OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve...

19
Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

Transcript of OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve...

Page 1: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Page 2: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

PDE – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

O TEXTO MIDIÁTICO COMO RECURSO PARA O ENSINO E

APRENDIZAGEM DA LEITURA

Sandra Jante Andrade de Melo1

Orientador: Professor Dr. Bruno B. Dallari 2

RESUMO: Este artigo aborda aspectos da linguagem sob a perspectiva bakhtiniana e a questão da leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do Ensino Médio da EJA (Educação de Jovens e Adultos), no Colégio Estadual Avelino Antônio Viera em Curitiba, Paraná. Também apresenta os resultados da implementação do projeto “O texto midiático como recurso para o ensino e aprendizagem da leitura” que buscou através da relação dialógica entre a literatura, a mídia e a realidade dos estudantes, resgatar o gosto e a importância da leitura para a formação do leitor proficiente.

PALAVRAS-CHAVE: leitura, literatura, mídia, relação dialógica.

INTRODUÇÃO

O projeto “O texto midiático como recurso para o ensino e aprendizagem da

leitura” teve como principal objetivo encontrar soluções para a falta de motivação

dos estudantes do Ensino Médio da EJA para a leitura. Pois se criou uma cultura por

parte desses estudantes de que a leitura e, principalmente a literatura não é

importante para eles, porque o que almejam é simplesmente terminar o Ensino

Médio, para uma pequena ascensão econômica e social, uma vez que não

1 AUTORA Docente: Língua Portuguesa - Colégio Estadual Avelino Antônio Vieira - Curitiba - PR,

participante do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE-PR - e-mail: [email protected]. 2 ORIENTADOR: Prof. Dr. IES: Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Curitiba - PR. e-mail:

[email protected].

Page 3: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

pretendem prestar vestibular, nem fazer ENEM. Muitos deles nem sonham em fazer

uma Faculdade e para eles a leitura tem estes únicos propósitos.

No intuito de mudar esse quadro, é que vislumbramos em um projeto de

leitura uma oportunidade de proporcionar ao nosso estudante da EJA, perspectivas,

vontade de querer alçar voos mais altos, sentir na escola um propósito, entender a

importância do letramento na vida de qualquer cidadão. Mostrar a importância deles

para o desenvolvimento da sua família, da sua comunidade e de seu país. Para

tanto, buscou-se no gênero midiático uma forma de interação entre aluno e leitura,

uma vez que a leitura e a escrita ultrapassam os limites do papel e a mídia é um

espaço interativo de produção e uso da linguagem e os gêneros discursivos

veiculados por este meio são parte importante da interação verbal.

Para que ele pudesse entender o papel da leitura e da mídia na sociedade da

qual ele faz parte, realizou-se um trabalho com o objetivo de inseri-lo no espaço

público. Foram proporcionadas atividades de diálogo e interação sobre as questões

em circulação neste espaço, através de uma relação intertextual e dialógica entre o

gênero literário romance de folhetim, o gênero midiático telenovela, gênero mais

próximo da realidade destes estudantes, e os diálogos que circulam nos blogs que

comentam as telenovelas.

1 O aluno da EJA e a sua relação com a leitura

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem um papel fundamental na

socialização dos sujeitos, agregando elementos e valores que os levem à

emancipação e afirmação de sua identidade social e cultural. É uma modalidade do

ensino que atende alunos que abandonaram o ensino regular por evasão,

repetência, ingresso prematuro ao mercado de trabalho ou que não tiveram

oportunidade de frequentar a escola na faixa etária adequada.

Muitos desses alunos apresentam dificuldade de leitura e escrita, pois o

pouco contato que tiveram com a escola não lhes propiciou experiências

significativas com estas práticas pedagógicas. Trazem consigo conhecimentos

construídos a partir do senso comum e um saber popular, não científico, constituído

Page 4: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

no cotidiano, em suas relações com o outro e com o meio, os quais devem ser

considerados na dialogicidade das práticas educativas.

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação de Jovens e Adultos:

A atuação do educador da EJA é fundamental para que os educandos

percebam que o conhecimento tem a ver com o seu contexto de vida, que é

repleto de significação. Os docentes se comprometem, assim, com uma

metodologia de ensino que favorece uma relação dialética entre sujeito-

realidade-sujeito. Se esta relação dialética com o conhecimento for de fato

significativa, então as metodologias escolhidas foram adequadas. (DCE,

2006, p.40).

As experiências de leitura dos alunos da EJA estão vinculadas à tradição oral

(falar/ouvir), composta por causos, provérbios, músicas, narrativas veiculadas

através da televisão, histórias da bíblia que ouvem nas sessões religiosas, notícias e

acontecimentos sociais veiculados na televisão, rádio e redes sociais, entre outros.

