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O conceito de condensação de Gombrich nos quadrinhos da década de 1930-40 1 William Mathias Moreira 2 Resumo Tendo em vista o conceito de condensação do historiador da arte E. H. Gombrich, no qual define como “o encaixe de toda uma cadeia de idéias dentro de uma imagem inventiva”, observa-se que as histórias em quadrinhos são, como qualquer fonte, uma construção que expressa expectativas e anseios de seu próprio tempo, modelos ideológicos e estruturas mentais, sendo necessário nos interrogarmos como algumas histórias afirmaram significados sociais e históricos. Utilizando alguns quadrinhos da década de 1940 como exemplos de fontes que podem contribuir para o estudo de questões históricas, como a guerra e o racismo, percebe-se como o conceito se torna uma alternativa teórica para os Historiadores. Palavras-chave: histórias em quadrinhos, cartuns, imagem, condensação, Gombrich. Abstract Considering the art historian E. H. Gombrich, in which he defines it as "fitting of every chain of ideas inside an inventive image" it is observed that in comic books stories, as in any other source, there is a construction that expresses expectations and anxieties of its own time, ideologies and mental structures, being necessary to ask how some stories affirmed social and historical meanings. Using some Comic books from the '40s as source of examples that may contribute for the study of basic questions, as the war and racism, we can notice how the concept becomes a theoretical alternative for the historians. Keywords: comics, cartoons, images, condensation, Gombrich. 1 Texto produzido a partir das discuções realizadas na disciplina “Seminário Especial em Teoria e Metodologia da História IX” no ano de 2009 do curso de graduação em História da UERJ, ministrado pela Drª. Laura Moutinho Nery e no grupo de pesquisa “Linguagens Desenhadas e Educação” vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ, ministrado pelo Dr. Paulo Sgarbi. 2 Graduando do 7º período em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do 3º período de Arquivologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

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O conceito de condensação de Gombrich nos quadrinhos da década de 1930-401

William Mathias Moreira2

Resumo

Tendo em vista o conceito de condensação do historiador da arte E. H. Gombrich, no qual define

como “o encaixe de toda uma cadeia de idéias dentro de uma imagem inventiva”, observa-se que

as histórias em quadrinhos são, como qualquer fonte, uma construção que expressa expectativas e

anseios de seu próprio tempo, modelos ideológicos e estruturas mentais, sendo necessário nos

interrogarmos como algumas histórias afirmaram significados sociais e históricos. Utilizando

alguns quadrinhos da década de 1940 como exemplos de fontes que podem contribuir para o

estudo de questões históricas, como a guerra e o racismo, percebe-se como o conceito se torna

uma alternativa teórica para os Historiadores.

Palavras-chave: histórias em quadrinhos, cartuns, imagem, condensação, Gombrich.

Abstract

Considering the art historian E. H. Gombrich, in which he defines it as "fitting of every chain of

ideas inside an inventive image" it is observed that in comic books stories, as in any other source,

there is a construction that expresses expectations and anxieties of its own time, ideologies and

mental structures, being necessary to ask how some stories affirmed social and historical

meanings. Using some Comic books from the '40s as source of examples that may contribute for

the study of basic questions, as the war and racism, we can notice how the concept becomes a

theoretical alternative for the historians.

Keywords: comics, cartoons, images, condensation, Gombrich.

1 Texto produzido a partir das discuções realizadas na disciplina “Seminário Especial em Teoria e Metodologia da

História IX” no ano de 2009 do curso de graduação em História da UERJ, ministrado pela Drª. Laura Moutinho Nery

e no grupo de pesquisa “Linguagens Desenhadas e Educação” vinculada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação da UERJ, ministrado pelo Dr. Paulo Sgarbi. 2 Graduando do 7º período em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do 3º período de

Arquivologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

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Os Estados Unidos nas décadas de 30-40

O período chamado de Grande Depressão foi devastador economicamente e durou mais

de dez anos, fazendo-se sentir em todos os aspectos da vida dos norte-americanos, o desemprego

chegou à casa dos 12 milhões em 1932, deixou lembranças amargas nas milhares de pessoas que

viveram nesta época. A depressão também provocou grandes mudanças políticas, depois de 40

anos, os EUA voltavam a ter um presidente democrata, Franklin D. Roosevelt, que introduziu um

programa assistencialista e reformas, aumentando a participação do governo na vida americana.

O impacto social da depressão foi imenso, agravando a já difícil situação material de

inúmeras pessoas e famílias, muitas moravam em barracos de madeira e alimentavam-se a base

de sopa ou feijão, verduras e carne se tornava uma raridade, filas de empregos formavam se por

longos quarteirões, as pessoas procuravam por empregos que não existiam. Na área rural poderia

até sobrar comida, mas os produtos não eram colhidos porque os preços eram muito baixos.

