Os contornos da cidadania crítica

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    Os contornos da cidadania crtica:explorando a legitimidade democrtica1

    Mitchel A. SeligsonUniversity of Pittsburgh, Estados Unidos

    John A. BoothUniversity of North Texas, Estados Unidos

    Miguel Gmez B.Universidad de Costa Rica, Costa Rica

    ResumoRecentes quedas acentuadas da confiana no governo dos pblicos de massa de democraciasinstitucionalizadas reacenderam o interesse pela teoria e pesquisa sobre a legitimidade. H muito tempoos tericos concebem a legitimidade poltica como multidimensional e sustentam que ela vai do apoioabstrato a uma comunidade poltica subjacente aos princpios do regime avaliao mais concreta dodesempenho do regime, das instituies e dos atores. Porm, surpreendentemente, pouca pesquisaemprica avaliou a validade desse constructo terico. Utilizando um survey nacional da Costa Rica, umademocracia estvel e bem sucedida, investigamos se a legitimidade poltica existe empiricamente eexaminamos sua estrutura. Usando anlise fatorial confirmatria, encontramos evidncias que sustentama estrutura multidimensional do apoio poltico. Identificamos tambm certas limitaes tanto dapesquisa terica como da emprica, relacionadas com a operacionalizao equivocada e a especificaode vnculos empricos que no conseguimos detectar. Tambm encontramos e remediamos umsurpreendente erro de omisso, j que as pesquisas anteriores no haviam percebido o governo localcomo um alvo de crenas legitimidoras.

    Palavras-chave: legitimidade poltica, cultura poltica, democracia, confiana

    Abstract

    Recent steep declines in trust in government among the mass publics of institutionalized democracieshave rekindled interest in legitimacy theory and research. Theorists have long conceived of politicallegitimacy as multidimensional, and argue that it ranges from abstract support for a politicalcommunity underlying regime principles to the more concrete evaluation of regime performance,institutions, and actors. However, surprisingly little empirical research has evaluated the theorysconstruct validity. Employing a national sample survey from Costa Rican, a stable and successfuldemocracy, we explore whether political legitimacy empirically exists and examine its structure. Usingconfirmatory factor analysis, we find evidence supporting the multidimensional structure of political

    support. We also identify certain limitations with both the theoretical and limited empirical research,related to misleading operationalization and the specification of empirical links that we fail to detect. Wealso find and remedy a surprising error of omission that prior research overlooked local government asa target of legitimacy beliefs.

    Key words: political legitimacy, civic culture, democracy, trust

    1 Os autores agradecem a Phil Paolino, Pippa Norris, Amber Seligson e aos vrios pareceristas annimospelos comentrios em verses anteriores deste artigo.

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    A eroso da confiana no governo ameaa a legitimidade do governo, o verdadeiro alicerce da democracia.

    Gary Hart, ex-senador dos Estados Unidos2

    A legitimidade poltica, que durante dcadas foi um conceito fundamentalpara a cincia poltica e do qual jornalistas e diplomatas se apropriaram em seusdiscursos sobre os Estados-naes, passa por dificuldades. Muitos livros e artigosdemonstraram empiricamente um acentuado e longo declnio da legitimidadepoltica e uma onda crescente de cidadania crtica nas democracias industriaisavanadas. Contudo, as terrveis conseqncias que decorrem da queda dalegitimidade, previstas por obras seminais do campo, no ocorreram.

    A teoria da legitimidade se reporta, com freqncia, obra clssica deLipset, Political man (1961). Lipset examinou o processo histrico, de longo prazo,pelo qual os regimes superam crises e se tornam sistemas polticos estveis comlegitimidade amplamente aceita. Todavia, nos Estados Unidos e em outrasdemocracias estabelecidas, dados de surveys mostram que a confiana dapopulao no governo, nos polticos e nas instituies pblicas diminuiuacentuadamente, s vezes ao longo de dcadas3. Estudiosos e figuras pblicasderam repetidamente o alarme de que a prpria democracia poderia ser posta em

    risco pelo declnio da legitimidade ou seja, pelo crescimento da proporo decidados crticos (KORNBERG e CLARKE, 1992; NYE, 1997; MILLER, 1974; NYE,ZELIKOW e KING, 1997; PRESTON et al., 1983; PHARR, PUTNAM e DALTON, 2000;DALTON, 2004).

    Se a legitimidade to importante para a estabilidade poltica quanto aliteratura clssica afirma, ento sua eroso em muitas democracias contemporneasdeveria causar alguns efeitos. Como diz Dalton: O afrouxamento dos laos com acomunidade poltica em um sistema democrtico pode prenunciar uma eventualrevoluo, guerra civil ou colapso da democracia (DALTON, 2004, p. 7).

    2 Tal como citado na sobrecapa de Dalton (2004).3 Ver a extensa bibliografia reunida por Norris (1999) e pelos colaboradores de seu livro Critical citizens:global support for democratic governance, e por Nye, Zelikow e King (1997) e seus colaboradores em Whypeople dont trust the government. Ver tambm Citrin (1974), Miller (1974), Finkel, Muller e Seligson(1989), Nye e Zelikow (1997), Gibson, Caldeira, e Spence (2003), Hardin (1999) e Warren (1999).

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    No entanto, sabemos que, apesar do declnio do apoio de massa medidopelas pesquisas, as democracias industriais avanadas no parecem estar beirado colapso e mesmo a atividade generalizada de protesto contra o sistema rara4.Os tumultos de dezembro de 1999 em Seattle ocorreram de fato, e protestossimilares aconteceram na Europa Ocidental, mas essas irrupes foram espordicase limitadas e no mostraram nenhum sinal de desestabilizao dos regimes em queocorreram. Isto posto, conseguimos enquadrar com preciso o enigma central dapesquisa sobre legitimidade: quais so e onde esto os efeitos ausentes do declnioobservado da legitimidade? Se a legitimidade de fato diminuiu muito, por que notem havido protestos mais freqentes e disseminados contra as democraciasestabelecidas?

    Para resgatar a teoria da legitimidade desse embarao, pode-se voltar noo de Easton e Lipset de um reservatrio de apoio, construdo ao longo dosanos e, portanto, de eroso lenta. Porm, essa explicao parece sem valor diantede vrios fatos. Embora os escores da legitimidade estejam baixos nos EstadosUnidos (depois de uma efmera recuperao ps-11 de setembro), a eleio de2004 teve um forte aumento do comparecimento dos eleitores e uma novaparticipao de cidados no financiamento das campanhas atravs da internet. Atmesmo em pases de democratizao recente, que deveriam ter poucas reservas delegitimidade para atravessar tempos difceis, os regimes democrticos parecemsuportar as crises violentas, como demonstra to bem o caso da Argentina em anosrecentes5.

    Tudo isso sugere uma disjuno aguda entre o que a teoria da legitimidade

    prediz e o que est acontecendo na realidade. O que, ento, est errado? A teoria falha e a legitimidade poltica irrelevante para a estabilidade poltica, ou mesmopara o protesto? Ou h algo de errado com o modo como conceituamos e medimos

    4 Przeworski et al. descobriram que a nica varivel que importa para predizer o colapso democrtico odesenvolvimento econmico: (...) nenhuma democracia foi jamais subvertida [isto , derrubada], nodurante o perodo que estudamos, e nem mesmo antes ou depois, independentemente de todo o resto,em um pas com uma renda per capita mais alta do que a da Argentina em 1975: US$ 6.055. No hdvidas de que a democracia estvel em pases ricos (PRZEWORSKI et al., 2000, p. 98). Desse modo,a estabilidade dos pases ricos no perodo posterior Segunda Guerra Mundial pareceria completamente

    independente da legitimidade poltica (e de todas as outras atitudes polticas de massa). Manifestamosdvidas sobre essa noo radical.5 Estamos evidentemente conscientes de que ocorreram interrupes em pases recentementedemocratizados, como ilustram o golpe do governo Fujimori no Peru e o golpe de curta durao contraChvez na Venezuela. Alm disso, sabemos do grave enfraquecimento das liberdades democrticas naVenezuela, antes e especialmente depois do golpe fracassado. O colapso de muitas democraciaseuropias no entre-guerras tambm est bem documentado. Mas nosso argumento que os colapsosdemocrticos so bastante raros em sociedades industriais estabelecidas e excees em naes emprocesso de democratizao, mesmo entre pases nos quais as pesquisas de opinio mostram forte edemorada desiluso pblica.

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    legitimidade, de tal maneira que a pesquisa emprica pode no estar examinando asvariveis corretas? Este artigo explora a segunda questo, porque se no formoscapazes de ser mais precisos e confiantes em nossa medida do conceito delegitimidade, no poderemos testar realmente a teoria. Com medies melhores ecom os contornos da legitimidade mais bem conhecidos, talvez possamos concluirque a teoria funciona e, possivelmente, que os resultados contraditrios no mundoreal discutidos acima so adequados teoria. Ou ento, se mesmo amplos esforospara melhorar a medio no produzirem melhores previses no mundo real, podeter chegado o momento de reavaliar a utilidade da teoria. Este artigo oferece umexame detalhado da medida e da dimensionalidade da legitimidade poltica empblicos de massa. Empregamos um conjunto de dados especialmente relevantescoletados na Costa Rica, uma democracia muito estvel em um pas emdesenvolvimento.

    A legitimidade (concebida amplamente como apoio dos cidados aogoverno) um conceito teoricamente rico, mas acreditamos que tem sido maldefinido e mal verificado empiricamente. Assim, apesar das contribuies tericasfundamentais de David Easton (1965 e 1975), a validade do constructo dalegitimidade foi pouco verificada6. Desse modo, para um conceito de uso todisseminado, pouco foi definitivamente estabelecido sobre a estrutura dalegitimidade ou seus efeitos sobre a estabilidade poltica. Sups-se, mas nunca sedemonstrou, que o apoio dos cidados ao regime influi de alguma forma naschances de sobrevivncia desse regime. Afirmou-se, por exemplo, que a Repblicade Weimar caiu e Hitler foi eleito devido falta de legitimidade do regime. Contudo,

    a ausncia de dados de surveys na Alemanha nos anos 1920 e 1930 deixa aafirmao sem teste. Com efeito, os observadores atribuem o colapso generalizadodas democracias europias antes da Segunda Guerra Mundial a problemas delegitimidade, mas nenhuma pesquisa emprica sustenta essa afirmao (BERMEO,2003). A determinao dos efeitos do declnio da legitimidade poderia serparticularmente importante para as novas democracias, porque poderamos suporque at uma perda relativamente pequena de apoio ao sistema poderia destruirsuas frgeis instituies democrticas e a prpria democracia. Neste artigo,examinamos primeiramente a literatura sobre legitimidade e a noo relacionada deapoio poltico e depois exploramos empiricamente o conceito, na esperana de

    esclarec-lo.

