OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO … · 2016-06-10 · Universidade...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Superintendência da Educação
Programa de Desenvolvimento
Educacional - PDE
Universidade Estadual do Centro – Oeste (UNICENTRO)
NEIOLY FERREIRA BUENO
O presente artigo é parte integrante e
conclusiva do Programa de Desenvolvimento
Educacional PDE 2013 – 2014.
Orientador: Prof. Francismar Formentão
Guarapuava – PR
2015
TENDA DOS MILAGRES: possibilidades para o ensino da cultura
afrodescendente em seus aspectos históricos, didáticos e políticos
RESUMO
Este artigo traz em seu conteúdo os estudos realizados durante a participação no PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, promovido pela SEED – Secretaria de Estado da Educação e tem o intuito de inserir no contexto escolar da educação básica o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana, que passaram a ser obrigatórios a partir da sanção da Lei n. 10.639/2003. Por isso, partindo da obra literária “Tenda dos milagres” do escritor Jorge Amado, buscou-se conhecer quais possibilidades, considerando seus aspectos históricos, didáticos e políticos, ela oferece para o ensino da História e da Cultura Afrodescendente em sala de aula, conforme sugere a lei e também pelo fato de a obra proporcionar em seu contexto a análise e discussões a respeito da diversidade étnico-racial brasileira. A escolha da obra também se dá pela importância de se estudarem as teorias sobre a cultura da etnia afrodescendente, para e valorizá-la em seus mais variados aspectos, formação, luta, coragem, determinação, desempenho, e acima de tudo, respeitar estes cidadãos como seres humanos que são; atribuindo-lhes o devido valor, sem excluí-los da sociedade na qual se insere, em especial, em sua construção social, política e econômica.
Palavras-Chave: Tenda dos milagres de Jorge Amado; Análise; História e Cultura
afro-brasileira e africana.
Abstract
This article is brought in content studies conducted during participation in the PDE - Program of Development of Education, sponsored by SEED - Ministry of Education and aims to introduce in the school of basic education teaching of history and African and African Brazilian culture, which became mandatory from the enactment of Law No. 10,639 / 2003. Therefore, based on the play "Tent of Miracles" literary writer Jorge Amado, we seek to know what possibilities considering its historical, educational and political aspects, providing for the teaching of history and culture of African descent in the classroom, as suggested by the law and by the work provided the context in its analysis and discussions on the ethnic and racial diversity of Brazil. The choice of the work also gives the importance of studying theories of culture of African descent ethnicity, and value in its various aspects, training, fight, courage, determination, performance and, above all, respect these citizens as human beings are; giving due importance, without removing them from the society in which it operates, especially in its social, political and economic construction.
Keywords: Shop miracles of Jorge Amado; Analysis; History and Afro-Brazilian and African culture.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com a Lei 10.639 sancionada em 09 de janeiro de 2003, alterando
o disposto na Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, a qual estabelecia as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, esta passou a determinar a obrigatoriedade da
inclusão no currículo oficial das redes de ensino o tema “História e Cultura Afro-
Brasileira” (BRASIL, 2003).
Desta forma, tornou-se obrigatória, por força de lei, a inclusão no currículo
escolar da História da África e dos Africanos, no intuito de resgatar a história dessas
etnias, as quais fazem parte da cultura brasileira. Constate-se que hoje,
descendentes lutam pela igualdade na sociedade e a abolição da discriminação
racial existente de forma camuflada no convívio social, cultural e econômico. Sendo
assim, faz-se necessário, e obrigatório, o estudo da cultura afro-brasileira na
formação do educando. Os conteúdos curriculares para essa formação têm de estar
voltados para o reconhecimento da influência, da diversidade e da riqueza da cultura
afro sobre e na cultura brasileira, levando-se em conta sua repercussão diária, seja
na música, na dança, na religião, na culinária; em todas as áreas e classes sociais.
