Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial
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Hebert Bruno de Paula Santana
OS ESTEREÓTIPOS DOS CIDADÃOS ABORDADOS PELA POLÍCIA MILITAR E A PRÁTICA DE VIOLÊNCIA POLICIAL
Monografia apresentada ao Centro de Ensino de Graduação da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social Área de concentração: Ciências Sociais Orientadora: Cap. Maria Carmen Patrocínio
Belo Horizonte Centro de Ensino de Graduação
2007
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ATA FINAL DE AVALIAÇÃO DO TRABALHO ESCRITO E ORAL DA MONOGRAFIA ORIENTANDO: DATA DA APROVAÇÃO:_______/_______/2007 NOTA:___________________________________ BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________________ AVALIADOR ___________________________________________________________ ORIENTADOR
___________________________________________________________ AVALIADOR MEDIADOR Observações:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Belo Horizonte, _____, de __________________ de 2007.
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Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova (Gandhi)
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RESUMO
Toda democracia tem como um dos valores basilares a isonomia e foi em busca
desse princípio que este trabalho foi concebido. As polícias militares mudaram
bastante desde a reinstalação do regime democrático, mas apesar de moverem
grande empenho para extinguirem práticas autoritárias e arbitrárias oriundas do
regime ditatorial, encontram grandes dificuldades. Em grande parte, essas práticas
permanecem devido à legitimação que encontram na sociedade quando se voltam
contra alguns grupos já desprivilegiados e marginalizados. A violência policial tem
então limites de aplicabilidade demarcados por preconceitos criados na sociedade e,
portanto, tenderia a se concentrar contra grupos específicos. Com isso, para que
seja possível ao policial usar da violência, faz-se necessário primeiramente que ele
identifique a vítima potencial dela como pertencente a um desses grupos contra os
quais tal prática seria aceita e, para que isso ocorra de maneira rápida, os
estereótipos atribuídos aos cidadãos que a polícia aborda são essenciais. Dessa
forma, esse trabalho preocupou-se em identificar as variações do comportamento
dos policiais em função das percepções estereotípicas que fazem de algumas
características dos cidadãos que abordam, identificando quais características
favorecem a prática de violência.
Palavras chave: violência policial, estereótipos, preconceito, desigualdade.
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ABSTRACT
All democracies have the equality as one of their basic values and establishing the
search of this principle is the main conception of this work. The military polices
changed so much since the democratic regime installation, but even with a great
commitment to extinct authoritarians and arbitraries practices that came from the
dictatorial regime, they find great difficulties. Largely, this practices stay due to
legitimacy they find at society when they are directed against some unprivileged e
marginalized groups. So, the police violence has applicability limits that are
demarcated by prejudices created in the society and, therefore, tends to concentrate
against specifics groups. With this, to be possible to the policeman uses violence, is
necessary firstly that he identifies the potential victim as one that belongs to some of
this groups against ones this practice is acceptable and, for this to be fast, the
stereotypes assigned to citizens that police checks are essentials. In this way, this
work concerns to find out as the policemen behavior change as their stereotypic
characteristics perception change too, localizing what checked citizens
characteristics favor the violence practice.
Key words: police violence, stereotypes, prejudice, inequality
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................8
2 O USO DA FORÇA POLICIAL, UMA AÇÃO COMPLEXA................................12
3 A ATIVIDADE POLICIAL NO ESTADO DE DIREITO E NO ESTADO DEMO-CRÁTICO DE DIREITO .......................................................................................
19
4 OBJETO DE ESTUDO ................................................................................................31
4.1 Problemas e variáveis ................................................................................................31
4.2 Hipóteses ........................................................................................................................31
4.3 Tema ...............................................................................................................................32
4.4 Delimitação do tema ................................................................................................33
4.5 Objetivos .........................................................................................................................33
4.5.1 Objetivo Geral ................................................................................................33 4.5.2 Objetivos Específicos................................................................................................33
5 POLICIAL AUTORITÁRIO OU SOCIEDADE AUTORITÁRIA? ................................34
6 REGIÃO, ETNIA, FAIXA ETÁRIA E AS VARIAÇÕES DO
COMPORTAMENTO POLICIAL ................................................................
43
7 A ESTEREOTIPIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS ...........................................................58
8 ESTEREOTIPIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL ..........................................................68
9 ESTIGMA, O OUTRO LADO DOS ESTEREÓTIPOS ................................74
10 METODOLOGIA ................................................................................................80
10.1 Método de abordagem do tema ................................................................80
10.2 Método de procedimentos ...........................................................................................80
10.3 Técnica de coleta de dados ..........................................................................................80
10.3.1 Documentação indireta ................................................................................................80 10.3.2 Documentação direta ................................................................................................81
10.4 Tipo de Pesquisa................................................................................................81
10.4.1 Quanto aos objetivos ................................................................................................81 10.4.2 Quanto ao conceito operativo 81 10.4.3 Quanto à natureza................................................................................................81
10.5 Delimitação do universo................................................................................................82
10.6 Tipo de amostra................................................................................................82
10.7 Explicação do instrumento de pesquisa ................................................................83
10.7.1 O método de comparação do comportamento dos policiais em face dos estereótipos......................................................................................................................
87
7
10.7.2 A caracterização dos estereótipos ................................................................91 10.7.3 As perguntas do instrumento de pesquisa................................................................95
10.8 Da forma de análise dos dados coletados ................................................................100
11 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ..............................................................101
11.1 Dados quantitativos ................................................................................................102
11.1.1 O índice de suspeição................................................................................................103 11.1.2 O índice de raiva ................................................................................................105 11.1.3 Os índices avaliação do controle do comportamento policial................................106
11.2 Dados qualitativos ................................................................................................118
11.2.1 A categoria “desrespeito” ................................................................................................119 11.2.2 A categoria “direito de questionar” ................................................................120 11.2.3 A categoria “abordado se acha superior” ................................................................120 11.2.4 A categoria “certeza de ser o agente” ................................................................123 11.2.5 A categoria “nível de educação do abordado” ................................................................125 11.2.6 A categoria “dúvida de ser o agente” ................................................................126 11.2.7 A categoria “preto, pobre, favelado” ................................................................127 11.2.8 A categoria “não há motivos para não atacar” ................................................................129
131 136
CONCLUSÃO...................................................................................................................
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS POLICIAIS DO TPB ............... 139
8
1 INTRODUÇÃO
A violência policial não é um fenômeno verificado apenas nas organizações policiais
brasileiras, na verdade ela é um fenômeno de manifestação universal e, com
variações em relação à proporção com que ocorre, a violência policial está presente
em todas as organizações policiais. Discussões acerca desse tema existem por todo
mundo, bem como também existem estudos que visam entender a origem e a
repercussão desse tipo de prática dentro dos ambientes sociais nos quais ela se
insere. Este trabalho caminha nesse mesmo sentido e, apesar de fazer uma breve
análise das possíveis origens e repercussões da violência policial, objetiva, além
disso, compreender alguns dos padrões de manifestação dentro dos quais esse
fenômeno social ocorre.
No mesmo rol de questões amplamente discutidas, estão os preconceitos de todas
as naturezas. Não é tarefa difícil encontrar pelo mundo desigualdades sociais que,
comumente, são acompanhadas de uma demarcação, além da econômica, racial,
étnica, religiosa ou cultural. Da mesma forma como ocorre com a violência policial,
os preconceitos são um fenômeno em pauta nas discussões acadêmicas e sociais
por todo o mundo. Apesar dessa globalização do problema, no Brasil, há o
estabelecimento de contornos específicos para tais desigualdades, pois, como é
propagado com orgulho por essa nação, o Brasil seria o exemplo de um país onde
reina a tolerância e a igualdade, sendo um modelo de destituição de preconceitos a
ser seguido e propagandeado para todo mundo. Apesar dessa visão de certa forma
comum, é um grande engano pensar que no Brasil reina a tolerância. Ao observar a
realidade brasileira de forma mais atenta, nota-se que há uma gama enorme de
violações de direitos que são de forma paradoxal protagonizadas pelo Estado e que
têm padrões de manifestação que coincidem com preconceitos raciais, étnicos,
culturais e geográficos.
Diante dessas constatações seria tarefa importante verificar o ponto de encontro
entre esses dois grandes temas, a violência policial e as concorrências entre
violações de direitos e vulnerabilidade social, econômica e racial.
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Apesar de não tratar diretamente de preconceitos, a maneira escolhida para o
desenvolvimento desta pesquisa guarda grande relação com eles. Quando há um
preconceito, ele se manifesta com relação a algo ou alguém, e as percepções
estereotípicas seriam ferramentas a serviço dos preconceitos que possibilitariam a
identificação daqueles que serão vitimados por esse fenômeno social. Com relação
à violência policial pode-se deduzir o mesmo, pois, se houvesse uma relação entre a
violência policial e os estereótipos, esta última variável também determina as vítimas
desse tipo de comportamento assim como faz o preconceito.
Outro fator importante com relação à percepção de que a violência policial se
concentraria sobre certos grupos desprivilegiados está no grande número de críticas
que o Brasil recebe da comunidade internacional em razão da identificação
estatística dessa ocorrência. Nas críticas prolatadas contra o Brasil, as polícias,
sejam elas militares ou não, são colocadas como protagonistas e responsáveis
diretas pela concentração da violência do estado contra determinados grupos.
Porém, não existe nessas críticas uma análise ampla a respeito do contexto dentro
do qual ocorrem as práticas policiais e, elas acabam sendo apontadas como ações
que dependem unicamente de uma cultura policial voltada para esse tipo de ação
discriminatória. Dessa forma faz-se importante apontar, além da concentração da
violência estatal, também as suas origens através de uma contextualização das
práticas policiais como parte de uma manifestação social imersa na sociedade
brasileira como um todo.
Para o desenvolvimento desse propósito, a princípio, buscou-se fazer um estudo
acerca da relação mantida entre a atividade policial e o uso da força, tentando
demonstrar os parâmetros que possibilitam identificar um possível abuso policial
quando é feito o uso dessa ferramenta. Além de demonstrar a estreita ligação entre
uso da força e polícia, o capítulo 2 busca expor que a decisão de usar a força é uma
tarefa complexa diante das limitações legais, morais e éticas que esse uso envolve.
Nesse mesmo propósito de introduzir algumas questões importantes relacionadas à
atividade policial, o capítulo 3 procura algumas possíveis origens da violência
policial, bem como a confronta com as funções da polícia dentro de um regime
democrático de direito. O terceiro capítulo mostra as dimensões específicas que a
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atividade policial e o uso da força assumem numa democracia, regime que no Brasil,
se comparado com outros países onde está mais consolidado, é algo novo e trás
consigo a necessidade de uma compreensão maior sobre quais as novas funções
das diversas instituições do estado dentro dele.
Após a introdução desses conceitos fundamentais para a compreensão da dimensão
que assume a violência policial, torna-se importante explicar a organização da
estrutura deste trabalho. Para a organização da monografia buscou-se dar àquele
que viesse a lê-la capacidade de construir um raciocínio independente dos que são
apontados pelo autor. Por esse motivo a apresentação dos fatos ocorre antes da
explicação teórica, pois dessa forma o leitor pode se posicionar quanto à natureza
dos fatos e depois fazer uma apreciação mais crítica da explicação teórica deles.
Com isso, além das relações mostradas de forma objetiva e sistemática pelo autor, o
leitor ganha autonomia para que também faça suas análises e correlações.
Dentro desse raciocínio, o capítulo destinado à apresentação do objeto de estudo de
forma detalhada insere-se logo após se apresentar uma visão global da atividade
policial e do uso da força. Somente após a apresentação do objeto de estudo é que
se inicia o estudo acerca do fenômeno em discussão. Espera-se com isso que o
leitor possa fazer uma apreciação dos capítulos que se seguirão ao objeto de estudo
de forma mais atenta, pois já conhecerá o problema que deve ser respondido bem
como os objetivos deste trabalho. Dessa forma, apenas depois do esclarecimento do
objeto de estudo, começa-se a discutir temas como autoritarismo policial,
autoritarismo brasileiro, imersão social dos policiais, padrões teóricos de
manifestação da violência policial e teorias de base delineadas por aspectos teóricos
sobre estereotipia, representações sociais, e estigmatização.
Com o término dos estudos bibliográficos já se torna possível introduzir o método
pelo qual se buscaria comprovar toda a carga teórica apresentada. Diante disso,
após essa especulação bibliográfica, iniciou-se a explicação metodológica. Nesse
capítulo, devido à complexidade apresentada pelo objeto de estudo, buscou-se
enfatizar as explicações sobre a forma de concepção do instrumento de pesquisa,
pois ele foi o principal responsável por captar, da amostra, a expressão objetiva de
todo arcabouço teórico que o precedeu.
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Finalizando o trabalho, são apresentados os resultados alcançados com relação ao
problema e objetivos propostos, deixando para aquele que os observar, além da
interpretação dada neste trabalho, à possibilidade de relacionar os dados com todos
os argumentos apresentados anteriormente.
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2 O USO DA FORÇA POLICIAL, UMA AÇÃO COMPLEXA
A atividade policial é, sem dúvida, demasiadamente complexa e isso pode ser
deduzido do enorme número de pesquisas que tentam propor como deve ser
executado o policiamento para que se alcancem os mais diversos objetivos a que
ele pode ser ligado como, por exemplo, a redução dos índices de criminalidade, de
forma mais óbvia, a produção de segurança subjetiva, a redução do medo, a
prestação de um serviço público de atendimento às vítimas das mais diversas
formas de violação de direitos, a execução do controle social, a preservação e
manutenção da ordem pública, etc. Como se vê "Policiar" é algo extremamente
amplo e seu limite de alcance é muito difícil de se delimitar, bem como os reflexos
decorrentes da atuação policial também o são.
Apesar da enorme dimensão que a atividade policial pode tomar, seja qual for seu
objetivo, modalidade ou o padrão de policiamento, em todas elas a possibilidade do
uso da força é uma constante com a qual o policial lida rotineiramente. Bayley 35
(1975 apud Costa, 2004, p. 1) chega a colocar essa possibilidade dentro do conceito
que atribui às organizações policiais definindo-as como “[...] aquelas organizações
destinadas ao controle social com autorização para utilização da força, caso
necessário”. Analisando esse trecho, que tem a força como ponto central, nota-se
que ela é um elemento essencial à polícia, porém, seu uso não é incondicional. No
próprio conceito de Bayley (1975) há o estabelecimento, como requisitos para que o
uso da força policial possa ocorrer, o da finalidade de que ela seja empregada para
o "controle social" e de que seu uso ocorra apenas "caso necessário”.
Apesar dessa primeira limitação dada por Bayley (1975), as condições para
utilização da força vão muito além das impostas em seu conceito. Especificamente a
Polícia Militar de Minas Gerais – MG – estabelece, no seu Manual de Prática Policial
n.º.1, como requisitos para o emprego da força policial a legalidade, a
necessidade, a proporcionalidade e a conveniência. Além da exposição desses
35 BAYLEY, David. The Police and Political Develoent. in Europe. In: Charles Tilly (ed), The
Formation of National States in Western Europe. Princeton: Princeton University Press, 1975.
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princípios, o Manual da PMMG traz como orientações para o uso da força outros
vários pontos:
O emprego da força pressupõe a busca de um objetivo legítimo e você deve fazê-lo de forma moderada, agindo proporcionalmente à agressão ou à ameaça de agressão, utilizando a quantidade de força necessária para controlar o suspeito. (MINAS GERAIS, 2002, p.59) [...] Apesar de suas respostas serem ditadas pelas atitudes do suspeito, insista na persuasão e na verbalização em todo o tempo, como alternativa para reduzir a necessidade e a intensidade da força aplicada. Força letal é medida extrema e, sempre que possível, deve ser evitada. (MINAS GERAIS, 2002, p. 62) [...] Havendo cooperação por parte do suspeito, não há motivo para o uso de força, abuso verbal ou físico, o que poderá fazê-lo parar de cooperar e torná-lo violento (MINAS GERAIS, 2002, 75)
Além dos princípios colocados expressamente pelo manual, nos trechos acima,
pode-se ver outros requisitos tacitamente postulados para o emprego da força.
Assim vêem-se elencados também os seguintes parâmetros para o uso da força:
• A força deve ser usada na busca de um objetivo legítimo.
• A utilização da força deve ser feita de forma moderada.
• Deve haver uma agressão ou ameaça de agressão anterior ao uso da força.
• A força deve ser usada apenas na medida para controlar o suspeito.
• A persuasão deve ser utilizada com alternativa anterior ao uso da força e para
reduzir sua intensidade se for necessário empregá-la.
• A força não pode ser utilizada quando o abordado for cooperativo.
Porém, atendo-se aos princípios do uso da força (legalidade, necessidade,
proporcionalidade e conveniência), percebe-se que apenas a legalidade possui uma
postulação em lei expressa e bem determinada, no caso, as excludentes de ilicitude
postuladas nos códigos penal comum e militar, os demais princípios não possuem
postulações objetivas. Com relação às excludentes de ilicitude a que mais se aplica
a atividade policial militar é a legítima defesa postulada nos Arts. 44 e 45 do Código
Penal Militar.
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Art. 44. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Excesso culposo Art. 45. O agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se êste é punível, a título de culpa. (BRASIL, 1969)
Prosseguindo na análise sobre os demais princípios do uso da força, além do da
legalidade e da sua relação com as excludentes de ilicitude, surgem alguns
problemas maiores do que a interpretação desses dispositivos legais. Como avaliar
objetivamente a “necessidade” descrita no Manual de Prática Policial? Como medir a
“proporcionalidade”? Como determinar a "conveniência”? Na verdade, não há
definição legal ou institucional que consiga determinar tais respostas. Somente
analisando a situação de fato é possível dizer algo sobre esses conceitos. Mas, da
mesma forma, pessoas diferentes dirão coisas diferentes sobre tal situação, porém,
quando as evidências forem demasiadamente claras quanto à desnecessidade, a
desproporcionalidade ou a inconveniência, não haverá opinião divergente. Por
exemplo, uma arma de fogo pode ser proporcional a uma faca dependendo da
situação em que os portadores de tais objetos estiverem envolvidos, mas, no caso
do Carandiru em 199236, os presos estavam armados com facas e outros objetos
pontiagudos, no entanto, a ação da polícia foi claramente excessiva. Assim, tem-se
um limiar que divide as diferenças individuais quanto ao emprego da força tidas
como aceitáveis e aquelas situações em que o emprego da força é inaceitável de
forma consensual. Essa dificuldade de delinear o que seria o uso legítimo da força é
apresentada por Costa (2004, p. 108):
Uma questão relevante é a distinção entre o uso da força legitima e violência policial. Até que ponto e sob quais circunstâncias é legitimo, ou admissível, o uso da força? Qual a linha demarcatória entre força legitima e violência policial? Esta questão tem sido largamente debatida por aqueles que se dedicaram a estudar a atividade policial nas modernas democracias. Em primeiro lugar, é importante destacar que essa linha demarcatória não é fixa. O
36 Para mais detalhes sobre o “massacre do carandiru” ver relatório nº 34/00 CASO 11.291 (CARANDIRU) BRASIL de 13 de abril 2000 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização do Estados Americanos.
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limite entre força legitima e violência varia em função da forma como cada sociedade interpreta a noção de violência.
Neto (199937 apud Costa, 2004) diz que há uma divisão na interpretação sobre o uso
excessivo da força ou não. Do ponto de vista jurídico haveria uma distinção legal
entre os dois que seria norteada por definições de crimes decorrentes de atuações
policiais. A tortura, o abuso de autoridade, a violência arbitrária, seriam exemplos
desses crimes. Apesar disso, tal distinção entre uso da força e violência não seria
capaz de identificar a violência quando ela fosse resultado do uso da força de forma
legal, porém desnecessária ou excessiva Neto (1999 apud Costa, 2004, p. 108)
aponta que “Muito embora a legislação de vários países reconheça as variações
situacionais de necessidade e intensidade, sua aplicação nos casos concretos é de
grande dificuldade.”.
Outro meio de verificação da possibilidade de uso violência por parte da polícia
recairia sobre o ponto de vista sociológico das ações policiais, ou seja, com base na
percepção de determinados grupos acerca da forma como a força é utilizada, porém,
sobre esse aspecto Neto (1999, apud Costa, 2004, p. 109) destaca que “Nesse
caso, embora legal, o uso da força em alguns casos pode ser considerado ilegítimo
– como ocorre, por exemplo, quando a polícia utiliza a força para controlar uma
greve ou uma manifestação popular.”. Da mesma maneira, com relação a esse tipo
de análise, o autor também considera que, sendo a legitimidade construída com
base em valores, crenças e com base em uma estrutura social, há a possibilidade de
legitimação da violência policial quando esta for dirigida a grupos socialmente
desprivilegiados.
O último meio proposto por Neto (1999, apud Costa, 2004) seria um controle
profissional que partiria da própria instituição através de um julgamento do ato tido
como excessivo na perspectiva de policiais mais experientes. Portanto, sob essa
ótica, um ato seria violento quando a força utilizada fosse maior do que a que um
policial experiente consideraria necessária.
37 NETO, Paulo Mesquita. Violência Policial no Brasil: Abordagens Teóricas e Práticas de Controle. In: PANDOLFI, Dulce Chaves et al.,Cidadania, Justiça e Violência. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1999
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Fato importante é relacionar a forma sociológica de avaliação quanto ao uso da
força de forma desnecessária (Neto, 1999, apud Costa, 2004) com a moral, pois
essa concepção sociológica proposta, enquanto uma construção grupal e social,
remete à definição de moral. Na enciclopédia Wikipédia, Moral é:
um conjunto de regras no convívio. O seu campo de aplicação é maior do que o campo do Direito. Nem todas as regras Morais são regras jurídicas. O campo da moral é mais amplo. A semelhança que o Direito tem com a Moral é que ambas são formas de controle social.
Dessa forma, como um parâmetro subjetivo oriundo de costumes, a moral
distinguiria para além da lei o que é certo ou errado por meio de uma concepção
difusa e aceita por todos.
Prosseguindo em uma análise objetiva do uso da força, a moral, no âmbito da
República Brasileira, não é aplicável apenas ao uso a força policial, a Constituição
Federal traz em seu Art. 37 a moralidade como um dos princípios da administração
pública entre outros. Destarte, a Polícia é apenas mais um órgão do Estado
envolvido por ele e, além da moralidade, deve também aplicar os demais princípios
em todos os seus atos, por isso, a Legalidade e a impessoalidade também têm
íntima ligação com as atividades da polícia. Sobre a legalidade já foi discorrido
acima, agora é necessário tratar sobre a impessoalidade que é, sem dúvida, entre
esses princípios, o mais importante para este trabalho.
Dessa forma, a atuação policial, quando do uso da força, além de revestida de
legalidade, necessidade, proporcionalidade, conveniência, moralidade, ética e
moderação38, também deve ser dotada de impessoalidade. A impessoalidade pode
remeter, por sua vez, ao princípio constitucional da isonomia que também está
postulado na constituição e diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito (...) à igualdade”. Assim não é correto que o policial
ao fazer uso da força distinga a sua intensidade com base no julgamento que faz
sobre as pessoas que sofrerão tal medida. Pessoas diferentes em situações
38 A moderação é um requisito da legítima defesa como pode ser visto na citação do Código Penal Militar. “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários...”
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idênticas devem, então, receber do policial o mesmo tratamento. Não é justificável
que cidadãos em razão de suas características físicas, econômicas ou intelectuais
recebam da polícia um tratamento diferenciado com relação ao uso da força de
acordo com essas características.
Porém o que este trabalho tenta provar que há justamente essa diferenciação.
Assim, ao partir do pressuposto de que realmente há diferenciação, então, a polícia
não estaria sendo isonômica e, portanto, não haveria adequação ao princípio da
impessoalidade que deve reger a administração pública. Da mesma forma, nesse
caso, a polícia não seria moral, pois de forma difusa entende-se na sociedade que
não é correto diferenciar o tratamento às pessoas em função de sua condição social,
econômica ou étnica. Ademais não estaria sendo ética, pois, individualmente as
pessoas também recriminam tal diferenciação se interpeladas para fazer um
julgamento crítico a esse respeito. Diante dessa conclusão de que a pessoalidade
traz à ação policial também imoralidade e falta de ética, já se tornam questionáveis
também outros requisitos do uso da força policial como a proporcionalidade, a
moderação, a necessidade e a conveniência. Afinal, se para determinada pessoa um
determinado nível de força seria considerado proporcional, moderado, necessário e
conveniente, numa situação idêntica, para outra pessoa, qualquer nível acima deste
anterior seria obviamente desnecessário e, se o fosse, perderia também a
moderação, a proporcionalidade e a conveniência por dedução, pois, apesar desses
conceitos serem apresentados de forma separada, eles são interligados por
essência.
Mesmo com esse desdobramento, tais afirmações só foram possíveis, porque
partem do pressuposto de que há diferenciação, porém, este trabalho não possui
neste ponto respaldo para afirmar a existência ou não de tal situação. No entanto, já
é possível ter uma noção da complexidade que a decisão de utilizar a força possui.
Na avaliação quanto à possibilidade desse uso, o policial se defronta com um
grande número de variáveis objetivas e subjetivas e, em geral, tem poucos
segundos para decidir sobre a legalidade, a necessidade, a proporcionalidade, a
conveniência, a moderação, a moralidade, a ética, a impessoalidade, etc. Mas, além
disso, retornando ao objeto de estudo desse trabalho, o que dizer sobre a
impessoalidade do uso da força quando a sociedade na qual o policial está inserido
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é preconceituosa em relação a determinadas classes, etnias e locais de habitação?
Será que é o policial o único culpado caso pela violência proveniente da polícia? Nos
capítulos à frente tais perguntas serão discutidas.
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3 A ATIVIDADE POLICIAL NO ESTADO DE DIREITO E NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A Atividade policial está intimamente ligada ao Estado, pois, via de regra, a polícia é
o órgão responsável por dar entrada no processo de punição cujo exercício é direito
avocado exclusivamente pelo Estado.
Nesse processo, a polícia é uma ferramenta do Estado dotada de uma quantidade
de poder e capacidade de ação limitados pelas leis, com uma função parcial na
aplicação dessa punição. Como dito anteriormente, o papel policial é o de entrada
nesse processo de punição, dessa forma ela apenas identifica o ilícito e dá
conhecimento ao sistema judiciário para que esse julgue e aplique a devida punição
ao infrator nos moldes das leis. Não cabe então à polícia aplicar qualquer medida de
punição àqueles que infringiram ou potencialmente “infringirão” a lei, pois o Estado
não dá a ela esse poder.
É erro grave, infelizmente freqüente, tentar medir a correcção e eficácia da actuação de outrem pelo que cada um julga dever ser o procedimento adequado em função das suas próprias preocupações. E este erro, devemos reconhecê-lo, é ainda freqüente nas polícias em relação às autoridades judiciárias. Mas erro maior, infelizmente não erradicado absolutamente de algumas mentalidades, é procurar substituir-se aos demais, vingando o crime pelas próprias mãos, como que antecipando o castigo, com o pretexto da ineficiência daqueles. Esta actuação, inteiramente desajustada, é não só ilegítima como criminosa. A função da polícia é a de prevenir, não a de reprimir. São funções juridicamente diversas, actuáveis com meios diversos também e com subordinação a critérios específicos. Que cada um cumpra a sua função o melhor que puder e souber e deixe aos outros que sejam eles próprios a cumprir as que lhe competem. (SILVA, 2000, p. 18)39
Sem dúvida, quando a polícia tem a lei como um limitador, seu trabalho se torna
mais complexo. Com o parâmetro legal, o policial passa a ter que seguir um rito
ditado pela lei e não pode agir de forma distinta dela com a justificativa de atingir um
fim idêntico, porém imediato e desburocrático, ao que alcançaria se a seguisse.
Decorre disso a necessidade de criação de técnicas mais elaboradas e adequadas 39 SILVA, Germano Marques da. Seminário sobre Actuação Policial e Direitos Humanos. In: Polícia Portuguesa, n.º 125, ano LXIII, II Série, Bimestral, Lisboa, DNPSP, Setembro/Outubro, 2000. Disponível em: <http://www.igai.pt/publicdocs/S24Out4Nov_Intervencoes.pdf> . Acesso em: 24 Ago2007
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para execução do trabalho policial e para o alcance dos fins desejados de forma
legal. A partir dessa conclusão, a máxima de Maquiavel de que os fins justificam os
meios não mais pode ser aplicada. O policial não pode infringir a lei a pretexto de
exercê-la, um policial que não respeita a lei num Estado de direito é, ele mesmo,
mais um infrator.
Se as polícias pudessem manter a ordem sem se preocupar com os aspectos da legalidade, suas dificuldades diminuiriam consideravelmente. Entretanto, elas estão inevitavelmente preocupadas em interpretar a legalidade, uma vez que usam a lei como instrumento de ordem. (SKOLNICK40, apud COSTA, 2003, p.94)
No entanto, quando se trata a atividade policial apenas como aquela que aplica a lei
e que deve respeitá-la, diminui-se a dimensão do Estado no qual ela está inserida de
um Estado democrático de direito para apenas um Estado de direito. A imposição e
o respeito à lei são premissas de um Estado de direito, porém, condição do mesmo
ser também democrático inverte a sua posição de “leviatã” 41 em relação aos seus
cidadãos, colocando-o abaixo deles, ou seja, em vez do Estado impor às leis à
sociedade é a última que impõe as leis ao primeiro.
Assim, apesar de tanto o Estado de direito como o democrático de direito terem a
função de regular a vida em sociedade, no primeiro essa regulação pode ocorrer de
forma independente do povo, impondo-se as leis sem questionar se elas são
desejadas, o Estado está acima da sociedade e cabe a ele decidir sobre o que é
melhor para a todos. Já no Estado democrático de direito a sociedade vem em
primeiro lugar, pois as leis são o resultado dos desejos da sociedade e, portanto,
quando o povo aprova uma lei que regula o Estado, se coloca numa posição
superior ao Estado, dizendo como deseja que o poder público se comporte.
Destarte, da mesma forma que as relações entre Estado e povo são distintas nesses
dois tipos de Estado, as relações entre polícia e sociedade também o são. Pode-se
40 SKOLNICK, Jerome. Justice Without a Trial. New York: Macmillian, 1994, p. 6. 41 Afigura do “Leviatã” foi criada por Thomas Hobbes e identifica o Estado como um gigante que toma pra si as liberdades individuais dos cidadãos para promever o bem comum, pois o resultado da vida em Estado de natureza seria a guerra. Para Hobbes o "homem é o lobo do homem", e para evitar a guerra de "todos contra todos" é necessário impor mecanismos de controle externos à ação humana. Somente por meio de um Estado-Leviatã seria possível a realização deste controle externo, que também pode ser chamado de coercitivo.
21
pensar então, de forma mais óbvia, que a polícia trabalha para o Estado no modelo
não democrático e para o povo no modelo democrático, assim, como se pode
constatar em Silva (2000) no seu discurso sobre o trabalho policial numa
democracia:
[...] a polícia numa sociedade democrática tem de estar necessariamente ao serviço das pessoas, imbuída do espírito de respeito pela liberdade que é componente essencial da dignidade da pessoa humana. (SILVA, 2000, p. 21)
O Brasil já teve a oportunidade de se organizar sob essas duas formas de Estado
mais de uma vez. No entanto, para este estudo merece destaque o período que se
inicia em 1964 com a ditadura militar e que se encerra em 1988 com a promulgação
da constituição cidadã, que reinstituiu o Estado democrático de direito, que perdura
até hoje. O período militar é citado por muitos autores como sendo de suma
importância para a compreensão dos problemas vivenciados pela polícia com
relação ao uso excessivo da força e pela inadequação de muitas ações policiais
oriundas dessa época à atual condição democrática do Estado Brasileiro.