    6 A validade do constructo refere-se a se uma varivel (ou, no nosso caso, um grupo de variveisrelacionadas) internamente coerente (validade interna) e mede o que pretende medir no mundoemprico (validade externa).

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    Pesquisas anteriores sobre legitimidade: especificao e desagregao

    Quase toda a pesquisa emprica nesse campo decorre da teoria pioneira deDavid Easton, que fundamentou a definio de legitimidade poltica dentro doquadro do que chamou de apoio poltico. A concepo de Easton tem a grandevantagem de subdividir o conceito de legitimidade poltica em certos componentesque so mais generalizados (relacionados com valores mais bsicos efundamentais) e outros que esto relacionados com fenmenos mais especficos(avaliao de lderes bem conhecidos e de instituies especficas do governo).Easton perguntou: possvel fazer uma distino vlida entre apoio especfico edifuso? O apoio em ambos esses modos deve ser construdo como uni oumultidimensional? (EASTON, 1975, p. 435). Seu argumento a favor damultidimensionalidade continua a dar forma discusso e pesquisa sobre essaquesto.

    Easton definiu legitimidade em termos de atitudes dos cidados,especificamente a convico de que certo e apropriado (...) obedecer sautoridades e sujeitar-se s exigncias do regime (EASTON, 1975, p. 451). Eleidentificou duas dimenses principais de apoio poltico conforme seus objetos apoio difuso (que foi depois dividido em atitudes em relao comunidade polticae aquelas voltadas para o regime) e apoio especfico (orientado para o desempenhodas autoridades polticas, isto , dos ocupantes do poder)7. As avaliaes doscidados do desempenho e dos atos das autoridades e seus conseqentesbenefcios/custos determinariam os nveis de apoio especfico. Experincia pessoal,

    ideologia e socializao moldariam o apoio difuso.A teorizao mais recente sobre legitimidade poltica comea com uma

    discusso de Nye e Zelikow (1997, p. 278) e tem seguimento com Norris (1999) eDalton (1999 e 2004), que refinam a conceituao de legitimidade de Easton eaprofundam a explicao de sua dimensionalidade. Norris teoriza que alegitimidade poltica (na orientao dos cidados) tem cinco componentes baseadosem opinio favorvel ou crtica de certos objetos, e cada um define uma dimenso:so eles a comunidade poltica (a nao), os princpios do regime (valores centraisdo sistema poltico), o desempenho do regime (o funcionamento do regime naprtica), as instituies do regime (as instituies existentes de governo) e os atores

    polticos (lderes no poder) (NORRIS, 1999, p. 11-12). Na esteira de Easton, algunsdestes vo do geral ao especfico. As discusses de Easton, Norris e Dalton nos

    7 Easton (1965) trabalhou estas noes em um nvel mais terico em obras anteriores. Isso levou vriosestudiosos a sugerir que Easton tinha uma noo tridimensional em mente (comunidade poltica, regimee autoridades). Essa a noo que Dalton (2004, p. 5) utiliza, e nossa representao da tese em duasdimenses, em que comunidade poltica e regime so subdimenses de apoio difuso no contradiz talleitura, mas apenas v as duas primeiras dimenses como distintas da terceira.

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    levam a esperar mltiplas dimenses e subdimenses da legitimidade, baseadasem objetos polticos particulares. Por implicao, os cidados podem darindividualmente mais ou menos apoio em cada dimenso e diferentes pases teriamcontornos variados de legitimidade baseados nas posies mdias de seus cidadosnas dimenses.

    Na esfera do emprico, a pesquisa sobre legitimidade baseou-se de incio emlarga medida em um conjunto de itens sobre confiana no governo desenvolvidopelo Survey Research Center da Universidade de Michigan. Perguntavam, porexemplo, o quanto do tempo voc pensa que pode confiar no governo deWashington para fazer o que certo8. Os esforos para verificar empiricamente amultidimensionalidade da legitimidade estavam muito atrasados em relao teorizao de Easton, mas acabaram por progredir atravs de dois estgios.Lowenberg (1971) comeou um debate argumentando que a distino de Eastonentre apoio especfico e difuso no era empiricamente verificvel. A ampladiscusso de Rogowski (1974) sobre a teoria da legitimidade levantou questesbsicas sobre a dicotomia entre os dois tipos de apoio. Em um debate agoraclssico, Miller (1974) sustentou que os declnios observados na srie confiana nogoverno de Michigan revelavam o crescimento da alienao poltica nos EstadosUnidos, enquanto que Citrin (1974) contra-argumentava que a medida de confianaavaliava apenas o descontentamento superficial com as autoridades eleitas dapoca. Esse debate provocou uma srie de artigos que levantaram sriosquestionamentos em relao confiabilidade e validade dos itens sobre confianano governo e ofereceram a primeira verificao emprica das dimenses de apoio

    difuso e especfico (MULLER, JUKAM e SELIGSON, 1982; CITRIN e MUSTE, 1999).Apesar desse incio promissor e do amplo reconhecimento da importncia

    de desagregar legitimidade/apoio, boa parte das pesquisas nos anos seguintes seconcentrou em apenas uma dimenso. Por exemplo, aps uma extensa discussoda dimensionalidade do apoio, Fuchs, Guidorossi e Svensson (1995, p. 325-29)empregaram uma nica varivel (satisfao com a democracia) em sua anlise doapoio nas democracias europias.

    Nessa segunda fase, a pesquisa ultrapassou a noo bidimensionaldifuso/especfico para uma conceituao multidimensional mais ampla dalegitimidade poltica. Kornberg e Clarke (1992), usando dados de um survey

    realizado no Canad, examinaram trs objetos de apoio: comunidade, regime eautoridades. Esta anlise descreveu (mas no apresentou) um modelounidimensional consistente com a tese de que as dimenses de apoio no soempiricamente distinguveis. Os autores concluram que esse modelo tem umajuste totalmente insatisfatrio (KORNBERG e CLARKE, 1992, p. 114) e depois

    8 Para o conjunto completo de itens ver Citrin e Muste (1999, p. 481-83).

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    apresentaram uma anlise fatorial confirmatria na qual as dimenses paracomunidade, regime e autoridades separavam-se de forma clara. Isso dava suporte validade emprica da multidimensionalidade da legitimidade, mas no eradefinitivo porque um nico item (uma nica questo do survey) era usado paramedir cada dimenso.

    A contribuio emprica de Kornberg e Clarke sobre a multidimensionalidadeinfluenciou a teorizao de Nye e Zelikow (1997) e Norris (1999) em publicaesimportantes, mas outros esforos empricos para verificar a multidimensionalidadeda legitimidade e explorar seus contornos em diferentes naes continuaramlimitados. Norris (1999, p. 16-21) discutiu em detalhe as perguntas que poderiamexplorar a estrutura dimensional que ela props, mas no analisou empiricamenteos itens selecionados. Klingemann (1999) fez anlise fatorial de uma srie de itenstirados dos World Values Surveys de meados da dcada de 1990 em 39 pases.Porm, em vez tentar detectar todas as cinco dimenses propostas por Norris, eleprocurou e encontrou trs atravs dos pases apoio comunidade poltica, aosprincpios do regime e ao desempenho do regime e relatou variao em nvelnacional nessas dimenses. Klingemann no examinou duas das dimenses deNorris (apoio a instituies do regime e a atores polticos), e explicou o porqu: Osanalistas encontram problemas de anlise secundria. Eles so obrigados a usaraqueles indicadores que finalmente entraram no questionrio, embora alternativaspudessem ter sido preferidas (KLINGEMANN, 1999, p. 35). Klingemann tambmrelatou problemas com algumas das dimenses hipotticas. Por exemplo, ascorrelaes entre alguns itens que supostamente definiam dimenses eram baixas,

    especialmente aquelas para comunidade poltica (1999, p. 38, n. 9). Alm disso, aanlise fatorial de Klingemann examinou a amostra reunida de 38 pases, nodeixando claro se a estrutura dimensional encontrada fora confirmada para cadapas em separado. Uma vez que sua anlise posterior foi no nvel de pas (porexemplo, demonstrando pases com apoio maior ou menor para a comunidadepoltica), essas estimativas pontuais talvez no tenham refletido a mesma estruturadimensional para cada pas da amostra.

    Dalton (1999), usando uma definio de cinco dimenses paralela deNorris, utilizou uma srie de estudos eleitorais nacionais de democracias industriaisavanadas para buscar provas da evoluo das dimenses de legitimidade ao longo

    do tempo. Contudo, esse estudo no tentou confirmar empiricamente adimensionalidade real das questes usadas para captar a suposta estrutura deapoio de cinco dimenses que serve de base para o trabalho.

    O esforo mais ambicioso que encontramos at agora a recente anlise deDalton de oito naes industriais avanadas tirada da srie 1995-1998 dos WorldValues (DALTON, 2004, p. 57-62). Usando anlise fatorial em uma amostra reunida(multinacional), ele revelou quatro dimenses de legitimidade: apoio comunidade,

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    democracia, a instituies e a autoridades. No entanto, esse esquema omitiu acategoria de desempenho do regime que Norris (1999) e Dalton (1999, p. 68-69)haviam proposto e que Dalton havia analisado em trabalho anterior. Ademais, adimenso teorizada de apoio aos princpios do regime foi transformada namedida muito mais estreita de apoio democracia. Alm disso, e de modo muitomais problemtico, Dalton (tal como Klingemann antes dele) usou uma anlisefatorial com rotao varimax (que pressupe ortogonalidade ou correlao zeroentre dimenses). Porm, a teoria que estava sendo testada supe explicitamenteque vrias dimenses de apoio estariam mutuamente relacionadas (isto ,pressupe dimenses inter-correlacionadas, em vez de no-correlacionadas). Pararemediar esse problema, Dalton (2004, p. 60 n. 4) mencionou em nota uma anlisefatorial oblqua, mas no apresentou os resultados e, ento, no sabemos como secomparam as solues ortogonal e oblqua. As medidas usadas na soluoquadridimensional usada em todo o livro empregaram os escores da anlise fatorialcom rotao varimax. Em conseqncia, os escores de legitimidade ortogonais (isto, no-correlacionados) foram usados para a anlise, apesar de ele ter confirmado oque a teoria da legitimidade afirma que as dimenses esto, de fato,correlacionadas.

