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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
FERNANDO LUIZ BRANDÃO MARQUES
Os Efeitos da Crise Financeira sobre a Autonomia dos Bancos
Centrais: as Decisões do Banco do México entre 2009 e 2014.
São Paulo
2017
FERNANDO LUIZ BRANDÃO MARQUES
Os Efeitos da Crise Financeira sobre a Autonomia dos Bancos
Centrais: as Decisões do Banco do México entre 2009 e 2014.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Relações Internacionais do
Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de São Paulo, para obtenção do
título de Mestre em Ciências.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Antonieta Del
Tedesco Lins
Versão corrigida
A versão original se encontra disponível na Biblioteca do Instituto de Relações
Internacionais e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP, documentos
impressos e eletrônicos.
São Paulo
2017
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação*
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo
Marques, Fernando Luiz Brandão
Os efeitos da crise financeira sobre a autonomia dos bancos centrais: a atuação
do Banco do México entre 2009 e 2014. /Fernando Luiz Brandão Marques.;
orientadora Prof.ª Dr. ª Maria Antonieta Del Tedesco Lins. São Paulo, 2016.
72 p.
Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, 2016.
1. Política Econômica Internacional. 2. Política Monetária – México (2009-
2014). 3. Crise Financeira. 4. Banco Central – México (2009-2014) I. Lins, Maria
Antonieta Del Tedesco. II. Os efeitos da crise financeira sobre a autonomia dos
bancos centrais: a atuação do Banco do México entre 2009 e 2014.
CDD 332.0972
En ese sentido, como ya lo he dicho en otras ocasiones, el
principal producto intangible que debe generar el Banco de
México es la confianza.
Agustín Carstens, julho de 2012
Agradecimentos
Não poderia iniciar meus agradecimentos senão por minha família (Cida, Luiz, Tássia e Cristina),
cujo investimento devotado em minha formação, não apenas permitiu que eu concluísse o
Mestrado, mas também que gozasse de uma vida rica e plena. Minha gratidão jamais será
suficiente. Ao longo dos últimos dois anos, muitas figuras cruzaram meu caminho e deixaram
contribuições diversas, mas igualmente importantes. Por isso, gostaria de agradecer o José Luiz
Pimenta Jr., responsável direto pelo meu ingresso no Programa de Pós-Graduação do IRI, que
aconselhou em meus primeiros passos acadêmicos e compartilhou bons momentos de amizade
enquanto trabalhamos juntos. Agradeço ao Departamento de Relações Internacionais e Comércio
Exterior da FIESP, que me possibilitou a conclusão dos créditos do curso sem prejuízo ao meu
desenvolvimento profissional. Agradeço especialmente à minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Maria
Antonieta Del Tedesco Lins, detentora de uma paciência comparável apenas ao seu conhecimento,
por ter me guiado nos momentos mais críticos desta dissertação. Ao meu amigo Daniel Barbosa
Garzillo, que compartilhou meu sonho acadêmico com bom humor e amizade, mesmo durante os
delírios existencialistas mais entediantes de nossa animada convivência. Ao Vinícius Neves dos
Santos, companheiro de trincheira acadêmica, pessoal e profissional, que juntamente com Carolina
Cover, Juliana Suzuki e Laura Bilbao, formou um colchão de liquidez emocional que descansou
minhas angústias durante todo o processo. Aos meus companheiros de longa data, Ana e Marcelo,
Bia e Renan, Du e Cássia, Dan e Renato, Laila e Gustavo, Léo e Manu, Bruninha e Ciniro, Darta,
Pedro, Caio e Marília, Covos e Fabi, Tércio, Pizza, Jójão, Douglas, Dener, Vavá e Banderas, pela
simples presença em minha caminhada. E, por fim, ao amor da minha vida, Aline, que em breve
será aumentado pela chegada do nosso Miguelito.
Resumo
O objetivo do trabalho foi avaliar se a crise de 2008 afetou os pilares conceituais da autonomia dos
bancos centrais, como o compromisso com a manutenção da estabilidade de preços como objetivo
singular da política monetária. Devido ao seu perfil institucional e seu contexto de atuação, as
decisões do Banco do México (Banxico) entre 2009 e 2014 serviram como objeto do estudo de
caso. A análise textual das decisões permite afirmar que, diante da severidade dos efeitos da crise,
o Banxico adotou uma política monetária eclética no período, já que abandonou ocasionalmente
seu mandato constitucional de compromisso com a estabilidade de preços, mesmo que sem
prejuízos ao cumprimento das metas de inflação. Por um lado, o banco seguiu conservador na
utilização da taxa de juros como principal instrumento monetário, sem recorrer à compra direta de
ativos e outros mecanismos não convencionais aplicados nos países industrializados. Por outro, o
banco demonstrou sensibilidade à degradação do cenário internacional e da atividade doméstica,
tanto ao manter os juros inalterados durante um longo período, como ao reduzi-los sucessivamente
diante do fraco desempenho da produção entre 2013 e 2014. Assim, ao menos durante a crise, o
comportamento do Banxico se afastou das definições convencionais sobre a autonomia do banco
central, o que reforçou a natureza política da organização.
Palavras-chave: banco central, crise financeira internacional, política monetária, México.
Abstract
This article aimed at evaluating if the 2008 financial crisis affected the conceptual foundations of
the central bank’s autonomy, that are related to the maintenance of price stability as a single
objective of the monetary policy. Due to its institutional profile and its operational context, the
decisions of the Banco de Mexico (Banxico) served as the object for the case study. The textual
analysis of the decisions sought to demonstrate that, in face of the severity of the crisis, Banxico
has chosen to apply an eclectic monetary policy in the period, as it occasionally abandoned its
constitutional mandate oriented towards price stability, even without harm to the achievement of
the inflation targets. On the one hand, the bank remained conservative in the use of the interest rate
as the main policy instrument, without resorting to the direct asset purchase or other non-
conventional mechanisms applied by industrialized countries. On the other, the bank demonstrated
sensitivity to the degradation of the international markets and domestic activity, both by keeping
the interest rate at the same level for a longer period as by reducing it successively before the poor
output performance of 2013 and 2014. Thus, at least during the crisis, Banxico’ s behavior departed
from the conventional definitions of the autonomy of central banks, which reinforced the political
nature of the organization.
Key-words: central banking, financial global crisis, monetary policy, Mexico.
Lista de Figuras
Figura 1 - Evolução das Reservas Internacionais do México entre dez/93 e dez/95.................................... 37
Figura 2 - Evolução da taxa de câmbio do México entre dez/93 e dez/95 ................................................... 37
Figura 3 - Evolução dos juros dos CETES para 28 dias entre dez/93 e dez/95 ........................................... 37
Figura 4 – Preço do petróleo e evolução das reservas cambiais jan/08 e dez/14 ......................................... 43
Figura 5 – Remessas ao México e desemprego na construção civil dos Estados Unidos (média móvel) .... 43
Figura 6 - Evolução de Componentes do IGAE entre 2008 e 2014 (média trimestral) ............................... 43
Figura 7 - Evolução mensal da taxa de juros (fondeo) entre jan/08 e dez/14............................................... 48
Figura 8 - Evolução mensal do INPC (acumulado em 12 meses) e as metas de inflação ............................ 49
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Alterações estatutárias dos bancos centrais da Am. Latina durante os anos 1990 ..................... 23
Tabela 2 – Normas para a Junta dos Governadores do Banxico (cf. Art. 41) .............................................. 34
Tabela 3 - Análise dos Condicionantes das Decisões de Política Monetária do Banxico ............................ 51
Lista de Siglas e Abreviaturas
$ Peso Mexicano
% Porcentagem
₤ Libra Esterlina
€ Euro
BANXICO Banco de México
BCE Banco Central Europeu
BIS Banco de Compensações Internacionais
BoE Banco da Inglaterra
CETES Certificados da Tesouraria
EZLN Exército Zapatista de Libertação Nacional
Fed Reserva Federal dos Estados Unidos
FMI Fundo Monetário Internacional
GATT Acordo Geral de Comércio e Tarifas
IGAE Índice Geral de Atividade Econômica
INEGI Instituto Nacional de Estatística e Geografia
INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor
IPN Instituto Politécnico Nacional
Junta Junta dos Governadores do Banco do México
NAFTA Tratado de Livre Comércio da América do Norte
NCM Novo Consenso Monetário
OCDE Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
p.p Pontos percentuais
PAN Partido de Ação Nacional
PEMEX Petróleos Mexicanos
PRD Partido Revolucionário Democrático
PRI Partido Revolucionário Institucional
PRONASOL Programa Nacional de Solidariedade
RBNZ Banco de Reserva da Nova Zelândia
TELMEX Teléfonos do México
US$ Dólares dos Estados Unidos
ZLB Limite Inferior Zero
Sumário
Introdução ................................................................................................................................................... 10
Revisão Teórica .......................................................................................................................................... 14
A natureza dos bancos centrais e o fenômeno da inconsistência dinâmica ............................................. 14
Definições para a autonomia do banco central ....................................................................................... 17
Credibilidade e controle da inflação ....................................................................................................... 18
Autonomia e metas de inflação ................................................................................................................ 20
Os bancos centrais da América Latina .................................................................................................... 22
Autonomia do Banco do México ............................................................................................................... 24
O processo de privatizações ..................................................................................................................... 25
A liberalização da política comercial ...................................................................................................... 27
A concessão de autonomia ao Banxico .................................................................................................... 27
Evolução da política monetária do México entre 1991 e 2008 ............................................................... 35
Subordinação à política cambial (1991-1994) ........................................................................................ 35
Política monetária em transição (1995-2000) ......................................................................................... 38
Adoção do regime de metas de inflação (2001-2008) .............................................................................. 39
Desempenho da economia mexicana durante a crise de 2008 ................................................................ 41
Respostas de política monetária à crise .................................................................................................... 44
Análise das decisões de política monetária do Banxico .......................................................................... 46
O conservadorismo eclético do Banxico diante do peso dos fatos .......................................................... 49
Considerações finais ................................................................................................................................... 53
Referências Bibliográficas ......................................................................................................................... 55
Anexo ........................................................................................................................................................... 60
Análise textual das decisões de política monetária do Banxico (2009-2014) .......................................... 60
10
Introdução
Os efeitos da crise financeira de 2008 desafiaram o paradigma convencional de política
monetária. A persistência de baixos níveis de atividade e emprego, mesmo após a redução das taxas
básicas de juros, fez com que os bancos centrais aplicassem medidas alternativas para a
recuperação do crescimento econômico. Em países industrializados, como a Inglaterra, o banco
central conduziu um programa de alívio quantitativo que, além da redução dos juros, também
incluiu a compra direta de títulos de dívida pública e privada. Já em países emergentes,
especialmente da América Latina, o paradigma monetário não sofreu alterações, e os efeitos da
crise foram inicialmente acomodados por outros tipos de política econômica.1
Até a eclosão da crise, a política monetária seguiu um consenso técnico que se consolidou
internacionalmente ao longo de duas décadas. Tal consenso surgiu das experiências inflacionárias
dos países industrializados, que se agravaram a partir da segunda metade dos anos 1970. A classe
política interpretava a inflação como um resultado ou da “agressividade” dos sindicatos, que
pressionavam por aumentos salariais, ou da “ganância” dos empresários, que buscavam maximizar
seus lucros a todo tempo. O entendimento da inflação enquanto um fenômeno monetário apenas
começou a provocar mudanças na política monetária, especificamente nos Estados Unidos, após o
choque do petróleo de 1979.
Em relação aos países da América Latina, o modelo de desenvolvimento adotado durante
aquele período foi responsável pela insolvência externa das principais economias da região. No
caso do México, a promoção do crescimento econômico era o principal objetivo da política
monetária, administrada por um banco central subordinado ao Poder Executivo e responsável pelo
financiamento ilimitado do gasto público. Como os recursos domésticos não eram suficientes, o
endividamento externo do Estado se tornou insustentável após a elevação das taxas de juros dos
Estados Unidos em outubro de 1979.
1 O governo do México, por exemplo, adotou (I) políticas de proteção ao emprego e à seguridade social, (II) políticas
de crédito habitacional e congelamento temporário de preços da gasolina, (III) políticas de estímulo à competitividade,
por meio da redução do preço da eletricidade e de subsídios à pequena e média empresa, (IV) programas de
investimento em infraestrutura e (V) medidas de transparência quanto ao perfil do gasto público (MORALES, 2009).
11
Em agosto daquele ano, o presidente Ronald Reagan nomeou o economista Paul Volcker
como presidente do Federal Reserve (Fed). Sua missão à frente da autoridade monetária era
recuperar a confiança dos agentes econômicos e controlar a inflação. Em busca de opções
diferentes daquelas utilizadas durante as duas décadas anteriores, Volcker gradativamente
incorporou elementos monetaristas à atuação do Fed, considerando em suas decisões, por exemplo,
o papel das expectativas dos agentes quanto ao nível futuro de preços. Nesse sentido, entre 1980 e
1984, o Fed passou a reagir agressivamente ao comportamento dos preços dos títulos de longo
prazo do Tesouro dos Estados Unidos. Após aplicar uma política “extraordinariamente agressiva,
mesmo quando a recessão se aprofundou” em 1982, o Fed “começou a adquirir credibilidade por
sua desinflação” (GOODFRIEND, 2007: 11).
A eficácia da aplicação das políticas de Volcker, a despeito de seus efeitos recessivos, foi
o passo inicial para a formação de um Novo Consenso Macroeconômico (NCM), em que
prevaleceu ao menos três axiomas: (I) a política monetária por si só reduziria a inflação de maneira
permanente, (II) a oportuna elevação da taxa de juros amenizaria as expectativas futuras sobre a
inflação e (III) apenas um banco central autônomo pode se comprometer com a estabilidade de
preços. Além disso, a recorrente comunicação do Fed com os agentes econômicos2 a respeito do
comportamento de variáveis econômicas e o curso de ação do banco também é um pilar importante
do NCM (ARESTIS & SAWYER, 2008; GALBRAITH, 2008).
Uma vez que foram desenvolvidos em países industrializados, os preceitos de tal consenso
não demoraram a se tornar um padrão de recomendação técnica de organizações internacionais. A
assistência prestada aos países da América Latina foi uma oportunidade para que o Banco Mundial
e o Fundo Monetário Internacional (FMI) alterassem seu modo de operação. A relativa busca pelo
desenvolvimento de longo prazo e a estabilidade financeira cederam espaço à promoção de um
determinado conjunto de políticas, alinhado àqueles recorrentes entre seus maiores acionistas,
como Estados Unidos, Japão e Reino Unido. Mesmo que alguns dos compromissos com o FMI não
fossem completamente cumpridos, a liberação de recursos condicionada à aplicação de tais
políticas afetou a inserção externa dos países endividados ao longo da década de 1980 (EDWARDS
et al, 2000).
2 Tal aspecto será detalhado na seção seguinte.
12
No caso do México, a necessidade estatal de financiamento reforçou o vínculo entre as
tendências internacionais e as escolhas de política doméstica. A partir da administração De La
Madrid (1982-1988), o Estado mexicano ingressou em um ciclo de reformas que culminou com (I)
a redução do número de empresas estatais, (II) a assinatura do Tratado de Livre Comércio do
Atlântico Norte (NAFTA, sigla em inglês) e (III) a concessão de autonomia ao seu banco central,
já durante a gestão de Carlos Salinas (1988-1994). A relação com o capital estrangeiro não apenas
transformou as instituições do país, como também norteou as mudanças em sua política monetária,
que convergiu definitivamente para os princípios do NCM com a adoção do regime de metas de
inflação em 2001.
Entre as reformas daquele período, a concessão da autonomia ao Banco de México
(Banxico) merece atenção, não apenas por suas justificativas, mas também por suas consequências.
A análise econômica convencional estressa que o principal argumento para que uma autoridade
monetária se torne autônoma é o isolamento da influência de forças políticas na gestão monetária.
Porém, os bancos centrais por si só são organizações de natureza política, nascidas no seio estatal,
capazes de refletir preferências políticas determinadas e, por meio de seu comportamento,
eventualmente proteger rendas de grupos econômicos específicos. O processo de autonomia do
Banxico em 1993, por exemplo, sintetizou os interesses domésticos em sinalizar condições
favoráveis ao ingresso do capital estrangeiro em uma época de crescente liberalização dos
mercados financeiros.
Como parte do NCM, a autonomia do banco central pressupõe um rígido compromisso com
a estabilidade de preços. Nos termos de Rogoff (1985), o “banqueiro conservador” deve manter
sua aversão a inflação “acima das preferências sociais” mesmo em tempos de crise. No entanto,
em face de uma crise prolongada como a de 2008, a aderência a tal compromisso pode ser
relativizada. Em abril de 2014, o FMI publicou uma nota técnica a respeito do futuro da política
monetária em um cenário pós-crise. O documento traz um exame de consciência do organismo
quanto à gestão monetária convencional, que prevaleceu ao longo dos últimos vinte e cinco anos.