Diante desse contexto, e relacionando ao contexto escolar, é preciso pensar
em um ensino investigativo, em que textos, obras literárias e vídeos sobre a cultura
afrodescendente a serem trabalhados sejam para o educando um apoio,
oferecendo-lhe a possibilidade de formular e analisar seus próprios discursos. Uma
vez que os alunos são oriundos de contextos sociais variados, terá oportunidade de
analisar suas atitudes relacionando e praticando tal conhecimento frente às
situações reais de seu cotidiano, assim, preparando-se para agir com o devido
respeito à cultura afrodescendente brasileira. Pois, os 350 anos de escravidão
deixaram marcas que ainda hoje são presença constante, difíceis de serem extintas
e reescritas no inconsciente da sociedade brasileira.
Diante disso, buscando mudar estes (pré) conceitos, muitos escritores, dentre
eles, Jorge Amado, preocuparam-se, em diversos momentos da história, em retratar
a estrutura da sociedade brasileira, composta em sua maioria pela cultura
afrodescendente, mas na qual e infelizmente ainda, o racismo perdura, composto
por ideais que a elite economicamente dominante estabeleceu, ainda no intuito de
legitimar a escravidão e a constituição de relações sociais no Brasil, após a abolição.
Somente a partir da década de 50, inspirada pelos movimentos negros dos
Estados Unidos e da França, a literatura negra no Brasil passa a ter maior
visibilidade na sociedade, sendo também utilizada como instrumento de denúncia
contra o desrespeito aos direitos sociais dos afrodescendentes. Assim, a situação
começa a se modificar e a partir da ascensão dos movimentos negros no país, é
iniciado o processo de construção da imagem da cultura do negro na literatura
brasileira, que toma para si a missão de fazer sua própria literatura.
Portanto, partindo-se da obra literária “Tenda dos milagres” de Jorge Amado,
buscou-se conhecer quais possibilidades, considerando seus aspectos históricos,
didáticos e políticos, ela oferece para o ensino da Cultura Afrodescendente em sala
de aula.
O processo de formação histórica e cultural do Brasil é profundamente
marcado pela participação dos povos indígenas e africanos. No entanto, essa
fundamental contribuição, ao longo do tempo, não ganhou notoriedade no espaço
das abordagens, discussões curriculares, livros didáticos e programas de formação
de professores. Por isso, a obra “Tenda dos milagres”, de Jorge Amado constitui-se
em excelente objeto didático para o ensino da Cultura Afrodescendente, por permitir
a reflexão dessa cultura em seus aspectos históricos e políticos.
A tradição de luta contra o racismo, que contou com diferentes tipos de
organizações políticas e culturais em vários setores da população negra brasileira
vem sendo feita desde o final do Século XIX. A questão do negro na sociedade, não
só brasileira, mas mundial, é delicadamente tratada e marcada por muita luta. E
essa luta, não foi somente durante os 350 anos de escravidão, permanece até hoje,
ainda que mascarada por demagogias puramente racistas e preconceituosas. Sobre
a questão do negro no Brasil, Gilberto Freyre (2000, p. 01) apresenta que:
Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo [...] a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou no negro. No litoral, do Maranhão ao Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota do africano. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera da vida, traz quase toda a marca da influência negra. Da escrava ou sinhá que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolengando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho de pé de uma coceira tão boa. De quem nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama, de vento, a primeira sensação completa de homem. “Do
moleque que foi nosso primeiro companheiro de brinquedo.”
Mediante o exposto, ressalta-se que esta tarefa cabe à escola, que tem a
função de proporcionar metodologias didáticas que despertem nos discentes a
potencialidade de poder opinar, levando-os a criarem possibilidades de serem
membros atuantes na sociedade, conscientes e passem a ver o negro como
integrante da formação do povo brasileiro.
Apesar da complexidade que permeia a história da cultura afrodescendente
no país, é de suma importância focar o tema da cultura afrodescendente nas
instituições para que se trabalhe o tema em sala de aula e os acadêmicos voltem
sua atenção aos afros. Que seja um assunto desenvolvido e praticado, tanto dentro
das escolas como externamente, possibilitando uma revisão nos conceitos impostos
pelas elites, as quais priorizam interesses pessoais.