    Os desafios da pesquisa

    Baseados na reviso da literatura descrita acima, encontramos seis desafios

    validao do constructo da legitimidade. O primeiro, podemos chamar de aarmadilha comparativa, vemos em alguns estudos empricos recentes sobre alegitimidade que empregam bases de dados multinacionais e anlisescomparativas9. O problema surge do fato de que boa parte da legitimidade que foimedida per se est orientada para determinados sistemas polticos do mundo real eo desempenho de suas instituies e seus atores. Em amostras comparativas devrios pases, cada cidado que avalia o desempenho dos atores polticos, porexemplo, est reagindo aos problemas da comunidade, regime, governo oudesempenho de sua prpria nao10. Esses pontos de referncia variam de paspara pas dentro das amostras, de tal modo que h, com efeito, um problema de

    heterocedasticidade em bases de dados comparativas (SELIGSON, 2002a). Assim,em nossa opinio, a dimensionalidade e os contornos da legitimidade deveriam serprimeiramente estabelecidos em naes isoladas e depois se fariam as

    9 Excees so Preston, Briggs, Kornberg, e Clarke (1983) e Kornberg e Clarke (1992).10 Para um argumento semelhante relacionado participao poltica, ver Norris (2002, p. xi-xiv).

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    comparaes entre os casos11. No fazemos essa observao para rejeitar apesquisa comparativa, uma vez que esta deve ser nosso objetivo ltimo. Masacreditamos que os estudiosos devem primeiro empreender esforos cuidadosospara estabelecer a dimensionalidade da legitimidade em nvel nacional, a fim deconfirmar plenamente que os constructos de legitimidade previstos existem de fatoe fazem sentido em casos particulares.

    Em segundo lugar, boa parte dos trabalhos clssicos sobre legitimidadebaseia-se na anlise fatorial como principal ferramenta metodolgica paraestabelecer a dimensionalidade do conceito. Porm, uma vez que as dimenses dalegitimidade esto inerentemente relacionadas umas com as outras, as soluesusuais de rotao varimax contradizem o argumento terico bsico. O trabalhoemprico (KORNBERG e CLARKE, 1992; CANACHE, 2002) confirma que asdimenses esto, de fato, inter-relacionadas. Uma soluo parcial usar umarotao oblqua na anlise fatorial, mas como j observamos neste artigo, avanosna modelagem de equaes estruturais, especialmente no que tange anlisefatorial confirmatria (AFC), nos permitem superar vrias limitaes da anlisefatorial e obter uma imagem mais clara das dimenses latentes que extramos dosdados, sua fora e suas inter-relaes.

    O terceiro obstculo deriva do alto custo dos surveys. Nas pesquisas deopinio pblica, geralmente prefervel que o pesquisador use vrias questesrelacionadas para confirmar a validade do constructo de um conceito como o deconfiana interpessoal ou legitimidade. Porm, empregar mltiplos itens pararepresentar cada dimenso da legitimidade caro, e assim o trabalho emprico

    sobre legitimidade e outras dimenses da opinio baseia-se, com freqncia, emum pequeno nmero de itens e, s vezes, em uma nica pergunta, comoobservamos na reviso dos trabalhos anteriores. Essa limitao afeta especialmentegrandes projetos de pesquisa nacionais e comparativos mas afeta tambm estudosde caso sobre apoio poltico em determinadas democracias (FUCHS, 1999;HOLMBERG, 1999; ROSE, SHIN e MUNRO, 1999). Portanto, explorar de modo maisadequado a estrutura real das dimenses da legitimidade exigiria, idealmente,mltiplos itens de surveys relacionados a cada objeto que se acredita definir umadimenso (DALTON, 2004).

    Em quarto lugar, ao fazer a reviso da literatura sobre legitimidade/apoio,

    fomos surpreendidos pela escassez de pesquisas sobre esse tema em nvel local.Uma vez que muitas pesquisas mostraram que os cidados interagem mais com as

    11 O problema parecido com o estabelecimento da dimensionalidade da participao poltica tal comoexaminado por Verba e Nie (1972), que exploraram esse problema tanto no contexto dos Estados Unidos ecomparativamente (VERBA, NIE e KIM, 1971). Eles descobriram que a dimensionalidade da participao universal, mas que a particularidade de sua estrutura definida pelo contexto institucional nacional.

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    instncias governamentais que lhe so mais prximas, ficamos realmente surpresoscom o fato de os pesquisadores ignorarem a legitimidade do governo local. Essalacuna especialmente problemtica no mundo em desenvolvimento, no qual adescentralizao se tornou um mantra para muitos programas de reforma estruturalpromovidos pelas agncias de desenvolvimento que buscam devolver o governo aopovo (VELIZ, 1980; NICKSON, 1995; CROOK e MANOR, 1998; DIAMOND, 1999).Alm disso, surgem indcios de que o governo local propicia um foro de participaoalternativo poltica em nvel nacional (BOOTH e RICHARD, 1996) e que o apoio doscidados ao governo local conduz ao engajamento no nvel local (BOOTH eSELIGSON, no prelo). Isso sugere o comeo de uma explicao de porque o declnioda legitimidade nacional no levou a mais crises de regimes: que os cidados crticospodem estar se voltando para arenas e modos de participao alternativos, em vez dese retirarem, protestarem ou desafiarem os governo nacionais. Testamos vrios itensrelacionados com o apoio ao governo local.

    Em quinto lugar, preciso pensar melhor sobre a dimenso de apoio aosprincpios do regime, que Dalton define como os amplos parmetros dentro dosquais o sistema poltico deveria funcionar (DALTON, 2004, p. 6). No entanto, Norrisargumenta que (...) uma vez que a democracia continua a ser um conceitoessencialmente questionado, aberto a mltiplos significados, no h consenso sobrequais valores deveriam ser considerados mais importantes (NORRIS, 1999, p. 11).Concordamos com Norris nesse ponto, mas a soluo dela, e de quase todos osoutros pesquisadores, foi usar os itens dos questionrios que se referem diretamentea democracia. Vemos dois problemas quando a palavra democracia includa em

    questes que tentam medir princpios do regime. Primeiro, h o problema do vispela resposta de desejabilidade social (KROSNICK, 1999, p. 44-49), que podetornar difcil para os respondentes expressar apoio pblico ditadura, contra umapercepo de maior desejabilidade social para a democracia. Em segundo lugar, ossurveys mostraram que determinados pblicos podem ter interpretaes muitodiferentes do termo. Por exemplo, um estudo relevante para nosso tema concluiu quea maioria dos costarriquenhos definia democracia em termos de liberdade, enquantoos chilenos a viam em termos de capitalismo e livre empresa/livre comrcio(SELIGSON, 2001). Contudo, apesar desses problemas, Norris (1999, p. 16-17),Dalton (2004, p. 58-59) e Klingemann (1999, p. 36-38) confiaram em itens que

    perguntavam sobre a aprovao da democracia como a melhor forma de governo euma preferncia pela democracia em relao ditadura. Acreditamos que essaabordagem na operacionalizao dos princpios do regime sofre tanto de vis deresposta como de confuso conceitual potencial pelo respondente.

    A discrepncia na interpretao da democracia entre os respondentes e opotencial de vis na resposta sugere que os pesquisadores deveriam evitar o termodemocracia per se e, ao invs, perguntar sobre os princpios essenciais que aqueles

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    que apiam a democracia deveriam ter. Um trao essencial da democracia naverdade, o cerne de sua definio central a participao dos cidados na poltica(COHEN, 1973; PATEMAN, 1970). Nossa preferncia e nossa estratgia adiante substituir as questes sobre princpios do regime que mencionam democracia poroutras que enfocam o grau em que os cidados aprovam a participao poltica,que est no corao conceitual da democracia.

    Uma sexta e ltima dificuldade que encontramos nas pesquisas anteriores a maneira como a dimenso de desempenho do regime foi operacionalizada. Talcomo em nossa preocupao com a medio dos princpios do regime, cremos queno ajuda usar itens que incluam o termo democracia. Um trabalho anteriormostrou que itens que medem satisfao com a democracia (CANACHE, MONDAK eSELIGSON, 2001) confundem, na verdade, satisfao com o desempenho do regimee satisfao com a democracia como sistema de governo. Embora nem todosconcordem com nossa preocupao (ANDERSON e GUILLORY, 1997), cremos queno h razo para fundir os dois conceitos, ainda que os itens usados para medirsatisfao com o desempenho do regime sejam sugeridos por Norris (1999, p. 18).

    Klingemann (1999, p. 36-37) emprega os itens de desempenho do regimede Norris, mas acrescenta outros que julgamos mais apropriados. Ele usa questesque investigam claramente o desempenho do regime ao perguntar como vo ascoisas e quo satisfeito voc est com o modo como as pessoas que esto nogoverno nacional cuidam dos negcios do pas. Infelizmente, ele inclui tambmitens que medem a confiana em instituies especficas (nesse caso, o Parlamentoe o Governo Central), que se sobrepem conceitualmente e confundem as

    importantes distines feitas por Norris entre apoio aos princpios do regime eapoio s instituies do regime. Desse modo, a anlise dimensional de Klingemannelimina inteiramente as instituies.

    Dalton (2004, p. 59), ao contrrio, tem um esquema em que o apoio sinstituies do regime surge como uma dimenso separada, mas ele no encontrauma dimenso que mea o desempenho do regime. Mishler e Rose (1999) usam umoutro mecanismo para medir o desempenho do regime, com o qual comparam osregimes atuais da Europa Oriental com seus predecessores comunistas.Consideramos isso uma excelente maneira de medir o desempenho do regime empases ps-comunistas, mas menos til em pases em que o regime no sofreu

    mudanas drsticas. Assim, preciso utilizar outras medidas e, para tanto,propomos questes amplamente usadas e testadas sobre desempenho do regime os itens sociotrpicos padro sobre o desempenho da economia. Embora sejamlimitados esfera econmica, esses itens so usados em tantos surveys e odesempenho da economia um fator to crtico na avaliao que os cidados fazemdo governo que achamos que seu uso se justifica amplamente.

