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RDS IX (2017), 3, 491-532 Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos: Algumas pistas sobre o novo regime * 1 DR. TIAGO DOS SANTOS MATIAS 2 Sumário: 1. A reforma de auditoria em Portugal. 2. Ocontexto da Diretiva de Auditoria. 3. A proibição da prestação de serviços distintos de auditoria: 3.1. Do âmbito de aplicação subjetivo da proibição; 3.2. Do âmbito de aplicação temporal da proibição. 4. As proibições: 4.1. Serviços de assessoria fiscal: 4.1.1. Da elaboração de declarações fiscais; 4.1.2. Refe- rentes a impostos sobre salários; 4.1.3. Referentes a direitos aduaneiros; 4.1.4. Referentes à identificação de subsídios públicos e incentivos fiscais; 4.1.5. Apoio em matérias de ins- peções tributárias; 4.1.6. Cálculo dos impostos; 4.1.7. Prestação de aconselhamento fiscal; 4.2. Serviços que envolvem a participação na gestão ou na tomada de decisões da entidade auditada; 4.3. A elaboração e lançamento de registos contabilísticos e de contas; 4.4. Os ser- viços de processamento de salários; 4.5. A conceção e aplicação de procedimentos de controlo interno ou de gestão de riscos relacionados com a elaboração e ou o controlo da informação financeira ou a conceção e aplicação dos sistemas informáticos utilizados na preparação dessa informação; 4.6. Os serviços de avaliação, incluindo avaliações relativas a serviços atuariais ou serviços de apoio a processos litigiosos; 4.7. Serviços jurídicos: 4.7.1. De prestação de aconselhamento geral; 4.7.2. De negociação em nome da entidade auditada; 4.7.3. De exercício de funções de representação no quadro da resolução de litígios; 4.8. Serviços relacio- nados com a função de auditoria interna da entidade auditada; 4.9. Serviços associados ao financiamento, à estruturação, à afetação de capital e à estratégia de investimento da entidade auditada, exceto a prestação de serviços de garantia de fiabilidade respeitantes às contas, tal como a emissão de “cartas de conforto” relativas a prospetos emitidos pela entidade auditada; 4.10. A promoção, negociação ou tomada firme de ações da entidade auditada; 4.11. Os * O presente artigo é publicado ao abrigo da colaboração estabelecida entre a Revista de Direito das Sociedades e o Governance Lab, grupo de investigação jurídica dedicado ao governo das organizações (www.governancelab.org). ** Advogado, Diretor do Departamento de Supervisão Contínua da CMVM. As opiniões expedidas no presente texto são pessoais e apenas vinculam o seu Autor, o qual agradece à Dra. Laura Leal a disponibilidade irrestrita para as trocas de opiniões mantidas sobre o tema vertente. Book Revista de Direito das Sociedas 3 (2017).indb 491 Book Revista de Direito das Sociedas 3 (2017).indb 491 21/09/17 15:18 21/09/17 15:18

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Os auditores e os serviços distintos de auditoria proibidos:Algumas pistas sobre o novo regime*

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DR. TIAGO DOS SANTOS MATIAS

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Sumário: 1. A reforma de auditoria em Portugal. 2. Ocontexto da Diretiva de Auditoria. 3. A proibição da prestação de serviços distintos de auditoria: 3.1. Do âmbito de aplicação subjetivo da proibição; 3.2. Do âmbito de aplicação temporal da proibição. 4. As proibições: 4.1. Serviços de assessoria fi scal: 4.1.1. Da elaboração de declarações fi scais; 4.1.2. Refe-rentes a impostos sobre salários; 4.1.3. Referentes a direitos aduaneiros; 4.1.4. Referentes à identifi cação de subsídios públicos e incentivos fi scais; 4.1.5. Apoio em matérias de ins-peções tributárias; 4.1.6. Cálculo dos impostos; 4.1.7. Prestação de aconselhamento fi scal; 4.2. Serviços que envolvem a participação na gestão ou na tomada de decisões da entidade auditada; 4.3. A elaboração e lançamento de registos contabilísticos e de contas; 4.4. Os ser-viços de processamento de salários; 4.5. A conceção e aplicação de procedimentos de controlo interno ou de gestão de riscos relacionados com a elaboração e ou o controlo da informação fi nanceira ou a conceção e aplicação dos sistemas informáticos utilizados na preparação dessa informação; 4.6. Os serviços de avaliação, incluindo avaliações relativas a serviços atuariais ou serviços de apoio a processos litigiosos; 4.7. Serviços jurídicos: 4.7.1. De prestação de aconselhamento geral; 4.7.2. De negociação em nome da entidade auditada; 4.7.3. De exercício de funções de representação no quadro da resolução de litígios; 4.8. Serviços relacio-nados com a função de auditoria interna da entidade auditada; 4.9. Serviços associados ao fi nanciamento, à estruturação, à afetação de capital e à estratégia de investimento da entidade auditada, exceto a prestação de serviços de garantia de fi abilidade respeitantes às contas, tal como a emissão de “cartas de conforto” relativas a prospetos emitidos pela entidade auditada; 4.10. A promoção, negociação ou tomada fi rme de ações da entidade auditada; 4.11. Os

* O presente artigo é publicado ao abrigo da colaboração estabelecida entre a Revista de Direito das Sociedades e o Governance Lab, grupo de investigação jurídica dedicado ao governo das organizações (www.governancelab.org).** Advogado, Diretor do Departamento de Supervisão Contínua da CMVM. As opiniões expedidas no presente texto são pessoais e apenas vinculam o seu Autor, o qual agradece à Dra. Laura Leal a disponibilidade irrestrita para as trocas de opiniões mantidas sobre o tema vertente.

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serviços em matéria de recursos humanos referentes: 4.11.1. Aos cargos de direção suscetíveis de exercer infl uência signifi cativa sobre a preparação dos registos contabilísticos ou das contas objeto de revisão legal das contas, quando esses serviços envolverem: A seleção ou procura de candidatos para tais cargos; A realização de verifi cações das referências dos candidatos para tais cargos; 4.11.2. À confi guração da estrutura da organização; 4.11.3. Ao controlo dos custos. 5. A independência do auditor como um dos deveres dos auditores.

1. A reforma de auditoria em Portugal

A recente transposição da Diretiva 2014/56/UE, do Parlamento e do Con-selho, de 16 de abril de 2014, que altera a Diretiva 2006/43/CE relativa à revisão legal de contas anuais e consolidadas (Diretiva de Auditoria), e assegura a execução, na ordem jurídica interna1, do Regulamento (UE) n.º 537/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo aos requisitos específi cos para a revisão legal de contas das entidades de inte-resse público (Regulamento Europeu de Auditoria)2, realizada por via da Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro, que aprovou o novo Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria (RJSA), veio redefi nir o quadro regulatório a que a atividade de auditoria se encontrava sujeita.

A Lei n.º 140/2015, de 7 de setembro, que procede, igual e parcialmente, à transposição da referida Diretiva, bem como à execução do antedito Regu-lamento, procedeu à aprovação do novo Estatuto da Ordem dos Revisores Ofi ciais de Contas (EOROC), o qual foi criado em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico da criação, orga-

1 Sobre o regime até então vigente veja-se Paulo Câmara e Gabriela Figueiredo Dias, “O Governo das sociedades anónimas”, in O Governo das Organizações – A vocação universal do corporate governance, Almedina, Coimbra, 2011, p. 69, segundo os quais “[a] reforma de 2006 veio assim procurar dar resposta a alguns dos principais factores de erosão e inefi ciência dos mecanismos de fi scalização, a saber: – Desconsideração, pelos modelos de fi scalização, da dimensão e natureza específi cas das sociedades (one size fi ts all), nomeadamente pela admissibilidade de fi scal único nas grandes sociedades anónimas e nas sociedades cotadas; – Possibilidade de coincidência da pessoa do fi scal único com o auditor externo, nas sociedades abertas obrigadas a relatório de auditoria (externa), assente numa abordagem do órgão de fi scalização como mero órgão de revisão de contas; – A passividade tolerada aos membros do conselho fi scal; – A captura do conselho fi scal pelos accionistas de referência e pela administração da sociedade; – A inefi ciácia dos mecanismos de supervisão do auditor externo; – O regime impreciso de responsabilidade dos membros dos órgãos de fi scalização.”Para maiores desenvolvimentos sobre o enquadramento histórico desta reforma, cfr. José Ferreira Gomes, Da administração à fi scalização das sociedades, Almedina, 2015, 383-401.2 Portugal foi um dos primeiros Estados membros a transpor para o seu ordenamento jurídico interno o regime decorrente da reforma europeia de auditoria.

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nização e funcionamento das associações públicas profi ssionais e que veio, de igual modo, contribuir para as alterações signifi cativas realizadas no âmbito da regulação da atividade de auditoria.

Tendo em consideração a extensão e profundidade das alterações decor-rentes da transposição supra referida, bem como a circunstância do presente estudo ter como objeto uma parte dessas alterações, concentrar-nos-emos nas condições impostas, pelo artigo 77.º do EOROC, para a realização de revisão legal das contas de entidades de interesse público, em especial na proibição, consagrada no n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, de cumular a prestação de serviços de auditoria com alguns serviços distintos de auditoria.

2. O contexto da Diretiva de Auditoria

A Diretiva 2014/56/UE, do Parlamento e do Conselho, de 16 de abril de 2014, veio introduzir alterações à Diretiva de Auditoria, estabelecendo os deve-res dos auditores e introduzir requisitos à supervisão da atividade de auditoria por uma entidade independente3 e de cooperação entre as diferentes entidades de supervisão existentes no âmbito dos Estados membros da União Europeia.

Por outro lado, veio estabelecer requisitos específi cos relativamente à certi-fi cação legal de contas de entidades de interesse público (EIP).

As novas regras seguiram um extenso processo de consulta iniciado em 13 de outubro de 2010, com o Livro Verde da Comissão Europeia4, que resultou na apresentação por parte da Comissão Europeia de duas propostas em novem-bro de 20115, cujo corolário foi a reforma operada e que assenta em medidas de aplicação horizontal e em medidas específi cas.

No que diz respeito a medidas horizontais, aplicáveis a todos os auditores, de EIP ou não, destacamos:

3 Nos termos do considerando 22 do Regulamento Europeu de Auditoria, “[p]ara assegurar um nível elevado de confi ança dos investidores e dos consumidores no mercado interno evitando confl itos de interesses, os revisores ofi ciais de contas e as sociedades de revisores ofi ciais de contas deverão estar sujeitos a uma supervisão adequada por parte de autoridades competentes independentes do exercício profi ssional da auditoria”. Neste contexto, a supervisão pública de revisores ofi ciais de contas, sociedades ofi ciais de contas, de auditores e de entidades de auditoria de Estados membros e de países terceiros registados em Portugal (auditores), bem como toda a atividade por eles desenvolvida foi atribuída à CMVM, nos termos constantes do artigo 4.º do RJSA. 4 Disponível em http://europa.eu/rapid/press-release_IP-10-1325_en.htm?locale=en. 5 Disponíveis em http://europa.eu/rapid/press-release_IP-11-1480_en.htm?locale=en.

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– Requisitos de independência reforçados6, designadamente através da melhoria dos requisitos organizativos dos auditores7;

6 A respeito da independência no âmbito do regime anterior veja Paulo Câmara e Gabriela Figueiredo Dias, “O Governo das sociedades anónimas”, cit., p. 91, segundo os quais “[d]iferentemente das exigências estabelecidas para os membros dos órgãos colegiais de fi scalização das grandes sociedades anónimas e das sociedades cotadas, o legislador da reforma absteve-se de impor requisitos de independência específi cos para o ROC enquanto fi scalizador da sociedade. Não obstante, o ROC é objeto de exigências muito estritas de independência e fortemente limitado no exercício da sua função por incompatibilidades várias, de acordo com o respetivo regime profi ssional, fi xado no D.L. n.º 487/99, de 16.11, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Revisores Ofi ciais de Contas (concretamente pelos arts. 49.º, 60.º, n.º 5, e 78.º, n.º 1, al. c) do EOROC).” Ainda a respeito da independência dos auditores veja-se Paulo Bandeira, “O Governo dos auditores”, in O Governo das Organizações – A vocação universal do corporate governance, Edições Almedina, Coimbra, 2011, p. 463, o qual, destrinçando “independência de facto” e “independência aparente”, defi ne aquela como sendo “o estado de espírito do auditor que lhe permite agir livre de quaisquer infl uências que afectem a sua actuação, o que difi cilmente será verifi cável por terceiros, excepto se por avaliação da estrita aplicação de normas legais ou códigos de ética” e esta como sendo uma “prova de mercado, reconhecendo-se que a independência não tem uma vertente meramente interna, mas também externa, devendo a independência do auditor estar sujeita, sobretudo, ao juízo público”, No mesmo sentido veja-se André Figueiredo, “Auditor Independence and the joint provision of audit and non-audit services”, in O Código das Sociedades Comerciais e o Governo das sociedades, AAVV, Almedina, Coimbra, 2008, p. 204 e ss.Com interesse para este ponto veja-se Paulo Câmara, “A atividade de auditoria e a fi scalização de sociedades cotadas – defi nição de um modelo de supervisão”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 16, 2003, segundo o qual “[é] sabido que, embora os auditores celebrem com as empresas suas clientes contratos de direito privado, realizam na verdade uma função de interesse público. Com efeito, são guardiões da legalidade contabilística e do rigor da legalidade contabilística e do rigor da informação fi nanceira (gatekeepers, na linguagem norte-americana agora retomada e aprofundada nomeadamente pelo Professor JOHN COFFEE JR.). E é essa dupla função do auditor (prestação de serviço ao cliente e protesção do interesse de terceiros) que explica a essencialidade da sua independência.”Finalmente, em linha, neste ponto, com a reforma europeia de auditoria veja-se José Ferreira Gomes, “A fi scalização externa das sociedades comerciais e a independência dos auditores – A reforma europeia, a infl uência norte-americana e a transposição para o Direito português”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 24, 2006, p. 213, segundo o qual “[a]nalisado o regime português em vigor e a infl uência do Direito da União Europeia, afi guram-se-nos prioritários o reforço e garantia da independência dos auditores, condição essencial ao adequado desempenho das suas funções enquanto intermediário reputacional.”7 O novo regime veio introduzir requisitos mais exigentes quanto à independência do auditor, mediante o aprofundamento dos requisitos organizacionais e, concomitantemente, conferindo ao auditor o dever de confi rmar anualmente a sua independência ao órgão de fi scalização da entidade auditada e com este debater qualquer ameaça à sua independência (sobre o dever de independência veja-se o artigo 71.º do EOROC), bem como as salvaguardas aplicadas para a mitigar (cfr. artigo 78.º do EOROC).

