Os Ciclos Biogeoquímicos nos Lagos Tropicais

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Ciclos Biogeoquímicos nos Lagos Tropicais Balanço do Carbono e do Fósforo, e pesquisas aplicadas visando o controle do aporte de nutrientes em lagos e reservatórios tropicais Vitor Vieira Vasconcelos Mestre em Geografia Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Belo Horizonte, Outubro de 2005 Introdução: O objetivo deste texto é perscrutar o tema do ciclo biogeoquímico do carbono e do fósforo, especialmente em sua passagem pelos ambientes aquáticos, tendo foco nos reservatórios lênticos naturais e artificiais. Após um estudo geral sobre o ciclo destes dois elementos, adentra-se a discussão sobre as pesquisas e técnicas consolidadas para o balanço e controle do aporte destes nutrientes nos lagos e reservatório tropicais. Justifica-se a importância deste estudo, em especial para o controle de algas e cianobactérias nos lagos brasileiros, e também pela manutenção dos respectivos ecossistemas aquáticos.

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O objetivo deste texto é perscrutar o tema do ciclo biogeoquímico do carbono e do fósforo, especialmente em sua passagem pelos ambientes aquáticos, tendo foco nos reservatórios lênticos naturais e artificiais. Após um estudo geral sobre o ciclo destes dois elementos, adentra-se a discussão sobre as pesquisas e técnicas consolidadas para o balanço e controle do aporte destes nutrientes nos lagos e reservatório tropicais. Justifica-se a importância deste estudo, em especial para o controle de algas e cianobactérias nos lagos brasileiros, e também pela manutenção dos respectivos ecossistemas aquáticos.

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Ciclos Biogeoquímicos nos Lagos Tropicais

Balanço do Carbono e do Fósforo, e pesquisas aplicadas

visando o controle do aporte de nutrientes em lagos e reservatórios tropicais

Vitor Vieira Vasconcelos Mestre em Geografia – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Belo Horizonte,

Outubro de 2005

Introdução:

O objetivo deste texto é perscrutar o tema do ciclo biogeoquímico do carbono e do fósforo,

especialmente em sua passagem pelos ambientes aquáticos, tendo foco nos reservatórios

lênticos naturais e artificiais. Após um estudo geral sobre o ciclo destes dois elementos,

adentra-se a discussão sobre as pesquisas e técnicas consolidadas para o balanço e

controle do aporte destes nutrientes nos lagos e reservatório tropicais. Justifica-se a

importância deste estudo, em especial para o controle de algas e cianobactérias nos lagos

brasileiros, e também pela manutenção dos respectivos ecossistemas aquáticos.

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1. Ciclo do Carbono

Figura 1 - Ciclo do Carbono

Fonte: < http://www.escolavesper.com.br/aniver/figuras/ciclo_19.gif>, disponível em 13/09/2005

O ciclo do Carbono inclui os diversos depósitos de carbono existente no planeta Terra, e

sua movimentação através dos processos orgânicos e inorgânicos. Ao longo deste ciclo, o

carbono poderá assumir formas inorgânicas e orgânicas, inclusive como parte da biomassa

dos seres vivos.

O clico do carbono pode ser classificado como um ciclo biogeoquímico gasoso, ou seja, em

que o elemento se encontra mais concentrado na atmosfera, sob a forma física gasosa 1. É

característica desse ciclo a estabilidade de distribuição do elemento, acompanhada de sua

abundância média no meio atmosférico - concentração em torno de 320 ppm 2. O oceano

também é um grande recipiente do carbono contendo 50 vezes mais carbono do que a

atmosfera 3.Tanto na atmosfera quanto nos meios aquáticos, a forma química mais comum

1 [Pringle, 1971, p. 91] 2 [Kormondy, 1984, p. 56] 3 [Kormondy, 1984, p. 56]

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do carbono é como CO2 - dióxido de carbono 4. A Tabela 1, abaixo, mostra a distribuição

do carbono na biosfera. Pode-se perceber que o carbono em forma inorgânica corresponde

a mais de 99 % do total, corroborando para a constatação da importância do componente

geológico do ciclo deste elemento.

Tabela 1 - Carbono na Biosfera, em 109 toneladas

Reservatório Quantidade

Atmosfera 700

Organismos terrestres 1.150

vivos 450

mortos 700

Combustíveis fósseis 10.000

Águas oceânicas 35.000

Organismos oceânicos 3.010

vivos 10

mortos 3.000

Sedimentos 20.000.000

Total Orgânico 14.160

Total Inorgânico 20.035.700

Total 20.049.860

Fonte: [B. Bolin, Scientifif American, September 1970, in KORMONDY, 1984, p. 56]

O carbono, depois da água, é o componente mais significante nos seres vivos; e

constituindo 49 % do peso seco dos organismos 5. O movimento básico do ciclo do

carbono é passar de sua reserva na atmosfera para os seres vivos produtores, sendo

assimilado pelos consumidores ao longo da cadeia trófica, e retornando para a atmosfera

através dos decompositores.

O dióxido de carbono é absorvido pelas plantas e algas, durante o processo da

fotossíntese - podemos considerar que essa é a entrada do elemento carbono nas cadeias

tróficas de herbivoria. Durante a fotossíntese, o carbono será combinado a átomos de

4 [Pringle, 1971, p. 92] 5 [Kormondy, 1984, p. 55]

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hidrogênio, formando carboidratos 6. Mais adiante, estes carbonos farão parte da formação

de gorduras, proteínas e também de carboidratos mais complexos. Podemos dizer que o

ciclo do carbono dentro dos ecossistemas irá coincidir em grande parte com o ciclo da

energia, já que as gorduras e carboidratos são dos principais armazenadores de energia

dos seres vivos 7.

