OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · Colasanti produzam textos de acordo com a...

34
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7 Cadernos PDE II

Transcript of OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · Colasanti produzam textos de acordo com a...

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

Versão Online ISBN 978-85-8015-079-7Cadernos PDE

II

FICHA PARA IDENTIFICAÇÃO

PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

TURMA – PDE /2014

Título: Marina Colasanti e Salvador Dalí: instigando a criatividade.

Autor: Suelene Fernandes Perez

Disciplina/Área: Língua Portuguesa – PDE/2014

Escola de Implementação do Projeto:

Colégio Estadual Ulysses Guimarães

Rua Bartolomeu de Gusmão nº 3535

Jardim Panorama - Foz do Iguaçu – PR.

Município da escola: Foz do Iguaçu - Paraná

Núcleo Regional de Educação: Foz do Iguaçu - Paraná

Professora Orientadora: Dra. Martha Ribeiro Parahyba

Instituição de Ensino Superior: UNIOESTE - Foz do Iguaçu - Paraná

Relação Interdisciplinar:

RESUMO: O trabalho de implementação pedagógica MARINA COLASANTI E SALVADOR DALÍ: INSTIGANDO A CRIATIVIDADE tem por objetivo desenvolver a criatividade interpretativa e a produção textual de alunos do 1º ano do Ensino Médio, do Colégio Estadual Ulysses Guimarães. Para isso, a proposta é a leitura de 23 Histórias de um viajante, de Marina Colasanti, que apresenta traços da narrativa fantástica, como o jogo de palavras como metáfora das situações do cotidiano, com personagens distantes ou perto de nós, a permitir aproximações com o atual contexto sócio histórico. Aliando-se ao projeto serão também examinados quadros de Salvador Dalí, com a finalidade do aluno interagir, por meio das imagens, com múltiplas interpretações que a própria pintura surrealista sugere. De modo a estabelecer um diálogo que propicie condições para imaginar sentidos e estabelecer relações com a realidade circundante. Tzvetan Todorov (2012) identifica a narrativa fantástica como sendo o imaginário que transcende a literatura; a presença do real e do irreal, possibilitando

mudança de perspectiva. O projeto será desenvolvido por meio da leitura dos contos de Colasanti, da pesquisa na Internet das obras de Dalí, do debate em sala de aula sobre as características da narrativa e dos elementos constituintes do fantástico em ambas obras. Marina Colasanti nasceu na Eritreia, colônia italiana, na África, mas cedo mudou-se para o Brasil, onde permanece até hoje. É autora de diversas obras literárias. Salvador Dalí, pintor espanhol, criou um estilo surrealista em sua pintura. Com esse projeto pretende-se desenvolver no aluno estratégias compreensivas que possibilitem instigar interpretações, em forma de debate e de produção escrita, que as obras de Dalí oferecem e aproximam das narrativas de Colasanti.

Palavras-chave: Conto; Fantástico; Surrealismo; Produção

Formato do Material Didático: Unidade Didática

Público:

Alunos do 1º ano – Ensino Médio / Bloco

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO – SUED

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA – PROFESSORA PDE – TURMA 2014

PROFESSORA PDE: Suelene Fernandes Perez

PROFESSORA ORIENTADORA: Dra. Martha Ribeiro Parahyba

LÍNGUA PORTUGUESA

FOZ DO IGUAÇU – PR

2014

MARINA COLASANTI E SALVADOR DALÍ: INSTIGANDO A CRIATIVIDADE

Produção didático-pedagógica apresentada à Secretaria de Estado da Educação – SEED, Departamento de Políticas e Programas Educacionais, para cumprir as exigências do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, segundo período do Plano Integrado de Formação Continuada, sob a orientação da professora Dra. Martha Ribeiro Parahyba.

FOZ DO IGUAÇU – PR

2014

APRESENTAÇÃO

MARINA COLASANTI E SALVADOR DALÍ: INSTIGANDO A CRIATIVIDADE

A unidade didática propõe aos alunos do 1º ano do Ensino Médio, do Colégio

Estadual Ulysses Guimarães a leitura e interpretação dos contos de Marina

Colasanti relacionados a surrealidade nos quadros de Salvador Dalí, na perspectiva

de que os alunos ao entender a narrativa fantástica presente nos contos de Marina

Colasanti produzam textos de acordo com a estrutura composicional do gênero

conto fantástico. Vale lembrar que a narrativa fantástica põe em xeque a divisão

entre o lógico e o absurdo ou entre o real e o ficcional, assim como o movimento

Surrealista vanguarda da inquietação e mudança.

O objetivo da produção Didático-Pedagógica é estabelecer relações dos

quadros de Dali com contos fantásticos de Marina Colasanti pensando na

capacidade de explorar o que o aluno traz consigo que é a criatividade: “[...] uma das

mais ricas formas de inovar e criar conhecimento é a capacidade de constatar

similaridades onde elas não estão evidentes”. (MARTINS, 2006, p.67), necessitando

ser resgatada para provocar uma nova interpretação em que o aluno possa no

desenvolver de sua criatividade fazer uso da palavra escrita em seus próprios

contos. As inquietações que as obras do surrealista Salvador Dalí nos oferece são

transposições dos sonhos, da fantasia que o aproxima das narrativas de contos

fantásticos, pois instiga a imaginação e o pensar nas possibilidades de

interpretações com o real, sobre esta aproximação, Cortez (2009) afirma:

A relação entre a palavra e a imagem, entre a palavra e as coisas (e sua representação) tem sido um tema constante nos processos de comunicação entre os homens. Desde os mais remotos tempos, essa ideia de fraternidade das artes esteve presente no pensamento humano, justificando algo muito mais profundo do que a mera especulação. (CORTEZ, 2009, p. 355).

O material Didático-Pedagógico consiste na leitura de contos de Marina

Colasanti no livro 23 histórias de um viajante, que insere em sua narrativa traços

desse gênero que podem contribuir para uma análise mais atenta de outros

elementos na construção da narrativa como: jogo de palavras recorrendo ao

fantástico como metáfora das situações do cotidiano, personagens distantes ou

perto de nós num contexto histórico. O material Didático-Pedagógico será

apresentado por unidades estabelecidas por interpretações de acordo com o conto

proposto aliando-se aos quadros de Salvador Dalí como cognição reflexiva por

acrescentar as suas imagens multiplicidades de elementos reais ou irreais

provocando sensações interpretativas que possa intervir na produção escrita.

