OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

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FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA DENISE ORTIZ DE CARVALHO SÃO PAULO 2010

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Monografia de conclusão do "Curso de Especialização em Direito Imobiliário", título conferido pela Faculdade Autônoma de Direito - FADISP em 2010 e sob orientação do professor César Calo Peghini.

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FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DE DIREITO

OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE

IMOBILIÁRIA PRIVADA

DENISE ORTIZ DE CARVALHO

SÃO PAULO

2010

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DENISE ORTIZ DE CARVALHO

OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE

IMOBILIÁRIA PRIVADA

Monografia apresentada à banca

examinadora da Faculdade Autônoma de

Direito – FADISP, como exigência parcial

para a obtenção do grau de Especialista em

Direito Imobiliário, sob a orientação do

professor César Calo Peghini.

SÃO PAULO

2010

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BANCA EXAMINADORA

____________________________

____________________________

____________________________

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AGRADECIMENTOS

Tenho a imensa satisfação em agradecer primeiramente ao meu orientador,

César Calo Peghini, por sua atenção e disponibilidade em me atender, bem como

por suas pertinentes observações quanto ao trabalho. Agradeço, principalmente,

pelo interesse que demonstrou pelo conteúdo do trabalho.

À professora Tânia Mara Ahualli, pela orientação inicial quanto à organização

dos conteúdos em capítulos.

À Eric Smith e à Jess Taylor pela tradução do resumo do trabalho para a

língua inglesa. À Nel Moraes Cardim, pela amizade e por possibilitar minha

aproximação com eles.

Ao meu pai, Luiz Fernando Pereira de Carvalho, pelo apoio sempre

demonstrado e pela revisão do texto.

À minha mãe, Beatriz Ortiz de Carvalho, por sua admiração.

Aos amigos Alexandre Teles e Azeite de Leos, pelo carinho, pelas

confidências e pelo espaço disponibilizado para elaboração de parte do trabalho, em

seu atelier.

Aos amigos Gabriela Sassi, Wilson Alcântara, Carlos Habe e Anaí dos Anjos

Marinho Teles pela amizade e companheirismo ao longo dessa jornada.

À Faculdade Autônoma de Direito – Fadisp e à sua equipe.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Direito

Imobiliário pretende analisar os principais efeitos do instituto administrativo do

tombamento na propriedade imobiliária privada. Atualmente não se admite mais o

exercício pleno da propriedade privada sem se considerar o princípio da função

social da propriedade.

No entanto, o instituto administrativo do tombamento sobre a propriedade

imobiliária resulta em importantes implicações no tocante à preservação das

características históricas e artísticas do imóvel tombado, bem como dos imóveis da

vizinhança do bem tombado.

Esse ônus imposto ao proprietário do imóvel tombado por vezes proporciona

um resultado oposto do que o pretendido pelo Poder Público, pois o proprietário não

consegue suportar o ônus do tombamento sobre sua propriedade e não recebe

estímulos para a preservação de seu imóvel.

Palavras-chaves: Propriedade. Função Social da Propriedade. Limitações ao

Direito de Propriedade. Tombamento. Efeitos.

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ABSTRACT

This final paper for the degree program for Specialization in Real Estate Law

analyzes the principal impacts of legal preservation (“landmarking”) on private

property. Current law requires that the social function of privately held property be

considered.

However, legal preservation of real estate carries important implications

regarding the preservation of historical and aesthetic characteristics not just of the

landmarked property but also of properties in its vicinity.

The onus this places on the owners of properties affected by landmark

designation often produces results opposite those intended by authorities, as owners

cannot bear the financial burden such legal preservation places on them.

Key-words: Property. Social function of Property. Limitations to Property Law.

Legal Preservation. Landmarking. Effects.

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SUMÁRIO

Introdução ..................................................................................................... 10

1. O Direito de Propriedade ......................................................................... 15

2. A Função Social da Propriedade ............................................................ 22

2.1. Antecedentes históricos.......................................................................... 22

2.2. A função social da propriedade na Constituição de 1988....................... 24

2.2.1. A função social da propriedade e o Poder de Polícia do Estado........... 29

2.3. A função social da propriedade no Código Civil de 2002....................... 30

3. As limitações ao Direito de Propriedade ............................................... 36

3.1. Limitações de direito privado ao exercício do direito de propriedade..... 37

3.2. Limitações de direito público ao exercício do direito de propriedade: aintervenção do Estado na propriedade privada............................................. 39

4. O Instituto do Tombamento .................................................................... 42

4.1. Panorama histórico-legislativo................................................................ 42

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4.1.1. Origem do termo “tombamento”: Portugal........................................... 42

4.1.2. A preservação do patrimônio cultural e o instituto do tombamento noBrasil e no Estado de São Paulo................................................................... 45

4.2. Competências legislativas e preservacionistas referentes ao patrimônio cultural e ao tombamento na Constituição de 1988..................... 57

4.3. Espécies e procedimento........................................................................ 59

4.4. Alguns exemplos de tombamentos de imóveis....................................... 64

5. Efeitos do Tombamento na Propriedade Privada ................................. 70

5.1. Da transcrição e averbação do tombamento no Cartório de Registro de Imóveis …................................................................................... 70

5.2. Da alienabilidade de bens tombados e do exercício do direito depreferência pelo Poder Público...................................................................... 76

5.3. Da fiscalização, da conservação e da alterabilidade do imóveltombado......................................................................................................... 79

5.3.1. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do Iphan...................... 80

5.3.2. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do Condephaat............ 81

5.4. Dos efeitos do tombamento nos imóveis situados no entorno do imóvel tombado: servidão administrativa....................................................... 84

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5.4.1 Da transcrição e da averbação das restrições impostas ao imóvelserviente no registro imobiliário.....................................................................

87

Conclusão ..................................................................................................... 90

Referências Bibliográficas .......................................................................... 101

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Introdução

O presente trabalho pretende abordar os efeitos do instituto do tombamento

na propriedade imobiliária privada. A preservação de bens imóveis “portadores de

referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da

sociedade brasileira1” é de grande relevância para o desenvolvimento espiritual e

intelectual da sociedade, bem como um “instrumento de cidadania, como um ato

político e, assim sendo, um ato transformador, proporcionando a apropriação plena

do bem pelo sujeito, na exploração de todo o seu potencial2”.

Essas referências, quando encontradas na propriedade imobiliária, podem

ensejar ao proprietário o ônus da preservação e da conservação ao ter seu imóvel

tombado pelo Poder Público.

O efeitos do tombamento na propriedade privada são variados e dependem

das características específicas do bem considerado como patrimônio cultural e do

interesse público. Ocorre que, por vezes, tais efeitos podem levar à inviabilidade da

exploração econômica do bem, isto é, o exercício pleno do direito de propriedade.

No âmbito constitucional, o direito de propriedade é um direito fundamental,

uma garantia, resguardados no caput do artigo 5º da Constituição e nos incisos XXII

e XXIII, segundo os quais “é garantido o direito de propriedade” e “a propriedade

atenderá a sua função social”.

O direito à cultura é igualmente protegido por normas constitucionais,

assegurado pelos artigos 5º, LXXIII, que garante o direito do cidadão em propor

ação popular contra atos lesivos ao patrimônio cultural realizados pela administração

pública e pelo artigo 216 da Lei maior.

1 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 216, caput.2 Maria Célia Teixeira M. Santos, A preservação da memória enquanto instrumento de cidadania.Cadernos de Museologia, 1994. p. 68.

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Caberá, outrossim, ao Ministério Público, a promoção de inquérito civil e da

ação civil pública “para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente

e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, inciso III).

Diante do conflito de normas constitucionais, a garantia do direito de

propriedade resta mitigada em decorrência das demais, como a função social da

propriedade e ao direito à cultura, já citados.

Como poderá ser observado no primeiro capítulo desta monografia, o Código

Civil dispõe, no caput do artigo 1.228, que o direito de propriedade implica na

possibilidade que tem o proprietário de “usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de

reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, de maneira

absoluta, exclusiva e perpétua.

Porém, o domínio resta hoje revestido pelo princípio da função social da

propriedade, de forma que o proprietário, como um ser social, não pode vir a

prejudicar a coletividade em prol de seus interesses individuais.

Essa disposição não se encontra somente na Constituição, como também no

próprio Código Civil, no parágrafo primeiro do artigo 1.228, que assim dispõe: “o

direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades

econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o

estabelecido em lei especial, a flora, fauna, as belezas naturais, o equilíbrio

ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e

das águas”. Esse tema será abordado no segundo capítulo do presente trabalho.

Em virtude desse princípio, foram criados institutos de Direito Privado e de

Direito Público a fim de limitar o exercício absoluto do direito de propriedade, com o

escopo de garantir o bem-estar social, que será abordado no terceiro capítulo deste

trabalho.

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A preocupação com o patrimônio cultural fez com que se editasse – após

algumas tentativas na década de 20 do século XX - em 1937, o Decreto-Lei nº. 25,

que prevê a obrigatoriedade da preservação de bens considerados de importância

cultural, artística e histórica, por meio do instituto administrativo do tombamento. A

partir da criação do referido decreto, muitas outras leis foram editadas ao longo do

século XX e XXI.

São órgãos responsáveis pelo tombamento de imóveis na cidade de São

Paulo3 o Iphan, de âmbito federal, o Condephaat, de âmbito estadual paulista, e o

Conpresp, de âmbito municipal. No entanto, este trabalho ater-se-á, somente, à

legislação federal e estadual paulista.

O tombamento é uma das mais sérias intervenções do Estado sobre a

propriedade privada, pois determina a inalterabilidade do bem imóvel tombado e,

consequentemente, impõe ao proprietário a onerosa obrigação de conservar e

preservar o bem com as suas características originais ou remanescentes.

Esse instituto possui procedimento administrativo específico e poderá incidir

sobre a propriedade privada de diferentes formas, que não apenas o tombamento

específico de prédio.

O capítulo quatro cuidará dos aspectos históricos referentes ao instituto do

tombamento em Portugal e no Brasil, competências, legislações, bem como

oferecerá alguns exemplos de como o tombamento poderá incidir na propriedade

privada.

Os efeitos do tombamento sobre a propriedade privada serão tratados no

capítulo cinco, último desta monografia. O imóvel tombado, de maneira definitiva ou

provisória, passa a responder a um regime jurídico diferenciado, pois passa a ser

3A cidade de São Paulo, os demais estados-membros da República Federativa do Brasil - bem comoseus respectivos municípios - possuem, igualmente, competência para instituir, mediante lei, órgãoscom essas atribuições, responsáveis, portanto, pela preservação cultural, artística e histórica de bensmateriais (móveis ou imóveis) e imateriais. No entanto, por uma opção de corte metodológico, estetrabalho não analisará as respectivas legislações.

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considerado como de utilidade ou necessidade pública. Dessarte, passa a ser regido

por princípios do Direito Administrativo, como o Princípio da Indisponibilidade e da

Supremacia do Interesse Público.

São esses efeitos que geram direitos e obrigações propriamente ditos ao

proprietário. Na prática confere ao proprietário mais deveres do que direitos, como

poderá ser observado.

Afinal, como já dito, o proprietário terá que arcar com o ônus da conservação

do imóvel e qualquer alteração que nele pretenda realizar, terá que requerer

autorização do órgão responsável, mesmo que seja uma simples pintura do imóvel.

O tombamento definitivo deve ser inscrito no registro imobiliário, conferindo

maior segurança jurídica aos eventuais adquirentes da propriedade privada,

atendendo, assim, o princípio da publicidade. Outrossim, permite que Estado exerça

o direito de preferência quando da alienação do imóvel tombado.

O Poder Judiciário do Estado de São Paulo alterou o Provimento CGJ

58/1989 por meio do Provimento 21/2007 e trouxe importantes e significativas

alterações no tocante à questão registral de imóveis tombados definitiva e

provisoriamente.

As sanções administrativas serão igualmente tratadas no último capítulo,

como multas e obrigações de fazer ou não fazer, no caso de descumprimento das

determinações impostas ao proprietário pelo órgão responsável pelo tombamento.

Os imóveis localizados na circunvizinhança do imóvel tombado também

poderão ser igualmente atingidos pelos efeitos do tombamento, a fim de se

preservar a visualidade do imóvel tombado.

Finalmente, na conclusão, será apresentada uma reflexão quanto ao ônus do

tombamento na propriedade imobiliária privada. Muito embora o tombamento seja

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considerado um dos meios mais eficazes e garantidores da preservação da memória

brasileira, na prática acaba por gerar sérias consequências, causadas pela

excessiva onerosidade que é imposta ao proprietário do imóvel tombado.

Essa dicotomia tem efeitos práticos bastante relevantes, diante do estado real

em que se encontram os bens imóveis tombados nas cidades brasileiras,

principalmente no tocante aos imóveis privados. O alto custo da restauração e da

conservação pelas quais o proprietário do bem imóvel fica obrigado a arcar acaba

por gerar, em consequência, inadimplemento das obrigações impostas.

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1. O Direito de Propriedade

O direito de propriedade é o cerne do direito das coisas4, que é o conjunto de

normas que objetivam regulamentar as relações entre coisas e pessoas, de bens

suscetíveis de apropriação pelo ser humano. No entanto, não são todos os tipos de

bens que são suscetíveis de apropriação, mas somente aqueles que são úteis e

raros, destinados à satisfação das necessidades do homem. Tais bens dividem-se

em materiais – móveis ou imóveis - e imateriais5.

Inserem-se no direito das coisas os direitos reais e a posse. Essa última, em

linhas gerais, conforme a teoria objetiva de Ihering, adotada pelo Código Civil,

separa a posse da propriedade e, ao mesmo tempo, “coloca a relação possessória a

serviço da propriedade”6. Segundo o disposto no artigo 1.196 do Código Civil,

“considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de

algum dos poderes inerentes à propriedade”. A posse portanto, é uma relação de

fato que tem o possuidor em relação à coisa, coincidindo ou não com o direito de

propriedade e os direitos reais.

O direito das coisas localiza-se no Livro III da Parte Especial do Código Civil

brasileiro, sendo que o Título I desse livro trata exclusivamente sobre a posse. O

Título II enumera e especifica os direitos reais. Os títulos III a X referem-se

especificamente a esses direitos, quais sejam: a propriedade, a superfície, as

servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do

imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese.

Mister se faz discorrer acerca da distinção entre direitos reais e pessoais, que

já foi objeto de discussão pela doutrina.

4Silvio Rodrigues. Direito Civil, v. 2. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.3-4.5Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p.03-046Maria Helena Diniz, ibidem, p. 38.

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O direito romano não disciplinou os direitos reais, pois a propriedade era um

poder sobre a coisa e não um direito7. A diferenciação entre esses dois direitos se

iniciou no século XII, sob influência do direito canônico, quando surgiram as

expressões jus in re – poder imediato sobre a coisa - e jus ad rem – direito à coisa,

estabelecido por uma relação obrigacional8. Foi com os autores medievais que se

iniciou a conceituação da propriedade9.

No século XIX, teorias a respeito dos direitos reais foram desenvolvidas:

teorias monista ou unitária e clássica ou realista10. A teoria monista subdivide-se em

personalista e impersonalista ou monista objetivista.

Para teoria personalista, desenvolvida por Ferrara, Ortolan, Ripert, Planiol e

Windscheid11, não era possível que o direito pudesse se relacionar diretamente à

coisa, uma vez que a todo direito corresponde uma obrigação. Dessa maneira, para

esses autores, o direito real tratava de uma obrigação passiva universal. Se um bem

está sob o poder de outrem, os demais têm o dever geral de absterem-se de

qualquer ingerência sobre o bem.

A teoria monista-objetivista ou impersonalista de Gaudemet e Saleilles12

colocava o direito real e obrigacional num mesmo patamar, sem distinção, já que

essa teoria buscava a despersonalização do direito e transformava as obrigações

em direitos reais, pois eram passíveis de patrimonialização.

A legislação civilista pátria adotou a teoria clássica ou realista de

Bonnecase13. Essa teoria distingue o direito real do obrigacional. Como já dito, o

direito real é a relação entre pessoa e bem, sem intermediários, que se traduz em

apropriação de riquezas e tem por objeto um bem material, oponível erga omnes.

7 Maria Helena Diniz, op. cit. p.10.8 Ibidem, p.10-17.9 Antonio A. Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico, São Paulo, 1992, p. 33.10 Maria Helena Diniz, Ibidem, p.11-13.11 Ibidem. p. 11-12.12 Ibidem. p. 12-13.13 Ibidem. p.13.

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Por outro lado, o direito obrigacional é uma relação entre pessoas, envolve uma

prestação, positiva ou negativa.

Os direitos reais também se distinguem dos direitos da personalidade, muito

embora haja divergência na doutrina. Maria Helena Diniz inclui os direitos autorais, a

propriedade científica, literária e artística como direitos reais14.

No entanto, Gofredo da Silva Telles Júnior estabelece a diferença entre os

direitos reais e os de personalidade15. Afirma que os direitos reais são direitos de ter

coisas. Tais direitos se distinguem, portanto, do direito de personalidade que, muito

embora esse se refira à propriedade, não é no mesmo sentido de propriedade que

se emprega nos direitos reais. O direito de personalidade consiste “no que é próprio

das pessoas, no modo próprio de ser, pelo qual uma personalidade se caracteriza, e

que independem, por completo, das disposições do Direito.”16.

Para o autor, a propriedade a que se refere o direito real é igualmente própria

das pessoas, mas distinta delas. Trata-se de uma extensão da personalidade, “uma

extensão sobre bens que não são qualidades da personalidade, mas que se tornam

bens das pessoas, por força da lei”17.

Silvio Rodrigues, citando Lafayette, afirma que o direito real “é que afeta a

coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos respeitos e a segue em poder

de quem quer que a detenha”18. E em seguida afirma:

“É o direito que se prende à coisa prevalecendo com a exclusão da concorrência

de quem quer que seja , independendo para o seu exercício da colaboração de

outrem e conferindo ao seu titular a possibilidade de ir buscar a coisa onde quer

que se encontre , para sobre ela exercer seu direito. Uma vez estabelecido o direito

real, em favor de alguém, sobre certa coisa, tal direito se liga ao objeto, adere a ele

14Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p.4.15 Gofredo da Silva Telles Júnior, Iniciação na Ciência do Direito. p. 308-309.16 Ibidem, p. 309.17 Ibidem, p. 309.18 Silvio Rodrigues, Direito Civil: v. 05: direito das coisas. p. 5.

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de maneira integral e completa , como se fosse mancha misturada à sua cor, como

se fosse uma ferida ou uma cicatriz calcada em sua face” (Grifos nossos).

O direito real é, portanto, oponível erga omnes, adere diretamente ao bem do

titular, de modo que esse tem o direito de sequela e preferência sobre aquele. É

estabelecido em lei e obedece ao numerus clausus19.

O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.225, elenca os direitos reais. Em se

tratando de bem móvel, são adquiridos pela tradição (CC, art. 1.226), ou pelo

registro no Cartório de Registro de Imóveis, no caso de bens imóveis ((CC, art.

1.227 e Lei 6.015/1973, art. 167). Dessarte, os direitos reais não são adquiridos por

simples disposição contratual, pois essas referem-se somente a obrigações

contraídas pelas partes. Para que haja a transferência do domínio deverá ocorrer a

entrega do bem20.

Como já assinalado, o direito de propriedade é o cerne do direito das coisas,

é direito sobre coisa própria. Nele estão garantidos o exercício dos direitos de gozo,

uso e disposição, bem como o de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha21, de

modo absoluto, exclusivo e perpétuo22, concomitantemente. Os demais direitos reais

como o usufruto, a anticrese e a servidão, são direitos reais sobre coisa alheia, que

implicam no exercício de algum dos direitos elencados sobre o bem de outrem, mas

não implica no exercício da totalidade dos mesmos23.

Dentre as teorias acerca do tema, predomina na doutrina a teoria da natureza

humana24. Para ela, o homem, por seu instinto de sobrevivência e de conservação, é

levado a se apropriar de bens da natureza, para satisfazer as suas necessidades. É

por meio do domínio privado dos bens, que ele, o ser humano, poderá se

desenvolver. E, como um ser social, seus atos de apropriação tornam-se direitos,

assegurados pela sociedade, que deverão ser defendidos para que a mesma possa

19 Silvio Rodrigues, op. cit. p. 75.20 Ibidem, p. 92-94.21 Maria Helena Diniz, op. cit . p. 117-118; 22 Ibidem, p. 119-121.23 Silvio Rodrigues, op. cit. p. 259.24 Maria Helena Diniz, op. cit., p. 116; Silvio Rodrigues, op. cit. p. 81.

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sobreviver. A propriedade é, portanto, condição para a existência do ser humano e

pressuposto para sua liberdade. Para essa teoria, desenvolvida por partidários do

jusnaturalismo, a defesa da propriedade é a defesa da própria sociedade.

Para Gofredo da Silva Telles Júnior25 a propriedade é uma coisa, um bem que

pertence a alguém, diferentemente do direito de propriedade, pois esse é uma

permissão legal. É direito subjetivo que tem o titular de gozar, usar e dispor do bem,

como e quando melhor lhe aprouver, conforme os preceitos legais. O Dicionário

Aurélio define propriedade como qualidade de próprio, especial, particularidade,

caráter26.

O vocábulo propriedade, segundo Maria Helena Diniz, origina-se do latim

proprietas, derivado de proprius, isto é, aquilo que pertence a uma pessoa. Poderá

também originar do termo domare, que significa dominar. Domínio é o poder que se

tem sobre coisa própria, e essa se sujeita ao titular. Ambos os termos, propriedade e

domínio, são usados para designar a mesma coisa27.