Em dado momento, o Fundo chega a admitir – mesmo que com ressalvas – a eventual necessidade
de expandir o mandato dos bancos centrais, uma vez que, “outros objetivos intermediários (como
estabilidade financeira e externa) poderão ter que desempenhar um papel maior do que no passado
para garantir a estabilidade macroeconômica” (BAYOUMI et al, 2014: 27).
13
Em meio a tal debate, o objetivo deste trabalho é avaliar se os efeitos da crise de 2008
relativizaram as características da autonomia dos bancos centrais, que são conceitualmente
vinculadas à estabilidade de preços como objetivo único da política monetária. O estudo de caso
da autoridade monetária do México se justifica por ao menos três fatores: (I) o contexto político
liberalizante em que se deu a concessão de autonomia ao Banxico, (II) a dependência comercial e
os vínculos públicos e privados com o sistema financeiro dos Estados Unidos, que não foi apenas
o epicentro da crise financeira, mas também um dos pioneiros na aplicação de políticas não
convencionais; e também, (III) pela a tônica conservadora do Banxico em sua gestão monetária,
fruto da necessidade de sinalizar credibilidade ao sistema financeiro internacional e reverter o
quadro inflacionário das décadas de 1970 e 1980 (MAXFIELD, 1997; GARRIGA, 2010; LINS &
DATZ, 2016).
A fim de situar a discussão, a seção seguinte retoma brevemente o debate teórico acerca da
autonomia do banco central e suas aplicações em países latino-americanos. As seções 2 e 3
abordam o caso mexicano, a partir da reforma financeira e do processo de estabelecimento da
autonomia do Banxico para, em seguida, propor uma análise da política monetária desde 1994, a
fim de verificar sua relação com a autonomia do banco. Em seguida, o trabalho parte para a análise
textual das decisões de política monetária do Banxico entre 2009 e 2014, com o objetivo de
demonstrar que, apesar da severidade dos efeitos da crise, o banco optou por aplicar uma política
monetária eclética no período, já que abandonou ocasionalmente seu mandato constitucional
centrado na estabilidade de preços, mesmo que sem prejuízos ao cumprimento das metas de
inflação. Por um lado, o banco seguiu conservador na utilização da taxa de juros como principal
instrumento monetário, sem recorrer à compra direta de ativos e outros mecanismos não
convencionais aplicados nos países industrializados. Por outro, demonstrou sensibilidade à
degradação do cenário internacional e à atividade doméstica, tanto ao manter os juros inalterados
durante um longo período, como ao reduzi-los sucessivamente diante do desempenho fraco da
produção entre 2013 e 2014. Por fim, apresentam-se algumas considerações finais onde são
sintetizados os passos do trabalho e seus resultados.
14
Revisão Teórica
A natureza dos bancos centrais e o fenômeno da inconsistência dinâmica
Os bancos centrais podem ser definidos como organizações intrinsicamente políticas a
despeito do caráter técnico de suas atividades. Suas decisões podem refletir e promover interesses
particulares, eleitorais e ideologias, capazes de afetar os impactos distributivos da política
monetária e da regulação financeira (EPSTEIN, 2005; FERNANDEZ-ALBERTOS, 2015). Tais
características estão presentes desde seu surgimento ao final do século XVII, enquanto uma
“tecnologia contratual” que melhorou a solvência dos governos, perante as necessidades advindas
da intensa competição militar entre as monarquias europeias daquele período (BROZ, 1998).3
Os primeiros bancos centrais também detinham funções menos estratégicas, já que
operaram como as únicas fontes de serviços financeiros durante um longo período. Para além de
suas relações financeiras especiais com os governos, tais organizações ainda competiam com as
instituições privadas no incipiente mercado bancário (CAPIE et al, 1994). Já no âmbito
internacional, os bancos centrais detêm “características institucionais” que permitem “maior
comunicação e coordenação” entre políticas domésticas e interesses do capital estrangeiro, “mais
do que qualquer outra organização estatal” (SANTIN-QUIROZ, 2001). A origem acadêmica
compartilhada entre os diversos presidentes, por exemplo, é um dos fatores que contribuem para
tal característica. Além disso, por meio da gestão de política monetária, os bancos centrais podem
materializar preferências sociais quanto a determinados regimes cambiais, que também afetam a
relação entre políticas domésticas e o cenário externo (BROZ & FRIEDEN, 2001).
A existência de tais arranjos obedece a uma motivação específica. O controle sobre a gestão
monetária é de “valor estratégico para os políticos”, que, por meio dela, podem responder às
demandas e à tolerância do eleitorado quanto ao desemprego e à inflação (MAXFIELD, 1997). A
classe política incorre na “tentação de prejudicar a estabilidade monetária de longo prazo em troca
3 No caso do Banco da Inglaterra, Broz (1998: 2) afirma que a criação de seu banco central “por centralizar todo o
financiamento ao governo no banco, criou uma limitação privada sobre seu comportamento futuro ao tornar mais
difícil a utilização de recursos de um empréstimo corrente uma vez que [o governo] houvesse falhado em cumprir
com suas obrigações prévias”. Ou seja, a organização do banco central diminuiu a discricionariedade financeira da
Coroa em sua expansão militar.
15
de benefícios de curto prazo”, especialmente em anos de eleição (ALESINA et al, 2000). Por isso,
a subordinação ao governo impede que os bancos centrais “se comprometam de maneira crível com
a estabilidade de preços, uma vez que o público estará atento à inconsistência dinâmica de suas
ações e pronunciamentos” (MAS, 1995: 1.639).4
O problema da inconsistência dinâmica5 refere-se ao tempo entre a aplicação de uma
determinada política e a adaptação dos agentes econômicos a ela. Como o ajuste de preços e salários
não é automático, a autoridade monetária pode “trapacear” as expectativas dos agentes na tentativa
de criar uma inflação-surpresa e estimular temporariamente o nível de atividade. Devido à interação
repetida com o banco central, os agentes passam a incluir tal “tentação” em suas negociações
coletivas e reajuste de preços ao longo do tempo, o que anula o efeito inesperado do estímulo no
longo prazo. Consequentemente, “o custo de trapacear hoje envolve o aumento das expectativas
inflacionárias para o futuro”. (BARRO & GORDON, 1983).
A inconsistência dinâmica também pode ser resultado de erros de interpretação quanto à
natureza da inflação. No período entre o fim da conversibilidade do dólar e a eclosão do primeiro
choque do petróleo em 1973, prevaleceu entre os dirigentes do Fed uma interpretação de que a
inflação seria resultado de um aumento sustentado nos custos de produção. Uma política monetária
expansionista seria adequada para reduzir o custo de capital, o que ocasionaria uma diminuição nos
preços ao consumidor final. Porém, taxas menores de juros poderiam provocar eventuais “abusos
de poder econômico das firmas e dos sindicatos laborais”, que seriam mitigados pelo
estabelecimento de políticas de controle de preços e salários. “A adoção de controles”, combinados
com um afrouxamento monetário, “removeu qualquer indicativo para o Fed de que haveria um
dilema entre tal afrouxamento e a evolução futura da inflação” (NELSON, 2004: 18).
O mesmo fenômeno se repetiu durante a gestão de Edward Heath (1970-1974), enquanto
primeiro ministro do Reino Unido. A miopia quanto à perenidade dos efeitos dos choques
energéticos produziu respostas de política monetária igualmente míopes. “Certamente, o aumento
4 Ao longo do trabalho a tradução das citações é de responsabilidade do autor.
5 Kydland e Prescott (1977) abordam a utilização da discricionariedade em política monetária. Para os autores, a
inexistência de regras que conformem as ações dos bancos centrais produz incentivos para que a política monetária se
desvie do planejamento inicial. O comportamento discricionário é o que gera a inconsistência dinâmica.
16
dos preços do petróleo nos anos 1970 se relacionou com alguns surtos de inflação, mas que não se
prolongariam sem uma acomodação monetária” (TAYLOR, 1992: 12). Assim, por mero acaso, os
choques do petróleo confirmariam a validade da interpretação não monetária da inflação.
A respeito dos países em desenvolvimento, especialmente Brasil e México, o fenômeno
inflacionário do período é frequentemente atribuído ao colapso dos meios de financiamento externo
do projeto desenvolvimentista. A iminente desvalorização cambial provocada pela elevação dos
juros internacionais em 1979, após um crescimento financiado pela liquidez gerada pelos
petrodólares, aumentou a pressão política sobre os bancos centrais. No caso do México, o governo
utilizava o faturamento excepcional da Petróleos Mexicanos (PEMEX) para subsidiar a
manutenção dos preços administrados. A diminuição subsequente das receitas não foi suficiente
para financiar os déficits públicos, mas a obstinação do então presidente, López Portillo (1976-
1982), em “não deixar o gabinete como o presidente da desvalorização” reduziu drasticamente as
reservas cambiais do Banco de México em 1982. (MAXFIELD, 1997).
Uma das soluções teóricas para a inconsistência dinâmica seria a delegação da política
monetária a um gestor “conhecido por conferir um peso maior à estabilização da inflação –
relativamente à manutenção do emprego – do que aquela incorporada pela [sociedade]” (ROGOFF,
1985: 1.177). Ao governo, caberia a proteção do mandato desse hipotético gestor em face de um
aumento sensível do desemprego decorrente das políticas de combate à inflação.6 Outra alternativa,
seria o estabelecimento de um programa de recompensas para que as autoridades monetárias se
comprometessem com metas que garantissem a estabilidade de preços (WALSH, 1995).
Atualmente, o Banco Central da Nova Zelândia (RBNZ, sigla em inglês) opera sob tal modalidade:
a liberação de seu orçamento anual depende do cumprimento das metas inflacionárias estabelecidas
anteriormente.
6 No intuito de confirmar a validade das propostas, pesquisadores afiliados à análise econômica convencional buscaram
identificar uma correlação entre a autonomia dos bancos centrais e índices de inflação. Para uma amostra de 12 países
desenvolvidos, os primeiros resultados indicaram que a “taxa média de inflação é significativamente menor em países
dotados de bancos centrais altamente independentes em comparação com aqueles que não têm”. (BADE & PARKIN,
1988: 25).
17
Definições para a autonomia do banco central
A revisão sobre o conceito apresentada por Eijffinger e Haan (1996) sugere a existência de
três definições predominantes na literatura convencional: a autonomia de pessoal, financeira e
quanto à aplicação de políticas. A autonomia de pessoal se refere à forma pela qual o presidente do
banco central é escolhido e demitido. Quanto maior a influência do governo sobre a duração do
mandato dos presidentes, menor é a autonomia efetiva que a organização dispõe. Além do
presidente, a “independência também é maior naqueles países em que a maioria do Conselho de
Administração não é indicado pelo governo central e os diretores permanecem por mais tempo no
cargo” (GOODMAN, 1991: 331).
A autonomia financeira se refere à interação entre a política fiscal e as atividades do banco
central. Uma vez que o governo cumpre seu orçamento de maneira discricionária, a existência de
mecanismos automáticos de financiamento dos déficits públicos diminui a capacidade da taxa de
juros em controlar a quantidade de moeda em circulação. Isso se agravaria devido a uma demanda
insuficiente para absorver o montante de títulos oferecidos, mesmo a juros mais elevados, o que
obrigaria o banco central a imprimir moeda para honrar os compromissos financeiros do governo.
“Se os déficits da autoridade fiscal não podem ser financiados apenas por novas emissões de títulos,
a autoridade monetária é forçada a criar moeda e tolerar uma inflação adicional”, perdendo assim
“o controle da base monetária [...] para sempre” (SARGENT & WALLACE, 1981: 2).
Por fim, a autonomia de aplicação de políticas trata da capacidade que os bancos centrais
detêm quanto à definição das metas e os instrumentos para atingi-las. Uma relação de hierarquia
democrática se estabelece entre os dois aspectos, uma vez que os bancos centrais devem gozar da
autonomia de instrumentos, “mas não devem ter a autonomia de metas”, já que é socialmente
necessário a “fiscalização democrática” das atividades de “uma instituição política poderosa”
(FISCHER, 1995: 202). Tal fiscalização tende a ser maior sobre bancos centrais com mandatos
estritamente definidos. No Reino Unido, por exemplo, o governo concede autonomia de
instrumentos ao Banco da Inglaterra para que alcance o objetivo de 2% de inflação definido
18
anualmente pelo governo.7 Em contraste, o Ato do Federal Reserve confere liberdade para que o
banco interprete e priorize entre as metas de “máximo emprego, estabilidade de preços e taxas de
juros moderadas no longo prazo” (CROWE & MEADE, 2007; DEBELLE & FISCHER, 1994).
Credibilidade e controle da inflação
Outro aspecto importante para a autonomia de um banco central é a crença dos indivíduos
em sua capacidade de controlar os preços. A credibilidade não era uma questão evidente até os
princípios da década de 1980. Nesse sentido, em uma de suas primeiras intervenções8 como
presidente do Fed, Paul Volcker abordou um aspecto que ainda não havia sido explorado pela
política monetária nos Estados Unidos, ao se declarar “impressionado pelo intangível: o grau pelo
qual a psicologia da inflação realmente se transformou”, uma vez que as pessoas estão “agindo
muito mais de acordo com suas expectativas” de que a inflação continue elevada. Ao justificar a
necessidade de uma nova abordagem no combate à elevação de preços, o presidente argumentou
que as respostas tradicionais “não vão funcionar se forem interpretadas como inflacionárias; e
muito do estímulo sairá em forma de preços, ao invés de mais atividade”. Em seguida, questiona
se o próprio Fed teria a credibilidade necessária para “reestabelecer o sentimento de que a inflação
cairá em um determinado período de tempo e que esse é o nosso objetivo primordial”. Um
afrouxamento monetário seria esperado para reverter os impactos do segundo choque do petróleo,
mas, naquele momento, Volcker ponderava se tal medida seria a mais “feliz”, dado que as pessoas
deveriam “estar muito confiantes de quais são as nossas intenções de longo prazo” para que as
medidas produzissem os efeitos adequados.
As percepções iniciais de Volcker refletiam uma aderência significativa aos pressupostos
teóricos da interpretação monetarista, que foram deliberadamente negligenciados pela política
econômica em toda a década anterior. O trabalho de Milton Friedman, desenvolvido principalmente
7 No caso do Banco da Inglaterra, a meta de inflação é anunciada anualmente pelo Chanceler de Tesouraria
(Exchequer) durante a audiência do orçamento federal. Disponível em:
http://www.bankofengland.co.uk/monetarypolicy/Pages/framework/framework.aspx
8 Transcrição da Reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) de 14 de agosto de 1979 (p. 21 a 23).
Disponível em: https://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/fomchistorical1979.htm
19
ao longo dos anos 1960, buscou demonstrar que a inflação é um fenômeno monetário. “A inflação
ocorre quando a quantidade de moeda aumenta notadamente mais rápido que o produto”, devido
ao “rápido crescimento dos gastos do governo, as políticas públicas de pleno emprego e a uma
política equivocada aplicada pelo Fed” (FRIEDMAN, 1990: 254, 275). O aumento da oferta
nominal de moeda não resultaria em um aumento da demanda real por moeda, o que faria com que
os indivíduos se dispusessem apenas a destinar maiores quantias para a aquisição de seus bens. Por
isso, somente “a política monetária é capaz de prevenir que a moeda, por si só, se torne uma fonte
de distúrbios econômicos”. Para concorrer para tal objetivo, Friedman ainda argumenta que “as
autoridades monetárias devem se guiar [apenas] pelas magnitudes que podem controlar”, ou seja,
a quantidade de moeda, para que os agentes econômicos “possam seguir com plena confiança de
que o nível médio de preços se comportará de maneira conhecida no futuro”. (FRIEDMAN, 1968:
12-16).9
À medida em que a atuação do Fed se concentrou em edificar sua credibilidade no combate
à inflação, seja por meio de uma agressiva elevação da taxa de juros,10 seja pela comunicação direta
de suas perspectivas aos agentes econômicos, a pesquisa acadêmica pode acumular evidências que
ajudaram a consolidar o consenso técnico em torno da política monetária. No princípio dos anos
1980, o papel das expectativas carecia de uma formalização rigorosa para que refletisse
racionalmente como os agentes imaginam a política monetária futura. Coube ao economista John
Taylor a incorporação das expectativas racionais aos modelos macroeconômicos, de tal modo que
se tornou possível a avaliação e otimização econométrica da política monetária.
O ponto inicial do trabalho de Taylor é a superação dos modelos discricionários, em que
prevalecia a crença de uma relação estável entre inflação e desemprego (Curva de Phillips), que
predispunha os bancos centrais a permitir que a inflação aumentasse na esperança de alcançar um
nível permanentemente baixo de desemprego. “Sob discrição pura”, os bancos centrais ajustam
9 Apesar de sua influência sobre a evolução recente da política monetária, Friedman não era favorável à autonomia do
banco central. “De acordo com Friedman, mesmo que haja um banco central que tenha independência máxima, ele
será apenas independente à medida em que não tenha conflito com o resto do governo” (SCHWARTZ, 2009;
SINGLETON, 2010).