ESTRATÉGIA DE AÇÃO

Ao longo de toda uma vida, vai aumentando a capacidade de leitura e

entendimento das palavras, ampliando o seu vocabulário, construindo sentidos, e a

literatura favorece os caminhos possíveis para o aluno que está no Ensino Médio e

irá estudar os períodos literários e conhecer a história de uma época e o porquê

daquele discurso do autor naquele contexto. Lajolo (2010) nos diz:

É a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. (LAJOLO, 2010, p.106)

Portanto, ao iniciar os estudos literários, percebe-se que se deva partir de

textos que chamem atenção do aluno que sua curiosidade seja estimulada, que

instigue a imaginação, o pensar a respeito do que está sendo escrito e a narrativa de

contos fantásticos bem como a leitura de alguns contos do livro 23 Histórias de um

viajante, de Marina Colasanti perpassa este caminho: descobrir as metáforas, os

parágrafos carregados de detalhes descritivos, o jogo da palavra em múltiplos

sentidos polissêmicos, ajudando o aluno a trabalhar também a linguagem criativa

num pensamento imaginativo na criação de seus personagens, na mudança de

perspectiva que vai sendo construído a partir da escrita ao criar-se o enredo. Citando

Martins (2006):

O ser consciente não age contra si. O exercício da escrita pode também servir como metáfora para aquele aprendizado sobre si mesmo que chamamos conhecimento. Exercitada com essa consciência, a escrita ajuda a reconhecer a realidade objetiva mesmo quando o tema tratado se localiza em pleno oceano da imaginação. (MARTINS, 2006, p. 66)

O aluno ao iniciar o Ensino Médio necessita perceber que a literatura é um

jogo da imaginação, mas que o próprio imaginário pode dizer muito da realidade que

vivemos independentemente da época em que o texto foi escrito. O conto fantástico,

como forma de chamar a atenção a questões sociais, pode auxiliar o crescimento

intelectual do aluno.

Os contos de Marina Colasanti por trazer uma sutileza no decorrer dos

parágrafos, de fácil entendimento para o aluno iniciador dos estudos literários no

Ensino Médio podem trazer contribuição para o desenvolvimento do aluno em sua

caminhada literária e produção textual. Desta forma, a estratégia de ação do projeto

começa por uma breve introdução da importância da arte na vida dos jovens,

seguida por uma citação a ser escolhida entre os contos da obra de Colasanti:

Slides com quadros de Salvador Dalí, a imagem provocando indagações,

trabalhando o imaginário na condução da criação, na perspectiva do

sentido literário do que é vanguarda e o surrealismo nos traços das

pinturas de Dalí como movimento de vanguarda, (o fazer o novo), sem

deixar de mostrar outros pintores que também utilizaram-se da temática

surrealista em seus quadros: René Magritte, João Miró;

Na ilustração da aula com quadros de Dalí que o aluno crie seus próprios

desenhos numa perspectiva surreal: o criar instigador como Salvador Dalí,

o desenho que não se fecha, mas que provoca indagações e este

desenho podendo ser a capa do livro de contos que no decorrer das aulas

serão produzidos;

Leitura dos contos de Marina Colasanti observando as estruturas da

narrativa fantástica procurando despertar a curiosidade no aluno através

do enredo que permite descrever o universo fantástico;

O estudo das conotações possíveis que uma imagem e palavras podem

oferecer e revelar (o jogo das figuras de linguagem);

Entrelaçar parágrafos dos contos de Marina Colasanti aproximando o

olhar na criação de Dalí na perspectiva que o aluno entenda que a

criatividade, a imaginação podem ser adquiridas quando indagamos,

criamos hipóteses e consigamos transpor o que já existe; e

Leitura em voz alta dos contos de Marina Colasanti pelo professor e

depois pelos alunos por parágrafos, parando e interferindo na leitura para

melhor entendimento quando houver necessidade.

No desenvolver do projeto outras atividades podem estar relacionadas à

leitura e questões interpretativas dos contos, articulando-os a produção de textos

dos alunos como: os versos da música “Leve”, do cantor e compositor Jorge

Vercíllo (música e vídeo), explorando as figuras de linguagem presentes nos versos

bem como nos contos de Marina Colasanti, entendendo também a referência que

Vercíllo faz a Dalí no sentido ousado da arte quando transcende o imaginário.

Fragmentos de filmes em que o enredo do fantástico sirva como exemplo para a

percepção e entendimento da realidade e que possa de alguma forma aproximar a

leitura na narrativa de Marina Colasanti, citando alguns filmes: “Labirinto do

Fauno”, “O cão andaluz”, “Ponte para Terabítia” e o curta de 2003 “Alice Walt

Disney e Salvador Dalí”.

A implementação do projeto de Intervenção acontecerá no Colégio Estadual

Ulysses Guimarães com alunos do 1º Ano do Ensino Médio por Bloco. Perpassando

um total de 32 horas.

UNIDADE DIDÁTICA

1º Momento falar sobre Arte e o Movimento Surrealista: a vanguarda da inquietação

e mudança. O diferencial surrealista de Salvador Dalí.

* BURGER, Peter. Teoria da Vanguarda, 2012, p.142.

SURREALISMO*

Os artistas exploram

o inconsciente

e as imagens não são

controladas pela

razão.

O surrealismo usa associações

irreais, bizarras e provocativas.

Rompe com as noções

tradicionais da perspectiva e da

proporcionalidade.

Resulta em imagens estranhas e

fora da realidade, instiga a

criatividade.

Transpor os limites da

imaginação. Desvendar o inconsciente como fonte para a criação

artística.

Sonhos e alucinações, criar imagens, formas

diferentes da realidade.

Dalí: “a genialidade é poder viver passando constantemente de uma fronteira à outra”.

Figura 1- O Labirinto – Salvador Dalí Fonte: http://metamorfosesvividas.blogspot.com.br/2009/02/salvador-dali.html

O conto fantástico exerce o seu poder ilusionista, intencionalmente

construído, segue a mesma estrutura proposta para a construção do conto

tradicional, mas possui elementos ou fatos estranhos, inexplicáveis no mundo real. É

comum, nesse tipo de narrativa, a atribuição de características humanas a seres

inanimados. Os efeitos produzidos pela leitura de um conto fantástico são

marcantes: os leitores podem sentir-se maravilhados ou perplexos diante do

inexplicável.

