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OS DONOS DA FÉ: capelas particulares e aspectos da vida religiosa na América Portuguesa (Minas Gerais, séculos XVIII e XIX) Machado, David Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Laboratório de Utopias Urbanísticas e Experimentais [email protected] RESUMO Este trabalho trata do estudo da história da casa brasileira. A intenção deste artigo foi identificar a necessidade da construção de capelas particulares em propriedades rurais na Região das Minas. Estas capelas permitiram aos moradores do campo que cumprissem suas obrigações semanais de fé, mesmo estando as fazendas localizadas a consideráveis distâncias dos núcleos urbanos. Este hábito se traduziu na edificação de espaços de culto privativos que criaram um aspecto muito peculiar das práticas religiosas coloniais. A criação deste mundo particular de fé exigia autorização especial da Igreja, além da criação de todo o aparato religioso necessário no culto cristão. Contudo, a Igreja impôs certas restrições referentes ao uso destes espaços, principalmente quanto à presença dos escravos. A documentação manuscrita da época permitiu traçar possíveis caminhos trilhados pela Igreja e pelos proprietários rurais para que os moradores do campo cumprissem com suas obrigações diárias com a fé. Palavras-chave: Fazendas Mineiras; Religião; Capela Particular

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OS DONOS DA FÉ: capelas particulares e aspectos da vida religiosa na América Portuguesa (Minas Gerais, séculos XVIII e XIX)

Machado, David

Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Laboratório de Utopias Urbanísticas e Experimentais

[email protected]

RESUMO

Este trabalho trata do estudo da história da casa brasileira. A intenção deste artigo foi identificar a

necessidade da construção de capelas particulares em propriedades rurais na Região das Minas.

Estas capelas permitiram aos moradores do campo que cumprissem suas obrigações semanais de fé,

mesmo estando as fazendas localizadas a consideráveis distâncias dos núcleos urbanos. Este hábito

se traduziu na edificação de espaços de culto privativos que criaram um aspecto muito peculiar das

práticas religiosas coloniais. A criação deste mundo particular de fé exigia autorização especial da

Igreja, além da criação de todo o aparato religioso necessário no culto cristão. Contudo, a Igreja

impôs certas restrições referentes ao uso destes espaços, principalmente quanto à presença dos

escravos. A documentação manuscrita da época permitiu traçar possíveis caminhos trilhados pela

Igreja e pelos proprietários rurais para que os moradores do campo cumprissem com suas obrigações

diárias com a fé.

Palavras-chave: Fazendas Mineiras; Religião; Capela Particular

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1. Introdução

A intenção deste artigo é analisar os hábitos religiosos presentes nas sedes de fazendas

mineiras, edificadas na segunda metade do século XVIII e ampliadas no século XIX,

recuperando práticas cotidianas, bem como representações registradas e elaboradas na

concepção dos espaços. Estes hábitos resultaram na criação de capelas particulares, fruto

de condicionantes religiosos e logísticos típicos do universo cultural conformado na região

das Minas.

Pretende-se identificar estes condicionantes, assim como entender a concepção dos

espaços sagrados resultantes deles, no momento em que a região das Minas vivenciava

uma gradativa reestruturação econômica. A atividade agropecuária passava a

complementar, de certa maneira, a atividade mineradora que, desde a década de 1730, já

mostrava os primeiros sinais de crise (BARBOSA, 1971, p.7). Os exemplares analisados

irão apontar certas particularidades que os tornam importantes exemplares de moradia rural

mineira, principalmente quando associadas a seus proprietários, homens de destaque que

mantiveram relações estreitas com a corte e a quem foram outorgados títulos nobiliárquicos

e patentes militares.

A construção deste mundo nobre no interior da então América Portuguesa resultou na

criação de um patrimônio histórico, artístico e arquitetônico de valor inestimável. Estas

fazendas configuram, hoje, testemunhos históricos que guardam uma significativa parte da

história da região das Minas, ainda pouco conhecida e pouco estudada.

Na tentativa de recuperar as práticas religiosas cotidianas e o gosto em vigor nas Minas no

final do século XVIII e no início dos oitocentos, analisaram-se os inventários e testamentos

deixados pelos proprietários. No Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana,

pesquisaram-se dois documentos referentes à construção de capelas particulares e às

exigências feitas pela Igreja quanto ao uso do espaço. Algumas destas práticas, assim como

as restrições impostas pelas autoridades eclesiásticas, acabaram definindo as feições da

moradia rural mineira nos séculos XVIII e XIX. Para alcançar os objetivos, sempre que

necessário, serão transpostos os limites da região das Minas em busca de documentos,

principalmente da região açucareira, que possam trazer esclarecimentos quanto à

construção e aos usos das capelas particulares. Tanto a região das Minas, quanto a região

açucareira, pertencia à América Portuguesa, portanto estavam condicionadas às mesmas

regras.

