Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

156
Hebert Bruno de Paula Santana OS ESTEREÓTIPOS DOS CIDADÃOS ABORDADOS PELA POLÍCIA MILITAR E A PRÁTICA DE VIOLÊNCIA POLICIAL Monografia apresentada ao Centro de Ensino de Graduação da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social Área de concentração: Ciências Sociais Orientadora: Cap. Maria Carmen Patrocínio Belo Horizonte Centro de Ensino de Graduação 2007

description

monografia que analisa a relação entre estereotipia e violência polcial.

Transcript of Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

Page 1: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

Hebert Bruno de Paula Santana

OS ESTEREÓTIPOS DOS CIDADÃOS ABORDADOS PELA POLÍCIA MILITAR E A PRÁTICA DE VIOLÊNCIA POLICIAL

Monografia apresentada ao Centro de Ensino de Graduação da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção de título de Bacharel em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social Área de concentração: Ciências Sociais Orientadora: Cap. Maria Carmen Patrocínio

Belo Horizonte Centro de Ensino de Graduação

2007

Page 2: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

2

ATA FINAL DE AVALIAÇÃO DO TRABALHO ESCRITO E ORAL DA MONOGRAFIA ORIENTANDO: DATA DA APROVAÇÃO:_______/_______/2007 NOTA:___________________________________ BANCA EXAMINADORA: ___________________________________________________________ AVALIADOR ___________________________________________________________ ORIENTADOR

___________________________________________________________ AVALIADOR MEDIADOR Observações:______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Belo Horizonte, _____, de __________________ de 2007.

Page 3: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

3

Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova (Gandhi)

Page 4: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

4

RESUMO

Toda democracia tem como um dos valores basilares a isonomia e foi em busca

desse princípio que este trabalho foi concebido. As polícias militares mudaram

bastante desde a reinstalação do regime democrático, mas apesar de moverem

grande empenho para extinguirem práticas autoritárias e arbitrárias oriundas do

regime ditatorial, encontram grandes dificuldades. Em grande parte, essas práticas

permanecem devido à legitimação que encontram na sociedade quando se voltam

contra alguns grupos já desprivilegiados e marginalizados. A violência policial tem

então limites de aplicabilidade demarcados por preconceitos criados na sociedade e,

portanto, tenderia a se concentrar contra grupos específicos. Com isso, para que

seja possível ao policial usar da violência, faz-se necessário primeiramente que ele

identifique a vítima potencial dela como pertencente a um desses grupos contra os

quais tal prática seria aceita e, para que isso ocorra de maneira rápida, os

estereótipos atribuídos aos cidadãos que a polícia aborda são essenciais. Dessa

forma, esse trabalho preocupou-se em identificar as variações do comportamento

dos policiais em função das percepções estereotípicas que fazem de algumas

características dos cidadãos que abordam, identificando quais características

favorecem a prática de violência.

Palavras chave: violência policial, estereótipos, preconceito, desigualdade.

Page 5: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

5

ABSTRACT

All democracies have the equality as one of their basic values and establishing the

search of this principle is the main conception of this work. The military polices

changed so much since the democratic regime installation, but even with a great

commitment to extinct authoritarians and arbitraries practices that came from the

dictatorial regime, they find great difficulties. Largely, this practices stay due to

legitimacy they find at society when they are directed against some unprivileged e

marginalized groups. So, the police violence has applicability limits that are

demarcated by prejudices created in the society and, therefore, tends to concentrate

against specifics groups. With this, to be possible to the policeman uses violence, is

necessary firstly that he identifies the potential victim as one that belongs to some of

this groups against ones this practice is acceptable and, for this to be fast, the

stereotypes assigned to citizens that police checks are essentials. In this way, this

work concerns to find out as the policemen behavior change as their stereotypic

characteristics perception change too, localizing what checked citizens

characteristics favor the violence practice.

Key words: police violence, stereotypes, prejudice, inequality

Page 6: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

6

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................8

2 O USO DA FORÇA POLICIAL, UMA AÇÃO COMPLEXA................................12

3 A ATIVIDADE POLICIAL NO ESTADO DE DIREITO E NO ESTADO DEMO-CRÁTICO DE DIREITO .......................................................................................

19

4 OBJETO DE ESTUDO ................................................................................................31

4.1 Problemas e variáveis ................................................................................................31

4.2 Hipóteses ........................................................................................................................31

4.3 Tema ...............................................................................................................................32

4.4 Delimitação do tema ................................................................................................33

4.5 Objetivos .........................................................................................................................33

4.5.1 Objetivo Geral ................................................................................................33 4.5.2 Objetivos Específicos................................................................................................33

5 POLICIAL AUTORITÁRIO OU SOCIEDADE AUTORITÁRIA? ................................34

6 REGIÃO, ETNIA, FAIXA ETÁRIA E AS VARIAÇÕES DO

COMPORTAMENTO POLICIAL ................................................................

43

7 A ESTEREOTIPIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS ...........................................................58

8 ESTEREOTIPIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL ..........................................................68

9 ESTIGMA, O OUTRO LADO DOS ESTEREÓTIPOS ................................74

10 METODOLOGIA ................................................................................................80

10.1 Método de abordagem do tema ................................................................80

10.2 Método de procedimentos ...........................................................................................80

10.3 Técnica de coleta de dados ..........................................................................................80

10.3.1 Documentação indireta ................................................................................................80 10.3.2 Documentação direta ................................................................................................81

10.4 Tipo de Pesquisa................................................................................................81

10.4.1 Quanto aos objetivos ................................................................................................81 10.4.2 Quanto ao conceito operativo 81 10.4.3 Quanto à natureza................................................................................................81

10.5 Delimitação do universo................................................................................................82

10.6 Tipo de amostra................................................................................................82

10.7 Explicação do instrumento de pesquisa ................................................................83

10.7.1 O método de comparação do comportamento dos policiais em face dos estereótipos......................................................................................................................

87

Page 7: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

7

10.7.2 A caracterização dos estereótipos ................................................................91 10.7.3 As perguntas do instrumento de pesquisa................................................................95

10.8 Da forma de análise dos dados coletados ................................................................100

11 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ..............................................................101

11.1 Dados quantitativos ................................................................................................102

11.1.1 O índice de suspeição................................................................................................103 11.1.2 O índice de raiva ................................................................................................105 11.1.3 Os índices avaliação do controle do comportamento policial................................106

11.2 Dados qualitativos ................................................................................................118

11.2.1 A categoria “desrespeito” ................................................................................................119 11.2.2 A categoria “direito de questionar” ................................................................120 11.2.3 A categoria “abordado se acha superior” ................................................................120 11.2.4 A categoria “certeza de ser o agente” ................................................................123 11.2.5 A categoria “nível de educação do abordado” ................................................................125 11.2.6 A categoria “dúvida de ser o agente” ................................................................126 11.2.7 A categoria “preto, pobre, favelado” ................................................................127 11.2.8 A categoria “não há motivos para não atacar” ................................................................129

131 136

CONCLUSÃO...................................................................................................................

REFERÊNCIAS ...............................................................................................................

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS POLICIAIS DO TPB ............... 139

Page 8: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

8

1 INTRODUÇÃO

A violência policial não é um fenômeno verificado apenas nas organizações policiais

brasileiras, na verdade ela é um fenômeno de manifestação universal e, com

variações em relação à proporção com que ocorre, a violência policial está presente

em todas as organizações policiais. Discussões acerca desse tema existem por todo

mundo, bem como também existem estudos que visam entender a origem e a

repercussão desse tipo de prática dentro dos ambientes sociais nos quais ela se

insere. Este trabalho caminha nesse mesmo sentido e, apesar de fazer uma breve

análise das possíveis origens e repercussões da violência policial, objetiva, além

disso, compreender alguns dos padrões de manifestação dentro dos quais esse

fenômeno social ocorre.

No mesmo rol de questões amplamente discutidas, estão os preconceitos de todas

as naturezas. Não é tarefa difícil encontrar pelo mundo desigualdades sociais que,

comumente, são acompanhadas de uma demarcação, além da econômica, racial,

étnica, religiosa ou cultural. Da mesma forma como ocorre com a violência policial,

os preconceitos são um fenômeno em pauta nas discussões acadêmicas e sociais

por todo o mundo. Apesar dessa globalização do problema, no Brasil, há o

estabelecimento de contornos específicos para tais desigualdades, pois, como é

propagado com orgulho por essa nação, o Brasil seria o exemplo de um país onde

reina a tolerância e a igualdade, sendo um modelo de destituição de preconceitos a

ser seguido e propagandeado para todo mundo. Apesar dessa visão de certa forma

comum, é um grande engano pensar que no Brasil reina a tolerância. Ao observar a

realidade brasileira de forma mais atenta, nota-se que há uma gama enorme de

violações de direitos que são de forma paradoxal protagonizadas pelo Estado e que

têm padrões de manifestação que coincidem com preconceitos raciais, étnicos,

culturais e geográficos.

Diante dessas constatações seria tarefa importante verificar o ponto de encontro

entre esses dois grandes temas, a violência policial e as concorrências entre

violações de direitos e vulnerabilidade social, econômica e racial.

Page 9: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

9

Apesar de não tratar diretamente de preconceitos, a maneira escolhida para o

desenvolvimento desta pesquisa guarda grande relação com eles. Quando há um

preconceito, ele se manifesta com relação a algo ou alguém, e as percepções

estereotípicas seriam ferramentas a serviço dos preconceitos que possibilitariam a

identificação daqueles que serão vitimados por esse fenômeno social. Com relação

à violência policial pode-se deduzir o mesmo, pois, se houvesse uma relação entre a

violência policial e os estereótipos, esta última variável também determina as vítimas

desse tipo de comportamento assim como faz o preconceito.

Outro fator importante com relação à percepção de que a violência policial se

concentraria sobre certos grupos desprivilegiados está no grande número de críticas

que o Brasil recebe da comunidade internacional em razão da identificação

estatística dessa ocorrência. Nas críticas prolatadas contra o Brasil, as polícias,

sejam elas militares ou não, são colocadas como protagonistas e responsáveis

diretas pela concentração da violência do estado contra determinados grupos.

Porém, não existe nessas críticas uma análise ampla a respeito do contexto dentro

do qual ocorrem as práticas policiais e, elas acabam sendo apontadas como ações

que dependem unicamente de uma cultura policial voltada para esse tipo de ação

discriminatória. Dessa forma faz-se importante apontar, além da concentração da

violência estatal, também as suas origens através de uma contextualização das

práticas policiais como parte de uma manifestação social imersa na sociedade

brasileira como um todo.

Para o desenvolvimento desse propósito, a princípio, buscou-se fazer um estudo

acerca da relação mantida entre a atividade policial e o uso da força, tentando

demonstrar os parâmetros que possibilitam identificar um possível abuso policial

quando é feito o uso dessa ferramenta. Além de demonstrar a estreita ligação entre

uso da força e polícia, o capítulo 2 busca expor que a decisão de usar a força é uma

tarefa complexa diante das limitações legais, morais e éticas que esse uso envolve.

Nesse mesmo propósito de introduzir algumas questões importantes relacionadas à

atividade policial, o capítulo 3 procura algumas possíveis origens da violência

policial, bem como a confronta com as funções da polícia dentro de um regime

democrático de direito. O terceiro capítulo mostra as dimensões específicas que a

Page 10: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

10

atividade policial e o uso da força assumem numa democracia, regime que no Brasil,

se comparado com outros países onde está mais consolidado, é algo novo e trás

consigo a necessidade de uma compreensão maior sobre quais as novas funções

das diversas instituições do estado dentro dele.

Após a introdução desses conceitos fundamentais para a compreensão da dimensão

que assume a violência policial, torna-se importante explicar a organização da

estrutura deste trabalho. Para a organização da monografia buscou-se dar àquele

que viesse a lê-la capacidade de construir um raciocínio independente dos que são

apontados pelo autor. Por esse motivo a apresentação dos fatos ocorre antes da

explicação teórica, pois dessa forma o leitor pode se posicionar quanto à natureza

dos fatos e depois fazer uma apreciação mais crítica da explicação teórica deles.

Com isso, além das relações mostradas de forma objetiva e sistemática pelo autor, o

leitor ganha autonomia para que também faça suas análises e correlações.

Dentro desse raciocínio, o capítulo destinado à apresentação do objeto de estudo de

forma detalhada insere-se logo após se apresentar uma visão global da atividade

policial e do uso da força. Somente após a apresentação do objeto de estudo é que

se inicia o estudo acerca do fenômeno em discussão. Espera-se com isso que o

leitor possa fazer uma apreciação dos capítulos que se seguirão ao objeto de estudo

de forma mais atenta, pois já conhecerá o problema que deve ser respondido bem

como os objetivos deste trabalho. Dessa forma, apenas depois do esclarecimento do

objeto de estudo, começa-se a discutir temas como autoritarismo policial,

autoritarismo brasileiro, imersão social dos policiais, padrões teóricos de

manifestação da violência policial e teorias de base delineadas por aspectos teóricos

sobre estereotipia, representações sociais, e estigmatização.

Com o término dos estudos bibliográficos já se torna possível introduzir o método

pelo qual se buscaria comprovar toda a carga teórica apresentada. Diante disso,

após essa especulação bibliográfica, iniciou-se a explicação metodológica. Nesse

capítulo, devido à complexidade apresentada pelo objeto de estudo, buscou-se

enfatizar as explicações sobre a forma de concepção do instrumento de pesquisa,

pois ele foi o principal responsável por captar, da amostra, a expressão objetiva de

todo arcabouço teórico que o precedeu.

Page 11: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

11

Finalizando o trabalho, são apresentados os resultados alcançados com relação ao

problema e objetivos propostos, deixando para aquele que os observar, além da

interpretação dada neste trabalho, à possibilidade de relacionar os dados com todos

os argumentos apresentados anteriormente.

Page 12: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

12

2 O USO DA FORÇA POLICIAL, UMA AÇÃO COMPLEXA

A atividade policial é, sem dúvida, demasiadamente complexa e isso pode ser

deduzido do enorme número de pesquisas que tentam propor como deve ser

executado o policiamento para que se alcancem os mais diversos objetivos a que

ele pode ser ligado como, por exemplo, a redução dos índices de criminalidade, de

forma mais óbvia, a produção de segurança subjetiva, a redução do medo, a

prestação de um serviço público de atendimento às vítimas das mais diversas

formas de violação de direitos, a execução do controle social, a preservação e

manutenção da ordem pública, etc. Como se vê "Policiar" é algo extremamente

amplo e seu limite de alcance é muito difícil de se delimitar, bem como os reflexos

decorrentes da atuação policial também o são.

Apesar da enorme dimensão que a atividade policial pode tomar, seja qual for seu

objetivo, modalidade ou o padrão de policiamento, em todas elas a possibilidade do

uso da força é uma constante com a qual o policial lida rotineiramente. Bayley 35

(1975 apud Costa, 2004, p. 1) chega a colocar essa possibilidade dentro do conceito

que atribui às organizações policiais definindo-as como “[...] aquelas organizações

destinadas ao controle social com autorização para utilização da força, caso

necessário”. Analisando esse trecho, que tem a força como ponto central, nota-se

que ela é um elemento essencial à polícia, porém, seu uso não é incondicional. No

próprio conceito de Bayley (1975) há o estabelecimento, como requisitos para que o

uso da força policial possa ocorrer, o da finalidade de que ela seja empregada para

o "controle social" e de que seu uso ocorra apenas "caso necessário”.

Apesar dessa primeira limitação dada por Bayley (1975), as condições para

utilização da força vão muito além das impostas em seu conceito. Especificamente a

Polícia Militar de Minas Gerais – MG – estabelece, no seu Manual de Prática Policial

n.º.1, como requisitos para o emprego da força policial a legalidade, a

necessidade, a proporcionalidade e a conveniência. Além da exposição desses

35 BAYLEY, David. The Police and Political Develoent. in Europe. In: Charles Tilly (ed), The

Formation of National States in Western Europe. Princeton: Princeton University Press, 1975.

Page 13: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

13

princípios, o Manual da PMMG traz como orientações para o uso da força outros

vários pontos:

O emprego da força pressupõe a busca de um objetivo legítimo e você deve fazê-lo de forma moderada, agindo proporcionalmente à agressão ou à ameaça de agressão, utilizando a quantidade de força necessária para controlar o suspeito. (MINAS GERAIS, 2002, p.59) [...] Apesar de suas respostas serem ditadas pelas atitudes do suspeito, insista na persuasão e na verbalização em todo o tempo, como alternativa para reduzir a necessidade e a intensidade da força aplicada. Força letal é medida extrema e, sempre que possível, deve ser evitada. (MINAS GERAIS, 2002, p. 62) [...] Havendo cooperação por parte do suspeito, não há motivo para o uso de força, abuso verbal ou físico, o que poderá fazê-lo parar de cooperar e torná-lo violento (MINAS GERAIS, 2002, 75)

Além dos princípios colocados expressamente pelo manual, nos trechos acima,

pode-se ver outros requisitos tacitamente postulados para o emprego da força.

Assim vêem-se elencados também os seguintes parâmetros para o uso da força:

• A força deve ser usada na busca de um objetivo legítimo.

• A utilização da força deve ser feita de forma moderada.

• Deve haver uma agressão ou ameaça de agressão anterior ao uso da força.

• A força deve ser usada apenas na medida para controlar o suspeito.

• A persuasão deve ser utilizada com alternativa anterior ao uso da força e para

reduzir sua intensidade se for necessário empregá-la.

• A força não pode ser utilizada quando o abordado for cooperativo.

Porém, atendo-se aos princípios do uso da força (legalidade, necessidade,

proporcionalidade e conveniência), percebe-se que apenas a legalidade possui uma

postulação em lei expressa e bem determinada, no caso, as excludentes de ilicitude

postuladas nos códigos penal comum e militar, os demais princípios não possuem

postulações objetivas. Com relação às excludentes de ilicitude a que mais se aplica

a atividade policial militar é a legítima defesa postulada nos Arts. 44 e 45 do Código

Penal Militar.

Page 14: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

14

Art. 44. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Excesso culposo Art. 45. O agente que, em qualquer dos casos de exclusão de crime, excede culposamente os limites da necessidade, responde pelo fato, se êste é punível, a título de culpa. (BRASIL, 1969)

Prosseguindo na análise sobre os demais princípios do uso da força, além do da

legalidade e da sua relação com as excludentes de ilicitude, surgem alguns

problemas maiores do que a interpretação desses dispositivos legais. Como avaliar

objetivamente a “necessidade” descrita no Manual de Prática Policial? Como medir a

“proporcionalidade”? Como determinar a "conveniência”? Na verdade, não há

definição legal ou institucional que consiga determinar tais respostas. Somente

analisando a situação de fato é possível dizer algo sobre esses conceitos. Mas, da

mesma forma, pessoas diferentes dirão coisas diferentes sobre tal situação, porém,

quando as evidências forem demasiadamente claras quanto à desnecessidade, a

desproporcionalidade ou a inconveniência, não haverá opinião divergente. Por

exemplo, uma arma de fogo pode ser proporcional a uma faca dependendo da

situação em que os portadores de tais objetos estiverem envolvidos, mas, no caso

do Carandiru em 199236, os presos estavam armados com facas e outros objetos

pontiagudos, no entanto, a ação da polícia foi claramente excessiva. Assim, tem-se

um limiar que divide as diferenças individuais quanto ao emprego da força tidas

como aceitáveis e aquelas situações em que o emprego da força é inaceitável de

forma consensual. Essa dificuldade de delinear o que seria o uso legítimo da força é

apresentada por Costa (2004, p. 108):

Uma questão relevante é a distinção entre o uso da força legitima e violência policial. Até que ponto e sob quais circunstâncias é legitimo, ou admissível, o uso da força? Qual a linha demarcatória entre força legitima e violência policial? Esta questão tem sido largamente debatida por aqueles que se dedicaram a estudar a atividade policial nas modernas democracias. Em primeiro lugar, é importante destacar que essa linha demarcatória não é fixa. O

36 Para mais detalhes sobre o “massacre do carandiru” ver relatório nº 34/00 CASO 11.291 (CARANDIRU) BRASIL de 13 de abril 2000 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização do Estados Americanos.

Page 15: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

15

limite entre força legitima e violência varia em função da forma como cada sociedade interpreta a noção de violência.

Neto (199937 apud Costa, 2004) diz que há uma divisão na interpretação sobre o uso

excessivo da força ou não. Do ponto de vista jurídico haveria uma distinção legal

entre os dois que seria norteada por definições de crimes decorrentes de atuações

policiais. A tortura, o abuso de autoridade, a violência arbitrária, seriam exemplos

desses crimes. Apesar disso, tal distinção entre uso da força e violência não seria

capaz de identificar a violência quando ela fosse resultado do uso da força de forma

legal, porém desnecessária ou excessiva Neto (1999 apud Costa, 2004, p. 108)

aponta que “Muito embora a legislação de vários países reconheça as variações

situacionais de necessidade e intensidade, sua aplicação nos casos concretos é de

grande dificuldade.”.

Outro meio de verificação da possibilidade de uso violência por parte da polícia

recairia sobre o ponto de vista sociológico das ações policiais, ou seja, com base na

percepção de determinados grupos acerca da forma como a força é utilizada, porém,

sobre esse aspecto Neto (1999, apud Costa, 2004, p. 109) destaca que “Nesse

caso, embora legal, o uso da força em alguns casos pode ser considerado ilegítimo

– como ocorre, por exemplo, quando a polícia utiliza a força para controlar uma

greve ou uma manifestação popular.”. Da mesma maneira, com relação a esse tipo

de análise, o autor também considera que, sendo a legitimidade construída com

base em valores, crenças e com base em uma estrutura social, há a possibilidade de

legitimação da violência policial quando esta for dirigida a grupos socialmente

desprivilegiados.

O último meio proposto por Neto (1999, apud Costa, 2004) seria um controle

profissional que partiria da própria instituição através de um julgamento do ato tido

como excessivo na perspectiva de policiais mais experientes. Portanto, sob essa

ótica, um ato seria violento quando a força utilizada fosse maior do que a que um

policial experiente consideraria necessária.

37 NETO, Paulo Mesquita. Violência Policial no Brasil: Abordagens Teóricas e Práticas de Controle. In: PANDOLFI, Dulce Chaves et al.,Cidadania, Justiça e Violência. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1999

Page 16: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

16

Fato importante é relacionar a forma sociológica de avaliação quanto ao uso da

força de forma desnecessária (Neto, 1999, apud Costa, 2004) com a moral, pois

essa concepção sociológica proposta, enquanto uma construção grupal e social,

remete à definição de moral. Na enciclopédia Wikipédia, Moral é:

um conjunto de regras no convívio. O seu campo de aplicação é maior do que o campo do Direito. Nem todas as regras Morais são regras jurídicas. O campo da moral é mais amplo. A semelhança que o Direito tem com a Moral é que ambas são formas de controle social.

Dessa forma, como um parâmetro subjetivo oriundo de costumes, a moral

distinguiria para além da lei o que é certo ou errado por meio de uma concepção

difusa e aceita por todos.

Prosseguindo em uma análise objetiva do uso da força, a moral, no âmbito da

República Brasileira, não é aplicável apenas ao uso a força policial, a Constituição

Federal traz em seu Art. 37 a moralidade como um dos princípios da administração

pública entre outros. Destarte, a Polícia é apenas mais um órgão do Estado

envolvido por ele e, além da moralidade, deve também aplicar os demais princípios

em todos os seus atos, por isso, a Legalidade e a impessoalidade também têm

íntima ligação com as atividades da polícia. Sobre a legalidade já foi discorrido

acima, agora é necessário tratar sobre a impessoalidade que é, sem dúvida, entre

esses princípios, o mais importante para este trabalho.

Dessa forma, a atuação policial, quando do uso da força, além de revestida de

legalidade, necessidade, proporcionalidade, conveniência, moralidade, ética e

moderação38, também deve ser dotada de impessoalidade. A impessoalidade pode

remeter, por sua vez, ao princípio constitucional da isonomia que também está

postulado na constituição e diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito (...) à igualdade”. Assim não é correto que o policial

ao fazer uso da força distinga a sua intensidade com base no julgamento que faz

sobre as pessoas que sofrerão tal medida. Pessoas diferentes em situações

38 A moderação é um requisito da legítima defesa como pode ser visto na citação do Código Penal Militar. “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente os meios necessários...”

Page 17: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

17

idênticas devem, então, receber do policial o mesmo tratamento. Não é justificável

que cidadãos em razão de suas características físicas, econômicas ou intelectuais

recebam da polícia um tratamento diferenciado com relação ao uso da força de

acordo com essas características.

Porém o que este trabalho tenta provar que há justamente essa diferenciação.

Assim, ao partir do pressuposto de que realmente há diferenciação, então, a polícia

não estaria sendo isonômica e, portanto, não haveria adequação ao princípio da

impessoalidade que deve reger a administração pública. Da mesma forma, nesse

caso, a polícia não seria moral, pois de forma difusa entende-se na sociedade que

não é correto diferenciar o tratamento às pessoas em função de sua condição social,

econômica ou étnica. Ademais não estaria sendo ética, pois, individualmente as

pessoas também recriminam tal diferenciação se interpeladas para fazer um

julgamento crítico a esse respeito. Diante dessa conclusão de que a pessoalidade

traz à ação policial também imoralidade e falta de ética, já se tornam questionáveis

também outros requisitos do uso da força policial como a proporcionalidade, a

moderação, a necessidade e a conveniência. Afinal, se para determinada pessoa um

determinado nível de força seria considerado proporcional, moderado, necessário e

conveniente, numa situação idêntica, para outra pessoa, qualquer nível acima deste

anterior seria obviamente desnecessário e, se o fosse, perderia também a

moderação, a proporcionalidade e a conveniência por dedução, pois, apesar desses

conceitos serem apresentados de forma separada, eles são interligados por

essência.

Mesmo com esse desdobramento, tais afirmações só foram possíveis, porque

partem do pressuposto de que há diferenciação, porém, este trabalho não possui

neste ponto respaldo para afirmar a existência ou não de tal situação. No entanto, já

é possível ter uma noção da complexidade que a decisão de utilizar a força possui.

Na avaliação quanto à possibilidade desse uso, o policial se defronta com um

grande número de variáveis objetivas e subjetivas e, em geral, tem poucos

segundos para decidir sobre a legalidade, a necessidade, a proporcionalidade, a

conveniência, a moderação, a moralidade, a ética, a impessoalidade, etc. Mas, além

disso, retornando ao objeto de estudo desse trabalho, o que dizer sobre a

impessoalidade do uso da força quando a sociedade na qual o policial está inserido

Page 18: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

18

é preconceituosa em relação a determinadas classes, etnias e locais de habitação?

Será que é o policial o único culpado caso pela violência proveniente da polícia? Nos

capítulos à frente tais perguntas serão discutidas.

Page 19: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

19

3 A ATIVIDADE POLICIAL NO ESTADO DE DIREITO E NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A Atividade policial está intimamente ligada ao Estado, pois, via de regra, a polícia é

o órgão responsável por dar entrada no processo de punição cujo exercício é direito

avocado exclusivamente pelo Estado.

Nesse processo, a polícia é uma ferramenta do Estado dotada de uma quantidade

de poder e capacidade de ação limitados pelas leis, com uma função parcial na

aplicação dessa punição. Como dito anteriormente, o papel policial é o de entrada

nesse processo de punição, dessa forma ela apenas identifica o ilícito e dá

conhecimento ao sistema judiciário para que esse julgue e aplique a devida punição

ao infrator nos moldes das leis. Não cabe então à polícia aplicar qualquer medida de

punição àqueles que infringiram ou potencialmente “infringirão” a lei, pois o Estado

não dá a ela esse poder.

É erro grave, infelizmente freqüente, tentar medir a correcção e eficácia da actuação de outrem pelo que cada um julga dever ser o procedimento adequado em função das suas próprias preocupações. E este erro, devemos reconhecê-lo, é ainda freqüente nas polícias em relação às autoridades judiciárias. Mas erro maior, infelizmente não erradicado absolutamente de algumas mentalidades, é procurar substituir-se aos demais, vingando o crime pelas próprias mãos, como que antecipando o castigo, com o pretexto da ineficiência daqueles. Esta actuação, inteiramente desajustada, é não só ilegítima como criminosa. A função da polícia é a de prevenir, não a de reprimir. São funções juridicamente diversas, actuáveis com meios diversos também e com subordinação a critérios específicos. Que cada um cumpra a sua função o melhor que puder e souber e deixe aos outros que sejam eles próprios a cumprir as que lhe competem. (SILVA, 2000, p. 18)39

Sem dúvida, quando a polícia tem a lei como um limitador, seu trabalho se torna

mais complexo. Com o parâmetro legal, o policial passa a ter que seguir um rito

ditado pela lei e não pode agir de forma distinta dela com a justificativa de atingir um

fim idêntico, porém imediato e desburocrático, ao que alcançaria se a seguisse.

Decorre disso a necessidade de criação de técnicas mais elaboradas e adequadas 39 SILVA, Germano Marques da. Seminário sobre Actuação Policial e Direitos Humanos. In: Polícia Portuguesa, n.º 125, ano LXIII, II Série, Bimestral, Lisboa, DNPSP, Setembro/Outubro, 2000. Disponível em: <http://www.igai.pt/publicdocs/S24Out4Nov_Intervencoes.pdf> . Acesso em: 24 Ago2007

Page 20: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

20

para execução do trabalho policial e para o alcance dos fins desejados de forma

legal. A partir dessa conclusão, a máxima de Maquiavel de que os fins justificam os

meios não mais pode ser aplicada. O policial não pode infringir a lei a pretexto de

exercê-la, um policial que não respeita a lei num Estado de direito é, ele mesmo,

mais um infrator.

Se as polícias pudessem manter a ordem sem se preocupar com os aspectos da legalidade, suas dificuldades diminuiriam consideravelmente. Entretanto, elas estão inevitavelmente preocupadas em interpretar a legalidade, uma vez que usam a lei como instrumento de ordem. (SKOLNICK40, apud COSTA, 2003, p.94)

No entanto, quando se trata a atividade policial apenas como aquela que aplica a lei

e que deve respeitá-la, diminui-se a dimensão do Estado no qual ela está inserida de

um Estado democrático de direito para apenas um Estado de direito. A imposição e

o respeito à lei são premissas de um Estado de direito, porém, condição do mesmo

ser também democrático inverte a sua posição de “leviatã” 41 em relação aos seus

cidadãos, colocando-o abaixo deles, ou seja, em vez do Estado impor às leis à

sociedade é a última que impõe as leis ao primeiro.

Assim, apesar de tanto o Estado de direito como o democrático de direito terem a

função de regular a vida em sociedade, no primeiro essa regulação pode ocorrer de

forma independente do povo, impondo-se as leis sem questionar se elas são

desejadas, o Estado está acima da sociedade e cabe a ele decidir sobre o que é

melhor para a todos. Já no Estado democrático de direito a sociedade vem em

primeiro lugar, pois as leis são o resultado dos desejos da sociedade e, portanto,

quando o povo aprova uma lei que regula o Estado, se coloca numa posição

superior ao Estado, dizendo como deseja que o poder público se comporte.

Destarte, da mesma forma que as relações entre Estado e povo são distintas nesses

dois tipos de Estado, as relações entre polícia e sociedade também o são. Pode-se

40 SKOLNICK, Jerome. Justice Without a Trial. New York: Macmillian, 1994, p. 6. 41 Afigura do “Leviatã” foi criada por Thomas Hobbes e identifica o Estado como um gigante que toma pra si as liberdades individuais dos cidadãos para promever o bem comum, pois o resultado da vida em Estado de natureza seria a guerra. Para Hobbes o "homem é o lobo do homem", e para evitar a guerra de "todos contra todos" é necessário impor mecanismos de controle externos à ação humana. Somente por meio de um Estado-Leviatã seria possível a realização deste controle externo, que também pode ser chamado de coercitivo.

Page 21: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

21

pensar então, de forma mais óbvia, que a polícia trabalha para o Estado no modelo

não democrático e para o povo no modelo democrático, assim, como se pode

constatar em Silva (2000) no seu discurso sobre o trabalho policial numa

democracia:

[...] a polícia numa sociedade democrática tem de estar necessariamente ao serviço das pessoas, imbuída do espírito de respeito pela liberdade que é componente essencial da dignidade da pessoa humana. (SILVA, 2000, p. 21)

O Brasil já teve a oportunidade de se organizar sob essas duas formas de Estado

mais de uma vez. No entanto, para este estudo merece destaque o período que se

inicia em 1964 com a ditadura militar e que se encerra em 1988 com a promulgação

da constituição cidadã, que reinstituiu o Estado democrático de direito, que perdura

até hoje. O período militar é citado por muitos autores como sendo de suma

importância para a compreensão dos problemas vivenciados pela polícia com

relação ao uso excessivo da força e pela inadequação de muitas ações policiais

oriundas dessa época à atual condição democrática do Estado Brasileiro.