É necessário que todos os elementos mantenham uma relação coerente

dentro da narrativa para conquistar a credibilidade do leitor. Assim, é preciso a dose

certa de mistério e magia na criação das personagens e na ambientação da história.

O leitor é surpreendido principalmente porque não perde o contato com a

realidade. Fatos mágicos, maravilhosos são misturados a elementos do mundo real

e é aí que reside a surpresa e o estranhamento produzidos no leitor.

Acordou com uma formiga caminhando no seu peito. O sono o havia deixado. Quis abrir os olhos, não conseguiu, sentiu as pálpebras seladas. Pensou que se lavasse o rosto, talvez, e tentou levantar-se. Porém o corpo não lhe obedecia, não lhe obedeciam os músculos. Inutilmente insistiu no desejo de mover-se, como uma ordem. Nenhuma resposta lhe veio. Os ossos pareciam alheios, se é que havia ossos. Uma rigidez fria e compacta fundia carne e sangue. Imóvel, perguntou-se em que caixa, em que casca, em que pele estava trancado. (COLASANTI, 2006, p.45)

RELAÇÕES ENTRE OS ELEMENTOS PALAVRAS E IMAGEM (entre o conto e o quadro)

Acordou O sono o havia deixado

Insistiu no desejo de mover-se, como uma ordem

Os ossos pareciam alheios, se é que havia ossos Uma rigidez fria e compacta fundia Carne Sangue Em que caixa, em que casca, em que pele estava trancado.

Características do conto fantástico (TODOROV, 2012)

Assim como o conto tradicional, é uma narrativa curta um terreno estreito

mas privilegiado a partir do qual se podem levantar hipóteses.

Apresenta personagens, tempo e espaço são limitados, mas recebem um

tratamento especial para conferir ao conto o tom mágico que lhe é

característico.

Situa-se no limite entre o possível e o impossível, e é isso que lhe dá o ar

de mistério, a hesitação que lhe dá vida.

Segue a mesma estrutura sugerida para elaboração do conto tradicional:

introdução, complicação, clímax e desfecho.

Ênfase sobre a linguagem metafórica, possibilidade de romper o limite

entre sentido próprio e sentido figurado respeitando a coerência textual. É

preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo das

Figura 2 - Criança Geopolítica Assistindo ao Nascimento do Novo Homem - 1943 – Salvador Dalí Nota: Óleo sobre tela 45,5cm x 50 cm Fonte: http://transparenteouambar.blogspot.com.br/2013/05/crianca-geopolitica-assistindo-ao.html

personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma

explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos

evocados. Comporta uma indicação implícita, é um gênero que acusa

esta convenção mais claramente que os outros.

UNIDADE 01- SÃO OS CABELOS DAS MULHERES (COLASANTI, 2006, p.35 - 38)

“Naquela aldeia de montanha perdida entre neblinas, a chuva havia

começado há mais tempo do era possível lembrar. Só água vinha do céu, em fios

tão cerrados que as nuvens pareciam cerzidas ao chão.”

Segundo Todorov (2012), conto fantástico põe em xeque a divisão entre o

lógico e o absurdo ou entre o real e o ficcional, produz um efeito imagético que a

criação humana produz deixando levar-se por uma perspectiva da hesitação,

renovando a linguagem criativa em sentidos múltiplos, que é dada a partir da

movimentação dos personagens.

No conto, o tema é o cabelo feminino, provocando reflexões sobre o papel

das mulheres na sociedade a autora trabalha com o fantástico para construir sua

narrativa. Desta forma, observando o núcleo do conceito de Todorov que se situa na

divisão entre o lógico e o absurdo, no conto encontra-se um dos aspectos do

fantástico ligado aos cabelos:

As plantações haviam-se transformado em charcos, as roupas já não secavam junto aos fogos fumacentos, e pouco ou nada restava para comer. Reuniram-se os velhos sábios em busca de uma resposta, e longamente deliberaram estudando as antigas tradições. -São os cabelos das mulheres – disseram por fim. E obedecendo aos pergaminhos, ordenaram que fossem cortados.

A divisão entre o lógico e o absurdo, no que se refere aos cabelos está em

plantações transformadas em charcos relacionadas com os cabelos das mulheres. O

fato real está nas plantações não florirem mais e o irreal terem que cortar os cabelos

das mulheres para que as plantações pudessem emergir novamente sobre a terra,

como reza a tradição do povoado.

Entretanto um novo problema surge, as serpentes, por conta da seca

aparecem. Os aldeões reúnem-se novamente e afirmam que os cabelos das

mulheres precisam ser cortados. Mas não havia cabelos a serem cortados.

Descobrem uma menina confundida com menino, escondida entre as saias de uma

das irmãs mais velhas. O fantástico se manifesta ai, quanto buscam a solução para

o problema das serpentes.

Desatado o cordão que prendia o rabicho, os cabelos desceram cobrindo as orelhas. A mãe colheu um fio, enfiou-o numa agulha. Todos olhavam. Todos viram a mãe levantar uma pedra, suspender a serpente que ali se abrigava e, com pontos firmes, coser-lhe a boca. Todos viram a serpente afastar-se deslizando ladeira abaixo.

A ruptura entre a realidade e a irrealidade está no fato da mãe tirar um fio de

cabelo e costurar a boca de uma serpente, e resolve o problema até que todas as

serpentes desapareçam sobre a terra.

Ainda assim, a aldeia continua com problemas. Agora a tristeza das pessoas.

E a solução encontrada novamente está relacionada aos cabelos das mulheres.

Ainda fazia frio na manhã em que a primeira mulher tirou o xale. Sacudiu a cabeça. Os cabelos, que haviam crescido, rodearam-lhe o rosto. E porque aquela havia tirado o xale, uma e logo outra a imitaram, uma quarta desfez sobre a testa o nó que prendia o lenço, cabeças de mulheres assomaram às janelas, descobertas. Os cabelos, lisos, crespos, ondulados, dançavam livres farfalhando como folhas, cintilaram ao sol que de repente não parecia tão pálido. Em algum ponto daquela manhã, a primavera pôs-se a caminho. -São os cabelos das mulheres – disseram os homens farejando o ar que se fazia mais fino. E sorriram.

Diferentemente das soluções encontradas anteriormente, a felicidade, o

problema da aldeia, é recuperada por meio da libertação dos cabelos, até então

ocultos sob xales. Assim, o conto se conclui, trazendo mais um cenário da narrativa

fantástica.