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– Relatórios de auditoria mais transparentes e informativos, proporcio-nando através dos mesmos informação relevante sobre a entidade audi-tada que vão para além da mera opinião em formato standard8;

– Reforço das atribuições e competências das autoridades de supervisão de auditoria9;

– Estabelecimento de um regime sancionatório mais efetivo, harmoni-zando as sanções e critérios para a sua aplicação;

– Atribuição da competência da Comissão Europeia para a adoção das International Standards on Auditing (ISA) ao nível da União Europeia.

Adicionalmente, a atividade de auditoria a EIP passou a estar sujeita a regras mais restritivas, designadamente:

– Reforço dos requisitos aplicáveis aos relatórios de auditoria10 e introdu-ção de um novo relatório, mais detalhado, para o órgão de fi scalização da entidade auditada, contendo informação aprofundada sobre o trabalho de auditoria desenvolvido11;

– Introdução do requisito de rotação de auditores12 13;– Proibição de cumulação de prestação de serviços de auditoria e serviços

distintos de auditoria14;– Imposição de uma limitação quantitativa quanto aos honorários cobrados

por serviços distintos de auditoria15;

8 A este respeito veja-se o artigo 45.º do EOROC.9 Cfr. artigo 4.º do RJSA.10 Cfr. artigo 45.º do EOROC.11 Cfr. artigo 24.º do RJSA e artigo 63.º do EOROC.12 E, note-se, de inamovibilidade. Com interesse para este ponto veja-se o artigo 54.º do EOROC.13 Em sentido diverso veja-se Paulo Bandeira, “O Governo dos auditores”, cit., p. 479, segundo o qual “a imposição da rotatividade obrigatória dos auditores é uma medida que seduz pela simplicidade da implementação legislativa da mesma, não tendo de cuidar o legislador das efectivas difi culdades estruturais ou conjunturais que a aplicação das leis que introduz traz ao funcionamento do mercado”, acrescentando o mesmo autor que (ob. cit. p. 500) “parece-nos que a imposição de uma rotatividade obrigatória do auditor é desproporcionada, podendo não trazer vantagens substanciais que cubram os custos associados a essa medida, caso esta viesse a ser imposta”, assumindo-se como apologista da recomendação da rotação e não a sua imposição.14 A este respeito veja-se o artigo 77.º do EOROC.15 Cfr. artigo 77.º do EOROC e, bem assim, o n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento Europeu de Auditoria.

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– Reforço das atribuições e competências do órgão de fi scalização da enti-dade auditada, conferindo-lhe um papel proeminente na seleção do audi-tor e na monitorização dos trabalhos de auditoria por este desenvolvidos16.

Os principais objetivos da reforma são, conforme anunciado pela própria Comissão Europeia17:

– Incrementar a transparência sobre a informação fi nanceira societária;– Reforço das prerrogativas dos auditores para assegurarem a sua indepen-

dência e enfatizar o ceticismo profi ssional18;– Fomentar o dinamismo da atividade de auditora no âmbito do mercado

comunitário;– Melhorar a supervisão dos auditores e a coordenação da atividade de super-

visão entre as entidades competentes dos diversos Estados membros19.

São objetivos ambiciosos, que implicam diversas transformações no mer-cado e no desenvolvimento da atividade de auditoria, cuja implementação e aplicação não é isenta de dúvidas, que as competentes entidades europeias e a Comissão Europeia, em especial, têm procurado dissipar por via da publicação de um conjunto de “Questões e Respostas”20, não apenas quanto a eventuais questões que possam resultar da sua interpretação e aplicação, mas para facilitar a transição para o novo regime.

Assim, tendo presente o âmbito do presente estudo anteriormente referido, o mesmo mais que dar respostas defi nitivas, pretende ser um contributo para a refl exão em curso, procurando focar alguns aspetos que se creem de relevo no âmbito da interpretação da proibição da cumulação da prestação de serviços de auditoria com serviços distintos de auditoria.

16 V. artigos 50.º, 62.º, 63.º, 77.º e 78.º, todos, do EOROC e, bem assim, o n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro.17 A fact sheet, promovida pela Comissão Europeia, sobre as alterações legislativas no âmbito da atividade de auditoria encontra-se permanentemente disponível em http://europa.eu/rapid/press-release_MEMO-16-2244_en.htm?locale=EN. 18 Cfr. artigo 70.º do EOROC.19 Cfr. artigos 26.º e ss. do RJSA.20 A Comissão Europeia tem vindo a atualizar as “questões e respostas”, tendo a última atualização sido publicada em 31 de maio de 2016 e encontra-se permanentemente disponível em http://ec.europa.eu/fi nance/auditing/docs/reform/160531-questions-answers_en.pdf. A CMVM tem publicado, igualmente, um conjunto de “respostas às perguntas frequentes sobre supervisão de auditoria”, objeto de atualização frequente e permanentemente disponíveis em http://www.cmvm.pt/pt/AreadoInvestidor/Faq/Pages/faqs_auditoria.aspx.

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3. A proibição da prestação de serviços distintos de auditoria

O Regulamento Europeu de Auditoria veio consagrar, no n.º 1 do seu artigo 5.º, uma lista taxativa de serviços distintos de auditoria21 cuja prestação se encontra vedada ao auditor que realize a revisão legal de contas de uma entidade de interesse público22 (EIP), ou qualquer membro da rede a que esse auditor pertença.

A intenção do legislador comunitário, com a introdução da regra em causa no Regulamento Europeu de Auditoria é garantir a independência do audi-tor, assegurando que seja evitada e ou mitigada a existência de circunstâncias geradoras de confl itos de interesses ou ameaças à independência do auditor, tal como de auto-revisão23-24-25. Aliás, a este respeito cumpre referir que, conforme expressamente estatuído no n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento Europeu de Auditoria, não se encontra prejudicada a aplicação da Diretiva 2006/43/CE, cujos requisitos de independência se mantêm em vigor, do que poderá resultar que, numa avaliação casuística, possa ser determinado como sendo proibido,

21 Sobre a prestação, pelo auditor, de serviços distintos de auditoria veja-se o estudo “Survey on the regulation of non-audit services provided by auditors to audit companies” publicado pela IOSCO em março de 2007 (IOSCOPD231, disponível em www.iosco.org). 22 Cujo elenco se encontra consagrado no artigo 3.º do RJSA.23 Sobre as ameaças à independência veja Paulo Bandeira, “O Governo dos auditores”, cit., p. 464 e ss, segundo o qual “[t]radicionalmente, identifi cam-se como ameaças à independência do auditor externo (i) o interesse pessoal, (ii) a auto-revisão, (iii) a familiaridade, (iv) a representação e (v) a intimidação.”24 Sobre o dever de independência veja-se o artigo 71.º do EOROC, no âmbito do qual são identifi cadas as suas principais ameaças. 25 Com interesse para este ponto, ainda que concluindo pela falta de evidência de que a prestação de serviços de não-auditoria coloque, necessariamente, em crise a independência dos auditores veja-se André Figueiredo, “Auditor Independence and the joint provision of audit and non--audit services”, in O Código das Sociedades Comerciais e o Governo das sociedades, AAVV, Almedina, Coimbra, 2008, p. 250 e ss, o qual, segundo compreendemos, chega inclusive a sustentar que a prestação de serviços de não-auditoria será suscetível de incrementar a independência do auditor e a qualidade dos serviços de auditoria. Em sentido diverso, veja-se José Ferreira Gomes, “A fi scalização externa das sociedades comerciais e a independência dos auditores”, A reforma europeia, a infl uência norte-americana e a transposição para o Direito português”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 24, 2006, p. 203, segundo o qual “[e]ntende-se, em geral, que qualquer tipo de relação entre o auditor e os seus clientes para além da prestação de serviços de auditoria pode prejudicar a sua independência. A prestação de serviços extra-auditoria pode ser especialmente problemática, mas existem outro tipo de relações entre os auditores e os seus clientes que também suscitam preocupações diversas.” Este autor, na ob. cit. p.205 e ss, aborda ainda a problemática da proibição de prestação de serviços extra-auditoria, focando as diferentes posições que tornaram este tema um dos mais discutidos no âmbito da reforma de regime jurídico da fi scalização de sociedades, tanto nos Estados Unidos como na Europa.

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i.e. por ser suscetível de colocar em crise a independência do auditor o mesmo não pode ser prestado.

Os referidos propósitos do legislador resultam, desde logo, do conside-rando 8 do Regulamento Europeu de Auditoria, o qual adianta que a ratio da proibição em causa assenta no facto de “[a] prestação à entidade auditada de certos serviços, distintos da revisão legal de contas (serviços distintos da auditoria), por revisores ofi ciais de contas, sociedades de revisores ofi ciais de contas ou membros das suas redes pode comprometer a sua independência”26-27.

Assim sendo, resulta, desde logo, que a proibição em causa tem como escopo, declarado, concretizar e assegurar o dever de independência, obje-tivo maior da reforma operada28 e expressamente consagrado no artigo 71.º do EOROC29.

Aliás, a este respeito importa ter presente que já o considerando 11 da Diretiva de Auditoria consagrava que “[c]aso [os auditores] estejam numa situação em que a importância das ameaças à sua independência30 seja elevada, mesmo após a

26 Concluindo, o referido considerando, que “[p]or conseguinte é adequado proibir a prestação de certos serviços distintos da auditoria, tais como determinados serviços fi scais, de consultoria e de aconselhamento à entidade auditada, à sua empresa-mãe e às entidades sob o seu controlo na União.”27 A relevância de tal enquadramento é tanto maior se considerarmos que o elemento literal do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, no qual o legislador português consagrou o elenco dos serviços distintos de auditoria cuja prestação, pelo revisor ofi cial de contas e ou pelas entidades ali identifi cadas, se encontra proibida, é coincidente com o elemento literal do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria.28 Na reforma operada a independência é reforçada de forma transversal no âmbito da atividade de auditoria, não apenas quanto à atividade desenvolvida pelo auditor, mas igualmente relativamente às autoridades competentes para o exercício da supervisão no âmbito da atividade de auditoria (a este respeito veja-se o artigo 20.º, e seguintes, do Regulamento Europeu de Auditoria e o n.º 5 do artigo 4.º do RJSA). 29 Contexto em que tendemos a considerar que a densifi cação e aplicação das proibições consagradas no n.º 8 do artigo 77.º do EOROC deve realizar-se tendo presente e em conjunto com o dever de independência estatuído no artigo 71.º do EOROC. Ademais, a este respeito importa relevar que as proibições elencadas no artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria, a qual foi dado objeto de execução pelo artigo 77.º do EOROC, não preclude nem prejudica a aplicação das regras de independência constante da Diretiva de Auditoria, conforme salvaguardado no n.º 2 do artigo 2.º do Regulamento Europeu de Auditoria. Pelo que, cumpre concluir que o elenco das proibições em causa, apesar de taxativo, não esgota o universo de situações suscetíveis de, segundo uma análise necessariamente casuística, colocarem em crise a necessária e imprescindível independência do auditor, confi gurando, como tal, serviços distintos de auditoria cuja cumulação é legalmente vedada a quem preste serviços de auditoria à entidade em causa.30 O dever de independência e, bem assim, as principais ameaças que podem colocar em crise a mesma encontram consagram expressa no artigo 71.º do EOROC.

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aplicação de salvaguardas para atenuar estas ameaças, deverão renunciar ou abster-se do trabalho de revisão ou auditoria.”

Por outro lado, cumpre referir que, sem prejuízo da proibição consagrada, o considerando 9 do Regulamento Europeu de Auditoria suscita a possibili-dade dos Estados membros da União Europeia decidirem permitir a prestação de determinados serviços distintos de auditoria caso os mesmos tenham algumas características, tal como, por exemplo, a imaterialidade31.

Essa mesma prerrogativa, não exercida pelo legislador Português, encontra--se expressamente prevista no n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria, segundo o qual os Estados membros podem autorizar a prestação dos serviços referidos na alínea a), subalínea i), subalíneas iv) a vii), e na alínea f) do segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Audito-ria32, contanto que se encontram verifi cados os requisitos ali constantes, a saber (i) não tenha efeito direto ou material nas demonstrações fi nanceiras auditadas, (ii) o efeito estimado nas demonstrações fi nanceiras auditadas está documentado e fundamentado, no relatório adicional dirigido ao órgão de fi scalização33, e (iii) o auditor respeite os princípios de independência estabelecidos na Diretiva de Auditoria.

3.1. Do âmbito de aplicação subjetivo da proibição

Antes de mais importa ter em consideração que o âmbito de aplicação da proibição em causa se encontra circunscrito quando esteja em causa a prestação de serviços a uma EIP.

Adicionalmente, dispõe o n.º 8 do artigo 77.º do EOROC que a prestação, direta ou indireta, dos serviços ali elencados é proibida à “entidade auditada, à sua empresa-mãe ou às entidades sob o seu controlo na União Europeia”.

Tendo em consideração a linearidade do conceito subjacente a “entidade auditada”, importa aferir qual a densifi cação dos conceitos de “empresa-mãe” e “entidades sob o seu controlo”, os quais não são defi nidos na Diretiva de Auditoria, nem no Regulamento Europeu de Auditoria.

31 A respeito do conceito de materialidade veja-se a ISA 320.32 Transpostos, ipsis verbis, no artigo 77.º, n.º 8 alínea a), subalínea i), subalíneas iv) a vii), e na alínea f ) do EOROC.33 O relatório adicional encontra-se consagrado no artigo 11.º do Regulamento Europeu de Auditoria, bem como n.º 2 do artigo 24.º do RJSA.

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A Comissão Europeia, no âmbito dos esclarecimentos prestados, em 3 de setembro de 201434, sobre a legislação que concretiza a reforma operada ao quadro regulamentar da atividade de auditoria na União Europeia, veio tomar posição sobre a referida densifi cação.

Assim, por “empresa-mãe” deverá entender-se “uma empresa que controla uma ou mais empresas fi liais35”, conforme consagrado na alínea 9) do artigo 2 da Dire-tiva 2013/34/UE do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho (Diretiva da Contabilidade).

