficamente os projetos já levantados e osoutros que serão registrados no bancoposteriormente também estão nos pla-nos dos dois professores. “Mas isso já éuma outra proposta de trabalho, inde-pendentemente da formação do bancode dados”, avisa Portela. •

damentação e histórico das propostasapresentadas; prioridades estabelecidas;processo de desenvolvimento dos traba-lhos; relacionamentos com os agentespolíticos; problemas enfrentados; recur-sos disponíveis para realizar o trabalho;levantamento da documentação produ-zida; levantamento da cobertura da im-prensa e avaliação do trabalho final.

eisiegel explica que a idéiade construir esse banco sur-giu a partir da criação, em1997, do Centro de Estudose Pesquisas de Políticas Pú-

blicas em Educação. O centro foi cria-do por professores da área temática “Es-tado, Sociedade e Educação”, da FEUSP,com o objetivo de promover e incentivara elaboração de pesquisas nessa área.“Mas, antes de promover a pesquisa, aintenção do centro era resgatar o papelimportante que muitos pesquisadorestiveram quando começaram a se reunir– durante a ditadura militar – para dis-cutir os rumos que poderia tomar aeducação no Brasil”, conta Beisiegel.“Es-sas reuniões acabaram tornando-se cen-tros de discussões que depois, com o fimda repressão, contribuíram para fortale-cer os institutos de estudo e pesquisa.”

Esse foi o motivo da escolha do anode 1982 como base, para dar início aolevantamento dos dados. Os pesquisado-res explicam que as eleições realizadas apartir da década de 80 abriram a discus-são sobre a gestão pública da educaçãopara o meio acadêmico, o que significouconsiderável melhora na qualidade daspropostas de intervenção. “O Brasil vi-nha de décadas muito difíceis do pontode vista das políticas educacionais. Emum período de intenso crescimento po-pulacional, o poder público estendeu aoportunidade de acesso à escola a pra-ticamente toda a população escolarizá-vel, mas não investiu os recursos neces-sários para enfrentar essa expansão doatendimento”, explica Beisiegel.

O professor acrescenta ainda que aescola pública brasileira atravessou umdoloroso processo de sucateamento. Oensino público passou a ser considera-do “o ensino dos pobres”, a opção daque-les pertencentes às camadas mais bai-xas da população, que não podiam teracesso a outro serviço de melhor quali-dade. Foi a partir da década de 70 quepesquisadores, educadores e intelectuais

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O PROJETO

Construção de Banco de Dados sobre Experiências de Professores da Universidade Pública na Administração da EducaçãoPública das Últimas Décadas

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORESCELSO DE RUI BEISIEGEL e ROMUALDO

PORTELA DE OLIVEIRA – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

INVESTIMENTOR$ 74.150,00

inseriram em sua pauta de discussão aurgente intervenção para promover auniversalização da escolaridade básicae, principalmente, a melhoria da quali-dade de ensino que se estendia às classespobres. “Esse processo só ganhou forçacom a abertura democrática”, diz Bei-siegel.“Os acadêmicos que discutiam aspolíticas de intervenção necessárias pu-deram efetivamente implementá-las.”

Algumas administrações foram prio-rizadas na pesquisa por serem conside-radas exemplares para o debate em suasdeterminadas áreas. Uma delas é a admi-nistração de Luiza Erundina na prefeitu-ra de São Paulo, entre 1989 e 1992.“Em15 de novembro de 1988, o Partido dosTrabalhadores ganhou as eleições mu-nicipais de São Paulo e esse momento émuito marcante”, diz Romualdo Portela.“Um partido popular e de oposição as-sumia, pela primeira vez na sua histó-ria, a mais importante cidade do país.”

Paulo Freire - Além do fato de a prefei-ta ser professora e assistente social, oque contribuiu para que essa adminis-tração se tornasse exemplar para o estu-do de políticas educacionais foi a esco-lha do educador Paulo Freire para ocomando da Secretaria Municipal deEducação. As mudanças estruturaismais importantes introduzidas na ad-ministração de Freire incidiram sobre aautonomia da escola. Foram restabeleci-dos os conselhos de escola e os grêmiosestudantis. O primeiro ato de PauloFreire foi restaurar o Regimento Co-mum das Escolas Municipais, abolidopela administração que o antecedeu.Outras políticas de destaque desse perío-do foram a criação dos programas de

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Dentro da vasta pro-dução teórica de Lu-cia Santaella, este li-

vro constitui um marco, nãoapenas da sua linha de pes-quisa como das ciências dalinguagem em geral. Estaafirmação seria, ao mesmotempo, exata e exígua, na me-dida em que as ciências cog-nitivas são também arroladasno escrito, em prol de umainterlocução necessária.Apre-senta, ainda, uma das mais inspiradas aplicações dascategorias de Charles Sanders Peirce. Como resulta-do, uma magna opera, uma suma semiótica consis-tente, um trabalho de fôlego amadurecido por anosde estudo e reflexão.