No Código Civil brasileiro a previsão do direito de propriedade encontra-se no

Livro III, “Dos Direitos das Coisas”, Título III.

O artigo 1.228 assim dispõe:

“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de

reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Refere-se, portanto, aos jus utendi, jus fruendi e jus abutendi. O primeiro é o

direito de usar a coisa conforme a vontade do proprietário, sem modificar sua

substância. O segundo é o direito de se apropriar dos frutos, naturais ou civis, que

advenham da coisa. É o direito de exploração econômica sobre a coisa. Finalmente,

o jus abutendi é o direito do proprietário de dispor da coisa, podendo vender, doar,

gravar e até mesmo destruí-la. Dessa maneira, a propriedade é perpétua, e só se

25 Gofredo da Silva Telles, op. cit. p.311.26Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa: Folha/Aurélio. p. 533. 27 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p. 115

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extingue por meio de lei ou por disposição do proprietário. Há também o direito de

reaver a coisa, o rei vindicatio, que é o exercício do direito de sequela, de perseguir

a coisa de quem ela injustamente a detém28.

Reforçando os conceitos já tecidos, o artigo 1.231, do já referido diploma

legal, prevê que o direito de propriedade é pleno e exclusivo, até que se prove o

contrário. É exclusivo, pois é exercido sem a concorrência de terceiros e, portanto,

oponível erga omnes. É pleno, como também absoluto, pois o proprietário poderá

exercer esse direito como bem entender29.

O direito de propriedade é um um direito individual30, também denominado

pela doutrina como de direito de primeira dimensão31. Oriundo do individualismo32 do

século XVIII de onde surgiram as primeiras declarações de direitos, diz “respeito às

liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos que

traduzem o valor de liberdade”33.

Carlos Weiss, citando Canotilho, explica:

Segundo explica Canotilho, os direitos humanos de inspiração liberal são

essencialmente aqueles de autonomia e defesa, possuindo o caráter de normas de

distribuição de competências entre o Estado e o indivíduo, com nítida ampliação do

domínio da liberdade individual, partindo-se do postulado teórico da preexistência de

tais direitos em relação ao Estado, para justificar a impossibilidade de este interferir

na órbita individual, salvo para garantir a própria prevalência do máximo de liberdade

possível para todos.”34.

28 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 117-121.29 Ibidem, p. 120.30José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. p.176.31 De acordo com Carlos Weiss, em seu livro Direitos humanos contemporâneos (p.42 - 43),apresenta os pensamentos de Paulo Bonavides e de Cançado Trindade. Para o primeiro, o termo“geração” deve ser substituído pelo termo “dimensão”, uma vez que “geração” pode induzir a umaideia de superação ou de substituição de uma geração por outra. O segundo afirma que os direitos,ao contrário dos seres humanos, não têm o condão de gerar novos direitos a fim de substituir os pré-existentes. 32José Afonso da Silva, ibidem. p. 176.33 Pedro Lenza. Direito constitucional esquematizado. p. 670.34 Carlos Weiss, ibidem. p. 38.

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A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de janeiro de 1776

– anterior, portanto, da Constituição dos Estados Unidos da América que data de 17

de setembro de 1787 - que declarava, de início:

“Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm

certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem

por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da

liberdade com os meios de adquirir e de possuir a p ropriedade e de buscar e

obter a felicidade e segurança.” (Grifo nosso).

Nas palavras de José afonso da Silva, citando MirkineGuetzévitch, a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tomou por “empréstimo a técnica

das declarações americanas”35. Essas declarações são o “reflexo do pensamento

político europeu e internacional do século XVIII”36. Editada no contexto da Revolução

Francesa, afirmava em seu artigo 17:

“Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser

privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e

sob condição de justa e prévia indenização.”.

As Revoluções Americana e Francesa puseram “fim à concepção medieval da

propriedade, onde o domínio pertencia a várias pessoas, sob o nome de domínio

iminente do Estado, domínio direto do senhor e domínio útil do vassalo37”. Foi,

portanto, no início da Idade Contemporânea, que a propriedade retomou seu caráter

individualista que se conhecia na Antiguidade, em especial no período romano.

Ao Estado não cabia regular a vida do particular, que dispunha de total

liberdade. Delimitaram-se competências entre Estado e particular, de modo que

aquele somente poderia intervir na sociedade para garantir a liberdade entre os

particulares.

35 José Afonso da Silva, op. cit. p.157. 36 Ibidem, p. 15737 Silvio Rodrigues, op. cit. p.79-80.

Page 22: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

22

2. A Função Social da Propriedade

2.1. Antecedentes históricos

A partir dos conceitos tecidos no capítulo anterior, poder-se-ia concluir, a

partir da Doutrina Civilista e das Declarações de Direitos datadas do final do século

XVIII, que o direito de propriedade é absoluto e o bem sobre o qual esse direito recai

está protegido de qualquer ingerência de terceiros e do poder do Estado.

No entanto, para que prosperasse o bem-estar social, para que a convivência

entre os particulares fosse harmônica, o Estado passou a interferir no direito de

propriedade, de modo a delimitar o exercício desse direito, contrapondo-se ao

excessivo individualismo antes instaurado38.

Muito embora a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão tenha

afirmado que a propriedade é inviolável e sagrada, ela também admitia a perda da

propriedade, por disposição legal, mediante prévia e justa indenização.

O Código Civil francês, também conhecido como Código de Napoleão,

elaborado no século XIX e vigente até os dias de hoje, preleciona, no artigo 544, que

a propriedade é “o direito de gozar e dispor das coisas de modo absoluto, contanto

que isso não se torne uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos.”39.

Percebe-se que, mesmo na retomada do direito de propriedade como um

direito absoluto, a redação dos textos legais da época permite interpretar que era

admitida a ingerência do Estado sobre a propriedade. Porém, essa ingerência era

bem menor que a dos dias atuais, pois se limitava, muitas vezes, aos direitos de

vizinhança40.

38 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. p. 118. 39 Ibidem, p. 118.40 Ibidem, p. 118.

Page 23: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

23

Já em meados do século XIX os movimentos sociais exigiram que o Estado

voltasse a intervir na atividade privada, de modo a frear o capitalismo industrial da

época41, limitando o exercício do direito de propriedade, pois esse não mais poderia

ser exercido ilimitadamente. O direito de propriedade passou, portanto, a ser

encarado como um direito que favorecesse também a sociedade e não somente o

proprietário42.

No Brasil, o direito de propriedade foi garantido em sua plenitude, em

consonância com a doutrina civilista, na Constituição do Império (art. 179, inciso

XXII) e na Constituição de 1891 (art. 72, §17), com ressalvas somente à

desapropriação mediante indenização.

Na Constituição de 1934 surgiu, pela primeira vez, além da previsão quanto à

desapropriação, a ressalva de que o direito de propriedade não poderia ser exercido

contra o interesse social (art. 113, item 17).

A Carta de 1937 previu a possibilidade de desapropriação por necessidade ou

utilidade pública e leis que regulariam o conteúdo e os limites do direito de

propriedade (art. 122, item 14). Esses artigos, em ambas as Constituições,

situavam-se em capítulos que tratavam dos direitos e garantias fundamentais.

Em 1946 foi promulgada nova Constituição - “produto de uma postura

intervencionista e assistencialista adotada pelo Estado brasileiro após os anos 3043” -

que, além de garantir o direito de propriedade no capítulo que trata dos direitos

individuais, atrelou-o, outrossim, ao bem-estar social, no Título “Da Ordem

Econômica e Social”, artigo 147:

41 Carlos Weiss, op. cit, p. 39.42 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p. 112.43 Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, A garantia da propriedade no direito brasileiro. Revista daFaculdade de Direito de Campos, Ano IV, nº 6, junho de 2005. Disponível em:<http://www.scribd.com/doc/25148569/A-GARANTIA-DA-PROPRIEDADE-NO-DIREITO-BRASILEIRO-Tepedino-e-Anderson-Schreiber-101> Acesso em: 04 maio 2010.

Page 24: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

24

“O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social . A lei poderá, com

observância do disposto no art. 141, §16, promover a justa distribuição da

propriedade, com igual oportunidade para todos.”. (Grifos nossos)

O autor desse artigo, o então senador Ferreira de Souza (1889-1975),

afirmava que a propriedade tem função social, que o proprietário poderia,

logicamente, explorar sua propriedade, mas essa somente se justifica se tiver

utilidade, concorrer para o bem comum e gerar riquezas para a coletividade44.

A função social da propriedade, como princípio, foi expressamente incluída

nas Cartas Constitucionais de 1967 (art. 157, inciso III) e na Emenda nº 1 de 1969

(art. 160, inciso III), nos títulos que tratavam da ordem econômica e social, além de

garanti-los tradicionalmente nos direitos individuais, nos artigos 150, § 22, e 153, §

22, respectivamente.

2.2. A função social da propriedade na Constituição de 1988

A atual Constituição da República, inicialmente, elenca a propriedade como

inviolável, no caput do artigo 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e

coletivos. Nos seus incisos, garante esse direito, com a ressalva referente à função

social da propriedade, bem como estabelece regras e limitações quanto ao instituto

da desapropriação (incisos XXII a XXIV), in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade , nos termos

seguintes:

(…)

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social ;

44 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. p. 122-123.

Page 25: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

25

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou

utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em

dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;”.

A exemplo do que já estava previsto, de certa forma, desde a Constituição de

1946, o princípio da função social da propriedade está igualmente previsto no Título

VII que trata da ordem econômica e financeira do Brasil, no artigo 170, da Lei Maior.

Atrela-se a esse princípio, a preservação do meio ambiente:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,

observados os seguintes princípios:

(...)

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

(…)

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação45;

(...)” (Grifos nossos)

Influenciada pela doutrina italiana, a Constituição brasileira adota a tese de

que a propriedade não é um instituto único, mas sim vários institutos, relacionados a

diversos tipos de bens como as propriedades urbana, rural, pública, privada, social,

de bens de consumo, de bens de produção, etc.46.

Considera-se como um dos principais avanços da Constituição47 o inciso VI do

artigo 170, que prevê a defesa do meio ambiente, que limita a iniciativa privada, de

modo que a propriedade privada “deixa de cumprir a sua função social – elementar

para a sua garantia constitucional – quando se insurge contra o meio ambiente.”48.

45 Inciso com redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003. 46 José Afonso da Silva. op. cit. p. 274.47 Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.p. 155.48 Ibidem.

Page 26: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

26

Ainda no Título VII, a Constituição trata da política de desenvolvimento urbano

e rural, respectivamente nos artigos 182 e 186. O primeiro objetiva “ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes”. O segundo preleciona o seguinte:

“A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente,

segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio

ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”.

(Grifos nossos).

O artigo 216 da Constituição da República, que será melhor analisado no

capítulo quatro desta monografia, prevê a preservação do patrimônio cultural, no

Título VIII da Constituição, que trata da Ordem Social, prevendo restrições ao

exercício do direito de propriedade. Os incisos IV e V desse artigo regulam também

a propriedade imóvel:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à

ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais

se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados àsmanifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, pais agístico, artístico,arqueológico, paleontológico, ecológico e científic o.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, p romoverá eprotegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamentoe preservação .

§ 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentaçãogovernamental e as providências para franquear sua consulta a quantos delanecessitem.

Page 27: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

27

§ 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens evalores culturais.

§ 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§ 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores dereminiscências históricas dos antigos quilombos .

§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual defomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para ofinanciamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursosno pagamento de49:

I - despesas com pessoal e encargos sociais;

II - serviço da dívida;

III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou

ações apoiados.” (Grifos nossos)

Ainda no título VIII, o artigo 225 especifica a preservação do meio ambiente,

citada no artigo 170. Tal como ocorre com a preservação do patrimônio cultural,

esse artigo prevê, igualmente, restrições ao direito de propriedade, em especial com

relação aos incisos III, V, VII dos parágrafos primeiro, segundo e quarto:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de usocomum do povo e essencial à sadia qualidade de vida , impondo-se ao PoderPúblico e à coletividade o dever de defendê-lo e pr eservá- lo para as presentes efuturas gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seuscomponentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e asupressão permitidas somente através de lei , vedada qualquer utilização quecomprometa a integridade dos atributos que justifiq uem sua proteção ;

(...)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos esubstâncias que comportem risco para a vida, a qual idade de vida e o meioambiente;

(...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da le i, as práticas quecoloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ousubmetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recupera r o meioambiente degradado , de acordo com solução técnica exigida pelo órgão públicocompetente, na forma da lei.

(...)

49 Parágrafo sexto e respectivos incisos incluídos pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003.

Page 28: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

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§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o PantanalMato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei , dentro de condições que assegurem a preservação do meioambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

(…).”. (Grifos nossos)

A propriedade, portanto, somente poderá ser legitimamente exercida se

atender aos ditames constitucionais, tendo o dever de preservar o meio ambiente,

seja cultural ou natural, estando o proprietário sujeito a sanções caso descumpra a

função social da propriedade.

Édis Milaré, acerca do tema, explicita:

“O meio ambiente, como fator diretamente implicado no bem-estar da

coletividade, deve ser protegido dos excessos quantitativos e qua litativos da

produção econômica que afetam a sustentabilidade e dos abusos das liberdades

que a Constituição confere aos empreendedores , Aliás, a própria Ordem

Econômica, analisada em seguida, requer garantias de obediência às

regulamentações científicas, técnicas, sociais e ju rídicas relacionadas com a

gestão ambiental. 50”.

A atividade econômica, portanto, resta limitada à sua função social e não

pode ser exercida de maneira abusiva de modo a gerar consequências danosas

para a sociedade. Afinal, como explicita o caput do artigo 225 citado acima, “o meio

ambiente é bem de uso comum do povo e prevalece sobre qualquer direito individual

de propriedade”51.

50 Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.p. 154. 51 Paulo Luiz Netto Lôbo, A constitucionalização do direito civil, disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 04 maio 2010.

Page 29: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

29

2.2.1. A função social da propriedade e o Poder de Polícia do

Estado

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o poder de polícia do Estado é o

instrumento que assegura à sociedade a função social da propriedade e é acionado

quando surgem interesses conflitantes entre particulares ou entre o particular e o

Estado52. A propriedade “sai da órbita do direito privado e passa a constituir objeto

do direito público e a submeter-se a regime derrogatório e exorbitante do direito

comum”53.

Tradicionalmente, o poder de polícia implicava em imposições de obrigações

de não fazer pelo Estado ao particular. No entanto, houve uma ampliação desse

poder, de modo que passou igualmente a exigir obrigações de fazer e deixar fazer54.

Porém, não se deve confundir o poder de polícia e as limitações do exercício

do direito de propriedade com a função social da propriedade. Aqueles são

vinculados ao exercício do direito de propriedade do indivíduo, enquanto que o

princípio da função social da propriedade é “elemento da estrutura e do regime

jurídico da propriedade”55, regido especialmente por normas constitucionais, mas

também por normas administrativas, urbanísticas, civilistas e, principalmente, da

ordem econômica, como nos ensina José Afonso da Silva:

“Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota

que ela não pode mais ser considerada como um direito indiv idual nem como

instituição de Direito Privado . Por isso, deveria ser prevista apenas como uma

instituição da ordem econômica, como instituição das relações econômicas, como nas

Constituições da Itália (art. 42) e de Portugal (art.62). É verdade que o art. 170

inscreve a propriedade privada e a sua função social como princípios da ordem

econômica (incs. II e III). Isso tem importância, porque, então, embora prevista entre

os direitos individuais, ela não mais poderá ser considerada puro direito

52 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 120.53 Ibidem, p. 120.54 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 120 – 121.55 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 270-273.

Page 30: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

30

individual , relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os

princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu

fim: assegurar a todos existência digna conforme os dita mes da justiça

social .56”. (Grifos nossos)

O princípio da função social da sociedade, portanto, nas palavras de Pedro

Escribano Collado, “introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um

interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é

estranho ao mesmo” 57.

2.3. A função social da propriedade no Código Civil de 2002

Antes da aprovação e promulgação do Código Civil de 2002, houve algumas

tentativas de revisão e de reforma do Código Civil de 1916, como o anteprojeto do

Código de Obrigações de 1941, de autoria de Orozimbo Nonato, Filadelfo Azevedo e

Hahnemann Guimarães e outro anteprojeto de autoria de Orlando Gomes, Caio

Mário da Silva Pereira e Sílvio Marcondes, enviado ao Congresso em 1965.

Em 1967 Luiz Antônio da Gama e Silva nomeou uma comissão para a

elaboração de um novo código civil. Essa comissão foi composta pelos juristas

Miguel Reale, supervisor do projeto, José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim,

Sílvio Marcondes, Ebert V. Chamoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato Castro58.

O primeiro anteprojeto apresentado em 1972 procurava manter a estrutura do

Código Civil de 1916, porém buscou reformular “os modelos normativos à luz dos

valores éticos e sociais da experiência legislativa e jurisprudencial”59.

56 Ibidem, p. 270-271.57 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 283 apud de Pedro EscribanoCollado, La propriedad privada urbana: encuadramento y régimen, p.122.58 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. p. 51.59 Ibidem.

Page 31: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

31

A exposição de motivos que acompanhou o projeto apresentado ao

Congresso Nacional em 10 de junho de 197560 delineou as diretrizes do Novo

Código Civil, algumas abaixo transcritas:

“f) Atualizar, todavia, o Código vigente, não só para superar os

pressupostos individualistas que condicionaram a sua elaboração, mas também

para dotá-lo de institutos novos, reclamados pela sociedade atual, nos domínios das

atividades empresárias e nos demais setores da vida privada.”

(...)

p) Dar ao Anteprojeto antes um sentido operacional do que conceitual,

procurando configurar os modelos jurídicos à luz do princípio da realizabilidade , em

função das forças sociais operantes no País, para atuarem como instrumentos de

paz social e de desenvolvimento 61.

Em 1984 foi publicado no Diário do Congresso Nacional o projeto de lei do

código civil, com sua redação final. Porém ele teve que ser revisto em virtude da

promulgação da Constituição de 1988. Finalmente, em 2002, foi publicado o Novo

Código Civil62.

Miguel Reale, supervisor da comissão elaboradora do Código Civil, assinala

que o referido diploma legal é a “constituição do homem comum”63, uma vez que

esse ordenamento regula as relações civis do indivíduo, desde antes do seu

nascimento até depois de sua morte64. Foram, três os princípios basilares para a

edição desse novo ordenamento: eticidade, socialidade e operabilidade.

A Exposição de Motivos já citada, explicita tais princípios, de modo que os

interesses sociais se sobrepõem aos interesses individuais:

60 Miguel Reale. in: Senado Federal, Novo Código Civil: exposição de motivos e texto sancionado. p.17. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/70319/2/743415.pdf >.61 Miguel Reale, op. cit. p. 25-26.62 Maria Helena Diniz, . ibidem, p. 51.63 Miguel Reale, (prefácio), Novo código civil brasileiro: lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudocomparativo com o código civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. p.09.64 Ibidem.

Page 32: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

32

“Quando a Parte Geral, além de fixar as linhas ordenadoras do sistema, firma os

princípios ético-jurídicos essenciais , ela se torna instrumento indispensável e

sobremaneira fecundo na tela da hermenêutica e da aplicação do Direito. Essa

função positiva ainda mais se confirma quando a orientação legislativa obedece a

imperativos de socialidade e concreção , tal como se dá no presente Anteprojeto.

Não é sem motivos que reitero esses dois princípios, essencialmente

complementares, pois o grande risco de tão reclamada socialização do Direito

consiste na perda dos valores particulares dos indi víduos e dos grupos ; e o

risco não menor da concretude jurídica reside na abstração e olvido de

características transpessoais ou comuns aos atos humanos, sendo indispensável ,

ao contrário, que o individual ou o concreto se balance e se dinamize com o

serial ou o coletivo , numa unidade superior de sentido ético .65”.

Para Miguel Reale, portanto, a eticidade refere-se à superação do formalismo

jurídico presente no Código Civil de 1916, optando-se por normas genéricas, para

“possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos”66, referindo-se à

probidade e à boa-fé, contrariando o Código de 1916 que inscrevia determinações

estritamente jurídicas. O objetivo é o de garantir a eficácia do referido

ordenamento67.

O segundo – socialidade – como já explicitado no trecho da Exposição de

Motivos acima transcrito, busca superar o caráter individualista que permeava o

código anterior68, passando a ter um aspecto mais paritário e socialista, de acordo

com as necessidades da realidade social69.

Por fim, o terceiro e último princípio norteador – operabilidade – que visa

“estabelecer soluções normativas de modo a facilitar sua interpretação e aplicação

pelo operador do Direito”. Com isso, pretende-se a aplicação do código ao caso

concreto pelo juiz70.

65 Miguel Reale, op. cit. p. 25-33.66 Ibidem, p. 13.67 Ibidem.68 Ibidem.69 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. p. 51.70 Miguel Reale, (prefácio),op. cit,p. 16.

Page 33: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

33

O próprio Código Civil brasileiro ressoa o princípio da função social da

propriedade, de modo que o parágrafo primeiro do artigo 1.228 afirma o seguinte:

§ 1o

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as

suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados , de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas

naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico , bem como

evitada a poluição do ar e das águas. (Grifos nossos)

Como se vê, o parágrafo primeiro prevê a finalidade econômica e social da

propriedade, como também a preservação do ambiente natural e cultural, estando

em consonância com os ditames constitucionais previstos nos títulos VII, que trata

da ordem econômica, e VIII, referente à ordem social, da Constituição Federal.