Aproveitar esses conhecimentos que eles já possuem para aprimorar o trabalho com

a leitura através de atividades pautadas nos conceitos bakhtinianos de dialogia,

responsividade e gêneros do discurso proporcionarão aos estudantes a

oportunidade de um diálogo constante entre o discurso escolar e outros discursos

que nele intervêm.

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das

formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas

pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não

apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a

face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN,

1986, p.123).

2 Aspectos da linguagem sob a perspectiva bakhtiniana

É importante que o estudante perceba no trabalho com a leitura que a

linguagem é ideológica e pluridiscursiva, coexistindo num mesmo discurso

linguagens de diversas épocas e de diversas camadas sociais. Sendo assim, o leitor

encontra no texto elementos comuns a todos os leitores, aquilo que se repete, mas o

Page 5: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

sentido é construído por cada leitor que traz para o texto suas experiências de

outras leituras já realizadas. Bakhtin (1986, 2000) em seu fundamento sobre o

dialogismo propõe que sujeito e linguagem estão relacionados à diversidade e à

multiplicidade de sentidos da palavra produzidos no enunciado, no acontecimento.

Fruto da interação verbal o enunciado é o acontecimento que concentra na

palavra a relação comum entre locutor e interlocutor, a qual tem seus sentidos

determinados por um contexto enunciativo particular. Os sentidos das palavras são

tantos quantos forem os números de contextos possíveis e determinados pelas

diversas relações sociais.

Qualquer relação estabelecida entre indivíduos é concebida pela palavra, pois

esta é um signo ideológico e social central para a constituição do ser humano, capaz

de penetrar qualquer relação estabelecida entre indivíduos.

Ao realizarmos um discurso, escolhemos inconscientemente palavras,

dizeres, porém, nenhum tipo de organização mental prévia da fala garante que

aquele que recebe a mensagem proferida a entenda do modo pretendido pelo

enunciador. Desse modo todo enunciado leva a uma reação, contém um elemento

apreciativo, provoca um juízo de valor. De acordo com a avaliação daquele que

recebe o discurso reavaliamos a escolha das palavras com o objetivo de atingir os

propósitos do enunciado.

Na perspectiva baktiniana do dialogismo, a enunciação é elemento

fundamental, a relação dialógica se dá através do conflito, do antagonismo, da

vivência da contradição e ela só acontece no momento da enunciação, quando por

meio da linguagem há a manifestação da posição social e ideológica do sujeito

presente em seu discurso.

O enunciado só se torna real na interação verbal, pois não é único nem

monológico e é definido, delimitado, por outros enunciados. A alternância dos

sujeitos falantes nos turnos de fala antecedentes e subscreventes vão determinar o

sentido do enunciado construído pelo diálogo das vozes sociais que interagem

nesses turnos de fala. O momento de reação do outro configura o acabamento do

enunciado, pois este pode adotar uma atitude responsiva ativa em relação ao

enunciado anterior. Se no momento da recepção de um enunciado o interlocutor

adota uma atitude responsiva ativa demonstra que ele compreendeu o enunciado.

Page 6: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

O ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um

discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude

“responsiva ativa”: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente),

completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte

está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de

compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras

emitidas pelo locutor. A compreensão de uma fala viva, de um enunciado

vivo é sempre acompanhada de uma atitude “responsiva ativa”. (...) Toda

compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra,

forçosamente a produz: o ouvinte torna-se locutor. (BAKHTIN, 2000,p. 290)

Na atitude responsiva, proposta por Bakhtin (1986, 2000) a elaboração do

mundo acontece pela palavra do outro (lendo ou ouvindo diferentes discursos), da

qual inicialmente nos apropriamos, tornando-as palavras próprias. Dessa forma,

estamos constantemente envolvidos em uma corrente verbal ininterrupta, aonde as

palavras dos outros vão se tornar nossas palavras que por sua vez serão lidas,

ouvidas por outras pessoas que se apropriarão delas e as usarão em seus discursos

como se fossem palavras próprias.

3 O espaço público

Cabe ressaltar que espaço público nesse projeto, não pode ser entendido

como virtualidade ou negatividade, como um espaço em branco, aberto, no qual

hipoteticamente qualquer pessoa poderia falar qualquer coisa. Mas positivamente,

como aquilo que é efetivamente partilhado no curso das conversações e das

interações linguísticas de toda ordem, muito particularmente as midiáticas. A

produção midiática fala do desejo do sujeito, o denuncia, explicita os seus sonhos,

suas fantasias, suas expectativas.