O carbono irá se movimentar ao longo da cadeia alimentar, principalmente, através do

processo trófico de consumo de biomassa. O predador assimila parte do carbono do nível

tráfico anterior, através da ingestão de matéria orgânica de sua presa. No processo de

digestão da biomassa, as moléculas orgânicas mais complexas são decompostas, e o

carbono pode ser recombinado em novas moléculas 8.

O carbono, ingerido pelos seres vivos predadores, e que não for assimilado, será

rapidamente eliminado com os excrementos. Neste caso, ele ainda pode ser incorporado à

cadeia trófica de detritos, por meio de bactérias e fungos decompositores. Por fim, o

processo de decomposição libera a maior parte do carbono para a atmosfera 9. Outra

forma de eliminação de carbono pelos seres vivos é através da respiração, a qual elimina

certa quantidade de dióxido de carbono 10. A combustão de matéria orgânica também

contribui para o retorno do gás carbônico para a atmosfera, tanto na queima para

atividades humanas (geração de energia e calor), quanto nos processos naturais de

queima de vegetação, típicos das savanas e campos cerrados.

A concentração de carbono na atmosfera pode mudar, por conseqüência das atividades no

meio ambiente, embora tenda a manter uma certa estabilidade. Durante o verão, os

ecossistemas retornam mais carbono à atmosfera, através da respiração e decomposição,

fenômeno que perde intensidade no inverno, em especial nas regiões de altas latitudes 11.

6 [Pringle, 1971, p. 92] 7 [Pringle, 1971, p. 93] 8 [Pringle, 1971, p. 93] 9 [Kormondy, 1984, p. 56] 10 [Pringle, 1971, p. 96] 11 [Kormondy, 1984, p. 56]

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1.1 O CICLO DO CARBONO NOS ECOSSISTEMAS LÊNTICOS

O Carbono, nos ecossistemas aquáticos, terá um ciclo análogo ao terrestre. As plantas

aquáticas e demais organismos fotossintetizantes incorporam o gás carbônico da água e o

fixam na forma orgânica. Esta forma de incorporação de matéria orgânica é definida como

autóctone. Outra forma de incorporação de carbono orgânico nos ecossistemas aquáticos

é pelo aporte externo, através da matéria orgânica que chega as suas margens, incluindo

as enxurradas e também as descargas de esgotos. Assim, de uma maneira geral, um lago

ou reservatório terá carbono orgânico advindo do processo fotossintético, de seus rios

tributários, e de fontes de matéria orgânica em suas margens. De sua fonte, o carbono

passará ao longo da cadeia trófica, sendo eliminado na forma de excrementos, respiração

e matéria orgânica morta. Parte desse carbono eliminado será incorporada pela cadeia de

detritos, e no fim o carbono decomposto é eliminado em sua forma gasosa, ou se

sedimenta no fundo do corpo d’água.

Em sua forma gasosa do carbono, o CO2 pode intercambiar de forma reversível entre a

atmosfera e os ambientes aquáticos. O CO2, na água e nos solos úmidos, se combina com

os íons de hidrogênio, formando ácido carbônico (H2CO3); contudo, esse ácido pode se

dissociar de maneira reversível em íons de H+ e HCO3-, sendo que este último íon também

se dissocia m CO32- 12. Por ser uma reação reversível, o carbono pode ser transportado

para qualquer um dos ambientes (aquático ou atmosférico) por difusão, dependendo das

concentrações relativas em cada um dos meios. Outros fatores vão influenciar esse

interfluxo do carbono entre os dois ambientes, como por exemplo, o pH da água: pH

menores (águas ácidas) apresentam mais ácido carbônico na forma iônica, propiciando a

troca entre água e atmosfera 13. Além disso, o equilíbrio entre a concentração de carbono

dos dois ambientes não é atingido de maneira instantânea, podendo demorar dias ou

mesmo semanas para que o sistema atinja o equilíbrio 14.

Caso ocorra um bloom de algas em um lago, devido ao aporte de nutrientes como fósforo e

nitrogênio, a quantidade de sólidos orgânicos em suspensão tende a aumentar 15. Essa

disponibilidade adicional de carbono se incorporará à cadeia trófica de detritos, que

retornará parte do carbono para os processos orgânicos, se bem que também

12 [Kormondy, 1984, p. 57] 13 [Kormondy, 1984, p. 58] 14 [Kormondy, 1984, p. 58] 15 [Pinto-Coelho et al, 2005, p. 147]

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transformando parte desse carbono em sua forma gasosa, a qual por fim pode ser

retornada à atmosfera, através do intercambio explicado no parágrafo acima.

Também ocorre que algumas plantas aquáticas de ambientes alcalinos produzem

carbonato de cálcio como um subproduto da fotossíntese. Por exemplo, 100kg de Elodea

Canadensis podem precipitar 2 kilos de CaCO3 em 10 horas de exposição à luz do sol, em

condições naturais 16. Essa precipitação vai se misturar ao solo e, pela compactação, se

transformar em pedra calcária. Desta maneira o carbono retorna para suas reservas

inorgânicas na biosfera terrestre.