10 Por exemplo, a experiência recessiva de alta inflação experimentada pelo país no princípio da administração de
Reagan, “aumentou a insatisfação popular com a inflação”, o que encorajou o “Fed de Volcker a aproveitar a janela
de oportunidade” para “elevar a taxa de juros dos fundos federais para 19 por cento no início de 1981”
(GOODFRIEND, 2007: 9).
20
seus instrumentos monetários a partir do zero a cada período, sem nenhum tipo de “plano de
contingência razoavelmente bem definido para o futuro”. A adoção de determinadas regras na
aplicação de política monetária minimiza o problema da inconsistência dinâmica, por gerar
previsibilidade de reação, e também aumenta a credibilidade do banco central, o que contribuiria
positivamente para o desempenho macroeconômico. “Tecnicamente falando, uma regra de política
é um plano de contingência que dura para sempre, ao menos que exista uma cláusula explícita de
cancelamento” (TAYLOR, 1993: 198-199).
Autonomia e metas de inflação
As metas de inflação surgiram em substituição ao controle da base monetária (ou metas
intermediárias) para a estabilidade de preços. Um dos propósitos do modelo era conferir
credibilidade ao banco central na busca por baixos níveis de inflação (SINGLETON, 2010). Após
a incorporação da perspectiva monetarista na condução da política econômica do final dos anos
1970, os bancos centrais da Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Suíça passaram a
estabelecer metas para o crescimento da base monetária. O agregado monetário a ser controlado
variou entre os países: o Fed optou pelo gerenciamento do papel-moeda em poder do público (M1),
enquanto que os bancos europeus se concentraram também no volume de depósitos a prazo no
sistema bancário (M3). A dificuldade de mensurar a velocidade com que tais agregados circulavam
na economia provocava erros na atuação dos bancos centrais. Assim, ao constatarem a “frágil
relação entre moeda e renda nominal”, que mesmo ante o atingimento de um “objetivo monetário
não [produziu] o resultado desejado sobre uma variável-meta como a inflação”, as metas
intermediárias foram gradualmente abandonadas a partir de meados da década de 1980 (MISHKIN,
2001: 8-10).11 No caso do México, a busca da estabilidade de preços daquele período se concentrou
no controle da taxa de câmbio e na redução da demanda agregada por meio de “pactos” com os
setores reais da economia (LINS & GARRIGA, 2014: 78-81).
11 Nesse sentido, a principal fragilidade das metas intermediárias era sua incapacidade de acomodar adequadamente
choques exógenos que alterassem, por exemplo, a taxa de câmbio. Uma eventual desvalorização do câmbio provocaria
o aumento da demanda por moeda local, que resultaria em mais inflação. Outra fragilidade é a discricionariedade
quanto ao ajuste dos volumes da base monetária pelos bancos centrais (SINGLETON, 2010: 177-189).
21
Embora malsucedida, a experiência com as metas intermediárias produziu elementos que
permitiram o desenvolvimento do regime de metas de inflação (RMI) em princípios dos anos 1990.
A singularidade do controle da base monetária mostrou que a política monetária pode ser conduzida
por meio de uma regra, aos moldes de Taylor, e que alguma flexibilidade para acomodar choques
exógenos é uma condição relevante para o sucesso no controle da inflação. Ambas necessidades
poderiam ser atendidas por um banco central autônomo, que mediante um compromisso tácito com
a estabilidade de preços, conferiria legitimidade para a aplicação de um modelo de gestão
monetária dotado de flexibilidade para reagir de maneira ótima a choques não antecipados.
A incorporação da Regra de Taylor12 na gestão monetária permitiu o desenvolvimento de
um modelo complexo, capaz de estabelecer uma relação transparente entre o instrumento de
política monetária (juros) e seu objetivo (inflação). Tal modelo sintetizou os pressupostos de
credibilidade e transparência do Novo Consenso Macroeconômico, por “declarar explicitamente
que uma inflação baixa e estável“ é o maior objetivo da política monetária, a ser perseguido por
meio do “anúncio público de bandas para a taxa de inflação para um ou mais períodos”
(BERNANKE & MISHKIN, 1997). Embora o regime de metas de inflação seja o resultado de um
esforço quantitativo rigoroso para a definição de uma regra específica, o modelo admite algum
grau de discrição, uma vez que possibilita que a “política monetária responda sensivelmente a
choques não antecipados” (ARESTIS & SAWYER, 2008: 634).
Assim, ao longo dos vinte anos que precederam a crise financeira de 2008, as principais
economias do mundo aderiram a um consenso em torno da utilização intensiva de uma “taxa de
juros de curto prazo, que o banco pode controlar diretamente por meio de operações de mercado
aberto apropriadas” para o controle da inflação. A aplicação de tal modelo dispensava a intervenção
direta do banco central sobre o comportamento de outras variáveis, uma vez que os “efeitos reais”
da política monetária “se dão por meio do nível de juros e do preço dos ativos”. Como os agentes
ajustam o valor presente dos ativos a partir do desconto de taxas e riscos esperados, o banco central
12 Taylor (1999: 323) propôs uma regra geral de aplicação de política monetária em que, a taxa de juros de curto prazo
(r) é uma função da inflação corrente (π) adicionada de um coeficiente (g) do produto (y), mais um coeficiente (h) da
diferença entre a inflação corrente e a esperada (π*) somada de uma taxa de juros (rf) de equilíbrio. A equação implica
que a regra monetária é ajustável à eventuais flutuações econômicas, não sendo responsiva a processos endógenos. As
relações contidas na regra estipulam que a taxa nominal de juros deve refletir uma soma entre a taxa real de juros e a
inflação esperada pelos agentes.
22
pode interferir em tal relação pela aplicação de “uma regra transparente e previsível” sobre os juros
de curto prazo, “transformando a taxa básica em uma função do ambiente econômico corrente”
(BLANCHARD et al, 2010: 5).
Os bancos centrais da América Latina
A ideia de um banco central autônomo foi incorporada pelos países da América Latina ao
longo da década de 1990 (JACOME, 2015). Em muitos destes países, o problema inflacionário da
década anterior havia sido parcialmente solucionado por meio da utilização de âncoras cambiais,
em que a política monetária se subordinava a política cambial, notadamente a um regime de câmbio
fixo (BROZ & FRIEDEN, 2001; FRENKEL & RAPETTI, 2010). A relação com o capital
estrangeiro ganhou importância e os países recorreram a transformações institucionais para garantir
sua solvência externa (MAXFIELD, 1997; GARRIGA, 2010). Nesse sentido, a concessão de
autonomia ao banco central produzia um sinal de “bom comportamento”, especialmente em relação
a diminuição da intervenção estatal em assuntos monetários, uma das principais causas do processo
inflacionário das economias latinas nos anos 1980.
Em um segundo momento, a adesão ao regime de metas de inflação representou a
insustentabilidade da ancoragem cambial para o controle dos preços (EDWARDS et al, 2000). De
forma mais intensa que os países industrializados, em face da sua vulnerabilidade externa, os
bancos centrais latinos também necessitavam de um mecanismo de gestão monetária que permitisse
a acomodação de choques exógenos (ARESTIS & SAWYER, 2008). As metas de inflação
permitiram que o câmbio flutuasse, aliviando a pressão sobre as reservas internacionais e liberando
a taxa de juros para ser utilizada exclusivamente na busca pela estabilidade de preços. Além disso,
ao incorporar o regime, os países manifestavam o abandono definitivo da discricionariedade e do
tratamento não-monetário da inflação.
A tabela a seguir ilustra as alterações dos estatutos dos bancos centrais da região ao longo
da década de 1990. Entre as principais economias, a ausência mais notável é a do Brasil, cuja
autoridade monetária sofreu poucas alterações estatutárias desde sua fundação em 1964 (LINS &
DATZ, 2016). Por outro lado, embora nem todas as leis outorgassem uma autonomia tácita, todas
23
provocaram alguma alteração textual em favor do paradigma monetário vigente à época (e.g.:
metas de inflação e proibição de empréstimos ao setor público).
Tabela 1 – Alterações estatutárias dos bancos centrais da Am. Latina durante os anos 1990
Fonte: Jacome (2015) e bancos centrais da Bolívia, Paraguai e Uruguai.
Ano País Lei Pontos-chave
1989 Chile 18.840
O banco central é um organismo constitucional autônomo (Art. 1). O
objetivo do banco é preservar a estabilidade da moeda e o
funcionamento do sistema de pagamentos (Art. 3).
1992 Argentina 20.539
O banco central não estará sujeito a ordens ou instruções do Poder
Executivo, mas deve prestar contas ao Congresso (Art. 4). O objetivo
do banco é promover a estabilidade monetária, financeira e o
desenvolvimento econômico e social (Art. 3).
1992 Colômbia 31O banco possui autonomia administrativa e técnica (Art.1). A Junta
Diretora adotará metas específicas de inflação (Art. 2, único).
1993 Peru 26.123
O banco central exerce sua autonomia de acordo com sua lei orgânica
(Art. 3). A finalidade do banco central é preservar a estabilidade
monetária (Art. 2).
1993 México Ley Orgânica (Vide seção seguinte)
1993 Uruguai 16.696
O banco central é um ente autônomo e dotado de autonomia
administrativa, financeira e técnica (Art. 1). Os objetivos do banco são a
estabilidade monetária, sistema de pagamentos, solvência externa e
regulação financeira (Art. 3).
1995 Bolívia 1.670 O banco central não poderá outorgar crédito ao setor público (Art. 22)
1995 Paraguai 489
O banco central possui autonomia normativa dentro dos limites
constitucionais (Art.1). O objetivo do banco é preservar a estabilidade
do valor da moeda (Art. 3).
24
Autonomia do Banco do México
A literatura em Economia Política que trata da reforma financeira do México dos anos 1990
é abundante. Entre os principais trabalhos, destaca-se a ampla revisão dos fatos produzida por
Osvaldo Santin Quiroz (2000), a partir de uma metodologia híbrida entre a abordagem centrada no
Estado (state-centered) e a social (society-centered). Por sua vez, Juan Carlos Moreno-Brid e Jaime
Ros (2009) se ocupam de analisar o período à luz de seus impactos macroeconômicos,
especialmente acerca dos efeitos da reforma sobre o mercado de trabalho e a especialização
produtiva do México. Judith Teichman (1998) oferece uma interpretação política da época,
concentrada em como se deram as relações entre os grupos de interesse e os processos de
privatização no país. Em particular, Ruben Rodriguez (2010) se aprofunda em depurar os
condicionantes e determinantes da reprivatização do sistema bancário do México. A análise que se
segue foi construída, principalmente, nas contribuições de tais autores.
A concessão de autonomia ao Banco de México (Banxico) ocorreu ante um contexto de
reforma econômica, que se aprofundou a partir da eleição de Carlos Salinas de Gortari em 1988.
Seu sexênio seria marcado por uma ampla reforma do Estado mexicano, conduzida sob um
argumento modernizante, de reorganização dos poderes econômicos e de integração do país a um
processo de globalização econômica ainda incipiente. No exterior, principalmente nos Estados
Unidos, o novo presidente refletia a imagem de um líder “reformador e modernizador, uma espécie
de Gorbachev latino na tentativa de livrar o México da corrupção, ineficiência e autoritarismo”
(REDING, 1989).
Até o final de seu mandato, em dezembro de 1994, Salinas foi o responsável por ao menos
três grandes programas de modernização da economia mexicana. O primeiro e mais polêmico deles
talvez tenha sido o aprofundamento do processo de privatizações, iniciado pelo governo anterior,
que afetou setores politicamente sensíveis, como o sistema bancário e as telecomunicações. Em
segundo lugar, a negociação e assinatura do Acordo de Livre-Comércio da América do Norte
(NAFTA, sigla em inglês) foram eventos que influenciaram diretamente a evolução das
privatizações, bem como o processo de reforma constitucional que ocorreu em 1993. A
liberalização comercial proposta pelo acordo supostamente permitiria que as exportações
25
compensassem o enfraquecimento do consumo doméstico, além de redirecionar a especialização
produtiva do país rumo a níveis tecnologicamente mais elevados (MORENO-BRID & ROS, 2009).
Por fim, a terceira iniciativa de impacto substancial conduzida por Salinas foi a concessão
de autonomia ao banco central do México. Da mesma forma que as privatizações e a liberalização
comercial, o colapso das finanças públicas mexicanas impulsionou a inserção do país na
competição global por capitais. O redesenho institucional do Banxico se configurou como um
elemento importante para a atração de investimentos estrangeiros, já que sinalizava o compromisso
governamental com a aplicação de um determinado conjunto de políticas macroeconômicas,
consoantes com aquelas dos países investidores e também de organismos internacionais, como o
Banco Mundial e o FMI. Além da influência da percepção internacional, a autonomia do banco
central produziu efeitos distributivos na estrutura econômica doméstica, uma vez que privilegiou
as “visões de mundo” e as rendas do setor financeiro em detrimento de outras atividades. A
reorganização dos poderes econômicos que se seguiu também foi um elemento importante para as
eleições presidenciais de 1994.
O processo de privatizações
De acordo com Sacristian-Roy (2006: p. 64-63), as privatizações tinham por objetivo
“fortalecer” as finanças públicas, “canalizar adequadamente” os recursos estatais para áreas
estratégias, eliminar gastos e subsídios “não justificáveis” do ponto de vista econômico e social,
promover a produtividade e melhorar a eficiência do setor público. Quanto ao sucesso das
privatizações, o autor observa que, “independente das irregularidades ocorridas em alguns dos
processos”, o programa não resultou na “panaceia que os governos esperavam”, já que o Estado
teve de absorver um montante significativo do passivo das empresas vendidas, além de internalizar
a perda de receitas fiscais diretas antes geradas pelo monopólio sobre alguns setores, como o
aeroportuário.13
13 Ver também Porta e Lopez de Silane (1997).
26
O movimento inicial de privatizações coordenado pela gestão De La Madrid (1982-1988)
não produziu um impacto econômico significativo sobre as finanças públicas. As companhias
privatizadas eram “pequenas e médias empresas, adquiridas ou criadas pelo Estado,
predominantemente entre a década de 1960 e 1970, sem muita justificativa econômica ou social”
(MORENO-BRID & ROS, 2009: 169). Talvez o resultado mais importante tenha sido a eliminação
da participação do governo em 22 setores produtivos, uma vez que as firmas industriais
correspondiam a 40% dos ativos privatizados até 1989.
As maiores empresas públicas, como a Teléfonos de México (TELMEX), contavam com
agremiações laborais atuantes, que historicamente gozavam de acesso privilegiado ao Poder
Executivo.14 A partir da vitória de Salinas, o clientelismo sindical foi substituído por uma nova
forma de corporativismo, que se originou da necessidade do Partido Revolucionário Institucional
(PRI) em reconstruir sua base política e legitimar o novo governo. Com o apoio tradicional dos
sindicatos fragmentados pela desestatização, o governo buscou apoio junto aos grandes
conglomerados empresariais e financeiros do país. Assim, as privatizações que se seguiram entre
1989 e 1994, aparentemente transferiram a propriedade dos ativos públicos das mãos de uma
determinada elite política para uma elite econômica selecionada para legitimar o governo, que, em
troca da proteção de suas rendas, ofereceria suporte financeiro ao PRI em tempos eleitorais.
Na perspectiva de Judith Teichman (1998), não há evidências de que as reformas ou as
privatizações resultaram em alguma dispersão do poder econômico e político no México. “O poder
econômico segue tão concentrado quanto em 1982”, uma vez que o aumento da influência
empresarial não se deu de forma transparente. Pelo contrário, as decisões sobre política econômica
se tornaram mais herméticas, devido à “homogeneidade dos burocratas envolvidos e à natureza
pessoal dos vínculos entre os grandes grupos empresariais, o presidente e seu gabinete”
(TEICHMAN, 1998: 192-193).
14 Por exemplo, a Confederação dos Trabalhadores do México (CTM) transitava com facilidade entre os membros do
congresso nacional e suas comissões que regulavam assuntos trabalhistas, devido a sua condição de representação
oficial do PRI para assuntos relacionados ao tema (TEICHMAN, 1998).
27
A liberalização da política comercial
Assim como as privatizações, a reforma da política comercial também se iniciou durante a
gestão De La Madrid, a partir de uma flexibilização moderada do regime de importações. Porém,
o processo de abertura se consolidou com a adesão mexicana ao Acordo Geral de Comércio e
Tarifas (GATT, sigla em inglês) oficializada em julho de 1986. O país assumiu os compromissos
do Acordo na condição de país em desenvolvimento, o que lhe garantiu um cronograma
diferenciado para a redução tarifária e estabelecimento de mecanismos de investigação de práticas
desleais ao comércio.