Como não foi empreendida, com o advento da democracia brasileira, uma reforma nas instituições de segurança pública, mas sim, uma readequação do regime anterior ao nascente regime, permaneceram arraigados, no âmbito daquelas instituições, valores autoritários, os quais impedem a consolidação democrática no Brasil. (ZAVATARO, 2004, p.44)
O “regime anterior” a que se refere Zavataro (2004) é o regime militar, no qual, como
se viu, o Estado agia e legislava do modo que considerava correto e o fazia de forma
independente da sociedade. Nesse tipo organização estatal, a atividade policial é
exercita para a manutenção dessa estrutura organizacional que suprime a vontade
popular. A contestação e a exigência de explicações são vistas como atos
subversivos e todos os cidadãos como inimigos potenciais ao regime instalado.
Nesse tipo de Estado, polícia e sociedade se colocam sob lados opostos e são
inimigos.
As cartas constitucionais republicanas anteriores a 1988, não deixam dúvidas quanto à principal função das s. Tratava-se, primeiro, de salvaguardar a "Segurança Nacional" mobilizando seus esforços para a "segurança interna e manutenção da ordem" do Estado. Não é difícil concluir que o que estava em jogo era, fundamentalmente, a sustentação de uma lógica que pressupunha o "Estado contra a sociedade", ou melhor,
22
uma concepção autoritária da ordem pública que excluía os cidadãos de sua produção, uma vez que eles eram percebidos como "inimigos internos do regime" que "ameaçavam à tranqüilidade e a paz pública". Em uma frase, a prioridade poderia ser assim resumida: cabia às s, ir para as ruas "manter" a segurança do Estado através da disciplinarização de uma sociedade rebelde à "normalidade" e a "boa ordem". (MUNIZ, 2001, P. 183)42
Apesar disso, a compreensão dessa forma de organização do Estado brasileiro e
das polícias não pode ocorrer de maneira descontextualizada do momento histórico
internacional no qual estão inseridas (bem como ainda hoje também não o podem).
A ditadura militar, no Brasil, ocorreu dentro do contexto da guerra fria e a América
Latina como um todo se via subordinada a interesses norte americanos de “caça”
aos comunistas. A lógica de atuação policial era a de identificação dos elementos
subversivos e eliminação dos mesmos. Apesar de parecer algo incompatível com a
realidade atual, Zavataro (2004) demonstra que a interferência norte americana nas
atividades policiais na América do Sul perdurou após a guerra fria e que ela fez com
que apenas se mudasse do inimigo interno comunista para o narcotraficante.
Zavataro (2004, p. 43-44) demonstra em seu estudo que num primeiro momento a
interferência Norte Americana induziria à “caça” aos comunistas e, num segundo,
aos narcotraficantes e que tal interferência se deu através do ensino e do
treinamento das polícias sul-americanas pelos norte-americanos.
Com o fim do socialismo na década de 80, os Estados Unidos precisariam encontrar novos inimigos para garantir sua política externa de segurança nacional. Dessa vez, os escolhidos foram os terroristas e narcotraficantes. Para tanto, seria condição sine qua non a propagação de um discurso anti-terrorista que legitimasse interferência nas políticas dos Estados nacionais. Do mesmo modo que o programa de treinamento das polícias latino-americanas, oferecido principalmente a partir da década de 50, o alvo do novo programa de internacionalização da polícia americana seria novamente os países da região sul-americana. A década de 90 se caracterizou por uma “guerra declarada contra as drogas”. Assim, para legitimar a continuidade do recrudescimento da violência estatal, agora não mais contra os comunistas e subversivos, mas sim contra traficantes, terroristas etc., foi premente o revigoramento das ideologias da defesa social e da segurança nacional, além do recente movimento de “Lei e Ordem”, reforçado pelos meios de comunicação na
42 MUNIZ, Jacqueline. A Crise de Identidade das Polícias Militares Brasileiras: Dilemas e Paradoxos da Formação Educacional. Security and Defense Studies Review. V. 1. Winter, 2001. Págs. 177 - 197. Disponível em : <http://www.ndu.edu/chds/journal/PDF/Muniz-final.pdf>. Acesso em: 21 Jun 2004.
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caracterização de estereótipos. Desse modo, ficariam caracterizados os inimigos que os aparelhos repressivos de Estado deveriam aniquilar, não importando por quais meios, desconsiderando-se, por conseqüência, a existência dos direitos humanos. Com base na construção de novos inimigos internos, o Estado consegue legitimar uma ideologia autoritária, capaz de se sobrepor às leis, principalmente daquelas protetoras dos direitos humanos.
Como se vê, a transição de um regime autoritário para um regime democrático no
Brasil não representou uma mudança na forma de atuação das polícias no Brasil,
em vez de se remodelar a atividade policial para o novo regime, manteve-se a
estrutura anterior, e mudou-se apenas o foco do trabalho, dos “subversivos” para os
“traficantes” aplicando-se a esses últimos tudo que se aplicava aos primeiros.
No período mais recente, duas décadas de ditadura militar e comprometimento das estruturas policiais com a repressão ilegal e clandestina contribuíram muito para marcar as polícias brasileiras com exemplos de crueldade e covardia. (...) Inúmeras conquistas foram alcançadas e a nação passou a viver uma experiência de participação política e de construção da cidadania. As instituições policiais, não obstante, carregam ainda, como diria Marx, “a tradição dos mortos como um pesadelo a oprimir o cérebro dos vivos.” (ROLIM, 2006, p. 46)
Nesse ponto já se pode ver que polícia Brasileira está inserida num regime
democrático, mas ainda age, em certos pontos como se estivesse num regime
autoritário. Certamente aplicar concepções autoritárias a um regime democrático
não é o ideal, porém, até agora não se pôde conjecturar como deve ser o trabalho
policial numa democracia, apenas que ele não pode ser como era na época da
ditadura militar por uma incompatibilidade ideológica com o atual regime. Então
surge a pergunta: como deve ser o trabalho policial numa democracia? Bengochea
(2004, p. 121) faz um questionamento que pode ajudar na procura por possíveis
respostas:
[...] qual é o papel da polícia no momento em que estão em crise o emprego, a família e a escola? Quer dizer, estão em crise as instituições de controle social informal que funcionavam há 20 anos: será que a polícia hoje só pode seguir o modelo de uma polícia, digamos, do tipo tolerância zero? Estaremos condenados a tal? Ou é possível pensar, em um país como o Brasil, outro tipo de policiamento, outra técnica policial, outro tipo de trabalho policial? Porque essa é a grande ignorância vigente na sociedade brasileira: o que significa o trabalho policial?
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Certo é que no regime democrático em vez de se perguntar o que o Estado deve
fazer pelo povo é necessário perguntar o que o povo quer que o Estado faça por ele,
afinal, a visão da democracia é de que o povo é a origem do poder e de que é em
nome dele que o poder deve ser exercido. É nesse ponto que a pergunta de
Bengochea (2004) pode ajudar, quando ele cita a crise do emprego, da família e da
escola, cita também problemas vividos pela sociedade sobre os quais o Estado tem
o dever de interferir para que tais crises cessem. Se há um problema para a
sociedade e se ela, através de seus representantes, postulou que o Estado deve
agir para resolver esse problema, então são necessários agentes que identifiquem
esses problemas in loco e o levem até o Estado para que ele possa autuar em
defesa da sociedade como determina a lei.
Porém esse não é o trabalho da polícia, ela não é responsável por gerar emprego,
nem por construir escolas, nem por interferir na família. Como o próprio Bengochea
(2004) cita “estão em crise as instituições de controle social informal que
funcionavam há 20 anos”. Dessa forma, o controle social que antes a polícia era
capaz de suplementar, hoje, já não o é, sendo necessária a intervenção de outros
órgão públicos. O papel formal de controle social que, outrora era exercido
exclusivamente pela polícia, através da possibilidade de coerção, já não é mais
suficiente para ocupar as lacunas que agora instituições como a família, a escola ou
o trabalho deixam. É necessária uma atuação de outros órgãos do Estado além da
polícia.
As polícias não são as únicas agências estatais encarregadas de realizar o controle social, e por mais estranho que possa parecer, tampouco desempenham um papel central. Entre várias atividades, cabe também às polícias fazer com que as leis e regulamentos estatais sejam observados. Ao reconhecer que a polícia desempenha papel central no controle social, também se reconhece que esse controle social é realizado pela simples existência de leis, e que tais leis serão acatadas pelo medo de alguma sanção estatal. O acatamento da autoridade almejado pelo Estado e seus agentes diz respeito ao grau de legitimidade de que esta autoridade política desfruta junto à sociedade. Nesse ponto, a relação entre lei e ordem não se mostra contraditória. Quanto mais legítima for percebida a forma como as polícias realizam suas tarefas, mais fácil será a aceitação da sua autoridade e, portanto, menor a necessidade de recurso à violência. (COSTA, 2004, p. 95)
25
De acordo com o trecho acima se chega a duas conclusões, a primeira é de que a
polícia não é única agência estatal responsável por fazer o controle social e a
segunda é que a legitimidade é uma condição que deve ser buscada para
autoridade policial como uma forma de implementar a lei com um índice de recurso
menor à força.
Com relação à legitimidade, Costa (2004, p. 109) salienta que “A legitimidade com
relação ao exercício da autoridade estatal não é dada, mas sim construída a partir
de um conjunto de valores e crenças”. Com fulcro nessa lógica, cabe à polícia em
uma democracia promovê-la e também contribuir para a construção de valores e
crenças democráticas. Tomando isso por objetivo, é principio fundamental que a
polícia respeite as leis para que com isso ganhe legitimidade quando cobrar dos
demais cidadãos a plena obediência a elas. Nas palavras de Zavataro (2004, p. 34)
“a democracia não possui um valor ontológico. Ao contrário, constrói-se
cotidianamente, através da aplicação prática do respeito às suas instituições, às
regras e à participação política e, principalmente, pela admissão do ser humano
como um valor absoluto”. Dessa forma, ao executar e cobrar cumprimento das leis, o
policial legitima sua autoridade para que a valoração delas se amplie e, por
conseqüência, para que o seu cumprimento se torne algo comum e exigível.
Sobre os termos expostos acima é importante relatar os estudos de Tyler (1990)
citados por Rolim (2006, p. 99) que demonstram a influência da legitimidade da
autoridade policial para que os cidadãos obedeçam à lei.
Baseados em duas décadas de laboratórios e pesquisas de campo, os analistas podem sustentar que a legitimidade da polícia previne o crime. Tyler (1990) encontrou uma forte correlação em estudo desenvolvido em Chicago entre a percepção dessa legitimidade pelos cidadãos e sua disposição de obedecer à lei. No caso, a idéia de legitimidade foi medida a partir da avaliação dos cidadãos sobre como a polícia os havia tratado no último contato que tiveram. (...) a maior redução nas taxas criminais ocorreu nos distritos onde os cidadãos consideravam a polícia mais atenciosa e receptiva quanto as preocupações do público.
A preocupação da polícia não deve se voltar apenas à vontade do Estado, nem ao
crime exclusivamente, mas sim a qualquer violação da lei com a qual se deparar no
exercício de sua profissão, inclusive por parte do Estado, a fim de assegurar ao
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cidadão o pleno gozo de seus direitos e assim promover a cidadania. O policial é um
agente da lei que além de obedecer-lha, deve fazer cumprirem-na, bem como deve
atuar toda vez que ela for infringida em qualquer dimensão, seja quem for o agente
ou a vítima. Nas palavras de Balestreri (2002):
O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder. BALESTRERI(2002, p. 30)
Na democracia, ao contrário da ditadura, as pessoas deixam de ser inimigas do
Estado e passam a ser tratadas como cidadãos, com capacidade de interferência no
processo decisório do país e de exigir do Estado aquilo que precisam dele. A
exigência de ação do Estado não é mais vista como subversão, mas como exercício
de cidadania e direito. Assim a execução da lei através do trabalho policial deve
ocorrer não para resguardar o Estado, mas sim para promover a cidadania.
O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A “lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou de solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em ferramenta para enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos de paranóia, seqüelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real função policial. (BALESTRERI, 2002, p. 35)
Com essa concepção de promoção da cidadania, muitas vezes a atuação policial vai
além da busca pelo criminoso e, na verdade, cada vez mais tal fato deixa de ser o
foco do trabalho policial. A prevenção criminal e a tentativa de fazer com que o crime
não ocorra são mais importantes do que prender o infrator depois do delito cometido.
Assim, no enfoque preventivo, a atuação policial muda de uma postura reativa para
uma postura proativa, e essa postura é balizada exatamente pelo cumprimento da lei
em todas as suas esferas e pela tentativa de evitar que a infrinjam. Com isso, a
27
direção do trabalho deixa de ser a atuação contra criminosos grandiosos, mas sim,
como atuar em pequenos problemas para que eles não se ampliem e tragam o crime
como conseqüência. A busca pela inexistência de crime e a inversão do papel de
repressora para o de prestadora de serviço à sociedade gera uma mudança no
pensamento policial que em vez de buscar ser temido, deve procurar transparecer
confiança e respeitabilidade.
As polícias tendem a ser avaliadas em termos quantitativos: quantos crimes aconteceram, quantas pessoas foram presas, quantas chamadas foram atendidos, quantas ocorrências foram registradas, quantos crimes foram solucionados. Entretanto, esses números não respondem a uma importante questão para um regime democrático: qual o grau de confiança que os cidadãos depositam nas polícias? Em boa medida, a avaliação incorreta do desempenho das polícias repousa na idéia incorreta de atribuir às polícias a exclusividade do controle social. Outra forma de avaliar o trabalho das polícias é verificar a qualidade da sua relação com a sociedade, bem como a efetividade dos seus gastos.(COSTA, 2004, pp. 114-113)
Porém nem sempre essa noção é clara dentro das instituições policiais, mesmo
sendo elas solicitadas cotidianamente para resolver problemas cada vez menos
ligados à esfera criminal, como cita Bengochea et. al. (2004, p. 121):
Cabe destacar que vários estudos têm mostrado que aproximadamente 70% das intervenções policiais não são na área policial, mas sim na social, denominada, aqui na Brigada Militar, de assistência e resolução de pequenos conflitos que não se constituem em infrações penais. Nos 30% restantes, provavelmente se apontará que a grande maioria das intervenções corresponde a pequenos delitos. Atualmente a polícia, na sua cultura histórica, só trabalha com um instrumento que é a reação pela força; qualquer conflito e dificuldade são resolvidos pela força. (...) Geralmente, em todo o conflito em que a polícia intervém, a tendência é criminalizar a conduta, nem que seja por desacato ou desrespeito, efetivando a solução pelo uso da força e pela prisão.
É justamente nesse ponto que se retoma a discussão em torno do fato de que a
polícia não possui um papel central no controle social, muitas vezes esses pequenos
conflitos são resultados de problemas estruturais de descumprimento da lei pelo
próprio Estado, e como dito anteriormente, o descumprimento da lei pela autoridade
pública corrói os valores responsáveis por fazerem os cidadãos acatarem-na. Assim,
na busca pelo pleno cumprimento da lei e pelo exercício do controle social, a polícia,
ao detectar um problema que gere reflexos na ordem pública, e cuja causa vá além
28
da sua capacidade de ação, deve envolver outros órgãos do Estado a fim de
resolvê-lo.
A dificuldade de encontrar emprego é, muitas vezes, citada como uma causa que
leva as pessoas a se voltarem para o crime como solução para as suas
necessidades, porém isso geralmente está relacionado com a falta de formação
acadêmica e profissional. Assim a falta de educação adequada, geraria dificuldade
de encontrar empregos capazes prover uma vida digna e isso acarretaria uma falta
de perspectiva em relação ao futuro para os jovens estudantes que, por sua vez, os
conduziria à conclusão de que o crime, em vez da escola, é o caminho para alcançar
o padrão de vida que desejam.
Como dito anteriormente, não cabe a polícia construir a escola, mas é certo que
simplesmente prender o infrator que sofreu todo esse processo seria ineficaz. É
nesse ponto que o envolvimento de outros órgãos se faz necessário. A polícia
precisa deixar de agir e pensar-se como única solucionadora dos problemas sociais.
Diante desse raciocínio a única coisa que se conseguirá é a certeza de que o
trabalho que se realiza é inútil, pois, num sistema como o exposto acima, nunca se
verá resultado apenas realizando prisões e eliminando bandidos. Na busca pela
aplicação da lei e pela prevenção criminal a polícia deve se envolver com os demais
órgãos públicos responsáveis pelo cumprimento dos mais diversos direitos dos
cidadãos, da mesma forma que também deve buscar apoio de entidades civis e da
própria sociedade. É esse tipo de atuação que expressam as palavras de Costa
(2004, p. 95) quando o autor diz que “As polícias não são as únicas agências
estatais encarregadas de realizar o controle social, e por mais estranho que possa
parecer, tampouco desempenham um papel central”. O papel da polícia é o de mais
um órgão responsável por identificar os problemas sociais e encaminhá-los às
autoridades competentes. Com essa conclusão, vê-se que uma atuação policial
isolada dos demais órgãos do estado está fadada ao fracasso, por não conseguir
atingir causas estruturais dos problemas de segurança pública.
Como mencionamos anteriormente, o controle social é função do Estado como um todo, e não uma tarefa exclusiva das polícias. Cabe, portanto, ao Estado como um todo impor as normas, as crenças e os padrões de conduta desejados pelos grupos dominantes. Não é possível realizar esse controle social exclusivamente por meio da repressão policial. Portanto o
29
crime não é algo que pode ser combatido ou eliminado. Por outro lado, os mecanismos de controle social podem ser aperfeiçoados e estendidos a uma porção maior da sociedade. (COSTA, 2004, p. 112)
A compreensão do papel da polícia num regime democrático dissertada até agora é
importante para que se possa entender a dimensão que a violência policial tem além
da simples tipificação criminosa dessas condutas. A violência por parte da polícia é
uma prática que, mais do que criminosa, corrói a democracia que deveria ajudar a
construir. A legitimidade e a busca pela confiança da população como formas de
fazer a lei adquirir valor e se sedimentar são destruídas, trazendo na verdade a
dimensão contrária da falta de legitimidade e a de que a lei não possui valor, se não
para apenas uma parcela da sociedade. Não há como implementar a lei e oferercer-
lha como um benefício a todos se ela é reiteradamente descumprida por aqueles
que deveriam promovê-la.
Outro ponto importante para o estudo da violência policial assenta-se sobre a
concentração que ela tende a ter sobre determinados grupos sociais. Não obstante a
ilegalidade do ato, ele não ocorre de maneira uniforme, e demonstra mais uma vez
que a lei só existe e é aplicada de fato para alguns. Sobre esse aspecto é importante
notar as considerações de Zavataro (2004, p. 34-35):
[...] a democracia não possui um valor ontológico. Ao contrário, constrói-se cotidianamente, através da aplicação prática do respeito às suas instituições, às regras e à participação política e, principalmente, pela admissão do ser humano como um valor absoluto. Todavia, quando se analisam as estatísticas de violência policial, verifica-se que as instituições policiais no Brasil agem de forma discriminatória, segundo critérios definidos pela cor, raça, posição social etc., contrastando demasiadamente com a promessa igualitária da democracia, advinda a partir do declínio do regime autoritário na década de 80.
A promessa igualitária da democracia seria prejudicada por essa diferenciação de
tratamento. Esse desejo do constituinte é novamente relatado por Zavataro (2004, p.
19) ao dizer que:
Com o advento do regime político democrático no Brasil, esperava-se uma reforma, tanto no seu aspecto estrutural quanto no aspecto funcional, das instituições estatais, principalmente das instituições policiais (...) “almejava-se uma sociedade livre, dotada de capacidade de resolução dos problemas sociais e econômicos e destituída de preconceitos de qualquer ordem.
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....................................................................................................
Sabia-se que um Estado Democrático implicava na existência de uma pluralidade de grupos sociais dotados de capacidade de influir no processo decisório, tais como homossexuais, sem-terra, “favelados” etc. Para tanto, as instituições policiais deviam, ao orientar sua conduta, agir de forma consentânea com os valores agora vigentes. Entretanto, não foi o que ocorreu, já que essas instituições, sejam federais ou estaduais, continuaram a se pautar em conformidade com as diretrizes do regime autoritário.
Por fim, pode-se ver o resultado danoso para a democracia dessa possível maneira
discriminatória de atuação policial no trecho da obra de Rolim (2006, p. 36) quando o
autor diz que:
[...] a síntese dos resultados alcançados por características como essas começa a ser conhecida quando a presença da polícia, como se poderia prever, passa a ser reconhecida com crescente desconfiança, quando não com aberta hostilidade, por setores da população. Na verdade, a polícia e o público resultaram tão apartados um do outro que, para muitas comunidades – especialmente aquelas mais periféricas e marginalizadas – a polícia passou a se identificada como ‘aqueles que vem nos prender’.
Esse trecho mostra, em resumo, a desmontagem do regime democrático no que
concerne à atividade policial, pois relata exatamente sobre quem pesa a lei e
também como os ideais de integração entre polícia e sociedade são corroídos por
práticas violentas com uma concentração social bem demarcada.
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4 OBJETO DE ESTUDO
O objeto de estudo deste trabalho está na possível relação existente entre a prática
de violência policial e determinados estereótipos. Parte-se, portanto, do pressuposto
de que há violência policial e especula-se que ela não esteja distribuída de maneira
uniforme na sociedade. Assim, a violência policial teria mecanismos próprios de
manifestação e padrões dentro dos quais ocorreria que a levariam a se concentrar
em certos pontos e a se dissipar em outros. Neste trabalho buscou-se identificar
quais seriam esses padrões de manifestação da violência policial quando a variável
em questão era o estereótipo dos cidadãos que são abordados pela polícia.
Com base nessa explicação, os estudos foram desenvolvidos por meio de em um rol
determinado de estereótipos escolhidos de acordo com a percepção teórica sobre a
concentração ou a dissipação da violência policial em relação a esses estereótipos.
A partir dessas escolhas, buscou-se identificar numericamente sobre quais
estereótipos se concentrava a violência policial em quais ela se dissipava, tentando
propor uma justificativa acadêmica capaz de explicar tal diferenciação.
4.1 Problema e variáveis
Problema: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia determinam a
incidência de violência policial contra estes cidadãos?
4.2 Hipóteses
Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia determinam a incidência de
violência policial contra estes cidadãos.
Variável independente: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia
Variável dependente: a incidência de violência policial contra os cidadãos
abordados pela polícia.
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4.3 Tema
Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia militar e a prática de violência
policial.
4.4 Delimitação do tema
Para a delimitação do tema foi necessário alocar a pesquisa em um universo com
uma representatividade significativa no âmbito da Polícia Militar de Minas Gerais,
pois além da diversidade de serviços operacionais, há ainda uma grande divisão
entre o serviço operacional (de rua) e o serviço administrativo. Assim, o universo
dentro do qual a pesquisa ocorreu teve o máximo de representatividade possível
acerca desses diversos meandros do trabalho policial com os quais os policiais
podem se relacionar. O local que atendeu perfeitamente a essas exigências foi o
Centro de Treinamento Policial (CTP), local onde “recicla-se profissionalmente”
praticamente toda a tropa das unidades operacionais ou administrativas da Polícia
Militar de minas Gerais instaladas na região metropolitana de Belo Horizonte.
O CTP é responsável por ministrar, para os policiais da Região Metropolitana de
Belo Horizonte, o Treinamento Policial Básico, TPB, que é um treinamento realizado
a cada dois anos com todos os policiais da organização e que busca reciclar
conhecimentos já ultrapassados, reafirmar aqueles cuja prática deve ser mantida,
aprimorando profissionalmente os policiais militares. Pelo TPB realizado no Centro
de Treinamento Policial são treinados anualmente 14.000 policiais oriundos tanto
dos serviços administrativos como operacionais e, no âmbito do serviço operacional,
são treinados policiais que lidam desde com o radiopatrulhamento aéreo até policiais
que trabalham no policiamento a pé, modalidade mais clássica de policiamento.
Por esses motivos, a pesquisa ficou centrada nos policiais militares que estavam
cursando o Treinamento Policial Básico no CTP, afinal, esses policiais
representavam uma gama completamente aleatória e diversificada em termos de
experiências profissionais, podendo, portanto, representar significativamente os
todos os policiais militares.
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Diante do exposto, o tema deste trabalho ficou assim delimitado:
“Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia militar e a prática de violência
policial sob o ponto de vista dos policiais do Treinamento Policial Básico do Centro
de Treinamento Policial da Polícia Militar de Minas Gerais no ano de 2007”
4.5 Objetivos
4.5.1 Objetivo Geral
Verificar a influência dos estereótipos dos cidadãos abordados pela policia na
incidência de violência policial.
4.5.2 Objetivos Específicos
Verificar as variações das atitudes dos policiais diante de cidadãos com diferentes
estereótipos quando estes estiverem envolvidos em situações idênticas.
Identificar estereótipos e situações em que há maior propensão à prática de
violência policial.
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5 POLICIAL AUTORITÁRIO OU SOCIEDADE AUTORITÁRIA?
A sociedade brasileira é vista e se vê como uma sociedade cordial e que aceita de
forma exemplar as diferenças pessoais, porém essa noção extremamente difundida
de que se tem tanto orgulho não passa de um mito. A sociedade brasileira não
aceita as diferenças, é preconceituosa e se estrutura em torno dos preconceitos em
relação às diferenças. Ao estudar esses aspectos da sociedade brasileira, merece
destaque o antropólogo Roberto DaMatta (1997) que em seu livro Carnavais
Malandros e Heróis mostra o quanto o brasileiro é capaz de hierarquizar as
diferenças e fazer uso delas nos momentos que for necessário para a manutenção
do seu status dentro de uma escala de importância.
Para o seu estudo da hierarquização das diferenças na sociedade brasileira DaMatta
(1997, p. 181) utiliza o que ele chama de rito do “Sabe com quem está falando?”,
pois segundo o autor isso “implica sempre uma separação radical e autoritária de
duas posições sociais real ou teoricamente diferenciadas.”.
O "Sabe com quem está falando?", além de não ser motivo de orgulho para ninguém - dada a carga considerada antipática e pernóstica da expressão - fica escondido de nossa imagem (e auto-imagem) como um modo indesejável de ser brasileiro, pois que revelador do nosso formalismo e da nossa maneira velada (e até hipócrita) de demonstração dos mais violentos preconceitos. De fato como veremos a seguir, o rito do "Sabe com quem está falando?" nos coloca muito mais do lado das escalas hierárquicas e dos Caxias traços que sistematicamente queremos esconder ou, o que dá no mesmo, achamos que não temos a necessidade de mostrar, pois "Cada qual deve saber o seu lugar" [grifo nosso].
O “sabe com quem está falando?” é tomado por DaMatta (1997) como uma forma de
mensuração do escalonamento das diferenças pessoais. Por exemplo, seria comum
se um branco, em razão da sua condição racial, se voltasse para um negro e lhe
dissesse em um conflito qualquer “Você sabe com quem está falando, seu negão?”.
Se a utilização do rito proposto por DaMatta (1997) for possível, então infere-se que
à “raça” branca é vista como superior à negra. O mesmo rito, se utilizado de forma
inversa, não pareceria tão comum. Se um negro se voltasse para um branco e se
utilizasse do mesmo rito, tal situação pareceria anacrônica e incompatível. Dessa
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forma um executivo utilizaria o rito contra um lixeiro, mas nunca o contrário se a
característica evidente fosse a profissão dessas pessoas. Assim poderíamos
colocar inúmeras características e condições, das mais variadas dimensões
(econômica, social, política, cultural, racial, patrimonial, profissional, religioso...),
numa ordem hierárquica de importância, e estratificar as relações sociais entre os
“portadores” de tais características ou condições em termos de superioridade e
inferioridade.
Porém, como foi dito anteriormente, essa hierarquização ocorre em múltiplas
dimensões, então, a mesma pessoa que em determinada dimensão é vista como
superior, em outro ponto de vista, pode ser colocada como inferior. Assim, o
executivo que na dimensão profissional é superior ao lixeiro, se for negro, numa
dimensão racial, será inferior ao lixeiro se este for branco.
O "Sabe com quem está falando?", então, por chamar a atenção para o domínio básico da pessoa (e das relações pessoais), em contraste com domínio das relações impessoais dadas pelas leis e regulamentos gerais, acaba por ser uma fórmula de uso pessoal, desvinculada de camadas ou posições economicamente demarcadas. Todos têm o direito de se utilizar do "Sabe com quem está falando?", e mais , sempre haverá alguém no sistema pronto a receber (porque é inferior) e pronto a usá-lo (porque é superior) (DAMATTA, 1997, p. 195)
Apesar dessa diferenciação promovida pelo “Sabe com quem está falando?”, assim
como verificou DaMatta (1997), a utilização desse rito não é algo desejável para
uma pessoa, via de regra utilizar-se dele denota arrogância e prepotência,
características pouco admiradas entre os brasileiros. DaMatta (1997) para explicar
tal fenômeno utiliza-se da figura do malandro. A malandragem, como uma
característica de esperteza, de desapego a normas, de habilidade de encontrar um
“jeitinho” e de simpatia, é algo desejado pelos brasileiros e a utilização do “Sabe
com quem está falando?” é a negação dessa malandragem. Segundo DaMatta
(1997) “o rito [...] nos coloca muito mais do lado das escalas hierárquicas e dos
Caxias” que são exatamente o oposto dos malandros. Portanto, a utilização do rito
dar-se-ia apenas em situações diante das quais a malandragem e jeitinho ameno
não fossem capazes de colocar as pessoas nos seus devidos lugares na forma
hierárquica que propõe DaMatta (1997).
36
E todos os brasileiros sabem que a expressão é o reflexo ritualizado e quase sempre dramático de uma separação social que nos coloca bem longe da figura do "Malandro" e dos seus recursos de sobrevivência social. Pois o "Sabe com quem está falando?" é a negação do "Jeitinho", da "Cordialidade" e da "malandragem” (DAMATTA, 1997, P.182) [...] nunca tomam a expressão como a utilização de valores e princípios estruturais de nossa sociedade, mas como uma simples manifestação de traços pessoais indesejáveis. Nesse sentido, um "Sabe com quem está falando?" seria como racismo e um autoritarismo: algo que ocorre entre nós por acaso sendo dependente apenas de um sistema implantado pelos grupos que detêm o poder (DAMATTA, 1997, p. 185).
Em outra dimensão, Roberto DaMatta (1997) relaciona o “Sabe com quem está
falando?” com o conflito dizendo que “o rito autoritário indica sempre uma situação
conflitiva, e a sociedade brasileira parece avessa ao conflito.”. Para o antropólogo, a
expressão seria uma forma de resolver determinado impasse que pode colocar em
cheque a “autoridade” de um “superior” face a um “inferior”. A expectativa comum é
de que as pessoas saibam qual é o lugar delas. Há uma perspectiva de que deve
prevalecer uma harmonia nas relações sociais e, nesse ponto, o conflito é uma
ameaça a isso que deve ser logo encerrada e o “Sabe com quem está falando?” é a
fórmula mais fácil de recolocar o sistema em harmonia.