Dessa maneira, a propriedade não está somente adstrita às relações civis. O

direito de propriedade, bem como o direito civil, devem ser interpretados à luz da

Constituição, devendo “o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e

não a Constituição segundo o Código71”. Esse fenômeno é comumente chamado

pela doutrina de constitucionalização do direito civil.

Paulo Luiz Netto Lôbo diferencia constitucionalização de publicização do

direito civil:

“Em suma, para fazer sentido, a publicização deve ser entendida como o

processo de intervenção legislativa infraconstituci onal, ao passo que a

constitucionalização tem por fito submeter o direito positivo aos fundamentos de

validade constitucionalmente estabelecidos. Enquanto o primeiro fenômeno é de

discutível pertinência, o segundo é imprescindível para a compreensão do moderno

direito civil72.”.

71 Paulo Luiz Netto Lôbo, A constitucionalização do direito civil, disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=507>. Acesso em: 04 maio 2010.72 Ibidem.

Page 34: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

34

José Camacho Santos estabelece a mesma diferença e compartilha do

entendimento anterior:

“O termo "constitucionalização" não é sinônimo de "publicização".

Constitucionalização do Direito Civil significa fenômeno pelo qual a ordem civil,

ordinariamente privada, é submetida às diretrizes da Lei Maior, direta ou

indiretamente. Não se cinge, portanto, àquelas situações em que há regra

constitucional regulando, específica e diretamente, assuntos afeitos à ordem

infraconstitucional. Mais que isso, preconiza a submissão a que toda sistemática civil

se sujeita, em sede hermenêutica. Enuncia obediência restrita às diretrizes,

delineamentos e pautas axiológicas traçadas pela Carta Política. Pois, não mais há

dúvida de que é o Direito Civil que deve ser interpretado segundo a Constituição,

jamais o contrário.

Já a tal publicização do Direito Civil, em que pese equivocadamente dada

como termo equivalente, trata-se de fenômeno menor , que se configura com a mera

intervenção do Estado na ordem privada , restringindo ou dirigindo a atuação das

pessoas. Porém uma ressalva se impõe: a intromissão, por mais justificada que seja,

não terá o condão de transformar relação ontologicamente privada em pública, pelo

só fato da intervenção73”. (Grifos nossos)

O direito civil deve estar em consonância com o princípio da dignidade da

pessoa humana. Gustavo Tepedino, em seu artigo “Normas Constitucionais e Direito

Civil”, explica:

“Com efeito, vive-se hoje cenário bem distinto: a dignidade da pessoa

humana impõe transformação radical na dogmática do direito civil,

estabelecendo uma dicotomia essencial entre as relações jurídicas existenciais e as

relações jurídicas patrimoniais. Torna-se obsoleta a summa divisio que extremava, no

passado, direito público e direito privado(...)

(…)

O desafio do jurista de hoje consiste precisamente na harmonização das

fontes normativas, a partir dos valores e princípios constitucionais. O novo Código

Civil deve contribuir para tal esforço hermenêutico – que em última análise significa a

abertura do sistema -, não devendo o intérprete deixar-se levar por eventual sedução

73 José Camacho Santos. O novo código civil brasileiro em suas coordenadas axiológicas: doliberalismo a socialidade. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_45/Artigos/Art_jose.htm#VIII>

Page 35: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

35

de nele imaginar um microclima de conceitos e liberdades patrimoniais

descomprometidas com a legalidade constitucional. Portanto, o Código Civil de 2002

deve ser interpretado à luz da Constituição, seja em obediência às escolhas políticos-

jurídicas do constituinte, seja favor da proteção da dignidade da pessoa humana,

princípio fundante do ordenamento.74”.

Assim, o direito de propriedade, impregnado de socialidade, passa a ser

regido pelo princípio da função social da propriedade e pela Constituição. Veda-se o

uso abusivo da propriedade, de modo a permitir que a sociedade extraia os

benefícios do exercício do direito de propriedade. Passa, portanto a ser

compreendido na esfera do direito público, como um direito maior do que o direito

individualista das relações civis, atrelado ao bem-estar social, aos interesses sociais,

à necessidade e à utilidade pública75.

74 Gustavo Tepedino, Normas constitucionais e direito civil. Revista da Faculdade de Direito deCampos, Ano IV, nº 4 e Ano V, nº 5 – 2003 – 2004. Disponível em:<http://www.scribd.com/doc/6486487/Normas-Constitucionais-e-Direito-Civil-Artigo-de-Tepedino>Acesso em: 04 maio 2010.75 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v.4: direito das coisas. p. 112.

Page 36: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

36

3. As limitações ao Direito de Propriedade

Como visto nos capítulos anteriores, o direito de propriedade não pode mais

ser exercido de modo absoluto. O exercício desse direito está subordinado à

Constituição que o regula e delimita, juntamente com normas infraconstitucionais.

O domínio tem sofrido, portanto, limitações constitucionais e legais em prol do

bem-estar social e da coexistência pacífica entre os particulares, impostas pela vida

em sociedade. E mais: a propriedade tem que ser produtiva, não se admitindo um

acúmulo de bens por parte do indivíduo por pura especulação. O direito de

propriedade tem que respeitar, portanto, os anseios e necessidades da complexa

sociedade contemporânea76.

Com exceção da desapropriação que implica na perda completa do direito da

propriedade, as limitações à propriedade interferem no caráter absoluto do exercício

do direito de propriedade. As limitações, em geral, recaem sobre um dos direitos

relacionados à propriedade: direitos de uso, disposição e gozo. Afora as limitações

constitucionais referentes à função social da propriedade, verifica-se limitações no

campo do Direito Privado e no campo do Direito Público77. Trata-se da publicização

do direito, de modo que, como dito no capítulo anterior, o Estado interfere na

propriedade privada por meio de leis infraconstitucionais.

Como já assinalado, o objetivo do presente trabalho é abordar o conflito entre

o direito de propriedade e um dos institutos jurídicos que limitam a propriedade: o

tombamento.

No entanto, antes de entrar no capítulo que abordará o assunto, é importante

tecer breves conceitos sobre as limitações mais relevantes existentes no nosso

ordenamento jurídico.

76 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 252-254; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit., p. 120-122.77Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 40 apud de José CretellaJúnior, Dicionário de Direito Administrativo. p.512.

Page 37: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

37

3.1. Limitações de direito privado ao exercício do direito de propriedade

Historicamente, as primeiras restrições ao exercício do direito de propriedade

foram as que estabeleciam limites entre os particulares, com o escopo de evitar

eventuais conflitos entre os mesmos.

São os direitos de vizinhança, institutos jurídicos do direito civil que se

caracterizam pela bilateralidade e fundam-se na ideia da convivência harmônica

entre os particulares proprietários ou possuidores de prédios vizinhos ou confinantes78. Implicam, portanto, em comportamentos negativos e positivos por parte dos

proprietários.

São obrigações propter rem. Esse tipo de obrigação tem natureza mista79,

pois nem são obrigações in re e nem ad rem, já explanadas no primeiro capítulo.

A obrigação propter rem origina-se da posição que o devedor tem em relação

à coisa, de natureza acessória. Para que esse tipo de obrigação surja, é necessário

que os sujeitos sejam titulares de um direito real, isto é, que tenham poder imediato

sobre a coisa80.

São obrigações que decorrem da lei. Podem recair em decorrência da

titularidade de um mesmo bem ou em relação a bens distintos, limítrofes,

confinantes81.

O termo propter, origina-se do latim, que significa “em razão de”. Dessa

maneira, a obrigação propter rem significa, terminologicamente, em razão da coisa.

Por exemplo: em um condomínio, cada proprietário deverá assumir o pagamento

78 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 252-253, 263-265; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 118.79 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. p. 60-61.80 Ibidem. p. 61.81 Ibidem.

Page 38: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

38

das despesas do condomínio relativas à sua parte no imóvel. Deflui, portanto, da

copropriedade82.

No âmbito do direito de vizinhança, não basta apenas que o ato cometido por

parte de um dos proprietários, no exercício do domínio, seja lícito. Se, por um acaso,

desse exercício decorrer um dano à propriedade vizinha ou incomodar o vizinho, o

autor do fato danoso estará incorrendo em exercício irregular do seu direito, que

pode vir a ser cessado pelo vizinho prejudicado83.

Nesse sentido, o artigo 1.277 do Código Civil é claro ao dispor:

“O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as

interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam,

provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”.

Os direitos de vizinhança, por serem obrigações propter rem, estão elencados

no mesmo título do Código Civil que trata dos direitos reais, nos artigos 1.277 a

1.313. São eles: das árvores limítrofes, da passagem forçada, da passagem de

cabos e tubulações, das águas, dos limites entre prédio e do direito de tapagem, do

direito de construir.

Há outras limitações ao domínio, inerentes ao direito privado, que não o

direito de vizinhança, disciplinadas pelo Código Civil, como as dos artigo 548 a 550,

que interferem no jus abutendi do proprietário, apenando como “nula a doação de

todos os bens, sem reserva de parte ou renda suficiente para a subsistência do

doador” (art. 548), à doação em testamento que ultrapasse à parte que legalmente

poderia dispor (art. 549) e a doação do cônjuge adúltero para seu cúmplice,

podendo ser decretada a nulidade se reclamada pelo outro cônjuge ou herdeiros, até

dois anos depois da dissolução da sociedade conjugal.

82 Sílvio de Salvo Venosa, op; cit., p. 6083Maria Helena Diniz, op. cit., p. 266.

Page 39: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

39

3.2. Limitações de direito público ao exercício do direito de

propriedade: a intervenção do Estado na propriedade privada

O Estado também poderá impor restrições ao domínio, por meio de

autorizações legais, norteados por normas constitucionais. Essas limitações estão

condicionadas ao interesse e utilidades públicas e sociais84.

A Constituição Federal elenca algumas das restrições à propriedade, como a

desapropriação por necessidade ou utilidade pública, desapropriação-sanção, a

requisição de bens, a expropriação, o tombamento de bens materiais e imateriais de

valor histórico, artístico e cultural, de paisagens naturais notáveis, dos antigos

quilombos e a distinção entre a propriedade do solo e a do subsolo que pertence à

União. A repressão ao abuso do poder econômico é igualmente regulada pela Lei

Fundamental do país.

Essas limitações constitucionais relacionam-se com ramos do Direito

Administrativo. Serão impostas ao proprietário, com fundamento no Princípio da

Supremacia do Interesse Público, e fiscalizadas pelo poder de polícia do Estado85.

Também podem se relacionar com o direito penal, como a expropriação de terras

em que haja cultivo ilegal de plantas psicotrópicas (art. 243).

São modalidades de restrição à propriedade privada, reguladas pelo ramo do

direito administrativo: limitações administrativas, ocupação temporária, requisição de

imóveis, tombamento, servidão administrativa, desapropriação, edificação e

parcelamento do solo, compulsórios86.

As limitações administrativas poderão impor ao particular certas obrigações

como as de não fazer, deixar fazer e fazer, de acordo com a necessidade da

administração, sem direito de indenização ao proprietário. São limitações que

84 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 125-126.85 Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 36. 86Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ibidem. p. 119.

Page 40: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

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decorrem de normas abstratas e gerais e são dirigidas a propriedades

indeterminadas. Nelas, não há um interesse público especificado. Poderão tratar de

temas como salubridade, segurança e defesa nacional. Atingem o caráter absoluto

da propriedade, pois impede que o proprietário exerça os direitos de uso e fruição

com plenitude87.

A ocupação temporária é a utilização da propriedade imóvel do particular pelo

Estado de maneira temporária, gratuita ou onerosa. Assim, atinge o caráter

exclusivo da propriedade, uma vez que o Estado, transitoriamente se apropria do jus

utendi do direito de propriedade que antes era exercido somente pelo proprietário.

Cretella Júnior88 nos ensina que a ocupação temporária somente se justifica se

atender aos requisitos: realização de obras públicas, necessidade de ocupação de

terrenos vizinhos, inexistência de edificação no terreno ocupado, obrigatoriedade de

indenização e prestação de caução prévia quando exigida.

A requisição administrativa é, além de intervenção do Estado na propriedade

privada, também intervenção no domínio econômico. Pode ser imposta sobre bens

móveis e imóveis, serviços, a fim de satisfazer necessidades públicas inadiáveis e

urgentes, em tempo de guerra ou de paz – em caso de perigo público iminente89.

A auto executoriedade é característica marcante da requisição administrativa,

uma vez que independe da aquiescência do proprietário e de apreciação pelo Poder

Judiciário. É posteriormente indenizável90.

A servidão administrativa tem as mesmas características da servidão civil.

Difere-se dela, pois a servidão civil somente se perfaz em relação a dois imóveis

particulares, gravando o imóvel serviente em favor do dominante, no Registro de

Imóveis. Já a servidão administrativa é instituída por meio de lei e em favor de um

serviço público ou um imóvel, privado ou público, no qual o serviço é prestado91.

87 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 125-126.88 Maria Sylvia Zanella Di Pietro,ibidem. p.129 apud de José Cretela Júnior, Comentários às leis dedesapropriações. p.496.89 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ibidem, p. 128-130.90 Ibidem.91 Ibidem, p. 143-148.

Page 41: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

41

Trata-se de direito real de gozo, de natureza pública, que atinge os caracteres

da perpetuidade e exclusividade da propriedade, pois transfere alguns poderes do

domínio ao Poder Público ou seus delegados. O bem serviente presta uma utilidade

ao dominante, seja ele coisa ou pessoa. O titular do domínio do bem serviente, salvo

exceções em lei, não tem direito à indenização92.

Outra intervenção do Estado na propriedade privada é o instituto do

tombamento, que tem o escopo preservar aspectos histórico, artísticos e culturais de

bens móveis e imóveis, que será discutido no capítulo a seguir.

92 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit..p. 145.

Page 42: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

42

4. O Instituto do Tombamento

O tombamento é um dos institutos de direito administrativo do nosso

ordenamento jurídico para que se cumpra o mandamento constitucional referente à

preservação e promoção do patrimônio cultural brasileiro, seja federal, estadual,

municipal ou do Distrito Federal, incidindo sobre bens móveis e imóveis.

Porém, os efeitos desse instituto interferem diretamente no direito de

propriedade, causando repulsa pelos proprietários, no tocante à utilização

econômica do bem.

Bens móveis ou imóveis são passíveis de tombamento, de acordo com a

legislação vigente. No entanto, o presente trabalho dará maior atenção ao

tombamento de bens imóveis e seus efeitos.

4.1. Panorama histórico-legislativo

4.1.1. Origem do termo “tombamento”: Portugal

O termo “tombamento” é aplicado no Brasil como instituto jurídico de direito

público que tem por fim inscrever bens de importância cultural em livros do tombo.

Tombar, entre os demais significados e nos ensinamentos de Aurélio Buarque de

Holanda93, é verbo que implica em “fazer o tombo”, e tombo, por sua vez, significa

“inventário de terrenos demarcados”, bem como “registro de coisas ou fatos

referentes a uma especialidade ou a uma região”. Tombar é, portanto, registrar em

livro do tombo.

93 Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. p. 639.

Page 43: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

43

Esse termo foi criado por influência da existência do Arquivo da Torre do

Tombo, em Lisboa, Portugal. O Arquivo, existente desde o século XIV situava-se em

uma das torres do Castelo de São Jorge. No século XVIII, Portugal sofreu os abalos

de um terremoto que fez ruir a torre. Os documentos foram recuperados dos

escombros e o Arquivo da Torre do Tombo foi transferido para o edifício do mosteiro

de São Bento da Saúde, onde permaneceu até 1990, quando foi construído edifício

próprio para abrigá-lo94.

Ao longo da história, a função do Arquivo da Torre do Tombo se alargou.

Inicialmente, guardava documentos da administração do reino, dos vassalos, do rei,

das possessões ultramarinas e das relações de Portugal com os demais reinos.

Servia também para a emissão de certidões, espaço para consulta e empréstimos

de documentos. No século XIX, abrigou um espaço para ensino e formação de

funcionários da diplomacia portuguesa e documentos dos tribunais do Antigo

Regime, das corporações religiosas e arquivos históricos do ministério das

finanças95.

No século XX, o Arquivo da Torre do Tombo passou pelas denominações de

Arquivo Nacional, Arquivo Geral, Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo –

IAN/TT. Nesse século sua nomenclatura foi novamente alterada para Arquivo

Nacional da Torre do Tombo – ANTT – subordinado à “Direcção-Geral de Arquivos” -

DGARQ, do Ministério da Cultura de Portugal. Tem como função precípua

salvaguardar, valorizar e divulgar o patrimônio arquivístico da nação Portuguesa96.

Vale ressaltar que, muito embora o Brasil, por influência portuguesa, tenha

adotado o termo “tombamento” para o procedimento administrativo que visa proteger

e registrar, em livros do tombo, o patrimônio cultural do país, Portugal não utiliza

esse termo para o mesmo fim. Para aquele país, as atividades administrativas que

94 O histórico apresentado neste trabalho a respeito da Torre do Tombo foi retirado do website doArquivo Nacional da Torre do Tombo, Portugal. In: http://antt.dgarq.gov.pt/.95 Ibidem.96 Ibidem.

Page 44: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

44

visam proteger e salvaguardar o patrimônio cultural de bens móveis e imóveis são

denominadas de classificação e inventariação97.

A primeira legislação portuguesa data do século XVIII, quando Dom João V

criou a Academia Real de História Portuguesa e determinou por meio do Alvará de

20 de Agosto de 1721, que a instituição inventariasse e conservasse os

monumentos relativos aos antigos povos que se fizeram presentes na Península

Ibérica como os romanos, os persas, os árabes e os fenícios98.

No século XIX, no ano de 1876 foram editadas leis que versavam sobre

restauro, inventariação e conservação de bens imóveis. Em 1880 houve a primeira

relação de monumentos classificados, resultado do esforço da “Real Associação de

Arquitectos e Arqueólogos Portugueses (RAAAP)”. Em 1882 o governo português

criou a Comissão dos Monumentos Nacionais, responsável pela inventariação e

classificação dos monumentos nacionais, no âmbito do Ministério das Obras

Públicas99. Outras leis foram editadas ao longo do século XX, culminando com a

atual “Lei de Bases do Património Cultural Português”, Lei 107/2001, publicada em 8

de setembro de 2001100.

Pode-se concluir, portanto, que em Portugal, não foi utilizado pelos

legisladores, o termo “tombamento” como instituto legal para preservar bens móveis

ou imóveis, materiais ou imateriais referentes à identidade cultural de seu país.

De acordo com a Lei 107/2001, classificação implica no “acto final do

procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um

inestimável valor cultural101”. Inventariação é “o levantamento sistemático,

actualizado e tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes a nível

nacional, com vista à respectiva identificação102”. O procedimento de classificação de97 Portugal, Lei de Bases do Património Cultural Português nº. 107/2001.Arts.18º e19º.98 Antonieta Vera de Sousa, A Evolução do Conceito de Património e das Normas Legais, 2007. In:http://adepa-alcobaca.org/patrimonio.html.99 Ibidem.100Portugal, Lei de Bases do Património Cultural Português nº. 107/2001. In:<http://www.dgarq.gov.pt/files/2008/10/107_2001.pdf >101 Ibidem, art. 18º.102 Ibidem. Art. 19º.

Page 45: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

45

bens imóveis passou a ser regulado pelo recém publicado Decreto 309/2009 de 23

de outubro, que entrou em vigor no início do ano de 2010.

4.1.2. A preservação do patrimônio cultural e o instituto do

tombamento no Brasil e no Estado de São Paulo

No Brasil, ainda durante o período Colonial e durante o Império, houve

singulares preocupações com o patrimônio brasileiro. No século XVIII, o então vice-

rei do Estado do Brasil, D. André de Melo e Castro, preocupado com a destinação e

desfiguração do Palácio das Duas Torres - erigido pelo então governador da colônia

holandesa no Brasil, Maurício de Nassau, - escreveu ao governador da Capitania de

Pernambuco, Luiz Pereira Freire de Andrade. Na carta, datada de 5 de abril de

1742, expressou a importância daquele edifício como memória histórica nacional103.

Durante o Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz expediu ordens ao diretor

das Obras Públicas da Corte para que tomasse cuidado com os reparos em

monumentos históricos, não destruindo, assim, as inscrições neles presentes104.

No século XX, surgem outras preocupações acerca da proteção de bens

históricos, artísticos e culturais. Os primeiros projetos de lei iniciaram-se na década

de 20.

Em 1920, o então presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes Bruno

Lobo, pediu para que Alberto Childe elaborasse um anteprojeto de lei para a defesa

do patrimônio artístico nacional. Porém essa empreitada transformou-se apenas em

um ofício, sem êxito105.

103 Antonio Carlos Brasil Pinto. Turismo e meio ambiente: aspectos jurídicos. p.15.

104 Ibidem. p.15-16.105 Beatriz Mugayar Kühl. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo:reflexões sobre sua preservação. p. 200.

Page 46: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

46

Em 1922 foi criado, no Rio de Janeiro, o Museu Histórico Nacional por meio

do Decreto 15.596/1922, a quem cabia a salvaguarda e a comunicação de bens

móveis de valores históricos106.

Segundo Mário Ferreira de Pragmácio Telles, em 1923, deputado

pernambucano Luís Cedro apresentou um projeto-lei na Câmara dos Deputados

com vistas a criar, “com sede na cidade do Rio de Janeiro, a Inspetoria dos

Monumentos Históricos dos Estados Unidos do Brasil, para o fim de conservar os

imóveis públicos ou particulares, que no ponto de vista da história ou da arte

revistam um interesse nacional”107.