Alguns anos mais tarde, o processo de liberalização comercial culminou com a adesão
(1992) e conclusão (1994) do NAFTA. Além do potencial de aumentar o fluxo mexicano de
comércio e investimentos com Estados Unidos e Canadá, a adesão ao NAFTA também seria um
atrativo para que recursos produtivos de outros países fossem investidos no setor de bens
transacionáveis do México, a fim de explorarem o potencial do país enquanto plataforma de
exportação para o mercado consumidor dos Estados Unidos. Por meio de tal acesso privilegiado, o
NAFTA cumpriria seu objetivo político de consolidar o processo de reforma econômica em curso
no México, já que, supostamente, conduziria a economia mexicana a um ciclo de crescimento
sustentado, liderado pela atividade exportadora, que provocaria um aumento da produtividade,
elevação dos níveis de emprego, bem como da disponibilidade de renda e padrão de vida do cidadão
mexicano (MORENO-BRID & ROS, 2009).
A concessão de autonomia ao Banxico
Promulgada em dezembro de 1993, a Lei do Banco do México atestava em seu primeiro
artigo que o banco central se constituía como uma pessoa jurídica de direito público de caráter
autônomo. Entre as responsabilidades decorrentes da autonomia estava a “competência única de
determinar os volumes e gerenciar seu próprio crédito”, um princípio de aplicação universal às
atividades do banco, mas que se dirigia especialmente à limitação da concessão de créditos em
favor do governo federal (BANXICO, 2012: 189). O financiamento dos déficits públicos foi uma
das principais causas do processo inflacionário do país entre as décadas de 1970 e 1980. Por essa
28
razão, a nova lei limitou os empréstimos do banco central ao governo a 1,5% das obrigações do
próprio governo previstas no orçamento federal.
Até a segunda metade da década de 1970, o governo mexicano não se preocupava com o
efeito de suas políticas domésticas sobre o mercado financeiro internacional, já que suas reservas
de petróleo funcionavam como garantias suficientes para acessar empréstimos e financiamentos
estrangeiros. Desse modo, ao sinal de qualquer distúrbio político interno, o Poder Executivo
aprofundava suas políticas de gastos, com o objetivo de estimular o crescimento econômico e
recuperar apoio popular. A subordinação da autoridade monetária à figura presidencial era tão
latente, que, ao ser avisado de que não haveria recursos suficientes para seguir com seu plano de
“desenvolvimento compartilhado”, o presidente Luís Echeverria (1970-1976) demitiu
“sumariamente” seu ministro da Fazenda, Hugo Margáin, e declarou que “a política econômica
[era] feita em Los Pinos (palácio presidencial) ”. Em seguida, o gabinete presidencial se tornou um
ministério “obscuro”, que pouco dialogava com outras instituições de política econômica do país
(MAXFIELD, 1997: 100).
Os excessos do Poder Executivo sobre o mercado financeiro culminaram na estatização do
sistema bancário em 1982, com a justificativa oficial de melhorar a solvência do setor público ante
um contexto internacional de restrições de crédito. No entanto, a nacionalização bancária pode ser
atribuída à resistência do presidente Lopez Portillo (1976-1982) em promover uma desvalorização
cambial, o que estimulou o comportamento especulativo (e supostamente ilegal) dos bancos
privados em operações com moedas estrangeiras. Por outro lado, o presidente argumentou que a
nacionalização foi uma consequência da falta de “conciliação entre a liberdade cambial e a
solidariedade nacional”, que estimulou a especulação de “certos mexicanos, [...] apoiados pelos
bancos privados” a sacar mais dinheiro do país que “todos os impérios que já nos exploraram”
(DIAZ, 2009: 303).
A nacionalização bancária desagradou o setor empresarial, que redirecionou parte de seu
apoio ao Partido de Ação Nacional (PAN), em oposição ao governo do PRI. Além disso, a
agressividade da medida pode ter afetado negativamente a busca do país por crédito internacional,
já que condicionou o ingresso de recursos estrangeiros à intervenção estatal direta. O desafio que
a nacionalização representou para as lideranças políticas inspirou uma reflexão acerca dos
29
mecanismos possíveis para circunscrever os governos de seus inesperados e notadamente
arbitrários exercícios de Poder (MAXFIELD, 1997: 103). Nesse sentido, a autonomia do banco
central seria uma opção para a restringir o campo de ação em política econômica dos governos
seguintes, além de sinalizar um compromisso com a estabilidade de preços para o mercado
financeiro internacional (FERNANDEZ-ALBERTOS, 2015: 220-222).
O custo político da nacionalização e a crise da dívida externa fez com o presidente De La
Madrid, após sua eleição em 1982, cedesse espaço aos interesses dos grupos financeiros. A
predominância da “coalizão financeira” se beneficiou da necessidade de integração da economia
mexicana à nova ordem mundial, além da internalização da cultura de política econômica daquela
época. Devido a sua formação acadêmica em comum, os membros da coalizão postulavam um
pensamento econômico ortodoxo e formatavam seus planos de ação sob uma perspectiva de longo
prazo. A homogeneidade de interpretação científica e similaridade entre as carreiras profissionais
garantiu que a racionalidade econômica se tornasse o principal “filtro metodológico” para a análise
e aplicação de políticas públicas mexicanas para as próximas décadas (SANTIN-QUIROZ, 2001:
64).
Porém, o gabinete ortodoxo de De La Madrid sofreu dois reveses importantes, que
diminuíram suas expectativas quanto à plena aplicação de suas interpretações monetaristas de
política econômica. Em primeiro lugar, após os ajustes do choque de oferta de 1979, os preços
internacionais do petróleo registraram uma queda de 65% entre novembro de 1985 e julho de 1986.
A subsequente perda das receitas da Petróleos Mexicanos (PEMEX) resultou em uma diminuição
de US$ 300 milhões em repasses fiscais naquele período (MORENO-BRID & ROS, 2009). Não
bastando, em 19 de setembro de 1985, a Cidade do México sofreu um terremoto de magnitude 8.1
na Escala Richter, o que demandou uma intervenção emergencial do governo mexicano. Os
recursos despendidos com o socorro à cidade, além das preocupações com sua reconstrução para a
Copa do Mundo do ano seguinte, pressionaram ainda mais as finanças públicas. Assim, a equipe
econômica de De La Madrid comunicou ao FMI que não seria capaz de honrar com as etapas
previstas pelo acordo de 1983, o que levou o Fundo a cancelar a liberação das parcelas faltantes do
empréstimo contratado. A radicalização da reforma econômica que se seguiu atendeu ao objetivo
de captar mais investimentos estrangeiros diretos, além de reativar a economia doméstica, por meio
da liberalização de preços, redução de subsídios, abertura comercial e ampliação das privatizações.
30
Entre todo o desgaste política causado por essa sequência de eventos, a gestão de De La
Madrid conseguiu incrementar a autonomia do banco central mexicano. A reforma da Lei do Banco
de México de 1985 eliminou o poder de veto do ministro da Fazenda sobre as decisões do banco
central, além de proibir que o banco adquirisse voluntariamente títulos do governo federal.
(BANXICO, 2012: 189; JACOME, 2015: 20). No entanto, os interesses da coalizão financeira se
manifestariam de forma mais objetiva nos princípios do sexênio de Salinas, com a reprivatização
do sistema bancário em agosto de 1990.
Segundo o discurso oficial da época, os objetivos do processo atendiam a generalidades
como “criar um sistema financeiro mais eficiente e competitivo”, “evitar a concentração de
mercado”, “assegurar padrões éticos de gestão bancária”, “promover a descentralização” e “obter
um preço justo pelos ativos”.15 No entanto, a reprivatização atendia a outros propósitos menos
flagrantes, uma vez que manifestou a consistência ideológica e econômica da coalizão financeira
dos tecnocratas que compunham o gabinete de Salinas.
A reprivatização favoreceu a concentração do poder financeiro no país. Antes da
nacionalização, os bancos comerciais eram as instituições que coordenavam as atividades dos
grupos econômicos que compartilhavam o controle acionário de empresas de diversos setores
produtivos. Assim, a nacionalização dos bancos trouxe um conjunto de fábricas, lojas e hotéis para
o controle estatal, que foi posteriormente reprivatizado em 1984. Os grupos que adquiriram os
ativos eram compostos por “casas de bolsa”, distribuidoras de títulos e valores mobiliários que não
foram nacionalizadas e cujos proprietários não eram, em sua maioria, do setor bancário. Os
acionistas da Operadora de Bolsa, por exemplo, também eram controladores de empresas do setor
de químicos (Grupo Cysda), vidraçaria (Grupo Vitro), siderurgia (Grupo Alfa), papel e celulose
(Kimberly Clark Mexico), entre outros. Foram esses grupos também que adquiriram (de volta) os
bancos comerciais durante a reprivatização de agosto de 1990 (RODRIGUEZ, 2010: Cap. 1 e 2).
15 Discurso do ministro da Fazenda, Pedro Aspe, pela abertura da Sexta Reunião dos Bancos do México em 13 de
agosto de 1990. Disponível em: http://lae.princeton.edu/catalog/1fthg#?c=0&m=0&s=0&cv=0&z=-0.6586%2C-
0.7301%2C2.3171%2C2.7346
31
As mudanças no setor financeiro não apenas habilitaram os investidores mexicanos a captar
mais recursos no mercado internacional de capitais, como também melhoraram o ambiente de
negócios para o capital estrangeiro atuar no país. Alguns meses antes da eleição, o governo
autorizou a participação estrangeira no setor bancário e o poder dos grupos econômicos nacionais
teve de ser compartilhado. Um exemplo foi a fusão do banco Serfin (adquirido pela Operadora de
Bolsa) com o Banco Mexicano, após ambos terem sidos comprados pelo grupo espanhol Santander.
Os recursos estrangeiros auxiliaram a concentração do setor, que nos princípios de 1995
experimentariam uma nova reorganização devido à crise do Peso (RODRIGUEZ, 2010). Além
disso, o volume de recursos que ingressou entre 1990 e 1994, aliado aos resultados do Programa
Nacional de Solidariedade (PRONASOL), contribuiu para que o peso mexicano se mantivesse
sobrevalorizado. O ciclo de expansão do consumo que se seguiu foi um dos principais fatores para
o sucesso eleitoral do PRI na disputa presidencial de 1994.
A necessidade de captação de recursos para a legitimação de um determinado projeto
político, como no caso da sucessão presidencial de Salinas, lança dúvida quanto à razão para a
concessão da autonomia aos bancos centrais: que incentivos os governos têm para abdicar do
controle da política monetária? Uma vez que a competição eleitoral é agressiva, a inconsistência
dinâmica ou o viés inflacionário parecem motivos excessivamente altruístas diante do objetivo dos
incumbentes em maximizar seu tempo no Poder. “Políticos em exercício obviamente não têm que
delegar a gestão monetária a um banco central conservador”, mas quando assim o fazem “é por
que a delegação atende a seus propósitos” (HAYO, 1998: 18). As decisões de tal natureza têm
menos a ver com o “combate à inflação do que com o desejo de distribuir rendas [...] para
eleitorados poderosos” (GARRIGA, 2010: 13).
Para os interesses de legitimidade da coalizão financeira16, além da reforma das instituições
econômicas, os programas sociais foram parte importante de sua estratégia política. A despeito de
um discurso liberalizante utilizado durante a campanha eleitoral, o presidente Salinas inicialmente
adotou uma política econômica heterodoxa de caráter assistencialista. Os recursos advindos das
privatizações se somaram à assistência financeira e técnica do Banco Mundial, que resultou na
16 Por coalizão financeira entende-se um grupo de executivos públicos que detém antecedentes profissionais com o
setor financeiro e vínculos acadêmicos com o pensamento econômico ortodoxo (cf., MAS, 1995). No caso do México,
a coalizão financeira se opôs à desenvolvimentista, que prevaleceu até a eleição de De La Madrid.
32
criação e aplicação do PRONASOL. O programa tinha como objetivo reduzir a pobreza no México,
por meio da concessão de transferências diretas de renda e subsídios direcionados para saneamento
básico e eletricidade. A partir disso, é possível afirmar que o PRONASOL também foi utilizado
deliberadamente para a legitimação política do PRI, que completava sua sétima década na
presidência do país, ao direcionar maior volume de recursos assistenciais às regiões dominadas por
partidos de oposição (TEICHMAN, 1998).
O sucesso dessa estratégia política da coalizão financeira também passa pelo efeito-renda
provocado pelo constante ingresso de capital estrangeiro sobre a taxa de câmbio. Salinas havia
percebido que desvalorização e inflação são determinantes importantes para o comportamento dos
eleitores, o que fez com que estruturasse sua estratégia eleitoral para 1994 em torno do panorama
econômico do país (SANTIN-QUIROZ, 2001: 185). A adesão ao NAFTA contribuiu para o
amparo jurídico da liberalização financeira, mas o presidente Salinas seguiu sua política em prol
da autonomia do banco central, “como parte de um esforço multifacetado para aumentar o ingresso
de fluxos financeiros estrangeiros, a despeito da necessidade declinante de crédito externo”
(MAXFIELD, 1997: 103).
Além disso, Salinas também considerou a concessão de autonomia como um modo de
sinalizar um compromisso futuro de seu partido com políticas amigáveis ao capital estrangeiro,
mesmo após ter deixado a presidência. Devido às seculares características autoritárias da política
mexicana, a “manipulação política” do banco central não beneficiou Salinas durante o exercício,
mas poderia eventualmente auxiliar seu partido na competição por solvência internacional em uma
eventual vitória em 1994. Aos olhos da oposição, a autonomia do banco central era um “passo
positivo” para o processo de liberalização política, já que reduz textualmente o poder da figura
presidencial. Por isso, o projeto de lei que autorizava a reforma não teve problemas em ser aprovado
pelo parlamento do México (MAXFIELD, 1997: 104)
A reforma do Banxico que se seguiu obedeceu aos princípios da literatura econômica
convencional sobre o tema, ou seja, (I) o banco central deve ter um mandato constitucional
orientado para a preservação da estabilidade de preços, (II) o banco central não pode ser coagido a
emprestar ou comprar títulos públicos para além dos valores autorizados por seu Conselho de
33
Administração, (III) o banco central não pode ter seus membros destituídos de seus cargos antes
do fim dos mandatos, que não coincidem com ciclos eleitorais (SANTIN-QUIROZ, 2001: 186).
O parágrafo adicionado ao Artigo 28 da Constituição Política dos Estados Unidos
Mexicanos em 20 de agosto de 1993 estabeleceu que;
O Estado terá um banco central que é independente no exercício de suas
funções e sua administração. Sua prioridade será assegurar a estabilidade
do poder de compra da moeda nacional, fortalecendo assim a
administração do desenvolvimento nacional para o Estado. Nenhuma
autoridade pode ordenar o banco a conceder financiamento.
De acordo com Luís Jacome (2015: 34), a inclusão dos objetivos do mandato na
Constituição, contidos na Lei de 1993, busca minimizar as possibilidades de que uma lei futura
dilua o foco na estabilidade de preços. A definição das formas de escolha dos dirigentes do banco
busca “desatar” a programação monetária dos calendários eleitorais (Art. 38º a 45º). O Banxico
também recebeu autonomia operacional para conduzir a política monetária da melhor forma que
lhe couber, permitindo a livre utilização dos instrumentos monetários sem interferência
governamental (Art. 46º). Por fim, como já mencionado anteriormente, a nova legislação proibia
expressamente o banco central de financiar os gastos do governo (Art. 9º). Em termos estruturais,
o Art. 41 define a composição da Junta dos Governadores do Banxico, que é indicada pelo
presidente da República e aprovada pelo Senado Federal, conforme a Tabela 2 a seguir.
As características de coordenação com o capital estrangeiro próprias de um banco central
autônomo se manifestaram rapidamente após a promulgação da lei. A entrada recorde de recursos
estrangeiros em 1993 provocou uma apreciação cambial que reduziu as margens de lucro do setor
de bens transacionáveis, o que desestimulava o investimento e diminuía os níveis de poupança do
país. O nível de capital externo convertido em investimento direto aumentou durante tal período,
mas, em sua maioria, os recursos buscavam oportunidades em títulos de elevada liquidez e curto
prazo. A alavancagem do setor bancário em moeda estrangeira, além do aumento das concessões
de crédito para o consumo, foram duas das principais causas da crise que se seguiu em 1995
(MORENO & BRID, 2009: 200).
34
Tabela 2 – Normas para a Junta dos Governadores do Banxico (cf. Art. 41)
Fonte: Banxico
Cargo Condução ao cargo Requisitos para o Cargo Mandato
Governador do BanxicoIndicado pelo Presidente da República com
nomeação aprovada pelo Senado.
6 anos, a partir do quarto ano
do sexênio corrente.
Subgovernador (1)
Subgovernador (2)
Subgovernador (3)
Subgovernador (4)
Subgovernador (5)
Indicado pelo Governador do Banxico, com
nomeação aprovada pelo Senado.
Ter sido indicado subgovernador ao
menos uma vez, naturalidade mexicana,
até 65 anos de idade, experiência
gerencial de ao menos cinco anos no
sistema financeiro local e competência
reconhecida em matéria monetária.
A Constituição faculta que dois
membros da Junta podem ser
mexicanos, menores de 65 anos de idade
e dotados de competência reconhecida
em outras áreas profissionais (ex.:
acadêmica e jurídica).