Ao longo da pesquisa foi possível identificar certa divergência quanto ao uso dos termos

capela, ermida e oratório. Entre 1821 e 1825, Dom Frei José da Santíssima Trindade, sexto

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bispo da Diocese de Mariana, empreendeu uma extensa e minuciosa visita pastoral por

quase toda a região das Minas. Nas vilas e nos arraiais, o bispo nomeou as edificações

religiosas como igrejas e capelas, de acordo com sua função eclesiástica. No caso de

espaços religiosos edificados em locais ermos, o bispo os denomina de ermida, assim como

em quase todas as propriedades rurais visitadas (TRINDADE, 1998, p.40). Entretanto, os

documentos manuscritos analisados trazem diferentes denominações para o espaço

religioso particular. No caso da fazenda do Rio São João, a autorização da Arquidiocese de

Mariana para celebração de missas trata o espaço como oratório (AEAM, 1810, frente),

enquanto os assentos de batismos, registrados para a mesma propriedade, usa o termo

ermida (CEDEC, 1808/1837, p.68). Já o inventário do Visconde de Caeté, no qual aparece

arrolada a fazenda do Rio São João, herdada por sua esposa, registra uma “casa e capela

com os ornamentos necessários” (MO/CBG, 1841, p.60). Devido às diferentes

denominações possíveis, optou-se por usar o termo capela ao longo deste estudo, para

evitar qualquer tipo de associação com os oratórios portáteis, também muito populares na

Colônia.

2. As obrigações de fé como condição de vida na Colônia

A expansão ocidental do império ultramarino português consolidou-se por meio de um duplo

foco de interesses. Por um lado, a corte ampliava seus domínios territoriais, lançando seus

tentáculos sobre o Novo Mundo, ao mesmo tempo em que a religião católica ganhava novas

almas. Era um momento de instabilidade, no qual era preciso ocupar a terra e converter a

nova gente, com isso, garantindo a hegemonia portuguesa. Este processo de cristianização

fazia parte do programa colonizador português e contava com a ajuda das poderosas

Ordens Religiosas Regulares (SOUZA, 2005, p.33). Jesuítas, Franciscanos, Carmelitas e

Beneditinos foram os quatro grandes pilares da religião católica em território português e se

destacaram em tentar, por todos os meios, transformar a nova terra em parte legítima da

Cristandade (VAIFAS; SOUZA, 2002, p.12).

Entretanto, estas Ordens Religiosas não foram admitidas na região das Minas, sob

acusação de ser responsáveis, sobretudo, pelo extravio do ouro (BOSCHI, 1986, p. 3), o

que favoreceu o surgimento e a proliferação das associações leigas. Por esta razão, as

Irmandades e Ordens Terceiras, a partir do século XVIII, vivenciaram a possibilidade de um

crescimento ímpar. E o pedaço da América Portuguesa, que serviu de cenário para essa

expansão assombrosa foi, não por mera coincidência, a região mais rica de todo o Novo

Mundo em sua época: as Minas de ouro e diamante (PAIVA, 1996, p.127).

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Além de se firmarem como espaços religiosos e de assistência jurídica e material, os grupos

se transformaram em fontes de sociabilidade e festa. De acordo com as análises da vida

cotidiana, feitas por Fritz Teixeira Salles, além dos afazeres diários, a população das Minas

tinha, nas cerimônias do culto, sua ocupação predileta (MATOSO, 2003, p.25). A religião

era, também, divertimento por meio das inúmeras festividades que se desenrolavam ao

longo do ano. A fé tornara-se sinônimo de convívio e estava ligada ao nascimento, ao

casamento e à morte (REIS, 1991, p.84). De acordo com Salles, os atos religiosos não se

resumiam apenas àqueles dos domingos e dias santos. Havia as novenas, promovidas

pelos diferentes grupos religiosos assim como as bênçãos nas tardes de dias comuns. Logo,

os grupos incentivavam e efetivavam a participação da comunidade nos núcleos urbanos,

inclusive para os africanos e seus descendentes, fossem eles escravos ou libertos (SALES,

1963, p.93).

Por isso, pertencer a uma associação leiga era condição de vida na Colônia e representava

a fuga à marginalização. Seguindo a estratificação da sociedade colonial, as irmandades

também se dividiam e se organizavam baseadas na cor da pele e na condição legal, social e

econômica de seus membros. Assim, é possível encontrar associações de brancos, das

classes de dirigentes ou de reinóis, como as poderosas ordens Terceiras de Nossa Senhora

do Carmo e de São Francisco de Assis, as Irmandades do Santíssimo Sacramento, São

Miguel e Almas e Nossa Senhora da Conceição. Irmandades de mulatos, crioulos ou negros

forros, como a Irmandade de Nossa Senhora das Mercês, Nossa Senhora do Amparo e a

Arquiconfraria do Cordão de São Francisco. E por fim, as Irmandades de negros escravos e

negros forros, como Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e Santo Elesbão (SOUZA,

2002, p.18).

