OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · Nesta perspectiva, a prática social inicial e...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
GÊNERO DISCURSIVO CRÔNICA: " DESPERTADOR PARA A LEITURA
E ESCRITA "
VANUSA DE SOUZA
Artigo apresentado ao Programa de Desenvolvimento
Educacional - PDE, sob a orientação da Professora Doutora Maria Elena Pires Santos,
da Universidade do Oeste do Paraná - UNIOESTE - Foz do Iguaçu.
FOZ DO IGUAÇU
2014
RESUMO: Este artigo relata a proposta de Intervenção Pedagógica intitulada Produção Didático-Pedagógica, sistematizada em 2013 e implementada em 2014 no Colégio Estadual Alberto Santos Dumont - Ensino Fundamental, Médio e Técnico; vinculada ao Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). O projeto teve como objetivo expor um trabalho sobre dificuldades de leitura, enfatizando textos do gênero crônica com exercícios de compreensão, com a abordagem da forma composicional e análise linguística. O mesmo foi aplicado através de um modelo de Plano de Trabalho docente, conforme proposto por Gasparin (2009), desenvolvido com alunos do 9º Ano do Ensino fundamental, contemplando o PPP (Projeto Político Pedagógico) e partindo da realidade vivenciada pelos alunos. Além disso, procuramos refletir e buscar alternativas que permitissem o estabelecimento de novas estratégias, com a finalidade de contribuir efetivamente para que os educandos, construam sentidos sobre o gênero crônica, percebendo o papel social que o gênero desempenha, com suas ideologias e contribuições intertextuais. Observou-se ao longo do desenvolvimento do projeto que os alunos despertaram o gosto pela leitura, vivenciaram novas experiências e aprofundaram seus conhecimentos prévios. Nesta perspectiva, a prática social inicial e a prática social final foram o ponto de partida e de chegada do trabalho com a leitura e compreensão de textos/crônicas. Assim, o contato com o gênero possibilitou novos questionamentos, relacionados não somente à leitura como também com à escrita, produzindo relações de intertextualidade com outros textos que estão circulando na prática social dos alunos. Nesse processo foi muito importante a busca de novos caminhos para se efetivar a concepção de " linguagem interacionista" (BAKHTIN, 1992), quer no ambiente escolar, quer em outros ambientes sociais, desenvolvendo uma postura crítica e atuante, no sentido de tornar-se um leitor competente.
PALAVRAS-CHAVE: Interação. Leitura. Crônica. Literatura. Compreensão.
INTRODUÇÃO:
Esse artigo tem o objetivo de expor um trabalho realizado com o gênero crônica,
a partir dos resultados de um projeto desenvolvido no âmbito do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), do Estado do Paraná, com os alunos do 9º ano
do Ensino Fundamental, visando demonstrar alternativas que permitam estabelecer
estratégias que contribuam efetivamente para que os educandos construam sentidos a
partir da leitura do gênero crônica que circula em nossa sociedade, percebendo o papel
que o gênero desempenha, com suas ideologias e contribuições intertextuais.
Dessa forma, buscamos compreender um pouco mais sobre os desafios da
leitura e compreensão de textos no contexto escolar, enfatizando a revisão de alguns
conceitos que norteiam o ensino da Língua Portuguesa nas escolas e apresentando
estratégias de atividades que contribuam para que os estudantes assumam um papel
de participantes e de leitores competentes de textos.
Para a sua realização, viabilizou-se uma análise das experiências e da vivência
sócio-cultural dos alunos do Colégio Estadual do Campo Alberto Santos Dumont, que
assumiram grande relevância em relação às dificuldades de leitura e de compreensão
dos diversos gêneros, o que vem afetando o avanço e o sucesso escolar dos mesmos
nas diferentes disciplinas.
Dessa forma, verifica-se que a principal finalidade da leitura na escola é, além
de garantir um espaço para essa atividade a alunos que, em muitos casos, não têm
acesso a textos diversificados no cenário da família, permitir aos alunos que tenham
voz e vez nas diferentes relações sociais, sendo do professor o papel de oferecer
subsídios e mediar esse processo. Porém, o drama das dificuldades de interpretação
está tão presente em sala de aula que é preciso repensar algumas práticas e buscar
subsídios para compreender o que pode ser feito.
