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DAVID RICARDO PRINCÍPIOS DE ECONOMIA POLÍTICA E TRIBUTAÇÃO Tradução de Paulo Henrique Ribeiro Sandroni Disponibilizado por Ronaldo DartVeiga

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  • DAVID RICARDO

    PRINCPIOS DE ECONOMIAPOLTICA E TRIBUTAO

    Traduo de Paulo Henrique Ribeiro Sandroni

    Disponibilizado por Ronaldo DartVeiga

  • FundadorVICTOR CIVITA

    (1907 - 1991)

    Editora Nova Cultural Ltda.

    Copyright desta edio 1996, Crculo do Livro Ltda.

    Rua Paes Leme, 524 - 10 andarCEP 05424-010 - So Paulo - SP

    Ttulo original:On the Principles of Political Economy and Taxation

    Direitos exclusivos sobre a Apresentao deautoria de Felipe Macedo de Holanda,

    Editora Nova Cultural Ltda., So Paulo

    Direitos exclusivos sobre as tradues deste volume:Crculo do Livro Ltda.

    Impresso e acabamento:DONNELLEY COCHRANE GRFICA E EDITORA BRASIL LTDA.

    DIVISO CRCULO - FONE (55 11) 4191-4633

    ISBN 85-351-0830-0

  • APRESENTAO

    1. Ricardo Um dos fundadores da EconomiaPoltica Clssica

    Um dos maiores economistas de seu tempo, David Ricardo foiconsiderado ainda em vida o legtimo sucessor de Adam Smith no papelde difusor da jovem cincia conhecida como Economia Poltica. Suaobra abrange uma vasta amplitude de temas como, dentre outros, po-ltica monetria, teoria dos lucros, da renda fundiria e da distribuio,teoria do valor e do comrcio internacional, tendo muitas de suas con-tribuies estabelecido as bases de um debate que se prolonga at osdias atuais.

    Sua obra mais conhecida, On The Principles of Political Economyand Taxation, apresentada ao pblico brasileiro neste volume, foi pu-blicada pela primeira vez em 1817, tendo obtido imediato reconheci-mento e recebendo mais trs reedies somente em vida do autor (aedio definitiva veio luz em 1823, ano da morte de Ricardo). Maisdo que em Smith, o mtodo de exposio de Ricardo estabeleceu umareferncia para a nova cincia que perdura at os dias atuais: Ricardomantinha-se em altos nveis de abstrao e procurava dar aos argu-mentos um rigor cientfico prprio de um investigador que est embusca de leis gerais. O rigor lgico e o raciocnio dedutivo (alinhandopremissas gerais antes das concluses) davam consistncia aos argu-mentos, os quais, mesmo dificultando s vezes, desnecessariamente, aclareza da exposio, colocavam Ricardo em enorme vantagem nos de-bates de seu tempo. Principles , ao lado da Riqueza das Naes, deSmith, de O Capital, de Marx, e da Teoria Geral, de Keynes, uma dasobras mais lidas de economia de todos os tempos. Com sua estruturalgica e consistncia interna, pode-se dizer tambm que a obra quemarca o aparecimento da economia como cincia plenamente consti-tuda de objeto e mtodo.

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  • 2. A poca em que viveu Ricardo

    David Ricardo nasceu em Londres em 18 de abril de 1772, filhode um abastado comerciante de origem judaica que havia emigradoda Holanda. Ricardo cresceu no mundo prtico dos negcios, tornou-seoperador da bolsa de valores londrina e, ainda jovem, j era dono deconsidervel fortuna, alm de mover-se com familiaridade no mundodos negcios e das finanas do capitalismo mais avanado de sua poca.A Inglaterra acabava de completar a que ficaria conhecida como aPrimeira Revoluo Industrial, um formidvel processo combinado deavano tecnolgico e de transformaes sociais que tornara autnomaa produo industrial, livrando-a do controle dos produtores diretos(transformando em proletrios os antigos artesos) e do jugo dos in-termedirios do comrcio. O tear mecnico, a tecnologia a vapor, asestradas de ferro e o avano da minerao e da siderurgia as ino-vaes mais importantes do perodo permitiram centralizar a pro-duo das manufaturas, reunindo nas primeiras fbricas modernas osprodutores antes dispersos e mudando radicalmente o equilbrio entrecampo e cidade na Inglaterra. Completava-se o processo de cercamentono campo (os enclousures), com a expulso dos camponeses das antigasterras comunais e sua migrao em massa para os centros urbanos, procura de trabalho, sob durssimas condies e ganhando muitasvezes o estritamente necessrio para subsistir. O ciclo econmico, nestanova fase do capitalismo ingls, tinha vindo para ficar e, de temposem tempos, crises comerciais arrochavam a lucratividade dos empre-srios e traziam o aumento do desemprego, que piorava mais aindaas condies das massas urbanas. claro que tal transformao radicalnos modos de vida no deixaria de produzir muitas revoltas e agitaosocial entre os trabalhadores ingleses. Um dos grandes temas em debatena poca de Ricardo era a misria e o aumento da mortalidade entreclasses trabalhadoras da Inglaterra.

    Do ponto de vista ideolgico, a poca de Ricardo tambm foi mar-cada por uma outra grande revoluo os acontecimentos que resul-taram na Revoluo Francesa de 1789. A bandeira da Igualdade, Li-berdade e Fraternidade, lema do movimento francs que culminou natomada da Bastilha, tinha-se enraizado fundo na mentalidade das elitesilustradas europias. As conquistas do exrcito profissional montadopor Napoleo em toda a Europa eram vistas com simpatia pelas elitesliberais, que ali enxergavam uma luta das novas idias constituciona-listas contra o passado absolutista e aristocrtico. A extenso e a igual-dade dos direitos polticos e civis eram vistas agora por estas elitescomo condio fundamental para a organizao da vida social. O libe-ralismo poltico, sob a forma de democracias constitucionais e parla-mentares, era a forma de organizao social mais adequada ao regime

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  • de livre concorrncia que se inaugurava sob a gide do capitalismoindustrial. Ricardo bebeu profusamente nestas fontes e tornou-se elemesmo um dos maiores defensores do liberalismo, seja no campo davida poltica, seja no campo da economia.

    3. Primeiras contribuies Debates emeconomia monetria

    Em 1799 Ricardo teve o primeiro contato com A Riqueza dasNaes, de Adam Smith, tendo se impressionado profundamente como livro. A partir da ps-se a estudar os temas econmicos com afinco,desenvolvendo uma arguta percepo terica para os problemas quej vivenciara na prtica. Sua primeira participao no debate pblicodeu-se dez anos depois, em 1809, tratando de questes de economiamonetria. O debate era sobre a livre conversibilidade da moeda in-glesa, a possibilidade de converter-se qualquer libra emitida pelo go-verno britnico em ouro, no momento em que se desejasse. Esta con-versibilidade, o pilar do que conhecemos como padro-ouro, estava sus-pensa desde 1797 em funo da desvalorizao das notas em relao cotao do ouro. Ou seja, um processo de inflao, de aumento dospreos das mercadorias em relao unidade monetria, fizera comque o governo suspendesse a garantia no pagamento com ouro de suasprprias notas. Ricardo colocou-se desde o primeiro momento comodefensor da volta da conversibilidade, argumentando que o desliza-mento do valor da moeda provocava quebra de confiana nos contratose favorecia os devedores ociosos e prdigos em detrimento do credorindustrioso e frugal.

    Mas foi na interpretao das causas da inflao que Ricardo trou-xe uma contribuio que permaneceu desde ento presente no debateeconmico. Para Malthus, importante economista da poca e que de-senvolveria intenso debate com Ricardo em outras questes (divergindoquase sempre, embora ambos desfrutassem de uma grande amizade),a causa da inflao estava na elevao dos preos dos cereais, devida ocorrncia de guerras que prejudicavam o abastecimento. Ricardomudou o rumo da discusso ao apontar que a causa do aumento dospreos residia no excesso de emisses de notas pelo Tesouro ingls,que deveria, para restabelecer a paridade, recolher o excesso de pa-pel-moeda na mesma proporo da elevao de preos havida. Formu-lava uma das primeiras verses da Teoria Quantitativa da Moeda segundo a qual o nvel geral de preos guarda estrita proporcionalidadecom a quantidade de bens e servios transacionada na economia e coma quantidade de moeda em circulao, dados os hbitos de pagamentosda comunidade. Esta teoria tem-se mantido de p para algumas ver-tentes da teoria econmica at os dias de hoje e, embora polmica porseus efeitos, serve de base para as doutrinas ortodoxas de combate

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  • inflao. As concluses de Ricardo, melhor expressas em uma novainterveno sob o ttulo de Propostas para um Numerrio Seguro, de1910, serviram de base para a formao do Bullion Comittee, que en-dossaria suas propostas e recomendaria a volta da conversibilidade damoeda o que ocorreu em 1821.

    O regime de padro-ouro serviria de base para os sistemas mo-netrios europeus at a ecloso da Primeira Guerra Mundial. Ricardoafirmava que, sob o padro-ouro, a estabilidade monetria e os fluxosde capitais entre os pases poderiam ser regulados automaticamente,sem a interveno dos governos nacionais, apenas se fossem deixadasoperando as foras de livre mercado. Imagine-se um pas em que porqualquer razo os preos internos estivessem em elevao em relaoao ouro (poderia ser, por exemplo, pela ocorrncia sistemtica de su-pervit na balana comercial, com acmulo do metal e sua desvalori-zao ante os demais bens). Nesta situao, a livre concorrncia pro-piciaria um fluxo de oferta de bens estrangeiros naquele pas, fazendoescoar-se o excesso de ouro atravs das importaes e reequilibrandoos preos internos. A situao oposta, de diminuio de preos internospela escassez de ouro, seria resolvida pelo aumento das exportaes erecuperao do lastro metlico.

    4. O debate sobre as leis do trigo Ricardo escreve os Princpios

    Outro importante debate foi marcado pela participao de Ricardo e nasceu da a redao dos Princpios de Economia Poltica e Tri-butao. A discusso era sobre as Corn Laws, leis inglesas que so-bretaxavam os cereais importados abaixo de determinado nvel de pre-os. O objetivo destas leis era proteger os produtores domsticos decereais da concorrncia externa, fazendo, no entanto, com que os preosde importantes produtos da subsistncia dos trabalhadores inglesesficassem mais caros. A polmica antepunha os industriais e populaesurbanas, de um lado, aos produtores agrcolas e proprietrios de terras,de outro, e Ricardo, ferrenho defensor dos interesses industriais, passoua atacar as Corn Laws. Em seu texto de 1815 intitulado Um EnsaioSobre a Influncia do Baixo Preo do Trigo Sobre os Lucros do Capital,Mostrando a Inconvenincia das Restries Importao, Ricardo de-monstrava que a proteo aos produtores nacionais de cerais menoseficientes fazia aumentar a proporo da renda da terra e dos salrios(que deveriam ser maiores em relao aos preos dos demais bens paraacomodar os preos maiores dos bens da cesta bsica) em relao aoslucros. Esta transferncia de renda dos setores dinmicos para os menoseficientes fazia diminuir a intensidade da acumulao e do crescimentoda economia. A superioridade da argumentao lgica de Ricardo, aindaque no tenha convencido seus opositores (os grandes debates de eco-

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  • nomia dificilmente produzem consensos), reforou a notoriedade do au-tor e o colocou em contato estreito com importantes economistas dapoca, tais como James Mill e Malthus, que o incentivaram decisiva-mente a escrever uma obra que reunisse todo o seu pensamento eco-nmico. Esta obra, uma reelaborao do Ensaio sobre as Corn Laws,transformou-se nos Princpios, a primeira grande sistematizao tericaem economia aps A Riqueza das Naes, de Adam Smith.