Realizado o exame dos elementos fantástico no conto de Marina Colasanti, você, professor, poderá trabalhar com as sugestões de interpretação textual abaixo:

O texto descreve uma narrativa fantástico provocando reflexões sobre o papel das mulheres na sociedade. 1) Quais são os fatos desta narrativa que podem ser considerados estranhos? 2) Quem seria o opressor no texto? Quem está sofrendo a opressividade? Na atualidade moderna isso ocorre? Comente.

3) Por que foi necessário quebrar a velha tradição da aldeia? Neste século é preciso quebrar velhos conceitos e tradições? Comente. 4) Encontre no texto o momento em que houve a quebra da tradição. 5) Observando o quadro de Salvador Dalí e procurando entender o texto de Marina Colasanti: “São os cabelos das mulheres”, o que poderiam significar metaforicamente o pão no cabelo, o trigo e acima da cabeça as pessoas?

Figura 3- Busto de Mulher Retrospectivo, 1933 - Salvador Dalí Fonte: http://www.passeiweb.com/galeria/dali/1933_busto_de_uma_mulher

6) Crie uma imagem através do traçado mantendo o tom insólito e inusitado do estilo surrealista – observado em Salvador Dalí, acrescente ao desenho novos elementos, dê movimento a sua criação, faça com que seu desenho gere interpretações, mudanças de perspectivas. Procure fazer uma produção artística atraente, que desperte a curiosidade ou estranhamento.

Metáforas explícitas

e

Metáforas implícitas

construídas.

7) Observe o quadro abaixo pintado por Salvador Dalí e identifique na imagem

momentos do texto que podemos visualizar na pintura.

Figura 4 - O Devir Geológico, Salvador Dalí -1933 Fonte: (NÉRET, 2000, p.37) Nota: Óleo sobre madeira, 21x16 cm

UNIDADE 02 - COMO CANTAM AS PEDRAS (COLASANTI, 2006, p.45-47)

“Era um guerreiro grande e sólido como uma montanha, que regressava à sua

casa depois de muitas e muitas batalhas. A terra tremia debaixo dos seus passos.”

No conto, um guerreiro regressa à sua casa depois de muitas batalhas,

descobre-se só e aprisionado nas memórias e nas múltiplas situações que ainda

vivenciará.

A ruptura com a realidade se manifesta a partir do parágrafo abaixo:

Não podia saber que o tempo o havia transformado em pedra. Nem havia mais casa ao seu redor, nem mais cidade ou aldeia. Tudo havia desmoronado ao longo dos muitos anos, tudo havia-se desfeito nos dias e nas noites. O guerreiro de pedra jazia no chão, no mesmo lugar onde caíra

com o lento apodrecer das tiras de couro da sua cama. E aquele lugar, aquele lugar que fora povoado e verde, era agora um deserto. Mas isso ele não sabia. Sabia, com súbita clareza, que estava aprisionado dentro de si, sozinho no escuro, vivo caroço de dura fruta. E que talvez ninguém viesse devolvê-lo ao sol.

A narrativa fantástica apresenta uma série de acontecimentos na qual nenhum

é tomado isoladamente.

Segundo Todorov (2012, p. 32), “A narrativa fantástica (...) gosta de nos

apresentar, habitando o mundo real em que nos achamos, homens como nós,

colocados subitamente em presença do inexplicável.”

Observe que a palavra guerreiro não está isolada do texto, adjetivos ajudam

na ampliação do imagético. No fantástico, a habilidade de relacionar as palavras em

novas situações ganha em criatividade e riqueza vocabular e a originalidade do texto

aparece.

Guerreiro está aliada a adjetivos e ao símile: “era um guerreiro grande e

sólido, como uma montanha, que regressava a sua casa.”

Era um guerreiro grande e sólido como uma montanha, que regressava à sua casa depois de muitas e muitas batalhas. A terra tremia debaixo dos seus passos. Chegando tão cansado que parecia não ter forças para mais um gesto, desfez-se das armas, despiu a couraça, e deitou-se para dormir. A cabeça pesou como se afundasse primeiro, arrastando-o. Dormiu todo o dia, dormiu toda a noite, mas os dedos do sono continuavam entrelaçados em seus cabelos e não largavam a presa. E tendo dormido um ano inteiro, dormiu outro e muitos, muitos mais. Acordou com uma formiga caminhando no seu peito. O sono o havia deixado. Quis abrir os olhos, não conseguiu, sentiu as pálpebras seladas. Pensou que se lavasse o rosto, talvez, e tentou levantar-se. Porém o corpo não lhe obedecia, não lhe obedeciam os músculos. Inutilmente insistiu no desejo de mover-se, como uma ordem. Nenhuma resposta lhe veio. Os ossos pareciam alheios, se é que havia ossos. Uma rigidez fria e compacta fundia carne e sangue. Imóvel, perguntou-se em que caixa, em que casca, em que pele estava trancado.

Sugestões para o trabalho com o conto: “Como cantam as pedras”.

Trabalhar com as figuras de linguagem presente no conto de Marina Colasanti

na construção de parágrafos enfatizando a extensão do raciocínio ao proporcionar o

pensar imaginativo na narrativa fantástica. Observar outras possíveis figuras de

linguagem.

Guerreiro grande e sólido como uma montanha – hipérbole e símile (como) O que a flauta disse, nem o viajante saberia ao certo – prosopopeia Levando a areia, os grãos todos que haviam sido aquele guerreiro, para juntá-los aos infinitos grãos do seu passado – hipérbole e metáfora

INTERPRETAÇÃO - QUESTÕES POSSÍVEIS:

1) Qual a relação que podemos fazer do quadro de Dalí com a realidade circundante? É possível na sociedade atual haver guerreiros? Quem? Comente.

Figura 5 - Criança Geopolítica Assistindo ao Nascimento do Novo Homem, 1943 – Salvador Dalí Nota: Óleo sobre tela 45,5 x 50 cm Fonte: http://www.revista.art.br/site-numero-03/trabalhos/10.htm

2) Observa-se que no decorrer do conto, quando o guerreiro se põe novamente em pé, há o encontro entre ele e sua memória. Como isso é construído na narrativa? Como se sente em relação a esta descoberta?