2. Ciclo do fósforo

Figura 2 - Ciclo do Fósforo

Fonte: <http://www.photographia.com.br/gerais.htm>, disponível em 16/09/2005

O ciclo do Fósforo, de maneira análoga ao ciclo do carbono, inclui os diversos depósitos do

respectivo elemento no planeta terra, além de sua movimentação através dos eventos

orgânicos e inorgânicos. Ao longo deste ciclo, o fósforo também poderá assumir formas

inorgânicas e orgânicas, inclusive como parte da biomassa dos seres vivos.

16 [Kormondy, 1984, p. 57]

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Porém, ao antagonicamente ao ciclo do carbono, o ciclo do fósforo na categoria dos ciclos

sedimentares, nos quais os depósitos de nutrientes estão espalhados pela crosta da terra

(litosfera), e não ciclam na atmosfera em formas gasosas 17. Nesses ciclos, a distribuição e

a oferta disponível do elemento podem variar drasticamente, e inclusive se estagnar, pois

há a tendência de que uma quantidade constante destes elementos seja varrida para o

fundo dos oceanos, conseqüentemente se tornando inacessível para a maioria dos seres

vivos 18.

O fósforo é liberado no ambiente a partir do intemperismo das rochas fosfatadas, pela ação

das chuvas, ventos, sol, neve e da ação das raízes das plantas 19. Neste momento, o

fósforo se apresenta como um sal em solução, dissolvido nos rios, lagos e lençóis

freáticos, e pode ser absorvido pelas raízes das plantas.

Nos ecossistemas, o fósforo possui um papel essencial, e muitas vezes a sua escassez se

transforma em um fator limitante para o desenvolvimento dos seres vivos do local. Por

exemplo, nenhum tipo de proteína é possível de ser formada sem conter fósforo em sua

composição 20. Comumente o fósforo é um fator limitante dentro de um ecossistema, o que

pode ser corroborado pela constatação de que a concentração de fósforo nos seres vivos

tende a ser consideravelmente maior do que no ambiente circundante 21.

As plantas requerem fósforo inorgânico para sua nutrição, tipicamente íons de

orthofosfato22. A falta de fósforo causa uma baixa produtividade nas plantas 23, aplicando

ao ecossistema uma restrição do tipo “bottom-up”, pois os consumidores dos demais níveis

tróficos vão ter que se restringir ao montante de biomassa produzido pelos produtores

primários afetados.

Ao longo da cadeia trófica, parte do fósforo é utilizada para a formação de ossos e dentes,

e outra quantidade é excretada. Estas são as principais fontes de eliminação do fósforo ao

longo da cadeia trófica 24.

17 [Pringle, 1971, p. 91] 18 [Kormondy, 1984, p. 49] 19 [Pringle, 1971, p. 102] 20 [Pringle, 1971, p. 102] 21 [Kormondy, 1984, p. 69] 22 [Kormondy, 1984, p. 69] 23 [Pringle, 1971, p. 102] 24 [Kormondy, 1984, p. 70]

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Uma parte do fósforo que se desprende das rochas, adicionado ao fósforo que vem dos

seres vivos, é encaminhado para o fundo de lagos e mares, formando rochas sedimentares

que demoram milhões de anos para se formar 25. Com as movimentações tectônicas e

mudanças hidrológicas, alguns desses depósitos retornam ao ambiente terrestre, podendo

ser utilizados como novas fontes para suprir o ciclo do fósforo, conforme esta reserva for

atacada novamente pelo intemperismo 26. Ademais, a maior parte do fósforo utilizado em

fertilizantes, no mundo, é extraído de pedreiras de rochas fosfatadas 27.

2.2 O CICLO DO FÓSFORO NOS ECOSSISTEMAS LÊNTICOS

O ciclo do fósforo, em qualquer ambiente aquático, pode ser esquematizado da seguinte

maneira 28:

O fósforo inorgânico, normalmente como orthofosfato, facilmente se dissolve na água. Já o

fósforo orgânico particulado ocorre na forma de protoplasma vivo ou morto, sendo insolúvel

e ficando em suspensão. Por último, o fósforo orgânico dissolvido é aquele derivado dos

processos de excreção e de decomposição. Assim, a quantidade disponível de fósforo em

um ecossistema corresponde a estes três momentos acima descritos, somados ao fósforo

encontrado nos substratos de sedimentos e rochas. 29

As plantas macrófitas aquáticas enraizadas absorvem fósforo da camada de sedimento

dos lagos, e em muitos casos, também diretamente pela superfície foliar. Em seqüência à

absorção, as dinâmicas de crescimento e senescência dessas macrófitas determinam as

25 [Pringle, 1971, p. 103] 26 [Pringle, 1971, p. 103] 27 [Pringle, 1971, p. 104] 28 [Kormondy, 1984, p. 70] 29 [Kormondy, 1984, p. 70]

Fósforo Inorgânico

Fósforo Orgânico

Particulado

Fósforo Orgânico

Dissolvido

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taxas de retorno de nutrientes ao meio aquático, pela decomposição de sua matéria

orgânica. 30

Após ter entrado na cadeia trófica de nutrientes, o fósforo pode ser reaproveitado a partir

da cadeia de decomposição. Constata-se que a maior parte do processo de reapropriação

de fosfato dentro dos ecossistemas, assim como de muitos outros nutrientes, é feito por

protozoários aquáticos 31.

