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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

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O TRABALHO COM ESTIMULAÇÃO PRECOCE DE CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOS

COM NECESSIDADES ESPECIAIS: CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA

HISTÓRICO-CULTURAL

Marly Sespede Mazia1

Adriana de Fátima Franco2

RESUMO

Este artigo é o resultado dos estudos realizados durante o Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE, promovido pela Secretaria Estadual de

Educação do Paraná. O trabalho foi fundamentado nos pressupostos da psicologia

histórico-cultural e teve como objetivo buscar subsídios teóricos para a compreensão

do desenvolvimento infantil, particularmente, da criança de 0 a 3 anos com

necessidades educativas especiais. Apresentamos a síntese dos resultados obtidos,

onde podemos constatar a relevância do aprofundamento teórico e do

aperfeiçoamento contínuo para a prática docente. Assumimos uma concepção de

desenvolvimento eminentemente histórica, na qual o desenvolvimento do psiquismo

é determinado por relações socioculturais mediadas, de uma prática pedagógica

efetiva, adequada às particularidades da criança com necessidades especiais

inseridas no programa de estimulação precoce da Escola Especial.

Palavras-Chaves: Estimulação Precoce; Educação Especial, Psicologia Histórico-

Cultural; Desenvolvimento infantil de 0 a 3 anos.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho atende às diretrizes do Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE) oferecido pela Secretaria de Estado da Educação (SEED), a

1 Professora da Rede Pública Estadual do Paraná

2 Doutora em Educação: Psicologia da Educação, Professora Adjunta da Universidade Estadual de Maringá – UEM.

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professores da rede pública estadual de ensino.

O PDE objetiva a formação continuada dos professores da rede pública

estadual de educação do Estado do Paraná, em integração com as Instituições de

Ensino Superior. Este programa oferece várias atividades de estudo na

universidade, programação de projeto de pesquisa, de Produção Didático –

Pedagógica, de GTR (Grupo de Trabalho em Rede), de Seminários, de Projeto de

Implementação do trabalho na escola, reuniões com o professor orientador e para

finalizar, este trabalho, que pretende descrever o desenvolvimento e a aplicação dos

conhecimentos adquiridos durante o curso e a implementação na Escola Dom Jaime

Luiz Coelho – Apae de Mandaguari.

Ao elaborarmos a Produção Didática Pedagógica buscamos elaborar um

material onde o docente possa tê-lo como base para iniciar o estudo da psicologia

Histórico- Cultural, bem como seus pressupostos teóricos. Nosso objetivo maior foi

subsidiar por meio de reflexão teórica a prática docente no que se refere ao trabalho

com estimulação precoce de crianças de 0 a 3 anos com necessidades educacionais

especiais.

A estimulação precoce tem como objetivo evitar ou minimizar os distúrbios do

desenvolvimento neuropsicomotor e possibilitar à criança desenvolver-se em todo o

seu potencial. Nas Diretrizes Educacionais sobre Estimulação Precoce (1995),

conceitua-se como o conjunto dinâmico de atividades, recursos humanos e

ambientais incentivadores que são destinados a proporcionar à criança, nos seus

primeiros anos de vida, experiências significativas para alcançar pleno

desenvolvimento no seu processo evolutivo, centralizando-se nas áreas do

desenvolvimento global da criança: física, motora, cognitiva, sensório-

perceptiva,sócio afetiva, de linguagem, entendendo que ela é um ser completo e

indivisível.

Desenvolvemos, no período do segundo semestre de 2013 ao primeiro

semestre de 2014, atividades que, além de ser um dos requisitos do Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), vieram ao encontro dos anseios e dificuldades

enfrentadas no cotidiano escolar.

Essas atividades consistiram na elaboração de um plano de trabalho; revisão

da literatura; discussão on-line com outros pedagogos da rede estadual de ensino

das mais diversas localidades do Paraná, a partir dos GTR (Grupo de Trabalho em

Rede) e atuação, junto aos professores do estabelecimento de ensino em que

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atuamos, de modo a desencadear discussões sobre o assunto, na busca da

construção do sucesso escolar. Sendo assim, apresentamos os resultados dos

estudos teóricos e das atividades realizadas.