8 anos, iniciados apenas no
primeiro, terceiro e quinto ano
de cada sexênio .
35
Evolução da política monetária do México entre 1991 e 2008
Subordinação à política cambial (1991-1994)
Embora o banco central tenha adquirido autonomia para conduzir a política monetária, as
diretrizes da política cambial seguiram definidas por um órgão colegiado, a Comissão de Câmbios,
composta por membros do Banxico e do Ministério da Fazenda, que contam com voto qualificado
(DIAZ, 2005: 70). Entre 1991 e 1994, a política cambial mexicana se baseou em um “regime de
bandas com deslizes controlados”, em que a Comissão determinou o limite inferior da flutuação ($
3.051,20/US$ em 11 de novembro de 1991) enquanto o limite superior era diariamente ajustado
(BANXICO, 2009). A adoção desse regime fazia parte da reforma econômica de Salinas, que
também tinha por objetivo “travar” a inflação por meio de âncoras cambiais.
No entanto, outras medidas contribuíram para tornar arriscada tal estratégia cambial. A
reprivatização bancária atraiu grupos financeiros com estratégias agressivas para o mercado
doméstico de crédito, capazes de captar recursos no mercado financeiro internacional, o que
alavancou significativamente o consumo interno por meio de endividamento (SANTIN-QUIROZ,
2001). Além disso, entre 1989 e 1990, o governo federal permitiu que investidores estrangeiros
adquirissem títulos públicos, como também participações em empresas mexicanas listadas no
mercado acionário. Pela lógica do governo, os recursos arrecadados pelos segundos esterilizariam
a volatilidade dos primeiros (GRIFFITH-JONES, 1997). O otimismo quanto à capacidade do
câmbio em conter a inflação e aprofundar a integração externa da economia também fez com que
o governo alterasse sua forma de financiamento. Nesse sentido, os Certificados do Tesouro Federal
(Cetes, sigla em espanhol), títulos públicos denominados em Pesos, foram substituídos pelos
Tesobonos, títulos de curto prazo indexados ao dólar.
O ingresso caudaloso de capital estrangeiro para o financiamento do consumo, seja por
meio do crédito bancário, seja por meio do subsídio aos importados causado pela apreciação,
aumentou a vulnerabilidade externa do país. O déficit em transações correntes alcançou 7% do
PIB, um valor que os fluxos da conta financeira do balanço de pagamentos não conseguiriam
compensar. Tampouco a política monetária poderia frear a bolha de empréstimos bancários, uma
36
vez que os depósitos compulsórios tinham sido abolidos e os controles de crédito eliminados ao
final da década de 1980 (GRIFFITH-JONES, 1997: 14).
Para honrar seus compromissos, tanto públicos quanto privados, o governo mexicano
recorreu à utilização de reservas internacionais. Contudo, a miopia quanto à duração dessa medida
emergencial retardou a depreciação do câmbio em face de “temores inflacionários” em um ano de
eleição presidencial (MORENO-BRID & ROS, 2009: 201). O valor dos Tesobonos a vencer já
superava o volume de reservas mexicanas em novembro de 1994, o que fez com que os investidores
estrangeiros desconfiassem da consistência das ações do governo. O impulso final de desconfiança
quanto ao futuro econômico do México veio com o acirramento das tensões políticas na região de
Chiapas, alguns dias após a posse do presidente Ernesto Zedillo (1994-2000) em dezembro de
1994. Os movimentos do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) provocaram um
ataque especulativo ao Peso, que fez com que o recém-empossado governo depreciasse o câmbio
em 15%. No entanto, “para a surpresa de todos”, o anúncio da desvalorização do limite superior da
banda não foi acompanhado de outras mudanças macroeconômicas importantes para o curso de
1995. “Descrentes”, os investidores retiraram do país US$ 4 bilhões em apenas um dia, o que fez
com que as autoridades percebessem que “não havia outra alternativa senão deixar o Peso flutuar”
a partir de 20 de dezembro de 1994 (EDWARDS et al, 2000: 192).
A degradação da situação econômica fez com que o nível de reservas internacionais
diminuísse US$ 10 bilhões no último trimestre de 1994, retornando à valores registrados no início
da gestão Salinas em 1988 (Figura 1). O fim do regime de bandas fixas resultou em uma
desvalorização cambial de pouco mais de 92% entre dezembro de 1994 março de 1995 (Figura 2).
Por fim, como primeira resposta à sangria externa que o país vivenciava, o governo aumentou
drasticamente a remuneração de seus títulos de curto prazo para 74,8% ao ano em abril de 1995
(Figura 3). No entanto, a elevação pouco surtiu efeito, uma vez que “a substituição das Cetes por
Tesobonos magnificou as consequências da desvalorização e transformou o que seria um simples
desalinhamento em uma crise das finanças públicas de grande escala” (SANTIN-QUIROZ, 2001:
226).
37
Figura 1 - Evolução das Reservas Internacionais do México entre dez/93 e dez/95
Fonte: Banxico
Figura 2 - Evolução da taxa de câmbio do México entre dez/93 e dez/95
Fonte: INEGI
Figura 3 - Evolução dos juros dos CETES para 28 dias entre dez/93 e dez/95
Fonte: Banco Intercam
0
5
10
15
20
25
30
35
dez/93 abr/94 ago/94 dez/94 abr/95 ago/95 dez/95
US
$ b
ilh
ões
2
3
4
5
6
7
8
dez/93 abr/94 ago/94 dez/94 abr/95 ago/95 dez/95
$/U
S$
0
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30
40
50
60
70
80
dez/93 abr/94 ago/94 dez/94 abr/95 ago/95 dez/95
% a
o a
no
38
Política monetária em transição (1995-2000)
Os episódios de dezembro de 1994 culminaram na demissão do ministro da Fazenda, Jaime
Serra Puche, que não chegou a completar um mês à frente da pasta. Em seu lugar assumiu
Guillermo Ortiz Martinez, que, logo no início de 1995, anunciou um programa econômico de
caráter restritivo. A política monetária ocupava um papel central na recuperação da credibilidade
do banco central e também da solvência internacional do país. A definição de tal protagonismo
tirava proveito da existência, a partir daquele momento, de um regime flutuante de câmbio, que
permitiu que o Banxico readquirisse o controle sobre a oferta de moeda e pudesse aplicar um
regime de metas quantitativas para os agregados monetários (BANXICO, 2012: 237)
A partir de então, a política monetária foi caracterizada pelo regime de saldos acumulados.
De acordo com Garriga (2014: 13), o banco central definiu um intervalo de 28 dias no qual as
reservas bancárias deveriam registrar um saldo médio de zero. Em busca de um efeito
contracionista sobre a base monetária, o Banxico estabelecia uma taxa elevada de juros, que
penalizasse aquelas instituições financeiras com saldos devedores após o fim desse período. Caso
o saldo fosse positivo, a penalidade seria a perda do custo de oportunidade de aplicar a moeda em
outras operações.
A fim de alcançar os objetivos do regime, que ficou conhecido como sistema de “corto”, o
Banxico divulgava a evolução diária dos saldos durante a vigência do intervalo, o que funcionava
também como um “sinal” das intenções de política monetária do banco. A busca por saldos
acumulados negativos implicava que o Banxico não estava disposto a oferecer recursos as taxas de
mercado, o que fazia com que as instituições sanassem suas necessidades no mercado
interbancário, eventualmente diminuindo a oferta de moeda na economia. Por outro lado, o anúncio
em favor de saldos positivos indicava que o Banxico se dispunha a financiar as instituições com
taxas abaixo das praticadas no mercado interbancário, estimulando a operação à descoberto e o
aumento da circulação de moeda (BANXICO, 2003: 12-13).
O mecanismo de sinalização do Banxico buscava retomar sua credibilidade, que foi
danificada pelo processo de desvalorização e o retorno de um ambiente inflacionário durante o
primeiro semestre de 1995. Os agentes observavam o banco central como uma autoridade pouco
39
transparente na condução da política monetária, que respondia com lentidão durante ciclos
recessivos. A adoção do sistema de saldos acumulados, em conjunto com um novo compromisso
firmado com o FMI, fez com que as expectativas inflacionárias diminuíssem e o câmbio deixasse
de depreciar ainda em 1995 (CARSTENS & WERNER, 1999: 13-15).
Os ajustes do pós-crise não se ativeram apenas à política monetária. No tocante à política
cambial, o abandono do sistema de bandas fixas não se traduziu em uma liberalização completa,
uma vez que o banco central manteve um esquema de intervenção discricionária, conhecido como
“flutuação suja”. O Banxico adquiria periodicamente opções cambiais das instituições financeiras
e, a depender de seu objetivo por apreciação ou depreciação, leiloavam determinados lotes desses
papéis no período seguinte. A intuição por trás do mecanismo era alcançar uma taxa média de
câmbio entre os vencimentos dos títulos, que controlassem movimentos bruscos na cotação do
dólar.
As mudanças na utilização de instrumentos cambiais e monetários têm a ver não apenas
com a evolução do pensamento econômico e da experiência internacional (GOODFRIEND, 2007),
mas também com uma década de “esforços falidos” no controle da inflação, da aplicação de
instrumentos que não permitiam a acomodação de choques externos e a falta de credibilidade das
instituições monetárias (GARRIGA, 2014: 12).
Adoção do regime de metas de inflação (2001-2008)
O regime de metas de inflação surgiu como uma alternativa de política econômica para a
estabilização de preços, após as experiências malsucedidas de ancoragem cambial, especialmente
em países da América Latina, ao final da década de 1990. O controle inflacionário por meio da
fixação da taxa de câmbio, somado à liberdade de circulação de capitais, compeliu os bancos
comerciais a realizar operações de crédito de maior risco. A ocorrência de ataques especulativos
ou choques externos encontraria um sistema “despreparado para conter grandes retiradas de
depósitos”. Assim, o enfrentamento da crise bancária que se seguiu seria, “como no passado”,
responsabilidade do banco central (JACOME, 2015: 39-40).
40
Nesse sentido, as experiências da crise do Peso foram determinantes para que o Banxico iniciasse
uma transição gradual para um regime de metas de inflação. De acordo com Ball e Reyes (2004:
56-59), a criação do mecanismo do sistema de saldos acumulados (corto) fixou o instrumento de
política monetária pelo qual a meta de inflação, anunciada pela primeira vez em 1996, seria
alcançada. As metas foram sequencialmente divulgadas ao início de cada ano entre 1997 e 2000.
A partir de então, o canal de comunicação estabelecido com os agentes econômicos permitiu que
o Banxico respondesse com agilidade a eventuais falhas no atingimento das metas. Amparado pelo
Art. 28 da Constituição, o próprio banco estabeleceu que o objetivo permanente de inflação será
de 3% anuais, com limites inferiores e superiores de 1%.
A transição se completaria com o anúncio do Programa Monetário de 2001, que
institucionalizou as medidas já em curso e estabelecia outros parâmetros, como a convergência da
taxa anual de inflação para 3% em 2003. Para tanto, o Banxico se comprometia a seguir uma
política monetária restritiva, ante um reajuste dos preços administrados de acordo com as metas de
inflação e uma política fiscal “sólida”, que contariam também com a ausência de perturbações
externas severas, capazes de alterar a taxa real de câmbio. Ainda no documento, o Banxico
estabelece que “o desejável é que a política monetária se instrumente de forma preventiva, o que
reduziria substancialmente os custos do processo de abatimento da inflação”, que seria alcançado
por meio da “análise contínua” da evolução dos preços, a ser publicada em seus Informativos
Trimestrais. Assim, “se reforçaria o papel de âncora nominal que cumprem as metas de inflação e
se evitaria a contaminação das expectativas de inflação à médio e longo prazos” (BANXICO, 2001:
68-72).
Após o cumprimento da meta pela primeira vez em 2003, o banco central passou a anunciar
o montante de saldos acumulados diários, não mais para um intervalo de 28 dias, que desejava para
as reservas bancárias. Com isso, é possível afirmar que a transição para o regime de metas de
inflação se completou apenas em 2008, quando o controle da liquidez do mercado interbancário
foi atribuído diretamente a taxa de juros. A permanência de instrumentos vinculados às metas
intermediárias é uma evidência da postura conservadora do Banxico em relação às transformações
que afetem as formas de gerenciar a política monetária.
41
Desempenho da economia mexicana durante a crise de 2008
O comportamento do setor externo da economia mexicana fornece sinais evidentes dos
impactos da crise no país, principalmente devido ao seu estreito vínculo comercial com os Estados
Unidos. Entre 2008 e 2014, o país absorveu em média 65% das exportações mexicanas, que se
concentraram principalmente em veículos, máquinas e equipamentos e combustíveis minerais,
produto qual o México é seu principal fornecedor. A perda do dinamismo no mercado
estadunidense significou uma queda de 39,1% nas exportações de petróleo do México em 2009.17
As vendas se recuperaram entre 2010 e 2011, e nos três anos subsequentes, a média mensal de
embarques (US$ 4,1 bi) retornou aos níveis pré-crise.
O petróleo correspondeu a cerca de 15% das exportações mexicanas no período analisado.
O crescimento sustentado do preço da commodity, a partir de 2001, contribuiu para que o país
acumulasse reservas internacionais (Figura 1). O desempenho exportador do produto também
exerce influência sobre o comportamento das contas públicas. Entre 2008 e 2014, o nível de
reservas mais que dobrou e alcançou um total de US$ 193,2 bilhões. O “colchão de liquidez” em
divisas estrangeiras amenizou os efeitos da saída de US$ 14,9 bilhões em investimentos de
portfólio em 2009, um montante superior à fuga de capitais registrada em 1995 (US$ 13,9 bi).
Além do vínculo comercial, a participação de imigrantes mexicanos no mercado de trabalho
dos Estados Unidos se configurou como um outro canal de transmissão da crise para o México. Os
trabalhadores mexicanos enviaram para seus familiares uma média anual de US$ 25,6 bilhões nos
três anos anteriores à 2008. A desaceleração da construção civil do país vizinho, que absorve grande
parte da mão de obra imigrante, provocou uma redução de 15,3% nas transferências unilaterais de
renda para o México em 2009. A consequente redução da renda disponível das famílias
destinatárias de tais recursos impactou a demanda por bens e serviços locais na economia
mexicana. A recuperação do volume de transferências nos anos seguintes não se igualou ao total
enviado em 2008.
O desempenho econômico do México acompanhou a tendência mundial de contração após
a eclosão da crise. No entanto, a redução do PIB mexicano em 2009 foi superior à média dos
17 Dados do UN Comtrade. Disponível em: https://comtrade.un.org/
42
mercados emergentes e também dos países da América Latina. A dimensão do movimento talvez
seja explicada por sua proximidade com o mercado estadunidense, além do grupo de países
emergentes considerar a China que, a despeito das restrições internacionais, registrou um
crescimento de 9,2% e 10,6% entre 2009 e 2010, respectivamente. Mesmo o rebote de 2010 foi
moderado para a economia mexicana, que também se situou distante dos níveis registrados por
seus parceiros emergentes e regionais (Figura 2).
Entre os principais componentes da atividade doméstica, a indústria de transformação e o
setor de serviços foram aqueles que mais sentiram a degradação do cenário internacional. O
primeiro, devido à sua dependência do mercado estadunidense, o segundo, por depender das
remessas dos imigrantes para o consumo local de suas famílias. A diminuição do poder de compra
do mexicano afetou o setor de construção civil, cuja demanda se restringe ao mercado doméstico
(Figura 3).
43
Figura 4 – Preço do petróleo e evolução das reservas cambiais jan/08 e dez/14
Fonte: FMI e Banxico
Figura 5 – Remessas ao México e desemprego na construção civil dos Estados Unidos
(média móvel)
Fonte: BLS e INEGI
Figura 6 - Evolução de Componentes do IGAE entre 2008 e 2014 (média trimestral)
Fonte: INEGI
50
75
100
125
150
175
200
20
40
60
80
100
120
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Preço médio do Petróleo (US$/Brent) Reservas (US$ bi)
5
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15
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4
4,5
5
5,5
6
6,5
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13
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3
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4
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/14
no
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4
Transf. Unilaterais (US$ bi) Desemprego Const. Civil - EUA (%)
-5
-4
-3
-2
-1
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1
2
3
4
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12
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12
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/13
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13
dez/
13
mar/
14
jun
/14
set/
14
dez/
14
% a
.t.
IGAE Ind. Transf. Const. Civil Serviços
44
Respostas de política monetária à crise
As respostas de política monetária aos efeitos da crise variaram entre países industrializados
e emergentes. Nos primeiros, a estabilidade macroeconômica alcançada ao longo dos vinte cinco
anos anteriores à crise produziu um fenômeno de convergência declinante das taxas básicas de
juros. A ocorrência do “limite inferior zero” (ZLB, sigla em inglês) se dá quando a produção
apurada de uma economia tende a se aproximar de sua capacidade produtiva instalada, o que
significa menor variação das taxas de juros, que já não conseguem estimular a atividade econômica
nas mesmas dimensões de outrora. Nesse sentido, o fenômeno estimulou os bancos centrais a
aplicarem políticas monetárias alternativas para a recuperação da atividade produtiva. Tais políticas
incluíram medidas como, entre outras, um compromisso com baixas taxas de juros, a aquisição
direta de ativos e a comunicação pública e constante das perspectivas e decisões dos bancos
centrais. O objetivo era alterar as expectativas futuras dos agentes por outra via que não a taxa de
juros de curto prazo.