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    Em suma, acreditamos que persiste a necessidade de explorar a dimensiona-lidade da legitimidade e a validade do constructo usando metodologia apropriada,evitando ao mesmo tempo os seis problemas acima mencionados. Ou seja, nesseestgio de nossa preocupao com a incapacidade das previses da teoria dalegitimidade de corresponder realidade, preciso empreender pesquisas em nvelnacional. Devemos utilizar mltiplos itens para cada uma das possveis dimenses dalegitimidade a fim de aumentar a chance de estabelecer a validade da dimensiona-lidade e as possveis relaes entre as dimenses. Acreditamos que oferecemos aquiuma contribuio til nesse sentido. Examinamos a legitimidade em um determinadocontexto nacional a Costa Rica com um survey expressamente projetado paraincluir a potencial multiplicidade de itens representativos dos objetos de legitimidade.Exploramos a dimensionalidade da legitimidade usando anlise fatorial confirmatria.

    Somente depois de estabelecer a validade do constructo da legitimidade empelo menos alguns pases que poderemos explorar com proveito suas fontes e seusefeitos. Uma vez validado em casos nacionais individuais, poderemos avanar para aanlise comparativa e para uma explorao til dos modos como os componentes dalegitimidade podem ou no estar conectados com o comportamento dos cidados nomundo real e, em ltima anlise, com a estabilidade dos regimes.

    O cenrio

    A Costa Rica oferece um excelente caso para examinar a estrutura da

    legitimidade democrtica. a democracia mais antiga e mais estvel da AmricaLatina. Goza de um perodo contnuo de probidade eleitoral e governo civil desde oestabelecimento do regime atual, no final da dcada de 1940. Nos anos 1990, opas j evolura para um sistema bipartidrio dominado pelo social-democrataPartido de Libertao Nacional (PLN), fundado no comeo dos anos 1950, e oPartido da Unidade Social Crist (PUSC), que surgiu de uma coalizo de partidosconservadores na dcada de 1980. Apesar do histrico impecvel de eleieslimpas e da estabilidade do regime por cinco dcadas, a Costa Rica experimentouum inesperado declnio de comparecimento eleitoral nas duas ltimas eleiesnacionais. Alm disso, deseres do PLN e uma forte votao em um novo partido

    insurgente foraram pela primeira vez a realizao de um segundo turno naseleies presidenciais de 2002. Esses eventos e tendncias sugeriram a muitosobservadores um possvel problema de queda da legitimidade ou, pelo menos, dedeclnio da legitimidade do sistema partidrio, e um forte aumento na quantidadede cidados crticos na Costa Rica (BOOTH, no prelo). Em 2004, depois da coletados dados aqui analisados, uma srie de graves escndalos envolvendo dois ex-presidentes sacudiu o pas e levantou mais questes sobre a estabilidade do

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    sistema partidrio existente. Por fim, a economia do pas enfrentou dificuldadesmuito significativas em dcadas recentes, piorando a distribuio de renda,alterando a estrutura e a cobertura dos servios pblicos e forando a adoo deum novo modelo econmico, neoliberal (BOOTH, 1998; WILSON, 1998; CLARK,2001; ROVIRA MAS, 2001). Essas mudanas sugerem a possibilidade de reaesbastante divergentes aos contextos econmico e poltico entre os cidados as quaisdeveriam nos permitir identificar insatisfao com diferentes objetos polticos, domais abstrato (o sistema democrtico) ao mais concreto (polticos no poder).

    Conseguimos explorar a estrutura e os determinantes da legitimidade naCosta Rica contempornea em um grau de detalhamento at ento no conseguidoem outros lugares, inclusive na prpria Costa Rica. No final de 2002, coletamosentrevistas em uma amostra nacional de 1.016 cidados costarriquenhos em idadede votar. O survey incluiu vrias dezenas de perguntas deliberadamenteestruturadas para permitir o teste da proposta de legitimidade de Easton, tal comoexpandida por Norris e Dalton. H mltiplos itens para cada objeto de avaliao,bem como muitos mais itens para medir o apoio dos cidados a outras instituies,inclusive o governo local, que foi omitido no esquema Easton/Norris/Dalton.

    O conjunto de dados Os dados para esta anlise foram retirados de uma amostraprobabilstica nacional projetada por Miguel Gmez B. A amostra representativada populao de 18-69 anos de idade e foi desenhada como estratificada emmltiplos estgios, com cluster e probabilidade proporcional ao tamanho (PPT).Especificamente, o pas foi dividido em cinco estratos geogrficos: a rea da grande

    San Jos metropolitana, outras reas urbanas do Vale Central, reas rurais do ValeCentral, o resto das reas urbanas e o resto das reas rurais. A amostrametropolitana foi estratificada ainda em trs zonas socioeconmicas: alta, mdia ebaixa.

    Em cada estrato, houve um processo de seleo em dois estgios. Oprimeiro estgio consistiu na seleo de segmentos do censo nacional de 2000,usando tcnicas de PPT, e dentro de cada segmento, foi designado um clusterdeoito domiclios12. O segundo estgio, no domiclio, seguiu os procedimentosamostrais sugeridos por Sudman (1966). A amostra resultante totalizou 1.016casos e foi ponderada para refletir a distribuio real da populao, tal como

    refletida no censo de 2000.

    12 Informaes preliminares do censo foram postas a nossa disposio em junho de 2002 pelo InstitutoNacional de Estatstica e Censos da Costa Rica.

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    Medida: o desafio da seleo de variveis

    O desafio imediato no estudo da estrutura da legitimidade, comoobservamos acima, a determinao das questes que se pode razoavelmentesupor que medem seus vrios componentes ou dimenses. Nessa fase da pesquisa,o trabalho de Norris (1999, p. 9-21) nos ajudou muito ao conceituar com clareza asdimenses da legitimidade e vincul-las a questes usadas em muitos dos grandessurveys multinacionais. Comeamos, ento, com os itens desenvolvidosespecificamente para o esquema de Norris, includos em seu estudo comparativobaseado no World ValuesSurvey e no Eurobarometer. Mas a lista de Norris no erainclusiva e, ento, acrescentamos outros itens usados comumente para medir apoiopoltico em outros estudos, com um grande nmero de referentes institucionais e deatores (FINKEL, MULLER e SELIGSON, 1989; MULLER, JUKAM e SELIGSON, 1982;MULLER e WILLIAMS, 1980; SELIGSON, 2002a). Inclumos medidas de apoio aatores polticos e suas polticas, em especfico, o presidente da Costa Rica.

    Como observamos na reviso da literatura, acreditamos que mensurar oapoio aos princpios bsicos do regime com base na aprovao da democraciaemprega uma estratgia de medio inapropriada ao incluir nas perguntas essapalavra to sobrecarregada. Em vez disso, voltamos nosso foco para a normafundamental da participao poltica, a essncia da democracia. Portanto, paramedir o apoio aos princpios do regime, empregamos uma srie de questes quemedem a aprovao da participao poltica. Em nossas tentativas iniciais deestudar a dimensionalidade da legitimidade, usamos itens idnticos aos de Norris,

    mas conclumos que eles se relacionavam mal uns com os outros e muito poucocom outras dimenses da legitimidade. Porm, nossa deciso de rejeitar aquelesitens veio da preocupao mais profunda com a desejabilidade social e com aconfuso conceitual. Do mesmo modo, preocupamo-nos com outra possvelconfuso conceitual entre apoio ao desempenho do regime e apoio s instituiesdo regime. Assim, usamos uma bateria de trs itens sociotrpicos padrorelacionados ao desempenho da economia nacional. Por fim, acrescentamos novositens, especialmente uma srie relacionada com o apoio ao governo local comoobjeto de referncia (SELIGSON, 2002c; SELIGSON, GRIJALVA e CRDOVA, 2002).

    A Tabela 1 lista os itens que utilizamos, agrupados por dimenso da

    legitimidade prevista, seguindo o esquema estabelecido por Norris (1999, p. 10).Tambm emendamos o agrupamento para incluir a orientao em relao ao governolocal, um objeto que acrescentamos baseados no raciocnio desenvolvido acima, bemcomo em nossa conceituao alternativa dos princpios do regime e do desempenhodo regime. Observe-se que, com o objetivo de reduzir os efeitos de unidade e mediode grupos de itens similarmente estruturados em anlises estatsticas subseqentes,recodificamos todos os itens da Tabela 1 para ter uma amplitude de 0 a 100.

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    1. Em que medida voc sente orgulho de ser

    costarriquenho? (escala de 7 pontos: recodificada em

    muito = 100 nada = 0).

    2. Em que medida voc concorda que, apesar de nossas

    diferenas, ns costarriquenhos temos muitas coisas e

    valores que nos unem como pas? (escala de 7 pontos:

    recodificada em concorda muito = 100 discorda

    muito = 0).

    Mdia do grupo

    84,90

    96,75

    90,83

    18,48

    12,97

    15,73

    Vou ler para voc uma lista de algumas aes ou coisasque as pessoas podem fazer para alcanar suas metas

    e objetivos polticos. Por favor, me diga em que medida

    voc aprova ou desaprova as pessoas que fazem estas

    coisas: (escala de 10 pontos: 0 = desaprova muito; 10

    = aprova muito, transformada em uma escala de 0-

    100).

    1. Que as pessoas participem de manifestaes

    legalmente permitidas.

    2. Que as pessoas participem de um grupo que tenta

    resolver os problemas da comunidade.

    3. Que as pessoas trabalhem em uma campanha

    eleitoral para um partido ou candidato.

    Mdia do grupo

    73,29

    86,32

    78,58

    79,35

    30,22

    21,98

    26,56

    21,78

    1. Como voc classificaria, em geral, a situao

    econmica do pas? (escala de 5 pontos: recodificada

    em muito boa = 100 muito ruim = 0)

    2. Voc acha que a situao econmica do pas est

    melhor, mais ou menos a mesma ou pior do que h um

    ano? (escala de 5 pontos: recodificada em muito

    melhor = 100 muito pior = 0)

    3. Voc acha que nos prximos 12 meses a situao

    econmica do pas ficar melhor, a mesma ou pior do

    que agora? (escala de 5 pontos: recodificada em muito

    melhor= 100 muito pior = 0)

    Mdia do grupo

    41,00

    37,90

    45,04

    41,27

    19,06

    32,90

    37,35

    22,57

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    Todos os seguintes itens esto em uma escala de 7pontos: 0 = nada 7 = muito, transformada em 0-

    100):

    1. Quanto voc acha que os tribunais da Costa Rica

    garantem um julgamento justo?