Aqueles que atrasavam as hipotecas perdiam suas casas e não havia como cuidar da saúde.

Roosevelt instituiu o New Deal, política de pesados investimentos estatais para a geração

de empregos e recuperação da prosperidade financeira do país. Em dez dias, Roosevelt salvou os

bancos, fechando todos e reabrindo apenas aqueles com supervisão do governo e que era

considerado forte, os que ainda encontrassem dificuldades, seriam socorridos pelo governo por

meio de empréstimos, ainda falou publicamente sobre o combate a crise, visando recuperar a

confiança da população para com os bancos.

Entre as premissas do plano de Roosevelt, existia a preocupação de reparar algumas

injustiças, implantando medidas que ajudavam jovens pobres a permanecer na faculdade e a

Social Security Act, que implantava um sistema de Previdência Social inédito nos Estados

Unidos, contendo três premissas básicas: providenciava pensões por idade financiadas pelos

empregados e empregadores, um sistema de auxílio desemprego e auxílio federal aos Estados

para que esses ajudassem cegos, incapacitados, idosos e crianças abandonadas.

O New Deal influenciou a qualidade de vida, atingiu áreas até então relegadas, trazendo

muitas vezes melhorias que eram necessárias, embora não tenham conseguido corrigir as

injustiças históricas, pois não alterou drasticamente a distribuição de poder e riqueza no país, as

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medidas conservavam um tom conservador, mesmo que o governo tenha reconhecido sua

responsabilidade em promover o bem-estar social daqueles que na poderiam cuidar de si em

tempos de enorme dificuldade, a maior qualidade do novo contrato era a recuperação da

confiança e esperança fundamentais para a saída da crise. Entretanto, os problemas econômicos

norte-americanos iriam terminar somente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, quandoos

esforços econômicos voltaram-se para o conflito.

Quadrinhos, Neocolonialismo e Segunda Guerra Mundial

“Quando estudamos os cartuns, estudamos o uso de símbolos num contexto circunscrito.”

(GOMBRICH, 2001: 127), tomando por base essa fala, é necessário fazer uma breve

contextualização. Ao tomarmos as histórias em quadrinhos como fonte, é preciso diferenciá-las

um pouco dos cartuns estudados por Gombrich no final do século XIX e início do XX, pois, a

partir do momento em que nos debruçamos, já estamos inseridos naquilo que é conhecida como a

era de ouro dos quadrinhos, que é marcada pela criação do Superman no fim da década de 30.

Nesta década, alimentada pelo clima da Grande Depressão, a indústria cultural ofereceu

vários meios de escapar da dura realidade:

Conscientemente, na segunda metade da década, os diretores de programas de rádio e

filmes de Hollywood concentraram-se no “escapismo”, usando o humor e “histórias

leves” para distrair as pessoas das atribuições da Depressão e lembrá-las das

possibilidades de prosperidade na “América livre”. Foi a época dos primeiros filmes de

animação de Walt Disney, da exaltação cinematográfica à polícia de o FBI, dos

populares musicais e a honestidade da “América caipira” relatada em Mr. Smith vai

para Washington, do diretor Frank Capra. O mundo Holywoodiano da fantasia

cultivava a crença nas possibilidades de sucesso individual, na capacidade do governo

em proteger cidadãos conta o crime e numa visão da América como uma sociedade sem

classes. (PURDY, 2007: 213)

Nesse sentido, os quadrinhos se inseriam nessa perspectiva apontada por Purdy e já

gozavam, naquele momento mais do que nunca, de imenso apelo popular e prestígio, devido à

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forma barata de acesso e dos cartuns políticos estudados por Gombrich nos jornais da época.

Cabe ressaltar que compartilho da perspectiva que a indústria cultural se expandiu durante a

primeira metade do século XX, mas refuto a ideia que aparentemente a citação explicita, de que

tais produtos culturais seriam meramente descartáveis ou alienantes.

Partindo do pressuposto de que as histórias em quadrinhos são, como qualquer fonte, uma

construção que expressa expectativas e anseios de seu próprio tempo, modelos ideológicos e

estruturas mentais, é necessário nos interrogarmos como algumas histórias afirmaram

significados sociais e históricos, utilizando-se dos conceitos de condensação de Gombrich, que

seria: “o encaixe de toda uma cadeia de ideias dentro de uma imagem inventiva.” (GOMBRICH,

2001: 130). A lenda dos quadrinhos, Will Eisner parece concordar com esta definição quando

afirma que:

As histórias em quadrinhos são, essencialmente, um meio visual composto por imagens.