É preciso priorizar o estudo das teorias sobre a cultura da etnia
afrodescendente, valorizá-la em seus mais variados aspectos, sua formação, luta,
coragem, determinação, desempenho, e acima de tudo, respeitar estes cidadãos
como seres humanos que são; atribuir-lhes o devido valor, sem excluí-los da
sociedade na qual se insere, em especial, em sua construção social, política e
econômica.
2 TENDA DOS MILAGRES: uma provocação à leitura
Estudar “Tenda dos milagres”: proporciona possibilidades para o ensino da
cultura afrodescendente em seus aspectos históricos, didáticos e políticos através
do ensino. A obra apresenta uma abordagem referente à cultura afro do passado e a
contemporaneidade, pois o escritor Jorge Amado vive esse drama e em sua vida
pessoal e retratam suas angústias “em seus livros, Jorge Amado leva até o leitor o
dia-a-dia dos personagens marginalizados que vivem em Salvador” (negros,
“homens do cais do porto, pescadores, menores abandonados, pais-de-santo,
prostitutas, malandros), além de abordar também vários costumes provincianos e
festas populares” (GOMES, [S.I.], 2014).
O texto literário “Tenda dos milagres”, escrito por Jorge Amado, foi publicado
no ano de 1969 e traz em seu contexto várias leituras possíveis, dentre elas
destaca-se o diálogo entre a “cultura popular de Salvador e o discurso científico”
(NASCIMENTO, 2014).
“Tenda dos Milagres” (AMADO, 1971) se constitui em uma narrativa de dupla
temporalidade: de um lado, o romance, com a chegada de um estrangeiro ao Brasil,
cujo propósito era conhecer a terra de Pedro Archanjo, autor de uns tantos livros que
ele admira e que até então era um ilustre desconhecido de todos, tendo como tempo
presente dos acontecimentos o ano de 1968, o qual é destacado através das
comemorações do centenário de Pedro Archanjo, personagem principal e em cujo
contexto histórico insere o Brasil no regime político de exceção (Ditadura Militar),
com todas as suas mazelas e contradições. De outro lado, a pretexto de narrar à
trajetória de vida de Pedro Archanjo (personagem central), a focalização do enredo
centra-se no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, período em
que se discutia a modernização do país, relata Pedro Archanjo e sua tenda dos
milagres. Um mestiço, intelectual autodidata, sem formação acadêmica, mas forjado
pela vida, pela vivência das ruas, pelo convívio com seu povo. Um místico, envolvido
e digno representante do sincretismo religioso da Bahia, mas ao mesmo tempo uma
inteligência racional a serviço de uma causa: a defesa da mestiçagem das raças
como elemento de combate ao racismo e a elevação da cultura negra (EQUIPE
TENDA DOS MILAGRES, [S.I.], 2009).
Figura central do romance, Pedro Archanjo é um herói combatido pelo poder
constituído, mas amado por muitos. Um digno personagem da extensa galeria de
tipos da obra de Jorge Amado. Um ser encantado, que a luta do velho ogã Pedro
Archanjo pela preservação e difusão da cultura negra e permanece imortal nas
dobras das lendas criadas pela cultura popular e tão bem retratadas pelo autor
(NASCIMENTO, 2014).
Nessa época, sob a ressonância do cientificismo e da corrida
desenvolvimentista na conquista do progresso, fulguravam discussões acadêmicas
sobre as teorias que rotulavam os sujeitos como pertencentes a raças superiores (os
brancos) e raças inferiores (os que não eram brancos).
Uma parte da narrativa está interligada à outra pela temática. Na prática
discursiva, Amado delimita sua intencionalidade de escritor ao tecer, ao longo da
trama dramática, o tema da mestiçagem (tese do romance) como um atributo da
nacionalidade brasileira, tendo a Bahia como origem. Esse viés temático,
especificamente, ressalta os elementos existentes no mundo textual, exprimindo a
conectividade alusiva ao mundo empírico e garantindo uma dimensão de fundo
histórico à narrativa, estreitando as fronteiras entre Literatura e História.
