OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUAS … · CEIVAP Comitê para Integração da Bacia...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O GERENCIAMENTO DOS RECURSOS HÍDRICOS ANA CAROLINA CASTRO FERNANDES matrícula nº: 099107247 ORIENTADOR(A): Prof. Valéria da Vinha ABRIL 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS ESUAS IMPLICAÇÕES PARA O GERENCIAMENTO

DOS RECURSOS HÍDRICOS

ANA CAROLINA CASTRO FERNANDESmatrícula nº: 099107247

ORIENTADOR(A): Prof. Valéria da Vinha

ABRIL 2002

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

OS COMITÊS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS ESUAS IMPLICAÇÕESPARA O GERENCIAMENTO

DOS RECURSOS HÍDRICOS

__________________________________

ANA CAROLINA CASTRO FERNANDESmatrícula nº: 099107247

ORIENTADOR(A): Prof. Valéria da Vinha

ABRIL 2002

As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do(a) autor(a)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me dado todas as oportunidades, e por ter me capacitadopara fazer este trabalho.

Agradeço também a minha família por ter me apoiado em tantos anos de estudo.

À minha orientadora, Profa. Valéria da Vinha, por toda a paciência e disponibilidadeque teve comigo.

Ao Luiz Carlos Soares, pela ajuda na indicação de livros e materiais relacionados aotema.

RESUMO

Muitos acreditam que somente os recursos naturais não renováveis podem seextinguir, o que não corresponde à realidade. Usados de maneira indevida, osdemais recursos também podem chegar à exaustão. Em 1987, surgiu com oRelatório Brundland o conceito de desenvolvimento susten tável, gerando assim umamudança em relação ao tratamen to dado aos recursos naturais de uma forma geral.A preocupação com a herança ambiental que será deixada para as gerações futurasmudou a visão conservadora que se tinha da gestão dos recursos naturais. Estespassaram a ser bens econômicos, ou seja, escassos e por isso devem ser alocados damaneira mais eficiente possível pela sociedade.

Contudo, sendo a água um bem necessário à sobrevivência de todos os seresvivos, não pode se transformar em uma simples mercadoria. É necessário que hajaética na adminis t ração desses recursos, para que o seu acesso seja garantido atodos.

Apesar de deter grande parte do volume de água doce - sabe - se que aAmazônia contribui com 15% do volume de água disponível no mundo (TUCCI,2001) - , o Brasil ainda não o gerencia de maneira correta, seja do ponto de vista doaproveitamen to e das formas de exploração susten táveis, seja em relação aofornecimento de sistema de água e esgoto. Com o propósito de melhorar autilização dos recursos hídricos surgiu em São Paulo e no Rio Grande do Sul ummovimento baseado no modelo francês de gerenciamen to de comitê de baciahidrográfica. Neste modelo, todas as camadas da sociedade são envolvidas eparticipam do fórum de discussão, o que resulta em uma maior transparência parao processo de decisão e uma maior credibilidade por parte da população. A partirdessa experiência, foi criada a Lei N.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997, maisconhecida como a Lei das Águas, que instituiu no Brasil a criação dos Comitês deBacia Hidrográficas como forma de gerenciamen to dos recursos hídricos .

A criação dos Comitês permitiu que, além do governo, a sociedade civil e osempresários pudessem participar do plano de gestão desses recursos. Caberessal tar que os Comitês não são delimitados a partir das fronteiras geográficas,sejam elas municipais, estaduais, ou federais. A referência territorial do Comitê é aBacia Hidrográfica, independen te de sua extensão. Justamente por isso, porcontrariar a ordem territorial vigente, é um fator gerador de conflitos, pois namaioria das vezes uma bacia pertence a mais de um território administ ra tivo,pertencendo em alguns casos a mais de um país, o que torna mais difícil conciliaros interesses diversos e chegar a um consenso.

[Página opcional]

SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES

CEEIBH Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas

CEIVAP Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul

CNRH Conselho Nacional de Recursos Hídricos

MMA Ministério do Meio Ambiente

PNRH Política Nacional de Recursos Hídricos

SIRH Sistema de Informações de Recursos Hídricos

SNGRH Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

SNRH Sistema Nacional de Recursos Hídricos

SRH Secretaria de Recursos Hídricos

ÍNDICE

INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................8

CAPÍTULO I – A ORIGEM DO PROBLEMA DA SUSTENTABILIDADE.............................................10

I.1 – ÁGUA E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ......................................................................................................12 Para que seja feito o manejo sustentável é importante identificar quais são os fatores quelimitam ou que possam vir a limitar a oferta de água. Assim, algumas ações a seremtomadas são funda men tais para melhorar a quantidade e a qualidade de água, como, porexemplo, o desenvolvimento de programas de educação ambiental com foco nos recursoshídricos enfatizando sua importância para a saúde e para a produção, incentivar estudoscientíficos e tecnológicos sobre esses recursos; ter uma legislação voltada para a questão dagestão da demanda e da oferta de recursos hídricos, evitar a contaminação dos lençóisfreáticos por substâncias tóxicas, entre outros....................................................................................14I.1.1 – Variações na quantidade e na qualidade de água ................................................................14

CAPÍTULO II – O USO DE BENS E SERVIÇOS NA ÓTICA NEOCLÁSSICA.....................................16

CAPÍTULO III - A ÉTICA NO USO DA ÁGUA DOCE............................................................................20

III.1 –A ÁGUA COMO PROBLEMA ÉTICO ......................................................................................................................20III.2 – A DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ..............................................................................................................................22

CAPÍTULO IV – MODELOS DE GESTÃO HÍDRICA................................................................................25

IV.1- A EXPERIÊNCIA FRANCESA..............................................................................................................................28

CAPÍTULO V – ASPECTOS RELEVANTES SOBRE AS BACIAS HIDROGRÁFICASBRASILEIRAS.....................................................................................................................................................31

V.1 - ASPECTOS FÍSICOS..........................................................................................................................................31 V.1.1 – Características das Bacias..........................................................................................................32

V.2 - QUALIDADE DA ÁGUA....................................................................................................................................33V.3 BALANÇO E SITUAÇÕES CRÍTICAS E EXTREMAS.........................................................................................................34V.3 ASPECTOS SOCIAIS...............................................................................................................................................35

CAPÍTULO VI – LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.............................................................................................37

VI.1 - HISTÓRICO DA GESTÃO DE ÁGUAS NO BRASIL..................................................................................................37VI.2 – A POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS..............................................................................................38VI.3 - O SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS..................................................................39VI.4 - INFRAÇÕES E PENALIDADES ............................................................................................................................41

CAPÍTULO VII – ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE COMITÊS NO BRASIL..........................................42

VII.1 – COMITÊ SINOS .............................................................................................................................................42VII. 1.1 – Aspectos Gerais ...........................................................................................................................42 VII.1.2 – Histórico do Comitê ....................................................................................................................44 VII.1.3 – Organização do Comitê ............................................................................................................48

VII.2 - O CEIVAP.......................................................................................................................................49 VII.2.1 – Aspectos Gerais ...........................................................................................................................49 VII.2.2 – Histórico do CEIVAP...................................................................................................................51 VII.2.3 – Organização do Comitê ............................................................................................................52

CONCLUSÃO......................................................................................................................................................53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................................56

INTRODUÇÃO

Sabe- se que dois terços do Planeta Terra é constituído de água. Estima-

se que o volume total deste recurso seja de 1,4.10 9 Km 3. Porém, somente 2,5%

deste total pode ser considerado água doce, sendo que 69% estão contidos nas

calotas polares e nos aqüíferos subterrâneos profundos, restando um estoque

de 11.10 6 Km 3. 1

Os recursos superficiais gerados no Brasil2 representam 50% do total

dos recursos da América do Sul, e 11% dos recursos mundiais. É fato que o

País tem um enorme potencial hídrico, o que faz parecer absurdo discutir o

problema da escassez. No entanto, esta fartura brasileira é muito mal

distribuída, tanto socialmente quanto geograficamente.

“Como pode ter problemas um país que tem água? Como nós,

brasileiros, a estamos tratando?’ Ao que ele mesmo responde: ‘ É

muito aflitivo comprovar que a estamos tratando muito mal. A

administração dos recursos hídricos é um setor para o qual não

podemos adiar ações concretas. (...) A escassez, em algumas áreas do

Brasil e do mundo, não nos permite postergar medidas para

estabelecer o uso racional dos recursos disponíveis” (FELICIDADE:

2001).

A falsa impressão dada pelo volume da água, e a crença de que este é

um recurso renovável sem possibilidade de exaustão, contribuem para o

descaso com o trato da água. A gravidade do problema em âmbito mundial é

tão grande que o Banco Mundial, em 1992, já alertava para a dificuldade de

aproveitamento de novas fontes de suprimento a partir de águas superficiais.

Estimativas mostram que os investimentos necessários para atender o

abastecimento de água futuro e o esgotamento sanitário para a população

1 Shiklomanov (1993) apud REBOUÇAS, Aldo, et al. Águas Doces no Brasil: Capital ecológico,uso e conservação.1 ª edição. São paulo: Escrituras editora, 1999.2 Estima- se que o volume de águas superficiais gerados no Brasil seja da ordem de 168.870 m3/s.

urbana nos países em desenvolvimento poderá atingir US$ 500,00 por

habitante. 3

“A busca de soluções para o problema hídrico deve passar,

fundamentalmente, pela crítica ao padrão de desenvolvimento, isto é, à forma

de apropriação dos objetos geográficos e naturais que o Brasil historicamente

distribui mal .” (FELICIDADE: 2001). Grande parte dos impactos ambientais

atuais é fruto de uma sociedade estruturada em classes polarizadas, que não

dá o mesmo direito de acesso e uso dos recursos para todos. Pode- se dizer

que é uma degradação não só ambiental, mas, também, social. Um dos

melhores caminhos para evitar, e reverter, a degradação ambiental é colocar

em contato os direitos humanos e as perspectivas ambientais.

3 Seckler (1996) apud REBOUÇAS, Aldo, et al. Águas Doces no Brasil: Capital ecológico, uso econservação.1 ª edição. São paulo: Escrituras editora, 1999

CAPÍTULO I – A ORIGEM DO PROBLEMA DA SUSTENTABILIDADE.

Atualmente, a população mundial vem crescendo em um ritmo muito

rápido, e junto com este crescimento ocorreu em paralelo, o aumento da

demanda por recursos naturais e materiais. Constata - se, também, que apesar

da demanda média por recursos ter aumentado, grande parte da humanidade

vive em estado de completa pobreza.

Segundo uma pesquisa feita pelo Centro de Ecologia e Biologia da Grã

Bretanha o Brasil se posicionou em 50o no ranking que avaliava as condições

da água em todo o mundo. Coincidentemente ou não, o fato é que dos dez

países com mais dificuldade de acesso à água, nove localizam - se no

continente mais pobre do planeta: a África. Além de possuir regiões muito

secas, e precárias condições sanitárias, ostenta ainda índice elevado de

analfabetismo e governos ditatoriais. Por outro lado, os que ostentam os

melhores indicadores são, em geral, países ricos, embora a riqueza não gera,

necessariamente, uma boa administração dos recursos hídricos, pois Japão e

EUA apresentaram posições intermediárias e segundo Caroline Sullivan, uma

especialista que participou da pesquisa, isto ocorre porque esses países não

são tão eficientes no uso da água, e investem mais em abastecimento as

indústrias do que a própria população. A pesquisadora também acredita que

nos próximos 25 anos a água vai se tornar uma commodity tão valiosa quanto

o ouro.

Entre a década de 50 e 60, o crescimento econômico era visto como a

solução para a pobreza. Sem o crescimento econômico, a redistribuição de

riquezas seria a solução para a pobreza generalizada. No entanto, esta solução

é geradora de conflitos, já que o grupo detentor de mais recursos não está

disposto a perder parte do que possui para que todos atinjam um mesmo

patamar. Assim, “o crescimento econômico aumenta o tamanho do bolo, com

bolo suficiente, é possível dar a todos ao menos uma fatia decente, sem ter que

reduzir o tamanho das fatias maiores” (PERMAN et ali:1999). Desta forma, até

os anos 90, persistiu a idéia de que era impossível separar crescimento

econômico de desenvolvimento.