E foi neste cenário que os habitantes das Minas praticaram suas obrigações diárias com a

fé. A Igreja determinava que a doutrina cristã estivesse presente em todas as famílias da

Colônia e, principalmente, entre os escravos. Isso incluía a celebração dos sete

Sacramentos, que eram divididos em três categorias, como forma de receber a graça de

Deus e conferir sacralidade a certos momentos da vida cotidiana. Sacramentos da iniciação

cristã: Batismo, Crisma e Eucaristia. Sacramentos da cura: Penitência e Unção dos

Enfermos. Sacramentos ao serviço da comunhão e da missão: Ordem e Matrimônio (VIDE,

1853, p.12).

Portanto, o espaço sagrado deveria estar preparado para os exercícios e cerimônias

religiosas, ao mesmo tempo em que servia de suporte para as obras de arte que prestavam

homenagem aos santos de devoção, instruíam os fiéis sobre a obra de Deus e,

principalmente, contavam as histórias dos diferentes grupos. Este espaço sagrado

enfatizava, ainda, a função da Igreja “catalisadora do etos comunitário, funcionando

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igualmente como eficiente mecanismo de controle social e manutenção da rígida hierarquia

da Igreja militante” (MOTT, 1997, p.159).

Todo este contato com o sobrenatural, que criou a ponte tão necessária entre a vida terrena

e o mundo dos Céus encontrou, no ambiente urbano das Minas, seu campo mais fértil de

desenvolvimento. Entretanto, o rápido crescimento dos núcleos urbanos foi, gradativamente,

sendo seguido pela ocupação dos campos traduzido pela construção de fazendas que se

transformariam, no futuro, em grandes complexos agropecuários. Apesar da distância, as

práticas religiosas não perderam sua força propulsora, parte integrante e inalienável da vida

cristã de cada fiel e encontraram eco na construção e consagração de capelas particulares.

Esta criação de um mundo particular de fé será analisada a seguir.

3. A construção da religiosidade doméstica no isolamento do

campo

O modelo da casa rural mineira não constituiu, em um primeiro momento, em solução

original, desvinculada de seus ancestrais coloniais, previamente testados pelos portugueses

na Região Açucareira e, principalmente, no Planalto de Piratininga. Carlos Lemos lembra

que “Minas é fruta paulista, que levou mais de cem anos para ser colhida” (LEMOS, 1979,

p.76). Tanto o engenho de açúcar quanto o sítio bandeirista, permitiram que seus moradores

mantivessem o convívio diário com a fé cristã. Entretanto, a versão paulista da casa rural

difere da versão da Região Açucareira devido à impressionante repetição de um modelo de

origem espanhola, desenvolvido dentro dos rigores das regras renascentistas (AMARAL,

1981, p.56).

O modelo mais comum de casa rural, no início da ocupação da região mineradora, seguiu,

de certo modo, o modelo adotado pelo sítio bandeirista. Dos primórdios da mineração nada

restou. Entretanto, os exemplares mais antigos que se tem notícia, como é o caso da

fazenda do Manso, nos arredores de Ouro Preto, mostra como as casas rurais, construídas

nessas duas regiões da América Portuguesa, guardavam características semelhantes. O

que mais aproxima os dois modelos é a permanência da faixa fronteira, composta por

varanda entalada entre a capela e o quarto de hóspedes. Esta solução quase sempre se

repete nas sedes de fazenda da região mineradora que, mesmo se apresentando de forma

peculiar, em decorrência do desenvolvimento de uma prática construtiva local, se manteve

vinculada aos modelos que a geraram (MELLO, 1985, p.223).

A implantação das capelas em uma das extremidades da faixa fronteira foi solução

amplamente adotada na colônia. A permanência da faixa fronteira durante quase quatro

séculos de colonização se deve, antes de tudo, à sua importante função de filtro social e as

capelas estavam diretamente ligadas a esta função. A varanda é um espaço intermediário

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entre o mundo exterior e a intimidade do interior da habitação, dominada pela esfera

privada, mais reservada às mulheres e à família. Mesmo tendo sido construídas sob a

mesma cobertura da casa, estas capelas estão estrategicamente fora da área íntima da

moradia. De acordo com a documentação analisada, esta solução teria surgido a partir de

uma exigência da Igreja que impunha a separação do espaço sagrado do espaço profano.