Desse modo é que o blog foi escolhido como o espaço público de diálogo a

ser utilizado nas discussões que este projeto proporcionará, uma vez que é um

ambiente onde qualquer pessoa, independente de seu nível social ou cultural, pode

postar suas opiniões a respeito de assuntos em destaque na mídia. Os blogs são

considerados comunidades semióticas por agruparem num mesmo ambiente,

Page 7: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

pessoas que dialogam sobre um mesmo tema, não importando se suas opiniões são

favoráveis ou contrárias ao tema em questão.

Sendo o blog um espaço público com uma infinidade de comunidades

semióticas foi preciso escolher uma dentre as tantas existentes. E a comunidade

escolhida foi a que posta comentários sobre telenovela, um gênero que há muito

tempo está presente na vida do público brasileiro e agrada ao gosto popular, sendo

uma campeã de audiência nas televisões de canal aberto.

A importância da telenovela hoje na sociedade brasileira fica clara na citação:

Para os adeptos da Escola de Frankfurt que deploram esse rumo que as

coisas tomaram, é interessante lembrar que a literatura, nos primórdios da

modernidade, era considerada por muitos como banal e mesmo

popularesca. Mais do que isso, em certos ambientes ela era frequentemente

considerada fútil e perniciosa, “coisa para mulheres”, o que era muito

pejorativo no século XIX. Um status não muito diferente do que tem a

telenovela atualmente. A telenovela tomou o lugar de crônica de costumes,

antes reservada aos escritores, como Balzac e Machado. É ela hoje que

coloca em pauta socialmente, nos termos em que deve ser colocado, o

debate público, sobre drogas, sobre imigração, sobre a psicologia das

mulheres etc. (Dallari, B. A. Bruno. Mídia, cidadania e as novas práticas de

letramento, 2010,p.16).

4 O romance de folhetim e as telenovelas

O trabalho dialógico que se pretende realizar acontecerá através da interação

entre o gênero romance de folhetim e o gênero novela televisiva no intuito de que o

aluno perceba a relação existente entre o texto literário e as produções que circulam

na mídia.

Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico

(ou de qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do

discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição

de um sujeito social. Só assim é possível responder (em sentido amplo e

não apenas empírico do termo), isto é, fazer réplicas ao dito, confrontar

posições, dar acolhida fervorosa à palavra do outro, onfirma-la ou rejeitá-

la, buscar-lhe um sentido profundo, ampliá-la. Em suma, estabelecer com a

Page 8: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

palavra de outrem relações de sentido de determinada espécie, isto é,

relações que geram significado responsivamente a partir do encontro de

posições avaliativas (FARACO, 2009, p. 66).

O romance de folhetim é um gênero que trouxe para a nossa literatura na

primeira metade do século XIX, histórias de leitura rápida, publicadas diariamente

nos jornais brasileiros com o objetivo de entreter o leitor. Este gênero literário

proporcionará ao professor a oportunidade de mostrar aos estudantes da EJA como

o gosto pela leitura foi difundido no Brasil numa época em que nem todos eram

alfabetizados, mas nem por isso deixavam de apreciar os enredos folhetinescos,

como nos apresenta na obra Folhetim a escritora Marlyse Meyer:

Considerando-se o nível de analfabetismo no Brasil fica uma pergunta: até

que ponto as classes populares podiam consumir os romances ditos

populares que lhes eram destinados “naturalmente”? É verdade que, neste

país formado pelos padrões da oralidade, onde, nos primórdios do folhetim,

dominavam as famílias extensas e casas recheadas de serviçais e, mais

tarde, as habitações populares coletivas, cortiços e vilas operárias, há de se

levar em conta o efeito multiplicador de uma oitiva coletiva durante os

serões. (MEYER, 1996 p.382.).

É importante que os alunos percebam a estrita relação de importância da

literatura e da mídia para a construção da identidade da sociedade. Enquanto os

romances de folhetim influenciaram de uma maneira marcante a formação da

identidade nacional brasileira do século XIX, que assimilava os modelos europeus e

os adaptava ao nosso cotidiano, em um momento de construção do estilo de vida

que estava sendo adotado pelo povo brasileiro daquela época, as telenovelas da

atualidade ditam a moda, discutem os problemas sociais como as drogas, o tráfico

de pessoas, o preconceito, a violência contra a mulher, etc.

Com a chegada do folhetim ao Brasil, muitos costumes passaram a ser

diferentes, pois era preciso adaptá-los ao ambiente descrito nos enredos

parisienses. Os vestuários começaram a imitar fielmente a moda usada em Paris,

independente dos tecidos como o veludo não serem apropriados para o clima

brasileiro, o que importava era vestir-se e portar-se como as damas europeias o

Page 9: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

faziam. O piano também foi outro item que passou a ser imprescindível nos lares

das famílias mais abastadas, que o utilizavam para a realização de vários e

inovadores eventos que foram assimilados ao cotidiano da capital.