[...] se mentimos ou escondemos dos olhos do estrangeiro ou do inocente o "Sabe com quem está falando?", deixando de integrá-lo em nossa visão corrente do que é o Brasil, é certamente por que o rito revela o conflito, e somos avessos às crises. E sabemos que o conflito aberto é marcado pela representatividade de opiniões é, sem dúvida alguma, um traço revelador de um igualitarismo individualista que, entre nós, quase sempre choca de modo violento com o esqueleto hierarquizante de nossa sociedade. Claro está aqui o "Sabe com quem está falando?" que denuncia em níveis cotidianos essa ojeriza à discórdia e à crise, que vejo como básico num sistema social extremamente preocupado com o "Cada qual no seu lugar", isto é a hierarquia e com autoridade. Nessa perspectiva, descobre-se por que o "Sabe com quem está falando?" causa e embaraço. Realmente, no mundo que tem de se mover obedecendo às engrenagens de uma hierarquia que deve ser vista como algo natural, os conflitos tendem a ser tomados como irregularidades. O mundo tem de se movimentar em termos de uma harmonia absoluta, fruto evidente de um sistema dominado pela totalidade (cf. Dumont, 1977) que conduz a um parto profundo entre fortes e fracos. (DAMATTA, 1997, p.184)
Em carnavais Malandros e heróis o autor também apresenta uma diferenciação
entre o indivíduo e a pessoa. O indivíduo representa a igualdade e a ausência de
hierarquia, enquanto a pessoa representa a diferenciação baseada nos valores
morais e nas relações pessoais. De acordo com esses conceitos o “Sabe com quem
37
está falando?” seria uma forma de sair do mundo do individuo e retornar ao mundo
da pessoa, sair do individualismo que conduz à igualdade e retornar à pessoalidade
que conduz à hierarquização. Os brasileiros teriam então uma tendência a buscar
sempre retomar a pessoalidade nas suas relações e, justamente por isso, que a
conflito seria tão evitado. O conflito seria uma expressão de igualdade entre os
envolvidos, assim, logo que ele surge, trazendo consigo a idéia de igualdade entre
os contendores, o envolvido, que no arranjo hierárquico da sociedade brasileira está
numa posição de “superior”, logo se utilizaria do rito do “Sabe com quem está
falando?” para extirpar a igualdade e retomar as posições sociais da forma devida
extinguindo assim o conflito.
[...] o que fazemos, parece-me, é impedir a todo custo a individualização que conduziria fatalmente ao confronto direto, inapelável, impessoal, binário e dicotômico entre brancos e pretos, inferiores e superiores, dominantes e dominados etc. (DAMATTA, 1997, p.195).
Apesar de ter determinado para o seu estudo o rito do “Sabe com quem está
falando?”, DaMatta (1997) diz que essa expressão não é a única forma de retomar a
harmonia das relações sociais e de recolocar cada qual no seu devido lugar.
Existem inúmeras variações que na verdade tem a mesma função e são análogas
ao rito: “quem você pensa que é?”, “recolha-se a sua insignificância!”, “mais amor e
menos confiança”, “vê se te enxerga!”, “você não conhece o seu lugar?”, “veja se me
respeita!”, “será que não tem vergonha na cara?”, “mais respeito!”, etc.
Além de poder assumir inúmeras formas, a expressão analisada por DaMatta (1997)
possui como característica a possibilidade de ir além da pessoa que possui a
condição ou característica que a torna superior às demais. Assim, o filho do
promotor utiliza-se da expressão para demonstrar a sua superioridade, não pela sua
condição, mas pela do pai. DaMatta (1997) diz que do mesmo modo as crianças
também usam a fórmula de afastamento, utilizando para tanto uma identificação com
a área social ocupada por seus pais: "Sabe com quem está falando? Sou filho de
fulano de tal!". O antropólogo acrescenta ainda que o mesmo artifício poderia ser
utilizado pela empregada ou o porteiro do promotor a fim de impor uma posição de
superioridade. De forma simplificada, pode-se dizer que a condição de superioridade
transfere-se à rede relacionamentos da pessoa que a possui. DaMatta (1997)
38
relaciona essa característica do “Sabe com quem está falando?” como uma
característica das sociedades Aristocráticas inserido a sociedade Brasileira dentro
do rol delas ao citar Tocqueville (1977, p. 188 e p.191)43:
[...] não posso deixar de lembrar uma observação de Alexis de Tocqueville: "Nas comunidades aristocráticas, onde um pequeno número de pessoas dirige tudo, o convívio social entre os homens obedece a regras convencionais estabelecidas. Todos conhecem ou pensam conhecer exatamente as marcas de respeito ou atenção que devem demonstrar, e presume-se que ninguém ignore a ciência da etiqueta.”. [...] As comunidades aristocráticas contam sempre, na multidão de pessoas por si próprias destituídas de poder, com um pequeno número de cidadãos poderosos e ricos, cada um dos quais pode realizar sozinho grandes coisas. Nas sociedades aristocráticas, esses homens não precisam reunir-se a fim de atuar, pois estão fortemente ligados uns aos outros. Cada cidadão poderoso constitui uma associação permanente e compulsória composta de todos que dele dependem e dos que submete para a execução dos seus desígnios
Após essa análise sob o ponto de vista de Roberto DaMatta (1997) sobre a
sociedade Brasileira é importante contextualiza-la, transportando-a para a atividade
policial. Após isso surge pois, como pergunta evidente, qual a posição que policial
ocupa na escala hierárquica da sociedade brasileira? Contra quem e como policial
pode se valer do “Sabe quem está falando?” para impor-se.
O Estado no Brasil sempre foi um grande mediador e determinante das relações
sociais e relacionar-se com o Estado sempre motivo de status e destaque social. Por
isso, muitas vezes no Império ou mesmo na República Velha, aqueles que
alcançavam um crescimento financeiro logo compravam um título que os
diferenciavam entre os demais e passavam a ser chamados por “duques” “condes”
“viscondes” “barões” etc.
Para o policial, no entanto, a relação é inversa, por possuir autoridade para aplicar a
lei de forma impessoal, em situações pontuais ele pode valer-se disso para colocar-
se acima das pessoas. O policial, então, de forma paradoxal, se personaliza através
da possibilidade de reduzir todos os conflitos à impessoalidade e à frieza da lei. Se
ele encontrar um grande artista usando drogas, por exemplo, diante da 43 TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. Belo Horizonte. Itatiaia, 1977
39
impessoalidade da lei, o figurão usará o “sabe com quem está falando?” para reduzir
o policial a uma condição de “inferior” e prosseguir em sua conduta sem que haja
punição, encerrando assim o conflito. Porém, para o policial há sempre a
possibilidade da aplicação impessoal da lei, então, para inverter a relação, o policial
pode prender o artista que, a partir daquele momento, se submeteria a autoridade
impessoal da lei e por conseqüência ao policial. Então a proximidade do policial
com a lei e o poder que detém de aplicá-la de forma impessoal é um fator
diferenciador que pode o colocá-lo como “superior” contra todas as pessoas
praticamente. Por isso muitas vezes vê-se um tratamento cortês e bajulador com o
policial por parte de grande parte da sociedade. Com uma relação mais pessoal com
o policial surge a possibilidade de gozar de certas prerrogativas na aplicação ou não
da lei caso um dia isso se fizer necessário. Essa aproximação perniciosa acaba por
manter as relações no campo da pessoalidade e evita a individualização. DaMatta
(1997) exemplifica essa situação com frase popular “aos amigos tudo, aos inimigos a
Lei”, logo, seria melhor ser amigo da lei, representada pelo policial, do que inimigo
dela.
Porém existem muitas formas de se relacionar com a lei. Pode-se ligar a ela através
do policial, do promotor, do juiz, do prefeito, do governador, do presidente. Portanto,
a subordinação ao policial será tanto menor quanto mais a pessoa envolvida no
“conflito” com ele estiver relacionada com outras cuja autoridade é tida como
“superior” a do policial. O filho de um Juiz num conflito com o policial logo buscará
submeter o policial ao poder de seu pai. Já quem não tem alguém em seus
relacionamentos a quem possa submeter à autoridade policial acabará o temendo e
o tratando da forma mais pessoal e amistosa possível, para evitar a impessoalidade
da lei.
Este mecanismo de poder e contra-poder não está inserido no raciocínio apenas
daqueles a quem o policial impõe sua autoridade (como numa abordagem policial
qualquer), mas está também inserido no pensamento do policial como um membro
da sociedade que também é. Assim, ao perceber que uma pessoa tem uma
“proximidade com a lei” maior do que a sua, o policial se retrai em sua autoridade e
dá a essa pessoa um tratamento mais pessoal e “condizente” com o status social
dela a fim de evitar o conflito e de não atrair “problemas” pra si. A forma como esse
40
sistema opera na mente do policial pode ser vista no trabalho Bretas (1995, p. 22
apud Oliveira, 2005, p. 82) 44 que descreve a forma como os policiais do Rio de
Janeiro vêm os jovens da zona sul e da zona norte da cidade e como diferenciam o
trabalho realizado nesses dois ambientes em função dessa visão:
A polícia, de fato, trata de maneira diferente os jovens moradores da Zona Sul da cidade. Segundo seus próprios cálculos, ali existem mais chances do jovem ser filho de desembargador, de promotor, de juiz ou de algum coronel. Nestes casos, se o policial usar de violência com um jovem destes injustamente, há grandes possibilidades de ele ser punido. A hierarquia social também se revela no espaço social. De fato, o “poder de polícia” é aumentado ou diminuído de acordo com o espaço onde o policial atua. O fato de na Zona Sul o poder de polícia ser diminuído faz com que muitos policiais digam preferir trabalhar na Zona Norte, pois lá “são mais respeitados”. Os policiais entrevistados percebem que na Zona Sul os jovens não têm o devido respeito por eles, por vezes, ali eles são tratados com menosprezo. Naquele espaço social os policiais se sentem vulneráveis, dizem que não possuem instrumentos para reprimir certos crimes. Sabem que os jovens, devido à rede de sociabilidade que suas famílias possuem, dificilmente serão condenados por consumo de drogas. Nesses casos, é melhor “fingir que não vêem” o consumo de drogas por terem certeza da impunidade dos usuários.
Como se vê, o tratamento dispensado a alguém pelo policial dependerá da
percepção que ele fizer da “superioridade” que a pessoa com quem ele está se
relacionando tem em relação a ele. Para aqueles cujo status e a possibilidade de
proximidade com a lei forem elevados, o tratamento será mais brando e para
aqueles em quem isso for mais fraco o tratamento será, no mínimo, o da
impessoalidade da lei. Para o policial, será então comum e até esperado se uma
pessoa com uma quantidade de “poder” maior o questionar sobre seus atos. Já para
uma pessoa de quem não se espera isso, pela presunção de superioridade do
policial, tal conduta será vista como uma afronta que deve ser reprimida, um conflito
que deve ser encerrado colocando as partes em seus devidos lugares. Para o
encerramento do conflito e colocação das partes em seus lugares, o rito do “Sabe
com quem está falando?” seria útil e restabeleceria a posição de “superior” do
policial. Porém, é evidente que a pessoa sabe “com quem está falando”, afinal o
Policial Militar no exercício do trabalho de polícia ostensiva está caracterizado de
forma inequívoca como autoridade. O questionamento então seria visto como uma
44 BRETAS, M. L. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 1997
41
afronta à colocação social do policial e à autoridade que ele exerce. Nesse caso, a
utilização da força pra recolocar os envolvidos em seus lugares é uma possibilidade
que pode se desencadear ante o desrespeito do cidadão. DaMatta (1997) coloca a
possibilidade do uso da violência como um meio de se demonstrar “com quem se
está falando” e de exigir o devido respeito no seguinte exemplo:
Uma moça visita seu tio, um pescador. Enquanto falava com ele, passa um desconhecido e lhe dirige um gracejo muito pesado. Ouvindo o galanteador, o tio lhe dá um soco, dizendo: sabe com quem está falando? A moça é minha sobrinha! (DAMATTA, 1997, p. 209).
Considerando a citação de DaMatta (1997) do ditado popular “aos amigos tudo! Aos
inimigos a lei” como a manifestação de uma lógica de pensamento da sociedade
brasileira e, considerando também, que a visão nele inclusa de que a lei não é para
todos, mas apenas para aqueles que são considerados inimigos, depreende-se que
um policial que atua com uma visão de que há um inimigo a ser combatido irá a
querer aplicar a lei apenas àqueles que são vistos como um perigo dentro da
sociedade. Então, dentro da lógica hierarquizante proposta por DaMatta (1997) não
caberá a essas pessoas, como sujeitos passivos da lei, questionar a sua aplicação,
pois seria uma revolta, uma forma de sair do seu devido lugar. Costa, (2004, p. 177)
analisando o estudo de Chevigny (1969) 45, sobre casos de abusos policiais entre
1966 e 1967, em Nova Iorque, cita que:
O autor concluiu que o uso de violência contra cidadãos que desafiassem a autoridade policial era prática corrente no departamento de polícia. O uso dessa violência era justificado pelas autoridades políticas e policiais como necessária para a manutenção da lei e da ordem.
Diante dessa análise, percebe-se que a violência policial estaria circunscrita contra
aqueles que são considerados “inferiores” numa escala hierárquica e que poderia
surgir, diante da contestação da autoridade policial, como forma de recolocar “cada
em seu lugar” e fazer uso do rito do “sabe com quem está falando?” proposto por
DaMatta (1997). Também notas-se que o uso de violência contra alguém
considerado “superior” é algo mais difícil, pois isso seria em si uma contestação da
45 CHEVIGNY, Paul. The Edge of Knife: Police Violence. In: The Americas. New York: The New Press, 1995.
42
hierarquia da sociedade brasileira. Em face visão de que a aplicação da lei expressa
um igualitarismo indesejado, seria mais esperado que o policial fosse vítima de
algum tipo de constrangimento que buscaria colocá-lo em seu “devido lugar” do que
agente disso quando estivesse em contato com um “superior”. Dessa forma, o
policial, consciente da superioridade ou da possibilidade retaliação, seria muito mais
cauteloso no trato com aqueles vistos como “superiores”.
Vê-se então uma divisão, a princípio teórica, do trabalho policial: aos “inferiores” e
aos inimigos a lei e aos “superiores” a moderação e a cautela no trato. Da mesma
forma, vê-se uma divisão na visão da contestação da autoridade policial baseada em
“inferiores” e “superiores”. Para os “inferiores” a contestação é vista como uma
revolta e uma tentativa de igualitarismo descabida e, portanto, passível de uma ação
restauradora da hierarquia. Já com relação àqueles vistos, pelo menos
potencialmente, como superiores, o policial tenderia a relevar a contestação por ela
se tratar de algo esperado e então evitaria isso sendo mais cauteloso desde o
começo.
Apesar dessas conclusões, é preciso salientar que tais possíveis condutas dos
policiais não seriam uma característica policial em si, mas sim o reflexo que
características da sociedade brasileira exercem no trabalho policial. O policial cresce
imerso nesse sistema hierarquizante e quando ingressa na polícia é essa mesma
lógica que já aplica em sua vida que aplicará também ao seu trabalho. O
comportamento policial seria um reflexo da sociedade na qual ele está inserido, de
uma organização social maior do que o próprio policial em si. Como conclusão
desse fato pode-se tomar as palavras de Costa (2004, p. 174) de forma bastante
adequada:
A análise do comportamento policial não pode ser dissociada do estudo das estruturas políticas, sociais, culturais e normativas que moldam esse comportamento. O comportamento violento de determinados policiais não pode ser explicado simplesmente a partir das motivações individuais. Há uma série de normas sociais, leis e regulamentos que norteiam esse comportamento, seja coibindo determinadas ações, seja incentivando outras.
Com esse trecho, encerra-se o estudo do autoritarismo da sociedade brasileira e dá-
se início ao estudo dos reflexos práticos de tais concepções.
43
6 . REGIÃO, ETNIA, FAIXA ETÁRIA E AS VARIAÇÕES DO COMPORTAMENTO ...POLICIAL
Durante o trabalho diário o policial lida rotineiramente com todas as categorias
sociais, e para cada uma há um tratamento diferente de acordo com as expectativas
ou visão que os policiais têm das pessoas pertencentes a esses grupos sociais.
Como foi demonstrado na análise a respeito do livro Carnavais, Malandros e Heróis
de Roberto DaMatta, esse tratamento pode variar de acordo com a relação social
estabelecida entre o policial e a pessoa com a qual ele está se relacionando. O
comportamento do policial variaria então de acordo com a concepção de
“superioridade” ou “inferioridade” estabelecida entre ele e o cidadão. Como proposto,
a prática de violência seria mais provável contra aqueles que fossem vistos como
inferiores. Naquele capítulo, não se delimitou muito bem quem seriam esses
“inferiores”, porém foi esclarecido que essa concepção é socialmente construída e
vai além da corporação policial, tendo origem na própria sociedade.
Partindo desse pressuposto de que a polícia é composta por cidadãos, não se pode
tratar a visão dos policiais sobre os grupos com que lida sem tratar-se da visão da
sociedade sobre esses mesmos grupos. Antes de ingressar em uma instituição
policial, devido ao convívio social, o cidadão já é dotado de uma carga enorme de
pré-concepções que tem a respeito de quem seria um criminoso e quem não seria.
Dessa maneira, quando o cidadão se torna um policial, trás consigo todos seus
preconceitos e os aplica no trabalho. Oliveira (2005) começa a delimitar quem
seriam então as pessoas “perigosas” de acordo com a visão da sociedade brasileira
e dos policiais cariocas, delimitando no seu trabalho o estudo acerca dos jovens.
Para o autor, a violência policial estaria orientada principalmente contra a juventude,
a favela, o tráfico de drogas e os negros.
Outro ponto comum aos policiais que entrevistei é a visão hedonista que costumam fazer dos jovens de “classe média”. O consumo de drogas (lícitas e ilícitas) seria mais um caminho na busca pelo prazer. Tudo me leva a supor que a visão hedonista associada aos jovens de “classe média” extrapola as fronteiras da classe social, podendo ser pensada para a juventude em geral; mas foi entre os jovens de “classe média” que ela foi mais enfatizada. Esta visão agrega outros aspectos importantes. Não por acaso, muitas falas apontam os jovens desta geração como sem ideais, sem perspectivas, sem horizontes, sem rumo, sem futuro, etc.; ou seja, a
44
atual geração é pensada pelo que perdeu em relação à geração anterior. (Oliveira, 2005, p. 91) Muitos entrevistados consideram a favela como foco de violência e marginalidade, o que nos leva a supor que o estigma atribuído à favela contamina também seus moradores. O estudo de Rinaldi (2003:307) 46 sobre a categoria “favelado”, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ajuda na compreensão dessa questão: “... ser morador de favela é trazer consigo a ‘marca de perigo’, é ter uma identidade social pautada pela idéia de pobreza, miséria, crianças na rua, família desagregada, criminalidade, delinqüência. Tais imagens são realimentadas pelos veículos de informação, que trazem notícias sobre o ‘morro’ sempre do ponto de vista negativo, enfatizando o tráfico de drogas e a violência.” (OLIVEIRA, 2005, p. 76).
Na citação de Rinaldi (2003) acima, a construção da visão sobre a favela atribuída
aos veículos de informação, amplia para além das polícias militares as concepções a
respeito desse local. Como os meios de comunicação perpassam toda sociedade se
torna difícil dissociar a visão que os policiais têm favela da visão que a sociedade
também possui. Assim como foi proposto no momento da análise da do livro
Carnavais, Malandros e Heróis, a sociedade e o policial não se separam, na verdade
se complementam. Por outro lado, ao analisar esse trecho ainda sob o ponto de
vista da pesquisa de Roberto DaMatta, pode-se delimitar a categoria “Favelado”
(quando o foco de observação for a riqueza, a moradia, a família, a criminalidade, a
delinqüência, etc.) como uma categoria dotada de grande “inferioridade” na escala
hierárquica brasileira e isso se estenderia à todos os seu moradores.
Tal visão acerca da favela e seus moradores pode ser analisada também sob o
ponto de vista de Luiz Eduardo Soares que afirma existir um mundo que deseja
separar a parte “boa” da sociedade da parte “ruim”, sendo essa parte ruim definida
pelos limites da favela. Assim, uma vez delimitados aqueles que são os integrantes
da parte “ruim”, todas as ações das pessoas da parte “boa” serão em função dessa
concepção maniqueísta. Portanto, na visão daqueles que estão fora do morro, o
menino da favela será sempre o “ladrão”, a mulher jovem será sempre a “puta” e o
pai será sempre o “desleixado” com os filhos. Todas essas características serão
46 RINALDI, A. A. Marginais, delinqüentes e vitimas: um estudo sobre a representação da categoria favelado no tribunal do júri da cidade do Rio de Janeiro. In: Um século de favela. Zaluar, A & Alvito, M (orgs). 3 ed. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2003
45
atribuídas sem que se tenha nenhum contado com essas pessoas, isso ocorrerá
exclusivamente com base no preconceito que se constrói. Luiz Eduardo Soares, no
livro Cabeça de Porco, diz que essa relação baseada em preconceitos torna
invisíveis os sujeitos passivos deles, pois projeta sobre a pessoa um estigma que a
anula e que, na verdade, reflete apenas a nossa própria intolerância. Qualquer
característica que distinga a pessoa desaparece e é trocada por um modelo
imaginário estereotipado de acordo com a classificação que lhe é imposta
socialmente.
Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e qualidades, suas emoções e medos, suas ambições e desejos. Quem está ali é o ”moleque perigoso” ou a ”guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente. (SOARES et. al., 2005, p. 175)
Para explicar melhor o medo que um estereótipo atrelado ao crime trás e os reflexos
que esse medo pode acarretar, Soares, et. al. (2005) utiliza a história de uma
senhora que se vê sozinha dentro de um elevador com um rapaz jovem e negro.
Durante todo o tempo o autor retrata os reflexos gerados pelo medo da senhora de
sofrer uma violência: O coração disparado, a sudereze, falta de ar, a vontade de que
aquela experiência termine logo, etc. Posteriormente, ao analisar a história, o autor
propõe que esse efeito físico-psicológico decorrente do medo do estereótipo
“imagem de criminoso” oculta da consciência das pessoas a irracionalidade do pré-
julgamento. Isso ocorre porque, apesar da projeção não ser uma realidade, ela trás
sofrimentos que são reais e isso é justamente o que se teme que o alvo do estigma
cause. A expectativa do fato gera o fato em si. O autor diz que esse é um caso típico
daquilo que os cientistas sociais chamam de “profecia que se autocumpre”. Para
exemplificar de forma sintética Soares et. al. (2005, p.183) utiliza o seguinte
exemplo:
Em outra situação, a mera suspeita provocada por preconceitos poderia trazer conseqüências bastante reais para o rapaz, sob a forma de sofrimentos morais, psíquicos e físicos, além de inúmeros prejuízos, dependendo do contexto. No caso do elevador, quem sofreu foi dona Nilza, e a responsabilidade pelo sofrimento foi exclusivamente dela. A falta de ar,
46
a vertigem, o pânico, a taquicardia: tudo isso aconteceu, provocou sofrimento e poderia deixar seqüelas. Dona Nilza custou a superar a insônia. O coração poderia não ter resistido ao susto. Tudo isso é real o bastante para causar sofrimento. Tão real quanto o elevador, dona Nilza, o rapaz e o medo. Atribuir a dor e as seqüelas às fantasias paranóicas da senhora não nega dor e seqüelas. A irrealidade da causa não nega a realidade de seus efeitos. Uma situação análoga explica o argumento: a notícia da morte de um ente querido provoca dor. Se, algum tempo depois, descobrir-se que a informação era falsa, o sofrimento experimentado nem por isso desaparecerá. O sofrimento vivido foi vivido durante o tempo em que a morte anunciada foi real para quem a chorava. Não há como, aposteriori e retrospectivamente, desfazer a vivência da dor. Havendo seqüelas, elas tampouco se dissiparão com a descoberta do engano. O ponto é este: dona Nilza sofreu com a malfadada viagem de elevador, provavelmente tanto quanto sofreria se tivesse sido vítima de um assalto. O evento vivido, a despeito de sua irrealidade, marcará sua memória, seu sono e sua concepção sobre a vida coletiva no Rio de Janeiro. [...] o caso não lhe serviu de antídoto ao preconceito, mas de reforço à imagem de uma cidade violenta. É ilusão nossa crer que a experiência corrige equívocos de percepção, quando estes derivam de preconceitos fundamente enraizados.
Como parte ruim da sociedade, a favela e seus integrantes devem ser eliminados e,
para isso, a violência é um recurso útil como se pode notar no discurso de um
economista transcrito por Soares et. al. (2005, p. 173), no qual as palavras “eles” e
“nós” demonstram claramente a ânsia separatista ou a separação já vivida de fato:
O muro47 materializa uma figura de retórica, uma forma de pensar e um modo de agir. Com a palavra, um economista que prefere manter-se anônimo: ”Enquanto os “favelados” estiverem se matando, não tenho nada com isso. Eles que se fodam. Meu temor é que uma política de segurança cuide das favelas, o que os faria descer para assaltar e matar nossos filhos, no asfalto. ”Entre ”eles” e ”nós”, o muro: medo, estigma, invisibilidade. E a brutalidade policial. (grifo nosso)
Então, da mesma forma que a visão da favela como covil de bandidos não é
exclusiva da polícia, as práticas de violência também não o seriam. Dessa forma, a
sociedade praticaria, com as ferramentas que possui, a violência que é capaz contra
esses moradores, como forma inconsciente de manifestação dos preconceitos que
tem. Diante disso o policial, como um membro da sociedade, seria mais um cidadão
47 O muro é uma imagem que Luiz Eduardo Soares utiliza pra metaforizar a separação vivida ou vontade de separação entre a favela e o resto da cidade. Tal imagem foi retirada e aprimorada a partir de uma proposta de um Governador do Rio de Janeiro de construir um muro em torno da favela “Rocinha”
47
a aumentar os índices de violência contra essa classe ao usá-la contra os seus
moradores.
[...] as favelas são vistas como: “covil de bandidos”, habitat das “classes perigosas” e território predominante de traficantes. Por outro lado, há também a presença do “discurso da ausência”, que a favela é pensada pela falta de saneamento básico, infra-estrutura, segurança, etc; ou seja, ela é freqüentemente representada como um espaço “excluído”. Esse pensamento, na realidade, expressa o tipo de presença do Estado nessas áreas, onde os serviços urbanos e sociais são precários e a violência policial uma prática comum. (OLIVEIRA, 2005, p. 76)
Como conseqüência dessas visões concêntricas em relação à favela e seus
moradores, há, muitas vezes, uma aprovação por parte da sociedade48das práticas
violentas contra essa classe social. Mas, apesar dessa aprovação existir, ela não é
em sim uma aprovação absoluta à violência policial, pois é delimitada apenas
àqueles temidos pela sociedade e a terceiros. Quando em vez de terceiros, as
próprias pessoas são vítimas da violência policial ou quando uma pessoa que não
representa socialmente um perigo é vitimada, a polícia é criticada por suas ações.
Nesses casos, a violência da polícia, que por hora era dita como errada, mas
necessária, passa a ser descabida sob todos os aspectos, pois a vítima nesse caso
não é a vítima que a sociedade desejaria eliminar.
Com essa noção, o policial que se arvorar a ser violento contra quem não é visto
como um perigo ou não amedronte a sociedade não terá essa aprovação. Vale
lembrar mais uma vez que o policial não é um cidadão isolado do resto da sociedade
e que, portanto, tal raciocínio acaba regendo também seu comportamento. Logo,
quando o policial não aprova de forma consciente ou inconsciente a violência que
deseja praticar, ele não a praticará e, por conseqüência, quando uma ação violenta
ocorrer, ela se restringirá aos grupos contra quem isso é socialmente aceito, pois
contra esses grupos há uma legitimidade ofertada ao policial pela sociedade, para
que ele aja daquela forma.
48 Para mais detalhes sobre a aprovação popular da violência policial ver:
MORGADO, M. A.. Aprovação popular da violência policial: um desafio político-pedagógico para o movimento de direitos humanos. In: XXIV Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), 2001, Caxambu, MG. Anais 2001da ANPEd. Caxambu, MG : ANPEd, 2001. p. 01-20.
48
Até agora tratou-se muito do estereótipo do morador de favela, e de sua concepção
social, bem como dos reflexos decorrentes do preconceito. Porém como apontam
dados que serão mostrados a frente, há outros estereótipos que orbitam o do
“favelado”. A cor negra da pele, por exemplo, liga-se a favela e à pobreza, assim
como juventude, quando atrelada à pobreza, relaciona-se à criminalidade. Assim, a
acumulação de estereótipos de favelado, negro e jovem é uma combinação que,
com base no preconceito que carrega, determina uma classe a ser combatida e
eliminada e isso é algo socialmente legitimado.
Essa noção preconceituosa e criminalizante da sociedade em relação à favela, ao
negro e ao jovem, atrelada a uma polícia com a concepção de ser “caçadora de
bandidos” e “combatente do crime”, acaba gerando cenários como o exposto no
artigo de Ramos e Lemgruber (2004). As autoras demonstram que a violência
policial no Rio de Janeiro possui geografia, faixa etária e cor de pele específicas, se
concentrando nas áreas mais pobres da cidade e contra jovens e negros. Pode-se
ver numericamente essa situação quando Ramos e Lemgruber (2004, p. 111) citam
cano (1997) 49, mostrando o seguinte cenário no Rio de Janeiro:
Um estudo minucioso realizado por Cano (1997), tomando os autos de resistência ocorridos nos anos de 1993 a 1996, na cidade do Rio de Janeiro, revelou que as vítimas são majoritariamente jovens do sexo masculino (de 15 a29 anos, com ênfase na faixa de 20 a 24 anos) e que 64% das vítimas são negras, contrastando com a sua menor presença na população carioca (39%). O estudo também mostrou que a ação policial dentro das favelas é mais letal do que em outros locais. Em 523 confrontos armados dos em favelas, a Polícia matou 512 pessoas. Fora das favelas, foram mortas 430 pessoas. Considerando o percentual da população que vive nessas áreas no Rio de Janeiro, este dado representa uma incidência de mortes seis vezes maior no interior das favelas. Além disso, a análise mostrou que quase a metade dos corpos recebeu quatro disparos ou mais e a maioria dos cadáveres apresentava pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, configurando casos evidentes de execuções sumárias entre as “mortes em confronto”.
O trecho comprova o que já vem sendo dito a respeito da violência policial: que ela
se concentra nas classes mais pobres da sociedade, contra indivíduos negros e
jovens. Ressalta-se, como foi mostrado, que essa tendência não é determinada
49 CANO, Ignacio. Letalidade da ação policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iser, 1997.
49
unicamente pela polícia e que a sociedade possui um importante papel na
construção dos preconceitos que regerão a atividade policial e na legitimação da
violência policial quando esta for aplicada contra esses grupos. Da mesma forma,
contribuem para que a polícia se enfoque nos grupos apontados socialmente como
criminosos, o a fato dela manter uma lógica de atuação baseada na eliminação do
“inimigo interno”, que agora deixou de ser o comunista e passou a ser o traficante
que habita as favelas. Da mesma forma, o fato da polícia se ver como uma
instituição responsável por “combater o crime” é fato que faz com que se busque
“destruir o oponente”. Assim, combate-se o criminoso buscando eliminar o “inimigo
interno” identificado como traficante que, por sua vez, é negro, jovem e mora na
favela, e tudo isso com a legitimação da sociedade que compartilha o mesmo
pensamento.
A construção dessa realidade por sua vez acaba trazendo reflexos na visão que os
moradores da favela têm em relação à polícia. A ação policial torna-se então
sinônimo de medo, terror e inquietação nos morros. Tal realidade é então uma
antítese à concepção democrática de que a polícia está a serviço do povo e de que
devem andar em consonância. O que se vê é que entre a polícia e os infratores, os
moradores da favela preferem os últimos, numa clara derrota do Estado no seu
papel de servir ao povo.