Porém, atualmente, vem sendo bastante questionado até onde o sistema

econômico global pode continuar a crescer sem esgotar os sistemas naturais.

É fato que a base de recursos naturais é limitada e depende de uma infinidade

de relações que constituem o ecossistema. Fazendo um paralelo à comparação

de Perman, é como se os ingredientes necessários para fazer crescer o bolo

acabassem, ou começassem a faltar no supermercado.

Outro ponto que vem sendo bastante debatido é o aumento progressivo

do padrão de consumo do Norte. Segundo Vinha (2000), um diagnóstico do

Banco Mundial mostrava grande preocupação com a extensão deste padrão

para o Sul, local onde se encontram as maiores reservas naturais, pois existe

um elevado risco de comprometer a capacidade de uso e recuperação dos

recursos naturais. Com este cenário, surge no Sul uma necessidade de

redirecionar o desenvolvimento para um modelo de crescimento econômico

ambientalmente sustentável.

Desta maneira, nasce o impasse da sustentabilidade: como reduzir a

pobreza sem que o crescimento econômico afete a base de recursos naturais

de forma que os ecossistemas possam se manter.

Contudo, quais são os parâmetros que definem o desenvolvimento

sustentável? Este termo ganhou amplos contornos, e existem atualmente

diversas definições para ele. Isso porque este conseguiu romper as barreiras

acadêmicas e entrou no discurso popular dificultando assim o

estabelecimento de parâmetros. No entanto, a sua definição mais difundida é

a desenvolvida pelo Relatório Brundtland, ou Relatório Nosso Futuro Comum,

que em resumo diz que o desenvolvimento é sustentável “quando provê as

necessidades da geração atual sem comprometer a habilidade de que as futuras

gerações possam prover as suas”. Segundo Vinha (2000), este conceito falha ao

“defender o princípio neoliberal da valoração econômica, baseada na crença de

que defeitos na alocação de recursos poderiam ser corrigidos através de

taxações .”

O ato de associar um valor aos recursos ambientais decorre da

“mercadorização” dos fatores de produção. Conforme apontado por Karl

Polanyi, trabalho, terra e dinheiro não podem ser considerados mercadorias,

pois “o postulado de que tudo o que é comprado e vendido tem que ser

produzido para venda é enfaticamente irreal no que diz respeito a eles. (...)

terra é apenas outro nome para natureza, que não é produzida pelo homem ”.

(POLANYI:1980)

O meio ambiente não pode ser reduzido a um simples denominador

comum, pois ele é composto por inúmeras e complexas relações que não são

mensuráveis em termo de valor.Como ponderou Passet, “reduzir os desgastes

ambientais a simples custos de reposição ou tentar estimá- los através dos

preços que lhes atribuem os indivíduos é deixar de lado o essencial.” (VEIGA:

1993)

Neste sentido, pode- se perceber que ainda existem obstáculos a serem

ultrapassados pela Ciência Econômica no que tange aos limites para o uso dos

recursos naturais.

I.1 – Água e o Desenvolvimento Sustentável

Num contexto geral, a oferta de água é um fator fundamental tanto para

manutenção de ecossistemas naturais como para os ecossistemas produtivos.

Sendo assim, variações na oferta e na qualidade da água podem trazer sérias

conseqüências sociais e econômicas, caso afetem produções agrícolas,

abastecimento de cidades, hidrelétricas, e todas as demais atividades

dependentes deste recurso. (REBOUÇAS: 1999)

Nos ecossistemas produtivos, a análise de sustentabilidade poderá ser

feita tomando como base o balanço hídrico das bacias hidrográficas. Para que

seja mantida a sustentabilidade desses ecossistemas no longo prazo, é

necessário que haja avanços tecnológicos, mudanças nas estruturas

institucionais, mas, também, novos arranjos e acordos sociais, além da

implementação de mecanismos de proteção dos recursos naturais renováveis.

Logo a água é um fator limitante tanto para o desenvolvimento de

atividades econômicas como as do setor agrícola, do setor industrial, e do

setor de energia, quanto para o desenvolvimento da própria vida animal e

vegetal.

A sobrevivência humana depende do consumo contínuo e constante de

água para que sejam mantidos os seus processos vitais. Um homem precisa

de, no mínimo, dois litros de água por dia para sobreviver. Contudo, quando

se consideram as estruturas urbanas, onde além do consumo natural ainda

existe o consumo voltado para a higiene, esta média sobe para 100 a 200 litros

por dia por pessoa (REBOUÇAS: 1999). Podemos concluir, então, que as

gerações futuras terão, no mínimo, as mesmas necessidades que as gerações

atuais, fazendo - se necessário o manejo sustentável do recurso água.

Uma evidência que comprova a importância da água para a manutenção

da vida humana se encontra na História, pois as grandes civilizações, e os

grandes centros urbanos, precisavam da disponibilidade de água para se

desenvolverem. “O desenvolvimento da agricultura e da urbanização como

conseqüência na estrutura social ao longo da humanidade, está estreitamente

ligada à oferta de recursos hídricos” 4 A exemplo, podemos citar, os egípcios

em torno do Nilo, os Maias na península de Yucatan, os habitantes da

Mesopotâmia em torno dos rios Tigre e Eufrates, e no caso brasileiro, os

diversos povoados fundados por bandeirantes em torno dos diversos rios

brasileiros.

Com relação à escassez, surgem novos desafios como os custos do

desenvolvimento de novas fontes de suprimento de água, e combate ao

desperdício. O aumento da população, e como conseqüência das cidades, leva

a um aumento da demanda por abastecimento de água e esgoto sanitário. O

problema em torno do abastecimento de água é tão importante que o Banco

Mundial, em 1993, reconheceu a gravidade no relatório Gerenciamento de

Recursos Hídricos e adotou alguns procedimentos para melhorar o

gerenciamento da água a nível global, tais como incorporar o assunto nas

conversas periódicas que tem com cada país, ajudar os governos a formular

leis e regulamentos para o gerenciamento dos recursos hídricos entre outras

ações.

4 WHITMORE et ali, 1990, in Rebouças, Aldo.ob.cit.

No entanto, hoje, o fator limitante não é apenas a quantidade de água,

mas sim a qualidade desta que se encontra cada vez mais deteriorada nos

grandes centros urbanos com São Paulo e Rio de Janeiro. Na cidade do Rio de

Janeiro, um dos mais conhecidos cartões postais, a Baía de Guanabara,

encontra - se totalmente poluída, e são freqüentes as contaminações das praias

por esgoto urbano. Levando- se em conta que o Rio de Janeiro é uma cidade

com forte potencial turístico, tendo como principal atrativo as praias, fatores

como poluição e degradação ambiental afetam de maneira significativa esta

atividade, trazendo grandes perdas para a cidade.

Para que seja feito o manejo sustentável é importante identificar quais

são os fatores que limitam ou que possam vir a limitar a oferta de água.

Assim, algumas ações a serem tomadas são fundamentais para melhorar a

quantidade e a qualidade de água, como, por exemplo, o desenvolvimento de

programas de educação ambiental com foco nos recursos hídricos

enfatizando sua importância para a saúde e para a produção, incentivar

estudos científicos e tecnológicos sobre esses recursos; ter uma legislação

voltada para a questão da gestão da demanda e da oferta de recursos hídricos,

evitar a contaminação dos lençóis freáticos por substâncias tóxicas, entre

outros.

I.1.1 – Variações na quantidade e na qualidade de água

A quantidade e a qualidade da água podem sofrer alterações tanto de

causas naturais quanto de causas antrópicas. As causas naturais que alteram

o clima e, por conseguinte, a oferta de água, são as flutuações sazonais com o

El Niño e outras alterações climáticas. Percebe- se, assim, que a

disponibilidade de água de uma bacia hidrográfica depende do clima, assim

como de outras características biológicas e físicas dos ecossistemas que a

compõem.

São inúmeras as ações humanas que podem alterar o balanço hídrico,

com destaque para os desmatamentos, as construções de barragens, o manejo

indevido do solo e a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa. Desta

forma, é possível afirmar que “qualquer atividade que altere os fatores básicos

que determinam o balanço hídrico, influi na disponibilidade dos recursos

hídricos de uma bacia hidrográfica ” 5 . É um erro pensar que toda e qualquer

ação humana prejudica a oferta de água, pois já foram comprovados casos,

como a construção de açudes no Nordeste do Brasil, que melhoraram

consideravelmente a oferta de água.

No entanto, as ações prejudiciais se sobrepõem às ações de melhoria

como mostra o relatório da CETESB (1995): no estado de São Paulo percebe- se

que muitas das atividades ligadas à indústria, à agroindúst ria e à urbanização

são as principais responsáveis pela degradação da qualidade dos recursos

hídricos.

As variações de causa antrópica podem ser dividas em dois níveis:

variações locais e regionais, que são ações que afetam somente a oferta de

água de uma região; e variações globais que são ações que podem influenciar

na oferta de água de todo o planeta. Um exemplo disto é o efeito estufa, que

afeta o clima global provocando assim alterações no volume de água ofertado

mundialmente. Uma das causas que vem sendo apontada como responsável

por este fenômeno é o aumento contínuo dos gases do “efeito estufa” na

atmosfera. Foi constatado que o acúmulo desses gases aumentou

consideravelmente após a Revolução Industrial, e que este aumento está

ligado diretamente às ações antrópicas.

Logo, pode- se perceber que a questão da água não pode ser tratada

nem isoladamente, nem localizadamente, pois é um problema que afeta a

todos, sem exceção. O fato de o Brasil possuir um grande potencial hídrico

não significa que este recurso deva ser tratado com descaso, afinal a escassez

de água pode ser fonte de forte instabilidade social e política.

Historicamente, o Brasil tem um acesso não democrático à água, e um

passado de pouca preocupação com a degradação ambiental. Isto pode ser

percebido pelos ciclos econômicos pelos quais passou. Em sua grande maioria

os ciclos foram de forte exploração como o do pau- brasil, ouro, e borracha.

Na época colonial a preocupação com o abastecimento de água e saneamento

público era quase nenhuma. Do ponto de vista sanitário, quase não havia

ações empreendidas pelo governo colonial. As soluções relativas ao

abastecimento de água e evacuação dos dejetos ficavam sob a

5 SALATI. E, et ali, in REBOUÇAS, Aldo. ob.cit.

responsabilidade dos indivíduos (SILVA:1998) Iniciava- se uma segregação:

quem possuía recursos contratava escravos para levar os dejetos domésticos e

trazer água potável, quem não possuía ficava submetido ao precário

abastecimento local. A vinda da família real para o Brasil, em 1808, trouxe

grandes transformações na cidade, acarretando o aumento na demanda por

infra - estrutura urbana, continuando limitada, contudo, a uma pequena

parcela da população.

No período republicano, houve a reforma sanitária empreendida por

Oswaldo Cruz, que chegou até as camadas mais baixas da população. No

entanto, nos demais períodos a preocupação com a população de baixa renda

era muito pouca, e muitas vezes estava associada a interesses eleitoreiros.

CAPÍTULO II – O USO DE BENS E SERVIÇOS NA ÓTICANEOCLÁSSICA

Como já dito anteriormente, os recursos naturais são bens que não são

passíveis de serem produzidos pelo homem. Porém, quando passam a serem

tratados como bens, ou ativos ambientais, os recursos podem ser inseridos na

abordagem neoclássica de alocação eficiente. Nesta abordagem, a escassez

relativa de um recurso reflete de forma eficaz no sistema de preços de

mercado.

A alocação de recursos se daria mediante a manifestação da escala de

preferência do consumidor. Assim, de acordo com suas preferências os

consumidores podem ser mais ou menos sensíveis às variações na oferta do

produto. Nesta perspectiva, a questão do meio ambiente é percebida em

termos de alocação de bens entre agentes em função de suas preferências.