De acordo com Loisel e outros (2009), diante do fenômeno do ZLB existem ao menos três
políticas “não convencionais” a serem perseguidas. Em primeiro lugar, os bancos centrais podem
se comprometer com uma taxa de juros excessivamente baixa no médio prazo, com o objetivo de
ancorar as expectativas de inflação (em níveis mais elevados) e estimular a demanda agregada.
Diante do mesmo contexto, os bancos centrais podem abandonar o objetivo de manipulação dos
juros interbancários em suas operações de mercado aberto, se concentrando na compra de títulos
privados para aumentar as reservas dos bancos comerciais até uma determinada quantidade. Por
outro lado, o banco central pode adquirir ativos financeiros por meio das mesmas operações, mas
com o intuito de aumentar os preços destes ativos e “destravar” o crédito bancário para a economia.
A aplicação destas politicas escapa das atribuições de um banco central autônomo,
concentrado exclusivamente na manutenção da estabilidade de preços. O surgimento do “alívio
quantitativo” relativizou a singularidade dos mandatos dos bancos centrais. Assim, sob a
justificativa de não terem abandonado o controle da inflação, autoridades monetárias notadamente
autônomas começaram a aplicar políticas “não convencionais” ante um cenário de crie prolongada.
45
Nesse sentido, a partir de 2014, o Banco Central Europeu (BCE) expandiu a oferta crédito
a taxas fixas para instituições financeiras interessadas em aumentar suas linhas para o setor privado,
além de ter lançado um amplo programa de aquisição de ativos e títulos. Com isso, os ativos em
posse do BCE corresponderam a 20,7% do PIB do bloco em julho de 2015, ante uma participação
de 9,9% em 2007. A base monetária também aumentou 8,8% do PIB para 15,2% na mesma base
de comparação. Os baixos níveis de crescimento de produto e dos preços são a justificativa do BCE
para tais medidas.18
O Banco da Inglaterra (BoE), por sua vez, iniciou seu programa monetário alternativo logo
no primeiro trimestre de 2009, ao anunciar um montante de £ 75 bilhões destinados para a aquisição
de ativos e títulos. Os valores foram ampliados mais três vezes ao longo daquele ano, até que em
julho de 2012, o total do programa alcançou £ 375 bilhões. O governo também articulou o “Funding
for Lending Scheme”, em que o BoE repassa recursos do Tesouro Britânico para bancos comerciais
financiarem o setor real da economia (CHURM, 2015).
Enquanto os países industrializados criavam mecanismos agressivos de aumento da
liquidez, a política monetária dos países emergentes se ateve a opções convencionais para absorver
os primeiros impactos da crise. Lins e Datz (2016: 23-24) mostram que o Banco Central do Brasil
(BCB) diminuiu a exigência dos depósitos compulsórios e reduziu a taxa básica de juros,
caracterizando uma política contracíclica de estímulo ao crescimento. O Banco de Reserva da Índia
(RBI, sigla em inglês) seguiu o mesmo tipo de política, mas devido a problemas de solvência
externa das firmas locais. Ao contrário de seus pares, o Banxico reagiu inicialmente com um
aumento moderado dos juros, materializando a postura ortodoxa de seus gestores e o compromisso
com a estabilidade da inflação, ameaçada pela desvalorização premente, conforme observamos na
seção anterior.
18 Apresentação do vice-presidente do BCE, Vítor Constâncio, durante o Congresso Anual da Associação Econômica
Europeia (EEA, sigla em inglês) em agosto de 2015. Disponível em:
https://www.ecb.europa.eu/press/key/date/2015/html/sp150825.en.html
46
Análise das decisões de política monetária do Banxico
A Junta de Governadores do Banxico segue um calendário regular de anúncios sobre suas
decisões de política monetária, que se tornaram recorrentes a partir da adesão ao regime de metas
de inflação em 2001. Os comunicados são divulgados em média a cada 45 dias e contém uma breve
análise da conjuntura econômica doméstica e internacional, bem como uma justificativa sobre a
decisão adotada na ocasião. O banco também publica informativos trimestrais sobre a trajetória da
inflação, com pormenores das decisões tomadas anteriormente, além dos programas monetários
anuais.
As primeiras anotações sobre os problemas no mercado hipotecário dos Estados Unidos
aparecem no comunicado do dia 24 de agosto de 2007. Os sinais da crise foram tratados
inicialmente como um indicativo da aversão ao risco nos mercados financeiros internacionais, mas
que poderiam eventualmente afetar o vigor da recuperação da atividade industrial registrada no
segundo trimestre daquele ano. No entanto, a decisão do Banxico conferiu mais ênfase as
“preocupações à nível mundial pelos riscos inflacionários associados à evolução dos preços dos
alimentos e do petróleo” (C.P., 24/08/2007). Diante de tal incerteza, o Banxico optou por manter
as condições monetárias inalteradas, mas como uma inclinação restritiva.
Em 21 de janeiro de 2008, o banco abandona o mecanismo de saldos diários e adota uma
meta para a taxa de juros diária do mercado interbancário (tasa de fondeo), que foi inicialmente
fixada em 7,5% ao ano. A desaceleração dos Estados Unidos aumentou as expectativas do banco
quanto à uma recessão ainda na primeira metade de 2008. Porém, a Junta decidiu pela manutenção
das condições monetárias ante as evidências de contaminação doméstica pela alta dos preços das
commodities nos dois anos anteriores.
As preocupações do Banxico quanto ao comportamento dos preços eram justificadas. A
partir de março de 2008, o acumulado para 12 meses do índice nacional de preços ao consumidor
(INPC) ultrapassou o limite superior da meta de inflação. O índice de 6,35%, naquele ano, seria o
maior para a série desde a implementação do regime de metas em 2001. Na tentativa de amenizar
o crescimento dos preços, a Junta aumentou sucessivamente a taxa de juros por três vezes a partir
de junho. As razões apontadas permaneciam em torno da atenção quanto às pressões de custo que
47
os preços das commodities agrícolas e minerais exerciam sobre a economia doméstica. Além disso,
o setor produtivo ainda não havia registrado indicativos preocupantes de desaceleração, que se
aprofundariam apenas a partir do primeiro trimestre de 2009.
Em termos comparativos, a postura contracionista do Banxico foi inicialmente
acompanhada por outros bancos centrais de países em desenvolvimento. Ao longo de 2008, Brasil
e Rússia elevaram os juros em quatro oportunidades, Turquia, assim como o México, por três vezes
e África do Sul e Índia, apenas em duas. A despeito das preocupações inflacionárias, a alta
generalizada dos juros entre os países em desenvolvimento também atendeu à uma lógica de
contenção de saída de capitais e desvalorização cambial. O comportamento deste grupo de países
contrastou com as primeiras reações de afrouxamento nos Estados Unidos e na Europa.
Os ajustes sucessivos do Banxico reforçam o cumprimento de seu mandato constitucional
de perseguição à estabilidade de preços. No entanto, a partir do segundo trimestre de 2009, a
política monetária mexicana ingressou em um ciclo passivo em que a taxa de juros se manteve em
4,5% ao ano durante 43 meses consecutivos (Figura 4). Tal movimento provocou suspeitas quanto
a prevalência da estabilidade de preços na atuação do banco. Sosa (2015) questiona se a economia
mexicana estaria diante de um “banco central insensível à variação da inflação” e mais preocupado
com as “oscilações baixistas da produção”, ignorando o potencial impacto “retroalimentador” da
inflação sobre a produto e emprego (SOSA, 2015: 82). O argumento do autor se baseia nos
pressupostos da literatura convencional apresentada na primeira seção deste artigo. Nesse sentido,
um banco central cuja ponderação da política monetária se concentre em flutuações da atividade
econômica, ao invés das variações de preços, pode incorrer no problema da inconsistência
dinâmica, o que descaracterizaria o propósito de sua autonomia institucional.
48
Figura 7 - Evolução mensal da taxa de juros (fondeo) entre jan/08 e dez/14
Fonte: Banxico
Como forma de avaliar a eventual insensibilidade à inflação do Banxico, a seção seguinte
se ocupa de analisar o conteúdo dos Anúncios das Decisões de Política Monetária19, divulgados a
cada reunião da Junta dos Governadores do banco. Além dos meses antecedentes à crise financeira
já mencionados, o período analisado se estende até o final de 2014.
Os argumentos que indicam que banco central abandonou a perseguição da baixa inflação
não se sustentam, uma vez que entre 2008 e 2014, os limites superiores da meta foram
desrespeitados apenas em três ocasiões: 2008, 2010 e marginalmente em 2014 (Figura 5). Porém,
a redução sucessiva dos juros ao longo de 2013 podem sinalizar para um comportamento anticíclico
da política monetária mexicana, diante de um contexto restritivo para a recuperação da atividade
econômica.
Nesse sentido, a análise do conteúdo20 dos Comunicados de Prensa (C.P) indica que o
banco adotou uma política monetária eclética no período, já que abandonou ocasionalmente seu
mandato constitucional de manutenção da estabilidade de preços, mesmo que sem prejuízos ao
cumprimento das metas de inflação. Por um lado, o banco seguiu conservador na utilização da taxa
de juros como principal instrumento monetário, sem recorrer à compra direta de ativos e outros
19 Os comunicados de imprensa do Banxico se organizam em quatro partes: conjuntura internacional, atividade
doméstica, evolução dos preços e ao final do documento, o comunicado expresso da decisão da Junta.
20 Ver Anexos.
2
3
4
5
6
7
8
9
jan/08 jan/09 jan/10 jan/11 jan/12 jan/13 jan/14
%a.
a.
49
mecanismos não convencionais aplicados nos países industrializados. Por outro, demonstrou
sensibilidade à degradação do cenário internacional e à atividade doméstica, tanto ao manter os
juros inalterados durante um longo período, como ao reduzi-los sucessivamente diante do
desempenho fraco da produção entre 2013 e 2014. Assim, ao menos durante a crise, o
comportamento do Banxico se afastou das definições convencionais sobre a autonomia do banco
central, o que reforçou a natureza política da organização.
Figura 8 - Evolução mensal do INPC (acumulado em 12 meses) e as metas de inflação
Fonte: Banxico
O conservadorismo eclético do Banxico diante do peso dos fatos
A outorga da autonomia ao Banxico ocorreu ante um contexto particular de euforia
reformista, que se espalhou entre os países latinos carentes de solvência externa nos princípios da
década de 1990. As aspirações de grupos políticos tradicionais, como o PRI, encontraram no
preparo técnico de uma coalizão financeira organizada os dispositivos para sua legitimação no
poder. Por isso, a modernização das instituições daquele período, por mais que atendessem a
objetivos e a justificativas de isolamento da condução econômica de forças políticas, por si só, foi
um movimento politicamente motivado e estabelecido. A tecnocracia financeira atuou como um
novo personagem para a consolidação de interesses econômicos já tradicionais na sociedade
mexicana, seja por meio das privatizações, da liberalização comercial ou da própria reforma
bancária dos primeiros anos daquela década.
dez/08; 6,3
mar/10; 4,9
dez/10; 4,3
set/12; 4,7mai/13; 4,5
jan/14; 4,4
2
3
4
5
6
7
jan/08 dez/08 nov/09 out/10 set/11 ago/12 jul/13 jun/14
%a.
a.
INPC (% 12M) Limite Sup. Meta
50
O conservadorismo teórico que acompanha o conceito de autonomia não se manifestou
imediatamente na gestão monetária do Banxico. Até a eclosão da crise do Peso em fins de 1994, a
política monetária seguiu subordinada à política cambial e foram necessários choques exógenos
para que tal contexto se alterasse. A partir de então, o banco dominou seus instrumentos monetários
e promoveu uma transição gradual até o regime de metas de inflação em 2001. A permanência de
resquícios da gestão por metas intermediárias (por exemplo, a utilização de saldos acumulados),
abandonada pelos países industrializados já nos anos 1980, sugere um cuidado excessivo do
Banxico no ajuste de suas práticas de política monetária. De todo modo, a opção por tal
gradualismo pode ser justificada pela busca de credibilidade de uma instituição econômica atuando
em um cenário doméstico sujeito a sobressaltos diversos, originados principalmente por questões
territoriais e de segurança pública.
Não é possível afirmar que, nesse sentido, o relativo isolamento político que a autonomia
do Banxico conferiu à gestão monetária foi suficiente para que o banco tomasse suas decisões
negligenciando deliberadamente a evolução de outras políticas, principalmente aquelas de cunho
fiscal. Tampouco há indícios de inconsistência dinâmica pela análise dos Comunicados de Prensa,
uma vez que os cursos de ação anunciados foram satisfatoriamente cumpridos, raramente alterados
e extensivamente justificados. Não há também evidências da “dominância fiscal” clássica, que
ocorre por meio do financiamento discricionário das despesas públicas. Porém, os dirigentes do
banco demonstraram certa propensão a coordenar suas decisões sobre a taxa de juros com os
desdobramentos de programas de ajuste estrutural, especialmente entre os anos de 2013 e 2014.
O contexto internacional também afetou significativamente o grau de conservadorismo das
políticas do Banxico. Cabe especular se, uma vez que o epicentro da crise de 2008 não fosse os
Estados Unidos, o banco possivelmente se atentaria com menos dispersão ao seu mandato
constitucional de estabilidade de preços. A oscilação do dinamismo no mercado estadunidense,
além das incertezas quanto à duração do alívio quantitativo do Fed, pode ter estimulado certas
decisões orientadas para a recuperação da atividade doméstica. Se as preferências do banco quanto
aos níveis de atividade eventualmente se aproximaram das preferências da sociedade, a autonomia
do Banxico foi ineficaz para o controle inflacionário, nos termos de Rogoff (1985). Por outro lado,
a variação dos preços em torno do limite superior da meta de inflação demonstra que a política
51
monetária não buscou causar “inflação-surpresa” e “trapacear” as expectativas dos agentes
econômicos, como postula Barro e Gordon (1981).
Mesmo assim, não é possível desconsiderar a hipótese de que as decisões do Banxico
conferiram maior ponderação às variações da atividade do que ao comportamento dos preços, como
supostamente um banco autônomo não deve proceder. A Tabela 6 tenta sintetizar, de maneira
agregada, o conteúdo dos comunicados analisados pela seção anterior e a variação anual do IGAE
e também do INPC. É possível notar que as reduções dos juros ocorreram justamente em anos que
o índice de atividade apresentou sinais mais débeis (2009, 2013 e 2014), a despeito do INPC ter se
posicionado em níveis próximos ao limite superior da meta de inflação (4%). Outrossim, a taxa de
juros não sofreu quaisquer alterações naqueles anos em que o IGAE foi mais robusto, mesmo com
a inflação ultrapassando significativamente o seu teto, como ocorreu em 2010.
Portanto, o comportamento do Banxico pode ser considerado eclético uma vez que suas
políticas se afastaram ocasionalmente da singularidade de objetivo de seu mandato constitucional.
A manutenção do poder de compra instituída pelo Art. 28 da constituição mexicana pode não
resistir à necessidade política de se recuperar o emprego e a produção doméstica, especialmente
diante da extensão dos efeitos da crise financeira de 2008. Por mais que a literatura convencional
reforce a salubridade econômica de um banco central autônomo, o peso dos fatos confirma, tanto
para os países industrializados quanto para aqueles em desenvolvimento, que a principal tarefa de
um banco central é, de fato, se preocupar com os efeitos de suas decisões sobre todas as variáveis.
Tabela 3 - Análise dos Condicionantes das Decisões de Política Monetária do Banxico
Fonte: Elaboração própria com base em dados do Banxico
Indicador/Ano 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
IGAE (% a.a) 0,89 4,30 4,27 3,12 1,24 2,23 2,49
INPC (% a.a) 3,52 4,33 3,77 3,52 3,91 4,01 2,13
A inflação ficou dentro
dos limites da meta?Sim Não Sim Sim Sim Não Sim
Houve redução das
taxas de juros?
Sim
(7 vezes)Não Não Não
Sim
(3 vezes)
Sim
(1 vez)
Não
(1 alta)
52
Caso o Banxico tivesse atuado integralmente em conformidade com a interpretação clássica
de autonomia do banco central, apresentada na primeira seção do texto, os aumentos das taxas de
juros seriam mais comuns no período observado, especialmente em 2010, 2013 e 2014. No entanto,
o que se percebe é uma reação baixista consistente no período, o que demonstra anedoticamente
maior relação com o comportamento da atividade econômica do que dos preços, uma divergência
pouco aderente ao modelo de “banqueiro conservador” de Rogoff (1985).