O conhecimento acerca do desenvolvimento infantil e, particularmente, a

importância da estimulação precoce da criança com deficiência é essencial. O

professor precisa apropriar-se desta fundamentação uma vez que, ela será o

suporte para as suas ações do dia a dia junto com as crianças. Torna-se importante

o conhecimento das contribuições da psicologia histórico-cultural para melhor

compreensão da estimulação precoce no desenvolvimento infantil de zero a três

anos.

DESENVOLVIMENTO

O Programa de Educação Infantil - Estimulação Essencial na Escola de

Educação Básica na Modalidade de Educação Especial Dom Jaime Luiz Coelho

atende crianças de 0 a 3 anos, que apresentam atraso no desenvolvimento

neuropsicomotor, síndromes, paralisia cerebral e casos de alto risco (prematuridade,

baixo peso, desnutrição), negligência de cuidados pela família, falta de estimulação,

vulnerabilidade social, econômica, cultural e outros. (BRASIL, 1995).

Tendo em vista a necessidade de um aprofundamento teórico-prático do

corpo docente, bem como, da equipe pedagógica, apresentamos ao grupo os

principais conceitos da Teoria Histórico-Cultural.

No primeiro módulo, abordamos a importância do conhecimento e estudo das

contribuições da psicológica histórico-cultural, para posteriormente, uma melhor

compreensão do papel da estimulação precoce no desenvolvimento infantil de zero

a três anos. Arce e Martins (2009), em seus estudos sobre o desenvolvimento da

criança de zero a três anos, afirmam que a mediação que a criança recebe desde o

nascimento e segue em seus primeiros meses de vida é indispensável.

Para o entendimento do desenvolvimento infantil, foi apresentada no segundo

módulo a importância da periodização do desenvolvimento psicológico na infância,

ressaltando que estes períodos estão relacionados a condições histórico-sociais em

que os indivíduos se desenvolvem desde o nascimento até a vida adulta. (Facci,

2004).

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Para Tuleski (2009), a psicologia Histórico-Cultural está apoiada no

materialismo histórico e dialético, e seus principais representantes são Lev

Semonevich Vigotski, Alex N. Leontiv e Alexander Romanovich Luria, que viveram

na Rússia no início do século XX. Insatisfeitos com os caminhos que psicologia

vinha tomando, romperam com os métodos até então empregados, propondo um

novo entendimento de homem e seu desenvolvimento psíquico. Contrariando as

ideias daquela época, destacavam a psique humana como tendo origem social,

desenvolvendo-se num contexto Histórico-Cultural, pautado nas relações sociais.

Facci (2009) ao estudar o desenvolvimento infantil que se produz em nosso

momento histórico e, comprova, por meio de suas pesquisas, que os pressupostos

apontados por Vigotski, Leontiev e Elkonin continuam atuais. Segundo Facci (2004),

Leontiev e Elkonin, seguindo a linha histórico-cultural iniciada por Vigotski,

desenvolveram as bases de uma psicologia do desenvolvimento humano, o qual é

caracterizado por uma atividade dominante, a partir da qual se estruturam as

relações do individuo com a realidade social.

Para Elkonin (1987, apud FACCI, 2004), o estudo da periodização do

desenvolvimento psicológico na infância é essencial para o entendimento da

psicologia infantil. A compreensão das forças motrizes do desenvolvimento psíquico

passa, necessariamente, pelo estudo dos períodos deste desenvolvimento. Além

disso, por meio do conhecimento da periodização do desenvolvimento psíquico,

podem-se criar estratégias para a organização do sistema educacional em

detrimento a uma periodização elaborada sobre a base do sistema de educação.

Para Facci (2004), Vigotski apresenta um esquema de periodização do

desenvolvimento que vai desde o nascimento até a passagem do indivíduo para o

período da vida adulta, ressaltando que estes períodos estão relacionados a

condições histórico-sociais em que os indivíduos se desenvolvem.