Porém, os ativos ambientais possuem a característica de bens públicos,

ou seja, o princípio da exclusão não pode ser utilizado, e o consumo é não

rival. “O caráter não rival dos bens faz com que seu consumo por um indivíduo

não implique, necessariamente, o não consumo de outrem, impedindo, assim,

que os consumidores manifestem suas preferências pelo referido bem por

intermédio de lances de mercado ” (FELICIDADE: 2001).

Desta maneira, os resultados do uso dos bens de domínio público

constituiriam externalidades, quer sejam elas positivas, quer negativas. As

externalidades podem ser definidas como sendo os efeitos gerados por um

agente econômico “A”, sobre o agente econômico “B”, afetando a função

utilidade e o equilíbrio de mercado. Uma externalidade negativa pode afetar o

equilíbrio tirando - o do seu ponto ótimo (Ótimo de Pareto). A poluição é um

exemplo de externalidade negativa que gera custos sociais, pois uma

população que é abastecida por um rio contaminado por um parque industrial

incorrerá em custos com medicamentos, exames e médicos, além dos custos

da despoluição do rio. Assim, quando um fato faz com que o equilíbrio de

mercado se afaste do Ótimo de Pareto, ele constitui uma falha de mercado.

Porém, é importante observar que para a Economia Ambiental

Neoclássica, a poluição é definida a partir de sua relação estrita com a

produção econômica. Ou seja, a existência física da poluição não significa que

esta possa afetar o sistema econômico.

Dada então uma situação onde a poluição física afete o equilíbrio, para

se restabelecer este equilíbrio é necessário que haja a internalização das

externalidades provocadas pelo agente poluidor. Pensando nisso, Pigou 6

desenvolveu a idéia da taxação das externalidades negativas (conhecida como

“taxa pigouniana”) a ser cobrada pelo Estado, correspondendo em valores

monetários à diferença entre o custo privado e o custo social (VINHA, 2000).

Este procedimento, denominado de princípio do poluidor - pagador, permite

corrigir assim as falhas de mercado, de forma que este possa continuar

funcionando em seu ponto ótimo. Deste modo, a degradação ambiental é

entendida como uma falha de mercado, isto é, como uma má alocação de

recursos.

Deve- se lembrar que os ativos ambientais são tratados como bens

públicos, ou seja, para a grande maioria dos recursos naturais não existe o

direito de propriedade. A ausência deste faz com que não haja pressão social

para que o agente causador das externalidades arque com os custos sociais. A

falta de pressão social ocorre porque é grande o número de indivíduos que

consomem, ou se utilizam, dos recursos naturais, dificultando assim

mobilizar e reunir interesses diversos e difusos: “Bens públicos são

prazerosamente usufruídos, porém somente a contragosto paga- se por sua

utilização ” 7

Por isso, os governos nacionais, responsáveis pela gestão dos bens

públicos, são co- responsáveis pelos problemas e conflitos gerados pela

degradação ambiental. Porém, a intervenção governamental também é

imperfeita no tocante à excessiva burocratização, e na não imparcialidade na

formulação das leis que podem beneficiar alguns setores, entre outros fatores.

Ao conjunto dessas falhas, dá- se o nome de falhas de governo ou falhas de

intervenção.

Logo, de acordo com a análise neoclássica, a maneira de enfrentar os

problemas relativos à escassez e à degradação ambiental, seria através do

equilíbrio de mercado, onde o Estado criaria as condições para o livre

funcionamento deste mercado, ao invés de regulá- lo.

6 Economista Arthur Cecil Pigou (1877- 1959)7 Altvater, E. O Preço da Riqueza apudVEIGA, José E. Reestruturação do Espaço Urbano eRegional no Brasil. São Paulo: Editora Anpur e Hucitec, 1993.

A análise neoclássica tem rendido muitas críticas, sendo uma das

principais a questão da internalização das externalidades. De acordo com essa

teoria, “a externalidade ambiental segue a lógica do mercado e não a da

natureza, ao passo que os processos industriais não são questionados nem em

sua natureza, nem na sua capacidade de adequação .” (VINHA: 2000)

O problema em atribuir valor aos ativos ambientais é que muito deles

são de difícil mensuração. Por exemplo, qual seria o valor atribuído ao ar puro

para a população de Cubatão em São Paulo, e para a população de Nova

Friburgo, no Rio de Janeiro? É verdade que a taxa poluidor - pagador possui

seus méritos, e pode ser considerada um avanço no que tange à preocupação

com o meio ambiente. Contudo, ela é um instrumento de solução transitório,

que no longo prazo pode ser forte gerador de conflitos já que sempre haverá

questionamentos sobre os valores atribuídos aos recursos naturais. Além

disso, a taxa a ser paga pode levar a um restabelecimento do equilíbrio de

mercado, mas não levará, necessariamente, ao restabelecimento do equilíbrio

ambiental.

Mesmo com todas as críticas existentes, a Economia Ambiental

Neoclássica fortaleceu - se e norteia, hoje, a maioria das políticas

governamentais para o meio ambiente. Com relação aos recursos hídricos, os

instrumentos mais utilizados no mundo têm sido os mercados de água e as

formas de cobrança pelo uso dos recursos hídricos, sendo este último

adotado na política de gerenciamento brasileira.

20

CAPÍTULO III - A ÉTICA NO USO DA ÁGUA DOCE

III.1 –A água como problema ético

A água é um dos recursos naturais que pode ser considerado como

denominador comum de toda a humanidade. Afinal, todos os povos e culturas

utilizam e precisam deste recurso para sobreviver. Por isso, afirma Selborne

(2002), “a água (...) tornou- se também um símbolo de eqüidade social, pois a

crise da água é, sobretudo, de distribuição, conhecimentos e recursos, e não de

escassez absoluta .” Por isso, deve- se levar em conta os princípios éticos na

tomada de decisões relativas aos recursos hídricos, já que as estratégias a

serem tomadas envolvem o problema de acesso e privação.

O fato de todos precisarem de água não justifica o uso desmedido e

indeterminado deste recurso. Deve- se priorizar, primeiramente, o acesso à

água que atenda as necessidades básicas humanas e a conservação dos

ecossistemas. Estando garantidas essas prioridades, ela pode ter outros usos

diversos, os quais devem ser reembolsados pela sociedade.

A política de preços deve envolver e levar em conta os interesses da

comunidade em questão. Desta forma, o contexto regulatório deve refletir os

interesses locais e ser desenvolvido obedecendo - se os limites hídricos

naturais, e não os limites administra tivos (SELBORNE, 2002). Nesta

perspectiva, os Comitês de Bacia Hidrográfica representam um grande avanço,

já que levam em consideração a bacia hidrográfica como unidade de

gerenciamento.

Deve- se desenvolver, também, um esforço em coletar dados sobre a

água, seus usos, e sua disponibilidade de acordo com cada região. Quanto

mais informação sobre o recurso, melhor será a estratégia de uso adotada. A

informação permite conhecer melhor o regime hídrico de cada bacia podendo

prever épocas de cheias, enchentes, diminuindo assim os custos relacionados

a desastres ambientais.

Outro fator importante a ser considerado é a busca por novas

tecnologias para captar, conservar, transportar, salvaguardar e reciclar os

recursos hídricos. A criação e a difusão de tecnologias inovadoras são

essenciais para o melhor aproveitamento da água.

Em todas as conferências internacionais voltadas para o tema - Mar del

Plata (1977); Conferência sobre a água e meio Ambiente, em Dublin; Rio 92,

entre outras – concluiu - se que “cada vez mais são encontrados vínculos em

todo o mundo, entre política de água e ética .” (SELBORNE, 2002)

Os princípios éticos na administração dos recursos hídricos

relacionam - se diretamente com os princípios éticos universais e podem ser

resumidos a seguir:

• O princípio da dignidade humana, pois não há vida sem água;

• O princípio da participação, pois todos os indivíduos precisam estar

envolvidos no planejamento e na administração da água;

• O princípio da solidariedade, pois a água confronta os seres humanos

com a interdependência a montante e a jusante;

• O princípio da igualdade humana, entendido como a concessão a todas

as pessoas do que lhes é devido, e que descreve perfeitamente os

desafios atuais da administração das bacias fluviais;

• O princípio do bem comum, pois a água é um bem comum, e se não for

administrada da forma correta a dignidade e o potencial humanos

ficam reduzidos para todos, e não negados a alguns;

• O princípio da economia, que ensina o respeito pela criação e o uso

prudente, e não uma reverência extremada pela natureza.

(Fonte: Selborne, Lord. A ética do uso da água doce).

Devido ao alto custo de montar uma infraestrutu ra de abastecimento e

tratamento de água, muitos países em desenvolvimento não têm condições de

financiar tais obras. Por causa disso, é crescente o volume de investimento

privado nessa área associado ao investimento do setor público, o que acaba

por levantar problemas éticos sérios, como transparência e acesso a

21

22

informações, compatibilidade sobre a propriedade dos recursos naturais, e

efetividade e coerência na regulamentação.

Porém, esse não é o único conflito relacionado ao uso da água, eles

podem variar de região para região dependendo de suas características

geográficas, culturais e populacionais. Sendo assim, é essencial um

entendimento para administrar o conflito. Chegar a um equilíbrio é um

desafio para a humanidade que vive em um ambiente de constante incerteza.

III.2 – A distribuição da água

Para que haja uma correta administração dos recursos hídricos ela tem

que ser baseada em três conceitos: eqüidade, justiça e acesso através das

gerações, e entre elas. Assim, deve ser avaliado se há ou não a participação de

todos os interessados no processo decisório; se eles formulam propostas ou

se só julgam propostas desenvolvidas; se há disponibilidade de informação, se

são levados em conta os custos de oportunidade entre outros.

Existe uma discussão sobre quem deve administrar a água, se é o setor

privado ou o setor público. O principal argumento a favor da privatização é

que esta seria o meio mais eficiente na prestação de serviços ao público.

Porém, ao escolher esta opção, surge o problema da transparência da

informação. Segundo Selborne, ainda há outro conflito: “privatizar os aspectos

comercializáveis da água pode ter como resultado um planejamento e uma

administração com um único objetivo em vista, contrariando assim a ética do

gerenciamento integrado dos recursos aqüíferos .”8

Atualmente, esta discussão vem se deslocando para um outro nível,

colocando, de um lado, a regulação pública e, de outro, uma forma de

governança baseada no conceito de propriedade comum, segundo o qual a

água é confiada ao Estado, mas sua administração ocorre em níveis

subsidiários. Mesmo neste último, o papel do Estado continua sendo de

extrema importância, pois só ele pode garantir o tratamento eqüitativo entre

os consumidores.

Outra polêmica vem do reconhecimento da água como bem econômico

por diversos provedores de financiamento. O argumento utilizado é que

8 Selborne 2002, Lord. A ética do uso da água doce

tomando a água como bem comercializável perde- se a percepção de que a

água é um bem comum, e que o público possui responsabilidades e deveres a

serem compartilhados em relação a esse recurso. O homem passa de agente

cidadão para agente consumidor.

Porém, é fato que em todas as sociedades a água tem um valor, o que

implica um custo de oportunidade. Se a água passa a ser tratada como mais

um bem de consumo o seu preço pode subir excessivamente, conforme a sua

procura no mercado, não atendendo assim a necessidade básica de todos, pois

os que não puderem pagar estarão excluídos desse processo. Por outro lado,

se ela não possuir um preço, aumentará o desperdício e o mau uso do

recurso.

Ao se adotar a precificação da água é necessário que o público acredite

na confiabilidade e na legitimidade das autoridades responsáveis para que,

assim, ele aceite a situação. Quando isto não ocorre, qualquer política adotada

pela autoridade envolvida não obtém êxito, já que não conta com a aprovação

da população. Volta- se então, a ressaltar a importância da disponibilidade e

da clareza das informações, e da participação ativa dos usuários na

administração dos recursos hídricos.