53
Considerações finais
O objetivo do trabalho foi avaliar se os efeitos da crise financeira de 2008 relativizaram as
características da autonomia dos bancos centrais, que são conceitualmente vinculadas à
manutenção da estabilidade de preços como objetivo singular da política monetária. O motivo para
a investigação surgiu a partir da identificação de um modelo convencional de política monetária,
que se edificou ao longo das décadas de 1980 e 1990 entre os países industrializados, como reação
às suas experiências inflacionárias das décadas anteriores. Tal modelo também serviu de referência
para os processos de estabilização dos países da América Latina que, em alguns casos, como do
México, ensejaram reformas estruturais mais amplas, incluindo a concessão de autonomia a seus
bancos centrais.
As reformas liberalizantes que ocorreram durante a gestão presidencial de Carlos Salinas
(1988-1994) são o ponto de partida do trabalho, uma vez que reúnem elementos fundamentais para
compreender a atuação do Banxico diante da crise financeira de 2008. Entre eles, a proximidade
de uma “coalizão financeira” do Poder Executivo, formada por tecnocratas afiliados ao setor
financeiro, que estabeleceu uma tradição de interpretação conservadora da política econômica no
país. Em uma iniciativa para reforçar tal conservadorismo, o governo federal do México concedeu
autonomia ao Banxico em dezembro de 1993 que, para além da modernização institucional,
sinalizou um compromisso com políticas macroeconômicas alinhadas aos interesses do capital
estrangeiro. A solvência externa alcançada pelo México nesse período serviu para a legitimação do
projeto de Poder do PRI, por meio do efeito riqueza que a valorização cambial provocou entre seus
cidadãos.
Nesse sentido, o trabalho contém uma revisão da literatura afiliada à análise econômica
convencional sobre o tema, que foi realizada a fim de colher elementos teóricos aderentes ao estudo
de caso sobre a autonomia do Banxico. Dentre os aspectos analisados, convergem ao objeto as
questões relativas à inconsistência dinâmica e as razões para a concessão da autonomia, uma vez
que a discricionariedade estatal levou o país a uma crise inflacionária em meados da década de
1980, mas que aparentemente é uma razão excessivamente altruísta para um governo se desvincular
do controle de uma política tão relevante como a monetária. Assim, para a compreensão do caso
54
mexicano, o conceito mais adequado que define um banco central é o de uma organização
fundamentalmente política.
O trabalho também se ocupou de uma análise acerca da evolução da política monetária
mexicana, que após a crise do Peso, gradualmente convergiu para o regime de metas de inflação
em 2001. O contexto de frequente crise econômica em que a política monetária se desenvolveu
pode explicar o conservadorismo, tanto da gestão, quanto das decisões do Banxico até a eclosão da
crise de 2008. A partir de então, a severidade dos efeitos contracionistas pode ter motivado o banco
a tomar decisões que o afastaram ocasionalmente de seu mandato constitucional para a estabilidade
de preços. Para validar tal suposição, o trabalho recorreu a análise de fontes primárias: os
comunicados de imprensa que contêm os Anúncios das Decisões sobre Política Monetária,
publicados ao fim de cada reunião entre 2009 e 2014 no sítio eletrônico do banco. A apreciação do
conteúdo dos comunicados permitiu verificar quais as razões para o aumento ou redução da taxa
de juros de referência, para além da simples observação das séries temporais.
O resultado da análise indica que o banco adotou uma política monetária eclética no
período, já que abandonou ocasionalmente a singularidade do controle inflacionário, mesmo que
sem prejuízos ao cumprimento das metas de inflação. Por um lado, o banco seguiu conservador na
utilização da taxa de juros como principal instrumento monetário, sem recorrer à compra direta de
ativos e outros mecanismos não convencionais aplicados nos países industrializados. Por outro,
demonstrou sensibilidade à degradação do cenário internacional e à atividade doméstica, tanto ao
manter os juros inalterados durante um longo período, como ao reduzi-los sucessivamente diante
do desempenho fraco da produção entre 2013 e 2014. Assim, ao menos durante a crise, o
comportamento do Banxico se afastou das definições convencionais sobre a autonomia do banco
central, o que reforçou a natureza política da organização.
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60
Anexo
Análise textual das decisões de política monetária do Banxico (2009-2014)
2009
No primeiro trimestre de 2009, o Banxico reconheceu formalmente o alcance e a profundidade da
crise financeira. No entanto, naquele período, o banco ainda não detectava os impactos recessivos
da crise sobre a economia doméstica, já que demonstrou maior preocupação com os impactos da
desaceleração sobre os preços internacionais das matérias primas, apontadas como a principal
causa da inflação mexicana de 2008. Apenas em março o comunicado trouxe uma preocupação
expressa com a contração da atividade econômica, ao afirmar que “os componentes do balanço de
riscos deterioraram-se substancialmente mais no que diz respeito à atividade econômica do que à
inflação” (C.P., 20/03/2009). Anteriormente, os impactos sobre a atividade eram tratados de
maneira condicional a desaceleração nos Estados Unidos.
Porém, logo em maio, o banco abandonou as ressalvas e manifestou uma impressão otimista quanto
à conjuntura internacional “A informação mais recente sugere que a forte contração econômica
global está se atenuando”. Já as percepções quanto ao nível de atividade econômica seguiram
negativas, agravadas pelas “medidas para evitar a propagação do vírus A (H1N1), tomadas a partir
da última semana de abril. Os setores mais afetados são, sem dúvida, as indústrias da aviação e do
turismo” (C.P., 15/05/2009). Os dados do Índice Geral de Atividade Econômica (IGAE) mostraram
uma contração acumulada de 7,8% nos doze meses anteriores àquele mês, influenciada
principalmente pela queda de 13,3% no desempenho da indústria da transformação e de 7,7% no
setor terciário.
Em relação à inflação, o Banxico demonstrou uma aparente segurança quanto à trajetória declinante
dos preços em 2009. Os impactos da desvalorização cambial do ano anterior provocaram um
aumento no “sub-índice” relativo a bens, mas, por outro lado, os “acontecimentos recentes”
amenizaram a evolução dos preços no setor de serviços. A partir de julho, os comunicados se
tornaram mais genéricos quanto ao comportamento da inflação, ao repetir as impressões dos meses
anteriores e concluir, invariavelmente, que “espera-se que a inflação se ajuste às previsões
mencionadas e que até o fim do ano esteja em torno de quatro por cento” (C.P., 21/08; 18/09 e
16/10/2009).
Ao longo do segundo semestre, as perspectivas do Banco quanto à atividade econômica também
melhoraram. “Os mais recentes indicadores de produção industrial, emprego e confiança do
consumidor sugerem que a economia tocou o fundo do poço e começou uma fase de expansão”
(C.P., 18/09/2009). As impressões da Junta podem ter sido influenciadas pelo repique do produto
interno dos Estados Unidos, que registrou altas de 1,2 e 5,2% nos últimos dois trimestres de 2009,
61
respectivamente.21 O tom pessimista sobre as perspectivas econômicas, ainda que moderado,
retornou apenas no último boletim do ano e se concentrou apenas na inflação. “O Congresso da
União22 aprovou recentemente um pacote fiscal, que juntamente com a possível trajetória dos
preços dos bens e serviços públicos, terá efeitos diretos e indiretos sobre a inflação de 2010” (C.P.,
27/11/2009).
A análise dos comunicados permite afirmar que a política monetária mexicana foi sensível às
flutuações da atividade econômica em 2009. Além das evidências textuais, a Junta de
Governadores optou por reduzir a taxa de juros em sete das onze ocasiões em que se reuniu. Porém,
não é possível afirmar que o comportamento da inflação foi deliberadamente negligenciado nas
tomadas de decisão, uma vez que a redução da demanda interna e o barateamento das matérias
primas internacionais, como o próprio banco justificou, amenizou uma eventual tendência de alta
dos preços domésticos ao longo do ano.
Resumo das decisões sobre juros, índices de preços e atividade econômica para 2009
Fonte: Banxico e INEGI
21 Variações à preços correntes do Bureau of Economic Analysis (BEA)
22 Em novembro de 2009, o Congresso do México aprovou um pacote fiscal que autorizava o orçamento federal de
2010 a registrar um déficit de 0,7% do PIB, que seria provocado por aumentos reais nos gastos em desenvolvimento
social (+4,9%), comunicações e transportes (+3,7%) e desenvolvimento sustentável (+14,9%) em comparação à 2009.
O pacote fez parte de um conjunto de políticas contracíclicas que era discutido desde 2008.
Mês da
reunião
Decisão sobre a taxa
de juros (p.p)
INPC acumulado
em 12 meses (%)
IGAE acumulado
em 12 meses (%)
jan-09 -0,50 6,11 -5,72
fev-09 -0,25 6,04 -5,41
mar-09 -0,75 5,89 -5,71
abr-09 -0,75 6,01 -6,85
mai-09 -0,75 5,83 -7,87
jun-09 -0,50 5,60 -6,73
jul-09 -0,25 5,31 -5,13
ago-09 0,00 4,97 -5,09
set-09 0,00 4,79 -3,80
out-09 0,00 4,42 -3,15
nov-09 0,00 3,80 -0,74
dez-09 Não houve 3,52 0,89
62
2010
A interpretação otimista quanto à recuperação internacional do final de 2009 prevaleceu sobre as
perspectivas do Banxico em maior parte dos comunicados de 2010. A consideração dos efeitos das
políticas não convencionais dos países industrializados aparece ao final do primeiro trimestre. “Nas
economias avançadas, a melhoria tem sido moderada e se baseia, em grande parte, nos
extraordinários apoios fiscais e monetários e [também] no aumento de suas exportações líquidas”
(C.P., 19/03/2010). Para o Banxico, os países em desenvolvimento se beneficiaram de tais políticas
devido ao aumento da demanda externa por matérias primas e pela melhoria das “condições locais
de crédito”.
O tom otimista sobre a conjuntura internacional se tornou cauteloso a partir de maio. No documento
daquele mês, o banco identificou o ineditismo e o potencial recessivo da crise fiscal no continente
europeu. “Daqui para frente, as incertezas associadas [à] crise europeia trazem riscos não
contemplados anteriormente” (C.P., 21/05/2010). As perspectivas sobre o crescimento global
seguiram moderadas e o banco repetiu textualmente o mesmo argumento entre julho e setembro.
“A recuperação econômica dos países avançados continua sendo modesta, enquanto que nos
emergentes o crescimento se mantém forte, em particular na zona asiática” (C.P., 16/07, 20/08,
24/09/2010).
Em relação à atividade econômica, os comunicados de 2010 também indicam a adoção de uma
postura cautelosa, mesmo que a indústria mexicana de transformação tenha se beneficiado
diretamente da retomada do consumo em seu principal parceiro comercial. No primeiro semestre
do ano, o Banxico atestou que no país “a produção e as exportações têm [exibido] uma tendência
vigorosa, fundamentalmente como resultado de um maior dinamismo da atividade econômica nos
Estados Unidos” (C.P., 19/02, 16/04, 21/05, 16/07). A partir de agosto, as perspectivas se tornaram
menos otimistas, uma vez que o banco passou a considerar os impactos da crise europeia sobre o
consumo estadunidense. Mesmo assim, o IGAE encerrou o ano com uma variação positiva de 4,3%
em relação a 2009, que também foi impulsionada pelo crescimento interanual de 29,9% nas
exportações não petroleiras.
O ingresso de divisas estrangeiras resultou em uma valorização cambial de 7,3% em comparação
a 2009, o que contribuiu para a estabilidade dos preços em 2010. A Junta vislumbrou a
convergência dos preços aos limites da meta a partir de abril, devido principalmente à
“inexistência” de pressões sobre a demanda agregada, resultado de uma atividade econômica
“abaixo de seu nível potencial”, além de ajustes salariais “moderados”, que mantiveram as
expectativas de médio e longo prazo “relativamente estáveis, ainda que acima da meta [anual] de
três por cento” (C.P., 16/04/2010). O INPC encerrou o ano em 4,3%, após uma aceleração atribuída
ao aumento dos preços agrícolas e da correção tarifária da energia elétrica no último trimestre.
A análise dos comunicados mensais de 2010 permite afirmar que a política monetária mexicana foi
passiva ao longo daquele ano. Na visão do banco, a recuperação da atividade econômica não foi
63
suficiente para reduzir o hiato de produto e gerar pressões inflacionárias, o que justificou a
manutenção da taxa básica de juros em 4,5% ao ano pelo décimo sexto mês consecutivo. Além
disso, as interpretações otimistas do final de 2009 se minimizaram a partir do aprofundamento da
crise fiscal europeia, a despeito da recuperação econômica dos Estados Unidos e de outros países
em desenvolvimento.
Resumo das decisões sobre juros, índices de preços e atividade econômica para 2010
Fonte: Banxico e INEGI
2011
O otimismo e a moderação presentes nos comunicados dos dois anos anteriores foram substituídos
por uma perspectiva negativa ao longo de 2011. No primeiro semestre, a atenção da Junta dos
Governadores se concentrou em duas variáveis que foram tratadas de maneira genérica nos
documentos dos 24 meses anteriores. As preocupações com os níveis de atividade econômica se
expandiram e, a partir de março, o banco incluiu comentários a respeito da taxa de desemprego,
utilização da capacidade instalada e contratação de crédito. “No entanto, a situação nos mercados
de trabalho e de crédito, a evolução da capacidade instalada, bem como o reduzido déficit em conta
corrente ainda mostram sinais de folga” (C.P., 15/04/2011). Em junho daquele ano, a taxa de
desemprego de 5,6% foi a maior registrada desde setembro de 2009 (6,0%). Porém, naquela época,
a Junta produziu comentários superficiais sobre o tema em seus comunicados.
Mês da
reunião
Decisão sobre a
taxa de juros (p.p)
INPC acumulado
em 12 meses (%)
IGAE acumulado
em 12 meses (%)
jan-10 0,00 4,37 2,82
fev-10 0,00 4,73 3,18
mar-10 0,00 4,87 5,57
abr-10 0,00 4,20 5,74
mai-10 0,00 3,86 7,68
jun-10 0,00 3,64 5,89
jul-10 0,00 3,59 4,69
ago-10 0,00 3,63 6,00
set-10 0,00 3,65 5,66
out-10 0,00 3,96 4,94
nov-10 0,00 4,25 3,95
dez-10 Não houve 4,33 4,30
64
No entanto, a deterioração da conjuntura internacional é o tema que ocupou mais espaço nas
decisões da Junta em 2011. Já em maio, os comunicados apontam para os efeitos dos “lamentáveis
incidentes” nucleares do Japão23 sobre o desempenho das montadoras automotivas no país (C.P.,
27/05/2011). A sustentabilidade da recuperação estadunidense também foi vista com desconfiança
pelo Banxico, “uma vez que os estímulos fiscais e monetários sejam retirados” (C.P., 08/07/2011).
Em agosto, o comunicado se detém longamente sobre o agravamento da crise fiscal da União
Europeia e seus impactos sobre a economia dos Estados Unidos e conclui que “[a]s perspectivas
de crescimento foram revistas para baixo, principalmente em resposta à desaceleração na economia
dos EUA” (C.P., 26/08/2011).
Os riscos de contágio internacional sobre o comportamento dos preços foram interpretados de
maneira diferente em comparação aos seus efeitos sobre a atividade econômica. A desaceleração
dos países industrializados amenizou a demanda por grãos e matérias primas, o que contribuiu para
ancorar as expectativas de inflação, mesmo diante das pressões sobre “os preços domésticos [que]
serão afetados pelos efeitos da geada recente em Sinaloa e outros estados da República” (C.P.,
11/03/2011). Por outro lado, o Banxico compreendia que a “turbulência” nos mercados financeiros
internacionais poderia “provocar realocações de carteiras e fluxos de capitais que pressionarão o
tipo de câmbio” (C.P., 15/04/2011). A preocupação da Junta se confirmaria em outubro, quando
se verificou uma desvalorização generalizada entre as moedas dos países emergentes devido à
reorganização global dos fluxos de capital estrangeiro (C.P., 14/10/2011). Nos últimos três meses
de 2011, o Peso mexicano registrou desvalorizações médias de 7,2%, 10,4% e 13,1%,
respectivamente, em comparação aos mesmos períodos de 2010.
A avaliação dos comunicados de 2011 permite afirmar que as decisões de política monetária
mexicana foram sensíveis às possíveis flutuações da atividade econômica, mesmo com a origem
dos riscos identificada no desequilíbrio da economia global. Ao mesmo tempo, o Banxico manteve
seu compromisso constitucional com a estabilidade de preços, que, de certo modo, se favoreceu do
nível de desemprego e do menor crescimento em seu principal parceiro comercial. Por isso, assim
como em 2010, o banco não realizou nenhuma alteração na taxa básica de juros, mesmo ante a
evolução da taxa de câmbio no final do ano.
23 Em março de 2011, três dos seis reatores da Central Nuclear de Fukushima I, localizada ao nordeste do Japão,
entraram em colapso após um maremoto de magnitude 9,0 na Escala Richter. Existem ao menos seis montadoras
japonesas em operação no México.
