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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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A relação com o passado em narrativas históricas de jovens-estudantes: umaanálise a partir de conceitos substantivos

Cristina CremonezeMaria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt

Resumo

O presente artigo é o relato da implementação do projeto PDE, aplicado no

Colégio Estadual Alfredo Chaves, situado no município de Colombo, região

metropolitana de Curitiba, com jovens na faixa etária de doze a dezesseis

anos, distribuídos em quatro turmas do 8º ano do Ensino Fundamental, no

período da tarde. A opção de formato de material didático escolhido foi a

Unidade Didática, articulando estudos acerca dos fundamentos teóricos e

metodológicos da pesquisa em educação histórica, como a Unidade Temática

Investigativa (Fernandes, 2008), a análise de conteúdo (Bardin, 2004 e Franco,

2005) e a aprendizagem histórica (Rüsen, 2012). O tema abordado com os

jovens estudantes foi "A participação da juventude em movimentos sociais

(1980-2010)."

Introdução

A proposta inicial do projeto aplicado no CE Alfredo Chaves, objetivou

contemplar oitenta e sete jovens com idades entre doze a dezessete anos,

distribuídos em quatro turmas de 8º ano do Ensino Fundamental, no período da

tarde. O referido estabelecimento de ensino possui aproximadamente

oitocentos alunos, nos três turnos e está situado no entorno do município de

Colombo, região metropolitana de Curitiba,

Para a definição das turmas quanto à realização do projeto, foi considerado os

relatos de professores que haviam trabalhado em anos anteriores com esses

jovens estudantes, que apontaram como um desafio o ensino de forma

investigativa e que pudesse despertar o interesse dos alunos dessas turmas

pela pesquisa.

De fato, ensinar História em classes de jovens dos anos finais do ensino

fundamental nesta segunda década do século XXI consiste em grande desafio,

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considerando a implementação de textos legais voltados para a juventude, a

pressão das mídias sociais e as intensas e constantes mudanças provocadas

pelo uso de tecnologias de informação e comunicação.

Uma das características que destacou-se no perfil dessas turmas é a

defasagem idade/série, pois dos oitenta e sete jovens que desenvolveram o

projeto, vinte e sete tinham 14 anos, dezesseis já haviam completado 15 anos,

dois estavam com 16 anos e um com 17 anos. Desse total, vinte e nove são do

sexo masculino e dezessete são do sexo feminino. Menos de 50% do total dos

jovens estudantes destes oitavos anos estão na faixa etária adequada ao ano

escolar que estão cursando.

São turmas extremamente agitadas (principalmente na 4ª e 5ª aulas) e com

grande dificuldade de concentrar-se para ouvir uma explicação que dure mais

de 05 minutos, ouvir a argumentação ou explicação de colegas e da

professora, fato que prejudicou a realização de algumas atividades previstas.

Outra questão relevante é que uma das turmas possui jovens estudantes de

inclusão com diferentes necessidades educativas, contando com uma

professora da Educação Especial durante as aulas, mas que exigem da

professora regente uma percepção mais atenta em todo o processo de ensino,

além de leituras especializadas visando contemplar mais acertadamente a

aprendizagem desses jovens.

Com base neste contexto, partiu-se de alguns questionamentos: como os

jovens-estudantes do 8º ano se relacionam com o passado? Quais temas

históricos consideram significativos para ajudá-los a atuar no mundo em que

vivem?

A intencionalidade de pesquisar essas questões residiu na necessidade de

propor novas abordagens no ensino de História, na tentativa de articular o

contexto atual dos jovens-estudantes, os estudos em Educação Histórica e as

orientações descritas nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica -

História. Neste sentido, a partir dos referenciais da educação histórica

pretendeu-se:

investigar como os jovens-estudantes do 8º anos se relacionam com o

passado;

analisar relações que os jovens estabelecem com o passado, a partir do

trabalho com fontes históricas;

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identificar a maneira pela qual os jovens estabelecem relações com o

passado a partir da utilização de conceitos de segunda ordem, como

temporalidade, explicação, ação histórica na produção de narrativas;

categorizar níveis de complexidade sobre as relações com o passado,

na formação da consciência histórica dos jovens, a partir de uma

pesquisa longitudinal.