“Assim, um governo efetivo, ou uma governança legítima, são

importantes qualquer que seja o recurso, porque garantem os direitos

dos consumidores, um custo reduzido para as transações, atenuam o

impacto sobre terceiros, e proporcionam meios de que o mercado não

dispõe para dirimir conflitos e promover um consenso .” (SELBORNE:

2002)

Os investimentos nos projetos de suprimento de água ao público têm

sido avaliados da forma mais convencional, analisando os custos e benefícios,

e os riscos envolvidos. Contudo, essas fórmulas não incorporam os aspectos

ecológicos e sociais de difícil mensuração. Assim, para que as opções

adotadas sejam tecnicamente corretas, é necessário fazer uma avaliação dos

impactos ambientais e sociais futuros que tais investimentos podem trazer.

Pode- se perceber, então, que para haver uma administração

democrática dos recursos hídricos, é necessário um aparato institucional

23

24

muito complexo. Soluções que visam apenas a eficiência econômica podem

comprometer a sustentabilidade dos ecossistemas.

25

CAPÍTULO IV – MODELOS DE GESTÃO HÍDRICA

O processo de construção de modelos de planejamento de recursos

hídricos no Brasil foi fundamentado em modelos e legislações estrangeiras,

principalmente no modelo de gestão francês. Segundo Silva (1998), muito

desses modelos foram importados de programas de cooperação internacional.

A Europa foi o continente que mais se destacou nesta área por ter

experiência no gerenciamento de conflitos territoriais. Como a maioria dos

grandes rios europeus abastece mais de um país, estes foram obrigados a

buscar, unidos, soluções para a problemática da água. Em maio de 1968, o

Conselho Europeu proclamou a Carta Européia da Água cujo principal

princípio era que “a água não reconhece fronteiras”.

Apesar de buscarem juntos uma solução para o gerenciamento da água,

os países europeus adotaram administrações com características diferentes.

Assim, Bouslon & Berthon (1998) propõem cinco critérios para caracterização

das diversas gestões, são elas: 1) coordenação administrativa (interministerial

e nacional / regional), e a separação das funções ‘promoção dos usos’ e

‘regulamentação e controle’; 2) planificação por bacias, em todo país ou em

bacias pilotos, integrando o manejo dos solos; 3) participação dos usuários no

âmbito de comitês de bacias deliberativos (votando orçamentos), ou

consultivos (dando um parecer); 4) contribuições (‘redevances’) por usos da

água, arrecadadas por um organismo de bacia ou por um organismo

governamental, e 5) a existência de agências de bacia, técnicas e/ ou

financeiras.

Na Europa, pode- se observar segundo a tabela IV.1 que uma tendência

forte é a coordenação administrativa. Além disso, somente na França, Espanha

e Países Baixos, os Comitês de Bacia possuem poder deliberativo. Na

Alemanha e no Reino Unido, eles só têm o papel consultivo, enquanto nos

demais países a participação dos usuários é bastante limitada.

Tabela IV.1- Síntese sobre os Sistemas de Gestão da Água na Europa

PaísCoordenação Administrativ

a

Planificaçãopor Bacias

(incl. Usos dosolo)

Participaçõesdos Usuários

(Comitês)

Contribuições

por Uso da Água

Agências

de Bacia

Alemanha * Sim Não Consultivos (2) Estado NãoÁustria* Sim Não Não Não NãoBélgica* Não Não Não Não NãoDinamarca Sim Não Não Estado (3) NãoEspanha Sim (1) Sim Deliberativos Sim Sim (4)Finlândia Sim Não Não Projeto NãoFrança Sim (1) Sim deliberativos Sim SimGrécia Sim (1) Sim projeto Não NãoIrlanda Sim (1) Não Não Projeto NãoItália Não Sim Não Projeto ProjetoLuxemburgo Sim (1) Sim Não Não NãoPaíses Baixos Sim Sim Deliberativos Sim Sim (5)Portugal Sim (1) Sim projeto Projeto ProjetoReino Unido Sim Sim Consultivos Não TécnicasSuécia Sim (1) Não Não Não NãoFonte: Bourlon & Berthon (1998). (1) Comitês Nacionais, Conselhos Interministeriais da Água ;(2) Sindicatos cooperativos do Vale do Rio Rhur; (3) Limitadas; (4) ConfederaçõesHidrográficas; (5) Wateringues. * Estrutura federativa

Na França, o sistema de cobrança foi adotado em 1964, no âmbito da

reestruturação da Política de Água francesa, criando os Comitês da Bacia e as

Agências de Água. Este caso será estudado de forma mais aprofundada mais

adiante.

Na Inglaterra e País de Gales, o sistema de cobrança pela retirada de

água já tinha sido introduzido em 1969. Em 1989, com o Water Act ele passou

a ser gerenciado pela National Rivers Authority (NRA) que, em 1996, foi

incorporada a Enviromental Protection Agency (EPA). Encontram - se no valor a

ser cobrado os seguintes fatores: volume anual outorgado (V); fonte (A);

sazonalidade (B); perdas (C); e cobrança unitária padrão da região (SUC –

Standard Unit Charge). Assim a fórmula é definida por: $ = V•A•B•C•SUC.

Também há uma cobrança anual para lançamentos de efluentes no meio

hídrico.

Na Alemanha, várias regiões cobram pelo uso da água bruta. A cobrança

por este recurso é baseada no volume retirado, no tipo de fonte, e no uso final

da água. Segundo Lanna, o montante arrecadado pelo sistema, desde 1988,

26

27

tem sido, em média, US$ 100 milhões ao ano. A partir de 1981, respaldada

pela Lei AbwAG (Abwasserabgabengesetz), de 1976, vem sendo feita a

cobrança pelo lançamento de efluentes, primeiro somente em algumas regiões

e depois, em 1983, estendida a todo o País. Esta cobrança funciona

conjuntamente com o sistema de permissões, e sua administração é feita por

cada estado e a arrecadação é utilizada na melhoria da qualidade da água.

(SANTOS: 2002)

Já em grande parte da América Latina, a gestão da água está

concentrada nas estruturas estatais sem uma participação efetiva dos

usuários. Outro fator comum aos países latinos é a existência de um grande

número de organismos responsáveis pela administração dos recursos

hídricos, o que acaba gerando conflitos pela falta de coordenação entre eles.

Segundo a tabela IV.2, pode- se verificar as diferentes características

administrativas dos países latinos americanos.

Tabela IV.2 Síntese sobre os Sistemas de Gestão da Água na América

Latina

PaísCoordenação Administrativ

a

Planificaçãopor Bacias

(incl. Usos dosolo)

Participaçõesdos Usuários

(Comitês)

Contribuições

por Uso da Água

Agências

de Bacia

AméricaCentral Não Não Não Não NãoArgentina * Não Projeto Consultivos Estado (3) NãoBolívia Projeto Projeto Piloto Não Projeto TécnicasBrasil* (1) Sim (2) Sim Sim Sim SimCaribe (outros) Não Não Não Não NãoChile Não Projeto Piloto Projeto Projeto TécnicasColômbia Não Sim Não Projeto NãoCosta Rica Não Projeto Piloto Consultivos Projeto ProjetoEl Salvador Não Não Não Não NãoEquador Sim (2) Projeto Piloto Consultivos Projeto ProjetoGuiana Não Não Não Não NãoMéxico Não Sim Consultivos Estado (4) TécnicasParaguai Não Projeto Piloto Não Não NãoPeru Não Sim Não Não TécnicasSuriname Não Não Não Não NãoUruguai Não Não Não Não NãoVenezuela Não Projeto Piloto Projeto Projeto TécnicasFonte: Bourlon et ali (1997). (1) Após decreto de criação da lei sobre águas 9433, de08/01 / 1 9 97; (2) Comitês Nacionais ou Conselhos Interministeriais de Água; (3) Qualidade emalgumas províncias; (4) Qualidade e quantidade em todo o país. * Estrutura Federativa.

IV.1- A Experiência Francesa

O rápido movimento de industrialização a partir da II Guerra Mundial, e

aumento da busca por uma melhor qualidade de vida influenciada pelos

movimentos ambientalistas, colocou em evidência a questão hídrica, levando a

criação de um comitê interministerial para estudar tais problemas (SILVA:

1998).

A formação acadêmica no ramo da economia e da gestão foi essencial

para os gestores da política de recursos hídricos na França. A implantação do

princípio do poluidor - pagador, a tarifação dos serviços urbanos pelo seu

custo e a internalização econômica das externalidades foram ações que

surgiram desta formação acadêmica.

No campo da gestão dos recursos hídricos a França, dois marcos legais

se destacam: a Lei das Águas de 1964 e a Lei Complementar de 1992.

A Lei de 1964 tinha como objetivo a luta contra a poluição das águas, a

sua regeneração, seu regime e distribuição, e foi, sucessivamente, modificada

por decretos e leis complementares para formar o sistema de regulamentação.

Segundo Santos (2002), em 1966, foi regulamentada por decreto das Agências

de Água e dos Comitês de Bacia.

A Lei de 1992 ampliou o alcance da antiga lei unificando todas as ações

estatais relativas à água em um só organismo, e estendeu o conceito de bem

público para todos os tipos de água, pois até então parte das águas

superficiais e as águas subterrâneas pertenciam aos proprietários da terra.

De acordo com Silva (1998) “o sistema institucional francês é composto

por entidades colegiadas que representam os usuários e as comunidades, além

dos órgãos estatais ”. O sistema hídrico foi dividido em seis bacias: Adour –

Garonne, Artois – Picardie, Loire- Bretagne, Rhim – Meuse, Rhone –

Mediterranee –Corse, e Seine – Normandie, e constituído por seus respectivos

Comitês de Bacia, Agências de Água, e o Prefeito - coordenador da bacia. Esta

divisão em seis bacias foi definida pela própria lei que instituiu o sistema.

28

29

Esse fato, analisa Santos, “pode ter sido determinante na formação de Agências

sólidas do ponto de vista técnico e financeiro”.9

O Comitê de Bacia (Comité de Bacin ) é um órgão colegiado que funciona

como ‘Parlamento das Águas’, no qual participam políticos eleitos, usuários da

bacia, e representantes das administrações. Os comitês são compostos da

seguinte forma: 1/5 dos assentos são para representantes do governo central;

1/3 para políticos eleitos cujo território esteja total ou parcial dentro da área

da bacia; 1/3 dos usuários, e o restante é composto por entidades sócios

profissionais com experiência na área. Suas atribuições são: estabelecer as

cobranças (redevances ) de acordo com cada categoria de usuário, e o nível

financeiro para as Agências; aprovar o plano plurianual de intervenção na

bacia; e resolver conflitos.

As Agências de Água (Agence de l’Eau) definem, junto com seu Conselho

de Administração, a política de gerenciamento da bacia. São estabelecimentos

públicos com autonomia financeira que aplicam a política estabelecida pelo

Comitê através de um programa de intervenções na bacia, cobrando dos

usuários e dos poluidores tarifas relativas ao uso, consumo e à poluição

lançada nos rios. Suas principais atribuições são: preparar planos qüinqüenais

de Bacia (Plan de Bacin ), e acompanhar sua implementação; preparar estudos

econômicos, e financeiros relativos aos planos e sugerir valores a serem

cobrados pelo uso da água; e arrecadar e gerir os recursos vindos da

cobrança. Uma das atribuições mais importantes é o seu funcionamento como

agência financeira da Bacia.

A cobrança pelo uso da água ocorre em toda a França. Existem dois

tipos de cobrança: a cobrança por uso da água, cujo valor é calculado sobre o

volume consumido ou captado de águas superficiais ou subterrâneas; e a

cobrança por poluição, cujo valor é calculado sobre a carga de poluente

lançada nos corpos hídricos.

O cálculo do valor a ser cobrado segue a seguinte equação: cobrança =

uso x cobrança unitária x multiplicadores ou + somatórios.

9 SILVA, E. R. O curso da Água na História: Simbologia, moralidade e a gestão de recursos hídricos,1998, p.128 e p.130.

O uso pode ser classificado como: 1) captação e poluição doméstica; 2)

captação e poluição industrial; 3) captação para uso hidrelétrico; 4) captação

para centrais térmicas clássicas; 5) compensação por redução da poluição

potencial. Os usos qualitativos e quantitativos podem ser estimados ou

medidos através da análise dos efluentes.