Apesar de escassa, a documentação eclesiástica é bastante clara quanto ao uso destas

capelas. Exemplo disso são os dois únicos documentos existentes no Arquivo Eclesiástico

da Arquidiocese de Mariana, referente às capelas particulares. O Breve de Oratório de 1810,

concedido ao Tenente João da Motta Ribeiro, proprietário da Fazenda do Rio São João, em

Bom Jesus do Amparo, MG (FIG.1), o autoriza a celebrar missa na capela de sua fazenda

contanto que “o tal respectivo oratório esteja em lugar separado de todos os usos

domésticos e por sua causa não resulte prejuízo algum aos direitos da Paróquia” (AEAM,

1810, frente). No mesmo ano, o visitador fez uma inspeção na propriedade de Motta Ribeiro

e deferiu o pedido dizendo:

Certifico que em virtude do mandado, visitei o oratório dos impetrados João

da Motta Ribeiro, sua mulher e filhos. Achei pedra de Ara, cálice e patena

dourado por dentro, missal e os ornamentos de que usa a Igreja. As

imagens estão totalmente separadas dos usos domésticos. Para a

celebração do santo sacrifício da missa falta unicamente a conclusão do

oratório que não só fica muito separado dos usos domésticos e

comunicação profana e que é (ilegível) aos Santos Evangelhos. Fazenda do

Rio de São João, 23 de agosto de 1810 (AEAM, 1810, verso).

De 1789 é o Breve de Oratório, emitido para o Coronel Antônio Brandão de Mello, chefe do

Segundo Regimento de Cavalaria da Comarca de Sabará. O documento era um pedido feito

pelo coronel seguido de uma autorização da Igreja para a celebração de missas em sua

capela particular, localizada em Santa Bárbara. Em 1790, sua residência recebeu a

aprovação do visitador que descreveu o espaço da capela como “separado dos usos

profanos, bem ornado, com pedra de Ara e cálice dourado por dentro” (AEAM, 1789, frente).

A documentação existente no Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Salvador

corrobora com a idéia de que as capelas deveriam estar fora do ambiente doméstico das

residências. Em 1813, o Padre Sebastião Querino de Santa Bárbara e Essa percorreu as

terras da comarca de Ilhéus, a pedido do Arcebispo Metropolitano da Bahia, com o objetivo

de avaliar as condições dos locais de culto. Na Freguesia de Nossa Senhora do Rosário da

Vila de Cairu, o visitador avaliou o Oratório de Luiz Gonzaga, na Fazenda Terra Dura e

disse que “achou o dito Oratório com decência e asseio, separado do uso profano, com

todos os ornamentos precisos para celebração da Santa Missa” (ACAS, 1813, p.4). Na

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residência de João Navarro de Moura, na Povoação do Uma, Freguesia de São Boaventura

de Poxim, ele encontrou um Oratório de Missa dedicado ao Senhor do Bonfim e a Nossa

Senhora da Glória. Achou o dito oratório “decentemente preparado e pronto para a

celebração do Santo Sacrifício da Missa. Estava situado em uma sala separada dos

aposentos da casa, e espaçosa” (ACAS, 1813, p.111).

FIGURA 1: Vista da fachada frontal da Fazenda do Rio São João em Bom Jesus do Amparo, MG. A passagem aberta, logo abaixo da camarinha, leva à entrada da capela que está separada dos usos domésticos da casa. FONTE: Foto de David Prado Machado.

Portanto, é possível dizer que a Igreja Católica desempenhou papel importante na

concepção dos espaços e dos complexos arquitetônicos da propriedade rural na América

Portuguesa. A necessidade de cumprir os ensinamentos de Deus fez com que as fazendas

fossem equipadas com espaços especiais, destinados ao culto e construídos de acordo com

as rígidas regras da Igreja. Tendo em vista a condição de estar fora dos usos domésticos e

profanos das casas, as capelas foram estrategicamente instaladas nas faixas fronteiras das

residências, justapostas a elas ou mesmo isoladas (FIG. 2). Estas tipologias podem ser

encontradas em propriedades rurais de várias regiões da América Portuguesa como nos

engenhos da região açucareira, nas fazendas da região das Minas, nas fazendas de café do

Vale do Paraíba e no sítio bandeirista.

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FIGURA 2: Detalhe da faixa fronteira da Fazenda da Boa Esperança em Belo Vale, MG. A capela se abre para a varanda, estando fora dos usos domésticos e profanos da residência. FONTE: Foto de David Prado Machado.

Tanto a concepção arquitetônica do espaço interno das capelas como o acervo de objetos

de culto e de aparato religioso indicam que estes templos estavam preparados para a

celebração de qualquer ofício religioso, o que poupava os longos deslocamentos até a Igreja

mais próxima. Com isso, a capela da propriedade rural permitia que os moradores do campo

estivessem em dia com o cumprimento de suas obrigações religiosas, inclusive com a

celebração dos sete Sacramentos. A própria Igreja incentivava a construção de tais capelas,

devido às longas distâncias que separavam as fazendas dos núcleos urbanos. Estabelecia

que “nelas lhes administrarão os Santos Sacramentos, pela dificuldade que há em os irem

receber à própria Paróquia” (VIDE, 1853, p.14).

