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Notícias 24 de maio de 2011 Os estranhos números da teoria de cordas Um esquecido sistema numérico inventado no século 19 pode fornecer a explicação mais simples de por que o Universo teria 10 dimensões por John C. Baez, John Huerta QUANDO CRIANÇAS, TODOS APRENDEMOS os números. Começamos com a contagem, seguida da adição, subtração, multiplicação e divisão. Mas os matemáticos sabem que o sistema numérico que aprendemos na escola é apenas uma de muitas possibilidades. Outros tipos de números são importantes para entender geometria e física. Entre as mais estranhas alternativas estão os octônios. Muito negligenciados desde sua descoberta, em 1843, eles têm assumido uma curiosa importância na teoria de cordas. E, certamente, se a teoria de cordas for uma representação correta do Cosmo, eles podem explicar por que o Universo tem um número surpreendente de dimensões. Os octônios não seriam o primeiro pedaço da matemática pura mais tarde usada para melhorar nosso entendimento do Cosmos. Nem seria o primeiro sistema numérico alternativo que mostraria ter usos práticos. Para entender por que, primeiro temos de olhar o caso mais simples de números – o sistema numérico que aprendemos na escola – que os matemáticos chamam de números reais. O conjunto de todos os números reais forma uma linha, de modo que dizemos que a coleção de números reais é unidimensional. Também poderíamos dizer que: a linha é unidimensional porque especificar um ponto sobre ela requer um número real. Antes de 1500, os números reais eram os únicos disponíveis. Então, durante a Renascença, matemáticos ambiciosos tentavam resolver formas de equações cada vez mais complexas, e até chegavam a fazer competições para ver quem conseguiria resolver os problemas mais difíceis. A raiz quadrada de -1 foi introduzida como uma espécie de arma secreta pelo matemático, físico, jogador e astrólogo italiano Gerolamo Cardano. Onde outros reclamavam, ele se permitia usar esse misterioso número como parte de cálculos mais longos nos quais as respostas eram números reais convencionais. Ele não estava certo da razão de esse truque funcionar; tudo que sabia era que fornecia as respostas corretas. Ele publicou suas ideias em 1545, deflagrando uma controvérsia que duraria séculos: a raiz quadrada de -1 existia mesmo ou era apenas um truque matemático? Aproximadamente 100 anos depois, o grande pensador René Descartes apresentou seu veredicto quando deu a esse número o depreciativo nome “imaginário”, agora abreviado por i. Apesar disso, os matemáticos seguiram os passos de Cardano e começaram a trabalhar com números complexos – números da forma a + bi, onde a e b são números reais convencionais. Por volta de 1806, Jean-Robert Argand popularizou a ideia de que números complexos descrevem pontos em um plano. Como a + bi descreve um ponto em um plano? Simples: o número a nos diz a que distância para a esquerda ou para a direita o ponto está, enquanto b nos diz a distância do ponto para cima ou para baixo. Desse modo, podemos pensar que qualquer número complexo é um ponto em um plano, mas Argand deu um passo a mais: mostrou que podemos fazer operações com esses números – adição, subtração, multiplicação e divisão – como manipulações geométricas no plano (ver o quadro inferior na página oposta). Um aquecimento para entender como essas operações podem ser pensadas como manipulações geométricas é pensar, primeiramente, sobre os números reais. Adicione ou subtraia quaisquer números reais, e o resultado será como um deslizamento da linha real para a esquerda ou para a Os estranhos números da teoria de cordas - Scientific American Brasil http://www2.uol.com.br/sciam/noticias/os_estranhos_numeros_da_teoria... 1 de 5 29/5/2011 22:13

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24 de maio de 2011

Os estranhos números da teoria de cordasUm esquecido sistema numérico inventado no século 19 pode fornecer a

explicação mais simples de por que o Universo teria 10 dimensões

por John C. Baez, John Huerta

QUANDO CRIANÇAS, TODOS APRENDEMOS os números. Começamos com a contagem, seguida daadição, subtração, multiplicação e divisão. Mas os matemáticos sabem que o sistema numérico queaprendemos na escola é apenas uma de muitas possibilidades. Outros tipos de números sãoimportantes para entender geometria e física. Entre as mais estranhas alternativas estão os octônios.Muito negligenciados desde sua descoberta, em 1843, eles têm assumido uma curiosa importância nateoria de cordas. E, certamente, se a teoria de cordas for uma representação correta do Cosmo, elespodem explicar por que o Universo tem um número surpreendente de dimensões.

