Os antidepressivos resultam mesmo? · 2019-05-06 · modestos efeitos dos fármacos. Após...

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64 Os antidepressivos resultam mesmo? “Pílula da felicidade” para uns, um mal necessário para outros. A cura farmacológica mais prescrita no mundo tem levantado dúvidas, mas um estudo deste ano, publicado na Lancet, garante que produz efeito. Em Portugal, a depressão está a aumentar, sendo o país da UE onde se vendem mais antidepressivos CLARA SOARES

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Os antidepressivosresultam mesmo?

“Pílula da felicidade” para uns, um mal necessário para outros. A cura farmacológica mais prescrita no mundo tem levantado

dúvidas, mas um estudo deste ano, publicado na Lancet, garante que produz efeito. Em Portugal, a depressão está a aumentar, sendo

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D I A G N Ó S T I C O Antidepressivos

A batimento, desânimo, fadiga, falta de apetite e de sono e desinte-resse por tudo. Na era pré-cristã, Hi-pócrates, pai da Me-dicina, recomendava uma dieta sem sal

nem fumados para recuperar de estados de melancolia. Há dois séculos, recorria-se às caminhadas na Natureza para aliviar as dores da alma e usava-se o ópio e a erva--de-são-joão para regular os humores. Em 1950, chegou o primeiro antidepressivo e, em 1972, ao testar-se uma substância para a tensão arterial, um laboratório descobriu por acaso que esta melhorava os sintomas da depressão. O novo medicamento ini-ciou a “Era Prozac” e foi o mais vendido de sempre: em 1993, mais de dez milhões de pessoas no mundo inteiro já o tinham to-mado, noticiou a Time, tendo conquistado o estatuto de “pílula da felicidade”. Porém, não se livrou da forte controvérsia sobre a sua real eficácia, bem como sobre a dos seus sucedâneos (sertralina, paroxetina, citalopram, entre outros). Três décadas depois, é socialmente aceite que a felicidade não vem sob a forma de comprimidos. mas estes continuam a ser a opção de primeira linha para se combater a “epidemia do sé-culo XXI”. No entanto, a pergunta subsiste: os antidepressivos resultam mesmo?

FUNCIONAM, MAS NÃO A 100% As investigações recentes e mais rigorosas sugerem que sim. O estudo que acaba de ser publicado na prestigiada revista cien-tífica The Lancet, na primeira semana de abril, é clarificador. Comparou-se a eficácia e a tolerância de 21 antidepressivos para o tratamento de pacientes com perturbação depressiva grave e conclui-se que todos registaram méritos relativos.

Tendo por base a análise dos resultados de 522 ensaios clínicos que envolveram 116 477 participantes, o trabalho mostrou que os antidepressivos foram mais eficazes do que o placebo (comprimido com excipiente mas sem princípio ativo).

A conclusão deste artigo, feito por An-dreia Cipriani, do Departamento de Psi-quiatria da Universidade de Oxford, por Toshi A. Furukawa, da Universidade de Quito, no Japão, e outros colaboradores, vem assim contrariar a ideia lançada nos últimos anos por outros trabalhos que levantavam dúvidas sobre o real efeito destes medicamentos - como é o caso do

1955Uma equipa de cientistas suíços testou a imipramina no tratamento da esquizofrenia, sem sucesso. Contudo, a substância revelou-se “milagrosa” em doentes psiquiátricos com sintomas depressivos, e surgiram os chamados antidepressivos tricíclicos. O Tofranil marcou o início de uma época de ouro na indústria farmacêutica

1958Surgiu uma nova classe de fármacos (IMAO – inibidores da enzima monoamina oxidase) cuja descoberta foi igualmente fruto de um acaso, quando decorriam ensaios clínicos com a molécula (iproniazida)para tratar a tuberculose. Percebeu-se que o seu uso nos pacientes aumentava-lhes a euforia e o humor

1987Foi o início da Era Prozac. A farmacêutica Eli Lilly testou a ação da fluoxe-tina na pressão arterial. O falhanço do princípio ativo para esse fim trouxe uma surpresa maior: melhorava os sintomas da depressão, com me-nos efeitos secundários. Criou-se uma nova classe de antidepressivos, os SSRI, inibidores seletivos de recaptação de seroto-nina, entre eles o famoso Prozac

1993Lançou-se, nos EUA, uma nova classe de antide-pressivos, conhecidos como SNRI, inibidores seletivos de recaptação de serotonina e noradre-nalina. Estes dois quími-cos cerebrais circulam durante mais tempo entre as células nervosas e, por isso, potenciam a regulação do humor e das funções cognitivas

2000A aposta passou a ser na dopamina, que é um neurotransmissor associado ao prazer e à capacidade de iniciativa, e na noradrenalina, que melhora as funções cognitivas. E assim começam a usar-se medicamentos chamados DNRI, inibidores seletivos de recaptação de noradrenalina e dopamina

2013A cetamina torna-se a nova esperança dos antidepressivos. Alguns investigadores têm referido que o uso deste anestésico com efeito hipnótico no tratamento da depressão é uma das maiores descobertas dos últimos tempos

Evolução dos químicos que mudaram vidas

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a funcionar ou se tiver muitos efeitos ne-fastos, são as primeiras a querer parar”, explica Miguel Bragança.