[...] é sobre os pobres que a polícia concentra seu poder fortalecido nos últimos vinte anos: comete injustiças nunca pensadas, humilha, mata, tortura e, na rua, ‘vai logo dando sugestão’. A desconfiança que a presença policial desperta entre eles, mesmo quando concordam sobre a necessidade do policiamento ostensivo e sobre os bons propósitos de alguns (poucos) policiais, é notável. A memória de muitos casos adversos e trágicos mantém a imagem negativa do policial. Por isso dizem preferir, entre o policial e o bandido, a este último, que conhecem e com quem podem conversar. ZALUAR (1985, p. 157)
Além de considerar tão enfaticamente a questão das diferenças entre classes como
determinante das atitudes dos policiais, faz-se importante também uma visão acerca
da relação entre juventude e polícia. Após as análises feitas até agora, já é possível
omitir muitas explicações sobre a influência dos preconceitos da sociedade sobre a
atividade policial, bem como não é, nesse momento, necessário trazer mais
explanações sobre os reflexos reais que o preconceito, como uma profecia que se
50
autocumpre, pode trazer. Então, inicia-se a reflexão partindo do pressuposto de que
a juventude é uma característica que compõe, dentro de um rol de outras
características, o estigma que determina, em parte, quem são os “criminosos” na
sociedade brasileira. A juventude, portanto, não poderia ficar sem uma analise
específica para ela. Nesse sentido Oliveira (2005, p. 78-79) ao estudar as
representações de policiais sobre a juventude trás uma importante contribuição:
É possível dizer que nas representações dos policiais sobre a juventude predomina o discurso da “marginalização juvenil”. Para os policiais, os jovens são motivos de intensa preocupação. Até certo ponto, a classe social determina o tipo de tratamento que o jovem receberá e, por vezes, até mesmo o crime que lhe será atribuído.
Para cada grupo social entre os jovens, haverá uma visão estereotipada dos
policiais a respeito desse grupo, que determinará a forma como dar-se-á o
relacionamento entre jovens e polícia. Da mesma forma, isso determinará os desvios
policiais mais propensos a serem cometidos. Sendo a juventude o maior alvo da
atenção policial em face da noção criminalizante que se faz dela, haverá um contato
com polícia mais intenso. Com isso, os diversos sub-grupos de que é composta a
juventude assimilará diferentes concepções sobre a polícia. Essa visão será, na
verdade, o reflexo da forma como a polícia age com cada uma dessas classes.
Em qualquer grupo, todos têm algo a contar sobre a polícia. Os mais ricos contam que foram ‘achacados’ e dizem: ‘tivemos que negociar’. O que, via de regra, termina em ter que ‘molhar a mão do policial’. Os mais pobres, sobretudo, se forem negros, contam que foram humilhados. As jovens mulheres falam que foram paqueradas, seduzidas ou desrespeitadas. Os moradores das favelas, conjuntos habitacionais, periferias e vilas dizem que são sempre vistos como os maiores suspeitos. (OLIVEIRA, 2005, p. 76)
Nesse ponto já é possível identificar os grupos contra os quais se concentra a
violência policial, a corrupção e a arbitrariedade. Como dito anteriormente, a classe
social determinará qual crime será atribuído ao jovem, e junto com essa atribuição a
forma de irregularidade que poderá ser cometida pelo policial. O próprio Oliveira
(2005) diz que “as representações mais comuns associam os jovens das camadas
populares e moradores de favelas ao tráfico de drogas, enquanto os jovens de
“classe média” são vistos como consumidores de drogas.”. Porém como já pode ser
51
deduzido nesse ponto, o trabalho policial concentra-se no tráfico de drogas e não no
uso, pois a figura a ser eliminada, no imaginário policial, é o traficante e não o
usuário, pois é ele o inimigo a ser combatido. Oliveira (2005) também comprovou tal
fato nas suas entrevistas e conclui que o foco da repressão policial concentra-se no
tráfico e não no consumo.
Tal diferenciação de tratamento entre classes pode ser percebida no trabalho policial
realizado nos dois ambientes: bairros ricos e os bairros pobres. Segundo as
entrevistas de policiais existentes no trabalho de Oliveira (2005, p. 82).
A polícia, de fato, trata de maneira diferente os jovens moradores da Zona Sul da cidade. Segundo seus próprios cálculos, ali existem mais chances do jovem ser filho de desembargador, de promotor, de juiz ou de algum coronel. Nestes casos, se o policial usar de violência com um jovem destes injustamente, há grandes possibilidades de ele ser punido.
Como se pode ver nesse trecho, é possível interpretar o comportamento policial
nessas áreas sob a concepção proposta no capítulo 5 que tratou da noção de
DaMatta (1997) sobre as relações sociais no Brasil. Assim como propõe DaMatta
(1997), a característica hierarquizante possuída pelos pais se estende aos filhos, e o
tratamento dispensado aos últimos ocorre na medida dessa transferência de poder.
A hierarquia social também se revela no espaço social. De fato, o “poder de polícia” é aumentado ou diminuído de acordo com o espaço onde o policial atua. O fato de na Zona Sul o poder de polícia ser diminuído faz com que muitos policiais digam preferir trabalhar na Zona Norte, pois lá “são mais respeitados”. Os policiais entrevistados percebem que na Zona Sul os jovens não têm o devido respeito por eles, por vezes, ali eles são tratados com menosprezo. Naquele espaço social os policiais se sentem vulneráveis, dizem que não possuem instrumentos para reprimir certos crimes. Sabem que os jovens, devido à rede de sociabilidade que suas famílias possuem, dificilmente serão condenados por consumo de drogas. Nesses casos, é melhor “fingir que não vêem” o consumo de drogas por terem certeza da impunidade dos usuários. (OLIVEIRA, 2005, p. 82)
Além de perceber a redução do poder na área rica, é importante notar o seu
aumento na área mais pobre. Porém, ao se analisar o discurso do policial abaixo,
nota-se que esse aumento do poder de polícia pode significar na verdade menor
cuidado com relação ao uso da força e ao exercício do poder. Isso pode trazer como
conseqüência uma maior possibilidade de cometimento de arbitrariedades:
52
Os jovens da Zona Sul, os famosos pitboys, esses só fazem arruaça na Zona Sul, vê se você houve falar em pitboy aqui na Zona Norte, na Penha, em Olaria, em Ramos? Aqui é subúrbio meu amigo, aqui o buraco é mais embaixo, se um pitboy desses parar na minha frente na Zona Norte, eu encho ele de bala. Veja só, eu sou baixinho, uso óculos, na mão não tem como fazer, então, eu nem penso duas vezes, encho ele de bala. Mas na Zona Sul não, ele pode ser filho de um desembargador e aí a coisa complica. (2º sargento, 37 anos, 18 B – Jacarepaguá, 18 anos de serviços prestados à ERJ). (OLIVEIRA, 2005, p. 90-91)
Ao observar esse discurso, remetendo-se ao capítulo que trata do uso da força e,
especificamente, da obrigatoriedade do policial de buscar alternativas para reduzir
ao máximo a necessidade de uso da força, percebe-se uma falta de isonomia com
relação a esse procedimento quando o local varia. Para os jovens na zona sul, o
receio de punição levaria o policial a ser comedido e a evitar o uso da força, já na
zona norte não. A regra na zona norte expõe-se como sendo a da utilização da força
como alternativa primária, e não a parlamentação ou a mediação como formas de
reduzir a necessidade de empregar a força.
Essa diferenciação, por sua vez, faz relembrar a concepção da atuação policial
numa democracia como uma maneira de promover a cidadania, o que por certo,
tomando os depoimentos acima, não ocorre na zona sul pela falta flagrante de
isonomia. Por outro lado, essa distinção de cidadania pode ser interpretada como
fruto da organização social brasileira avessa ao individualismo e ao igualitarismo
expresso na lei. Pode-se ver isso nas palavras de Bretas50 (1995, p.22) apud
Oliveira (2005, p. 82):
Estamos tratando na realidade de classificação e hierarquia social, mas existe uma discussão “encoberta” que é a de cidadania. O tratamento dos policiais com os moradores da Zona Sul é diferente, porque eles são socialmente vistos como cidadãos de categoria, enquanto os moradores das favelas e demais regiões da cidade são considerados “cidadãos” da categoria. Nesta perspectiva, DaMatta (2000:77)51 chama a atenção para o fato de que: “No Brasil, por contraste [aos Estados Unidos], a comunidade é necessariamente heterogênea, complementar e hierarquizada. Sua
50 BRETAS, M. L. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 1995.
51 DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para um paradigma do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro. Rocco, 2000
53
unidade básica não está baseada em indivíduos (ou cidadãos), mas em relações e pessoas, famílias, e grupos de parentes e amigos”. Seguramente, os policiais que trabalham na Zona Sul estão totalmente cientes disso.
Esse tratamento diferenciado dado pelos policiais às diversas classes, na verdade,
acaba por revelar uma incoerência em relação ao discurso recorrente encontrado
por Oliveira (2005) entre os policiais do Rio de Janeiro, de que no Brasil a justiça só
funciona para os ricos. O motivo da incoerência está no fato de que o policial não se
vê como parte do sistema de justiça. Como Oliveira (2005) diz, quando o policial
trata o rico de forma legal, evitando cometer abusos ou o uso da força e,
substituindo essa alternativa por outras menos lesivas, ele está na verdade
promovendo a justiça. Por outro lado, quando a atitude contrária é tomada com os
pobres, ele está promovendo a injustiça. Dessa forma, quando usa a falta de
isonomia da justiça como motivo para não prender os jovens da zona sul usuários de
drogas52, o policial explicita a incoerência existente entre um discurso que exige
isonomia do sistema de justiça e um comportamento prático que também diferencia
o tratamento entre ricos e pobres.
Ao aplicar desigualmente a Lei, a polícia evita, por um lado, que os ‘criminosos em potencial’, os marginais, beneficiem-se dos dispositivos constitucionais igualitários. Por outro lado, em certos casos, especialmente quando as pessoas envolvidas pertencem às classes média ou alta, a polícia, ao aplicar a lei e atuar de maneira compatível com os dispositivos constitucionais igualitários, restabelece a fé dos não-marginais nos princípios democráticos igualitários do sistema político brasileiro. De fato, as práticas policiais tornam possível o funcionamento do sistema político, a despeito de suas contradições legais internas. (KANT DE LIMA, 198553 apud OLIVEIRA, 2005, p.94).
Essa conseqüência do trabalho policial que acaba por fortalecer a lei em relação à
determinada classe e a enfraquecê-la em relação à outra parte, como já vem sendo
dito, reflete na verdade a organização social brasileira. Porém essa organização
social não é algo que foi construído apenas durante os regimes autoritários pelos
52 Tal afirmação é feita com base no relato de um policial do Rio de Janeiro retirado do trabalho de Oliveira (2005, p. 94) que cita o caso do ator da Rede Globo Marcelo Antony como exemplo da injustiça e da ineficácia de se prender usuários ricos, pois o ator foi autuado em flagrante como usuário de drogas com uma quantidade de substância com a qual o policial já havia visto muitas pessoas pobres serem presas por tráfico e não uso.
53 KANT DE LIMA, R. A Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Forense 1985.
54
quais o Brasil passou. A origem dessa organização é mais profunda e a forma de
atuação da polícia pode ser compreendida como uma expressão dessa organização
desde a criação das polícias no Brasil. Apesar do regime democrático recém
implantado no país, a origem brasileira não é democrática, e por muito tempo a
monarquia organizou o Estado segundo os desejos de uma elite aristocrática.
A polícia representa o resultado da correlação de forças políticas existente na própria sociedade. No Brasil, a polícia foi criada no século XVIII, para atender a um modelo de sociedade extremamente autocrático, autoritário e dirigido por uma pequena classe dominante. A polícia foi desenvolvida para proteger essa pequena classe dominante, da grande classe de excluídos, sendo que foi nessa perspectiva seu desenvolvimento histórico. Uma polícia para servir de barreira física entre os ditos “bons” e “maus” da sociedade. Uma polícia que precisava somente de vigor físico e da coragem inconseqüente; uma polícia que atuava com grande influência de estigmas e de preconceitos. (BENGOCHEA, 2004, p. 121)
Os estigmas e preconceitos citados por Bengochea (2004) acima possuem na
verdade uma classificação clara e, como é característica desses fenômenos sociais,
acabarão determinando as práticas em relação às pessoas vitimadas por eles.
Como resultado direto desses preconceitos e estigmas, acabará surgindo, como se
viu, uma diferenciação entre cidadãos aos quais se aplica a lei e outros com quem
se age arbitrariamente. Como demonstra Bretas (1995, p.22) apud Oliveira (2005, p.
82) esses preconceitos acabarão estigmatizando as pessoas com base na cor,
idade, nível socioeconômico entre outros.
O policial tem como expectativa, sempre, o comportamento legal, que aprendeu a valorizar, embora reserve para si um repertório de opções fora da legalidade, das quais lança mão de acordo com sua visão dos “fatos”. Numa forma simplificada, podemos dizer que o leque de opções abrange da decisão de não intervir, não ver o que se passa, até o emprego da violência. A seleção do procedimento se faz através de um conhecimento – não ensinado nas escolas – que, em última instância, qualifica a organizacional cidadania dos envolvidos, através de valores atribuídos a cor, idade, sexo, nível socioeconômico, etc.
Essa diferenciação pode ser claramente percebida no trabalho de Ramos e
Musumeci (2005) sobre as abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro. Além
de perceber a mesma dualidade de tratamento contra jovens da zona sul e da zona
norte da cidade do Rio de Janeiro, com a violência policial se concentrando na zona
norte, a autora procurou também por diferenças nas abordagens por meio de
55
parâmetros como idade, renda, cor, sexo, situação em que ocorreu a abordagem,
entre outras variáveis.
Com relação à cor dos abordados, a pesquisa de Ramos e Musumeci (2005) indicou
que a polícia não só faz buscas pessoais com maior freqüência em negros e pardos,
como também trata esses grupos de forma mais rude nas abordagens. Dos
autodeclarados pretos que foram abordados pela polícia, 55% sofreram busca
pessoal, índice que para os autodeclarados brancos foi de 32,6%. Da mesma forma,
a experiência de ter sofrido ameaça ou intimidação na última abordagem policial foi
relatada por 6,2% dos brancos, valor que, para os negros, mais do que dobra,
alcançando 13,4%.
Ramos e Musumeci (2005) apontam ainda que entre os jovens também é maior a
incidência de agressão física ou psicológica. Vinte e oito por cento dos jovens entre
20 e 24 anos afirmaram ter sofrido agressão física. Essa mesma experiência foi
relatada para a faixa etária entre 15 e 19 anos por 12,1% das pessoas abordadas,
contra uma média global, para todas idades, de 12%. Apesar da violência física
possuir alta pouco expressiva em relação à média global, que é de 12,1%, para a
faixa etária entre 15 e 19 anos, quando se muda para a agressão psicológica o
índice muda consideravelmente. Nesse caso, enquanto a média global de agressão
psicológica é de 3,7%, na faixa etária entre 15 e 19 anos a taxa é de 16, 9%. Isso
significa uma diferença percentual acima da média de 356%.
Com relação à renda mensal, é um dado significativo o de que a busca pessoal se
concentrou nas faixas salariais de até 5 salários mínimos, havendo, até esse limite,
uma grande semelhança nas taxas de pessoas que sofreram busca pessoal.
Quando o nível de renda se eleva para além de 5 salários mínimos essa ocorrência
se retraí de um patamar de 40% a 44%, para um índice de 16,6%, ou seja,
percentualmente, houve uma queda de 150% no índice de buscas pessoais para
faixas salariais superiores a 5 salários mínimos.
Apesar da busca pessoal não ser uma atitude violenta e tampouco arbitrária ou
ilegal, é precípua dela a existência de suspeita fundada sobre a pessoa que a
sofrerá. A redução do número de buscas retrata, por sua vez, uma redução da
56
suspeita, o que indica claramente a demarcação de uma zona salarial que os
policiais interpretariam como potencialmente criminosa. Por outro lado, como as
próprias autoras Ramos e Musumeci (2005) relatam, as revistas corporais variam
segundo idade, sexo, cor, renda, etc. e “Ao que tudo indica, a polícia não só suspeita
menos de pessoas brancas, mais velhas e de classe média que transitam pelas ruas
da cidade, como tem maior ‘pudor’ em revistá-las – um procedimento muito
fortemente associado à suspeição, e via de regra, considerado humilhante”
Apesar das diferenças de incidência da busca pessoal não parecerem um dado tão
relevante para um trabalho sobre violência policial, é importante relembrar o
preconceito como uma prática social mais do que como uma simples mentalidade
social. Na verdade, pensamento e prática estão intimamente ligados. Basta notar o
seguinte encadeamento de idéias: suponha uma situação em que existam 10
brancos e 10 negros numa sala e que, em cada um desses grupos, haja 5 infratores
armados. Se há o preconceito contra os negros eles serão mais abordados. Então
tome-se que, dos negros, 6 foram abordados e que, entre os brancos, isso tenha
ocorrido com 4 pessoas. Considerando que, no exemplo, metade das pessoas
disponíveis para a abordagem eram infratores, toma-se essa mesma taxa para os
abordados. Então, das abordagens resultará que, no grupo de negros, se encontrará
um total de 3 infratores e no grupo dos brancos 2 infratores. Com as abordagens, os
negros passaram de potencialmente mais suspeitos ou criminosos a factualmente
mais criminosos que os brancos e, portanto, a partir disso, se reafirmará a
necessidade de diferenciar o número de abordagens entre brancos e negros. Apesar
de parecer teórico, esse raciocínio seria capaz de explicar os dados expostos por
Dantas e Heringer (1990, p. 2):
Se analisamos a população carcerária do país, verificamos que os negros encontram-se numa proporção maior do que a sua representação na população, enquanto ocorre o inverso em relação aos brancos. Em São Paulo, por exemplo, a taxa de encarceramento é de 76,8 por 100 mil habitantes para os brancos e de 140 por 100 mil para pardos, elevando-se para 421 por 100 mil para negros. Ou seja: a probabilidade de um negro estar na prisão é portanto 5,4 vezes maior do que a de um branco e 3 vezes maior do que a de um pardo.
Ao analisar os estudos de Sérgio Adorno na USP, Dantas e Henringuer (1990, p. 1)
citam ainda que:
[...] brancos e negros cometem crimes violentos em iguais proporções, mas os réus negros tendem a ser mais perseguidos pela vigilância policial,
57
enfrentam maiores obstáculos de acesso à Justiça criminal e revelam maiores dificuldades de usufruir do direito de ampla defesa assegurado pelas normas constitucionais’. E conclui: os negros tendem a receber um tratamento penal mais rigoroso, com maior probabilidade de serem punidos do que os brancos.
Eis nos trechos anteriores a confirmação da ligação entre o pensamento e a prática,
da suspeita policial, à diferença de taxas entre brancos e negros nas penitenciárias.
Dantas e Heringuer (1990) citam ainda que “São vários os estudos que apontam que
os jovens, negros e pobres são desproporcionalmente mais identificados como fonte
de ameaça e insegurança para a população do que os jovens brancos pobres.”.
Porém, não é uma situação tranqüila ser identificado como criminoso ao se levar em
consideração os dados da pesquisa de Ramos e Musumeci (2005) que mostram que
17,3% da população entrevistada concordam com o uso da violência policial como
forma de combater a criminalidade. De forma mais contundente, a pesquisa apontou
que 82,1% concorda que direitos humanos favorecem os “bandidos”, dado do qual
presume-se que não são os direitos humanos algo desejável de ser concedido a
“bandidos”. Essas opiniões acabam se refletindo nas práticas policiais e podem ser
percebidas no trecho abaixo:
Essa maior desconfiança em relação aos negros como agentes de violência ganhou melhores contornos através de pesquisas realizadas pelo Datafolha e pelo Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção ao Delito e Tratamento do Delinqüente). Ambos os trabalhos buscaram investigar a imagem da polícia entre os moradores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Um dos resultados atesta que as críticas dos brancos em relação à polícia concentraram-se em aspectos como ineficiência e corrupção, enquanto os negros criticaram com mais freqüência a atuação violenta da polícia: 20% dos negros afirmaram sentir medo da polícia, em contraste com 11% dos brancos. Além disso, entre os negros foi maior o número de entrevistados que revelaram ter mais medo da polícia do que dos bandidos. E quase metade dos negros (47%) entrevistados disseram ter sido abordados pela polícia pelo menos uma vez, em comparação com 34% dos brancos. (DANTAS e HERINGUER, 1990, p.2).
Nesse momento é importante perceber que a ação policial possui maneiras
específicas de manifestação. Os dados até agora apresentados demonstram que há
uma tendência teórica de que a força policial seja utilizada de forma menos
cuidadosa quando o sujeito passivo dela for de classe mais baixa, de cor negra,
jovem, do sexo masculino, sendo todos esses fatores potencializados quando
supõe-se tratar de um morador de favela.
58
7 A ESTEREOTIPIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
Como é a proposição fundamental desse trabalho a de que a violência policial se
concentraria e se dissiparia em função dos estereótipos que os policias atribuem às
categorias com que lidam, ele não pode se furtar de uma análise mais detalhada e
teórica sobre o que seriam estereótipos. Até agora, tratou-se de tal assunto de forma
difusa, sem posicionar-se muito bem sobre o que eles seriam conceitualmente,
porém, é necessário adiantar que isto não é tarefa fácil e as definições variarão de
acordo com o foco que se se dará à pesquisa dos estereótipos.
Dessa forma, identificam-se duas divisões no estudo dos estereótipos, uma associa-
os a aspectos cognitivos e outra a aspectos sociais. Enquanto a primeira tem um
enfoque restrito à pessoa e busca entender como eles operam no imaginário do
indivíduo que os percebe, a segunda insere o estudo no meio social atribuindo aos
estereótipos, além da dimensão individual, dimensões afetivas, valorativas, culturais,
históricas entre outras.
Com relação à abordagem cognitivista merecem destaque as teorias que relacionam
os estereótipos com informações sociais. Sob a perspectiva cognitivista os
estereótipos seriam uma maneira de simplificar a informação social que se
apresenta à pessoa e Lima (1997, p. 4) ao citar Rosch (1977) 54 diz que:
Do ponto de vista das teorias do processamento de informação, a estereotipia pode ser compreendida como uma das conseqüências do princípio da economia cognitiva (Rosch, 1977), o qual postula que as representações do conhecimento no sujeito se organizam de tal forma que permitem que uma grande quantidade de informação possa ser acedida com o mínimo de esforço cognitivo.
Nessa concepção os estereótipos seriam formas de organizar e interpretar a
informação social de forma rápida ao reduzir a realidade através de inferências
sobre o objeto alvo da observação.
54 ROSCH, E. Human Categorization. In: N. Wanen (Ed.). Studies in Cross-Cultural Psychology. Vol.1 London: Academic Press, 1977
59
[...] o processo de estereotipização se oferece como convidativo ao percipiente social em parte porque os estereótipos simplificam o tratamento da informação social (...) Processar a informação social sem a ajuda de categorias resultaria numa sobrecarga de informação e, consequentemente, numa incapacidade de lidarmos eficazmente e eficientemente no nosso mundo social. (BERNARDES, 2003, p. 308)
Essa abordagem cognitivista leva a outros conceitos, tais como o de prototipia e o
de guião. A prototipia diz respeito ao processo de categorização das pessoas dentro
de grupos com base em características comuns que os membros dos grupos teriam
entre si. Prototipia é, portanto, um conceito estrito que delimita os estereótipos com
base em características que construiriam protótipos. Nas palavras de Codol55 (1989,
p. 477 apud Lima, 1997, p. 2), prototipia é uma “operação que consiste em atribuir a
objetos de uma categoria todos os traços que se supõe caracterizar o conjunto de
objectos dessa categoria”. Já o conceito de guião, também chamado de script
cognitivo está relacionado às expectativas de ações que se tem de determinado
objeto. Trata-se uma representação mental de uma seqüência de acontecimentos
esperados. Assim, tanto em relação aos guiões quanto em relação aos protótipos,
as explicações indicadas por esses conceitos podem ser claramente relacionadas
aos estereótipos, assim como propõe a abordagem cognitiva.
Em outro ponto cognitivista da abordagem dos estereótipos, estão estudos que
interpretam a capacidade de memorização em relação as percepções estereotípicas.
Tais estudos se justificam pelo fato de que, uma vez identificado o protótipo
relacionado a determinado objeto, para que a informação sobre esse protótipo seja
trazida ao indivíduo que observa, é necessário que ela esteja armazenada na
memória. Assim, quando se busca avaliar a capacidade de recordação de
informações relativas aos estereótipos, as pessoas tendem a recordar melhor das
informações incongruentes com a expectativa que se tem em relação a determinado
estereótipo do que as informações congruentes quando o lapso de tempo entre a
observação e a lembrança é curto. Para Sherman e Hamilton (1994 apud Lima,
1997, p. 9) 56 “os estereótipos podem, por essa mesma razão, tornar-se úteis, pois
55 CODOL, J. Vingt Ans de Cognition Sociale. Bulletin de Psychologie, XLII, 90, 1989, 472-491.
56 HAMILTON, D. & SHERMAN, J. (1994). Stereotypes. In: R. Wyer & T. Srull (Eds.). Handbook of Social Cognition.Vol.2. Hillsdale, NJ: Erlbaum.
60
eles permitem que se preste uma atenção particular a informações incongruentes
com o estereótipo, levando o sujeito a concluir que algo não está correcto na sua
forma de pensar o mundo.”.
Abre-se um parêntese, nesse ponto, para analisar a suspeição no âmbito da
atividade policial que muitas vezes é definida como a estranheza que se atribui a
determinada situação pela incongruência em face da expectativa que se teria do que
é “natural”. Por isso, uma pessoa identificada como pertencente á uma classe baixa
em um local típico de classes altas seria uma incongruência em face das
expectativas em relação a aquele local, da mesma forma que a situação inversa
também seria. Assim a suspeição seria decorrente da atenção elevada que uma
incongruência em relação à expectativas gera.
Retornando à análise da memorização de informações sobre estereótipos, é
importante notar que apesar da facilidade de lembrar fatos incongruentes em lapsos
curtos de tempo, quando há um lapso grande de tempo, a informação incongruente
é frequentemente esquecida ou distorcida e “o esquema substitui lapsos de memória
por “bons palpites” como se fossem estímulos originais (...)” segundo Renn e
Calvert57 (1993 apud Lima, 1997, p. 9). Da mesma maneira, as distorções das
percepções são tão maiores quanto maior o grau de estereotipia atribuído ao
indivíduo observado. Essa característica dos estereótipos é importante para retratar
a grande inflexibilidade que eles costumam trazer consigo. Assim, qualquer tentativa
do alvo do estereótipo de desconstruir o estereótipo é facilmente anulada, a longo
prazo, pela incongruência que se atribui a essas ações e pela decorrente
incapacidade de lembrar delas. Da mesma forma, em face da ausência de
lembranças dos fatos incongruentes, há ainda uma superposição dos “buracos” na
memória com os fatos que o observador “deseja”, de modo que se restabeleça a
expectativa em relação ao estereótipo. Nesse sentido, Renn e Calvert (1993 apud
Lima, 1997, p. 10) dizem que “o que uma pessoa leva para observar uma situação,
pode ser mais importante do que aquilo que ela realmente vê”.
57 RENN, J. & CALVERT, S. The Relation Between Gender Schemas and Adult’s Recall of Stereotyped and Counterstereotyped Television Information. Sex Roles, 28, 7/8, 1993, 449-459.
61
Retomando novamente á analise da atuação policial, nota-se, pelo exposto acima,
que, uma vez dirigidas com base em estereótipos, as práticas policiais tendem a se
perpetuar de forma cíclica. Mesmo que o policial aborde inúmeras vezes
determinado estereótipo a quem se atribui a imagem de criminoso e, nessa
abordagem, não se confirme a expectativa, não ocorrerá, por isso, a desconstrução
do estereótipo de ligação com o crime, pois o sistema de manutenção exposto acima
irá operar para a manutenção da identidade do estereótipo. O mesmo processo
pode ser proposto para aqueles estereótipos não ligados ao crime: Mesmo que se
quebre a expectativa e se identifique o portador do estereótipo como criminoso em
um dado momento, isso não se tornará uma generalização que desconstruirá a
imagem de “não-criminoso” e é essa última imagem a que permanecerá a despeito
das evidências. Assim, há uma grande tendência de inflexibilidade na percepção dos
estereótipos como diz Baptista (2004, p. 109):
O que se pretende aqui sublinhar é que, quer se trate de categorizações apenas exageradas e simplificadoras da realidade, quer elas sejam erróneas e completamente falsas, os estereótipos adquirem um enorme grau de estabilidade no tempo e um alto nível de convencionalidade social, que os torna dificilmente alteráveis, mesmo quando os actores sociais que os detêm dispõem de ulteriores informações que invalidam o seu conteúdo.
Até esse momento, tratou-se da concepção cognitivista dos estereótipos, porém,
essa abordagem é vista como incompleta por não delimita-los em um âmbito social,
observando-os apenas do ponto de vista do indivíduo. No Entanto, tal abordagem,
como propõe England58 (1992 apud Lima, 1997, p. 12), “é aceite como um
complemento valioso às orientações psicodinâmicas e socioculturais da estereotipia
(...)”.
Em sua circunscrição social, os estereótipos são relacionados com fatores afetivos,
culturais, valorativos, emocionais, históricos entre outros. Nesse aspecto, amplia-se
o leque de observação aos fatores sociais, passando-se muitas vezes á denominar
os estereótipos como estereótipos sociais. Se no cognitivismo o foco está no
indivíduo, no âmbito psicossocial o foco está nos grupos.
58 ENGLAND, E.. College Student Gender Stereotypes: Expectations About the Behavior of Male Subcategory Members. Sex Roles, 1992.
62
Do ponto de vista da organização do real o estereótipo social é uma forma de categorização da realidade que possui uma forte coloração avaliativa e afectiva, frequentemente negativa, mas que também pode surgir com conteúdo positivo. (BAPTISTA, 2004, p. 112)
Lima (1997) colabora para a definição de estereótipos num âmbito social dizendo
que “do ponto de vista psicossocial, um estereótipo é uma crença generalizada, que
combina cognição e afetividade (constituindo portanto uma atitude) e que caracteriza
de forma invariante um objecto estímulo (lerner e hultsch, 1983) 59”. Lima (1997)
aponta para a propensão dos estereótipos de serem mais frequentemente negativos
do que positivos e relaciona isso com um processo de dominação entre grupos.
Assim os estereótipos negativos cumpririam a função de diminuir o outro grupo em
relação ao meu, pois se fossem positivos estariam contribuindo para reforçar o
contrário, a superioridade do terceiro. Outro ponto relacionado a isso é levantado por
Fein e Spencer60 (1997 apud Bernardes, 2003, p. 320) dizendo que o uso dos
estereótipos também pode levar ao aumento da auto-estima do sujeito.
Outra característica que se atribui aos estereótipos é a fato deles se
autoconfirmarem, ou seja, as pessoas tendem a se tornar aquilo que os outros
imaginam dela, Luiz Eduardo Soares diz que os estereótipos são profecias que se
autocumprem. Se todos acreditam que uma pessoa é burra, ninguém oferecerá bons
empregos a ela, a pessoa apenas terá oportunidades nos empregos que se julga
serem adequados para pessoas burras e a pessoa diante da percepção de que não
adianta estudar, pois sempre será tratada em termos do que imaginam dela, não
estudará. Afinal, mesmo que o faça, continuarão a lhe oferecer empregos típicos de
pessoas burras. Assim a pessoa não estudará e não se preocupará em se
desenvolver intelectualmente e acabará se tornando mais burra do que as outras de
fato.