Esse projeto não foi aprovado pelo Congresso Nacional, porém algumas das

suas disposições são muito assemelhadas com as disposições do vigente Decreto-

lei nº 25 de 1937108. O instituto jurídico que o proponente delimitou para a

preservação dos bens históricos e artísticos denominava-se, como ocorre em

Portugal, classificação109.

De acordo com Laura Regina Xavier, o poeta e então deputado pelo Estado

de Minas Gerais Augusto de Lima apresentou um projeto de lei com o escopo de

coibir a saída de obras de arte brasileiras para o exterior, em 1924110.

Em 1925 o relator Jair Lins da comissão designada pelo então presidente do

Estado de Minas Gerais Mello Viana, apresentou projeto de lei destinado à

catalogação111 dos bens a serem preservados, bem como a criação de políticas

públicas de preservação.

106 Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 22.107 Artigo 1º do projeto-lei de Luis Cedro. In: Mario Ferreira de Pragmácio Telles. Entre a lei e assalsichas: análise dos antecedentes do Decreto-lei 25/37. Disponívelem :http://www.cult.ufba.br/enecult2009/19408.pdf.p. 04.108 Mario Ferreira de Pragmácio Telles. Ibidem,p. 04-05.109 Ibidem, nota de rodapé nº. 9.110 Laura Regina Xavier. Patrimônio em prosa e verso: a correspondência de Rodrigo Melo Franco deAndrade para Augusto Meyer, 2008. p.16.111 Segundo Mario Ferreira Pragmácio Telles, Ibidem, nota de rodapé nº. 9.

Page 47: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

47

Mário Ferreira de Pragmácio Telles reconhece institutos semelhantes que

estão presentes no vigente Decreto-lei 25/1937, in verbis:

“São muitas as contribuições do anteprojeto de Jair Lins, porém listam-se,

aqui, as principais: (a) o direito de preferência; (b) a exclusão dos bens estrangeiros

da catalogação; (c) os tipos de catalogação – voluntária/compulsória e

definitiva/provisória; (d) Exigência de registro no Registro Geral de Hipotecas; (e)

Proibição de construção nova no ‘entorno’.”.

(...)

Ademais, entende-se que foi Jair Lins quem primeiro elaborou uma proposta

de proteção da vizinhança do bem catalogado, conceito que evoluiu, ao longo do

tempo, e ficou conhecido como “entorno” do bem catalogado, o qual tem

correspondência direta com o art. 18 do DL 25/37.” 112.

Entre os anos de 1926 a 1928 iniciativas estaduais lograram êxito nos

Estados da Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, nos quais foram criadas as

Inspetorias Estaduais de Monumentos Históricos113.

Em 1930, o deputado pelo Estado da Bahia, José Wanderley de Araújo Pinho,

apresentou outro projeto de lei que compilava as ideias presentes nos projetos

anteriores e, nas palavras de Mário Ferreira de Pragmácio Telles:

“Ademais, o anteprojeto de Wanderley Pinho, continha previsão de um

Conselho Deliberativo e Consultivo da Defesa do Patrimônio Histórico-artístico

Nacional (art. 22 do anteprojeto), o qual é correspondente ao art. 14 do DL.”.114

Em 1933 a cidade de Ouro Preto foi erigida a Monumento Nacional pelo

Decreto 22.928 de 12 de junho de 1933, primeira lei federal relacionada à

preservação de bens culturais imóveis115.

O revogado Decreto 24.735 de 14 de julho de 1934 instituía novo regulamento

ao Museu Histórico Nacional e a ele atribuía função reguladora do patrimônio

112 Mario Ferreira de Pragmácio Telles, Ibidem. p.05.113 Laura Regina Xavier, Ibidem. p. 16; Antonio Carlos Brasil Pinto. op. cit. p.17.114 Mario Ferreira de Pragmácio Telles, Ibidem. p.08.115 Laura Regina Xavier, Ibidem. p. 16; Antonio Carlos Brasil Pinto. op. cit. p.18.

Page 48: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

48

nacional. Previa, igualmente, limitação legal ao exercício do direito de propriedade

em prol da proteção do patrimônio cultural. Criou a Inspetoria de Monumentos

Nacionais – IPM. De acordo com artigo 72 do decreto, “Os immoveis classificados

como monumentos nacionaes não poderão ser demolidos, reformados ou

transformados sem a permissão e fiscalização do Museu Histórico Nacional”116.

Foi somente com a promulgação da Constituição de 1934 que, pela primeira

vez, previu-se -- no artigo 10, inciso III -- a proteção das belezas naturais e dos

monumentos de valor histórico ou artístico de competência concorrente da União e

dos Estados. O artigo 148 do capítulo “Da Educação e da Cultura” determinava que

a União, os Estados e os Municípios protegessem “os objetos de interesse histórico

e o patrimônio artístico do País”117.

Em 1936, o escritor modernista Mário de Andrade, à frente do Departamento

de Cultura e Recreação da Prefeitura de São Paulo, a requerimento do então

Ministro Gustavo Capanema, encaminhou ao Ministério da Educação e Saúde

Pública um anteprojeto de lei para a criação de um serviço de defesa do patrimônio

artístico nacional118. Mario Ferreira Pragmácio Telles afirma que foi nesse

anteprojeto que surgiu a denominação “tombamento” para o instituto jurídico voltado

para a preservação de bens culturais119.

No ano seguinte, a Lei 378 de 13 de janeiro de 1937 criou o Serviço do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, que funcionava

experimentalmente desde 1936, sob direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade.

Sua função precípua era conservar, enriquecer e divulgar o patrimônio histórico e

artístico120.

116 Laura Regina Xavier, ibidem. p. 16; Brasil, Decreto 24.735 de 14 de julho de 1934. in:<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=31712.>117 Antonio Carlos Brasil Pinto. Turismo e meio ambiente: aspectos jurídicos. p. 18; Brasil,Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1934. In:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao34.htm.118 Beatriz Mugayar Kühl. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo:reflexões sobre sua preservação. p. 201.119 Mario Ferreira Pragmácio Telles. ibidem, nota de rodapé nº. 9.120 Antonio Augusto Queiroz Telles, Tombamento e seu regime jurídico. p. 23.

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49

O Sphan passou por algumas denominações ao longo de sua história:

Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural121. Em 1994, por meio da Medida Provisória

nº. 752, volta a denominar-se Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –

Iphan, com função de identificar, salvaguardar, tombar, fiscalizar e documentar o

patrimônio cultural do país122.

A Carta Constitucional de 1937, outorgada em 10 de novembro, previa no

artigo 134, que os monumentos históricos, artísticos e naturais “gozam da proteção

e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios”. E versava que

os “atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o

patrimônio nacional”.

Em 30 de novembro do mesmo ano, baseado nos projetos de Mário de

Andrade, Jair Lima, Wanderley Pinho, nas legislações brasileiras então vigentes e

nas francesa e mexicana123, foi publicado o Decreto-Lei nº. 25 instituindo o

instrumento jurídico do Tombamento, vigente até os dias atuais.

O artigo 1º e o parágrafo 2º do referido diploma legal conceituam como

patrimônio histórico e artístico nacional os bens móveis e imóveis, cuja conservação

seja de interesse público, e trata os monumentos e paisagens do mesmo modo, in

verbis:

“Art. 1º Constitue o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens

móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse

público , quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil , quer

por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico .

121 Ibidem, p. 24.122REVISTA Museu. Iphan comemora 70 anos de atuação no Brasil. In:http://www.revistamuseu.com.br/emfoco/emfoco.asp?id=11653123 Laura Regina Xavier, op. cit. p. 16-17.

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§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante

do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou

agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.

§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos

a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisag ens que

importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados

pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana ”.

Demais leis foram editadas no Brasil com o escopo de reforçar e

regulamentar a proteção do patrimônio cultural, artístico, histórico e arqueológico. O

Código Penal criminalizou condutas que implicassem na destruição, inutilização ou

deterioração de coisa tombada (art. 165) e na alteração de aspecto de local

especialmente protegido por lei (art. 166)124.

Os referidos artigos do Estatuto Repressor prevê pena de “detenção, de seis

meses a dois anos, e multa” para quem “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa

tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou

histórico” (art. 165), e pena de “detenção, de um mês a um ano, e multa” para quem

“alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente

protegido por lei” (art. 166).

No entanto, para Édis Milaré125, esses artigos foram implicitamente revogados

pela Lei nº. 9.605/1998, cujo artigo 62 impõe pena mais grave – para crime doloso -

qual seja:

“Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;

II – arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido

por lei, ato administrativo ou decisão judicial.

Pena – reclusão, de três meses a três anos, e multa.

124 Antonio Augusto Queiroz Telles, Ibidem, p. 24.125 Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.p. 280.

Page 51: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

51

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem

prejuízo da multa.”.

O Decreto-Lei 3.365 de 21 de junho de 1941 dispõe sobre a desapropriação

por utilidade pública e a alínea k do artigo 5º, inclui no rol dos casos de declaração

de utilidade pública, o patrimônio cultural, histórico e artístico de bens móveis ou

imóveis126, in verbis:

“k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou

integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a

manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a

proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;”.

O Decreto-Lei 3.866 de 29 de novembro de 1941, composto por único artigo,

autoriza o Presidente da República a cancelar, de ofício ou em grau de recurso, o

tombamento de bens pertencentes a pessoas de direito público ou privado, por

interesse público, desde que tenham sido tombados pelo Iphan127.

Com a promulgação de nova Constituição em 18 de setembro de 1946, que

instituiu, no artigo 175, dever do Poder Público na proteção de obras, monumentos e

documentos de valor histórico e artístico, como também dos monumentos naturais,

sem fazer remissão ao instituto do tombamento. As Cartas Constitucionais de 1967

e 1969 acompanharam a Constituição de 1946 nos artigos 172 e 180,

respectivamente128.

Ainda na vigência da Constituição de 1946, na década de 1960 o direito de

propriedade foi mais uma vez restringido – sem fazer alusão ao tombamento - em

favor das jazidas arqueológicas e pré-históricas com a publicação da Lei 3.924 de 26

de julho de 1961129.

126Ibidem, p. 24-25.127Antonio Augusto Queiroz Telles, op. cit., p. 25.128Antonio Augusto Queiroz Telles, op. cit.129Ibidem.

Page 52: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

52

O Estado de São Paulo criou, em 1968, o Conselho de Defesa do Patrimônio

Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico – Condephaat, por meio da Lei 10. 247

de 22 de outubro, órgão responsável pelo tombamento de bens culturais do referido

ente federativo. Em 1969 foi publicado o Decreto-Lei 149 que dispõe sobre o

tombamento de bens móveis e imóveis situados no Estado de São Paulo130.

Sob a vigência da Carta de 1969, foi editada a Lei 6.292 de 15 de dezembro

de 1975, que determinava a homologação da inscrição do bem a ser tombado no

livro do tombo, pelo então Ministro da Educação e Cultura, hoje Ministro da Cultura131.

No ano de 1979 foi criada, no Estado de São Paulo, a Secretaria da Cultura

do Estado de São Paulo pelo Decreto 13.426. Em 1983, publicou-se o Decreto

20.955, que reorganizou a Secretaria132.

A Constituição Federal de 1988 procurou dar maior atenção à proteção do

patrimônio cultural do país, prevendo que o Estado garanta, no artigo 215, os

“direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional” e que incentive a

“valorização e a difusão das manifestações culturais”. Seus parágrafos e incisos

explicitam:

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-

brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para

os diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao

desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que

conduzem à133:

I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

130 Ibidem, p. 27.131 Ibidem, p. 26.132 Esse decreto revogou os artigos artigos 2º a 133 e os artigos 150 a 207 do Decreto 13.426/1979que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto 50.941/2006. Ambos decretos reorganizaram a referidaSecretaria da Cultura do Estado de São Paulo e mantiveram a vigência das normas relativas aoprocedimento do tombamento constantes nos artigos 134 a 149 do Decreto 13.426/1979 (art. 158 doDecreto Estadual 50.941/2006).133 Parágrafo 3º e incisos incluídos pela Emenda Constitucional nº 48, de 10 de agosto de2005.

Page 53: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

53

II - produção, promoção e difusão de bens culturais;

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas

dimensões;

IV - democratização do acesso aos bens de cultura;

V - valorização da diversidade étnica e regional.

O artigo 216 conceitua “patrimônio cultural”, in verbis:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens da natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à

ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais

se incluem:

I – as formas de expressão;

II – os modos de criar, fazer e viver;

III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às

manifestações artístico-culturais;

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”.

§1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá

o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,

tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

§2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação

governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela

necessitem.

§3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e

valores culturais.

§4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

§5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências

históricas dos antigos quilombos.

§6º134 - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de

fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o

financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recurso

no pagamento de:

I – despesas com pessoal e encargos sociais;

II – serviço da dívida;

134 Parágrafo inserido pela EC42/2003.

Page 54: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

54

III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou

ações apoiados (Grifos nossos).

Conforme Édis Milaré, a Constituição procurou alargar o conceito de

patrimônio de acordo com os modernos conceitos científicos acerca do tema:

“Assim, o patrimônio cultural é brasileiro e não regional ou municipal,

incluindo bens tangíveis (edifícios, obras de arte) e intangíveis (conhecimentos

técnicos), considerados individualmente e em conjunto; não se trata somente

daqueles eruditos ou excepcionais, pois basta que tais bens sejam portadores de

referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que formam a

sociedade brasileira.135”(Grifo do autor)

O autor continua, em sequência, ressaltando a importância da participação da

comunidade para a preservação dos bens culturais:

“A solução, portanto, parece estar na atuação da comunidade, que deve

participar da preservação do patrimônio cultural em conjunto com o Poder

Público , como recomendado pelo §1.º do art. 216 da Constituição. De fato, a atuação

da comunidade é fundamental, pois ela, como legítima produtora e beneficiária dos

bens culturais, mais do que ninguém tem legitimidade para identificar um valor

cultural , que não precisa ser apenas artístico, arquitetônico ou histórico, mas

também estético ou simplesmente afetivo. A identificação ou simpatia da comunidade

por determinado bem pode representar uma prova de valor cultural bastante superior

àquela obtida através de dezenas da laudos técnicos plenos de erudição, mas muitas

vezes vazios de sensibilidade. Além de significar, por si só, uma maior garantia para a

sua efetiva conservação.136”.

Em 08 de janeiro de 2010, foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal

uma arguição de descumprimento de preceito fundamental de nº. 206137 pela

Procuradora-Geral da República em Exercício, Sandra Cureau, requerendo que o

artigo primeiro do Decreto-lei nº 25/1937 seja interpretado conforme a Constituição,

evitando, assim, interpretações jurisprudenciais díspares.

135 Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.p. 264.136 Ibidem, p. 266.137 ADFP 206, petição inicial. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=206&processo=206>

Page 55: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

55

Segundo a autora da ação, até a promulgação da Constituição, o

entendimento jurisprudencial e doutrinário majoritário, conforme o Decreto

questionado, era de que a proteção somente era válida caso o bem, objeto de

proteção, “estivesse intimamente vinculado a fatos memoráveis da história do Brasil,

ou que tivesse excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico

ou, ainda, se se tratasse de sítios ou paisagens de feição notável, por obra da

natureza ou do homem.138”.

Em seguida, a autora cita diversas Convenções europeias que tratam do

assunto, demonstrando o alargamento da noção de patrimônio cultural, não mais

compatível com a redação do artigo 1º do Decreto-lei 25/1937.

O objetivo da referida ADPF 206 não é o de sucumbir do ordenamento

jurídico o Decreto 25/1937, mas sim, que seja interpretado de acordo com o artigo

216 da Constituição da República, com efeito vinculante e eficácia erga omnes.

A Procuradoria-Geral da República clama, portanto, por um novo

entendimento jurisprudencial, adequando o Decreto-lei à Constituição e não a

Constituição ao Decreto-lei, in verbis:

“A força inercial da jurisprudência, contudo, terminou por escurecer os novos

horizontes conceituais da proteção de tais bens, como portifólios espirituais dos

povos, dando ao texto constitucional interpretação conforme o Dec-Lei n.º 25/37. Ou,

como disse o Ministro Sepúlveda Pertence: uma 'interpretação retrospectiva da

Constituição, consistente em amoldar-se a Constituição nova aos assentamentos da

ordem constitucional pretérita, de modo a que, não obstante a mudança, tudo

continue como era”.(Grifo da autora)

Assim sendo, é passada a hora de invertermos a ótica hermenêut ica,

dando ao Decreto-Lei nº. 25/37 interpretação confor me a Constituição de 1988.”139. (Grifos nossos)

138 Ibidem, fls. 03.139 ADFP 206, petição inicial. op. cit. fls. 12-13.

Page 56: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

56

Resta agora aguardar o julgamento da ADPF, de relatoria do ministro Ricardo

Lewandowski.

Os instrumentos administrativos de preservação do patrimônio cultural são

inúmeros, como se apreende da intelecção do parágrafo 1º do artigo 216, como o

tombamento, o inventário, registros, vigilância e a desapropriação. Inclusive, a

Constituição “tomba” desde já, os documentos e sítios referentes à cultura dos

quilombolas.

A preservação das jazidas arqueológicas, antes prevista em norma

infraconstitucional, passou a ser prevista constitucionalmente. Outrossim, a Lei

Maior inclui no rol de bens pertencentes à União, os sítios arqueológicos e pré-

históricos (art.20, X).

No Estado de São Paulo, a proteção ao patrimônio cultural está prevista nos

artigos 260 a 263 da Constituição Estadual de 05 de outubro de 1989. De acordo

com o artigo 261, a proteção dos bens culturais está a cargo do Condephaat. O

artigo 262 informa o dever do Poder Público em incentivar as manifestações

culturais, prevendo, no inciso VIII, a preservação dos documentos, registros e obras

de valor histórico ou científico. O artigo 263 demonstra preocupação quanto à

dificuldade de preservação e restauração do patrimônio cultural, inclusive quanto

aos bens tombados, prevendo estímulos legais aos empreendimentos privados e

aos proprietários dos bens tombados.

No início desse século, foi publicada a Lei 10.257/2001, denominada de

Estatuto da Cidade. Ela prevê, no artigo 35, a possibilidade, por meio de lei

municipal, da transferência do direito de construir conferido a um imóvel para outro,

ou aliená-lo por escritura pública, caso aquele tenha sido considerado necessário

para fins de preservação, isto é, caso o imóvel esteja tombado. No mesmo ano foi

publicada a lei paulista nº. 10.774/2001, regulamentada pelo Decreto 48.439/2004,

que dispõem acerca das multas por danos causados ao patrimônio com proteção

legal.

Page 57: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

57

Em 7 de outubro de 2003, o artigo 137 do Decreto 13.426/1979 que trata do

procedimento do tombamento do Estado de São Paulo, foi alterado pelo Decreto

48.137 no que tange às áreas envoltórias dos bens imóveis tombados pelo

Condephaat.

A Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo foi novamente reorganizada

em 2006 pelo Decreto 50.941, que por sua vez instituiu a Unidade de Preservação

do Patrimônio Histórico – UPPH, vinculada funcionalmente ao presidente do

Condephaat. Essa unidade é responsável pelos estudos referentes ao tombamento,

ao inventário, ao restauro e cadastramento de conjuntos arquitetônicos e

arqueológicos, dentre outras atribuições. Esse Decreto revogou o decreto

20.955/1983, citado anteriormente.

A nova estrutura regimental do Iphan foi aprovada e publicada pelo Decreto

6.844, no ano de 2007. O decreto estabelece as funções, composição, atribuições e

competência da instituição, para a efetivação do patrimônio cultural no âmbito

federal.

4.2. Competências legislativas e preservacionistas referentes ao

patrimônio cultural e ao tombamento na Constituição de 1988

Todos os entes da Federação brasileira têm igualmente o dever de zelar pelo

patrimônio cultural, tratando-se de competência comum entre os Estados, os

Municípios, o Distrito Federal e a União. Essa competência não é legislativa, mas

sim, administrativa. Está prevista no artigo 23 da Constituição Federal,

especificamente nos incisos III a IV:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios:

(...)

Page 58: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

58

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e

cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de

outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas

(...); (Grifos nossos)

O artigo 24 da Lei Maior prevê competência concorrente entre os Estados,

Distrito Federal e União para legislar sobre a matéria, especificada nos incisos VI a

VIII:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre:

(...)

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos

recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artís tico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e

direitos de valor artístico, estético, histórico, t urístico e paisagístico .(...); (Grifos

nossos)

Caberá, portanto, à União estabelecer as normas gerais, já fixadas, no

tocante ao tombamento, pelo Decreto-Lei 25/1937, recepcionado pela Constituição

de 1988.

Quanto à competência legislativa municipal acerca do assunto, essa somente

será permitida a fim de satisfazer necessidade local. No entanto, os Municípios

estão adstritos ao ordenamento jurídico federal e estadual, bem como às respectivas

ações fiscalizadoras (art. 30, I, II e IX da CF).

Page 59: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

59

4.3. Espécies e procedimento

O tombamento é um procedimento administrativo140 que sujeita um bem como

de utilidade pública, e passa a um regime jurídico diferenciado no tocante ao

exercício do direito de propriedade. Esse procedimento culmina com a inscrição do

bem no referido livro de tombo.

Na esfera federal é o Iphan quem tem a atribuição de promovê-lo, por meio

do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (arts. 2º, I, e 11 do anexo I do

Decreto 6.844/2009). Cabe ao presidente da instituição assinar os atos de

tombamento e submetê-los ao Ministro da Cultura para a homologação (inciso IX do

art. 21 do anexo I do referido Decreto).