    5. Os Princpios de Economia Poltica e Tributao Aobra-mestra de Ricardo

    J no prefcio de Princpios, Ricardo aponta qual era o problemacentral da economia poltica: determinar as leis que regem a distri-buio do produto total da terra entre as trs classes, o proprietrioda terra, o dono do capital necessrio para seu cultivo e os trabalha-dores, que entram com o trabalho para o cultivo da terra.

    Notamos j neste ponto que o problema central de Ricardo divergiado de Adam Smith na Riqueza das Naes. Para este, a questo centralestava em investigar as causas do crescimento das naes, que era a fontede onde provinham os estmulos acumulao de capital. Para Ricardo,a acumulao era um problema relativamente simples, j que era deter-minada pela manuteno das taxas de lucros em determinados patamares,garantindo a reinverso. O problema central era da distribuio do produtototal entre as trs categorias. E os lucros eram vistos como resduos,formados aps a deduo dos custos de produo (a includos os salrios)e da renda da terra. Como se dava a distribuio?

    O esquema de Ricardo utilizava-se da produo agrcola porqueexistiam a, segundo ele, caractersticas especiais que levavam a de-terminar a distribuio nos outros setores. Os salrios eram fixadospelo nvel mnimo necessrio para garantir a subsistncia dos traba-lhadores. Ricardo adotava a teoria de Malthus segundo a qual o salrioapontava para a subsistncia, porque se se elevasse, induziria ao apa-recimento de um nmero maior de trabalhadores (pelo aumento donmero de filhos dos operrios), que faria, atravs da concorrncia, onvel dos salrios baixar novamente at a subsistncia. Do contrrio,um nvel abaixo da subsistncia faria os salrios retornarem ao patamarnatural, pela escassez de trabalhadores que seria causada. E quanto formao da renda da terra? Para Ricardo, a renda da terra devia-se escassez de terras e diferenciao das produtividades entre elas.

    Em uma situao ideal, em que todas as terras cultivadas obtivessema mesma produtividade, no haveria, de acordo com o autor, a formaode uma renda diferenciada na terra. Os lucros seriam simplesmente oresduo do produto aps a deduo dos custos (para simplificar, conside-remos como custos somente a parcela dos salrios). Ocorre que, em umasituao real, a presso populacional exige a ocupao de terras menos

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  • frteis para a produo crescente de alimentos. Suponhamos que todasas terras anteriormente ocupadas tivessem a mesma fertilidade e quea presso populacional exigisse o cultivo de uma nova poro de terrascom qualidade inferior. A produo nesta terra exibir um produtolquido menor (produto total menos os salrios pagos) e, portanto, de-terminar uma taxa de lucro inferior. Como o sistema opera sob con-dies de livre concorrncia, esta nova taxa de juros impor-se- aoresto do sistema. Nas terras de qualidade superior, aparecer agoraum resduo que ser a renda da terra. Com a diminuio do produtolquido, a renda diferenciada da terra nada mais ser do que um pa-gamento efetuado aos proprietrios do recurso escasso, impondo umareduo da mesma magnitude sobre os lucros e diminuindo a taxa deacumulao do sistema (e, portanto, a taxa de investimento, j que,segundo o esquema de Ricardo, so os capitalistas que investem).

    Ficava ento determinado para Ricardo o esquema de distribuioe de determinao da taxa de lucros e do potencial de acumulao.Num esquema de livre concorrncia, a distribuio entre retorno docapital e pagamentos aos proprietrios de terras se dava de acordocom a ocupao das terras. Prosseguindo-se ao limite a ocupao dasterras menos frteis, chegar-se-ia situao em que o produto lquidoextrado da terra de menor fertilidade seria suficiente apenas paracobrir a parcela de custos (o pagamento da subsistncia dos trabalha-dores, no esquema simplificado); em todas as terras de maior fertilidade,seriam geradas rendas diferenciadas de magnitudes crescentes apro-priadas pelos proprietrios de terras, como deduo do produto lquidogerado. A taxa de lucro estaria ento reduzida a um mnimo e o sistemaentraria em estagnao, gerando apenas o suficiente para repor o des-gaste do capital no processo produtivo este era o chamado estadoestacionrio que Ricardo via como produto inevitvel da expanso dosistema. claro que poderiam ocorrer fatos que adiassem momenta-neamente a chegada do estado estacionrio. Era o caso das inovaestecnolgicas na agricultura (fazendo aumentar a produtividade em to-das as terras e barateando a parcela destinada reproduo da classetrabalhadora). Era o caso tambm do comrcio internacional, que po-deria evitar o efeito da ocupao das terras menos frteis com a comprapelo pas de produtos com maior produtividade no exterior, evitando-seassim a rebaixa geral na taxa de lucros. Da o porqu de Ricardo terdefendido com tanto rigor a extino das Corn Laws na Inglaterra.

    6. As Vantagens Comparativas a teoria de comrciointernacional de Ricardo

    Ricardo era um aplicado defensor do liberalismo no comrcio in-ternacional. Como vimos acima, para ele, as transaes entre os paseseram um mecanismo poderoso para infundir nimo aos sistemas eco-

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  • nmicos. Em sua viso, as trocas internacionais seriam vantajosas mesmoem uma situao em que um determinado pas tivesse maior produtividadeque o outro na produo de todas as mercadorias. Ele criou o famosoexemplo do comrcio de tecidos e vinhos entre a Inglaterra e Portugal.Nesta ilustrao, Portugal necessitava de menos horas de trabalho-homempara produzir vinho e tecidos do que a Inglaterra. Mas em Portugal, ocusto de oportunidade para abrir mo da produo de uma unidade devinho a fim de produzir tecidos era maior do que especializar-se na pro-duo de vinho e comprar os tecidos da Inglaterra. Na Inglaterra, o mesmoraciocnio funcionava de maneira simtrica: abrir mo de uma unidadede produo de tecidos era menos eficiente que especializar-se na produode tecidos e comprar o vinho de Portugal. Assim, o comrcio internacionalsob condies de livre concorrncia faria ambos os pases especializarem-sena produo dos bens em que tinham maiores vantagens comparativas,e aumentaria o potencial de acumulao em ambos.

    A teoria das Vantagens Comparativas de Ricardo foi a base paraa construo de toda uma vertente de teorias de comrcio internacionalque dominou por muito tempo o debate econmico. O atraente esquemalgico ricardiano fornecia o substrato para a defesa de um sistema decomrcio mundial ancorado no padro-ouro e no livre-cambismo. Se osistema do padro-ouro recebeu abalo definitivo aps a Primeira GuerraMundial, a teoria das vantagens comparativas ainda tinha muita foraentre os economistas da maioria dos pases na entrada dos anos 50,quando se iniciava a etapa da rpida industrializao nos pases sub-desenvolvidos. E foi com ela que tiveram de dialogar os defensores daindustrializao latino-americana, quando se tratava de demonstrarque seus pases necessitavam industrializar-se ainda que da resul-tasse uma produo menos eficiente que a das indstrias congneresdos pases mais avanados. Para demonstrar o desacerto das proposi-es retiradas do esquema ricardiano de vantagens comparativas, oseconomistas latino-americanos diziam que o universo ricardiano nopodia funcionar perfeitamente nas condies que se apresentavam nastrocas entre os pases centrais e a periferia, porque os pressupostosdo livre-cambismo no ocorriam de maneira perfeita nem os ganhosde produtividade ocorridos nos pases centrais eram repassados aospreos dos produtos (a organizao dos trabalhadores e o monopliodas novas tecnologias faziam reter estes lucros sob a forma de salriosmaiores, lucros extraordinrios ou de repasses ao Estado de Bem-Es-tar), nem na periferia os ganhos de produtividade podiam ser retidosem funo da desorganizao do mercado de trabalho, pela heteroge-neidade entre os setores econmicos, etc. Ainda assim, veja-se que erato hegemnico o esquema ricardiano, que suas crticas mais contun-dentes eram formuladas a partir de dentro da teoria, como casos es-peciais para os quais o universo ricardiano deixava de operar comoesperado.

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  • 7. A teoria do Valor-Trabalho de Ricardo

    Um ltimo ponto do qual nos resta a falar nesta apresentaosobre a obra de Ricardo diz respeito sua teoria do valor. Na tradiode Smith, Ricardo defendia a teoria do valor-trabalho, segundo a qualo valor de todas as mercadorias determinado pela quantidade detrabalho incorporada nelas. o trabalho e no a utilidade ou escassez,segundo a outra vertente de teoria do valor existente na poca, quepode aquilatar o quanto uma mercadoria vale em comparao com asdemais. No a utilidade, segundo Ricardo, porque este atributo deveexistir em toda mercadoria, e a escassez tambm no pode ser o fatorexplicativo, pelo fato de que s importante para definir o preo dealguns bens raros como quadros, jias e determinados vinhos ;no caso das mercadorias produzidas industrialmente, no existir aescassez, desde que se arque com os custos de produzi-las. O trabalho a contribuio efetivamente social do homem sobre as ddivas danatureza e, portanto, a nica fonte real de todo o valor.

    Determinado este ponto, restava a Ricardo resolver algumas im-portantes objees teoria do valor-trabalho que haviam sido enfren-tadas de maneira insuficiente por Adam Smith. A primeira delas diziarespeito incorporao de trabalhos de diferente qualificao e dife-rentes intensidades, tendo que ser reduzidos a um mesmo parmetrode valor. Ricardo apontou para esta questo a engenhosa soluo dotrabalho incorporado, segundo a qual o capital (aqui entendido comomquinas e equipamentos) nada mais do que um somatrio de tra-balhos passados, e que o trabalho qualificado pode ser reduzido a ummltiplo do trabalho simples, se considerarmos que em sua formaoentra tambm trabalho prprio e de outros. A segunda objeo, maisgrave, dizia respeito determinao dos preos relativos a partir doesquema do valor-trabalho. Numa situao em que, por exemplo, flutuasseo valor dos salrios, teramos uma modificao nas relaes de troca,mesmo que as quantidades de trabalho permanecessem invariveis. Ri-cardo respondia a esta objeo com o argumento de que poderia ser pensadauma mercadoria mdia que manteria seu valor, ainda que se modificasseo valor dos salrios. Na mdia, o sistema manteria inalterada a partioentre salrios e lucros pelo princpio da concorrncia. claro que talresposta funcionou de maneira insatisfatria, pois introduzia na teoriauma circularidade: os valores como determinantes ltimos da taxa delucro e os valores como dependentes da taxa de lucro. Esta dificuldadeseria enfrentada com sucesso por Marx em O Capital, ao demonstrar queo trabalho tambm era ele prprio uma mercadoria, mas uma mercadoriade tipo especial, adicionando seu valor integral s mercadorias, mas sendovendido exatamente por seu valor de mercado a quantidade de valor-trabalho necessria para reproduzi-lo.