Ao contar a história desse herói complexo, também conhecido como "Ojuobá,
os olhos de Xangô", Jorge Amado traça um painel da cultura negra baiana e de sua
resistência contra a repressão violenta a que foi submetida nas primeiras décadas
do século XX, resgatando e exaltando manifestações como o candomblé, a
capoeira, os afoxés e o samba de roda (NASCIMENTO, 2014).
Escrito em 1969, com a verdade e a sensualidade habituais do autor, Tenda
dos Milagres atesta seu amor à cultura afro-brasileira e seu humanismo radicalmente
libertário. Citando tais personagens o autor aborda “questões de interesse social”,
além de denunciar “a miséria e a opressão em que vivem essas pessoas” (GOMES,
2014). Seus livros trazem fases “de altos e baixos, o escritor abusa dos clichês e
não tem cuidado formal”. Gomes (2014) continua afirmando que mesmo assim, “ao
lermos seus romances temos uma vasta visão da sociedade baiana”. Além disso,
que “o tom coloquial e popular de suas obras cativou o público que se encantou com
seus livros que foram traduzidos em vários países” (GOMES, 2014) e em um dos
seus muitos pensamentos e registros ele retrata o seguinte argumento: “Não escrevi
meu primeiro livro pensando em ficar famoso. Escrevi pela necessidade de
expressar o que sentia” (CALABRIA, [S.I.], 2012).
Jorge Amado atuou como escritor e protagonista das transformações que
ocorreram não só no Brasil, mas no mundo durante o século XX. Sua obra, por ser
múltipla e variada, aborda várias questões que dizem respeito a aspectos da
formação do nosso país.
3 A CULTURA AFRODESCENDENTE NO TEXTO DE JORGE AMADO
Jorge Amado nasceu em Itabuna, Bahia, em 10 de agosto de 1912.
Representante do ciclo do romance baiano, Filho do "coronel" João Amado de Faria
e de Eulália Leal Amado.
Este grande escritor brasileiro é um dos mais lidos em seu país e também
mundo afora. Seus livros foram transcritos para vários outros idiomas, conquistando
assim “não só os falantes da língua portuguesa como de outros idiomas: inglês,
espanhol, francês, italiano, alemão. Suas obras refletem a realidade dos temas,
paisagens, dramas humanos, secas e migração” (TRABALHOS GRATUITOS, [S.I.],
2014).
Em seus livros existe o domínio do físico sobre a consciência. Suas
personagens geralmente são plantadores de cacau, pescadores, artesãos e gente
que vive próximo ao cais, em Salvador, capital da Bahia. Com relação as suas obras
o site de Biografias do UOL (2014), traz:
Suas obras foram traduzidas para 48 idiomas. Muitas se viram adaptados para o cinema, o teatro, o rádio, a televisão e até as histórias em quadrinhos, não só no Brasil, mas também em Portugal, França, Argentina, Suécia, Alemanha, Polônia, Tchecoslováquia (atual República Tcheca), Itália e EUA.
No mesmo site ainda, encontra-se descrito sobre o autor:
Além de romances, escreveu contos, poesias, biografias, peças de teatro, histórias infantis e até um guia de viagem. Jorge Amado morreu perto de completar 89 anos, em Salvador. A seu pedido, foi cremado, e as cinzas, colocadas ao pé de uma mangueira em sua casa (UOL, [S.I.], 2014).
A sua produção literária, fruto de esforços para a publicação, era dedicada ao
combate ao racismo e a repressão à cultura afro-baiana, em especial, a aversão
elitista e o massacre ao Candomblé ou ao Afoxé.
A linguagem de Jorge Amado se desenvolve a partir dos assuntos abordados
em seus livros, por exemplo, expondo o falar em linguagem coloquial do baiano.