    2. Quanto voc respeita as instituies polticas da Costa

    Rica?

    3. Quanto voc acha que os direitos bsicos dos cidados

    so bem protegidos no sistema poltico costarriquenho?

    4. Quo orgulhoso voc se sente de viver no sistema

    poltico costarriquenho?

    5. Quanto voc acha que uma pessoa deve apoiar o

    sistema poltico costarriquenho?

    Mdia do grupo

    57,26

    77,65

    61,11

    75,10

    75,05

    69,23

    24,22

    24,62

    24,40

    23,62

    23,38

    24,05

    6. Quanto voc confia no Supremo Tribunal Eleitoral?

    7. Quanto voc confia na Assemblia Legislativa?

    8. Quanto voc se sente bem representado por seus

    deputados no legislativo provincial?

    9. Quanto voc confia nos partidos polticos?

    10. Quanto voc confia na Suprema Corte?

    Mdia do grupo

    76,32

    56,88

    45,28

    38,99

    60,36

    55,59

    24,16

    27,83

    27,87

    26,93

    25,79

    19,74

    1. Quanta confiana voc tem na prefeitura? (escala de 7

    pontos: 0 = nenhuma 100 = muito)

    2. Voc diria que os servios que a prefeitura oferece s

    pessoas de seu canto (municpio) so muito bons

    (100), bons (75), nem bons nem ruins (50), ruins (25),

    muito ruins (0)?

    3. Como voc acha que eles trataram voc ou seus

    vizinhos quando vocs foram prefeitura para tratar de

    alguma coisa? Muito bem (100), bem (75), nem bem

    nem mal (50), mal (25), muito mal (0).

    4. Voc acha que o prefeito e a cmara de vereadores

    respondem aos desejos das pessoas sempre (100), na

    maioria das vezes (75), algumas vezes (50), quase

    nunca (25), nunca (0)?

    Mdia do grupo

    48,86

    46,66

    55,73

    34,54

    46,44

    26,32

    23,04

    22,69

    21,53

    23,40

    Todos em uma escala de 7 pontos (nada = 0

    muito = 100): Falando do governo de Miguel AngelRodrguez, quanto este governo:

    1. Lutou contra a pobreza?

    2. Promoveu o desenvolvimento econmico?

    3. Combateu a corrupo no governo?

    4. Lutou contra o crime?

    5. Promoveu os princpios democrticos?

    Mdia do grupo

    48,23

    52,14

    42,51

    46,13

    55,18

    46,69

    25,81

    25,46

    27,40

    27,90

    24,77

    23,15

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    Resultados

    Abordamos a anlise dos dados em trs fases para nos ajudar a classificar alista de variveis da Tabela 1. Primeiro, usamos anlise fatorial exploratria(componentes principais, com uma rotao varimax), pois a limitada pesquisaanterior publicada havia utilizado, em larga medida, essa tcnica. Os resultados nosderam uma primeira aproximao razovel, mas, como espervamos, trouxeram umasrie de problemas (ver Anexo A). Encontramos um grave problema de distribuio decargas embora estivssemos usando uma tcnica projetada para maximizar aortogonalidade dos itens. Em particular, observamos esse problema para as variveisque medem comunidade poltica (fator 6 no Anexo A), com a segunda varivel nasrie (apesar de nossas diferenas, os costarriquenhos tm muito em comum),carregando mais pesadamente o fator 4, aquele que mede apoio aos princpioscentrais do regime. Encontramos um segundo problema com os itens de instituiesdo regime. Na verdade, houve dois problemas diferentes aqui. Primeiro, um item quemedia representao (bem representado por deputados) produziu problemasextremamente graves de distribuio de cargas. Trata-se de um problema queencontramos antes com esse item, e baseados nessa experincia e nos resultados daanlise fatorial, o deixamos de lado completamente. Porm, mesmo com esse itemeliminado, trs dos itens de instituies do regime (respeito s instituies,orgulho do sistema e deveria apoiar sistema) dividiram suas cargas entre osfatores 1 e 6. Assim, nossa rotao varimax no pode separar com facilidade adimenso da comunidade poltica da dimenso das instituies do regime. Por fim,

    houve tambm um problema de distribuio de cargas entre o item das instituiesque media confiana na prefeitura com a srie de governo local, uma sobreposioque certamente compreensvel.

    Em seguida, passamos para uma soluo mais afinada com a expectativaterica de que os itens que medem legitimidade estariam de fato relacionados entresi e assim passamos a aplicar a mais defensvel rotao oblqua aos resultados daanlise fatorial (Anexo B). Essa soluo, embora mais defensvel, nos deixou commuitos dos problemas da rotao varimax.

    Conclumos as duas primeiras fases da anlise fatorial exploratriaacreditando que havamos obtido uma boa primeira aproximao dos resultados,

    ainda que a capacidade da anlise fatorial de retratar adequadamente as ligaesentre as dimenses subjacentes da legitimidade/apoio seja limitada e nopudssemos resolver os problemas relatados acima nas solues de anlise fatorial.Isso nos forou a voltar s variveis originais e levar em conta a extrema assimetriana primeira dimenso, crena na existncia de uma comunidade poltica (verTabela 1 para mdias). As mdias nesses dois itens no eram apenas mais altas doque aquelas de todas as outras variveis do estudo, mas os desvios padro eram

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    mais baixos, indicando pouca disperso das respostas. pergunta em que medidavoc sente orgulho de ser costarriquenho?, somente 3,6% da amostra responderamno campo negativo do continuum (escores 1, 2 ou 3 na escala original de 1-7). Apenas4,2% da amostra responderam negativamente ao segundo item, apesar de nossasdiferenas, os costarriquenhos tm muito em comum.

    A distribuio do item orgulho, mostrada na Figura 1, revela claramente quese trata de um item de valncia sobre o qual h uma concordncia quase universal.Perguntamo-nos se esse resultado poderia ser especfico da Costa Rica, masencontramos um padro similar em muitos outros pases no conjunto de dados doWorld Values 1995-97. Nesta srie, fez-se aos respondentes a mesma pergunta quefizemos na Costa Rica13. A Venezuela, na poca da pesquisa (1996), vivia um longoperodo de profunda turbulncia, com um sistema partidrio desacreditado e anos dequeda do PIB. No obstante, 98,6% dos respondentes disseram que se sentiamorgulhosos de ser venezuelanos (93,7% muito orgulhoso e 4,9% orgulhoso). NoPeru, que tambm sofria de graves turbulncias polticas e econmicas, 94,2% dosrespondentes disseram que se sentiam orgulhosos de ser peruanos. Os valores doorgulho nacional tambm foram muito altos para a Repblica Dominicana (90,2%),Colmbia (96,7%) e Estados Unidos (96,9%). Esses resultados sugerem que oscostarriquenhos no so excepcionais em sua reao a essa pergunta14. Contudo,nem todos os pblicos de massa reagiram assim. Por exemplo, apenas 46,9% dosalemes afirmaram sentir orgulho na srie do World Values de 1995-97. Assim, emalguns pases, esse item poderia discriminar entre aqueles com um alto e um baixosentimento de comunidade poltica, mas na Costa Rica (e em muitos outros casos),

    no ajuda a diferenciar os respondentes. Tendo em vista essas distribuiesaltamente assimtricas, decidimos que no faria sentido continuar a analisar os itensde comunidade poltica nesta pesquisa e os retiramos do estgio seguinte da anlise.

    13 O item do World Values, embora formulado de forma idntica na questo, oferecia uma escala derespostas com apenas quatro opes que iam de muito orgulhoso a nada orgulhoso (nosso itemtinha sete respostas possveis).14 A srie do World Values no contm nosso segundo item, ento no podemos compar-lo.

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    Nossa anlise fatorial sofreu tambm de um problema de dados faltantes(missing data). Decidimos, como costume em anlises desse tipo, eliminar as no-respostas de modo pairwise. Embora sua quantidade em qualquer item no passe,em geral, de 3%, em um item (tratamento pelo governo municipal) da srie dogoverno local, perdemos 11% dos casos. Isso significa que perderamos 26% doscasos em uma eliminao listwise, em conseqncia do efeito composto da longalista de variveis que inclumos na anlise.

    Para enfrentar todos os problemas apontados acima, tomamos duas

    medidas. Primeiro, aparamos nossa lista de variveis (deixando de lado todos ositens de comunidade poltica). Em segundo lugar, decidimos passar para ummodelo de medio desenhado especificamente para tratar de dimenses inter-relacionadas e que usa tcnicas de mxima verossimilhana para atribuir valoresausentes em uma matriz. Depois submetemos a lista de variveis encurtada a umaanlise fatorial confirmatria (AFC). Esse modelo de anlise ajudou-nos a identificarestruturas latentes (dimenses) entre as variveis, ao mesmo tempo em que

    100.0%80.0%60.0%

    40.0%20.0%0.0%

    7. Muito654321. Nada

    90,2%

    5,9%1,4%1,0%0,2%0,3%1,0%

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    supunha que as estruturas latentes esto representadas (com erro) pelas variveiscomponentes medidas. Usamos AFC por vrias razes, em parte porque ela usatoda a informao do conjunto de dados por meio do emprego de estimativas demxima verossimilhana, em vez de eliminar as no-respostas de modo pairwise.Alm disso, podemos comparar mltiplos modelos em uma nica anlise. E o quetalvez tenha sido de mais utilidade, a AFC testa a fora ou coerncia das estruturaslatentes e identifica o grau de associao entre elas. Nossa anlise concentra-se emum nico conceito, legitimidade do regime, que nossa teoria herdada nos diz quetem vrias subdimenses inter-relacionadas. Ns queramos muito vergraficamente essas relaes, o que a AFC permite. Em suma, a AFC propicia ummeio adequado de examinar a validade do constructo da legitimidade democrtica.