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  • Uma ltima objeo ainda teria de ser enfrentada por Ricardoem relao sua teoria do valor-trabalho: a questo da determinaode um nvel de preos absoluto, a partir de uma mercadoria que con-tivesse uma medida de valor invarivel, capaz de servir de parmetropara todas as demais. Ricardo apontou o ouro como esta mercadoria,mesmo sabendo que a soluo era insatisfatria. Esta questo teriamuitas outras tentativas de soluo, dentre elas o clebre problemada transformao resolvido por Marx em O Capital (tambm insatis-fatrio, j que tinha que lidar com setores de diferentes relaes ca-pital-trabalho de maneira separada) e tambm por Sraffa em Produode Mercadoria por Meio de Mercadorias, em que ele resolve o problemada transformao atravs de uma srie de equaes simultneas. En-quanto a teoria do valor-utilidade enfocava mais os aspectos individuaisda troca (como o sistema de preferncias que se revelava), a teoria dovalor-trabalho visava mais os aspectos sociais abrindo com isso a pos-sibilidade de visualizar na origem da formao do valor relaes sociaise no a mera troca de preferncias individuais. Com o passar do tempoa discusso sobre a questo da teoria do valor foi perdendo lugar nosdebates em economia, submetida a questes mais prticas e urgentes.

    9. Ricardo Um dos fundadores da teoriaeconmica moderna

    Ricardo foi mais do que um grande terico da economia poltica.Foi, juntamente com Adam Smith, um de seus fundadores. Como homemfortemente vinculado a seu tempo, buscava apresentar solues para osproblemas de sua poca. Em sua maturidade, chegou a se eleger repre-sentante na Cmara dos Comuns britnica, para poder influenciar nosrumos da poltica econmica de seu pas. As solues que apresentou soba forma de contribuies tericas, dentre as quais este livro o exemplomais importante, serviram para modelar a forma como se conduziriamos estudos em economia at os dias de hoje. A obra de Ricardo influenciariadecisivamente as teorias de Marx e de vrios tericos de esquerda, mastambm toda a corrente de economistas marginalistas que surgiria nofinal do sculo 19 e que formaria a base da chamada economia neoclssica,o mainstream da teoria econmica ainda nos dias de hoje.

    Felipe Macedo de Holanda

    Felipe Macedo de Holanda, nascido em1968 no Recife, bacharel em Economiae Cincias Sociais pela Universidade deSo Paulo (USP) e mestrando em Econo-mia pela Universidade Estadual de Cam-pinas (UNICAMP). professor do cursode Economia da Universidade Paulista(UNIP) e economista do Citibank N.A.

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  • BIBLIOGRAFIA

    COUTINHO, Maurcio C. (1993) Lies de Economia Poltica Clssica.Editora Hucitec/Editora da UNICAMP, Campinas, So Paulo.

    DOBB, Maurice (1973) Theories of Value and Distribution Since AdamSmith. Cambridge, Cambridge University Press.

    HUNT, E. K. (1984) Histria do Pensamento Econmico Uma Pers-pectiva Crtica. Rio de Janeiro. Editora Campus.

    MARX, Karl (1983) O Capital. So Paulo, Editora Nova Fronteira.NAPOLEONI, Cludio (1978) Smith, Ricardo e Marx. 2 edio. Rio de

    Janeiro, Edies Graal.RICARDO, David (1988) On The Principles of Political Economy and

    Taxation. The Works and Correspondence of David Ricardo(vol. I). Cambridge, Cambridge University Press.

    SINGER, Paul (1982) Apresentao in Ricardo Princpios de Eco-nomia Poltica e Tributao. So Paulo. Editora Abril.

    SMITH, Adam (1983) A Riqueza das Naes. So Paulo. Editora Abril.SZMRECSNYI, Tams (Org) (1982). Malthus. So Paulo. Editora tica.

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  • PRINCPIOS DE ECONOMIAPOLTICA E TRIBUTAO*

    Traduo de Paulo Henrique Ribeiro Sandroni

    * Traduzido de RICARDO, David. On The Principles of Political Economy and Taxation. Editedby Piero Sraffa, with the collaboration of M. H. Dobb. In: The Works and Correspondence ofDavid Ricardo. Cambridge, At the University Press for the Royal Economic Society, 1970. v.I. (Reimpresso da 1 edio, 1951.) (N. do E.)

  • PREFCIO

    O produto da terra tudo que se obtm de sua superfcie pelaaplicao combinada de trabalho, maquinaria e capital se divideentre trs classes da sociedade, a saber: o proprietrio da terra, o donodo capital necessrio para seu cultivo e os trabalhadores cujos esforosso empregados no seu cultivo.

    Em diferentes estgios da sociedade, no entanto, as proporesdo produto total da terra destinadas a cada uma dessas classes, sobos nomes de renda, lucro e salrio, sero essencialmente diferentes, oque depender principalmente da fertilidade do solo, da acumulaode capital e de populao, e da habilidade, da engenhosidade e dosinstrumentos empregados na agricultura.

    Determinar as leis que regulam essa distribuio a principalquesto da Economia Poltica: embora esta cincia tenha progredidomuito com as obras de Turgot, Stuart, Smith, Say, Sismondi e outros,eles trouxeram muito pouca informao satisfatria a respeito da tra-jetria natural da renda, do lucro e do salrio.

    Em 1815, Malthus, em seu Estudo Sobre a Natureza e o Progressoda Renda, e um membro do University College, de Oxford, em seuEnsaio Sobre a Aplicao do Capital Terra, apresentaram ao mundo,quase ao mesmo tempo, a verdadeira teoria da renda, sem cujo conhe-cimento impossvel entender o efeito do progresso da riqueza sobreos lucros e os salrios, ou ainda acompanhar satisfatoriamente a in-fluncia dos impostos sobre as diferentes classes da sociedade, espe-cialmente quando as mercadorias taxadas so produtos obtidos dire-tamente da superfcie da terra. No tendo examinado corretamente osprincpios da renda, Adam Smith e os outros competentes autores aque fiz aluso no apreenderam muitas verdades importantes, que spodem ser descobertas aps uma perfeita compreenso do problemada renda.

    Para superar essa deficincia, necessrio um talento muito su-perior ao do autor das pginas seguintes. No entanto, aps haver dadoa esse assunto sua melhor ateno com a ajuda encontrada nas

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  • obras dos autores citados e aps a valiosa experincia que os ltimosanos, ricos em acontecimentos, proporcionaram presente gerao ,no se lhe atribuir presuno, assim ele espera, por formular seuspontos de vista sobre as leis que regem os lucros e os salrios, assimcomo sobre a incidncia dos impostos. Se os princpios que ele consideracorretos assim se confirmarem, caber a outros mais capazes desen-volv-los em todas as suas conseqncias importantes.

    Para combater opinies aceitas, o autor julgou necessrio assi-nalar mais particularmente aquelas passagens das obras de AdamSmith com as quais no est de acordo. Mas espera que no se pense,por esse motivo, que ele no participe, juntamente com todos aquelesque reconhecem a importncia da Economia Poltica, da admiraoque com justia desperta a profunda obra desse celebrado autor.

    A mesma observao pode ser feita em relao aos excelentestrabalhos de Say, que, no apenas foi o primeiro, ou um dos primeirosautores continentais que corretamente examinaram e aplicaram osprincpios de Smith, e que fez mais que todos os outros escritorescontinentais reunidos para recomendar s naes da Europa os prin-cpios daquele esclarecido e benfico sistema; mas que, alm disso,conseguiu tambm ordenar a cincia de modo mais lgico e instrutivo,enriquecendo-a ainda com vrias contribuies originais, precisas e pro-fundas.1 No entanto, o respeito que inspiram ao autor os escritos dessecavalheiro no o impediu de comentar, com a liberdade que consideranecessria aos interesses da cincia, as passagens da conomie Poli-tique divergentes de suas idias.

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    1 O captulo XV, Parte Primeira, Des dbouchs, contm, em particular, alguns princpiosmuito importantes, que eu creio terem sido pela primeira vez explicados por esse destacadoautor.** A referncia a 2 edio, de 1814, do Trait dconomie Politique de J. B. Say; o captuloDes dbouchs constava j na 1 edio, de 1803 (Livro Primeiro. Cap. XXII). (N. da Ed.Inglesa.)

  • ADVERTNCIA TERCEIRA EDIO

    Nesta edio, procurei explicar mais detalhadamente do que naanterior minha opinio sobre o difcil tema do Valor, e, com essepropsito, fiz algumas adies ao captulo I. Introduzi tambm umnovo captulo sobre o tema Maquinaria e sobre os efeitos de seuaperfeioamento nos interesses das diferentes classes do Estado. Nocaptulo relativo s Propriedades Distintivas do Valor e da Riqueza,examinei as doutrinas de Say a respeito dessa importante questo,tais como aparecem corrigidas na quarta e ltima edio de sua obra.No ltimo captulo tentei formular, de acordo com um ponto de vistamais firme que antes, a doutrina da capacidade que tem um pas depagar impostos monetrios adicionais, embora o valor monetrio agre-gado da massa de suas mercadorias deva decrescer, quer em conse-qncia da reduo da quantidade de trabalho necessria para a pro-duo nacional de cereais como resultado de melhoramentos emseus cultivos , quer da compra no exterior de um parte de seuscereais, a um preo mais baixo, mediante a exportao de seus manu-faturados. Essa questo tem grande importncia, por associar-se aotema de uma poltica que tende a manter livre a importao de cereaisestrangeiros, especialmente num pas sobrecarregado por elevado im-posto monetrio fixo, resultante de uma imensa Dvida Nacional. Es-forcei-me para mostrar que a capacidade de pagar impostos dependeno do valor monetrio bruto da massa de mercadorias, nem do valormonetrio lquido dos rendimentos dos capitalistas e dos proprietriosde terras, mas do valor monetrio do rendimento de cada homem,comparado com o valor monetrio das mercadorias que ele habitual-mente consome.

    26 de maro de 1821

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  • CAPTULO I

    Sobre o Valor

    Seo I

    O valor de uma mercadoria, ou a quantidade de qualqueroutra pela qual pode ser trocada, depende da quantidade

    relativa de trabalho necessrio para sua produo, e no damaior ou menor remunerao que paga por esse trabalho

    Adam Smith observou quea palavra valor tem dois significados diferentes, expressando,

    algumas vezes, a utilidade de algum objeto particular, e, outrasvezes, o poder de comprar outros bens, conferido pela posse da-quele objeto. O primeiro pode ser chamado valor de uso; o outro,valor de troca. As coisas que tm maior valor de uso, continuaele, tm freqentemente pequeno ou nenhum valor de troca; e,ao contrrio, as que tm maior valor de troca tm pequeno ounenhum valor de uso.2

    A gua e o ar so extremamente teis; so, de fato, indispensveis existncia, embora, em circunstncias normais, nada se possa obterem troca deles. O ouro, ao contrrio, embora de pouca utilidade emcomparao com o ar ou com a gua, poder ser trocado por umagrande quantidade de outros bens.

    A utilidade, portanto, no a medida do valor de troca, emboralhe seja absolutamente essencial. Se um bem no fosse de um certomodo til em outras palavras, se no pudesse contribuir de alguma

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    2 SMITH, Adam. Wealth of Nations, Livro Primeiro. Cap. IV. (N. da Ed. Inglesa.)

  • maneira para a nossa satisfao , seria destitudo de valor de troca,por mais escasso que pudesse ser, ou fosse qual fosse a quantidade detrabalho necessria para produzi-lo.

    Possuindo utilidade, as mercadorias derivam seu valor de trocade duas fontes: de sua escassez e da quantidade de trabalho necessriapara obt-las.