Apesar das palavras serem um componente vital, a maior dependência para descrição e

narração está em imagens entendidas universalmente, moldadas com a intenção de

imitar ou exagerar a realidade. (EISNER, 2008: 5)

Gombrich ao abordar a questão da figura de linguagem assinala que metáfora assume um

maior senso de realidade, e que apesar, de o fato ser algo abstrato, o cartunista o corporifica

diante dos olhos do observador (GOMBRICH, 2001), isso não deixa de acontecer quando

observamos a capa abaixo, no qual Superman parece que intervir para dar uma lição nos inimigos

do eixo, uma lição no sentido real da palavra se observar ainda capa de “Master Comics”, no qual

Capitão Marvel Jr. faz a metáfora parecer ainda mais real.

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O Homem de Aço logo se destacou como um dos representantes da arte sequencial,

embora isso não o tenha poupado de protagonizar tais cenas, como afirma Jarcem:

Quando Superman surgiu em cena foi logo colhido pela confusão vigente. As pessoas de

esquerda no mundo inteiro, desde o princípio, acusaram-no de ser símbolo do

imperialismo norte-americano e, de quebra, da arrogância fascista. Já os políticos linha

dura do Partido Republicano viram nele a personificação do tal Superman nazista. Nas

palavras dos assessores de Hitler, o Superman não passava de um judeu. (JARCEM,

2007: 3)

Embora a liberdade de traduzir conceitos e símbolos abreviados em nosso discurso para

tais situações metafóricas é que constitui a inovação do cartum e que as figuras adormecidas que

nos cercam se tornam armas para o arsenal do cartunista (GOMBRICH, 2001: 129-130), é

preciso assinalar, que apesar de a força do cartunista estar no fato de ele apelar para a tendência

de nos facilitar a abordagem das abstrações como se fossem realidades tangíveis, isso se torna

perigoso dependendo de que temas são abordados e de que elementos o cartunista utiliza, o que

fica claro quando veremos, mais à frente, capas fazendo alusão a racismo e intolerância.

A partir da idéia de tornar algo abstrato, seja conceitos, idéias ou características mentais

personificáveis é uma das coisas que, segundo Gombrich, o cartum pode nos revelar, a exemplo da

política e da Grécia antiga no qual se percebe a atitude peculiar de personificar conceitos

abstratos, como no caso de Niké, a deusa da vitória que na verdade era a vitória em si

(GOMBRICH, 2001). O autor cita o exemplo ao afirmar que “uma das coisas que o estudo dos

cartuns pode revelar com maior clareza é o papel e o poder da imaginação mitológica em nosso

pensamento e decisões políticas.” (GOMBRICH, 2001: 129).

Acredito que o personagem que mais reúne a ideia de condensação e personificação é o

Capitão América, criado por Jack Kirby e Joe Simon em 1941 no meio da guerra, especificamente por

causa dela. Jarcem assinala que:

Em momento algum, o Capitão América usou qualquer outra arma. É como se dissesse,

para que todos ouvissem, que a “liberdade” é um valor que tem de ser defendido. Por

outro lado, isso representa também a imagem que os Estados Unidos tinham de sua

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participação no conflito mundial, ou seja, aos próprios olhos, a América “apenas”

defendia-se de ataques. (JARCEM, 2007: 5)

Já Viana (VIANA, 2005), assinala que a personalidade do Capitão América, dotado de um

“espírito de liderança” e “bom senso”, exprime as características pelo que os EUA têm de si na

imagem como líder mundial. Nesse sentido, podemos concordar com a passagem destacada em

um dos textos de Francastel sobre a elaboração da arte, que de certa forma justifica a criação do

Capitão América na forma em que foi concebido:

Em Arte como em Linguística o ponto de vista cria o objeto; a delimitação, a divisão estão

ligadas não só a impressão sensível, mas a um esboço de conduta através da qual se

reencontra apenas uma certa conformidade com leis físicas do universo. As verdadeiras

relações dialéticas da imagem são racionais e não objetivas. O signo é o produto de uma

invenção. E na memória e na imaginação, não no real, que os signos plásticos se arranjam

em sistemas portadores de significações. (FRANCASTEL, 1973: 63)

Porém, com o fim da guerra, a popularidade do personagem cai devido à sua posição

extremamente nacionalista, parece que a ideia de que, quando a formulação de uma imagem é

extremamente clara – nesse caso a ideia do personagem citado ser a personificação dos EUA –, a

reflexão pode ser bloqueada, como Gombrich diz que esse artifício somente pode ser usado pelo

cartum editorial (GOMBRICH, 2001) para dar um foco momentâneo, a idéia da editora de

congelar (em todos os sentidos) o personagem por um tempo não é absurda.