A absorção física do fósforo por sedimentos e pelo solo tem papel importante no controle

da concentração de fósforo dissolvido nos ecossistemas aquáticos, e também no

terrestre32. Outra forma de redução da quantidade de fósforo em ambientes aquáticos é

pela sedimentação, através da combinação do fósforo com cátions de alumínio, cálcio,

ferro e magnésio, formando compostos insolúveis que acabam por se precipitar 33. O

processo de denitrificação das águas também estimula o aumento da precipitação do

fósforo 34. Enfim, devido as duas primeiras formas de absorção de fósforo, estima-se que

apenas 0,5% das descargas de fósforo nos rios e lagos cheguem a ser incorporadas por

peixes e por aves pescadores 35.

Para se estudar a taxa de utilização (turnover) do fósforo em um ecossistema aquático

lêntico, pode-se marcar diferentes amostras de água com fósforo radioativo (32P), na forma

de orthofosfato inorgânico, e medir progressivamente o processo de incorporação desse

fósforo 36. Por exemplo, se foram introduzidas 100 unidades de fósforo radioativo, e depois

de um minuto, só restaram 90, então a taxa de utilização do fósforo inorgânico é de

10%/minuto. O período decorrido na utilização completa do fósforo será denominado como

turnover time. O período de turnover, em lagos saudáveis de água doce, costuma ser de

apenas alguns minutos 37; o que é muito mais rápido que o período de turnover em

ecossistemas marinhos (algumas horas) e ecossistemas terrestres (podendo chegar a

mais de 200 anos) 38.

30 [Greco, 2002, p. 3] 31 [Kormondy, 1984, p. 69] 32 [Kormondy, 1984, p. 69] 33 [Kormondy, 1984, p. 70] 34 [Kormondy, 1984, p. 70] 35 [Kormondy, 1984, p. 70] 36 [Kormondy, 1984, p. 72] 37 [Kormondy, 1984, p. 72] 38 [Kormondy, 1984, p. 73]

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No decorrer do ciclo do fósforo de um lago, espera-se que uma quantidade pequena,

porém constante, continue sempre aportando na forma de fósforo inorgânico, seja pelos

seus afluentes, seja pelo ciclo interno do fósforo, descrito no início desta seção. Todavia,

pode ocorrer uma sobrecarga de fósforo em um lago, devido ao aporte exagerado causado

pelo uso demasiado de fertilizantes e detergentes fosfatados dentro da bacia hidrográfica

do corpo hídrico em questão. As fontes antrópicas desse aporte de fósforo podem ser de

origem difusa (como nas atividades de agricultura) ou pontual (efluentes urbanos ou

industriais) 39. Esse aporte é mais intenso nos períodos e momentos de chuva, pois esta

carrega do solo os resíduos dos fertilizantes utilizados na prática agropecuária 40. Quando

há um grande período de estiagem, o fósforo pode ficar se acumulando durante meses, até

que se uma forte chuva carrega todo esse excesso para os rios e lagos, de maneira

abrupta.

Como o fósforo é um elemento limitante do crescimento dos produtores primários, o

aumento da concentração de fósforo pode levar a uma explosão na taxa de crescimento

primário, como, por exemplo, um bloom de algas dentro do lago; em seguida, com a morte

dessa massa de algas, ocorre um superpovoamento de organismo decompositores, que

vão consumir a maior parte do oxigênio disponível na água. A queda de oxigênio pode

inclusive matar os peixes e outros seres vivos do ambiente aquático, causando um grave

impacto ambiental em cadeia dentro do ecossistema lêntico; esse fenômeno é comumente

chamado de eutrofização, e será abordada na seção subseqüente. Mesmo com a rápida

capacidade de estabilização do fósforo dentro dos ecossistemas lênticos, via

sedimentação, a chegada contínua de fósforo no lago pode comprometer o retorno do

equilíbrio ao sistema aquático.

39 [Greco, 2002, p. 13] 40 [Pinto-Coelho et al, 2005, p. 128; e Greco, 2002, p. 123]

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3. Balanço e Manejo do aporte de Fósforo e Carbono nos Lagos

Tropicais

3. 1 - EUTROFIZAÇÃO

O fenômeno de acúmulo progressivo de nutrientes nos lagos é chamado de eutrofização41.

Estes nutrientes são trazidos pelas chuvas e águas superficiais, que varrem a superfície

terrestre, e ao longo deste processo, o lago passa da condição inicial de oligotrófico (lago

pobres em nutrientes, e conseqüentemente, em algas) para uma condição de lago

eutrófico (alta concentração de nutrientes e grande densidade de algas) 42. Contudo, a

interferência das atividades humanas pode reproduzir esse processo natural em um

reservatório, ou acelerá-lo consideravelmente nos lagos naturais. Por ser um fenômeno

progressivo, seus efeitos podem demorar até anos para se manifestarem de forma

perceptiva 43.

O processo de eutrofização artificial pode ser induzido em um reservatório com fins de

potencializar a reprodução de peixes ou outro ser vivo aquático. Nestes casos, o aporte de

nutrientes é feito de maneira controlada, evitando o esgotamento do oxigênio dissolvido na

água. Contudo, durante as últimas décadas, a eutrofização artificial tem chamada bem

mais atenção como fenômeno de desequilíbrio ambiental nos lagos e reservatórios,

ocasionando prejuízos tanto para os ecossistemas quanto para atividades humanas.

Dentre os efeitos da eutrofização, estão 44: [1] o aumento da biomassa e da produção

primária do fitoplâncton, [2] o esgotamento do oxigênio na água (como já abordado na

seção 2.2), [3] diminuição da concentração de íons, [4] aumento das concentrações de

fósforo nos sedimentos, [4] aumento da freqüência de explosões de florescimento de algas

cianofíceas, além de [5] alterações significativas no pH em curtos períodos de tempo, [6]

aumento da concentração de gases (como metano e gás sulfídrico, produzidos pelas

bactérias decompositoras anaeróbicas que proliferam em águas com baixa oxigenação), e

[7] alterações na diversidade e na densidade de diversos organismos.