Como não foi empreendida, com o advento da democracia brasileira, uma reforma nas instituições de segurança pública, mas sim, uma readequação do regime anterior ao nascente regime, permaneceram arraigados, no âmbito daquelas instituições, valores autoritários, os quais impedem a consolidação democrática no Brasil. (ZAVATARO, 2004, p.44)

O “regime anterior” a que se refere Zavataro (2004) é o regime militar, no qual, como

se viu, o Estado agia e legislava do modo que considerava correto e o fazia de forma

independente da sociedade. Nesse tipo organização estatal, a atividade policial é

exercita para a manutenção dessa estrutura organizacional que suprime a vontade

popular. A contestação e a exigência de explicações são vistas como atos

subversivos e todos os cidadãos como inimigos potenciais ao regime instalado.

Nesse tipo de Estado, polícia e sociedade se colocam sob lados opostos e são

inimigos.

As cartas constitucionais republicanas anteriores a 1988, não deixam dúvidas quanto à principal função das s. Tratava-se, primeiro, de salvaguardar a "Segurança Nacional" mobilizando seus esforços para a "segurança interna e manutenção da ordem" do Estado. Não é difícil concluir que o que estava em jogo era, fundamentalmente, a sustentação de uma lógica que pressupunha o "Estado contra a sociedade", ou melhor,

Page 22: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

22

uma concepção autoritária da ordem pública que excluía os cidadãos de sua produção, uma vez que eles eram percebidos como "inimigos internos do regime" que "ameaçavam à tranqüilidade e a paz pública". Em uma frase, a prioridade poderia ser assim resumida: cabia às s, ir para as ruas "manter" a segurança do Estado através da disciplinarização de uma sociedade rebelde à "normalidade" e a "boa ordem". (MUNIZ, 2001, P. 183)42

Apesar disso, a compreensão dessa forma de organização do Estado brasileiro e

das polícias não pode ocorrer de maneira descontextualizada do momento histórico

internacional no qual estão inseridas (bem como ainda hoje também não o podem).

A ditadura militar, no Brasil, ocorreu dentro do contexto da guerra fria e a América

Latina como um todo se via subordinada a interesses norte americanos de “caça”

aos comunistas. A lógica de atuação policial era a de identificação dos elementos

subversivos e eliminação dos mesmos. Apesar de parecer algo incompatível com a

realidade atual, Zavataro (2004) demonstra que a interferência norte americana nas

atividades policiais na América do Sul perdurou após a guerra fria e que ela fez com

que apenas se mudasse do inimigo interno comunista para o narcotraficante.

Zavataro (2004, p. 43-44) demonstra em seu estudo que num primeiro momento a

interferência Norte Americana induziria à “caça” aos comunistas e, num segundo,

aos narcotraficantes e que tal interferência se deu através do ensino e do

treinamento das polícias sul-americanas pelos norte-americanos.

Com o fim do socialismo na década de 80, os Estados Unidos precisariam encontrar novos inimigos para garantir sua política externa de segurança nacional. Dessa vez, os escolhidos foram os terroristas e narcotraficantes. Para tanto, seria condição sine qua non a propagação de um discurso anti-terrorista que legitimasse interferência nas políticas dos Estados nacionais. Do mesmo modo que o programa de treinamento das polícias latino-americanas, oferecido principalmente a partir da década de 50, o alvo do novo programa de internacionalização da polícia americana seria novamente os países da região sul-americana. A década de 90 se caracterizou por uma “guerra declarada contra as drogas”. Assim, para legitimar a continuidade do recrudescimento da violência estatal, agora não mais contra os comunistas e subversivos, mas sim contra traficantes, terroristas etc., foi premente o revigoramento das ideologias da defesa social e da segurança nacional, além do recente movimento de “Lei e Ordem”, reforçado pelos meios de comunicação na

42 MUNIZ, Jacqueline. A Crise de Identidade das Polícias Militares Brasileiras: Dilemas e Paradoxos da Formação Educacional. Security and Defense Studies Review. V. 1. Winter, 2001. Págs. 177 - 197. Disponível em : <http://www.ndu.edu/chds/journal/PDF/Muniz-final.pdf>. Acesso em: 21 Jun 2004.

Page 23: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

23

caracterização de estereótipos. Desse modo, ficariam caracterizados os inimigos que os aparelhos repressivos de Estado deveriam aniquilar, não importando por quais meios, desconsiderando-se, por conseqüência, a existência dos direitos humanos. Com base na construção de novos inimigos internos, o Estado consegue legitimar uma ideologia autoritária, capaz de se sobrepor às leis, principalmente daquelas protetoras dos direitos humanos.

Como se vê, a transição de um regime autoritário para um regime democrático no

Brasil não representou uma mudança na forma de atuação das polícias no Brasil,

em vez de se remodelar a atividade policial para o novo regime, manteve-se a

estrutura anterior, e mudou-se apenas o foco do trabalho, dos “subversivos” para os

“traficantes” aplicando-se a esses últimos tudo que se aplicava aos primeiros.

No período mais recente, duas décadas de ditadura militar e comprometimento das estruturas policiais com a repressão ilegal e clandestina contribuíram muito para marcar as polícias brasileiras com exemplos de crueldade e covardia. (...) Inúmeras conquistas foram alcançadas e a nação passou a viver uma experiência de participação política e de construção da cidadania. As instituições policiais, não obstante, carregam ainda, como diria Marx, “a tradição dos mortos como um pesadelo a oprimir o cérebro dos vivos.” (ROLIM, 2006, p. 46)

Nesse ponto já se pode ver que polícia Brasileira está inserida num regime

democrático, mas ainda age, em certos pontos como se estivesse num regime

autoritário. Certamente aplicar concepções autoritárias a um regime democrático

não é o ideal, porém, até agora não se pôde conjecturar como deve ser o trabalho

policial numa democracia, apenas que ele não pode ser como era na época da

ditadura militar por uma incompatibilidade ideológica com o atual regime. Então

surge a pergunta: como deve ser o trabalho policial numa democracia? Bengochea

(2004, p. 121) faz um questionamento que pode ajudar na procura por possíveis

respostas:

[...] qual é o papel da polícia no momento em que estão em crise o emprego, a família e a escola? Quer dizer, estão em crise as instituições de controle social informal que funcionavam há 20 anos: será que a polícia hoje só pode seguir o modelo de uma polícia, digamos, do tipo tolerância zero? Estaremos condenados a tal? Ou é possível pensar, em um país como o Brasil, outro tipo de policiamento, outra técnica policial, outro tipo de trabalho policial? Porque essa é a grande ignorância vigente na sociedade brasileira: o que significa o trabalho policial?

Page 24: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

24

Certo é que no regime democrático em vez de se perguntar o que o Estado deve

fazer pelo povo é necessário perguntar o que o povo quer que o Estado faça por ele,

afinal, a visão da democracia é de que o povo é a origem do poder e de que é em

nome dele que o poder deve ser exercido. É nesse ponto que a pergunta de

Bengochea (2004) pode ajudar, quando ele cita a crise do emprego, da família e da

escola, cita também problemas vividos pela sociedade sobre os quais o Estado tem

o dever de interferir para que tais crises cessem. Se há um problema para a

sociedade e se ela, através de seus representantes, postulou que o Estado deve

agir para resolver esse problema, então são necessários agentes que identifiquem

esses problemas in loco e o levem até o Estado para que ele possa autuar em

defesa da sociedade como determina a lei.

Porém esse não é o trabalho da polícia, ela não é responsável por gerar emprego,

nem por construir escolas, nem por interferir na família. Como o próprio Bengochea

(2004) cita “estão em crise as instituições de controle social informal que

funcionavam há 20 anos”. Dessa forma, o controle social que antes a polícia era

capaz de suplementar, hoje, já não o é, sendo necessária a intervenção de outros

órgão públicos. O papel formal de controle social que, outrora era exercido

exclusivamente pela polícia, através da possibilidade de coerção, já não é mais

suficiente para ocupar as lacunas que agora instituições como a família, a escola ou

o trabalho deixam. É necessária uma atuação de outros órgãos do Estado além da

polícia.

As polícias não são as únicas agências estatais encarregadas de realizar o controle social, e por mais estranho que possa parecer, tampouco desempenham um papel central. Entre várias atividades, cabe também às polícias fazer com que as leis e regulamentos estatais sejam observados. Ao reconhecer que a polícia desempenha papel central no controle social, também se reconhece que esse controle social é realizado pela simples existência de leis, e que tais leis serão acatadas pelo medo de alguma sanção estatal. O acatamento da autoridade almejado pelo Estado e seus agentes diz respeito ao grau de legitimidade de que esta autoridade política desfruta junto à sociedade. Nesse ponto, a relação entre lei e ordem não se mostra contraditória. Quanto mais legítima for percebida a forma como as polícias realizam suas tarefas, mais fácil será a aceitação da sua autoridade e, portanto, menor a necessidade de recurso à violência. (COSTA, 2004, p. 95)

Page 25: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

25

De acordo com o trecho acima se chega a duas conclusões, a primeira é de que a

polícia não é única agência estatal responsável por fazer o controle social e a

segunda é que a legitimidade é uma condição que deve ser buscada para

autoridade policial como uma forma de implementar a lei com um índice de recurso

menor à força.

Com relação à legitimidade, Costa (2004, p. 109) salienta que “A legitimidade com

relação ao exercício da autoridade estatal não é dada, mas sim construída a partir

de um conjunto de valores e crenças”. Com fulcro nessa lógica, cabe à polícia em

uma democracia promovê-la e também contribuir para a construção de valores e

crenças democráticas. Tomando isso por objetivo, é principio fundamental que a

polícia respeite as leis para que com isso ganhe legitimidade quando cobrar dos

demais cidadãos a plena obediência a elas. Nas palavras de Zavataro (2004, p. 34)

“a democracia não possui um valor ontológico. Ao contrário, constrói-se

cotidianamente, através da aplicação prática do respeito às suas instituições, às

regras e à participação política e, principalmente, pela admissão do ser humano

como um valor absoluto”. Dessa forma, ao executar e cobrar cumprimento das leis, o

policial legitima sua autoridade para que a valoração delas se amplie e, por

conseqüência, para que o seu cumprimento se torne algo comum e exigível.

Sobre os termos expostos acima é importante relatar os estudos de Tyler (1990)

citados por Rolim (2006, p. 99) que demonstram a influência da legitimidade da

autoridade policial para que os cidadãos obedeçam à lei.

Baseados em duas décadas de laboratórios e pesquisas de campo, os analistas podem sustentar que a legitimidade da polícia previne o crime. Tyler (1990) encontrou uma forte correlação em estudo desenvolvido em Chicago entre a percepção dessa legitimidade pelos cidadãos e sua disposição de obedecer à lei. No caso, a idéia de legitimidade foi medida a partir da avaliação dos cidadãos sobre como a polícia os havia tratado no último contato que tiveram. (...) a maior redução nas taxas criminais ocorreu nos distritos onde os cidadãos consideravam a polícia mais atenciosa e receptiva quanto as preocupações do público.

A preocupação da polícia não deve se voltar apenas à vontade do Estado, nem ao

crime exclusivamente, mas sim a qualquer violação da lei com a qual se deparar no

exercício de sua profissão, inclusive por parte do Estado, a fim de assegurar ao

Page 26: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

26

cidadão o pleno gozo de seus direitos e assim promover a cidadania. O policial é um

agente da lei que além de obedecer-lha, deve fazer cumprirem-na, bem como deve

atuar toda vez que ela for infringida em qualquer dimensão, seja quem for o agente

ou a vítima. Nas palavras de Balestreri (2002):

O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder. BALESTRERI(2002, p. 30)

Na democracia, ao contrário da ditadura, as pessoas deixam de ser inimigas do

Estado e passam a ser tratadas como cidadãos, com capacidade de interferência no

processo decisório do país e de exigir do Estado aquilo que precisam dele. A

exigência de ação do Estado não é mais vista como subversão, mas como exercício

de cidadania e direito. Assim a execução da lei através do trabalho policial deve

ocorrer não para resguardar o Estado, mas sim para promover a cidadania.

O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser. Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra “sociedade militar”. A “lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se encarregou de solidificar esses equívocos, tentando transformar a polícia, de um serviço à cidadania, em ferramenta para enfrentamento do “inimigo interno”. Mesmo após o encerramento desses anos de paranóia, seqüelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real função policial. (BALESTRERI, 2002, p. 35)

Com essa concepção de promoção da cidadania, muitas vezes a atuação policial vai

além da busca pelo criminoso e, na verdade, cada vez mais tal fato deixa de ser o

foco do trabalho policial. A prevenção criminal e a tentativa de fazer com que o crime

não ocorra são mais importantes do que prender o infrator depois do delito cometido.

Assim, no enfoque preventivo, a atuação policial muda de uma postura reativa para

uma postura proativa, e essa postura é balizada exatamente pelo cumprimento da lei

em todas as suas esferas e pela tentativa de evitar que a infrinjam. Com isso, a

Page 27: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

27

direção do trabalho deixa de ser a atuação contra criminosos grandiosos, mas sim,

como atuar em pequenos problemas para que eles não se ampliem e tragam o crime

como conseqüência. A busca pela inexistência de crime e a inversão do papel de

repressora para o de prestadora de serviço à sociedade gera uma mudança no

pensamento policial que em vez de buscar ser temido, deve procurar transparecer

confiança e respeitabilidade.

As polícias tendem a ser avaliadas em termos quantitativos: quantos crimes aconteceram, quantas pessoas foram presas, quantas chamadas foram atendidos, quantas ocorrências foram registradas, quantos crimes foram solucionados. Entretanto, esses números não respondem a uma importante questão para um regime democrático: qual o grau de confiança que os cidadãos depositam nas polícias? Em boa medida, a avaliação incorreta do desempenho das polícias repousa na idéia incorreta de atribuir às polícias a exclusividade do controle social. Outra forma de avaliar o trabalho das polícias é verificar a qualidade da sua relação com a sociedade, bem como a efetividade dos seus gastos.(COSTA, 2004, pp. 114-113)

Porém nem sempre essa noção é clara dentro das instituições policiais, mesmo

sendo elas solicitadas cotidianamente para resolver problemas cada vez menos

ligados à esfera criminal, como cita Bengochea et. al. (2004, p. 121):

Cabe destacar que vários estudos têm mostrado que aproximadamente 70% das intervenções policiais não são na área policial, mas sim na social, denominada, aqui na Brigada Militar, de assistência e resolução de pequenos conflitos que não se constituem em infrações penais. Nos 30% restantes, provavelmente se apontará que a grande maioria das intervenções corresponde a pequenos delitos. Atualmente a polícia, na sua cultura histórica, só trabalha com um instrumento que é a reação pela força; qualquer conflito e dificuldade são resolvidos pela força. (...) Geralmente, em todo o conflito em que a polícia intervém, a tendência é criminalizar a conduta, nem que seja por desacato ou desrespeito, efetivando a solução pelo uso da força e pela prisão.

É justamente nesse ponto que se retoma a discussão em torno do fato de que a

polícia não possui um papel central no controle social, muitas vezes esses pequenos

conflitos são resultados de problemas estruturais de descumprimento da lei pelo

próprio Estado, e como dito anteriormente, o descumprimento da lei pela autoridade

pública corrói os valores responsáveis por fazerem os cidadãos acatarem-na. Assim,

na busca pelo pleno cumprimento da lei e pelo exercício do controle social, a polícia,

ao detectar um problema que gere reflexos na ordem pública, e cuja causa vá além

Page 28: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

28

da sua capacidade de ação, deve envolver outros órgãos do Estado a fim de

resolvê-lo.

A dificuldade de encontrar emprego é, muitas vezes, citada como uma causa que

leva as pessoas a se voltarem para o crime como solução para as suas

necessidades, porém isso geralmente está relacionado com a falta de formação

acadêmica e profissional. Assim a falta de educação adequada, geraria dificuldade

de encontrar empregos capazes prover uma vida digna e isso acarretaria uma falta

de perspectiva em relação ao futuro para os jovens estudantes que, por sua vez, os

conduziria à conclusão de que o crime, em vez da escola, é o caminho para alcançar

o padrão de vida que desejam.

Como dito anteriormente, não cabe a polícia construir a escola, mas é certo que

simplesmente prender o infrator que sofreu todo esse processo seria ineficaz. É

nesse ponto que o envolvimento de outros órgãos se faz necessário. A polícia

precisa deixar de agir e pensar-se como única solucionadora dos problemas sociais.

Diante desse raciocínio a única coisa que se conseguirá é a certeza de que o

trabalho que se realiza é inútil, pois, num sistema como o exposto acima, nunca se

verá resultado apenas realizando prisões e eliminando bandidos. Na busca pela

aplicação da lei e pela prevenção criminal a polícia deve se envolver com os demais

órgãos públicos responsáveis pelo cumprimento dos mais diversos direitos dos

cidadãos, da mesma forma que também deve buscar apoio de entidades civis e da

própria sociedade. É esse tipo de atuação que expressam as palavras de Costa

(2004, p. 95) quando o autor diz que “As polícias não são as únicas agências

estatais encarregadas de realizar o controle social, e por mais estranho que possa

parecer, tampouco desempenham um papel central”. O papel da polícia é o de mais

um órgão responsável por identificar os problemas sociais e encaminhá-los às

autoridades competentes. Com essa conclusão, vê-se que uma atuação policial

isolada dos demais órgãos do estado está fadada ao fracasso, por não conseguir

atingir causas estruturais dos problemas de segurança pública.

Como mencionamos anteriormente, o controle social é função do Estado como um todo, e não uma tarefa exclusiva das polícias. Cabe, portanto, ao Estado como um todo impor as normas, as crenças e os padrões de conduta desejados pelos grupos dominantes. Não é possível realizar esse controle social exclusivamente por meio da repressão policial. Portanto o

Page 29: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

29

crime não é algo que pode ser combatido ou eliminado. Por outro lado, os mecanismos de controle social podem ser aperfeiçoados e estendidos a uma porção maior da sociedade. (COSTA, 2004, p. 112)

A compreensão do papel da polícia num regime democrático dissertada até agora é

importante para que se possa entender a dimensão que a violência policial tem além

da simples tipificação criminosa dessas condutas. A violência por parte da polícia é

uma prática que, mais do que criminosa, corrói a democracia que deveria ajudar a

construir. A legitimidade e a busca pela confiança da população como formas de

fazer a lei adquirir valor e se sedimentar são destruídas, trazendo na verdade a

dimensão contrária da falta de legitimidade e a de que a lei não possui valor, se não

para apenas uma parcela da sociedade. Não há como implementar a lei e oferercer-

lha como um benefício a todos se ela é reiteradamente descumprida por aqueles

que deveriam promovê-la.

Outro ponto importante para o estudo da violência policial assenta-se sobre a

concentração que ela tende a ter sobre determinados grupos sociais. Não obstante a

ilegalidade do ato, ele não ocorre de maneira uniforme, e demonstra mais uma vez

que a lei só existe e é aplicada de fato para alguns. Sobre esse aspecto é importante

notar as considerações de Zavataro (2004, p. 34-35):

[...] a democracia não possui um valor ontológico. Ao contrário, constrói-se cotidianamente, através da aplicação prática do respeito às suas instituições, às regras e à participação política e, principalmente, pela admissão do ser humano como um valor absoluto. Todavia, quando se analisam as estatísticas de violência policial, verifica-se que as instituições policiais no Brasil agem de forma discriminatória, segundo critérios definidos pela cor, raça, posição social etc., contrastando demasiadamente com a promessa igualitária da democracia, advinda a partir do declínio do regime autoritário na década de 80.

A promessa igualitária da democracia seria prejudicada por essa diferenciação de

tratamento. Esse desejo do constituinte é novamente relatado por Zavataro (2004, p.

19) ao dizer que:

Com o advento do regime político democrático no Brasil, esperava-se uma reforma, tanto no seu aspecto estrutural quanto no aspecto funcional, das instituições estatais, principalmente das instituições policiais (...) “almejava-se uma sociedade livre, dotada de capacidade de resolução dos problemas sociais e econômicos e destituída de preconceitos de qualquer ordem.

Page 30: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

30

....................................................................................................

Sabia-se que um Estado Democrático implicava na existência de uma pluralidade de grupos sociais dotados de capacidade de influir no processo decisório, tais como homossexuais, sem-terra, “favelados” etc. Para tanto, as instituições policiais deviam, ao orientar sua conduta, agir de forma consentânea com os valores agora vigentes. Entretanto, não foi o que ocorreu, já que essas instituições, sejam federais ou estaduais, continuaram a se pautar em conformidade com as diretrizes do regime autoritário.

Por fim, pode-se ver o resultado danoso para a democracia dessa possível maneira

discriminatória de atuação policial no trecho da obra de Rolim (2006, p. 36) quando o

autor diz que:

[...] a síntese dos resultados alcançados por características como essas começa a ser conhecida quando a presença da polícia, como se poderia prever, passa a ser reconhecida com crescente desconfiança, quando não com aberta hostilidade, por setores da população. Na verdade, a polícia e o público resultaram tão apartados um do outro que, para muitas comunidades – especialmente aquelas mais periféricas e marginalizadas – a polícia passou a se identificada como ‘aqueles que vem nos prender’.

Esse trecho mostra, em resumo, a desmontagem do regime democrático no que

concerne à atividade policial, pois relata exatamente sobre quem pesa a lei e

também como os ideais de integração entre polícia e sociedade são corroídos por

práticas violentas com uma concentração social bem demarcada.

Page 31: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

31

4 OBJETO DE ESTUDO

O objeto de estudo deste trabalho está na possível relação existente entre a prática

de violência policial e determinados estereótipos. Parte-se, portanto, do pressuposto

de que há violência policial e especula-se que ela não esteja distribuída de maneira

uniforme na sociedade. Assim, a violência policial teria mecanismos próprios de

manifestação e padrões dentro dos quais ocorreria que a levariam a se concentrar

em certos pontos e a se dissipar em outros. Neste trabalho buscou-se identificar

quais seriam esses padrões de manifestação da violência policial quando a variável

em questão era o estereótipo dos cidadãos que são abordados pela polícia.

Com base nessa explicação, os estudos foram desenvolvidos por meio de em um rol

determinado de estereótipos escolhidos de acordo com a percepção teórica sobre a

concentração ou a dissipação da violência policial em relação a esses estereótipos.

A partir dessas escolhas, buscou-se identificar numericamente sobre quais

estereótipos se concentrava a violência policial em quais ela se dissipava, tentando

propor uma justificativa acadêmica capaz de explicar tal diferenciação.

4.1 Problema e variáveis

Problema: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia determinam a

incidência de violência policial contra estes cidadãos?

4.2 Hipóteses

Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia determinam a incidência de

violência policial contra estes cidadãos.

Variável independente: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia

Variável dependente: a incidência de violência policial contra os cidadãos

abordados pela polícia.

Page 32: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

32

4.3 Tema

Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia militar e a prática de violência

policial.

4.4 Delimitação do tema

Para a delimitação do tema foi necessário alocar a pesquisa em um universo com

uma representatividade significativa no âmbito da Polícia Militar de Minas Gerais,

pois além da diversidade de serviços operacionais, há ainda uma grande divisão

entre o serviço operacional (de rua) e o serviço administrativo. Assim, o universo

dentro do qual a pesquisa ocorreu teve o máximo de representatividade possível

acerca desses diversos meandros do trabalho policial com os quais os policiais

podem se relacionar. O local que atendeu perfeitamente a essas exigências foi o

Centro de Treinamento Policial (CTP), local onde “recicla-se profissionalmente”

praticamente toda a tropa das unidades operacionais ou administrativas da Polícia

Militar de minas Gerais instaladas na região metropolitana de Belo Horizonte.

O CTP é responsável por ministrar, para os policiais da Região Metropolitana de

Belo Horizonte, o Treinamento Policial Básico, TPB, que é um treinamento realizado

a cada dois anos com todos os policiais da organização e que busca reciclar

conhecimentos já ultrapassados, reafirmar aqueles cuja prática deve ser mantida,

aprimorando profissionalmente os policiais militares. Pelo TPB realizado no Centro

de Treinamento Policial são treinados anualmente 14.000 policiais oriundos tanto

dos serviços administrativos como operacionais e, no âmbito do serviço operacional,

são treinados policiais que lidam desde com o radiopatrulhamento aéreo até policiais

que trabalham no policiamento a pé, modalidade mais clássica de policiamento.

Por esses motivos, a pesquisa ficou centrada nos policiais militares que estavam

cursando o Treinamento Policial Básico no CTP, afinal, esses policiais

representavam uma gama completamente aleatória e diversificada em termos de

experiências profissionais, podendo, portanto, representar significativamente os

todos os policiais militares.

Page 33: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

33

Diante do exposto, o tema deste trabalho ficou assim delimitado:

“Os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia militar e a prática de violência

policial sob o ponto de vista dos policiais do Treinamento Policial Básico do Centro

de Treinamento Policial da Polícia Militar de Minas Gerais no ano de 2007”

4.5 Objetivos

4.5.1 Objetivo Geral

Verificar a influência dos estereótipos dos cidadãos abordados pela policia na

incidência de violência policial.

4.5.2 Objetivos Específicos

Verificar as variações das atitudes dos policiais diante de cidadãos com diferentes

estereótipos quando estes estiverem envolvidos em situações idênticas.

Identificar estereótipos e situações em que há maior propensão à prática de

violência policial.

Page 34: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

34

5 POLICIAL AUTORITÁRIO OU SOCIEDADE AUTORITÁRIA?

A sociedade brasileira é vista e se vê como uma sociedade cordial e que aceita de

forma exemplar as diferenças pessoais, porém essa noção extremamente difundida

de que se tem tanto orgulho não passa de um mito. A sociedade brasileira não

aceita as diferenças, é preconceituosa e se estrutura em torno dos preconceitos em

relação às diferenças. Ao estudar esses aspectos da sociedade brasileira, merece

destaque o antropólogo Roberto DaMatta (1997) que em seu livro Carnavais

Malandros e Heróis mostra o quanto o brasileiro é capaz de hierarquizar as

diferenças e fazer uso delas nos momentos que for necessário para a manutenção

do seu status dentro de uma escala de importância.

Para o seu estudo da hierarquização das diferenças na sociedade brasileira DaMatta

(1997, p. 181) utiliza o que ele chama de rito do “Sabe com quem está falando?”,

pois segundo o autor isso “implica sempre uma separação radical e autoritária de

duas posições sociais real ou teoricamente diferenciadas.”.

O "Sabe com quem está falando?", além de não ser motivo de orgulho para ninguém - dada a carga considerada antipática e pernóstica da expressão - fica escondido de nossa imagem (e auto-imagem) como um modo indesejável de ser brasileiro, pois que revelador do nosso formalismo e da nossa maneira velada (e até hipócrita) de demonstração dos mais violentos preconceitos. De fato como veremos a seguir, o rito do "Sabe com quem está falando?" nos coloca muito mais do lado das escalas hierárquicas e dos Caxias traços que sistematicamente queremos esconder ou, o que dá no mesmo, achamos que não temos a necessidade de mostrar, pois "Cada qual deve saber o seu lugar" [grifo nosso].

O “sabe com quem está falando?” é tomado por DaMatta (1997) como uma forma de

mensuração do escalonamento das diferenças pessoais. Por exemplo, seria comum

se um branco, em razão da sua condição racial, se voltasse para um negro e lhe

dissesse em um conflito qualquer “Você sabe com quem está falando, seu negão?”.

Se a utilização do rito proposto por DaMatta (1997) for possível, então infere-se que

à “raça” branca é vista como superior à negra. O mesmo rito, se utilizado de forma

inversa, não pareceria tão comum. Se um negro se voltasse para um branco e se

utilizasse do mesmo rito, tal situação pareceria anacrônica e incompatível. Dessa

Page 35: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

35

forma um executivo utilizaria o rito contra um lixeiro, mas nunca o contrário se a

característica evidente fosse a profissão dessas pessoas. Assim poderíamos

colocar inúmeras características e condições, das mais variadas dimensões

(econômica, social, política, cultural, racial, patrimonial, profissional, religioso...),

numa ordem hierárquica de importância, e estratificar as relações sociais entre os

“portadores” de tais características ou condições em termos de superioridade e

inferioridade.

Porém, como foi dito anteriormente, essa hierarquização ocorre em múltiplas

dimensões, então, a mesma pessoa que em determinada dimensão é vista como

superior, em outro ponto de vista, pode ser colocada como inferior. Assim, o

executivo que na dimensão profissional é superior ao lixeiro, se for negro, numa

dimensão racial, será inferior ao lixeiro se este for branco.

O "Sabe com quem está falando?", então, por chamar a atenção para o domínio básico da pessoa (e das relações pessoais), em contraste com domínio das relações impessoais dadas pelas leis e regulamentos gerais, acaba por ser uma fórmula de uso pessoal, desvinculada de camadas ou posições economicamente demarcadas. Todos têm o direito de se utilizar do "Sabe com quem está falando?", e mais , sempre haverá alguém no sistema pronto a receber (porque é inferior) e pronto a usá-lo (porque é superior) (DAMATTA, 1997, p. 195)

Apesar dessa diferenciação promovida pelo “Sabe com quem está falando?”, assim

como verificou DaMatta (1997), a utilização desse rito não é algo desejável para

uma pessoa, via de regra utilizar-se dele denota arrogância e prepotência,

características pouco admiradas entre os brasileiros. DaMatta (1997) para explicar

tal fenômeno utiliza-se da figura do malandro. A malandragem, como uma

característica de esperteza, de desapego a normas, de habilidade de encontrar um

“jeitinho” e de simpatia, é algo desejado pelos brasileiros e a utilização do “Sabe

com quem está falando?” é a negação dessa malandragem. Segundo DaMatta

(1997) “o rito [...] nos coloca muito mais do lado das escalas hierárquicas e dos

Caxias” que são exatamente o oposto dos malandros. Portanto, a utilização do rito

dar-se-ia apenas em situações diante das quais a malandragem e jeitinho ameno

não fossem capazes de colocar as pessoas nos seus devidos lugares na forma

hierárquica que propõe DaMatta (1997).

Page 36: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

36

E todos os brasileiros sabem que a expressão é o reflexo ritualizado e quase sempre dramático de uma separação social que nos coloca bem longe da figura do "Malandro" e dos seus recursos de sobrevivência social. Pois o "Sabe com quem está falando?" é a negação do "Jeitinho", da "Cordialidade" e da "malandragem” (DAMATTA, 1997, P.182) [...] nunca tomam a expressão como a utilização de valores e princípios estruturais de nossa sociedade, mas como uma simples manifestação de traços pessoais indesejáveis. Nesse sentido, um "Sabe com quem está falando?" seria como racismo e um autoritarismo: algo que ocorre entre nós por acaso sendo dependente apenas de um sistema implantado pelos grupos que detêm o poder (DAMATTA, 1997, p. 185).

Em outra dimensão, Roberto DaMatta (1997) relaciona o “Sabe com quem está

falando?” com o conflito dizendo que “o rito autoritário indica sempre uma situação

conflitiva, e a sociedade brasileira parece avessa ao conflito.”. Para o antropólogo, a

expressão seria uma forma de resolver determinado impasse que pode colocar em

cheque a “autoridade” de um “superior” face a um “inferior”. A expectativa comum é

de que as pessoas saibam qual é o lugar delas. Há uma perspectiva de que deve

prevalecer uma harmonia nas relações sociais e, nesse ponto, o conflito é uma

ameaça a isso que deve ser logo encerrada e o “Sabe com quem está falando?” é a

fórmula mais fácil de recolocar o sistema em harmonia.

[...] se mentimos ou escondemos dos olhos do estrangeiro ou do inocente o "Sabe com quem está falando?", deixando de integrá-lo em nossa visão corrente do que é o Brasil, é certamente por que o rito revela o conflito, e somos avessos às crises. E sabemos que o conflito aberto é marcado pela representatividade de opiniões é, sem dúvida alguma, um traço revelador de um igualitarismo individualista que, entre nós, quase sempre choca de modo violento com o esqueleto hierarquizante de nossa sociedade. Claro está aqui o "Sabe com quem está falando?" que denuncia em níveis cotidianos essa ojeriza à discórdia e à crise, que vejo como básico num sistema social extremamente preocupado com o "Cada qual no seu lugar", isto é a hierarquia e com autoridade. Nessa perspectiva, descobre-se por que o "Sabe com quem está falando?" causa e embaraço. Realmente, no mundo que tem de se mover obedecendo às engrenagens de uma hierarquia que deve ser vista como algo natural, os conflitos tendem a ser tomados como irregularidades. O mundo tem de se movimentar em termos de uma harmonia absoluta, fruto evidente de um sistema dominado pela totalidade (cf. Dumont, 1977) que conduz a um parto profundo entre fortes e fracos. (DAMATTA, 1997, p.184)

Em carnavais Malandros e heróis o autor também apresenta uma diferenciação

entre o indivíduo e a pessoa. O indivíduo representa a igualdade e a ausência de

hierarquia, enquanto a pessoa representa a diferenciação baseada nos valores

morais e nas relações pessoais. De acordo com esses conceitos o “Sabe com quem

Page 37: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

37

está falando?” seria uma forma de sair do mundo do individuo e retornar ao mundo

da pessoa, sair do individualismo que conduz à igualdade e retornar à pessoalidade

que conduz à hierarquização. Os brasileiros teriam então uma tendência a buscar

sempre retomar a pessoalidade nas suas relações e, justamente por isso, que a

conflito seria tão evitado. O conflito seria uma expressão de igualdade entre os

envolvidos, assim, logo que ele surge, trazendo consigo a idéia de igualdade entre

os contendores, o envolvido, que no arranjo hierárquico da sociedade brasileira está

numa posição de “superior”, logo se utilizaria do rito do “Sabe com quem está

falando?” para extirpar a igualdade e retomar as posições sociais da forma devida

extinguindo assim o conflito.