Para o desenvolvimento desta proposta, a opção de formato de material

didático escolhido foi a Unidade Didática, articulando estudos acerca dos

fundamentos teóricos e metodológicos da pesquisa em educação histórica,

como a Unidade Temática Investigativa (Fernandes, 2008), a análise de

conteúdo (Bardin, 2004 e Franco, 2005) e a aprendizagem histórica (Rüsen,

2012).

Para a seleção de um tema de investigação que norteasse a unidade didática,

foi considerado o perfil das turmas, na tentativa de aproximação da história

escolar com a vida prática dos jovens estudantes. A ideia é que ao investigar

sobre a participação da juventude em movimentos sociais, os jovens

estudantes ampliassem sua percepção sobre seu lugar na sociedade

contemporânea, sua inserção em movimentos sociais, enfim, se enxergassem

como protagonistas ativos da história.

Assim, para abordagem do tema "A participação da juventude em movimentos

sociais (1980-2010)", foi utilizada a proposta de trabalho realizada por Lindamir

Zeglin Fernandes (2008) que articula a metodologia da aula oficina de Isabel

Barca (2004) à unidade temática investigativa. Todas as atividades foram

planejadas em fichas específicas, o que facilitou o desenvolvimento da

implementação do projeto.

A implementação da Unidade Investigativa e as devolutivas dos jovens

estudantes

Na categorização das narrativas produzidas pelos jovens-estudantes, geradas

a partir das problematizações e das intervenções pedagógicas ao longo da

aplicação da unidade didática, partiu-se dos estudos de Maria Laura Puglisi

Barbosa (2005), para quem a análise de conteúdo é um procedimento de

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pesquisa (p. 20) e que o investigador tem seu próprio processo de

decodificação e por meio dele analisa, infere e elabora interpretações acerca

do processo de codificação do produtor (p.23).

As categorizações propostas nas atividades da unidade didática não são idéias

fechadas em si mesmas, mas buscam dialogar com as narrativas produzidas

pelos jovens-estudantes e permitem alterações no percurso do trabalho.

Ao utilizar a análise de conteúdo como procedimento de pesquisa, na

construção de categorias, pretendeu-se, a partir da análise e interpretação das

narrativas dos jovens-estudantes do 8º ano, a produção de inferências

vinculadas à relação com o passado.

Na devolutiva dos jovens estudantes, quanto a como se relacionam com o

passado, houve cinquenta e quatro citações para meios ou formas impressas

(jornal, revista, livro didático, livros em geral, carta, dicionário) e cinquenta e

três englobando TV, internet, rádio, celular, computador. Por esses dados, pode

afirmar que apesar da grande preferência ao uso das novas tecnologias por

esses jovens, os materiais impressos ainda encontram-se fortemente no

cotidiano, principalmente na escola.

Mas, afinal, quem são os(as) esses jovens estudantes e como autodefinem

"ser jovem" e "ser estudante"? No exercício realizado em duplas, trios ou

individualmente, ao responder a questão "Para você, o que é ser jovem e ser

estudante?", a devolutiva mais frequente foi "Jovem é legal. Estudante é meio

chato mas tem que estudar para ser alguém na vida", com variações:

"Jovem é ser livre pra escolher o que quer ser na vida.Estudante é aprender pra subir na vida". (8º A)"Jovem: é bom, mas tem algumas fases da juventude que sãomuito ruins, tipo: os nossos sentimentos são mais fortes, asdesilusões, amores não correspondidos. Estudante não é tãobom, mas tem que estudar pra ser alguém na vida lá prafrente."(8º B)"Ser jovem é saber se divertir, é uma parte da vida que vocêcomeça a ter mais responsabilidade; ser estudante é estudar,ficar quieto quando os professores explicam e prestar atençãonas aulas."(8º C)"Ser jovem é você sair com os amigos, se divertir na suaadolescência, lógico que com cuidado também. E serestudante é você estudar para no futuro ter umaprofissão."(8ºD)