41 [Esteves, 1986, p. 59] 42 [Esteves, 1986, p. 57 e 59] 43 [Esteves, 1986, p. 59] 44 [Esteves, 1986, p. 60; e Tundisi, 1986, p. 53]

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Como efeito da eutrofização por sobre o ciclo do fósforo, a falta de oxigênio favorece a

liberação de íons de ortofosfato, que antes estavam na forma de sedimentos no fundo do

lago 45. O orthofosfato sobe até a zona eufótica do lago, podendo ser assimilado pelo

fitoplâncton, o que vai aumentar ainda mais o incremento da produção primária já

ocasionada pela eutrofização 46. De modo oposto, na ausência de déficit de oxigênio do

fundo do lago, o fósforo tente a se manter complexificado em sedimentos com Ferro e

outros metais 47. Outros fatores que também influenciam a disponibilidade do fósforo aos

organismos produtores são o pH, o tempo de residência da água, a temperatura, as

condições de oxi-redução, e a concentração de certos íons como o ferro 48.

Como prejuízos para as atividades humanas, podemos elencar a contaminação da água

por substâncias tóxicas provenientes de algas, as quais sofrem uma explosão populacional

devido ao aumento de nutrientes disponíveis. Também há perdas estéticas em lagos

urbanos, pela proliferação de plantas macrófitas (como os aguapés) 49 e por emissão de

odores fétidos. A proliferação de algas ocasiona um aumento da quantidade de

substâncias tóxicas e malcheirosas que pode tornar a água dos reservatórios imprópria

para fins de abastecimento urbano 50. A atividade pesqueira é prejudicada, pois os peixes,

que primeiramente se reproduziam mais com aumento dos nutrientes, passam então a

morrer por falta de oxigênio, e também com o envenenamento por asfixia devido aos gases

metano e sulfídrico 51. Não se pode esquecer também da proliferação de doenças como

esquitossomose e malária, que se beneficiam do novo ambiente e podem afetar as

populações ribeirinhas (rurais ou urbanas) 52.

Pode-se reconhecer os estágios avançados de eutrofização artificial de ambientes

lacustres, pois é comum que nestes casos se observem as seguintes características 53: [1]

pouca profundidade, [2] coluna d’água com déficits de oxigênio, [3] baixa transparência da

zona eufótica, [4] organismos mortos flutuando na superfície, [5] “colchões” de algas à

deriva. Sabe-se que os reservatórios artificialmente construídos apresentam taxas muito

mais elevadas de eutrofização que os lagos naturais 54.

45 [Esteves, 1986, p. 60] 46 [Esteves, 1986, p. 60] 47 [Greco, 2002, p. 146] 48 [Greco, 2002, p. 146] 49 [Esteves, 1986, p. 59] 50 [Esteves, 1986, p. 60] 51 [Esteves, 1986, p. 60] 52 [Tundisi, 1986, p. 53] 53 [Esteves, 1986, p. 60; e Tundisi, 1986, p. 53] 54 [Stiling, 1996, in Greco, 2002]

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3.2 - ESTUDOS PRELIMINARES AO MANEJO DOS NUTRIENTES

Estudos básicos para a caracterização do aporte de fósforo e carbono em um lago ou

reservatório incluem a caracterização limnológica e o monitoramento da qualidade da água

no respectivo corpo hídrico 55, tanto das águas superficiais quanto das águas profundas 56;

se possível, o monitoramento deverá ser feito em tempo real 57. Também é importante a

avaliação de fontes pontuais e não pontuais de descarga destes nutrientes 58. Entre as

variáveis a serem observadas no reservatório e nos afluentes, é de bom modo incluir

parâmetro físico-químicos, como temperatura, transparência, condutividade elétrica,

oxigênio dissolvido, pH, turbidez, radiação fotossintética, sólidos em suspensão

(inorgânicos, orgânicos e totais), fósforo total, fósforo solúvel, íon amônio, íon nitrito e íon

nitrato, além de parâmetros biológicos como clorofila-a, composição e abundância de fito-

plâncton 59. A partir dessas informações, viabiliza-se a construção de um banco de dados

para armazenar as informações; esse banco de dados pode ganhar maior poder de gestão

caso seja implementado em uma plataforma SIG 60, a qual pode então articular

informações cartográficas e paramétricas de maneira integrada.

Para coleta do fósforo no reservatório, recomenda-se colhê-lo em filtros de fibra de vidro, e

em seguida o filtrado deve ser transferido para frascos de polipropileno seco, previamente

lavado com água deionizada 61. A determinação da quantidade de fósforo então é feita pelo

método colorimétrico tradicional 62. Determinada a quantidade de fósforo total e fósforo

solúvel, pode-se estimar a quantidade de fósforo particulado através da diferença entre os

dois primeiros 63.