Com humildade e orgulho, a autora fala de si antesde entrar no assunto; para introduzi-lo, a coerência doseu percurso é testemunho, e cada um dos momentosrelatados consigna mais um degrau na direção de umsistema de conceitos organizados pragmaticamente.Trata-se de um esforço de unificação do conhecimento,destinado a pôr em consonância as três matrizes se-mióticas fundamentais: a sonora,a visual e a verbal.Elassão responsáveis pela linguagem humana, determinan-do também a nossa capacidade de raciocínio.

Partindo da divisão triádica das linguagens, haveriaum número provável de modalidades do pensamento,cuja ratio fica explicitada no decorrer do texto, na uti-lização das contribuições peircianas de primeridade,secundidade e terceridade, como instrumental. Ora,qualquer sistematização que opere de maneira trini-tária permitiria que fosse cotejada com alguma outraconfiguração similar, mesmo se as convergências só pu-dessem ser assintóticas. Por este viés, as matrizes tan-genciam os registros lacanianos de Real, Imaginário eSimbólico, chegando até a fronteira com a psicanálise,espaço extraterritorial; ali, os processos sígnicos costu-mam ser considerados numa outra perspectiva, apon-tando o sujeito que humanizaria suas funções, na trí-plice condição de falante, sexuado e mortal.

A importância desta obra eleva a semiótica a umnovo patamar. Nele, o destaque dado às classificaçõesnada tem de burocrático; antes, há o propósito de for-malizar uma lógica, rigorosa o suficiente para dar con-ta das peculiaridades das linguagens definidas. Quan-

do é afirmado que o pensarobedece à impressão matricial,avança-se a passos largos naprecisão de novos saberes.

Aqui, neste ponto, deveriacomeçar o diálogo, a argumen-tação, inclusive a disputa comoutros discursos e disciplinasdiretamente concernidas. Porexemplo, a filosofia, a comuni-cação, a pedagogia, mas tam-bém a psicologia, obviamente,fora um inevitável aggiorna-

mento epistemológico para todas, à altura do debate.Conseqüências metapsicológicas são previstas. Paraas ciências cognitivas, então, será uma verdadeira mãona roda, tendo que arcar com os royalties.

Ainda, ele cai como uma luva, em boa hora, paraenfrentar os novos desafios. Do século passado ao mi-lênio atual, as linguagens híbridas têm proliferado dejeito exponencial. A tecnologia permite hoje o que an-tes só acontecia nos sonhos, desordenadamente. Ago-ra, interfaces e penetrações recíprocas desenham apluralidade do antes impossível. Mas, desde sempre, aarte também pode exprimir, de maneira única e origi-nal, a conjunção das três matrizes. Assim, no poéticoensaio sobre uma escultura escritural da artista plás-tica Betty Leirner, Santaella apresenta seu universoteórico em ato. Em seguida, oferece a sugestão de umcartograma exeqüível, junto com algumas sinaliza-ções para ulteriores desenvolvimentos.

O futuro que já chegou demanda subsídios paraentender a complexidade da experiência que a revo-lução digital está provocando, em termos psíquicos,sociais e culturais. A trama estética e intelectual daslinguagens da hipermídia tem seu lugar específico,atendendo às características de interatividade, multi-dimensionalidade e arquitetura fluida. Ilustrativo, oCD-ROM de Bairon & Petry é um exemplo cabal dasofisticação dos produtos culturais contemporâneos.

Pelos seus quilates, esta edição ganha um relevoímpar e o prêmio Jabuti recebido há pouco tempotorna público um reconhecimento merecido.

Alla Matriciana

R E S E N H AR E S E N H A

Matrizes da Linguagem e Pensamento

Lucia Santaella

Editora Iluminuras

431 páginas / R$ 49,00

Em seu novo livro, Lucia Santaella conseguiu uma suma semiótica

OSCAR CESAROTTO, psicanalista. Professor de SemióticaPsicanalítica na PUC-SP.