    Algumas mercadorias tm seu valor determinado somente pela es-cassez. Nenhum trabalho pode aumentar a quantidade de tais bens, e,portanto, seu valor no pode ser reduzido pelo aumento da oferta. Algumasesttuas e quadros famosos, livros e moedas raras, vinhos de qualidadepeculiar, que s podem ser feitos com uvas cultivadas em terras especiaisdas quais existe uma quantidade muito limitada, so todos desta espcie.Seu valor totalmente independente da quantidade de trabalho original-mente necessria para produzi-los, e oscila com a modificao da riquezae das preferncias daqueles que desejam possu-los.

    Essas mercadorias, no entanto, so uma parte muito pequenada massa de artigos diariamente trocados no mercado. Sem dvida, amaioria dos bens que so demandados produzida pelo trabalho. Eesses bens podem ser multiplicados no apenas num pas, mas emvrios, quase ilimitadamente, se estivermos dispostos a dedicar-lhes otrabalho necessrio para obt-los.

    Ao falar, portanto, das mercadorias, de seu valor de troca e das leisque regulam seus preos relativos, sempre nos referiremos somente que-las mercadorias cuja quantidade pode ser aumentada pelo exerccio daatividade humana, e em cuja produo a concorrncia atua sem obstculos.

    Nas etapas primitivas da sociedade, o valor de troca de tais mer-cadorias, ou a regra que determina que quantidade de uma deve serdada em troca de outra, depende quase exclusivamente da quantidadecomparativa de trabalho empregada a cada uma.

    O preo real de qualquer coisa, diz Adam Smith, o querealmente custa ao homem que deseja obt-la, a fadiga e oesforo de adquiri-la. O que qualquer coisa realmente vale paraquem a obteve, e que deseja dispor dela ou troc-la por qualqueroutra, a fadiga e o esforo que ela pode poupar-lhe, e que elepode impor a outras pessoas. O trabalho foi o primeiro preo a moeda original que serviu para comprar e pagar todas as coi-sas.3 Mais ainda, Naquele primitivo e rude estado da sociedadeque precede a acumulao do capital e a apropriao da terra,a proporo entre as quantidades de trabalho necessrias paraadquirir diferentes objetos parece a nica circunstncia capaz defornecer uma regra para troc-los um por outro. Se numa naode caadores, por exemplo, caar um castor custa geralmente o

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    3 Id., ibid. Livro Primeiro. Cap. V.

  • dobro do trabalho de abater um gamo, um castor deveria natu-ralmente ser trocado por, ou valer, dois gamos. natural queaquilo que habitualmente o produto do trabalho de dois diasou de duas horas deva valer o dobro daquilo que habitualmenteo produto do trabalho de um dia ou de uma hora.4

    Que este realmente o fundamento do valor de troca de todasas coisas, exceo daquelas que no podem ser multiplicadas pelaatividade humana, eis uma doutrina de extrema importncia na Eco-nomia Poltica; pois de nenhuma outra fonte brotam tantos erros nemtanta diferena de opinio, nesta cincia, quanto das idias confusasque esto associadas palavra valor.

    Se a quantidade de trabalho contida nas mercadorias determinao seu valor de troca, todo acrscimo nessa quantidade de trabalho deveaumentar o valor da mercadoria sobre a qual ela foi aplicada, assimcomo toda diminuio deve reduzi-lo.

    Adam Smith, que definiu com tanta exatido a fonte original dovalor de troca, e que coerentemente teve de sustentar que todas ascoisas se tornam mais ou menos valiosas na proporo do trabalhoempregado para produzi-las, estabeleceu tambm uma outra medida-padro de valor, e se refere a coisas que so mais ou menos valiosassegundo sejam trocadas por maior ou menor quantidade dessa medi-da-padro. Como medida-padro ele se refere algumas vezes ao trigo,outras ao trabalho; no quantidade de trabalho empregada na pro-duo de cada objeto, mas quantidade que este pode comprar nomercado, como se ambas fossem expresses equivalentes e como se,em virtude de se haver tornado duas vezes mais eficiente o trabalhode um homem, podendo este produzir, portanto, o dobro da quantidadede uma mercadoria, devesse esse homem receber, em troca, o dobroda quantidade que antes recebia.

    Se isso fosse verdadeiro, se a remunerao do trabalhador fossesempre proporcional ao que ele produz, a quantidade de trabalho em-pregada numa mercadoria e a quantidade de trabalho que essa mer-cadoria compraria seriam iguais e qualquer delas poderia medir compreciso a variao de outras coisas. Mas no so iguais. A primeira, sob muitas circunstncias, um padro invarivel, que mostra corre-tamente as variaes nas demais coisas. A segunda sujeita a tantasflutuaes quanto as mercadorias que a ela sejam comparadas. AdamSmith, aps haver mostrado habilmente a insuficincia de um meiovarivel, como o ouro e a prata, para a determinao do valor variveldas outras coisas, acabou escolhendo uma medida no menos varivel,ao eleger o trigo ou o trabalho.

    O ouro e a prata, indubitavelmente, esto sujeitos a flutuaes

    RICARDO

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    4 2d., ibid., Cap. VI

  • resultantes da descoberta de minas novas e mais abundantes. Taisdescobertas, no entanto, so raras, e seus efeitos, embora intensos,esto limitados a perodos de durao relativamente curta. Esto aindasujeitos a flutuaes decorrentes de melhoramentos nos mtodos e namaquinaria com que se exploram as minas, pois, em conseqncia deles,se pode obter maior quantidade desses metais com o mesmo trabalho.So sujeitos, alm disso, flutuao gerada pela produo decrescentedas minas, depois que estas, por sucessivas geraes, proporcionaramao mundo seu suprimento. Mas de qual dessas fontes de flutuaoest isento o trigo? No varia, tambm, por um lado, devido ao aper-feioamento na agricultura, na maquinaria e nos implementos utiliza-dos no cultivo, assim como em virtude da descoberta de novas extensesde terras frteis que podem ser cultivadas em outros pases, e queafetaro o valor do trigo em todo o mercado onde seja livre a importao?E no o trigo, por outro lado, sujeito a aumentos de valor decorrentesde proibies de importao, do aumento da populao e da riqueza,e da maior dificuldade para obter uma oferta crescente, considerando-seque o cultivo de terras inferiores exige uma quantidade maior de tra-balho? E no ser o valor do trabalho igualmente varivel, sendo afetadono apenas, como todas as outras coisas, pela proporo entre a ofertae a demanda, que se modifica uniformemente com cada mudana na si-tuao da sociedade, mas tambm pela alterao no preo dos alimentose de outros gneros de primeira necessidade nos quais se gasta o salrio?

    Num mesmo pas, para a produo de uma dada quantidade dealimentos e de outros gneros de primeira necessidade, pode ser exigido,em determinada poca, o dobro do trabalho que seria preciso numapoca anterior, podendo, no entanto, diminuir muito pouco a remune-rao do trabalhador. Se, na primeira poca, o salrio do trabalhadorfosse constitudo por certa quantidade de alimentos e de outros gnerosde primeira necessidade, possivelmente ele no subsistiria, se essaquantidade se reduzisse. Nesse caso, os alimentos e outros gneros deprimeira necessidade teriam encarecido 100%, se fossem avaliados pelaquantidade de trabalho necessria para sua produo, enquanto o au-mento de valor teria sido muito pequeno, se este se medisse pela quan-tidade de trabalho pela qual poderiam ser trocados.

    Observao idntica podemos fazer em relao a dois ou maispases. Na Amrica e na Polnia, nas terras recentemente cultivadas,um ano de trabalho de certo nmero de homens produzir muito maistrigo que numa terra das mesmas caractersticas situada na Inglaterra.Ora, supondo que todos os demais gneros de primeira necessidadesejam igualmente baratos nesses trs pases, no seria um grande erroconcluir que a quantidade de trigo conferida a cada trabalhador seriaproporcional, em cada pas, facilidade de produo?

    Se os sapatos e a roupa do trabalhador pudessem ser produzidos,graas ao aperfeioamento da maquinaria, com um quarto do trabalho

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  • atualmente necessrio para sua fabricao, tornar-se-iam provavelmenteuns 75% mais baratos; mas to improvvel que o trabalhador ficassecapacitado a consumir permanentemente quatro casacos ou quatro paresde sapatos em vez de um, que certamente seus salrios logo seriam ajus-tados, pelo efeito da concorrncia e pelo estmulo ao crescimento popula-cional, aos novos valores dos gneros de primeira necessidade em queso gastos. Se aqueles aperfeioamentos se estendessem a todos os bensconsumidos pelo trabalhador, ao fim de poucos anos o encontraramosprovavelmente gozando de pouca ou nenhuma melhoria, embora o valorde troca daquelas mercadorias comparado com o de outras, em cuja fa-bricao no se introduziu nenhum aperfeioamento, houvesse sofrido con-sidervel reduo, e embora aqueles bens fossem o produto de uma quan-tidade de trabalho consideravelmente reduzida.

    No correto, portanto, dizer, como Adam Smith, que, como otrabalho muitas vezes poder comprar maior quantidade e outras vezesmenor quantidade de bens, o que varia o valor deles e no o dotrabalho que os adquire, e que, portanto, o trabalho, no variandojamais de valor, o nico e definitivo padro real pelo qual o valorde todas as mercadorias pode ser comparado e estimado em todos ostempos e em todos os lugares. Mas correto dizer, como dissera an-teriormente Adam Smith, que a proporo entre as quantidades detrabalho necessrias para adquirir diferentes objetos parece ser a nicacircunstncia capaz de oferecer alguma regra para troc-los uns pelosoutros, ou, em outras palavras, que a quantidade comparativa de mer-cadorias que o trabalho produzir que determina o valor relativodelas, presente ou passado, e no as quantidades comparativas de mer-cadorias que so entregues ao trabalhador em troca de seu trabalho.

    Duas mercadorias variam em valor relativo, e desejamos saberem qual delas a variao realmente ocorreu. Se compararmos o atualvalor de uma delas com sapatos, meias, chapus, ferro, acar e todasas outras mercadorias, veremos que ela pode ser trocada exatamentepela mesma quantidade daqueles bens pela qual se trocava anterior-mente. Se compararmos a outra com essas mesmas mercadorias, ve-rificaremos que variou em relao a todas elas. Podemos, ento, comgrande probabilidade, inferir que a variao ocorreu nesta mercadoriae no naquelas com as quais a comparamos. Se, ao examinar aindamais detalhadamente todas as circunstncias ligadas produo dessasmercadorias, observamos que precisamente a mesma quantidade detrabalho e de capital necessria para a confeco de sapatos, meias,chapus, ferro, ao, acar etc., mas que no necessria a mesmaquantidade que antes para produzir a nica mercadoria cujo valorrelativo se alterou, a probabilidade se transforma em certeza, e podemosestar seguros de que a variao ocorreu naquela nica mercadoria.Ento, descobriremos tambm a causa da sua variao.