Por outro lado, quanto ao conceito de “entidades sob o seu controlo”, destarte a Diretiva da Contabilidade referir, no seu considerando 31, que ”as empresas controladas pela empresa-mãe deverão ser consideradas empresas fi liais”, e acrescentar que “o controlo deverá basear-se na detenção da maioria dos direitos de voto, mas pode também haver controlo baseado em acordos com outros acionistas ou sócios”36, o legisla-dor comunitário veio esclarecer, por intermédio dos referidos esclarecimentos prestados pela Comissão Europeia, que o conceito subjacente a “entidades sob o seu controlo” é o decorrente da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º da Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004 (Diretiva da Transparência).

Neste contexto, nos termos da referida norma da Diretiva de Transparên-cia, deverá considerar-se empresa controlada uma empresa na qual a entidade auditada (i) disponha da maioria dos direitos de voto, ou (ii) tenha o direito de nomear ou destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração, gestão ou fi scalização, sendo ao mesmo tempo acionista da empresa em causa, ou (iii) sendo acionista, controla por si só a maioria dos direitos de voto ou por força de acordo com outros acionistas, ou (iv) tem poder para exercer, ou exerce efetivamente, infl uência dominante ou controlo.

Tendo presente os conceitos descritos e procurando representar grafi ca-mente, na fi gura 1, a aplicação da proibição em causa, diríamos que, tendo por base a imagem infra, a proibição constante do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC não será aplicável à “entidade relacionada”, contanto que a mesma não tenha participações cruzadas com a entidade auditada, nem se encontrem preenchidos qualquer uma das circunstâncias identifi cadas pela Diretiva da Transparência como confi gurando uma situação de controlo.

34 O conjunto de Perguntas & Respostas (Q&A) encontra-se disponível no sitio de internet da Comissão Europeia em http://ec.europa.eu/fi nance/auditing/index_en.htm. 35 A referida Diretiva da Contabilidade defi ne, na alínea 10) do artigo 2, “empresa fi lial” como sendo “uma empresa controlada por uma empresa-mãe, incluindo qualquer empresa fi lial da empresa-mãe de que essa empresa depende em última instância”. 36 Conceito de controlo que é, igualmente, refl etido no artigo 22.º da Diretiva da Contabilidade.

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Empresa-mãe

Entidade auditada

Entidade sob o seu controlo

Entidade relacionada

Figura 1

Paralelamente, poderão ocorrer situações de reestruturação societária e ou de fusões e aquisições que coloquem uma determinada entidade dentro do âmbito da proibição, à qual poderão, inclusivamente, ter sido prestados serviços proibidos.

Tais situações, por representarem uma alteração de circunstâncias, não deverão conduzir, automaticamente, a uma inibição do auditor prestar serviços de auditoria. Contudo, a partir do momento em que as circunstâncias efetiva-mente37 se alteram, o auditor38 deverá cessar a prestação dos serviços distintos de auditoria que sejam suscetíveis de se encontrar abrangidos pela proibição consagrada no n.º 8 do artigo 77.º do EOROC.

Contudo, o auditor que se encontre nessas situações deverá avaliar até que ponto estas são suscetíveis de colocar em crise a sua independência e tomar as medidas apropriadas, as quais poderão passar por, em último grau, fazer cessar o contrato de prestação de serviços de auditoria ou o contrato de prestação de serviços distintos de auditoria.

37 A este respeito e tendo em consideração ser frequente que quer as operações de restruturação societária quer as operações de fusões e aquisições contenham disposições contratuais que condicionam a produção dos seus efeitos, cremos que apenas quando os mesmos entrarem efetivamente em vigor se poderá, para escopo do presente, considerar como estarmos perante uma situação de alteração das circunstâncias. Diversamente, caso as condições contratuais não sustenham os efeitos da operação em causa, mas tenham um efeito resolutivo – mesmo que certo – sobre os mesmos, então logo que exista uma verifi cação da operação estaremos perante uma alteração de circunstâncias, mesmo que temporárias.38 Por auditor entendam-se todas as entidades com ele relacionadas e abrangidos pelo âmbito do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, incluindo qualquer membro da rede a que esse auditor pertença. Sobre o conceito de “rede” veja-se a alínea p) do artigo 2.º do RJSA.

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A este respeito importa ainda ter em consideração as incumbências legais atribuídas ao órgão de fi scalização.

De facto, tendo em consideração o dever legal atribuído39 ao órgão de fi scalização de sindicação dos serviços distintos de auditoria, não proibidos, cuja prestação se encontra sujeita à sua aprovação, por maioria de razão deverá, sempre no escopo de assegurar e monitorizar a independência do auditor, a alteração de circunstâncias conducentes a situações descritas no parágrafos pre-cedentes, de igual modo, ser sujeita a sindicação do órgão de fi scalização, por forma a avaliar adequadamente se as mesmas constituem ameaças à indepen-dência do auditor e, bem assim, as medidas de salvaguarda aplicadas.

Ainda a respeito da delimitação subjetiva cumpre referir que a mesma se aplica ao espaço da União Europeia, em conformidade com a letra do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, pelo que o âmbito da mesma abrangerá a empresa--mãe ou as entidades sob controlo da entidade auditada que seja situada num Estado membro da União Europeia.

No entanto, nos termos do n.º 10 do artigo 77.º do EOROC40, a prestação de serviços distintos de auditoria, pelo auditor41, a uma entidade situada fora da União Europeia e controlada pela entidade auditada constitui o auditor na obrigação de avaliar se a sua independência fi ca, de algum modo, comprome-tida, o que sucedendo deverá conduzir a que este adote as salvaguardas necessá-rias ou convenientes a mitigar as ameaças identifi cadas. Em todo o caso, tendo em consideração a alínea b) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria, a prestação dos serviços em causa implica que auditor justifi que que tal não afeta o seu julgamento profi ssional nem o relatório de auditoria ou a certifi cação legal de contas.

Importa, contudo, relevar que, em conformidade com o segundo parágrafo do n.º 5 do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria, os serviços distintos de auditoria que (i) envolvam qualquer participação na gestão ou na tomada de decisões da entidade auditada, (ii) a elaboração e lançamento de registos contabilísticos e de contas, e (iii) a conceção e aplicação de procedi-mentos de controlo interno ou de gestão de riscos relacionados com a ela-boração e ou o controlo da informação fi nanceira ou a conceção e aplicação dos sistemas informáticos utilizados na preparação desse informação42, não são suscetíveis de serem mitigados por quaisquer salvaguardas, pelo que são consi-

39 V. os n.os 10 e 11 do artigo 77.º do EOROC.40 Em conformidade com o n.º 5 do artigo do Regulamento Europeu de Auditoria, para o qual remete.41 Ou por um membro da rede que o auditor integre.42 Os se encontram consagrados nas alíneas b), c) e e) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC e, bem

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derados como afetando sempre a independência do auditor e, como tal, a sua proibição não tem delimitação territorial.

Também aqui, tendemos a considerar que a justifi cação e avaliação de independência realizada pelo auditor se encontra sujeita à sindicância do órgão de fi scalização da entidade auditada, por forma a que este possa tomar posição sobre as ameaças existentes e, bem assim, as salvaguardas aplicadas43.

3.2. Do âmbito de aplicação temporal da proibição

Tendo em consideração o escopo que lhe está subjacente, a proibição apli-car-se-á apenas durante o período em que se verifi quem as circunstâncias sus-cetíveis de colocar em crise a independência do auditor, ou que este possa vir a produzir atos de auto revisão e ou que preste serviços que envolvam a parti-cipação na gestão.

Neste contexto, estatui o n.º 9 do artigo 77.º do EOROC que a proibi-ção do auditor cumular serviços de auditoria e serviços distintos de auditoria, conforme legalmente tipifi cado, aplicar-se-á durante o período temporal (i) que medeia o início do período auditado e a emissão da certifi cação legal de contas, e (ii) nos casos em que os serviços distintos de auditoria prestados con-substanciem a conceção e aplicação de procedimentos de controlo interno ou de gestão de riscos relacionados com a elaboração e ou o controlo de informa-ção fi nanceira ou a conceção e aplicação dos sistemas informáticos utilizados na preparação dessa informação, a proibição de prestação abrange igualmente o exercício que antecedeu o período identifi cado em (i) do presente parágrafo.

Debruçar-nos-emos seguidamente sobre os serviços concretos, objeto da proibição em causa.

4. As proibições

4.1. Serviços de assessoria fi scal

A este respeito importa ter presente, conforme anteriormente referido no presente estudo, que o considerando 9 do Regulamento Europeu de Auditoria suscita a possibilidade dos Estados membros da União Europeia decidirem per-

assim, nas alíneas b), c) e e) do segundo parágrafo do n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria.43 Em conformidade com o n.º 11 do artigo 77.º do EOROC.

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mitir a prestação de determinados serviços distintos de auditoria caso os mes-mos tenham algumas características, tal como, por exemplo, a imaterialidade de efeitos, não tendo essa prerrogativa sido exercida pelo legislador Português.

4.1.1. De elaboração de declarações fi scais

Nos termos do n.º 2 do artigo 31.º da Lei Geral Tributária, “[s]ão obriga-ções acessórias do sujeito passivo as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fi scalmente relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações.”

A proibição vertente terá, pois, por objeto a elaboração de obrigações aces-sórias da entidade auditada44.

Apesar da clareza da proibição em causa e, neste contexto, admitirmos que possa não ser suscetível de gerar dissensos, não se ignora que à entrada em vigor do RJSA a prática frequente, senão dominante, no mercado nacional, em especial no âmbito das grandes empresas, passava por o auditor proceder à elaboração e ou revisão das declarações fi scais45 da entidade auditada.

Não obstante importa referir que, a nosso ver, o âmbito desta proibição compreende a elaboração, o preenchimento e também a revisão, porquanto esta se traduz na confi rmação, ou não, e neste caso pode confi gurar a reelabo-ração, das declarações fi scais elaboradas pela entidade auditada.

De facto, a revisão de declarações fi scais poderá equivaler a um serviço de consultoria, na medida em que tal assistência à entidade auditada, através do completar e ou reescrever as declarações, e ou o cálculo dos seus diferen-tes campos, quadros e ou componentes implica uma assunção, uma posição técnica, uma consultoria, um aconselhamento de como situações e ou factos

44 A este respeito cremos que a elaboração de quaisquer obrigações acessórias se encontra legalmente vedada, incluindo a exibição de documentos fi scalmente relevantes e a prestação de informações, estas últimas tendo em especial consideração que a sua realização pelo auditor implica uma relação de mandato, mas igualmente a prestação de esclarecimentos e ou informações em nome e por conta da entidade auditada que implicam, necessariamente, um aconselhamento e consultoria, o que é igualmente vedado, nesta sede, ao auditor.45 Com especial destaque para a revisão da declaração de rendimentos de IRC Modelo 22, com especial relevância e impacto na generalidade das entidades auditadas, sem prejuízo da prática se alargar, frequentemente, às demais obrigações acessórias. Pelo que, não se ignora que o impacto resultante da proibição vertente na atividade dos auditores seja relevante, o que justifi cou, aliás, o prazo de 18 meses conferido pelo legislador, nos termos do n.º 6 do artigo 3.º da Lei n.º 140/2015, de 7 de setembro, gizado para que os auditores pudessem dispor de um prazo razoável para conformar a sua atividade com o disposto no artigo 77.º do EOROC.

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tributários deverão ser concretamente enquadrados, estabelecendo uma corre-lação entre a previsão legal genérica e a posição concreta e subjetiva da entidade auditada. Implica, ainda, um reelaborar de cálculos e elaboração de juízos, sobre a correção destes e enquadramentos realizados pela entidade auditada, os quais constituem verdadeiros atos de aconselhamento sobre o tratamento e enqua-dramento correto a adotar46.

O que colocará, indubitavelmente, o auditor numa posição de auto-revi-são, colocando em crise a sua independência.

A este respeito importa relevar que tal proibição aplicar-se-á caso os servi-ços em causa não se encontrem no âmbito (i) dos procedimentos de auditoria previstos nas normas internacionais de auditoria relacionados com a execução da auditoria às contas ou (ii) de procedimentos relacionados com a prestação de serviços distintos da auditoria que sejam exigidos pela legislação aplicável à entidade auditada cuja responsabilidade seja legalmente atribuída exclusiva-mente ao auditor dessa entidade.

Por outro lado, o Regulamento Europeu de Auditoria conferiu, no seu considerando 9 e, em especial, no n.º 3 do artigo, possibilidade dos Estados membros autorizarem determinados serviços de assessoria fi scal caso os mesmos tenham efeitos imateriais ou não tenham, de forma separada ou agregada, um efeito direto nas demonstrações fi nanceiras auditadas.

Assim, ainda que tal possibilidade não encontre consagração no orde-namento jurídico português, tendo em consideração que o legislador optou por não exercer tal prerrogativa e, assim sendo, não autorizou a prestação dos serviços em causa e, como tal, não deva ser efetivamente considerada, cre-mos em todo o caso que o preenchimento do conceito de materialidade deve atender ao consagrado na ISA 32047, devendo, por sua vez, o conceito de

46 Sobre o objeto da presente proibição, mas com uma visão não coincidente, inclusive com a própria proibição, veja-se o parágrafo 290.179 do Código de Ética (Handbook of the Code of Ethics for Professional Accountants) da IESBA (International Ethics Standards Board for Accountants), ed. de 2016 (disponível em https://www.ethicsboard.org/iesba-code).47 A ISA 320 defi ne materialidade de execução, para efeitos das próprias ISA, como “a quantia ou quantias estabelecidas pelo auditor, inferiores à materialidade estabelecida para as demonstrações fi nanceiras como um todo, com vista a reduzir para um nível apropriadamente baixo a probabilidade de as distorções não corrigidas e não detetadas agregadas excederem a materialidade para as demonstrações fi nanceiras como um todo. Se aplicável, a materialidade para as demonstrações fi nanceiras como um todo. Se aplicável, a materialidade de execução refere-se também à quantia ou quantias estabelecidas pelo auditor, inferiores ao nível ou níveis de materialidade, para classes particulares de transações, saldos de contas ou divulgações” (Manual das Normas Internacionais de Controlo de Qualidade, Auditoria, Revisão, Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade e Serviços Relacionados – Parte I, p. 365, ed. 2015, traduzido e republicado pela Ordem dos Revisores Ofi ciais de Contas).