[...] o que fazemos, parece-me, é impedir a todo custo a individualização que conduziria fatalmente ao confronto direto, inapelável, impessoal, binário e dicotômico entre brancos e pretos, inferiores e superiores, dominantes e dominados etc. (DAMATTA, 1997, p.195).

Apesar de ter determinado para o seu estudo o rito do “Sabe com quem está

falando?”, DaMatta (1997) diz que essa expressão não é a única forma de retomar a

harmonia das relações sociais e de recolocar cada qual no seu devido lugar.

Existem inúmeras variações que na verdade tem a mesma função e são análogas

ao rito: “quem você pensa que é?”, “recolha-se a sua insignificância!”, “mais amor e

menos confiança”, “vê se te enxerga!”, “você não conhece o seu lugar?”, “veja se me

respeita!”, “será que não tem vergonha na cara?”, “mais respeito!”, etc.

Além de poder assumir inúmeras formas, a expressão analisada por DaMatta (1997)

possui como característica a possibilidade de ir além da pessoa que possui a

condição ou característica que a torna superior às demais. Assim, o filho do

promotor utiliza-se da expressão para demonstrar a sua superioridade, não pela sua

condição, mas pela do pai. DaMatta (1997) diz que do mesmo modo as crianças

também usam a fórmula de afastamento, utilizando para tanto uma identificação com

a área social ocupada por seus pais: "Sabe com quem está falando? Sou filho de

fulano de tal!". O antropólogo acrescenta ainda que o mesmo artifício poderia ser

utilizado pela empregada ou o porteiro do promotor a fim de impor uma posição de

superioridade. De forma simplificada, pode-se dizer que a condição de superioridade

transfere-se à rede relacionamentos da pessoa que a possui. DaMatta (1997)

Page 38: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

38

relaciona essa característica do “Sabe com quem está falando?” como uma

característica das sociedades Aristocráticas inserido a sociedade Brasileira dentro

do rol delas ao citar Tocqueville (1977, p. 188 e p.191)43:

[...] não posso deixar de lembrar uma observação de Alexis de Tocqueville: "Nas comunidades aristocráticas, onde um pequeno número de pessoas dirige tudo, o convívio social entre os homens obedece a regras convencionais estabelecidas. Todos conhecem ou pensam conhecer exatamente as marcas de respeito ou atenção que devem demonstrar, e presume-se que ninguém ignore a ciência da etiqueta.”. [...] As comunidades aristocráticas contam sempre, na multidão de pessoas por si próprias destituídas de poder, com um pequeno número de cidadãos poderosos e ricos, cada um dos quais pode realizar sozinho grandes coisas. Nas sociedades aristocráticas, esses homens não precisam reunir-se a fim de atuar, pois estão fortemente ligados uns aos outros. Cada cidadão poderoso constitui uma associação permanente e compulsória composta de todos que dele dependem e dos que submete para a execução dos seus desígnios

Após essa análise sob o ponto de vista de Roberto DaMatta (1997) sobre a

sociedade Brasileira é importante contextualiza-la, transportando-a para a atividade

policial. Após isso surge pois, como pergunta evidente, qual a posição que policial

ocupa na escala hierárquica da sociedade brasileira? Contra quem e como policial

pode se valer do “Sabe quem está falando?” para impor-se.

O Estado no Brasil sempre foi um grande mediador e determinante das relações

sociais e relacionar-se com o Estado sempre motivo de status e destaque social. Por

isso, muitas vezes no Império ou mesmo na República Velha, aqueles que

alcançavam um crescimento financeiro logo compravam um título que os

diferenciavam entre os demais e passavam a ser chamados por “duques” “condes”

“viscondes” “barões” etc.

Para o policial, no entanto, a relação é inversa, por possuir autoridade para aplicar a

lei de forma impessoal, em situações pontuais ele pode valer-se disso para colocar-

se acima das pessoas. O policial, então, de forma paradoxal, se personaliza através

da possibilidade de reduzir todos os conflitos à impessoalidade e à frieza da lei. Se

ele encontrar um grande artista usando drogas, por exemplo, diante da 43 TOCQUEVILLE, A. A democracia na América. Belo Horizonte. Itatiaia, 1977

Page 39: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

39

impessoalidade da lei, o figurão usará o “sabe com quem está falando?” para reduzir

o policial a uma condição de “inferior” e prosseguir em sua conduta sem que haja

punição, encerrando assim o conflito. Porém, para o policial há sempre a

possibilidade da aplicação impessoal da lei, então, para inverter a relação, o policial

pode prender o artista que, a partir daquele momento, se submeteria a autoridade

impessoal da lei e por conseqüência ao policial. Então a proximidade do policial

com a lei e o poder que detém de aplicá-la de forma impessoal é um fator

diferenciador que pode o colocá-lo como “superior” contra todas as pessoas

praticamente. Por isso muitas vezes vê-se um tratamento cortês e bajulador com o

policial por parte de grande parte da sociedade. Com uma relação mais pessoal com

o policial surge a possibilidade de gozar de certas prerrogativas na aplicação ou não

da lei caso um dia isso se fizer necessário. Essa aproximação perniciosa acaba por

manter as relações no campo da pessoalidade e evita a individualização. DaMatta

(1997) exemplifica essa situação com frase popular “aos amigos tudo, aos inimigos a

Lei”, logo, seria melhor ser amigo da lei, representada pelo policial, do que inimigo

dela.

Porém existem muitas formas de se relacionar com a lei. Pode-se ligar a ela através

do policial, do promotor, do juiz, do prefeito, do governador, do presidente. Portanto,

a subordinação ao policial será tanto menor quanto mais a pessoa envolvida no

“conflito” com ele estiver relacionada com outras cuja autoridade é tida como

“superior” a do policial. O filho de um Juiz num conflito com o policial logo buscará

submeter o policial ao poder de seu pai. Já quem não tem alguém em seus

relacionamentos a quem possa submeter à autoridade policial acabará o temendo e

o tratando da forma mais pessoal e amistosa possível, para evitar a impessoalidade

da lei.

Este mecanismo de poder e contra-poder não está inserido no raciocínio apenas

daqueles a quem o policial impõe sua autoridade (como numa abordagem policial

qualquer), mas está também inserido no pensamento do policial como um membro

da sociedade que também é. Assim, ao perceber que uma pessoa tem uma

“proximidade com a lei” maior do que a sua, o policial se retrai em sua autoridade e

dá a essa pessoa um tratamento mais pessoal e “condizente” com o status social

dela a fim de evitar o conflito e de não atrair “problemas” pra si. A forma como esse

Page 40: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

40

sistema opera na mente do policial pode ser vista no trabalho Bretas (1995, p. 22

apud Oliveira, 2005, p. 82) 44 que descreve a forma como os policiais do Rio de

Janeiro vêm os jovens da zona sul e da zona norte da cidade e como diferenciam o

trabalho realizado nesses dois ambientes em função dessa visão:

A polícia, de fato, trata de maneira diferente os jovens moradores da Zona Sul da cidade. Segundo seus próprios cálculos, ali existem mais chances do jovem ser filho de desembargador, de promotor, de juiz ou de algum coronel. Nestes casos, se o policial usar de violência com um jovem destes injustamente, há grandes possibilidades de ele ser punido. A hierarquia social também se revela no espaço social. De fato, o “poder de polícia” é aumentado ou diminuído de acordo com o espaço onde o policial atua. O fato de na Zona Sul o poder de polícia ser diminuído faz com que muitos policiais digam preferir trabalhar na Zona Norte, pois lá “são mais respeitados”. Os policiais entrevistados percebem que na Zona Sul os jovens não têm o devido respeito por eles, por vezes, ali eles são tratados com menosprezo. Naquele espaço social os policiais se sentem vulneráveis, dizem que não possuem instrumentos para reprimir certos crimes. Sabem que os jovens, devido à rede de sociabilidade que suas famílias possuem, dificilmente serão condenados por consumo de drogas. Nesses casos, é melhor “fingir que não vêem” o consumo de drogas por terem certeza da impunidade dos usuários.

Como se vê, o tratamento dispensado a alguém pelo policial dependerá da

percepção que ele fizer da “superioridade” que a pessoa com quem ele está se

relacionando tem em relação a ele. Para aqueles cujo status e a possibilidade de

proximidade com a lei forem elevados, o tratamento será mais brando e para

aqueles em quem isso for mais fraco o tratamento será, no mínimo, o da

impessoalidade da lei. Para o policial, será então comum e até esperado se uma

pessoa com uma quantidade de “poder” maior o questionar sobre seus atos. Já para

uma pessoa de quem não se espera isso, pela presunção de superioridade do

policial, tal conduta será vista como uma afronta que deve ser reprimida, um conflito

que deve ser encerrado colocando as partes em seus devidos lugares. Para o

encerramento do conflito e colocação das partes em seus lugares, o rito do “Sabe

com quem está falando?” seria útil e restabeleceria a posição de “superior” do

policial. Porém, é evidente que a pessoa sabe “com quem está falando”, afinal o

Policial Militar no exercício do trabalho de polícia ostensiva está caracterizado de

forma inequívoca como autoridade. O questionamento então seria visto como uma

44 BRETAS, M. L. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 1997

Page 41: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

41

afronta à colocação social do policial e à autoridade que ele exerce. Nesse caso, a

utilização da força pra recolocar os envolvidos em seus lugares é uma possibilidade

que pode se desencadear ante o desrespeito do cidadão. DaMatta (1997) coloca a

possibilidade do uso da violência como um meio de se demonstrar “com quem se

está falando” e de exigir o devido respeito no seguinte exemplo:

Uma moça visita seu tio, um pescador. Enquanto falava com ele, passa um desconhecido e lhe dirige um gracejo muito pesado. Ouvindo o galanteador, o tio lhe dá um soco, dizendo: sabe com quem está falando? A moça é minha sobrinha! (DAMATTA, 1997, p. 209).

Considerando a citação de DaMatta (1997) do ditado popular “aos amigos tudo! Aos

inimigos a lei” como a manifestação de uma lógica de pensamento da sociedade

brasileira e, considerando também, que a visão nele inclusa de que a lei não é para

todos, mas apenas para aqueles que são considerados inimigos, depreende-se que

um policial que atua com uma visão de que há um inimigo a ser combatido irá a

querer aplicar a lei apenas àqueles que são vistos como um perigo dentro da

sociedade. Então, dentro da lógica hierarquizante proposta por DaMatta (1997) não

caberá a essas pessoas, como sujeitos passivos da lei, questionar a sua aplicação,

pois seria uma revolta, uma forma de sair do seu devido lugar. Costa, (2004, p. 177)

analisando o estudo de Chevigny (1969) 45, sobre casos de abusos policiais entre

1966 e 1967, em Nova Iorque, cita que:

O autor concluiu que o uso de violência contra cidadãos que desafiassem a autoridade policial era prática corrente no departamento de polícia. O uso dessa violência era justificado pelas autoridades políticas e policiais como necessária para a manutenção da lei e da ordem.

Diante dessa análise, percebe-se que a violência policial estaria circunscrita contra

aqueles que são considerados “inferiores” numa escala hierárquica e que poderia

surgir, diante da contestação da autoridade policial, como forma de recolocar “cada

em seu lugar” e fazer uso do rito do “sabe com quem está falando?” proposto por

DaMatta (1997). Também notas-se que o uso de violência contra alguém

considerado “superior” é algo mais difícil, pois isso seria em si uma contestação da

45 CHEVIGNY, Paul. The Edge of Knife: Police Violence. In: The Americas. New York: The New Press, 1995.

Page 42: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

42

hierarquia da sociedade brasileira. Em face visão de que a aplicação da lei expressa

um igualitarismo indesejado, seria mais esperado que o policial fosse vítima de

algum tipo de constrangimento que buscaria colocá-lo em seu “devido lugar” do que

agente disso quando estivesse em contato com um “superior”. Dessa forma, o

policial, consciente da superioridade ou da possibilidade retaliação, seria muito mais

cauteloso no trato com aqueles vistos como “superiores”.

Vê-se então uma divisão, a princípio teórica, do trabalho policial: aos “inferiores” e

aos inimigos a lei e aos “superiores” a moderação e a cautela no trato. Da mesma

forma, vê-se uma divisão na visão da contestação da autoridade policial baseada em

“inferiores” e “superiores”. Para os “inferiores” a contestação é vista como uma

revolta e uma tentativa de igualitarismo descabida e, portanto, passível de uma ação

restauradora da hierarquia. Já com relação àqueles vistos, pelo menos

potencialmente, como superiores, o policial tenderia a relevar a contestação por ela

se tratar de algo esperado e então evitaria isso sendo mais cauteloso desde o

começo.

Apesar dessas conclusões, é preciso salientar que tais possíveis condutas dos

policiais não seriam uma característica policial em si, mas sim o reflexo que

características da sociedade brasileira exercem no trabalho policial. O policial cresce

imerso nesse sistema hierarquizante e quando ingressa na polícia é essa mesma

lógica que já aplica em sua vida que aplicará também ao seu trabalho. O

comportamento policial seria um reflexo da sociedade na qual ele está inserido, de

uma organização social maior do que o próprio policial em si. Como conclusão

desse fato pode-se tomar as palavras de Costa (2004, p. 174) de forma bastante

adequada:

A análise do comportamento policial não pode ser dissociada do estudo das estruturas políticas, sociais, culturais e normativas que moldam esse comportamento. O comportamento violento de determinados policiais não pode ser explicado simplesmente a partir das motivações individuais. Há uma série de normas sociais, leis e regulamentos que norteiam esse comportamento, seja coibindo determinadas ações, seja incentivando outras.

Com esse trecho, encerra-se o estudo do autoritarismo da sociedade brasileira e dá-

se início ao estudo dos reflexos práticos de tais concepções.

Page 43: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

43

6 . REGIÃO, ETNIA, FAIXA ETÁRIA E AS VARIAÇÕES DO COMPORTAMENTO ...POLICIAL

Durante o trabalho diário o policial lida rotineiramente com todas as categorias

sociais, e para cada uma há um tratamento diferente de acordo com as expectativas

ou visão que os policiais têm das pessoas pertencentes a esses grupos sociais.

Como foi demonstrado na análise a respeito do livro Carnavais, Malandros e Heróis

de Roberto DaMatta, esse tratamento pode variar de acordo com a relação social

estabelecida entre o policial e a pessoa com a qual ele está se relacionando. O

comportamento do policial variaria então de acordo com a concepção de

“superioridade” ou “inferioridade” estabelecida entre ele e o cidadão. Como proposto,

a prática de violência seria mais provável contra aqueles que fossem vistos como

inferiores. Naquele capítulo, não se delimitou muito bem quem seriam esses

“inferiores”, porém foi esclarecido que essa concepção é socialmente construída e

vai além da corporação policial, tendo origem na própria sociedade.

Partindo desse pressuposto de que a polícia é composta por cidadãos, não se pode

tratar a visão dos policiais sobre os grupos com que lida sem tratar-se da visão da

sociedade sobre esses mesmos grupos. Antes de ingressar em uma instituição

policial, devido ao convívio social, o cidadão já é dotado de uma carga enorme de

pré-concepções que tem a respeito de quem seria um criminoso e quem não seria.

Dessa maneira, quando o cidadão se torna um policial, trás consigo todos seus

preconceitos e os aplica no trabalho. Oliveira (2005) começa a delimitar quem

seriam então as pessoas “perigosas” de acordo com a visão da sociedade brasileira

e dos policiais cariocas, delimitando no seu trabalho o estudo acerca dos jovens.

Para o autor, a violência policial estaria orientada principalmente contra a juventude,

a favela, o tráfico de drogas e os negros.

Outro ponto comum aos policiais que entrevistei é a visão hedonista que costumam fazer dos jovens de “classe média”. O consumo de drogas (lícitas e ilícitas) seria mais um caminho na busca pelo prazer. Tudo me leva a supor que a visão hedonista associada aos jovens de “classe média” extrapola as fronteiras da classe social, podendo ser pensada para a juventude em geral; mas foi entre os jovens de “classe média” que ela foi mais enfatizada. Esta visão agrega outros aspectos importantes. Não por acaso, muitas falas apontam os jovens desta geração como sem ideais, sem perspectivas, sem horizontes, sem rumo, sem futuro, etc.; ou seja, a

Page 44: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

44

atual geração é pensada pelo que perdeu em relação à geração anterior. (Oliveira, 2005, p. 91) Muitos entrevistados consideram a favela como foco de violência e marginalidade, o que nos leva a supor que o estigma atribuído à favela contamina também seus moradores. O estudo de Rinaldi (2003:307) 46 sobre a categoria “favelado”, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ajuda na compreensão dessa questão: “... ser morador de favela é trazer consigo a ‘marca de perigo’, é ter uma identidade social pautada pela idéia de pobreza, miséria, crianças na rua, família desagregada, criminalidade, delinqüência. Tais imagens são realimentadas pelos veículos de informação, que trazem notícias sobre o ‘morro’ sempre do ponto de vista negativo, enfatizando o tráfico de drogas e a violência.” (OLIVEIRA, 2005, p. 76).

Na citação de Rinaldi (2003) acima, a construção da visão sobre a favela atribuída

aos veículos de informação, amplia para além das polícias militares as concepções a

respeito desse local. Como os meios de comunicação perpassam toda sociedade se

torna difícil dissociar a visão que os policiais têm favela da visão que a sociedade

também possui. Assim como foi proposto no momento da análise da do livro

Carnavais, Malandros e Heróis, a sociedade e o policial não se separam, na verdade

se complementam. Por outro lado, ao analisar esse trecho ainda sob o ponto de

vista da pesquisa de Roberto DaMatta, pode-se delimitar a categoria “Favelado”

(quando o foco de observação for a riqueza, a moradia, a família, a criminalidade, a

delinqüência, etc.) como uma categoria dotada de grande “inferioridade” na escala

hierárquica brasileira e isso se estenderia à todos os seu moradores.

Tal visão acerca da favela e seus moradores pode ser analisada também sob o

ponto de vista de Luiz Eduardo Soares que afirma existir um mundo que deseja

separar a parte “boa” da sociedade da parte “ruim”, sendo essa parte ruim definida

pelos limites da favela. Assim, uma vez delimitados aqueles que são os integrantes

da parte “ruim”, todas as ações das pessoas da parte “boa” serão em função dessa

concepção maniqueísta. Portanto, na visão daqueles que estão fora do morro, o

menino da favela será sempre o “ladrão”, a mulher jovem será sempre a “puta” e o

pai será sempre o “desleixado” com os filhos. Todas essas características serão

46 RINALDI, A. A. Marginais, delinqüentes e vitimas: um estudo sobre a representação da categoria favelado no tribunal do júri da cidade do Rio de Janeiro. In: Um século de favela. Zaluar, A & Alvito, M (orgs). 3 ed. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2003

Page 45: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

45

atribuídas sem que se tenha nenhum contado com essas pessoas, isso ocorrerá

exclusivamente com base no preconceito que se constrói. Luiz Eduardo Soares, no

livro Cabeça de Porco, diz que essa relação baseada em preconceitos torna

invisíveis os sujeitos passivos deles, pois projeta sobre a pessoa um estigma que a

anula e que, na verdade, reflete apenas a nossa própria intolerância. Qualquer

característica que distinga a pessoa desaparece e é trocada por um modelo

imaginário estereotipado de acordo com a classificação que lhe é imposta

socialmente.

Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e qualidades, suas emoções e medos, suas ambições e desejos. Quem está ali é o ”moleque perigoso” ou a ”guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente. (SOARES et. al., 2005, p. 175)

Para explicar melhor o medo que um estereótipo atrelado ao crime trás e os reflexos

que esse medo pode acarretar, Soares, et. al. (2005) utiliza a história de uma

senhora que se vê sozinha dentro de um elevador com um rapaz jovem e negro.

Durante todo o tempo o autor retrata os reflexos gerados pelo medo da senhora de

sofrer uma violência: O coração disparado, a sudereze, falta de ar, a vontade de que

aquela experiência termine logo, etc. Posteriormente, ao analisar a história, o autor

propõe que esse efeito físico-psicológico decorrente do medo do estereótipo

“imagem de criminoso” oculta da consciência das pessoas a irracionalidade do pré-

julgamento. Isso ocorre porque, apesar da projeção não ser uma realidade, ela trás

sofrimentos que são reais e isso é justamente o que se teme que o alvo do estigma

cause. A expectativa do fato gera o fato em si. O autor diz que esse é um caso típico

daquilo que os cientistas sociais chamam de “profecia que se autocumpre”. Para

exemplificar de forma sintética Soares et. al. (2005, p.183) utiliza o seguinte

exemplo:

Em outra situação, a mera suspeita provocada por preconceitos poderia trazer conseqüências bastante reais para o rapaz, sob a forma de sofrimentos morais, psíquicos e físicos, além de inúmeros prejuízos, dependendo do contexto. No caso do elevador, quem sofreu foi dona Nilza, e a responsabilidade pelo sofrimento foi exclusivamente dela. A falta de ar,

Page 46: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

46

a vertigem, o pânico, a taquicardia: tudo isso aconteceu, provocou sofrimento e poderia deixar seqüelas. Dona Nilza custou a superar a insônia. O coração poderia não ter resistido ao susto. Tudo isso é real o bastante para causar sofrimento. Tão real quanto o elevador, dona Nilza, o rapaz e o medo. Atribuir a dor e as seqüelas às fantasias paranóicas da senhora não nega dor e seqüelas. A irrealidade da causa não nega a realidade de seus efeitos. Uma situação análoga explica o argumento: a notícia da morte de um ente querido provoca dor. Se, algum tempo depois, descobrir-se que a informação era falsa, o sofrimento experimentado nem por isso desaparecerá. O sofrimento vivido foi vivido durante o tempo em que a morte anunciada foi real para quem a chorava. Não há como, aposteriori e retrospectivamente, desfazer a vivência da dor. Havendo seqüelas, elas tampouco se dissiparão com a descoberta do engano. O ponto é este: dona Nilza sofreu com a malfadada viagem de elevador, provavelmente tanto quanto sofreria se tivesse sido vítima de um assalto. O evento vivido, a despeito de sua irrealidade, marcará sua memória, seu sono e sua concepção sobre a vida coletiva no Rio de Janeiro. [...] o caso não lhe serviu de antídoto ao preconceito, mas de reforço à imagem de uma cidade violenta. É ilusão nossa crer que a experiência corrige equívocos de percepção, quando estes derivam de preconceitos fundamente enraizados.

Como parte ruim da sociedade, a favela e seus integrantes devem ser eliminados e,

para isso, a violência é um recurso útil como se pode notar no discurso de um

economista transcrito por Soares et. al. (2005, p. 173), no qual as palavras “eles” e

“nós” demonstram claramente a ânsia separatista ou a separação já vivida de fato:

O muro47 materializa uma figura de retórica, uma forma de pensar e um modo de agir. Com a palavra, um economista que prefere manter-se anônimo: ”Enquanto os “favelados” estiverem se matando, não tenho nada com isso. Eles que se fodam. Meu temor é que uma política de segurança cuide das favelas, o que os faria descer para assaltar e matar nossos filhos, no asfalto. ”Entre ”eles” e ”nós”, o muro: medo, estigma, invisibilidade. E a brutalidade policial. (grifo nosso)

Então, da mesma forma que a visão da favela como covil de bandidos não é

exclusiva da polícia, as práticas de violência também não o seriam. Dessa forma, a

sociedade praticaria, com as ferramentas que possui, a violência que é capaz contra

esses moradores, como forma inconsciente de manifestação dos preconceitos que

tem. Diante disso o policial, como um membro da sociedade, seria mais um cidadão

47 O muro é uma imagem que Luiz Eduardo Soares utiliza pra metaforizar a separação vivida ou vontade de separação entre a favela e o resto da cidade. Tal imagem foi retirada e aprimorada a partir de uma proposta de um Governador do Rio de Janeiro de construir um muro em torno da favela “Rocinha”

Page 47: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

47

a aumentar os índices de violência contra essa classe ao usá-la contra os seus

moradores.

[...] as favelas são vistas como: “covil de bandidos”, habitat das “classes perigosas” e território predominante de traficantes. Por outro lado, há também a presença do “discurso da ausência”, que a favela é pensada pela falta de saneamento básico, infra-estrutura, segurança, etc; ou seja, ela é freqüentemente representada como um espaço “excluído”. Esse pensamento, na realidade, expressa o tipo de presença do Estado nessas áreas, onde os serviços urbanos e sociais são precários e a violência policial uma prática comum. (OLIVEIRA, 2005, p. 76)

Como conseqüência dessas visões concêntricas em relação à favela e seus

moradores, há, muitas vezes, uma aprovação por parte da sociedade48das práticas

violentas contra essa classe social. Mas, apesar dessa aprovação existir, ela não é

em sim uma aprovação absoluta à violência policial, pois é delimitada apenas

àqueles temidos pela sociedade e a terceiros. Quando em vez de terceiros, as

próprias pessoas são vítimas da violência policial ou quando uma pessoa que não

representa socialmente um perigo é vitimada, a polícia é criticada por suas ações.

Nesses casos, a violência da polícia, que por hora era dita como errada, mas

necessária, passa a ser descabida sob todos os aspectos, pois a vítima nesse caso

não é a vítima que a sociedade desejaria eliminar.

Com essa noção, o policial que se arvorar a ser violento contra quem não é visto

como um perigo ou não amedronte a sociedade não terá essa aprovação. Vale

lembrar mais uma vez que o policial não é um cidadão isolado do resto da sociedade

e que, portanto, tal raciocínio acaba regendo também seu comportamento. Logo,

quando o policial não aprova de forma consciente ou inconsciente a violência que

deseja praticar, ele não a praticará e, por conseqüência, quando uma ação violenta

ocorrer, ela se restringirá aos grupos contra quem isso é socialmente aceito, pois

contra esses grupos há uma legitimidade ofertada ao policial pela sociedade, para

que ele aja daquela forma.

48 Para mais detalhes sobre a aprovação popular da violência policial ver:

MORGADO, M. A.. Aprovação popular da violência policial: um desafio político-pedagógico para o movimento de direitos humanos. In: XXIV Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), 2001, Caxambu, MG. Anais 2001da ANPEd. Caxambu, MG : ANPEd, 2001. p. 01-20.

Page 48: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

48

Até agora tratou-se muito do estereótipo do morador de favela, e de sua concepção

social, bem como dos reflexos decorrentes do preconceito. Porém como apontam

dados que serão mostrados a frente, há outros estereótipos que orbitam o do

“favelado”. A cor negra da pele, por exemplo, liga-se a favela e à pobreza, assim

como juventude, quando atrelada à pobreza, relaciona-se à criminalidade. Assim, a

acumulação de estereótipos de favelado, negro e jovem é uma combinação que,

com base no preconceito que carrega, determina uma classe a ser combatida e

eliminada e isso é algo socialmente legitimado.

Essa noção preconceituosa e criminalizante da sociedade em relação à favela, ao

negro e ao jovem, atrelada a uma polícia com a concepção de ser “caçadora de

bandidos” e “combatente do crime”, acaba gerando cenários como o exposto no

artigo de Ramos e Lemgruber (2004). As autoras demonstram que a violência

policial no Rio de Janeiro possui geografia, faixa etária e cor de pele específicas, se

concentrando nas áreas mais pobres da cidade e contra jovens e negros. Pode-se

ver numericamente essa situação quando Ramos e Lemgruber (2004, p. 111) citam

cano (1997) 49, mostrando o seguinte cenário no Rio de Janeiro:

Um estudo minucioso realizado por Cano (1997), tomando os autos de resistência ocorridos nos anos de 1993 a 1996, na cidade do Rio de Janeiro, revelou que as vítimas são majoritariamente jovens do sexo masculino (de 15 a29 anos, com ênfase na faixa de 20 a 24 anos) e que 64% das vítimas são negras, contrastando com a sua menor presença na população carioca (39%). O estudo também mostrou que a ação policial dentro das favelas é mais letal do que em outros locais. Em 523 confrontos armados dos em favelas, a Polícia matou 512 pessoas. Fora das favelas, foram mortas 430 pessoas. Considerando o percentual da população que vive nessas áreas no Rio de Janeiro, este dado representa uma incidência de mortes seis vezes maior no interior das favelas. Além disso, a análise mostrou que quase a metade dos corpos recebeu quatro disparos ou mais e a maioria dos cadáveres apresentava pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, configurando casos evidentes de execuções sumárias entre as “mortes em confronto”.

O trecho comprova o que já vem sendo dito a respeito da violência policial: que ela

se concentra nas classes mais pobres da sociedade, contra indivíduos negros e

jovens. Ressalta-se, como foi mostrado, que essa tendência não é determinada

49 CANO, Ignacio. Letalidade da ação policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Iser, 1997.

Page 49: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

49

unicamente pela polícia e que a sociedade possui um importante papel na

construção dos preconceitos que regerão a atividade policial e na legitimação da

violência policial quando esta for aplicada contra esses grupos. Da mesma forma,

contribuem para que a polícia se enfoque nos grupos apontados socialmente como

criminosos, o a fato dela manter uma lógica de atuação baseada na eliminação do

“inimigo interno”, que agora deixou de ser o comunista e passou a ser o traficante

que habita as favelas. Da mesma forma, o fato da polícia se ver como uma

instituição responsável por “combater o crime” é fato que faz com que se busque

“destruir o oponente”. Assim, combate-se o criminoso buscando eliminar o “inimigo

interno” identificado como traficante que, por sua vez, é negro, jovem e mora na

favela, e tudo isso com a legitimação da sociedade que compartilha o mesmo

pensamento.

A construção dessa realidade por sua vez acaba trazendo reflexos na visão que os

moradores da favela têm em relação à polícia. A ação policial torna-se então

sinônimo de medo, terror e inquietação nos morros. Tal realidade é então uma

antítese à concepção democrática de que a polícia está a serviço do povo e de que

devem andar em consonância. O que se vê é que entre a polícia e os infratores, os

moradores da favela preferem os últimos, numa clara derrota do Estado no seu

papel de servir ao povo.

[...] é sobre os pobres que a polícia concentra seu poder fortalecido nos últimos vinte anos: comete injustiças nunca pensadas, humilha, mata, tortura e, na rua, ‘vai logo dando sugestão’. A desconfiança que a presença policial desperta entre eles, mesmo quando concordam sobre a necessidade do policiamento ostensivo e sobre os bons propósitos de alguns (poucos) policiais, é notável. A memória de muitos casos adversos e trágicos mantém a imagem negativa do policial. Por isso dizem preferir, entre o policial e o bandido, a este último, que conhecem e com quem podem conversar. ZALUAR (1985, p. 157)

Além de considerar tão enfaticamente a questão das diferenças entre classes como

determinante das atitudes dos policiais, faz-se importante também uma visão acerca

da relação entre juventude e polícia. Após as análises feitas até agora, já é possível

omitir muitas explicações sobre a influência dos preconceitos da sociedade sobre a

atividade policial, bem como não é, nesse momento, necessário trazer mais

explanações sobre os reflexos reais que o preconceito, como uma profecia que se

Page 50: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

50

autocumpre, pode trazer. Então, inicia-se a reflexão partindo do pressuposto de que

a juventude é uma característica que compõe, dentro de um rol de outras

características, o estigma que determina, em parte, quem são os “criminosos” na

sociedade brasileira. A juventude, portanto, não poderia ficar sem uma analise

específica para ela. Nesse sentido Oliveira (2005, p. 78-79) ao estudar as

representações de policiais sobre a juventude trás uma importante contribuição:

É possível dizer que nas representações dos policiais sobre a juventude predomina o discurso da “marginalização juvenil”. Para os policiais, os jovens são motivos de intensa preocupação. Até certo ponto, a classe social determina o tipo de tratamento que o jovem receberá e, por vezes, até mesmo o crime que lhe será atribuído.

Para cada grupo social entre os jovens, haverá uma visão estereotipada dos

policiais a respeito desse grupo, que determinará a forma como dar-se-á o

relacionamento entre jovens e polícia. Da mesma forma, isso determinará os desvios

policiais mais propensos a serem cometidos. Sendo a juventude o maior alvo da

atenção policial em face da noção criminalizante que se faz dela, haverá um contato

com polícia mais intenso. Com isso, os diversos sub-grupos de que é composta a

juventude assimilará diferentes concepções sobre a polícia. Essa visão será, na

verdade, o reflexo da forma como a polícia age com cada uma dessas classes.