Considerando o exposto, inicialmente apresentaremos os conceitos teóricos que
deram sustentação às discussões para a realização do trabalho voltado à problemática
apresentada acima. Na sequência, demonstraremos uma justificativa aos leitores do
porquê de se efetivar um trabalho voltado à compreensão de textos com a escolha do
gênero crônica e, ainda, relataremos os aspectos mais relevantes da implementação e
consolidação do projeto, com descrição de etapas, ou seja, o modelo de sequência
didática utilizado, bem como os resultados. Finalmente, teceremos as considerações
finais que retratam a importância do trabalho efetivado, retomando questões mais
significativas e traçando também comentários preponderantes a respeito das atividades
desenvolvidas.
1. Breves considerações teóricas:
Antes de quaisquer considerações, se faz necessário compreender que a
formação de leitores proficientes e não meros decodificadores de textos é uma tarefa
bastante difícil para os professores que pretendem construir pontes para melhorar a
prática e, consequentemente propiciar meios aos alunos para que possam ativar a
criticidade, mediante informações contidas nos diferentes gêneros que circulam em
nossa sociedade pós-moderna. Diante do exposto, é preciso compreender que
[...] Qualquer enunciado considerado isoladamente, é claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN 1992, p.279)
O autor dividiu os gêneros em primários e secundários, dentre os quais os
primeiros referem-se às situações cotidianas, familiares e os segundos, considerados
gêneros secundários, referem-se àqueles das esferas mais complexas de comunicação
(como áreas acadêmicas, jurídicas, artísticas, etc.).
Nesta perspectiva, ao promover a leitura fundamentada na concepção dialógica
de linguagem, possibilita-se o desenvolvimento e o crescimento do leitor competente,
por meio do reconhecimento dos gêneros discursivos, bem como da função social que,
segundo Kleiman (2011), desempenha:
A reflexão sobre a língua é feita mediante a compreensão, a análise, a interpretação e a produção de textos verbais. Desse modo, podemos considerar que, na concepção dialógica de linguagem, o discurso se manifesta por meio de textos. (KLEIMAN, 2011, p. 490)
Por conseguinte, também é interessante considerar que a habilidade de leitura,
em situações reais de prática social, mudou na escola contemporânea, que hoje é
definida como um espaço para a socialização da informação e do conhecimento. Essa
mudança se distancia de uma compreensão da disciplina de Língua Portuguesa que
estava pautada numa concepção de linguagem como expressão do pensamento e/ ou
como instrumento de comunicação, o que deixou lacunas no processo de ensino
aprendizagem, centradas no aspecto conteudista, na memorização e nas normas de
gramática normativa, desconsiderando o contexto, a interação, o ideológico que
permeia o ensino da leitura e também da escrita e oralidade.
Leitura, vista em sua acepção mais ampla, pode ser entendida como "atribuição de sentidos". Daí ser utilizada indiferentemente tanto para a escrita como para a oralidade. Diante de um exemplar de linguagem, de qualquer natureza, tem-se a possibilidade da leitura. Pode-se falar, então, em leitura tanto da fala cotidiana da balconista, como do texto de Aristóteles. (ORLANDI, 1988,p.7).
A respeito de atribuições de sentidos ao texto, não há dúvidas de que, mediante
a leitura, deve-se propor uma reorientação, uma mudança no foco, daquilo que
constitui o núcleo da língua, ou seja, a escola tem que pretender a fluição da língua, a
utilização da mesma nas diferentes relações sociais, com dinamicidade e produção de
atitudes responsivas.
É indispensável, mesmo apesar das circunstâncias atuais, que tanto a escola
quanto o professor, no processo ensino aprendizagem, ter claro que, quanto maior o
contato com a linguagem, nas diferentes esferas sociais, maiores serão as
possibilidades de se compreender o texto, seus sentidos, suas intenções, sua visão de
mundo. Neste aspecto, as atividades planejadas devem possibilitar a reflexão e o uso
da linguagem em diferentes situações, priorizando as práticas sociais. Neste contexto, o
aluno amplia seu horizonte de expectativas, interage dinamicamente, contribui para a
constituição de um sujeito que corresponde a diferentes propósitos comunicativos nas
mais diversas situações sociais.
Portanto, o trabalho aplicado com os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental,
foi direcionado com a proposta do Plano de Trabalho docente de Gasparin (2009), onde
partimos de uma Prática Social Inicial, em que houve o anúncio do gênero crônica, bem
como sua vivência cotidiana, contexto de produção e função social. Após, passamos a
etapa da Problematização, com as dimensões conceitual, política, social do conteúdo.