Na esfera paulista a atribuição é do Condephaat, sendo que o tombamento

somente se efetivará por meio de resolução do Secretário da Cultura para

posteriormente inscrever o bem no respectivo livro (art. 139 do Decreto estadual

13.426/1979).

Há três espécies de tombamento: tombamento de ofício, voluntário e

compulsório. O primeiro recai sobre bens públicos e os demais sobre bens da

propriedade privada141.

O tombamento de ofício ocorre por meio de notificação do Presidente do

Iphan ou da entidade estadual ou municipal competente à pessoa jurídica de direito

público detentora ou guardiã do imóvel tombado142. Segundo o artigo 144 do Decreto

Estadual 13.426 de 1979 do Estado de São Paulo, “o tombamento de bens

pertencentes ao Estado ou aos Municípios se fará compulsoriamente comunicada,

obrigatoriamente, a iniciativa da medida ao órgão interessado.”.

140 Há outras formas de preservação do patrimônio cultural como a promoção por lei específica – aexemplo, a elevação da cidade de Ouro Preto a monumento nacional pelo Decreto 22.928/1933 – epor via judicial, por meio de ação civil pública ou de ação popular. (Édis Milaré, op. cit. p. 275-280;Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 133). 141 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 135.142 Ibidem.

Page 60: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

60

O tombamento voluntário pode ocorrer em duas hipóteses. Uma, que

consiste no requerimento do tombamento pelo próprio proprietário, desde que o bem

imóvel cumpra os requisitos técnicos para que possa ser considerado como

patrimônio cultural143, a juízo do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do

Iphan (art. 7º do Decreto-Lei 25/1937), ou do Condephaat, no Estado de São Paulo.

A segunda implica na anuência, por escrito, do proprietário ao tombamento de seu

bem quando notificado pelo órgão responsável144.

Os bens tombados pelo Iphan localizados no Estado de São Paulo são

automaticamente inscritos nos livros do tombo paulistas (art. 149 do Decreto

Estadual 13.426/1979), tratando-se de uma modalidade de tombamento de ofício

pelo Poder Público paulista.

A última modalidade de tombamento, bem como a mais complexa, é o

compulsório. Como nas anteriores, inicia-se com a notificação pelo órgão

competente. O proprietário tem o prazo de 15 dias, contados a partir do

recebimento, para anuir ou apresentar razões da impugnação (art. 9º, 1, do Decreto-

Lei 25/1937 e artigo 143 do Decreto Estadual 13.426/1979). No caso do proprietário

permanecer silente, o Presidente do Iphan determinará o tombamento por simples

despacho. No Estado de São Paulo, o tombamento será “submetido à aprovação do

Secretário da Cultura” (art. 143, § 1º do Decreto Estadual 13.426/1979).

Apresentadas as razões, essas serão encaminhadas ao órgão, para sustentar

as suas razões, em 15 dias. Após, remete-se o processo administrativo ao Conselho

Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, ou ao órgão competente correspondente

nos Estados ou Municípios, que terá 60 dias para proferir decisão final (art. 9º, item 3

do Decreto-lei 25/1937). Se a decisão for favorável ao proprietário, arquivar-se-á o

processo145. Do contrário, será determinada a inscrição do bem no respectivo livro do

tombo, salvo se o Ministro da Cultura (ou o Secretário da Cultura em se tratando de

143 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 135.144 Ibidem.145 Ibidem. p. 136.

Page 61: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

61

procedimento estadual) não o homologar, no caso de ilegalidade ou ausência de

interesse público.

O artigo 9º, do referido decreto-lei afirma que da decisão de tombamento não

caberá recurso. Porém, esse artigo foi revogado pelo Decreto-Lei 3.866/1941, que

prevê o cancelamento do tombamento, por ato do Presidente da República, por

interesse público, de ofício ou em grau de recurso146.

A inteligência desse diploma permite interpretar que há possibilidade de

interposição de recurso pelo proprietário que teve seu bem tombado pelo Iphan,

para o Presidente da República. No Estado de São Paulo, ao recurso caberá

apreciação do Governador (art. 143, §3º, do Decreto Estadual 13.426/1979).

O tombamento compulsório pode ser provisório ou definitivo (art. 10 Decreto-

lei 25/1937). O primeiro se perfaz no momento em que o proprietário é notificado. O

último, com a homologação pelo Ministro da Cultura no âmbito federal e com a

inscrição do bem no livro do tombo147.

Caso o órgão responsável pelo tombamento não cumpra com os prazos

assinalados no decreto-lei, o proprietário do imóvel poderá recorrer ao Poder

Judiciário e requerer o cancelamento do tombamento, conforme voto em recurso de

apelação com revisão, in verbis:

“(...) Certo é que o proprietário se pronunciou administrativamente co ntestando

o tombamento , mas o CODEPAC nada deliberou a respeito no prazo legal nem

enviou o expediente ao Poder Executivo para decisão do Conselho Consultivo no

prazo de sessenta dias , de acordo com os artigos 143, §2º do Decreto Estadual

13.426/79, 9º do Decreto Lei Federal n. 25/1937, e 185 do Decreto Estadual n

20.955/83.

Bem ponderaram os representantes do Ministério Público e o Juízo que o

proprietário não pode ficar por tempo indefinido à mercê da autoridade

administrativa , com base em doutrina (Maria Coeli Simões Pires, Da Proteção ao

Patrimônio Cultural, Livr. Del Rey Ed. B. Horizonte, 1994, pág. 142/143) e julgado146 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 137.147 Ibidem, p. 135.

Page 62: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

62

deste Tribunal de Justiça (MS n. 161.210-1/SP, 4ª Câm. Cível, rel. Des. Olavo

Silveira, 05.10.95).

Ante o exposto, nega-se provimento aos recursos oficial e voluntário e

mantém-se a sentença por seus próprios fundamentos.”148; (Grifos nossos)

O julgado acima se refere à apelação com revisão em mandado de segurança

impetrado por proprietário de imóvel, tombado provisoriamente, contra a autoridade

coatora, a prefeitura de Piracicaba.

Segundo consta do relatório, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de

Piracicaba – Codepac, responsável pelo tombamento de bens naquela cidade,

notificou o proprietário em 14 de outubro de 2004. Apresentada a contestação da

notificação dentro do prazo legal pelo proprietário, o Conselho deveria proferir

decisão em 60 dias. No entanto, permaneceu inerte até 30 de agosto de 2006, data

de impetração do mandado de segurança, desrespeitando totalmente a disposição

legal acerca do assunto.

O juízo da Comarca de Piracicaba concedeu a segurança e declarou a

caducidade do tombamento provisório realizado pelo Codepac.

Como se vê, além da demora quanto à decisão de tombamento definitivo, a

ausência de notificação poderá ensejar mandado de segurança a fim de cancelar o

tombamento, conforme sentença proferida, com trechos abaixo transcritos:

“A ordem deve ser parcialmente concedida.

Em relação à efetivação da notificação pelo Diário Oficial, razão assiste

aos impetrantes.

Tratando-se o tombamento de forma de intervenção do Estado na

propriedade privada, necessária a observância do princípio do devido pro cesso

legal . , ampla defesa e contraditório , já que o ato imporá sérias restrições ao direito

constitucional assegurado aos cidadãos (art. 5º, inciso XII, da CF).

Destarte, com o surgimento do interesse na proteção de determinado

bem, levando-se em conta seu valor histórico e cultural, e o conseqüente início do

procedimento de tombamento provisório, imprescindível a intimação dos

148 TJSP, Câmara Especial do Meio Ambiente. Apelação com revisão nº. 652.204-5/0-00 - Piracicaba.Relator Des. Antonio Celso Aguilar Cortez.

Page 63: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

63

interessados para que possam apresentar defesa à re speito das restrições que

serão impostas aos bens de sua propriedade .

(...)

Como dito anteriormente, o ato praticado não atingiu o efeito pretendido pela

legislação, pois não possibilitou aos impetrantes terem efetivo conhecimento do

procedimento.

Assim, diante da irregularidade do ato de notificaç ão, o procedimento de

tombamento nº. 36.363/97 é nulo.

(...) Como bem ressaltado pelo Promotora de Justiça, ‘o processo de

tombamento deve estar concluído no prazo de noventa dias , admitindo-se

apenas uma modesta extensão, uma vez que a lei não determina o prazo para

remessa do processo ao Conselho Consultivo’ (fls. 320).

Esclareço que o prazo foi estipulado após detida análise das disposições

legais existentes sobre a matéria.

No presente caso, o ato que deu início ao procedimento de tombamento

provisório foi expedido em 15.7.97 (fls. 53) e, passados mais de doze anos, não foi

proferida qualquer decisão sobre o assunto.

(...)”149 (Grifos nossos)

O Estado tem, portanto, discricionariedade para determinar a abertura de

processo de tombamento, desde que respaldado por decisão de corpo técnico e

especializado. No entanto, por se tratar de grande restrição ao direito de

propriedade, o procedimento administrativo deve atender aos prazos e às

disposições constantes nas respectivas leis, sob pena de caducidade do ato.

A necessidade de notificação é imprescindível para a efetivação do

tombamento da propriedade privada, bem como o respeito aos prazos legais.

Porém, como será visto no próximo capítulo, que trata dos efeitos do tombamento, a

legislação não deixa claro quanto à necessidade de notificação de proprietário de

imóveis localizados no entorno do bem tombado.

149 TJSP, 4ª Vara de Fazenda Pública da comarca de São Paulo. Mandado de Segurança nº.053.09.006725-0. Juiz de Direito André Salomon Tudisco.

Page 64: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

64

4.4. Alguns exemplos de tombamentos de imóveis

Há várias maneiras pelas quais o Estado pode interferir na propriedade por

meio do tombamento. De acordo com o interesse público, o tombamento poderá

atingir a totalidade ou uma parcela da propriedade. Os imóveis, rurais ou urbanos,

poderão ser tombados isoladamente ou conjuntamente, independentemente, se

pertencentes ao mesmo proprietário ou de proprietários diferentes.

Após a homologação do tombamento pelo ministro ou secretário da cultura, o

bem é inscrito no livro do tombo. No Iphan são quatro os livros de inscrição do bem,

a saber: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Livro do Tombo

Histórico; Livro do Tombo das Belas Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas

(art. 4º do Decreto-Lei 25/1937). No Estado de São Paulo há os mesmos livros que

os do Iphan, porém o Decreto 13.426/1979 criou o Livro do Tombo das Artes

Populares (art. 139).

Os livros do tombo no âmbito federal encontram-se localizados no Arquivo

Noronha Santos, com sede no Rio de Janeiro. Em São Paulo os livros localizam-se

no Centro de Documentação do Condephaat.

A inscrição de um imóvel pode ocorrer em um único livro de tombo, como, por

exemplo, o tombamento de um sobrado localizado à Praça General Osório, em

Angra dos Reis, Rio de Janeiro. Nesse caso, não foi tombado apenas um único

imóvel, mas um conjunto arquitetônico150. Outrossim, poderá ocorrer a inscrição de

150“Sobrado à Praça General Osório, s/n (Angra dos Reis, RJ)Descrição: Localizado na Praça General Osório, ocupa a maior parte da área entre a praia e

praça que constitui adro para as duas igrejas carmelitas de Angra. Este conjunto é um dos últimosremanescentes íntegros do acervo residencial da cidade, datando sua construção dos séculosXVIII/XIX. O conjunto apresenta frontaria voltada para o conjunto carmelita, balcão com gradil deferro, para o qual se abre sequência de portas enquadradas em cantaria de arenito com vergaarqueada e folhas de vidraça. Na fachada voltada para o mar, as aberturas são emolduradas commadeira. Aos vãos do sobrado correspondem igual número de portas no andar térreo.

Endereço: Praça Central Osório, s/n – Angra dos Reis – RJLivro HistóricoInscrição: 421 Data: 17-12-1969Nº Processo: 0794 – T – 67

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65

bens em dois ou mais livros de tombo, demonstrando que um bem imóvel poderá ter

concomitantemente valores histórico, artístico e paisagístico151. Poderá ser tombada

somente parte de um imóvel, como um jardim ou um elemento arquitetônico152.

Observações: O sobrado integra um conjunto arquitetônico com out ros prédiostombados no mesmo Processo .”. (Grifos nossos)

Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.151 “Casarão do Chá (Moji das Cruzes, SP)

Descrição: Edifício representativo da imigração japonesa no Brasil foi projetado por KazuoHanaoka, em 1942, para abrigar uma fábrica de chá. Utilizando elementos construtivos ocidentais –telhas marselha, esquadrias, taipa de mão – e soluções formais inspiradas na arquitetura doscastelos e templos do Japão obtém resultado de grande plasticidade, identificado com a culturajaponesa no Brasil.

Endereço: Fazenda Katakura, bairro de Cocuera – Moji das Cruzes - SPLivro HistóricoInscrição: 503 Data: 14-8-1986Livro Arqueológico, Etnográfico e PaisagísticoInscrição: 092 Data: 14-8-1986Livro de Belas ArtesInscrição: 575 Data: 30-9-1985Nº Processo: 1124 – T – 84”. (Grifos nossos)Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.

152 “Hospital São João de Deus: jardim (Cachoeira, BA)Descrição: O antigo Hospital de Caridade de Cachoeira foi criado pelo Frei Antônio Machado,

de Nossa Senhora de Belém, em 1729. A Ordem de São João de Deus, de Lisboa, recebeu-o pordoação em 1754, passando à Santa Casa da Misericórdia, em 1826. Em 1912, o quintal da igreja étransformado em jardim. Do tipo francês, ainda que tardio, apresenta canteiros de desenhogeométrico e gradil com colunas coroadas por vasos, pinhas, cachorros e leões de louça. Ocentro do jardim é marcado por uma fonte de mármore com três golfinhos.

Endereço: Praça Doutor Aristides Milton – Cachoeira - BALivro Arqueológico, Etnográfico e PaisagísticoInscrição: 009 Data: 9-7-1940Nº Processo: 0202 – T – 39Observações: O jardim fica localizado nos fundos da Capela do Hospital São João de Deus”.

(Grifos nossos)Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.

“Portão do Cemitério de Ares (Ares, RN)Descrição: Elevada à categoria de Vila de Ares em 1760, fora anteriormente aldeia indígena

onde se instalaram os jesuítas. O frontispício do cemitério de Ares foi considerado obra bastanteexpressiva no Barroco. Datada de 1822, sua construção fora atribuída ao capuchinho Frei Herculano,quando esteve em Ares. Considerada a peça mais sugestiva de todo o estado, com seus ornamentosdo Barroco, como decoração mural, segundo Câmara Cascudo, possui frontispício de composiçãosimétrica, com cinco divisões feitas por colunas compósitas. Na divisão central, em arco pleno efrontão em forma de sino encimado por cruz, existe seu vão de acesso. Duas divisões ornadas pormotivos florais, ladeando o arco. Nichos em arco pleno cercado por ornatos, vazam as duas divisõesextremas. Motivos florais nas bases e no rodapé. Pináculos em forma de lótus fechados sobre acornija, coroando as colunas.

Page 66: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

66

Há casos de tombamentos de imóveis nos quais se “tomba” o prédio, bem

como seu entorno, sejam eles jardins, quintais, árvores. Bens móveis integrantes do

imóvel poderão ser igualmente tombados153.

Muros de imóveis poderão ser igualmente tombados juntamente com alguns

prédios da propriedade. Foi o que ocorreu no processo de tombamento de alguns

prédios da Universidade Mackenzie, na cidade de São Paulo, de acordo com a

Endereço: - Ares - RNLivro HistóricoInscrição: 351 Data: 23-8-1962Nº Processo: 0669 – T – 62”. (Grifos nossos)Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.

153 “Terreiro da Casa Branca (Salvador, BA)Outros Nomes: Ilê Axé Iyá Nassô OkáDescrição: Segundo conta a tradição oral, por volta da primeira metade do século XIX, três

africanas da nação nagô fundaram um Terreiro de Candomblé numa roça nos fundos da IgrejaBarroquinha, em pleno centro da cidade. Os levantes de negros ocorridos neste períododesencadeiam forte repressão, fazendo com que as manifestações religiosas fossem perseguidas, eque a comunidade da Casa Branca transferisse o terreiro para o Engenho Velho, um subúrbio dacidade, em meados do século passado. O terreiro da Casa Branca é um exemplar típico do modelobásico jeje-nagô, sendo o centro de culto religioso negro mais antigo que se tem notícia da Bahia e doBrasil, considerando com a “matriz da nação nagô”. É possível ligar suas origens à Casa Imperial dosIoruba, representando um monumento onde sobrevive riquíssima tradição de Oió e de Ketu,testemunho da história de um povo. Situado em terreno com declive, o terreiro possui umaedificação principal – A Casa Branca – distribuídas à sua volta, em meio à vegetação ritual – oMato – com imensas árvores sagradas e outros assent amentos, além das habitações dacomunidade local . Esta espacialidade não pode ser entendida separadam ente dos ritos que aíse desenvolvem, apesar de todas as mutilações e tra nsformações sofridas pelo Terreiro aolongo do tempo, não foram descaracterizados, devido ao forte apego às tradições. O simbolismodos elementos componentes do conjunto e as características do culto é que devem determinar asdiretrizes de sua preservação.

Endereço: Avenida Vasco da Gama, 463 – Salvador - BALivro HistóricoInscrição: 504 Data: 14-8-1986Livro Arqueológico, Etnográfico e PaisagísticoInscrição: 093 Data: 14-08-1986Nº Processo: 1067 – T – 82Observações: O tombamento inclui uma área de 6800 m2 com as edif icações, as árvores

e principais objetos sagrados .”. (Grifos nossos)Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.

“Base Aérea da Santa Cruz: hangar de zepelins (Rio de Janeiro, RJ)Outros Nomes: Aeroporto Bartolomeu de Gusmão: hangar de zepelinsEndereço: Santa Cruz – Rio de Janeiro - RJLivro HistóricoInscrição: 550 Data: 3-12-1998Nº Processo: 0994 – T – 62Observações: O tombamento inclui as pontes rolantes, os elevador es, as escadas de

acesso, o motor, o mecanismo de abertura das portas principal e secundária, e a estação depassageiros anexa ”. (Grifos nossos)

Arquivo Noronha Santos: in: http://www.iphan.gov.br/ans/inicial.htm.

Page 67: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

67

Resolução SC-27, do Secretário da Cultura do Estado de São Paulo, de 15 de

dezembro de 1993154.

Bairros inteiros poderão ser tombados, como aconteceu com o bairro do

Pacaembu na Capital paulista, de acordo com a Resolução SC-8, de 14 de março de

1991155.

154 “(...) Artigo 1º. – Ficam tombados como bens culturais de interesse histórico-arquitetônico pelosignificado histórico-cultural que representou a nova postura liberal do ensino que propôs em nossacidade e pela tipologia arquitetônica que a caracterizou, os edifícios abaixo discriminados situados naárea do Instituto Mackenzie:

(...)7) Muro de Arrimo da Rua Maria Antonio e Rua Itambé, desde o portão da engenharia na

primeira até o portão da Reitoria , na segunda; jardins compreendidos pelo limite da Rua MariaAntonia e Rua Itambé até a Escola de Arquitetura, e da Rua Itambé até o edifício 7 da planta geral(Diretórios Acadêmicos), inclusive o jardim entre a Faculdade de Arquitet ura e este edifício 7, nafrente do Castelinho ; monumento aos alunos do Mackenzie mortos na Revolução de 32 na esquinadas Ruas Maria Antonia e Itambé, herma de Horácio Lane, em frente à Faculdade de Agricultura.(...)”.(Grifos nossos) SC 27/93. Imprensa oficial, Caderno: Executivo - I, 16/12/1993, pág. 53. in:imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/Popup/Pop_DO_Busca1991Resultado.aspx?Trinca=139&CadernoID=ex1&Data=19931216&Name=13967CG0034.PDF&SubDiretorio=0&Pagina=53.155 “(...) considerando as extraordinárias finalidades ambientais e paisagísticas decorrentes deimplantação do bairro do Pacaembu nas encostas do vale do ribeirão de mesmo nome;

considerando a excelência do traçado urbano e topografia que o caracterizam, decorrentes doloteamento empreendido pela Companhia City de acordo com os princípios básicos da “gardencity”inglesa;

considerando a significativa taxa de densidade arbórea e alta porcentagem de solospermeáveis capazes de garantir climas urbanos mais a menos para a cidade como um todo, Resolve:

Artigo 1º - Ficam tombados na área do Pacaembu e Perdizes, no município de São Paulo, osseguintes elementos:

I – o atual traçado urbano , representado pelas ruas e praças públicas contidas entre osalinhamentos dos lotes particulares;

II – a vegetação, especialmente a arbórea, que passa a ser considerada como bemaderente;

III – o padrão de ocupação dos lotes , do qual decorre a existência de grande porcentagemda área verde e solo permeável, bem como baixa taxa de densidade populacional;

IV – o belvedere público localizado no final da rua Inocêncio Unhate que se constitui emlocal privilegiado para a fruição das qualidades paisagísticas e ambientais do bairro.