Para administrar o Sacramento do Batismo, a capela deveria estar equipada com pia

batismal de pedra lavrada com tampa e também com armário fechado para os Santos

Óleos, que eram usados tanto nas cerimônias de batismo, quanto na celebração do

Sacramento do Crisma e da Extrema Unção. Estes óleos deveriam ser guardados em

Âmbulas de prata ou estanho (VIDE, 1853, p.28). Estes objetos de culto fizeram parte do

acervo de algumas capelas particulares das Minas, como mostra o Auto de tombamento da

Fazenda do Rio São João, que traz arrolada uma pia batismal com tampa e três Âmbulas de

Santos Óleos, guardadas no Armário (IPHAN, 1973, p.10). Os batizados, por ordem da

Igreja, deveriam ser registrados nos Livros de Assentos de Batismo das Paróquias. E a

capela da Fazenda do Rio São João aparece listada várias vezes nestes registros,

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mostrando como se manteve ativa durante toda a primeira metade do século XIX (CEDEC,

1808/1837, p.68).

O Sacramento da Eucaristia, considerado o mais divino de todos, deveria ser ministrado

pelo menos de oito em oito dias, o que geralmente acontecia aos domingos. Os fiéis

deveriam consumir uma hóstia, em memória a Jesus, como forma de sustento às almas. As

hóstias deveriam ser acondicionadas em Âmbulas de prata, douradas por dentro e por fora e

guardadas dentro de um sacrário, localizado em um altar e sobre uma Pedra de Ara (VIDE,

1853, p.42). Novamente o Auto de Tombamento da Fazenda do Rio São João nos trás os

devidos esclarecimentos, listando uma Âmbula em prata dourada por dentro; um véu de

Âmbula em brocado branco e dourado e um véu de sacrário em brocado branco e dourado.

O retábulo, além de todos os elementos decorativos, era guarnecido de sacrário sobre mesa

do altar e Pedra de Ara. (IPHAN, 1973, p.11).

O Sacramento da Eucaristia deveria ser precedido pelo Sacramento da Penitência, ou

Confissão que, por recomendação da Igreja, era feito pelo menos de oito em oito dias, assim

como nas festas religiosas e dias de júbilo (VIDE, 1853, p. 58). Os confessores eram

sempre obrigados a receber a confissão dentro das Igrejas e nunca fora delas, portanto era

indispensável a presença dos confessionários, móveis litúrgicos geralmente posicionados às

vistas de todos e procurados por muitos para a absolvição dos pecados. Estes móveis

também fizeram parte de algumas capelas particulares, pois aparecem arrolados nos

documentos referentes às capelas da Fazenda do Rio São João (IPHAN, 1973, p.10) e da

Fazenda da Jaguara (MO/CBG, 1843, p. 5).

O Sacramento da Ordem tem função administrativa e confere poder aos sacerdotes para

cumprir os demais sacramentos, o que exigia licença especial da Igreja. Da mesma forma,

os locais de culto também deveriam ser aprovados e precisavam receber as devidas

licenças por meio de Breve Apostólico (VIDE, 1853, p.102). Os únicos documentos

remanescentes no Arquivo de Mariana apontam para esta exigência e revelam que as

capelas haviam sido visitadas e aprovadas e os devidos Breves expedidos para João da

Motta Ribeiro e seus filhos (AEAM, 1809, verso) e para o Tenente Coronel Antônio Brandão

de Mello (AEAM, 1789, verso).

O último dos Sacramentos, instituídos por Cristo, é o do Matrimônio. Além do aparato

religioso necessário para a celebração das missas, como altar, mesa do altar com Pedra de

Ara e sacrário, o sacerdote, responsável pela cerimônia, deveria se vestir com Sobrepeliz,

Estola e Capa de Asperge (VIDE, 1853, p.119). O uso destas alfaias fazia parte do ritual

necessário e exigido pela Igreja para o cumprimento deste preceito. Estas aparecem como

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parte de uma extensa lista, arrolada no Inventário do Vínculo da Jaguara, como parte

integrante do acervo de bens da capela (MO/CBG, 1843, p.5).

Apesar de escassa, a documentação manuscrita que conseguiu resistir à ação do tempo e

dos homens nos trás muitos esclarecimentos sobre os usos destas capelas particulares.

Mostram que mesmo no isolamento dos campos os fiéis tiveram a oportunidade de cumprir

com as obrigações semanais de fé e receberam os devidos ensinamentos sobre a obra de

Deus.