COMPROMISSO E BOM SENSO “Os mitos sobre estes fármacos têm um grande impacto na vida das pessoas e afetam a adesão ao tratamento”, avisa, por seu lado, Ema Paulino, da Direção Nacional da Ordem dos Farmacêuticos. Aguardar duas a três semanas até sentir melhoras, enquanto fica a braços com os efeitos secundários ,desde o primeiro dia de toma não ajuda: “Há quem nunca levante a primeira embalagem por falta de informação ou receio baseado no que ouviu ou leu nas redes sociais”, conta Ema Paulino, explicando que há casos em que as pessoas interrompem abruptamente a medicação sem falar com o médico, “correndo o risco de ficar pior do que antes”. Para evitar estes cenários, a tam-bém diretora técnica da Farmácia Nuno Álvares, em Almada, costuma responder às preocupações de quem ali entra com a receita – em papel ou no telemóvel – com esclarecimentos simples, mas es-senciais. Uma das informações que tem por hábito passar aos utentes é a de que “o cérebro não é algo abstrato, antes um órgão que pode ser tratado, como qual-quer outro”. A farmacêutica aproveita também sempre para recordar às pessoas que “um antidepressivo tem a vantagem de não se tomar por toda a vida”, – variando a média do tratamento entre nove meses e poucos anos, dependendo de cada caso e sem contar com o tempo de desmame.

A ideia é dar confiança aos utentes para que possam tomar decisões informadas e levar o medicamento até ao fim. Caso o fármaco escolhido comprometa a qualidade de vida (perda de libido, falta de atenção, etc.), “pode ser necessário explorar outras opções no arsenal terapêutico ou fora dele”, esclarece Ema Paulino.

Aqui faz sentido voltar ao estudo de Irving Kirsch e colaboradores, que me-receu destaque num artigo do The New York Times em março, salientando os modestos efeitos dos fármacos. Após analisarem 74 estudos, publicados e não publicados, com mais de 12 500 pacien-tes, concluíram que a diferença entre o efeito do químico e o do placebo não era clinicamente significativa. Além disso, no artigo publicado na revista científica Plos One, em que se comparava a eficácia de várias abordagens terapêuticas, sugeria-se

O psicólogo norte- -americano, que defende a ideia de que o efeito dos antidepressivos é igual ao do placebo, escreveu o livro As Novas Drogas do Imperador: a Explosão do Mito dos Antidepressivos. Aqui explica porque devemos dar atenção a outros tipos de tratamento para a depressão.

O estudo sobre o efeito dos antidepressivos, que é similar ao do placebo, mantém-se atual? Sim. Parte dos dados usados na meta-análise foi facultada pela autoridade do medicamento americana (Food and Drug Administration) ao abrigo do Freedom Information Act (FOIA). Nos casos de depressão leve e moderada, praticamente não houve diferenças entre a resposta aos fármacos e ao placebo, exceto nos casos de depressão grave, em que a resposta foi superior à do placebo, embora sem mudanças visíveis do ponto de vista dos sintomas.

O que mudou depois de os resultados da meta-análise terem sido tornados públicos? Nada. Um mais recente estudo, publicado

na Nature, mostrou que há pessoas que melhoram com placebo, outras com o princípio ativo. As diferenças são estatisticamente significativas, mas não do ponto de vista clínico. No Reino Unido, os médicos continuam a receitar, embora as linhas orientadoras do Serviço Nacional de saúde recomendem que não se usem como tratamento de primeira linha em casos de depressão leve e moderada. As mudanças levam tempo.

Quais as opções terapêuticas mais sensatas para perturbações de ajustamento, que não são doenças mas que implicam sofrimento? Psicoterapia, planos de exercício físico, acupunctura e suplementos alimentares produzem melhores resultados a longo prazo. Quando se termina o tratamento

com fármacos, existe um elevado risco de recaída, de se ficar deprimido outra vez, embora se desconheça a causa.

À luz do que se sabe hoje, pode dizer-se que os antidepressivos funcionam? Tudo indica que funcionam, não pelo princípio ativo mas devido ao efeito placebo e à passagem do tempo! Há outros tratamentos tão bons a curto prazo como os antidepressivos, melhores até, no longo prazo, por serem mais seguros e sem efeitos colaterais.

Os médicos discutem os efeitos secundários que podem surgir com os pacientes? Deveriam. As pessoas precisam de saber, por exemplo, que entre 70 e 80% dos pacientes que tomam inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) referem a disfunção sexual e outros, como risco aumentado de AVC, de hemorragias gastrintestinais e de condutas agressivas entre os mais jovens. Há outros tratamentos igualmente bons como alternativa ou quando os fármacos não funcionam.