59 LERNER, R. & HULTSCH, D. Human Develoent: a Life-Span Perspective. New York: Mc Graw Hill, 1983
60 FEIN, S., & SPENCER, S. J. Prejudice as self-image maintenance: Affirming the self through derogating others. Journal of Personality and Social Psychology, v. 73, 1997, 31-44.
63
Para o crime cabe a mesma análise. Se todos acreditam que a pessoa é criminosa e
perigosa, o tratamento para ela será em função dessa crença. Ninguém lhe
oferecerá emprego, pois haverá medo do empregador de ser vitimado pelo infrator
ou de que ele atraia outros como ele para o local de trabalho. Diante das
dificuldades, a pessoa poderá buscar não engendrar-se pelo mundo do crime, mas,
mesmo que não o faça, continuará a ser tratada como bandido, até o ponto em que
ela perceba que não adianta querer se mostrar honesta e que o crime seria uma
solução para os seus problemas. A essa altura, o conceito moral que a sociedade
fará dela, quando se tornar criminosa, com certeza não será um impedimento para
que prossiga no seu intento, pois esse conceito positivo ela já não o tem. Então a
pessoa se torna criminosa e a profecia se autocumpre.
Ocorrem profecias auto-confirmatórias, sendo que os indivíduos tendem a responder a alvos estereotípicos colocando constrangimentos aos seus comportamentos pelo que estes alvos tenderão a comportar-se de modo consistente com o estereótipo (...) os estereótipos podem ter implicações nefastas, sobretudo para quem é vítima da sua utilização. Basta reportarmo-nos às situações em que, por exemplo, um desconhecido é considerado perigoso, simplesmente por pertencer a um determinado grupo social (BERNARDES, 2003, p. 308).
Na abordagem social, que está sendo analisada agora, o conflito intergrupal tem
destaque como faceta afetiva da produção de estereótipos. Há, em situações de
conflito entre grupos, uma tendência à criação de imagens positivas dos membros
do grupo a que se pertence e negativas em relação ao grupo com o qual se
compete.
As experiências já clássicas de Sherif (1976) 61 demonstraram que imagens estereotipadas reforçam e têm origem nos comportamentos hostis entre grupos, produzindo juízos e avaliações que favorecem o grupo de pertença em detrimento de outro grupo. Tais conflitos resultam não das características dos seus membros ou da organização interna dos grupos, mas da necessidade de criar uma identidade social (por referência ao grupo de pertença) e correlativamente a diferenciação intergrupos. Tal processo começa por ser de categorização e diferenciação social e leva ao engendrar de representações sociais dos «outros» frequentemente estereotipadas, sobretudo se os grupos se encontram em situações de
61 Sherif, C.. Orientation in Social Psychology. New York: Harper & Row Publishers, 1976
64
competição. (Park, Daewoo, 1997, Yim, Phyllis Ching-Yin e Bond, Michael Harris, 2002)62 (BAPTISTA, 2004, p. 113)63
Nesse ponto, cabe abrir espaço para correlacionar o que foi exposto até agora sobre
estereotipia com o que é dito por Soares et. al. (2005) sobre a favela. Como
depreeende-se acima, a estereotipia é reforçada pelo conflito e determina
qualidades positivas quanto ao grupo a que se pertence e negativas quanto aos
integrantes do grupo estranho. Dessa forma, isso pode ser aplicado à concepção de
Soares et. al. (2005) sobre a relação entre a favela e o resto da sociedade. Assim, a
favela, enquanto grupo dominado e dissonante da cultura geral, tende a ser
estereotipada em termos negativos e a sociedade distinta da favela em termos
positivos.
Continuando essa comparação, Lima(1997) chama a atenção para o “objeto
estímulo” como condição para o desencadeamento dos conceitos relativos ao
estereótipo. Nesse quesito, o estímulo visual para a identificação passa a ter
destaque. A caracterização de uma pessoa como sendo favelada, passa
inequivocamente pela sua identificação como tal. Quando a percepção do
estereótipo de “favelado” ocorre de forma visual, não há qualquer possibilidade da
pessoa se mostrar como indivíduo antes de ser caracterizada com todas as
“características dos favelados” que, como se viu, serão negativas.
Pode-se ver o efeito que essa identificação visual do estereótipo pode trazer à
percepção do observador no caso relatado anteriormente do elevador entre dona
Nilza e um jovem negro na pág. 45. Como foi dito anteriormente, “o que uma pessoa
leva para observar uma situação, pode ser mais importante do que aquilo que ela
realmente vê”. Por fim, é necessário notar que essa identificação visual, seguida
dessa categorização das pessoas, dispara de forma extremamente rápida todo o
processo de domínio e hierarquização proposto por DaMatta (1997), colocando
62 PARK, DAEWOO, Androgynous Leadership Style: an Integration Rather Than a Polarization, Leadership & Organization Develoent Journal,v. 18, nº 3, 1997, 166-177. Yim, Phyllis Ching-Yin e Bond, Michael Harris. Gender Stereotyping of Manage and the Self-Concept of Business Students across their Undergradua Education. Woman in Management Review, 17, nº 8, 2002, p. 364-372 63 Baptista (2004) cita as representações sociais nesse trecho. Haverá um capítulo á parte apenas para tratar das represetanções sociais enquanto fenômeno social.
65
imediatamente o “favelado”, como inferior em relação ao “não-favelado” e com isso
asseverando o domínio de um grupo sobre outro.
Retomando o estudo dos estereótipos, pode-se, nesse ponto, em relação á
contextualização acima, citar uma das funções propostas por Doise (1983, apud
Baptista, 2004) 64 para as imagens criadas entre os grupos diante de conflitos, qual
seja, a “função antecipatória que orienta o desenvolvimento das relações entre os
grupos é que permite ‘prever’ o comportamento do(s) grupo(s) e assim orientar a sua
própria acção.”. Esta é a última função proposta que Doise (1983 apud Baptista,
2004, p.113) apresenta em seu trabalho, há, porém, outras duas funções que
acompanhariam a evolução do conflito entre os grupos.
Assim, a evolução do conflito entre os grupos é acompanhada por uma evolução nas imagens que cada grupo desenvolve de si próprio e do outro. De acordo com Doise (1983) tais imagens desempenham três tipos de funções cognitivas: 1 - Função selectiva que consiste numa percepção diferenciada dos elementos caracterizadores do outro grupo, avaliando esses elementos de forma negativa e dentre esses seleccionando aqueles que são relevantes no contexto da relação intergrupal; 2 - Função justificativa, revelando os conteúdos das representações, imagens estereotipadas que legitimam os comportamentos de hostilidade e discriminação social; 3 - Função antecipatória que orienta o desenvolvimento das relações entre os grupos e que permite ‘prever’ o comportamento do(s) grupo(s) e assim orientar a sua própria acção.
O trecho acima expõe um processo de interação entre grupos com base em
imagens projetadas sobre os membros de tais grupos e essas projeções cumpririam
as funções acima. Em um primeiro momento, elas servem para identificar o grupo,
em segundo para definir as características dele e por útimo para antecipar o
comportamento do outro e adotar medidas de defesa em função dessa previsão.
Porém, a percepção oriunda dessas imagens não correspondem à realidade.
Geralmente, a regra que se estabelece para o grupo não se confirma.
64 DOISE, W. Articulação Psicossociológica e Relações Entre Grupos. Lisboa: Morais Editores, 1983.
66
[...] os estereótipos se formam frequentemente a partir de uma mistura distorcida de impressões inadequadas sobre os outros, percepções incompletas ou defeituosas, grandes generalizações que ignoram diferenças internas (BAPTISTA, 2004, p. 108)
Cabem nesse ponto algumas considerações importantes para este trabalho. Se as
pessoas se comportam com os estereótipos em função do que imaginam deles, qual
será esse comportamento quando o que se imagina é a violência? E quando for a
educação a expectativa? Se a imaginação trouxer possibilidade de violência, a
resposta preventiva será proporcional a isso e, portanto, violenta. Se o que o
esperado for educação, a resposta preventiva não será a violência, sob pena de não
ser legítima, pois de forma consensual não se responde educação com violência.
Transportando essa análise para a conclusão a que se chegou no capítulo que
tratou da concepção que DaMatta (1997) faz a respeito da sociedade brasileira no
livro Carnavais Malandros e Heróis, pode-se chegar a algumas outras deduções.
Naquele ponto, conclui-se que diante de uma contestação da ordem policial, para os
inferiores, o policial tenderia a ser mais violento e, para os superiores, tenderia a ser
mais cauteloso. Havia então um fato objetivo, porém quando se trata de um
estereótipo não há algo de concreto que determine a ação do observador, há
apenas a dedução da futura ação do estereotipado, e a defesa prévia com base no
que se previu. Assim, para aqueles cuja previsão for a violência a resposta será
também a violência, e para aqueles cuja previsão não for a violência a resposta não
será a violência. Ao se intercambiar os dois conceitos, vê-se que mesmo quando a
expectativa em relação ao “superior”, enquanto estereotipado, for de violência,
haverá um maior regramento moral na conduta do policial, pois o abordado é um
“superior” e, tanto prever um ato violento dele, quando agir em função dessa
previsão com violência, seria uma quebra da hierarquia. Tal processo, no entanto,
opera de forma inversa para aqueles “inferiores”, pois esperar deles a violência
corresponde a uma expectativa de quebra da hierarquia e, portanto, a defesa prévia
violenta é uma resposta que recoloca preventivamente as peças do sistema
hierárquico em seu devido lugar de forma legítima. Essa legitimação deriva tanto da
estereotipização do “inferior” como violento, quanto da afronta aos devidos
posicionamentos sociais que a conduta violenta representaria quando acontecesse
(supostamente).
67
Para encerrar essa análise a citação de Lima (2007, p. 15) parece bastante
adequada em face do que foi exposto até agora. A autora afirma que mais do que
profecias que se autoconfirmam,
[...] os estereótipos constituem frequentemente a base dos preconceitos, apresentando um forte enraizamento histórico e cultural: contêm um aspecto cognitivo de pré-juízo e encontram-se profundamente arreigados à forma como, tradicionalmente, os grupos sociais se relacionam entre si - forma essa que consideram legítima, pois percepcionam-se de um modo determinado, que, muitas vezes se encontra consolidado historicamente.
Tendo concluído os estudos acerca da estereotipia, torna-se possível estudá-la sob
a ótica das representações sociais será feito no próximo capítulo.
68
8 ESTEREOTIPIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Ao conceber os estereótipos como uma construção social além de uma de uma
construção cognitiva, pode-se inscrevê-los no âmbito das representações sociais
para tentar explicá-los. Arruda (2002, p. 138) ao citar Jodelet (2002, p.22) 65 diz que
"as representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado
e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social". Nesse campo de análise, os estereótipos
são apenas um tipo de representação social dentro de um universo muito maior de
outras representações que atingem aspectos da vida social muito mais amplos do
que as relações intergrupais, assim como afirma Baptista (2004, p. 107) dizendo que
“os estereótipos sociais podem ser vistos como formas de representação social, mas
nem todas as representações sociais são estereótipos.”
Para as representações sociais, não só as relações entre os grupos ou entre
pessoas são explicadas como resultado da inscrição social dos homens. Para essa
teoria, qualquer objeto pode ser dotado de uma representação construída
socialmente. Os objetos então passariam por um processo de construção social de
seus significados. O sujeito social então absorveria os significados oriundos desse
processo e inseriria esse conjunto de informações no seu universo cognitivo.
Pode-se explicar isso ao se tomar, por exemplo, a vaca como um objeto social. Para
a maior parte da população mundial as vacas são uma mera fonte de alimento ou
renda através do leite, da carne ou da cria que produzem. Porém esse mesmo
objeto inscrito em uma sociedade hinduísta ganha status sagrado. O objeto é o
mesmo, porém a sociedade através de um processo de construção de significados
para esse objeto, dá a ele significados diferentes e consequentemente age de forma
diferente em relação a ele. Da mesma forma, podemos fazer essa análise para a
raça negra. De forma óbvia são concepções completamente diferentes às atribuídos
aos negros se tomarmos países como o Brasil com um passado escravocrata, a
65 JODELET, D. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: JODLET, D. (Org.). As Representações Sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002, p.17-44.
69
Nigéria cuja população é essencialmente negra e a Alemanha com seu passado
nazista. Da mesma forma, há um só objeto em questão, o cor negra da pele, porém
os valores e crenças das sociedades que o avaliam são completamente diferentes o
que faz com que as pessoas atribuam significados diferentes á um mesmo objeto e
consequentemente que ajam de forma diferente em relação a ele.
[...] as representações sociais não são a mera reprodução mental da realidade exterior ao sujeito (cognição social), mas elas passam a impregnar a realidade adquirindo foros de consistência ontológica, orientando as cognições e comportamentos dos indivíduos (...) as representações são sociais, não pela sua extensão, mas porque emergem num dado contexto social; porque são elaboradas a partir de quadros de apreensão que fornecem os valores, as ideologias e os sistemas de categorização social partilhados pelos diferentes grupos sociais; porque se constituem e circulam através da comunicação social; e porque reflectem as relações sociais ao mesmo tempo que contribuem para a sua produção» (BAPATISTA. 2007, p. 106).
Ao se tomar como verdade a proposição de que as representações sociais refletem
os valores, as crenças, os mitos, as relações de poder, as categorizações sociais
enquanto sistemas avaliativos construídos em sociedade e também que os
estereótipos seriam, uma forma de representação social, então é possível interpretar
as concepções de DaMatta (1997) e Soares et. al. (2005) em função acerca da
sociedade brasileira em função dos estereótipos que ela produz. Afinal os
estereótipos, enquanto representações sociais, são oriundos da sociedade brasileira
e, portanto, a análise feita por esses dois autores poderia explicar a formação de
certos estereótipos na sociedade brasileira.
Relembrando a concepção de Soares et. al. (2005), tem-se que para o autor a
sociedade brasileira divide-se naqueles vistos como “bons” e como “maus”, sendo o
limite divisório entre esses dois lados os limites da favela, onde ficariam os “maus”.
Com essa noção, relembrando, que os estereótipos, enquanto representações
sociais, refletem também as crenças da sociedade, pode-se dizer que os
estereótipos relacionados à favela carregarão essa mesma carga valorativa que dá à
favela a atribuição de que é o lado “mau” da sociedade. A construção dos
estereótipos ligados à favela surgiria como uma maneira de reafirmar a condição
separatista da sociedade brasileira em relação a esse local e aos seus moradores,
70
demarcando, além de um território geográfico, um território estereotípico cujos
limites dividiriam o “bem” e o “mau”.
A mesma análise feita para a concepção de DaMatta (1997) de que a sociedade
brasileira possui um caráter altamente hierarquizante, leva à conclusão de que os
estereótipos funcionarão como uma ferramenta de identificação dessa hierarquia.
Como muitas características que são usadas pelos brasileiros para hierarquizar não
são plenamente visíveis, como por exemplo, o poder que determinada pessoa tem,
os estereótipos e as representações relacionadas a determinados objetos servirão
como meio de identificar logo uma possível relação hierárquica. Assim, no exemplo
citado a frente na pág. 75 no qual um pedreiro que está de terno e que pode ser
confundido com um advogado, o terno seria um objeto cuja representação social
ajudaria a compor o estereótipo de advogado. Assim para que seja possível
hierarquizar de forma rápida é necessário identificar também de forma rápida quem
são os “inferiores” e os “superiores” e para isso os estereótipos são bastante
funcionais.
Retornando à analise das representações sociais, pode-se notar do exemplo do
pedreiro confundido com o advogado por causa do terno que há um recorte no
objeto a fim de representá-lo. Não se toma todo o conjunto de informações que
cerca a pessoa a fim de identificá-la, para dizer que ela é um advogado bastaria o
terno, há portanto um recorte no objeto. Essa possibilidade de recortar o objeto
representado é uma característica das representações sociais. Dessa forma o
sujeito que representa decalcaria o objeto representado em partes, tendo cada uma
um significado próprio e a junção de todas elas construiria o todo representativo do
objeto analisado. Esses recortes, porém não ocorreriam de forma aleatória, a
inscrição social levaria a pessoa a recortar o objeto com base nas valorações sociais
acerca do que, de fato, merece atenção. Retornando ao exemplo da vaca, no
hinduísmo a característica da vaca que é recortada do todo e influencia todo o resto
é o caráter religioso, já no ocidente, o caráter econômico ou alimentar são os mais
importantes.
A representação social é um modo de conhecimento sociocêntrico, que segue as
necessidades, os interesses e desejos do grupo, o que introduz uma certa
71
"decalcagem" com relação o objeto em construção. Assim, quando percebemos esta
espécie de defasagem entre o objeto e sua representação, significa que estamos
diante da marca grupal/cultural impressa no processo de construção da
representação. O que aparece como distorção modifica a organização ou o sentido
do objeto para adaptá-lo aos desejos e necessidades de quem os representa.
Pode-se ver como as representações sociais operam ao analisar o trecho do
trabalho de Oliveira (2005, p. 81) no qual o autor diz que:
[...] os jovens considerados das “classes perigosas”, certamente trazem um sinal diacrítico – facilmente lido pelos policiais – acionam um rígido mecanismo de repressão. Fatores como horários, proximidade a favelas e aparência (maneira de vestir, andar, falar, gesticular, etc.) são de grande relevância nesta classificação e hierarquização dos jovens em grupo.
Nesse trecho, o termo “sinal diacrítico” identifica a representação social construída
da soma de todos os elementos menores como horários, proximidade á favela,
aparência, maneira de vestir, andar, falar, gesticular, etc. Para cada um desses
pedaços há um significado e junção de todos orienta a visão que o policial terá da
pessoa que os reúne.
Apesar das considerações acerca da influência da cultura na produção de
representações sociais, nota-se que ela adquire uma uniformidade em relação á
sociedade na qual está inserida. Como no exemplo da vaca, todos os hinduístas a
representam da mesma forma. Para que isso ocorra um é fundamental a
comunicação. A comunicação é o meio de propagação das representação e possui
importância tão central que Baptista (2004) cita Moscovici (1961) 66, principal teórico
acerca das representações que inseriu essa condição da comunicação no conceito
de representações sociais, dizendo que elas são “um conjunto de conceitos,
proposições e explicações criados na vida quotidiana no decurso da comunicação
interindividual”. É graças a essa comunicação que as representações sociais como
os estereótipos ganham uniformidade para um certo conjunto social, assim como
mostra Jodelet (1989 apud Baptista, 2004) ao dizer que a representação social “se
trata de uma modalidade de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, com
66 .MOSCOVICI. S. La Psychanalyse, son image, son public. Paris: PUF, 1961
72
um objectivo prático, contribuindo para a construção de uma realidade comum a um
conjunto social.”.
A percepção de que as representações sociais necessitam para a sua criação de
que haja comunicação é muito importante para este estudo, pois nas últimas
décadas a violência e a criminalidade ganharam destaque nos discursos de
jornalistas e amplo espaço na mídia, aumentando com isso o volume de informações
que transita na sociedade sobre esse tema. Esse maior trânsito de informações gera
por sua vez, uma capacidade de construção de representações maior. Diante disso,
ao se noticiar crime, a mídia noticia também quem é o criminoso e quem é a vítima,
dessa forma, surgem representações que de forma uniforme categorizam criminosos
e vítimas. Para cada um haverá um conjunto de representação que se ligará a eles,
uma vez identificado certo conjunto de objetos em uma pessoa dotados de
representações ligadas à criminalidade, a representação apontará que a pessoa em
questão é um criminoso antes mesmo de que se saiba o que aquela pessoa fez ou
se ela realmente cometeu algum delito e, como se viu anteriormente como uma
função das representações sociais e dos estereótipos, ao se identificar o criminoso,
por conseqüência delimita-se quem não é o criminoso como todos os outros que são
diferentes do tipo idealizado como sendo o do criminoso. Pode-se ver na citação
abaixo como se daria esse processo e suas repercussões.
[...] o estigma atribuído à favela contamina também seus moradores. O estudo de Rinaldi (2003:307) 67 sobre a categoria “favelado”, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ajuda na compreensão dessa questão: “... ser morador de favela é trazer consigo a ‘marca de perigo’, é ter uma identidade social pautada pela idéia de pobreza, miséria, crianças na rua, família desagregada, criminalidade, delinqüência. Tais imagens são realimentadas pelos veículos de informação, que trazem notícias sobre o ‘morro’ sempre do ponto de vista negativo, enfatizando o tráfico de drogas e a violência.” (OLIVEIRA, 2005, p. 76).
Diante do exposto até agora é importante identificar a construção de estereótipos
como um processo social mais amplo do que a estereotipia em si e como algo
natural da inscrição social do homem. Os estereótipos portanto são uma parte
67 RINALDI, A. A. Marginais, delinqüentes e vitimas: um estudo sobre a representação da categoria favelado no tribunal do júri da cidade do Rio de Janeiro. In: Um século de favela. Zaluar, A & Alvito, M (orgs). 3 ed. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2003
73
apenas do conjunto de representações que diariamente as pessoas aplicam e
absorvem. Da mesma forma é importante relembrar que enquanto uma construção
social elas refletem a sociedade que as constrói, se a sociedade é preconceituosa
as representações ligadas aos objetos de seus preconceitos carregarão estas
marcas, se a sociedade é hierarquizada isto estará impresso no universo cognitivo
de todas as pessoas. Dessa forma, não é possível falar de mudança em relação a
um estereótipo sem que haja uma mudança na estrutura social que o produz. 68
68 É importante ressaltar a aproximação entre grupos que se estereotipam diminui a estereotipia de um em relação ao outro, mas o contexto social não é mudado por isso, então todas as pessoas alheias a esse processo de aproximação continuarão agindo da forma como o convívio social determina em relação àquele estereótipo.
74
9 ESTIGMA, O OUTRO LADO DOS ESTEREÓTIPOS
Como é proposição fundamental desse trabalho a de que possa haver uma
diferenciação de tratamento em relação ao uso da força que oscila em função de
percepções estereotípicas, é necessário que se veja tal fato como um estigma. Se
tal hipótese for comprovada, a pessoa portadora do estereótipo favorável à prática
de violência policial, estaria sendo vitimada em função de características que ela
possui e que, via de regra, são identificadas por meio visual través dos signos
atinentes ao estereótipo.
Nesse ínterim, após a determinação teórica do que seriam os estereótipos, é
necessário analisar as repercussões que a estereotipização pode trazer ao indivíduo
vítima dela. Como foi demonstrado, os estereótipos podem encerrar informações
com referências positivas ou negativas, porém têm uma tendência maior para o
negativismo. Essa atribuição de características negativas por sua vez à
determinadas categorias acaba por acompanhar a pessoa que é vítima dela de
forma perene, trazendo grandes reflexos para a sua convivência social. Quando um
estereótipo trouxer consigo essa característica negativa perene, influenciando a vida
social da pessoa, pode-se tratá-lo nos termos de um estigma.
Quando estudou os estigmas, Goffman (1982), principal teórico sobre esse tema,
apontou para origem deles na Grécia. Segundo o autor os gregos teriam criado o
termo para designar sinais corporais que informavam alguma coisa de extraordinária
ou má sobre o status moral de quem os possuía. Esses sinais eram talhados,
através de cortes ou fogo no corpo da pessoa a apontavam que o portador era um
escravo, criminoso ou traidor. Com esse sistema de identificação moral, as pessoas
identificadas com estigmas eram evitadas pelas demais principalmente em locais
públicos.
O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso. (GOFFMAN, 1982, p.6)
75
Como pode-se notar nos parágrafos anteriores, assim como se viu em relação aos
estereótipos, os estigmas cumprem uma função social. Apesar de determinarem um
atributo depreciativo, na mesma medida em que fazem isso, delimitam também o
que não é desonroso, ou seja, o que é normal. Dessa forma, os estigmas acabam
trazendo uma posição confortável àquele que não é o portador do estigma, pois, se
o outro, diferente de mim, que é o “ruim”, eu, que não tenho o que ele tem, sou
“bom”. Sob esse aspecto, os estigmas, assim como os estereótipos, refletem
relações sociais entre estigmatizados e normais.
Os estigmas enquanto atributos permitem classificar as pessoas segundo as
concepções sociais dos portadores de tais atributos. Após a definição do que é
normal e esperado, já num primeiro contado com as pessoas é possível identificar
quais os atributos positivos e negativos aquela pessoa possui.
A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias: Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com "outras pessoas" previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua "identidade social" - para usar um termo melhor do que "status social", já que nele se incluem atributos como "honestidade", da mesma forma que atributos estruturais, como "ocupação". (GOFFMAN, 1982, p.5)
Com base nessa noção de atributos que nos permitem identificar a que categoria as
pessoas pertencem Goffman (1982) cria os conceitos de identidade social real e
identidade social virtual. A identidade social real diz respeito à individualidade da
pessoa, independentemente da concepção social, quais qualidades que a
diferenciam dos demais. Já a identidade social virtual diz respeito aos atributos que
a sociedade impõe as pessoas, de forma independente da realidade. Nesses
conceitos, um pedreiro bem vestido de terno poderia ter uma identidade social virtual
de advogado, porém sua identidade social real seria a de um pedreiro de fato. A
identidade virtual pode não corresponder à identidade real. O exemplo citado acima
é um exemplo de uma discrepância entre as identidades real e virtual que acabaria
sendo benéfica à pessoa, porém, em termos de estigma, a diferença entre a
76
identidade social real e a virtual são maléficas. Ou seja, a identidade social virtual
destoa da real de forma pejorativa.
[...] quanto mais discrepante for a diferença entre as duas identidades, mais acentuado o estigma; quanto mais visual, quanto mais acentuada e recortada a diferença, mais estigmatizante; quanto mais visível a diferença entre o real e os atributos determinantes do social, mais se acentua a problemática do sujeito regido pela força do controle social. (MELO, 1999, p.2)
Melo (1999) cita acima a questão da visibilidade como um fator potencializador do
estigma, porém essa identificação visual, quando se trata de estereótipos, é
bastante complexa. Goffman (1982) em seu estudo sobre os estigmas contribui para
o entendimento de como se dá essa identificação visual através da criação do
conceito de “informação social”. Para explicar o que seria a informação social
transmitida por um estigma, Goffman (1982) trata de outros tipos de informações
sociais. O autor cita que os símbolos sociais de status ou prestígio transmitem a
condição social de uma pessoa de forma visível. Assim a aliança de casamento, os
adereços militares ou os distintivos na lapela que atestam a participação em um
clube social seriam exemplos de objetos visíveis que transmitem informação social
como signos de status ou prestígio. Já os símbolos de estigma indicariam a
presença do estigma sem que o portador da característica o desejasse. Enquanto os
símbolos de status e de prestígio indicariam colocações sociais positivas, os de
estigma fariam o contrário. Os símbolos de prestígio serviriam como
potencializadores das diferenças entre identidade virtual e real, reforçando a
estigmatização mais do que se não fossem visíveis. Ademais, uma vez identificado
visualmente a signo que indica o estigma, explicita Melo (1999) o estigmatizado tem
sua capacidade de ação limitada e acaba marcado como desacreditado, tendo
determinados os efeitos maléficos que pode representar. O autor aponta ainda que
quanto mais visível for a marca, menos possibilidade o sujeito terá de reverter
através de suas relações sociais a imagem formada anteriormente pela concepção
social.
No estudo do estigma, a informação mais relevante tem determinadas propriedades. E uma informação' sobre um indivíduo, sobre suas características mais ou menos permanentes (...) Essa informação, assim como o signo que a transmite, é reflexiva e corporificada, ou seja, é
77
transmitida pela própria pessoa a quem se refere, através da expressão corporal na presença imediata daqueles recebem. A informação social transmitida por qualquer símbolo particular pode simplesmente confirmar aquilo que outros signos nos dizem sobre o indivíduo, completando a imagem que temos dele de forma redundante e segura. símbolos de estigma, ou seja, são signos especialmente efetivos para despertar a atenção sobre uma degradante discrepância de identidade que quebra o que poderia, de outra forma, ser um retrato global coerente, com uma redução conseqüente em nossa valorização do indivíduo. (GOFFMAN, 1982, p.40)
Dessa forma, uma vez identificado o estigma, o tratamento dispensado à pessoa
pelos normais será em termos dele. Via de regra a sociedade impinge aos
estigmatizados uma desvalorização em relação às pessoas tidas como normais. Diz-
se que trata-se de uma desvalorização, pois o portador do estigma perde a sua
individualidade e ganha as características necessárias para a manutenção da
estrutura de poder em que o categoriza enquanto “incapaz”, “nocivo”, “desumano”,
então a pessoa como indivíduo único dotado de qualidades e defeitos próprios
apenas dela perde valor enquanto sua imagem sua social se hipertrofia.
Retomando a retórica de Soares et. al. (2005), pode-se relacionar tal fato à ao
fenômeno da invisibilidade social proposto pelo autor. Como o antropólogo diz, um
jovem, negro e pobre numa esquina é invisível. O escritor diz isso tomando como
princípios essa dimensão do estigma que supervaloriza a identidade social virtual e
desvaloriza a identidade social real. Assim a pessoa desaparece enquanto sujeito e
sua imagem estereotipada assume a função de identificá-lo enquanto ser social.
Segundo Goffman (1982), o estigma estabelece uma relação impessoal com o outro;
o sujeito não surge como uma individualidade empírica, mas como representação
circunstancial de certas características típicas da classe do estigma.
Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e qualidades, suas emoções e medos, suas ambições e desejos. Quem está ali é o ”moleque perigoso” ou a ”guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente. Essa é a caprichosa incongruência do estigma, que acaba funcionando
78
como uma forma de ocultá-lo da consciência crítica de quem o pratica: a interpretação que suscita será sempre comprovada pela prática não por estar certa, mas por promover o resultado temido. Os cientistas sociais diriam que este é um caso típico de “profecia que se autocumpre”. (SOARES, et. al., 2005, p. 175)
Após esse processo de identificação social do estigma, constrói-se uma rede de
relações em torno dele que delimita como a pessoa portadora do estigma deve ser
tratada. Todas as atitudes tomadas em relação ao estigmatizado se tornam
respostas ao estigma, há uma desumanização da pessoa e uma personificação do
estigma. Nessas condições, Goffman (1982) diz que os “normais” acabam
cometendo “discriminação muitas vezes sem pensar que reduzem a chance de vida
social da pessoa”. Para o autor isso ocorre através da criação de teorias para o
estigma, de uma ideologia para explicar a inferioridade e dar conta do perigo que ela
representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras
diferenças, tais como as de classe social.