(...)”.(Grifos nossos) . SC 08/91. Imprensa oficial, Caderno: Poder Executivo - SeçãoI, 16/03/1991, pág. 37. in:http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?pagina=37&SubDiretorio=&Data=19910316&dataFormatada=16/03/1991&Trinca=NULL&CadernoID=1/1/1/0&ultimaPagina=80&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-1990/Entrega_2006-09-01/Entrega_OCR_2006.09.01/000115/I05_04_02_07_05_034/1991/PODER%20EXECUTIVO/MAR%C3%87O/16/Scan_2025.pdf

pág. 38, in:http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?pagina=38&SubDiretorio=&Data=19910316&dataFormatada=16/03/1991&Trinca=NULL&CadernoID=1/1/1/0&ultimaPagina=80&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se

Page 68: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

68

É de se observar que a preocupação desse tombamento é a preservação

ambiental, seja quanto à vegetação ali projetada pela Companhia City - que permite

boa qualidade climática, seja pela beleza paisagística ali desenvolvida, ou pela baixa

densidade populacional. Pretendeu-se preservar, igualmente, o traçado urbano.

Muito embora o decreto não tenha tombado diretamente nenhum imóvel, seus

efeitos incidem sobre a propriedade privada, que serão discutidos no próximo

capítulo. Ressalte-se que o referido decreto foi alterado recentemente, e já é objeto

de discussão pelo Poder Judiciário paulista.

Outro tipo de tombamento muito conhecido é o de fachada de prédio. O

interior do prédio poderá sofrer alterações. Somente a fachada é que restará

inalterada. A resolução SC 51/ 2009 determina o tombamento da fachada do edifício

do teatro paulistano Cultura Artística, bem como o painel de autoria do artista

modernista Emiliano Di Cavalcanti, situado no interior do prédio156.

%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-1990/Entrega_2006-09-01/Entrega_OCR_2006.09.01/000115/I05_04_02_07_05_034/1991/PODER%20EXECUTIVO/MAR%C3%87O/16/Scan_2026.pdf.156“(...)

O Teatro Cultura Artística desempenhou fundamental contribuição para a metropolização einternacionalização da cultura da Cidade de São Paulo;

O Teatro Cultura Artística construído com esforço de gerações, abrigou atividades culturaisque marcaram a cena paulista, durante décadas;

O edifício que abrigou a sede da Sociedade Cultura Artística, projetado e construído entre1942 e 1947, é representativo do programa funcional de salas de espetáculo, tendo modernizado opadrão desse tipo de espaço na cidade;

O prédio é de autoria de Rino Levi, arquiteto reconhecido por sua contribuição para aarquitetura brasileira do século XX;

Integra fachada frontal do prédio, concebido pelo Arq. Rino Levi, painel mural do artistaEmiliano Di Cavalcanti;

Considerando que a despeito de ter sido destruído por incêndio em agosto de 2008, manteveíntegra sua face voltada para o espaço público, com a qual é identificada pela memória paulista,resolve:

Artigo 1º Fica tombada a fachada remanescente do Teatro Cultura Artística localizado naRua Nestor Pestana nº 196, São Paulo, Capital, inclusive os elementos de vedação e caixilhos quedela fazem parte, bem como o painel de Emiliano Di Cavalcanti que o integra

(...)”.(Grifos nossos) SC 51/2009. Imprensa oficial, Caderno: Poder Executivo - SeçãoI, 03/09/2009, pág. 90. in:http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaDO2001Documento_11_4.aspx?link=/2009/executivo%2520secao%2520i/setembro/03/pag_0090_528GD7MF4ML3De70T3IVUM8DCAI.pdf&pagina=90&data=03/09/2009&caderno=Executivo%20I&paginaordenacao=100090

Page 69: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

69

As resoluções de tombamento publicadas pela Imprensa Oficial do Estado de

São Paulo, conforme os exemplos anteriores, são resumidamente fundamentadas e

delimitam os elementos, objetos do tombamento. No âmbito federal, a publicação no

Diário Oficial da União é feita por meio de portaria e não contém o detalhamento das

resoluções paulistas. Porém, o edital de notificação do Iphan ali publicado contém o

detalhamento quanto ao tombamento.

Page 70: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

70

5. Efeitos do tombamento na propriedade privada

Os efeitos do tombamento são aqueles que garantem a preservação e

conservação do bem cultural. Tais efeitos afligem muitos proprietários, pois

interferem diretamente no caráter absoluto da propriedade e na exploração

econômica do bem.

Não basta que o bem tombado seja declarado como de utilidade pública para

que se garanta a preservação do patrimônio cultural. São os efeitos do instituto que

efetivamente permitem e viabilizam a preservação e geram direitos e obrigações ao

proprietário e à entidade que realizou o tombamento. A fiscalização do bem tombado

é realizada pelos órgãos competentes e tem como lastro o poder de polícia da

Administração Pública.

5.1. Da transcrição e averbação do tombamento no Cartório de

Registro de Imóveis

Do tombamento definitivo, após homologação pela autoridade competente,

caberá ao órgão responsável providenciar a transcrição do mesmo nos livros do

Cartório de Registro de Imóveis e averbá-lo ao lado da transcrição do domínio157.

Importante salientar que, de acordo com a doutrina majoritária, a transcrição e

a averbação do tombamento definitivo no registro imobiliário não são requisitos para

a produção dos demais efeitos do tombamento, que permanecerão mesmo que o

órgão responsável se omita em cumprir a referida obrigação, constante no artigo 13

do Decreto-Lei 25/1937158. Se provisório o tombamento, por ausência de disposição

legal, não há exigibilidade da transcrição e da averbação no cartório.

157 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit. p. 141.158 José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura, p. 165-166.

Page 71: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

71

Outrossim, quanto ao tombamento, mesmo que definitivo, de áreas extensas,

traçados urbanísticos e conjuntos arquitetônicos, a legislação vigente silencia quanto

à necessidade da transcrição e da averbação no registro imobiliário e muito menos

quanto à comunicação desse tipo de tombamento ao proprietário, abrindo

possibilidades de interpretações díspares acerca do tema.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu decisão, em sede de

agravo de instrumento159, corroborando com o entendimento da desnecessidade de

averbação ao lado do domínio de bem imóvel localizado em bairro tombado pelo

Condephaat, por meio da Resolução de Tombamento SC 02/86160.

159 “(...) Sustenta o agravante a inépcia da inicial, impossibilidade jurídica do pedido, pois nãoaverbado o alegado tombamento à margem da transcriç ão do domínio , acrescentando quefaltava interesse processual ao agravado, ao deixar de comprovar a inscrição do tombamento no“Livro do Tombo”, (...) . No caso em testilha estão presentes as condições da ação supramencionada, não havendo necessidade para a sua propositura de que o tombamento estejainscrito no Livro do Tombo e anotado no título de d omínio . (Grifos nossos). TJSP, 8ª Câmara deDireito Público. Agravo de instrumento nº. 123.528-5/5. Relator Celso Bonilha.160 “RES. SC 02/86, de 23/01/86, publicada no DOE 25/01/86, p. 19/20

O Secretário da Cultura, nos termos do artigo 1o do Decreto-Lei 149, de 15 de agosto de1969 e do Decreto 13.426, de 16 de março de 1979, resolve:

Artigo 1o – Ficam tombados na área dos Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano,no município de São Paulo, os seguintes elementos :

(...)Artigo 2o – A área de tombamento está contida no polígono obtido a partir da intersecção

dos eixos das vias abaixo relacionadas: Rua Estados Unidos (CADLOG 06651-6), AvenidaRebouças (CADLOG 16919-6), Avenida Brigadeiro Faria Lima (CADLOG 06897-7), Rua GumercindoSaraiva (CADLOG 08527-8), Avenida Cidade Jardim (CADLOG 04933-6), Avenida Nove de Julho(CADLOG 14804), Avenida São Gabriel (CADLOG 07671-6), Avenida Antônio Joaquim de MouraAndrade (CADLOG 10517-1), Avenida República do Líbano (CADLOG 17003-8), Rua Manoel daNóbrega (CADLOG 12651-9), Rua Paulino Camasmie (CADLOG 15647-7) e Avenida Brigadeiro LuísAntônio (CADLOG 12165-7 ).

Parágrafo único - Fica excluída do polígono de tombamento a faixa de 50 (cinqüenta) metrosdefinida pelo Município como corredor de uso especial Z8-CR3 na Av. Brigadeiro Faria Lima(CADLOG 06897-7) entre a Avenida Rebouças (CADLOG 16919-6) e Rua Escócia (CADLOG 06590-0).

(...)” (Grifos nossos) SC 02/1996. Imprensa oficial, Caderno: Poder Executivo - SeçãoI, 25/01/1986, pág. 19 in:http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?pagina=19&SubDiretorio=&Data=19860125&dataFormatada=25/01/1986&Trinca=NULL&CadernoID=1/1/1/0&ultimaPagina=56&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-1990/Entrega_2006.09.28/000475/I05_04_01_04_02_062/1986/PODER%20EXECUTIVO/JANEIRO/25/Scan_0801.pdf;

pag. 20 in: http://www.imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/BuscaGratuitaDODocumento.aspx?pagina=20&SubDiretorio=&Data=19860125&dataFormatada=25/01/1986&Trinca=NULL&CadernoID=1/1/1/0&ultimaPagina=56&primeiraPagina=0001&Name=&caderno=Poder%20Executivo%20-%20Se%C3%A7%C3%A3o%20I&EnderecoCompleto=/PortalIO/diario1890-1990/Entrega_2006.09.28/000475/I05_04_01_04_02_062/1986/PODER%20EXECUTIVO/JANEIRO/25/Scan_0802.pdf

Page 72: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

72

Ressalte-se que o julgado citado, além de não exigir a necessidade de

transcrição do tombamento no registro imobiliário, dispensou até mesmo a inscrição

do tombamento no Livro do Tombo.

O referido tombamento, de acordo com a resolução SC 02/86, especifica o

perímetro urbano tombado, bem como os coeficientes de aproveitamento. Porém

não especifica cada um dos imóveis por ela atingidos, não tendo sido realizada

averbação ao lado do domínio no registro imobiliário de cada imóvel ou lote ali

localizado.

As restrições quanto ao tombamento, se tivessem sido especificadas na

matrícula de cada imóvel, além de conferir maior publicidade ao procedimento,

confeririam maior segurança jurídica aos proprietários ou aos adquirentes dos

imóveis.

Em outro julgado, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região corrobora

expressamente com esse entendimento161.

No entanto, há entendimento contrário, em que o Tribunal Regional Federal

da 2ª Região, em sede de apelação cível, manteve decisão do Juízo a quo que

exigiu, para a produção dos efeitos do tombamento em imóvel tombado, a

transcrição do tombamento ao lado do domínio no registro imobiliário162. 161 “(...)

12 – A cidade de Parati, onde a casa se encontra, foi convertida em Monumento Nacional doano de 1966, pelo Decreto nº 58.077. Ainda que estivesse fora dos limites do Bairro Histórico, oimóvel do Réu estaria abrangido pelo ‘Conjunto Arqu itetônico e Paisagístico da Cidade deParati’ , e necessitaria da autorização do IPHAN para a realização de quaisquer modificações em suaestrutura.

13 - A averbação no Registro Geral de Imóveis não é requ isito para a constituição dotombamento e nem para surtir seus regulares efeitos . Para a doutrina majoritária, talaverbação é uma limitação administrativa à propried ade e não um ônus real. A exigência objetodo art. 13 do Decreto-lei nº 25/37, tão somente assegura o direito de preferência do P oderPúblico em caso de alienação.

(...)” (Grifos nossos). TRF2ª Região. 6ª Turma. Apelação cível nº. 2000.02.01.002902-0/RJ.Relator Des. Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama.162 “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TOMBAMENTO DE IMÓVEL PARTICULAR DEVE SER NOTIFICADO AO SEU

PROPRIETÁRIO A FIM DE PRODUZIR OS EFEITOS LEGAIS . DEVE TAMBÉM SER TRANSCRITO O TOMBAMENTO NO REGISTRO

IMOBILIÁRIO .- AÇÃO CIVIL PÚBLICA PLEITEANDO RESTAURAÇÃO E MANUTENÇÃO DE IMÓVEL TOMBADO.

Page 73: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

73

O caso em tela contraria a doutrina majoritária. José Afonso da Silva nos

ensina que a transcrição e a averbação têm por escopo assegurar o cumprimento

das restrições legais sobre a alienabilidade do bem e do exercício do direito de

preferência a ser exercido pelo Poder Público. Em concordância com os autores

italianos Gasto Pauini e Sanduicho, afirma que os referidos atos registrais -

transcrição e averbação ao lado do domínio - têm função de publicidade reforçada:

“serve para dar eficácia apenas em relação aos sucessores do proprietário dos

bens tombados, mas só no sentido limitado de que da sua falta deriva para os

referidos sucessores a inaplicabilidade das sanções previstas para a violação do

vínculo”.163 (Grifos nossos)

Contraria, igualmente, o parecer da antiga Consultoria Geral da União, atual

Advocacia Geral da União, de autoria de Luiz Rafael Mayer, então consultor-geral da

República:

“A transcrição e a averbação não constituem elementos do processo de

tombamento, não o aperfeiçoam, nem condicionam os s eus efeitos , senão em

um plano, e para fins estritos e especiais.

Com efeito, as inscrições registrárias, não tendo, de nenhum modo, o intento

de constituição de direitos reais de natureza privada, visam apenas à publicidade

que assegure a observância das restrições legais so bre a alienabilidade dos

bens tombados e o exercício das preferências do pod er público. 164” (Grifos

nossos)

Resta claro que a lei, ao silenciar quanto à necessidade da transcrição e da

averbação do tombamento na matrícula dos imóveis localizados nos traçados

- A FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO PROPRIETÁRIO QUANTO AO TOMBAMENTO DE SEU IMÓVEL, COMO A SUA TRANSCRIÇÃO

NO REGISTRO IMOBILIÁRIO CONSTITUEM, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 5º E 13 DO DL 25/37, PRESSUPOSTOS OBRIGATÓRIOS PARA

A PRODUÇÃO DE EFEITOS LEGAIS.- DESRESPEITADOS OS DITAMES LEGAIS , É INCABÍVEL A PRETENSÃO AUTORAL .- EMBORA TENHA HAVIDO MODIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS ARQUITETÔNICOS DA FACHADA, COM A RETIRADA DE UM PILAR

E A SUBSTITUIÇÃO DOS QUADRIS DE FERRO QUE COMPÕE A PORTA, NÃO HÁ COMO SE SABER SE FOI FEITO PELO AUTOR OU POR

SEU ANTERIOR PROPRIETÁRIO.- RECURSO NÃO PROVIDO.” (Grifos nossos) TRF2ª Região. 5ª Turma. Apelação cível nº.

2001.02.01.005990-8/RJ. Relator Des. Federal Paulo Espírito Santo.163 José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura. p. 165.164 Ibidem, p. 283, apud de Luiz Rafael Mayer, RDA 120/406.

Page 74: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

74

urbanos e conjuntos arquitetônicos, acaba por permitir interpretações díspares,

conforme foi demonstrado pela jurisprudência citada.

Melhor seria se a legislação exigisse a transcrição e a averbação ao lado do

domínio no registro imobiliário para todos os tipos de tombamento de imóveis,

incluindo o tombamento de conjuntos urbanos e traçados urbanos.

Diante das divergências de interpretação acerca da matéria, a Corregedoria

Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo alterou o

Provimento CGJ nº 58/1989 ao editar o Provimento CGJ nº 21/2007. Esse

provimento versa sobre as normas de serviço dos cartórios extrajudiciais do Estado

de São Paulo.

O capítulo XX do Tomo II do provimento 58/1989 prevê o registro do

tombamento definitivo no registro de imóveis (item 1, a, 35), bem como a averbação

do “tombamento provisório e definitivo de bens imóveis, declarado por ato

administrativo ou legislativo ou por decisão judicial”165.

Muito embora o provimento citado tenha sido editado no âmbito do Estado de

São Paulo, de acordo com a leitura do referido item 166, os órgãos responsáveis pelo

tombamento da União e dos Municípios devem atender às disposições nele

contidas. Para isso, basta que o imóvel tombado esteja localizado no Estado de São

Paulo.

Segundo o referido provimento, o tombamento definitivo deve ser registrado

no Livro 3 do Cartório de Registro de Imóveis, da seguinte maneira:

165 TJSP, Provimento CGJ 58/89: Tomo II, capítulo XX, seção I, item 1, b, 19. 166 Ibidem, Tomo II, capítulo XX, seção I, in verbis:

“1. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:a) o registro de:(...)35. Ato de tombamento definitivo de bens imóveis, requerido pelo órgão competente, federal,

estadual ou municipal, do serviço de proteção ao patrimônio histórico e artístico.”.

Page 75: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

75

“76. Os atos de tombamento definitivo de bens imóveis, requeridos pelo órgão

competente, federal, estadual ou municipal , do serviço de proteção ao patrimônio

histórico e artístico, serão registrados , em seu inteiro teor, no Livro 3, além de

averbada a circunstância à margem das transcrições ou nas matrículas

respectivas, sempre com as devidas remissões.”167. (Grifos nossos)

Muito embora não haja previsão legal para a transcrição e averbação do

tombamento provisório de imóveis, esse provimento determina a sua transcrição no

registro imobiliário, como também de imóveis considerados integrantes do

patrimônio cultural, mas não tombados, conforme a redação do item 76.2, in verbis:

“76.2. Poderão ser averbados à margem das transcrições ou nas matrícul as:

a) o tombamento provisório dos imóveis;

b) as restrições próprias dos imóveis reconhecidos como integrantes do

patrimônio cultural, por forma diversa do tombamento, mediante ato administrativo

ou legislativo ou decisão judicial”168

Como pode ser percebido, acertadamente, a Corregedoria Geral da Justiça

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do Provimento 21/2007

alterador do Provimento CGJ 58/1989, vem sanar dúvidas acerca das lacunas

existentes na legislação de proteção ao patrimônio cultural brasileiro.

Essas medidas visam dar maior segurança jurídica aos proprietários de bens

imóveis situados no Estado, exigindo, inclusive, a definição das restrições impostas

pelo tombamento, a natureza do ato e, principalmente, a notificação efetivada dos

proprietários:

“76.3. O registro e as averbações de que tratam o item 76 e o subitem 76.2 serão

efetuados mediante apresentação de certidão do correspondente ato

administrativo ou legislativo ou de mandado judicial, conforme o caso, com as

seguintes e mínimas referências:

a) à localização do imóvel e sua descrição, admitindo-se esta por

remissão ao número da matrícula ou transcrição;

b) às restrições a que o bem imóvel está sujeito;

167 Op. cit., Tomo II, capítulo XX, seção II, item 76, alterado pelo Provimento CGJ 21/2007.168 Ibidem, item 76.2.

Page 76: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

76

c) quando certidão de ato administrativo ou legislativo, à indicação

precisa do órgão emissor e da lei que lhe dá suport e, bem como à

natureza do ato, se tombamento (provisório ou definitivo) ou forma

diversa de preservação e acautelamento de bem imóvel reconhecido como

integrante do patrimônio cultural (especificando-a)

d) quando mandado judicial, à indicação precisa do Juízo e do processo

judicial correspondente, à natureza do provimento jurisdicional (sentença ou decisão

cautelar ou antecipatória) e seu caráter definitivo ou provisório , bem como à

especificação da ordem do juiz do processo em relação ao ato de averbação a ser

efetivado;

e) na hipótese de tombamento administrativo, provisório ou definitivo, a

notificação efetivada dos proprietários 169”. (Grifos nossos)

5.2. Da alienabilidade de bens tombados e do exercício do direito

de preferência pelo Poder Público

Quando o bem tombado pertencer ao Estado, ele não poderá ser alienado a

particulares. O Decreto-Lei 25/1937 e o Decreto Estadual 13.426/1979 do Estado de

São Paulo somente permitem a transferência do mesmo para outro ente da

Federação (arts. 11 e 134, §3º, respectivamente).

A alienabilidade do bem tombado a particulares é permitida. Para tanto, o

proprietário é obrigado a observar as regras legais. Se a transferência da titularidade

for onerosa, o Estado tem direito de preferência na aquisição do bem, na seguinte

ordem: União, Estados e Municípios. O bem deverá ser oferecido ao Poder Público

pelo mesmo preço que oferecido aos particulares. Se o Estado permanecer silente,

o proprietário poderá alienar o bem a um particular, após 30 dias contados da

notificação dos entes federativos170.

No âmbito federal, caso o proprietário não notifique o Estado e aliene o bem a

terceiro, haverá o pronunciamento de nulidade pelo juiz e a imposição de multa ao

169 Op. cit. item 76.3.170 José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura, p. 166.

Page 77: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

77

vendedor e ao adquirente equivalente a 20% do valor do imóvel. A responsabilidade

pelo pagamento da multa é solidária. O bem será sequestrado e poderá somente ser

levantado após o pagamento da referida penalidade e se o Poder Público não

adquirir o imóvel em 30 dias. A venda judicial de bem tombado poderá ocorrer a

particulares se o Estado for judicialmente notificado e permanecer inerte171.

A transferência de titularidade do bem tombado deverá ser comunicada ao

órgão responsável e devidamente registrada pelo adquirente, em 30 dias, sob pena

de multa de 10%, no Cartório de Registro de Imóveis, ainda que se trate de

transmissão judicial ou causa mortis172.

No caso de imóvel tombado pelo Condephaat, a transferência de propriedade

deve ser averbada ex oficio pelo serventuário do Cartório de Registro de Imóveis,

que deve comunicar o Condephaat, em seguida (art. 134, §4º do Decreto Estadual

13.426/1979).

O Provimento CGJ 58/89 do Tribunal de Justiça de São Paulo, no capítulo XX,

tomo II, seção II, item 76.1, recomenda que “o cartório comunique imediatamente o

fato ao respectivo órgão federal, estadual ou municipal competente”.

Se a alienação for gratuita, o Decreto Estadual 13.426/1979 determina que o

proprietário comunique o Condephaat com antecedência mínima de 30 dias. O

mesmo se aplica para locação, cessão de uso ou remoção de bem tombado.