Na terceira etapa, chegamos à Instrumentalização, quando propomos sugestões de
atividades de leitura, interpretação, análise linguística e composição de vários textos do
gênero citado. Na sequência, sugerimos a síntese mental do aluno (Catarse), em que
os educandos demonstraram que se apropriaram do conteúdo estudado, dominando
sua leitura e compreensão e, finalmente, concluímos com a Prática Social Final, em que
as intenções e ações dos alunos foram efetivadas, com aprofundamento da escrita,
leitura, estudo e pesquisa sobre o gênero.
2. Por que realizar um trabalho voltado à compreensão de textos com o gênero
crônica?
Em primeiro lugar, é interessante perceber que, em relação à leitura, dentro da
sala de aula, encontramos diferentes letramentos, ou seja, várias práticas sociais que
se utilizam a leitura e a escrita. Alguns mesmo no final do Ensino fundamental
conseguem ler apenas dados familiares, ou estão num nível inicial de leitura,
localizando informações explícitas em textos curtos. O nível mais elementar é o básico,
segundo o qual o aluno lê e compreende textos de média extensão, localizando
informações mesmo que seja preciso fazer pequenas inferências. Para Silva (2005,
p.24 )
[...] a prática de leitura é um princípio de cidadania, ou seja, o leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar sabendo quais são suas obrigações e também pode defender os seus direitos necessários para uma sociedade justa, democrática e feliz.
Em relação a isso, consolidou-se a necessidade de se realizar um trabalho
voltado às dificuldades de leitura, com os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II.
Para tal, foi importante observar as propostas e o contexto social dos educandos do
Colégio Estadual Alberto Santos Dumont, localizado no Município de Ramilândia,
pertencente ao Núcleo Regional de Foz do Iguaçu. Ademais, a realidade dos
educandos dessa escola, em sua maioria provenientes de Assentamentos de uma
Reforma Agrária do Município, ainda com pouco acesso à leitura, vêm demonstrando
nas atividades em sala de aula, algumas dificuldades quanto a
interpretação/compreensão dos gêneros que lêem. Desse modo, foram selecionados os
estudantes do 9º ano do Ensino fundamental, do período vespertino, numa totalidade
de 36 (trinta e seis), para realizar um trabalho voltado a um progresso pessoal e
coletivo, baseado na leitura, oralidade, escrita, compreensão e análise linguística do
gênero crônica, pois trata-se de uma leitura mais prazerosa por se caracterizar como
um gênero atrativo, sarcástico e humorístico, marcado geralmente por narrações, com
uma linguagem simples, abordando diferentes temas do cotidiano, como escola,
política, família, amor, esporte, etc.
Consequentemente, é preciso entender que a leitura de gêneros reconhecíveis
da prática social dos estudantes deve nortear o ensino da Língua Portuguesa,
considerando sempre uma prática social inicial e final, como ponto de partida e de
chegada de um ensino focado nos gêneros discursivos, vinculados a ações discursivas,
pois a língua está em movimento, é dinâmica, viva e precisa ser utilizada em situações
de usos reais (orais ou escritos), conforme Marcuschi (2008).
Consoante a isso, as estratégias de interpretação de textos foram
redirecionadas, requerendo bons resultados de aprendizagem por parte dos alunos, em
consequência do trabalho proposto pelo Projeto de Intervenção do Programa de
Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná. Nesse processo, priorizamos a
fluência da língua através do dialogismo/interação, não se alienando ao texto, mas sim,
assumindo uma atitude crítica, responsiva.
Ao ler uma história a criança também desenvolve todo um potencial crítico. A partir daí ela pode pensar, duvidar, se perguntar, questionar... Pode se sentir inquietada, cutucada, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se deve mudar de opinião [...] (ABRAMOVICH, 1997, P. 143).
Diante dessas circunstâncias, é imprescindível que a escola envolva os
estudantes no mundo da leitura, oportunizando espaços para que os participantes da
linguagem possam trocar opiniões, entendendo as práticas sociais de uso da língua,
como verdadeiro exercício de comunicação.
3. IMPLEMENTAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO PROJETO COM DESCRIÇÃO DE ETAPAS E RESULTADOS:
Ao escolher a temática sobre a função social do gênero crônica, buscamos
refletir sobre a sua importância no contexto escolar e na sociedade, pois a leitura na
vida dos sujeitos representa sua interação com o mundo. Sendo assim, o trabalho
desenvolvido com esse gênero permitiu com que os alunos interagissem com seus
conhecimentos através da leitura, oralidade, escrita e análise linguística.
A seguir, passamos à apresentação das atividades desenvolvidas, que foram
realizadas a partir dos passos propostos por Gasparin (2009) - prática social inicial +
problematização + instrumentalização + catarse + prática social final - com a elaboração
de um Plano de Trabalho Docente, reafirmando a importância da adoção de
encaminhamentos bem planejados de todas as estratégias desenvolvidas.
A) Apresentação da situação:
O projeto de Intervenção Pedagógica foi concretizado através de uma produção
didático-pedagógica em forma de um Plano de Trabalho Docente, no decorrer de trinta
e duas aulas.
Inicialmente, foi discutido com os trinta e seis (36) alunos do 9º ano do Ensino
Fundamental, a escolha do gênero crônica, no propósito de realizar um trabalho com
um gênero marcado por narrações, normalmente com a estrutura: situação inicial,
conflito, clímax do conflito e desfecho. O gênero se caracteriza ainda por possuir um
reduzido número de personagens e muitas vezes as dimensões dos temas retratados
apresentam um tom humorístico ou sarcástico, proporcionando uma reflexão crítica e
responsiva da situação exposta.
Na apresentação da situação, os educandos tiveram a oportunidade de vivenciar
o conteúdo, através de conversas, levantamento geral do gênero, pesquisa dos
principais cronistas brasileiros, no laboratório de informática da escola. Em seguida,
reconheceram a função social do gênero, contexto de produção e de circulação e ainda,
realizaram um breve conhecimento histórico do gênero, o que resultou no
compartilhamento de informações entre todos, professora e alunos. Nesta fase, as
circunstâncias de pesquisa e o reconhecimento das características do gênero foram
integradas ao aprofundamento do conhecimento prévio dos estudantes.
A referência às pesquisas e aos debates propostos resultaram em algumas
especulações dos alunos a respeito do gênero. Muitas perguntas apareceram, o que
transcendeu a constituição de novos significados em um contexto mais amplo de
leitura. Neste momento houve uma abertura para o novo, para novas práticas
pedagógicas, para novas formas de promover conhecimentos, como esperamos
mostrar na decorrência do relato das atividades.
B) Problematização:
Assumindo as dimensões conceitual, histórico-cultural, social, política do gênero
crônica, foi necessário pesquisar e elaborar uma justificativa para os seguintes
questionamentos: Quem costuma escrever crônicas? Quem costuma ler crônicas?
Quais as características presentes nas crônicas e qual sua função sociocomunicativa?
Como resultado desse encaminhamento, foi montado um mapa conceitual, uma
espécie de desenho esquemático representativo, com o levantamento de todas as
sugestões dos alunos, sendo confeccionado em um grande cartaz que foi
posteriormente fixado no mural sala de aula, onde foram definidas as características do
gênero e os nomes dos principais cronistas que foram estudados no decorrer da
implementação do Projeto de Intervenção, com a delimitação/seleção dos seguintes
textos com respectivos autores: A última Crônica (Fernando Sabino); Vide bula (Luís
Fernando Elias); O lixo (Luís Fernando Veríssimo); De volta ao Primeiro Beijo (Moacyr
Scliar); Talvez o último desejo (Rachel de Queiroz); Nós, os brasileiros (Lya Luft);
Sexta-feira 13 (Luís Fernando Veríssimo); Mãe, por incrível que pareça, é só uma
(Moacyr Scliar); Detalhes (Luís Fernando Veríssimo) e O homem trocado (Luís
Fernando Veríssimo).
O contato com a leitura de diversas crônicas visou o estabelecimento e o
fortalecimento da busca de respostas às inúmeras questões levantadas pelos alunos,
as quais possibilitam ler para compreender, para olhar a nossa língua com mais prazer
e entender que, para ler, também é preciso um conjunto de atividades que são
acionadas nesse processo.