4. A América mestiça: a presença dos escravos nas capelas

particulares

Desde os primórdios da organização da sociedade mineradora, as irmandades de negros

exerceram papel relevante como forma de integração dos escravos e libertos na sociedade

local. Eram lócus de sociabilidade onde a fé poderia ser praticada sem que o sistema

escravista fosse contestado. Nas Minas setecentistas, era importante pertencer a uma

irmandade, sobretudo para os libertos e os livres. Nessa mesma sociedade, estar filiado a

uma Ordem Terceira era sinal de prestígio e status social e significava fazer parte da “elite

social e ser de origem católica incontestável” (SOUZA, 2002, p.162).

Nos arraiais ou nas vilas, havia espaços específicos para a prática religiosa dos diferentes

grupos, como as capelas das Ordens Terceiras, Irmandades e Confrarias que poderiam

abrigar todas as camadas da população. Se esta era a realidade da sociedade mineradora

nos núcleos urbanos, na propriedade rural, apesar dos mesmos valores terem sido

cultivados, as opções se resumiam a um único local de culto, a capela da fazenda.

A própria Igreja Católica na Colônia incentivava a separação dos diferentes grupos. As

Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia estabeleciam que os senhores de

engenho enviassem seus escravos até a Matriz para que cumprissem o Sacramento da

Eucaristia e da Confissão (VIDE, 1853, p. 38). Esta busca pela separação pode ser

percebida no Breve de Oratório concedido à Fazenda do Rio São João. O Bispado de

Mariana concedia a licença para que as missas fossem celebradas na capela da fazenda,

contanto que fossem respeitadas as seguintes condições:

[...] poderão ouvir os mencionados impetrantes João da Motta Ribeiro, sua

mulher, D. Maria de Jesus Teixeira, seus filhos João, Manoel e José

Teixeira da Motta, suas filhas, D. Tereza Mariana e D. Maria de Jesus com

todos os seus parentes consangüíneos, seus familiares que juntamente com

eles habitarem nas mesmas casas, como seus hóspedes nobres, sendo

como se expõem as ditas casas de campo. Com declaração, porém, que os

ditos parentes, familiares e hóspedes nobres somente estando presentes à

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celebração do santo sacrifício da missa os mencionados sete impetrantes,

ou algum deles, possam ouvi-la, mas nunca mandá-la celebrar. E os criados

que no seu serviço não forem necessários sejam obrigados, nos ditos dias,

em cumprimento ao preceito, ouvirem missa nas Igrejas [...].

Esta exigência descartaria a hipótese de que todos os moradores da fazenda,

independentemente da procedência ou etnia, pudessem reunir-se nas capelas e assistir,

simultaneamente, às missas. A documentação analisada não revela que esta regra tenha

sido seguida à risca, mesmo porque a mistura de raças fez com que a sociedade mineira

não se regulasse nem se comportasse segundo os limites das regras escritas (FURTADO,

2003, p.85). Entretanto, o documento revela, pelo menos, uma postura da Igreja perante a

vida religiosa nas propriedades rurais.

Nos documentos manuscritos aparecem indícios de que os escravos, em certos momentos,

tiveram acesso às capelas das fazendas. O Livro de Assentos de Batismo da paróquia de

Caeté trás alguns registros de filhos de escravos que foram batizados na Fazenda do Rio

São João com autorização do Pároco:

Em 19 de fevereiro de 1815 na Ermida de São João do Ten. Cel. João da

Motta Ribeiro, de licença minha, solenemente batizou o Reverendo

Francisco Inácio Xavier a Pedro, párvulo, legítimo filho de José e Maria,

escravos de Joaquim Lopes de Oliveira. Foram os padrinhos Manoel Pereira

da Cruz Moço e Maria Gonçalves da Silva (CEDEC, 1808/1837, p.68).

Em 12 de novembro de 1815 na Ermida de São João do Ten. Cel. João da

Motta Ribeiro, de licença minha, solenemente batizou o Reverendo

Francisco Inácio Xavier a Pedro, párvulo, filho de José e Antônia, escravos

do Alferes Apolinário Martins da Fonseca. Foram padrinhos Silvano e Maria,

escravos de Catharina de Senne (CEDEC, 1808/1837, p.71 verso).

Em 3 de maio de 1816 na Ermida de São João do Ten. Cel. João da Motta

Ribeiro, de licença minha, solenemente batizou o Reverendo Manuel da

Fonseca Coutinho a Heitor, párvulo, filho legítimo de Domingos e Isidora,

escravos de Manoel Machado. Foram padrinhos Manoel Francisco e Anna

Victoria (CEDEC, 1808/1837, p. 77 verso).