O preço unitário reflete o “grau de escassez do recurso, ou a

sensibilidade do corpo hídrico às cargas poluentes” (SANTOS: 2002), e são

fixados de acordo com cada Agência.Multiplicadores ou somatórios são

coeficientes multiplicadores, redutores ou adicionadores aos preços básicos

de cobrança, e são de variados tipos. Os mais importantes são: coeficientes de

zona, coeficiente de uso, coeficiente de coleta, e coeficiente de aglomeração.

30

31

CAPÍTULO V – ASPECTOS RELEVANTES SOBRE AS BACIASHIDROGRÁFICAS BRASILEIRAS

V.1 - Aspectos Físicos

De acordo com a divisão adotada pela Secretaria de Recursos Hídricos

(SRH) do Ministério do Meio Ambiente (MMA), são oito as grandes bacias

hidrográficas no País: a bacia do Rio Amazonas; a bacia do Rio Tocantins; as

bacias do Atlântico Sul (trecho norte e nordeste); a bacia do rio São Francisco;

a bacia do Rio Paraná; a bacia do Rio Paraguai; a bacia do Atlântico Sul (trecho

leste e sudeste); e a bacia do Rio Uruguai.

Na Figura V.1 é apresentada a localização das referidas bacias:

Figura V.1 : Principais Bacias Hidrográficas

As principais nascentes dos rios brasileiros são:

• A Cordilheira dos Andes, onde nascem os formadores do rio Amazonas;

• O Planalto das Guianas, que dá origem aos rios da margem esquerda da

bacia Amazônica;

• O Planalto Central Brasileiro, de onde se originam os rios das mais

importantes bacias brasileiras: a Amazônica (rios da margem direita), a do

Paraguai; a do Paraná; e a do São Francisco.

V.1.1 – Características das Bacias

A Bacia Amazônica cobre mais da metade do território brasileiro. A

grande disponibilidade hídrica dessa área decorre do fato de o Amazonas

drenar uma imensa área que recebe uma pluviosidade anual entre 2000 e

3000 mm, em mais de metade de sua superfície. A bacia Amazônica situa - se

entre os planaltos das Guianas (ao norte) e o Planalto Central brasileiro (ao

sul), e abrange uma área de 6,5 milhões de km 2 , drenando água de seis países

além do Brasil.

A Bacia do Tocantins é a maior bacia totalmente brasileira, com a área

de 803.250 km 2. Os rios que formam sua bacia se deslocam do Planalto

Central no sentido Sul- Norte em direção ao Oceano Atlântico, atravessando

regiões de relevo e vegetação variável.

A Bacia do São Francisco possui uma área de 631.133 km2 e é, sem

dúvida, uma das mais importantes do País. Situa- se quase totalmente em área

de planalto, entre altitudes que variam de 400 a 1000 m; seu principal rio, o

São Francisco, nasce na Serra da Canastra (Minas Gerais) e deságua no

Atlântico, em estuário. Corre no sentido geral sul- norte, nos altos e médios

cursos e no sentido leste – oeste, em seu baixo curso, interligando as duas

regiões de mais antigo povoamento do País, o nordeste e o sudeste. Razão

pela qual é chamado de “rio da integração nacional”. Embora seja um rio de

planalto e atravesse longo trecho (curso médio) em clima semi – árido com

precipitações que, algumas vezes, atingem menos de 500 mm anuais, é um rio

perene e navegável em um longo trecho. Na parte superior da bacia ocorrem

32

33

precipitações de 1000 a 2000 mm anuais. A contribuição das chuvas permite

alimentar o volume dos rios em sua passagem pela região semi- árida.

A bacia do Paraná situada na parte central do planalto meridional

brasileiro é essencialmente planáltica. O rio Paraná, formado pela fusão dos

rios Grande e Paranaíba, separa os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul,

Paraná e Mato Grosso do Sul, e na foz do Iguaçu, serve de fronteira entre

Brasil, Argentina e Paraguai. Nessa bacia, encontra - se a maior parte da

população nacional e da produção econômica do país. Da mesma forma, é o

lugar que sofre mais pressões ambientais.

A bacia do Paraguai é típica de planície, destacando - se pelo Pantanal. A

vazão do rio Paraguai é regularizada por esse “banhado” criando uma

paisagem única.

A bacia do Uruguai tem um trecho planáltico e outro de planície. Seu rio

principal, o Uruguai, nasce na Serra do Mar, no Brasil, servindo de fronteira

entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre o Brasil e Argentina, e entre

Argentina e Uruguai, e desemboca no estuário do Prata. No trecho do Brasil, o

rio possui um grande potencial hidrelétrico.

As Bacias Litorâneas são: Atlântico Norte, Nordeste, Leste e Sudeste.

Essas bacias representam um conjunto de pequenas bacias da costa brasileira.

Os recursos superficiais gerados no Brasil somam um total de 168.870

m 3/s que representam 50% do total dos recursos da América do Sul, e 17% dos

recursos mundiais. Porém, a distribuição não é uniforme, ocorrendo um

grande contraste na distribuição entre a região amazônica e a região nordeste.

A Amazônia brasileira representa 71,1% do total gerado da vazão no Brasil.

V.2 - Qualidade da Água

A qualidade da água é afetada por vários fatores como, por exemplo,

ações humanas, condições geológicas e geomorfológicas, cobertura vegetal da

bacia, e comportamento dos ecossistemas terrestre e de água doce.

Um dos principais problemas ambientais do Brasil é a deterioração dos

rios nos grandes centros urbanos. Isto ocorre porque na maioria das cidades

brasileiras o esgoto é jogado in natura por não existir uma rede de tratamento

de esgoto e quando esta existe não há estação de tratamento adequada,

agravando ainda mais as condições dos rios. A maioria das cidades cobra pela

coleta do esgoto cloacal (basicamente, o esgoto doméstico), mesmo sem que

haja rede ou estação de tratamento, porém a tarifa é muito baixa sendo

insuficiente para prestar o serviço e fazer investimentos em infraestrutura.

Um dos grandes problemas, segundo Tucci (2001), é que os investimentos

nesta área são muito altos e os responsáveis institucionalmente pelo

saneamento são os municípios, os quais, muitas das vezes, não dispõem de

tais recursos para fazê- lo.

Já a depuração dos esgotos industriais é mais controlada porque sofrem

regulação das entidades de controle ambiental que possuem instrumentos

para pressionar as empresas a adotarem sistemas de tratamento de efluentes.

Além dessas formas de contaminação ainda há poluição via esgotos

pluviais. Segundo Tucci, durante uma cheia urbana, a carga do poluente

pluvial pode chegar a 80% da carga do esgoto doméstico (TUCCI: 2001). Porém,

o tipo de poluição que mais preocupa as metrópoles brasileiras continua a ser

o cloacal.

V.3 Balanço e situações críticas e extremas

Tabela V.1: Disponibilidade / Demanda atual e futura para as bacias

brasileiras

Fonte: FGV, 1998. * valor na saída do rio Paraguai. Este valor não é representa tivo porque existe forte

redução de vazão no Pantanal e as maiores demandas ocorrem a montan te no Planalto; Di

disponibilidade; D demanda.

Segundo a tabela da Fundação Getúlio Vargas, não existem, ainda,

conflitos intensos entre a demanda e a disponibilidade dos recursos hídricos.

Demanda km3

D/Di%

Demanda km3

D/Di%

Demanda km3

D/Di%

Amazonas 4332,1 6,56 0,15 - - - -Tocantins 372,1 2,072 0,56 - - 8,7 2,47Atlântico Sul 135,6 11,201 8,26 14,54 10,7 19,59 14,4Atlântico Norte/Nordeste 98,71 5,156 5,22 11,37 11,5 15,51 15,7Atlântico Leste 137,2 4,482 3,27 9,72 7,1 11,53 8,4São Francisco 89,88 16,008 17,81 18,65 20,7 23,45 26,1Paraná 346,9 7,109 2,05 9,93 2,9 15,66 4,5Paraguai 86,131 (40,68)* 1,774 2,06 2,48 3,1 3,78 4,4Uruguai 130,87 5,486 4,19 - - - -

Bacia Cenário atual 2005 2015Disponibilidade

Di km3

34

35

Porém, segundo Tucci, mesmo quando a relação entre demanda e

disponibilidade é inferior a 100% para valores médios, não significa que não

existam déficits hídricos (TUCCI: 2001). Isto ocorre porque nem sempre esta

relação identifica os conflitos envolvendo os recursos hídricos.

Nos cenários planejados para 2005 e 2015, a situação torna- se grave

como, é o caso do São Francisco, cuja disponibilidade média comprometida,

em 2015, será da ordem de 26%. Deve- se considerar que disponibilidade

média representa sempre a capacidade máxima de um sistema.

Esses valores não permitem analisar os locais onde a falta de água é

crítica, como por exemplo, no semi- árido nordestino no período de estiagem,

e nas grandes regiões metropolitanas. Nestas últimas, a sustentabilidade do

sistema é ameaçada pelo excesso de cargas de poluição industrial e doméstica

que contaminam os mananciais.

V.3 Aspectos sociais

Problemas relacionados aos recursos hídricos no Brasil (TUCCI: 2001):

• Escassez de água em algumas regiões;

• Enchentes periódicas nos grandes centros urbanos;

• Inexistência de práticas efetivas de gestão de usos múltiplos e integrados

dos recursos hídricos;

• Distribuição injusta dos custos sociais associados ao uso intensivo da

água;

• Pouca participação da sociedade na gestão da água com excessiva

dependência das ações governamentais;

• Costume de tomada de decisões sem a utilização prévia de métodos

quantitativos de avaliação.

Tanto o problema das enchentes, quanto o problema da escassez, afetam

mais as populações de baixa renda. São os pequenos produtores rurais que

perdem com a seca prolongada e nos centros urbanos é na periferia que

registram os piores índices de saneamento.

36

37

CAPÍTULO VI – LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

VI.1 - Histórico da Gestão de Águas no Brasil

Até os anos 70, a questão da água era focada nas necessidades do

usuário deste recurso, ou então nas políticas específicas de combate às secas

e às inundações. Desta forma, “... a administração dos problemas de recursos

hídricos, levando- se em conta os limites de uma bacia hidrográfica, não era

uma tradição no Brasil” (TUCCI: 2001). Como exceção, deve- se destacar a

Comissão do Vale do São Francisco, criada no fim dos anos 40, que tratava de

uma bacia que envolvia seis estados mais o Distrito Federal.

A partir daí, começaram a surgir diversos conflitos relacionados ao uso

da água, o que suscitou discussões no meio acadêmico para resolvê- los ou

minimizá - los. Segundo Tucci, a iniciativa de se criarem estruturas para a

gestão dos recursos hídricos por bacia hidrográfica surgiu de técnicos do

Governo Federal. 10

Assim, em 1976, foi criado o Comitê do Alto Tietê que tinha como

objetivo melhorar as condições sanitárias das bacias do Rio Tietê e Cubatão

do Estado de São Paulo. Este Comitê foi bastante atuante até o ano de 1983,

quando seu ritmo de atuação começou a declinar.

Ainda em 1978, os Ministérios de Minas e Energia e do Interior

promoveram a criação do Comitê Especial de Estudos Integrados de Bacias

Hidrográficas, o CEEIBH, que tinha como proposta promover o uso racional

dos recursos hídricos de domínio federal. Foram criados mais de dez comitês

subordinados ao CEEIBH.11 Com o processo de retomada da democracia e a

descentralização, esses comitês desapareceram só restando dessa época, o

Comitê do Rio São Francisco.

Estes comitês tinham apenas atribuições consultivas. Somente em 1988,

com a nova Constituição, os estados e os municípios conquistaram mais

poder na questão da gestão dos Recursos Hídricos.