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PESQUISA FAPESP � JUNHO DE 2002 � 97

Brazilian Journal of Physics2001 - volume 31

Editada trimestralmente pelaSociedade Brasileira de Física,a nova edição da publicação traz os seguintes artigos: EnergySpectrum and Eigenfunctions through the Quantum SectionMethod, de R. Egydio de Carvalho e J. Espinoza Ortiz; An Analysis

of Helium Primordial Nucleosynthesis with a VariableCosmological Coupling, de Marinho, Gonçalves,Fabris e Alvarenga; Squeezing in Coupled Oscillators Having Neither Nonlinear Terms Nor Time-Dependent Paramenters; entre outros.

A Passagem de Sartre e Simone de Beauvoir pelo Brasil em 1960Mercado de Letras (apoio FAPESP)Luís Antônio Contatori Romano368 páginas / R$ 37,00

A visita do casal existencialista aoBrasil e as várias conseqüências nomeio cultural e filosófico do paíssão o tema deste estudo. Romano

discute com profundidade as discussões que precederama chegada de Sartre e Simone e de que forma as novasidéias do filósofo francês se modificaram com sua visita à Cuba, pouco antes de chegar ao Brasil, e, dessa forma,trouxeram ainda mais lenha para as discussões que eramfeitas sobre seu pensamento por aqui. Além disso,há também um curioso relato das andanças do casal por terra nacionais e de como seu teatro foi recebido.

Descobertas do BrasilEditora Universidade de BrasíliaAngélica Madeira e Mariza Veloso329 páginas / R$ 34,00

A idéia inicial era fazer um grandeciclo de palestras que percorreria o país a fim de desenvolver um retrato do Brasil.O evento não ocorreu, mas o livro é um excelente testemunho daseriedade da tarefa. O estudo se

compõe de uma série de artigos que pretende dar contada intensa diversidade nacional, com os vários “brasis”existentes. Os dois pontos centrais discutem temas ligados ao Brasil colônia e ao Brasil moderno. Entre osarticulistas, Marisa Lajolo, Roberto Ventura, Mary delPriore, Lúcia Lippi Oliveira, Willi Bolle, Luiz Tatit, FlávioGoldman, Murilo Fernandes Gabrielli, entre outros.

LIVROSLIVROS

Revista Brasileira de Ciências SociaisVolume 17 - número 48

A publicaçã da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisaem Ciências Sociais faz uma homenagem a Vilmar Faria,morto em novembro de 2001,publicando um artigo inédito (uma aula inaugural do professor

de 1992) do sociólogo que foi a alma social do governoFHC: Ciências Sociais: Razões e Vocações. Ainda neste número, editado com o apoio da FAPESP: Partidos,Ideologia e Composição Social, de Leôncio MartinsRodrigues; Políticas do Desperdício e Assimetria entre Público e Privado – IndústriaAutomobilística, de Glauco Arbix; entre outros.

Margem2001 - volume 10R$ 20,00

A publicação semestral da Faculdade de Ciências Sociaisda Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, editada com o apoioda FAPESP, traz neste volume umdossiê sobre os 500 anos do Brasil.O desejo dos articulistas foi

oferecer uma visão alternativa seja ao ufanismo de algunssobre a data, seja ao ceticismo absoluto de outros. A idéiacentral é, sem preconceitos, descobrir o que, em verdade,temos para pensar o país a partir da efeméride. Entre os vários artigos, textos escritos por Mariza Werneck,Daniel Dubuisson, Luiz Eduardo Wanderley, MaristelaToma, Mara Pardini Bicudo Véras, Josildeth GomesConsorte e, entre outros, um texto de John Updike.

REVISTASREVISTAS

Erguendo-se pelos própriosCabelos: Auto-emprego e Reestruturação Produtiva no BrasilEditora Germinal (apoio FAPESP)João Batista Pamplona366 páginas / R$ 37,00

Mesmo em tempos da chamadaglobalização, o Brasil ainda mantémestruturas arcaicas de emprego.

Este estudo procura analisar como, nesse novo contextoeconômico mundial, se pode entender o trabalho informale o auto-emprego. A questão levantada por João BatistaPamplona é se essa forma de subsistência é alternativapromissora ou precarização da mão-de-obra do país.

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A R T E F I N A LA R T E F I N A L

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