Os octônios não seriam o primeiro pedaço da matemática pura mais tarde usada para melhorar nossoentendimento do Cosmos. Nem seria o primeiro sistema numérico alternativo que mostraria ter usospráticos. Para entender por que, primeiro temos de olhar o caso mais simples de números – o sistemanumérico que aprendemos na escola – que os matemáticos chamam de números reais. O conjunto detodos os números reais forma uma linha, de modo que dizemos que a coleção de números reais éunidimensional. Também poderíamos dizer que: a linha é unidimensional porque especificar um pontosobre ela requer um número real.

Antes de 1500, os números reais eram os únicos disponíveis. Então, durante a Renascença,matemáticos ambiciosos tentavam resolver formas de equações cada vez mais complexas, e atéchegavam a fazer competições para ver quem conseguiria resolver os problemas mais difíceis. A raizquadrada de -1 foi introduzida como uma espécie de arma secreta pelo matemático, físico, jogador eastrólogo italiano Gerolamo Cardano. Onde outros reclamavam, ele se permitia usar esse misteriosonúmero como parte de cálculos mais longos nos quais as respostas eram números reais convencionais.Ele não estava certo da razão de esse truque funcionar; tudo que sabia era que fornecia as respostascorretas. Ele publicou suas ideias em 1545, deflagrando uma controvérsia que duraria séculos: a raizquadrada de -1 existia mesmo ou era apenas um truque matemático? Aproximadamente 100 anosdepois, o grande pensador René Descartes apresentou seu veredicto quando deu a esse número odepreciativo nome “imaginário”, agora abreviado por i.

Apesar disso, os matemáticos seguiram os passos de Cardano e começaram a trabalhar com númeroscomplexos – números da forma a + bi, onde a e b são números reais convencionais. Por volta de1806, Jean-Robert Argand popularizou a ideia de que números complexos descrevem pontos em umplano. Como a + bi descreve um ponto em um plano? Simples: o número a nos diz a que distânciapara a esquerda ou para a direita o ponto está, enquanto b nos diz a distância do ponto para cima oupara baixo.

Desse modo, podemos pensar que qualquer número complexo é um ponto em um plano, mas Arganddeu um passo a mais: mostrou que podemos fazer operações com esses números – adição, subtração,multiplicação e divisão – como manipulações geométricas no plano (ver o quadro inferior na páginaoposta).

Um aquecimento para entender como essas operações podem ser pensadas como manipulaçõesgeométricas é pensar, primeiramente, sobre os números reais. Adicione ou subtraia quaisquernúmeros reais, e o resultado será como um deslizamento da linha real para a esquerda ou para a

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direita; e se você multiplicar ou dividir, o resultado será como esticar ou encolher a linha real. Amultiplicação por 2, por exemplo, estica a linha por um fator 2; enquanto dividir por 2 a encolhe,movendo todos os pontos para duas vezes mais perto do que estavam antes. Multiplicar por -1significa inverter a linha dos números reais.

O mesmo funciona para os números complexos, com apenas algumas modificações extras. Adicionarqualquer número complexo a + bi a um ponto no plano desliza aquele ponto por uma quantidade apara a esquerda ou para a direita e para cima ou para baixo por uma quantidade b. Multiplicar por umnúmero complexo não só estica ou encolhe, mas também rotaciona o plano complexo. Em particular,multiplicar por i rotaciona o plano em um quarto de volta. Assim, se multiplicarmos 1 por i duas vezes,giramos o plano em meia-volta, chegando ao número -1. A divisão é o oposto da multiplicação, demodo que para dividir apenas encolhemos em vez de esticar, ou vice-versa, e então giramos o planona direção oposta.

Quase tudo que podemos fazer com os números reais vale para números complexos. Na verdade, amaioria das coisas funciona melhor, como Cardano sabia, porque podemos resolver mais equaçõescom números complexos do que com números reais. Mas se um sistema de números bidimensionalfornece ao usuário um poder de cálculo superior, o que dizer de sistemas com dimensão maiselevada? Infelizmente, uma extensão simples mostrou-se impossível. Um matemático irlandêsdescobriria o segredo de sistemas numéricos de dimensão mais alta décadas depois. E apenas agoraestamos começando a entender como eles podem ser poderosos.

A ALQUIMIA DE HAMILTONEM 1835, COM 30 ANOS, O FÍSICO-MATEMÁTICO William Rowan Hamilton descobriu como tratarnúmeros complexos como pares de números reais. À época os matemáticos escreviam os númeroscomplexos na forma a + bi que Argand popularizou, mas Hamilton notou que somos livres para pensarno número a + bi como apenas um jeito peculiar de escrever dois números reais – como (a, b).