Apesar de a documentação trazer algum esclarecimento sobre os usos das capelas

particulares, ainda não foi encontrado nenhum vestígio de que nestas propriedades rurais

mineiras tenham sido construídos espaços de culto destinados exclusivamente aos

escravos. Entretanto, na região açucareira temos alguns indícios de que tais espaços

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existiram, permitindo aos escravos que mantivessem suas práticas religiosas próprias, às

vezes híbridas e marcadamente africanas. Estas possibilidades aparecem na nota do Frei

André de Santa Tereza de Jesus, registrada no Livro dos Guardiões do Convento

Franciscano da Bahia. O Frei descreve o espaço do convento destacando o fato de que:

Fez-se uma capela para os pretos, na cabeceira da senzala, com seu

frontispício guarnecido de festões, forrada de estuque, pintada, com sua

urna, banqueta e um painel de Nossa Senhora da Conceição, que lhe dá a

invocação (WILLEKE, 1976, p.87).

O relato do Frei André revela a impossibilidade de os cativos freqüentarem a Igreja dos

clérigos, situação análoga à da fazenda mineira. Além deste relato, é de grande importância

a produção artística holandesa. O mapa mural do território brasileiro de 1647, atribuído a

Frans Post mostra, entre outros detalhes, um engenho de açúcar e, à sua direita, uma

construção que se assemelha muito com a solução construtiva das senzalas brasileiras

(FIG.3). O partido em “U”, conformando pátio interno, foi comum nas senzalas da região

açucareira e aparece em várias obras do artista. Em um dos cantos nota-se uma pequena

capela com entrada voltada para o interior do pátio.

FIGURA 3: Brasilia Qua Parte Paret Belgis. Pintura atribuída a Frans Post. FONTE: ZANINI, Walter (Org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Inst. Walter Moreira Salles, 1983.

A pintura de Frans Post, na qual se identificam a senzala e sua possível capela particular, foi

reproduzida no livro de Gaspar Barleus e identificada como “habitação dos menos

privilegiados” (VAIFAS, 1997, p.118) (FIG.4). O relato do Frei André, juntamente com as

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imagens mostradas nas Figuras 3 e 4, aponta a possibilidade alcançada pelos escravos de

dispor de um espaço privativo para suas práticas religiosas, mostrando certa liberdade

dentro do sistema escravista.

FIGURA 4: Fluvius Grande (1647). Reprodução da pintura de Frans Post encontrada no livro de Gaspar Barleus. Gravura. São Paulo, Coleção José Mindlin. FONTE: VAINFAS, Ronaldo. Moralidades brasílicas. In: NOVAIS, Fernando (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. – v. 1.

5. Considerações Finais

As capelas particulares erguidas nas fazendas mineiras, muitas vezes, estão

associadas à importância social e política alcançada por seus proprietários. É

possível perceber, ainda, uma constante preocupação com a qualidade e o requinte

dos espaços, principalmente quanto à escolha correta dos artistas, a quem serão

destinados as encomendas das obras de arte e de ornamentação.

A encomenda destas obras na América Portuguesa estava voltada, em sua maior

parte, aos grupos religiosos. Os artistas, quando recebiam a encomenda de uma

Ordem ou Irmandade, deveriam estar dispostos a desenvolver um programa

iconográfico vinculado à história daquele grupo. A criação destes programas seriam

a garantia da identificação imediata com as devoções particulares, fazendo com que

a obra de arte atuasse como meio de instrução.

No caso das propriedades rurais mais abastadas, a ornamentação dos espaços

destinados ao culto poderiam se convergir, também, em símbolos de distinção e

prestígio. Nas capelas particulares o proprietário desfrutava a privilegiada

possibilidade de definir seu próprio programa iconográfico. Poderia montar sua corte

celeste privativa, na qual os santos de maior devoção ocupariam espaço de

destaque. Analisar estes espaços seria como mergulhar na intimidade daquelas

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famílias, cujo perfil o isolamento do campo ajudou a constituir. Entretanto, a

reconstituição deste cotidiano, a partir do espaço religioso particular, pode se

parecer com um quebra-cabeça onde faltam algumas peças, porque, no caso da

propriedade particular os bens móveis como imagens e alfaias poderiam ter sido

trocados, vendidos, herdados e até mesmo roubados. Por outro lado, os testamentos

e inventários, além das pinturas parietais e dos forros, denunciam de forma mais fiel

os caminhos percorridos pelas famílias rurais.