No caso dos afluentes, a carga de um nutriente que aporta no reservatório deve ser

calculada através da concentração obtida na amostra recolhida, multiplicada pela vazão do

tributário 64. Determina-se o balanço de um determinado nutriente medindo a quantidade

que chega ao reservatório pelos efluentes, em determinado período de tempo, subtraído da

quantidade deste nutriente que é exportada do reservatório a partir de seu ponto de

55 [Tundisi, 2005, p. 12] 56 [Pinto-Coelho et al, 2005, p. 134] 57 [Tundisi, 2005, p. 7] 58 [Tundisi, 2005, p. 8] 59 [Pinto-Coelho et al, 2005, p.127, 132 e 133] 60 [Tundisi, 2005, p. 13] 61 [Pinto-Coelho et al, 2005, p. 134] 62 [Murphy & Riley, 1962, in Pinto-Coelho et al, 2005, p. 134] 63 [Greco, 2002, P. 24] 64 [Sendacz et al, 2005, p. 422]

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descarga 65. A partir disso, conclui-se se o reservatório é exportador ou retentor dos

nutrientes auferidos, e em que proporção.

Para se estudar sobre a origem histórica dos aportes de fósforo, carbono e outros

nutrientes e sedimentos, é possível se estudar perfis verticais de sedimentos depositados

no fundo do lago, os quais contaram a história das condições em que o ambiente aquático

está submetido no presente e também a que foi submetido no passado 66. Dentre os

componentes analisados no perfil, também se deve atentar para a concentração de

feopigmentos (produtos da degradação de clorofilas), pois é um forte indicador do grau de

eutrofização artificial 67.

Outro fator fundamental para se compreender o balanço de nutrientes em um lago é o

estudo da circulação da coluna d’água. Ocorre que os nutrientes tendem a se precipitar e

acumular-se nos fundos dos lagos. Com o fluxo de circulação da água do lago, parte

desses nutrientes retorna para a zona eufótica do lago (região em que a água ainda possui

luminosidade vinda da luz do Sol), podendo ser utilizada pelas algas, e assim ser

reincorporada nas cadeias tróficas 68. Nos lagos e reservatórios brasileiros de pequena

profundidade, a circulação total da água do reservatório ocorre a cada 24 horas, pela ação

dos ventos e durante o período da noite, já que durante o dia o lago se encontra com as

camadas estratificadas: devido às diferenças diurnas de temperatura entre o fundo e a

superfície, o vento não é capaz de vencer esta estratificação 69. Já nos lagos profundos

brasileiros, a ação do vento não é suficiente para vencer a estratificação e circular a água,

ao menos nas estações mais quentes (primavera, verão e outono) 70, portanto, só costuma

haver uma circulação dos nutrientes sedimentados durante o período do inverno. O

fenômeno de desestratificação de lagos e reservatórios profundos também costuma

coincidir a chegada de frentes frias 71.

Realizados os estudos de caracterização, é pertinente trabalhar com modelos integrados

de hidrodinâmica, eutrofização e transporte de sedimentos do reservatório 72. Estes

modelos permitem compreender melhor a dinâmica ambiental dos lagos, e viabilizam a

65 [Greco, 2002, p. 25] 66 [Esteves, 1986, p. 60] 67 [Esteves, 1986, p. 60] 68 [Esteves, 1986, p. 58] 69 [Esteves, 1986, p. 58] 70 [Esteves, 1986, p. 58] 71 [Tundisi, 2005, p. 9] 72 [Tundisi, 2005, p. 13]

Page 15: Os Ciclos Biogeoquímicos nos Lagos Tropicais

14

simulação de cenários futuros para a evolução do quadro do ecossistema aquático,

incluindo, é claro, os ciclos dos nutrientes como fósforo e carbono. Esses modelos e

cenários, aliados aos dados paramétricos que identificam quais são os afluentes que

acarretam maior aporte de nutrientes no reservatório, servirão como base para a escolha

dos métodos mais adequados de manejo do balanço destes nutrientes.

3.3 - GESTÃO REGIONAL DE RESERVATÓRIOS E LAGOS

A maneira mais racional para o controle do aporte de carbono e fósforo em um lago ou

represa é o manejo integrado da bacia hidrográfica que desemboca no respectivo corpo

hídrico. A partir de um estudo da diversidade das ações humanas neste território, pode-se

planejar um processo de gestão das atividades produtivas, de maneira a diminuir os

prejuízos ambientais. Devido à interação com atividades humanas urbanas, agropecuárias

e industriais, este manejo alça a uma esfera político-social, em que a gestão deve ser

corroborada por órgãos públicos, população civil e forças produtivas.

Essa gestão dos reservatórios deve ser integrada ao Sistema Nacional de Recursos

Hídricos - SNRH, através de contato com os comitês de bacia hidrográfica locais (ou

instituição competente). Dentro do SNRH, regulamentado pela lei federal 9.433 - 1997,

estabelecem-se os órgãos competentes para a gestão de recursos hídricos, e os

instrumentos através dos quais essa gestão será aplicada. Dentre estes instrumentos está

[1] a outorga pelo uso da água (que autoriza ou não a utilização de certa quantidade de

água para cada uso pontual), [2] a cobrança pelo uso da água (cobrando mais tanto de

quem utiliza mais água, quanto de quem a polui), [3] o Sistema Nacional de Informações

de Recursos Hídricos, (com informação sobre os corpos d’águas e sobre as tecnologias de

gestão), dentre outros instrumentos. Os municípios em que passa a rede de drenagem do

reservatório também têm um importante papel em gerir a ocupação e as atividades

humanas na região, tendo como instrumento principal os planos diretores municipais,

(instituídos pela lei federal 2.257 - 2001) que regulamentam as diretrizes e restrições para

a ocupação do território municipal.