    Os principais resultados essenciais de nossa anlise fatorial confirmatriasobre as normas de legitimidade/apoio esto representados na Figura 2. No grfico,os nomes das variveis em caixas retangulares indicam variveis individuais quecontribuem para cada dimenso latente. As dimenses latentes so indicadas dentrode crculos e posicionadas direita das caixas das variveis. As setas das variveispara as dimenses representam as trajetrias significantes de relao15. Oscoeficientes ao lado da seta entre cada varivel e sua dimenso latente indicam acorrelao entre a estrutura latente e a prpria varivel. O ajuste total do modelo, talcomo medido pelo CFI, foi de 0,878, com 25 variveis observadas e 31 variveis no-observadas.

    15 Trajetrias no significantes no nvel 0,01 foram eliminadas. Trajetrias com coeficientes menores que0,01 contribuam pouco para a anlise, mas acrescentavam vrias linhas e setas que tornariam a leiturado diagrama difcil demais para justificar o aumento da complexidade.

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    Julgamentojusto

    Respeita instituies

    Direitos bsicos

    protegidos

    eB2

    eB3

    Apoiodifuso

    0,53

    0,67

    Orgulho do sistema

    Deveria apoiar o sistemaeB6

    0,66

    Desempenhodo regime

    Bem representadopor deputados

    eB13

    0,64

    0,54

    Atorespolticos

    Combateua pobreza

    Promoveu osprincpios democrticos

    Promoveu odesenvolvimento econmico

    Combateu acorrupo

    Combateu o crime

    eN1

    eN3

    eN9

    eN10

    eN40,84

    0,85

    Apoio aogoverno local

    Qualidade dosservios municipais

    Confiana na prefeitura

    eSGL1

    eB32

    0,67

    0,64

    0,61

    0,76

    Apoio aosprincpios do

    regime

    Aprova participaoda sociedade civil

    Aprova trabalhar para umpartido/candidato poltico

    eE8

    eE11

    0,40

    Confiana naSuprema Corte

    0,70

    eB31A

    eB4

    0,54

    0,49

    0,72

    eLGL4

    Situao econmica nacional

    Economia atualvs. um ano atrs

    eSoct2

    eSoct1

    eSoct3

    0,71

    Aprova manifestaeslegaiseE5

    0,58

    0,33

    0,42

    0,43

    0,08

    0,68

    0,88

    eB1

    eSGL2

    eB13A

    0,25

    eb11

    0,62

    Confiana nospartidos polticos

    0,47eB21r

    0,33

    0,89

    0,41

    0,63

    0,73

    0,81

    0,62

    0,74

    0,38

    Economia atualvs. um ano no futuro

    Tratamento pelogoverno municipal

    Responsividade dogoverno municipal

    Apoio sinstituies do

    regime

    Confiana no Tribunal Eleitoral

    Confiana nalegislatura

    Os termos de erro para as variveis esto indicados no lado esquerdo da figura, com setas que ligam os termos a

    suas respectivas variveis.

    Ajuste do modelo: CFI = 0,878, < 0,001. Todas as trajetrias significantes em < 0,001 exceto princpios do

    regime/atores polticos = 0,007. Todas as trajetrias no significantes ( > 0,01) foram eliminadas.

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    A seqncia da anlise desses resultados prosseguiu em trs estgios.Primeiro, discutimos cada uma das dimenses e comentamos sobre os coeficientes,para termos uma compreenso clara da questo central de nossa anlise, a saber, adimensionalidade da legitimidade/apoio. Depois, examinamos em detalhe a relaoentre os fatores latentes para compreender melhor como essas dimenses serelacionam mutuamente. Por fim, examinamos os graus relativos de apoio paracada uma das dimenses da legitimidade a fim de determinar se, tal como preditona literatura, referentes mais gerais e distantes tm maior apoio do que dimensesque se referem a referentes mais especficos e prximos.

    A estrutura das dimenses O primeiro e mais importante resultado confirma que alegitimidade tem mltiplas dimenses baseadas nas orientaes dos cidados emrelao a vrios objetos polticos. A Figura 2 revela seis dimenses de legitimidadena Costa Rica agrupadas em torno de referentes/variveis. Primeiro, quatroestruturas latentes correspondem diretamente a dimenses preditas por Norris ecompanhia apoio a princpios do regime, apoio ao desempenho do regime, apoio sinstituies do regime e apoio aos atores polticos.

    A Figura 2 revela tambm uma variante na estrutura dimensional dalegitimidade no esperada por Norris e companhia. A AFC confirmou a existncia naCosta Rica de duas dimenses de apoio institucional nacional, em vez de uma nicaestrutura latente16. Uma dessas dimenses institucionais se refere a vriasinstituies em separado (por exemplo, a legislatura, os partidos), enquanto que aoutra evoca avaliaes do funcionamento mais generalizado de instituies (ver os

    itens listados na Tabela 1 para os enunciados). Para fazer a distino entre essasdimenses, chamamos a primeira, tal como Norris, de apoio s instituies do regimee a segunda, chamamos de apoio difuso, de modo consistente com a terminologiaempregada no trabalho de Muller e Seligson em que tambm os mesmos itens seagrupam (MULLER, JUKAM e SELIGSON, 1982; SELIGSON, 1983). Desse modo, oapoio s instituies do regime consiste nas avaliaes pelos cidados de vriasinstituies costarriquenhas especficas Supremo Tribunal Eleitoral, SupremaCorte e Assemblia Legislativa e de partidos polticos e deputados do prpriorespondente. O apoio difuso consiste em cinco referentes institucionais que avaliama justeza dos julgamentos, as instituies e o sistema poltico em geral, a proteo

    dos direitos bsicos e o apoio dos cidados ao sistema poltico. A AFC confirmaassim que o conjunto de variveis das instituies do regime em nvel nacional sedivide, na verdade, em dois subconjuntos, como indicamos aqui. Cada estrutura razoavelmente coerente em seu interior (coeficientes varivel-dimenso variandoentre 0,47 e 0,72 para instituies do regime e entre 0,53 e 0,67 para apoio

    16 Encontramos os mesmos resultados em nossa anlise fatorial exploratria inicial.

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    difuso). Porm, notamos tambm que as duas dimenses reveladas se associamintimamente uma outra (0,89), sugerindo que a distino entre elas no deve serexagerada. Pode haver pouco ganho emprico com a separao das medidas maisabstratas das mais concretas de apoio institucional. Isso ser algo que valer apena examinar quando se olhar para os correlatos das dimenses da legitimidadereveladas neste artigo.

    Outra nova dimenso da legitimidade institucional revelada na Figura 2 estbaseada no apoio ao governo local dos cidados na Costa Rica. Essa dimenso nofoi prevista por Norris e companhia e define um novo, embora no surpreendente,objeto de apoio relacionado aos governos municipais costarriquenhos, chamados decantes. Apesar da sabedoria do antigo clich que diz que toda poltica local, apesquisa em cincia poltica ignora com freqncia este nvel. o que costumaacontecer nas pesquisas sobre pases muito centralizados, como os da AmricaLatina, especialmente sobre os no-federativos, que constituem a maioria doscasos17. A dimenso de apoio s instituies do governo local aqui encontrada claramente coerente (os coeficientes das variveis com a estrutura latente variamde 0,61 a 0,76).

    Desse modo, encontramos uma forte dimenso da legitimidade do governolocal e acreditamos que sua ausncia de quase todos os estudos que examinam oapoio ao sistema poltico no se justifica mais, exceto nos casos em que osgovernos locais no existem ou so completamente irrelevantes. Isso valeespecialmente se levarmos em conta as evidncias crescentes de que a legitimidadedo governo local afeta significativamente outras atitudes e comportamentos.

    Seligson e Crdova (1995) relatam que o maior apoio s instituies do governolocal em El Salvador levou, em uma anlise por mnimos quadrados em doisestgios, a um apoio maior ao governo nacional. Booth e Seligson (no prelo) relatamque os cidados costarriquenhos com maior apoio ao governo local votaram mais ese engajaram mais na sociedade civil.

    As cinco variveis que medem a avaliao pelos costarriquenhos dodesempenho dos atores polticos tambm indicam coerncia substancial, associando-se com a estrutura latente entre 0,73 e 0,85. Esse conjunto de itens pede que osrespondentes avaliem o desempenho do presidente no poder.

    Relao entre fatores latentes Empreendemos agora a segunda tarefa, uma exploraodas relaes entre os fatores latentes. Primeiramente observamos, tal como eraesperado, que a AFC revela que a maioria das seis dimenses da legitimidadedemocrtica encontradas na Costa Rica esto positivamente relacionadas umas com asoutras e muitas dessas relaes so estatisticamente significantes. Das quinze relaes

    17 Mxico, Argentina e Brasil so os nicos sistemas federativos da Amrica Latina.

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    didicas possveis entre cada uma das seis dimenses e as outras cinco, onze tmcoeficientes de associao significativos (indicados pelas setas de duas pontas naFigura 2).

    A associao mais forte (0,89) entre estruturas latentes ocorre entre apoio sinstituies do regime e apoio difuso. Isso no surpreende pois, de incio, esperava-seque essas dimenses constitussem uma nica. As prximas associaes mais fortesso aquelas entre apoio s instituies do regime e apoio aos atores polticos (0,63),apoio s instituies do regime e apoio ao governo local (0,54) e apoio difuso e apoioaos atores polticos (0,49). Aqui observamos um padro de associaes de forte amoderadas entre as orientaes dos costarriquenhos para suas instituies polticasformais e os ocupantes delas. Parece-nos que esse padro harmoniza-se com o quese poderia esperar de cidados em um sistema democrtico que h cinco dcadas estvel e bem institucionalizado.

    As associaes restantes entre pares de dimenses so, em ordemdecrescente de fora: apoio difuso e apoio ao governo local (0,41), apoio aos atorespolticos e apoio ao governo local (0,40), apoio aos atores e desempenho do regime(0,38), apoio difuso e desempenho do regime (0,33), desempenho do regime eapoio s instituies do regime (0,33) e desempenho do regime e governo local(0,25). Vrios desses conjuntos de pares de dimenses envolvem a avaliao departes do sistema bastante especificadas e particulares governo local, atores (opresidente), desempenho (econmico) do regime. Na poca de nosso survey, vriosdesses objetos de avaliao estavam operando com graus variados de eficincia.Havia escndalos de corrupo, fraco desempenho econmico e governos

    municipais enfraquecidos. No nos surpreende ver que essas dimenses especficasapresentam correlaes menores entre elas e com dimenses mais abstratas, comoapoio difuso.