A identidade social estigmatizada destrói atributos e qualidades do sujeito, exerce o poder de controle das suas ações e reforça a deterioração da sua identidade social, enfatizando os desvios e ocultando o caráter ideológico dos estigmas. A sociedade impõe a rejeição, leva à perda da confiança em si e reforça o caráter simbólico da representação social segundo a qual os sujeitos são considerados incapazes e prejudiciais à interação sadia na comunidade. Fortalece-se o imaginário social da doença e do "irrecuperável", no intuito de manter a eficácia do simbólico. (Grifo nosso). (MELO, 1999, p. 3)
Depois desse processo, de forma esperada, o estigmatizado reage em resposta às
ações anteriores contra ele. Nessa condição Goffman (1982) aponta pra uma
tendência de considerarmos essa resposta defensiva como a expressão do próprio
estigma. Quando isso ocorre o estigma se reforça, e tratamento anteriormente
dispensado à pessoa passa a ser justificado em função da resposta a ele. De forma
concreta para o caso que este trabalho aborda pode-se tomar o seguinte exemplo: o
policial vai abordar um morador de favela tomando por base a percepção de que o
morador trás consigo uma gama de informações sociais que são processadas pelo
policial e que permitem identifica-lo como pertencente à categoria social dos
“favelados”. Nesse momento o policial se lembra de todas as informações anteriores
que detém sobre tal categoria e associa à pessoa visualizada a idéia de
marginalidade, de criminoso, de violento, de ignorante, etc. uma fez processada toda
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essa informação social, o policial age de acordo com essa concepção e, como o que
se espera do estigmatizado é a violência, a ação policial então será tão violenta
quanto essa expectativa. Diante da violência policial o favelado poderia reagir com
violência e, nesse momento, se o fizesse, sua reação, em vez de vista como uma
resposta, seria percebida como a confirmação da expectativa que se tinha dele
assim que ele foi visto e teve toda informação social a seu respeito processada e,
nesse momento, a ação primeira do policial estaria justificada, pois o indivíduo seria
realmente uma pessoa violenta.
80
10 METODOLOGIA
10.1 Método de abordagem do tema
O método de abordagem do tema foi o hipotético-dedutivo, pois a pesquisa partiu de
uma hipótese e a partir de fundamentações amplas e genéricas, no caso, as teorias
das representações sociais, teorias sobre estereótipos, estigmas e teorias
sociológicas, procurou chegar a uma conclusão sobre a veracidade ou não da
hipótese proposta para o caso específico.
10.2 Método de procedimentos:
O método de procedimento utilizado para esta pesquisa foi o monográfico, pois
tratou-se de um estudo sobre um tema específico e particular com um valor
representativo para a sociedade civil e para a Polícia Militar de Minas Gerais, e que
obedeceu a uma rigorosa metodologia. A investigação sobre o assunto previamente
escolhido ocorreu sob a profundidade permitida pelas fundamentações teóricas
encontradas e abordou diversos ângulos e aspectos pertinentes para a sua
aplicação num espaço e tempo previamente delimitados.
10.3 Técnica de coleta de dados
10.3.1 Documentação indireta
A documentação indireta ocorreu estritamente através de consulta bibliográfica.
Como meios de consulta foram utilizados livros, teses, artigos de periódicos
publicados em revistas científicas e na rede mundial de computadores que tivessem
relação com o objeto de estudo. Cada texto consultado construiu, em parte, as
argumentações apresentadas, de forma que as partes se relacionavam e construíam
de modo interdependente um raciocínio que conduziu a verificação da aceitabilidade
da hipótese proposta.
81
10.3.2 Documentação direta:
Como meio de documentação direta, foram utilizados questionários aplicados aos
policiais militares que estavam realizando o TPB (Treinamento Policial Básico) no
Centro de Treinamento Policial da Polícia Militar de Minas Gerais. Com essa
documentação direta extensiva, buscou-se uma comprovação numérica da hipótese
proposta, bem como a percepção de padrões de pensamento dos policiais do TPB.
Sobre o questionário, dada a sua importância, há explicação mais detalhada a
frente.
10.4 Tipo de Pesquisa
10.4.1 Quanto aos objetivos
Para este aspecto, esta pesquisa classifica-se como descritiva, por descrever um
fenômeno, e bibliográfica devido ao levantamento teórico desse fenômeno através
de referências bibliográficas que versem sobre assuntos correlatos ao tema.
10.4.2 Quanto ao conceito operativo
Nessa perspectiva, a pesquisa é eminentemente de campo por buscar dados
através de questionários a serem respondidos por policiais militares, procurando,
nas repostas, elementos que fortaleçam ou rejeitem a hipótese;
10.4.3 Quanto à natureza
Quanto à natureza, esta pesquisa pode ser classificada como quantitativa, por
buscar informações em dados numéricos nas respostas dos policiais aos
questionários, e é também qualitativa, pois o instrumento de pesquisa abarcou
respostas abertas nas quais os policiais colocavam suas opiniões de acordo com
suas experiências pessoais.
82
10.5 Delimitação do universo
O universo da pesquisa será constituído pelos policiais militares que passaram pelo
TPB no ano de 2007. Segundo dados fornecidos pelo Centro de Treinamento
Policial por ano passam pelo Treinamento Policial Básico um total de 14000 policiais
oriundos da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
10.6 Tipo de amostra
A amostra trabalhada pode ser classificada como probabilística, pois não houve
qualquer tipo de critério sobre quais policiais militares responderiam os
questionários. Em todas as semanas nas quais foram aplicados, isso ocorreu ao
máximo de turmas possíveis de acordo com as particularidades do Centro de
Treinamento Policial. Ao todo foram aplicados 376 questionários pelos instrutores
do CTP, tendo iniciado no dia 20 de setembro de 2007 e encerrado no dia 17 e
Outubro de 2007. Nesse período passaram pelo TPB 30 turmas sendo que em uma
das semanas estavam presentes duas turmas de Oficiais Superiores para as os
quais os questionários não foram aplicados.
Em relação ao universo descrito no objeto de estudo de 14.000 policiais, aplicando a
fórmula de Stenvenson 69 (1981, apud Rezende, 2000) para o tamanho da amostra,
nota-se que ela possui uma representatividade de 95% com uma margem de erro de
4,9%.
Fórmula de Stevenson
n = Tamanho da amostra. N = Tamanho da população
69 STEVENSON, William J. Estatística aplicada à administração. São Paulo: Editora Harbra, 1981.
n= N . P . Q . Z2 aaaaaaa
(N-1) . e2 + P . Q . Z2
83
P = Percentagem com que o fenômeno ocorre. Sendo que P equivale a 0,5 Q = (1-P) percentagem complementar. Z = 1,96; variável reduzida normal, que é tabelada e será feita igual a 1,96, considerando-se que o nível de confiança é de 95%. e = 0,049 = erro padrão de estimativa que será arbitrado em 4,9%
10.7 Explicação do instrumento de pesquisa
Tomando por base o exposto até agora sobre a forma como se concentraria a
violência policial em relação a determinados estereótipos, identificou-se como ponto
convergente para uma maior propensão à prática de violência policial o estereótipo
definido pelo gênero masculino, faixa etária jovem (podendo limitá-la à faixa
específica entre 15 e 24 anos), tendo como local de moradia a favela. Tal
constatação foi o embasamento que orientou a construção do instrumento de
pesquisa.
Dessa forma, para que fosse possível compreender melhor essa concentração,
buscou-se o grupo estereotípico oposto, ou seja, aquele sobre quem a violência
policial encontraria maiores barreiras de incidência, para, através de um contraste,
conseguir comprovar a existência de uma possível diferenciação. Para o estereótipo
proposto anteriormente como aquele sobre o qual se concentraria a violência
policial, homem, jovem, negro, morador de favela, confrontou-se o estereótipo de
homem, adulto, branco, morador de bairro nobre.
Assim, se características como cor negra da pele, juventude, local de moradia, sexo
condicionariam a maior incidência de violência policial, então poder-se-ia testar se
as características “opostas” a essas determinariam uma menor incidência de
violência policial e dessa forma se comprovaria a existência de diferenciação
baseada em estereótipos.
Porém os estereótipos delineados até agora são compostos por outros sub-
estereótipos. O primário seria composto pelo concurso das características, gênero,
cor da pele, local de moradia, faixa etária e cada uma dessas características seria
então um sub-estereótipo. Diante disso, então, seria necessário avaliá-las
individualmente. Para tanto, procurou-se fazer uma combinação entre tais
84
características para que fosse possível avaliar a influência de todas as
características na maior ou menor incidência de violência policial. Da combinação
obteve-se o seguinte rol de estereótipos a serem avaliados:
Quadro de Combinção de Características Gênero Faixa etária Local de Habitação Cor da pele
Negro Playboy
Branco
Negro Favelado
Branco Jovem
Homem
Adulto Negro favelado Branco Negro Doutor
Branco
Pelo quadro acima, para cada característica (negro, branco, adulto, jovem, favelado,
doutor, playboy) existe um grupo de estereótipos capaz de representá-la. Com isso
pode-se tomar dentro desse rol grandes grupos com características contrárias, e
esses grupos poderiam ser comparados entre si. Exemplo:
Para o grupo de estereótipos com a característica cútis negra poder-se-ia tomar os
seguintes: 1, 3, 5 e 7.
Já para o grupo com a cútis branca, os restantes: 2, 4, 6 e 8.
1
2
4
3
6
5
8
7
85
Dessa forma tem-se o seguinte quadro comparativo:
Adulto Jovem Branco Negro Doutor ou Playboy
Favelado
5, 6, 7, 8 1, 2, 3, 4 2, 4, 6, 8 1, 3, 5, 7 1, 2, 7, 8 3, 4, 5, 6
Comparação quanto à faixa etária
Comparação quanto à cútis/etnia
Comparação quanto ao local de moradia
Com essa divisão cada característica tem o mesmo número de estereótipos onde
está presente e todas elas passam a ter a mesma representatividade em relação à
amostra, ou seja, cada característica está presente em 4 das oito possibilidades de
estereótipos. Isso é importante, pois, ao fazê-lo, a amostra de cada característica
aumenta em termos numéricos e consequentemente há uma redução da margem de
erro. Caso cada estereótipo fosse comparado individualmente, a margem de erro
para cada um seria muito grande e os possíveis resultados obtidos não teriam
sustentabilidade.
Como pode-se notar, não há possibilidade de comparação entre gêneros e o
estereótipos relativos ao local de moradia estão determinados por “playboy”, “doutor”
e “favelado”.
Com relação a não utilização de comparações em relação ao gênero, tal fato se
justifica pelo resultado obtido pela pesquisa de Ramos e Musumeci (2005) que
demonstra a gigantesca diferença entre o número de abordagens feitas em
mulheres pela polícia e também uma abissal distinção de tratamento dispensado a
elas em relação aos homens. Assim, seria lugar comum tentar buscar diferenças em
relação aos estereótipos relacionados ao gênero. Já os resultados com relação à
cor, local de moradia e idade são mais passíveis de comparação pela diferença
menos substancial entre eles constata na pesquisa de Ramos e Musumeci (2005).
Apesar do senso comum dizer que para os moradores de bairros ricos a polícia
tenderá a ser mais branda, se o morador em questão for negro, tal afirmação, para o
senso comum, já não mais é tão clara e certa assim. Da mesma forma opera o
senso comum em relação à idade, dizendo que os jovens tenderão a sofrer mais
violência do que os mais velhos, porém, ao imergir duas pessoas adultas, uma na
86
favela e outra num bairro de classe alta, a diferenciação de tratamento já é algo
possível com relação ao senso comum. Destarte, para a condição de mulher,
considerando a forte barreira social para que homens cometam violência contra elas,
considerando a composição 95% de homens dentro Polícia Militar de Minas Gerais
e, por fim, considerando o pequeno número de abordagens sofridas por elas, seria
redundância despender mais uma pesquisa para chegar a conclusões já
encontradas em uma pesquisa anterior, qual seja, a conclusão de que as mulheres
são mais bem tratadas por ocasião das abordagens policiais do que os homens.
Sobre a questão da caracterização do local de moradia pelas designações “playboy”,
“doutor”, “favelado”, citadas anteriormente, tal fato justifica-se pela dificuldade de
criar uma designação única e visível dos moradores de áreas mais ricas quando a
idade varia.
Para a favela, seria possível identificar o morador por características ligadas a
poucas condições financeiras ou a uma ideologia relacionada à favela. Assim para
os jovens é possível delimitar a ideologia do hip hop como algo ligado à juventude
dos morros. Com isso a caracterização do estereótipo “favelado” poderia ser feita
com elementos visuais que remetessem a tal ideologia. Com relação aos adultos, a
utilização de roupas mais velhas ou marcadas pelo trabalho braçal seria uma
possibilidade para a identificação da favela como local de moradia da pessoa
avistada. Contudo apesar dessa diferenciação estética, socialmente, tanto o adulto
como o jovem morador de favela, são vistos como “favelados” e, portanto,
terminologicamente tais diferenças estéticas não carecem de diferenciação na sua
nomenclatura para os fins dessa pesquisa.
Para os moradores de áreas mais ricas, pode-se ver no trabalho de Oliveira (2005) a
designação de “pitboys” para a juventude, porém, por percepção empírica, esse
termo não é muito utilizado em Minas Gerais, para designar a juventude das áreas
“nobres” das cidades, sendo o termo “playboy” o equivalente, por isso, para a
nomenclatura dos jovens moradores de bairros mais ricos utilizou-se tal termo. Já
com relação aos adultos, como também percebeu-se no trabalho de Oliveira (2005)
sobre a juventude e a polícia no rio de janeiro, a concepção dos policiais sobre os
pais dos jovens, portanto os adultos, é ligada a empregos vistos como importantes,
87
tais como de promotor, advogado, juiz. Os detentores de tais posições são, via de
regra, chamados de doutores, por isso, para a designação dos adultos moradores de
áreas nobres, utilizou-se o termo “doutor”.
Além dessa diferenciação na nomenclatura para fins facilitação do trabalho de
pesquisa, é essencial que haja diferenças significativas no modo de se caracterizar
visualmente tais estereótipos. Para os jovens a utilização de roupas de grife é uma
marca importante, enquanto que para os adultos, a utilização de terno é algo
bastante relacionado à figura do “doutor”.
10.7.1 O método de comparação do comportamento dos policiais em face dos ..estereótipos
Como foi dito anteriormente a definição dos estereótipos é necessária para que, com
base neles, se possa identificar as diferenças de tratamento dispensadas pelos
policiais a cada estereótipo. Como foi proposto no capítulo que versa sobre a
utilização da força, em situações idênticas, o policial deve usar a força de forma
eqüitativa, sob pena de sua ação se tornar desprovida de proporcionalidade.
Portanto, para que se caracterize a diferenciação de tratamento entre dois
estereótipos por parte dos policiais é necessário envolver os estereótipos e os
policiais em situações idênticas para que depois se mensure a quantidade de força
utilizada contra cada um.
Como exemplo, tome-se a situação em que um adulto, branco, residente de uma
área nobre da cidade, desacate um policial. Nessa situação o policial decide prender
o autor da ofensa sem agredi-lo de qualquer forma, seja a agressão verbal ou física.
Se um jovem, negro, que reside em uma favela fizer o mesmo, a decisão do policial
deve ser a mesma tomada no exemplo da área nobre da cidade. Se o policial
resolver utilizar força ou violência além de prender o jovem, ou resolvesse utilizar
apenas violência e não prendê-lo, identificar-se-ia a maior violência contra o
segundo estereótipo.
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No entanto, no exemplo acima, identificou-se uma situação em que o cidadão foi
agressivo com a polícia e, como foi visto, esse é um fato que suscitaria a
possibilidade de recurso à violência por parte dos policiais. Noutra situação em que
o policial abordasse a pessoa e agisse de forma ativa, dando-lhe ordens e em que o
cidadão abordado fosse completamente cooperativo, a possibilidade do uso da
violência seria bem menor. Então, poder-se-ia ter situações em que os indivíduos
abordados pela polícia fossem contestadores e situações em que fossem
cooperativos. Da mesma forma que os estereótipos suscitam a prática de violência,
como se viu, a contestação também o faz; enquanto a cooperação, via de regra,
não. Dessa forma, índices de violência iguais entre cidadãos cooperativos e
contestadores, para estereótipos diferentes, indicariam que há maior violência contra
aquele que se comportou de forma cooperativa.
Com base nessas constatações foram idealizadas situações de abordagens policiais
nas quais os abordados se comportavam de forma cooperativa e de forma
contestadora. Então, para cada um dos oito estereótipos descritos anteriormente há
ainda duas possibilidades de comportamento, um cooperativo e o outro resistente.
Foram elaboradas então situações sobre as quais os policiais terão que opinar sobre
diversos aspectos como vontade de atacar ou não a pessoa da abordagem, grau de
suspeição que atribuem à pessoa, a raiva que sentem pelo comportamento que ela
manifesta entre outras que serão mais bem explicadas à frente.
Como forma de materialização das proposições acima, no questionário, expõe-se
uma situação fictícia em que é anunciado em rede de rádio aos policiais um assalto
e algumas características dos infratores são passadas. As características que serão
passadas descreverão o estereótipo que está sendo avaliado. E logo após a
descrição por rádio será apresentada uma foto, que corresponderá à foto do
suspeito do assalto que será abordado pelos policiais na situação fictícia. As
características da pessoa da foto coincidirão com todas as características passadas
no rádio, levando os policiais a suspeitarem que ele seja o autor do assalto. Seguem
abaixo dois exemplos sobre a situação descrita, para o estereótipo negro, favelado,
jovem e para o estereótipo branco, doutor, adulto:
89
Situação 1 - contestador:
Imagine uma madrugada em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado à transeunte). Logo depois, as características do infrator são passadas:
• Negro • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos
Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.
90
Situação 2 – cooperativo
Imagine uma madrugada em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado à transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Branco • Trajando terno e gravata • Aproximadamente 35 a 40 anos
Logo depois de obter essas informações, já numa rua do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia!
ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente.
Tais situações variaram para todos os estereótipos, alternando na caracterização
deles, as roupas utilizadas, o local onde o possível infrator é encontrado, a cor da
pele e a idade do infrator. Também foi uma preocupação a caracterização da
ausência de vigilância através da informação expressa de que “não há ninguém na
91
rua no momento da abordagem” e pelo fato da foto estar representando uma
situação noturna, horário que se concentra a maior parte das ocorrências de
violência policial e em que há realmente poucas pessoas na rua.
Tal divisão entre abordados resistentes e cooperativos é essencial para a
mensuração da possibilidade de violência policial. Quando o cidadão abordado é
resistente, a índice de força a ser usado na abordagem aumenta significativamente,
e não há nada de errado nesse aumento de acordo com o Manual de Prática Policial
da PMMG. Porém, quando se compara a força que é usada contra um abordado
cooperativo e a força que se usa contra esse mesmo abordado estando resistente,
pode-se estabelecer um índice de intolerância à resistência e quanto maior for esse
aumento de força em razão da resistência do abordado, maior será o índice de
intolerância à resistência. Isso se constitui em importante ferramenta de comparação
do comportamento dos policiais em relação a cada estereótipo. Com essa
percepção é possível identificar quais categorias suscitariam maior violência no
policial por ocasião da abordagem sem perguntar isso diretamente ao policial.
10.7.2 A caracterização dos estereótipos
A maneira de caracterização dos estereótipos escolhida foi por meio de fotografias.
Como se viu no item anterior a situação criada para a comparação do
comportamento dos policiais envolve a descrição sucinta do estereótipo e a
identificação dele por meio de uma fotografia que o representa. Diante disso se faz
necessário a criação de tais estereótipos de forma que seja inequívoca a
identificação dele da forma como é esperado.
Para algumas características tal criação é mais simples do que para outras. Para
caracterizar um negro ou um branco, por exemplo, é suficiente que a pessoa
mostrada na foto tenha tais tons de pele. Portanto, o ponto inicial para isso foi a
escolha de pessoas com tons de pele claro e escuro para representarem tal
característica. A idade, da mesma forma, é facilmente representável pelo
reconhecimento rápido de rugas ou cabelos brancos com mais incidência entre os
92
adultos do que entre os jovens. Assim é necessário encontrar pessoas brancas e
negras mais jovens e mais adultas.
Mais complexa é a forma de determinar o local de moradia da pessoa abordada. É
necessário que no momento em que o policial olhar para a pessoa ele identifique-a
como sendo daquele local onde ele está a abordando. O primeiro ponto para isso foi
a descrição do local de abordagem na construção da situação que será apresentada
ao policial. Para tanto, buscou-se fazer com que o policial se imaginasse no local
relacionado ao estereótipo. Dessa forma, para a favela, escreveu-se “Imagine uma
situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma
favela”. Após essa localização geográfica do local de atuação, as características do
estereótipo são divulgadas na rede de rádio. Depois disso, para corroborar que o
policial está realmente em uma favela deixou-se claro que após a passagem das
características o policial depara-se com a pessoa do estereótipo “já no interior da
favela”
Para corroborar o fato de que a pessoa do estereótipo realmente habita o citado
local, no caso a favela, caracterizou-se a pessoa que é mostrada na foto do
questionário com roupas relacionadas à favela. Para os jovens houve uma
associação com a ideologia do hip hop amplamente difundida nos morros e áreas
mais pobres das cidades. Para as pessoas adultas, roupas com indícios de serem
bastante velhas e desajustadas no corpo para indicar que talvez tivessem sido
doadas, foram usadas. Já que a caracterização com hip hop é iminentemente
relacionado à juventude, isto também não poderia ser utilizado para os adultos,
então, para o relacionamento com a favela, os adultos deveriam estar caracterizados
de forma que se remetesse a condição financeira precária das pessoas que residem
nas favelas e roupas velhas e desajustadas criariam essa noção de pobreza.
Para a caracterização dos estereótipos de playboy e doutor, que remetessem à
noção geográfica de um bairro rico, utilizaram-se as mesmas estratégias.
Primeiramente fez-se com que o policial se imaginasse num bairro nobre ao suscitar
a sua imaginação para isso da seguinte forma: “Imagine uma situação em que um
policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre”. Da
mesma forma que com o estereótipo de “favelado”, após a descrição do infrator,
93
para deixar claro que o policial está no local que se deseja que ele imagine estar,
indica-se o local da abordagem ao suspeito do delito como sendo “já numa rua no
interior do bairro nobre”.
Com relação à caracterização da pessoa que representa o estereótipo, para
relacioná-la com a localização geográfica, utilizou-se uma lógica semelhante à da
favela. Para a caracterização do jovem rico, utilizou-se o estereótipo de “playboy”
que, para Minas Gerais, é o estereótipo equivalente ao “pitboy”, que é identificado no
trabalho de Oliveira (2005) como uma representação dos policiais do Rio de Janeiro
como sendo o jovem da zona sul da cidade (área nobre). O “playboy” é
caracterizado por utilizar roupas caras e de marcas famosas. Já para a
caracterização do adulto, usou-se um terno como uma referência ao poder e à
riqueza que seriam características típicas dos habitantes das áreas mais nobres da
cidade.
Após essas explicações sobre a forma como foram construídos e nominados os
estereótipos, as fotos a seguir identificam cada um deles, segundo as condições
descritas até agora:
1. Jovem, Playboy, Branco 2. Jovem, Playboy, Negro
94
5. Adulto, Doutor, Branco. 6. Adulto, Doutor, Negro.
3. Jovem, Favelado, Branco. 4. Jovem, Favelado, Negro.
95
Adulto, branco, Favelado Adulto, Negro, Favelado
10.7.3 As perguntas do instrumento de pesquisa
Após a caracterização dos estereótipos e das situações nas quais eles estarão
envolvidos, é necessário acrescentar questões que possibilitem medir o
comportamento dos policiais em relação a cada estereótipo. Com fulcro nesse
objetivo, surge como um fator complicador, o fato de se estar lidando com atitudes
vistas como preconceituosas e, via de regra, indesejáveis nas pessoas. Com essa
percepção, é importante evitar durante as perguntas faze-las diretamente sobre cor,
idade ou local de moradia, pois, se o policial percebesse que o que está sendo
avaliado é o seu “preconceito”, haveria uma contaminação das respostas de forma a
tentar esconder essa característica tida como indesejável.
Tal dificuldade foi relatada por Menin (2002) nas pesquisas sobre as representações
sociais, nas quais, a exposição da opinião é algo evitado pelas pessoas em
decorrência de uma contrariedade da representação em relação às normas sociais.
Um exemplo para essa situação seria perguntar a uma pessoa se ela considera que
os negros são em geral pessoas piores do que os brancos. Diante de uma pergunta
com essa, mesmo que a pessoa considerasse que a resposta seria positiva, ela
buscaria esconder tal opinião. Para as representações com essa característica,
96
chamadas de representações da zona muda, Menin (2002) diz que para contornar
tal problema as perguntas que as avaliam devem ser formuladas, em vez de
diretamente à pessoa perguntando sobre a opinião dela, deve-se perguntar sobre a
opinião de uma pessoa do grupo a que ela pertence. Assim, em vez de perguntar
diretamente ao policial se ele usaria a força, pergunta-se se um policial qualquer
usaria a força.
Para que se alcançasse tal objetivo, todas as perguntas do questionário foram feitas
em relação a um policial qualquer. Assim, em vez de perguntar diretamente ao
policial qual o nível de suspeição ele atribui à pessoa, perguntou-se qual o nível de
suspeição que um policial atribuiria à pessoa abordada.
Dessa forma, após apresentada a situação e a foto do estereótipo, foram feitas aos
policiais as seguintes perguntas:
1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial
militar atribui a essa pessoa abordada?
2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao
abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local?
3. Pela sua experiência, como você avalia a vontade de atacar essa pessoa que
um policial militar sentiria ao abordá-la com ela se comportando dessa forma,
nesse local?
4. Pela sua experiência você, você acredita que o policial realmente atacaria, de
qualquer forma, essa pessoa ao abordá-la com ela se comportando dessa forma,
nesse local?
5. Se o policial realmente atacasse essa pessoa, qual o nível de força que ele
utilizaria?
97
É importante salientar que algumas perguntas guardam relação entre si, e que a
reposta a elas não é um indicador absoluto, pois ela deve ser comparada com a
outra correspondente. Esse o caso da pergunta sobre a vontade de atacar e
possibilidade de ataque, pois a grande possibilidade de mensuração está na
distância entre a vontade e a ação real. Para essas duas perguntas a análise deve
ocorrer atrelando uma resposta à outra. A forma com isso foi feito é mais bem
explicada por ocasião da análise de dados. Outra pergunta que não pode ser
analisada isoladamente é a que versa sobre a força utilizada num ataque. A
principal forma de comparação para essa pergunta está na distinção dos valores
apontados pelos policiais nos estereótipos cooperativos e resistentes, pois saber
como aumenta o índice de força do cooperativo para o resistente em cada
estereótipo é essencial para saber como o policial vê a resistência de cada
abordado. Como foi mencionado, tais explicações serão mais bem detalhadas na
análise de dados.
Para cada uma das perguntas citadas acima foi apresentado um índice gradativo
de zero a dez para que os policiais indicassem a gradação que mais se adequaria
à resposta desejada por ele. Com isso, seria possível comparar de forma
numérica e objetiva as diferenças de comportamento dos policiais em função dos
estereótipos. Uma vez com os valores numéricos em mãos, seria tarefa fácil
avaliar as diferenças entre cada estereótipo podendo identificar sobre quais se
concentrou um uso maior da força. Abaixo está um exemplo dos índices
gradativos para cada pergunta:
1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial
militar atribui a essa pessoa abordada?
Por fim, para que se pudesse avaliar além de numericamente o comportamento dos
policiais, fez-se também perguntas dissertativas para que os policiais opinassem
sobre os motivos que levariam uma pessoa a comportar-se daquela forma, tentando
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito
Com certeza é o agente do delito
98
identificar através dessas perguntas padrões de raciocínio e pensamento dos
policiais relacionados aos estereótipos e ao comportamento policial. Com isso, o
questionário ganhou caráter misto, pois englobou mensurações quantitativas e
qualitativas.
Como forma de exemplificar tudo que foi exposto até agora, abaixo encontra-se toda
a parte de mensuração das opiniões dos policiais em face das situações a eles
expostas: 70
1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial militar atribui a essa pessoa abordada?
Quais características dessa pessoa levam o policial a atribuir esse grau de suspeição ao abordado? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) 2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local? Nenhuma raiva 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita raiva
Qual o motivo dessa raiva que o policial militar sentiria? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) Quais qualidades (negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa raiva? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes) ____________________________________________________________________________________________________________ (...)
70 É importante salientar que para avaliar o entendimento e a clareza do questionário antes que ele fosse realmente aplicado, foi realizado um pré-teste com policiais do Regimento de Cavalaria da Polícia Militar de Minas Gerais e com os policiais da 125ª Companhia do 22º Batalhão. O questionário aqui apresentado é o resultado final após o teste.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito
Com certeza é o agente do delito
99
3. Pela sua experiência, como você avalia a vontade de atacar essa pessoa que um policial militar sentiria ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?
Qual o motivo da vontade de atacar essa pessoa que o policial militar sentiria? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) Quais qualidades (negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa vontade? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ____________________________________________________________________________________________________________ (...) 4. Pela sua experiência você, você acredita que o policial realmente atacaria, de qualquer forma, essa pessoa ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?
Pela sua experiência, qual o principal motivo para o policial não atacar essa pessoa? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) E qual o principal motivo para ele atacar essa pessoa? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) Quais qualidades (negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as RESPONSÁVEIS POR FAZER O POLICIAL ATACAR? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ____________________________________________________________________________________________________________ (...) E as responsáveis por fazer o policial NÃO atacar? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) 5. Se o policial realmente atacasse essa pessoa, qual o nível de força que ele utilizaria?
Nenhuma vontade 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita vontade
Com certeza não Atacaria 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Atacaria com certeza
Possivelmente atacaria
Provavelmente atacaria
Muito pequeno 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita grande
100
10.8 Da forma de análise dos dados coletados
Os dados coletados das respostas dos policiais aos índices numéricos de suspeição,
raiva, vontade de atacar, possibilidade de ataque real, e nível de força a ser usado
por ocasião de um ataque, foram separados e tabulados de forma separada para
cada estereótipo. Após isso, foi possível agrupá-los de acordo com os grandes
grupos de características propostos (negros, brancos, jovens, adultos, doutores,
playboys e favelados) para uma análise separada de cada um deles. Após a
tabulação e análise completada dos dados de todos os grupos de forma separada,
passou-se a compará-los tentando identificar variações de um grupo para outro para
que fosse possível uma explicação teórica sobre tais diferenças à luz das teorias de
base e de outros padrões teóricos explicitados no bojo do trabalho de levantamento
bibliográfico.
Para os dados da parte qualitativa, a análise ocorreu através de uma leitura crítica
das respostas dos policiais analisando a congruência delas com as teorias
apresentadas. Com isso, identificou-se alguns grupos de respostas que versavam
sobre a mesma opinião, tomando de cada um deles algumas respostas como
“exemplificativas de tais agrupamentos. Para escolha dessas “respostas-exemplo”,
foram levados em consideração a amplitude ou o significado da resposta dada pelo
policial ao compará-la às teorias de base. Com isso foi possível analisar cada grupo
de opiniões e correlacioná-las aos estereótipos em que mais apareceram,
explicando os motivos da sua concentração.
101
11 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Para o início da análise dos resultados observados, é importante salientar a
comprovação da hipótese proposta (Os estereótipos dos cidadãos abordados pela
polícia determinam a incidência de violência policial contra estes cidadãos.), pois
tanto na observação numérica quanto na análise dos depoimentos dos policiais
militares foi possível notar uma clara distinção do comportamento dos policiais em
relação a determinadas características dos abordados. Tanto a suspeição atribuída
aos abordados, quanto o uso da força variaram conforme as explicações teóricas,
havendo claras concentrações e dissipações de suspeição e uso mais intenso da
força. Com relação a outras questões colocadas no questionário que avaliavam
raiva, propensão ao ataque e certeza de que o ataque ocorreria, os padrões não
foram identificados de forma tão clara quando analisados separadamente, mas
quando a análise correlacionou algumas variáveis surgiram padrões significativos.