4 POSSIBILIDADES DIALÓGICAS NO ENSINO DA CULTURA
AFRODESCENDENTE
A escola é um excelente espaço que possibilita a leitura e interação com o
texto. No entanto, nem sempre as discussões em sala de aula são bem sucedidas,
visto que geralmente a literatura que é exigida e compõe as aulas de Língua
Portuguesa e Literatura distancia-se da reflexão, do encontro com as possibilidades,
das abordagens que priorizem outros recursos textuais que não sejam a gramática e
as escolas literárias.
Neste contexto, Nascimento (2014) comenta que os “diálogos travados entre
a chamada cultura popular e a ciência no texto conduz o leitor ao grande projeto
nacional revisto nas palavras de Archanjo”, sendo que a personagem “acredita ter
descoberto o tipo ideal brasileiro na figura do mestiço”, o qual “representaria o
encontro de todas as etnias gerando a ideia que seria apregoada por Gilberto Freyre
de democracia racial”.
Por isso, ao defender a cultura mestiça Archanjo profetiza o futuro onde “... tudo já terá se misturado por completo e o que hoje é mistério e luta de gente pobre, roda de negros e mestiços, música proibida, dança ilegal, candomblé, samba, capoeira, tudo isso será festa do povo brasileiro, música, balé, nossa cor, nosso riso, compreende?” (AMADO, 1982, p. 317-318).
O estudo da diversidade de vozes presentes em um discurso tem sido
desenvolvido por diversos pesquisadores de áreas, muitas vezes bastante distintas.
A tese que pregava a unicidade do sujeito da enunciação ganhou em especial nas
ultimas décadas, muitos contraditores, os quais defendem que não se pode
conceber um único sujeito em um discurso, mas uma multiplicidade de vozes é
constitutiva de todo e qualquer discurso.
Assim, os textos caracterizados como polifônicos são aqueles em que, as
várias vozes que os constituem se explicitam, deixam-se perceber e falam sem que
uma dentre elas necessariamente prevaleça.
Desse modo é que Bakhtin defende é que qualquer discurso é permeado por palavras ou ideias de outrem, mas essas outras vozes podem ser assimilados, citados ou refutados em um discurso de forma explícita como acontece nos romances de Dostoievski ou podem ser disfarçados sob o aspecto de um discurso monológico (BAKHTIN, 1997, p. 199).
E é na essência da teoria bakhtiniana do discurso, ou seja, no dialogismo, que
encontramos terreno fértil para se debater a polifonia, a proliferação de vozes no
discurso, uma vez que para Bakhtin (1997), todo texto polifônico é composto de
várias vozes equipolentes. Para que se compreenda melhor este conceito criado por
Bakhtin (1997) a partir da análise da obra do escritor também russo Fiador
Dostoievski, é preciso que se tenha em mente que, na polifonia, a imagem do herói
não é objetificada, ou seja, não é um objeto da consciência criativa do autor, pois
esta independe de sua limitada visão de mundo para dar voz a uma vasta linguagem
social que prima pela diversidade, abrindo espaço para concordâncias e
divergências, uma vez que é na, e pela interação que as personas sociais travam
um diálogo com o intuito de avançar em um modelo de discurso coletivo. Se tudo
que é dialogado (seja por meio de uma ação verbal ou não verbal) visa uma
interação, então o eu necessita e imagina outro que receba sua mensagem e sobre
ela incida uma contra resposta. Há uma mediação de consciências que está sempre
em movimento no âmbito dialógico e polifônico da linguagem.
Para Bakhtin (1997, p. 292), “Representar o homem interior como o entendia
Dostoievski só é possível representando a comunicação dele com outro. Somente
na comunicação, na interação do homem com o homem revela-se o homem no
homem para outros ou para si mesmo”.