3) Nos parágrafos: “O guerreiro que havia vencido tantas batalhas gritou, amaldiçoou o tempo...” “E o tempo teve pena. Girou rápido...” Relacione semelhanças dos parágrafos do conto nas imagens do quadro de Salvador Dalí:

Como sugestão ouvir a canção, “Guerreiro Menino” na voz de Fagner, acessando

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=2t7XXneQgtk

SUGESTÕES DE ATIVIDADES:

1) Trabalhar o filme: “O Labirinto do Fauno”, de Guilherme Del Toro, relacioná-lo

com o conto: “Como cantam as pedras”, de Marina Colasanti.

Figura 6 - Persistência da Memória, 1931 – Salvador Dalí Óleo sobre tela 24,1x33cm Fonte: http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2014/02/14/1082019/uma-arte-semana-persistencia-da-memoria-salvador-dali.html

2) Procurar pontos em comum entre o quadro de Salvador Dalí e a fotografia da

revista, nas imagens abaixo:

http://culturaeeducacaocontraalienacao.blogspot.com.br/2013/04/salvador-dali-face-da-guerra-1940.html

3) Ler o conto: “Muros Muros Muros”, de José J. Veiga. Sombras de reis barbudos.

17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989 p. 25 e 27.

4) Para pensar:

A atmosfera é a coisa mais importante pois o critério definitivo de autenticidade do fantástico não é a estrutura da intriga, mas a criação de uma impressão específica (...) Eis porque devemos julgar o conto fantástico não tanto em relação às intenções do autor e os mecanismos da intriga, mas em função da intensidade emocional que ele provoca. O leitor experimenta profundamente um sentimento de temor e de terror, a presença de mundos e poderes insólitos. (TODOROV, 2012, p. 40).

Figura 7- O Rosto da Guerra, 1940 – 1941 Salvador Dalí Óleo sobre tela, 64x79cm Fonte:

Figura 8 - Revista Carta na Escola Nº 80 - outubro de 2013 - página 32 Fonte: www.cartanaescola.com.br

UNIDADE 03 - QUEM ME DEU FOI A MANHÃ (COLASANTI, 2006, p.77-81)

Texto Fantástico: Herói precisa vencer o inimigo.

Situações contrárias a vida comum acontecem, como se fossem

normais: seres mágicos aparecem e desaparecem com facilidade.

“Foi uma moça lavar suas anáguas no rio. Espuma de rendas, espuma de

águas. Depois deitou-as sobre a grama para secar. E da grama uma salamandra

levantou a cabeça e perguntou:

-Que rendas são essas que você lava com tanto capricho?

-São as rendas que farfalham nos meus tornozelos – respondeu a moça.

-Eu também quero ouvir esse farfalhar – disse a salamandra. E antes mesmo

que a moça vestisse a primeira anágua, enroscou-se no seu tornozelo.

Era fria como vidro e brilhante como prata. Mas, com medo de ser mordida, a

moça deixou-a estar e voltou para a aldeia.”

Neste conto a personagem convive com seres mágicos que envolve-se em

sua vida metamorfoseando-a em seu corpo em formato de joias e assim fazê-la

sentir-se e ser bonita. Provocando a cobiça e a inveja em todos na aldeia.

Uma moça pobre usando joias de valor era coisa nunca vista antes naquela aldeia, afirmou este.

No decorrer da narrativa a personagem difere das demais moças através de

sua sensualidade e o capricho com que lava suas roupas. Seres mágicos

novamente apareçam envolvendo-a e transformando-se em joias. Ao voltar para a

vila todas as moças ficam extasiadas pelo brilho da preciosidade que a moça levava

em seu corpo.

-Que roupa é essa que você lava com tanto esmero? -É o xale que pousa nos meus ombros – respondeu a moça. -Eu também quero pousar nos teus ombros – disse a serpente. Deslizou rápida até os ombros dela, rodeou-lhe o pescoço e, mordendo o próprio rabo, deixou-se ficar. Era lisa e verde como esmeralda. Porém, com medo da picada, a moça não ousou tocá-la. E voltou para a aldeia. -Que joia tão rica! – surpreenderam-se as moças suas companheiras colhendo os lampejos verdes ao redor do pescoço. – Como foi que você conseguiu?

O fato da moça pobre usar joias de valor instiga sentimentos de inveja nas

demais moças da aldeia e chama a atenção das autoridades que prendem-na.

Uma moça pobre usando joias de valor era coisa nunca vista antes naquela aldeia, afirmou este. A moça só podia tê-las roubado, concluíram todos. E, expedida a ordem, foram os esbirros buscá-la em sua casa e a trouxeram até a cela. Nas joias ninguém se atreveu a tocar, serviriam como evidência.

A heroína de Colasanti subverte o padrão tradicional porque é sedutora e a

aproxima do contexto atual, ao tocar em questões universais como a sensualidade e

o alto preço que provém disso que culmina na injustiça.

...foi arrastada para a praça onde a fogueira para queimá-la havia sido armada. Já não trazia a serpente ao redor do pescoço, nem a libélula pousada nos cabelos. Mas entre os farrapos da anágua rasgada ocultava-se a salamandra. -Bruxa! – gritava o povo. -Feiticeira!

Observa-se a presença da estrutura fantástica desde o início do conto,

através da figura feminina interagindo com animais: salamandra, serpente e libélula

que emprestam beleza e sensualidade metamorfoseados em joias, adornos ao corpo

da moça. O conto situa-se no limite entre o possível e o impossível, o leitor é

surpreendido principalmente porque não perde o contato com a realidade. Fatos

mágicos, maravilhosos são misturados a elementos do mundo real e é aí que reside

a surpresa e o estranhamento produzidos no leitor, buscar reflexões com a realidade

circundante. Uma personagem em sintonia com a natureza e consigo mesma,

atitudes nem sempre valorizadas por uma sociedade constituída por seres

eticamente deformados em seu caráter.

O povo na praça ergueu os braços celebrando a primeira labareda. A cabeça da moça pendia de lado. A fumaça se expandiu, pessoas tossiram na assistência. E logo todos os feixes arderam ao mesmo tempo, refletidos nos olhos da multidão.