O romance de folhetim alcançou proporções extraordinárias, tanto na França,

onde nasceu, em 1836, quanto aqui no Brasil, passando a compor o cotidiano e o

imaginário dos leitores. Este fenômeno se deu concomitantemente à abertura e

publicação de jornais, daí a dificuldade de se saber quem mais se beneficiou da

importância do outro: o veículo ou o instrumento, pois se tratou de uma importante

relação de troca.

Publicar fracionados diariamente os romances de folhetim foi uma estratégia

dos jornais para sustentar e aumentar as vendas dos periódicos, uma vez que o

público leitor foi incentivado por essa nova forma de escrever a se adaptar a essa

novidade. A cada final de capítulo criava-se um suspense, onde o leitor ficava ávido

por saber o que aconteceria no capítulo seguinte. A manutenção dessa curiosidade

garantia o sucesso comercial do jornal que tornava os leitores em assíduos

compradores.

Comum a todos, e importantíssimo, era o suspense e o coração na mão, um

lencinho não muito longe, o ritmo ágil de escrita que sustentasse uma leitura

às vezes, ainda soletrante, e a adequada utilização dos macetes diversos

que amarrassem o público e garantissem sua fidelidade ao jornal, ao

fascículo e, finalmente ao livro. (MEYER. 1996, p. 303).

O diálogo entre o romance de folhetim e a telenovela será feito através do

trabalho de leitura e análise do romance O cortiço de Aluísio de Azevedo e da

análise e posicionamento dos alunos frente aos diálogos registrados nos blogs que

comentam as telenovelas da atualidade. Ao realizar a interação entre esses dois

gêneros textuais, o aluno passará a perceber que o trabalho com a leitura pode ser

algo prazeroso e que já faz parte do seu contexto diário, mas ele apenas não havia

ainda se dado conta disso.

Page 10: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

5 A teoria na prática

A implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica “O texto midiático

como recurso para o ensino e aprendizagem da leitura” aconteceu no primeiro

semestre de 2014, no Colégio Estadual Avelino Antônio Vieira na turma do Ensino

Médio da EJA, que funciona no período noturno. A primeira ação foi a apresentação

do projeto à direção da escola, à equipe pedagógica que coordena a EJA e aos

alunos aos quais o projeto destinava-se.

Como todo o projeto foi idealizado com base no diálogo, a maioria das

atividades previam rodas de conversa, debate de ideias, discussões e apresentação

de reflexões de leituras.

A primeira atividade de implementação teve início com uma roda de conversa,

que a princípio não fluiu tão espontaneamente como imaginado. Então, para que

todos ficassem à vontade, a professora iniciou a conversa contando aos alunos as

suas experiências com a leitura. Assim que terminou seu relato, uma aluna já se

ofereceu para contar as suas experiências e assim foi sucessivamente até que todos

tivessem relatado cada um a sua. O que chocou nos relatos dos alunos foi saber

que em uma turma de vinte e cinco alunos, apenas dois deles já haviam lido uma

obra completa, mas muitos se lembraram de trechos de obras lidos durante o projeto

de leitura desenvolvido pela escola.

Ao final dos relatos, todos produziram pequenos textos sobre alguma obra da

qual se lembravam pelo menos uma parte, colocando ali os pontos positivos e

negativos de acordo com suas opiniões. Foi muito emocionante perceber o brilho

nos olhinhos deles cada vez que se lia uma das produções. Quando terminava a

leitura, diziam “Nossa, que bonito, nem parece que foi o texto que eu escrevi”.

Todos passaram a perceber que eram capazes de escrever e que seus

escritos provocavam emoções nos demais colegas. A princípio era para que eles

lessem, mas como ficaram constrangidos, a professora se ofereceu para fazer a

leitura. O objetivo principal desta atividade foi atingido, pois a maioria deles

demonstrou interesse em ler alguma das obras apresentadas pelos colegas e alguns

até se ofereceram para emprestar os livros para os amigos lerem. Uma das obras

Page 11: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

mais votadas foi “O Código da Vinci” de Dan Brown, talvez porque a maioria se

lembrasse do filme.