No placar geral, quase todos registram que "ser jovem" está vinculado à coisas

positivas, à liberdade, diversão e independência. "Ser estudante", tem como

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argumentos em grande parte das respostas, o compromisso com o futuro, com

regras, responsabilidades. Duas respostas, no entanto, chamaram a atenção,

por destoar de todas as outras: "É ruim, porque cada ano que passa complica

os estudos e tem jovem que se envolve em drogas, roubos e cadeia." (8º

B)"Jovem pra mim é um pouco ruim, porque eu quero trabalhar mas não posso.

Estudante: eu quero parar de estudar, mas minha mãe não deixa." (8º D). Os

jovens dessas devolutivas tem 13 anos e destacaram aspectos negativos de

ser jovem. Enquanto o primeiro enfatizou a dificuldade apresentada pelos

estudos, o segundo entende que a pouca idade e o estudo consistem em

obstáculo para o exercício do trabalho.

Na tentativa de identificar o perfil deste jovem estudante contemporâneo,

utilizamos as idéias sobre juventude de Hobsbawn (2005, p.317-333), Sposito

(2010) e Gil (2011). Se Hobsbawn localiza o que define como cultura juvenil no

âmbito das economias de mercado desenvolvidas, da velocidade das

mudanças tecnológicas e do internacionalismo, Sposito ressalta que nos

estudos sobre processos de escolarização de jovens há que se considerar

o conjunto de percepções que o estudante elabora em suasocialização extraescolar na família e em outras instâncias,sendo marcantes as orientações que derivam não só de suaorigem social ou étnica como do fato de terem nascido homensou mulheres. (SPOSITO, 2010, p. 98).

Para Gil, o tema juventude está permeado de contrastes. Neste sentido, sua

compreensão implica

reconhecer que aquilo que é denominado juventude adquiriusentidos diferentes ao longo da história. A juventude encerrauma enorme diversidade de variáveis biológicas, psicológicas,sociais, culturais, políticas e ideológicas. Isso significa dizerque não existe “a juventude”, mas juventudes que expressamsituações plurais, diversas e também desiguais na vivência dacondição juvenil. (GIL, 2011, p. 26).

Tendo em vista os referenciais sobre o conceito de jovem-estudante já

descritos, e conforme as orientações das Diretrizes Curriculares da Educação

Básica (2008, p. 47), relacionadas a finalidade do ensino de História, também

buscamos apoio nas contribuições teóricas de Jörn Rüsen, para quem

o sujeito, que é realmente o foco da aprendizagem quando seaprende história, somente aprende quando ele desenvolve, pormeio da narrativa histórica, um sentido para a experiênciahistórica, de tal forma, que ele possa orientar a sua existênciano fluxo do tempo. (RÜSEN, 2012, p. 50).

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Essa concepção de ensino possibilita aos jovens-estudantes uma participação

realmente ativa e altamente significativa nas aulas de História, uma vez que

atuam como construtores do conhecimento. Nesta perspectiva, há necessidade

de que a tematização do estudo conecte os sujeitos e suas realidades. Por sua

vez, a produção do conhecimento histórico, deve ter raiz na vida prática

(RÜSEN, 2013, p. 07).

A questão de ter significado, também orienta a ação histórica. Segundo Peter

Seixas (2012, p. 540), este é o componente principal da ação coletiva, visto

que somos participantes ativos na criação e destruição dos mundos nos quais

vivemos. Entretanto, "o exercício consciente desta ação depende da

compreensão do passado, não como memória pessoal, mas como história".

Considerando que o período histórico problematizado com os jovens-

estudantes é extremamente recente, 1980-2010, é oportuno registrar que as

análises e reflexões também foram pautadas pelos argumentos de François

Dosse (2003) e Eric Hobsbawn (1998), com relação aos estudos do tempo

presente.