Como o dever de transcrição e averbação do tombamento é do órgão

responsável pelo tombamento, se esse não o fizer, o proprietário do imóvel tombado

está desonerado de oferecer primeiramente o bem ao Poder Público173.

Muito embora o Decreto-Lei 25/1937 não tenha feito maiores ressalvas

quanto à alienabilidade do bem tombado, a obrigatoriedade que tem o proprietário

171 José Afonso da Silva, op. cit., p. 166.172 Ibidem.173 Ibidem.

Page 78: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

78

em conservar o bem poderá atingir o valor econômico do mesmo174. Por ser um

custo muito alto para o proprietário, ele poderá ter dificuldades de encontrar, por

exemplo, um comprador para o seu imóvel tombado.

Inclusive, o Poder Público já recusou a nomeação à penhora de bem tombado

em processo de execução fiscal. A ré, ao oferecer bem imóvel tombado para

garantia do débito fiscal, teve o mesmo recusado pela Prefeitura de São Paulo. Em

sede de agravo de instrumento, a recusa foi confirmada pelo Tribunal de Justiça175.

No caso em tela, o bem oferecido para garantir o débito era um imóvel tombado pela

própria prefeitura, autora da referida execução fiscal, por meio do Conselho

Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade

de São Paulo – Confresa.

Diante da recusa, resta inconteste a conclusão de que o imóvel tombado

sofre grande restrição de alienação, não por decorrer da lei, mas sim pelo próprio

mercado imobiliário, pois o adquirente do bem teria que arcar com o ônus do

tombamento.

No caso acima explanado, o próprio Poder Público reconheceu

expressamente a restrição, ao recusar o referido imóvel como bem em garantia,

pelos motivos que ele mesmo provocou.

Há casos em que a decisão do tombamento definitivo libera o proprietário da

comunicação da alienação de imóvel ao órgão responsável. Essa autorização deve

estar expressa na resolução ou na portaria que tornam públicos os atos de

tombamento.

174 Antonio A. Queiroz Telles, op. cit., p. 98.175 “PENHORA – Nomeação de bem imóvel – Recusa do credor por tratar-se de imóvel tombadonos termos da Lei Municipal nº 10.032/95 e sujeito a limitação administrativa – Cabimento – Bem dedifícil comercialização – Razões apresentadas pelo credor que justificam a recusa dos bensoferecidos, tanto pela dificuldade de sua liquidez , quanto pela existência de outros bens capazes desolver a dívida – Hipótese em que, embora a execução deva dar-se de forma menos onerosa para odevedor, não pode este dificultar a execução inviabilizando a satisfação do crédito cobrado –Decisão mantida – Recurso desprovido.”. (Grifos nossos). TJSP, 14ª Câmara de Direito Público.Agravo de instrumento nº. 471.766-5/4-00. Relator Gonçalves Rostey.

Page 79: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

79

Somente nesses casos é que poderá ser o proprietário liberado da obrigação.

A já referida Resolução SC 02/86, em seu artigo 4º, determina que “a venda de

propriedades situadas na área deste tombamento independe da prévia consulta ao

CONDEPHAAT”.

5.3. Da fiscalização, da conservação e da alterabilidade do imóvel

tombado

O proprietário do bem imóvel tombado, seja provisória ou definitivamente, tem

o dever de conservar o respectivo bem. Se não tiver condições de manter as

características do prédio, o proprietário deverá levar o fato ao conhecimento dos

órgãos responsáveis pelo tombamento.

A fiscalização do bem tombado está a cargo do órgão responsável, de modo

que o proprietário não pode criar obstáculos, sob pena de multa176.

A restrição quanto à alterabilidade do imóvel tombado é um dos sérios efeitos

do instituto do tombamento sobre a propriedade privada que, por sua vez, em

hipótese nenhuma, poderá ser destruído, demolido ou mutilado177.

O possuidor de imóvel tombado, seja por decorrência de contrato de

permissão de uso entre o particular e o Poder Público, seja decorrente de contrato

de locação, está igualmente adstrito às restrições impostas ao proprietário178.

176 José Afonso da Silva, Ordenação constitucional da cultura,p. 167.177 Ibidem, p. 166.178 “DIREITO ADMINISTRATIVO. ALTERAÇÃO DE BEM TOMBADO SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DO IPHAN. IMPOSSIBILIDADE.

(...)2. O juiz fez uma percuciente análise das questões postas nos autos, não merecendo a

sentença, no mérito, qualquer reforma. Os réus têm legitimidade ad causam, visto que ambos estãodiretamente vinculados às obras realizadas. O segundo réu, Município de Petrópolis, comoproprietário, constitucionalmente obrigado a proteger o bem tombado (art. 23, III, da CF/88), eMarowil Rink Bar Ltda, possuidor permissionário, executor das obras de co nstrução e reforma.

(..)” (Grifos nossos) TRF2ª Região. 5ª Turma. Apelação cível nº. 2000.51.06.001599-6/RJ.Relator Des. Federal Antônio Cruz Netto.

Page 80: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

80

5.3.1. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do Iphan

Segundo o Decreto-Lei 25/1937, caso ocorra furto ou desaparecimento de

elemento arquitetônico ou de bem móvel tombado juntamente com o imóvel, o

proprietário deverá comunicar o fato ao órgão responsável pelo tombamento, no

prazo de cinco dias. Se assim não o fizer, ser-lhe-á imposta multa de 10% sobre o

valor do imóvel (art. 16).

Reparos, pinturas, reformas ou restauro do bem imóvel somente poderão

ocorrer se o Iphan autorizar. Porém, se o proprietário reformá-lo sem a autorização,

ele será obrigado a pagar multa de 50% do valor do dano causado (art. 17).

Há julgados que determinam obrigações de fazer, com o fito de restabelecer o

aspecto original do bem, se alterado pela reforma179.

A conservação de um imóvel tombado poderá ser muito onerosa ao

proprietário, pois ele necessitará de mão de obra especializada, materiais e

procedimentos específicos180. O artigo 19 do referido decreto-lei, ao reconhecer a

dificuldade, possibilita ao proprietário, desde que não tenha, comprovadamente,

recursos para arcar com a conservação, informar o órgão responsável para que este

proceda às obras necessárias, às expensas da União. Segundo o § 1º do referido

179 “(...) Estando o imóvel da Apelada incluído em área regularmente tombada pelo Poder Pú blico ,a realização de reformas que alteraram suas feições primitivas, em descompasso com asespecificações definidas pelo órgão de fiscalização , é de se dizer que houve mutilação do bemtombado . Assim, constatada a irregularidade das obras levadas a efeito pela Ré, violando o dispostono DL n. 25;37, impõe-se a procedência do pedido contido na ação civil pública.

Enfatize-se, ainda, que o pedido formulado pelo IPHAN cinge-se tão somente àrecomposição da fachada do prédio ao estado anterio r, com a manutenção do estiloarquitetônico exibido pelo imóvel antes das alteraç ões efetuadas pela Ré/Apelada.

Por essa razão, dou parcial provimento ao apelo do Ministério Público Federal e integralprovimento à apelação interposta pelo IPHAN para julgar parcialmente procedente o pedido econdenar a Apelada Ingrid Virhoff Vampre na obrigação de fazer, consistente na recomposiçãodas características originais da fachada do imóvel de sua propriedade , na forma como postuladona exordial, com a cominação de multa pecuniária no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) por dia deatraso no cumprimento da obrigação (...)”. (Grifos nossos) TRF1ª Região. 6ª Turma. Apelação cívelnº. 2001.38.00.006666-6/MG. Relator convocado Juiz Federal David Wilson de Abreu Pardo. 180 Antonio A. Queiroz Telles, op. cit., p. 99.

Page 81: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

81

artigo, se as obras forem consideradas necessárias pelo Iphan, elas devem ser

iniciadas em seis meses, ou poderá ser providenciada a desapropriação do bem.

Se o proprietário não comunicar o Iphan quanto à necessidade das obras, a

ele incorrerá multa correspondente ao dobro do valor do dano (art. 19, parte final).

Porém, como pode ser visto no voto da apelação cível (nota de rodapé nº. 178), não

houve cominação da referida multa, que somente determinou a obrigação de fazer,

com vistas à recomposição da fachada, em seu aspecto original.

5.3.2. Da alterabilidade do bem tombado no âmbito do

Condephaat

As restrições quanto à alterabilidade dos bens imóveis tombados pelo

Condephaat são mais específicas do que a legislação federal, prevendo multas e

procedimentos diversos em relação à legislação federal.

As resoluções do Secretário da Cultura que determinam o tombamento de

bens delimitam o grau de conservação da cada bem tombado:

“(...) Artigo 1º. – Ficam tombados como bens culturais de interesse histórico-

arquitetônico pelo significado histórico-cultural que representou a nova postura liberal

do ensino que propôs em nossa cidade e pela tipologia arquitetônica que a

caracterizou, os edifícios abaixo discriminados situados na área do Instituto

Mackenzie:

1)Edifício da Reitoria ou Edifício Mackenzie – Grau de Preservação “1” (interior e

exterior);

2)Edifício da Biblioteca Central – Grau de Preservação “1”;

3)Edifício da Faculdade de Direito - Grau de Preservação “2” (volumetria e

fachadas) ; (...)181”. (Grifos nossos)

181 Resolução SC-27, de 15 de dezembro de 1993. Disponível em: Imprensa oficial,Caderno: Executivo - I, 16/12/1993, pág. 53. in:imprensaoficial.com.br/PortalIO/DO/Popup/Pop_DO_Busca1991Resultado.aspx?Trinca=139&CadernoID=ex1&Data=19931216&Name=13967CG0034.PDF&SubDiretorio=0&Pagina=53.

Page 82: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

82

No caso do “grau de preservação 1” o proprietário não poderá alterar o

aspecto do imóvel, tanto interna quanto externamente. Em relação ao grau de

preservação 2, somente a parte externa é atingida pelo tombamento, de modo que o

proprietário poderá realizar as alterações que bem entender no interior de seu

prédio.

Se o proprietário infringir as exigências do tombamento, como ocorre no

âmbito federal, à ele serão cominadas sanções pecuniárias. No entanto, a legislação

paulista é mais específica e prevê sanções diversas, de acordo com o caso

concreto.

A alteração do imóvel tombado somente poderá ocorrer com a prévia

autorização do Condephaat. O procedimento e as sanções são regidos pelo Decreto

13.426/1979 e pela Lei Estadual 10.774/2001, regulamentada pelo Decreto

48.439/2004. Essa lei dispõe sobre as alterações, delimita e conceitua as

intervenções em bens tombados, a saber - destruição, demolição, mutilação,

alteração, abandono, reparação, restauração e execução de obras irregulares.

Como já anotado no item anterior, o proprietário tem o dever de comunicar o

Condephaat se houver extravio ou furto de bem tombado, no prazo de 15 dias. Não

o fazendo, a multa pecuniária é mais rígida do que em comparação à legislação

federal, devendo pagar multa relativa a 20% sobre o valor do bem (art. 134, §4º do

Decreto 13.426/1979).

Para receber a autorização do Condephaat para alteração do imóvel

tombado, o proprietário deverá apresentar requerimento ao Presidente do Conselho,

que o autuará e instruirá, encaminhando o pedido ao Conselho Deliberativo do

Condephaat (arts. 2º e 3º do Decreto 48.439/2004). Esse conselho irá analisar e,

caso defira o pedido, estabelecerá os limites e condições (art. 4º do mesmo decreto).

Dessa decisão, o proprietário poderá recorrer administrativamente, dirigindo o

recurso ao Secretário de Cultura, na forma da Lei 10.177/1998, que regulamenta o

Page 83: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

83

processo administrativo no âmbito da Administração paulista (art. 6º do mesmo

decreto).

Caso o proprietário não tenha recursos para a preservação do imóvel, deverá

comunicar o Condephaat. Se o referido órgão permanecer inerte, o proprietário

poderá requerer o cancelamento do tombamento (art. 134, §2º do Decreto

13.426/1979).

De acordo com a sua atribuição fiscalizatória, o Condephaat poderá,

independentemente de requerimento, comunicação e anuência do proprietário,

projetar e realizar obras no imóvel tombado (art. 136, §3º do Decreto 13.426/1979).

Para a aplicação de multas sobre infrações cometidas aos bens tombados,

será considerada a extensão do dano, a relevância do bem agredido e os efeitos

com relação ao uso social, simbólico, cultural ou científico.

Conforme o §1º do artigo 11 do Decreto 48.439/2004, para a quantificação da

multa, poderão ser igualmente considerados - a identificação do imóvel agredido, se

a alteração atingiu o bem propriamente dito ou a área envoltória protegida; se o

imóvel está tombado definitiva ou provisoriamente, listado ou protegido de maneira

diversa; o estado de conservação; a atuação do infrator, se comissiva ou omissiva,

dolosa ou culposa, sistemática ou ocasional e se a atuação foi individual ou em

concurso de pessoas.

A aplicação da multa ocorrerá independentemente das penalidades civis e

penais e do que dispuser a legislação federal, e são renováveis mensalmente até a

recuperação do imóvel agredido (art. 11 § 2º).

As infrações poderão ser classificadas em três níveis, conforme o caso

concreto e de acordo com o dano, como versam os incisos do artigo 2º do Decreto

48.439/2004, in verbis :

Page 84: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

84

“Artigo 2º - (...)

I – leves: as infrações que importem em intervenções removíveis sem a

necessidade de restauro do bem cultural;

II – médias : as infrações que importem em intervenção reversível mediante

restauro , sem desfiguração definitiva do bem cultural;

III – graves : as ações que importem em irreversível desfiguração ou destruição do

bem cultural.”. (Grifos nossos)

A responsabilidade quanto à produção do dano é solidária entre os autores.

Podem ser autores do dano - o proprietário e o possuidor do bem, o responsável

técnico pela intervenção e o empreiteiro da obra (art. 9º).

De acordo com os incisos I a III do artigo 11 do referido decreto, o valor das

multas de infrações leves varia entre 50 a 250 Ufesps, de 500 a 5.000 para as

infrações médias e de 6.000 a 30.000 para as graves. Considerando que no ano de

2009 a Ufesp equivale a R$15,85 (quinze reais e oitenta e cinco centavos), a multa

poderá, portanto, chegar ao valor de R$ 475.500,00 (quatrocentos e setenta e cinco

mil e quinhentos reais).

5.4. Dos efeitos do tombamento nos imóveis situados no entorno do

imóvel tombado: servidão administrativa

O tombamento não só restringe o direito de propriedade do imóvel tombado,

como também os localizados na vizinhança, a fim de preservar a visualidade do bem

tombado.

As restrições são quanto a construções e a colocação de cartazes e

anúncios. No âmbito federal, de acordo com o artigo 18 do Decreto-Lei 25/1937, o

vizinho que proceder indevidamente, realizando obra não autorizada pelo Iphan,

poderá ter que desfazer a referida obra ou retirar os objetos ali colocados sob pena

de multa de 50% do valor objeto colocado.

Page 85: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

85

No Estado de São Paulo a restrição implicava num raio de 300 metros do

imóvel tombado. No entanto, o Decreto 48.137/2003 alterou a disposição do artigo

137 do Decreto 13.426 e, acertadamente, flexibilizou a restrição, a ser definida

conforme o caso concreto.

Como o imóvel tombado passa a ser regido por um regime jurídico

diferenciado por ser reconhecido como de interesse público, o imóvel vizinho passa

por semelhante restrição. No entanto, não é limitação administrativa do direito de

propriedade como ocorre especificamente com o bem tombado.

Trata-se, portanto, de servidão administrativa, em que o imóvel dominante é o

bem tombado e servientes são os prédios vizinhos. É resultado automático do

tombamento, independentemente da notificação dos respectivos proprietários. À

eles resulta a obrigação negativa de não construir ou de não alterar prédio já

existente, ou não instalar letreiros e cartazes que impliquem na redução da

visibilidade do prédio tombado182.

O proprietário de imóvel serviente que pretender realizar obras deverá obter,

além da autorização pela municipalidade, autorização pelo órgão responsável pelo

tombamento. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região confirmou o

entendimento, ao impedir a emissão de alvará de construção em imóvel

localizado nas adjacências do centro histórico da cidade de Paraty183.

182 Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit., p. 139.183 “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE - PRINCÍPIO DA PREDOMINÂNCIA DO

INTERESSE PÚBLICO - LIMITAÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE – REGULARIDADE DA INTERVENÇÃO DO IPHAN – TOMBAMENTO:AREAS VIZINHAS DEVEM SER PROTEGIDAS PELOS EFEITOS REFLEXOS QUE PODEM GERAR – MUNICÍPIO DE PARATY ELEVADO AMONUMENTO NACIONAL A JUSTIFICAR A INTERVENIÊNCIA DO ESTADO NA PROPRIEDADE PARTICULAR. ILEGALIDADE DO ALVARÁ

PRETENDIDO. 1 – Havendo colisão de direitos fundamentais, como o direito à propriedade e o direito à

cultura, deve-se sopesá-los levando-se em conta o interesse público, a função social da propriedade.2 – Os atos do IPHAN não destoam dos comandos constitucionais e da legislação que rege a

matéria, não havendo que se falar em abuso ou ofensa ao principio da legalidade, pelo simples fatode ter a autarquia justificado a sua negativa de autorização ao empreendimento com base, também,em anteprojeto de lei.

3 - É inquestionável a regularidade da intervenção do I PHAN na análise da viabilidadedo projeto da ré, o que se depreende da simples leitura do disposto nos arts. 17 e 18 do Decreto-Leinº 25/1937.

Page 86: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

86

Se o proprietário do imóvel serviente iniciar reformas ou obras sem a

anuência do órgão e essa impedir ou diminuir a visibilidade do imóvel tombado,

poderá ele ser condenado a demolir a obra realizada184.

Certo é que a restrição imposta à vizinhança causada pelo tombamento é tão

séria quanto à restrição do imóvel tombado propriamente dito.

Não necessariamente os efeitos do tombamento de um prédio incorrerão na

restrição do direito de propriedade dos imóveis vizinhos, conforme poderá ser

observado pela já citada resolução SC 51/2009 no item 4.4 deste trabalho:

4 – É irrelevante a discussão sobre a inclusão ou não da Praia da Rosa na área detombamento, porque, se não a integra, é limítrofe, e qualquer c onstrução ali desenvolvida,envolverá a área tombada de maneira reflexa, causan do-lhe efeitos, não só pela construção,como pelas questões ambientais que surgirão do flux o de pessoas que se intensificará.

5 – É de se reconhecer a ilegalidade do alvará pretendido , que afronta o Decreto nº58.077/66 que elevou o Município de Paraty à condição de Monumento Nacional, merecedor de todaproteção pelo interesse público que representa, a justificar a interveniência do poder público napropriedade particular.

6 – Recurso improvido.” (Grifos nossos) TRF2ª Região. 6ª Turma. Apelação cível nº.96.02.14862-4/RJ. Relator Juiz Federal Convocado Leopoldo Muylaert.184 “(...)

Trata-se de ação civil tencionando o resguardo do entorno de bem tombado . As provasdos autos são contundentes no sentido de que a apelada edificou no entorno de bem, sem asdevidas cautelas, não observando o limite máximo de altura, obstruindo a visibilidade doprédio tombado , sendo certo que tais fatos foram atestados pelos fiscais do Condephaatencarregados de analisar a questão.

(...) Sabia a apelada, portanto, da necessidade de autorizações prévias à intervenção física

que ali terminou por concretizar, irregularmente , não interferindo na solução a ser adotada, o fatode que outras edificações irregulares existem na área tombada, até porque não se concebe direitoadquirido em perpetrar danos ambientais com suporte na existência de outras infraçõesadministrativas com suporte na existência de outras infrações administrativas similares. Aliás,interessante notar o termo de declarações colhido pela Promotoria de Justiça local (fls. 97), bemcomo o ofício da Municipalidade às fls. 100.

Isto posto, dou provimento ao recurso para:a) Impor obrigação de fazer à apelada, determinando sejam sustadas imediatamente

todas as obras e interferências no local que tenham como conseqüência a alteração doconjunto arquitetônico tombado ;

b) Obrigação de fazer , consistente em providenciar a demolição parcial da edificaçãoexistente em desacordo com os padrões exigidos para o local em vista do tombamento existentedesde 1969, adequando-a à altura máxima de sete metros para a c umeeira e entre cinco metrose cinco metros e meio para o beiral, bem como adequ ando sua fachada ao projeto previamenteaprovado pelo Condephaat, observado o prazo de 360 dias.

c) Fixo multa diária para descumprimento de quaisquer dos itens supra, no valor de R$200,00 (duzentos reais).

(...).” (Grifos nossos) TJSP, 14ª Câmara Especial do Meio Ambiente. Apelação cível comrevisão nº. 339.395-5/7-00. Relatora Regina Zaquia Capistrano da Silva.

Page 87: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

87

“Artigo 2º - Estabelece-se que a área envoltória dos remanescentes da Sede da

Sociedade Cultura Artística, restringe-se aos limites do próprio lote (SQL

006.012.1019), conforme faculta o Decreto nº 48.137, de 7.10.2003.” (Grifos nossos)

Porém, a exceção deverá constar expressamente da decisão de tombamento

do bem, como descrito acima.

5.4.1. Da transcrição e da averbação das restrições impostas

ao imóvel serviente no registro imobiliário

Ressalte-se que a lei vigente não exige a transcrição e a averbação das

restrições, fruto do tombamento, na propriedade localizada na vizinhança do imóvel

tombado, nem mesmo, como já assinalado, da notificação do respectivo proprietário

para apresentação de impugnação ao tombamento.