INTERPRETAÇÃO – Questões possíveis:

1) O conto fantástico associa elementos do mundo real a fatos maravilhosos, imaginativos. Tendo isso em mente, responda: a) Que elemento presente no texto faz parte do mundo real? b) Que elementos desse conto de Marina Colasanti extrapolam a realidade, ou seja, podem ser considerados fantásticos? Comente. 2) A conduta da moça em várias situações provoca desconforto nas pessoas. Explique o porquê das pessoas tratarem a moça de modo diferente. 3) A narrativa apresenta-nos uma figura feminina interagindo com animais que não se situam no âmbito da domesticidade. Quem são esses animais? Qual é o primeiro animal que estabelece o diálogo com a moça? 4) Os escritores do realismo fantástico relatam fatos sobrenaturais para criticar a realidade. Que críticas podem ser inferidas com base nos fatos narrados nesse conto? Comente. 5) Relacionando texto e imagem. Observe o quadro de Salvador Dalí e a partir da pintura do quadro estabeleça relações com o conto:

Figura 9 - Pintura mural para Helena Rubinstein, 1942, Salvador Dalí Fonte: http://pt.wahooart.com/Art.nsf/O/5ZKF7Z/$File/Salvador+Dali+-+Mural+Painting+for+Helena+Rubinstein+(panel+ 1)+1942+.JPG

Estabeleça relações do conto: “Quem me deu foi a manhã”, com a reportagem do site da UOL:

Justiça com as próprias mãos: Linchamentos desafiam ordem e Estado UOL

Vestibular - Resumos - Atualidades

Sugestão de leitura: Relacionar o conto: “Quem me deu foi a manhã”, de Marina

Colasanti com o conto fantástico do escritor moçambicano Mia Couto: “A carteira

de crocodilo”.

A Senhora Dona Francisca Júlia sacramento, esposa do governador-geral, excelenciava-se pelos salões, em beneficentes chás e filantrópicas canastas. Exibia a carteirinha que o marido lhe trouxera das outras Áfricas, toda em substância de pele de crocodilo. As amigas se raspavam de inveja, incapazes de disfarce. Até a bílis lhes escorria pelos olhos. Motivadas pela desfaçatez, elas comentavam: o bichonho, assim tão desfolhado, não teria sofrido imensamente? Tal dermificina não seria contra os católicos mandamentos? (Couto, Mia. Contos do nascer da Terra 3.ed. Lisboa: Editorial Caminho, 1997. p.101-3.)

Na estrutura composicional desse conto fantástico observa-se que o narrador

em 3ª pessoa se posiciona perante os fatos ironizando as personagens por meio da

escolha das palavras.

A presença de elementos fantásticos que percorre esse conto são as

circunstâncias absurdas que envolvem a morte da Senhora Dona Francisca Júlia

Sacramento, esposa do governador-geral, devorada por um crocodilo que sai de sua

bolsa de pele (de crocodilo); e a metamorfose pública e gradual do corpo do

governador em serpente exceto os pés, que estavam calçados com sapatos de

couro desse animal.

Esses elementos são usados com o objetivo de provocar reflexão a respeito

da arrogância, da vaidade, da hipocrisia, da inveja e de denunciar a realidade: a

política colonialista, o oportunismo político.

PROFESSOR: chame a atenção da turma para as palavras e expressões

empregadas no português de Moçambique que aparecem nesse conto.

UNIDADE 4 - A MORTE E O REI (COLASANTI, 2006, p.15-19)

“Noite, ainda não. Mas as nuvens tão escuras, que era como se fosse. E

nesse escuro pesado, envolta num manto, a Morte galopava seu cavalo negro em

direção ao castelo. Os cascos incandescentes incendiavam a grama. Desfaziam-se

as pedras em centelhas.

Diante da muralha, sequer chamou ou apeou para bater ao portão. O manto

estalava ao vento. O cavalo escarvava com a pata. Ela esperava.

E logo os pesados batentes se abriram num estridor de ferragens. E a Temível

foi levada à presença do Rei.

-Vim buscar-vos, Senhor – disse sem rodeios.”

Verifica-se nesta narrativa, o sentido metafórico que é dado à morte, a qual

recebe várias denominações logo no início como a Temível. O Rei para não ser

levado pede a Morte para esperar até o dia seguinte onde ocorreria um torneio nos

jardins do castelo e a presença da Morte daria outro valor à disputa.

-Não contestaria chamado tão definitivo, sem boa razão – respondeu o monarca, com igual precisão. – Peço-lhe, porém que não partamos já. Realiza-se amanhã um torneio nos jardins do castelo. E tenho certeza de que sua presença dará outro valor à disputa.

Nota-se no decorrer da narrativa o persuadir do Rei frente à morte, adiando e

argumentando a possibilidade da Morte levar muitos outros seres humanos em vez

de um simples rei.

Senhor, em minha morada esperam por nós. -Na minha também, Senhora, somos esperados – respondeu o Rei, com voz dura. – Informantes acabam de me revelar que um grupo de conspiradores está pronto para levantar suas armas contra mim.

Morte e Rei partem para sucessivas batalhas, o Rei sempre a procurar

sombras que precisassem da assistência da Morte.

E depois de ter dado tempo para que ela avaliasse suas palavras, acrescentou em tom mais baixo, quase envolvente: - Os que se escondem nas sombras precisarão da sua assistência. Amplas são as sombras, pensou a Morte, calculando a sua parte. E mais uma vez concordou em adiar a partida.

O Rei oportunizando a Morte com mais elementos humanos tenta livrar-se do

objetivo da Intransponível e declara guerra aos países do leste, rompendo com o

equilíbrio e ceifando vidas inocentes.

-Senhor – disse a Intransponível depois de recolher a sua carga – já esperei mais do que devia. Mande selar o seu cavalo. E partamos. -Esperou, é certo. Mas foi bem recompensada – respondeu o Rei. – mandarei selar o meu cavalo, como me pede. E partiremos. Porém não para seguir o seu caminho. Acabei de declarar guerra aos países do leste. E preciso da sua presença ao meu lado, nos campos de batalha.

Observa-se na narrativa que aqueles que ousam pensar contra o Rei tem

suas cabeças cortadas ou apunhalados em corredores escuros.

Ao entardecer do dia seguinte, um mancebo foi apunhalado num corredor escuro, um ministro foi passado ao fio da espada junto a uma coluna, enquanto no alto de uma escada uma dama tombava envenenada. Antes que o sol nascesse novamente, o carrasco decepou as outras cabeças que haviam ousado pensar contra o Rei.

Elementos fantásticos prende-se à própria estrutura da narrativa, um Rei e a

Morte selando o destino dos homens numa imposição que acusa, não oferece

chance de defesa. Um Rei que não se conhece, nem se entende, a provocar

conflitos persuadindo a Morte que veio buscá-lo. Após as atrocidades da guerra

assina a paz.