Além de terem contribuído significativamente na comprovação da hipótese através
de uma análise comparada, tais perguntas, em suas partes opinativas, também
foram extremamente importantes para extração das representações sociais dos
policiais sobre os abordados. Como elas tratam de questões menos polêmicas e não
puníveis como raiva e vontade, os policiais responderam-nas com maior
tranqüilidade e sinceridade. Isso proporcionou um grande conteúdo sobre as
representações sociais dos policiais acerca dos estereótipos.
Com relação aos objetivos propostos, também considera-se que eles foram
alcançados. O objetivo geral de “Verificar a influência dos estereótipos dos cidadãos
abordados pela polícia na incidência de violência policial” foi alcançado assim como
se verá principalmente nas análises sobre o controle da vontade de atacar o
abordado e do índice de intolerância à resistência do abordado. O primeiro objetivo
específico, (verificar as variações das atitudes dos policiais diante de cidadãos com
diferentes estereótipos quando estes estiverem envolvidos em situações idênticas)
foi atingido, e o segundo também (Identificar estereótipos e situações em que há
maior propensão à prática de violência policial). A análise numérica aponta
claramente distinções de suspeição, índice de força utilizada, índice de intolerância à
102
resistência e índice de controle da vontade de atacar o abordado à medida que
variam as situações em que os abordados eram cooperativos ou resistentes, bem
como também ocorrem diferenças quando se muda a idade, a cor e o local
presumido de moradia dos abordados.
11.1 Dados quantitativos
A primeira análise e mais óbvia a ser feita sobre cada um dos estereótipos diz
respeito à comparação dos índices numéricos presentes no questionário nos quais
os policiais deveriam apontar valores que medissem a suspeição, a raiva, a vontade
de atacar o abordado, a possibilidade de ataque real e a força que seria utilizada
contra o abordado em um ataque. Nessa primeira análise, poucos padrões foram
identificados e os que surgiram ainda foram bastante fracos. Tal fato justifica-se pela
obviedade das perguntas feitas aos entrevistados o que possibilitava a eles
“esconder” a visão que tinham do abordado. Porém não houve percepção por parte
dos policiais de que as perguntas que mediam a vontade de atacar e a possibilidade
de ataque real relacionavam-se uma com a outra. Da mesma forma, como os
questionários foram aplicados de forma independente (quem respondia ao
questionário onde o abordado era negro, não sabia da existência de um questionário
onde o abordado era branco, da mesma forma como ocorreu com resistentes e
cooperativos) os policiais pensavam que o que estava sendo avaliado eram apenas
suas opiniões sobre o abordado do seu questionário. Assim, ao comparar os índices
de força para resistentes e cooperativos, tomando todos os estereótipos, as
diferenças surgiram claramente, pois os policiais não poderiam controlar as repostas
uns dos outros a fim de tornar todas as respostas coerentes entre si e com isso
“esconder” qualquer pensamento visto como preconceituoso.
De forma isolada, foram avaliadas apenas a suspeição e a raiva, que mesmo sendo
perguntas óbvias já apontaram para algumas tendências que continuaram numa
análise mais bem contextualizada.
103
11.1.1 O índice de suspeição.
O índice de suspeição foi retirado dos números marcados pelos policiais para a
primeira pergunta do objeto de pesquisa:
1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial militar atribui a essa pessoa abordada?
Após o agrupamento das respostas dos policiais por estereótipos, encontrou-se o
seguinte padrão:
GRAFICO 11.1 – Média da avaliação dos policiais quanto ao índice de suspeição
que um policial atribuiria aos cidadãos segundo as
características dos abordados – Belo Horizonte, 2007
6,83
7,03
6,86
7,02
6,74
7,13
6,50
6,60
6,70
6,80
6,90
7,00
7,10
7,20
Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ouPlayboys
Favelados
Fonte: dados da pesquisa
Observa-se a clara distinção de suspeição de acordo com variações etárias, raciais
e regionais assim como se previu no capítulo 6 que tratou das diferenças de
comportamento policial quando variavam idade, cor da cútis e local da abordagem.
Da mesma forma, pode-se tomar tais variações como uma expressão clara das
percepções estereotípicas que os policiais fazem dos abordados, uma vez que a
suspeição em relação à determinada pessoa pode ser entendida como uma
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito
Com certeza é o agente do delito
104
expectativa dela ser culpada que, por sua vez, é algo que se atribui antes de
qualquer contato real com o abordado. Como se vê no gráfico, jovens, Negros e
“favelados” tendem a ser mais suspeitos que os seus estereótipos opostos.
Porém, como se disse no início desta sessão, esses dados representam apenas
uma tendência, pois, apesar de concordarem com a percepção teórica, em face da
margem de erro, não são dados significativos devido à pequena variação percentual
que têm em relação à média. Lembrando que a margem de erro da amostra
coletada é de 4,9% temos as seguintes variações percentuais para a suspeição:
GRÁFICO 11.2 – Variações percentuais em relação à média global dos índices de
suspeição atribuídos aos cidadãos – Belo Horizonte, 2007
Doutor ou Playboy-2,78
Adultos-1,45
Brancos-1,15
Negros1,15
Jovens1,29
Favelados2,78
-4,00
-3,00
-2,00
-1,00
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
Fonte: dados da pesquisa
Em parte, essa organização dos estereótipos em termos de suspeição acaba se
mantendo para as análises do índice de intolerância e de controle da vontade de
atacar que serão apresentados à frente. Esses dois índices também foram
diminuídos para adultos, brancos, “doutores e playboys” e mais acentuados para
negros, jovens e “favelados”. Ressalta-se como ponto ligeiramente divergente que
as diferenças entre “favelados” e “doutores e playboys” foram mais reduzidas
105
enquanto as distinções de faixa etária foram as mais elevadas nas mensurações
sobre o controle da vontade de atacar e a intolerância à resistência.
11.1.2 O índice de raiva
Da mesma forma que o índice de suspeição, o índice de raiva foi analisado de forma
isolada e não apontou para grandes diferenças entre os estereótipos, porém a
tendência que surge nele mantém-se para as análises interrelacionais.
O índice de raiva foi coletado das repostas dos policiais à segunda pergunta do
questionário.
2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local? Nenhuma raiva 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita raiva
Com a tabulação dos dados chegou-se ao seguinte cenário:
GRÁFICO 11.3 – Avaliação dos policiais quanto ao índice de raiva que um policial
sentiria no momento da abordagem: valores médios – Belo
Horizonte, 2007
3,72
3,82
3,41
4,14
3,803,75
3,00
3,20
3,40
3,60
3,80
4,00
4,20
Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ouPlayboys
Favelados
Fonte: dados da pesquisa
106
Como se vê, novamente jovens e negros destacam-se, porém, as diferenças
relativas ao local de moradia dos abordados se inverteram em relação ao índice de
suspeição e os “favelados” tiveram ligeira baixa em relação aos “doutores e
playboys”. Essa última inversão aponta para um dado constatado a frente que
mostra que as menores diferenças ocorreram em relação ao local de abordagem, ao
passo que as diferenças relativas a idade e etnia foram bastante acentuadas.
Ao escalonar os índices de raiva obtém-se a seguinte oscilação em relação à média
global de raiva atribuída aos policiais no momento das abordagens:
GRÁFICO 11.4 – Variações percentuais em relação à média global dos índices de
raiva atribuídos aos policiais segundo o estereótipo do abordado –
Belo Horizonte, 2007
Brancos-9,71
Adultos-1,46
Favelados-0,64
Doutor ou Playboy0,64
Jovens1,30
Negros9,71
-11,00
-10,00
-9,00
-8,00
-7,00
-6,00
-5,00
-4,00
-3,00
-2,00
-1,00
0,00
1,00
2,00
3,00
4,00
5,00
6,00
7,00
8,00
9,00
10,00
11,00
Fonte: dados da pesquisa
11.1.3 Os índices avaliação do controle do comportamento policial
Até agora apenas fez-se uma apresentação bruta dos dados, porém mais do que
informar se os policiais sentem mais raiva ou menos raiva, mais vontade de atacar
107
ou menos vontade de atacar é importante correlacionar tais informações. Diante
disso, dois pontos tornam-se importantes: a relação mantida entre as variações
cooperativa e resistente dos mesmos estereótipos e a ligação entre a vontade de
atacar e a possibilidade de ataque real.
Avaliar as diferenças entre as variações cooperativas e resistentes de um mesmo
estereótipo é importante, pois assim será possível notar como os policiais avaliam a
resistência daquele estereótipo em termos de aceitabilidade ou não. Para fazer isso,
buscou-se comparar o índice de força que os policiais apontavam como o que seria
usado por ocasião de um ataque ao abordado em cada uma das duas situações
(cooperativos e resistentes). Com isso, conseguiu-se medir o índice de intolerância à
resistência dos policiais comparando o índice de força atribuído para o estereótipo
quando ele se comporta de forma cooperativa e quando ele resiste às ordens
policiais. Como esse índice não variou da mesma forma para todos os estereótipos,
foi possível identificar aqueles estereótipos dos quais se tolera menos a resistência e
aqueles para os quais resistir é mais aceitável. Com esse nível de comparação as
diferenças se acentuaram e apontaram claramente para a direção de concentração
da violência policial.
O outro importante meio de avaliação comparado está na relação mantida entre a
vontade de atacar e crença no ataque real. Essa relação é importante, pois
demonstra o quanto a ligação social do policial com o estereótipo influencia as ações
dos agentes da lei, pois nem sempre a vontade de ataque se converte em ataque de
fato e entre a vontade e o ato real é que estão os mecanismos de controle do
comportamento policial. Com isso, tanto a vontade de atacar, quanto a possibilidade
de ataque real tornam-se relativos. Por exemplo: se há muita vontade de atacar um
“doutor” branco, mas a declaração de que o ataque real ocorreria é pequena, então
deduz-se que há uma barreira efetiva que impede que a vontade do policial se
manifeste. Da mesma forma, se há uma vontade pequena de atacar, mas ela se
concretiza em uma possibilidade média de ataque, percebe-se que o controle do
impulso é menor e que via de regra uma pequena vontade torna-se fato concreto
facilmente.
108
11.1.3.1 Do índice de intolerância à resistência
Como foi dito, o índice de intolerância à resistência compara, para um mesmo grupo
estereotípico, as diferenças da força que os policiais disseram que seria usada em
um ataque contra o abordado cooperativo e outro resistente. Para alcançar
numericamente esse índice fez-se apenas um cálculo da variação percentual do
índice de força entre os estereótipos resistentes e cooperativos da seguinte forma:
Nível médio de força atribuído ao estereótipo resistente
Nível médio de força atribuído ao estereótipo cooperativo - 1 x 100 Através desse cálculo chegou-se aos seguintes resultados por estereótipo: GRÁFICO 11.5 – Índice de intolerância à resistência do cidadão segundo
..o.estereótipo do abordado – Belo Horizonte, 2007
34,52
69,56
46,65
55,26
48,21
54,22
25,00
30,00
35,00
40,00
45,00
50,00
55,00
60,00
65,00
70,00
75,00
Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ouPlayboys
Favelados
Fonte: dados da pesquisa Como nota-se no gráfico anterior, ao analisar de forma comparada os tipos
resistentes e cooperativos, as diferenças evidenciam-se e tornam-se significativas.
Essas diferenças, por sua vez, podem ser interpretadas à luz das exposições de
DaMatta (1997) como uma expressão da hierarquia social brasileira, pois além de
109
oferecer maior trabalho aos policiais, os abordados resistentes faziam uso da
expressão “Você sabe com quem está falando?” que é apontada pelo antropólogo
como uma forma antipática de recolocar as pessoas no seus “devidos lugares”. A
expressão em si, como é proposto por DaMatta (1997), é algo indesejável, porém
ela é usada de cima pra baixo na “escala hierárquica brasileira”, o que a torna
esperável de certas pessoas. Assim, o seu uso é restrito aos vistos como
“superiores” e o uso indevido por um “inferior” acaba por representar uma afronta à
hierarquia social e que, portanto, é algo passível de uma restauração da ordem
natural. Diante disso, percebe-se que, ao aplicar essa concepção aos dados
mostrados, nota-se que os policiais vêem os jovens como potencialmente menos
providos de poder que os adultos, assim como os negros em relação aos brancos e
“favelados” em relação aos “doutores e playboys”.
Dentre os dados do GRAF. 11.5, é importante destacar a grande distância entre
adultos e jovens. Esse percentual mais do que dobra dos adultos para os jovens o
que indica que, caso resistisse e fosse atacado, o índice de força usado contra o
jovem seria praticamente o dobro do usado contra o adulto, isso representa na
verdade uma variação, de um para o outro, de aproximadamente 100%. Fazendo
essa mesma comparação para os demais estereótipos opostos entre si, obtém-se o
seguinte gráfico:
GRÁFICO 11.6 – índice de intolerância à resistência: variação percentual em relação
aos estereótipos opostos – Belo Horizonte, 2007
Jovens/Adultos101,49
Negros/Brancos18,46
Favelados/Doutores e Playboys12,48
0,00
12,00
24,00
36,00
48,00
60,00
72,00
84,00
96,00
108,00
Variação percentual 101,49 18,46 12,48
Jovens/Adultos Negros/Brancos Favelados/Doutores e Playboys
Fonte: dados da pesquisa
110
Para melhor compreensão do GRAF. 11.6 é necessário relatar que os cálculos
foram feitos para mensurar o índice de aumento do estereótipo de índice menor para
o estereótipo de índice maior. Interpreta-se então que os jovens tiveram um índice
100% maior do que os adultos, os negros 18,46% maior do que os brancos e os
“favelados” 12,48% maior do que os “doutores e playboys”.
Após essa comparação entre estereótipos, é importante contextualizar tais índices
em relação ao todo, pois surge a pergunta sobre quais seriam esse índices de forma
geral. É necessário comparar então os índices de cada estereótipo em relação à
média global de aumento de força que ocorre quando se muda o comportamento do
abordado de cooperativo para resistente, ou seja, o índice médio de intolerância à
resistência. O valor encontrado para tal indicador foi de 51,19% de aumento de força
quando o abordado deixava de cooperar e passava a resistir, e os estereótipos
variaram em relação a esse valor da forma apresentada no GRAF. 7 a seguir:
GRÁFICO 11.7 – Índice de intolerância à resistência do cidadão segundo o
estereótipo do abordado: variação percentual em relação à
média global – Belo Horizonte, 2007
Adultos-32,57
Brancos-8,87
Doutores ou Playboys-5,84
Favelados5,92
Negros7,94
Jovens35,87
-40,00
-30,00
-20,00
-10,00
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
Fonte: dados da pesquisa
111
Com isso torna-se possível hierarquizar os índices de forma crescente e agrupá-los
naqueles estereótipos para os quais a intolerância à resistência é maior do que a
média e naqueles para os quais a intolerância é menor que a média. Tem-se,
portanto, a seguinte gradação crescente de aumento da intolerância:
1) Adultos
2) Brancos
3) Doutores ou Playboysa
4) Favelados
5) Negros
6) Jovens
Para um entendimento mais detalhado acerca da intolerância à resistência é
essencial imergir os números vistos até agora em meio às proposições de DaMatta
(1997), pois nas respostas encontradas nos questionários além de ser simplesmente
mais contestadores, os abordados resistentes faziam uso do rito proposto por
DaMatta(1997) como um modo de tentar afastar o policial e evitar a abordagem.
Porém o rito proposto por esse autor geralmente é usado apenas pelo “superior”
para recolocar o “inferior” em seu devido lugar. Diante disso a maior ou menor
aceitabilidade desse rito estaria ligada a visão do policial da pessoa ser de fato
alguém “superior”, caso ela o fosse, apesar de indesejável, tal comportamento seria
mais comum. Já para aqueles que os policiais vissem como potencialmente
“inferiores” a solução para tal afronta seria a recolocação do abordado no seu devido
lugar para extinguir o conflito que se estabelecera.
Já sob o foco da teoria dos estigmas, pode-se tomar tal comportamento como a
expressão de um controle social através do uso da força que é embasado pela
percepção clara da inferioridade, assim, a percepção do estereótipo marca o
indivíduo como alguém que não deve contestar as ordens do policial, e que deve
comportar-se submetendo-se sempre. A possibilidade desse controle ocorrer de
acordo com a percepção visual do estigma é mostrada na seguinte citação feita no
capítulo 9 que versou sobre tal tema:
[...] quanto mais discrepante for a diferença entre as duas identidades, mais acentuado o estigma; quanto mais visual, quanto mais acentuada e
Intolerância menor que a média
Intolerância maior que a média
112
recortada a diferença, mais estigmatizante; quanto mais visível a diferença entre o real e os atributos determinantes do social, mais se acentua a problemática do sujeito regido pela força do controle social. (MELO, 1999, p.2)
A concentração regional apontada na análise numérica da intolerância à resistência
pode ser claramente percebida na citação de Oliveira (2005, p. 90-91) onde a
periferia e a área nobre são claramente separadas em termos controle do uso da
força.
Os jovens da Zona Sul, os famosos pitboys, esses só fazem arruaça na Zona Sul, vê se você houve falar em pitboy aqui na Zona Norte, na Penha, em Olaria, em Ramos? Aqui é subúrbio meu amigo, aqui o buraco é mais embaixo, se um pitboy desses parar na minha frente na Zona Norte, eu encho ele de bala. Veja só, eu sou baixinho, uso óculos, na mão não tem como fazer, então, eu nem penso duas vezes, encho ele de bala. Mas na Zona Sul não, ele pode ser filho de um desembargador e aí a coisa complica. (2º sargento, 37 anos, 18 B – Jacarepaguá, 18 anos de serviços prestados à PMERJ).
Como se vê, os resultados encontrados reforçam o depoimento acima.
Por fim, não se pode deixar de enxergar tais fatos como a expressão das
percepções estereotípicas dos policiais acerca dos abordados, pois, afinal, para a
faixa etária e a etnia, as únicas mudanças presentes nos questionários eram as
fotos de jovens ou adultos e negros ou brancos. Para que o policial saiba contra
quem ele pode agir em face da resistência e para diferenciar seu comportamento,
faz-se uma série de inferências sobre os abordados à primeira impressão que se
tem deles. O policial não sabe se o abordado é irmão ou filho de alguém importante,
não sabe se apesar da idade e do terno e gravata, se o sujeito é um morador
evangélico de periferia indo para a igreja. Assim, todos os juízos que o policial faz do
abordado não passam de percepções estereotípicas e generalizações fundadas
apenas na experiência e na informação social que o policial recebera por sua
experiência de vida. Nesse ponto, relembra-se mais uma vez a citação de Renn e
Calvert (1993 apud Lima, 1997, p. 10) que diz que “o que uma pessoa leva para
observar uma situação, pode ser mais importante do que aquilo que ela realmente
vê”. Então surge a pergunta: o que policial trás consigo quando observa jovens,
negros, e “favelados”? Nesse sentido as proposições do Capítulo 6 (Região, etnia,
faixa etária e as variações do comportamento policial) podem trazer as respostas
113
sobre como os policiais representariam socialmente os diversos públicos com que
lidam.
11.1.3.2 O Índice de controle da vontade de atacar
O índice de controle da vontade de atacar foi construído para tentar identificar o
quanto à vontade se concretiza em um ato real. Comparou-se qual a variação da
possibilidade de ataque real ao abordado em função da vontade de fazê-lo que foi
atribuída ao policial no momento da abordagem. Essa comparação possui
importância destacada por indicar o quanto as normas sociais controlam o policial,
pois, entre a vontade e a ação, há uma grande distância que é decorrente de um
emaranhado de normas sociais a serem quebradas para que a vontade se expresse
livremente.
Para construção desse índice, foi utilizado o mesmo processo do índice de
intolerância a resistência. Porém, em vez de dividir a força apontada contra os
estereótipos resistentes pela dos cooperativos, dividiu-se a possibilidade de ataque
real média apontada para o estereótipo pela vontade de atacá-lo.
GRÁFICO 11.8 – Índice de controle da vontade de atacar o cidadão segundo o
.estereótipo do abordado – Belo Horizonte, 2007
32,48
7,17
28,13
11,24
19,64
11,76
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
35,00
Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ePlayboys
Favelados
Fonte: dados da pesquisa
114
Como se vê no GRAF. 11.8, surgem novamente diferenças significativas quando se
toma os estereótipos opostos entre si. Contra jovens, negros ou favelados, quando o
policial tem vontade de atacar, é muito maior a chance de que ataque de fato.
Contra adultos, brancos ou “doutores e playboys” essa vontade se converte bem
menos em realidade. Nota-se de forma destacada que, ao mudar da faixa etária
jovem para a faixa etária adulta, a possibilidade de ataque diminui quase 4 vezes.
Raciocinando de forma inversa, a possibilidade da vontade se tornar realidade
aumenta 350% do adulto para o jovem. Deduz-se que apesar de ter muita vontade
de atacar é muito mais difícil que o policial realmente o faça contra adultos, brancos
ou “doutores e playboys”. Por outro lado, contra jovens, negros e “favelados” pouca
vontade transforma-se em fato facilmente.
GRÀFICO 11.9 – Índice de controle da vontade de atacar o cidadão: variação
..percentual em relação aos estereótipos opostos – Belo
..Horizonte, 2007
353,26
150,25
66,95
0,00
50,00
100,00
150,00
200,00
250,00
300,00
350,00
400,00
Variação percentual 353,26 150,25 66,95
Adultos/Jovens Brancos/Negros Doutores e playboys/Favelados
Fonte: dados da pesquisa O GRAF. 11.9 expressa a diferença percentual entre os estereótipos para quais há
um maior controle da vontade de atacar em relação aqueles para os quais o controle
é menor. Percebe-se que o padrão das diferenças entre jovens e adultos repete-se
115
em relação aos dados da sessão anterior, tendo índices destacadamente maoires.
De maneira idêntica, as diferenças etárias foram seguidas das diferenças étnicas e
regionais em termos de taxa.
Ao se comparar os dados de cada estereótipo em relação à média global de controle
da pulsão de ataque, o escalonamento encontrado para o índice de intolerância à
resistência se repete. Adultos, brancos ou “doutores e playboys” são,
respectivamente e em ordem crescente, aqueles para os quais os policiais
apontaram haver maior controle da vontade de atacar o abordado. Os índices de
cada estereótipo variaram percentualmente em torno de uma média global de
controle da vontade de atacar de 18,84% da seguinte forma:
GRÁFICO 11.10 – Índice de controle da vontade de atacar o cidadão segundo o
estereótipo do abordado: variação percentual em relação à
média .global – Belo Horizonte, 2007
Jovens-61,96
Negros-40,34
Favelados-37,56
Doutores e Playboys4,24
Brancos49,31
Adultos72,40
-90,00
-75,00
-60,00
-45,00
-30,00
-15,00
0,00
15,00
30,00
45,00
60,00
75,00
90,00
Fonte: dados da pesquisa Ao escalonar os índices de controle da vontade de atacar tem-se o seguinte
resultado: <<
1) Adultos
2) Brancos
3) Doutores ou Playboys
Controle maior do que a média
116
4) Favelados
5) Negros
6) Jovens
Os dados encontrados sobre o controle do animus dos policiais podem ajudar a
entender alguns números apresentados na parte teórica do trabalho. O resultado do
menor controle dos policiais com relação a negros, jovens e “favelados” pode ser
visto nos números apresentados por Ramos e Lemgruber (2004, p. 111) ao citar
Cano (1997) no capítulo 6:
Um estudo minucioso realizado por Cano (1997), tomando os autos de resistência ocorridos nos anos de 1993 a 1996, na cidade do Rio de Janeiro, revelou que as vítimas são majoritariamente jovens do sexo masculino (de 15 a29 anos, com ênfase na faixa de 20 a 24 anos) e que 64% das vítimas são negras, contrastando com a sua menor presença na população carioca (39%). O estudo também mostrou que a ação policial dentro das favelas é mais letal do que em outros locais. Em 523 confrontos armados dos em favelas, a Polícia matou 512 pessoas. Fora das favelas, foram mortas 430 pessoas. Considerando o percentual da população que vive nessas áreas no Rio de Janeiro, este dado representa uma incidência de mortes seis vezes maior no interior das favelas. Além disso, a análise mostrou que quase a metade dos corpos recebeu quatro disparos ou mais e a maioria dos cadáveres apresentava pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, configurando casos evidentes de execuções sumárias entre as “mortes em confronto”.
Por outro lado, a percepção desse comportamento policial pode levar a entender
como os grupos vitimados por essas ações menos cuidadosas, no mínimo, acabam
representando as ações policiais. (DANTAS e HERINGUER, 1990, p.2) apresentam
como é essa visão por brancos e negros no seguinte trecho citado no capítulo 6:
:
Essa maior desconfiança em relação aos negros como agentes de violência ganhou melhores contornos através de pesquisas realizadas pelo Datafolha e pelo Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção ao Delito e Tratamento do Delinqüente). Ambos os trabalhos buscaram investigar a imagem da polícia entre os moradores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Um dos resultados atesta que as críticas dos brancos em relação à polícia concentraram-se em aspectos como ineficiência e corrupção, enquanto os negros criticaram com mais freqüência a atuação violenta da polícia: 20% dos negros afirmaram sentir medo da polícia, em contraste com 11% dos brancos. Além disso, entre os negros foi maior o número de entrevistados que revelaram ter mais medo da polícia do que dos bandidos. E quase metade dos negros (47%) entrevistados disseram ter sido abordados pela polícia pelo menos uma vez, em comparação com 34% dos brancos.
Controle menor que a média
117
Com a comparação entre esse dois trechos, é possível analisá-las sob o ponto de
vista das teorias sociais sobre os estereótipos que dizem que os estereótipos
originam-se dos conflitos entre grupos e que acabam gerando percepções
distorcidas e generalizadas entre os membros dos grupos que se confrontam. Vê-se
claramente a representação recíproca feita por policiais acerca de brancos e negros
e deles em relação aos policiais. Porém, é importante salientar que para o policial a
representação de brancos e negros não é feita por ele pertencer a um terceiro grupo
diverso desses dois, mas sim pela concepção que a sociedade como o todo tem
desses dois grupos, e é através dessa concepção que o policial identifica aqueles
com quem se relaciona e seleciona o tratamento que dispensará a eles nas
situações em que se envolverem. Dessa forma, o estereótipo diz com quem está se
relacionando e como deve-se agir. O trecho abaixo citado no Capítulo 9 que tratou
dos estigmas mostra bem como esse processo acaba deflagrando a violência
policial:
Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e qualidades, suas emoções e medos, suas ambições e desejos. Quem está ali é o ”moleque perigoso” ou a ”guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente. Essa é a caprichosa incongruência do estigma, que acaba funcionando como uma forma de ocultá-lo da consciência crítica de quem o pratica: a interpretação que suscita será sempre comprovada pela prática não por estar certa, mas por promover o resultado temido. Os cientistas sociais diriam que este é um caso típico de “profecia que se autocumpre”. (SOARES, et. al., 2005, p. 175)
O mesmo raciocínio apresentado acima quando Soares et. al. (2005) diz que “Como
aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga,
também hostil” pode ser aplicado aos trechos abaixo como forma de explicar o
porquê da concentração etária, racial e regional encontrada para os índices de
intolerância à resistência e de controle da vontade de atacar:
[...] o estigma atribuído à favela contamina também seus moradores. O estudo de Rinaldi (2003:307) sobre a categoria “favelado”, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ajuda na compreensão dessa
118
questão: “... ser morador de favela é trazer consigo a ‘marca de perigo’, é ter uma identidade social pautada pela idéia de pobreza, miséria, crianças na rua, família desagregada, criminalidade, delinqüência. Tais imagens são realimentadas pelos veículos de informação, que trazem notícias sobre o ‘morro’ sempre do ponto de vista negativo, enfatizando o tráfico de drogas e a violência.” (grifo nosso) (OLIVEIRA, 2005, p. 76).
É possível dizer que nas representações dos policiais sobre a juventude predomina o discurso da “marginalização juvenil”. Para os policiais, os jovens são motivos de intensa preocupação. Até certo ponto, a classe social determina o tipo de tratamento que o jovem receberá e, por vezes, até mesmo o crime que lhe será atribuído. (grifo nosso) (OLIVEIRA, 2005, p. 78-79).
Encerrando a análise numérica, passa-se para o estudo das opiniões dos policiais
sobre os estereótipos que lhes foram apresentados nos questionários. Os trechos
abaixo mostram exatamente a expressão dos estereótipos como uma forma de
representação social, e as conseqüências dessa percepção, que foram mostradas
numericamente até agora, acabam transformando as características de negros,
jovens e “favelados” em estigmas que eles acabam carregando no seu convívio
social.
11.2 Dados qualitativos A análise dos dados qualitativos ocorreu de forma bem distinta dos dados
numéricos, devido às características da informação em questão. Para esse estudo,
buscou-se identificar nas opiniões dos policiais aspectos comuns e padrões de
manifestação. Com isso, o posicionamento dos policiais foi categorizado de acordo
com a semelhança que tinham entre si, ou de acordo com o aspecto a que davam
maior importância (comportamento do abordado, local da abordagem, características
do abordado, pensamento do abordado, etc.).
Como as perguntas do objeto de pesquisa foram bastante repetitivas para tentar
extrair o máximo do policial, muitas vezes as respostas de questões diferentes
coincidem-se. Com isso, não foi feita uma análise específica de cada pergunta, mas
das opiniões de forma geral.
119
Como o objeto de estudo desse trabalho está nos estereótipos dos cidadãos e não
dos policiais, não foram categorizadas opiniões que davam conta de atitudes ou
características dos policiais. Apenas classificações e categorizações dos abordados
foram levadas em consideração.
Ao analisar os conteúdos das respostas às questões abertas do questionário,
elencou-se as seguintes categorias: Desrespeito; Direito de questionar; Abordado se
acha superior; Nível de educação do abordado; Certeza de ser o agente; Dúvida de
ser o agente; Preto, pobre, favelado; Não há motivos para não atacar. A seguir,
serão expostas e exemplificadas as categorias encontradas.
11.2.1 A categoria “desrespeito”
Essa categoria foi a que mais surgiu em todos os questionários e estereótipos,
sendo praticamente uma unanimidade quando o abordado era resistente. Para essa
categoria, não se observou qualquer concentração com relação a determinado
estereótipo, sendo bastante uniforme a sua distribuição.
O policial brasileiro não é mais respeitado por nenhuma classe social é mais fácil o cidadão infrator obedecer do que o cidadão honesto. (Cb., 20 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que levariam o policial a sentir raiva – Abordado Jovem, Negro, Playboy, Resistente) As pessoas ultimamente ao serem abordadas reagem friamente, tipo debochando e umas zombando (Cb., 14 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que levariam o policial a sentir raiva – abordado Jovem, Negro, Playboy, Resistente)).
Outra característica dessa categoria foi o reducionismo das respostas que via de
regra diziam, “pelo desrespeito do abordado” ou apenas “desrespeito”.
Algumas vezes esse desrespeito foi generalizado à toda sociedade dizendo que
ninguém mais respeita a polícia e que ”antigamente era diferente”. Algumas vezes
há a culpabilização dos “direitos humanos” pelo aumento do desrespeito ao policial.
O policial se sente desprezado e sem moral em atividade. A polícia perdeu sua autoridade a[há] muito tempo devido à interferência dos direitos humanos, imprensa etc.(Cb., 15 de serviço perguntado sobre o motivo da
120
raiva que o policial sentiria no momento da abordagem – abordado Adulto, Branco, Favelado, Resistente)
11.2.2 A categoria “direito de questionar”
Muitas vezes há o apontamento de que o cidadão resistente tem o direito de
questionar a ação policial ou então de que o cidadão estaria certo por questionar,
pois o policial não dissera o motivo da abordagem.