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demonstrações fi nanceiras auditadas ser determinado em conformidade com a ISA 200.48

Não obstante, importa ter presente que caso os serviços não sejam proibi-dos os mesmos deverão, nos termos do n.º 10 do artigo 77.º do EOROC, ser prévia e fundamentadamente aprovados pelo órgão de fi scalização da entidade em causa.

4.1.2. Referentes a impostos sobre salários

A presente proibição visa impedir a prestação de serviços conducentes ao cálculo de impostos, por forma a evitar que o auditor venha a produzir atos de auto-revisão e ou que preste serviços que envolvam a participação na gestão. Neste contexto, cremos que menção a impostos49 deve ser interpretada em sentido lato50, abrangendo todos os tributos51, incluindo os de natureza parafi s-cal52-53, no objeto da presente proibição.

48 A alínea (c) do ponto 13 da ISA 200 defi ne Demonstrações Financeiras como «uma representação estruturada da informação fi nanceira histórica, incluindo divulgações, destinada a comunicar os recursos económicos ou as obrigações de uma entidade numa determinada data ou as alterações nele ocorridos durante um período de tempo de acordo com um referencial de relato fi nanceiro. O termo “demonstrações fi nanceiras” refere-se geralmente a um conjunto completo de demonstrações fi nanceiras conforme determinado pelos requisitos do referencial de relato fi nanceiro aplicável, mas também se pode referir a uma única demonstração fi nanceira. As divulgações compreendem informação descritiva ou explicativa preparada de acordo com o que é exigido ou expressamente permitido pelo referencial de relato fi nanceiro aplicável, seja na face das demonstrações fi nanceiras, seja através de notas, seja ainda através da incorporação de referência cruzada. (Ref: Parágrafos A1-A1a).» (Manual das Normas Internacionais de Controlo de Qualidade, Auditoria, Revisão, Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade e Serviços Relacionados – Parte I, p. 86, ed. 2015, traduzido e republicado pela Ordem dos Revisores Ofi ciais de Contas).49 Segundo Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra Editora, p. 22, “imposto é uma prestação pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta conexão com qualquer contraprestação retributiva específi ca, exigida por uma entidade pública a uma outra entidade (sujeito passivo), utilizada exclusiva ou principalmente para a cobertura de despesas públicas.”50 Não obstante estarmos perante uma norma que restringe direitos, sujeita a uma interpretação restritiva, cremos que, quer do ponto de vista teleológico, quer do ponto de sistemático esta será a interpretação. Aliás, além de se crer clara a ratio do legislador, do ponto de vista substantivo, da ameaça à independência que tais circunstâncias representam, pelos motivos oportunamente expostos, não se crê existir qualquer diferença que justifi que e ou fundamente outro entendimento. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que o ênfase colocado, pelo novo regime jurídico, na independência do auditor deve levar, necessariamente, a uma avaliação cuidada, rigorosa e prudente por todos a quem a legislação em vigor atribuí deveres em sede de avaliação de independência. Por outro lado, cremos que muitas das questões apenas se colocam pelo elemento literal da norma, porquanto a mesma ao representar a transcrição, quase integral, do artigo 5.º do

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515253 Contexto em que, cremos, as contribuições para a segurança social também se encontram abrangidas pela presente proibição54.

Por outro lado, quanto ao conceito de salários, porque é de impostos sobre salários que versa a presente proibição, ainda que não se possa ser indiferente ao conceito de rendimentos, do trabalho dependente e empresariais e profi ssio-nais, previstos nos artigos 2.º e 3.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), cremos que tal conceito não pode ser interpretado como se cingindo ao disposto em tais normas55, pois o que se pretendeu versar, em face da ameaça à independência do auditor que tal poderá constituir, foi verdadeiramente todas as atribuições retributivas, remunerações

Regulamento Europeu de Auditoria, não apresenta coincidência literal com a legislação nacional e alguns dos conceitos nela consagrados.51 Sobre a utilização indistinta e, por ventura, equívoca da expressão imposto e tributo veja-se José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, 2010, p. 8 em que este afi rma «(…) que, por vezes, se fala de direito tributário com o sentido de direito fi scal (v. Diogo Leita de Campos e Mônica Leite de Campos, Direito Tributário, 2.ª ed., Coimbra, 2000, que versam apenas o direito dos impostos) ou de direito fi scal com o sentido de direito tributário (v. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1974, que tem por objeto o direito dos tributos). Em geral, o adjetivo tributário(a) é utilizado como sinónimo de fi scal (v., por exemplo, as expressões relação tributária, etc.), o que também ocorrerá ao longo deste curso. O que não signifi ca que, por vezes, não aconteça o contrário, utilizando-se o adjetivo fi scal com o sentido de tributário, como se verifi ca com as expressões “tribunais fi scais” e “questões fi scais”.» Com interesse para este ponto veja-se, ainda, Saldanha Sanches, Manual, cit., p. 53, segundo o qual “[n]o ordenamento jurídico tributário português, temos, como vimos, dois tributos paradigmáticos: o imposto como tributal unilateral e a taxa como tributo comutativo ou bilateral. Contudo, encontramos uma série de outras fi guras tributárias com características quer de unilateralidade, quer de bilateralidade.”52 Ainda sobre a natureza das contribuições e as suas particularidades veja-se “Especifi cidades da relação jurídica contributiva à luz dos vários regimes de segurança social” de Nazaré Costa Cabral, “Taxas e Contribuições Financeiras a Favor das Entidades Públicas e Contribuições para a Segurança Social”, Centro de Estudos Judiciários, 2015 – disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/Administrativo_fi scal/eb_Taxas_contribuicoes_fi nanceiras.pdf. Igualmente relevante para este ponto veja-se Saldanha Sanches, “Manual de Direito Fiscal”, 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 62, «(…) as contribuições para a segurança social estão determinadas por uma equivalência (correspectividade difusa) baseada sobretudo num benefi cio que é aferido pelo valor da remuneração do trabalho. O que acabámos de ver diz respeito às contribuições do trabalhador. Já nos parece mais correcto defender que a contribuição da entidade patronal deve ser caracterizada como um verdadeiro imposto sobre o factor “trabalho”, pois não há, para a entidade emprega-dora, qualquer contraprestação pública individualizável.» Segundo Saldanha Sanches, as con-tribuições obrigatórias para a Segurança Social constituem “uma situação jurídica mal defi nida”.53 Sobre as difi culdades relativas a defi nição e concretização do conceito de parafi scalidade veja-se Saldanha Sanches, Manual, cit., p. 117.54 Sobre a natureza e particularidades das contribuições para a segurança social veja-se a nota de rodapé 52, supra.55 A admissão de tal possibilidade viabilizaria a prestação de aconselhamento fi scal no âmbito de retribuições de colaboradores, algo que a norma pretendeu, manifestamente, proibir.

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e ou atribuições patrimoniais, e ou com expressão patrimonial, que possam resultar de uma relação laboral, de trabalho dependente ou independente56.

Questão distinta será compreender se o âmbito desta proibição versa apenas sobre a prestação de assessoria, fi scal, em matéria de impostos sobre salários ou se abrange igualmente a preparação das obrigações acessórias, declarativas, refe-rentes aos impostos em causa.

Tendo em consideração a proibição constante do ponto (i) da alínea a) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC versa sobre a elaboração de declarações fi scais, resulta claro que os serviços de elaboração de declarações fi scais, versando ou não sobre impostos incidentes sobre salários, são proibidos.

Contudo, de entre estas, poderão existir situações que, neste contexto, con-tenham algumas particularidades, de entre eles, pela sua frequência no âmbito do mercado nacional, destacamos os serviços prestados a expatriados e ou a empresas multinacionais, as quais, sendo a entidade auditada, contratam o audi-tor para a prestação de serviços de preparação e ou de submissão de declarações fi scais dos seus colaboradores.

Tais serviços, comumente contratados pela entidade auditada têm como benefi ciários últimos os colaboradores daquela, contudo a sua prestação não deixa de constituir benefi cio para a entidade auditada, na medida em que aquela faz tal atribuição no seu interesse e no âmbito da sua política remuneratória e ou de benefícios57.

56 O conceito de retribuição e outras prestações patrimoniais encontra-se ínsito no artigo 258.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro. A este respeito cumpre referir que as prestações patrimoniais, sendo atribuídas no âmbito de uma relação laboral também deverão ser consideradas abrangidas no conceito de salário, pois que também elas confi guram instrumentos remuneratórios de colaboradores sendo, como tal, suscetíveis de constituir os auditores no risco de produzir atos de auto-revisão e ou que preste serviços que envolvam a participação na gestão. Contudo, estamos em crer que, à imagem das demais proibições, a presente proibição não é absoluta, podendo existir circunstâncias que não preencham o conceito em causa e ou que se mostrem disforme ao espírito da norma e aos objetivos que lhe estão subjacentes. A este respeito, e a título meramente exemplifi cativo, veja-se a contratação do auditor para que este, através da sua rede, preste serviços à entidade auditada de identifi cação de quais os impostos e contribuições para a segurança social aplicáveis nas jurisdições em que a entidade auditada se encontre presente ou pretenda vir a estar presente, contanto que se trate de informação factual e não de qualquer juízo ou aconselhamento que possa envolver o mesmo na gestão da entidade auditada, o que, recorde-se, deverá ser objeto de rigoroso escrutínio, prévio à contratação do serviço em causa, pelo órgãos de fi scalização, nos termos dos n.os 10 e 11 do artigo 77.º do EOROC.57 A este respeito cremos que deverão ser aqui incluídas as situações em que a entidade auditada tem um serviço genericamente contratado, como serviço principal ou acessório, com o auditor, sendo o mesmo suportado pelo colaborador, a quem o encargo suportado é objeto de reembolso e ou considerado nas atribuições concedidas.

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Com efeito, a contratação de tal serviço pela entidade auditada e o suporte, por esta, do respetivo encargo não deixa de constituir uma atribuição conferida em resultado de uma relação laboral, como um benefi cio com representação patrimonial, associado e decorrente da relação laboral mantida58.

Ou seja, a contratação de tal serviço é feita em benefício da entidade audi-tada e, quando envolva a preparação de uma declaração fi scal relativa a um colaborador de uma entidade auditada em resultado de uma relação de traba-lho, dependente ou independente, mantida com esta, cremos que se encontrará abrangida pelo objeto da proibição em causa, pois que a sua preparação, para além de redundar num trabalho de assessoria e aconselhamento fi scal, resul-tando, mesmo que refl examente, numa ameaça à independência do auditor, consubstancia um risco de auto-revisão, participação na gestão e, inclusiva-mente, de familiaridade59.

Pelo que, tendemos a considerar que tal serviço constitui, igualmente, um serviço proibido.

4.1.3. Referente a direitos aduaneiros

Defi nido por Achille Cuatrera60 como “um pagamento em dinheiro devido ao Estado, pelo transporte, para aquém ou além da fronteira, de mercadorias destinadas ao consumo no interior ou exterior do território aduaneiro do Estado”, direito aduaneiro ou imposto aduaneiro, nem sempre foram tidos como conceitos coincidentes61.

Contudo, tendo em consideração a natureza da norma vertente e a ratio subjacente à mesma, cremos que a mesma deve ser interpretado em sentido

58 Por não se conter no âmbito do presente estudo não curaremos de debruçar-nos sobre se tais atribuições integram, ou não, o conceito de salário e ou retribuição e, como tal, se deverão (ou deveriam) encontrar-se sujeitas, elas próprias, a tributação. Com interesse para esta questão, veja-se, designadamente, os artigos 2.º e, eventualmente, o 3.º do Código do IRS.59 Quanto a este último concede-se que poderá ser questionada a sua intensidade caso estejam em causa colaboradores sem ou com uma reduzida infl uência de gestão. Contudo, para além de tal não se crer decisivo, importa ter em consideração que tal não é aferido apenas pela infl uência de gestão, mas igualmente pela relevância em termos de funções e do impacto destas no âmbito das demonstrações fi nanceiras e ou das contas da entidade auditada.60 “Principii di diritto e politica doganale”, Milão, Editora Ulrico Hoepli, 1927, p.1.61 Sobre a origem etimológica da expressão “direitos” e delimitação do conceito de “direitos aduaneiros” veja-se Francisco da Silva Santos, A obrigação fi scal no Direito Aduaneiro, in “Revista da Ordem dos Advogados”, 1948, Vol. I – Ano 8 – N.º 1 e 2.

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lato62, abrangendo qualquer serviço de assessoria fi scal referente a direitos aduaneiros.

4.1.4. Referentes à identifi cação de subsídios públicos e incentivos fi scais

A este respeito, antes do mais, importa considerar que o âmbito da proi-bição em causa se encontra expressamente delimitado aos serviços de natureza fi scal.

Ao longo da reforma de 2015 o legislador nacional, no âmbito da trans-posição realizada, optou por fazer uso de alguns conceitos cuja tipifi cação ou enquadramento no âmbito do ordenamento jurídico português nem sempre se afi gura linear, o que se verifi ca na proibição vertente.

De facto, o legislador ao optar por transcrever ipsis verbis a letra da tradu-ção portuguesa do Regulamento Europeu de Auditoria, veio fazer uso, nova-mente, de um conceito que não é típico no ordenamento nacional: incentivo fi scal, sendo que tal fi gura é, por regra, tipifi cada no direito português como benefi cio fi scal, essencialmente63, previsto e regulado no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho (EBF), cujo âmbito de aplicação se encontra delimitado no seu artigo 1.º e cujos n.os 1 e 2 do artigo 2.º defi nem como benefícios fi scais «(…) as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reinte-grações aceleradas e outras medidas fi scais (…)» com carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafi scais relevantes e que sejam superiores ao da própria tributação que impedem; encontrando-se os benefícios fi scais contratuais, essencialmente, previstos no Código Fiscal do Investimento, apro-vado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (CFI).