    As associaes mais fracas entre as estruturas latentes so aquelas que noconseguiram obter significncia estatstica (no nvel 0,01) e, por isso, no estorepresentadas na Figura 2 por setas de duas pontas entre dimenses. Essas quatrodimenses envolvem o apoio aos princpios do regime, que se relacionasignificativamente somente com uma das outras cinco dimenses, e mesmo assimem apenas 0,08. Tendo em vista a importncia atribuda ao apoio aos princpios doregime na literatura sobre legitimidade, nos impressionamos com esse baixo grau

    de associao com o resto das dimenses da legitimidade.Essa fraca associao entre princpios do regime e as outras dimenses da

    legitimidade deriva provavelmente, pelo menos em parte, dos relativamente altosvalores totais na escala em seus itens componentes (Tabela 1). A maioria doscostarriquenhos expressa forte apoio a esses trs princpios democrticos quefundamentam os direitos de participao poltica. No esperaramos necessria-mente esse resultado em outras democracias menos consolidadas (por exemplo, na

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    Guatemala), onde h, quase com certeza, maior divergncia de opinio e menosapoio total a esses itens do que na Costa Rica. Esse resultado ilustra e sustentanosso argumento de que importante examinar a estrutura da legitimidade em umpas de cada vez, em vez de realizar uma anlise com muitas naes agrupadas. Aomesmo tempo, se na Costa Rica os princpios do regime no esto conectados anenhuma das outras dimenses da legitimidade, exceto em uma ligao muitotnue com o apoio aos atores polticos, importante reavaliar a proeminnciaatribuda a essa dimenso. Em outras palavras, parece-nos que a legitimidade doregime est, em larga medida, desconectada da crena do cidado nos princpiosdemocrticos bsicos. Esse resultado tem grande repercusso em nossas teorias dademocracia e do papel dos valores democrticos.

    Vale a pena recapitular que o apoio ao governo local, nossa dimenso delegitimidade recm-identificada, correlaciona-se com o apoio s instituies doregime, apoio difuso, atores polticos e desempenho do regime. Assim entrelaadonos contornos da legitimidade poltica na Costa Rica, no est isolado nem esotrico, mas uma dimenso integral, com potencial considervel para revelarnovas informaes. Como j observamos, descobrimos que o apoio ao governo localmolda outras atitudes e a participao na Costa Rica e em outros lugares. Issosugere que, dada a multidimensionalidade da participao poltica, a legitimidadedo governo local pode estar atraindo a participao tanto dos cidados apoiadorescomo dos crticos.

    Graus relativos de apoio A fase final da anlise explora os graus relativos de apoio

    entre as dimenses preditas pela teoria da legitimidade. Espervamos que oscostarriquenhos avaliassem de modo mais positivo os referentes mais abstratos desua comunidade poltica nacional e seus princpios governantes. Alm disso,espervamos que eles provavelmente avaliassem de modo menos positivo asinstituies do regime mais concretas e o desempenho dos atores de que tivessemmais conhecimento poltico e maior experincia. A diferena aqui entre a visodos costarriquenhos da ptria, de seu governo em geral e da democracia emoposio ao desempenho do presidente no poder, prefeitura e ao desempenhoatual e esperado da economia.

    Os dados da Tabela 1, na forma dos escores de cada item e das mdias

    para cada conjunto de variveis que compem as dimenses latentes, do, emgeral, suporte a essa hiptese de graus diferentes de apoio por dimenso. A muitoabstrata comunidade poltica (que no inclumos na AFC porque quase invariante)tem o grau mais alto de apoio, com um escore mdio de 90,83. Como ooperacionalizamos referenciando-o aos direitos de participao dos cidados, oapoio aos princpios centrais do regime tem o segundo mais alto grau de apoioentre os costarriquenhos (mdia = 79,35).

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    Embora muito positivo em mdia, o nvel de apoio comea a declinar para oconjunto seguinte de dimenses. Em comparao com a dimenso dos princpiosdo regime (mdia em torno de 79 em 100), os costarriquenhos manifestam umrazoavelmente alto apoio difuso s instituies (por exemplo, respeito sinstituies, orgulho do sistema), em um escore mdio de 69,23 em 100. Porm, medida que aumenta a especificidade da referncia s instituies e atores esituaes concretas, as mdias para cada conjunto de itens das dimenses caempara nveis muito mais baixos: o apoio especfico a instituies do regime fica acimado ponto mdio da escala, em 55,59. Mas bem abaixo desse ponto ficam o apoio aogoverno local (46,44), o apoio aos atores polticos (46,69) e a avaliao dodesempenho (econmico) do regime (41,27).

    Desse modo, os costarriquenhos percebem a existncia de uma comunidadenacional e apiam fortemente os princpios da democracia. Eles tambm sorazoavelmente positivos em suas percepes das instituies em geral (apoiodifuso). medida que as instituies so especificadas, o apoio diminui (emboraainda permanea positivo). Em contraste, suas avaliaes do desempenho dogoverno local, do desempenho (econmico) do regime e dos atores polticosnacionais, em mdia, tal como esperado, ficam abaixo da metade das escalas deavaliao e bem abaixo das mdias para outras dimenses. Assim, medida que ospontos de referncia passam do abstrato (comunidade, democracia, instituies emgeral) para o concreto (governo local, desempenho de atores nacionais), asavaliaes se tornam mais crticas. Esses resultados so, em larga medida,consistentes com as discusses tericas que balizam a pesquisa sobre legitimidade.

    Como se compara o apoio poltico dos costarriquenhos com o dos cidadosde outras democracias? A anlise que Dalton (2004, p. 60-61) fez das mdiasnacionais para quatro dimenses da legitimidade em oito naes oferece algunspontos de referncia interessantes18. Tal como os cidados dos Estados Unidos,mas de forma oposta a alemes e japoneses, os costarriquenhos compartilhampercepes muito altas da existncia de uma comunidade poltica nacional. Eles separecem com noruegueses, alemes, suecos e americanos no apoio s instituiesnacionais e aos princpios centrais do regime. Enquanto os norueguesesmanifestam graus extremamente altos de apoio aos atores polticos, o apoio doscostarriquenhos a esses atores (tal como o dos alemes, australianos e americanos)

    fica um pouco abaixo do ponto mdio da escala.

    18 As dimenses de Dalton so denominadas de modo levemente diferente das nossas mas, para opropsito de comparao, os nomes de suas dimenses so listados a seguir, tendo ao lado, entreparnteses, a nossa formulao: apoio comunidade (comunidade poltica), valores democrticos (apoioa princpios centrais do regime), apoio s instituies (apoio s instituies do regime e apoio difuso) eapoio autoridade (apoio aos atores polticos).

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    Concluses

    Utilizando um surveyde amostra nacional entre os cidados costarriquenhosprojetado para explorar a legitimidade, testamos em detalhe o constructo delegitimidade poltica predito por Easton e elaborado por Norris. Empregamosmltiplos itens, em vez de nicos, para cada objeto de apoio previsto, a fim defortalecer nossa confiana na validade das dimenses preditas. Usamos anlisefatorial exploratria e depois confirmatria para explorar a estrutura dimensional dalegitimidade democrtica e descobrimos que o modelo de legitimidade de Easton,tal como emendado por Norris, Dalton e outros existe mais ou menos como foipredito. As vrias dimenses da legitimidade do sistema poltico esto organizadasem torno da avaliao de objetos do sistema poltico que vo do abstrato e geral(uma comunidade poltica nacional, princpios do regime democrtico) ao maisconcreto (desempenho do regime, instituies governamentais especficas e atorespolticos no poder). Essas dimenses da legitimidade (exceto para a comunidadepoltica) so razoavelmente coerentes em termos das mdias e desvios padroobservados dos itens componentes e dos coeficientes de associao das variveiscom as dimenses latentes, isoladas por meio de anlise fatorial confirmatria.Alm disso, mais de dois teros das dimenses da legitimidade correlacionam-sepositivamente umas com as outras, tal como esperado. A nica dimenso menosrelacionada s outras, talvez devido a seus nveis relativamente baixos de varincia, o apoio aos princpios centrais do regime. Esse resultado sugere que precisoalguma reconsiderao da estrutura da legitimidade, uma vez que uma de suas

    dimenses clssicas no est relacionada com as outras em nossos dados da CostaRica. Isso talvez seja funo de alguma excepcionalidade da Costa Rica, mas nopensamos assim. Ao contrrio, consideramos que as tentativas anteriores de captaressas dimenses com perguntas que achamos que no a captam de modoadequado, foram provavelmente enganadoras e, portanto, necessrio aprofundaro trabalho conceitual e de medio.

    Tal como previsto em uma democracia estvel e bem estabelecida, e demodo consistente com as predies tericas, encontramos uma estrutura denormas de legitimidade coerente e hierrquica. Os nveis mdios de avaliao ouapoio dos costarriquenhos aos objetos polticos da legitimidade so mais altos para

    as abstraes da comunidade nacional e dos princpios democrticos. Os nveismdios de avaliao diminuem para um apoio mdio alto aos referentes maisconcretos, tais como apoio difuso e instituies especficas, e caem ainda mais noque tange ao desempenho de atores especficos, governo local e desempenho doregime.

    Descobrimos tambm o que acreditamos que sejam nuances significativasnas estruturas da legitimidade no caso costarriquenho, devido variedade sem

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    precedentes de medidas que conseguimos utilizar e devido considerao deobjetos adicionais de avaliao. Ao perguntar sobre numerosos objetos de avaliao(muitas instituies especficas), encontramos duas dimenses nacionais(instituies do regime, apoio difuso) e uma para o governo local. Portanto,presumimos que haver provavelmente ricos efeitos locais a serem identificados emcenrios nacionais especficos em pesquisas futuras.