Em qualquer grupo, todos têm algo a contar sobre a polícia. Os mais ricos contam que foram ‘achacados’ e dizem: ‘tivemos que negociar’. O que, via de regra, termina em ter que ‘molhar a mão do policial’. Os mais pobres, sobretudo, se forem negros, contam que foram humilhados. As jovens mulheres falam que foram paqueradas, seduzidas ou desrespeitadas. Os moradores das favelas, conjuntos habitacionais, periferias e vilas dizem que são sempre vistos como os maiores suspeitos. (OLIVEIRA, 2005, p. 76)

Nesse ponto já é possível identificar os grupos contra os quais se concentra a

violência policial, a corrupção e a arbitrariedade. Como dito anteriormente, a classe

social determinará qual crime será atribuído ao jovem, e junto com essa atribuição a

forma de irregularidade que poderá ser cometida pelo policial. O próprio Oliveira

(2005) diz que “as representações mais comuns associam os jovens das camadas

populares e moradores de favelas ao tráfico de drogas, enquanto os jovens de

“classe média” são vistos como consumidores de drogas.”. Porém como já pode ser

Page 51: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

51

deduzido nesse ponto, o trabalho policial concentra-se no tráfico de drogas e não no

uso, pois a figura a ser eliminada, no imaginário policial, é o traficante e não o

usuário, pois é ele o inimigo a ser combatido. Oliveira (2005) também comprovou tal

fato nas suas entrevistas e conclui que o foco da repressão policial concentra-se no

tráfico e não no consumo.

Tal diferenciação de tratamento entre classes pode ser percebida no trabalho policial

realizado nos dois ambientes: bairros ricos e os bairros pobres. Segundo as

entrevistas de policiais existentes no trabalho de Oliveira (2005, p. 82).

A polícia, de fato, trata de maneira diferente os jovens moradores da Zona Sul da cidade. Segundo seus próprios cálculos, ali existem mais chances do jovem ser filho de desembargador, de promotor, de juiz ou de algum coronel. Nestes casos, se o policial usar de violência com um jovem destes injustamente, há grandes possibilidades de ele ser punido.

Como se pode ver nesse trecho, é possível interpretar o comportamento policial

nessas áreas sob a concepção proposta no capítulo 5 que tratou da noção de

DaMatta (1997) sobre as relações sociais no Brasil. Assim como propõe DaMatta

(1997), a característica hierarquizante possuída pelos pais se estende aos filhos, e o

tratamento dispensado aos últimos ocorre na medida dessa transferência de poder.

A hierarquia social também se revela no espaço social. De fato, o “poder de polícia” é aumentado ou diminuído de acordo com o espaço onde o policial atua. O fato de na Zona Sul o poder de polícia ser diminuído faz com que muitos policiais digam preferir trabalhar na Zona Norte, pois lá “são mais respeitados”. Os policiais entrevistados percebem que na Zona Sul os jovens não têm o devido respeito por eles, por vezes, ali eles são tratados com menosprezo. Naquele espaço social os policiais se sentem vulneráveis, dizem que não possuem instrumentos para reprimir certos crimes. Sabem que os jovens, devido à rede de sociabilidade que suas famílias possuem, dificilmente serão condenados por consumo de drogas. Nesses casos, é melhor “fingir que não vêem” o consumo de drogas por terem certeza da impunidade dos usuários. (OLIVEIRA, 2005, p. 82)

Além de perceber a redução do poder na área rica, é importante notar o seu

aumento na área mais pobre. Porém, ao se analisar o discurso do policial abaixo,

nota-se que esse aumento do poder de polícia pode significar na verdade menor

cuidado com relação ao uso da força e ao exercício do poder. Isso pode trazer como

conseqüência uma maior possibilidade de cometimento de arbitrariedades:

Page 52: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

52

Os jovens da Zona Sul, os famosos pitboys, esses só fazem arruaça na Zona Sul, vê se você houve falar em pitboy aqui na Zona Norte, na Penha, em Olaria, em Ramos? Aqui é subúrbio meu amigo, aqui o buraco é mais embaixo, se um pitboy desses parar na minha frente na Zona Norte, eu encho ele de bala. Veja só, eu sou baixinho, uso óculos, na mão não tem como fazer, então, eu nem penso duas vezes, encho ele de bala. Mas na Zona Sul não, ele pode ser filho de um desembargador e aí a coisa complica. (2º sargento, 37 anos, 18 B – Jacarepaguá, 18 anos de serviços prestados à ERJ). (OLIVEIRA, 2005, p. 90-91)

Ao observar esse discurso, remetendo-se ao capítulo que trata do uso da força e,

especificamente, da obrigatoriedade do policial de buscar alternativas para reduzir

ao máximo a necessidade de uso da força, percebe-se uma falta de isonomia com

relação a esse procedimento quando o local varia. Para os jovens na zona sul, o

receio de punição levaria o policial a ser comedido e a evitar o uso da força, já na

zona norte não. A regra na zona norte expõe-se como sendo a da utilização da força

como alternativa primária, e não a parlamentação ou a mediação como formas de

reduzir a necessidade de empregar a força.

Essa diferenciação, por sua vez, faz relembrar a concepção da atuação policial

numa democracia como uma maneira de promover a cidadania, o que por certo,

tomando os depoimentos acima, não ocorre na zona sul pela falta flagrante de

isonomia. Por outro lado, essa distinção de cidadania pode ser interpretada como

fruto da organização social brasileira avessa ao individualismo e ao igualitarismo

expresso na lei. Pode-se ver isso nas palavras de Bretas50 (1995, p.22) apud

Oliveira (2005, p. 82):

Estamos tratando na realidade de classificação e hierarquia social, mas existe uma discussão “encoberta” que é a de cidadania. O tratamento dos policiais com os moradores da Zona Sul é diferente, porque eles são socialmente vistos como cidadãos de categoria, enquanto os moradores das favelas e demais regiões da cidade são considerados “cidadãos” da categoria. Nesta perspectiva, DaMatta (2000:77)51 chama a atenção para o fato de que: “No Brasil, por contraste [aos Estados Unidos], a comunidade é necessariamente heterogênea, complementar e hierarquizada. Sua

50 BRETAS, M. L. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Arquivo Nacional, 1995.

51 DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para um paradigma do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro. Rocco, 2000

Page 53: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

53

unidade básica não está baseada em indivíduos (ou cidadãos), mas em relações e pessoas, famílias, e grupos de parentes e amigos”. Seguramente, os policiais que trabalham na Zona Sul estão totalmente cientes disso.

Esse tratamento diferenciado dado pelos policiais às diversas classes, na verdade,

acaba por revelar uma incoerência em relação ao discurso recorrente encontrado

por Oliveira (2005) entre os policiais do Rio de Janeiro, de que no Brasil a justiça só

funciona para os ricos. O motivo da incoerência está no fato de que o policial não se

vê como parte do sistema de justiça. Como Oliveira (2005) diz, quando o policial

trata o rico de forma legal, evitando cometer abusos ou o uso da força e,

substituindo essa alternativa por outras menos lesivas, ele está na verdade

promovendo a justiça. Por outro lado, quando a atitude contrária é tomada com os

pobres, ele está promovendo a injustiça. Dessa forma, quando usa a falta de

isonomia da justiça como motivo para não prender os jovens da zona sul usuários de

drogas52, o policial explicita a incoerência existente entre um discurso que exige

isonomia do sistema de justiça e um comportamento prático que também diferencia

o tratamento entre ricos e pobres.

Ao aplicar desigualmente a Lei, a polícia evita, por um lado, que os ‘criminosos em potencial’, os marginais, beneficiem-se dos dispositivos constitucionais igualitários. Por outro lado, em certos casos, especialmente quando as pessoas envolvidas pertencem às classes média ou alta, a polícia, ao aplicar a lei e atuar de maneira compatível com os dispositivos constitucionais igualitários, restabelece a fé dos não-marginais nos princípios democráticos igualitários do sistema político brasileiro. De fato, as práticas policiais tornam possível o funcionamento do sistema político, a despeito de suas contradições legais internas. (KANT DE LIMA, 198553 apud OLIVEIRA, 2005, p.94).

Essa conseqüência do trabalho policial que acaba por fortalecer a lei em relação à

determinada classe e a enfraquecê-la em relação à outra parte, como já vem sendo

dito, reflete na verdade a organização social brasileira. Porém essa organização

social não é algo que foi construído apenas durante os regimes autoritários pelos

52 Tal afirmação é feita com base no relato de um policial do Rio de Janeiro retirado do trabalho de Oliveira (2005, p. 94) que cita o caso do ator da Rede Globo Marcelo Antony como exemplo da injustiça e da ineficácia de se prender usuários ricos, pois o ator foi autuado em flagrante como usuário de drogas com uma quantidade de substância com a qual o policial já havia visto muitas pessoas pobres serem presas por tráfico e não uso.

53 KANT DE LIMA, R. A Polícia na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Forense 1985.

Page 54: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

54

quais o Brasil passou. A origem dessa organização é mais profunda e a forma de

atuação da polícia pode ser compreendida como uma expressão dessa organização

desde a criação das polícias no Brasil. Apesar do regime democrático recém

implantado no país, a origem brasileira não é democrática, e por muito tempo a

monarquia organizou o Estado segundo os desejos de uma elite aristocrática.

A polícia representa o resultado da correlação de forças políticas existente na própria sociedade. No Brasil, a polícia foi criada no século XVIII, para atender a um modelo de sociedade extremamente autocrático, autoritário e dirigido por uma pequena classe dominante. A polícia foi desenvolvida para proteger essa pequena classe dominante, da grande classe de excluídos, sendo que foi nessa perspectiva seu desenvolvimento histórico. Uma polícia para servir de barreira física entre os ditos “bons” e “maus” da sociedade. Uma polícia que precisava somente de vigor físico e da coragem inconseqüente; uma polícia que atuava com grande influência de estigmas e de preconceitos. (BENGOCHEA, 2004, p. 121)

Os estigmas e preconceitos citados por Bengochea (2004) acima possuem na

verdade uma classificação clara e, como é característica desses fenômenos sociais,

acabarão determinando as práticas em relação às pessoas vitimadas por eles.

Como resultado direto desses preconceitos e estigmas, acabará surgindo, como se

viu, uma diferenciação entre cidadãos aos quais se aplica a lei e outros com quem

se age arbitrariamente. Como demonstra Bretas (1995, p.22) apud Oliveira (2005, p.

82) esses preconceitos acabarão estigmatizando as pessoas com base na cor,

idade, nível socioeconômico entre outros.

O policial tem como expectativa, sempre, o comportamento legal, que aprendeu a valorizar, embora reserve para si um repertório de opções fora da legalidade, das quais lança mão de acordo com sua visão dos “fatos”. Numa forma simplificada, podemos dizer que o leque de opções abrange da decisão de não intervir, não ver o que se passa, até o emprego da violência. A seleção do procedimento se faz através de um conhecimento – não ensinado nas escolas – que, em última instância, qualifica a organizacional cidadania dos envolvidos, através de valores atribuídos a cor, idade, sexo, nível socioeconômico, etc.

Essa diferenciação pode ser claramente percebida no trabalho de Ramos e

Musumeci (2005) sobre as abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro. Além

de perceber a mesma dualidade de tratamento contra jovens da zona sul e da zona

norte da cidade do Rio de Janeiro, com a violência policial se concentrando na zona

norte, a autora procurou também por diferenças nas abordagens por meio de

Page 55: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

55

parâmetros como idade, renda, cor, sexo, situação em que ocorreu a abordagem,

entre outras variáveis.

Com relação à cor dos abordados, a pesquisa de Ramos e Musumeci (2005) indicou

que a polícia não só faz buscas pessoais com maior freqüência em negros e pardos,

como também trata esses grupos de forma mais rude nas abordagens. Dos

autodeclarados pretos que foram abordados pela polícia, 55% sofreram busca

pessoal, índice que para os autodeclarados brancos foi de 32,6%. Da mesma forma,

a experiência de ter sofrido ameaça ou intimidação na última abordagem policial foi

relatada por 6,2% dos brancos, valor que, para os negros, mais do que dobra,

alcançando 13,4%.

Ramos e Musumeci (2005) apontam ainda que entre os jovens também é maior a

incidência de agressão física ou psicológica. Vinte e oito por cento dos jovens entre

20 e 24 anos afirmaram ter sofrido agressão física. Essa mesma experiência foi

relatada para a faixa etária entre 15 e 19 anos por 12,1% das pessoas abordadas,

contra uma média global, para todas idades, de 12%. Apesar da violência física

possuir alta pouco expressiva em relação à média global, que é de 12,1%, para a

faixa etária entre 15 e 19 anos, quando se muda para a agressão psicológica o

índice muda consideravelmente. Nesse caso, enquanto a média global de agressão

psicológica é de 3,7%, na faixa etária entre 15 e 19 anos a taxa é de 16, 9%. Isso

significa uma diferença percentual acima da média de 356%.

Com relação à renda mensal, é um dado significativo o de que a busca pessoal se

concentrou nas faixas salariais de até 5 salários mínimos, havendo, até esse limite,

uma grande semelhança nas taxas de pessoas que sofreram busca pessoal.

Quando o nível de renda se eleva para além de 5 salários mínimos essa ocorrência

se retraí de um patamar de 40% a 44%, para um índice de 16,6%, ou seja,

percentualmente, houve uma queda de 150% no índice de buscas pessoais para

faixas salariais superiores a 5 salários mínimos.

Apesar da busca pessoal não ser uma atitude violenta e tampouco arbitrária ou

ilegal, é precípua dela a existência de suspeita fundada sobre a pessoa que a

sofrerá. A redução do número de buscas retrata, por sua vez, uma redução da

Page 56: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

56

suspeita, o que indica claramente a demarcação de uma zona salarial que os

policiais interpretariam como potencialmente criminosa. Por outro lado, como as

próprias autoras Ramos e Musumeci (2005) relatam, as revistas corporais variam

segundo idade, sexo, cor, renda, etc. e “Ao que tudo indica, a polícia não só suspeita

menos de pessoas brancas, mais velhas e de classe média que transitam pelas ruas

da cidade, como tem maior ‘pudor’ em revistá-las – um procedimento muito

fortemente associado à suspeição, e via de regra, considerado humilhante”

Apesar das diferenças de incidência da busca pessoal não parecerem um dado tão

relevante para um trabalho sobre violência policial, é importante relembrar o

preconceito como uma prática social mais do que como uma simples mentalidade

social. Na verdade, pensamento e prática estão intimamente ligados. Basta notar o

seguinte encadeamento de idéias: suponha uma situação em que existam 10

brancos e 10 negros numa sala e que, em cada um desses grupos, haja 5 infratores

armados. Se há o preconceito contra os negros eles serão mais abordados. Então

tome-se que, dos negros, 6 foram abordados e que, entre os brancos, isso tenha

ocorrido com 4 pessoas. Considerando que, no exemplo, metade das pessoas

disponíveis para a abordagem eram infratores, toma-se essa mesma taxa para os

abordados. Então, das abordagens resultará que, no grupo de negros, se encontrará

um total de 3 infratores e no grupo dos brancos 2 infratores. Com as abordagens, os

negros passaram de potencialmente mais suspeitos ou criminosos a factualmente

mais criminosos que os brancos e, portanto, a partir disso, se reafirmará a

necessidade de diferenciar o número de abordagens entre brancos e negros. Apesar

de parecer teórico, esse raciocínio seria capaz de explicar os dados expostos por

Dantas e Heringer (1990, p. 2):

Se analisamos a população carcerária do país, verificamos que os negros encontram-se numa proporção maior do que a sua representação na população, enquanto ocorre o inverso em relação aos brancos. Em São Paulo, por exemplo, a taxa de encarceramento é de 76,8 por 100 mil habitantes para os brancos e de 140 por 100 mil para pardos, elevando-se para 421 por 100 mil para negros. Ou seja: a probabilidade de um negro estar na prisão é portanto 5,4 vezes maior do que a de um branco e 3 vezes maior do que a de um pardo.

Ao analisar os estudos de Sérgio Adorno na USP, Dantas e Henringuer (1990, p. 1)

citam ainda que:

[...] brancos e negros cometem crimes violentos em iguais proporções, mas os réus negros tendem a ser mais perseguidos pela vigilância policial,

Page 57: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

57

enfrentam maiores obstáculos de acesso à Justiça criminal e revelam maiores dificuldades de usufruir do direito de ampla defesa assegurado pelas normas constitucionais’. E conclui: os negros tendem a receber um tratamento penal mais rigoroso, com maior probabilidade de serem punidos do que os brancos.

Eis nos trechos anteriores a confirmação da ligação entre o pensamento e a prática,

da suspeita policial, à diferença de taxas entre brancos e negros nas penitenciárias.

Dantas e Heringuer (1990) citam ainda que “São vários os estudos que apontam que

os jovens, negros e pobres são desproporcionalmente mais identificados como fonte

de ameaça e insegurança para a população do que os jovens brancos pobres.”.

Porém, não é uma situação tranqüila ser identificado como criminoso ao se levar em

consideração os dados da pesquisa de Ramos e Musumeci (2005) que mostram que

17,3% da população entrevistada concordam com o uso da violência policial como

forma de combater a criminalidade. De forma mais contundente, a pesquisa apontou

que 82,1% concorda que direitos humanos favorecem os “bandidos”, dado do qual

presume-se que não são os direitos humanos algo desejável de ser concedido a

“bandidos”. Essas opiniões acabam se refletindo nas práticas policiais e podem ser

percebidas no trecho abaixo:

Essa maior desconfiança em relação aos negros como agentes de violência ganhou melhores contornos através de pesquisas realizadas pelo Datafolha e pelo Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção ao Delito e Tratamento do Delinqüente). Ambos os trabalhos buscaram investigar a imagem da polícia entre os moradores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Um dos resultados atesta que as críticas dos brancos em relação à polícia concentraram-se em aspectos como ineficiência e corrupção, enquanto os negros criticaram com mais freqüência a atuação violenta da polícia: 20% dos negros afirmaram sentir medo da polícia, em contraste com 11% dos brancos. Além disso, entre os negros foi maior o número de entrevistados que revelaram ter mais medo da polícia do que dos bandidos. E quase metade dos negros (47%) entrevistados disseram ter sido abordados pela polícia pelo menos uma vez, em comparação com 34% dos brancos. (DANTAS e HERINGUER, 1990, p.2).

Nesse momento é importante perceber que a ação policial possui maneiras

específicas de manifestação. Os dados até agora apresentados demonstram que há

uma tendência teórica de que a força policial seja utilizada de forma menos

cuidadosa quando o sujeito passivo dela for de classe mais baixa, de cor negra,

jovem, do sexo masculino, sendo todos esses fatores potencializados quando

supõe-se tratar de um morador de favela.

Page 58: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

58

7 A ESTEREOTIPIA E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Como é a proposição fundamental desse trabalho a de que a violência policial se

concentraria e se dissiparia em função dos estereótipos que os policias atribuem às

categorias com que lidam, ele não pode se furtar de uma análise mais detalhada e

teórica sobre o que seriam estereótipos. Até agora, tratou-se de tal assunto de forma

difusa, sem posicionar-se muito bem sobre o que eles seriam conceitualmente,

porém, é necessário adiantar que isto não é tarefa fácil e as definições variarão de

acordo com o foco que se se dará à pesquisa dos estereótipos.

Dessa forma, identificam-se duas divisões no estudo dos estereótipos, uma associa-

os a aspectos cognitivos e outra a aspectos sociais. Enquanto a primeira tem um

enfoque restrito à pessoa e busca entender como eles operam no imaginário do

indivíduo que os percebe, a segunda insere o estudo no meio social atribuindo aos

estereótipos, além da dimensão individual, dimensões afetivas, valorativas, culturais,

históricas entre outras.

Com relação à abordagem cognitivista merecem destaque as teorias que relacionam

os estereótipos com informações sociais. Sob a perspectiva cognitivista os

estereótipos seriam uma maneira de simplificar a informação social que se

apresenta à pessoa e Lima (1997, p. 4) ao citar Rosch (1977) 54 diz que:

Do ponto de vista das teorias do processamento de informação, a estereotipia pode ser compreendida como uma das conseqüências do princípio da economia cognitiva (Rosch, 1977), o qual postula que as representações do conhecimento no sujeito se organizam de tal forma que permitem que uma grande quantidade de informação possa ser acedida com o mínimo de esforço cognitivo.

Nessa concepção os estereótipos seriam formas de organizar e interpretar a

informação social de forma rápida ao reduzir a realidade através de inferências

sobre o objeto alvo da observação.

54 ROSCH, E. Human Categorization. In: N. Wanen (Ed.). Studies in Cross-Cultural Psychology. Vol.1 London: Academic Press, 1977

Page 59: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

59

[...] o processo de estereotipização se oferece como convidativo ao percipiente social em parte porque os estereótipos simplificam o tratamento da informação social (...) Processar a informação social sem a ajuda de categorias resultaria numa sobrecarga de informação e, consequentemente, numa incapacidade de lidarmos eficazmente e eficientemente no nosso mundo social. (BERNARDES, 2003, p. 308)

Essa abordagem cognitivista leva a outros conceitos, tais como o de prototipia e o

de guião. A prototipia diz respeito ao processo de categorização das pessoas dentro

de grupos com base em características comuns que os membros dos grupos teriam

entre si. Prototipia é, portanto, um conceito estrito que delimita os estereótipos com

base em características que construiriam protótipos. Nas palavras de Codol55 (1989,

p. 477 apud Lima, 1997, p. 2), prototipia é uma “operação que consiste em atribuir a

objetos de uma categoria todos os traços que se supõe caracterizar o conjunto de

objectos dessa categoria”. Já o conceito de guião, também chamado de script

cognitivo está relacionado às expectativas de ações que se tem de determinado

objeto. Trata-se uma representação mental de uma seqüência de acontecimentos

esperados. Assim, tanto em relação aos guiões quanto em relação aos protótipos,

as explicações indicadas por esses conceitos podem ser claramente relacionadas

aos estereótipos, assim como propõe a abordagem cognitiva.

Em outro ponto cognitivista da abordagem dos estereótipos, estão estudos que

interpretam a capacidade de memorização em relação as percepções estereotípicas.

Tais estudos se justificam pelo fato de que, uma vez identificado o protótipo

relacionado a determinado objeto, para que a informação sobre esse protótipo seja

trazida ao indivíduo que observa, é necessário que ela esteja armazenada na

memória. Assim, quando se busca avaliar a capacidade de recordação de

informações relativas aos estereótipos, as pessoas tendem a recordar melhor das

informações incongruentes com a expectativa que se tem em relação a determinado

estereótipo do que as informações congruentes quando o lapso de tempo entre a

observação e a lembrança é curto. Para Sherman e Hamilton (1994 apud Lima,

1997, p. 9) 56 “os estereótipos podem, por essa mesma razão, tornar-se úteis, pois

55 CODOL, J. Vingt Ans de Cognition Sociale. Bulletin de Psychologie, XLII, 90, 1989, 472-491.

56 HAMILTON, D. & SHERMAN, J. (1994). Stereotypes. In: R. Wyer & T. Srull (Eds.). Handbook of Social Cognition.Vol.2. Hillsdale, NJ: Erlbaum.

Page 60: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

60

eles permitem que se preste uma atenção particular a informações incongruentes

com o estereótipo, levando o sujeito a concluir que algo não está correcto na sua

forma de pensar o mundo.”.

Abre-se um parêntese, nesse ponto, para analisar a suspeição no âmbito da

atividade policial que muitas vezes é definida como a estranheza que se atribui a

determinada situação pela incongruência em face da expectativa que se teria do que

é “natural”. Por isso, uma pessoa identificada como pertencente á uma classe baixa

em um local típico de classes altas seria uma incongruência em face das

expectativas em relação a aquele local, da mesma forma que a situação inversa

também seria. Assim a suspeição seria decorrente da atenção elevada que uma

incongruência em relação à expectativas gera.

Retornando à análise da memorização de informações sobre estereótipos, é

importante notar que apesar da facilidade de lembrar fatos incongruentes em lapsos

curtos de tempo, quando há um lapso grande de tempo, a informação incongruente

é frequentemente esquecida ou distorcida e “o esquema substitui lapsos de memória

por “bons palpites” como se fossem estímulos originais (...)” segundo Renn e

Calvert57 (1993 apud Lima, 1997, p. 9). Da mesma maneira, as distorções das

percepções são tão maiores quanto maior o grau de estereotipia atribuído ao

indivíduo observado. Essa característica dos estereótipos é importante para retratar

a grande inflexibilidade que eles costumam trazer consigo. Assim, qualquer tentativa

do alvo do estereótipo de desconstruir o estereótipo é facilmente anulada, a longo

prazo, pela incongruência que se atribui a essas ações e pela decorrente

incapacidade de lembrar delas. Da mesma forma, em face da ausência de

lembranças dos fatos incongruentes, há ainda uma superposição dos “buracos” na

memória com os fatos que o observador “deseja”, de modo que se restabeleça a

expectativa em relação ao estereótipo. Nesse sentido, Renn e Calvert (1993 apud

Lima, 1997, p. 10) dizem que “o que uma pessoa leva para observar uma situação,

pode ser mais importante do que aquilo que ela realmente vê”.

57 RENN, J. & CALVERT, S. The Relation Between Gender Schemas and Adult’s Recall of Stereotyped and Counterstereotyped Television Information. Sex Roles, 28, 7/8, 1993, 449-459.

Page 61: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

61

Retomando novamente á analise da atuação policial, nota-se, pelo exposto acima,

que, uma vez dirigidas com base em estereótipos, as práticas policiais tendem a se

perpetuar de forma cíclica. Mesmo que o policial aborde inúmeras vezes

determinado estereótipo a quem se atribui a imagem de criminoso e, nessa

abordagem, não se confirme a expectativa, não ocorrerá, por isso, a desconstrução

do estereótipo de ligação com o crime, pois o sistema de manutenção exposto acima

irá operar para a manutenção da identidade do estereótipo. O mesmo processo

pode ser proposto para aqueles estereótipos não ligados ao crime: Mesmo que se

quebre a expectativa e se identifique o portador do estereótipo como criminoso em

um dado momento, isso não se tornará uma generalização que desconstruirá a

imagem de “não-criminoso” e é essa última imagem a que permanecerá a despeito

das evidências. Assim, há uma grande tendência de inflexibilidade na percepção dos

estereótipos como diz Baptista (2004, p. 109):

O que se pretende aqui sublinhar é que, quer se trate de categorizações apenas exageradas e simplificadoras da realidade, quer elas sejam erróneas e completamente falsas, os estereótipos adquirem um enorme grau de estabilidade no tempo e um alto nível de convencionalidade social, que os torna dificilmente alteráveis, mesmo quando os actores sociais que os detêm dispõem de ulteriores informações que invalidam o seu conteúdo.

Até esse momento, tratou-se da concepção cognitivista dos estereótipos, porém,

essa abordagem é vista como incompleta por não delimita-los em um âmbito social,

observando-os apenas do ponto de vista do indivíduo. No Entanto, tal abordagem,

como propõe England58 (1992 apud Lima, 1997, p. 12), “é aceite como um

complemento valioso às orientações psicodinâmicas e socioculturais da estereotipia

(...)”.

Em sua circunscrição social, os estereótipos são relacionados com fatores afetivos,

culturais, valorativos, emocionais, históricos entre outros. Nesse aspecto, amplia-se

o leque de observação aos fatores sociais, passando-se muitas vezes á denominar

os estereótipos como estereótipos sociais. Se no cognitivismo o foco está no

indivíduo, no âmbito psicossocial o foco está nos grupos.

58 ENGLAND, E.. College Student Gender Stereotypes: Expectations About the Behavior of Male Subcategory Members. Sex Roles, 1992.

Page 62: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

62

Do ponto de vista da organização do real o estereótipo social é uma forma de categorização da realidade que possui uma forte coloração avaliativa e afectiva, frequentemente negativa, mas que também pode surgir com conteúdo positivo. (BAPTISTA, 2004, p. 112)

Lima (1997) colabora para a definição de estereótipos num âmbito social dizendo

que “do ponto de vista psicossocial, um estereótipo é uma crença generalizada, que

combina cognição e afetividade (constituindo portanto uma atitude) e que caracteriza

de forma invariante um objecto estímulo (lerner e hultsch, 1983) 59”. Lima (1997)

aponta para a propensão dos estereótipos de serem mais frequentemente negativos

do que positivos e relaciona isso com um processo de dominação entre grupos.

Assim os estereótipos negativos cumpririam a função de diminuir o outro grupo em

relação ao meu, pois se fossem positivos estariam contribuindo para reforçar o

contrário, a superioridade do terceiro. Outro ponto relacionado a isso é levantado por

Fein e Spencer60 (1997 apud Bernardes, 2003, p. 320) dizendo que o uso dos

estereótipos também pode levar ao aumento da auto-estima do sujeito.

Outra característica que se atribui aos estereótipos é a fato deles se

autoconfirmarem, ou seja, as pessoas tendem a se tornar aquilo que os outros

imaginam dela, Luiz Eduardo Soares diz que os estereótipos são profecias que se

autocumprem. Se todos acreditam que uma pessoa é burra, ninguém oferecerá bons

empregos a ela, a pessoa apenas terá oportunidades nos empregos que se julga

serem adequados para pessoas burras e a pessoa diante da percepção de que não

adianta estudar, pois sempre será tratada em termos do que imaginam dela, não

estudará. Afinal, mesmo que o faça, continuarão a lhe oferecer empregos típicos de

pessoas burras. Assim a pessoa não estudará e não se preocupará em se

desenvolver intelectualmente e acabará se tornando mais burra do que as outras de

fato.

59 LERNER, R. & HULTSCH, D. Human Develoent: a Life-Span Perspective. New York: Mc Graw Hill, 1983

60 FEIN, S., & SPENCER, S. J. Prejudice as self-image maintenance: Affirming the self through derogating others. Journal of Personality and Social Psychology, v. 73, 1997, 31-44.

Page 63: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

63

Para o crime cabe a mesma análise. Se todos acreditam que a pessoa é criminosa e

perigosa, o tratamento para ela será em função dessa crença. Ninguém lhe

oferecerá emprego, pois haverá medo do empregador de ser vitimado pelo infrator

ou de que ele atraia outros como ele para o local de trabalho. Diante das

dificuldades, a pessoa poderá buscar não engendrar-se pelo mundo do crime, mas,

mesmo que não o faça, continuará a ser tratada como bandido, até o ponto em que

ela perceba que não adianta querer se mostrar honesta e que o crime seria uma

solução para os seus problemas. A essa altura, o conceito moral que a sociedade

fará dela, quando se tornar criminosa, com certeza não será um impedimento para

que prossiga no seu intento, pois esse conceito positivo ela já não o tem. Então a

pessoa se torna criminosa e a profecia se autocumpre.

Ocorrem profecias auto-confirmatórias, sendo que os indivíduos tendem a responder a alvos estereotípicos colocando constrangimentos aos seus comportamentos pelo que estes alvos tenderão a comportar-se de modo consistente com o estereótipo (...) os estereótipos podem ter implicações nefastas, sobretudo para quem é vítima da sua utilização. Basta reportarmo-nos às situações em que, por exemplo, um desconhecido é considerado perigoso, simplesmente por pertencer a um determinado grupo social (BERNARDES, 2003, p. 308).

Na abordagem social, que está sendo analisada agora, o conflito intergrupal tem

destaque como faceta afetiva da produção de estereótipos. Há, em situações de

conflito entre grupos, uma tendência à criação de imagens positivas dos membros

do grupo a que se pertence e negativas em relação ao grupo com o qual se

compete.

As experiências já clássicas de Sherif (1976) 61 demonstraram que imagens estereotipadas reforçam e têm origem nos comportamentos hostis entre grupos, produzindo juízos e avaliações que favorecem o grupo de pertença em detrimento de outro grupo. Tais conflitos resultam não das características dos seus membros ou da organização interna dos grupos, mas da necessidade de criar uma identidade social (por referência ao grupo de pertença) e correlativamente a diferenciação intergrupos. Tal processo começa por ser de categorização e diferenciação social e leva ao engendrar de representações sociais dos «outros» frequentemente estereotipadas, sobretudo se os grupos se encontram em situações de

61 Sherif, C.. Orientation in Social Psychology. New York: Harper & Row Publishers, 1976

Page 64: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

64

competição. (Park, Daewoo, 1997, Yim, Phyllis Ching-Yin e Bond, Michael Harris, 2002)62 (BAPTISTA, 2004, p. 113)63

Nesse ponto, cabe abrir espaço para correlacionar o que foi exposto até agora sobre

estereotipia com o que é dito por Soares et. al. (2005) sobre a favela. Como

depreeende-se acima, a estereotipia é reforçada pelo conflito e determina

qualidades positivas quanto ao grupo a que se pertence e negativas quanto aos

integrantes do grupo estranho. Dessa forma, isso pode ser aplicado à concepção de

Soares et. al. (2005) sobre a relação entre a favela e o resto da sociedade. Assim, a

favela, enquanto grupo dominado e dissonante da cultura geral, tende a ser

estereotipada em termos negativos e a sociedade distinta da favela em termos

positivos.