    Se verifico que uma ona de ouro pode ser trocada por uma quan-

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  • tidade menor de todas as mercadorias acima mencionadas e de muitasoutras, e se, alm disso, observo que, pela descoberta de uma mina novae mais rica, ou pelo emprego de maquinaria mais eficiente, uma dadaquantidade de ouro pode ser obtida com menor quantidade de trabalho,podemos dizer, com razo, que a causa da mudana no valor do ouro,relativamente a outras mercadorias, foi a maior facilidade de produzi-loou a menor quantidade de trabalho necessrio para obt-lo. Igualmente,se o valor do trabalho diminusse consideravelmente em relao a todasas outras coisas, e se descobrssemos que essa diminuio resultava deuma nova oferta abundante, estimulada pela grande facilidade com queeram produzidos o trigo e todos os outros gneros de primeira necessidadepara o trabalhador, penso que seria correto afirmar que o valor do trigoe dos outros bens necessrios diminuiu por causa da menor quantidadede trabalho necessria para produzi-los, e que essa maior facilidade parasuprir o sustento do trabalhador ocasionou uma reduo do valor do tra-balho. No, dizem Adam Smith e Malthus:5 no caso do ouro, voc estavacerto, considerando sua variao como uma queda de seu valor, porqueo trigo e o trabalho no variavam; e, como o ouro comprava uma menorquantidade deles, assim como de outras coisas, era correto dizer que todasestas estacionaram e que somente o ouro variou. Mas, quando o valor dotrigo e do trabalho diminuiu coisas que selecionamos como medida-padro de valor apesar de todas as variaes s quais, como sabemos,esto sujeitas , seria muito imprprio dizer a mesma coisa. Corretoseria dizer que o trigo e o trabalho permaneceram estacionrios, e quetodas as demais coisas tiveram seu valor aumentado.

    contra essa afirmao que agora protesto. Observo que, preci-samente como no caso do ouro, a causa da variao entre o trigo eoutros bens a menor quantidade de trabalho requerida para produzi-loe, logicamente, sou obrigado a considerar essa variao do trigo e dotrabalho uma reduo em seu valor, e no elevao do valor das coisascom as quais foram comparados. Se contrato um trabalhador por umasemana, pagando-lhe 8 xelins em vez de 10, no ocorrendo nenhumavariao no valor do dinheiro, o trabalhador provavelmente poderconseguir mais alimentos e outros gneros de primeira necessidadecom seus 8 xelins do que antes obtinha com 10. Isso, no entanto, nose deve a um aumento real de seu salrio, como afirmou Adam Smith,e, mais recentemente Malthus, porm a uma reduo do valor dosbens em que gasta o seu salrio coisas perfeitamente distintas.Contudo, se chamo a isso uma queda real no valor do salrio, dizemque adoto uma linguagem nova e incomum, irreconcilivel com os ver-dadeiros princpios da cincia.6 A mim me parece, no entanto, que alinguagem inusitada, e, de fato, inconsistente a dos meus opositores.

    Suponhamos que um trabalhador receba 1 bushel de trigo comopagamento de uma semana de trabalho, quando o preo do cereal

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    5 MALTHUS, Robert. Principles of Political Economy. Cap. II. (N. da Ed. Inglesa.)6 Ibid., cap. III, se. VIII. (N. da Ed. Inglesa.)

  • de 80 xelins cada quarter7, e que se lhe pague 1 1/4 bushel quando opreo cai a 40 xelins. Suponhamos ainda que ele consuma 1/2 bushelde trigo por semana em sua casa, e que troque o resto por outros bens,tais como combustveis, sabo, velas, ch, acar, sal etc., etc. Se os3/4 de bushel que lhe sobram, num caso, no lhe proporcionam o mesmovolume daquelas mercadorias que lhe proporcionava 1/2 bushel, nooutro caso, ter o trabalho aumentado ou diminudo em valor? Au-mentado, deveria dizer Adam Smith, j que seu padro o trigo, e otrabalhador recebe mais trigo por uma semana de trabalho. Dimi-nudo, deveria dizer o mesmo Adam Smith, porque o valor de umacoisa depende do poder de compra de outros bens que a posse desseobjeto confere, e o trabalho tem um menor poder de adquirir essesoutros bens.

    Seo II

    Trabalhos de diferentes qualidades so remuneradosdiferentemente. Isso no causa de variao no valor

    relativo das mercadorias

    Ao referir-me, porm, ao trabalho como fundamento de todo valor eda quantidade relativa de trabalho como determinante quase exclusivo dovalor relativo das mercadorias, no se deve supor que negligencio as dife-rentes qualidades de trabalho nem a dificuldade de comparar uma horaou um dia de trabalho, numa atividade, com a mesma durao do trabalhoem outra. A estimativa do valor de diferentes qualidades de trabalho seajusta rapidamente no mercado, com suficiente preciso para todos os finsprticos, e depende muito da habilidade comparativa do trabalhador e daintensidade do trabalho realizado. Uma vez constituda, essa escala ficasujeita a poucas variaes. Se um dia de trabalho de um joalheiro valemais que um dia de trabalho de um trabalhador comum, esta relao foih muito tempo ajustada e colocada na devida posio na escala da valores8.

    Ao comparar, portanto, o valor da mesma mercadoria em diferentes

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    7 Bushel e quarter, como aparecero nas pginas seguintes, so medidas inglesas de capacidade paracereais, sendo o primeiro equivalente a 36,367 litros e o segundo a oito vezes mais. (N. do E.)

    8 "Mas, embora o trabalho seja a medida real do valor de troca de todas as mercadorias, no por ele que esse valor comumente estimado. Em geral, difcil verificar a proporo entreduas quantidades de trabalho. O mesmo tempo gasto em duas diferentes classes de tarefasnem sempre bastar para determinar aquela proporo. Os diferentes graus de esforo e dehabilidade devem ser levados em conta. Pode haver mais trabalho numa hora de atividadepenosa do que em duas horas de atividade fcil, ou numa hora de dedicao a um ofcio quese leva dez anos de esforo para aprender, do que num ms de trabalho numa atividadecomum e simples. Mas no fcil encontrar uma medida precisa tanto para o esforo quantopara a habilidade. Quando se trocam, de fato, os diferentes produtos de diferentes tipos detrabalho, alguma concesso feita entre ambos. Tal ajuste, entretanto, no se processa poruma medida precisa, mas pelo regateio e pela barganha que se operam no mercado, segundoaquela classe rudimentar de igualdade, que, embora no seja exata, basta para conduzir osnegcios na vida cotidiana". SMITH, A. Op. cit. Livro Primeiro. Cap. X.** A passagem acima encontra-se na realidade no Livro Primeiro, cap.V; no entanto, nocaptulo X, Smith desenvolve uma longa discusso sobre o mesmo tema. (N. da Ed. Inglesa.)

  • perodos, raramente ser necessrio levar em conta a habilidade com-parativa e a intensidade do trabalho exigidas para a sua produo,pois esses fatores operam igualmente em ambos os perodos. Compa-rando a descrio do trabalho realizado numa poca com idntica des-crio do trabalho realizado em outra, se 1/10, 1/5 ou 1/4 for adicionadoou suprimido, ser provocado um efeito proporcional a essa causa novalor relativo da mercadoria.

    Se uma pea de l valer hoje duas peas de linho, e se, dentrode dez anos, o valor de uma pea de l alcanar quatro peas de linho,poderemos com certeza concluir que ser necessrio mais trabalho parafabricar o pano, ou menos para fabricar as peas de linho, ou aindaque ambas as causas influram.

    Como a pesquisa, para a qual pretendo chamar a ateno doleitor, se refere ao efeito das variaes no valor relativo das mercadorias,e no no seu valor absoluto, ser pouco relevante examinar o graucomparativo de valorao dos diferentes tipos de trabalho. Podemos,pois, concluir justamente que, qualquer que tenha sido a desigualdadeoriginal entre eles, qualquer que tenha sido a engenhosidade, a habi-lidade ou o tempo necessrio para adquirir destreza num tipo de tra-balho manual mais do que em outro, tal desigualdade se mantm apro-ximadamente a mesma de uma para outra gerao; ou, pelo menos, avariao muito pequena de um ano para outro, e portanto pode afetarmuito pouco, a curto prazo, o valor relativo das mercadorias.

    A proporo entre diferentes taxas de salrios e de lucros em di-ferentes empregos de trabalho e de capital parece no ser muito afetada,como j foi observado, pela riqueza, pela pobreza ou pelo estado pro-gressivo, estacionrio ou decadente da sociedade. Tais revolues nobem-estar social, embora afetem as taxas gerais de salrios e de lucros,acabam, finalmente, por afet-las de modo igual em todas as diferentesatividades. A proporo entre elas deve portanto permanecer a mesma,no podendo ser expressivamente alterada, ao menos por um prazoconsidervel, por nenhuma dessas revolues.9

    Seo III

    No s o trabalho aplicado diretamente s mercadoriasafeta o seu valor, mas tambm o trabalho gasto em

    implementos, ferramentas e edifcios que contribuempara sua execuo

    Mesmo10 no estgio primitivo ao qual se refere Adam Smith,

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    9 SMITH, A. Op. cit. Livro Primeiro. Cap. X.10 As 1 e 2 edies comeam este pargrafo com uma passagem adicional: Pode-se ver, pela

    citao da Riqueza das Naes que fiz na Seo I, que, embora Adam Smith reconheaplenamente o princpio de que as propores entre as quantidades de trabalho necessrio

  • algum capital, embora possivelmente fabricado e acumulado pelo pr-prio caador, seria necessrio para capacit-lo a matar sua presa. Semuma arma, nem o castor nem o gamo poderia ser morto. Portanto, ovalor desses animais deveria ser regulado no apenas pelo tempo epelo trabalho necessrios sua captura, mas tambm pelo tempo epelo trabalho necessrios produo do capital do caador: a arma,com a ajuda da qual a caa se realizava.

    Suponhamos que a arma necessria para matar o castor fosse pro-duzida com muito mais trabalho que a arma necessria para matar ogamo, por causa da maior dificuldade de se aproximar do primeiro animal,e da conseqente necessidade de uma arma mais precisa. Um castor valerianaturalmente mais do que dois gamos, justamente porque, no total, maistrabalho seria exigido para mat-lo. Ou imaginemos que a mesma quan-tidade de trabalho fosse requerida para fabricar as duas armas, que teriam,no entanto, durabilidade muito diferente. Somente uma pequena parcelado valor do instrumento mais durvel seria transferida para a mercadoria,enquanto uma poro muito maior do valor do instrumento menos durvelseria adicionada mercadoria produzida com seu auxlio.

    Todos os implementos necessrios para caar o castor e o gamopoderiam pertencer a uma classe de homens, sendo o trabalho empregadona caa fornecido por outra classe. Ainda assim, os seus preos compa-rativos seriam proporcionais ao trabalho efetivamente consumido, tantona formao do capital como no abate dos animais. Em diferentes cir-cunstncias de abundncia ou de escassez de capital, quando este com-parado com o trabalho, em diferentes circunstncias de abundncia oude escassez de alimentos e de outros gneros de primeira necessidadeexigidos pelo homem, aqueles que forneceram um igual valor de capitalpara uma ou para outra atividade devem receber 1/2, 1/4 ou 1/8 do produtoobtido, pagando-se o restante como salrios queles que forneceram otrabalho. E mesmo esta diviso no afetaria o valor relativo daquelasmercadorias, porque, se os lucros do capital fossem maiores ou menores,correspondendo a 50, 20 ou 10%, ou se os salrios fossem altos ou baixos,ambas as atividades seriam igualmente afetadas.