10 TUCCI, Gestão das Águas no Brasil, 2001.11 Idem.

Sendo assim, alguns estados como o Ceará, São Paulo e Rio Grande do

Sul, avançaram bastante na implementação dos seus sistemas de gestão das

águas influenciando a concepção do Sistema Nacional de Gerenciamento de

Recursos Hídricos (SNGRH), instituído em 1997 com a Lei 9.433.

A Lei 9.433/97 cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos

Hídricos e institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). Esta

política tem como base os seguintes fundamentos: a água é um bem de

domínio público (art 1º, I); um recurso natural limitado, dotado de valor

econômico (art 1 º, II); a gestão dos recursos hídricos deve sempre

proporcionar o uso múltiplo das águas (art 1º, IV); a bacia hidrográfica é a

unidade territorial para a implementação da PNRH e a atuação do SNRH (art

1 º, V); e que a gestão desses recursos deve ser descentralizada e contar com a

participação do Poder Público, dos usuários, e da comunidade (art1º,VI).

VI.2 – A Política Nacional De Recursos Hídricos

A PNRH definiu diversos objetivos, entre eles: assegurar a

sustentabilidade do recurso hídrico para as gerações futuras e as atuais,

garantir a qualidade da água, e propor um uso racional do recurso visando o

desenvolvimento sustentável. Para alcançar esses objetivos, ela utiliza alguns

instrumentos, tais como, os Planos de Recursos Hídricos, a outorga dos

direitos de uso, e a cobrança pelo uso.

Os Planos de Recursos Hídricos que orientam a implementação da PNRH

são de longo prazo, e elaborados para cada bacia hidrográfica de acordo com

as suas necessidades. Devem constar nestes planos as projeções futuras de

demanda e de oferta de água para identificação de conflitos; as análises de

crescimento demográfico e de ocupação do solo para avaliar como esses

fatores estão afetando a bacia estudada; as metas de como usar a água de

forma mais racional; os projetos e os programas que serão feitos para atingir

essas metas; além dos métodos a serem utilizados para a cobrança do uso da

água.

A outorga dos direitos de uso tem como objetivo controlar a qualidade e

a quantidade da água dentro de uma bacia para que seja mantido o uso

38

39

múltiplo do recurso. Desta forma, antes de qualquer extração ou outra ação

que modifique o estado físico das águas dentro de uma bacia deve ser emitido

o direito de outorga pelo Poder Público, exceto nos casos em que essas ações

resultem em modificações “insignificantes” para a Bacia Hidrográfica. Porém,

não consta nesta Lei os critérios que caracterizam as modificações no volume

d´água como insignificantes. A outorga pode ser dada pelo Poder Executivo

Federal, dos Estados ou do Distrito Federal.

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos tem como meta estimular o

uso racional da água e obter os recursos financeiros necessários para

financiar os projetos definidos nos planos de recursos hídricos. Estão sujeitos

à cobrança: a captação de água para uso final, o abastecimento público ou

como insumo no processo produtivo (art 12, I), o lançamento de resíduos e

esgotos, o aproveitamento de potencial hidrelétrico, entre outros. Todos os

recursos financeiros gerados pela cobrança do uso serão “aplicados

prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados” (art. 22) através

dos projetos desenvolvidos nos planos de recursos hídricos.

VI.3 - O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

Entre os objetivos do SNGRH destacam - se: coordenar a gestão integrada

das águas (art. 32, I); arbitrar administrativamente os conflitos relacionados

com os recursos hídricos (art. 32, II); implementar a Política Nacional de

Recursos Hídricos (art.32, III); planejar, regular e controlar o uso, a prevenção

e a recuperação dos recursos hídricos (art. 32; IV); promover a cobrança pelo

uso de recursos hídricos (art. 32, V).

São membros do SNGRH: o Conselho Nacional de Recursos Hídricos; os

Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; os Comitês

de Bacia Hidrográfica; os órgãos do poder público, federal, estadual e

municipal, cujas competências se relacionem com a gestão de recursos

hídricos, e as Agências de Água.

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos tem como presidente o

Ministro Titular do Meio Ambiente, e é composto por ministros que atuem no

gerenciamento de recursos hídricos, pelos Conselhos Estaduais de Recursos

Hídricos, representantes dos usuários e de organizações civis. Além disso, o

Conselho interfere em conflitos existentes entre os Conselhos Estaduais; atua

em projetos que ultrapassem a fronteira dos estados; aprova e acompanha a

execução do PNRH; e é o órgão responsável pela aprovação da implantação de

novos Comitês de Bacia. No entanto, ainda há uma grande lacuna a ser

preenchida nesse quesito, pois não havia informação nos órgãos responsáveis

sobre a quantidade e a identificação de todos os comitês brasileiros existentes

atualmente.

Os Comitês de Bacia Hidrográfica têm como unidade de atuação uma

bacia hidrográfica ou uma sub- bacia e, uma vez implementadas, serão

compostos por representantes da União, dos estados e dos municípios

integrantes da bacia, representantes dos usuários, e entidades civis. Os

Comitês podem atuar promovendo debates de questões relacionadas à bacia,

articular ações, arbitrar conflitos existentes na Bacia, aprovar e acompanhar a

execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia, estabelecer mecanismos de

cobrança sugerindo valores. Os Comitês serão dirigidos por um presidente e

um Secretário eleitos pelos membros.

As Agências regionais de água terão como área de atuação um ou mais

Comitês de Bacia e exercerão a função de secretaria executiva do respectivo,

ou respectivos Comitês. Para que as Agências sejam criadas, é necessária a

prévia existência de um ou mais Comitês, e que haja uma viabilidade

financeira proveniente da cobrança pelo uso da água, pois serão mantidas

com parte dos recursos provenientes da cobrança. As Agências são

responsáveis por manter o cadastro de usuários da bacia em questão; efetuar

a cobrança pelo uso da água; emitir pareceres sobre projetos que dependam

dos recursos financeiros derivados do uso do recurso hídrico; acompanhar a

administração financeira; elaborar o orçamento e o Plano de Recursos

Hídricos a serem aprovados pelo Comitê, e serão responsáveis por gerir o

SIRH (Sistema de Informação de Recursos Hídricos).

40

41

São considerados, na presente Lei, como organizações civis de recursos

hídricos, os consórcios intermunicipais de bacias hidrográficas, as associações

de usuários, as organizações de pesquisa e ensino atuantes na área da bacia,

as organizações não- governamentais (ONGs), e quaisquer outras organizações

reconhecidas pelo CNRH ou CERH.

VI.4 - Infrações e Penalidades

É considerada infração qualquer atividade que altere a qualidade ou a

quantidade de água sem prévia autorização, ou sem a outorga de direito de

uso. Também constitui infração fraudar o volume de água utilizado ou fazer

uso dos recursos hídricos em desacordo com as condições estabelecidas na

outorga.

Os agentes que estiverem em desacordo com a Lei receberão

advertência por escrito, estipulando prazos para que sejam corrigidas as

irregularidades, e multa proporcional à gravidade da infração, podendo variar

de cem a dez mil reais por dia, embargo provisório ou definitivo das

condições de outorga; e em caso de reincidência a multa será aplicada em

dobro. Apesar de ser diária, o valor da multa pode ser considerado baixo, já

que dependendo da gravidade da infração o valor sugerido talvez não seja

suficiente para cobrir os custos de recuperação.

Enquanto as Agências Regionais de Água não estiverem constituídas, os

consórcios intermunicipais, após prévia autorização do CNRH ou CERH,

poderão exercer suas funções. Além disso, “enquanto não for aprovado o

PNRH a utilização dos recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica

continuará subordinada à disciplina da legislação setorial específica” (art.53).

CAPÍTULO VII – ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE COMITÊS NOBRASIL

A nova PNRH introduz mecanismos modernos na administração pública

ao descentralizar as competências de gestão. A Lei das Águas define a bacia

hidrográfica como sendo a unidade de gerenciamento, quebrando as barreiras

municipais, estaduais e até mesmo federais. O Comitê de Bacia Hidrográfica

surge como o novo agente deliberativo que conta com a participação dos

representantes dos diversos níveis da sociedade. O fato de o Comitê ser

formado pelos diversos níveis da sociedade lhe dá uma maior credibilidade

frente à população, já que confere uma transparência administra tiva.

Neste capítulo, serão estudados alguns aspectos de dois comitês que

foram pioneiros na construção deste modelo no Brasil.Um deles, o Comitê

Sinos, localizado no Rio Grande do Sul, serviu de laboratório para os comitês

de diversas regiões, além de colaborar para a construção das leis relacionadas

ao assunto. O outro, CEIVAP (Comitê do Paraíba do Sul), foi pioneiro na gestão

de uma bacia que engloba três estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo e

Minas Gerais. Ambos são de significativa representatividade no cenário

brasileiro.

VII.1 – Comitê Sinos

VII. 1.1 – Aspectos Gerais

O Rio dos Sinos é um dos principais rios de domínio do Estado do Rio

Grande do Sul, e forma, junto com mais sete rios, a bacia hidrográfica do Lago

Guaíba que banha a capital Porto Alegre. As suas nascentes estão no

município de Caraá, em altitudes superiores a 600 metros, possui um

comprimento de 190 km, e desemboca no rio Jacuí, no município de Canoas,

numa altitude de apenas 5 metros. A bacia hidrográfica do Sinos abrange,

total ou parcialmente, 30 municípios, com uma área de 3.800 km 2.

Os principais afluentes do rio dos Sinos são, no sentido das cabeceiras

para a foz: o rio Rolante, o rio da Ilha e o rio Paranhana (margem direita e com

nascentes na região serrana). Na porção inferior recebe, ainda, os arroios

Pampa, Luiz Rau, João Correa, Sapucaia, e outros. O rio dos Sinos possui

formas diversas de correr e são essas diferentes características que

determinam duas coisas muito importantes: ajudam a definir os usos e a vida

na água, e também contribuem para que o rio tenha maior ou menor

capacidade de se recuperar sozinho. Por exemplo, nos trechos encachoeirados

o rio salta mais e consegue misturar mais oxigênio nas suas águas, facilitando

a ação das bactérias que vão eliminar a poluição orgânica, a que sai das casas,

das criações de animais e de algumas indústrias.

A bacia do Sinos teve um crescimento populacional muito significativo

nas últimas décadas. A população da bacia, em 1991, era de 1,2 milhão de

pessoas, representando 12% da população do Estado, concentrada em apenas

1,5% da área do Rio Grande do Sul. Como resultado, tem- se uma densidade

populacional média, dez vezes superior a do Estado. Nos municípios

integrantes da bacia encontra - se quase um terço das indústrias do Estado,

gerando cerca de 40% da riqueza total deste setor. Os principais núcleos

urbanos localizam - se no trecho inferior da bacia e as atividades produtivas

distribuem - se da seguinte forma: ramo madeireiro - moveleiro, turístico,

hoteleiro e comercial na parte serrana (Gramado, Canela e São Francisco de

Paula); coureiro- calçadista na porção intermediária (Igrejinha, Parobé,

Sapiranga, Campo Bom, Estância Velha e Novo Hamburgo); e industrial -

metal - mecânico, alimentício e petroquímico, na parte inferior (São Leopoldo,

Sapucaia do Sul, Esteio e Canoas).

A quantidade de chuvas é variada ao longo do ano, e razoavelmente

bem distribuída em toda a bacia hidrográfica, o que determina um rio com

uma boa quantidade média de água correndo. A vazão do rio se reduz

acentuadamente nas estiagens (cerca de 20 vezes menos que a vazão em

períodos normais), e nos períodos de chuvas intensas o elevado volume de

água acaba por ocasionar as enchentes. Para solucionar este problema, foram

construídos os diques de contenção de cheias junto às cidades que sofrem

mais com o problema e ao longo do rio dos Sinos.

43

Pelo tipo de ocupação do solo nesta região, a poluição gerada é

fundamentalmente orgânica e está bastante espalhada. Por conta disto, a

qualidade das águas ainda se apresenta muito boa, incluindo as nascentes e

os rios afluentes mais importantes, como o rio Rolante e o rio da Ilha. Em um

trecho, depois do município de Taquara o uso da água para consumo humano

é possível somente após um tratamento convencional. Nesta região, a maior

fonte poluidora é a atividade agropecuária, principalmente a criação de

animais e o lançamento dos seus dejetos diretamente nos cursos de água,

além da contaminação pelos esgotos domésticos. Outra fonte de redução da

qualidade das águas é o desmatamento, particularmente, a retirada da mata

ciliar ou de galeria, expondo os solos a um forte processo erosivo.