5 perguntas Irving KirschDiretor do programa em Estudos de Placebo da Harvard Medical School em Boston, Massachusetts

Os fármacos funcionam, mas devido ao efeito placebo e à passagem do tempo

D I A G N Ó S T I C O Antidepressivos

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que a acupunctura era tão eficaz como a combinação de fármacos e psicoterapia; que esta tinha o mesmo impacto que o exercício físico. O programa 60 Minutes, da CBS News, em março de 2012, con-tribuiu para passar a mensagem de que a depressão era um problema sério que só as drogas não resolviam. Em declarações à Medscape Medical News, a Associação de Psiquiatria Americana (APA) lamentou que se estivesse a difundir uma mensa-gem errónea e perigosa, omitindo-se um facto óbvio: a APA recomendava a psico-terapia em sintomas depressivos leves e moderados.

A “DOENÇA DA MODERNIDADE” Contactado pela VISÃO Saúde, Irving Kirs-ch mostrou-se cauteloso e admitiu que “as mudanças levam tempo”. O seu polémico estudo teve o mérito de demonstrar que era preciso mais transparência na indústria farmacêutica que financia os ensaios e es-tudos, e influenciou as linhas orientadoras para o tratamento da depressão no Reino Unido, onde Kirsch deu aulas de Psicolo-gia, na Universidade de Plymouth. Além disso, outra questão fica por responder: como conciliar diferentes soluções, desde que sejam eficazes e vão ao encontro das necessidades dos cidadãos, sem excessos nem radicalismos?

“A depressão é maioritariamente um sofrimento de contexto, e não uma ver-dadeira doença, no sentido em que esta é conceptualizada com uma etiologia neu rofisiológica conhecida. Contudo, o so-frimento tantas vezes por desadaptações sociais pode levar a alterações neu-rofi-siológicas”, esclarece o psiquiatra António Sampaio, para quem o antidepressivo “é muitas vezes a muleta possível quando o sofrimento começa a ser demasiado”. Segundo o médico, que é mestre em Neurociências, “o individualismo exacer-bado, a falta de coesão social e o facto de a produtividade e a profissão tomarem o lugar da identidade levam quem não está ativo a sentir-se sem valor”.

Por isso, diz António Sampaio, “a pri-meira coisa a fazer numa situação de de-pressão é ajudar a pessoa a tentar conhe-cer-se melhor e assim perceber quanto do seu sofrimento é devido a uma ‘fragilidade’ pessoal e quanto se deve à ‘agressividade’ da sociedade”.

“A meta, em saúde mental, em muitos casos, é que a pessoa aceite quem é e per-ceba que não tem de ser igual aos outros.”

REDUÇÃO DE SINTOMAS (%)

Évora, Portalegre, Coimbra, Leiria e Santarém são os distritos do País onde mais se consumiram fármacos para a depressão

ONDE SE TOMAM MAIS COMPRIMIDOS

Em 15 anos, duplicou a média do consumo de antidepressivos nos 29 países da OCDE (no ano 2000 era de 30,7 e em 2015 subiu para 60,3). Na União Europeia, Portugal ocupa o primeiro lugar na tabela (sem contar com França, que deixou de entregar dados desde 2009, quando indicava 49,8)

TOP7 DA UE

IMPACTO DOS TRATAMENTOS NA DEPRESSÃO

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0,72BEJA

0,65FARO

0,82LISBOA

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0,60 FONTE HMR – Health Market Research a partir de dados

FINLÂNDIA

ESPANHA

DINAMARCA

BÉLGICA

ANTIDEPRESSIVOS (AD)PLACEBO

LISTA DE ESPERATRATAMENTO HABITUAL

PSICOTERAPIAPSICOTERAPIA + AD

EXERCÍCIO FÍSICOACUPUNCTURA

4638

1336

4752

4752

SUÉCIA

REINO UNIDO

PORTUGAL

68,273,1

77,078,3

92,594,2

95,1

CONSUMO DE ANTIDEPRESSIVOS.DOSE DIÁRIA DEFINIDA (DDD) POR MIL HABITANTES

FONTE OCDE (2017), Antidepressant drugs consumption, 2000 and 2015 (or nearest year), in Pharmaceutical sector, OECD Publishing, Paris

FONTE Khan, Faucett, Lichtenberg, Kirsch & Brown, 2012 INFOGRAFIA AR/VISÃO

60,3MÉDIAOCDE

0,81R.A. AÇORES

0,68R.A. MADEIRA

CONSUMO DE ANTIDEPRESSIVOSE ESTABILIZADORES DO HUMOR

, UNIDADES, 2017PER CAPITA

Évora, Portalegre, Coimbra, Leiria e Santarém são os distritos do País onde mais se consumiram fármacos para a depressão

ONDE SE TOMAM MAIS COMPRIMIDOS