    O mesmo princpio continuaria vlido se imaginarmos ampliadas

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    para adquirir objetos diferentes sejam a nica circunstncia que pode proporcionar umaregra para a nossa troca de um por outro, ele limita, no entanto, a aplicao desse princpioquele primitivo e rude estado da sociedade que antecede tanto a acumulao de capitalcomo a apropriao da terra; como se, quando tiverem de ser pagos lucros e renda daterra, estes tivessem alguma influncia sobre o valor relativo das mercadorias. Adam Smith, no entanto, no analisou em lugar algum os efeitos da acumulao decapital e da apropriao da terra sobre o valor relativo. importante, todavia, determinarem que medida os efeitos reconhecidamente produzidos sobre o valor de troca das mer-cadorias pela quantidade comparativa de trabalho empregado na sua produo somodificados ou alterados pela acumulao de capital e pagamento da renda da terra. Primeiro, em relao acumulao de capital. Mesmo etc. Esse Primeiro deve ser relacionado frase Resta considerar, no entanto, que abreo captulo Sobre a Renda da Terra, p. 34.

  • as atividades da sociedade, de tal modo que uns fornecem as canoase os instrumentos necessrios pesca, e outros a semente e a maqui-naria rudimentar inicialmente usada na agricultura: o valor de trocadas mercadorias produzidas seria proporcional ao trabalho dedicado sua produo no somente produo imediata, mas tambm fabricao de todos aqueles implementos ou mquinas necessrios realizao do trabalho prprio ao qual foram aplicados.

    Se considerarmos um estgio da sociedade no qual grandes pro-gressos j foram realizados, e no qual florescem as artes e o comrcio,observaremos que o valor das mercadorias tambm varia segundo esteprincpio: ao estimar o valor de troca das meias, por exemplo, descobri-remos que o seu valor, comparado com o de outras coisas, depende daquantidade total de trabalho necessria para fabric-las e lan-las nomercado. Primeiro, h o trabalho necessrio para cultivar a terra na qualcresce o algodo; segundo, o trabalho de levar o algodo ao lugar em queas meias so fabricadas no que se inclui o trabalho de construo dobarco no qual se faz o transporte e que includo no frete dos bens ;terceiro, o trabalho do fiandeiro e do tecelo; quarto, uma parte do trabalhodo engenheiro, do ferreiro e do carpinteiro que construram os prdios ea maquinaria usados na produo; quinto, o trabalho do varejista e demuitos outros que no vem ao caso mencionar. A soma de todas essasvrias espcies de trabalho determina a quantidade de outras coisas pelasquais as meias sero trocadas, enquanto a mesma considerao das vriasquantidades de trabalho utilizado nesses outros bens determinar igual-mente a poro deles que se dar em troca das meias.

    Para convencer-nos de que este o verdadeiro fundamento dovalor de troca, imaginemos algum progresso nos meios de reduzir tra-balho, num dos vrios processos pelos quais passa o algodo bruto,antes que as meias cheguem ao mercado para serem trocadas por outrasmercadorias; e observemos os efeitos que se seguiro. Se for necessrioum nmero menor de homens para cultivar o algodo, ou de mari-nheiros para o transporte de navios, ou de operrios para construir obarco no qual o algodo trazido; se for empregado um nmero menorde trabalhadores na construo das edificaes e da maquinaria, ouse estes forem mais eficientes as meias tero inevitavelmente menorvalor e, portanto, compraro menor quantidade de outros bens. Elastero menor valor porque foi necessria menor quantidade de trabalhopara produzi-las, e, conseqentemente, sero trocadas por menor quan-tidade de mercadorias no afetadas por semelhante reduo de trabalho.

    A reduo na utilizao de trabalho sempre reduz o valor relativode uma mercadoria, seja tal reduo realizada no trabalho necessriopara produzir a prpria mercadoria, seja no trabalho necessrio para aformao do capital que contribui para a sua produo. Em ambos oscasos, o preo das meias diminuiria, fosse porque se empregasse um n-mero menor de homens no alveamento, na fiao ou na tecelagem, na

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  • qualidade de operrios diretamente necessrios sua produo; ou, comomarinheiros, engenheiros e ferreiros, na qualidade de trabalhadores liga-dos mais indiretamente ao fabrico daquele produto. No primeiro caso,toda a economia de trabalho se refletiria nas meias, pois a poro detrabalho poupada destinava-se inteiramente a elas; no segundo, somenteuma parcela do que se economizou afetaria as meias, correspondendo obenefcio restante a todas as demais mercadorias em cuja produo fossemutilizadas as edificaes, a maquinaria e os meios de transporte.

    Suponhamos que, nos estgios primitivos da sociedade, o arco eas flechas do caador tivessem o mesmo valor e a mesma durabilidadeque a canoa e os instrumentos do pescador, sendo ambos produzidoscom a mesma quantidade de trabalho. Em tais circunstncias, o valordo gamo, produto de um dia de trabalho do caador, seria exatamenteigual ao valor do peixe capturado num dia de trabalho do pescador.O valor comparativo do peixe e da caa seria inteiramente reguladopela quantidade de trabalho destinada a cada um, independentementeda quantidade produzida, ou dos salrios ou lucros altos ou baixos.Se, por exemplo, as canoas e implementos do pescador valessem 100libras e a sua durao fosse estimada em dez anos, e se o pescadorempregasse dez trabalhadores, que recebessem 100 libras anuais porseu trabalho e capturassem vinte salmes por dia; se as armas utili-zadas pelo caador tambm valessem 100 libras e tivessem a duraoestimada em dez anos, e se o caador tambm empregasse dez traba-lhadores, que recebessem 100 libras anuais e matassem dez gamospor dia; ento, o preo natural de um gamo seria de dois salmes,qualquer que fosse grande ou pequena a proporo do produtototal destinada aos trabalhadores que o obtiveram. Aquilo que se pa-gasse como salrio teria a mxima importncia em relao aos lucros,pois, evidentemente, estes ltimos seriam altos ou baixos, exatamentena proporo em que os primeiros fossem baixos ou altos. Isso, noentanto, no afetaria em nada o valor relativo do peixe e da caa, umavez que os salrios seriam simultaneamente altos ou baixos nas duasatividades. Se o caador alegasse estar pagando uma grande parcela, ouo valor de uma grande parcela de sua caa como salrios para induziro pescador a entregar-lhe mais peixes em troca de sua caa , este res-ponderia que era igualmente afetado pela mesma causa. Portanto, sobquaisquer variaes de salrios e de lucros, e sejam quais forem os efeitosda acumulao de capital, enquanto for possvel obter, com um dia detrabalho, a mesma quantidade de peixe e a mesma quantidade de caa,a relao natural de troca ser de um gamo por dois salmes.

    Se, com a mesma quantidade de trabalho, se obtivesse menor quan-tidade de peixe, ou maior quantidade de caa, o valor do peixe aumentariaem comparao com o da caa. Se, ao contrrio, com a mesma quantidadede trabalho se conseguisse menor quantidade de caa ou maior de peixe,a caa se tornaria mais cara em comparao com o peixe.

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  • Se houvesse alguma mercadoria de valor invarivel, poderamosverificar, comparando seu valor ao do peixe e ao da caa, quanto davariao deveria ser atribudo causa que afetou o valor do peixe, equanto causa que afetou o valor da caa.

    Suponhamos que o dinheiro fosse essa mercadoria. Se um salmovalesse 1 libra e um gamo 2 libras, um gamo valeria dois salmes.Mas o gamo poderia passar a valer trs salmes, se mais trabalhofosse necessrio para ca-lo, ou menos para capturar o peixe, ou,ainda, se essas duas causas operassem ao mesmo tempo. Se tivssemosum padro invarivel, poderamos facilmente verificar em que medidacada uma dessas causas influiu. Se o salmo continuasse a ser vendidopor 1 libra enquanto o gamo aumentasse para 3 libras, concluiramosque mais trabalho foi exigido para caar o gamo. Se este continuassecom o mesmo preo de 2 libras e o salmo fosse vendido por 18 s. 4d.,11 poderamos dizer que menos trabalho foi necessrio para pescaro salmo. Finalmente, se o gamo aumentasse para 2 10 s., e o salmobaixasse para 16 s. 8 d., poderamos afirmar que ambas as causasteriam infludo na alterao do valor relativo daquelas mercadorias.

    Nenhuma alterao nos salrios poderia produzir alguma mu-dana no valor relativo de tais mercadorias. Supondo que eles aumen-tem, nenhuma quantidade maior de trabalho ser necessria em qual-quer dessas atividades: apenas o trabalho ser pago a um preo maiselevado, e as mesmas razes que levariam o caador e o pescador atentar um aumento no valor de sua caa e de seu peixe levariam oproprietrio da mina a elevar o valor de seu ouro. Se este estmuloatuar com a mesma intensidade em todas as trs atividades, e sendoidntica a situao das pessoas nelas envolvidas antes e depois doaumento salarial, o valor relativo da caa, do peixe e do ouro ficariainalterado. Os salrios podem aumentar 20% e os lucros, conseqen-temente, diminuir numa proporo maior ou menor, sem ocasionar amenor alterao no valor relativo daquelas mercadorias.

    Suponhamos agora que, com a mesma quantidade de trabalho ecom o mesmo capital fixo, fosse possvel obter mais peixe, mas nomaior quantidade de ouro ou de caa: o valor relativo do peixe dimi-nuiria em comparao com o ouro ou com a caa. Se, em vez de vintesalmes, fossem produzidos vinte e cinco, num dia de trabalho, o preodo salmo seria 16 xelins em vez de 1 libra, e dois salmes e meio,em vez de dois, seriam trocados por um gamo, cujo preo, no entanto,continuaria sendo 2 libras, como anteriormente. Do mesmo modo, sefosse obtido menor nmero de peixes com o mesmo capital e o mesmotrabalho, o valor comparativo do peixe aumentaria. O peixe, portanto,teria seu valor de troca aumentado ou diminudo somente porque maisou menos trabalho seria necessrio para pesc-lo; e esse valor jamais

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    11 Unidade monetria inglesa, a libra () subdividia-se ento em 20 xelins (s.) e cada xelim,por sua vez, subdividia-se em 12 pence (d). (N. do Ed.)

  • poderia aumentar ou diminuir alm da proporo em que a quantidadede trabalho necessrio aumentasse ou diminusse.

    Se, portanto, tivssemos um padro invarivel, pelo qual puds-semos medir as variaes ocorridas nas outras mercadorias, veramosque o limite extremo at o qual elas poderiam aumentar desde queproduzidas nas circunstncias supostas seria proporcional quan-tidade adicional de trabalho requerida para sua produo; e, a menosque fosse exigida uma quantidade maior de trabalho para produzi-las,no poderiam sofrer nenhum aumento. Um aumento de salrios noelevaria seu valor monetrio, nem em relao a quaisquer outras mer-cadorias cuja produo no exigisse nenhuma quantidade adicional detrabalho, e que utilizassem a mesma proporo de capital fixo deidntica durabilidade e de capital circulante. Se fosse necessriomais ou menos trabalho para a produo de outra mercadoria, issoimediatamente ocasionaria, como j dissemos, uma alterao em seuvalor relativo, mas essa alterao se deveria mudana na quantidadede trabalho requerida para produzi-la, e no ao aumento de salrios.