Por outro lado, no que respeita ao conceito de subsídios públicos, tendo em consideração o recurso a conceitos não recorrentes do ordenamento jurí-

62 Com interesse para este ponto veja- se Francisco da Silva Santos, A obrigação fi scal no Direito Aduaneiro, in “Revista da Ordem dos Advogados”, 1948, Vol. I – Ano 8 – N.º 1 e 2, p.214, segundo o qual “[n]em sempre, porém, se tem mantido nítida a distinção. Na doutrina encontramos, com frequência, a expressão «direitos aduaneiros» para abranger toda a espécie de impostos cuja cobrança está a cargo das alfândegas.” É precisamente com este sentido lato, de abrangência, que cremos dever ser interpretada a proibição vertente.63 Sem prejuízo da sua previsão em outros diplomas, avulsos, como, por exemplo, a Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, que aprovou o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), no âmbito do qual foi criado o sistema de incentivos fi scais em investigação e desenvolvimento empresarial.

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dico português, cremos que o mesmo deve ser interpretado em linha com o conceito de subvenções públicas, no qual é reconduzível.

Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 167/2008, de 26 de agosto, “[c]onsidera-se subvenção pública toda e qualquer vantagem fi nanceira atribuída, direta ou indiretamente, a partir de verbas do Orçamento do Estado, qualquer seja a designação ou modalidade adotada.”

Pelo que, salvo quando exigido por lei, a prestação de serviços de assessoria fi scal relacionada com a identifi cação de subsídios públicos e incentivos fi scais encontrar-se-á vedada.

A este respeito, importa referir que o conceito de identifi cação não se reduz, apenas, ao dar a conhecer a uma entidade auditada da existência e respe-tivos termos de subsídios públicos e incentivos fi scais.

De facto, importa ter em consideração que, nos termos do artigo 5.º do EBF, os benefícios fi scais podem ser automáticos ou dependentes de reconhe-cimento e, assim sendo, a identifi cação e recolha dos elementos, argumentos e ou realização de atos tendentes, mesmo que meramente convenientes, à consti-tuição do direito às atribuições em causa, i.e. dos subsídios públicos e incentivos fi scais, encontrar-se-ão abrangidos pela proibição vertente, na medida em que constituirão a sua identifi cação individualizada e concreta, consubstanciando, precisamente o objeto da proibição vertente.

Neste contexto, os meros trabalhos de compilação de informação e ou documentação suscetível de suportar ou demonstrar o direito a um incentivo fi scal, ou a identifi cação concreta do direito a um determinado incentivo fi scal, estabelecendo ou indiciando uma correlação entre a previsão legal genérica e a posição concreta e subjetiva da entidade auditada – a referida identifi cação invidualizada – são já, a nosso ver, suscetíveis de serem subsumíveis no âmbito de aplicação da proibição em causa.

De facto a recolha de elementos e ou documentação tem subjacente um juízo de índole técnico, que será crucial para a constituição do direito ao bene-fício, sendo, também, um serviço relacionado com serviços de assessoria fi scal, quando perante um benefício ou assessoria daquela natureza.

Não obstante, a lei exceciona do âmbito da proibição em causa a circuns-tância do apoio do auditor decorrer de previsão legal, exceção que entendemos apenas se encontrar verifi cada quando a imposição legal que possa estar em causa imponha a realização do serviço em causa ao auditor da entidade audi-tada, pelo que caso a previsão legal em causa apenas permita a realização ao auditor da entidade auditada e ou a um qualquer auditor, naturalmente, inde-pendente, consideramos que não se encontrará verifi cada a exceção em causa, sendo vedada ao auditor da entidade auditada a prestação de tal serviço.

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4.1.5. Apoio em matérias de inspeções tributárias

Visando a observação das realidades tributárias, a verifi cação do cumpri-mento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias64, o procedimento de inspeção tributária incide sobre todas as obrigações tributárias relacionadas com os tributos, compreendendo os impostos, os direitos aduanei-ros, os impostos especiais e outras espécies tributárias criadas por lei, designada-mente as taxas e demais contribuições fi nanceiras a favor de entidades públicas, cuja inspeção esteja cometida à Autoridade Tributária e Aduaneira65.

Assim sendo, e tendo em consideração a exclusão de âmbito prevista no n.º 6 artigo 2.º do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tri-butária e Aduaneira (RCPITA), resulta clara a extensão do procedimento de inspeção tributária, o qual pode ter como fi nalidade a informação, no intuito de obter o cumprimento dos deveres legais de informação ou de parecer dos quais a inspeção tributária seja legalmente incumbida, bem como a comprovação e verifi cação, visando a confi rmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários66.

A este respeito importa referir que para aplicação da proibição em causa não releva o local onde é desenvolvida a inspeção, devendo ser relevado o estatuído no RCPITA, em especial o anteriormente referido quanto ao âmbito e exten-são da ação de inspeção tributária.

O procedimento de inspeção poderá ser interno ou externo consoante, respetivamente, os atos de inspeção sejam realizados em exclusivo nos serviços da administração tributária ou sejam total ou parcialmente realizados nas insta-lações dos sujeitos passivos67.

Não deixando de ter por enquadramento o escopo de mitigar ou evitar que seja colocada em crise a independência do auditor, ou que este possa vir a produzir atos de auto revisão e ou que preste serviços que envolvam a partici-pação na gestão, a proibição em matérias de inspeções tributárias tem particular acuidade no que se refere à restrição imposta ao auditor de assumir funções de representação da entidade auditada.

Com efeito, para além de tal apoio poder implicar o contacto mais ou menos frequente, o mesmo implicará corresponder a solicitações da administra-ção tributária, as quais poderão implicar – e frequentemente implicam – assu-mir uma posição de parte, selecionar documentos e prestar informações, bem

64 Artigo 2.º, n.º 1 do RCPITA.65 Artigo 2.º, n.º 5 do RCPITA.66 Artigo 12.º, n.º 1 do RCIPTA.67 Artigo 13.º do RCPITA.

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como delinear estratégias de defesa da posição ou entendimento preconizada pela entidade auditada em causa, comprometendo, irremediavelmente, a sua independência.

Não obstante, cumpre relevar que, também neste caso, a lei exceciona do âmbito da proibição em causa a circunstância do apoio do auditor decorrer de previsão legal expressa. Cremos, no entanto, que o que estará em causa serão situações em que a lei requer a realização do serviço ao auditor da entidade auditada, e não a um auditor independente, o qual não terá, necessariamente de coincidir com o auditor da entidade auditada e, assim sendo, a sua realização pelo auditor da entidade auditada não resulta de uma imposição legal.

De facto, cremos que tal resulta necessariamente da valoração atribuída pelo legislador, porquanto a cominação legal da prestação de serviço ao auditor da entidade auditada coarta a entidade auditada e o auditor de qualquer liberdade e tem, necessariamente, o juízo de que tal imperativo resulta de uma conve-niência e ou necessidade insuscetível de colocar em crise a independência do auditor, ou legalmente admitida.

4.1.6. Cálculo dos impostos

Nos termos da subalínea vi) da alínea a) do número 8 do artigo 77.º do EOROC, é vedada ao auditor a prestação de serviços de assessoria fi scal relati-vos ao cálculo de impostos diretos e indiretos e dos impostos diferidos.

Sendo evidente o fundamento, subjacente à presente proibição, de evitar que o auditor se possa encontrar numa situação de auto-revisão, bem como de ser envolvido e ou participar na gestão da entidade auditada, importa analisar se a delimitação literal do preceito quanto aos distintos impostos ali enunciados resulta na exclusão da aplicação da proibição em causa a algum tributo.

São diversos os critérios existentes para destrinçar a fi gura dos impostos diretos e indiretos68, sem que lei ou mesmo a jurisprudência tome uma posição unívoca sobre qual o critério cuja adoção se possa afi gurar mais adequada69, e

68 Sobre a distinção entre impostos diretos e indiretos veja-se Saldanha Sanches, Manual, cit., p. 25, segundo o qual “Nos impostos directos existe, no regime do imposto, uma coincidência entre o devedor do imposto e aquele que o vai suportar em termos económicos (coincidência entre incidência e impacto, usando a terminologia de Stuart Mill), enquanto, nos impostos indirectos, o devedor do imposto procede à sua repercussão junto daquele que o deve suportar.” A este respeito veja-se, ainda, José Casalta Nabais, Direito fi scal, cit., p. 42 e Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1993, p. 49. 69 Como, bem, assinala José Casalta Nabais, Direito fi scal, cit., p. 47.

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sem que daqui se possa concluir ter sido esta uma fórmula utilizada pelo legis-lador para excluir a sua aplicação a alguns tributos.

Menos esclarecedora e, porventura, desnecessária, afi gura-se a menção expressa a impostos diferidos. De facto, o cálculo dos impostos diferidos e, bem assim, dos impostos correntes não deixa de constituir cálculo de impostos dire-tos, pelo que esta menção expressa terá, presume-se, subjacente a relevância e frequência do tema, em especial em determinados setores de atividade70.

4.1.7. Prestação de aconselhamento fi scal

A prestação de aconselhamento tributário, constituindo a prestação de um conselho, uma orientação e, nessa medida, uma recomendação de atuação, constitui o seu emitente – a entidade de presta o aconselhamento – como par-ticipante do processo decisório, de gestão da entidade à qual o mesmo possa ter sido emitido, sem que o facto – evidente e incontornável – da decisão incum-bir, sempre e por lei, aos órgãos executivos e ou competentes da entidade auditada possa mitigar tal circunstância. Ademais, ainda a este respeito e mesmo que em tese se possa admitir que assim não seja, cumpre desde logo ter presente que segundo o considerando 10 da Diretiva de Auditoria “[o]s revisores ofi ciais de contas e as sociedades de revisores ofi ciais de contas deverão ser independentes quando realizarem revisões legais das contas.” E acrescenta que “(…) [o]s revisores ofi ciais de contas e as sociedades de revisores ofi ciais de contas deverão recusar-se a prestar qualquer serviço adicional que não seja de revisão ou auditoria que comprometa a sua independên-cia” , acrescentando ainda, o mesmo considerando, que o auditor deverá “(…) abster-se dos processos de decisão internos da entidade examinada”71.

4.2. Serviços que envolvam a participação na gestão ou na tomada de decisões da entidade auditada

Conforme supra referido72, o considerando 8 do Regulamento Europeu de Auditoria aponta, genericamente, os principais serviços distintos de audi-

70 Sobre a relevância deste tema, em especial no sector bancário, no âmbito do ordenamento jurídico português veja-se Tiago dos Santos Matias, “Portuguese Deff ered Tax Assets Regime”, in Tax Planning International Review, Vol. 41, No. 9, 2014, Bloomberg/BNA.71 Sobre os requisitos de independência, constantes da Diretiva de Auditoria, veja-se, nomeadamente, o estatuído no seu artigo 22.º. Sobre o dever de independência do auditor veja-se o artigo 71.º do EOROC.72 V. o ponto 3 “A proibição da prestação de serviços distintos de auditoria” supra.

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toria cuja proibição se afi gura imperativa, por forma a eliminar ou mitigar os riscos existentes da verifi cação de situações suscetíveis de comprometer a inde-pendência do auditor, apontando desde logo os serviços distintos de auditoria que envolvam a participação na gestão ou na tomada de decisões da entidade auditada.

Assim sendo, em face de tal desiderato, nos serviços genericamente apre-sentados como constituindo exemplo de proibições refere-se “[o]s serviços que envolvem qualquer participação na gestão ou na tomada de decisões da entidade auditada poderão incluir a gestão do fundo de maneio, a prestação de informações fi nanceiras, a otimização dos processos de negócios, a gestão de tesouraria, os preços de transferência, a melhoria da efi ciência da cadeia de abastecimento e serviços afi ns”. Ou seja, o con-siderando 8 do Regulamento Europeu de Auditoria enuncia, desde logo, um conjunto de serviços cuja prestação foi considerada pelo legislador europeu como suscetíveis de envolverem o auditor na participação na gestão ou tomada de decisões da entidade auditada73.

Ademais, cremos que a interpretação da presente proibição deverá atender ao referido no considerando 11 da Diretiva de Auditoria quando este refere que o auditor deverá “(…) abster-se dos processos de decisão internos da entidade examinada”.

É claro e, aliás, medianamente evidente que a decisão, ao menos formal, incumbe sempre, por força do regime jurídico em vigor, aos órgãos competen-tes da entidade auditada e, assim sendo, não será nunca o auditor que tomará uma decisão, pois que mesma, direta ou indiretamente, expressa ou tacita-mente, é tomada e executada pelos órgãos competentes da entidade auditada.

Pelo que, a circunstância da decisão ser legalmente da incumbência dos órgãos competentes da sociedade nada demonstra e ou comprova perante o leque de proibições vertidas no n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, e em especial da proibição, pois que tal seria provar por demais. Admiti-lo, como válido, e sendo o mesmo aplicável a toda a atividade da entidade auditada, equivaleria a admitir que a proibição vertente, bem como as demais, fi caria esvaziada de conteúdo e aplicação.

Concomitante, cumpre referir que, conforme a sua letra, a proibição em causa abrangerá os serviços que envolvam qualquer participação – qualquer par-ticipação, sublinhe-se – na gestão ou na tomada de decisões da entidade auditada.

73 O que é suscetível de comprometer, irremediavelmente, a independência do auditor, em especial pelo risco de auto-revisão que tais situações comportam.

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Assim sendo, resulta desde logo que a apreciação da norma em causa não poderá fazer-se com base em critérios de materialidade74, nem tão pouco de fi xação de limiares quantitativos máximos e ou mínimos, porquanto a norma é clara na delimitação quando refere “qualquer participação”.

Aliás, acrescentamos a este respeito que, não tendo o legislador nacional exercido a prerrogativa prevista no n.º 3 do artigo 5.º do Regulamento Euro-peu de Auditoria, a materialidade, ou a falta dela, não constitui fundamento e ou premissa atendível para avaliação da independência do auditor, nem tão pouco para efeitos de apreciação de qualquer proibição prevista no n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, pois que tal redundaria numa relativização da mesma, o que é manifestamente contrário ao seu propósito e natureza.

4.3. A elaboração e lançamento de registos contabilísticos e de contas

A presente proibição, consignada na alínea c) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC tem, desde logo, a particularidade do seu elemento literal, não obs-tante próximo, não coincidir, integralmente, com a alínea c) do segundo pará-grafo do n.º 1 do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria.

De facto, segundo o EOROC, são objeto da proibição em causa “a elabora-ção e lançamento de registos contabilísticos e de contas”, a qual é referida no Regula-mento Europeu de Auditoria como visando a “elaboração e lançamento de registos contabilísticos e de demonstrações fi nanceiras”.