Nesse sentido,

[...] o traço fundamental do psiquismo humano é que este se desenvolve por

meio da atividade social, a qual, por sua vez, tem como traço principal a

mediação por meio de instrumentos que se interpõem entre o sujeito e o

objeto de sua atividade. As funções psicológicas superiores (tipicamente

humanas, tais como a atenção voluntária, memória, abstração,

comportamento intencional etc.) são produtos da atividade cerebral, têm

uma base biológica, mas, fundamentalmente, são resultados da interação

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do indivíduo com o mundo, interação mediada pelos objetos construídos

pelos seres humanos. (FACCI 2004, P.66).

Segundo Elkonin (1987, apud FACCI, 2004, p.67), “os principais estágios de

desenvolvimento pelos quais os sujeitos passam são: comunicação emocional do

bebê; atividade objetal manipulatória; jogo de papéis; atividade de estudo;

comunicação íntima pessoal; atividade profissional/estudo”. Este autor destaca ainda

a comunicação emocional direta dos bebês com o adulto como sendo a principal

atividade para a formação de ações sensório-motoras de manipulação.

Em relação ao primeiro ano de vida da criança Vigotski (1996, apud FACCI,

2004), aponta dois momentos importantes no desenvolvimento do comportamento

da criança. Primeiramente a criança se apresenta biologicamente incapacitada de

assegurar suas necessidades básicas, sendo inteiramente dependente do adulto,

tornando esta relação a principal atividade neste período. O contato da criança com

o meio externo é socialmente mediado pelo adulto.

Em um segundo momento, a relação com o adulto passa a ser objetal-

instrumental, ou seja, o adulto torna-se responsável por mostrar a relação entre a

ação e o objeto. “A comunicação emocional dá lugar a uma colaboração prática. Por

meio da linguagem, a criança mantém contato com o adulto e aprende a manipular

os objetos criados pelos homens, organizando a comunicação e a colaboração com

os adultos.” (FACCI, 2004, p.68).

Na sequência do desenvolvimento infantil, o próximo período corresponde ao

pré-escolar, no qual o jogo e a brincadeira passam a ser a principal atividade.

Seguindo a abordagem da ontogênese humana, nos limitaremos na primeira infância

tendo seu cerne a comunicação emocional direta e atividade objetal manipulatória.

Facci (2004, p.72) considera que para Vigotski, Leontiev e Elkonin “as

atividades são dominantes em determinados períodos e, no período seguinte, não

deixam de existir, mas vão perdendo sua força”. Desse modo a infância assume um

caráter histórico concreto, onde as especificidades de cada idade são socialmente

transformadas.

Facci (2004) conclui em seus estudos que:

Os estágios de desenvolvimento, para esses autores, possuem uma

certa sequência no tempo, mas não são imutáveis. Eles dependem das

condições concretas nas quais ocorre o desenvolvimento. As condições

histórico-sociais concretas exercem influencia tanto sobre o conteúdo

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concreto de um estágio individual do desenvolvimento como sobre o curso

total do processo de desenvolvimento psíquico como um todo. (p.76).

Seguindo a concepção de Vigotski, o desenvolvimento da criança não ocorre

de modo linear e sim num processo dialético, onde a passagem de um período para

outro se realiza pela alternância entre períodos estáveis e períodos de crise, onde a

criança faz novos avanços, apresentando importante progresso em seu

desenvolvimento.

Nesta direção, o autor apresenta as funções psicológicas superiores. São

estas funções segundo Vigotski (1998) que o homem, por meio de experiências e

processos mediados, desenvolvem o controle consciente do comportamento,

atenção e lembrança voluntária, memorização, pensamento abstrato, raciocínio

dedutivo e capacidade de planejamento.

Nesta relação de desenvolvimento e aprendizagem, foi enfatizado o estudo do

conceito de zona de desenvolvimento proximal, a qual é definida por Vigotski como:

...a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (Vigotski, 1998, p.112).