Nessa etapa, os estudantes ficaram curiosíssimos com relação à leitura dos
textos, alguns inclusive no decorrer das atividades mencionavam que haviam realizado
reconhecimento prévio do assunto dos mesmos em casa. Isso otimizou as inúmeras
possibilidades de interesse e de estímulo que o ensino demanda.
c) Instrumentalização:
Na sequência das atividades, a implementação foi dividida em módulos e, em
cada um deles houve a leitura de uma das crônicas citadas na problematização. Na
leitura ou apresentação das crônicas foram realizados exercícios de compreensão que
permitiram que se estabelecessem contribuições que melhoraram a interpretação desse
gênero que circula em nossa sociedade, enfatizando aos alunos o valor fundamental da
leitura, bem como os possíveis questionamentos e relações de inferências e
intertextualidades que podem ser feitos em sua prática social cotidiana, além de
socialização das diferentes interpretações construídas pelos alunos, desenvolvendo
uma postura crítica diante do gênero crônica. Também foi possível, refletir sobre os
elementos temáticos e estilísticos da crônica, bem como sobre o suporte de circulação
e recepção do gênero na escola e na comunidade escolar.
Nesta etapa, foram relevante as discussões e os exercícios não somente de
compreensão, mas também os de análise linguística que permitiram uma reflexão dos
elementos que compõem os textos. Neste momento, os alunos tiveram a oportunidade
de ampliar o horizonte de expectativas, conforme norteia o PCN:
A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação de texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo que sabe sobre a linguagem, etc. Não se trata de extrair informação,
decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões, diante de dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validade no texto suposições feitas. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 1998, p.69-70).
Foi muito importante a trajetória nesse módulo de implementação, porque os
estudantes tiveram a oportunidade de fazer um diário de leitura, ou seja, a professora
entregava um caderno de anotações para um aluno diferente a cada nova aula de
implementação do projeto. Neste, o educando tinha a responsabilidade de fazer
anotações, realizando considerações sobre suas expectativas, em resposta ao
questionamento da professora sobre o desencadeamento do projeto. Nesse estágio de
dar voz ao aluno, houve revisões e novos encaminhamentos metodológicos. Inclusive,
paralelamente à implementação, também aconteceu um curso on-line, intitulado GTR
(Grupo de Trabalho em Rede) com 14 (quatorze) professores do Estado do Paraná,
num total de 64(sessenta e quatro) horas, em que os mesmos puderam fazer
considerações, socializar discussões e sugerir novas crônicas para compor e
aperfeiçoar os exercícios desenvolvidos com o gênero. Das experiências
compartilhadas pelos cursistas, chegou-se à conclusão de que a crônica,
metaforicamente, pode ser o "despertador" para a leitura, expressão significativa que
passou a compor o título desse artigo.
Diante do exposto, fica evidente que entre os professores e os alunos, é de
grande importância existir um diálogo constante, para troca de informações para que as
práticas que são um acontecimento, aliadas à teoria, se transformem em novo a todo
instante.
Na sequência, como exemplo, apresento algumas produções textuais realizadas
pelos alunos:
Exemplo 1: Diário
Ramilândia, 10 de março de 2014:
Hoje, a professora Vanusa introduziu um projeto em sala de aula sobre a
dificuldade de leitura da maioria dos alunos.
Ela está trabalhando conosco o gênero textual crônica, pois é um tipo de história
em que existem personagens e fatos que acontecem no nosso dia a dia, que nos ajuda
a entender melhor o que acontece a nossa volta e que no final nos passa uma lição de
vida.
Como tarefa ela nos pediu para pesquisar o que significa crônica e o nome dos
principais cronistas brasileiros.
Achei legal essa ideia, pois muitos alunos não conseguem nem usar "palavras
direito" por falta de leitura. (autora: Verônica Marques)
Esse espaço de escrita no diário da professora, permitiu com que a aluna
assumisse voz e vez com relação ao que ele estava percebendo no decorrer das aulas.
Quando o aluno se coloca no lugar de emissor de opiniões, ele é capaz de internalizar a
função da escola que é a de colaborar para que o mesmo se torne um leitor crítico,
capaz de observar e distinguir o certo do errado.
Exemplo 2:
Ramilândia, 26 de março de 2014:
No último dia 26 a professora Vanusa passou um trabalho baseado numa
crônica chamada "Nós, os brasileiros, de Lya Luft", com onze perguntas para reponder.
A crônica falava sobre a péssima visão que os estrangeiros têm sobre o Brasil.