Essa categoria surgiu em número bem pequeno e perpassou principalmente os
estereótipos jovens “playboys”, mas também, apesar de em menor escala, também
surgiu para os moradores de favela.
Deve-se observar que o policial não disse o “porquê” da abordagem. Caso tivesse dito as coisas seriam diferentes (1º Ten, 7 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sentiria no momento da abordagem – abordado Adulto, Negro, Doutor, Cooperativo) O abordado é questionador. Isso é bom, mas as vezes o policial não aceita esse direito do abordado (Sd, 5 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que fariam o policial atacá-la – abordado Jovem, Negro, Favelado, Resistente)
É importante lembrar que apesar do cidadão abordado ter o direito de saber os
motivos da abordagem após ela ter sido feita, as ordens policiais, enquanto um ato
da administração pública, têm como pressuposto a auto-executoriedade. Isso faz
com que as ordens devam ser imediatamente obedecidas para depois poderem ser
questionadas. Caso o cidadão não obedeça de forma alguma as ordens do policial
ele pode ser preso por desobediência. Caso ele resista e seja necessário usar a
força para fazê-lo obedecer ele poderá ser conduzido por resistência.
11.2.3 A categoria “abordado se acha superior”
Essa categoria apresentou grande concentração para estereótipos abordados na
área nobre, mas mesmo para esses locais houve algumas nuances importantes.
Essa categoria atribui ao abordado a condição de se achar melhor que o policial e
que por isso a pessoa seria tão intolerante. Às vezes a visão surge de forma
121
invertida, dizendo que o policial se sente diminuído, inferiorizado. Essa categoria
está intimamente ligada às concepção de DaMatta(1997) e a idéia de superioridade
como esse autor propõe.
Acredito que nesse momento o policial tem o sentimento de menos valia, vendo o outro como superior ou adversário e não como uma pessoa com outra qualquer independente de sua vestimenta, lugar que trabalha, etc. (1º Sgt , 19 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sentia do abordado - abordado adulto, branco, “doutor”, resistente) Acho que é devido ao grupo. Ele se julga socialmente melhor do que o policial.(1º Sgt , 27 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva – abordado adulto, branco, “doutor”, resistente) Negativas: morar em local nobre onde as pessoas se acham melhores e ter boa aparência e com isso achar que pode ser diferente. (Cb, 13 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada responsáveis por fazer o policia sentir raiva – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente) A de se julgar melhor do que os outros e achar que não pode ser abordado e forma pela qual responde ao policial na abordagem (com ironia). ( Cb, 18 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada responsáveis por fazer o policia sentir raiva – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente) O abordado é: desobediente, arrogante, acredita que por estar num bairro nobre ele não pode ser considerado suspeito, ele tem certeza de que sua posição social inibe o trabalho policial (Cb., 13 anos de serviço). Falta de obediência. Querer tirar vantagem demonstrando ser superior ao policial (1º Sgt , 19 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sentia do abordado - abordado adulto, branco, “doutor”, resistente)
É importante notar que apesar dessa categoria ter se concentrado na área nobre,
quando abordado era o jovem negro, ela diminuía substancialmente, enquanto para
os abordados adultos doutores e brancos jovens, ela era praticamente unânime na
área nobre. Para o jovem negro ela apareceu muito pouco, tendo sido o jovem negro
“playboy” identificado como um favelado, pobre e mau vestido algumas vezes,
mesmo sem a situação apresentada para os policiais mencionar em hora alguma a
favela e se passar na área nobre. Esse fato não surgiu em nenhum momento para o
jovem branco “playboy”.
Qualidades negativas: o rapaz é negro, pobre, não há testemunhas, atacou transeunte na área nobre, a roupa que veste e não há tesetemunhas (3º Sgt, 16 anos de serviço, perguntado sobre as
122
características da pessoa abordada que fariam o policial sentir vontade de ataca-la – abordado Jovem, Negro, “Playboy”, cooperativo)
Jovem, negro, pobre, mal vestido, em área nobre e característica de bandido (3º Sgt, 16 anos de serviço, perguntado sobre quais as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado Jovem, Negro, “Playboy”, cooperativo) Porque não tinha ninguém na rua e ele estava bem vestido naquele lugar (Cb, 20 anos de serviço, perguntado sobre as características que levavam o policial a suspeitar do abordado – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente) Pessoa acha estar acima de qualquer suspeita mesmo tendo consciência que foi ela mesma que cometeu o delito, pelo fato de ser branco e estar aparentemente bem arrumado. (Cb, 19 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sente da pessoa abordada – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)
Nos trechos anteriores, nota-se uma inversão entre o playboy e o favelado. O
“favelado” branco é visto como “playboy” e o “playboy” negro é visto com favelado.
Ao que se vê, a cor negra está amplamente relacionada à pobreza, pois tais
características são colocadas pelo policial sem existir qualquer menção a elas no
texto.
Essa inversão do jovem branco “favelado” não ocorreu apenas uma vez e muitas
vezes a ele são atribuídas características melhores que as atribuídas ao negro.
Apesar de se mencionar que o abordado está no interior de uma favela e que o
assalto ocorrera ali próximo, o jovem branco não foi identificado como morador da
favela, como se vê abaixo nas respostas dos policiais:
O militar poderia não agir de forma ríspida por temer a posição social e influência do suspeito (Cb, 12 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não atacá-la – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)
Por ser jovem geralmente não tem muito respeito à autoridade e também pouco sabem do trabalho da polícia, também por ser branco deve pensar que a polícia jamais poderia suspeitar dele. Há também o fato de o suspeito ser parente de alguém influente na sociedade (Cb, 26 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que levariam o policial a sentir raiva – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)
123
Nos trechos antepostos ocorre o processo inverso do negro, um dos policiais deduz
que o abordado não é “favelado” apesar dele estar na favela e o identifica como
tendo uma posição social que o policial temeria, o que evitaria que o cidadão fosse
atacado. Já o segundo policial relata o fato dele ser parente de alguém influente. Na
verdade, para o estereótipo branco “favelado”, a favela foi muito pouco mencionada
nos discursos dos policiais, fato contrário ao negro. Além de em momento algum ter
recebido características “boas” como estar bem vestido ou ser parente de alguém
importante, o negro foi invariavelmente identificado com um favelado quanto era
imerso dentro de uma favela.
Pode-se ver claramente a expressão estereotípica distinta entre brancos e negros. O
enxugamento de informação social é tal que o observador desconsidera todo o
contexto e passa a observar apenas cor da pele, ligando-a às concepções anteriores
que tem de brancos e negros. Com isso, corrobora-se os dados numéricos que
apontaram para uma maior “superioridade” do branco em relação aos “negros” na
escala hierárquica brasileira proposta por DaMatta (1997).
11.2.4 A categoria “nível de educação do abordado”
Essa categoria surge principalmente nas áreas nobres, e muitas vezes está ligada à
idéia de superioridade e, devido ao número de vezes que apareceu, é importante
destacá-la. Primordialmente, nessa categoria, os policiais dizem que o abordado é
resistente porque tem curso superior, “tem estudo”, que ele reage por achar saber
dos seus direitos, ou que ele acha que o policial é “burro”. Algumas vezes o
conhecimento do abordado é citado como um regulador do comportamento dos
policiais que temeriam mais atacar pessoas bem instruídas.
A cultura das pessoas em relação à polícia mudou há muito. Porque nas próprias (penso) escolas, faculdades nos ensinam que a polícia é truculenta, somos burros, sem estudo, mas não obstante vemos a toda hora (dia) pessoas com nível superior nos jornais cometendo delitos como (advogados, juízes, etc.) (Cb, 15 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada responsáveis por fazer o policia sentir raiva – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente) Porque o policial patrulhava em bairro nobre e o abordado, por ser ou ter alguma formação universitária ou até mesmo por sua condição social (mauricinho) achou[-se] no direito de ‘folgar’ com o policial (Cb, 13 anos de
124
serviço, perguntado sobre o principal motivo responsável por fazer o policial atacar a pessoa abordada – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente)
Nessa categoria, novamente o jovem branco “favelado” é descontextualizado do
ambiente onde está e representado como sendo um morador de área nobre e,
novamente, para o negro, isso não ocorre. Observa-se claramente tal fato nas falas
abaixo sobre um abordado jovem, branco, “favelado”, resistente:
Ele acharia tratar-se de uma pessoa bem instruída e dependendo de suas atitudes e ações poderia ocasionar-lhe algum transtorno (Cb, 12 anos de serviço, perguntado sobre o principal motivo para o policial não atacar o abordado – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente) Pelo modo em que o suposto agente interpolou o policial, coisa que já é comum hoje em dia pelas pessoas de mais estudo (Cb, 18 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que levam o policial sentir raiva no momento da abordagem – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)
Percebe-se que ver o abordado como alguém bem instruído é algo que exerce
bastante controle sobre os policiais e que pode ser relacionado ao índice de controle
da vontade de atacar proposto na parte de análise dos dados numéricos. Esse
controle decorrente do nível de instrução representa na verdade um certo medo de
punição quando presume-se que o agente tem algum conhecimento. O grau
intelectual do agente faz com que os policiais pensem que ele tem maior capacidade
de denunciá-lo do que aquele que é visto como pouco instruído.
Pensando de forma inversa, o medo de ser punido ou processado torna-se menor
quando a falta de informação é a característica presumível do abordado. Pode-se
ver essas duas distinção nas seguintes respostas:
O fato do abordado parecer ser uma pessoa esclarecida e poder denunciá-lo (3º Sgt, 3 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada que seriam as responsáveis por fazer o policial não atacar o abordado – abordado adulto, branco, “doutor”, resistente) Discriminação de alguns grupos, falta de cultura (SubTen, 23 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva - abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente)
125
Como não foi mencionada em nenhum momento no questionário a condição
intelectual e de escolaridade do abordado, essa visão dos abordados acaba
surgindo em função da percepção estereotípica que se faz deles e o policial acaba
se comportando em função das deduções que faz sobre a pessoa e não em função
das informações concretas que tem. Muitas vezes parte da informação é
simplesmente desconsiderada para dar lugar às suposições dos policiais, com isso,
os jovens brancos na favela são vistos como pessoas de áreas nobres e os jovens
negros em áreas nobres são vistos como moradores de favela.
11.2.5 A categoria “certeza de ser o agente”
Essa categoria é constituída por opiniões de que policial tem certeza que a pessoa
abordada é o agente do delito apresentado no questionário. Na verdade essa
categoria de respostas era esperada desde a concepção do instrumento de
pesquisa, pois o questionário foi concebido para gerar tal percepção. Porém, caso
houvesse um tratamento e visão idêntica acerca dos fatos, independente do
estereótipo que o policial visse, para todos questionários deveria haver a mesma
certeza de que a pessoa da foto é o abordado, afinal o assalto que é descrito no
questionário acabou de acontecer e, imediatamente depois de receber a notícia pelo
rádio, encontra-se uma pessoa com todas as características do agente. Porém,
como se viu na análise numérica, os índices suspeição variam, ainda que
levemente, para cada estereótipo.
As pessoas podem reagir a uma abordagem de várias formas, um bandido em flagrante pode resistir para ter uma oportunidade de se safar. (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva – abordado Jovem, Negro, “Favelado”, Resistente)
O motivo seria diante do cinismo do abordado ao dizer tais palavras. (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre os motivos que levariam o policial a sentir raiva do abordado – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente) Seria pela cara lavada do abordado em dizer que ele não havia feito nada e ao dizer para o policial que autoridade não sabe com quem estava falando. (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que levariam o policial a sentir raiva – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente)
126
O infrator tentava com esta atitude ludibriar o policial, que muitas vezes é muito inoscente [inocente] não tem maldade. (Sgt, 25 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva - abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente)
Mesmo com essa categoria surgindo em todos os estereótipos, ela se concentrou
sobre os estereótipos classificados como “favelados” e, dentro desse grupo, recai
acentuadamente sobre os jovens negros e, por vezes, é citada como motivo para o
policial atacar o abordado. Já os adultos de bairros nobres foram muito pouco
colocados como sendo certamente os agentes. Como se verá a frente, com os
“doutores” ocorre o contrário, a dúvida de serem os agentes é a expressão mais
comum.
Características de ser o autor, características de cidadão infrator principalmente no interior de uma favela e o cidadão quer ser mais esperto que a polícia que lida com eles todo dia (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que seriam responsáveis por fazer o policial sentir vontade de atacar a pessoa – abordado Jovem, Negro, “favelado”, Resistente) A falsa certeza de ser o abordado o verdadeiro agente (SubTen, 28 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente)
A forma de distribuição dessa categoria corrobora a expectativa teórica de que
negros e “favelados” seriam mais identificados como infratores e que essa
presunção de culpa acabaria por levar a um tratamento mais duro com eles em
relação à área nobre. Novamente, é importante salientar que tais inferências são
feitas pelo policial apenas com base na foto e na situação do questionário, o que
mostra claramente a visão estereotipada de negros e moradores de aglomerados
11.2.6 A categoria “dúvida de ser o agente” No lado oposto da categoria “certeza de ser o agente” estão as opiniões que dizem
ter dúvidas sobre a autoria do assalto. Esta categoria concentra-se exatamente nos
pontos onde a categoria anterior dissipa-se. Se os policiais tinham mais certeza de
que os “favelados” eram os agentes dos delitos e, dentro desse grupo,
especificamente o jovem negro era de forma recorrente percebido com sendo o
criminoso, na categoria “dúvida de ser o agente” os Doutores e Playboys trazem aos
127
policiais a dúvida se seriam eles os agentes do crime. Dividindo-se esse grupo
relacionado à área nobre, os adultos acabam trazendo mais incerteza que os jovens
e os brancos mais do que os negros.
Devido às características, à forma de se vestir, o policial fica em dúvida quanto à culpa do abordado. (1º Sgt, 27 anos de serviço, perguntado sobre as característica da pessoa abordada que levariam o policial a atribuir tal índice de suspeição à ela – abordado adulto, branco, “doutor”, resistente – índice de suspeição apontado: 6) Incerteza de comprovação do suspeito (SubTen, 21 anos de serviço, perguntado sobre os motivos que levariam o policial à não atacar o abordado - abordado adulto, branco, “doutor”, resistente)
Tomando por base as explicações feitas sobre a categoria anterior e aplicabilidade
delas a esta também, não é necessário repetir as teorizações agora. 11.2.7 A categoria “preto, pobre, favelado” Essa categoria é importante, pois os policiais que responderam de tal forma o
fizeram afrontando completamente a “zona muda” em que as representações
prolatadas por eles estão inseridas. Os policiais cujas opiniões foram inseridas
nessa categoria disseram que o único problema com o abordado era a classe social,
o local de moradia ou a cor da pele. Apesar de ter surgido em número bem menor
do que as “respostas padrão” do tipo “policial é profissional e não sente raiva” ou
“policial é profissional e não ataca ninguém”, a sinceridade das respostas dessa
categoria mostrou a capacidade do instrumento de pesquisa de extrair
representações da zona muda como propõe Menin (2002), pois dizer abertamente
que o abordado seria atacado, ou que o policial teria raiva ou vontade de atacá-lo
em função de sua classe social, cor e local de moradia há a expressão clara de
preconceitos que as pessoas geralmente não relatam abertamente. Como se verá,
muitas vezes então as opiniões surgem com um tom de denúncia e não de desabafo
de uma condição preconceituosa daquele que responde. Porém, como se viu, é
importante tomar tais apontamentos com uma denúncia do pensamento da
sociedade e não do policial exclusivamente, assim como foi proposto nos capítulos
teóricos.
128
Preto, pobre e favelado dentro da favela. O novo [policial] é preconceituoso ao estremo [extremo] (SubTen, 28 anos de serviço, perguntado sobre os motivos que levariam o policial a sentir raiva no momento da abordagem – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente) Negro, morador de aglomerado. (3º Sgt, 16 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) O fato do suspeito ser morador de uma aglomerado e ser de cor negra provavelmente iria influenciar. ( 2º Sgt, 22 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente)
Essas palavras mostram claramente a expressão de um estigma. Dizer que uma
pessoa pode ser atacada, justificando isso com uma condição ou característica dela,
é o mesmo que puni-la devido às suas características. A pessoa vítima dessa
percepção apontada pelos policiais não consegue se desvencilhar da visão da
sociedade de que ela é culpada. Com o estigma, se amplia e se acaba legitimando e
justificando qualquer violência contra ela. O grande problema de tal legitimação está
no fato de que via de regra ela trás consigo a impunidade, pois, como é legítimo agir
de forma violenta contra certas pessoas, raramente o autor de tais atos será
denunciado, pois não há revolta em função das ações tomadas contra a vítima,
ataca-la é socialmente aceito.
Pobre, favelado, transitando na favela, roupas simples, negro, questionador de perguntas (2º Sgt, 19 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) Pelo local. (1º Sgt, 22 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la - abordado, adulto, negro, “favelado”, resistente) Pelo local, pelas características e pela forma que ele usou para falar com policial (Cb, 17 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da vontade de atacar o abordado que o policial sentiria – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente) Local onde o abordado está no momento, pela atitude do abordado, pelo grupo que ele pertence, pelos trajes do abordado (Cb, 21 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)
Como pode-se depreender dos trechos acima, a manifestação dessa categoria ficou
bastante delimitada pelos jovens moradores de favela. Apesar dos adultos também
serem caracterizados como “favelados”, para eles a lembrança da favela ou de
129
condições pessoais como falta de cultura, ligações com o crime, foram bem menos
relatadas do que para os jovens. Os policiais apontam para mais características dos
jovens “favelados” do que dos adultos favelados, o discurso para os adultos
geralmente é bastante reduzido enquanto que para o jovem bastante rico. Exceção
faz-se aos doutores que tiveram bastantes argumentações também por parte dos
policiais sobre o comportamento que o policial tomaria em relação a eles ou sobre
as características desses abordados.
11.2.8 A categoria “não há motivos para não atacar”
Esta última categoria diz respeito àquelas respostas que diziam que o policial não
tem qualquer motivo para não atacar o abordado, ou então que o ataque é
praticamente certo. De grande reducionismo, essas respostas expressaram algumas
vezes preconceito contra os próprios policiais, classificando-os, de certa forma,
como impulsivos ou irresponsáveis. Nessa categoria, repetiu-se a grande
concentração de tais respostas para os “favelados” e, especificamente, para aqueles
que além de “favelados” eram negros e jovens.
Não há. (3º Sgt , 16 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) Certamente o vai atacá-lo, pedir cobertura e se tornar vítima. Ele é um irresponsável. (SubTen , 28 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que levariam a sentir vontade de atacá-la – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente) Se houver testemunhas no local, talvez o policial não o ataque. (3º Sgt , 16 anos de serviço, perguntado sobre o principal motivo para o policial não atacar o abordado – abordado, jovem, Branco, “favelado”, resistente) Nenhuma. (2º Sgt , 22 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) Não vejo, só vejo motivos para o policial atacar. (1º Sgt, 23 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não ataca-la - abordado, jovem, branco, “favelado”, resistente)
Essas respostas podem ser comparadas com o índice de controle da vontade de
atacar delimitado por ocasião da análise quantitativa dos dados e expressariam de
forma escrita a ausência de controle do comportamento policial, pois, via de regra,
130
não são citados qualquer meio impeditivo do ataque, ou quando algum meio é citado
ele é bastante restrito e pontual.
Como forma de finalizar essa análise, aponta-se que os conteúdos dos dados
qualitativos corroboram os dados quantitativos e ambos apontam para a presença
de estereótipos, presentes na sociedade em geral, segundo os autores utilizados
neste estudo, e que influenciam as ações dos agentes da segurança pública.
131
CONCLUSÃO
O comportamento humano é algo extremamente complexo de ser descrito e
impossível de ser previsto, pois a condição racional do homem possibilita-o
determinar-se sempre acerca de suas ações. A racionalidade do homem, como
disse Sartre 71, o “condena à liberdade”. Portanto, nunca se poderá dizer que alguém
se comportará dessa ou daquela forma. De modo análogo, esse trabalho não pode
ter a pretensão de dizer que um policial agirá sempre em função das percepções
estereotípicas que capta a sua volta. Como foi proposição desse estudo desde o
começo, considera-se que na verdade há padrões de pensamento que acabam
permeando de forma mais uniforme a sociedade, atingindo um grande número de
pessoas e com isso ganhando cada vez mais legitimidade. Isso é sem dúvida
determinado pelas condições históricas, culturais, sociais, políticas e econômicas de
um povo. E é esse pensamento difuso que acabará fazendo com que determinados
padrões de comportamento sejam encontrados.
Dessa forma, apesar de ter livres o seu pensamento e raciocínio, o homem também
está condenado a pensar aquilo que a sociedade disponibiliza a ele. Mais do que
nomes, definições e conceitos racionais, o mundo em torno do homem é feito de
signos que transportam consigo uma gama de informações que perpassa gerações.
Pode-se ver isso ao se buscar entender, por exemplo, o motivo de um gato preto ser
sinônimo de azar? Talvez as raízes medievais do nosso pensar sejam a explicação
de tal relação entre o gato e o azar, mas racionalidade de fato não há nisso. O
mesmo pode-se perguntar sobre a diferença de se usar uma aliança para
demonstrar estar casado? Por acaso a ausência dela diminuiria o amor que uniu o
casal? Do mesmo modo, qual a diferença da mulher de biquíni observada por um
mulçumano do Afeganistão e por um ocidental? Nenhuma. Ela é a mesma mulher,
mas as concepções dos observadores não. Esses pequenos exemplos servem para
mostrar que o mundo, transmite informações que nem sempre são tão racionais, que
muitas vezes são oriundas do convívio social e que é através delas que o homem se
71 Sartre é o filosofo autor da frase: “o homem está condenado à liberdade” e expressou com essa frase que o homem é livre porque é capaz de pensar o mundo a sua volta podendo se determinar de acordo com seu raciocínio.
132
determinará de imediato, pois não há tempo de raciocinar sempre, na verdade, na
maioria das vezes, age-se por impulso processando de forma rápida todo o
arcabouço cultural que carrega-se consigo, e determinando-se de acordo com isso,
assim como se viu nas teorias que atribuíam aos estereótipos a função de promover
um “enxugamento” do excesso de informação social.
Diante disso, surgem como perguntas fundamentais que este trabalho tenta
responder algumas como “quê interferências a cútis de uma pessoa pode trazer à
visão do policial?”, “num país com um passado escravocrata, a contestação de um
negro é idêntica à contestação de um branco?”, “se um policial tiver que tomar a
decisão de usar a força, ele o fará da mesma forma para ricos e pobres ou para um
advogado e para um mendigo?” Como se viu na parte teórica, tratar dessas visões
dos policiais é tratar também de estereótipos, de estigmas, de representações e de
preconceitos profundamente enraizados na sociedade, e a realidade que se diz ver,
na verdade é apenas uma interpretação dela, assim como foi visto no capítulo sobre
representações sociais.
A representação social seria uma forma de conhecer típica dessa sociedade, cuja velocidade vertiginosa da informação obriga a um processamento constante do novo, que não abre espaço nem tempo para a cristalização de tradições, processamento que esteia no olhar de quem vê. A representação social, portanto, não é uma cópia nem um reflexo, uma imagem fotográfica da realidade: é uma tradução, uma versão desta. (Arruda, 2002, p.. 134)
Então, por fim, os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia determinam ou
não prática de violência policial contra estes cidadãos? Depois todas as análises
feitas, é possível dizer que sim, as percepções estereotípicas dos policiais influem
no comportamento do policial “freando” seus impulsos em alguns momentos e em
outros deixando o policial livre para agir de forma mais ríspida. Conclui-se portanto
pela a aceitação da hipótese proposta em plenitude.
Como foi visto na análise de dados, houve grandes diferenças de controle da
vontade de atacar e de intolerância à resistência do abordado e os estereótipos
sobre os quais esses índices concentraram-se coincidiram com as proposições dos
capítulos teóricos. Da mesma forma, as descobertas numéricas foram corroboradas
133
pela análise qualitativa que mostrou claramente diferenças na visão sobre negros e
brancos, “favelados” e “doutores e playboys”. Na parte qualitativa, da mesma forma,
encontrou-se argumentos dos policiais que indicavam um controle maior da vontade
de atacar o abordado quando este era presumido um morador de área nobre.
Quando se imergiu os cidadãos numa área nobre da cidade, os policiais tenderam a
ver os abordados como mais bem instruídos ou mais importantes e, diante disso,
temeram mais uma possível denúncia ou punição que pudesse os prejudicar. Já nas
áreas pobres a possibilidade denúncia é muito pouco mencionada, bem como o grau
de instrução dos seus moradores também não são lembrados ou apontados como
“elevados”. Juntamente com isso os negros tenderam a ser mais relacionados com
as áreas pobres e os brancos com as áreas nobres, independentemente de onde
estejam.
Apesar de tais conclusões terem sido sempre inseridas em contexto mais amplo no
decorrer da argumentação desse trabalho, elas não podem ser tomadas como
“coisas naturais” e “impossíveis de mudar”. A realidade descoberta é trágica sob
muitos pontos de vista, pois denota aquilo que já foi citado no texto de que existem
“cidadãos de categoria” e “cidadãos da categoria”. Como está descrito em todos os
manuais e tratados internacionais que tem algo, por mínimo que seja, que trate do
uso da força, deve-se evitar usá-la ao máximo possível, buscando sempre
alternativas que reduzam a sua intensidade. Quando constata-se que há menor
cuidado ou menor controle dos impulsos para utilização da força contra certos
grupos, tem-se a quebra completa dessas postulações sobre uso dessa ferramenta.
Como foi dito no primeiro capítulo deste trabalho, se para determinada pessoa
determinado nível de força é visto com comedido e necessário, para uma pessoa
diferente em uma situação idêntica esse mesmo nível deverá ser usado, sob pena
de estar-se excedendo.
Como se viu então esse excesso tem “autorização” para ocorrer contra certos
estereótipos, pois contra eles tal prática torna-se legítima. Diante desse quadro faz-
se necessário debater o tema e colocá-lo em pauta para discutir questões como:
qual é o papel do policial na promoção dos princípios democráticos? Qual
comportamento um policial deve ter em tal regime? Qual a importância do policial no
sistema de justiça criminal? Quais conseqüências o trabalho policial pode trazer para
134
a construção de uma sociedade mais justa? Quando o policial vê na TV escândalos
públicos que denunciam a corrupção, o mau atendimento do sistema de saúde, a
precariedade das escolas públicas, ele tem que tomar a responsabilidade para si e
entender-se como um agente público que tem por obrigação lutar para que seu
trabalho não proporcione também um escândalo público. Ter direito a serviços
públicos, de saúde, educação, previdência entre outros é necessidade dos mais
pobres e, no entanto, esses direitos óbvios lhes são tirados e contra isso todos se
revoltam. Da mesma forma, o policial tem que tomar cuidado para que sua profissão
não se transforme em mais uma forma de promoção de desigualdade, de falta de
cidadania e, para isso, ver-se como parte da administração pública e do sistema
judiciário ao mesmo tempo é imprescindível para querer corrigir os problemas que
estiverem ao seu alcance.
Com se viu, os problemas de ineqüidade mostrados nesse trabalho possuem raiz
profunda que alastra-se por searas culturais e históricas e vislumbrar uma solução é
algo praticamente impossível, porém, é possível amenizar tais problemas e expô-los
de forma clara é o primeiro passo. A partir disso, é necessário que o ensino policial
torne-se mais crítico e aborde facetas trágicas e pouco agradáveis do trabalho como
as apresentadas até agora. Mais do que ensinar que uso da força deve ser
proporcional, mais do que dizer que existem grupos vulneráveis é necessário
mostrar ao policial que ele poderá ser desigual, mesmo que não queira, pois só
assim é possível despertar a consciência crítica que, como foi exposto no início
desse texto de conclusão, trás consigo liberdade.
Outro fator importante foi a idade dos abordados. A juventude mostrou-se
extremamente vulnerável a ser mal julgada pelos policiais. Tanto o índice de controle
da vontade de atacar, quanto o de intolerância à resistência comportaram-se em
prejuízo dessa faixa etária. Na parte qualitativa os jovens foram mais identificados
como criminosos que os adultos, bem como trouxeram uma gama de informações
muito maiores que a faixa etária mais velha. Os policias tinham muito mais a dizer
sobre a juventude, o que mostra que universo representacional da juventude é muito
mais amplo e permite inúmeras combinações dos recortes que o policial faz das
informações sociais que os jovens transmitem.
135
Quanto aos objetivos, todos foram alcançados. O objetivo geral de “verificar a
influência dos estereótipos dos cidadãos abordados pela policia na incidência de
violência policial” foi claramente atingindo no estudo dos índices controle do
comportamento policial, bem como o primeiro objetivo especifico (verificar as
variações das Atitudes dos policiais diante de cidadãos com diferentes estereótipos
quando estes estiverem envolvidos em situações idênticas) também o foi. Com
relação ao último objetivo específico “Identificar estereótipos e situações em que há
maior propensão à prática de violência policial.” identificou-se de forma explicita que
a situação em que os indivíduos são resistentes trazem maior possibilidade de que o
policial aja violentamente, bem como também é mais fácil que tal comportamento
ocorra para estereótipos jovens, moradores de favela e negros.
Sabendo que não há como o policial militar, em sua jornada de trabalho, escapar
dos estereótipos negativos que a sociedade construiu, faz-se necessário pensar que
tanto os policiais devem ser alertados nas instruções realizadas nos batalhões sobre
a tendência em categorizar negativamente certos segmentos sociais - como deve-se
pensar em buscar parceria nas escolas, no sentido de se instruir os jovens como
devem se portar quando abordados.
Além dos estereótipos confirmados neste estudo, chamou atenção a presença, nas
falas dos policiais, da idéia de uma polícia não tão respeitada como deveria ser. No
sentido de buscar a valorização da auto-imagem profissional, sugerimos um estudo
acerca deste tema.
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136
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APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS POLICIAIS DO TPB
Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Negro
139
• Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos.
Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Negro • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualizaa pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Negro • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do interior da favela, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Negro • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Branco • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Branco • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito,eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Negro • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Negro • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito,eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou coloca-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Negro • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, protamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Negro • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.
NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Branco • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:
• Branco • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos
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Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.
O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS:
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1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial militar atribui a essa pessoa abordada?
Quais características dessa pessoa levam o policial a atribuir esse grau de suspeição ao abordado? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local? Nenhuma raiva 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita raiva
Qual o motivo dessa raiva que o policial militar sentiria? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quais qualidades(negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa raiva? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes) ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3. Pela sua experiência, como você avalia a vontade de atacar essa pessoa que um policial militar sentiria ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?(marque apenas nos núemros)
Qual o motivo da vontade de atacar essa pessoa que o policial militar sentiria? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quais qualidades(negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa vontade? (podem
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito
Com certeza é o agente do delito
Nenhuma vontade 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita vontade
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ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4. Pela sua experiência, você acredita que o policial realmente atacaria, de qualquer forma, essa pessoa ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?(marque apenas nos números)
Pela sua experiência, qual o principal motivo para o policial não atacar essa pessoa? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ E qual o principal motivo para ele atacar essa pessoa? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quais qualidades(negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as RESPONSÁVEIS POR FAZER O POLICIAL ATACAR? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ E as responsáveis por fazer o policial NÃO atacar? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Se o policial realmente atacasse essa pessoa, qual o nível de força que ele utilizaria?
Com certeza não Atacaria 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Atacaria com certeza
Possivelmente atacaria
Provavelmente atacaria
Muito pequeno 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita grande