Os desafios de viver da música na era digital

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Deborah Caani No romantismo, viver de mú� sica, poesia e literatura era mais do que uma opção profissional, era um estilo de vida. No século XXI, com a introdução das tecnologias e a facilidade de disseminação dos mais diversos conteúdos, ficou cada vez mais difícil e caro viver da produção cultural e artística, principalmente na área musical. Jovens ainda investem nessa tra� jetória em busca do sucesso, mas tropeçam na questão da pirataria, do download gratuito e do direito autoral na internet. Luciana Pegorer, presidente da Associação Brasileira de Mú� sica Independente (ABMI), é uma das principais interessadas nessa jornada, que novos empreende� dores têm feito para alcançar um lugar privilegiado no mercado de trabalho. “Hoje é possível ao artista sem gravadora atingir seu público e dar início a um trabalho remunerado. Da mesma forma, uma pessoa pode trabalhar com 3 Jornal do Comércio - Porto Alegre Segunda-feira, 27 de janeiro de 2014 JC Empresas & Negócios EMPREENDEDORISMO Os desafios de viver da música na era digital Pirataria, download gratuito e direito autoral estão entre as questões que precisam ser enfrentadas por músicos que querem fazer carreira no século XXI Dias lamenta que ainda não consiga se sustentar só da venda online e merchandising ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC música sem estar empregada em uma grande gravadora, emissora de rádio ou agência de artistas”, conta. Ela explica que, atual� mente, a prestação de serviço no espaço musical abre um leque de oportunidades, como produtores e designers, entre outras. É o caso de Felipe Martil, 32 anos, conhecido como o DJ Yog Kaiser Mars. Formado em teleco� municações, ele decidiu se dedicar ao ramo da vida noturna e entrou no nicho como amador. “Virei produtor de tanto observar e me envolver com os processos gerais das festas”, brinca. Para ele, um dos facilitadores foi a internet: “É a base de todo nosso trabalho. Cap� tação de público e a interação com eles se dão no cruzamento diário de relações públicas e marketing, focado na linguagem das pessoas que queremos frequentando nos� sas festas.” Aos 23 anos, o cantor e compo� sitor Pablo Dias viu na música uma oportunidade de sobreviver e mu� dar o mundo. Desde pequeno, ele sonhava com essa possibilidade e teve apoio da família para buscar esse caminho. “Ouço as pessoas falando que os jovens de hoje não Artistas investem nas plataformas virtuais, que crescem apoiadas em um público ávido por novidades O mercado físico ainda li� dera as vendas de música no Brasil, mas, como os meios di� gitais ocupam cada vez mais lugar de destaque no consumo cultural, artistas e produtores buscam tirar vantagens das no� vas plataformas. “O Youtube já representa um ganho significa� ganho significa� tivo para muitos”, reconhece Luciana Pegorer, presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI). Já outros canais ainda precisam aumen� tar a base de usuários. No caso do iTunes, diz Luciana, isso pode ser conquistado quando for pos� sível comprar música em reais com cartão de crédito nacional. Para a presidente da ABMI, o iTunes é um caso específico em que não há empenho e interesse da Apple em investir na moeda brasileira. Sem falar na mecani� zação do sistema, como coloca o cantor e compositor Pablo Dias : “Acredito que essas ferramentas passam a ser úteis quando o artis� ta não consegue mais suprir a de� manda de pedidos. Por enquanto, ainda consigo dar atenção para quase todas as pessoas que se interessam e se comunicam co� migo pela internet. É muito mais legal comprar um álbum que será enviado diretamente pelo artista do que comprar uma cópia digital em um site famoso”. Em 2013, a Federação Inter� nacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês) divulgou um estudo no qual o mercado di� gital de música teve um aumento de 9% em relação ao ano ante� rior. A carga tributária, segundo Luciana, é um dos responsáveis pelo tímido acréscimo. “Inúmeros impostos em cascata nos tornam pouco competitivos no ramo inter� nacional e, internamente, deixam o produto caro, dando espaço para a pirataria. Tivemos uma grande vitória, ano passado, reduzindo os impostos em cima do produto de música brasileira”, revela. Ape� sar das dificuldades, o mercado musical tem um público especí� fico e que cresce conforme seu ritmo, apoiado em novidades e cada vez mais focado no empre� endedorismo online. Para Luciana, um dos empecilhos é a alta carga tributária ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC têm motivo para rebeldia e, então, não têm inspiração. Discordo, acho que o mundo está longe de ser perfeito. Cresci aprendendo sobre como nosso modo de vida não é sustentável e minhas músicas fa� lam sobre isso”, afirma. No entanto, Dias lamenta que ainda não consiga se sustentar só da venda online e merchandising. “Em termos financeiros? Não, não valeu. Em termos de portas que me foram abertas, sim. Ganho muito pouco dinheiro através de vendas com essas ferramentas, a maior parte da minha receita vem de CDs vendidos pessoalmente”, explica. Martil também concorda que, apesar dos diversos meca� nismos disponíveis pela rede, eles ainda não oferecem um sistema de renda estável. O produtor vê vantagens, como a fragmentação da música e a independência do álbum. “O processo em si eu considero mui� to válido, sem apego ao conceito de que a pessoa precisa escutar o álbum na sua totalidade, na ordem que o artista estipula que deva ser a audição, como aconte� cia até a década passada. A frag� mentação da música, despida de um pacote álbum, existe desde o início da indústria fonográfica, através dos singles. E eu, como DJ, que toco seleções de músicas, e não audições de álbuns, racio� cino justamente dessa forma.” Ligue e assine 0800.051.0133 ou acesse www.jornaldocomercio.com >>FIQUE POR DENTRO DAS DIVERSAS ÁREAS DO DIREITO. JORNAL DA LEI. TODA TERÇA, NO SEU JORNAL DO COMÉRCIO.