Na minha opinião, as perguntas sobre as crônicas estavam difíceis, e fiquei
revoltada com o que os estrangeiros pensam do Brasil. Cheguei a precisar da ajuda do
meu pai para responder algumas perguntas.
Enfim, foi um trabalho interessante, mesmo que de difícil compreensão. Foi legal
tê-lo feito! (autora: Joice R. Buehrmann)
Essa atividade nos levou a refletir sobre as palavras de Orlandi (1999), para
quem o sujeito só adquire a sua completude quando se coloca em relação ao outro,
quando busca sentido na interação, no espaço discursivo e na interpretação. Neste
exemplo, a aluna Joice foi capaz de perceber várias inferências na leitura da crônica "
Nós, os brasileiros" de Lya Luft, mesmo assumindo que as atividades de compreensão
estavam difíceis, a mesma foi atrás, pediu ajuda ao seu pai para se aprofundar no tema
do texto. A forma crítica como aluna se posiciona diante da crônica, afirmando que
"revoltada com o que os estrangeiros pensam do Brasil" revela a percepção do
processo de leitura não como uma simples decodificação, mas como uma forma de
construção de sentidos, que nos levam as reflexões, provocando encantamento, raiva,
humor, etc. E, nesse caso, indignação. Esse papel de leitor crítico será extendido para
outras práticas sociais, colocando-se como leitora é capaz de demonstrar seus
sentimentos de aceitação ou de indignação mediante qualquer assunto veiculado por
meio de outros textos.
d) CATARSE:
Nesta fase, o aluno faz uma síntese mental de tudo que aprendeu sobre o
gênero crônica, principalmente o domínio sobre sua forma composicional e estilo,
passando-se a etapa de produção em duplas. Após, houve o processo de refacção
textual orientado pela professora e em seguida, a reescritura no caderno de textos.
Vejamos um exemplo de crônica produzida durante as aulas pela aluna Yasmim
Chaucoski:
Exemplo 3 - Crônica:
Horário de Verão
O dono da relojoaria levantou cedo naquele dia. Era uma segunda feira, a
primeira depois do início do horário de verão.
Aquele seria um dia cheio de trabalho, pois sua relojoaria ficava em uma vila, no
interior de uma pequena cidade e, a maioria dos moradores não sabiam ajustar os
relógios de acordo com o novo horário, por isso procuravam a sua relojoaria.
Apesar de agitado foi um dia normal... até chegar um homem carregando um
galo.
- Bom dia. Vim trazer meu galo para atualizar conforme esse tal horário de verão.
- Disse o homem meio confuso.
- Lamento Senhor, mas acho que não se pode atualizar galos conforme um
horário desejado.
- Mas hoje ele me acordou uma hora mais tarde. Quando cheguei à Vila me
disseram que eu estava uma hora atrasado.
- Me desculpe, mas realmente não se pode ajustar o horário de um galo cantar.
- Então eu mato ele.
- Não, meu Senhor, coitado do galo. Já que o seu galo não serve mais para o
cargo, leve ele para casa e por um preço módico eu lhe vendo um despertador. (autora:
Yasmim Chaucoski)
No exemplo acima, essa aluna realizou uma leitura e uma escrita como práticas
sociais, com um sentimento de leitor crítico, entendendo que a leitura não é
decodificação, servindo principalmente para responder questionamentos.
Esse momento da Implementação do Plano de Trabalho docente foi mágico,
porque foi possível perceber e reconhecer que, através desse exemplo, os alunos
compreenderam as características do gênero com suas especificidades e
demonstraram que são capazes de adequar registros em conformidade com as
situações de produção e circulação. Aqui, entende-se a pluralidade de uso da
linguagem em diferentes contextos. Podemos afirmar que, neste caso, a finalidade
da crônica foi cumprida, pois levou o leitor a refletir sobre práticas do cotidiano, uma vez
que a aluna entendeu as características desse gênero textual.
Também foi importante constatar que a crônica é um gênero muito difícil de ser
escrito, grande parte da turma não conseguiu escrever o gênero, criar uma situação ou
reflexão que fosse relatada em forma de crônica. A maioria dos alunos da turma
relatou, em suas experiências, no entanto, que o trabalho foi interessante, que as
leituras propostas corresponderam às suas expectativas.