Para Vigotski (1998), as funções psicológicas superiores são o que difere os

seres humanos dos animais, pois esses apresentam apenas funções psicológicas

elementares. Para este autor, a criança ao nascer, possui apenas as funções

psicológicas elementares que são especificamente biológicas, como a atenção

involuntária e a memória imediata. Na interação com o meio social e cultural a

criança vai aprendendo e, consequentemente, desenvolvendo as funções

psicológicas superiores constituindo um produto do desenvolvimento social.

Pasqualini e Ferracioli (2009) destacam sobre as funções psicológicas

superiores proposta por Vigotski, que as mesmas se caracterizam pela introdução

de estímulos que passam a mediar à relação entre estímulos e reações. Esse novo

estímulo é o signo. Os signos e as palavras são para as crianças um meio de

contato social com outras pessoas, facilitando uma função psicológica superior

(atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos, etc.).

Para Vigotski (1987), por volta dos dois anos de idade, a fala da criança torna-

se intelectual, generalizante, com função simbólica, e o pensamento torna-se verbal,

sempre mediado por significados fornecidos pela linguagem. Isso ocorre com a

inserção da criança no meio cultural, interagindo com adultos que já dispõe da

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linguagem estruturada. Portanto, Vigotski destaca que o grupo cultural fornece ao

indivíduo um ambiente estruturado onde os elementos são carregados de significado

cultural.

Segundo Vigotski (1998) todo e qualquer processo de aprendizagem é

ensino-aprendizagem, incluindo aquele que aprende, aquele que ensina e a relação

entre eles. Ele explica esta conexão entre desenvolvimento e aprendizagem através

da zona de desenvolvimento proximal.

Nesse contexto, para Vigotski, não existe somente um nível de

desenvolvimento, mas no mínimo dois: o real e o potencial. Uma criança que ainda

não tem habilidade para realizar determinada função, somente poderá concretizá-la

após ser desafiada para isso e auxiliada na realização, para que então possa fazer

sozinha, ou seja, o desenvolvimento ocorre mediado, e nesse processo de

mediação, é que o professor desempenha seu principal papel, o de mediador.

Baseando-se nos preceitos da psicologia histórico cultural, a apropriação

cultural torna a criança mais segura de suas ações e menos dependente da mãe,

mais sociável e mais firme emocionalmente. Como frisado, a intervenção precoce

tem esse propósito, cujo objetivo é prevenir ou minimizar problemas de

desenvolvimento para crianças de risco, decorrentes de fatores biológicos,

ambientais ou socioculturais.

O espaço de atuação do educador de estimulação precoce se dá no intervalo

entre o nível de desenvolvimento potencial e o real, e que Vigotski (1998)

denominou zona de desenvolvimento proximal, conforme descrito anteriormente. Por

meio dela, podemos dar conta não só dos processos de maturação já completados,

mas também dos processos em vias de desenvolvimento, demonstrando que aquilo

que uma criança pode fazer com assistência hoje poderá fazer sozinha amanhã. A

organização da aprendizagem pelo outro induz o desenvolvimento mental. Trata-se,

pois, de apostar na capacidade da criança, propondo um tipo de trabalho que

considere mais suas qualidades do que seus defeitos.

Por fim, os estudos foram voltados para o processo do desenvolvimento da

criança com deficiência, tendo como referencia as reflexões no artigo de Vigotski

(1995), sobre defectologia, correlacionando com a prática docente no programa de

estimulação precoce com crianças de zero a três anos na educação especial.

Vigotski (1995) ao estudar as anomalias congênitas que afetavam os

processos de socialização das crianças em seu entorno, denominou este campo de

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defectologia. Estes estudos consistiam em demonstrar como a sociedade e a cultura

poderia criar ferramentas e instrumentos que possibilitassem as pessoas com

necessidades especiais superarem as dificuldades em seu processo de inserção

social. Vigotski referiu-se as deficiências como sendo primárias; a qual é ocasionada

pela má formação ou disfunção de algum caractere biológico e ou hereditário e

deficiência secundária; derivada do isolamento das relações sociais e culturais

características do entorno em que cada sujeito se insere.