A bacia do rio dos Sinos apresenta grande variação na quantidade e na

qualidade das suas águas. Com uma disponibilidade média de 84 m3/s,

possui um consumo atual de apenas 4,4 m3/s, cerca de um vigésimo da

disponibilidade bruta. As principais demandas de água referem - se ao

abastecimento humano (58%), à irrigação de arroz (19%) e ao abastecimento

industrial (18%). Isto demonstra que a bacia do rio dos Sinos não apresenta

problemas quando se analisa apenas a disponibilidade quantitativa de

recursos hídricos. Por outro lado, o lançamento de esgotos domésticos, de

resíduos e dejetos das atividades ligadas à criação animal e a poluição devida

aos efluentes das indústrias, ocasiona um outro tipo de escassez de água:

aquela decorrente da baixa qualidade das águas. Além disso, todos os dias, os

municípios da bacia produzem cerca de 1.000 toneladas de lixo, sendo que

uma parte deste lixo é lançada diretamente nos rios, arroios e banhados. A

outra parte (que é coletada), se não for adequadamente disposta, ocasiona a

contaminação das águas subterrâneas, poluindo os poços que abastecem

algumas comunidades, principalmente as localizadas nas proximidades dos

lixões.

VII.1.2 – Histórico do Comitê

Apesar de a poluição ser grande em um determinado trecho do rio

Sinos, a preocupação com a manutenção do seu leito já é antiga. Um exemplo

é a Lei n.º 137, de 9 de agosto de 1848, que surgiu apenas 24 anos depois da

chegada dos primeiros imigrantes alemães, onde dizia que:

“Todos os proprietários de fábricas de cola e de curtir couro

são obrigados a conservá- los no maior asseio possível, para não

prejudicar a saúde pública. O fiscal da Câmara inspecionará as

referidas fábricas uma vez ao menos por mês e, se não as encontrar

com o asseio preciso, obrigará os infratores a pagar multa de 2 réis

pela primeira vez, a de 4 réis na pela segunda vez e 8 réis nas demais

reincidências.”

Essa lei também mostrava uma preocupação especial com o esgoto

doméstico: "nos casos de esgotos domésticos, é proibido fazer despejo de águas

fétidas e de imundícies que escorram pelas ruas. O infrator pagará por cada

vez a multa de 2 réis".

O Sinos foi fundamental para os imigrantes alemães que chegaram à

região, pois o rio era o centro da colônia. Esta escolha se deu porque o local

era o lugar ideal para um porto. O Sinos era a via de transporte que ligava com

Porto Alegre, permitindo a chegada dos produtos necessários para vida na

colônia e, principalmente, o escoamento da produção.

O historiador Tramontini não identifica uma consciência ecológica neste

primeiro momento, e sim uma preocupação dos habitantes com a água que

era usada para consumo próprio. Somente no final do século XIX,

normalmente em ações lideradas pela Igreja Católica, surgiram movimentos

para o reflorestamento. Mesmo aí, contudo, a motivação destas iniciativas é

interpretada por Tramontini como uma afirmação da cultura germânica.

(TRAMONTINI: 2000)

A partir dos anos 30, tem início o desenvolvimento industrial e junto

com ele a idéia do progresso a qualquer custo. Em São Leopoldo, observam- se

grandes investimentos em saúde pública, com a implantação de tratamento de

água, construção do hospital e, mais tarde, a chegada do tratamento de esgoto

cloacal. Neste contexto, a natureza está na contramão do progresso, e

preservar o rio deixa de ser importante. As leis de proteção das águas perdem

a eficácia, porque a população não as considera mais relevantes. O Sinos deixa

ainda de ser o caminho de transpor te da produção. A linha de trem,

implantada em 1870, não chega a retirar a importância do rio, mas o

caminhão, através da ligação rodoviária com Porto Alegre, a partir de 1934,

45

ocupa este espaço. A partir daí, a região experimenta um extraordinário

crescimento na produção industrial. Nos anos 60, desponta a atividade

metalúrgica e, na década seguinte, a indústria calçadista.

Em 1957, começa a ser publicado no ‘Correio do Povo’ crônicas

conscientizadoras, escritas por Henrique Luís Roessler, nas quais é ressaltada

a importância do rio para a manutenção do bem geral. A partir dos anos 80, o

debate sobre o Sinos ganha intensidade, com momentos de muito conflito e,

em 1985, o movimento ecológico da região, liderado pela Upan (União

Protetora do Meio Ambiente Natural) e Movimento Roessler (Movimento de

defesa ambiental), começa intensa campanha da mobilização da sociedade,

com o apoio de recursos das igrejas Católica e Luterana. Como resposta a esta

pressão social, a Secretaria Estadual da Saúde e Meio Ambiente endureceu

com os curtumes, controlando as suas emissões líquidas, e exigindo

tratamento dos efluentes.

Porém, os esforços para a despoluição do Sinos se davam de forma

desarticulada, faltando um organismo que reunisse todos que estavam

engajados neste propósito. E foi desta lacuna que nasceu o Comitê de

Preservação, Gerenciamento e Pesquisa da Bacia do Rio dos Sinos -

Comitesinos, em setembro de 1987, e seu primeiro plano de atuação foi

chamado de "Ações Emergenciais para o Rio dos Sinos", que tinha como

objetivo o controle de ameaças à qualidade das águas, porém este não deixava

claro a quem competiam as responsabilidades e quem deveria prover os meios

técnicos e financeiros para alcançar sua realização. Isto ocorreu porque o

Comitesinos foi criado por um decreto, mas não tinha poderes para ditar

normas, tomar medidas ou qualquer outra iniciativa. Um momento

importante foi quando o Comitê se filiou ao Conselho de Recursos Hídricos do

Estado, passando assim a ser a primeira oportunidade concreta de produzir

um modelo de gestão semelhante aos modelos internacionais, adaptado à

realidade do estado.

A universidade Unisinos foi muito importante neste primeiro momento,

pois cedeu local e pessoal nos primeiros tempos, para ajudar o andamento

dos trabalhos. Foi constituídoum conselho, que elegeu uma diretoria, e esta

tinha como apoio uma secretaria executiva, sustentada pela Unisinos no

primeiro momento e, depois, pela Metroplan (Fundação Estadual de

Planejamento Metropolitano e Regional). A direção chamou para junto de si

uma comissão composta por técnicos cedidos por vários órgãos da esfera

pública, encarregada de pensar as ações estratégicas do comitê e a assessorar

a direção e conselho.

Para dinamizar as atividades do Comitesinos, foram criadas comissões

de trabalho: monitoramento, educação ambiental, meteorologia, estudo da

fauna e flora, uso do solo e resíduos sólidos.

O Comitesinos teve papel importante como fórum de negociações em

assuntos ambientais. Um exemplo foi a negociação entre a Corsan (Companhia

Riograndense de Saneamento), a Fepam (Fundação Estadual de Proteção

Ambiental Henrique Luis Roessler, órgão vinculado à Secretaria Estadual de

Meio Ambiente) e a Samrig (Sociedade Anônima Moinhos Rio- Grandenses) . Na

época, a empresa era a maior poluidora individual do rio e seus efluentes

estavam inviabilizando a captação de água em Esteio, que servia a mais de

cem mil pessoas. A Samrig passou a investir forte no equipamento anti -

poluição.

Uma das mais importantes conquistas do Comitê foi a aprovação da lei

10.350, que cria o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, pois este serviu

como balão de ensaio dos técnicos que trabalharam na concepção de uma lei

gaúcha, sendo algumas das soluções desenvolvidas no Comitesinos

incorporadas à lei. Além de colaborar com a constituição da lei, o Comitesinos

ajudou na constituição de outros comitês não só no Rio Grande do Sul, mas,

também, em outros estados.

A lei 10.350 trouxe a necessidade de redefinir a composição do comitê,

o que significou envolver setores que nunca tinham se envolvido. Além disso,

era preciso definir os critérios de eleição dos representantes e a sua forma de

atuação.

Hoje, o Comitesinos se considera um sistema em construção no Estado,

com muitas soluções em andamento e um grau maior de consciência da

população em relação à importância de recuperar e preservar as águas da

região.

47

VII.1.3 – Organização do Comitê

O Comitesinos possui a seguinte estrutura organizacional:

Figura VII.1

Fonte: site www.comitesinos.com.br

O Comitê elege uma diretoria: Presidente e Vice- Presidente, a indicação

do Secretário Executivo é do Presidente, desde que aprovado pelo Comitê. Pela

Lei Gaúcha das Águas, o suporte à Presidência é feito de duas formas: a apoio

operacional /executivo, através da estrutura da Secretaria Executiva e o apoio

político. Este apoio vem da CPA, que ajuda a pensar os

rumos /d i re t rizes / e s t ra tégias a serem dadas ao Comitê.

Os Grupos de Trabalho foram criados no Comitesinos como forma de

compensar a inexistência, até o momento, da Agência. Quem deverá dar este

suporte técnico aos Comitês, no futuro, será a Agência de Região Hidrográfica

(estão previstas três Agências para todo o Estado). Além disso, estes Grupos

de Trabalho têm outro papel, que é o de divulgação e de consolidação do

Comitesinos na região. Estes grupos podem sofrer desdobramentos, conforme

o surgimento de demandas específicas.

Com a aprovação da Lei no. 10350, e com a instituição do Sistema

Estadual de Recursos hídricos, houve uma ampla divulgação junto à

sociedade, para que esta tomasse conhecimento e pudesse participar de forma

efetiva da gestão dos recursos hídricos.

No seu início, o Comitesinos teve sua composição definida de forma

arbitrária, e esta composição só foi adequada com a Lei 10350 /94, e mesmo

assim esta medida levou algum tempo até ser concretizada. Isto ocorreu pela

dificuldade em definir quais seriam os setores que deveriam participar da

nova composição. Esta, apesar de flexível, deve atender, obrigatoriamente à

proporcionalidade: 40% de participação dos representantes dos usuários da

água, 40% de participação dos representantes da população da bacia e 20% de

representantes dos órgãos da administração direta federal e estadual. No caso

do Sinos, onde se buscou refletir os agentes da bacia na sua composição, as

vagas totais de 40 representações foram distribuídas, reservando - se 16 vagas

para o Grupo de Usuários da Água, 16 vagas para o Grupo da População da

Bacia e 8 vagas para os órgãos da administração direta federal e estadual.

O Comitesinos é uma das experiências pioneiras no Brasil e que vem

conquistando vitórias. A participação efetiva dos usuários é fruto de um

trabalho de conscientização prévio feito na comunidade, ressaltando a

importância da participação de todos no processo de gestão dos recursos

hídricos. Apesar de ainda não possuir uma Agência Regional, estruturou

instrumentos que logo levarão à concretização desta.

VII.2 - O CEIVAP

VII.2.1 – Aspectos Gerais

A Bacia do Paraíba do Sul possui uma área de 55.500 km2, estendendo -

se pelos estados de São Paulo (13.900km2), Rio de Janeiro (20.900km2) e

Minas Gerais (20.700 km2), abrangendo 180 municípios - 88 em Minas Gerais,

53 no Estado do Rio e 39 no estado de São Paulo. A área da bacia corresponde

49

a cerca de 0,7% da área do País e, aproximadamente, a 6% da região sudeste do

Brasil. No Rio de Janeiro, a bacia abrange 63% da área total do estado; em São

Paulo, 5% e em Minas Gerais, apenas 4%. O ponto culminante é o Pico das

Agulhas Negras, com 2.787 metros.