Para dar início às atividades de leitura e pesquisa, foi escolhido o romance de

folhetim. Primeiramente foi feita uma introdução ao estudo do Romantismo, contexto

histórico, características do mesmo na prosa, alguns autores e trechos de obras que

foram lidas e comentadas. Também se aproveitou o gancho e foram discutidos com

eles alguns temas que surgem nestas obras e que acabam sempre aparecendo nas

telenovelas. Feita esta introdução, partimos para a pesquisa sobre os romances de

folhetim. Infelizmente não foi possível usar o laboratório de informática, conforme

estava previsto, por falta de funcionário no período noturno e por a direção não

permitir o uso dos computadores sem a presença de um profissional especializado

para acompanhar os alunos e a professora. Alguns alunos que possuíam o acesso à

internet em casa realizaram a pesquisa, sob a orientação de que se comunicassem

para não haver pesquisas do mesmo site e a professora também levou para a sala

de aula várias pesquisas impressas sobre o assunto, realizadas em diferentes sites.

No dia marcado, as pesquisas foram levadas para a sala e distribuídas para

aqueles que não puderam pesquisar em casa ou em lan houses. O que foi

interessante perceber, é que agora eles já haviam perdido aquela inibição dos

primeiros dias e todos apresentaram as sínteses que elaboraram para toda a turma.

Em grupos, elaboraram um quadro com conceito, características, autores e obras do

romance de folhetim no Brasil. Percebi a construção do conhecimento, à medida que

discutiam qual a melhor definição, qual site apresentava melhor as características, a

relação mais completa de autores e obras, para só então escolher aquilo que iriam

transpor para os quadros, que ficaram bem sintéticos, mas muito bem elaborados.

Nesse mesmo dia, foram distribuídos para a turma os exemplares da obra

adaptada “O cortiço”, de Aluísio de Azevedo. Começou-se então a leitura, que a

princípio era para ser realizada diariamente durante quinze minutos nas aulas de

leitura do projeto da escola, em aulas de todas as disciplinas. Mas não aconteceu

assim e eles acabaram lendo somente nas aulas de Língua Portuguesa e em casa.

A segunda roda de conversa foi muito produtiva. Os alunos estavam muito

empolgados e motivados para a apresentação e debate sobre o livro “O cortiço” que

iriam realizar. Deu trabalho para organizar os turnos de fala, pois todos queriam dar

Page 12: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

suas contribuições. Contaram a história e caracterizaram ambientes e personagens

com riqueza de detalhes, quando um esquecia-se de algo, prontamente um amigo

se dispunha a complementar. Os temas presentes na obra foram amplamente

discutidos, bem como a sua validade para os dias atuais. Muitos relacionaram os

cortiços com as “favelas”, ou “comunidades” e com os próprios ambientes nos quais

eles convivem. Chegaram à conclusão de que a maioria dos problemas sociais

abordados pelo autor ainda permanecem na atualidade em todas as comunidades,

mas principalmente nas menos privilegiadas, como o preconceito, o racismo, a falta

de infraestrutura e saneamento básico. Disseram achar a linguagem do livro arcaica,

com muitas palavras desconhecidas, mas que isso não prejudicou o entendimento

da história. Gostaram do livro por se identificarem com a história, porém acharam o

final muito triste. Então, aproveitou-se o momento para comentários sobre as

características realistas / naturalistas presentes na obra e dizer que há uma

diferença muito grande em ler uma obra desse período e se ler um romance do

período Romântico da literatura, ou até mesmo um conto de fadas onde tudo acaba

bem no final. Para fazer o paralelo entre o romance romântico e o romance realista,

fizemos o comparativo entre as obras “A moreninha” de José de Alencar e “O

cortiço” de Aluísio de Azevedo.

6 O diálogo entre a obra literária e as telenovelas

Lida a obra proposta, chegamos ao momento de fazer um seminário de

discussões sobre os temas presentes no livro e que fazem parte dos enredos das

telenovelas da atualidade. Para a realização desta atividade, cada aluno pesquisou

uma novela de sua preferência e que tivesse o cortiço como tema central.

A primeira observação que os alunos fizeram foi que os temas sociais

trabalhados pelo autor do livro são muito recorrentes e têm feito parte de muitas

telenovelas brasileiras nas últimas décadas.

O preconceito social e racial, as condições de vida precárias nas

comunidades, a falta de dignidade, as amizades por interesse bem como os

casamentos arranjados foram citados por vários alunos. Mas as novelas mais

discutidas foram Joia Rara de Thelma Guedes e Duca Hachid e Lado a Lado de

Page 13: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

Cláudia Lage e João Ximenes Braga, pois as tramas ainda estavam muito

“fresquinhas” na cabeça dos alunos.

As questões levantadas pelos alunos durante o seminário foram muito

interessantes e produziram diálogos e discussões que os levaram a perceber que a

mídia na verdade retrata a realidade e a ficção nada mais é do que um retrato da

realidade dos seus próprios cotidianos.

Observaram também que as novelas de época como Joia Rara e Lado a Lado

não influenciaram seus interlocutores no que diz respeito à moda, nem a outros usos

e costumes, mas serviram como reflexão sobre os problemas sociais abordados.