Nestes testemunhos é possível encontrar uma mensagem (PANOFSKY, 1979, p.47),

contida nos programas iconográficos propostos e, a partir dela, tentar a busca por

um caminho. No caso da encomenda particular, o artista se via obrigado a imprimir a

marca de um indivíduo único, entregue ao jogo cambiante das circunstâncias

(HUYGHE, 1989, p.191) e ao mesmo tempo associado à coletividade da qual faz

parte. Nessa leitura do homem surge um mundo experimental no qual podemos

expressar nossa capacidade de associar objetos e eventos (OSTROWER, 2002,

p.21). O resultado, que o tempo milagrosamente preservou, são verdadeiras

“certidões visuais do acontecido, do passado” (PAIVA, 2002, p.14), entretanto, seus

interiores encerram a gramática dos artistas que, muitas vezes, se apropriaram de

um alfabeto de difícil compreensão.

Do intrincado universo religioso existente na América Portuguesa, a capela

particular, erigida nas propriedades rurais e, em alguns casos, nas residências

urbanas, foi o tema que, até então, menos recebeu atenção por parte dos

pesquisadores. Foi peça de apoio aos hábitos religiosos diários de inúmeras

famílias, além de ter funcionado como importante lócus de divulgação da fé cristã.

Por se tratar de um espaço construído dentro de propriedades particulares, a capela

também serviu como forma de expressão da mentalidade coletiva de um grupo que

vivia a certa distância dos núcleos urbanos.

Em contraste à aparente simplicidade construtiva das residências, a capela serviu

como forma de representação do gosto e do requinte de proprietários de fazendas e

pessoas ilustres que contribuíram para a transmissão de valores plásticos e

simbólicos e, muitas vezes, de hábitos e devoções particulares. Era o espaço de

maior requinte da casa e, por várias vezes, eclipsava o trabalho dos mais afamados

artistas, artesãos e mestres da época.

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A casa rural mineira, do mesmo modo que as casas urbanas foram, ao mesmo

tempo, o resultado da adoção de modelos de origem européia e de sua gradativa

adaptação local. Como a região das Minas começou a ser povoada quase dois

séculos após a descoberta das terras portuguesas no Novo Mundo, é possível

verificar a continuidade de práticas construtivas, soluções espaciais e,

principalmente, dos modos de viver derivados da região açucareira, assim como do

Planalto de Piratininga, onde se originou a sociedade bandeirista. Destas raízes

nasceu a casa mineira que, com o passar do tempo, adquiriu feições muito

peculiares.

Para esta análise foi de relevante importância a documentação cartorária

pertencente ao Arquivo do Museu do Ouro/Casa Borba Gato, em Sabará. Este

arquivo forneceu as informações necessárias para ajudar a traçar o perfil dos

fazendeiros, por meio da análise de testamentos e inventários post-mortem.

Documentos eclesiásticos pertencentes à Cúria de Mariana e à Cúria de Belo

Horizonte complementaram as informações a respeito do poder alcançado por esses

homens, além de fornecer informações preciosas a respeito das práticas religiosas

na colônia. A transcrição do documento existente no Arquivo da Cúria

arquidiocesana de Salvador foi gentilmente cedida pelo Prof. Luiz Mott, da

Universidade Federal da Bahia.

Dentre todas as informações obtidas, destacaram-se aquelas que tenham sido as

responsáveis pela distinção. As dimensões das sedes das fazendas podem ter

conferido um status especial a seus donos, assim como a posse de escravos e a

diversificação das atividades econômicas. Estas posses não estavam acessíveis ao

homem comum e foram o resultado do espírito empreendedor destes fazendeiros.

As casas estudadas ostentam capelas particulares ornamentadas por artistas de

reconhecida reputação, constituindo os ambientes de maior requinte da propriedade.

Estes espaços mostram o empenho de seus proprietários em reforçar seu poder -

associando o civil ao religioso - e, principalmente, em repetir atitudes da nobreza

européia que agora se disseminavam pela América Portuguesa.

6. Bibliografia

AMARAL, Araci Abreu. A hispanidade em São Paulo, Da casa rural à capela de Santo

Antônio. São Paulo: Nobel, 1981.

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7. Fontes Manuscritas

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Breve de Oratório de 1809 para João da Motta Ribeiro e seus filhos. Documento Nº 1363.

Breve de Oratório de 1789 para o Tenente Coronel Antônio Brandão de Mello. Documento

Nº 1243.

ACAS – Arquivo da Cúria Arquidiocesana de Salvador

Livro de Devassas das Freguesias da Comarca do Sul – 1813.

CEDEC – Centro de Documentação e Informação da Cúria de Belo Horizonte

Assentos de Batismo Registrados na Paróquia de Caeté. Livro 4 Batizados – 1808 a 1837.

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Regional MG

Auto de Tombamento da Fazenda do Rio São João – 1973.

MO/CBG – Museu do Ouro / Casa Borba Gato – Sabará, MG

Inventário do Vínculo da Jaguara – 1843 - Cartório do 2 Ofício – Caixa 111 – (76)6.

Inventário do Visconde de Caeté - 1841. Maço 21 CS (75) 03.