Bakhtin (1997, p. 302), não é por palavras ou orações que nos comunicamos
em uma situação de enunciação. Mas sim através de enunciados, que estão
delimitados e enquadrados pela alternância de sujeitos (ou locutores) e que são
reflexos da realidade transversal, isto é, inserem-se em um contexto que os explica
e condiciona. Além disso, considera-se uma cadeia complexa de enunciados,
porque tudo o que expressamos através destes ancora-se no que já foi dito por
outrem. Isto porque, conforme Bakhtin (1997, p. 291), o próprio locutor é um
“respondente”, pois “não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno
silêncio de um mundo mudo”, pressupondo não apenas a existência do sistema
linguístico que utiliza, mas também “a existência dos enunciados anteriores –
emanantes dele mesmo ou do outro – ao qual o seu próprio enunciado está
vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se neles, polemiza com eles)”
(BAKHTIN, 1997, p. 291).
NA obra literária “Tenda dos milagres” é retratada uma “luta ideológica
travada entre a cultura popular” e a ciência europeia através dos embates
envolvendo “Pedro Arcanjo, o delegado Pedro Gordilho e o professor Nilo Argolo”;
ainda, cita-se o “combate realizado pelo aparelho estatal dos jornais e da polícia, na
busca de minimizar, ou exterminar, as práticas culturais desenvolvidas nos terreiros
de candomblé, nas rodas de capoeira e dos grupos de afoxés durante o Carnaval”
(NASCIMENTO, 2014).
O grande objetivo de Pedro Archanjo foi provar que o Brasil se tornou um país
mestiço e que não se podia mais excluir o negro da sociedade, antes este devia ser
valorizado. Criticava-se a comunidade branca no que tange à sua cultura, tendo em
vista que nada que se valorizava na cultura branca era legitimamente brasileiro.
Tudo não passava de uma cópia do europeu.
Já com a adaptação para filme, “Tenda dos Milagres” traz uma alternativa ao
pensamento da época: a mestiçagem pensada por um homem excluído, a figura do
mestiço, indivíduo que sofre as consequências de políticas étnicas racistas. O fato
de Pedro Arcanjo ter pensado na generalidade racial como um fenômeno da
sociedade remete-nos não à ideia de unidade cultural e biológica do povo brasileiro,
mas na valorização da complexidade bem como suas diferenças, pois existe o
branco, o negro, o índio e, principalmente, o mestiço, em defesa do inevitável
multiculturalismo nacional.
Jorge Amado, recria em Pedro Archanjo um homem do povo que escreve um
trabalho sobre a realidade que vive, diz respeito ao que está em seu alcance. A sua
base teórica são os fatos, e isto é o que lhe é acessível. Sem oportunidade de
estudar, Archanjo fez-se autodidata e passa a escrever magistralmente o reflexo de
um Brasil coberto por um falso multiculturalismo. Pedro Archanjo nunca deixou sua
luta. É preso por provar, através do traçado genealógico das famílias baianas e o
encontro das raças, que a miscigenação é inevitável. Dessa forma, a concepção de
mestiçagem em Pedro Archanjo produz uma nova visão da identidade nacional
brasileira, na qual as diferenças sociais advindas da construção de uma ideia de
raça (e que são também econômicas, mas não exclusivamente) são reconhecidas,
ao invés de apagadas sob o mito da democracia racial.
Para rever a temática da mestiçagem na cultura brasileira, “Tenda dos
Milagres” traz uma discussão extremamente atual, devendo ser revista no momento
em que o Brasil avança o debate sobre a identidade racial e as ações afirmativas,
notadamente no que se refere às políticas de cotas, pois a arte é capaz de revelar
as nuances de uma questão extremamente complexa. Com base na visão de
Amado, representado pelos olhos de Pedro Archanjo é possível analisar os limites
de um raciocínio único, como foi o caso da criação do estereótipo mestiço, sendo
viável ao mesmo tempo, o reconhecimento e a complexidade das distinções raciais,
culturais e sociais.