Além das telenovelas já citadas, foram abordadas também: Salve Jorge de

Glória Perez, Senhora do destino e Duas Caras de Aguinaldo Silva. Mencionaram

ainda a série Cidade dos Homens.

7 As telenovelas e os blogs

O próximo passo para alcançar os objetivos pretendidos com o

desenvolvimento do projeto foi analisar as postagens dos internautas nos blogs que

comentam as telenovelas. O objetivo aqui era analisar a recepção das informações

ali postadas e não os comentários dos blogueiros propriamente ditos.

Primeiramente os alunos foram alertados de que qualquer comentário ali

postado não era isento de intencionalidade. Cada palavra, ainda que monossilábica

expressava alguma reação do leitor em relação àquilo que foi lido. Também

deveriam identificar as “vozes” presentes no texto, ou seja, quem aquela voz

representa? Que grupo social pode estar representado naquela fala?

Vários recortes de blogs foram levados para a sala de aula e aleatoriamente

foram distribuídos aos alunos. A professora solicitou então que após a leitura do

recorte ele fosse passado adiante a fim de que os demais colegas também

pudessem lê-lo. Foi interessante observar que à medida que iam lendo as postagens

eles se identificavam ou imediatamente odiavam os comentários postados,

principalmente se fosse sobre uma novela de sua preferência.

O blog que suscitou maiores e mais intensos diálogos foi o Inforgospel do

Pastor Marcos Feliciano que comentava sobre o “beijo gay” no final da novela “Amor

Page 14: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

à vida”. Os comentários postados iam desde os homofóbicos aos profundamente

religiosos e preconceituosos. Porém, os alunos conseguiram identificar as vozes

presentes em cada comentário e levantaram hipóteses sobre os possíveis objetivos

das postagens.

Identificaram as “vozes” presentes nos textos como sendo de pessoas que

queriam apenas conversar com sobre o assunto, outras que queriam descontar sua

raiva homofóbica em alguém, outras queriam alertar sobre algo que achavam um

perigo iminente para a sociedade. Algumas representavam as vozes das famílias

que estavam preocupadas com as crianças e adolescentes que viram a cena e

poderiam se influenciar de alguma maneira, outras representavam as vozes dos que

se consideravam cristãos e não aceitavam a homossexualidade.

Os posicionamentos dos alunos foram os mais diversos possíveis, desde os

que concordavam com as postagens dos internautas até aqueles mais radicais que

acharam tudo um absurdo, um uso incorreto do espaço público para exposição de

banalidades.

Outros comentários analisados foram os do “Blog o provocador” que no

momento criticava a novela Em família, falava sobre a sua baixa audiência por conta

da falta de empatia entre o casal protagonista Luiza e Laerte. Também abordava os

motivos dessa falta de audiência que provavelmente seria a incestuosidade do casal

e a pedofilia, ou ainda mesmo a diferença enorme de idade entre os dois, o que

remetia a um desvio considerado intolerável pelo público. Esses comentários foram

do blogueiro, por sua vez os internautas, mesmo muitos dizendo não

acompanharem a novela por ser uma “porcaria”, estavam ali no blog criticando a

novela, concordando ou discordando do blogueiro nos aspectos por ele levantados.

Apontaram também como um dos motivos para odiarem a novela o fato de a filha

ser desrespeitosa com a mãe o tempo todo.

Os alunos por sua vez, ao analisarem as postagens, disseram que a maioria

dos internautas não consegue separar muito bem o ator do personagem e que eles

julgavam as personagens como julgam as pessoas na vida real. Identificaram como

questões que circulam na mídia e que foram abordadas nas postagens, a traição de

um modo geral, mas principalmente o adultério, o homossexualismo e a pedofilia.

Page 15: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

O recorte do blog do Maurício Stycer intitulado “Carnaval fora de época expõe

a “barriga” de Joia Rara” trazia um comentário sobre a duração muito longa da

novela, fato este que de acordo com o blogueiro, fez com que a novela ficasse muito

repetitiva. Também criticava a falta de sincronia da novela com o mundo real, pois o

carnaval na novela ocorre exatamente uma semana depois. Termina elogiando o

elenco e dizendo que a novela é uma bela produção de época, muito bonita, bem

cuidada e bem escrita.