Bom, os personagens abordados fazem referências às características positivas de seu

lugar de origem, permeados por características nacionalistas em alta devido ao sentimento de

prosperidade e euforia que, mesmo durante a Grande Depressão, muitas pessoas ainda

mantinham, sentimento que a Segunda Guerra Mundial ajudou a ser novamente estimulado. Tal

euforia era expressa, também, no estilo de vida embalado pela Era do Jazz, novos estilos de

dança, o sucesso do baseball e do boxe e, sobretudo do cinema e... nos quadrinhos.

Mesmo com a euforia promovida pela sensação de prosperidade interminável, existiam

certas deficiências expressivas na sociedade norte-americana, o setor agrícola não acompanhava

o vigor da indústria, os excedentes rurais eram crônicos, encolhendo as rendas das camadas

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rurais, criando através da pobreza e subnutrição disparidades regionais grandes entre a população

urbana e rural. Além disso, o conservadorismo abriu porta para a revitalização de grupos como a

Ku Klux Klan e seu antissemitismo, racismo e anticatolicismo, que culminaria em grandes

problemas sociais nas décadas posteriores para os negros norte-americanos.

Nesta perspectiva, não é difícil encontrar as características citadas no fim do parágrafo

anteior nos mais variados títulos da época, se alguns deles exprimiam a euforia, outros exprimiam

no contexto da guerra o conservadorismo e preconceito da época, como se pode ver nas capas

abaixo:

Os Japoneses, particularmente, eram as vítimas preferidas dos editores, sempre

personificados de maneira extremamente caricata, com rostos disformes e dentes grandes para

contrastar com a figura atlética dos heróis norte-americanos e com diversos símbolos que

representavam sua cultura, religião ou costumes, quase sempre de maneira negativa (envolvendo

monstros e magia) de forma a contrapor aos costumes cristãos ocidentais.

Sobre os contrastes, interessante explicitar a posição de Gombrich quando fala que eles

não seriam tão eficazes se nós não “estivéssemos inclinados a categorizar o mundo que nos

rodeia em tais metáforas emocionais básicas” (GOMBRICH, 2001: 139). Nesse sentido, pode-se

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concordar com relativamente com a posição conservadora de Panofsky (PANOFSKY, 1991), a

de que toda obra é um sintoma de sua época.

Por mais perigosa que seja a criação destas caricaturas, a caricatura em si, propicia ao

artista o meio para “transformar uma equiparação intelectual numa fusão visual” (GOMBRICH,

2001: 134), oferecida a um público dotado da qualidade de conseguir captar tudo em um simples

olhar. As comparações servem para nos dar o entendimento pretendido, daí a dificuldade de

criticar imagens, pois mesmo que as comparações sejam equivocadas podemos cair nelas. Sobre

esse problema, Burke assinala:

É desnecessário dizer que o uso do testemunho das imagens levanta muitos problemas

incômodos. Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras o seu

testemunho. Elas podem ter sido criadas para comunicar uma mensagem própria, mas

os historiadores não raramente ignoram essa mensagem a fim de ler as pinturas nas

“entrelinhas” e aprender algo que os artistas desconheciam estar ensinando. Há

perigos evidentes nesse procedimento. Para utilizar a evidência de imagens de forma

segura, e de modo eficaz, é necessário, como no caso de outros tipos de fonte, estar

consciente das suas fragilidades. (BURKE, 2003: 18)

Entretanto, essa liberdade para criar qualquer tipo de símiles e contextualizações é o

maior trunfo do cartunista, mas mesmo ela pode ser utilizada de forma cruel. Se a idéia de

desumanizar os inimigos pode ser entendível pelo contexto da guerra, retratar os negros de

maneira pejorativa é extremamente injustificável, embora expressasse a situação dos negros nos

EUA naquela época.

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No quadrinho acima, retirado de Young Allies número 1 publicado em 1941 pela então

Timely Comics (precursora da Marvel Comics), o personagem ironicamente chamado de

Whitewash é retratado como sendo extremamente ignorante e com feições exageradas.

A evidenciação de uma característica física de maneira exagerada na imagem acima são

extremamente relevantes na caracterização do personagem e a personificação das ideias sobre a

superioridade branca (lembrando que somente a partir da década de 1960-70, a população negra

americana conquista a maior parte de seus direitos civis), como Gombrich assinala, “estamos um

pouco mais perto daquela condensação de imagens (...). Como acontece no sonho, qualquer

fragmento pode representar o todo. A piteira ou os dentes brilhantes tornam-se o resíduo

fisionomicamente significativo que por sua vez representa o homem.” (GOMBRICH, 2001: 137).