Continuando essa comparação, Lima(1997) chama a atenção para o “objeto

estímulo” como condição para o desencadeamento dos conceitos relativos ao

estereótipo. Nesse quesito, o estímulo visual para a identificação passa a ter

destaque. A caracterização de uma pessoa como sendo favelada, passa

inequivocamente pela sua identificação como tal. Quando a percepção do

estereótipo de “favelado” ocorre de forma visual, não há qualquer possibilidade da

pessoa se mostrar como indivíduo antes de ser caracterizada com todas as

“características dos favelados” que, como se viu, serão negativas.

Pode-se ver o efeito que essa identificação visual do estereótipo pode trazer à

percepção do observador no caso relatado anteriormente do elevador entre dona

Nilza e um jovem negro na pág. 45. Como foi dito anteriormente, “o que uma pessoa

leva para observar uma situação, pode ser mais importante do que aquilo que ela

realmente vê”. Por fim, é necessário notar que essa identificação visual, seguida

dessa categorização das pessoas, dispara de forma extremamente rápida todo o

processo de domínio e hierarquização proposto por DaMatta (1997), colocando

62 PARK, DAEWOO, Androgynous Leadership Style: an Integration Rather Than a Polarization, Leadership & Organization Develoent Journal,v. 18, nº 3, 1997, 166-177. Yim, Phyllis Ching-Yin e Bond, Michael Harris. Gender Stereotyping of Manage and the Self-Concept of Business Students across their Undergradua Education. Woman in Management Review, 17, nº 8, 2002, p. 364-372 63 Baptista (2004) cita as representações sociais nesse trecho. Haverá um capítulo á parte apenas para tratar das represetanções sociais enquanto fenômeno social.

Page 65: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

65

imediatamente o “favelado”, como inferior em relação ao “não-favelado” e com isso

asseverando o domínio de um grupo sobre outro.

Retomando o estudo dos estereótipos, pode-se, nesse ponto, em relação á

contextualização acima, citar uma das funções propostas por Doise (1983, apud

Baptista, 2004) 64 para as imagens criadas entre os grupos diante de conflitos, qual

seja, a “função antecipatória que orienta o desenvolvimento das relações entre os

grupos é que permite ‘prever’ o comportamento do(s) grupo(s) e assim orientar a sua

própria acção.”. Esta é a última função proposta que Doise (1983 apud Baptista,

2004, p.113) apresenta em seu trabalho, há, porém, outras duas funções que

acompanhariam a evolução do conflito entre os grupos.

Assim, a evolução do conflito entre os grupos é acompanhada por uma evolução nas imagens que cada grupo desenvolve de si próprio e do outro. De acordo com Doise (1983) tais imagens desempenham três tipos de funções cognitivas: 1 - Função selectiva que consiste numa percepção diferenciada dos elementos caracterizadores do outro grupo, avaliando esses elementos de forma negativa e dentre esses seleccionando aqueles que são relevantes no contexto da relação intergrupal; 2 - Função justificativa, revelando os conteúdos das representações, imagens estereotipadas que legitimam os comportamentos de hostilidade e discriminação social; 3 - Função antecipatória que orienta o desenvolvimento das relações entre os grupos e que permite ‘prever’ o comportamento do(s) grupo(s) e assim orientar a sua própria acção.

O trecho acima expõe um processo de interação entre grupos com base em

imagens projetadas sobre os membros de tais grupos e essas projeções cumpririam

as funções acima. Em um primeiro momento, elas servem para identificar o grupo,

em segundo para definir as características dele e por útimo para antecipar o

comportamento do outro e adotar medidas de defesa em função dessa previsão.

Porém, a percepção oriunda dessas imagens não correspondem à realidade.

Geralmente, a regra que se estabelece para o grupo não se confirma.

64 DOISE, W. Articulação Psicossociológica e Relações Entre Grupos. Lisboa: Morais Editores, 1983.

Page 66: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

66

[...] os estereótipos se formam frequentemente a partir de uma mistura distorcida de impressões inadequadas sobre os outros, percepções incompletas ou defeituosas, grandes generalizações que ignoram diferenças internas (BAPTISTA, 2004, p. 108)

Cabem nesse ponto algumas considerações importantes para este trabalho. Se as

pessoas se comportam com os estereótipos em função do que imaginam deles, qual

será esse comportamento quando o que se imagina é a violência? E quando for a

educação a expectativa? Se a imaginação trouxer possibilidade de violência, a

resposta preventiva será proporcional a isso e, portanto, violenta. Se o que o

esperado for educação, a resposta preventiva não será a violência, sob pena de não

ser legítima, pois de forma consensual não se responde educação com violência.

Transportando essa análise para a conclusão a que se chegou no capítulo que

tratou da concepção que DaMatta (1997) faz a respeito da sociedade brasileira no

livro Carnavais Malandros e Heróis, pode-se chegar a algumas outras deduções.

Naquele ponto, conclui-se que diante de uma contestação da ordem policial, para os

inferiores, o policial tenderia a ser mais violento e, para os superiores, tenderia a ser

mais cauteloso. Havia então um fato objetivo, porém quando se trata de um

estereótipo não há algo de concreto que determine a ação do observador, há

apenas a dedução da futura ação do estereotipado, e a defesa prévia com base no

que se previu. Assim, para aqueles cuja previsão for a violência a resposta será

também a violência, e para aqueles cuja previsão não for a violência a resposta não

será a violência. Ao se intercambiar os dois conceitos, vê-se que mesmo quando a

expectativa em relação ao “superior”, enquanto estereotipado, for de violência,

haverá um maior regramento moral na conduta do policial, pois o abordado é um

“superior” e, tanto prever um ato violento dele, quando agir em função dessa

previsão com violência, seria uma quebra da hierarquia. Tal processo, no entanto,

opera de forma inversa para aqueles “inferiores”, pois esperar deles a violência

corresponde a uma expectativa de quebra da hierarquia e, portanto, a defesa prévia

violenta é uma resposta que recoloca preventivamente as peças do sistema

hierárquico em seu devido lugar de forma legítima. Essa legitimação deriva tanto da

estereotipização do “inferior” como violento, quanto da afronta aos devidos

posicionamentos sociais que a conduta violenta representaria quando acontecesse

(supostamente).

Page 67: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

67

Para encerrar essa análise a citação de Lima (2007, p. 15) parece bastante

adequada em face do que foi exposto até agora. A autora afirma que mais do que

profecias que se autoconfirmam,

[...] os estereótipos constituem frequentemente a base dos preconceitos, apresentando um forte enraizamento histórico e cultural: contêm um aspecto cognitivo de pré-juízo e encontram-se profundamente arreigados à forma como, tradicionalmente, os grupos sociais se relacionam entre si - forma essa que consideram legítima, pois percepcionam-se de um modo determinado, que, muitas vezes se encontra consolidado historicamente.

Tendo concluído os estudos acerca da estereotipia, torna-se possível estudá-la sob

a ótica das representações sociais será feito no próximo capítulo.

Page 68: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

68

8 ESTEREOTIPIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Ao conceber os estereótipos como uma construção social além de uma de uma

construção cognitiva, pode-se inscrevê-los no âmbito das representações sociais

para tentar explicá-los. Arruda (2002, p. 138) ao citar Jodelet (2002, p.22) 65 diz que

"as representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado

e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma

realidade comum a um conjunto social". Nesse campo de análise, os estereótipos

são apenas um tipo de representação social dentro de um universo muito maior de

outras representações que atingem aspectos da vida social muito mais amplos do

que as relações intergrupais, assim como afirma Baptista (2004, p. 107) dizendo que

“os estereótipos sociais podem ser vistos como formas de representação social, mas

nem todas as representações sociais são estereótipos.”

Para as representações sociais, não só as relações entre os grupos ou entre

pessoas são explicadas como resultado da inscrição social dos homens. Para essa

teoria, qualquer objeto pode ser dotado de uma representação construída

socialmente. Os objetos então passariam por um processo de construção social de

seus significados. O sujeito social então absorveria os significados oriundos desse

processo e inseriria esse conjunto de informações no seu universo cognitivo.

Pode-se explicar isso ao se tomar, por exemplo, a vaca como um objeto social. Para

a maior parte da população mundial as vacas são uma mera fonte de alimento ou

renda através do leite, da carne ou da cria que produzem. Porém esse mesmo

objeto inscrito em uma sociedade hinduísta ganha status sagrado. O objeto é o

mesmo, porém a sociedade através de um processo de construção de significados

para esse objeto, dá a ele significados diferentes e consequentemente age de forma

diferente em relação a ele. Da mesma forma, podemos fazer essa análise para a

raça negra. De forma óbvia são concepções completamente diferentes às atribuídos

aos negros se tomarmos países como o Brasil com um passado escravocrata, a

65 JODELET, D. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: JODLET, D. (Org.). As Representações Sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002, p.17-44.

Page 69: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

69

Nigéria cuja população é essencialmente negra e a Alemanha com seu passado

nazista. Da mesma forma, há um só objeto em questão, o cor negra da pele, porém

os valores e crenças das sociedades que o avaliam são completamente diferentes o

que faz com que as pessoas atribuam significados diferentes á um mesmo objeto e

consequentemente que ajam de forma diferente em relação a ele.

[...] as representações sociais não são a mera reprodução mental da realidade exterior ao sujeito (cognição social), mas elas passam a impregnar a realidade adquirindo foros de consistência ontológica, orientando as cognições e comportamentos dos indivíduos (...) as representações são sociais, não pela sua extensão, mas porque emergem num dado contexto social; porque são elaboradas a partir de quadros de apreensão que fornecem os valores, as ideologias e os sistemas de categorização social partilhados pelos diferentes grupos sociais; porque se constituem e circulam através da comunicação social; e porque reflectem as relações sociais ao mesmo tempo que contribuem para a sua produção» (BAPATISTA. 2007, p. 106).

Ao se tomar como verdade a proposição de que as representações sociais refletem

os valores, as crenças, os mitos, as relações de poder, as categorizações sociais

enquanto sistemas avaliativos construídos em sociedade e também que os

estereótipos seriam, uma forma de representação social, então é possível interpretar

as concepções de DaMatta (1997) e Soares et. al. (2005) em função acerca da

sociedade brasileira em função dos estereótipos que ela produz. Afinal os

estereótipos, enquanto representações sociais, são oriundos da sociedade brasileira

e, portanto, a análise feita por esses dois autores poderia explicar a formação de

certos estereótipos na sociedade brasileira.

Relembrando a concepção de Soares et. al. (2005), tem-se que para o autor a

sociedade brasileira divide-se naqueles vistos como “bons” e como “maus”, sendo o

limite divisório entre esses dois lados os limites da favela, onde ficariam os “maus”.

Com essa noção, relembrando, que os estereótipos, enquanto representações

sociais, refletem também as crenças da sociedade, pode-se dizer que os

estereótipos relacionados à favela carregarão essa mesma carga valorativa que dá à

favela a atribuição de que é o lado “mau” da sociedade. A construção dos

estereótipos ligados à favela surgiria como uma maneira de reafirmar a condição

separatista da sociedade brasileira em relação a esse local e aos seus moradores,

Page 70: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

70

demarcando, além de um território geográfico, um território estereotípico cujos

limites dividiriam o “bem” e o “mau”.

A mesma análise feita para a concepção de DaMatta (1997) de que a sociedade

brasileira possui um caráter altamente hierarquizante, leva à conclusão de que os

estereótipos funcionarão como uma ferramenta de identificação dessa hierarquia.

Como muitas características que são usadas pelos brasileiros para hierarquizar não

são plenamente visíveis, como por exemplo, o poder que determinada pessoa tem,

os estereótipos e as representações relacionadas a determinados objetos servirão

como meio de identificar logo uma possível relação hierárquica. Assim, no exemplo

citado a frente na pág. 75 no qual um pedreiro que está de terno e que pode ser

confundido com um advogado, o terno seria um objeto cuja representação social

ajudaria a compor o estereótipo de advogado. Assim para que seja possível

hierarquizar de forma rápida é necessário identificar também de forma rápida quem

são os “inferiores” e os “superiores” e para isso os estereótipos são bastante

funcionais.

Retornando à analise das representações sociais, pode-se notar do exemplo do

pedreiro confundido com o advogado por causa do terno que há um recorte no

objeto a fim de representá-lo. Não se toma todo o conjunto de informações que

cerca a pessoa a fim de identificá-la, para dizer que ela é um advogado bastaria o

terno, há portanto um recorte no objeto. Essa possibilidade de recortar o objeto

representado é uma característica das representações sociais. Dessa forma o

sujeito que representa decalcaria o objeto representado em partes, tendo cada uma

um significado próprio e a junção de todas elas construiria o todo representativo do

objeto analisado. Esses recortes, porém não ocorreriam de forma aleatória, a

inscrição social levaria a pessoa a recortar o objeto com base nas valorações sociais

acerca do que, de fato, merece atenção. Retornando ao exemplo da vaca, no

hinduísmo a característica da vaca que é recortada do todo e influencia todo o resto

é o caráter religioso, já no ocidente, o caráter econômico ou alimentar são os mais

importantes.

A representação social é um modo de conhecimento sociocêntrico, que segue as

necessidades, os interesses e desejos do grupo, o que introduz uma certa

Page 71: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

71

"decalcagem" com relação o objeto em construção. Assim, quando percebemos esta

espécie de defasagem entre o objeto e sua representação, significa que estamos

diante da marca grupal/cultural impressa no processo de construção da

representação. O que aparece como distorção modifica a organização ou o sentido

do objeto para adaptá-lo aos desejos e necessidades de quem os representa.

Pode-se ver como as representações sociais operam ao analisar o trecho do

trabalho de Oliveira (2005, p. 81) no qual o autor diz que:

[...] os jovens considerados das “classes perigosas”, certamente trazem um sinal diacrítico – facilmente lido pelos policiais – acionam um rígido mecanismo de repressão. Fatores como horários, proximidade a favelas e aparência (maneira de vestir, andar, falar, gesticular, etc.) são de grande relevância nesta classificação e hierarquização dos jovens em grupo.

Nesse trecho, o termo “sinal diacrítico” identifica a representação social construída

da soma de todos os elementos menores como horários, proximidade á favela,

aparência, maneira de vestir, andar, falar, gesticular, etc. Para cada um desses

pedaços há um significado e junção de todos orienta a visão que o policial terá da

pessoa que os reúne.

Apesar das considerações acerca da influência da cultura na produção de

representações sociais, nota-se que ela adquire uma uniformidade em relação á

sociedade na qual está inserida. Como no exemplo da vaca, todos os hinduístas a

representam da mesma forma. Para que isso ocorra um é fundamental a

comunicação. A comunicação é o meio de propagação das representação e possui

importância tão central que Baptista (2004) cita Moscovici (1961) 66, principal teórico

acerca das representações que inseriu essa condição da comunicação no conceito

de representações sociais, dizendo que elas são “um conjunto de conceitos,

proposições e explicações criados na vida quotidiana no decurso da comunicação

interindividual”. É graças a essa comunicação que as representações sociais como

os estereótipos ganham uniformidade para um certo conjunto social, assim como

mostra Jodelet (1989 apud Baptista, 2004) ao dizer que a representação social “se

trata de uma modalidade de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, com

66 .MOSCOVICI. S. La Psychanalyse, son image, son public. Paris: PUF, 1961

Page 72: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

72

um objectivo prático, contribuindo para a construção de uma realidade comum a um

conjunto social.”.

A percepção de que as representações sociais necessitam para a sua criação de

que haja comunicação é muito importante para este estudo, pois nas últimas

décadas a violência e a criminalidade ganharam destaque nos discursos de

jornalistas e amplo espaço na mídia, aumentando com isso o volume de informações

que transita na sociedade sobre esse tema. Esse maior trânsito de informações gera

por sua vez, uma capacidade de construção de representações maior. Diante disso,

ao se noticiar crime, a mídia noticia também quem é o criminoso e quem é a vítima,

dessa forma, surgem representações que de forma uniforme categorizam criminosos

e vítimas. Para cada um haverá um conjunto de representação que se ligará a eles,

uma vez identificado certo conjunto de objetos em uma pessoa dotados de

representações ligadas à criminalidade, a representação apontará que a pessoa em

questão é um criminoso antes mesmo de que se saiba o que aquela pessoa fez ou

se ela realmente cometeu algum delito e, como se viu anteriormente como uma

função das representações sociais e dos estereótipos, ao se identificar o criminoso,

por conseqüência delimita-se quem não é o criminoso como todos os outros que são

diferentes do tipo idealizado como sendo o do criminoso. Pode-se ver na citação

abaixo como se daria esse processo e suas repercussões.

[...] o estigma atribuído à favela contamina também seus moradores. O estudo de Rinaldi (2003:307) 67 sobre a categoria “favelado”, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ajuda na compreensão dessa questão: “... ser morador de favela é trazer consigo a ‘marca de perigo’, é ter uma identidade social pautada pela idéia de pobreza, miséria, crianças na rua, família desagregada, criminalidade, delinqüência. Tais imagens são realimentadas pelos veículos de informação, que trazem notícias sobre o ‘morro’ sempre do ponto de vista negativo, enfatizando o tráfico de drogas e a violência.” (OLIVEIRA, 2005, p. 76).

Diante do exposto até agora é importante identificar a construção de estereótipos

como um processo social mais amplo do que a estereotipia em si e como algo

natural da inscrição social do homem. Os estereótipos portanto são uma parte

67 RINALDI, A. A. Marginais, delinqüentes e vitimas: um estudo sobre a representação da categoria favelado no tribunal do júri da cidade do Rio de Janeiro. In: Um século de favela. Zaluar, A & Alvito, M (orgs). 3 ed. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2003

Page 73: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

73

apenas do conjunto de representações que diariamente as pessoas aplicam e

absorvem. Da mesma forma é importante relembrar que enquanto uma construção

social elas refletem a sociedade que as constrói, se a sociedade é preconceituosa

as representações ligadas aos objetos de seus preconceitos carregarão estas

marcas, se a sociedade é hierarquizada isto estará impresso no universo cognitivo

de todas as pessoas. Dessa forma, não é possível falar de mudança em relação a

um estereótipo sem que haja uma mudança na estrutura social que o produz. 68

68 É importante ressaltar a aproximação entre grupos que se estereotipam diminui a estereotipia de um em relação ao outro, mas o contexto social não é mudado por isso, então todas as pessoas alheias a esse processo de aproximação continuarão agindo da forma como o convívio social determina em relação àquele estereótipo.

Page 74: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

74

9 ESTIGMA, O OUTRO LADO DOS ESTEREÓTIPOS

Como é proposição fundamental desse trabalho a de que possa haver uma

diferenciação de tratamento em relação ao uso da força que oscila em função de

percepções estereotípicas, é necessário que se veja tal fato como um estigma. Se

tal hipótese for comprovada, a pessoa portadora do estereótipo favorável à prática

de violência policial, estaria sendo vitimada em função de características que ela

possui e que, via de regra, são identificadas por meio visual través dos signos

atinentes ao estereótipo.

Nesse ínterim, após a determinação teórica do que seriam os estereótipos, é

necessário analisar as repercussões que a estereotipização pode trazer ao indivíduo

vítima dela. Como foi demonstrado, os estereótipos podem encerrar informações

com referências positivas ou negativas, porém têm uma tendência maior para o

negativismo. Essa atribuição de características negativas por sua vez à

determinadas categorias acaba por acompanhar a pessoa que é vítima dela de

forma perene, trazendo grandes reflexos para a sua convivência social. Quando um

estereótipo trouxer consigo essa característica negativa perene, influenciando a vida

social da pessoa, pode-se tratá-lo nos termos de um estigma.

Quando estudou os estigmas, Goffman (1982), principal teórico sobre esse tema,

apontou para origem deles na Grécia. Segundo o autor os gregos teriam criado o

termo para designar sinais corporais que informavam alguma coisa de extraordinária

ou má sobre o status moral de quem os possuía. Esses sinais eram talhados,

através de cortes ou fogo no corpo da pessoa a apontavam que o portador era um

escravo, criminoso ou traidor. Com esse sistema de identificação moral, as pessoas

identificadas com estigmas eram evitadas pelas demais principalmente em locais

públicos.

O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso. (GOFFMAN, 1982, p.6)

Page 75: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

75

Como pode-se notar nos parágrafos anteriores, assim como se viu em relação aos

estereótipos, os estigmas cumprem uma função social. Apesar de determinarem um

atributo depreciativo, na mesma medida em que fazem isso, delimitam também o

que não é desonroso, ou seja, o que é normal. Dessa forma, os estigmas acabam

trazendo uma posição confortável àquele que não é o portador do estigma, pois, se

o outro, diferente de mim, que é o “ruim”, eu, que não tenho o que ele tem, sou

“bom”. Sob esse aspecto, os estigmas, assim como os estereótipos, refletem

relações sociais entre estigmatizados e normais.

Os estigmas enquanto atributos permitem classificar as pessoas segundo as

concepções sociais dos portadores de tais atributos. Após a definição do que é

normal e esperado, já num primeiro contado com as pessoas é possível identificar

quais os atributos positivos e negativos aquela pessoa possui.

A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias: Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com "outras pessoas" previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua "identidade social" - para usar um termo melhor do que "status social", já que nele se incluem atributos como "honestidade", da mesma forma que atributos estruturais, como "ocupação". (GOFFMAN, 1982, p.5)

Com base nessa noção de atributos que nos permitem identificar a que categoria as

pessoas pertencem Goffman (1982) cria os conceitos de identidade social real e

identidade social virtual. A identidade social real diz respeito à individualidade da

pessoa, independentemente da concepção social, quais qualidades que a

diferenciam dos demais. Já a identidade social virtual diz respeito aos atributos que

a sociedade impõe as pessoas, de forma independente da realidade. Nesses

conceitos, um pedreiro bem vestido de terno poderia ter uma identidade social virtual

de advogado, porém sua identidade social real seria a de um pedreiro de fato. A

identidade virtual pode não corresponder à identidade real. O exemplo citado acima

é um exemplo de uma discrepância entre as identidades real e virtual que acabaria

sendo benéfica à pessoa, porém, em termos de estigma, a diferença entre a

Page 76: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

76

identidade social real e a virtual são maléficas. Ou seja, a identidade social virtual

destoa da real de forma pejorativa.

[...] quanto mais discrepante for a diferença entre as duas identidades, mais acentuado o estigma; quanto mais visual, quanto mais acentuada e recortada a diferença, mais estigmatizante; quanto mais visível a diferença entre o real e os atributos determinantes do social, mais se acentua a problemática do sujeito regido pela força do controle social. (MELO, 1999, p.2)

Melo (1999) cita acima a questão da visibilidade como um fator potencializador do

estigma, porém essa identificação visual, quando se trata de estereótipos, é

bastante complexa. Goffman (1982) em seu estudo sobre os estigmas contribui para

o entendimento de como se dá essa identificação visual através da criação do

conceito de “informação social”. Para explicar o que seria a informação social

transmitida por um estigma, Goffman (1982) trata de outros tipos de informações

sociais. O autor cita que os símbolos sociais de status ou prestígio transmitem a

condição social de uma pessoa de forma visível. Assim a aliança de casamento, os

adereços militares ou os distintivos na lapela que atestam a participação em um

clube social seriam exemplos de objetos visíveis que transmitem informação social

como signos de status ou prestígio. Já os símbolos de estigma indicariam a

presença do estigma sem que o portador da característica o desejasse. Enquanto os

símbolos de status e de prestígio indicariam colocações sociais positivas, os de

estigma fariam o contrário. Os símbolos de prestígio serviriam como

potencializadores das diferenças entre identidade virtual e real, reforçando a

estigmatização mais do que se não fossem visíveis. Ademais, uma vez identificado

visualmente a signo que indica o estigma, explicita Melo (1999) o estigmatizado tem

sua capacidade de ação limitada e acaba marcado como desacreditado, tendo

determinados os efeitos maléficos que pode representar. O autor aponta ainda que

quanto mais visível for a marca, menos possibilidade o sujeito terá de reverter

através de suas relações sociais a imagem formada anteriormente pela concepção

social.

No estudo do estigma, a informação mais relevante tem determinadas propriedades. E uma informação' sobre um indivíduo, sobre suas características mais ou menos permanentes (...) Essa informação, assim como o signo que a transmite, é reflexiva e corporificada, ou seja, é

Page 77: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

77

transmitida pela própria pessoa a quem se refere, através da expressão corporal na presença imediata daqueles recebem. A informação social transmitida por qualquer símbolo particular pode simplesmente confirmar aquilo que outros signos nos dizem sobre o indivíduo, completando a imagem que temos dele de forma redundante e segura. símbolos de estigma, ou seja, são signos especialmente efetivos para despertar a atenção sobre uma degradante discrepância de identidade que quebra o que poderia, de outra forma, ser um retrato global coerente, com uma redução conseqüente em nossa valorização do indivíduo. (GOFFMAN, 1982, p.40)

Dessa forma, uma vez identificado o estigma, o tratamento dispensado à pessoa

pelos normais será em termos dele. Via de regra a sociedade impinge aos

estigmatizados uma desvalorização em relação às pessoas tidas como normais. Diz-

se que trata-se de uma desvalorização, pois o portador do estigma perde a sua

individualidade e ganha as características necessárias para a manutenção da

estrutura de poder em que o categoriza enquanto “incapaz”, “nocivo”, “desumano”,

então a pessoa como indivíduo único dotado de qualidades e defeitos próprios

apenas dela perde valor enquanto sua imagem sua social se hipertrofia.

Retomando a retórica de Soares et. al. (2005), pode-se relacionar tal fato à ao

fenômeno da invisibilidade social proposto pelo autor. Como o antropólogo diz, um

jovem, negro e pobre numa esquina é invisível. O escritor diz isso tomando como

princípios essa dimensão do estigma que supervaloriza a identidade social virtual e

desvaloriza a identidade social real. Assim a pessoa desaparece enquanto sujeito e

sua imagem estereotipada assume a função de identificá-lo enquanto ser social.

Segundo Goffman (1982), o estigma estabelece uma relação impessoal com o outro;

o sujeito não surge como uma individualidade empírica, mas como representação

circunstancial de certas características típicas da classe do estigma.

Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e qualidades, suas emoções e medos, suas ambições e desejos. Quem está ali é o ”moleque perigoso” ou a ”guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente. Essa é a caprichosa incongruência do estigma, que acaba funcionando

Page 78: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

78

como uma forma de ocultá-lo da consciência crítica de quem o pratica: a interpretação que suscita será sempre comprovada pela prática não por estar certa, mas por promover o resultado temido. Os cientistas sociais diriam que este é um caso típico de “profecia que se autocumpre”. (SOARES, et. al., 2005, p. 175)

Após esse processo de identificação social do estigma, constrói-se uma rede de

relações em torno dele que delimita como a pessoa portadora do estigma deve ser

tratada. Todas as atitudes tomadas em relação ao estigmatizado se tornam

respostas ao estigma, há uma desumanização da pessoa e uma personificação do

estigma. Nessas condições, Goffman (1982) diz que os “normais” acabam

cometendo “discriminação muitas vezes sem pensar que reduzem a chance de vida

social da pessoa”. Para o autor isso ocorre através da criação de teorias para o

estigma, de uma ideologia para explicar a inferioridade e dar conta do perigo que ela

representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras

diferenças, tais como as de classe social.

A identidade social estigmatizada destrói atributos e qualidades do sujeito, exerce o poder de controle das suas ações e reforça a deterioração da sua identidade social, enfatizando os desvios e ocultando o caráter ideológico dos estigmas. A sociedade impõe a rejeição, leva à perda da confiança em si e reforça o caráter simbólico da representação social segundo a qual os sujeitos são considerados incapazes e prejudiciais à interação sadia na comunidade. Fortalece-se o imaginário social da doença e do "irrecuperável", no intuito de manter a eficácia do simbólico. (Grifo nosso). (MELO, 1999, p. 3)

Depois desse processo, de forma esperada, o estigmatizado reage em resposta às

ações anteriores contra ele. Nessa condição Goffman (1982) aponta pra uma

tendência de considerarmos essa resposta defensiva como a expressão do próprio

estigma. Quando isso ocorre o estigma se reforça, e tratamento anteriormente

dispensado à pessoa passa a ser justificado em função da resposta a ele. De forma

concreta para o caso que este trabalho aborda pode-se tomar o seguinte exemplo: o

policial vai abordar um morador de favela tomando por base a percepção de que o

morador trás consigo uma gama de informações sociais que são processadas pelo

policial e que permitem identifica-lo como pertencente à categoria social dos

“favelados”. Nesse momento o policial se lembra de todas as informações anteriores

que detém sobre tal categoria e associa à pessoa visualizada a idéia de

marginalidade, de criminoso, de violento, de ignorante, etc. uma fez processada toda

Page 79: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

79

essa informação social, o policial age de acordo com essa concepção e, como o que

se espera do estigmatizado é a violência, a ação policial então será tão violenta

quanto essa expectativa. Diante da violência policial o favelado poderia reagir com

violência e, nesse momento, se o fizesse, sua reação, em vez de vista como uma

resposta, seria percebida como a confirmação da expectativa que se tinha dele

assim que ele foi visto e teve toda informação social a seu respeito processada e,

nesse momento, a ação primeira do policial estaria justificada, pois o indivíduo seria

realmente uma pessoa violenta.

Page 80: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

80

10 METODOLOGIA

10.1 Método de abordagem do tema

O método de abordagem do tema foi o hipotético-dedutivo, pois a pesquisa partiu de

uma hipótese e a partir de fundamentações amplas e genéricas, no caso, as teorias

das representações sociais, teorias sobre estereótipos, estigmas e teorias

sociológicas, procurou chegar a uma conclusão sobre a veracidade ou não da

hipótese proposta para o caso específico.

10.2 Método de procedimentos:

O método de procedimento utilizado para esta pesquisa foi o monográfico, pois

tratou-se de um estudo sobre um tema específico e particular com um valor

representativo para a sociedade civil e para a Polícia Militar de Minas Gerais, e que

obedeceu a uma rigorosa metodologia. A investigação sobre o assunto previamente

escolhido ocorreu sob a profundidade permitida pelas fundamentações teóricas

encontradas e abordou diversos ângulos e aspectos pertinentes para a sua

aplicação num espaço e tempo previamente delimitados.

10.3 Técnica de coleta de dados

10.3.1 Documentação indireta

A documentação indireta ocorreu estritamente através de consulta bibliográfica.

Como meios de consulta foram utilizados livros, teses, artigos de periódicos

publicados em revistas científicas e na rede mundial de computadores que tivessem

relação com o objeto de estudo. Cada texto consultado construiu, em parte, as

argumentações apresentadas, de forma que as partes se relacionavam e construíam

de modo interdependente um raciocínio que conduziu a verificação da aceitabilidade

da hipótese proposta.

Page 81: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

81

10.3.2 Documentação direta:

Como meio de documentação direta, foram utilizados questionários aplicados aos

policiais militares que estavam realizando o TPB (Treinamento Policial Básico) no

Centro de Treinamento Policial da Polícia Militar de Minas Gerais. Com essa

documentação direta extensiva, buscou-se uma comprovação numérica da hipótese

proposta, bem como a percepção de padrões de pensamento dos policiais do TPB.

Sobre o questionário, dada a sua importância, há explicação mais detalhada a

frente.

10.4 Tipo de Pesquisa

10.4.1 Quanto aos objetivos

Para este aspecto, esta pesquisa classifica-se como descritiva, por descrever um

fenômeno, e bibliográfica devido ao levantamento teórico desse fenômeno através

de referências bibliográficas que versem sobre assuntos correlatos ao tema.

10.4.2 Quanto ao conceito operativo

Nessa perspectiva, a pesquisa é eminentemente de campo por buscar dados

através de questionários a serem respondidos por policiais militares, procurando,

nas repostas, elementos que fortaleçam ou rejeitem a hipótese;

10.4.3 Quanto à natureza

Quanto à natureza, esta pesquisa pode ser classificada como quantitativa, por

buscar informações em dados numéricos nas respostas dos policiais aos

questionários, e é também qualitativa, pois o instrumento de pesquisa abarcou

respostas abertas nas quais os policiais colocavam suas opiniões de acordo com

suas experiências pessoais.

Page 82: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

82

10.5 Delimitação do universo

O universo da pesquisa será constituído pelos policiais militares que passaram pelo

TPB no ano de 2007. Segundo dados fornecidos pelo Centro de Treinamento

Policial por ano passam pelo Treinamento Policial Básico um total de 14000 policiais

oriundos da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

10.6 Tipo de amostra

A amostra trabalhada pode ser classificada como probabilística, pois não houve

qualquer tipo de critério sobre quais policiais militares responderiam os

questionários. Em todas as semanas nas quais foram aplicados, isso ocorreu ao

máximo de turmas possíveis de acordo com as particularidades do Centro de

Treinamento Policial. Ao todo foram aplicados 376 questionários pelos instrutores

do CTP, tendo iniciado no dia 20 de setembro de 2007 e encerrado no dia 17 e

Outubro de 2007. Nesse período passaram pelo TPB 30 turmas sendo que em uma

das semanas estavam presentes duas turmas de Oficiais Superiores para as os

quais os questionários não foram aplicados.