Vigotski (1995), em seu texto sobre defectologia e o estudo do

desenvolvimento e da educação da criança anormal, indica que a deficiência e a

decorrente educação escolar deparam-se com problemas de natureza muito mais

histórico-social do que de natureza biológica.

Barroco (2007) em sua tese de doutorado nos mostra o modo como Vigotski

conhecia a criança com deficiência. Em seus exames clínicos, preocupava-se muito

mais com a essência da criança do que com sua aparência, com o desenvolvimento

qualitativo do que o quantitativo.

Vigotski ficava atento ao resultado de uma determinada tarefa, mas

atentava-se ainda mais ao modo como a criança solucionara, como se

comportara e o que dissera no processo. Falava, ainda, com os pais da

criança e, então, com os seus professores. Só depois de considerar todos

os dados é que generalizava o material e elaborava conclusões.

(BARROCO, 2007, p. 211).

Vigotski, de acordo com Barroco (2007), não minimizava as dificuldades das

crianças com deficiência, considerando-a como menos desenvolvida, mas as

reconhecia com um desenvolvimento especial.

Segundo Barroco (2007) o cerne central da defectologia defende que

qualquer defeito origina estímulos para a constituição da compensação. Esta

colocação nos faz refletir sobre o nosso papel enquanto mediador no programa de

estimulação precoce na escola especial, onde nosso olhar deve estar voltado para

as potencialidades da criança e não suas limitações. A ação social do ambiente

escolar e a atividade coletiva, numa perspectiva histórico-cultural, é que propicia o

desenvolvimento da criança com deficiência, evidenciando sua condição

essencialmente social.

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METODOLOGIA

A implementação iniciou-se com a formação de um grupo de estudo, com a

finalidade de estudar os pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural. Iniciamos o

trabalho na Escola, apresentando o Projeto de Intervenção Pedagógica à Direção e

Equipe Pedagógica para tomarem conhecimento do tema abordado e em seguida

apresentamos aos demais professores à proposta de trabalho do curso de

capacitação. Situamos os professores quanto aos objetivos do PDE; o tema

pesquisado; os referenciais teóricos que embasaram a compreensão do objeto do

estudo e a base teórica na qual estava sendo respaldado o trabalho. Foi

apresentado, ainda, o plano de trabalho e a proposta de implementação de ações

que seriam realizadas na escola.

O curso contou com carga horária de 32 horas, sendo realizado em quatro

encontros de oito horas com atividade teórico-práticas, as quais foram desenvolvidas

por meio de leitura de textos, vídeos, exposições, debates, pesquisas, confecção de

material, etc. Também foi oferecido aos profissionais da educação do Estado do

Paraná o curso a distância GTR. A avaliação deu-se no decorrer do trabalho,

observando a frequência, participação e envolvimento dos professores nas

atividades propostas.

Com a finalidade de auxiliar o professor nos estudos do título proposto, o mesmo

foi dividido em quatro temas:

1- Concepções da Teoria histórico-cultural

2- Periodização do desenvolvimento psicológico na abordagem histórico

cultural.

3- A formação das funções psicológicas superiores

4- O desenvolvimento da criança de zero a três anos.

RESULTADOS

Para a análise dos resultados foram utilizadas as produções realizadas pelos

professores nos quatro encontros, discussões dos textos, filmes e outros materiais

utilizados na implementação pedagógica e contribuições dos participantes do GTR.

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As análises das avaliações tanto dos estudos realizados no GTR, quanto da

implementação desta unidade didática junto aos professores e equipe Pedagógica

da Escola de Educação Básica na Modalidade de Educação Especial Dom Jaime

Luiz Coelho – Mandaguari- Pr, atendeu as necessidades de um aprofundamento

teórico-prático do corpo docente e equipe pedagógica, onde foram estudados os

principais conceitos da Teoria Histórico-Cultural para uma melhor compreensão do

papel da estimulação precoce no desenvolvimento infantil de zero a três anos.