Não era trabalho para um dia. Nem para dois. Dias e dias se passaram. Meses. Anos. Em que a Sombria parecia não ter descanso, cortando, quebrando, arrancando, E colhendo. Colhendo. Colhendo. E porque ela havia colhido tanto, chegou um momento em que a guerra não tinha mais como prosseguir. E acabou. Á frente do exército dizimado, o Rei e a Morte regressaram ao castelo. E na sala, agora desguarnecida de seus cavaleiros, o Rei assinou o tratado de paz.

O conto pode ser explorado pelas relações com o mundo através das

atrocidades humanas provocadas por fantásticos poderes metamorfoseados em

mentiras, que trucidam e ceifam vidas inocentes negando-lhes a democracia,

melhoria nas condições de vida, respeito à dignidade humana. Mostra que a guerra

retira o direito pela normalidade da vida transformando-a em violência. Citando

Todorov (2012):

Os elementos fantásticos prende-se à própria existência de seres sobrenaturais e a seu poder sobre o destino dos homens. Entretanto, não

basta constatar este fato, é preciso interrogar sobre sua significação. Digamos que na vida cotidiana há uma parte dos acontecimentos que se explica por causas conhecidas por nós. (TODOROV, 2012, p. 118).

INTERPRETAÇÃO – Questões possíveis:

1) Quais foram os três acontecimentos que o Rei usou como argumento para convencer a Morte de adiar sua morte? Argumente. 2) Explique por que a Morte concordou. 3) A autora dá a Morte vários outros nomes. Quais são esses outros nomes? 4) O Rei ainda arrumou uma última desculpa para a Morte não levá-lo. Deu certo? Explique. 5) Em que momento do conto o Rei percebeu que não conseguiu enganar a Morte? Comente. 6) No conto, a narrativa apresenta elementos composicional na esfera do gênero conto mas com passagens do real para o fantástico. Preencha a tabela abaixo identificando características do gênero conto fantástico: Quais são as características marcantes da morte? Selecione uma passagem.

Que situação é apresentada na introdução do conto? Retire passagens do conto.

Existe um conflito? Qual?

Qual o clímax da história?

Qual o desfecho dado à narrativa?

Existem elementos ou acontecimentos no conto que não pertencem ao mundo real? Quais?

RELACIONANDO QUADROS DE SALVADOR DALÍ COM ATUALIDADE:

Tanto os contos da Marina Colasanti quanto os quadros de Salvador Dalí

representam situações insólitas e atmosfera onírica, com o objetivo de questionar ou

não a realidade.

Observe as imagens abaixo e mantendo relações com o conto: “A Morte e o

Rei”, estabeleça diálogos entre os quadros de Salvador Dalí e as imagens da

atualidade. Instigue sua observação, teça comentários.

Não era trabalho para um dia. Nem para dois. Dias e dias se passaram. Meses. Anos. Em que a Sombria parecia não ter descanso,

cortando,

quebrando,

arrancando,

colhendo, colhendo.

Figura 10- Construção Mole com Feijões Cozidos - Premunição da Guerra Civil, 1936 Salvador Dalí Nota: Óleo sobre tela, 100x99cm

Fonte: http://fazendohistoriaa.blogspot.com.br/2009/08/construcao-mole-com-feijoes-cozidos.html

Figura 13 – Fonte: Revista Atualidades VESTIBULAR + ENEM, 2º Semestre 2013, p.43

“A Morte sabia, por antiga experiência, o quanto podia ceifar nesses campos.”

Figura11 - O Enigma do Desejo, 1929- Salvador Dalí Óleo sobre tela, 110x150,7cm Fonte: http://befelgueiras.blogs.sapo.pt/93366.html

Figura 12 – Revista Atualidades Fonte: VESTIBULAR + ENEM, 2º Semestre 2013, p. 42

“-Esperou, é certo. Mas foi bem recompensada.”

OFICINA DE TEXTO – Tendo o gênero fantástico como estrutura composicional:

ESTRUTURA DO FANTÁSTICO NO CONTO, “COMO CANTAM AS PEDRAS”

REAL

Descrição física da personagem:

Era um guerreiro grande e sólido como uma montanha, que regressava à

sua casa depois de muitas e muitas batalhas. A terra tremia debaixo dos

seus passos.

Descrever ações do personagem: tempo/espaço

Chegando tão cansado que parecia não ter forças para mais um gesto,

desfez-se das armas, despiu a couraça, e deitou-se para dormir. A cabeça

Figura 14 – Fonte: Revista Atualidades VESTIBULAR + ENEM, 2º Semestre 2013, p.12.

Figura 15 –Fotografia do livro TERRA Fonte: Sebastião Salgado, 1997, p. 71.

pesou como se afundasse primeiro, arrastando-o. Dormiu todo o dia, dormiu

toda a noite, mas os dedos do sono continuavam entrelaçados em seus

cabelos e não largavam a presa. E tendo dormido um ano inteiro, dormiu

outro e muitos, muitos mais.

Ação principal:

Acordou com uma formiga caminhando no seu peito. O sono o havia

deixado...

FANTÁSTICO IRREAL

Descoberta de um novo personagem:

Não podia saber que o tempo o havia transformado em pedra.

Espaço: lugar onde se encontra depois que acordou:

Nem havia mais casa ao seu redor, nem mais cidade ou aldeia. Tudo havia

desmoronado ao longo dos muitos anos, tudo havia-se desfeito nos dias e

nas noites. O guerreiro de pedra jazia no chão (...) (...) e aquele lugar,

aquele lugar que fora povoado e verde, era agora um deserto. Mas isso ele

não sabia. Sabia, com súbita clareza, que estava aprisionado dentro de si,

sozinho no escuro, vivo caroço de dura fruta. E que talvez ninguém viesse

devolvê-lo ao sol. Então, para não estar tão só, pôs-se a cantar.

Reação da descoberta “cantar”:

Não cantava como canta um homem. Cantava como cantam as pedras

quando sofrem.

Consequência da “cantoria”:

E se o cantar não espantou sua solidão, com certeza espantou as poucas

gentes que por ali passavam. Em pouco tempo, todos souberam que

naquele ponto do deserto havia pedras cantantes. E, assustados, passaram

a evitá-lo.

FANTÁSTICO

Novo elemento fantástico que dá vida ao ser:

Impossível, para o guerreiro que não via o amanhecer, calcular a passagem

do tempo. Talvez muito houvesse passado, talvez pouco, quando um

viajante vindo de terras distantes pousou seu alforje no chão e sentou.