Sendo assim, o objetivo do trabalho foi realizar este debate, mostrando como
Jorge Amado, em sua obra Tenda dos Milagres, foi capaz de oferecer uma visão
ampla da cultura afrodescendente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho com a obra “Tenda dos milagres” proporcionou interesse aos
alunos, pois além de oportunizar momentos de leitura, foca o tema da cultura
afrodescendente relacionada com a formação histórica brasileira. Objetiva oferecer
aos professores e futuros profissionais da educação subsídios teóricos para as
discussões acerca das relações étnico-raciais e acesso a conteúdos que possam ser
oferecidos aos alunos do Ensino Fundamental e Médio de acordo com as exigências
trazidas pela Lei 10.639/03 (BRASIL, 2003).
A educação antirracista deve começar cedo. A criança negra precisa se ver
como negra e aprender a respeitar a imagem que tem de si mesmo e ter modelos
que confirmem essa expectativa.
O tema da cultura afrodescendente deve ser trabalhado para que o “outro” se
conscientize da importância do negro para a constituição e identidade da nação
brasileira e principalmente, do respeito à diversidade humana e a abominação do
racismo e do preconceito.
Este artigo visa resgatar a cultura afrodescendente e mostrar os benefícios
com a aprovação da Lei nº 10.639/2003 (BRASIL, 2003), a qual assegura o direito e
os deveres da população afrodescendente. Também, da importância de trabalhar o
conteúdo nas disciplinas de história para a Educação das Relações Raciais e para o
Ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana, com vistas a combater o
preconceito racial, valorizando a diversidade cultural, o respeito e a contribuição da
cultura afro-brasileira na história do Brasil.
Por isso, torna-se necessário que a Lei referente a esta abordagem seja
estudada em todas as escolas da rede básica de ensino, para que se trabalhe sobre
a cultura afrodescendente existente no país, conduzindo-os a ver de maneira
especial a diversidade étnico-racial e assim, valorizem mais sua história e sua
cultura, tão presentes na sociedade e na própria vida de cada um.
Não importa a cor, sendo loiro, alvo, o povo traz consigo traços indígenas ou
dos afrodescendentes. Essa mistura de etnias resgata a alegria e a magnitude da
convivência em grupos, pois a troca de conhecimentos proporciona ao outro a
ampliação de sua própria cultura.
Portanto, este artigo trata-se de uma proposta não acabada, estará sujeito a
mudanças de acordo com as pesquisas e as metodologias escolares empregadas
por aqueles que dele fizerem uso.
6 REFERÊNCIAS
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 28ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1982.
AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 7. Ed. São Paulo: Editora Martins, 1971.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Brasília - DF, 2003. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm. Acesso em 22/05/2013
CALABRIA, Sofia. O homem que levou a Bahia ao mundo. Projeto redigir – comunicação e cidadania. 2012. Disponível em: http://www.projetoredigir.com/2012/05/o-homem-que-levou-a-bahia-ao-mundo/. Acesso 25 /05/ 2014.
EQUIPE TENDA DOS MILAGRES Tenda dos Milagres. 2009. Disponível
http://equipetendadosmilagres.blogspot.com.br/2012/07/tenda-dos-milagres.html. Acesso em: 28/04/2014
FREYRE, Gilberto. O escravo negro na vida sexual e de família do brasileiro. 2000 http://www.ufrgs.br/proin/versao_1/casa/index01.html. Acesso 20 /05/ 2014.
GOMES, Cristiana. Jorge Amado, 2014. Disponível em: http://www.infoescola.com/literatura/jorge-amado/. Acesso em 28/05/2014.
NASCIMENTO, Marysther Oliveira do. Tenda dos Milagres. 2014. Disponível em:
http://www.brasilescola.com/literatura/tenda-dos-milagres.htm. Acesso em: 28/04/2014.
Trabalhos Gratuitos. Direitos Humanos. Capitães da areia: Biografia e obras do autor. 2014. Disponível em: https://www.trabalhosgratuitos.com/Outras/Diversos/Direitos-Humanos-426283.html. Acesso em: 29/04/2014.
UOL. Biografias – Romancista Baiano – Jorge Amado. 2014. Disponível em:
http://educacao.uol.com.br/biografias/jorge-amado.jhtm. Acesso em: 28/04/2014.