Contudo, em face do artigo 42.º do Regulamento Europeu de Auditoria, e estando em causa um Regulamento Comunitário75, não cremos que possa

74 A impossibilidade que, cremos, decorrer da norma em causa ser apreciada sob critérios de materialidade, impõe que tal impossibilidade seja absoluta e, como tal, o recurso ou avaliação da prestação dos serviços em causa sob critérios de materialidade decorrentes da aplicação da ISA 320 são, nesta sede, inadmissíveis.75 Importa ter presente que de acordo com o Tratado de Roma, e em especial com o princípio do efeito direto do Direito Comunitário ali estatuído, os particulares podem invocar diretamente uma norma europeia perante uma jurisdição nacional ou europeia. Esta mesma leitura do Tratado de Roma foi realizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, cuja jurisprudência, no âmbito do processo 26/62 – Gend & Loos vs. Administração Fiscal Holandesa (disponível em http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?text=&docid=87120&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=fi rst&part=1&cid=1703392) preconizou expressamente o efeito direto do Direito Comunitário. Com interesse para este ponto veja-se Nuno Piçarra, “Direito Comunitário I – Sumários Desenvolvidos – A Efi cácia do Direito Comunitário (Cont.)” (disponível em http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/np_MA_3545.doc).

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daqui ser retirada qualquer assimetria no âmbito de aplicação da proibição vertente.

A proibição vertente tem por escopo evitar que o auditor, ao elaborar e proceder ao lançamento de registos contabilísticos e de contas, seja colocado perante uma inevitável situação de auto-revisão76.

A este respeito não podemos deixar de evidenciar que a manifesta ampli-tude de formulação da proibição em causa inibe toda e qualquer prestação de serviços que, direta ou indiretamente, tenham relação e ou sejam suscetíveis de constituir a elaboração e lançamento de registos contabilísticos e de contas, cuja revisão será realizada pelo auditor da entidade em causa, constituindo-o, assim, numa posição de falta de independência e colocando-o numa situação de auto-revisão77.

4.4. Os serviços de processamento de salários

Analisado o conceito de salários no ponto 4.1.2. “Referentes a impostos sobre salários” supra78, importa, agora, analisar em que se consubstancia o pro-cessamento dos mesmos.

Os serviços de processamento de salários comportam no seu âmbito o cál-culo do pagamento bruto a realizar do salário em causa, bem como das respe-tivas deduções, a preparação dos lançamentos e registos contabilísticos associa-dos, a preparação das declarações fi scais associadas79.

76 Aliás, a este respeito importa ter em consideração que ainda previamente ao Regulamento Europeu de Auditoria, já o Código de Ética da IESBA já identifi cava o referido risco de auto-revisão como uma ameaça, no sentido de limitar a prestação de tais serviços. A este respeito vejam-se os parágrafos 290.164 do Código de Ética da IESBA, em especial os parágrafos 290.165 e 290.169, este estabelecendo expressamente, também ele, uma proibição de prestação dos serviços em causa. 77 No mesmo sentido veja-se o parágrafo 290.165 do Código de Ética da IESBA, segundo o qual “[p]roviding an audit client with accounting and bookkeeping services, such as preparing accounting records or fi nancial statements, creates a self-review threat when the fi rm subsequently audits the fi nancial statements.”78 A este respeito veja-se o ponto 4.1.2. supra.79 O que, aliás, já decorreria de proibições versadas noutras alíneas. A referência deve ser interpretada, cremos, no sentido preconizado no presente estudo.

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4.5. A conceção e aplicação de procedimentos de controlo interno ou de ges-tão de riscos relacionados com a elaboração e ou o controlo da informação fi nanceira ou a conceção e aplicação dos sistemas informáticos utilizados na preparação dessa informação

A proibição vertente tem como elemento nuclear o conceito de informa-ção fi nanceira80, o qual, destarte não ter consagração legal expressa pode ser delimitado por recurso às normas técnicas em vigor.

Assim, tendo presente a defi nição de “demonstrações fi nanceiras” e de “informação fi nanceira histórica” constantes (i) das alíneas (c) e do ponto 13 da ISA 20081, (ii) do Código de Ética da IESBA82, bem como (iii) o considerando 5 da Diretiva 2014/56/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 201483, verifi camos que informação fi nanceira em causa deverá ser toda

80 Anteriormente versado no presente estudo.81 A qual defi ne (i) demonstrações fi nanceiras como “uma representação estruturada da informação fi nanceira histórica, incluindo divulgações, destinada a comunicar recursos económicos ou as obrigações de uma entidade numa determinada data ou as alterações neles ocorridos durante um período de tempo de acordo com um referencial de relato fi nanceiro. O termo “demonstrações fi nanceiras” refere-se geralmente a um conjunto completo de demonstrações fi nanceiras conforme determinado pelos requisitos do referencial de relato fi nanceiro aplicável, mas também se pode referir a uma única demonstração fi nanceira. As divulgações compreendem informação descritiva ou explicativa preparada de acordo com o que é exigido ou expressamente permitido pelo referencial de relato fi nanceiro aplicável, seja na face das demonstrações fi nanceiras, seja através de notas, seja ainda através da incorporação de referência cruzada.”, e (ii) Informação fi nanceira histórica como “[i]nformação expressa em termos fi nanceiros em relação a uma data entidade, derivada principalmente do sistema contabilístico dessa entidade, sobre acontecimentos económicos que ocorreram em períodos de tempo passados ou sobre condições ou circunstâncias em determinadas datas do passado.” (Manual de Normas Internacionais de Controlo de Qualidade Auditoria, Revisão, Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade e Serviços Relacionados, International Federation of Accountants, ed. 2015, Parte I, traduzido pela Ordem dos Revisores Ofi ciais de Contas).82 O qual, coincidindo em diversos pontos com a ISA 200, defi ne “fi nancial statements” como “a structured representation of historical fi nancial information including related notes, intended to communicate an entity’s economic resources or obligations at a point in time or the changes therein for a period of time in accordance with a fi nancial reporting framework. The related notes ordinarily comprise a summary of signifi cant accounting policies and other explanatory information. The term can relate to a complete set of fi nancial statements, but it can also refer to a single fi nancial statement, for example, a balance sheet, or a statement of revenues and expenses, and related explanatory notes.” Defi nindo, ainda, “historical fi nancial information” – conceito expressamente invocado na defi nição de “demonstrações fi nanceiras” constante da ISA 200 – como “information expressed in fi nancial terms in relation to a particular entity, derived primarily from that entity’s accounting system, about economic events occuring in past time periods or about economic conditions or circumstances at points in time in the past.”83 Segundo o qual “(…) a responsabilidade principal pela prestação de informações fi nanceiras deva caber à gestão das entidades auditadas, os revisores legais de contas e as sociedades de revisores legais de contas desempenham um papel importante ao interpelarem a gestão na perspetiva do utilizador (…).”

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aquela que resulte e ou tenha origem no sistema contabilístico84 da entidade auditada, especialmente quando relevantes para as demonstrações fi nanceiras e ou para as informações descritivas ou explicativas preparadas conforme exigido ou expressamente permitido pelo referencial de relato fi nanceiro aplicável.

No que diz respeito à conceção e aplicação de procedimentos de gestão de riscos, relacionados com a elaboração e ou o controlo de informação fi nan-ceira note-se, cumpre atender à ISO 31000:200985, a qual, tendo por base as defi nições de risco86 e de gestão de risco87,88 constantes da ISO Guide 73:2009, defi ne os princípios e orientações sobre a gestão de riscos, no âmbito da qual são incluídas, entre outras, a estrutura de gestão de riscos89, a política de gestão de riscos90, o plano de gestão de riscos91 e o processo de gestão de riscos92.

84 Defi nido, no glossário de auditoria do Tribunal de Contas Europeu, ed. de 1998, revisão linguística de 2011, como “um sistema contabilístico engloba o conjunto dos procedimentos e documentos de uma entidade que permitam o tratamento das operações e dos acontecimentos para efeitos de registo nas contas. Este sistema identifi ca, reúne, analisa, calcula, classifi ca, regista, resume e relata as operações e outros acontecimentos.” (disponível em http://www.eca.europa.eu/pt/Pages/ecadefault.aspx). 85 Disponível no sitio da internet da ISO (International Organization for Standardization), em https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:31000:ed-1:v1:en. 86 Defi nido como o efeito das incertezas nos objetivos (“eff ect of uncertainty on objectives”). Disponível no sitio da internet da ISO, em https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:guide:73:ed-1:v1:en. 87 Defi nida como as atividades coordenadas para dirigir e controlar uma organização no que se refere ao risco (“coordinated activities to direct and control an organization with regard to risk”).88 Com interesse para este ponto vejam-se igualmente as diretrizes da COSO (Committee of Sponsoring Organization of the Treadway Commission) sobre “enterprise risk management”, disponíveis em https://www.coso.org/Pages/guidance.aspx. 89 Definida, na ISO Guide 73:2009, como o conjunto de componentes que fornecem os fundamentos e as previsões organizacionais destinadas à conceção, implementação e monitorização, análise crítica e melhoria contínua da gestão de riscos através de toda a organização (“set of components that provide the foundations and organizational arrangements for designing, implementing, monitoring, reviewing and continually improving risk management throughout the organization”).90 Defi nida, na ISO Guide 73:2009, como a declaração de intenções e diretrizes gerais de uma organização relacionadas com a gestão de riscos (“statement of the overall intentions and direction of an organization related to risk management”).91 Defi nida, na ISO Guide 73:2009, como o esquema dentro da estrutura da gestão de riscos, especifi cando a abordagem, os componentes de gestão e os recursos a serem aplicados na gestão de riscos (“scheme within the risk management framework specifying the approach, the management components and resources to be applied to the management of risk”). 92 Defi nido, na ISO Guide 73:2009, como a aplicação sistemática de políticas, procedimentos e práticas de gestão para as atividades de comunicação, consulta e estabelecimento do contexto, e identifi cação, análise, avaliação, tratamento, monitorização e revisão dos riscos (“systematic application of management policies, procedures and practices to the activities of communicating, consulting, establishing the context, and identifying, analyzing, evaluating, treating, monitoring and reviewing risk”).

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Assim, encontra-se vedado ao auditor prestar serviços de conceção e aplica-ção de procedimentos de controlo interno ou de gestão de riscos relacionados com a elaboração de informação fi nanceira.

Adicionalmente, importa referir que a conceção e aplicação de sistemas informáticos utilizados na preparação da informação fi nanceira se encontram igualmente proibidos.

Contudo, cremos que já assim não sucederá, já não se encontrará vedado ao auditor a emissão de recomendações no que controlo interno da entidade audi-tada diz respeito, contanto que estas lhe sejam exigíveis no âmbito de trabalhos de auditoria, realizados nos termos das ISAs. De facto, nos termos das normas profi ssionais aplicáveis o auditor poderá encontrar-se constituído no dever de emitir de recomendações respeitantes ao sistema de controlo interno, sem que tal possa ser interpretado como constituindo objeto da proibição vertente93.

Não obstante, ao ser imposto que seja o auditor da sociedade – e não um qualquer auditor – que proceda à emissão de relatório a respeito do controlo interno, tendemos a considerar como válido e atendível o argumento de que poderão (e, desejavelmente assim será, quando aplicável) ser emitidas reco-mendações, na medida em que a produção da informação fi nanceira e o seu controlo possam relevar para a sua fi abilidade. Termos em que se crê duvidoso que a proibição em causa seja absoluta, especialmente tendo em consideração do elemento objetivo delimitador da norma.

A este respeito cumpre evidenciar que, nos termos da alínea b) do n.º 9 do artigo 77.º do EOROC, a presente proibição se aplica igualmente durante o exercício imediatamente anterior ao período auditado e a emissão de certifi ca-ção legal das contas.

4.6. Os serviços de avaliação, incluindo avaliações relativas a serviços atuariais ou serviços de apoio a processos litigiosos

Tendo presente o regime jurídico dos fundos de pensões, previsto no Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro, em especial o artigo 55.º94, são deveres do atuário responsável certifi car (i) as avaliações atuariais e os méto-dos e pressupostos usados para efeito da determinação das contribuições; (ii) o

93 A este respeito veja-se, em especial, a ISA 265 – Comunicar Defi ciências no Controlo Interno aos Encarregados da Governação e à Gerência e, bem assim, a ISA 315 – Identifi car e Avaliar os Riscos de Distorção Material por Meio da Compreensão da Entidade e do seu Ambiente.94 Por outro lado, as funções do auditor, no âmbito do regime dos fundos pensões, encontra-se clara e expressamente consagrado no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de janeiro.

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nível de fi nanciamento do fundo de pensões e o cumprimento das disposições vigentes em matéria de solvência dos fundos de pensões; (iii) a adequação dos ativos que constituem o património do fundo de pensões às responsabilidades previstas no plano de pensões; (iv) o valor atual das responsabilidades totais para efeitos de determinação da existência de um excesso de fi nanciamento.

Por outro lado, nos termos do n.º 2 do artigo 77.º do Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora (RJASR), apro-vado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro, que cabe ao atuário responsável certifi car a adequação às disposições legais, regulamentares e técnicas aplicáveis do cálculo das provisões técnicas, dos montantes recuperáveis de contratos de resseguro e de entidades com objeto específi co de titularização de riscos de seguro e das componentes do requisito de capital relacionadas com esses itens.

Os elementos a certifi car pelo atuário responsável são defi nidos na Norma Regulamentar n.º 2/2017-R, da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fun-dos de Pensões, a qual fi xa também o conteúdo, os termos, a periodicidade, os princípios e os moldes de apresentação do relatório de certifi cação, bem como os termos e meios de reporte e publicação.

Adicionalmente, de acordo com o modelo Solvência II95 estão compreen-didas entre as funções do atuário a (i) coordenação ou acompanhamento do pro-cesso de cálculo de provisões técnicas; (ii) análise da sufi ciência e da qualidade da informação utilizada no cálculo dessas provisões; (iii) análise de estimativas, em especial tendo em considerações fatores como a experiência; (iv) emissão de opiniões sobre a política global de subscrição de riscos; e, (v) participação nos sistemas de gestão de riscos, em particular no que respeita a modelos de risco.