Se para Dosse, história do tempo presente é um bom laboratório para

relativizar as cadeias causais e romper com o fatalismo causal, para

Hobsbawn

...o historiador de seu próprio tempo não está em pior, mas emmelhor situação que o historiador do século XVI. Pelo menossabemos o que poderia ser, e em muitos casos mais cedo oumais tarde será, disponível, ao passo que as lacunas noregistro passado são, quase com certeza, permanentes.(HOBSBAWN, 1998, p. 254).

Rüsen (2001, p.57- 62) destaca que o impulso de busca ao passado é sempre

dado pelas experiências do tempo presente e que a consciência histórica é a

soma das operações mentais com as quais os homens interpretam sua

experiência da evolução temporal de seu mundo e de si mesmos. Ao recorrer

às lembranças para interpretar as experiências do tempo, a narrativa - que trate

do real e não de ficção - constitui a consciência histórica.

A partir do pensamento de Rüsen, entende-se que a participação inicial dos

jovens-estudantes, por meio de produção das narrativas, registrando seus

conhecimentos prévios sobre temas históricos que considerem significativos, é

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metodologicamente importante para a intervenção pedagógica a que se propõe

o projeto desenvolvido, pois segundo Isabel Barca,

Para os jovens darem sentidos genuínos ao passado, eentendê-lo numa relação com as suas próprias vidas, nãobasta aprenderem a reproduzir uma dada narrativa substantiva,com suas descrições e explicações "completas" sobre temasestipulados pelos conteúdos curriculares. (SCHMIDT e BARCA,2009, p. 60).

Para além das narrativas substantivas, é necessário o desenvolvimento

simultâneo das ideias metahistóricas, rumo a construção de uma literacia

histórica, como apontam SCHMIDT e CAINELLI (2009). Seguindo a

perspectiva da educação histórica, as autoras destacam a importância do

trabalho de construção de conceitos históricos com os alunos em sala de aula,

em linguagem acessível intelectual e experiencialmente.

Explicitando a idéia de narrativa histórica, Rüsen (2011) situa sua

peculiaridade ao ambiente da memória, organização da unidade interna das

dimensões temporais (passado, presente e futuro) e tem a função de

estabelecer a identidade de seus autores e ouvintes.

Ao discorrer sobre os quatro tipos funcionais de narrativa histórica (tradicional,

exemplar, crítica e genética), Rüsen (2011) estabelece relação com suas

correspondentes formas de historiografias. Essa relação será considerada ao

se realizar a análise das narrativas produzidas pelos jovens-estudantes, no

desenvolvimento deste projeto de intervenção pedagógica, num contraponto às

idéias de Jean Claude Forquin (1993), de que a escola é um lugar específico

onde os membros das gerações mais jovens são reunidos para adquirir de

forma sistematizada conhecimentos diferentes daqueles que teriam obtido ao

longo da vida de acordo com suas demandas.

Neste sentido, ao mapear as ideias prévias nas narrativas dos cinquenta e sete

jovens estudantes que responderam individualmente à questão "Os jovens

sempre participaram de movimentos sociais? Justifique.", vinte e oito

responderam "sim", com as seguintes justificativas:

"A maioria participa porque quer uma sociedade melhor." "Issofaz o jovem independente." "Para ter um direito que elesqueriam ter." "Para ser jovem nós devemos ser participantes.""Porque se não fosse eles, nós hoje não teríamos os direitosque temos hoje." "Os jovens correm atrás do que também é

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bom." "Pra melhorar a educação." "Porque os jovens querem

um Brasil melhor." "Porque eles tem muita influência."

Os quinze jovens estudantes que responderam "não", justificaram suasnegativas afirmando que

"... antes não havia tanta publicidade." "... nem todos tem asmesmas opiniões, os mesmos motivos.""Porque eu nãoparticipei." "... não há muitos jovens na passeata." "... só osjovens mais antigos participaram." "Por causa que as mãesnem sempre deixam." "... eles queriam só festa." "Porque échato." "Porque nunca participei." "... eles só querem fervo.""Porque não pensavam nisso antes." "... não ouvia falar muitode movimento social." "... só os mais antigos participavam."