Em relação ao universo descrito no objeto de estudo de 14.000 policiais, aplicando a

fórmula de Stenvenson 69 (1981, apud Rezende, 2000) para o tamanho da amostra,

nota-se que ela possui uma representatividade de 95% com uma margem de erro de

4,9%.

Fórmula de Stevenson

n = Tamanho da amostra. N = Tamanho da população

69 STEVENSON, William J. Estatística aplicada à administração. São Paulo: Editora Harbra, 1981.

n= N . P . Q . Z2 aaaaaaa

(N-1) . e2 + P . Q . Z2

Page 83: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

83

P = Percentagem com que o fenômeno ocorre. Sendo que P equivale a 0,5 Q = (1-P) percentagem complementar. Z = 1,96; variável reduzida normal, que é tabelada e será feita igual a 1,96, considerando-se que o nível de confiança é de 95%. e = 0,049 = erro padrão de estimativa que será arbitrado em 4,9%

10.7 Explicação do instrumento de pesquisa

Tomando por base o exposto até agora sobre a forma como se concentraria a

violência policial em relação a determinados estereótipos, identificou-se como ponto

convergente para uma maior propensão à prática de violência policial o estereótipo

definido pelo gênero masculino, faixa etária jovem (podendo limitá-la à faixa

específica entre 15 e 24 anos), tendo como local de moradia a favela. Tal

constatação foi o embasamento que orientou a construção do instrumento de

pesquisa.

Dessa forma, para que fosse possível compreender melhor essa concentração,

buscou-se o grupo estereotípico oposto, ou seja, aquele sobre quem a violência

policial encontraria maiores barreiras de incidência, para, através de um contraste,

conseguir comprovar a existência de uma possível diferenciação. Para o estereótipo

proposto anteriormente como aquele sobre o qual se concentraria a violência

policial, homem, jovem, negro, morador de favela, confrontou-se o estereótipo de

homem, adulto, branco, morador de bairro nobre.

Assim, se características como cor negra da pele, juventude, local de moradia, sexo

condicionariam a maior incidência de violência policial, então poder-se-ia testar se

as características “opostas” a essas determinariam uma menor incidência de

violência policial e dessa forma se comprovaria a existência de diferenciação

baseada em estereótipos.

Porém os estereótipos delineados até agora são compostos por outros sub-

estereótipos. O primário seria composto pelo concurso das características, gênero,

cor da pele, local de moradia, faixa etária e cada uma dessas características seria

então um sub-estereótipo. Diante disso, então, seria necessário avaliá-las

individualmente. Para tanto, procurou-se fazer uma combinação entre tais

Page 84: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

84

características para que fosse possível avaliar a influência de todas as

características na maior ou menor incidência de violência policial. Da combinação

obteve-se o seguinte rol de estereótipos a serem avaliados:

Quadro de Combinção de Características Gênero Faixa etária Local de Habitação Cor da pele

Negro Playboy

Branco

Negro Favelado

Branco Jovem

Homem

Adulto Negro favelado Branco Negro Doutor

Branco

Pelo quadro acima, para cada característica (negro, branco, adulto, jovem, favelado,

doutor, playboy) existe um grupo de estereótipos capaz de representá-la. Com isso

pode-se tomar dentro desse rol grandes grupos com características contrárias, e

esses grupos poderiam ser comparados entre si. Exemplo:

Para o grupo de estereótipos com a característica cútis negra poder-se-ia tomar os

seguintes: 1, 3, 5 e 7.

Já para o grupo com a cútis branca, os restantes: 2, 4, 6 e 8.

1

2

4

3

6

5

8

7

Page 85: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

85

Dessa forma tem-se o seguinte quadro comparativo:

Adulto Jovem Branco Negro Doutor ou Playboy

Favelado

5, 6, 7, 8 1, 2, 3, 4 2, 4, 6, 8 1, 3, 5, 7 1, 2, 7, 8 3, 4, 5, 6

Comparação quanto à faixa etária

Comparação quanto à cútis/etnia

Comparação quanto ao local de moradia

Com essa divisão cada característica tem o mesmo número de estereótipos onde

está presente e todas elas passam a ter a mesma representatividade em relação à

amostra, ou seja, cada característica está presente em 4 das oito possibilidades de

estereótipos. Isso é importante, pois, ao fazê-lo, a amostra de cada característica

aumenta em termos numéricos e consequentemente há uma redução da margem de

erro. Caso cada estereótipo fosse comparado individualmente, a margem de erro

para cada um seria muito grande e os possíveis resultados obtidos não teriam

sustentabilidade.

Como pode-se notar, não há possibilidade de comparação entre gêneros e o

estereótipos relativos ao local de moradia estão determinados por “playboy”, “doutor”

e “favelado”.

Com relação a não utilização de comparações em relação ao gênero, tal fato se

justifica pelo resultado obtido pela pesquisa de Ramos e Musumeci (2005) que

demonstra a gigantesca diferença entre o número de abordagens feitas em

mulheres pela polícia e também uma abissal distinção de tratamento dispensado a

elas em relação aos homens. Assim, seria lugar comum tentar buscar diferenças em

relação aos estereótipos relacionados ao gênero. Já os resultados com relação à

cor, local de moradia e idade são mais passíveis de comparação pela diferença

menos substancial entre eles constata na pesquisa de Ramos e Musumeci (2005).

Apesar do senso comum dizer que para os moradores de bairros ricos a polícia

tenderá a ser mais branda, se o morador em questão for negro, tal afirmação, para o

senso comum, já não mais é tão clara e certa assim. Da mesma forma opera o

senso comum em relação à idade, dizendo que os jovens tenderão a sofrer mais

violência do que os mais velhos, porém, ao imergir duas pessoas adultas, uma na

Page 86: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

86

favela e outra num bairro de classe alta, a diferenciação de tratamento já é algo

possível com relação ao senso comum. Destarte, para a condição de mulher,

considerando a forte barreira social para que homens cometam violência contra elas,

considerando a composição 95% de homens dentro Polícia Militar de Minas Gerais

e, por fim, considerando o pequeno número de abordagens sofridas por elas, seria

redundância despender mais uma pesquisa para chegar a conclusões já

encontradas em uma pesquisa anterior, qual seja, a conclusão de que as mulheres

são mais bem tratadas por ocasião das abordagens policiais do que os homens.

Sobre a questão da caracterização do local de moradia pelas designações “playboy”,

“doutor”, “favelado”, citadas anteriormente, tal fato justifica-se pela dificuldade de

criar uma designação única e visível dos moradores de áreas mais ricas quando a

idade varia.

Para a favela, seria possível identificar o morador por características ligadas a

poucas condições financeiras ou a uma ideologia relacionada à favela. Assim para

os jovens é possível delimitar a ideologia do hip hop como algo ligado à juventude

dos morros. Com isso a caracterização do estereótipo “favelado” poderia ser feita

com elementos visuais que remetessem a tal ideologia. Com relação aos adultos, a

utilização de roupas mais velhas ou marcadas pelo trabalho braçal seria uma

possibilidade para a identificação da favela como local de moradia da pessoa

avistada. Contudo apesar dessa diferenciação estética, socialmente, tanto o adulto

como o jovem morador de favela, são vistos como “favelados” e, portanto,

terminologicamente tais diferenças estéticas não carecem de diferenciação na sua

nomenclatura para os fins dessa pesquisa.

Para os moradores de áreas mais ricas, pode-se ver no trabalho de Oliveira (2005) a

designação de “pitboys” para a juventude, porém, por percepção empírica, esse

termo não é muito utilizado em Minas Gerais, para designar a juventude das áreas

“nobres” das cidades, sendo o termo “playboy” o equivalente, por isso, para a

nomenclatura dos jovens moradores de bairros mais ricos utilizou-se tal termo. Já

com relação aos adultos, como também percebeu-se no trabalho de Oliveira (2005)

sobre a juventude e a polícia no rio de janeiro, a concepção dos policiais sobre os

pais dos jovens, portanto os adultos, é ligada a empregos vistos como importantes,

Page 87: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

87

tais como de promotor, advogado, juiz. Os detentores de tais posições são, via de

regra, chamados de doutores, por isso, para a designação dos adultos moradores de

áreas nobres, utilizou-se o termo “doutor”.

Além dessa diferenciação na nomenclatura para fins facilitação do trabalho de

pesquisa, é essencial que haja diferenças significativas no modo de se caracterizar

visualmente tais estereótipos. Para os jovens a utilização de roupas de grife é uma

marca importante, enquanto que para os adultos, a utilização de terno é algo

bastante relacionado à figura do “doutor”.

10.7.1 O método de comparação do comportamento dos policiais em face dos ..estereótipos

Como foi dito anteriormente a definição dos estereótipos é necessária para que, com

base neles, se possa identificar as diferenças de tratamento dispensadas pelos

policiais a cada estereótipo. Como foi proposto no capítulo que versa sobre a

utilização da força, em situações idênticas, o policial deve usar a força de forma

eqüitativa, sob pena de sua ação se tornar desprovida de proporcionalidade.

Portanto, para que se caracterize a diferenciação de tratamento entre dois

estereótipos por parte dos policiais é necessário envolver os estereótipos e os

policiais em situações idênticas para que depois se mensure a quantidade de força

utilizada contra cada um.

Como exemplo, tome-se a situação em que um adulto, branco, residente de uma

área nobre da cidade, desacate um policial. Nessa situação o policial decide prender

o autor da ofensa sem agredi-lo de qualquer forma, seja a agressão verbal ou física.

Se um jovem, negro, que reside em uma favela fizer o mesmo, a decisão do policial

deve ser a mesma tomada no exemplo da área nobre da cidade. Se o policial

resolver utilizar força ou violência além de prender o jovem, ou resolvesse utilizar

apenas violência e não prendê-lo, identificar-se-ia a maior violência contra o

segundo estereótipo.

Page 88: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

88

No entanto, no exemplo acima, identificou-se uma situação em que o cidadão foi

agressivo com a polícia e, como foi visto, esse é um fato que suscitaria a

possibilidade de recurso à violência por parte dos policiais. Noutra situação em que

o policial abordasse a pessoa e agisse de forma ativa, dando-lhe ordens e em que o

cidadão abordado fosse completamente cooperativo, a possibilidade do uso da

violência seria bem menor. Então, poder-se-ia ter situações em que os indivíduos

abordados pela polícia fossem contestadores e situações em que fossem

cooperativos. Da mesma forma que os estereótipos suscitam a prática de violência,

como se viu, a contestação também o faz; enquanto a cooperação, via de regra,

não. Dessa forma, índices de violência iguais entre cidadãos cooperativos e

contestadores, para estereótipos diferentes, indicariam que há maior violência contra

aquele que se comportou de forma cooperativa.

Com base nessas constatações foram idealizadas situações de abordagens policiais

nas quais os abordados se comportavam de forma cooperativa e de forma

contestadora. Então, para cada um dos oito estereótipos descritos anteriormente há

ainda duas possibilidades de comportamento, um cooperativo e o outro resistente.

Foram elaboradas então situações sobre as quais os policiais terão que opinar sobre

diversos aspectos como vontade de atacar ou não a pessoa da abordagem, grau de

suspeição que atribuem à pessoa, a raiva que sentem pelo comportamento que ela

manifesta entre outras que serão mais bem explicadas à frente.

Como forma de materialização das proposições acima, no questionário, expõe-se

uma situação fictícia em que é anunciado em rede de rádio aos policiais um assalto

e algumas características dos infratores são passadas. As características que serão

passadas descreverão o estereótipo que está sendo avaliado. E logo após a

descrição por rádio será apresentada uma foto, que corresponderá à foto do

suspeito do assalto que será abordado pelos policiais na situação fictícia. As

características da pessoa da foto coincidirão com todas as características passadas

no rádio, levando os policiais a suspeitarem que ele seja o autor do assalto. Seguem

abaixo dois exemplos sobre a situação descrita, para o estereótipo negro, favelado,

jovem e para o estereótipo branco, doutor, adulto:

Page 89: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

89

Situação 1 - contestador:

Imagine uma madrugada em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado à transeunte). Logo depois, as características do infrator são passadas:

• Negro • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos

Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.

Page 90: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

90

Situação 2 – cooperativo

Imagine uma madrugada em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado à transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Branco • Trajando terno e gravata • Aproximadamente 35 a 40 anos

Logo depois de obter essas informações, já numa rua do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia!

ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente.

Tais situações variaram para todos os estereótipos, alternando na caracterização

deles, as roupas utilizadas, o local onde o possível infrator é encontrado, a cor da

pele e a idade do infrator. Também foi uma preocupação a caracterização da

ausência de vigilância através da informação expressa de que “não há ninguém na

Page 91: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

91

rua no momento da abordagem” e pelo fato da foto estar representando uma

situação noturna, horário que se concentra a maior parte das ocorrências de

violência policial e em que há realmente poucas pessoas na rua.

Tal divisão entre abordados resistentes e cooperativos é essencial para a

mensuração da possibilidade de violência policial. Quando o cidadão abordado é

resistente, a índice de força a ser usado na abordagem aumenta significativamente,

e não há nada de errado nesse aumento de acordo com o Manual de Prática Policial

da PMMG. Porém, quando se compara a força que é usada contra um abordado

cooperativo e a força que se usa contra esse mesmo abordado estando resistente,

pode-se estabelecer um índice de intolerância à resistência e quanto maior for esse

aumento de força em razão da resistência do abordado, maior será o índice de

intolerância à resistência. Isso se constitui em importante ferramenta de comparação

do comportamento dos policiais em relação a cada estereótipo. Com essa

percepção é possível identificar quais categorias suscitariam maior violência no

policial por ocasião da abordagem sem perguntar isso diretamente ao policial.

10.7.2 A caracterização dos estereótipos

A maneira de caracterização dos estereótipos escolhida foi por meio de fotografias.

Como se viu no item anterior a situação criada para a comparação do

comportamento dos policiais envolve a descrição sucinta do estereótipo e a

identificação dele por meio de uma fotografia que o representa. Diante disso se faz

necessário a criação de tais estereótipos de forma que seja inequívoca a

identificação dele da forma como é esperado.

Para algumas características tal criação é mais simples do que para outras. Para

caracterizar um negro ou um branco, por exemplo, é suficiente que a pessoa

mostrada na foto tenha tais tons de pele. Portanto, o ponto inicial para isso foi a

escolha de pessoas com tons de pele claro e escuro para representarem tal

característica. A idade, da mesma forma, é facilmente representável pelo

reconhecimento rápido de rugas ou cabelos brancos com mais incidência entre os

Page 92: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

92

adultos do que entre os jovens. Assim é necessário encontrar pessoas brancas e

negras mais jovens e mais adultas.

Mais complexa é a forma de determinar o local de moradia da pessoa abordada. É

necessário que no momento em que o policial olhar para a pessoa ele identifique-a

como sendo daquele local onde ele está a abordando. O primeiro ponto para isso foi

a descrição do local de abordagem na construção da situação que será apresentada

ao policial. Para tanto, buscou-se fazer com que o policial se imaginasse no local

relacionado ao estereótipo. Dessa forma, para a favela, escreveu-se “Imagine uma

situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma

favela”. Após essa localização geográfica do local de atuação, as características do

estereótipo são divulgadas na rede de rádio. Depois disso, para corroborar que o

policial está realmente em uma favela deixou-se claro que após a passagem das

características o policial depara-se com a pessoa do estereótipo “já no interior da

favela”

Para corroborar o fato de que a pessoa do estereótipo realmente habita o citado

local, no caso a favela, caracterizou-se a pessoa que é mostrada na foto do

questionário com roupas relacionadas à favela. Para os jovens houve uma

associação com a ideologia do hip hop amplamente difundida nos morros e áreas

mais pobres das cidades. Para as pessoas adultas, roupas com indícios de serem

bastante velhas e desajustadas no corpo para indicar que talvez tivessem sido

doadas, foram usadas. Já que a caracterização com hip hop é iminentemente

relacionado à juventude, isto também não poderia ser utilizado para os adultos,

então, para o relacionamento com a favela, os adultos deveriam estar caracterizados

de forma que se remetesse a condição financeira precária das pessoas que residem

nas favelas e roupas velhas e desajustadas criariam essa noção de pobreza.

Para a caracterização dos estereótipos de playboy e doutor, que remetessem à

noção geográfica de um bairro rico, utilizaram-se as mesmas estratégias.

Primeiramente fez-se com que o policial se imaginasse num bairro nobre ao suscitar

a sua imaginação para isso da seguinte forma: “Imagine uma situação em que um

policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre”. Da

mesma forma que com o estereótipo de “favelado”, após a descrição do infrator,

Page 93: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

93

para deixar claro que o policial está no local que se deseja que ele imagine estar,

indica-se o local da abordagem ao suspeito do delito como sendo “já numa rua no

interior do bairro nobre”.

Com relação à caracterização da pessoa que representa o estereótipo, para

relacioná-la com a localização geográfica, utilizou-se uma lógica semelhante à da

favela. Para a caracterização do jovem rico, utilizou-se o estereótipo de “playboy”

que, para Minas Gerais, é o estereótipo equivalente ao “pitboy”, que é identificado no

trabalho de Oliveira (2005) como uma representação dos policiais do Rio de Janeiro

como sendo o jovem da zona sul da cidade (área nobre). O “playboy” é

caracterizado por utilizar roupas caras e de marcas famosas. Já para a

caracterização do adulto, usou-se um terno como uma referência ao poder e à

riqueza que seriam características típicas dos habitantes das áreas mais nobres da

cidade.

Após essas explicações sobre a forma como foram construídos e nominados os

estereótipos, as fotos a seguir identificam cada um deles, segundo as condições

descritas até agora:

1. Jovem, Playboy, Branco 2. Jovem, Playboy, Negro

Page 94: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

94

5. Adulto, Doutor, Branco. 6. Adulto, Doutor, Negro.

3. Jovem, Favelado, Branco. 4. Jovem, Favelado, Negro.

Page 95: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

95

Adulto, branco, Favelado Adulto, Negro, Favelado

10.7.3 As perguntas do instrumento de pesquisa

Após a caracterização dos estereótipos e das situações nas quais eles estarão

envolvidos, é necessário acrescentar questões que possibilitem medir o

comportamento dos policiais em relação a cada estereótipo. Com fulcro nesse

objetivo, surge como um fator complicador, o fato de se estar lidando com atitudes

vistas como preconceituosas e, via de regra, indesejáveis nas pessoas. Com essa

percepção, é importante evitar durante as perguntas faze-las diretamente sobre cor,

idade ou local de moradia, pois, se o policial percebesse que o que está sendo

avaliado é o seu “preconceito”, haveria uma contaminação das respostas de forma a

tentar esconder essa característica tida como indesejável.

Tal dificuldade foi relatada por Menin (2002) nas pesquisas sobre as representações

sociais, nas quais, a exposição da opinião é algo evitado pelas pessoas em

decorrência de uma contrariedade da representação em relação às normas sociais.

Um exemplo para essa situação seria perguntar a uma pessoa se ela considera que

os negros são em geral pessoas piores do que os brancos. Diante de uma pergunta

com essa, mesmo que a pessoa considerasse que a resposta seria positiva, ela

buscaria esconder tal opinião. Para as representações com essa característica,

Page 96: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

96

chamadas de representações da zona muda, Menin (2002) diz que para contornar

tal problema as perguntas que as avaliam devem ser formuladas, em vez de

diretamente à pessoa perguntando sobre a opinião dela, deve-se perguntar sobre a

opinião de uma pessoa do grupo a que ela pertence. Assim, em vez de perguntar

diretamente ao policial se ele usaria a força, pergunta-se se um policial qualquer

usaria a força.

Para que se alcançasse tal objetivo, todas as perguntas do questionário foram feitas

em relação a um policial qualquer. Assim, em vez de perguntar diretamente ao

policial qual o nível de suspeição ele atribui à pessoa, perguntou-se qual o nível de

suspeição que um policial atribuiria à pessoa abordada.

Dessa forma, após apresentada a situação e a foto do estereótipo, foram feitas aos

policiais as seguintes perguntas:

1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial

militar atribui a essa pessoa abordada?

2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao

abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local?

3. Pela sua experiência, como você avalia a vontade de atacar essa pessoa que

um policial militar sentiria ao abordá-la com ela se comportando dessa forma,

nesse local?

4. Pela sua experiência você, você acredita que o policial realmente atacaria, de

qualquer forma, essa pessoa ao abordá-la com ela se comportando dessa forma,

nesse local?

5. Se o policial realmente atacasse essa pessoa, qual o nível de força que ele

utilizaria?

Page 97: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

97

É importante salientar que algumas perguntas guardam relação entre si, e que a

reposta a elas não é um indicador absoluto, pois ela deve ser comparada com a

outra correspondente. Esse o caso da pergunta sobre a vontade de atacar e

possibilidade de ataque, pois a grande possibilidade de mensuração está na

distância entre a vontade e a ação real. Para essas duas perguntas a análise deve

ocorrer atrelando uma resposta à outra. A forma com isso foi feito é mais bem

explicada por ocasião da análise de dados. Outra pergunta que não pode ser

analisada isoladamente é a que versa sobre a força utilizada num ataque. A

principal forma de comparação para essa pergunta está na distinção dos valores

apontados pelos policiais nos estereótipos cooperativos e resistentes, pois saber

como aumenta o índice de força do cooperativo para o resistente em cada

estereótipo é essencial para saber como o policial vê a resistência de cada

abordado. Como foi mencionado, tais explicações serão mais bem detalhadas na

análise de dados.

Para cada uma das perguntas citadas acima foi apresentado um índice gradativo

de zero a dez para que os policiais indicassem a gradação que mais se adequaria

à resposta desejada por ele. Com isso, seria possível comparar de forma

numérica e objetiva as diferenças de comportamento dos policiais em função dos

estereótipos. Uma vez com os valores numéricos em mãos, seria tarefa fácil

avaliar as diferenças entre cada estereótipo podendo identificar sobre quais se

concentrou um uso maior da força. Abaixo está um exemplo dos índices

gradativos para cada pergunta:

1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial

militar atribui a essa pessoa abordada?

Por fim, para que se pudesse avaliar além de numericamente o comportamento dos

policiais, fez-se também perguntas dissertativas para que os policiais opinassem

sobre os motivos que levariam uma pessoa a comportar-se daquela forma, tentando

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito

Com certeza é o agente do delito

Page 98: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

98

identificar através dessas perguntas padrões de raciocínio e pensamento dos

policiais relacionados aos estereótipos e ao comportamento policial. Com isso, o

questionário ganhou caráter misto, pois englobou mensurações quantitativas e

qualitativas.

Como forma de exemplificar tudo que foi exposto até agora, abaixo encontra-se toda

a parte de mensuração das opiniões dos policiais em face das situações a eles

expostas: 70

1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial militar atribui a essa pessoa abordada?

Quais características dessa pessoa levam o policial a atribuir esse grau de suspeição ao abordado? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) 2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local? Nenhuma raiva 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita raiva

Qual o motivo dessa raiva que o policial militar sentiria? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) Quais qualidades (negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa raiva? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes) ____________________________________________________________________________________________________________ (...)

70 É importante salientar que para avaliar o entendimento e a clareza do questionário antes que ele fosse realmente aplicado, foi realizado um pré-teste com policiais do Regimento de Cavalaria da Polícia Militar de Minas Gerais e com os policiais da 125ª Companhia do 22º Batalhão. O questionário aqui apresentado é o resultado final após o teste.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito

Com certeza é o agente do delito

Page 99: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

99

3. Pela sua experiência, como você avalia a vontade de atacar essa pessoa que um policial militar sentiria ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?

Qual o motivo da vontade de atacar essa pessoa que o policial militar sentiria? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) Quais qualidades (negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa vontade? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ____________________________________________________________________________________________________________ (...) 4. Pela sua experiência você, você acredita que o policial realmente atacaria, de qualquer forma, essa pessoa ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?

Pela sua experiência, qual o principal motivo para o policial não atacar essa pessoa? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) E qual o principal motivo para ele atacar essa pessoa? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) Quais qualidades (negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as RESPONSÁVEIS POR FAZER O POLICIAL ATACAR? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ____________________________________________________________________________________________________________ (...) E as responsáveis por fazer o policial NÃO atacar? ____________________________________________________________________________________________________________ (...) 5. Se o policial realmente atacasse essa pessoa, qual o nível de força que ele utilizaria?

Nenhuma vontade 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita vontade

Com certeza não Atacaria 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Atacaria com certeza

Possivelmente atacaria

Provavelmente atacaria

Muito pequeno 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita grande

Page 100: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

100

10.8 Da forma de análise dos dados coletados

Os dados coletados das respostas dos policiais aos índices numéricos de suspeição,

raiva, vontade de atacar, possibilidade de ataque real, e nível de força a ser usado

por ocasião de um ataque, foram separados e tabulados de forma separada para

cada estereótipo. Após isso, foi possível agrupá-los de acordo com os grandes

grupos de características propostos (negros, brancos, jovens, adultos, doutores,

playboys e favelados) para uma análise separada de cada um deles. Após a

tabulação e análise completada dos dados de todos os grupos de forma separada,

passou-se a compará-los tentando identificar variações de um grupo para outro para

que fosse possível uma explicação teórica sobre tais diferenças à luz das teorias de

base e de outros padrões teóricos explicitados no bojo do trabalho de levantamento

bibliográfico.

Para os dados da parte qualitativa, a análise ocorreu através de uma leitura crítica

das respostas dos policiais analisando a congruência delas com as teorias

apresentadas. Com isso, identificou-se alguns grupos de respostas que versavam

sobre a mesma opinião, tomando de cada um deles algumas respostas como

“exemplificativas de tais agrupamentos. Para escolha dessas “respostas-exemplo”,

foram levados em consideração a amplitude ou o significado da resposta dada pelo

policial ao compará-la às teorias de base. Com isso foi possível analisar cada grupo

de opiniões e correlacioná-las aos estereótipos em que mais apareceram,

explicando os motivos da sua concentração.

Page 101: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

101

11 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Para o início da análise dos resultados observados, é importante salientar a

comprovação da hipótese proposta (Os estereótipos dos cidadãos abordados pela

polícia determinam a incidência de violência policial contra estes cidadãos.), pois

tanto na observação numérica quanto na análise dos depoimentos dos policiais

militares foi possível notar uma clara distinção do comportamento dos policiais em

relação a determinadas características dos abordados. Tanto a suspeição atribuída

aos abordados, quanto o uso da força variaram conforme as explicações teóricas,

havendo claras concentrações e dissipações de suspeição e uso mais intenso da

força. Com relação a outras questões colocadas no questionário que avaliavam

raiva, propensão ao ataque e certeza de que o ataque ocorreria, os padrões não

foram identificados de forma tão clara quando analisados separadamente, mas

quando a análise correlacionou algumas variáveis surgiram padrões significativos.

Além de terem contribuído significativamente na comprovação da hipótese através

de uma análise comparada, tais perguntas, em suas partes opinativas, também

foram extremamente importantes para extração das representações sociais dos

policiais sobre os abordados. Como elas tratam de questões menos polêmicas e não

puníveis como raiva e vontade, os policiais responderam-nas com maior

tranqüilidade e sinceridade. Isso proporcionou um grande conteúdo sobre as

representações sociais dos policiais acerca dos estereótipos.

Com relação aos objetivos propostos, também considera-se que eles foram

alcançados. O objetivo geral de “Verificar a influência dos estereótipos dos cidadãos

abordados pela polícia na incidência de violência policial” foi alcançado assim como

se verá principalmente nas análises sobre o controle da vontade de atacar o

abordado e do índice de intolerância à resistência do abordado. O primeiro objetivo

específico, (verificar as variações das atitudes dos policiais diante de cidadãos com

diferentes estereótipos quando estes estiverem envolvidos em situações idênticas)

foi atingido, e o segundo também (Identificar estereótipos e situações em que há

maior propensão à prática de violência policial). A análise numérica aponta

claramente distinções de suspeição, índice de força utilizada, índice de intolerância à

Page 102: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

102

resistência e índice de controle da vontade de atacar o abordado à medida que

variam as situações em que os abordados eram cooperativos ou resistentes, bem

como também ocorrem diferenças quando se muda a idade, a cor e o local

presumido de moradia dos abordados.

11.1 Dados quantitativos

A primeira análise e mais óbvia a ser feita sobre cada um dos estereótipos diz

respeito à comparação dos índices numéricos presentes no questionário nos quais

os policiais deveriam apontar valores que medissem a suspeição, a raiva, a vontade

de atacar o abordado, a possibilidade de ataque real e a força que seria utilizada

contra o abordado em um ataque. Nessa primeira análise, poucos padrões foram

identificados e os que surgiram ainda foram bastante fracos. Tal fato justifica-se pela

obviedade das perguntas feitas aos entrevistados o que possibilitava a eles

“esconder” a visão que tinham do abordado. Porém não houve percepção por parte

dos policiais de que as perguntas que mediam a vontade de atacar e a possibilidade

de ataque real relacionavam-se uma com a outra. Da mesma forma, como os

questionários foram aplicados de forma independente (quem respondia ao

questionário onde o abordado era negro, não sabia da existência de um questionário

onde o abordado era branco, da mesma forma como ocorreu com resistentes e

cooperativos) os policiais pensavam que o que estava sendo avaliado eram apenas

suas opiniões sobre o abordado do seu questionário. Assim, ao comparar os índices

de força para resistentes e cooperativos, tomando todos os estereótipos, as

diferenças surgiram claramente, pois os policiais não poderiam controlar as repostas

uns dos outros a fim de tornar todas as respostas coerentes entre si e com isso

“esconder” qualquer pensamento visto como preconceituoso.

De forma isolada, foram avaliadas apenas a suspeição e a raiva, que mesmo sendo

perguntas óbvias já apontaram para algumas tendências que continuaram numa

análise mais bem contextualizada.

Page 103: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

103

11.1.1 O índice de suspeição.

O índice de suspeição foi retirado dos números marcados pelos policiais para a

primeira pergunta do objeto de pesquisa:

1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial militar atribui a essa pessoa abordada?

Após o agrupamento das respostas dos policiais por estereótipos, encontrou-se o

seguinte padrão:

GRAFICO 11.1 – Média da avaliação dos policiais quanto ao índice de suspeição

que um policial atribuiria aos cidadãos segundo as

características dos abordados – Belo Horizonte, 2007

6,83

7,03

6,86

7,02

6,74

7,13

6,50

6,60

6,70

6,80

6,90

7,00

7,10

7,20

Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ouPlayboys

Favelados

Fonte: dados da pesquisa

Observa-se a clara distinção de suspeição de acordo com variações etárias, raciais

e regionais assim como se previu no capítulo 6 que tratou das diferenças de

comportamento policial quando variavam idade, cor da cútis e local da abordagem.

Da mesma forma, pode-se tomar tais variações como uma expressão clara das

percepções estereotípicas que os policiais fazem dos abordados, uma vez que a

suspeição em relação à determinada pessoa pode ser entendida como uma

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito

Com certeza é o agente do delito

Page 104: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

104

expectativa dela ser culpada que, por sua vez, é algo que se atribui antes de

qualquer contato real com o abordado. Como se vê no gráfico, jovens, Negros e

“favelados” tendem a ser mais suspeitos que os seus estereótipos opostos.

Porém, como se disse no início desta sessão, esses dados representam apenas

uma tendência, pois, apesar de concordarem com a percepção teórica, em face da

margem de erro, não são dados significativos devido à pequena variação percentual

que têm em relação à média. Lembrando que a margem de erro da amostra

coletada é de 4,9% temos as seguintes variações percentuais para a suspeição:

GRÁFICO 11.2 – Variações percentuais em relação à média global dos índices de

suspeição atribuídos aos cidadãos – Belo Horizonte, 2007

Doutor ou Playboy-2,78

Adultos-1,45

Brancos-1,15

Negros1,15

Jovens1,29

Favelados2,78

-4,00

-3,00

-2,00

-1,00

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

Fonte: dados da pesquisa

Em parte, essa organização dos estereótipos em termos de suspeição acaba se

mantendo para as análises do índice de intolerância e de controle da vontade de

atacar que serão apresentados à frente. Esses dois índices também foram

diminuídos para adultos, brancos, “doutores e playboys” e mais acentuados para

negros, jovens e “favelados”. Ressalta-se como ponto ligeiramente divergente que

as diferenças entre “favelados” e “doutores e playboys” foram mais reduzidas

Page 105: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

105

enquanto as distinções de faixa etária foram as mais elevadas nas mensurações

sobre o controle da vontade de atacar e a intolerância à resistência.

11.1.2 O índice de raiva

Da mesma forma que o índice de suspeição, o índice de raiva foi analisado de forma

isolada e não apontou para grandes diferenças entre os estereótipos, porém a

tendência que surge nele mantém-se para as análises interrelacionais.

O índice de raiva foi coletado das repostas dos policiais à segunda pergunta do

questionário.