Além disso, outras atividades também foram propostas como a transformação de
crônicas em histórias em quadrinhos, principalmente aquelas em que há uma narração
de uma situação com personagens, tempo, espaço e enredo. A avaliação do trimestre
seguiu a proposta de atividades desenvolvidas na implementação. Foi possível
perceber, também, que até hoje os educandos pedem para a professora ler uma
crônica, porque os mesmos gostam de ouvir histórias, afirmam que compreendem
melhor as informações dos textos, se sentem mais envolvidos, mais atraídos pelas
leituras.
e) PRÁTICA SOCIAL FINAL:
Nesta última etapa, foi necessário a pesquisa de outra crônicas que não foram
destacadas na implementação do projeto, englobando diferentes temas, momento em
que os estudantes puderam desenvolver as habilidades de leitura, resumo, escrita,
ensaios e apresentações em sala de aula. Desse modo, é muito importante o estudo e
pesquisa constante do gênero para aprofundar a construção de sentidos dos textos.
Para finalizar as atividades do projeto, como prática social final, foram realizadas
apresentações de crônicas em forma de teatro, sendo adaptadas as seguintes crônicas:
a) um salto muito azarado (Edilson Rodrigues); b) Pedindo uma pizza em 2009 (Luís
Fernando Veríssimo); c) Vô sério (Luís Fernando Veríssimo); d) Tudo vai melhorar
(Edilson Rodrigues); e) Artes Marciais (Luís Fernando Veríssimo); f) Lerdeza (Luís
Fernando Veríssimo); g) Os adolescentes e a solidão (Moacyr Scliar).
As apresentações envolveram dinamicidade e criatividade nos cenários e
figurinos. Os diferentes rítmos da oralidade dependeram do conteúdo temático das
crônicas, as quais permitiram uma reflexão e uma análise de diversos temas sociais,
políticos ideológicos e culturais predominantes em nossa sociedade. O público
assistente foram os colegas de sala de aula. Durante os ensaios houve muita
cooperação, planejamento das opiniões e, principalmente, respeito e valorização pelos
papéis assumidos pelos alunos/autores na exposição das crônicas. Enfim, não houve
dúvidas que todo o trabalho superou as expectativas, pois a maioria se envolveu e o
assumiu com responsabilidade, compreendendo claramente o seu objetivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Neste artigo, buscamos expor um trabalho realizado com o gênero crônica, a
partir dos resultados de um projeto desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE) do Estado do Paraná, visando demonstrar alternativas que
permitiram que se estabelecessem novas estratégias, no intuito de contribuir
efetivamente para os educandos interpretarem melhor o gênero crônica que circula em
nossa sociedade.
Repensando em todas as etapas que englobaram a produção da proposta do
Projeto de Intervenção Pedagógica, da Produção Didático-Pedagógica e de sua
implementação, foi notável a importância de um trabalho voltado a um Plano de
Trabalho Docente conforme propõe (GASPARIN, 2009), apresentando alternativas para
a problemática que envolve as dificuldades de leitura dos educandos do 9º Ano do
Ensino fundamental, do Colégio Estadual Alberto Santos Dumont, principalmente
porque, durante as aulas, especificamente no decorrer das atividades de compreensão,
forma composicional e análise linguística do gênero, a maioria demonstrou
preocupação em melhorar as habilidades de leitura, oralidade, escrita e interpretação
de textos. Portanto, é inegável a grande tarefa e responsabilidade dos professores de
Língua Portuguesa e também de todos os professores de todas as áreas do
conhecimento, no sentido de buscar novas alternativas que auxiliem os estudantes a
desenvolver ou aprimorar tais habilidades, pois a escola, embora não garanta, ainda
representa a segurança de um futuro mais promissor para as crianças de nosso país,
principalmente àquelas provenientes de grupos menos privilegiados.
Com essas constatações, este artigo caracterizou os aspectos mais importantes
do gênero crônica, enfatizando sua temática, realizando apontamentos que
aprofundaram o processo de interpretação/compreensão de textos, numa proposta de
análise das características dos gêneros discursivos conforme, propostas por Bakhtin
(2003). Para o aprofundamento dessa questão, propomos novas investigações.
Enfim, tudo o que ensinamos, também ampliam nossa aprendizagem e, de certa
forma, contribui para a formação de cidadãos mais críticos e emancipados para
enfrentar os desafios da vida, em que a leitura tem um papel importante em toda essa
transformação humana.
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