O referencial teórico da psicologia histórico-cultural norteou as bases do

desenvolvimento do presente trabalho, o qual considera que o ato de aprender deve

ser fundamentado na história dos homens e de suas relações com o meio, com a

organização social e material.

No primeiro encontro, foi abordado o tema Concepções da Teoria histórico-

cultural. A partir da exposição do tema, foi solicitado aos participantes que

relatassem seu conhecimento sobre a Psicologia histórico-cultural, enfatizando o

papel da aprendizagem no desenvolvimento humano e a importância do professor

no processo ensino aprendizagem. Nas discussões realizadas, os professores

relataram seus conhecimentos sobre a Psicologia histórico-cultural, os quais, na sua

maioria, foram adquiridos na formação acadêmica juntamente com outras teorias.

Expressaram ainda a necessidade de uma formação teórica específica sobre o

tema, visto que o mesmo fundamenta o Projeto Politico Pedagógico da escola em

questão.

Já nas discussões sobre o papel da aprendizagem no desenvolvimento

humano, os professores foram categóricos ao afirmaram a importância do professor

como cerne central no processo de ensino e aprendizagem, e o responsável pela

mediação do conhecimento. Mencionaram, ainda, a importância do papel do

professor da programação de estimulação precoce, os quais são responsáveis por

promover espaço de mediações que possibilitem o desenvolvimento de crianças

com lesões e deficiências que impedem e dificultam a conquista esperada para cada

etapa do desenvolvimento infantil. No relato abaixo a professora explicita esta

necessidade:

...o desenvolvimento e a aprendizagem estão relacionados desde o nascimento da

criança onde a aprendizagem promove o desenvolvimento, transformando o

desenvolvimento potencial em desenvolvimento real através da mediação do espaço

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em que este está inserido, ora pela família, ora pela escola, ora pela sociedade. A

escola tem um papel fundamental na mediação em que o professor é o principal

mediador, este com suas intervenções intencionais possibilita ao aluno a

aprendizagem que irá possibilitar o desenvolvimento e a apropriação do

conhecimento. (P.1)3

Percebemos, a partir dos depoimentos dos participantes, que os pressupostos

da psicologia histórico-cultural está sendo apropriado como referencial teórico. Para

Vigotski (1999) a aprendizagem irá promover o desenvolvimento e nesta direção o

outro terá um papel fundamental.

No segundo encontro foi trabalhado o tema Periodização do desenvolvimento

psicológico na abordagem histórico-cultural. Nas discussões, os professores

demonstraram entendimento das influencias histórico-sociais no desenvolvimento

infantil, atentando para a importância da atividade social na formação do psiquismo

humano, como apontado por Facci (2004). No depoimento abaixo, a professora

ressalta a importância do papel do professor para favorecer a apropriação da criança

dos instrumentos culturalmente elaborados, possibilitando o desenvolvimento das

funções psíquicas superiores.

...Com a leitura e reflexão do tema estudado, pude concluir que é de suma

importância a colaboração histórico cultural proposta por Vygotsky e seus

colaboradores no trabalho efetivo educacional. A Psicologia Histórico Cultural vem

nos mostrar que o desenvolvimento humano está pautado nas relações sociais,

sendo elas de grande importância no desenvolvimento global dos nossos

educandos. É através das relações sociais com seus pares e adultos (professor) que

a criança da Estimulação Precoce é estimulada a organizar seus saberes, que antes

estavam em defasagem. Esta relação social precisa ser concretizada no âmbito

escolar, sendo o professor mediador de seus conhecimentos e consequentemente

do seu desenvolvimento. (P.2)

No terceiro encontro o tema central foi. A formação das funções psicológicas

superiores segundo Vgotsky, onde as discussões maiores foram sobre a zona de

3Para identificar as falas e, preservar a identidade dos participantes foi utilizado a abreviação, P.1,

P.2..