Para essa gestão regional, é preciso antes estudar a bacia hidrográfica que desemboca no

reservatório, identificando quais são os processos naturais e as atividades humanas que

Page 16: Os Ciclos Biogeoquímicos nos Lagos Tropicais

15

influenciam o aporte de nutrientes no corpo hídrico 73. Sistemas Informação Geográfica

(SIG) são uma ferramenta importante para organização e análise das informações obtidas

durante este estudo, por permitirem uma visualização espacial dos dados coletados e por

possuírem ferramentas especiais de análise de grandes quantidades de informação. Em

vias disso, cada ponto de medição de variáveis químicas e biológicas auferidas deve ser

demarcada com um sistema de posicionamento global de satélites (GPS) 74.

Nessa gestão regional, pode ser eficaz lançar mão de campanhas de educação ambiental,

tendo como objetivo ganhar apoio populacional sobre as questões ambientais, informar

sobre os efeitos das atividades humanas sobre o ecossistema, e induzir a hábitos

ambientalmente sustentáveis. Entre as campanhas ambientais, se incluem auditorias

públicas abertas à população, para a discussão de assuntos tocantes à gestão dos lagos e

reservatórios, e também a realização de seminários com as prefeituras e entidades

relevantes para o contexto do reservatório ou lago 75.

Os principais contribuintes para o aporte de fósforo e de biomassa nos lagos e

reservatórios são as descargas pontuais de esgoto provenientes de núcleos urbanos,

efluentes advindos de fábricas e a atividade agropecuária (especialmente pela lixiviação

dos fertilizantes aplicados no solo e nas plantas). A agricultura apresenta-se como a

principal fonte difusa do nitrogênio alóctone presente no corpo d`água, advindo

principalmente da lixiviação dos fertilizantes aplicados sobre a lavoura 76. Calcula-se que a

perda de fertilizantes na lixiviação nas atividades agrícolas seja da ordem de 20% 77. Em

amplo espectro, se observarmos do ponto de vista econômico, também se pode dizer que

a atividade da pecuária aumenta a eutrofização dos corpos hídricos, visto que, para

produzir a ração demandada pelos animais, são utilizados cereais como matéria prima

principal; estes, por sua vez, necessitam da utilização de adubos para serem cultivados em

produção intensiva comercialmente viável. Isso sem contar no fertilizante utilizado

diretamente no pasto do gado, no caso das criações pecuárias semi-intensivas de alta

produtividade. No caso das fontes difusas, a preservação da mata ciliar ao redor dos

corpos d’água contribui para o a diminuição da entrada de material externo nos mesmos,

através da filtragem superficial e sub-superficial de nutrientes lixiviados do solo 78.

73 [Pinto-Coelho et al, 2005, p. 127] 74 [Pinto-Coelho et al, 2005, 127] 75 [Tundisi, 2005, p. 15] 76 [Kishi, 2001] 77 [Paralta et al., 2002] 78

[Lima & Zakia, 2000; Lima, 1989]

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16

3.4 - GESTÃO LOCAL DE RESERVATÓRIOS E LAGOS

Também há ações específicas que podem ser postas em prática no reservatório e em seu

ambiente imediatamente próximo. A maioria destes métodos tem como objetivo reduzir a

entrada de nutrientes, ou então procurar eliminá-los, e até condicioná-los em formas mais

estáveis que não permitam a sua circulação imediata no ciclo biogeoquímico dos

respectivos elementos. Os seguintes processos podem ser utilizados para o manejo dos

nutrientes do reservatório 79: a) renovação do hipolímnio, b) renovação do sedimento de

fundo, c) diminuição do tempo de residência da água, d) isolamento químico do sedimento.

Dentre as técnicas utilizadas, incluem-se 80: [1] a retirada da vegetação original antes da

construção de um reservatório ou lago artificial, [2] construção de sistemas de transferência

de água entre reservatórios e/ou efluentes, [3] o manejo de plantas aquáticas flutuantes, [4]

o tratamento dos efluentes, [5] controle biológico da eutrofização, [6] manipulação da altura

da saída de água dos reservatórios, [7] retirada da águas profundas para irrigação e [8]

implementação de sistemas de aeração do hipolímnio e do epilímnio.

A construção de canais para desviar a aporte de efluentes carregados de agentes

eutrofizantes é um procedimento interessante, quando for possível transpor a água de um

efluente para um outro canal com maior circulação e menor tempo de residência da água;

afinal é um procedimento de relativamente baixo custo e manutenção 81. De maneira

análoga, também é possível transpor água de algum curso d'água próximo para um

reservatório, para compensar a perda de águas, e diminuir a concentração proporcional

dos nutrientes. Esse foi o caso da transferência de água do braço Taquacetuba para a

represa Guarapiranga, na região metropolitana de São Paulo 82.

O uso de aguapés para absorver o excesso de nutrientes se tornou uma prática tradicional,

porém tem ocasionado muitos efeitos trágicos; principalmente porque, depois que

absorverem os nutrientes, os aguapés completam seu ciclo de vida e se transformam em

matéria orgânica morta, a qual será utilizada novamente no ciclo da eutrofização. Um

manejo correto dos aguapés deve incluir um meio de retirá-los do lago assim que terminam

sua fase de crescimento e reprodução. Questiona-se também que a quantidade de

nutrientes que os aguapés conseguem retirar de um lago é muito inferior à quantidade de

79 [Tundisi, 1986, p. 53] 80 [Esteves, 1986, P. 61; e Tundisi, 1986, p. 53; Tundisi, 2005, p. 8 e 9] 81 [Esteves, 1986, p. 61] 82 [Tundisi, 2005, p. 8]

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17

nutrientes aporta no ecossistema aquático, mesmo em lagos de pequeno porte 83. A

proliferação descontrolada de macrófitas aquáticas causa prejuízos econômicos como a

diminuição de água potável, de áreas de lazer, o impedimento da navegação e problemas

na alimentação das turbinas de usinas hidroelétricas 84.