65
Resumo das decisões sobre juros, índices de preços e atividade econômica para 2011
Fonte: Banxico e INEGI
2012
As decisões ao longo de 2012 refletiram uma maior preocupação do banco central com a evolução
dos preços, que iniciaram o ano próximos do limite superior da meta de inflação. A conjunção de
fatores externos, como as incertezas sobre a recuperação econômica do bloco europeu, e fatores
domésticos, como a continuidade dos efeitos da estiagem sobre os preços dos alimentos; se
alternaram como as causas da pressão altista sobre o núcleo da inflação no primeiro semestre. Por
outro lado, a Junta considerou sequencialmente que, “entre os fatores que contribuíram ao
desempenho favorável da inflação”, estavam a “tendência decrescente dos custos unitários de mão-
de-obra”, devido ao nível de desemprego mais elevado, e também “os níveis de competitividade
de alguns setores”, especialmente a exportação manufatureira (C.P., 27/04; 08/06 e 12/07).
As pressões inflacionárias se aprofundaram e o índice acumulado de preços esteve acima do limite
superior da meta entre os meses de junho e novembro. Embora o crescimento da atividade
econômica diminuiu o hiato de produto, a Junta se concentrou na análise da degradação do cenário
internacional e também nos efeitos de um choque negativo de oferta sobre o preço dos alimentos,
como principal motor da inflação no período. No primeiro caso, as incertezas do mercado
financeiro internacional afetaram os investimentos em carteira, que contribuíram para uma
Mês da
reunião
Decisão sobre a taxa
de juros (p.p)
INPC acumulado
em 12 meses (%)
IGAE acumulado
em 12 meses (%)
jan-11 0,00 3,73 5,12
fev-11 Não houve 3,53 4,27
mar-11 0,00 3,01 3,67
abr-11 0,00 3,32 3,61
mai-11 0,00 3,21 3,47
jun-11 Não houve 3,24 3,55
jul-11 0,00 3,50 4,04
ago-11 0,00 3,38 3,78
set-11 Não houve 3,10 4,31
out-11 0,00 3,16 4,56
nov-11 Não houve 3,44 4,09
dez-11 0,00 3,77 4,27
66
desvalorização de 10% entre janeiro e maio. No âmbito doméstico, os efeitos de um surto de gripe
aviária foi uma das causas da inflação acumulada de 4,68% em setembro.
Naquele mesmo mês, o Fed anunciaria que para “apoiar uma recuperação econômica mais forte”,
além de assegurar que a inflação “esteja à uma taxa mais consistente com seu duplo mandato”,
decidiu por “aumentar a acomodação da política [monetária] por meio da compra de títulos
lastreados em hipotecas a um ritmo de US$ 40 bilhões por mês”24. Alguns dias antes, a Junta do
Banxico antecipou a dimensão de tal iniciativa, ao afirmar que “é provável que em algumas [das
economias avançadas] se adotem posturas monetárias ainda mais acomodatícias nos meses
seguintes, o que as levaria à uma lassitude sem precedentes” (C.P., 07/09/2012).
O alívio quantitativo foi bem recebido pela política monetária mexicana, uma vez que amenizou
os efeitos da alta dos alimentos por meio da apreciação do câmbio. “[...] após o anúncio de uma
maior flexibilização monetária nos Estados Unidos (QE3), o peso se apreciou, ajudando a mitigar
pressões sobre os preços” (C.P., 26/10/2012). Além disso, a aplicação de políticas de estímulo
indicava uma contração do mercado consumidor estadunidense nos trimestres anteriores, o que
reduziu o ritmo de crescimento da atividade econômica do México ao final daquele ano. “Em suma,
derivado da evolução do ambiente externo, [...] considera-se que os riscos negativos para o
crescimento da economia mexicana no curto prazo aumentaram marginalmente” (C.P.,
30/11/2012).
Os comunicados de 2012 demonstraram que as decisões da política monetária mexicana se
concentraram na evolução dos preços, a despeito de sua passividade quanto a administração da taxa
de juros. O Banxico interpretou corretamente a transitoriedade dos choques domésticos de oferta,
enquanto que o setor externo colaborou com a ancoragem das expectativas por meio da apreciação
cambial do último trimestre. As preocupações quanto a atividade econômica foram secundárias e
justificaram as expectativas de convergência inflacionária para valores mais próximos da meta ao
final do ano.
24 Comunicado à Imprensa do Fed de 13 de setembro de 2012. Disponível em:
https://www.federalreserve.gov/newsevents/press/monetary/20120913a.htm
67
Resumo das decisões sobre juros, índices de preços e atividade econômica para 2012
Fonte: Banxico e INEGI
2013
Logo em janeiro, a Junta demonstrou sua intenção de recorrer ao afrouxamento monetária durante
o ano de 2013. “Além disso, para se consolidar o ambiente descrito, pode ser aconselhável reduzir
o objetivo da Taxa de Juros Interbancária de um dia para facilitar o ajustamento da economia a
uma situação de crescimento econômico mais lento e uma inflação mais baixa” (C.P., 18/01/2013).
O cenário descrito pelo banco se referia ao movimento de baixa dos preços registrado aos finais de
2012, bem como os efeitos sobre a economia mexicana de um menor dinamismo dos mercados
internacionais. No entanto, ao anunciar uma redução de 0,5 ponto na taxa de juros em março, a
Junta salientou que a medida “não representa o início de um ciclo de baixas”, mas que “suporta
uma expansão de gastos na economia em linha com o crescimento potencial e convergência da
inflação para a meta permanente de 3%” (C.P., 08/03/2013).
Embora a Junta tenha justificado a redução de juros pelo comportamento benigno dos preços, a
conjuntura internacional também foi considerada uma fonte importante de incertezas, não apenas
para a trajetória da inflação, mas também para o desempenho da atividade econômica. Entre abril
e junho, os comunicados anotaram repetidamente preocupações quanto ao limite da dívida pública
dos Estados Unidos e seus efeitos sobre a continuidade do programa de alívio quantitativo do Fed.
Além disso, a expectativa quanto aos sinais da recuperação econômica estadunidense “trouxe
Mês da
reunião
Decisão sobre a
taxa de juros (p.p)
INPC acumulado
em 12 meses (%)
IGAE acumulado
em 12 meses (%)
jan-12 0,00 3,99 4,15
fev-12 Não houve 3,81 4,73
mar-12 0,00 3,68 4,20
abr-12 0,00 3,37 4,73
mai-12 Não houve 3,80 3,90
jun-12 0,00 4,26 4,93
jul-12 0,00 4,34 3,84
ago-12 Não houve 4,49 3,44
set-12 0,00 4,68 3,08
out-12 0,00 4,51 2,48
nov-12 0,00 4,11 4,54
dez-12 Não houve 3,52 3,12
68
incertezas sobre quando o Fed começará a reduzir o ritmo de compra de ativos, o que se refletiu
em um aumento considerável nas taxas de juro de longo prazo e aumento das turbulências do
mercado financeira internacional, particularmente em economias emergentes” (C.P., 07/06/2013).
No comunicado do mês seguinte, a Junta volta a sublinhar que “diante das expectativas de
mudanças na política monetária dos Estados Unidos, o peso se depreciou e as taxas de juros, em
particular as de longo prazo, aumentaram consideravelmente” (C.P., 12/07/2013).
O comunicado de setembro trouxe o anúncio de uma redução de 0,25 pontos na taxa de referência,
pois o “Banco do México antecipa que o maior grau de folga da economia prevaleça por um período
prolongado, junto com a expectativa de avanços significativos no fortalecimento estrutural das
finanças públicas”. A Junta se referia a uma reforma fiscal25 em tramitação no Congresso, que
“poderia contribuir para uma inflação menor” no médio prazo (C.P., 06/09/2013). A reforma teve
por objetivo estimular diretamente a atividade econômica, uma vez que incluiu a extinção do
imposto sobre valor agregado para transmissão de bens imóveis e do imposto único sobre o
faturamento das empresas, além de outorgar algumas isenções sobre a atividade mineradora. Por
outro lado, o pacote também incluiu uma taxação sobre os ganhos de capital auferidos no mercado
acionário, que sinalizou um desestímulo à poupança, apesar da pequena dimensão da bolsa de
valores mexicana. A coincidência entre a aprovação parlamentar das medidas em outubro, que
valeria apenas a partir do exercício fiscal de 2014, e a redução dos juros em setembro, são indícios
de uma eventual coordenação entre as políticas do Banxico e do fisco mexicano.
A hipótese de coordenação parece ganhar força pelo anúncio da redução sequencial de 0,25 pontos
em outubro, o que não ocorria desde 2009. Em sua justificativa, a Junta se demonstrou confortável
com a fragilidade da demanda interna e confiante nos efeitos da nova política fiscal sobre o
comportamento dos preços. “No contexto descrito, prevê-se que não há pressões inflacionistas do
lado da demanda em 2013 e 2014 e que o efeito sobre a inflação das alterações nos impostos, se
houver, é moderada e transitória”. Ao final do comunicado, a Junta conclui que, a partir da “política
fiscal planejada, o Conselho entende que a política monetária é consistente com a convergência
eficiente da inflação para a meta de três por cento” (C.P., 25/10/2013).
A análise dos comunicados de 2013 permite afirmar que as decisões de política monetária mexicana
foram influenciadas por outras variáveis que não apenas a trajetória dos preços, mas principalmente
pelos efeitos esperados da reforma fiscal aprovada pelo Congresso no segundo semestre daquele
ano. A ocorrência de três reduções de juros ao longo do período, o que não acontecia desde 2009,
também indica que a Junta de Governadores foi sensível à evolução da atividade doméstica, que
registrou um crescimento de apenas 1,24% ao final do ano. Além disso, vale ressaltar o aumento
25 Ver informações da Secretaria de Administração Tributária (SAT) sobre a Reforma Fiscal 2014. Disponível em:
http://www.sat.gob.mx/fichas_tematicas/reforma_fiscal/Paginas/reforma_fiscal_2014.aspx
69
da complexidade dos argumentos contidos nos comunicados, que se tornaram mais extensos em
suas análises sobre a evolução dos preços.
Resumo das decisões sobre juros, índices de preços e atividade econômica para 2013
Fonte: Banxico e INEGI
2014
O ano de 2014 começou com pressões inflacionárias resultantes do início da vigência do pacote
fiscal aprovado em 2013. No entanto, a Junta considerou que os efeitos altistas “ (I) se
concentraram naqueles bens e serviços afetados pelas referidas medidas, (II) estão em linha com o
previsto pelo [banco] e (III) não provocaram efeitos de segunda ordem na formação de preços”
(C.P., 31/01/2014). A justificativa se repetiu nos comunicados das duas reuniões seguintes (março
e abril), enquanto o INPC convergiu para o centro da meta entre abril e maio.
Nesse mesmo período, além das observações a respeito do comportamento da economia dos
Estados Unidos, a Junta comentou pela primeira vez os impactos da mudança de paradigma
econômico na China. “As expectativas de crescimento nas economias emergentes diminuíram,
refletindo sobretudo uma demanda interna mais fraca e a desaceleração relativa na China” (C.P.,
21/03/2014). Trata-se de uma mudança em relação aos comunicados anteriores, em que,
Mês da
reunião
Decisão sobre a taxa
de juros (p.p)
INPC acumulado
em 12 meses (%)
IGAE acumulado
em 12 meses (%)
jan-13 0,00 3,21 2,44
fev-13 Não houve 3,50 2,06
mar-13 -0,50 4,18 2,16
abr-13 0,00 4,56 0,75
mai-13 Não houve 4,54 1,68
jun-13 0,00 4,02 0,54
jul-13 0,00 3,42 1,28
ago-13 Não houve 3,41 1,76
set-13 -0,25 3,34 1,16
out-13 -0,25 3,31 1,62
nov-13 Não houve 3,57 0,34
dez-13 0,00 3,91 1,24
70
geralmente, os países asiáticos eram tomados em bloco, com perspectivas individuais anotadas
apenas para o Japão.
Entre janeiro e abril, o tom otimista quanto a recuperação dos Estados Unidos e seus efeitos sobre
a exportação manufatureira prevaleceu sobre as perspectivas para a atividade econômica do
México. “Em particular, as exportações aumentaram e as despesas públicas apresentaram um maior
dinamismo. Além disso, se observa uma melhoria incipiente em alguns indicadores de consumo e
investimento privado” (C.P., 25/04/2014). Porém, em junho, as expectativas se reverteram
significativamente. O crescimento das exportações não foi suficiente para compensar “o fraco
desempenho dos componentes do gasto interno”, que inspiraram uma “preocupação particular com
os dados do IGAE de março que, corrigidos por fatores sazonais, apresentaram uma variação
mensal negativa”. A Junta considerou que “tudo isso sugere que, em 2014, o crescimento será
menor do que o esperado há apenas algumas semanas atrás” (C.P., 06/06/2014).
A redução de 0,5 pontos em junho veio acompanhada de um aviso acerca da continuidade do
afrouxamento monetário no país. A Junta pareceu confiante no gradualismo da retirada dos
incentivos monetários do Fed e, assim, “o Conselho [considerou] que não seria recomendável
reduções adicionais no objetivo da taxa em um futuro previsível” (C.P., 06/06/2014). Além das
perspectivas mais favoráveis no setor externo, o banco se valeu das expectativas quanto à uma série
de reformas estruturais anunciadas pelo governo federal. O conjunto de medidas foi negociado no
âmbito do “Pacto por México”, um acordo entre representantes dos três maiores partidos do país
(PAN, PRI e PRD) firmado em 2012, com o objetivo de "definir uma agenda de reformas
estruturais para melhorar a produtividade, a competitividade e flexibilidade da economia
mexicana".26
A Junta se absteve de comentários mais qualificados sobre o desempenho da atividade econômica
após a redução de junho. Em contrapartida, os comunicados passam a conter análises mais extensas
acerca da trajetória dos preços, uma vez que o INPC esteve acima do limite superior da meta em
todos os meses restantes de 2014. A inevitabilidade do descumprimento da meta fez com que o
banco justificasse a convergência dos preços para a meta em 2015, diante da “atenuação das
alterações nos impostos que entraram em vigor no início deste ano”, além de uma “taxa inferior de
variação anual do preço da gasolina” e “a evolução da atividade econômica menos dinâmica do
que a prevista”. No entanto, o comunicado trouxe também o reconhecimento da “possibilidade de
uma maior desvalorização cambial”, “aumento do salário mínimo superior à inflação” e os
26 As reformas estruturais contemplaram 11 áreas de interesse: assistência social, código penal, defesa da concorrência,
educacional, eleitoral, energético, fazendário, financeiro, telecomunicações, trabalhista e transparência pública. O
objetivo do programa era elevar a produtividade, fortalecer e ampliar os direitos, além de afirmar o regime democrático
liberal do México (MUJICA, 2015). O secretário geral da OCDE, Angel Gurría, elogiou longamente as transformações
no país. “E a determinação às mudanças no México nos últimos meses tem sido impressionante” (OCDE, 2014).
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impactos dos “recentes acontecimentos sociais no país”27 como fatores de pressão sobre os preços
no médio prazo (C.P., 31/10/2014).
O conteúdo dos comunicados de 2014 permite afirmar que a política monetária mexicana foi
conservadora a partir da segunda metade do ano. A decisão de reduzir os juros foi declaradamente
influenciada pela frágil evolução dos indicadores de atividade econômica. Após tal decisão, a Junta
voltou sua atenção ao comportamento dos preços, que permaneceram acima do limite superior da
meta de inflação ao longo do segundo semestre. Porém, os comunicados daquele ano trouxeram
uma preocupação incomum com a estabilidade dos mercados financeiros domésticos e
internacionais, especialmente quanto aos níveis de sua liquidez (C.P., 11/07, 31/10 e 05/12/2014).
As anotações nesse sentido sugerem que, teoricamente, o banco central extrapolou as atribuições
restritas do mandato constitucional de sua autonomia.
Resumo das decisões sobre juros, índices de preços e atividade econômica para 2014
Fonte: Banxico e INEGI
27 Em 26 de setembro de 2014, o desaparecimento de 43 estudantes no município de Iguala, estado de Guerrero,
motivou uma série de protestos que resultou na renúncia da reitora do Instituto Politécnico Nacional (IPN), Yoloxóchitl
Bustamante Díaz. O desaparecimento dos alunos é um crime atribuído à polícia local.
Mês da
reunião
Decisão sobre a
taxa de juros (p.p)
INPC acumulado
em 12 meses (%)
IGAE acumulado
em 12 meses (%)
jan-14 0,00 4,40 1,28
fev-14 Não houve 4,16 1,71
mar-14 0,00 3,70 1,23
abr-14 0,00 3,45 2,73
mai-14 Não houve 3,46 2,23
jun-14 -0,50 3,70 2,60
jul-14 0,00 4,01 2,42
ago-14 Não houve 4,08 1,87
set-14 0,00 4,15 2,13
out-14 0,00 4,22 2,51
nov-14 Não houve 4,10 2,43
dez-14 0,00 4,01 2,23