Contexto em que, como atuário responsável deverá ser entendido96 a pes-soa singular designada pela entidade gestora de um Fundo de Pensões a quem compete elaborar o Relatório Atuarial Anual e certifi car: as avaliações atuariais, o nível de fi nanciamento do Fundo, a adequação do plano técnico-atuarial, o

95 O regime Solvência II consubstancia uma profunda revisão do enquadramento legal europeu aplicável ao sector segurador, o qual, sustentado na Diretiva n.º 2009/138/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, versa sobre o acesso à atividade de seguros e resseguros e ao seu exercício (Solvência II), destacando-se como seus elementos essenciais: (i) a avaliação dos elementos do ativo e do passivo de forma consistente e baseada em princípios económicos, (ii) o maior alinhamento dos requisitos de capital com os riscos efetivamente assumidos pelas empresas de seguros e de resseguros e (iii) a promoção da gestão e supervisão baseada nos riscos, tendo como objetivo a proteção dos tomadores de seguros, segurados e benefi ciários. 96 No mesmo sentido veja-se a posição expressa pela Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios (APFIPP), disponível em http://www.apfi pp.pt/index2.aspx?MenuCode=FP.

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valor das responsabilidades totais para determinação de uma eventual existência de excesso de fi nanciamento97.

Não obstante, sem prejuízo da densifi cação do conteúdo dos serviços atua-riais não se demonstrar isenta de dúvidas, cremos que todo e qualquer serviço de avaliação se encontrará no âmbito da presente proibição, tendo a menção às avaliações atuariais e as relacionadas com processos litigiosos98 caráter mera-mente enunciativo.

4.7. Serviços jurídicos

4.7.1. De prestação de aconselhamento geral

A proibição vertente tem sido especialmente atreita a visões distintas, resul-tantes, em especial, da sua formulação em inglês.

Com efeito, tendo em consideração que o artigo 77.º n.º 8 do EOROC dá execução, em larga medida, literal ao artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria, cumpre ter presente que o entendimento que a respeito deste tem sido realizado se encontra, no caso vertente, relacionado com a sua letra na lín-gua inglesa, segundo a qual encontrar-se-iam vedados os serviços jurídicos que constituam e ou possam constituir “the provision of general counsel“.

Ora, a tradução que foi realizada de tal norma, refl etida, aliás, no texto da alínea g) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC trata de afastar qualquer equívoco que a letra da norma em língua inglesa possa ter suscitado.

De facto, o que está em causa não é o desempenho de funções, subcontra-tadas, em secondment e ou em qualquer regime, de Diretor Jurídico da entidade auditada99, mas sim a prestação de aconselhamento jurídico no geral, mesmo que referente a situações particulares, à entidade auditada, serviço cuja presta-ção, em resultado da norma em causa, se encontra vedada.

97 A este respeito cumpre referir que a proibição vertente deverá ter em consideração o disposto na alínea i) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC.98 Nos quais se crê incluídos todos e quaisquer processos em que se encontre em causa a resolução de um diferendo, confl ito e ou litígio.99 Com interesse para este ponto, refi ra-se que o parágrafo 290.208 do Código de Ética da IESBA estabelece que “[t]he appointment of a partner or an employee of the fi rm as General Counsel for legal aff airs of an audit client would create self-review and advocacy threats that are so signifi cant that no safeguards could reduce the threats to an acceptable level. The position of General Counsel is generally a senior management position with broad responsibility for the legal aff airs of a company, and consequently, no member of the fi rm shall accept such an appointment for an audit client.”

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Assim, sem prejuízo das restrições existentes no regime jurídico nacional quanto a práticas multidisciplinares100 e, bem assim, quanto à prática de atos próprios e ou restritos a advogados, não anteciparem uma aplicabilidade vasta no âmbito nacional, e por estarmos perante um norma harmonizado ao nível europeu, importa que a sua interpretação tenha presente as especifi cidades de cada regime.

Aliás, isso mesmo é corroborado pela defi nição de serviços jurídicos cons-tante do Código de Ética da IESBA101, o qual estabelece que constituirão ser-viços jurídicos aqueles que exijam que a pessoa que os preste se encontre devi-damente habilitada para os prestar, e que, neste contexto, não poderá deixar de considerar o estabelecido na Lei dos atos próprios dos Advogados, aprovada pela Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto, cujo artigo 1.º estabelece quais são os atos próprios dos advogados e dos solicitadores102-103-104.

100 Importa referir que sendo vedado, no âmbito do ordenamento jurídico nacional, as sociedades profi ssionais multidisciplinares tal não resulta, sem mais, que a proibição em causa não tenha aplicação, devendo a este respeito ser tida em especial consideração o conceito de rede constante da alínea p) do artigo 2.º do RJSA.101 Segundo o parágrafo 290.204, do Código de Ética da IESBA, “legal services are defi ned as any services for which the person providing the services must either be admitted to practice law before the courts of the jurisdiction in which such services are to be provided or have the required legal training to practice law. Such legal services may include, depending on the jurisdiction, a wide and diversifi ed range of areas including both corporate and commercial services to clients, such as contract support, litigation, mergers and acquisition legal advice and support and assistance to clients’ internal legal departments.” A este respeito não se deixa de constatar que os serviços jurídicos indicados no Código de Ética da IESBA, e os exemplos ali concretizados apresentam alguma ligação com os elencados no âmbito da alínea g) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, ainda que exista uma dissonância relevante, a saber, a possibilidade de apreciação das ameaças ali indicadas ser suscetível de ser ponderada por critérios de materialidade, possibilidade esta que, no âmbito da proibição em análise, nos parece vedada.102 A este respeito, e não obstante encontrar-se excecionado do âmbito do referido artigo 1.º a elaboração de pareceres escrito por docentes das faculdades de Direito, cremos que a mesma não deixa de se considerar incluída no âmbito da proibição em causa, por consubstanciar um serviço jurídico de aconselhamento geral.103 Sem prejuízo da existência de normas especiais, tal como a prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certifi cados, aprovado pela Lei n.º 139/2015, de 7 de setembro, cuja coexistência e limites aplicativos não aprofundaremos, por exceder o âmbito do presente estudo.104 Com relevo para este ponto veja-se a Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro.

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4.7.2. De negociação em nome da entidade auditada

A prestação de serviços jurídicos no âmbito de uma negociação, realizada em nome da entidade auditada, implica, necessariamente a assunção de uma posição de parte, de tomada de posição na defesa dos direitos e ou interesses da entidade auditada, o que é suscetível de colocar, irremediavelmente, em crise a independência do auditor.

Pelo que a latitude da presente proibição não pode ser constrangida por critérios interpretativos, abrangendo, por exemplo, a intervenção em todo e qualquer procedimento e ou processo de natureza tributária, tendo, neste con-texto, diversos elementos de conexão com a proibição constante da alínea a) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC.

4.7.3. De exercício de funções de representação no quadro da resolução de litígios

Com íntima ligação ao aduzido no ponto anterior, designadamente em sede de conexão com a alínea a) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, é proibida a atuação em nome e por conta da entidade auditada, no âmbito de represen-tação no quadro de resolução de litígios por colocar o auditor numa posição de parte, não apenas na defesa dos direitos e ou interesses da entidade auditada, mas igualmente na sua condução, orientação e defi nição, o que é, de todo, incompatível com a independência requerida ao auditor.

Nesse mesmo sentido aponta o Código de Ética da IESBA, em especial no parágrafo 290.206, segundo o qual “[a]cting in an advocacy role for an audit client in resolving a dispute or litigation when the amounts involved are material to the fi nancial statements on which the fi rm will express an opinion would create advocacy and self-re-view threats so signifi cant that no safeguards could reduce the threat to an acceptable level. Therefore, the fi rm shall not perform this type of service for an audit client.”

Assim, sem prejuízo do já aduzido no presente estudo quanto à impossi-bilidade de aplicação de qualquer ponderador de materialidade no âmbito da apreciação e aplicação das proibições consignadas no artigo 77.º do EOROC, e, tendo em consideração a proibição vertente e, bem assim, as estabelecidas na alínea a) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, cremos que sempre que possa ser considerado que o auditor assume um “advocacy role” no âmbito da resolução de um diferendo, confl ito e ou litígio, poder-se-á considerar abrangido pela proibição vertente.

Pelo que, destarte poderem não estar em causa atos reservados a advoga-dos e ou solicitadores, o auditor não deverá assumir um papel de defesa e ou orientação no âmbito de diferendos, confl itos e ou litígios que se encontrem

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em curso, o que, no caso de matérias tributárias, sucederá no âmbito de um processo judicial tributário105, de um procedimento tributário106 ou de uma qualquer forma alternativa de resolução jurisdicional de confl itos107.

A este respeito, e conforme oportunamente referido, importa ter presente o quadro legal vigente no ordenamento jurídico português108, que inibe a ati-vidade de sociedades profi ssionais multidisciplinares.

4.8. Serviços relacionados com a função de auditoria interna da entidade auditada

A atividade de auditoria interna é defi nida pelo Institute of Internal Auditors como uma atividade independente, de garantia e de consultoria, destinada a acrescentar valor e a melhorar as operações de uma organização, e como cons-tituindo uma atividade que assiste a organização na consecução dos seus obje-tivos, através de uma abordagem sistemática e disciplinada, para a avaliação e melhoria da efi cácia dos processos de gestão de risco, controlo e governação109.

Assim, é, pois, natural que tal atividade tenha vindo a ser objeto de reco-nhecimento crescente, em especial no âmbito de setores de atividade sujeitos a regulação, como sejam o setor bancário, segurador e fi nanceiro110, no âmbito

105 Cfr. artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).106 Cfr. artigo 44.º do CPPT.107 Tal como a arbitragem em matéria tributária, prevista no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.108 Em especial a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, referente à criação, organização e funcionamento das associações públicas profi ssionais, a Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, concernente à constituição e funcionamento das sociedades profi ssionais sujeitas a associações públicas profi ssionais, bem como a Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro.109 Conforme constante do sitio de internet do Institute of Internal Auditors, disponível em: https://global.theiia.org/standards-guidance/mandatory-guidance/Pages/Definition-of-Internal-Auditing.aspx. 110 A título exemplifi cativo veja-se o disposto no artigo 305.º-C do Código dos Valores Mobiliários, segundo o qual “1 – O intermediário fi nanceiro deve estabelecer um serviço de auditoria interna, que atue com independência, responsável por: a) Adotar e manter um plano de auditoria para examinar e avaliar a adequação e a efi cácia dos sistemas, procedimentos e normas que suportam o sistema de controlo interno do intermediário fi nanceiro; b) Emitir recomendações baseadas nos resultados das avaliações realizadas e verifi car a sua observância; e c) Elaborar e apresentar ao órgão de administração e ao órgão de fi scalização um relatório, de periodicidade pelo menos anual, sobre questões de auditoria, indicando e identifi cando as recomendações que foram seguidas. 2 – O dever previsto no número anterior é aplicável sempre que adequado e proporcional, tendo em conta a natureza, a dimensão e a complexidade das atividades, bem como o tipo de atividades de intermediação fi nanceira prestadas”.

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das quais constitui um relevante instrumento de avaliação e exame do sistema de controlo interno111 de cumprimento.

Ora, tendo em consideração os deveres que para os auditores resultam, nesta sede, das normas profi ssionais aplicáveis112, segundas as quais é, designa-damente, imposto ao auditor a execução de procedimentos de auditoria para compreender a entidade e o seu ambiente, incluindo o seu controlo interno, e para identifi car e avaliar os riscos de distorção material devido a fraude ou erro, quer a nível das demonstrações fi nanceiras quer a nível da asserção113-114, resulta claro que a prestação de serviços relacionados com a função de auditoria interna redundariam numa ameaça de auto-revisão.

Uma nota adicional para relevar a formulação ampla da proibição vertente, a qual, individual e ou em conjugação com as demais proibições constantes do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, permitem concluir que se encontra vedada a prestação de qualquer serviços relacionados com a função de auditoria interna115.

4.9. Serviços associados ao fi nanciamento, à estrutura e afetação de capital e à estratégia de investimento da entidade auditada, exceto a prestação de ser-viços de garantia de fi abilidade respeitantes às contas, tal como a emissão de “cartas de conforto” relativas a prospetos emitidos pela entidade auditada

Sem prejuízo de crermos indesejável que uma norma com a natureza da vertente contenha elementos excludentes do seu âmbito de aplicação insufi -cientemente objetivados e de, a este respeito, parecer desejável que a exclusão

111 A ISA 315 defi ne o controlo interno como o “processo concebido, implementado e mantido pelos encarregados da governação, gerência e outro pessoal para proporcionar segurança razoável acerca da consecução dos objetivos de uma entidade com respeito à fi abilidade do relato fi nanceiro, efi cácia e efi ciência das operações e cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis.”112 A título meramente exemplifi cativo, veja-se a ISA 315, a ISA 610 (em especial o parágrafo 49).113 O conceito de asserção encontra-se defi nido no parágrafo 4 da ISA 315.114 Conforme decorre, desde logo, da ISA 315, cujo parágrafo 5 mais estabelece ser dever do auditor “executar procedimentos de avaliação do risco que proporcionem uma base para a identifi cação e avaliação dos riscos de distorção material ao nível das demonstrações fi nanceiras e ao nível de asserção”, acrescentando o seu parágrafo 12 que o “auditor deve inteirar-se do controlo interno relevante para a auditoria, sendo que, nos termos do parágrafo 13, “no processo de compreensão dos controlos que são relevantes para a auditoria, o auditor deve apreciar a conceção desses controlos”.115 O que não inibe, note-se, a colaboração entre o auditor e área de auditoria interna da entidade auditada, nem tão pouco a utilização do trabalho realizado pela auditoria interna da entidade auditada pelo auditor, contanto que tal seja realizado conformidade com as normas profi ssionais aplicáveis, tais como a ISA 610 (Revisão 2013), relativa ao uso do trabalho de auditores internos, pelo auditor da entidade auditada no âmbito de trabalhos de auditoria.

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da aplicação da proibição em causa tivesse por referência trabalhos e ou opi-niões emitidas por auditores com por base em International Standards on Assu-rance Engagements (ISAEs)116, importa ter presente que, constituindo a proibição constante da alínea i) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC a reprodução, literal, da alínea i) do artigo 5.º do Regulamento Europeu de Auditoria, a sua inter-pretação e aplicação deve atender ao considerando 8 do mesmo Regulamento, cuja letra, em especial no que diz respeito à concretização de situações excecio-nadas do âmbito da proibição, vai além da própria norma de proibição.