    Seo IV

    O princpio de que a quantidade de trabalho empregadana produo de mercadorias regula seu valor relativo

    consideravelmente modificado pelo emprego de maquinariae de outros capitais fixos e durveis

    Na seo anterior, supusemos que os implementos e armas ne-cessrios para capturar o gamo e o salmo tinham igual durao eresultavam da mesma quantidade de trabalho; vimos, ainda, que asvariaes no valor relativo do gamo e do salmo dependiam unicamentedas diferentes quantidades de trabalho necessrias para obt-los. Mas,em cada estgio da sociedade, as ferramentas, implementos, edificaese maquinaria empregados em diferentes atividades podem ter vriosgraus de durabilidade e exigir diferentes quantidades de trabalho parasua produo. Alm disso, as propores entre o capital empregadopara sustentar o trabalho e o que investido em ferramentas, maqui-naria e edificaes podem combinar-se de vrias formas. Essa diferenano grau de durabilidade do capital fixo e as variaes nas proporesem que se podem combinar os dois tipos de capital introduzem outracausa, alm da maior ou menor quantidade de trabalho necessria produo de mercadorias, das variaes do valor relativo das mesmas:esta causa o aumento ou reduo do valor do trabalho.

    Os alimentos e as roupas consumidas pelo trabalhador, o edifcioem que ele trabalha e os instrumentos com os quais sua atividade realizada, so todos de natureza perecvel. Existe, no entanto, umagrande diferena no tempo de durao desses diferentes capitais: umamquina a vapor durar mais do que um navio, um navio mais do

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  • que a roupa do trabalhador, e a roupa do trabalhador mais do que oalimento que ele consome.

    Dependendo da rapidez com que perea, e a freqncia com queprecise ser reproduzido, ou segundo a lentido com que se consome, ocapital classificado como capital circulante ou fixo.12 Um fabricantede cerveja, cujas edificaes e maquinaria tm grande valor e so du-rveis, emprega uma grande parcela de capital fixo. Ao contrrio, umsapateiro, cujo capital principalmente empregado no pagamento desalrios, que so gastos em alimentos e em roupas, mercadorias maisperecveis que edifcios e maquinaria, utiliza uma grande proporode seu capital como capital circulante.

    Devemos considerar tambm que o capital circulante pode girar,ou voltar quele que o aplica, em perodos muito desiguais. O trigocomprado por um lavrador para semente um capital fixo em compa-rao com aquele comprado pelo padeiro para fazer po. O primeirolana-o terra e no obtm nenhum retorno durante um ano; o segundopode transform-lo em farinha, vend-lo como po a seus fregueses e,em uma semana, ter seu capital livre para repetir o que fez ou comeara utiliz-lo de outra forma.

    Portanto, duas atividades podem utilizar o mesmo montante decapital, mas este pode ser dividido de modo muito diferente entre aparte fixa e a circulante.

    Existem atividades em que se emprega muito pouco capital cir-culante, isto , capital utilizado na manuteno do trabalho, realizan-do-se os investimentos principalmente em maquinaria, implementos,edificaes etc. capital de carter comparativamente fixo e durvel.Noutra atividade, pode utilizar-se a mesma soma de capital, que serutilizado basicamente para a manuteno do trabalho, investindo-seapenas uma pequena parte em implementos, mquinas e edificaes.Um aumento nos salrios no pode deixar de afetar desigualmentemercadorias produzidas em circunstncias to diferentes.

    Por outro lado, dois industriais podem empregar o mesmo montantede capital fixo e de capital circulante, sendo muito desigual, no entanto,a durabilidade dos seus capitais fixos. Um pode ter mquinas a vaporcujo valor de 10 mil libras, e o outro igual valor em embarcaes.

    Se os homens no empregassem maquinaria na produo, massomente trabalho, e se demorassem o mesmo tempo at colocarem seusprodutos no mercado, o valor de troca de seus produtos seria exatamenteproporcional quantidade de trabalho consumida.

    Se eles empregassem capital fixo de idntico valor e durabilidade,os valores das mercadorias produzidas tambm seriam iguais, e va-riariam somente com a maior ou menor quantidade de trabalho em-pregada na sua produo.

    No entanto, embora mercadorias produzidas em circunstncias

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    12 Diviso no essencial, e cuja linha de demarcao no pode ser precisamente traada.

  • idnticas no variassem uma em relao outra, a no ser em virtudedo aumento ou da reduo da quantidade de trabalho necessria paraproduzir uma ou outra, se forem comparadas com outras mercadoriasno produzidas com a mesma quantidade proporcional de capital fixo,elas variariam por outra causa que mencionei anteriormente, a saber:um aumento no valor do trabalho, ainda que nem mais nem menostrabalho tenha sido empregado na produo de qualquer delas. A cevadae a aveia continuariam a ter a mesma relao entre si, qualquer queseja a variao dos salrios. Produtos de algodo e tecidos de l tambmcontinuariam, se ambos fossem produzidos em circunstncias idnticas.Mas ocorrendo aumento ou reduo de salrios, a cevada teria maiorou menor valor quando comparada com os produtos de algodo, e aaveia quando comparada com os tecidos de l.

    Suponhamos que dois homens empreguem 100 trabalhadorescada um, por um ano, na fabricao de duas mquinas, e que outrohomem empregue o mesmo nmero no cultivo de trigo: no fim do ano,cada mquina valer o mesmo que o trigo, pois foram produzidos coma mesma quantidade de trabalho. Suponhamos agora que o proprietriode uma das mquinas a utiliza, no ano seguinte, com o auxlio de 100trabalhadores, na produo de tecidos de l, e o dono da outra mquina,igualmente com o auxlio de 100 trabalhadores, a emprega na produode artigos de algodo, enquanto o lavrador continua empregando 100trabalhadores no cultivo do trigo. Durante o segundo ano, todos elestero empregado a mesma quantidade de trabalho, mas os produtose a mquina do fabricante de tecidos de l, assim como os do fabricantede artigos de algodo, tero resultado do trabalho de 200 homens em-pregados por um ano; ou melhor, do trabalho de 100 homens durantedois anos, enquanto o trigo ter sido produzido pelo trabalho de 200homens em um ano. Conseqentemente, se o trigo valer 500 libras, amquina e os produtos do fabricante de tecidos devero valer juntos1 000 libras, enquanto a mquina e os produtos do fabricante de artigosde algodo deveriam valer tambm o dobro do trigo. Mas esses produtos,na realidade, tero mais que o dobro do valor do trigo, pois o lucro docapital do fabricante de tecidos de l e do fabricante de produtos dealgodo, correspondente ao primeiro ano, ter sido acrescentado aosseus capitais, enquanto o do agricultor foi gasto e desfrutado. Levan-do-se em conta, portanto, os diferentes graus de durabilidade dos seuscapitais, ou, o que a mesma coisa, o tempo que deve transcorrerantes que um conjunto de mercadorias possa chegar ao mercado, osprodutos tero valor no na exata proporo da quantidade de trabalhogasto na sua produo: eles no estaro na proporo de 2 para 1,13

    mas numa proporo um pouco superior, para compensar o prazo maiorque deve transcorrer at que o produto de maior valor chegue ao mercado.

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    13 Ricardo faz referncia ao exemplo anterior em que a mquina e o produto do fabricantede tecidos e a mquina e os produtos do fabricante de artigos de algodo valiam duasvezes mais do que o trigo. (N. do T.)

  • Suponhamos que cada trabalhador tenha recebido 50 libras porano, isto , que tenha sido empregado um capital de 5 mil libras eque os lucros tenham sido de 10%, o valor de cada uma das mquinas,assim como do cereal, no fim do primeiro ano, seria de 5 500 libras.No segundo ano, os fabricantes e o agricultor gastaro novamente 5mil libras cada um, para a manuteno do trabalho e, portanto, tornaroa vender seus produtos por 5 500 libras. Contudo, para equiparar-seao agricultor, os homens que utilizaram mquinas devero obter noapenas 5 500 libras pelos capitais de 5 mil libras gastos com o trabalho,mas ainda uma soma adicional de 550 libras correspondente ao lucrosobre 5 500 libras investidas na maquinaria. Conseqentemente, elesdevero vender seus produtos por 6 050 libras. Nesse caso, portanto,os capitalistas empregaram exatamente a mesma quantidade anualde trabalho na produo de suas mercadorias, mas os bens produzidosdiferem em valor por causa das diferentes quantidades de capital fixo,ou trabalho acumulado, empregadas respectivamente por cada um. Otecido de l e os produtos de algodo tm o mesmo valor por seremproduzidos com idnticas quantidades de trabalho e de capital fixo. Otrigo, no entanto, no tem o mesmo valor que essas mercadorias, pois produzido, no que se refere ao capital fixo, em circunstncias diferentes.

    Mas como seria afetado o valor relativo desses produtos por umaumento no valor do trabalho? evidente que os valores relativos dotecido e dos produtos de algodo no sofrero qualquer mudana, poisaquilo que afeta um deve afetar tambm o outro, nas circunstnciasconsideradas. Os valores relativos do trigo e da cevada tambm nosofreriam nenhuma alterao, uma vez que ambos so produzidos sobas mesmas circunstncias, no que respeita ao capital circulante e aocapital fixo. No entanto, o valor relativo do trigo, quando comparadocom o do tecido de l ou com o dos produtos de algodo, dever seralterado por um encarecimento do trabalho.

    No pode haver um aumento no valor do trabalho sem uma di-minuio nos lucros. Se o trigo tiver de ser dividido entre o agricultor(arrendatrio) e o trabalhador, quanto maior for a parcela dada aoltimo, menor ser a que sobrar para o primeiro. Da mesma forma,se o tecido de l ou o produto de algodo for dividido entre o operrioe seu empregador, quanto maior a parte dada ao primeiro, menos res-tar para o ltimo. Suponhamos ento que, em conseqncia de umaumento nos salrios, os lucros diminuam de 10 para 9%: em vez deacrescentar 550 libras ao preo normal de seus produtos (5 500 libras)a ttulo de lucros de seu capital fixo, os fabricantes adicionariam apenas9% daquela soma, ou 495 libras, e, conseqentemente, o preo seriade 5 995 libras, em vez de 6 050 libras. Como o trigo continuaria aser vendido a 5 500 libras, os produtos manufaturados, nos quais seempregou mais capital fixo, diminuiriam em relao ao trigo ou a qual-quer outro produto no qual se usou menor poro de capital fixo. O

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  • grau de variao no valor relativo dos produtos, como resultado de umencarecimento ou barateamento do trabalho, depender da proporoem que o capital fixo participar do capital total. Todas as mercadoriasproduzidas com maquinaria de grande valor, ou em edificaes muitovaliosas ou que devam demorar longo tempo at serem lanadas nomercado, diminuiro seu valor relativo, enquanto aumentaro o detodas aquelas produzidas principalmente com o trabalho, ou que possamser rapidamente lanadas no mercado.

    O leitor, entretanto, deve notar que essa causa de variao dovalor das mercadorias comparativamente pequena nos seus efeitos.Com um aumento de salrios capaz de provocar uma queda de 1% noslucros, as mercadorias produzidas nas circunstncias que supus irovariar apenas 1% em valor relativo: sua reduo ser to grande quantoa dos lucros, passando de 6 050 libras para 5 995 libras. Os maioresefeitos que poderiam ser produzidos nos preos de tais produtos, porum aumento de salrios, no deveriam exceder a 6 ou 7%, pois oslucros provavelmente no poderiam, em nenhuma circunstncias su-portar uma queda geral e permanente maior do que essa.