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Matéria publicada no caderno Empresas & Negócios do Jornal do Comércio.

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Deborah Cattani

No romantismo, viver de mú�sica, poesia e literatura era mais do que uma opção profissional, era um estilo de vida. No século XXI, com a introdução das tecnologias e a facilidade de disseminação dos mais diversos conteúdos, ficou cada vez mais difícil e caro viver da produção cultural e artística, principalmente na área musical. Jovens ainda investem nessa tra�jetória em busca do sucesso, mas tropeçam na questão da pirataria, do download gratuito e do direito autoral na internet.

Luciana Pegorer, presidente da Associação Brasileira de Mú�sica Independente (ABMI), é uma das principais interessadas nessa jornada, que novos empreende�dores têm feito para alcançar um lugar privilegiado no mercado de trabalho. “Hoje é possível ao artista sem gravadora atingir seu público e dar início a um trabalho remunerado. Da mesma forma, uma pessoa pode trabalhar com

3Jornal do Comércio - Porto Alegre Segunda-feira, 27 de janeiro de 2014JCEmpresas & Negócios

EMPREENDEDORISMO

Os desafios de viver da música na era digitalPirataria, download gratuito e direito autoral estão entre as questões que precisam ser enfrentadas por músicos que querem fazer carreira no século XXI

Dias lamenta que ainda não consiga se sustentar só da venda online e merchandising

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música sem estar empregada em uma grande gravadora, emissora de rádio ou agência de artistas”, conta. Ela explica que, atual�mente, a prestação de serviço no espaço musical abre um leque de oportunidades, como produtores e designers, entre outras.

É o caso de Felipe Martil, 32 anos, conhecido como o DJ Yog Kaiser Mars. Formado em teleco�

municações, ele decidiu se dedicar ao ramo da vida noturna e entrou no nicho como amador. “Virei produtor de tanto observar e me envolver com os processos gerais das festas”, brinca. Para ele, um dos facilitadores foi a internet: “É a base de todo nosso trabalho. Cap�tação de público e a interação com eles se dão no cruzamento diário de relações públicas e marketing,

focado na linguagem das pessoas que queremos frequentando nos�sas festas.”