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desenvolvimento proximal. Os participantes reconheceram que um dos principais

objetivos da prática do professor no programa de estimulação precoce na escola

especial é a mediação para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores

(sensação, percepção, atenção, memória, linguagem, pensamento, imaginação,

emoções e sentimentos).

O relato abaixo reforça a importância da mediação do professor como

principal instrumento para o desenvolvimento e aprendizado da criança.

... Vygotsky vê a inteligência como habilidade para aprender e aponta para o

fato de que, para compreender adequadamente o desenvolvimento de um individuo,

deve-se considerar o seu nível real e potencial. A zona de desenvolvimento real é a

capacidade que o individuo já adquiriu ao realizar tarefas independentemente.

Denomina como zona de desenvolvimento potencial a capacidade do individuo em

realizar atividades com a ajuda de outra pessoa. A interação dada neste momento é

de fundamental importância para o aprendizado da criança. O conhecimento do que

as crianças são capazes de realizar com ou sem ajuda, o nível em que se

encontram, são essenciais para poder definir o planejamento e avaliar os progressos

das mesmas. O segundo nível de desenvolvimento segundo Vygotsky denomina-se

zona de desenvolvimento proximal, este termo refere-se a distância entre o nível de

desenvolvimento atual até o potencial de desenvolvimento medido através da

solução de problemas com supervisão, ou seja, é o caminho que o individuo vai

percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento, a

ponte para aprendê-la. Vygotsky destaca o papel da educação, enfatizando que a

qualidade das trocas que se dão no plano verbal entre professores e alunos irá

influenciar decisivamente na forma como a pessoa torne mais complexa o seu

pensamento e processa novas informações. (P.3)

No quarto e último encontro, o tema abordado foi. O desenvolvimento da

criança de zero a três anos, enfatizando também o desenvolvimento e a educação

da criança com necessidades especiais. A maior dificuldade relatada por alguns

participantes foi à falta de conhecimento sobre o desenvolvimento infantil, visto que,

mesmo atuando na educação especial, trabalham com jovens e adultos. Os temas

abordados despertaram o interesse pelo estudo contínuo, confirmando a

necessidade de uma formação continuada especifica para as especificidades de

cada estabelecimento de ensino.

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Considerando ainda os depoimentos dos professores e com base na

psicologia histórico-cultural, pode-se afirmar que o homem se constrói nas suas

ralações sociais. Essa afirmação não nega as barreiras que marca biológicas

geradoras de deficiências, a exemplo das lesões cerebrais, síndromes genéticas e

outras, deixam no sujeito. O que se afirma é que o sujeito poderá ter sua deficiência

minimizada ou acentuada, dependendo das condições sociais de existência, como

referência ao princípio da compensação difundido por Vygotsky (1998).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final dos quatro encontros, foi realizada uma avaliação do curso por parte

dos professores cursistas e na sua totalidade afirmaram que o tema dos encontros

foi de suma relevância para o seu trabalho e que, após estes encontros, sentiram-se

mais seguros e eficientes em seus planejamentos e suas aulas.

Pela atenção, comprometimento e aproveitamento dos professores,

percebeu-se que estavam carentes de aprofundamento nos conteúdos e técnicas

para atendimento às crianças de 0 a 3 anos com necessidades especiais, período

compreendido como de estimulação precoce, fundamental para uma inclusão

positiva desta criança no ensino comum e na sociedade. Percebeu-se também que o

aperfeiçoamento contínuo é necessário e que muitos professores, desconheciam o

embasamento teórico do desenvolvimento infantil.

Estes resultados indicam que o professor precisa receber formação

continuada e de qualidade, para melhorar a sua prática educativa em sala de aula.

Deve desenvolver o saber sistematizado, intencional, que implica posicionamentos

politico-pedagógicos, objetivando o ensino dos conteúdos científicos indispensáveis

à formação intelectual dos alunos.

REFERÊNCIAS

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BARRACO, S. M. S. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L.S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a

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