De facto, o considerando 8 do Regulamento Europeu de Auditoria exem-plifi ca, de entre os serviços de garantia excecionados, não apenas a emissão de «cartas de conforto» relativas a prospetos emitidos pela entidade auditada117, mas igualmente os serviços de «due diligence118» que, nos termos da alínea i) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, respeitem às contas da entidade auditada.

Por outro lado, e concentrando-nos no âmbito da proibição e não da exce-ção, cumpre, desde logo, considerar que, diferentemente da proibição cons-tante da alínea que a precede e que defi ne como âmbito de aplicação “os serviços relacionados” como o seu objeto, a alínea i) do n.º 8 do artigo 77.º do EOROC, tem como referência não os “serviços relacionados” mas “os serviços associados”.

116 E não com base em ISAs, conforme estabelecido na ISAE 3000 (“Handbook of International Quality Control, Auditing, Review, Other Assurance, and Related Services Pronouncements”, editado pela International Auditing and Assurance Standards Board, 2016-2017 Edition, Volume II, p.131), cujo parágrafo 1 refere que “[t]his International Standard on Assurance Engagements (ISAE) deals with assurance engagements other than audits or reviews of historical fi nancial information, which are dealt with in International Standards on Auditing (ISAs) and International Standards on Review Engagements (ISREs), respectively.” O que, aliás, consta do parágrafo 7 do prefácio às normas internacionais de controlo de qualidade, auditoria, revisão, outros trabalhos de garantia de fi abilidade e serviços relacionados, do Volume I do antedito Handbook, já disponível na edição em língua Portuguesa, “Manual das Normas Internacionais de Controlo de Qualidade, Auditoria, Revisão e Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade e Serviços Relacionados”, ed. 2015, Parte I, traduzido e republicado pela Ordem dos Revisores Ofi ciais de Contas, p. 13, segundo o qual “[a]s Normas Internacionais de Outros Trabalhos de Garantia de Fiabilidade (ISAE) devem ser aplicadas em trabalhos de garantia de fi abilidade que não sejam auditoria ou revisão de informação fi nanceira histórica”.117 A este respeito veja-se o Regulamento (CE) n.º 809/2004, da Comissão de 29 de abril de 2004, que estabelece normas de aplicação da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito à informação contida nos prospetos, bem como os respetivos modelos, à inserção por remissão, à publicação dos referidos prospetos e divulgação de anúncios publicitários. A este respeito, estando em causa trabalhos de garantia de fi abilidade, a proibição não será, por regra, aplicável a trabalhos realizados nos termos da ISAE 3420. 118 Sem prejuízo da sua aplicação dever, naturalmente, ser realizado considerando as demais proibições consagradas no artigo 77.º, n.º 8 do EOROC, pelo que a realização de «due diligences» de âmbito tributário e ou jurídico encontrar-se-ão, por regra, no âmbito de serviços cuja prestação é vedada ao auditor.

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Contudo, não cremos que tal deva ser interpretado como restringindo o âmbito da sua aplicação.

Quanto ao objeto da proibição em causa, procurando densifi cando a seu âmbito, tendo em consideração a formulação da mesma, cremos que a sua interpretação e aplicação poderá benefi ciar e ser realizada tendo presente os conceitos que referenciamos de seguida.

A International Accounting Standard (IAS) 7, referente às demonstrações de fl uxos de caixa, estabelece a forma como as entidades devem apresentar nas suas demonstrações fi nanceiras os seus fl uxos de caixa, relativamente às suas principais atividades.

Neste contexto, salientamos que a IAS 7 contém, entre outras, a defi ni-ção119 de atividades (i) de investimento120, e (ii) de fi nanciamento121, as quais, cremos, abrangidas pela proibição vertente. Diversamente, tendo em considera-ção as defi nições constantes da IAS 7, não se crê que as atividades operacionais, ali igualmente defi nidas, se encontrem abrangidas pela proibição vertente.

Ainda a respeito da proibição em causa e no que concerne ao fi nancia-mento, importa ter presente o estabelecido no Código de Ética da IESBA, a respeito da prestação de corporate fi nance services, não apenas por ali se identifi car, no seu parágrafo 290.211, os riscos, de representação e auto-revisão, subjacen-tes à proibição vertente, mas igualmente pelos exemplos que inclui de serviços que constituem serviços de corporate fi nance.

4.10. A promoção, negociação ou tomada fi rme de ações na entidade auditada

A presente proibição encontra-se em estreita ligação com a anterior.Com efeito, cremos o objeto de ambas é, em certa medida coincidente,

porquanto também a vertente proibição versa sobre serviços associados e ou relacionados com o fi nanciamento da entidade auditada e, nessa medida, os riscos que implicam para independência do auditor e que justifi cam a proibição da sua prestação à entidade auditada pelo auditor são por esta compartilhados.

119 Conforme constante do parágrafo 6 da IAS 7 (A Guide through IFRS – Part A, IFRS Foundation, Londres, 2015, p. A895), “Operating activities are the principal revenue-producing activities of the entity and other activities that are not investing or fi nancing activities”, “Investing activities are the acquisition and disposal of long-term assets and other investments not included in cash equivalents” e “Financing activities are the activities that result in changes in the size and composition of the contributed equity and borrowings of the entity”.120 No seu parágrafo 16.121 No seu parágrafo 17.

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É neste sentido que interpretamos o Código de Ética da IESBA quando este abrange os serviços vertentes no âmbito dos corporate fi nance services122, ainda que o âmbito da presente nos pareça bastante mais objetivo e, assim, isento de dúvidas, que a proibição anterior.

4.11. Os serviços em matéria de recursos humanos referentes

4.11.1. Aos cargos de direção suscetíveis de exercer infl uência signifi cativa sobre a prepa-ração dos registos contabilísticos ou das contas objeto de revisão legal das contas, quando esses serviços envolverem: A seleção ou procura de candidatos para tais cargos; A realização de verifi cações das referências dos candidatos para tais cargos

A clareza da norma e dos conceitos que estão subjacentes à proibição ver-tente cremos que benefi cia a interpretação e aplicação da proibição vertente.

Com efeito, parecem manifestos os riscos que a prestação de serviços em causa implicaria, por a mesma constituir uma ameaça signifi cativa ao nível do interesse próprio, da familiaridade e ou intimidação, comprometendo, irreme-diavelmente, a independência do auditor.

4.11.2. À confi guração da estrutura da organização

A prestação de serviços relacionados com a confi guração da estrutura da organização representam uma ameaça signifi cativa de auto-revisão para o auditor.

De facto, tendo em consideração que a atuação do auditor deve conformar--se com os deveres profi ssionais, encontrando-se sujeito ao dever de proceder à avaliação da existência de riscos de distorção material através do conhecimento da entidade e do seu ambiente123, incluindo o seu controlo interno, cujas defi -

122 V. o parágrafo 290.214 do Código de Ética da IESBA, segundo o qual “[p]roviding corporate fi nance services involving promoting, dealing in, or underwriting and audit client’s shares would create an advocacy or self-review threat that is so signifi cant that no safeguards could reduce the threat to an acceptable level. Accordingly, a fi rm shall not provide such services to an audit client.”123 A este respeito veja-se a ISA 315 (revista), destinada a identifi car e avaliar os riscos de distorção material através do conhecimento da entidade e do seu ambiente, cujo parágrafo 3 referente ao seu objetivo estabelece que “[o] objetivo do auditor é identifi car e avaliar os riscos de distorção material devido a fraude ou a erro, ao nível das demonstrações fi nanceiras e ao nível de asserção, através do conhecimento da entidade e do seu ambiente, incluindo do seu controlo interno, proporcionando assim uma base para conceber e implementar respostas aos riscos de distorção material avaliados.”

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ciências ele deve comunicar aos encarregados da governação e à gerência124, é manifesta a existência de uma grave ameaça à independência do auditor, caso fosse admitida a prestação dos serviços em causa.

4.11.3. Ao controlo dos custos

Benefi ciando dos seus conhecimentos e experiência no âmbito da atividade de auditoria, bem como, da atividade de índole tributário e ou jurídica125, não era incomum verifi car-se uma oferta de serviços relacionada com compensa-ção, benefícios e incentivos, os quais visavam, entre outros, conferir à entidade auditada uma estrutura de remunerações dos seus colaboradores que fosse com-petitiva, efi ciente e suscetível de ter o enquadramento de mercado perspetivado pela entidade auditada.

Ora, são estes fatores de competitividade, efi ciência e enquadramento con-correncial que crermos levarem a que tais serviços tenham sempre uma com-ponente de controlo de custos, da qual não poderá a vertente proibição ser dissociada.

Assim, por conter sempre um elemento de racionalidade económica em que o controlo de custos é um fator a considerar, independentemente da hie-rarquia que o mesmo possa ter no conjunto de ponderadores considerados pela entidade auditada, cremos que a prestação de tais serviços será, em qualquer cir-cunstância, vedada ao abrigo presente proibição, não apenas pela sua conjuga-ção e articulação com as demais proibições, mas por a prestação de tais serviços, primária e ou secundariamente, conterem sempre um elemento de controlo de custos, do qual não poderá ser dissociado.

5. A independência do auditor: deveres dos auditores e deveres dos órgãos de fi scalização de EIP

A previsão de um elenco de serviços cuja prestação é vedada ao auditor da entidade, conforme anteriormente versado, constitui uma das principais medi-

124 A este respeito a ISA 265, destinada a comunicar deficiências no controlo interno aos encarregados da governação e à gerência, cujo parágrafo 5 referente ao seu objetivo estabelece que “[o] objetivo do auditor é comunicar apropriadamente aos encarregados da governação e à gerência defi ciências no controlo interno que tenha identifi cado durante a auditoria e que, no seu julgamento profi ssional, são sufi cientemente importantes para merecer a sua atenção.”125 A este respeito veja-se o que aqui, anteriormente, referenciado a respeito do regime jurídico vigente em Portugal e a [in]aceitabilidade de, no âmbito do mesmo, serem admitidas práticas multidisciplinares.

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das introduzidas pela reforma europeia de auditoria126, mas não foi a única nem tão pouco constituiu uma medida isolada.

Com efeito, em adição aos deveres de autoavaliação impostos ao próprio auditor127, foram atribuídos deveres ao órgão de fi scalização colegial, cuja ava-liação e aprovação prévia é condição precedente à prestação de serviços distin-tos de auditoria, não proibidos, por parte do auditor da entidade auditada128 que seja uma EIP129.

Assim sendo, o juízo, casuístico, de proibição de prestação de um ser-viço distinto de auditoria pode, neste contexto, ser realizado pelo auditor, em resultado do cumprimento do dever de auto-avaliação a que está legalmente adstrito, mas também em resultado da realização do dever de avaliação (não só prévia, mas também de forma contínua) imposto ao órgão de fi scalização.

Assim, destarte exceder o objeto do presente estudo, mas estando com ele intima e a decisivamente relacionado, importa evidenciar que a aferição e sindicação (prévia e continuamente) por parte do órgão de fi scalização se os serviços distintos de auditoria propostos prestar pelo auditor da entidade audi-tada constituem serviços genericamente, proibidos – por constarem do elenco de serviços consagrados no n.º 8 do artigo 77.º do EOROC130 – ou casuisti-camente proibidos – por serem suscetíveis de colocar, no caso concreto e de forma relevante e ou decisiva, em crise a independência do auditor.

É, pois, neste contexto, tendo em consideração a essencialidade de tais deveres, que o n.º 10 do artigo 77.º do EOROC estabelece que a aprova-ção prévia do órgão de fi scalização da entidade auditada deve ser devidamente fundamentada, acrescentando, o n.º 11 da mesma norma, que a mesma deve decorrer de uma avaliação adequada das ameaças à independência decorrentes da prestação dos serviços em causa e as medidas de salvaguarda aplicadas131.

Ora, tendo em consideração os deveres cometidos ao órgão de fi scalização, autónomos e independentes dos deveres de autoavaliação atribuídos ao auditor,

126 Cuja transposição Portugal foi pioneiro. 127 A este respeito vejam-se, designadamente, os artigos 71.º, 74.º, n.º 5, 77.º, n.º 13 e 78.º EOROC. Sobre este dever do auditor no quadro mais amplo da sua obrigação de vigilância, veja-se José Ferreira Gomes, Da administração à fi scalização das sociedades, cit., 436-439.128 Conforme consagrado no n.º 10 do artigo 77.º do EOROC.129 Sobre estes deveres, veja-se se José Ferreira Gomes, Da administração à fi scalização das sociedades, cit., 344.130 Tendo em consideração que está em causa uma proibição, importa que os deveres funcionais e de atuação dos titulares de cargos em órgãos de fi scalização sejam executados com a devida prudência, pelo que perante uma situação cujo enquadramento seja duvidoso, de dúvida, não deve ser aprovada a prestação do serviço em causa.131 Em conformidade com o artigo 73.º do EOROC.

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cremos que a sustentação da decisão do órgão de fi scalização na informação e ou juízo formulado pelo próprio auditor é uma atuação manifestamente dis-forme com o regime jurídico vigente.

Por outro lado, a adequabilidade da avaliação e da robustez da fundamen-tação subjacente à decisão do órgão de fi scalização não pode, em circunstância alguma, ser relativizada, aferida ou justifi cada pela [i]materialidade dos honorá-rios subjacentes132, nem tão pouco ser formulada em termos de tal modo con-clusivos que não permitam a sindicação por parte das entidades competentes.

Neste contexto, cremos que tal sindicação implica necessariamente que, para efeitos do n.º 12 do artigo 77.º do EOROC, mas também do previsto no n.º 10 da mesma norma, a comunicação do órgão de fi scalização seja compro-vada documentalmente mediante a disponibilização da ata ou do seu extrato relevante.

Com efeito, tendo em consideração, consignada no artigo 423.º do Código das Sociedades Comerciais, a obrigação de cada reunião do órgão de fi scaliza-ção ser lavrada ata, a qual terá, necessariamente, de conter um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deli-berações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente, devendo ser assinada por todos os membros do órgão presente. Para efeitos do regime em análise, releva em particular a fundamentação da decisão, a sindicar pela CMVM.

132 A questão dos honorários e o seu impacto em sede de avaliação de independência, em especial em questões e dependência económica, não deixa de ser um tema a relevar, em especial nos termos e para efeitos do n.º 1, e seguintes, do artigo 77.º do EOROC.

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