Quanto aos catorze jovens estudantes indecisos, seu entendimento sobre aparticipação dos jovens em movimentos sociais é que

"Alguns jovens sim, outros não tinham muito interesse noassunto." "...porque alguns também podem participar e osoutros não." "Nem todos, porque alguns são contra osmovimentos sociais e alguns gostam de participar ." "Nemsempre porque alguns não gostam muito por serem maisquietos." "Sim e não, porque a participação dos jovens eradesconsiderada nas manifestações e transformações sociais.""Acho que sim. Eu pelo menos, não participei dessa coisa."

Na questão "A participação dos jovens em movimentos sociais possibilitou a

conquista de direitos na vida pública e privada? Justifique.", dos cinquenta e

sete respondentes, quarenta e um disseram que "sim", argumentando que:

"Porque só após irem às ruas é que houve melhorias." "Termais segurança, direitos, respeito." "Porque é através dosmovimentos sociais que nós, jovens, conquistamos muitascoisas." "Possibilitou saúde, escola, parques." "Por que osmovimentos sociais são para os jovens, adultos conquistaremdireitos." "Acessamos a internet." "Ajuda a expressar opiniões.""Transporte, bolsa família, posto de saúde." "Acesso àinformática." "Ajudaram aos políticos a não roubarem." "Porqueos jovens estão mais livres." "A tarifa de ônibus ano passadobeneficiou várias pessoas." "Porque tudo que conquistamosforam para todos, não só para um ou só para branco, preto,rico ou pobre e sim para todos." "Com os movimentos sociaisdos jovens ajudou a melhorar a saúde, educação e apopulação." "Ajudaram também as pessoas mais pobres."

Os dez jovens estudantes que responderam "não", justificaram suas negativas

dizendo: "porque até hoje os movimentos sociais estão acontecendo", "está

faltando médicos nos hospitais", "a passagem de ônibus ficou mais cara" "não

vi nada", "porque eles só queriam fervo", "não vi melhoria". E dos seis jovens

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que responderam não saber se "a participação dos jovens em movimentos

sociais possibilitou a conquista de direitos na vida pública e privada", apenas

um justificou, afirmando que " eu não sei, mas sei que causou muitos estragos

e mortes."

Na questão "Quais mudanças a conquista de direitos pela juventude provocou

e provoca em sua vida, na vida de sua família e na sociedade em geral?", dos

cinquenta e sete respondentes, trinta jovens estudantes afirmaram que

ocorreram mudanças, pois

"Não precisa ir pra guerra." "Melhoria da cidade." "As moradias,as leis, direito de trabalhar e outras coisas." "Saúde, lazer.""Mais conforto, mais alegria e mais saúde." "Mais emprego."Tem gente que deixa jovens fazer menor aprendiz na suaempresa." "As escolas com melhores professores e assim terum melhor futuro." "Na redução da tarifa de ônibus." "Maisacesso ao lazer e a internet."

Dos quinze estudantes que responderam "não", justificaram suas negativas

dizendo: "Na vida não mudou nada e nem da vida da minha família". "...porque

estão preocupados mais com a copa do mundo do que com a saúde e a

educação." "Não achei que mudou nada, porque só via morte antes e agora

piorou a violência." "Não fez nenhuma melhoria." "Minha rua não é asfaltada."

Cinco jovens estudantes não souberam responder e sete não responderam a

questão.

Com relação ao registro de problemas que atualmente impactam a vida dos

jovens e quais seriam as possíveis propostas de políticas públicas para

solucioná-los, houve vinte e uma referências à violência e suas variações,

incluindo drogas e roubos: "muita violência, mau policiamento, pouco espaço

para nós jovens, uso de drogas e cigarros em ambientes fechados, muita morte

ultimamente." "Violência em casa: as mães tem que saber quem elas colocam

dentro da própria casa." "Problemas que impactam os jovens são o consumo

de drogas, bebidas alcoólicas e muito vandalismo." Como possíveis soluções,

os jovens estudantes sugerem "proibir as drogas, prender ladrões, bandidos e

traficantes", "fazer palestras nas escolas falando das consequências que ela [a

droga] traz", "ter mais policiais nas ruas", "ter mais segurança", "fazer uma

prisão de adolescente para eles verem para onde eles vão".