2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local? Nenhuma raiva 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita raiva

Com a tabulação dos dados chegou-se ao seguinte cenário:

GRÁFICO 11.3 – Avaliação dos policiais quanto ao índice de raiva que um policial

sentiria no momento da abordagem: valores médios – Belo

Horizonte, 2007

3,72

3,82

3,41

4,14

3,803,75

3,00

3,20

3,40

3,60

3,80

4,00

4,20

Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ouPlayboys

Favelados

Fonte: dados da pesquisa

Page 106: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

106

Como se vê, novamente jovens e negros destacam-se, porém, as diferenças

relativas ao local de moradia dos abordados se inverteram em relação ao índice de

suspeição e os “favelados” tiveram ligeira baixa em relação aos “doutores e

playboys”. Essa última inversão aponta para um dado constatado a frente que

mostra que as menores diferenças ocorreram em relação ao local de abordagem, ao

passo que as diferenças relativas a idade e etnia foram bastante acentuadas.

Ao escalonar os índices de raiva obtém-se a seguinte oscilação em relação à média

global de raiva atribuída aos policiais no momento das abordagens:

GRÁFICO 11.4 – Variações percentuais em relação à média global dos índices de

raiva atribuídos aos policiais segundo o estereótipo do abordado –

Belo Horizonte, 2007

Brancos-9,71

Adultos-1,46

Favelados-0,64

Doutor ou Playboy0,64

Jovens1,30

Negros9,71

-11,00

-10,00

-9,00

-8,00

-7,00

-6,00

-5,00

-4,00

-3,00

-2,00

-1,00

0,00

1,00

2,00

3,00

4,00

5,00

6,00

7,00

8,00

9,00

10,00

11,00

Fonte: dados da pesquisa

11.1.3 Os índices avaliação do controle do comportamento policial

Até agora apenas fez-se uma apresentação bruta dos dados, porém mais do que

informar se os policiais sentem mais raiva ou menos raiva, mais vontade de atacar

Page 107: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

107

ou menos vontade de atacar é importante correlacionar tais informações. Diante

disso, dois pontos tornam-se importantes: a relação mantida entre as variações

cooperativa e resistente dos mesmos estereótipos e a ligação entre a vontade de

atacar e a possibilidade de ataque real.

Avaliar as diferenças entre as variações cooperativas e resistentes de um mesmo

estereótipo é importante, pois assim será possível notar como os policiais avaliam a

resistência daquele estereótipo em termos de aceitabilidade ou não. Para fazer isso,

buscou-se comparar o índice de força que os policiais apontavam como o que seria

usado por ocasião de um ataque ao abordado em cada uma das duas situações

(cooperativos e resistentes). Com isso, conseguiu-se medir o índice de intolerância à

resistência dos policiais comparando o índice de força atribuído para o estereótipo

quando ele se comporta de forma cooperativa e quando ele resiste às ordens

policiais. Como esse índice não variou da mesma forma para todos os estereótipos,

foi possível identificar aqueles estereótipos dos quais se tolera menos a resistência e

aqueles para os quais resistir é mais aceitável. Com esse nível de comparação as

diferenças se acentuaram e apontaram claramente para a direção de concentração

da violência policial.

O outro importante meio de avaliação comparado está na relação mantida entre a

vontade de atacar e crença no ataque real. Essa relação é importante, pois

demonstra o quanto a ligação social do policial com o estereótipo influencia as ações

dos agentes da lei, pois nem sempre a vontade de ataque se converte em ataque de

fato e entre a vontade e o ato real é que estão os mecanismos de controle do

comportamento policial. Com isso, tanto a vontade de atacar, quanto a possibilidade

de ataque real tornam-se relativos. Por exemplo: se há muita vontade de atacar um

“doutor” branco, mas a declaração de que o ataque real ocorreria é pequena, então

deduz-se que há uma barreira efetiva que impede que a vontade do policial se

manifeste. Da mesma forma, se há uma vontade pequena de atacar, mas ela se

concretiza em uma possibilidade média de ataque, percebe-se que o controle do

impulso é menor e que via de regra uma pequena vontade torna-se fato concreto

facilmente.

Page 108: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

108

11.1.3.1 Do índice de intolerância à resistência

Como foi dito, o índice de intolerância à resistência compara, para um mesmo grupo

estereotípico, as diferenças da força que os policiais disseram que seria usada em

um ataque contra o abordado cooperativo e outro resistente. Para alcançar

numericamente esse índice fez-se apenas um cálculo da variação percentual do

índice de força entre os estereótipos resistentes e cooperativos da seguinte forma:

Nível médio de força atribuído ao estereótipo resistente

Nível médio de força atribuído ao estereótipo cooperativo - 1 x 100 Através desse cálculo chegou-se aos seguintes resultados por estereótipo: GRÁFICO 11.5 – Índice de intolerância à resistência do cidadão segundo

..o.estereótipo do abordado – Belo Horizonte, 2007

34,52

69,56

46,65

55,26

48,21

54,22

25,00

30,00

35,00

40,00

45,00

50,00

55,00

60,00

65,00

70,00

75,00

Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ouPlayboys

Favelados

Fonte: dados da pesquisa Como nota-se no gráfico anterior, ao analisar de forma comparada os tipos

resistentes e cooperativos, as diferenças evidenciam-se e tornam-se significativas.

Essas diferenças, por sua vez, podem ser interpretadas à luz das exposições de

DaMatta (1997) como uma expressão da hierarquia social brasileira, pois além de

Page 109: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

109

oferecer maior trabalho aos policiais, os abordados resistentes faziam uso da

expressão “Você sabe com quem está falando?” que é apontada pelo antropólogo

como uma forma antipática de recolocar as pessoas no seus “devidos lugares”. A

expressão em si, como é proposto por DaMatta (1997), é algo indesejável, porém

ela é usada de cima pra baixo na “escala hierárquica brasileira”, o que a torna

esperável de certas pessoas. Assim, o seu uso é restrito aos vistos como

“superiores” e o uso indevido por um “inferior” acaba por representar uma afronta à

hierarquia social e que, portanto, é algo passível de uma restauração da ordem

natural. Diante disso, percebe-se que, ao aplicar essa concepção aos dados

mostrados, nota-se que os policiais vêem os jovens como potencialmente menos

providos de poder que os adultos, assim como os negros em relação aos brancos e

“favelados” em relação aos “doutores e playboys”.

Dentre os dados do GRAF. 11.5, é importante destacar a grande distância entre

adultos e jovens. Esse percentual mais do que dobra dos adultos para os jovens o

que indica que, caso resistisse e fosse atacado, o índice de força usado contra o

jovem seria praticamente o dobro do usado contra o adulto, isso representa na

verdade uma variação, de um para o outro, de aproximadamente 100%. Fazendo

essa mesma comparação para os demais estereótipos opostos entre si, obtém-se o

seguinte gráfico:

GRÁFICO 11.6 – índice de intolerância à resistência: variação percentual em relação

aos estereótipos opostos – Belo Horizonte, 2007

Jovens/Adultos101,49

Negros/Brancos18,46

Favelados/Doutores e Playboys12,48

0,00

12,00

24,00

36,00

48,00

60,00

72,00

84,00

96,00

108,00

Variação percentual 101,49 18,46 12,48

Jovens/Adultos Negros/Brancos Favelados/Doutores e Playboys

Fonte: dados da pesquisa

Page 110: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

110

Para melhor compreensão do GRAF. 11.6 é necessário relatar que os cálculos

foram feitos para mensurar o índice de aumento do estereótipo de índice menor para

o estereótipo de índice maior. Interpreta-se então que os jovens tiveram um índice

100% maior do que os adultos, os negros 18,46% maior do que os brancos e os

“favelados” 12,48% maior do que os “doutores e playboys”.

Após essa comparação entre estereótipos, é importante contextualizar tais índices

em relação ao todo, pois surge a pergunta sobre quais seriam esse índices de forma

geral. É necessário comparar então os índices de cada estereótipo em relação à

média global de aumento de força que ocorre quando se muda o comportamento do

abordado de cooperativo para resistente, ou seja, o índice médio de intolerância à

resistência. O valor encontrado para tal indicador foi de 51,19% de aumento de força

quando o abordado deixava de cooperar e passava a resistir, e os estereótipos

variaram em relação a esse valor da forma apresentada no GRAF. 7 a seguir:

GRÁFICO 11.7 – Índice de intolerância à resistência do cidadão segundo o

estereótipo do abordado: variação percentual em relação à

média global – Belo Horizonte, 2007

Adultos-32,57

Brancos-8,87

Doutores ou Playboys-5,84

Favelados5,92

Negros7,94

Jovens35,87

-40,00

-30,00

-20,00

-10,00

0,00

10,00

20,00

30,00

40,00

Fonte: dados da pesquisa

Page 111: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

111

Com isso torna-se possível hierarquizar os índices de forma crescente e agrupá-los

naqueles estereótipos para os quais a intolerância à resistência é maior do que a

média e naqueles para os quais a intolerância é menor que a média. Tem-se,

portanto, a seguinte gradação crescente de aumento da intolerância:

1) Adultos

2) Brancos

3) Doutores ou Playboysa

4) Favelados

5) Negros

6) Jovens

Para um entendimento mais detalhado acerca da intolerância à resistência é

essencial imergir os números vistos até agora em meio às proposições de DaMatta

(1997), pois nas respostas encontradas nos questionários além de ser simplesmente

mais contestadores, os abordados resistentes faziam uso do rito proposto por

DaMatta(1997) como um modo de tentar afastar o policial e evitar a abordagem.

Porém o rito proposto por esse autor geralmente é usado apenas pelo “superior”

para recolocar o “inferior” em seu devido lugar. Diante disso a maior ou menor

aceitabilidade desse rito estaria ligada a visão do policial da pessoa ser de fato

alguém “superior”, caso ela o fosse, apesar de indesejável, tal comportamento seria

mais comum. Já para aqueles que os policiais vissem como potencialmente

“inferiores” a solução para tal afronta seria a recolocação do abordado no seu devido

lugar para extinguir o conflito que se estabelecera.

Já sob o foco da teoria dos estigmas, pode-se tomar tal comportamento como a

expressão de um controle social através do uso da força que é embasado pela

percepção clara da inferioridade, assim, a percepção do estereótipo marca o

indivíduo como alguém que não deve contestar as ordens do policial, e que deve

comportar-se submetendo-se sempre. A possibilidade desse controle ocorrer de

acordo com a percepção visual do estigma é mostrada na seguinte citação feita no

capítulo 9 que versou sobre tal tema:

[...] quanto mais discrepante for a diferença entre as duas identidades, mais acentuado o estigma; quanto mais visual, quanto mais acentuada e

Intolerância menor que a média

Intolerância maior que a média

Page 112: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

112

recortada a diferença, mais estigmatizante; quanto mais visível a diferença entre o real e os atributos determinantes do social, mais se acentua a problemática do sujeito regido pela força do controle social. (MELO, 1999, p.2)

A concentração regional apontada na análise numérica da intolerância à resistência

pode ser claramente percebida na citação de Oliveira (2005, p. 90-91) onde a

periferia e a área nobre são claramente separadas em termos controle do uso da

força.

Os jovens da Zona Sul, os famosos pitboys, esses só fazem arruaça na Zona Sul, vê se você houve falar em pitboy aqui na Zona Norte, na Penha, em Olaria, em Ramos? Aqui é subúrbio meu amigo, aqui o buraco é mais embaixo, se um pitboy desses parar na minha frente na Zona Norte, eu encho ele de bala. Veja só, eu sou baixinho, uso óculos, na mão não tem como fazer, então, eu nem penso duas vezes, encho ele de bala. Mas na Zona Sul não, ele pode ser filho de um desembargador e aí a coisa complica. (2º sargento, 37 anos, 18 B – Jacarepaguá, 18 anos de serviços prestados à PMERJ).

Como se vê, os resultados encontrados reforçam o depoimento acima.

Por fim, não se pode deixar de enxergar tais fatos como a expressão das

percepções estereotípicas dos policiais acerca dos abordados, pois, afinal, para a

faixa etária e a etnia, as únicas mudanças presentes nos questionários eram as

fotos de jovens ou adultos e negros ou brancos. Para que o policial saiba contra

quem ele pode agir em face da resistência e para diferenciar seu comportamento,

faz-se uma série de inferências sobre os abordados à primeira impressão que se

tem deles. O policial não sabe se o abordado é irmão ou filho de alguém importante,

não sabe se apesar da idade e do terno e gravata, se o sujeito é um morador

evangélico de periferia indo para a igreja. Assim, todos os juízos que o policial faz do

abordado não passam de percepções estereotípicas e generalizações fundadas

apenas na experiência e na informação social que o policial recebera por sua

experiência de vida. Nesse ponto, relembra-se mais uma vez a citação de Renn e

Calvert (1993 apud Lima, 1997, p. 10) que diz que “o que uma pessoa leva para

observar uma situação, pode ser mais importante do que aquilo que ela realmente

vê”. Então surge a pergunta: o que policial trás consigo quando observa jovens,

negros, e “favelados”? Nesse sentido as proposições do Capítulo 6 (Região, etnia,

faixa etária e as variações do comportamento policial) podem trazer as respostas

Page 113: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

113

sobre como os policiais representariam socialmente os diversos públicos com que

lidam.

11.1.3.2 O Índice de controle da vontade de atacar

O índice de controle da vontade de atacar foi construído para tentar identificar o

quanto à vontade se concretiza em um ato real. Comparou-se qual a variação da

possibilidade de ataque real ao abordado em função da vontade de fazê-lo que foi

atribuída ao policial no momento da abordagem. Essa comparação possui

importância destacada por indicar o quanto as normas sociais controlam o policial,

pois, entre a vontade e a ação, há uma grande distância que é decorrente de um

emaranhado de normas sociais a serem quebradas para que a vontade se expresse

livremente.

Para construção desse índice, foi utilizado o mesmo processo do índice de

intolerância a resistência. Porém, em vez de dividir a força apontada contra os

estereótipos resistentes pela dos cooperativos, dividiu-se a possibilidade de ataque

real média apontada para o estereótipo pela vontade de atacá-lo.

GRÁFICO 11.8 – Índice de controle da vontade de atacar o cidadão segundo o

.estereótipo do abordado – Belo Horizonte, 2007

32,48

7,17

28,13

11,24

19,64

11,76

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

Adultos Jovens Brancos Negros Doutores ePlayboys

Favelados

Fonte: dados da pesquisa

Page 114: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

114

Como se vê no GRAF. 11.8, surgem novamente diferenças significativas quando se

toma os estereótipos opostos entre si. Contra jovens, negros ou favelados, quando o

policial tem vontade de atacar, é muito maior a chance de que ataque de fato.

Contra adultos, brancos ou “doutores e playboys” essa vontade se converte bem

menos em realidade. Nota-se de forma destacada que, ao mudar da faixa etária

jovem para a faixa etária adulta, a possibilidade de ataque diminui quase 4 vezes.

Raciocinando de forma inversa, a possibilidade da vontade se tornar realidade

aumenta 350% do adulto para o jovem. Deduz-se que apesar de ter muita vontade

de atacar é muito mais difícil que o policial realmente o faça contra adultos, brancos

ou “doutores e playboys”. Por outro lado, contra jovens, negros e “favelados” pouca

vontade transforma-se em fato facilmente.

GRÀFICO 11.9 – Índice de controle da vontade de atacar o cidadão: variação

..percentual em relação aos estereótipos opostos – Belo

..Horizonte, 2007

353,26

150,25

66,95

0,00

50,00

100,00

150,00

200,00

250,00

300,00

350,00

400,00

Variação percentual 353,26 150,25 66,95

Adultos/Jovens Brancos/Negros Doutores e playboys/Favelados

Fonte: dados da pesquisa O GRAF. 11.9 expressa a diferença percentual entre os estereótipos para quais há

um maior controle da vontade de atacar em relação aqueles para os quais o controle

é menor. Percebe-se que o padrão das diferenças entre jovens e adultos repete-se

Page 115: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

115

em relação aos dados da sessão anterior, tendo índices destacadamente maoires.

De maneira idêntica, as diferenças etárias foram seguidas das diferenças étnicas e

regionais em termos de taxa.

Ao se comparar os dados de cada estereótipo em relação à média global de controle

da pulsão de ataque, o escalonamento encontrado para o índice de intolerância à

resistência se repete. Adultos, brancos ou “doutores e playboys” são,

respectivamente e em ordem crescente, aqueles para os quais os policiais

apontaram haver maior controle da vontade de atacar o abordado. Os índices de

cada estereótipo variaram percentualmente em torno de uma média global de

controle da vontade de atacar de 18,84% da seguinte forma:

GRÁFICO 11.10 – Índice de controle da vontade de atacar o cidadão segundo o

estereótipo do abordado: variação percentual em relação à

média .global – Belo Horizonte, 2007

Jovens-61,96

Negros-40,34

Favelados-37,56

Doutores e Playboys4,24

Brancos49,31

Adultos72,40

-90,00

-75,00

-60,00

-45,00

-30,00

-15,00

0,00

15,00

30,00

45,00

60,00

75,00

90,00

Fonte: dados da pesquisa Ao escalonar os índices de controle da vontade de atacar tem-se o seguinte

resultado: <<

1) Adultos

2) Brancos

3) Doutores ou Playboys

Controle maior do que a média

Page 116: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

116

4) Favelados

5) Negros

6) Jovens

Os dados encontrados sobre o controle do animus dos policiais podem ajudar a

entender alguns números apresentados na parte teórica do trabalho. O resultado do

menor controle dos policiais com relação a negros, jovens e “favelados” pode ser

visto nos números apresentados por Ramos e Lemgruber (2004, p. 111) ao citar

Cano (1997) no capítulo 6:

Um estudo minucioso realizado por Cano (1997), tomando os autos de resistência ocorridos nos anos de 1993 a 1996, na cidade do Rio de Janeiro, revelou que as vítimas são majoritariamente jovens do sexo masculino (de 15 a29 anos, com ênfase na faixa de 20 a 24 anos) e que 64% das vítimas são negras, contrastando com a sua menor presença na população carioca (39%). O estudo também mostrou que a ação policial dentro das favelas é mais letal do que em outros locais. Em 523 confrontos armados dos em favelas, a Polícia matou 512 pessoas. Fora das favelas, foram mortas 430 pessoas. Considerando o percentual da população que vive nessas áreas no Rio de Janeiro, este dado representa uma incidência de mortes seis vezes maior no interior das favelas. Além disso, a análise mostrou que quase a metade dos corpos recebeu quatro disparos ou mais e a maioria dos cadáveres apresentava pelo menos um tiro nas costas ou na cabeça, configurando casos evidentes de execuções sumárias entre as “mortes em confronto”.

Por outro lado, a percepção desse comportamento policial pode levar a entender

como os grupos vitimados por essas ações menos cuidadosas, no mínimo, acabam

representando as ações policiais. (DANTAS e HERINGUER, 1990, p.2) apresentam

como é essa visão por brancos e negros no seguinte trecho citado no capítulo 6:

:

Essa maior desconfiança em relação aos negros como agentes de violência ganhou melhores contornos através de pesquisas realizadas pelo Datafolha e pelo Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção ao Delito e Tratamento do Delinqüente). Ambos os trabalhos buscaram investigar a imagem da polícia entre os moradores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Um dos resultados atesta que as críticas dos brancos em relação à polícia concentraram-se em aspectos como ineficiência e corrupção, enquanto os negros criticaram com mais freqüência a atuação violenta da polícia: 20% dos negros afirmaram sentir medo da polícia, em contraste com 11% dos brancos. Além disso, entre os negros foi maior o número de entrevistados que revelaram ter mais medo da polícia do que dos bandidos. E quase metade dos negros (47%) entrevistados disseram ter sido abordados pela polícia pelo menos uma vez, em comparação com 34% dos brancos.

Controle menor que a média

Page 117: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

117

Com a comparação entre esse dois trechos, é possível analisá-las sob o ponto de

vista das teorias sociais sobre os estereótipos que dizem que os estereótipos

originam-se dos conflitos entre grupos e que acabam gerando percepções

distorcidas e generalizadas entre os membros dos grupos que se confrontam. Vê-se

claramente a representação recíproca feita por policiais acerca de brancos e negros

e deles em relação aos policiais. Porém, é importante salientar que para o policial a

representação de brancos e negros não é feita por ele pertencer a um terceiro grupo

diverso desses dois, mas sim pela concepção que a sociedade como o todo tem

desses dois grupos, e é através dessa concepção que o policial identifica aqueles

com quem se relaciona e seleciona o tratamento que dispensará a eles nas

situações em que se envolverem. Dessa forma, o estereótipo diz com quem está se

relacionando e como deve-se agir. O trecho abaixo citado no Capítulo 9 que tratou

dos estigmas mostra bem como esse processo acaba deflagrando a violência

policial:

Quem está ali na esquina não é o Pedro, o Roberto ou a Maria, com suas respectivas idades e histórias de vida, seus defeitos e qualidades, suas emoções e medos, suas ambições e desejos. Quem está ali é o ”moleque perigoso” ou a ”guria perdida”, cujo comportamento passa a ser previsível. Lançar sobre uma pessoa um estigma corresponde a acusá-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil. Quer dizer, o preconceito arma o medo que dispara a violência, preventivamente. Essa é a caprichosa incongruência do estigma, que acaba funcionando como uma forma de ocultá-lo da consciência crítica de quem o pratica: a interpretação que suscita será sempre comprovada pela prática não por estar certa, mas por promover o resultado temido. Os cientistas sociais diriam que este é um caso típico de “profecia que se autocumpre”. (SOARES, et. al., 2005, p. 175)

O mesmo raciocínio apresentado acima quando Soares et. al. (2005) diz que “Como

aquilo que se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga,

também hostil” pode ser aplicado aos trechos abaixo como forma de explicar o

porquê da concentração etária, racial e regional encontrada para os índices de

intolerância à resistência e de controle da vontade de atacar:

[...] o estigma atribuído à favela contamina também seus moradores. O estudo de Rinaldi (2003:307) sobre a categoria “favelado”, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ajuda na compreensão dessa

Page 118: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

118

questão: “... ser morador de favela é trazer consigo a ‘marca de perigo’, é ter uma identidade social pautada pela idéia de pobreza, miséria, crianças na rua, família desagregada, criminalidade, delinqüência. Tais imagens são realimentadas pelos veículos de informação, que trazem notícias sobre o ‘morro’ sempre do ponto de vista negativo, enfatizando o tráfico de drogas e a violência.” (grifo nosso) (OLIVEIRA, 2005, p. 76).

É possível dizer que nas representações dos policiais sobre a juventude predomina o discurso da “marginalização juvenil”. Para os policiais, os jovens são motivos de intensa preocupação. Até certo ponto, a classe social determina o tipo de tratamento que o jovem receberá e, por vezes, até mesmo o crime que lhe será atribuído. (grifo nosso) (OLIVEIRA, 2005, p. 78-79).

Encerrando a análise numérica, passa-se para o estudo das opiniões dos policiais

sobre os estereótipos que lhes foram apresentados nos questionários. Os trechos

abaixo mostram exatamente a expressão dos estereótipos como uma forma de

representação social, e as conseqüências dessa percepção, que foram mostradas

numericamente até agora, acabam transformando as características de negros,

jovens e “favelados” em estigmas que eles acabam carregando no seu convívio

social.

11.2 Dados qualitativos A análise dos dados qualitativos ocorreu de forma bem distinta dos dados

numéricos, devido às características da informação em questão. Para esse estudo,

buscou-se identificar nas opiniões dos policiais aspectos comuns e padrões de

manifestação. Com isso, o posicionamento dos policiais foi categorizado de acordo

com a semelhança que tinham entre si, ou de acordo com o aspecto a que davam

maior importância (comportamento do abordado, local da abordagem, características

do abordado, pensamento do abordado, etc.).

Como as perguntas do objeto de pesquisa foram bastante repetitivas para tentar

extrair o máximo do policial, muitas vezes as respostas de questões diferentes

coincidem-se. Com isso, não foi feita uma análise específica de cada pergunta, mas

das opiniões de forma geral.

Page 119: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

119

Como o objeto de estudo desse trabalho está nos estereótipos dos cidadãos e não

dos policiais, não foram categorizadas opiniões que davam conta de atitudes ou

características dos policiais. Apenas classificações e categorizações dos abordados

foram levadas em consideração.

Ao analisar os conteúdos das respostas às questões abertas do questionário,

elencou-se as seguintes categorias: Desrespeito; Direito de questionar; Abordado se

acha superior; Nível de educação do abordado; Certeza de ser o agente; Dúvida de

ser o agente; Preto, pobre, favelado; Não há motivos para não atacar. A seguir,

serão expostas e exemplificadas as categorias encontradas.

11.2.1 A categoria “desrespeito”

Essa categoria foi a que mais surgiu em todos os questionários e estereótipos,

sendo praticamente uma unanimidade quando o abordado era resistente. Para essa

categoria, não se observou qualquer concentração com relação a determinado

estereótipo, sendo bastante uniforme a sua distribuição.

O policial brasileiro não é mais respeitado por nenhuma classe social é mais fácil o cidadão infrator obedecer do que o cidadão honesto. (Cb., 20 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que levariam o policial a sentir raiva – Abordado Jovem, Negro, Playboy, Resistente) As pessoas ultimamente ao serem abordadas reagem friamente, tipo debochando e umas zombando (Cb., 14 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que levariam o policial a sentir raiva – abordado Jovem, Negro, Playboy, Resistente)).

Outra característica dessa categoria foi o reducionismo das respostas que via de

regra diziam, “pelo desrespeito do abordado” ou apenas “desrespeito”.

Algumas vezes esse desrespeito foi generalizado à toda sociedade dizendo que

ninguém mais respeita a polícia e que ”antigamente era diferente”. Algumas vezes

há a culpabilização dos “direitos humanos” pelo aumento do desrespeito ao policial.

O policial se sente desprezado e sem moral em atividade. A polícia perdeu sua autoridade a[há] muito tempo devido à interferência dos direitos humanos, imprensa etc.(Cb., 15 de serviço perguntado sobre o motivo da

Page 120: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

120

raiva que o policial sentiria no momento da abordagem – abordado Adulto, Branco, Favelado, Resistente)

11.2.2 A categoria “direito de questionar”

Muitas vezes há o apontamento de que o cidadão resistente tem o direito de

questionar a ação policial ou então de que o cidadão estaria certo por questionar,

pois o policial não dissera o motivo da abordagem.

Essa categoria surgiu em número bem pequeno e perpassou principalmente os

estereótipos jovens “playboys”, mas também, apesar de em menor escala, também

surgiu para os moradores de favela.

Deve-se observar que o policial não disse o “porquê” da abordagem. Caso tivesse dito as coisas seriam diferentes (1º Ten, 7 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sentiria no momento da abordagem – abordado Adulto, Negro, Doutor, Cooperativo) O abordado é questionador. Isso é bom, mas as vezes o policial não aceita esse direito do abordado (Sd, 5 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que fariam o policial atacá-la – abordado Jovem, Negro, Favelado, Resistente)

É importante lembrar que apesar do cidadão abordado ter o direito de saber os

motivos da abordagem após ela ter sido feita, as ordens policiais, enquanto um ato

da administração pública, têm como pressuposto a auto-executoriedade. Isso faz

com que as ordens devam ser imediatamente obedecidas para depois poderem ser

questionadas. Caso o cidadão não obedeça de forma alguma as ordens do policial

ele pode ser preso por desobediência. Caso ele resista e seja necessário usar a

força para fazê-lo obedecer ele poderá ser conduzido por resistência.

11.2.3 A categoria “abordado se acha superior”

Essa categoria apresentou grande concentração para estereótipos abordados na

área nobre, mas mesmo para esses locais houve algumas nuances importantes.

Essa categoria atribui ao abordado a condição de se achar melhor que o policial e

que por isso a pessoa seria tão intolerante. Às vezes a visão surge de forma

Page 121: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

121

invertida, dizendo que o policial se sente diminuído, inferiorizado. Essa categoria

está intimamente ligada às concepção de DaMatta(1997) e a idéia de superioridade

como esse autor propõe.

Acredito que nesse momento o policial tem o sentimento de menos valia, vendo o outro como superior ou adversário e não como uma pessoa com outra qualquer independente de sua vestimenta, lugar que trabalha, etc. (1º Sgt , 19 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sentia do abordado - abordado adulto, branco, “doutor”, resistente) Acho que é devido ao grupo. Ele se julga socialmente melhor do que o policial.(1º Sgt , 27 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva – abordado adulto, branco, “doutor”, resistente) Negativas: morar em local nobre onde as pessoas se acham melhores e ter boa aparência e com isso achar que pode ser diferente. (Cb, 13 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada responsáveis por fazer o policia sentir raiva – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente) A de se julgar melhor do que os outros e achar que não pode ser abordado e forma pela qual responde ao policial na abordagem (com ironia). ( Cb, 18 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada responsáveis por fazer o policia sentir raiva – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente) O abordado é: desobediente, arrogante, acredita que por estar num bairro nobre ele não pode ser considerado suspeito, ele tem certeza de que sua posição social inibe o trabalho policial (Cb., 13 anos de serviço). Falta de obediência. Querer tirar vantagem demonstrando ser superior ao policial (1º Sgt , 19 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sentia do abordado - abordado adulto, branco, “doutor”, resistente)

É importante notar que apesar dessa categoria ter se concentrado na área nobre,

quando abordado era o jovem negro, ela diminuía substancialmente, enquanto para

os abordados adultos doutores e brancos jovens, ela era praticamente unânime na

área nobre. Para o jovem negro ela apareceu muito pouco, tendo sido o jovem negro

“playboy” identificado como um favelado, pobre e mau vestido algumas vezes,

mesmo sem a situação apresentada para os policiais mencionar em hora alguma a

favela e se passar na área nobre. Esse fato não surgiu em nenhum momento para o

jovem branco “playboy”.

Qualidades negativas: o rapaz é negro, pobre, não há testemunhas, atacou transeunte na área nobre, a roupa que veste e não há tesetemunhas (3º Sgt, 16 anos de serviço, perguntado sobre as

Page 122: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

122

características da pessoa abordada que fariam o policial sentir vontade de ataca-la – abordado Jovem, Negro, “Playboy”, cooperativo)

Jovem, negro, pobre, mal vestido, em área nobre e característica de bandido (3º Sgt, 16 anos de serviço, perguntado sobre quais as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado Jovem, Negro, “Playboy”, cooperativo) Porque não tinha ninguém na rua e ele estava bem vestido naquele lugar (Cb, 20 anos de serviço, perguntado sobre as características que levavam o policial a suspeitar do abordado – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente) Pessoa acha estar acima de qualquer suspeita mesmo tendo consciência que foi ela mesma que cometeu o delito, pelo fato de ser branco e estar aparentemente bem arrumado. (Cb, 19 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da raiva que o policial sente da pessoa abordada – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)

Nos trechos anteriores, nota-se uma inversão entre o playboy e o favelado. O

“favelado” branco é visto como “playboy” e o “playboy” negro é visto com favelado.

Ao que se vê, a cor negra está amplamente relacionada à pobreza, pois tais

características são colocadas pelo policial sem existir qualquer menção a elas no

texto.

Essa inversão do jovem branco “favelado” não ocorreu apenas uma vez e muitas

vezes a ele são atribuídas características melhores que as atribuídas ao negro.

Apesar de se mencionar que o abordado está no interior de uma favela e que o

assalto ocorrera ali próximo, o jovem branco não foi identificado como morador da

favela, como se vê abaixo nas respostas dos policiais:

O militar poderia não agir de forma ríspida por temer a posição social e influência do suspeito (Cb, 12 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não atacá-la – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)

Por ser jovem geralmente não tem muito respeito à autoridade e também pouco sabem do trabalho da polícia, também por ser branco deve pensar que a polícia jamais poderia suspeitar dele. Há também o fato de o suspeito ser parente de alguém influente na sociedade (Cb, 26 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que levariam o policial a sentir raiva – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)

Page 123: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

123

Nos trechos antepostos ocorre o processo inverso do negro, um dos policiais deduz

que o abordado não é “favelado” apesar dele estar na favela e o identifica como

tendo uma posição social que o policial temeria, o que evitaria que o cidadão fosse

atacado. Já o segundo policial relata o fato dele ser parente de alguém influente. Na

verdade, para o estereótipo branco “favelado”, a favela foi muito pouco mencionada

nos discursos dos policiais, fato contrário ao negro. Além de em momento algum ter

recebido características “boas” como estar bem vestido ou ser parente de alguém

importante, o negro foi invariavelmente identificado com um favelado quanto era

imerso dentro de uma favela.

Pode-se ver claramente a expressão estereotípica distinta entre brancos e negros. O

enxugamento de informação social é tal que o observador desconsidera todo o

contexto e passa a observar apenas cor da pele, ligando-a às concepções anteriores

que tem de brancos e negros. Com isso, corrobora-se os dados numéricos que

apontaram para uma maior “superioridade” do branco em relação aos “negros” na

escala hierárquica brasileira proposta por DaMatta (1997).

11.2.4 A categoria “nível de educação do abordado”

Essa categoria surge principalmente nas áreas nobres, e muitas vezes está ligada à

idéia de superioridade e, devido ao número de vezes que apareceu, é importante

destacá-la. Primordialmente, nessa categoria, os policiais dizem que o abordado é

resistente porque tem curso superior, “tem estudo”, que ele reage por achar saber

dos seus direitos, ou que ele acha que o policial é “burro”. Algumas vezes o

conhecimento do abordado é citado como um regulador do comportamento dos

policiais que temeriam mais atacar pessoas bem instruídas.