Aos 23 anos, o cantor e compo�sitor Pablo Dias viu na música uma oportunidade de sobreviver e mu�dar o mundo. Desde pequeno, ele sonhava com essa possibilidade e teve apoio da família para buscar esse caminho. “Ouço as pessoas falando que os jovens de hoje não

Artistas investem nas plataformas virtuais, que crescem apoiadas em um público ávido por novidades O mercado físico ainda li�

dera as vendas de música no Brasil, mas, como os meios di�gitais ocupam cada vez mais lugar de destaque no consumo cultural, artistas e produtores buscam tirar vantagens das no�vas plataformas. “O Youtube já representa um ganho signifi ca�ganho significa�tivo para muitos”, reconhece

Luciana Pegorer, presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI). Já outros canais ainda precisam aumen�tar a base de usuários. No caso do iTunes, diz Luciana, isso pode ser conquistado quando for pos�sível comprar música em reais com cartão de crédito nacional.

Para a presidente da ABMI, o iTunes é um caso específico em que não há empenho e interesse da Apple em investir na moeda brasileira. Sem falar na mecani�zação do sistema, como coloca o cantor e compositor Pablo Dias: “Acredito que essas ferramentas

passam a ser úteis quando o artis�ta não consegue mais suprir a de�manda de pedidos. Por enquanto, ainda consigo dar atenção para quase todas as pessoas que se interessam e se comunicam co�migo pela internet. É muito mais legal comprar um álbum que será enviado diretamente pelo artista do que comprar uma cópia digital em um site famoso”.

Em 2013, a Federação Inter�nacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês) divulgou um estudo no qual o mercado di�gital de música teve um aumento de 9% em relação ao ano ante�

rior. A carga tributária, segundo Luciana, é um dos responsáveis pelo tímido acréscimo. “Inúmeros impostos em cascata nos tornam pouco competitivos no ramo inter�nacional e, internamente, deixam o produto caro, dando espaço para a pirataria. Tivemos uma grande vitória, ano passado, reduzindo os impostos em cima do produto de música brasileira”, revela. Ape�sar das dificuldades, o mercado musical tem um público especí�fico e que cresce conforme seu ritmo, apoiado em novidades e cada vez mais focado no empre�endedorismo online.

Para Luciana, um dos empecilhos é a alta carga tributária

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Ctêm motivo para rebeldia e, então, não têm inspiração. Discordo, acho que o mundo está longe de ser perfeito. Cresci aprendendo sobre como nosso modo de vida não é sustentável e minhas músicas fa�lam sobre isso”, afirma.

No entanto, Dias lamenta que ainda não consiga se sustentar só da venda online e merchandising. “Em termos financeiros? Não, não valeu. Em termos de portas que me foram abertas, sim. Ganho muito pouco dinheiro através de vendas com essas ferramentas, a maior parte da minha receita vem de CDs vendidos pessoalmente”, explica. Martil também concorda que, apesar dos diversos meca�nismos disponíveis pela rede, eles ainda não oferecem um sistema de renda estável.

O produtor vê vantagens, como a fragmentação da música e a independência do álbum. “O processo em si eu considero mui�to válido, sem apego ao conceito de que a pessoa precisa escutar o álbum na sua totalidade, na ordem que o artista estipula que deva ser a audição, como aconte�cia até a década passada. A frag�mentação da música, despida de um pacote álbum, existe desde o início da indústria fonográfica, através dos singles. E eu, como DJ, que toco seleções de músicas, e não audições de álbuns, racio�cino justamente dessa forma.”

Ligue e assine 0800.051.0133 ou acesse www.jornaldocomercio.com

>>FIQUE POR DENTRO DAS DIVERSAS ÁREAS DO DIREITO. JORNAL DA LEI. TODA TERÇA, NO SEU JORNAL DO COMÉRCIO.