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Na questão de infraestrutura, foi destacada a necessidade de melhoria nas

ruas próximas às casas deles, no bairro e na frente do Colégio com quinze

citações. Enfatizaram que há muitos buracos, valetas, lixo e matagais. Como

soluções, apontaram que: "os matos grandes, devem cortar", "devem limpar

todas as valetas, estradas", "tapar os buracos de todas as ruas", "poderiam

usar o dinheiro que pagamos [impostos] para arrumar as ruas", "fazer asfalto

nas ruas de pedra."

Treze jovens mencionaram problemas relacionados ao atendimento na área da

saúde, que há "menos atenção para a saúde dos jovens", "falta de remédio nos

postos de saúde", que é preciso "mais postos de saúde e médicos", e

"melhorar os postos de saúde".

A educação também foi mencionada em treze citações, destacando a

necessidade de construção de mais escolas, ter mais cursos públicos, mais

professores com melhores salários, mais respeito no ambiente escolar. O

transporte público e o transporte escolar também foram citados treze vezes: é

preciso "ter mais ônibus e baixar a tarifa", "tem muitos estudantes que precisam

do ônibus mas não tem dinheiro para pagar todo mês."

Na área de esporte e lazer, foram oito citações: "sem lugar para fazer

esportes", "ter mais locais para esporte e ter direitos em cinema," e "a pista de

skate tem buracos." Também foi lembrado que precisa de "internet de graça em

todas as escolas", "Internet gratuita para essa região", "baixar a conta da água

e da luz", e que "o mercado está mais caro e nós não podemos comprar nada".

Os jovens estudantes também registraram críticas aos políticos que "tão só

causando problemas: aumentam a passagem de táxi pra eles, só ganham

dinheiro e não fazem nada para os pobres trabalhadores. Os políticos só

melhoram quando está em época de eleição." "Muita atenção à copa e menor

para o povo." "Se dessem mais atenção pro povo e menos pra copa a vida das

pessoas seria melhor." Como sugestão para melhorar, "seria necessário

protestos e manifestações para a prefeitura dar um jeito." Também registraram

que "tem muitas pessoas que julgam os jovens só que tem uns jovens que são

muito diferentes. Por isso, conheçam os jovens antes de os julgar."

Como resultado de todo esse exercício, de maneira geral, pode-se visualizar

que a grande maioria dos jovens possui uma boa percepção do panorama

social, político e econômico do contexto em que estão inseridos. É oportuno

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registrar que essa atividade inicial, exigiu um certo esforço de produção

independente de cada jovem estudante, visto que deveriam escrever suas

ideias, seus conhecimentos prévios, sem consultar fontes. Muitas vezes se

ouviu: "onde está a resposta?", "é pra responder o quê?" ou "a resposta tá no

livro?"

Na sequência, com o objetivo de iniciar as pesquisas referente ao contexto

histórico da temática de estudo "A participação da juventude em movimentos

sociais (1980-2010)", foi realizada uma atividade investigativa na web. A

proposta da atividade era que os jovens estudantes destacassem algumas

informações ou imagens sobre o período de 1980-2010, citando os sites de

pesquisa e destacando se houve dificuldades na realização da pesquisa,

justificando.

Os jovens estudantes apresentaram grande dificuldade para localizar-se na

web, concentrar-se na leitura de textos breves, sintetizar ideias, selecionar

informações em sites confiáveis e, principalmente, concentrar-se na realização

na atividade proposta, sem perder-se na tentação que a web proporciona.

Na sequência dessa atividade foi preciso retomar questões básicas de

introdução à pesquisa e reflexão sobre as informações captadas. Na

reformulação da atividade, após todo um trabalho em sala de aula, destacando

o objetivo da pesquisa, demonstrando com slides e pequenos vídeos sobre a

década de 1980, foi retomada a proposta de pesquisa na web, enfocando

apenas sobre a juventude na década de 1990. A dificuldade de localização e as

queixas diminuíram, mas as outras dificuldades permaneceram.