Comeu do que tinha trazido e descansou, enrolado no cantar como em uma

manta. Depois meteu a mão no peito por dentro da roupa, tirou uma flauta.

Estava morna como a pele. Levou à boca. O que a flauta disse, nem o

viajante saberia ao certo. Sua música deslizou sobre a areia com a mesma

suavidade das serpentes, penetrou, poro a poro, na pedra. Como água,

como luz, abriu seu caminho. E num estalar de juntas que se soltam, de

amarras que se desfazem, o guerreiro moveu-se, levantou a cabeça, ergueu

o tronco, pôs-se de pé.

A lógica do conto fantástico situa-se no mundo real; sendo assim, qualquer

situação cotidiana é passível de transformar-se em uma narrativa fantástica.

Pensar em:

Um passeio no shopping entre amigos.

Uma viagem em família.

Uma passagem solitária pela praça central de sua cidade.

Uma típica aula em seu colégio.

... de repente interrompidos por um acontecimento fantástico? Misture

elementos da realidade com elementos da imaginação. Descreva o ambiente de

forma detalhada, valorizando os pormenores, criando o inusitado. Na apresentação

do conflito, insira um fato inexplicável, mágico. Aprisione o leitor, criando nele

expectativas quanto ao desfecho. Encerre seu texto de forma surpreendente,

deixando um clima de mistério no ar.

AVALIAÇÃO

PROFESSOR,

Entenda-se como fantástico, elementos na narrativa que fogem da

convencionalidade. Tais elementos instigam a criatividade no aluno, fazendo-o

avançar na percepção das ambientações, dos personagens, nas ações, com um fato

sucedendo a outro.

Também contribui para despertar do imaginário, no aluno, pela história a qual

irá escrever, e no leitor, prendendo a atenção e aumentando a expectativa. A

atividade com o conto fantástico oferece uma excelente oportunidade para que o

aluno desenvolva vocabulário e consiga dar coerência verbal ao imagético,

contribuindo para a autonomia reflexiva das inquietações do jovem criativo no

entender sua época.

A linguagem é o instrumento para evocar, imaginar e perceber o mundo, como

diz Ostrower (2013):

A possibilidade de o indivíduo constantemente diversificar-se e acrescentar a si próprio dentro de sua coerência. É um processo que cresce em duas direções simultâneas, como se fosse um leque a abrir-se e fechar-se num idêntico movimento, atingindo níveis integrativos sempre mais elevados. Crescendo tanto no sentido das delimitações como no de ampliações, a coerência se renova nas potencialidades criativas do indivíduo. A cada síntese, a cada novo nível de compreensão que é possível alcançar, corresponde a base para o aparecimento de novas possibilidades de ser e de criar. (OSTROWER, 2013, p.165).

De modo que a avaliação apropriada visa a produção de um conto fantástico.

Quanto aos contos produzidos pelos alunos, o professor poderá inseri-los no

site: www.fanfiction.com.br . A intenção é divulgar as histórias originais e, ao mesmo

tempo, estimular a criatividade. Os usuários podem comentar as histórias uns dos

outros

REFERÊNCIAS

BURGER, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo: CosacNaify Portátil, 2012. COLASANTI, Marina. 23 histórias de um viajante. São Paulo: Global, 2006. CORTEZ, Clarice Zamonaro; BONICI Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana. Literatura e Pintura. In Teoria da Literatura. 3. ed. Maringá: Eduem, 2009. DALI, Salvador. Metamorfoses vividas. Disponível em: <http://metamorfosesvividas.blogspot.com.br/2009/02/salvador-dali.html>. Acesso em: 04 out. 2014. ______. Criança geopolítica assistindo ao nascimento do novo homem. Disponível em: <http://transparenteouambar.blogspot.com.br/2013/05/crianca-geopolitica-assistindo-ao.html>. Acesso em: 04 out. 2014. ______. Retrospectiva, busto de mulher. Disponível em: <http://www.passeiweb.com/galeria/dali/1933_busto_de_uma_mulher>. Acesso em: 04 out. 2014. ______. Uma Arte por Semana: A Persistência da Memória, de Salvador Dalí. Disponível em: <http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2014/02/14/1082019/uma-arte-semana-persistencia-da-memoria-salvador-dali.html>. Acesso em 09/11/2014. ______. Contra Alienação, Somente Cultura e Educação. Disponível em: <http://culturaeeducacaocontraalienacao.blogspot.com.br/2013/04/salvador-dali-face-da-guerra-1940.html>. Acesso em: 09 nov. 2014. ______. O Enigma do Desejo (1929). Disponível em: <http://befelgueiras.blogs.sapo.pt/93366.html>. Acesso em: 09 nov. 2014. ______. Pintura mural para Helena Rubinstein. Disponível em: <http://pt.wahooart.com/Art.nsf/O/5ZKF7Z/$File/Salvador+Dali+-+Mural+Painting+for+Helena+Rubinstein+(panel+ 1)+1942+.JPG>. Acesso em: 11 nov. 2014. ESMANHOTTO, Mônica. Grandes Mestres. São Paulo: Abril Coleções, 2011. FAZENDO HISTÓRIA. Construção Mole com Feijões Cozidos (Premonição da Guerra civil). Disponível em: <http://fazendohistoriaa.blogspot.com.br/2009/08/ construcao- mole-com-feijoes-cozidos.html>. Acesso em: 09 nov. 2014. GUIA DO ESTUDANTE. Revista Atualidades: Vestibular + Enem, 2º Semestre, 18.ed.São Paulo: Abril, 2013. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2010.

MARTINS, Luciano. Escrever com criatividade. São Paulo: Contexto, 2006. NÉRET, Gilles. Salvador Dalí 1904 - 1989. Germany: Benedikt Taschen, 2000. NÉRET, Gilles. Salvador Dalí 1904 – 1989: O Devir Geológico, 1933. Germany: Benedikt Taschen, 2000. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. REVISTA CARTA NA ESCOLA. Disponível em: <www.cartanaescola.com.br>. Acesso em 09 nov. 2014. SALGADO, Sebastião. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva, 2012. VÍDEOS SUGESTÕES: https://www.youtube.com/watch?v=xnHYrtPL02E – Sempre um papo com Marina. https://www.youtube.com/watch?v=1GFkN4deuZU – Walt Disney's & Salvador Dali - Destino 2003. https://www.youtube.com/watch?v=Q9pnL6tsl7Y – Surrealismo em Dalí