Fonte: <http://www.ufscar.br/~probio/i_eichhornia.jpg>, disponível em 16/09/2005

As estações de tratamento de efluentes (ETE`s) são o método mais adequado e eficiente

para o controle do aporte de nutrientes vindos de um rio que sofre despejos de esgoto

urbano e industrial (fontes pontuais de poluição) 85. Esse tratamento consiste na fase

primária (mecânica, como a filtração e sedimentação), secundário (biológico, como a

decomposição aeróbia ou anaeróbia) e terciário (químico, como o uso de indutores de

sedimentação). Para controlar a quantidade de fósforo em um lago, pode-se utilizar o

componente químico Estruvita, ou sulfatos de Ferro e Cálcio 86, que se combinam com o

fósforo e acarretam na sua precipitação. A estruvita pode ser incorporada nos sistemas de

tratamento de esgoto urbano, como um tratamento terciário. O sedimento da estruvita com

o fósforo pode ser utilizado potencialmente como adubo. Vis a vis, o tratamento por via da

estruvita não é financeiramente viável no controle do aporte de fósforo das atividades agro-

pecuárias, pelo fato das descargas serem difusas ao longo de uma grande área.

83 [Esteves, 1986, p. 61] 84 [Greco, 2002, p. 61] 85 [Esteves, 1986, p. 61] 86 [Bebby & Brennan, 1997, p. 161]

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18

Estação de Tratamento de Esgoto em Suzano - Região Metropolitana de São Paulo/SP

Fonte: <http://www.sabesp.com.br/imagens/jpg/ete_suzano.jpg>, disponível em 16/09/2005

O controle biológico da eutrofização, também chamado de biomanipulação de

reservatórios, é um processo novo, ainda em fase de desenvolvimento, que consiste na

introdução de predadores seletivos, visando predar organismos específicos da cadeia

trófica e assim interferir no ciclo eutrófico 87. Por exemplo, ao se introduzir predadores

como o zooplâncton herbívoro, consegue-se aumentar a predação por sobre o fitoplâncton,

forçando a sua renovação. Outros exemplos de biomanipulação é a introdução de peixes

herbívoros e/ou limpadores de fundo de lagos, como o Abrama bramis, e também do

molusco de água doce Dreissena, que se alimenta de cyanobactérias 88. Da mesma

maneira, pode ser viável a introdução de peixes que se alimentam de macrófitas aquáticas,

para o controle delas nos lagos e reservatórios 89. Tanto introdução do zooplâncton, peixes

herbívoros e do Dreissena procuram exercer uma limitação de cima-para-baixo (up-down)

por sob o nível trófico dos produtores primários, ao mesmo tempo que podem constituir

mais alimento para os predadores dos níveis tróficos mais altos.

As descargas de água de diferentes níveis de profundidade do reservatório podem a

princípio parecer uma alternativa para a diminuição da quantidade de nutrientes na água

(caso se retire água de uma camada estratificadas que apresentam maior densidade

destes nutrientes). Contudo, o mero efeito de uma grande onda de água “podre” descendo

pelo curso d'água a jusante do reservatório pode constituir um desastre ambiental.

Portanto, as descargas de fundo devem adotar um procedimento e medidas de controle

adequados, que tenham em vista a manutenção da qualidade da água para seus usos a

jusante do reservatório.

87 [Tundisi, 1986, p. 53] 88 [Beeby & Brennan, 1997, P. 161] 89 [Greco, 2002, p. 149]

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19

Recentemente, têm-se começado a utilizar a água de profundidade de reservatórios e

lagos eutróficos para a irrigação em regiões próximas 90. Essa água de profundidade é rica

em nutrientes, como o carbono, fósforo e nitrogênio, e forma um excelente adubo

complementar, além de ajudar a extrair o excesso destes nutrientes do ciclo aquático. Para

a retirada deste efluente de profundidade, pode-se usar os “sugadores de lama”

(mudsuckers), que são bombas sugadoras flutuantes, especializadas em retirar o material

profundo de corpos d’água 91.

4. Conclusões

O carbono e o fósforo são nutrientes essenciais para a manutenção dos processos vitais

nos ecossistemas. Contudo, as atividades humanas têm causado um acúmulo destes

nutrientes em lagos e reservatórios, em uma medida que pode comprometer a viabilidade

de adaptação dos seres vivos pertencentes ao ecossistema local. A delimitação do balanço

do fósforo e do carbono, e de seus impactos no ecossistema lêntico, depende de uma série

de estudos prévios, dentre os quais alguns foram abordados neste trabalho. Para contornar

essa situação de desequilíbrio, a melhor estratégia é conjugar uma prática contínua de

gestão local do reservatório, aliada a um movimento de gestão regional da bacia

hidrográfica em que está inserido o lago ou reservatório em questão.

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Kormondy, Edward J. - Concepts of Ecology - 3º ed., Printice-Hal, New Jersey, 1984. 297

p.

90 [Tundisi, 1986, p. 53] 91 [Beeby & Brennan, 1997, p. 161]

Page 21: Os Ciclos Biogeoquímicos nos Lagos Tropicais

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