Foi solicitado aos jovens estudantes, como tarefa de casa, que realizassem em

dupla, trio ou individualmente, entrevista (semi estruturada em ficha apropriada)

com alguém que tivesse mais de quarenta anos de idade, sobre suas

memórias referentes ao período histórico de 1980-2010 e a participação dos

jovens em movimentos sociais. A atividade pode ser considerada produtiva pelo

exercício/resultado daqueles que a realizaram.

Nas memórias registradas, destacou-se "o impeachment do ex-presidente

Fernando Collor de Melo", "o movimento das Diretas-já", "mudança da moeda

nacional", "criação de cotas para negros nas universidades", "fim da ditadura

militar", "invasão do Iraque pelos Estados Unidos", "queda do ditador Saddam

Hussein", "a queda das torres gêmeas nos Estados Unidos".

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Com relação à participação dos jovens em movimentos sociais no período de

1980-2010, os entrevistados também destacaram que " os jovens participaram

nas ruas do impeachment do presidente Collor de Melo" e do "movimento das

Diretas-já".

Na investigação em fontes impressas, relacionadas a década de 1990, foram

utilizadas fotocópias de recortes de dois jornais diferentes que abordavam o

movimento dos "caras-pintadas" em 1992. Após realizar as atividades com

duas turmas (8º A e 8º B), a proposta para as outras duas turmas (8º C e 8º D)

foi reformulada, considerando as dificuldades de interpretação levantadas pelos

jovens das turmas anteriores.

Os resultados foram muito produtivos e os jovens dessas duas últimas turmas

demonstraram mais interesse no uso da fonte impressa que as duas primeiras

turmas, embora tenham solicitado várias vezes a intervenção da professora.

A atividade seguinte " Investigação da temática e do contexto histórico no livro

didático escolhido pela escola no PNLD 2014", após reformulação, o objetivo

da atividade foi atingido sem maiores dificuldades pela maioria dos estudantes.

Após a dificuldade inicial de lembrarem de trazer as fotos, a atividade seguinte

foi a que obteve mais empatia por parte dos jovens estudantes bem como

maior compreensão na realização. A tarefa, extremamente especificada em

ficha apropriada, consistia em realizar investigação histórica em fotografia de

arquivo familiar vinculada ao período histórico de 1980-1990. Dentre as

questões, havia a necessidade de justificar a seleção da fotografia, analisar as

evidências externas e internas da fonte.

Nas justificativas da seleção da foto, os jovens registraram que "tem valor

afetivo e tava em melhor condição", "era a única que tinha". Na questão de

evidências externas, referente à quem fotografou e por quê, os mais

registrados foram "avós e mães", como "lembrança".

Durante a realização da atividade investigativa em fonte impressa, ficou

evidenciado o interesse de vários jovens estudantes pelo tema impeachment

do ex-presidente Collor e os caras-pintadas. Assim, na atividade investigação

em fonte fílmica, para contemplar o perfil das turmas, a atividade proposta

inicialmente foi totalmente reformulada.

Foi utilizado um vídeo da "Era Collor", editado por cinco jovens em agosto de

2013. Apresentado por jovens, o vídeo mostra a eleição para presidente do

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Brasil em 1990, principais fatos dos dois primeiros anos do governo Fernando

Collor de Melo e as manifestações que exigiram o impeachment do ex-

presidente.

Na avaliação dos jovens estudantes, a organização temporal do vídeo destaca

inicialmente a campanha do ex-presidente Collor, a eleição e por fim, o

impeachment. Na opinião dos jovens estudantes, os apresentadores foram

criativos, porque usaram músicas (Cazuza, Titãs, Paralamas do Sucesso,

Barão Vermelho, Caetano Veloso e Legião Urbana), vídeos e fotografias da

época. Mas, segundo alguns, faltou detalhar mais o motivo do impeachment.