De acordo com Maria Sylvia Di Pietro, acerca da servidão administrativa

imposta pelo tombamento:

“A Servidão, no caso, surge no ato do tombamento (inscrição no Livro do

Tombo), independendo da transcrição no Registro de Imóveis . A publicidade e o

efeito constitutivo do direito real, que decorem do registro, só alcançam aquele

determinado bem, objeto do tombamento , e visam assegurar o respeito à boa-fé

de terceiros e o próprio direito de preferência das entidades públicas sobre as coisas

tombadas, em caso de alienação. É o que ficou decidido pelo mesmo despacho

presidencial de 4-2-75. Nem poderia ser diferente. O artigo 18 constitui uma

servidão , mas não delimitou seu campo de incidência, deixando ao critério subjetivo

de determinado órgão público a decisão quanto ao alcance dessa restrição em cada

caso. Assim sendo, ainda que se assegurasse ao tombamento toda a publicidade

possível, não contariam os proprietários vizinhos com critério objetivo para verificar se

são ou não alcançados pela restrição.”185 (Grifos nossos)

185 Op. cit. p. 140.

Page 88: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

88

Em seguida, a autora sugere:

“Para assegurar-se, a um tempo, o respeito ao artigo 18 do Decreto-lei nº. 25

e a boa-fé de terceiros, necessária seria a adoção das seguintes medidas : fixação

de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação

da área dentro da qual qualquer construção ficaria dependendo de aprovação do

IPHAN; e imposição de averbação no Registro de Imóveis da á rea onerada com

a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença

para a construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo,

ainda, para terceiros interessados na construção.” 186

Ao que parece, a Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo acatou uma das sugestões da eminente autora, alterando o

Provimento CGJ 58/1989, a fim de se exigir a averbação do tombamento na

matrícula dos imóveis vizinhos do bem tombado e suas respectivas restrições, como

bem explica o parecer que originou o Provimento CGJ 21/2007:

“Inegável, como se pode perceber, a existência de importantes limitações ao uso

e gozo de imóveis situados na vizinhança dos bens t ombados , no mínimo

quando localizados dentro da denominada ‘área de entorno’, delimitada no próprio ato

de tombamento. Tal circunstância, por evidente, justifica igualmente, a averbação

dessa situação, nas matrículas ou transcrições dos imóveis vizinhos , atingidos

pelos efeitos do tombamento de determinado bem, como forma de dar publicidade

à coletividade em geral e a futuros adquirentes das restrições legalmente

previstas .

A mesma ideia inspiradora da averbação do tombamento provisório, acima

explicitada, tem aplicação ao caso da inscrição deste e do defin itivo à margem

das transcrições ou nas matrículas dos imóveis vizi nhos , já que, em relação a

estes, também se verificam restrições ao exercício do dire ito de propriedade –

embora não tão amplas quanto as decorrentes do tombamento em si mesmo –

resultantes de inovação fática e jurídica conseqüen te, por seu turno, do ato de

tombamento do bem vizinho . ”” 187

186 Ibidem.187 TJSP, Corregedoria Geral da Justiça, parecer dos Processo CG – 1.029/2006 de autoria dos juízesauxiliares da Corregedoria Geral de Justiça, Álvaro Luiz Valery Mirra e Vicente de Abreu Amadei, quedeu origem ao Provimento CGJ 21/2007 que alterou o Provimento 58/89.

Page 89: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

89

A referida alteração acrescentou o item 76.2 no Provimento CGJ 58/1989

para o fim já explicitado:

“76.2. Poderão ser averbados à margem das transcrições ou nas matrícul as:

(...)

c) as restrições próprias dos imóveis situados na vizinha nça dos bens

tombados ou reconhecidos como integrantes do patrim ônio cultural. ”188

O atendimento ao referido provimento, ao averbarem-se as restrições

advindas do tombamento de imóvel vizinho, garantirá maior segurança jurídica ao

proprietário, bem como ao adquirente do imóvel, de modo que estará ciente das

restrições que terá que respeitar, uma vez que elas acompanharão o bem,

independentemente da transferência de domínio da propriedade.

188 TJSP, Provimento CGJ 58/89, alterado pelo Provimento 21/2007.

Page 90: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

90

Conclusão

O presente estudo teve o escopo de analisar os efeitos do tombamento na

propriedade privada. De forma que se fez necessária uma análise acerca do direito

de propriedade e sua função social, tratados nos dois primeiros capítulos.

Por ser o tombamento uma das formas de acautelamento do patrimônio

cultural brasileiro - ao lado do inventário, da desapropriação, do registro, da

vigilância e outras formas – e se tratar de um dos institutos de direito administrativo

limitador do exercício do direito de propriedade, fez-se um breve estudo acerca dos

institutos jurídicos que preveem limitações ao direito de propriedade, de direito

público e de direito privado, no terceiro capítulo.

O tombamento propriamente dito de bens imóveis foi tratado no quarto

capítulo e os seus efeitos na propriedade privada, no quinto capítulo.

De acordo com a análise e das teorias apresentadas acerca do direito de

propriedade no primeiro capítulo deste trabalho, predomina a teoria da natureza

humana, que consiste, resumidamente, na apropriação instintiva de bens da

natureza pelo ser humano, a fim de que ele satisfaça as suas necessidades.

Portanto, a propriedade é um bem que pertence a alguém e difere-se do direito de

propriedade, pois esse é uma permissão legal.

O direito de propriedade é o mais pleno direito dentre o direito das coisas, que

abrange os direitos reais e a posse. Porém a posse é uma relação de fato que o

possuidor tem com a coisa, conforme o disposto no artigo 1.196 do Código Civil,

segundo o qual “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,

pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

Os direitos reais diferenciam-se dos pessoais, pois o primeiro é o poder

imediato sobre a coisa e o segundo um direito à coisa, estabelecido por uma relação

Page 91: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

91

entre pessoas que envolve uma prestação, positiva ou negativa, por parte das

mesmas. Também diferem-se dos direitos da personalidade pois esses dizem

respeito ao modo de ser da pessoa. O direito real é, portanto, aquele que afeta

direta e imediatamente a coisa, sendo o direito de propriedade o exercício pleno do

proprietário sobre o bem.

De acordo com o Código Civil, implica na faculdade que tem o proprietário “de

usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que

injustamente a possua ou detenha” (art. 1.228, caput). É direito pleno e exclusivo,

até prova contrária (art. 1.231).

É garantia constitucional, um direito de primeira dimensão que protege o

indivíduo da ingerência arbitrária do Estado, consoante com as declarações de

direitos oriundas do século XVIII. Porém, diante do exercício exacerbado do direito

de propriedade, no século XIX os movimentos sociais exigiram do Estado a sua

ingerência, de modo que esse direito pudesse favorecer a sociedade.

No Brasil, a limitação do direito de propriedade em prol do bem-estar social,

da utilidade e necessidade públicas constava nas Constituições de 1934 e 1946 e na

Carta de 1937. A expressão “função social da propriedade”, foi incluída nos títulos

que tratavam da ordem econômica e social da Carta Constitucional de 1967 e na

Emenda nº 1 de 1969.

A Constituição de 1988, como nas anteriores, garante a propriedade no título

que trata dos direitos e garantias fundamentais. Porém, ainda nesse título, exige-se

um dever189 por parte do proprietário: que a propriedade atenda a sua função social

(art. 5º, inc. XXIII). O objetivo da Constituição foi o de regular a atividade econômica,

que não pode mais ser exercida ilimitadamente sob o pretexto do exercício pleno e

absoluto do direito de propriedade. Afinal ela deve “assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170, caput).

189 Édis Milaré, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário.p. 543.

Page 92: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

92

A função social da propriedade é parte integrante do regime jurídico da

propriedade, sendo impossível dissociá-la da propriedade. Está prevista em outros

momentos da Constituição, como no capítulo II do Título VII, que regula a política de

desenvolvimento urbano e rural (arts.182 e 186). A preservação do patrimônio

cultural está prevista no artigo 216, e a do meio ambiente no artigo 225.

O Código Civil de 2002 também a prevê e faz remissão expressa à

preservação do patrimônio cultural e do meio ambiente, constante no parágrafo

primeiro do artigo 1.228, estando o exercício do direito de propriedade vinculado às

“suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de

conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas

naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada

a poluição do ar e das águas”.

Esse novo diploma legal foi elaborado sob os princípios da eticidade,

socialidade e operabilidade. A eticidade visa a superação do formalismo jurídico,

dando mais espaço à probidade e boa-fé, bem como à “criação de modelos jurídicos

hermenêuticos”190. A socialidade buscou romper com o excesso de individualismo do

Código de 1916, voltando-se para as necessidades sociais. A operabilidade

pretende a aplicação da lei de acordo com o caso concreto que o juiz se encontre.

De acordo com as disposições constitucionais e em consonância com o

princípio da dignidade da pessoa humana, o Código Civil deve ser interpretado de

acordo com a Constituição. Conclui-se, portanto, pela constitucionalização do direito

civil.

A publicização do direito de propriedade implica a ingerência do Estado, por

meio de normas infraconstitucionais, que porventura podem privar o proprietário dos

atributos da propriedade, o exercício dos direitos de uso, disposição e gozo da

propriedade.

190 Miguel Reale, (prefácio), Novo código civil brasileiro: lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002: estudocomparativo com o código civil de 1916, Constituição Federal, legislação codificada e extravagante. p.09.

Page 93: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

93

A ingerência do Estado no direito de propriedade pode ser definida, entre

outros, como os direitos de vizinhança, previstos no Código Civil, baseados na ideia

da convivência harmônica entre os particulares proprietários, ensejando obrigações

negativas ou positivas por parte dos proprietários. Outrossim, há limitações

administrativas da propriedade privada, norteadas pelo Princípio da Supremacia do

Interesse Público, e fiscalizadas pelo poder de polícia do Estado.

Essas limitações diferenciam-se do instituto do tombamento, que se refere a

uma propriedade determinada e as limitações à propriedades indeterminadas. São

elas: a ocupação temporária, a requisição administrativa e a servidão administrativa.

Tombar significa registrar em livro do tombo. Dá origem ao termo

“tombamento”, criado por Mário de Andrade, que implica em inscrever bens de valor

cultural nos livros do tombo. O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa,

Portugal, existente desde o século XIV, é lugar destinado a salvaguardar a memória

arquivística daquele país.

A legislação portuguesa destinada à proteção dos bens culturais não utiliza o

termo tombamento, mas sim os termos classificação e inventariação.

As iniciativas legislativas de salvaguarda do patrimônio cultural no Brasil

datam desde do período colonial. Nos anos 20 do século XX a discussão ficou

intensificada, dando-se início a uma série de projetos de lei que não seguiram

adiante.

No âmbito constitucional, a primeira previsão relativa à proteção das belezas

naturais e dos monumentos de valor histórico ou artístico ocorreu com a

Constituição de 1934. As seguintes continuaram a prevê-la.

Page 94: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

94

Nos anos 30 houve a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional – Sphan (atual Iphan) e a publicação do Decreto-lei nº 25, em 1937, que

instituiu o instrumento jurídico do tombamento.

O referido decreto-lei conceituou o patrimônio histórico e artístico nacional

como “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação

seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do

Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou

artístico”, desde que sejam inscritos no respectivo livro do tombo (art. 1º e

parágrafos).

Demais legislações federais acerca do tema foram publicadas, como alguns

artigos do Código Penal e leis especiais, com vistas à punição daquele que danificar

o referido patrimônio; a previsão de desapropriação de bens classificados como

patrimônio cultural pelo Decreto-Lei 3.365/1941; o Decreto-Lei 3.866/1941, que

autoriza o Presidente da República a cancelar o tombamento de bens pelo Iphan por

interesse público e a Lei 10.257/2001, que regula a transferência do direito de

construir conferido a um imóvel tombado para outro, ou de alienar esse direito por

meio de escritura pública.

No âmbito estadual paulista o Condephaat foi criado em 1968, responsável

pelo tombamento de bens culturais do referido ente federativo, bem como outras leis

e decretos, com o fito de preservar o patrimônio cultural no estado. A Constituição

paulista de 1989 previu a proteção ao patrimônio cultural nos artigos 260 a 263.

A Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, reorganizada em 2006,

instituiu a Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico – UPPH, vinculada ao

presidente do Condephaat e responsável pelos estudos referentes ao tombamento,

ao inventário, ao restauro e ao cadastramento de conjuntos arquitetônicos e

arqueológicos.

Page 95: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

95

A Constituição de 1988, procurando dar maior atenção à proteção do

patrimônio cultural do país, previu a garantia dos “direitos culturais e o acesso às

fontes da cultura nacional” e o incentivo à “valorização e a difusão das

manifestações culturais” no artigo 215.

O artigo 216, de maneira mais ampla do que em relação ao artigo 1º do

Decreto-lei nº 25/1937, conceituou o patrimônio cultural como “os bens da natureza

material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de

referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da

sociedade brasileira”, cabendo ao “Poder Público, com a colaboração da

comunidade” a promoção e proteção do mesmo, “por meio de inventários, registros,

vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e

preservação”.

Em 2010 foi proposta pela Procuradora-Geral da República em exercício a

arguição de descumprimento de preceito fundamental de nº. 206. A autora requereu

que o artigo 1º do Decreto-lei nº 25/1937 fosse interpretado conforme a Constituição,

com o fito de uniformizar o entendimento jurisprudencial acerca do conceito de

patrimônio cultural, ora alargado pela Constituição de 1988.

Não são mais os bens relacionados a fatos memoráveis da história do Brasil

que são considerados como patrimônio cultural, nem somente os bens artísticos

produzidos pela comunidade erudita brasileira. São igualmente assim considerados,

conforme a dicção dos incisos do artigo 216 da Constituição:

“I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às

manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”

Page 96: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

96

Todas essas expressões, para serem consideradas como de patrimônio

cultural brasileiro não estão mais adstritas aos cânones da erudição, restritos à uma

pequena parcela da sociedade brasileira. Estão abertas à toda sociedade, seja

detentora de bens e conhecimento, como também manifestações populares,

imprescindíveis para a compreensão da diversificada sociedade brasileira.

As espécies de tombamento sobre os bens culturais são: tombamento de

ofício, que recai sobre bens públicos, voluntário e compulsório, que recaem sobre

bens privados.

O tombamento de ofício perfaz-se por meio de notificação do Presidente do

Iphan ou da entidade estadual ou municipal competente à pessoa jurídica de direito

público detentora ou guardiã do imóvel tombado. O tombamento voluntário implica

no requerimento do tombamento pelo próprio proprietário ou por sua anuência,

quando notificado pelo órgão responsável.

A modalidade mais complexa de tombamento é o compulsório.

Detalhadamente analisado neste trabalho, o procedimento inicia-se com a

notificação pelo órgão competente. O prazo para apresentar impugnação é de 15

dias, que, em seguida será encaminhada ao órgão responsável para sustentar as

suas razões, no mesmo prazo. Após, remete-se o processo administrativo ao

Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, ou ao Condephaat que

proferirá decisão em 60 dias. Caberá recurso para o Presidente da República ou

para o Governador do Estado de São Paulo.

O tombamento compulsório provisório ocorre no momento em que o

proprietário é notificado e o definitivo pela publicação de portaria pelo Ministro da

Cultura ou por meio de resolução do Secretário da Cultura no Estado de São Paulo.

Após, ocorrerá a inscrição do bem no livro do tombo.

Page 97: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

97

Jurisprudências foram apresentadas neste item para demonstrar o

entendimento da matéria nos tribunais brasileiros, acerca da demora da decisão final

de tombamento, bem como pela ausência de notificação, ensejadoras do

cancelamento do tombamento do imóvel.

O proprietário não pode ficar adstrito à morosidade do Estado, pois sua

demora pode implicar em sérios danos para o patrimônio daquele, uma vez que fica

proibido de promover alterações no imóvel, e de reparos necessários à sua

conservação. Se há disposição legal sobre prazos, esses devem ser cumpridos por

ambas as partes, pois muito embora a propriedade tenha que atender à sua função

social, ela não pode ficar adstrita ad eternum à vontade do Estado.

Os efeitos do tombamento na propriedade privada são variados. Os órgãos

responsáveis pela tutela do patrimônio cultural têm obrigação de promover a

transcrição do tombamento definitivo nos livros do Cartório de Registro de Imóveis e

averbá-lo ao lado da transcrição do domínio.

Ocorre que há omissões legislativas acerca de áreas extensas, conjuntos

arquitetônicos e traçados urbanísticos, até mesmo quanto à comunicação aos

proprietários dos imóveis ali situados, o que gera as mais diversas interpretações

jurisprudenciais, bem como insegurança jurídica dos proprietários.

No entanto, mesmo que não haja a averbação e o registro, os efeitos do

tombamento continuarão a incidir na propriedade privada. Pois, para a melhor

doutrina, essa obrigação tem a função de publicidade reforçada, de modo a garantir

somente o exercício do direito de preferência do bem pelo Estado, quando da

alienação do mesmo.

A fiscalização do bem imóvel tombado cabe aos órgãos responsáveis pelo

tombamento. A conservação e a restrição à alterabilidade do imóvel tombado são

sofridas pelo proprietário, bem como pelo possuidor, que poderão ser incorridos em

multa, se não respeitarem as restrições nele impostas. Acaso pretenda realizar

Page 98: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

98

pequenos reparos ou alterar o bem, o Poder Público deverá ser comunicado e

autorizar a obra.

Os imóveis localizados na vizinhança do imóvel tombado também sofrem

restrições, mesmo não tendo sido tombados, e têm o dever de preservar a

visualidade do bem tombado. É servidão administrativa, resultado automático do

tombamento do imóvel vizinho.

As restrições são as mais variadas, desde à colocação de cartazes até a

realização de obras e construções. O proprietário de imóvel vizinho deverá,

igualmente, obter autorização dos órgãos responsáveis, sob pena de desfazimento,

refazimento, retirada de objetos e multa.

Ocorre que, muitas vezes o proprietário do imóvel vizinho não é notificado

dessa servidão e a lei não exige sua transcrição e a averbação no Cartório de

Registro de Imóveis.

Para sanar os problemas advindos das omissões legislativas, muito bem

vinda foi a iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo, objetivando a orientação e uniformização dos entendimentos

jurisprudenciais, conferindo maior segurança jurídica aos proprietários de imóveis

tombados e de imóveis localizados na vizinhança.

Ao alterar o Provimento CGJ nº 58/1989 com a publicação do Provimento

CGJ nº 21/2007, previu-se a obrigatoriedade do registro do tombamento definitivo,

bem como a averbação do tombamento provisório, definitivo e de imóveis não

tombados, porém considerados como integrantes do patrimônio cultural. Outrossim,

esse provimento exige ainda, que o registro e a averbação especifiquem as

restrições sofridas pelos imóveis e a prova da notificação do tombamento ao

proprietário.

Page 99: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

99

Quanto aos imóveis localizados no entorno do bem tomado, esse provimento

exige a averbação do tombamento nas matrículas dos imóveis vizinhos, bem como

as restrições por eles sofridas.

Lamenta-se que as disposições do referido provimento não tenham sido

objeto de lei federal, pois se o fosse, teriam efeito em todo território nacional e não

gerariam mais dúvidas e inseguranças acerca do assunto.

Afinal, se a obrigação de promover a averbação e o registro no Cartório de

Registro de Imóveis é do Estado, este tem que cumprir e notificar todos os

interessados, de modo que, se assim não o fizer, não poderá reclamar do

proprietário algo que ele desconhece.

Os efeitos do tombamento deveriam estar averbados em todas a matrículas, e

adstritos à referida averbação. Assim, garantir-se-ia uma maior publicidade aos atos

relacionados ao acautelamento de bens de valor cultural, de modo que o proprietário

ou o adquirente do imóvel preservado não teria a surpresa da restrição dos direitos

uso, gozo e disposição de sua propriedade.

É bom que se diga que a sociedade é beneficiária das restrições impostas

àquela propriedade tombada, que passa a fruir de suas características e seus

elementos arquitetônicos, históricos, artísticos e culturais às custas do proprietário.

O custo da preservação desses bens culturais, em geral é muito alto, pois muitas

vezes o proprietário necessitará de pessoal especializado e capacitado para a

restauração e preservação do bem. Por outro lado, o proprietário não pode mais

olvidar que a propriedade tem função social, que deve ser atendida, pois faz parte

de seu regime jurídico. O patrimônio cultural é, de fato, um bem de todos.

Para que essa contradição possa ser sanada, os entes federados poderiam

agir conjuntamente para, por exemplo, estabelecer benefícios fiscais aos

proprietários de bens tombados. A ausência de políticas públicas a fim de estimular

o proprietário, faz com que tombamento lhe cause problemas.

Page 100: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

100

Muito embora o Decreto-lei nº. 25/1937 preveja a desapropriação quando da

comprovação de insuficiência de recursos por parte do proprietário e a legislação

estadual paulista, o cancelamento do tombamento, o Estado quase não oferece

contrapartidas suficientes ao proprietário.

São poucas as políticas públicas que estimulam a prática da preservação. O

resultado, na maioria das vezes, acaba por ser o oposto do pretendido. O Estatuto

da Cidade prevê a alienação do direito de construir restringido pelo tombamento,

que poderá recompensar o proprietário. No entanto, para que exerça esse direito,

depende da criação de lei por parte de seu município.

A memória do país, como já aconteceu no passado, poderá cada vez mais

restar prejudicada, devido à falta de incentivos eficazes.

Page 101: OS EFEITOS DO TOMBAMENTO NA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA PRIVADA

101

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