A cultura das pessoas em relação à polícia mudou há muito. Porque nas próprias (penso) escolas, faculdades nos ensinam que a polícia é truculenta, somos burros, sem estudo, mas não obstante vemos a toda hora (dia) pessoas com nível superior nos jornais cometendo delitos como (advogados, juízes, etc.) (Cb, 15 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada responsáveis por fazer o policia sentir raiva – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente) Porque o policial patrulhava em bairro nobre e o abordado, por ser ou ter alguma formação universitária ou até mesmo por sua condição social (mauricinho) achou[-se] no direito de ‘folgar’ com o policial (Cb, 13 anos de

Page 124: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

124

serviço, perguntado sobre o principal motivo responsável por fazer o policial atacar a pessoa abordada – abordado jovem, branco, “playboy”, resistente)

Nessa categoria, novamente o jovem branco “favelado” é descontextualizado do

ambiente onde está e representado como sendo um morador de área nobre e,

novamente, para o negro, isso não ocorre. Observa-se claramente tal fato nas falas

abaixo sobre um abordado jovem, branco, “favelado”, resistente:

Ele acharia tratar-se de uma pessoa bem instruída e dependendo de suas atitudes e ações poderia ocasionar-lhe algum transtorno (Cb, 12 anos de serviço, perguntado sobre o principal motivo para o policial não atacar o abordado – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente) Pelo modo em que o suposto agente interpolou o policial, coisa que já é comum hoje em dia pelas pessoas de mais estudo (Cb, 18 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que levam o policial sentir raiva no momento da abordagem – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)

Percebe-se que ver o abordado como alguém bem instruído é algo que exerce

bastante controle sobre os policiais e que pode ser relacionado ao índice de controle

da vontade de atacar proposto na parte de análise dos dados numéricos. Esse

controle decorrente do nível de instrução representa na verdade um certo medo de

punição quando presume-se que o agente tem algum conhecimento. O grau

intelectual do agente faz com que os policiais pensem que ele tem maior capacidade

de denunciá-lo do que aquele que é visto como pouco instruído.

Pensando de forma inversa, o medo de ser punido ou processado torna-se menor

quando a falta de informação é a característica presumível do abordado. Pode-se

ver essas duas distinção nas seguintes respostas:

O fato do abordado parecer ser uma pessoa esclarecida e poder denunciá-lo (3º Sgt, 3 anos de serviço, perguntado sobre as qualidades da pessoa abordada que seriam as responsáveis por fazer o policial não atacar o abordado – abordado adulto, branco, “doutor”, resistente) Discriminação de alguns grupos, falta de cultura (SubTen, 23 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva - abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente)

Page 125: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

125

Como não foi mencionada em nenhum momento no questionário a condição

intelectual e de escolaridade do abordado, essa visão dos abordados acaba

surgindo em função da percepção estereotípica que se faz deles e o policial acaba

se comportando em função das deduções que faz sobre a pessoa e não em função

das informações concretas que tem. Muitas vezes parte da informação é

simplesmente desconsiderada para dar lugar às suposições dos policiais, com isso,

os jovens brancos na favela são vistos como pessoas de áreas nobres e os jovens

negros em áreas nobres são vistos como moradores de favela.

11.2.5 A categoria “certeza de ser o agente”

Essa categoria é constituída por opiniões de que policial tem certeza que a pessoa

abordada é o agente do delito apresentado no questionário. Na verdade essa

categoria de respostas era esperada desde a concepção do instrumento de

pesquisa, pois o questionário foi concebido para gerar tal percepção. Porém, caso

houvesse um tratamento e visão idêntica acerca dos fatos, independente do

estereótipo que o policial visse, para todos questionários deveria haver a mesma

certeza de que a pessoa da foto é o abordado, afinal o assalto que é descrito no

questionário acabou de acontecer e, imediatamente depois de receber a notícia pelo

rádio, encontra-se uma pessoa com todas as características do agente. Porém,

como se viu na análise numérica, os índices suspeição variam, ainda que

levemente, para cada estereótipo.

As pessoas podem reagir a uma abordagem de várias formas, um bandido em flagrante pode resistir para ter uma oportunidade de se safar. (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva – abordado Jovem, Negro, “Favelado”, Resistente)

O motivo seria diante do cinismo do abordado ao dizer tais palavras. (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre os motivos que levariam o policial a sentir raiva do abordado – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente) Seria pela cara lavada do abordado em dizer que ele não havia feito nada e ao dizer para o policial que autoridade não sabe com quem estava falando. (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que levariam o policial a sentir raiva – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente)

Page 126: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

126

O infrator tentava com esta atitude ludibriar o policial, que muitas vezes é muito inoscente [inocente] não tem maldade. (Sgt, 25 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial sentir raiva - abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente)

Mesmo com essa categoria surgindo em todos os estereótipos, ela se concentrou

sobre os estereótipos classificados como “favelados” e, dentro desse grupo, recai

acentuadamente sobre os jovens negros e, por vezes, é citada como motivo para o

policial atacar o abordado. Já os adultos de bairros nobres foram muito pouco

colocados como sendo certamente os agentes. Como se verá a frente, com os

“doutores” ocorre o contrário, a dúvida de serem os agentes é a expressão mais

comum.

Características de ser o autor, características de cidadão infrator principalmente no interior de uma favela e o cidadão quer ser mais esperto que a polícia que lida com eles todo dia (3º Sgt, 8 anos de serviço, perguntado sobre as características do abordado que seriam responsáveis por fazer o policial sentir vontade de atacar a pessoa – abordado Jovem, Negro, “favelado”, Resistente) A falsa certeza de ser o abordado o verdadeiro agente (SubTen, 28 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente)

A forma de distribuição dessa categoria corrobora a expectativa teórica de que

negros e “favelados” seriam mais identificados como infratores e que essa

presunção de culpa acabaria por levar a um tratamento mais duro com eles em

relação à área nobre. Novamente, é importante salientar que tais inferências são

feitas pelo policial apenas com base na foto e na situação do questionário, o que

mostra claramente a visão estereotipada de negros e moradores de aglomerados

11.2.6 A categoria “dúvida de ser o agente” No lado oposto da categoria “certeza de ser o agente” estão as opiniões que dizem

ter dúvidas sobre a autoria do assalto. Esta categoria concentra-se exatamente nos

pontos onde a categoria anterior dissipa-se. Se os policiais tinham mais certeza de

que os “favelados” eram os agentes dos delitos e, dentro desse grupo,

especificamente o jovem negro era de forma recorrente percebido com sendo o

criminoso, na categoria “dúvida de ser o agente” os Doutores e Playboys trazem aos

Page 127: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

127

policiais a dúvida se seriam eles os agentes do crime. Dividindo-se esse grupo

relacionado à área nobre, os adultos acabam trazendo mais incerteza que os jovens

e os brancos mais do que os negros.

Devido às características, à forma de se vestir, o policial fica em dúvida quanto à culpa do abordado. (1º Sgt, 27 anos de serviço, perguntado sobre as característica da pessoa abordada que levariam o policial a atribuir tal índice de suspeição à ela – abordado adulto, branco, “doutor”, resistente – índice de suspeição apontado: 6) Incerteza de comprovação do suspeito (SubTen, 21 anos de serviço, perguntado sobre os motivos que levariam o policial à não atacar o abordado - abordado adulto, branco, “doutor”, resistente)

Tomando por base as explicações feitas sobre a categoria anterior e aplicabilidade

delas a esta também, não é necessário repetir as teorizações agora. 11.2.7 A categoria “preto, pobre, favelado” Essa categoria é importante, pois os policiais que responderam de tal forma o

fizeram afrontando completamente a “zona muda” em que as representações

prolatadas por eles estão inseridas. Os policiais cujas opiniões foram inseridas

nessa categoria disseram que o único problema com o abordado era a classe social,

o local de moradia ou a cor da pele. Apesar de ter surgido em número bem menor

do que as “respostas padrão” do tipo “policial é profissional e não sente raiva” ou

“policial é profissional e não ataca ninguém”, a sinceridade das respostas dessa

categoria mostrou a capacidade do instrumento de pesquisa de extrair

representações da zona muda como propõe Menin (2002), pois dizer abertamente

que o abordado seria atacado, ou que o policial teria raiva ou vontade de atacá-lo

em função de sua classe social, cor e local de moradia há a expressão clara de

preconceitos que as pessoas geralmente não relatam abertamente. Como se verá,

muitas vezes então as opiniões surgem com um tom de denúncia e não de desabafo

de uma condição preconceituosa daquele que responde. Porém, como se viu, é

importante tomar tais apontamentos com uma denúncia do pensamento da

sociedade e não do policial exclusivamente, assim como foi proposto nos capítulos

teóricos.

Page 128: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

128

Preto, pobre e favelado dentro da favela. O novo [policial] é preconceituoso ao estremo [extremo] (SubTen, 28 anos de serviço, perguntado sobre os motivos que levariam o policial a sentir raiva no momento da abordagem – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente) Negro, morador de aglomerado. (3º Sgt, 16 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) O fato do suspeito ser morador de uma aglomerado e ser de cor negra provavelmente iria influenciar. ( 2º Sgt, 22 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente)

Essas palavras mostram claramente a expressão de um estigma. Dizer que uma

pessoa pode ser atacada, justificando isso com uma condição ou característica dela,

é o mesmo que puni-la devido às suas características. A pessoa vítima dessa

percepção apontada pelos policiais não consegue se desvencilhar da visão da

sociedade de que ela é culpada. Com o estigma, se amplia e se acaba legitimando e

justificando qualquer violência contra ela. O grande problema de tal legitimação está

no fato de que via de regra ela trás consigo a impunidade, pois, como é legítimo agir

de forma violenta contra certas pessoas, raramente o autor de tais atos será

denunciado, pois não há revolta em função das ações tomadas contra a vítima,

ataca-la é socialmente aceito.

Pobre, favelado, transitando na favela, roupas simples, negro, questionador de perguntas (2º Sgt, 19 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) Pelo local. (1º Sgt, 22 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la - abordado, adulto, negro, “favelado”, resistente) Pelo local, pelas características e pela forma que ele usou para falar com policial (Cb, 17 anos de serviço, perguntado sobre o motivo da vontade de atacar o abordado que o policial sentiria – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente) Local onde o abordado está no momento, pela atitude do abordado, pelo grupo que ele pertence, pelos trajes do abordado (Cb, 21 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial atacá-la – abordado jovem, branco, “favelado”, resistente)

Como pode-se depreender dos trechos acima, a manifestação dessa categoria ficou

bastante delimitada pelos jovens moradores de favela. Apesar dos adultos também

serem caracterizados como “favelados”, para eles a lembrança da favela ou de

Page 129: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

129

condições pessoais como falta de cultura, ligações com o crime, foram bem menos

relatadas do que para os jovens. Os policiais apontam para mais características dos

jovens “favelados” do que dos adultos favelados, o discurso para os adultos

geralmente é bastante reduzido enquanto que para o jovem bastante rico. Exceção

faz-se aos doutores que tiveram bastantes argumentações também por parte dos

policiais sobre o comportamento que o policial tomaria em relação a eles ou sobre

as características desses abordados.

11.2.8 A categoria “não há motivos para não atacar”

Esta última categoria diz respeito àquelas respostas que diziam que o policial não

tem qualquer motivo para não atacar o abordado, ou então que o ataque é

praticamente certo. De grande reducionismo, essas respostas expressaram algumas

vezes preconceito contra os próprios policiais, classificando-os, de certa forma,

como impulsivos ou irresponsáveis. Nessa categoria, repetiu-se a grande

concentração de tais respostas para os “favelados” e, especificamente, para aqueles

que além de “favelados” eram negros e jovens.

Não há. (3º Sgt , 16 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) Certamente o vai atacá-lo, pedir cobertura e se tornar vítima. Ele é um irresponsável. (SubTen , 28 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada que levariam a sentir vontade de atacá-la – abordado jovem, negro, “favelado”, resistente) Se houver testemunhas no local, talvez o policial não o ataque. (3º Sgt , 16 anos de serviço, perguntado sobre o principal motivo para o policial não atacar o abordado – abordado, jovem, Branco, “favelado”, resistente) Nenhuma. (2º Sgt , 22 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não atacá-la – abordado, jovem, negro, “favelado”, resistente) Não vejo, só vejo motivos para o policial atacar. (1º Sgt, 23 anos de serviço, perguntado sobre as características da pessoa abordada responsáveis por fazer o policial não ataca-la - abordado, jovem, branco, “favelado”, resistente)

Essas respostas podem ser comparadas com o índice de controle da vontade de

atacar delimitado por ocasião da análise quantitativa dos dados e expressariam de

forma escrita a ausência de controle do comportamento policial, pois, via de regra,

Page 130: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

130

não são citados qualquer meio impeditivo do ataque, ou quando algum meio é citado

ele é bastante restrito e pontual.

Como forma de finalizar essa análise, aponta-se que os conteúdos dos dados

qualitativos corroboram os dados quantitativos e ambos apontam para a presença

de estereótipos, presentes na sociedade em geral, segundo os autores utilizados

neste estudo, e que influenciam as ações dos agentes da segurança pública.

Page 131: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

131

CONCLUSÃO

O comportamento humano é algo extremamente complexo de ser descrito e

impossível de ser previsto, pois a condição racional do homem possibilita-o

determinar-se sempre acerca de suas ações. A racionalidade do homem, como

disse Sartre 71, o “condena à liberdade”. Portanto, nunca se poderá dizer que alguém

se comportará dessa ou daquela forma. De modo análogo, esse trabalho não pode

ter a pretensão de dizer que um policial agirá sempre em função das percepções

estereotípicas que capta a sua volta. Como foi proposição desse estudo desde o

começo, considera-se que na verdade há padrões de pensamento que acabam

permeando de forma mais uniforme a sociedade, atingindo um grande número de

pessoas e com isso ganhando cada vez mais legitimidade. Isso é sem dúvida

determinado pelas condições históricas, culturais, sociais, políticas e econômicas de

um povo. E é esse pensamento difuso que acabará fazendo com que determinados

padrões de comportamento sejam encontrados.

Dessa forma, apesar de ter livres o seu pensamento e raciocínio, o homem também

está condenado a pensar aquilo que a sociedade disponibiliza a ele. Mais do que

nomes, definições e conceitos racionais, o mundo em torno do homem é feito de

signos que transportam consigo uma gama de informações que perpassa gerações.

Pode-se ver isso ao se buscar entender, por exemplo, o motivo de um gato preto ser

sinônimo de azar? Talvez as raízes medievais do nosso pensar sejam a explicação

de tal relação entre o gato e o azar, mas racionalidade de fato não há nisso. O

mesmo pode-se perguntar sobre a diferença de se usar uma aliança para

demonstrar estar casado? Por acaso a ausência dela diminuiria o amor que uniu o

casal? Do mesmo modo, qual a diferença da mulher de biquíni observada por um

mulçumano do Afeganistão e por um ocidental? Nenhuma. Ela é a mesma mulher,

mas as concepções dos observadores não. Esses pequenos exemplos servem para

mostrar que o mundo, transmite informações que nem sempre são tão racionais, que

muitas vezes são oriundas do convívio social e que é através delas que o homem se

71 Sartre é o filosofo autor da frase: “o homem está condenado à liberdade” e expressou com essa frase que o homem é livre porque é capaz de pensar o mundo a sua volta podendo se determinar de acordo com seu raciocínio.

Page 132: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

132

determinará de imediato, pois não há tempo de raciocinar sempre, na verdade, na

maioria das vezes, age-se por impulso processando de forma rápida todo o

arcabouço cultural que carrega-se consigo, e determinando-se de acordo com isso,

assim como se viu nas teorias que atribuíam aos estereótipos a função de promover

um “enxugamento” do excesso de informação social.

Diante disso, surgem como perguntas fundamentais que este trabalho tenta

responder algumas como “quê interferências a cútis de uma pessoa pode trazer à

visão do policial?”, “num país com um passado escravocrata, a contestação de um

negro é idêntica à contestação de um branco?”, “se um policial tiver que tomar a

decisão de usar a força, ele o fará da mesma forma para ricos e pobres ou para um

advogado e para um mendigo?” Como se viu na parte teórica, tratar dessas visões

dos policiais é tratar também de estereótipos, de estigmas, de representações e de

preconceitos profundamente enraizados na sociedade, e a realidade que se diz ver,

na verdade é apenas uma interpretação dela, assim como foi visto no capítulo sobre

representações sociais.

A representação social seria uma forma de conhecer típica dessa sociedade, cuja velocidade vertiginosa da informação obriga a um processamento constante do novo, que não abre espaço nem tempo para a cristalização de tradições, processamento que esteia no olhar de quem vê. A representação social, portanto, não é uma cópia nem um reflexo, uma imagem fotográfica da realidade: é uma tradução, uma versão desta. (Arruda, 2002, p.. 134)

Então, por fim, os estereótipos dos cidadãos abordados pela polícia determinam ou

não prática de violência policial contra estes cidadãos? Depois todas as análises

feitas, é possível dizer que sim, as percepções estereotípicas dos policiais influem

no comportamento do policial “freando” seus impulsos em alguns momentos e em

outros deixando o policial livre para agir de forma mais ríspida. Conclui-se portanto

pela a aceitação da hipótese proposta em plenitude.

Como foi visto na análise de dados, houve grandes diferenças de controle da

vontade de atacar e de intolerância à resistência do abordado e os estereótipos

sobre os quais esses índices concentraram-se coincidiram com as proposições dos

capítulos teóricos. Da mesma forma, as descobertas numéricas foram corroboradas

Page 133: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

133

pela análise qualitativa que mostrou claramente diferenças na visão sobre negros e

brancos, “favelados” e “doutores e playboys”. Na parte qualitativa, da mesma forma,

encontrou-se argumentos dos policiais que indicavam um controle maior da vontade

de atacar o abordado quando este era presumido um morador de área nobre.

Quando se imergiu os cidadãos numa área nobre da cidade, os policiais tenderam a

ver os abordados como mais bem instruídos ou mais importantes e, diante disso,

temeram mais uma possível denúncia ou punição que pudesse os prejudicar. Já nas

áreas pobres a possibilidade denúncia é muito pouco mencionada, bem como o grau

de instrução dos seus moradores também não são lembrados ou apontados como

“elevados”. Juntamente com isso os negros tenderam a ser mais relacionados com

as áreas pobres e os brancos com as áreas nobres, independentemente de onde

estejam.

Apesar de tais conclusões terem sido sempre inseridas em contexto mais amplo no

decorrer da argumentação desse trabalho, elas não podem ser tomadas como

“coisas naturais” e “impossíveis de mudar”. A realidade descoberta é trágica sob

muitos pontos de vista, pois denota aquilo que já foi citado no texto de que existem

“cidadãos de categoria” e “cidadãos da categoria”. Como está descrito em todos os

manuais e tratados internacionais que tem algo, por mínimo que seja, que trate do

uso da força, deve-se evitar usá-la ao máximo possível, buscando sempre

alternativas que reduzam a sua intensidade. Quando constata-se que há menor

cuidado ou menor controle dos impulsos para utilização da força contra certos

grupos, tem-se a quebra completa dessas postulações sobre uso dessa ferramenta.

Como foi dito no primeiro capítulo deste trabalho, se para determinada pessoa

determinado nível de força é visto com comedido e necessário, para uma pessoa

diferente em uma situação idêntica esse mesmo nível deverá ser usado, sob pena

de estar-se excedendo.

Como se viu então esse excesso tem “autorização” para ocorrer contra certos

estereótipos, pois contra eles tal prática torna-se legítima. Diante desse quadro faz-

se necessário debater o tema e colocá-lo em pauta para discutir questões como:

qual é o papel do policial na promoção dos princípios democráticos? Qual

comportamento um policial deve ter em tal regime? Qual a importância do policial no

sistema de justiça criminal? Quais conseqüências o trabalho policial pode trazer para

Page 134: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

134

a construção de uma sociedade mais justa? Quando o policial vê na TV escândalos

públicos que denunciam a corrupção, o mau atendimento do sistema de saúde, a

precariedade das escolas públicas, ele tem que tomar a responsabilidade para si e

entender-se como um agente público que tem por obrigação lutar para que seu

trabalho não proporcione também um escândalo público. Ter direito a serviços

públicos, de saúde, educação, previdência entre outros é necessidade dos mais

pobres e, no entanto, esses direitos óbvios lhes são tirados e contra isso todos se

revoltam. Da mesma forma, o policial tem que tomar cuidado para que sua profissão

não se transforme em mais uma forma de promoção de desigualdade, de falta de

cidadania e, para isso, ver-se como parte da administração pública e do sistema

judiciário ao mesmo tempo é imprescindível para querer corrigir os problemas que

estiverem ao seu alcance.

Com se viu, os problemas de ineqüidade mostrados nesse trabalho possuem raiz

profunda que alastra-se por searas culturais e históricas e vislumbrar uma solução é

algo praticamente impossível, porém, é possível amenizar tais problemas e expô-los

de forma clara é o primeiro passo. A partir disso, é necessário que o ensino policial

torne-se mais crítico e aborde facetas trágicas e pouco agradáveis do trabalho como

as apresentadas até agora. Mais do que ensinar que uso da força deve ser

proporcional, mais do que dizer que existem grupos vulneráveis é necessário

mostrar ao policial que ele poderá ser desigual, mesmo que não queira, pois só

assim é possível despertar a consciência crítica que, como foi exposto no início

desse texto de conclusão, trás consigo liberdade.

Outro fator importante foi a idade dos abordados. A juventude mostrou-se

extremamente vulnerável a ser mal julgada pelos policiais. Tanto o índice de controle

da vontade de atacar, quanto o de intolerância à resistência comportaram-se em

prejuízo dessa faixa etária. Na parte qualitativa os jovens foram mais identificados

como criminosos que os adultos, bem como trouxeram uma gama de informações

muito maiores que a faixa etária mais velha. Os policias tinham muito mais a dizer

sobre a juventude, o que mostra que universo representacional da juventude é muito

mais amplo e permite inúmeras combinações dos recortes que o policial faz das

informações sociais que os jovens transmitem.

Page 135: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

135

Quanto aos objetivos, todos foram alcançados. O objetivo geral de “verificar a

influência dos estereótipos dos cidadãos abordados pela policia na incidência de

violência policial” foi claramente atingindo no estudo dos índices controle do

comportamento policial, bem como o primeiro objetivo especifico (verificar as

variações das Atitudes dos policiais diante de cidadãos com diferentes estereótipos

quando estes estiverem envolvidos em situações idênticas) também o foi. Com

relação ao último objetivo específico “Identificar estereótipos e situações em que há

maior propensão à prática de violência policial.” identificou-se de forma explicita que

a situação em que os indivíduos são resistentes trazem maior possibilidade de que o

policial aja violentamente, bem como também é mais fácil que tal comportamento

ocorra para estereótipos jovens, moradores de favela e negros.

Sabendo que não há como o policial militar, em sua jornada de trabalho, escapar

dos estereótipos negativos que a sociedade construiu, faz-se necessário pensar que

tanto os policiais devem ser alertados nas instruções realizadas nos batalhões sobre

a tendência em categorizar negativamente certos segmentos sociais - como deve-se

pensar em buscar parceria nas escolas, no sentido de se instruir os jovens como

devem se portar quando abordados.

Além dos estereótipos confirmados neste estudo, chamou atenção a presença, nas

falas dos policiais, da idéia de uma polícia não tão respeitada como deveria ser. No

sentido de buscar a valorização da auto-imagem profissional, sugerimos um estudo

acerca deste tema.

REFERÊNCIAS

ARRUDA, Angela. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos

Page 136: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

136

de Pesquisa, n..117, nov. 2002, p.127-147.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520. Informação e Documentação – Citações em Documentos – Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2002.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724. Informação e Documentação –Trabalhos Acadêmicos– Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2006.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023. Informação e Documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2002

BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia. Passo Fundo: Gráfica e Editora Berthier. 2002.

BAPTISTA, Maria Manuel. Estereotipia e Representação Social: uma abordagem psico-sociológica. In: BARKER, A.. A Persistência dos Estereótipos. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2004, pp.103-116.

BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz, GUIMARAES, Luiz Brenner, GOMES, Martin Luiz et. al. A transição de uma polícia de controle para uma polícia cidadã. São Paulo em Perspectiva. São paulo, v.18, n.1, p. 119 – 131, jan./mar. 2004 BERNARDES, Dora Luisa Geraldes. Dizer "não" aos estereótipos sociais: as ironias do controlo mental. Análise Psicológica, Lisboa, v.21, n.3, p.307-321, Jul.-Set. 2003, BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. (1988). Artigo art.5º, Caput. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituica-o/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20 de Fev. 2007.

BRASIL. Decreto-Lei nº. 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del1001.htm>. Acesso em: 23 Fev. 2007

COSTA, Arthur T. M.. Reformas institucionais e as relações entre a polícia e a sociedade em Nova Iorque. Sociedade e Estado, Brasília, v. 19, n. 1, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269922004000100008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 Jun 2007. DaMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para um paradigma do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997

DANTAS, Iracema; HERINGER, Rosana. Elemento suspeito. 1990. de Março de 2007. Disponível em: http://www.lppuerj.net/olped/documentos/ppcor/0291.pdf. Acesso em: 20 jul. 2007.

GOFFMAN, Erving. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de

Page 137: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

137

metodologia científica. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

LESSA, Júnia; VASCONCELOS, Ana Cristina de. Manual para normalização e publicações técnico-científicas. 7. ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.

LIMA, Maria Manuel. Considerações em Torno do Conceito de Estereótipo: Uma Dupla Abordagem. Revista da Universidade de Aveiro, Universidade de Aveiro, v. 14, pp. 169-181, 1997. MELO, Z. M..Os Estigmas: a deterioração da identidade Social. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE SOCIEDADE INCLUSIVA, Anais do Seminário Internacional Sobre Sociedade Inclusiva. Belo Horizonte: 1999. Disponível em: < http://www.sociedadeinclusiva.pucminas.br/anaispdf/estigmas.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2007.

MENIN, Maria Suzano de Stefano. Representação Social e Estereótipo: a zona muda das representações sociais. Psicologia: teoria e pesquisa, vol. 22, n. 1, pp. 043 – 052, Jan/Abr 2006.

MINAS GERAIS. Polícia Militar. Manual de Prática Policial n.º 1. 1. ed. Belo Horizonte: Centro de Pesquisa e Pós-Graduação, 2002

MORALIDADE. In: WIKIPÈDIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Moral. Acesso em: 25 de agosto de 2007

MUNIZ, Jacqueline. A Crise de Identidade das Polícias Militares Brasileiras: Dilemas e Paradoxos da Formação Educacional. Security and Defense Studies Review, v. 1., pp. 177 – 197, Winter 2001. Disponível em: http://www.ndu.edu/chds/journal/PDF/Muniz-final.pdf - acesso em 21/06/2004. Acesso em: 30 Jan. 2007

OLIVEIRA, Jonas Henrique de. A polícia e os jovens: um estudo sobre histórias de vida, práticas corporativas e conflitos urbanos. 2005. 125 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005.

RAMOS, Silvia e LEMGRUBER, Julita. Criminalidade e Respostas Brasileiras à Violência. In: Medos e privações: obstáculos à segurança humana. [S.l.]: Observatório da Cidadania, 2004.

RAMOS, Silvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento Suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

RESENDE, João Batista. Estatística instrumental. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2000. Apostila distribuída para o curso de especialização em gestão estratégica de segurança pública – CEGESP. ROLIM, Marcos. A Síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no Séc. XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.; Oxford, Inglaterra: University of Oxford, Centre of Brazilian Studies, 2006.

Page 138: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

138

SILVA, Germano Marques da. Seminário sobre Actuação Policial e Direitos Humanos. Polícia Portuguesa, n.125, ano LXIII, II Série, Lisboa, Setembro/Outubro, 2000. Disponível em: <http://www.igai.pt/publicdocs/S24Out4Nov_Intervencoes.pdf> . Acesso em: 24 Ago2007 SOARES, L. E.; ATHAYDE, celso; BILL, MV. Cabeça de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005

ZALUAR,Alba. A Máquina e a Revolta: As Organizações Populares e o Significado da Pobreza. São Paulo: Brasiliense, 1985. ZAVATARO, Bruno. A transição política democrática no Brasil e a manutenção das práticas autoritárias: um estudo de caso das instituições policiais. 2004. 54 f. Monografia (Especialização em Sociologia Política) - Universidade federal do Paraná, Curitiba, 2004.

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS POLICIAIS DO TPB

Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Negro

Page 139: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

139

• Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos.

Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Negro • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos

Page 140: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

140

Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualizaa pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos

Page 141: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

141

Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações de uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa azul • Boné branco com detalhes verdes • Aproximadamente 20 anos

Page 142: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

142

Logo depois de obter essas informações, já numa rua do interior da favela, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Negro • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos

Page 143: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

143

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do interior da favela, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Negro • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos

Page 144: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

144

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Branco • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos

Page 145: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

145

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações uma favela quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Branco • Camisa branca com escritos na frente • Idade entre 35 e 40 anos

Page 146: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

146

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito,eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Negro • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos

Page 147: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

147

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Negro • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos

Page 148: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

148

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos

Page 149: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

149

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas: • Branco • Camisa avermelhada • Aproximadamente 20 anos

Page 150: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

150

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito,eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou coloca-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Negro • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos

Page 151: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

151

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, protamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Negro • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos

Page 152: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

152

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar.

NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Branco • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos

Page 153: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

153

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela é totalmente cooperativa: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: (coloca imediatamente as mãos na cabeça) POLICIAL: vire-se para a parede e abra as pernas o máximo que conseguir! ABORDADO: não fala nada. Vira-se para a parede e abre as pernas o máximo que pode, prontamente. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS: Leia a situação fictícia abaixo para dar algumas opiniões sobre ela. Imagine uma situação em que um policial militar está em patrulhamento nas imediações um bairro nobre quando ouve na rede de rádio que acabou de acontecer muito próximo do local onde ele está um C09.027(Roubo à mão armada consumado è transeunte). Logo depois as características do infrator são passadas:

• Branco • Trajando terno e gravata • Idade entre 35 e 40 anos

Page 154: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

154

Logo depois de obter essas informações, já numa das ruas do bairro nobre, o policial visualiza a pessoa da foto abaixo e não há ninguém na rua no momento da abordagem.

O policial aborda a pessoa da seguinte forma e ela questiona o policial: POLICIAL: coloque as mãos na cabeça! Aqui é a polícia! ABORDADO: eu quero saber por que você está falando comigo desse jeito, eu não fiz nada! POLICIAL: eu estou te mandando colocar as mãos na cabeça. OBEDEÇA! ABORDADO: olha a forma como você fala comigo eu já disse que num fiz nada. Eu só quero saber por que você está fazendo isso comigo? POLICIAL: ou você coloca ou vou colocá-las a força ABORDADO: ah! Você sabe com quem está falando? Eu quero ver você colocar. NESSE PONTO, RESPONDA AS SEGUINTES PERGUNTAS:

Page 155: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

155

1. Pela sua experiência, como você avalia o nível de suspeição que o policial militar atribui a essa pessoa abordada?

Quais características dessa pessoa levam o policial a atribuir esse grau de suspeição ao abordado? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 2. Pela sua experiência, como você avalia a raiva que um policial militar sentiria ao abordar essa pessoa com ela se comportando dessa forma, nesse local? Nenhuma raiva 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita raiva

Qual o motivo dessa raiva que o policial militar sentiria? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quais qualidades(negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa raiva? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes) ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 3. Pela sua experiência, como você avalia a vontade de atacar essa pessoa que um policial militar sentiria ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?(marque apenas nos núemros)

Qual o motivo da vontade de atacar essa pessoa que o policial militar sentiria? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quais qualidades(negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as responsáveis por fazer o policial sentir essa vontade? (podem

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Com certeza não é o agente do delito

Com certeza é o agente do delito

Nenhuma vontade 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita vontade

Page 156: Os estereótipos dos cidadãos abordados pela Polícia Militar e a prática de violência policial

156

ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 4. Pela sua experiência, você acredita que o policial realmente atacaria, de qualquer forma, essa pessoa ao abordá-la com ela se comportando dessa forma, nesse local?(marque apenas nos números)

Pela sua experiência, qual o principal motivo para o policial não atacar essa pessoa? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ E qual o principal motivo para ele atacar essa pessoa? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Quais qualidades(negativas e/ou positivas) ou características dessa pessoa você acredita que são as RESPONSÁVEIS POR FAZER O POLICIAL ATACAR? (podem ser características/qualidades físicas, psicológicas, do grupo à que essas pessoas geralmente pertencem ou outras que você julgar importantes). ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ E as responsáveis por fazer o policial NÃO atacar? ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Se o policial realmente atacasse essa pessoa, qual o nível de força que ele utilizaria?

Com certeza não Atacaria 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Atacaria com certeza

Possivelmente atacaria

Provavelmente atacaria

Muito pequeno 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita grande