Articulando a mobilização dos jovens caras-pintadas com a tomada de decisão

do Congresso Nacional, foi realizada atividade relativa aos conhecimentos

prévios dos jovens estudantes sobre a construção de legislação voltada para

os jovens. Com relação a resolução da questão "como são construídas as leis

voltadas para jovens", foi registrado que

"são criadas pelos deputados e a Dilma aprova", "os deputadosfederais fazem as leis e a presidente assina e concorda comelas", "pelos vereadores, deputados federais e senadores", "aspessoas falam com os governadores por causa do que tãoprecisando de algo e eles criam leis", eu imagino que elespensam em todas as coisas que os jovens precisam e fazem"eu acho que eles fazem as leis e depois votam", eu imaginoque os jovens fazem protesto e tudo e aí eles resolvem".

Questionados se os jovens participam dessas construções, a maioria dos

jovens disse que sim, contudo um jovem respondeu que "não, porque eu nunca

ouvi falar nisso". Quanto a questão "as leis voltadas para jovens trazem algum

benefício? Escreva um exemplo" das várias respostas afirmativas, foi

registrado que "os jovens tem direito de estudos, lazer, família, saúde", "um dos

benefícios é ter escola", "ter um professor na sala de aula, materiais de

estudo", "ter livros". Quanto ao Estatuto da Criança e do Adolescente,

praticamente todos os jovens estudantes sabem da existência do documento e

da importância, mas desconhecem seu conteúdo.

Na finalização do projeto, com relação aos conhecimentos prévios que

possuíam sobre os temas trabalhados os jovens registraram que: "eu nem

sabia que Collor de Melo existia", "eu não sabia nada dos caras-pintadas".

Também registraram que após a realização de pesquisas, aprenderam que

"depois de algumas aulas de História, eu e meus colegas começamos a ter

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mais conhecimento sobre política", "eu aprendi mais sobre (...) os caras-

pintadas", "o Collor foi o primeiro [presidente] eleito pelos jovens", "aprendi que

os punk, hippies, góticos e caras -pintadas fizeram uma grande revolução, com

o passar dos anos ficaram conhecidos por todo o mundo", "que cada cultura

tinha um movimento (...) defendiam causas dos jovens e os caras-pintadas

tinham um propósito político de ir às ruas e fazer um movimento" "agora eu sei

que eles faziam aquelas manifestações para melhorar o nosso país e para tirar

o presidente Collor do poder".

Considerações finais

Na avaliação geral dos resultados, pode-se afirmar que após algumas

reformulações necessárias ao longo da implementação do projeto, a maior

parte dos objetivos elencados foram contemplados. Destaque para o percurso

realizado pelos jovens estudantes, que durante a implementação, puderam

conferir se suas ideias sobre os temas eram procedentes e possuíam base

histórica. Os jovens estudantes também puderam desenvolver a percepção do

movimento temporal, da ação histórica desempenhada por jovens ao longo de

décadas contemporâneas bem como a repercussão dessas ações na vida

prática.

O acesso a diferentes fontes históricas, com exercícios investigativos

ancorados nos fundamentos teóricos e metodológicos da pesquisa em

educação histórica, como a Unidade Temática Investigativa (Fernandes, 2008),

a análise de conteúdo (Bardin, 2004 e Franco, 2005) e a aprendizagem

histórica (Rüsen, 2012), possibilitou aos jovens estudantes uma maior

aproximação do contexto histórico, na medida em que a história não foi apenas

ensinada, mas também construída com eles, na pesquisa das fontes, na

produção das narrativas com ideias prévias, elaboração de hipóteses,

problematizações e considerações referentes ao tema abordado.

Em termos de contribuição para a prática docente pode-se afirmar que a

combinação dos fundamentos teóricos e metodológicos utilizados para

implementação do projeto, permitiu maior aproximação quanto ao(s) modo(s)

de aprender de cada um dos jovens estudantes, de suas "carências de

orientação no tempo" (conforme expressão de Rüsen, 2001) e também um

contínuo rever e reformular no planejamento e na prática docente, de modo a

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não confundir as carências de aprendizagem (dos alunos) com as carências de

"ensinagem" (do professor).

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