Um dos mestres da arte sequencial aponta os perigos decorrentes da utilização de

estereótipos:

No dicionário, “estereótipo” é definido como uma ideia ou um personagem que é

padronizado numa forma convencional, sem individualidade. Como um adjetivo,

“estereotipado” se aplica àquilo que é vulgarizado. O estereótipo tem uma reputação

ruim não apenas porque implica banalidade, mas também por causa do seu uso como

uma arma de propaganda ou racismo. Quando simplifica e categoriza uma

generalização imprecisa, ele pode ser prejudicial ou, no mínimo, ofensivo. A própria

palavra vem do método usado para moldar e duplicar as placas na impressão

tipográfica. Apesar dessas definições, o estereótipo é bastante comum nos quadrinhos.

Ele é uma necessidade maldita – uma ferramenta de comunicação da qual a maioria dos

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cartuns não consegue fugir. Dada a função narrativa do meio, isso não é de se

surpreender. (EISNER, 2008: 21)

Tendo em vista os conceitos de “raça” e a suposta hierarquização entre elas (provenientes

de um pseudocientificismo e das ambições neocolonialistas) deixaram um forte legado no senso

comum, é interessante notar que, como os outros meios de comunicação, os quadrinhos

contribuíram para a perpetuação de tal legado, tanto que, mesmo com iniciativas e a existência de

personagens negros, hoje continua sendo difícil vendê-los3.

Nesse sentido, os quadrinhos, mais do que outros tipos de imagens, sofrem ainda com a

possibilidade de serem utilizados como fonte pela historiografia, mas como esse trabalho se

propôs a tentar demonstrar que é possível, além de tentar mostrar como os aportes teóricos de

Gombrich podem nos ajudar na investigação das imagens, só resta encerrar com as sábias

palavras de Francastel: “(...) as obras de Arte, trazem um material de informação tão preciso

quanto qualquer outro quando se trata de saber como os homens agiram e como julgaram num

momento preciso. Tanto quanto genialidade, a arte é técnica.” (FRANCASTEL, 1973: 78)

3 Tal afirmativa foi dada por Tom Brevoort, atual Editor-Executivo da Marvel: “I don't know that it's any one thing,

but if I had to hazard a guess, I would say that it's all part of the same phenomenon that makes it more difficult to sell

series with female leads, or African-American leads, or leads of any other particular cultural bent. Because we're an

American company whose primary distribution is centered around America, the great majority of our existing

audience seems to be white American males. So while within that demographic you'll find people who are interested

in a wide assortment of characters of diverse ethnicities and backgrounds, whenever your leads are white American

males, you've got a better chance of reaching more people overall. That's something that continues to change as the

audience for what we do gets larger and more diverse-but even within that diversity, it's probably going to be easier

to make a success of a book with a female or African-American lead before it is a British or Canadian-centric

character.” Disponível em: <http://marvel.com/blogs/Tom_Brevoort/entry/1598>

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Referências Bibliográficas

As imagens apresentadas no texto estão disponíveis em: <http://superdickery.com/>

BAXANDALL, Michael. Introdução: Linguagem e Explicação. In: Padrões de intenção. A

explicação histórica dos quadros. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 31-44.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: História e imagem. São Paulo: Edusc, 2003.

EISNER, Will. Narrativas Gráficas. 2º ed. São Paulo: Devir, 2008.

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FRANCASTEL, Pierre. Arte e História: dimensão e medida das civilizações. In: A realidade

figurativa. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1973, p. 63-85.

GOMBRICH, E. H. O Arsenal do Cartunista. In: Meditações sobre um cavalinho de pau

outros ensaios sobre a teoria da arte. São Paulo, Edusp, 2001, p. 127-173.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX. SP: Cia. Das Letras, 2º Ed,

2008.

JARCEM, René Gomes Rodrigues. História das Histórias em Quadrinhos. In: História, imagens

e narrativas. N. 5, ano 3, setembro/2007.

PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1991, p. 47-87.

PURDY, Sean. Décadas da Discordância: 1920-1940. In: KARNAL, Leandro et. al. História dos

Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo, Contexto, 2007, p. 197-214.

VIANA, Nildo. Heróis e Super-heróis no Mundo dos Quadrinhos. 1º ed. São Paulo. Nildo

Viana, 2005.

WEHLING, Arno. Em torno de Ranke: a questão da objetividade histórica. In: A invenção da

História. Rio de Janeiro: UFF-UGF, 1994, p. 111-139.