A sua extensão é de 1.150 km, tendo como foz o Oceano Atlântico, na

praia de Atafona, município de São João da Barra no Rio de Janeiro, e sua

nascente é na Serra da Bocaina a 1.800 de altitude, no estado de São Paulo. É

formado, ainda, pelos rios Paraitinga e Paraibuna. A confluência dos rios

formadores se dá próximo ao município de Paraibuna. Seus principais

afluentes na margem esquerda são os rios Jaguari, Buquira, Preto, do Peixe,

Carangola e Pirapetinga; e na margem direita são os rios, Una, Bocaina,

Paquequer, Piabanha, Negro, Bengala e Dois Rios.

A população da bacia é de 5 milhões 62 mil habitantes, sendo 1.772.163

no estado de São Paulo; 2.142.288 no Rio de Janeiro; e 1.148.012 em Minas

Gerais. Cerca de 18% da população fluminense reside na bacia do Paraíba,

contra 8% dos paulistas e apenas 5% dos mineiros (IBGE 2000). A população,

abastecida pelos rios da bacia, soma aproximadamente 13 milhões de pessoas.

Entre os principais usos da água desta bacia estão: a captação para uso

doméstico (64 mil litros por segundo sendo 17 mil para abastecimento

domiciliar da população residente na bacia, mais 47 mil para o abastecimento

da Região Metropolitana do Rio de Janeiro); uso industrial (14 mil l/s; uso

agrícola: 30 mil l/s; geração de energia elétrica.). Com relação à atividade

pesqueira na bacia, esta se desenvolve principalmente no baixo curso dos rios

Paraíba do Sul, Muriaé e Dois Rios; além da prática da pesca esportiva que

ocorre em todo o rio. O uso da água para recreação ocorre, principalmente,

nas regiões serranas, nas nascentes de diversos cursos d´água, onde há

cachoeiras e a canoagem é bastante difundida.

Na bacia encontram - se 8.500 indústrias aproximadamente, sendo 2.500

em São Paulo; 4.000 no Rio de Janeiro e 2.000 em Minas Gerais. O total de

potência hidroelétrica instalada é de 1500 megawatts estando prevista sua

expansão para 2300 MW, com a construção de outras usinas hidrelétricas no

Baixo Paraíba.

A cobertura vegetal é 70% formada por pastagem; 27% por culturas,

reflorestamento e outros; apenas 3% de florestas nativas (Mata Atlântica)

ainda subsistem na área da bacia (Parques nacionais da Serra da Bocaina e de

Itatiaia e Serra dos Órgãos).

A situação de degradação ambiental é bastante preocupante, uma vez

que 1 bilhão de litros de esgotos domésticos, praticamente sem tratamento,

são despejados diariamente nos rios da bacia do Paraíba, sendo que 90% dos

municípios da bacia não contam com estação de tratamento de esgotos.

Outros fatores que contribuem para a degradação da qualidade das águas da

bacia são disposição inadequada do lixo; desmatamento indiscriminado com a

conseqüente erosão - que acarreta o assoreamento dos rios, agravando as

conseqüências das enchentes; retirada de recursos minerais para a construção

civil sem a devida recuperação ambiental; uso indevido e não controlado de

agrotóxicos; extração abusiva de areia; ocupação desordenada do solo; pesca

predatória e ainda a falta de consciência ambiental.

VII.2.2 – Histórico do CEIVAP

A ocupação da bacia do rio Paraíba do Sul pelo homem branco iniciou-

se na segunda metade do século XVI, e tinha como objetivo a caça aos índios

que habitavam a região para trabalharem na lavoura de cana- de- açúçar: os

goitacazes, na região da foz no norte fluminense e, Paraíba acima, os puris e

coroados, habitantes primitivos da bacia. Esse processo se deu ao longo dos

diversos ciclos econômicos: da cana- de- açúcar (século XVII), do café (final do

século XVIII e século XIX), chegando ao ciclo industrial, no século XX. Todas

essas atividades econômicas foram desenvolvidas de forma predatória,

contribuindo para que a bacia chegasse ao estado de degradação ambiental

em que se encontra hoje.

Os primeiros povoados surgiram junto à foz, no estado do Rio de

Janeiro, e no Vale do Paraíba Paulista, em torno da atividade canavieira. No

século seguinte, com a descoberta e exploração de metais e pedras preciosas

em Minas Gerais, intensificou - se a ocupação da região, especialmente ao

longo dos caminhos que, atravessando a bacia, estabeleceram a ligação da

zona mineradora com São Paulo e o Rio de Janeiro, para escoamento da

produção.

51

Foi com a cultura do café, a partir do final do século XVIII e

intensificada no decorrer do século XIX, que a ocupação da bacia do Paraíba

do Sul, tomou impulso. Navegável em poucos trechos, o rio Paraíba do Sul, no

século XIX, foi utilizado como via de transporte, para escoar a produção de

café. Acompanhando a expansão dos cafezais, as estradas de ferro

penetravam e ultrapassavam o Vale do Paraíba do Sul. Assim, apesar da

estagnação oriunda do declínio da economia cafeeira, viu- se a bacia provida

de uma boa infra - estrutura de transportes que, aliada à posição geográfica, à

disponibilidade de recursos hídricos e à facilidade de obtenção de energia

elétrica, estabeleceu as bases para a formação de um importante eixo

industrial entre São Paulo e o Rio de Janeiro.

VII.2.3 – Organização do Comitê

O CEIVAP vem se firmando como fórum de debate e decisões sobre as

questões do rio Paraíba. O comitê tem a atribuição de gerenciar os recursos

hídricos da bacia, de forma descentralizada e participativa, de acordo com a

lei. A meta primeira do CEIVAP é promover a articulação entre os três estados

onde a bacia do Paraíba se situa (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro), na

busca de soluções conjuntas para os problemas comuns relativos à sua

degradação.

O CEIVAP é formado por 60 membros, sendo três da União e 19 de cada

estado da bacia do Paraíba, com a seguinte composição: 40% de

representantes dos usuários de água (companhias de abastecimento e

saneamento, indústrias, hidrelétricas e os setores agrícola, de pesca, turismo e

lazer); 35% do poder público (União, governos estaduais e prefeituras) e 25%

de organizações civis, e seus membros são eleitos em fóruns democráticos. A

sede do CEIVAP encontra - se no município de Resende - RJ.

As atribuições do CEIVAP são: definir as metas de qualidade

(enquadramento) para as águas dos rios da bacia; propor diretrizes para a

outorga - permissão obrigatória para captar as águas dos rios; aprovar o

Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Paraíba do Sul e acompanhar sua

execução; criar a Agência das Águas da Bacia do Paraíba do Sul, que deverá ser

a figura jurídica e o braço executivo do CEIVAP; e implantar a cobrança pelo

uso da água, cujos critérios e valores a serem cobrados já foram aprovados

pelo plenário do CEIVAP.

Enquanto não é formada a Agência de Água da bacia, a secretaria

executiva do CEIVAP garante os meios para seu funcionamento e coloca em

prática suas decisões. O Comitê é assessorado por três Câmaras Técnicas:

Institucional, Planejamento e Investimento, e Educação Ambiental, que são

encarregadas de promover as discussões técnicas e preparar o processo de

tomada de decisões.

O CEIVAP tem incentivado e apoiado os movimentos regionais de

mobilização e organização, tendo em vista a gestão descentralizada,

participativa e integrada. Hoje, há sete organismos instalados e em pleno

funcionamento em seis diferentes sub- bacias ou trechos de bacias.

No ano de 2001, foram realizadas diversas ações dentro dos

objetivos do CEIVAP voltados à promoção do desenvolvimento sustentável da

bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, com ênfase no gerenciamento dos

recursos hídricos e recuperação da qualidade das suas águas. Estas ações, de

iniciativa principalmente das instâncias de governo federal, estaduais e

municipais, tendo a Bacia como objeto e o Comitê como espaço de

mobilização, articulação e decisão, produziram resultados significativos, tais

como fortalecimento institucional do CEIVAP, avanços na estruturação do

sistema de gestão dos recursos hídricos da bacia, e a viabilização de recursos

para intervenções estruturais de recuperação ambiental e melhoria da

disponibilidade de água da bacia.

As metas previstas para 2002 eram a implantação da cobrança pelo uso

da água na bacia, criação da Agência das Águas da Bacia do Paraíba do Sul,

que deverá ser a figura jurídica e braço executivo do CEIVAP, e a elaboração

do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do Paraíba do Sul para o período de

2003 a 2007.

CONCLUSÃO

53

O fato de nosso país possuir grandes reservas de água contribui para a

má utilização deste recurso. Ao baixo grau de conscientização da população

em relação a este problema, soma- se o descaso do poder público, dificultando

o processo de implantação do novo modelo de gerenciamento.

A precificação dos recursos, apesar de representar um avanço, não é

uma solução definitiva. O estabelecimento de um preço dá a falsa idéia de que

todos podem usar a água livremente, desde que paguem por ela. No entanto,

dependendo do nível de exaustão ou degradação do sistema, este não é capaz

de se recuperar e, no caso deste recurso, a sua exaustão pode levar a sérias

conseqüências, visto que a água é essencial para a existência humana.

Para a implementação de um processo de desenvolvimento em bases

sustentáveis é necessário tomar decisões de longo prazo, de difícil

aplicabilidade uma vez que depende da existência e funcionamento de vários

aspectos relacionados às condições sócio- econômicas. Além disso, as decisões

devem ser éticas e priorizar primeiro o acesso de todos de forma igualitária a

este recurso de modo que a água não se torne mais uma fonte de conflito

social.

O Brasil é o país da América Latina que apresenta os mais significativos

avanços nesta área. A lei 9433 /97, baseada em experiências existentes no

próprio País, e no modelo francês, representa uma evolução num país que

ainda não formou uma consciência ecológica. No Brasil, a legislação avançou

mais do que o processo de conscientização da população. Enquanto surgem

vários focos de implementação de comitês, existe uma dificuldade em fazer

com que a população participe de forma efetiva do processo decisório. Este

comportamento passivo é uma herança da historicamente restrita

participação do povo nas decisões político- administrativas do País. Uma

confirmação disto é que os comitês que mais têm evoluído são aqueles onde a

sua organização surgiu da necessidade da população de implementar um

novo modelo de gerenciamento dos recursos hídricos.

Outro conflito que surge desse novo tipo de gerenciamento é a

incompatibilidade entre os limites político- administrativos e as barreiras

geográficas. O comitê é implantado em uma bacia hidrográfica que não

necessariamente corresponde ao território administrativo criando assim

conflitos entre municípios, estados e até mesmo entre países. Mesmo depois

de formado, o comitê continua a sofrer com conflitos decorrentes das

disputas político- territoriais, colocando em posições antagônicas as

instituições que pertencem a diferentes níveis de governo (municipal, estadual

e federal); a principal razão é que no sistema de organização política

tradicional, a hierarquia colocava algumas dessas instituições como

subordinadas a outras, enquanto que na forma de organização do comitê,

todas estão no mesmo patamar e seu voto tem o mesmo peso.

Desta forma, pode - se perceber que antes de implantar novos modelos

de gerenciamento deve- se investir maciçamente em programas de

conscientização ambiental. Este processo deve passar, preferencialmente,

através do espaço educacional, onde os debates sobre o assunto serão fontes

de disseminação dessa consciência.

O Governo tem divulgado propagandas em revistas de grande circulação

convocando a população a participar dos comitês, mas ainda falha no aspecto

organizacional. Não há, ainda, na ANA um sistema de informações bem

estruturado, acessível a qualquer pessoa interessada, funcionando como um

canal democrático de acesso aos dados e informações relacionadas aos

comitês. Pode- se dizer que houve uma evolução institucional no plano federal

com a Lei 9433/97, que instituiu a criação da ANA, e a implementação do

CNRH, porém encontra - se em fase de transição.

São muitas as barreiras e as dificuldades surgidas ao longo do processo

de implementação dos comitês no Brasil, algumas delas com raízes profundas

e de difícil modificação. No entanto, não se pode ignorar que as ações que

vêm sendo tomadas em prol de um melhor gerenciamento dos recursos

hídricos estão na direção certa, fundamentadas no sucesso de iniciativas de

âmbito internacional.

55

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