    O mesmo no acontece com a outra grande causa de variao novalor relativo das mercadorias, a saber: o aumento ou diminuio naquantidade de trabalho necessrio para produzi-las. Se, para produziro trigo, fossem necessrios 80 trabalhadores em vez de 100, o valordo trigo diminuiria 20%, passando de 5 500 libras para 4 400 libras.Se, para produzir o pano, em vez de 100 bastasse o trabalho de 80trabalhadores, o mesmo diminuiria de 6 050 libras para 4 950 libras.Uma alterao de qualquer magnitude na taxa corrente de lucro efeito de causas que somente operam ao longo de anos, enquanto al-teraes na quantidade de trabalho necessrio para produzir as mer-cadorias ocorrem diariamente. Todo melhoramento na maquinaria, nasferramentas, nas edificaes e na obteno de matrias-primas poupatrabalho, permitindo-nos produzir mais facilmente a mercadoria qualse aplicou a melhoria e, em conseqncia, o seu valor se altera. Aoavaliar, portanto, as causas das variaes no valor das mercadorias,seria errneo omitir totalmente o efeito produzido pelo encarecimentoou barateamento do trabalho, mas seria igualmente errneo atribuir-lhemuita importncia. Assim, embora apenas ocasionalmente mencioneessa causa na parte restante desta obra, considerarei todas as grandesvariaes que ocorrem no valor relativo das mercadorias como sendoproduzidas pela maior ou menor quantidade de trabalho que, em pocasdiferentes, seja necessria para produzi-las.

    No preciso acrescentar que as mercadorias que tm a mesmaquantidade de trabalho gasta em sua produo tero valores de trocadiferentes, se no puderem ser lanadas no mercado ao mesmo tempo.

    Suponhamos que eu empregue 20 trabalhadores, com o dispndioanual de 1 000 libras para produzir uma mercadoria, e que, no fim

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  • desse perodo, empregue novamente 20 trabalhadores por mais umano, com dispndio de 1 000 libras, para o acabamento ou melhoramentoda mesma mercadoria. Suponhamos ainda que ao cabo de dois anos,eu a lance no mercado. Se o lucro for de 10%, meu produto deve servendido por 2 310 libras, pois empreguei 1 000 libras de capital porum ano e 2 100 libras por mais um ano. Outro homem emprega exa-tamente a mesma quantidade de trabalho, mas a emprega toda nomesmo ano, utilizando 40 trabalhadores, com um dispndio de 2 000libras, e vendendo a mercadoria, ao fim do perodo, com 10% de lucro,ou seja, a 2 200 libras. Temos, nesse caso, duas mercadorias produzidascom a mesma quantidade de trabalho, uma das quais vendida por2 310 libras e a outra por 2 200 libras.

    Esse caso parece diferir do anterior, mas, de fato, o mesmo. Emambos os casos, o preo superior de uma mercadoria se deve ao maiorprazo que deve transcorrer at que se possa lan-la no mercado. Noprimeiro, a maquinaria e o tecido valiam mais que o dobro do trigo, emborahouvessem absorvido apenas o dobro da quantidade de trabalho. No se-gundo, uma mercadoria vale mais que outra, apesar de no se haverempregado mais trabalho em sua produo. A diferena de valor surge,em ambos os casos, dos lucros acumulados como capital, e apenas umajusta compensao pelo tempo em que os lucros permaneceram retidos.

    Parece, portanto, que a diviso do capital em diferentes proporesde capital fixo e circulante, empregada em diferentes atividades, introduzuma considervel modificao na regra, de aplicao universal quando seemprega quase exclusivamente trabalho na produo: as mercadorias ja-mais variaro de valor, a menos que maior ou menor quantidade de tra-balho seja necessria para a sua produo. Nesta seo, demonstrou-seque, sendo invarivel a quantidade de trabalho, o aumento do seu valorocasionar simplesmente uma diminuio no valor de troca das merca-dorias em cuja produo se emprega capital fixo; e que, quanto maior foro montante de capital fixo, maior ser essa diminuio.

    Seo V

    O princpio de que o valor no varia com o aumento oucom a queda de salrios modificado tambm pela desigual

    durabilidade do capital e pela desigual rapidez de seuretorno ao aplicador

    Na ltima seo supusemos que dois capitais iguais aplicadosem duas diferentes atividades mantinham desiguais propores de ca-pital fixo e circulante. Suponhamos agora que essas propores sejamas mesmas, porm que a durabilidade seja desigual. Quanto menosdurvel for o capital fixo, mais se aproximar da natureza do capitalcirculante: ser consumido e seu valor reproduzido num prazo mais

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  • curto, para que seja reconstitudo o capital do fabricante. Acabamosde ver que, na medida em que o capital fixo prepondera em uma in-dstria, o valor das mercadorias ali produzidas ser, em caso de au-mento de salrios, relativamente menor que o daquelas fabricadas emindstrias onde prepondera o capital circulante. Na medida em que ocapital fixo for menos durvel e se aproximar da natureza do capitalcirculante, o mesmo efeito ser produzido pela mesma causa.

    Se o capital fixo no for de natureza durvel, ser necessriamaior quantidade anual de trabalho para mant-lo em seu estado ori-ginal de eficincia, mas o trabalho assim despendido deve ser consi-derado como realmente gasto na mercadoria fabricada, a qual deveconter um valor proporcional a esse trabalho. Se possusse uma m-quina no valor de 20 mil libras, graas qual bastasse muito poucotrabalho para produzir mercadorias, e se o desgaste dessa mquinafosse insignificante, e se, alm disso, a taxa geral de lucro fosse de10%, no seria necessrio acrescentar muito mais do que 2 mil librasao preo dos bens pelo uso desse equipamento. Mas, se o desgaste damquina fosse grande se, para mant-la em estado eficiente, fossenecessrio o trabalho anual de 50 trabalhadores , os preos dessesprodutos deveriam ser acrescidos, de tal forma a equivaler quele queseria obtido por qualquer outro fabricante que empregasse 50 trabalha-dores na produo de outros bens, e que no usasse nenhuma maquinaria.

    Um aumento de salrios, contudo, no afetaria igualmente asmercadorias produzidas com maquinaria de desgaste rpido e as fa-bricadas com maquinaria de desgaste lento. Num caso, uma grandequantidade de trabalho seria continuamente transferida ao produto;no outro, a quantidade transferida seria muito pequena. Portanto, todoaumento de salrios ou, o que a mesma coisa, toda queda noslucros reduzir o valor relativo das mercadorias produzidas comcapital de natureza durvel, e elevar proporcionalmente o valor re-lativo das produzidas com capital mais perecvel. Uma reduo nossalrios ter precisamente o efeito contrrio.

    Anteriormente afirmei que o capital fixo tem vrios graus dedurabilidade. Suponhamos agora uma mquina que possa ser utilizadaem determinada atividade para realizar o trabalho de 100 trabalha-dores por um ano, e que dure apenas um ano. Suponhamos tambmque a mquina custe 5 mil libras, e que os salrios anuais de 100trabalhadores sejam iguais a 5 mil libras: evidente que, para o fa-bricante, seria indiferente comprar a mquina ou empregar os traba-lhadores. Suponhamos, no entanto, que a mo-de-obra encarea, e queos salrios anuais de 100 trabalhadores se elevem a 5 500 libras: bvio que o fabricante j no hesitaria, pois seria de seu interessecomprar a mquina e ter o trabalho realizado por 5 mil libras. Mas opreo da mquina no aumentaria? No passar a valer tambm 5 500libras, 500 libras em conseqncia do encarecimento do trabalho? Seu

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  • preo aumentaria se no houvesse capital empregado em sua constru-o, e se o seu construtor no auferisse lucro algum. Se, por exemplo,a mquina fosse o produto de 100 trabalhadores, que nela trabalhassemum ano, com o salrio de 50 libras cada um, sendo o seu preo, portanto,5 mil libras, desde que os salrios aumentassem para 55 libras, opreo passaria a ser 5 500 libras. Mas no assim: os trabalhadoresempregados seriam menos de 100, ou a mquina no poderia ser ven-dida por 5 mil libras, pois, alm das 5 mil libras, deveriam ser pagostambm os lucros do capital que empregou os trabalhadores. Suponha-mos, portanto, que apenas 85 trabalhadores tenham sido empregados,a 50 libras cada um, o que equivale a 4 250 libras por ano, e que as750 libras que a venda da mquina produziria acima dos salrios adian-tados aos trabalhadores constitussem os lucros do capital do fabricante.Se os salrios aumentassem 10%, ele seria obrigado a empregar umcapital adicional de 425 libras, tendo de aplicar, portanto, 4 675 librasem vez de 4 250 libras, montante sobre o qual ele apenas obteria umlucro de 325 libras, se continuasse a vender sua mquina por 5 millibras; este , no entanto, o caso de todos os capitalistas e de todos osfabricantes, pois uma elevao de salrios afeta a todos eles.14 Se,portanto, o fabricante da mquina aumentasse seu preo em conseqnciade um aumento de salrios, uma quantidade anormal de capital seriaempregada na construo dessas mquinas, at que seu preo propiciassesomente a taxa corrente de lucros.15 Vemos, portanto, que as mquinasno aumentaro de preo em conseqncia de um aumento de salrios.

    Entretanto, o fabricante que, diante de um aumento geral de salrios,pudesse utilizar uma mquina que no encarecesse a produo de mer-cadorias, gozaria de vantagens especiais se pudesse continuar cobrandoo mesmo preo por seus produtos. No entanto, como vimos, ele seriaobrigado a reduzir o preo de suas mercadorias, ou o capital fluiria parao seu setor at que os lucros baixassem ao nvel geral. Assim, portanto,o pblico beneficiado pela maquinaria: estes seres mudos resultam sem-pre de um trabalho muito menor do que aquele que substituem, mesmoquando tm o mesmo valor monetrio. Mediante sua influncia, um au-mento no preo dos gneros de primeira necessidade que provoque elevaode salrios afetar um menor nmero de pessoas, atingindo, como nocaso que examinamos, oitenta e cinco em vez de cem, e a economia re-

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    14 Ricardo supe que a concorrncia entre capitalistas faria com que a taxa de lucro correntese reduzisse de 10% para 6,5% (325/5 000%), porcentagem que passaria a ser a nova taxacorrente de lucro. (N. do T.)

    15 Vemos aqui por que os pases antigos so induzidos a empregar maquinarias, e os novosa utilizar trabalho. Qualquer dificuldade de prover o sustento dos trabalhadores faz otrabalho necessariamente aumentar, e, a cada aumento no preo do trabalho, novas tentaesse oferecem para o uso de maquinaria. Essa dificuldade de prover o sustento dos traba-lhadores ocorre constantemente nos pases antigos. Nos novos, ao contrrio, pode se verificarum grande aumento populacional, sem o menor encarecimento nos salrios. Pode ser tofcil sustentar 7, 8 ou 9 milhes de homens quanto 2, 3 ou 4 milhes.

  • sultante se expressa na reduo do preo da mercadoria fabricada.Nem as mquinas nem as mercadorias por elas fabricadas aumentamem valor real, mas todas as mercadorias produzidas por mquinasdiminuem na proporo em que estas sejam durveis.

    Veremos mais adiante que nos estgios primitivos da sociedade,antes da utilizao de muita maquinaria ou de muito capital durvel,as mercadorias produzidas com capitais iguais tero aproximadamenteo mesmo valor, e umas em relao s outras diminuiro ou aumentarosegundo mais ou menos trabalho seja necessrio para produzi-las. Mas,depois da introduo desses instrumentos dispendiosos e durveis, asmercadorias produzidas com o emprego de capitais iguais tero valoresdesiguais e, embora umas em relao s outras ainda possam aumentarou diminuir na medida em que mais ou menos trabalho seja necessriopara a sua produo, elas estaro tambm sujeitas a uma outra va-ria