Os internautas por sua vez discordaram de que os eventos do mundo real e

do mundo fictício tenham de estar sincronizados. Eles criticam o fato de os atores de

Joia Rara serem praticamente os mesmos da novela “Cordel Encantado” escrita

pelas mesmas autoras. Todos concordaram com o Maurício de que a novela se

tornou cansativa por ter se alongado demais e estar muito repetitiva. Apontaram

algumas falhas em relação ao figurino, costumes, músicas, que não batiam com a

época representada pela novela. Um dos internautas critica o próprio Maurício,

dizendo pra ele se aposentar, que ele é um fraco, que não possui neurônio e

apresenta inabilidade para crítica. Outro que disse que os comentários eram todos

“balela”, pois os jovens e adolescentes de hoje não assistem mais novelas, que hoje

é só Sky, Net, Playstation, celular, quase foi “linchado” virtualmente, principalmente

pelos comentários homofóbicos e preconceituosos que fez, dizendo que uma meia

dúzia que ainda assistem novela, são gays, idosos e viúvas.

Ao analisarem os comentários, os alunos perceberam que nem todos que

acessam um blog, o acessam por serem seguidores do blogueiro. Perceberam isso

ao lerem as críticas ao Maurício Stycer. Observaram que nem todos que acessaram

o blog são fãs de novelas. Concordaram com os motivos do público por estarem

rejeitando assistir aos capítulos finais da novela. Também acharam que as autoras

estavam estendendo demais o fim da novela. A maioria dos estudantes não havia

conseguido perceber as gafes no cenário, figurino, usos e costumes apontados

pelos internautas, pois a maioria deles gostou muito da novela e compararam

bastante com o livro “O cortiço” que haviam lido.

Finalizaram suas observações apontando para as vozes preconceituosas

presentes no texto e não concordando com elas e dizendo que concordavam que os

Page 16: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

capítulos das novelas não deveriam se prolongar tanto, só assim a audiência não

cairia tanto.

Outro blog analisado e que também trazia comentários sobre a novela Joia

Rara foi o do Xavier. Este não trazia críticas, mas sim um elogio a uma cena

representada pelo ator Carmo Dalla Vecchia na novela. A cena representada era a

do personagem Manfred na véspera do Natal, onde ele obriga Ernest Hauser (José

de Abreu) a sentar-se à mesa para a ceia de Natal com ele e sua mãe, a governanta

Gertrude (Ana Lúcia Torre). O blogueiro ainda diz que a cena representada pelo ator

lembrou muito a novela “Avenida Brasil”, quando a personagem Nina (Débora

Falabella) obriga Carminha (Adriana Esteves) a lhe servir na mesa, gritando “Me

serve vadia”. Comenta que tanto Joia Rara quanto Avenida Brasil tem a mesma

diretora Amora Mautner, talvez por isso as coincidências.

A maioria dos internautas estava de acordo com as opiniões do blogueiro,

apenas dois deles discordaram dizendo que a atuação do Carmo foi ”vergonhosa” e

que ”é difícil para um ator que já fez outro vilão em uma novela anterior, conseguir

criar uma linha de interpretação completamente diferente.” Foi consenso entre eles

que realmente houve muitas cenas em Joia Rara que remetiam os telespectadores

às cenas da novela Avenida Brasil de João Emanuel Carneiro.

Esse foi o recorte analisado que menos polêmica suscitou entre os

estudantes, talvez porque não houve um diálogo propriamente dito entre os

internautas, mas apenas concordâncias e discordâncias que não motivaram os

estudantes ao debate.

Eles colocaram em suas análises que não houve em momento algum

relacionamento por parte deles, internautas, entre a realidade e a ficção. Disseram

observar que a maioria gostou da novela pelas colocações positivas que fizeram em

relação ao elenco e suas atuações, pela produção rica da cidade cenográfica e dos

figurinos, bem como por ser uma novela de época. Apontaram não ter havido nem

mesmo manifestação sobre o papel da mulher na sociedade, tema que foi bastante

explorado na novela. Nem mesmo das questões de preconceito social e racial muito

explícito nas cenas, foram feitos comentários.

Page 17: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

Porém, todos acharam válidas as comparações feitas entre a novela Joia

Rara e a Avenida Brasil, pois consideraram que o público está atento ao que assiste

e não é tão leigo quanto se imagina em matéria elenco e direção de novelas.

Disseram que se fossem eles os autores das novelas, procurariam estar mais

“antenados” às reclamações do público e não repetiriam tanto os enredos e cenas,

procurariam aumentar a audiência com muito drama e suspense, porém sem esticar

muito o fim da novela, porque acham que isso é cansativo.

A leitura das análises e dos comentários dos alunos permitiu perceber que os

objetivos desta etapa do projeto foram alcançados, visto que todos se sentiram

motivados a participar das atividades, realizando um diálogo efetivo, com

contribuições pessoais para o desenvolvimento do coletivo. Compreenderam a

importância dos enunciados para a efetivação de uma relação dialógica. Fizeram

constantes paralelos entre o real e o ficcional. Conseguiram identificar as vozes

presentes nos enunciados e se posicionar a respeito delas, percebendo que o

discurso é uma poderosa arma em defesa de seus ideais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto “O texto midiático como recurso para o ensino e aprendizagem da

leitura” permitiu verificar e comprovar que adotar um gênero discursivo mais próximo

da realidade dos alunos para as atividades que envolvam a leitura, pode ser um

passo importante para o seu letramento.