    Nossas concluses sugerem quatro caminhos de aprofundamento daspesquisas. Um deles explorar os contornos da legitimidade poltica em outroscenrios nacionais. Os resultados da Costa Rica confirmam amplamente os deDalton (2004) para outras democracias bem estabelecidas, embora a histria e aeconomia desse pas tenham poucos paralelos com as das democracias industriaisavanadas. Seria valioso determinar se a legitimidade nas novas democracias quesurgiram na terceira onda tem estruturas semelhantes, ou se elas compartilhamdimenses da legitimidade distintas. Uma nova confirmao dos padres delegitimidade encontrados nas democracias mais antigas e na Costa Rica poderiaelevar a verso modificada da conceituao de Easton da legitimidade democrticaa um status quase axiomtico.

    Outra direo para pesquisa ser procurar e examinar as implicaes deoutras possveis dimenses da legitimidade. J evidente que objetos antesdesconsiderados, como o governo local, podem constituir uma parte significativa daestrutura da legitimidade. Isso sugere que outros traos importantes das sociedadespolticas podem justificar mais pesquisas sobre este tema. Suspeitamos, porexemplo, que podem surgir resultados interessantes do exame de instituies

    estaduais em sistemas federativos ou instituies regionais em sistemas unitrios.Acreditamos tambm que valeria a pena explorar instituies da sociedade civil no-estatais que integram a sociedade, tais como partidos, meios de comunicao demassa e grupos de interesse. Essas entidades teriam uma estrutura identificvel delegitimidade poltica? Se assim for, como elas podem afetar as ligaes dos partidoscom a sociedade poltica?

    Uma terceira via de pesquisa seria estudar a legitimidade em outros tipos deregimes. Como so as normas de legitimidade em democracias instveis ou mesmoem cenrios no-democrticos? Nossa experincia indica, no entanto, que realizarsurveys com perguntas sobre o desempenho do regime pode ser muito arriscado ou

    impossvel em regimes autoritrios ou em cenrios polticos altamente volteis einstveis. Sabemos tambm que nas primeiras fases dos regimes ps-autoritrios, ano-resposta em surveys pode ser alta, como aconteceu na Espanha ps-Franco(MCDONOUGH et al., 1998). Estudar tais questes pode ser difcil em cenriosautoritrios, mas tendo em vista a possibilidade de transies importantes emandamento na sia e no Oriente Mdio, talvez existam oportunidades para faz-lo.

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    Um quarto caminho para as pesquisas, o qual seguiremos em outrostrabalhos, a questo do e da?. Legitimidade realmente importa? Sabemos agoraque dimenses da legitimidade poltica existem nas mentes dos cidados dealgumas naes e que ela possui dimenses no suspeitadas anteriormente. Porm,importa de fato para o mundo poltico real que a legitimidade exista? Ela altera opanorama poltico de uma nao? Ela molda de alguma maneira o capital social epoltico? O declnio observado da legitimidade em muitas sociedades polticasimporta de fato em termos de um efeito mensurvel sobre os cidados ou asociedade? A legitimidade afeta atitudes operativas crticas, tais como o fato de oscidados sustentarem ou no normas democrticas, em vez de autoritrias? Elamolda a participao ou no dos cidados na poltica por meio do voto, do contatocom autoridades, do engajamento na sociedade civil, da militncia partidria, doengajamento em campanhas eleitorais ou em protestos?

    Em outro trabalho (BOOTH e SELIGSON, no prelo), iniciamos esse processocom a investigao do modo como as normas de legitimidade dos costarriquenhosafetam a maneira como eles se engajam na poltica e interagem com seu governo.Descobrimos que as diversas dimenses da legitimidade no causam efeitosuniformes nos diferentes modos de participao poltica. Algumas dimenses dalegitimidade aumentam certos modos de participao, ao mesmo tempo quediminuem alguns e no tm efeito sobre outros. Por exemplo, com outros fatoresmantidos constantes, maiores crena na comunidade poltica e apoio ao governolocal aumentam o exerccio do voto e a ativismo societal. O baixo apoio difusoaumenta a militncia comunal, enquanto que a baixa confiana nas instituies do

    regime faz crescer o engajamento na sociedade civil. Uma descoberta nova dessapesquisa que duas relaes legitimidade-participao so curvilineares. Issosugere que as teorias e pesquisas anteriores, baseadas em um tratamentounidimensional da legitimidade e em uma concepo binria da participaopoltica, como convencional (dentro do sistema) ou no-convencional (protesto),podem ter distorcido os resultados anteriores. Assim, esperamos empreender maispesquisas sobre os contornos da legitimidade em outras democracias menosestveis e mais jovens do que a Costa Rica, e procurar determinar como eles afetama participao poltica, o que acreditamos que pode ajudar a responder porque odeclnio da legitimidade no levou ao colapso de democracias.

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    Orgulho de ser costarriquenho -0,014 0,035 0,066 -0,157 0,054 0,630

    Apesar de nossas diferenas, os costarriquenhos

    tm muito em comum0,008 0,057 -0,024 0,459 0,169 0,420

    Aprova a participao em manifestaes legais 0,048 -0,054 -0,021 0,763 -0,012 -0,145

    Aprova a participao na formao de grupos

    para resolver problemas da comunidade-0,139 0,080 -0,010 0,855 -0,054 0,032

    Aprova a participao em campanhas eleitorais 0,062 0,035 -0,007 0,813 -0,017 0,051

    Avaliao da economia nacional 0,129 0,142 0,068 -0,020 0,559 -0,018

    Situao econmica comparada a um ano atrs 0,001 0,084 0,020 -0,026 0,788 0,079

    Situao econmica dentro de um ano 0,080 0,039 0,032 0,035 0,782 0,052

    Julgamento justo 0,665 0,137 0,047 -0,059 0,025 0,019

    Respeita as instituies 0,457 0,119 0,013 0,129 -0,045 0,378

    Direitos bsicos protegidos 0,686 0,028 0,084 -0,084 0,057 0,177

    Orgulho do sistema 0,591 0,021 0,004 0,146 0,073 0,427

    Deveria apoiar sistema 0,460 0,159 0,104 0,133 0,005 0,499

    Confia no Tribunal Eleitoral 0,546 0,161 -0,018 0,203 -0,052 0,285

    Confia na legislatura 0,711 0,240 0,116 -0,049 0,079 -0,030

    Bem representado por deputados 0,661 0,214 0,239 -0,098 0,099 -0,148

    Confia nos partidos polticos 0,602 0,186 0,224 -0,112 0,121 -0,124

    Confia na Suprema Corte 0,685 0,281 0,017 0,092 0,088 -0,019

    Confia na prefeitura 0,456 0,218 0,644 0,007 0,032 -0,024

    Qualidade do servio municipal 0,084 0,095 0,817 -0,003 0,051 0,047

    Tratamento pelo governo municipal 0,064 0,032 0,779 -0,069 0,062 0,039

    Receptividade oficial do governo municipal 0,082 0,101 0,749 0,025 0,009 0,048

    Desempenho do regime: combate pobreza 0,225 0,802 0,089 -0,019 0,073 0,024

    Desempenho do regime: promoo do

    desenvolvimento econmico0,166 0,830 0,145 0,088 0,110 0,070

    Desempenho do regime: combate corrupo

    no governo0,226 0,823 0,112 -0,062 0,069 0,024

    Desempenho do regime: combate ao crime 0,191 0,803 0,038 0,006 0,105 0,030

    Desempenho do regime: promoo de princpios

    democrticos0,200 0,806 0,073 0,105 0,047 0,118

    Mtodo de Extrao: Anlise de Componentes Principais.

    Mtodo de Rotao: Varimax com Normalizao Kaiser.

    Rotao convergiu em 7 iteraes.

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    Orgulho de ser costarriquenho 0,082 -0,102 -0,068 0,083 0,086 0,619

    Apesar de nossas diferenas, os

    costarriquenhos tm muito em comum0,087 0,495 -0,104 -0,023 0,184 0,448

    Aprova a participao em manifestaes legais 0,031 0,746 0,028 -0,055 -0,028 -0,101

    Aprova a participao na formao de grupos

    para resolver problemas da comunidade-0,104 0,854 -0,066 -0,062 -0,065 0,081

    Aprova a participao em campanhas eleitorais 0,087 0,815 -0,074 -0,029 -0,014 0,097

    Avaliao da economia nacional 0,170 -0,024 -0,220 0,132 0,583 -0,015

    Situao econmica comparada a um ano atrs 0,052 -0,025 -0,153 0,072 0,792 0,087

    Situao econmica dentro de um ano 0,121 0,033 -0,129 0,087 0,787 0,063

    Julgamento justo 0,675 -0,046 -0,296 0,168 0,105 0,009

    Respeita as instituies 0,518 0,173 -0,243 0,092 0,025 0,380

    Direitos bsicos protegidos 0,704 -0,061 -0,210 0,198 0,135 0,166

    Orgulho do sistema 0,643 0,192 -0,194 0,098 0,144 0,431

    Deveria apoiar sistema 0,553 0,185 -0,303 0,190 0,089 0,499

    Confia no Tribunal Eleitoral 0,597 0,241 -0,299 0,076 0,025 0,291

    Confia na legislatura 0,737 -0,040 -0,416 0,255 0,176 -0,040

    Bem representado por deputados 0,677 -0,105 -0,385 0,367 0,192 -0,163

    Confia nos partidos polticos 0,618 -0,118 -0,345 0,342 0,205 -0,139

    Confia na Suprema Corte 0,715 0,106 -0,443 0,153 0,180 -0,020

    Confia na prefeitura 0,526 -0,007 -0,386 0,726 0,136 -0,041

    Qualidade do servio municipal 0,168 -0,025 -0,203 0,827 0,121 0,029

    Tratamento pelo governo municipal 0,134 -0,093 -0,132 0,782 0,120 0,019

    Receptividade oficial do governo municipal 0,161 0,005 -0,198 0,757 0,075 0,032

    Desempenho do regime: combate pobreza 0,357 0,004 -0,839 0,218 0,190 0,014

    Desempenho do regime: promoo do

    desenvolvimento econmico0,318 0,112 -0,868 0,265 0,229 0,066

    Desempenho do regime: combate corrupo

    no governo0,362 -0,039 -0,861 0,245 0,190 0,011

    Desempenho do regime: combate ao crime 0,322 0,031 -0,831 0,164 0,215 0,024

    Desempenho do regime: promoo de

    princpios democrticos0,346 0,136 -0,842 0,193 0,164 0,116

    Mtodo de Extrao: Anlise de Componentes Principais.

    Mtodo de Rotao: Oblimin com Normalizao Kaiser.

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