A perspectiva de se trabalhar com textos que circulam na mídia como um

apoio pedagógico, possibilita planejar as aulas com certa antecedência e em uma

sequência que permite incluir os mais variados temas, desde os mais banais aos

mais sublimes e trabalhar a intertextualidade, que pode acontecer com gêneros

textuais que vão dos literários aos científicos, humorísticos, informativos ou de

opinião, desde que apresentem alguma relação com o gênero discursivo em

questão.

O trabalho com a mídia, enquanto gênero textual de acordo com o professor

Bruno Dallari, “não se trata de um processo unilateral de emissão e recepção, mas

de uma interlocução, na qual ambos fazem, alternadamente, o papel de falante e

Page 18: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

ouvinte”, o que torna o trabalho com a leitura e a escrita mais prazeroso e atrativo

aos alunos, motivando-os para o aprendizado.

Para implementar este projeto, foi necessário compreender a concepção

baktiniana de dialogismo, onde diálogo é conflito, é antagonismo, é a vivência da

contradição, bem como, entender que espaço público é aquilo que é efetivamente

partilhado no curso das conversações e das interações linguísticas de toda ordem,

mas muito particularmente as midiáticas.

Também foi necessário entender que em cada diálogo, cada enunciado, está

implícita uma ”voz”, que representa um grupo social, uma ideologia, uma postura,

uma sociedade. E que cada um de nós ao dialogarmos com estes textos também

somos representantes de alguma ideologia que temos internalizada e muitas vezes

não nos damos conta.

A partir desses conceitos, ficou mais fácil fazer com que os alunos

percebessem que para inferir informações implícitas nos textos, muito mais do que

decodificar, é importante interpretar aquilo que se lê, perceber que as informações

não caminham exclusivamente do texto para ele, mas que também seguem dele,

leitor, para o texto, e a partir do deu ponto de vista, ele constrói sua interpretação,

amplia sua visão de mundo e sua capacidade de enunciar e de escrever.

As teorias citadas anteriormente não somente contribuíram para o

aperfeiçoamento das práticas pedagógicas, como também serviram para comprovar

a eficácia da inclusão dos gêneros discursivos nas práticas de letramento.

O trabalho dialógico realizado entre a literatura, através da leitura da obra “O

cortiço” de Aluísio de Azevedo e o gênero midiático, através do estudo das

telenovelas e da análise dos recortes de blogs que comentavam essas telenovelas

contribuíram para desencadear diversos aspectos positivos em relação à leitura: a

prática da leitura compartilhada, em voz alta, roda de conversa, onde cada um pôde

ler para o outro, expor suas considerações sobre o assunto lido e debatido. Os

alunos também aprenderam a ouvir as opiniões contrárias às suas para então

concordar ou discordar. Partir do conhecimento do senso comum para a formação

do conhecimento elaborado, com base na pesquisa e análise de vários autores e

fontes. Aprendeu a sistematizar as suas leituras em textos para que toda a turma

pudesse apreciar e avaliar. Compreendeu a importância da mídia no processo de

Page 19: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · leitura enquanto prática social que envolve experiências diversas do sujeito leitor do ... Foram proporcionadas atividades de

letramento e concluiu que a literatura não dá mais conta sozinha desse papel.

Tomou conhecimento do que é o espaço público e qual a importância dele para a

formação da identidade de uma pessoa.

Enfim, ainda existe um longo caminho a ser percorrido nos próximos anos

letivos, mas com certeza este projeto não se encerra aqui, visto que as vantagens

da sua aplicabilidade para a leitura e produção de textos nas aulas de Língua

Portuguesa são inúmeras e eficazes.

REFERÊNCIAS AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 36. ed. São Paulo: Ática, 2004.

BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 3. ed. São

Paulo: HUCITEC, 1986.

________, Estética da Criação Verbal. Tradução Maria E. Galvão. 3. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2000.

DALLARI, Bruno B. A. Mídia, Cidadania e as práticas de letramento. 2010.

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as ideias linguísticas do círculo

de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

MEYER, Marlyse. Folhetim – uma história. São Paulo: Companhia das Letras,

1996.

PARANÁ, Secretaria da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação de

Jovens e Adultos, Curitiba, 2006.

________, Secretaria da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica –

LÍNGUA PORTUGUESA, Paraná, 2008.