Essa notação torna fácil adicionar ou subtrair números complexos – apenas adicione ou subtraia osnúmeros reais correspondentes dos pares. Hamilton também veio com regras um pouco maiscomplicadas para a multiplicação e para a divisão, e assim ambas as operações mantivessem o belosignificado geométrico descoberto por Argand.

Depois de Hamilton inventar esse sistema algébrico para números complexos, com significadogeométrico, ele tentou, por muitos anos, inventar uma álgebra maior de tripletos que tivesse umpapel semelhante em uma geometria tridimensional, um esforço que rendeu a ele apenas frustrações.Uma vez ele escreveu ao filho: “Toda manhã... em minha descida para o café da manhã, você e o seuentão irmão menor, William Edwin, me perguntavam: ‘Bem, papai, você já consegue multiplicartripletos?’, e eu era obrigado a responder negativamente com um triste aceno com a cabeça: ‘Não, euposso apenas adicioná-los e subtraí-los’”. Embora ele não pudesse saber, a tarefa que ele se deu eramatematicamenteimpossível.

Hamilton estava procurando um sistema numérico tridimensional no qual pudesse adicionar, subtrair,multiplicar e dividir. A divisão é a parte difícil: um sistema numérico em que se pode dividir échamado álgebra de divisão. Não foi antes de 1958 que três matemáticos provaram um fato incrívelde que se suspeitava havia décadas: qualquer álgebra de divisão deve ter uma dimensão (os númerosreais), duas dimensões (os números complexos), quatro ou oito. Para ter sucesso, Hamilton teria demudar as regras do jogo.

O próprio Hamilton descobriu uma solução em 16 de outubro de 1843. Ele estava caminhando com aesposa pelo Royal Canal para uma reunião na Royal Irish Academy em Dublin quando teve uma súbitarevelação. Em três dimensões, as rotações, a distensão e o encolhimento não poderiam ser descritoscom apenas três números. Ele precisava de um quarto número, gerando, assim, um conjuntoquadridimensional chamado quaternions, que tomam a forma a + bi + cj + dk. Aqui, os números i, j ek são três diferentes raízes quadradas de -1.

Hamilton escreveria mais tarde: “Naquele momento senti o circuito galvânico do pensamento sefechando; e as fagulhas que saíam dele eram as equações fundamentais entre i, j e k; exatamentecomo as que usei desde sempre”. E em um significativo ato de vandalismo matemático, ele esculpiuessas equações nas pedras da Brougham Bridge. Embora elas estejam agora enterradas sobgrafitagem, uma placa foicolocada lá para comemorar a descoberta.

Pode parecer estranho que precisemos de pontos em um espaço quadridimensional para descrever

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mudanças num espaço tridimensional, mas é verdade. Três dos números devem descrever rotações, oque podemos ver rapidamente se imaginarmos um avião decolando. Para orientar o avião precisamosdescrever o ângulo com a horizontal. Também precisaremos ajustar o curso, virando à esquerda ou àdireita, assim como dirigir um carro. Finalmente, precisaremos ajustar o balanço: o ângulo das asasdo avião. O quarto número de que precisamos é necessário para descrever a distensão ou contração.

Hamilton passou o resto de sua vida obcecado pelos quaternions e encontrou muitos usos práticos paraeles. Hoje, em muitas dessas aplicações, os quaternions têm sido substituídos pelos seus primos maissimples, os vetores, que podem ser pensados como bi + cj + dk (o primeiro número, a, sendo igual azero). Ainda assim, os quaternions têm seu nicho: permitem um modo eficiente de representarrotações tridimensionais em um computador e aparecem em todos os lugares onde são necessários:orientação deuma espaçonave a um videogame.

IMAGINÁRIOS SEM FIMAPESAR DESSAS APLICAÇÕES, poderíamos nos perguntar o que, exatamente, são j e k se já definimosa raiz quadrada de -1 como i. Essas raízes quadradas de -1 realmente existem? Podemos inventarraízes quadradas de -1 a nosso critério?

Essas questões foram levantadas por um colega de Hamilton, um advogado de nome John Graves,cujo interesse em álgebra levou Hamilton a pensar sobre os números complexos e tripletos emprimeiro lugar. No dia seguinte à fatídica caminhada, no outono de 1843, Hamilton enviou a Gravesuma carta descrevendo a descoberta. Graves respondeu nove dias depois, cumprimentando Hamiltonpela ousadia da ideia, mas adicionando: “Ainda há algo no sistema que me atormenta. Eu ainda nãotenho uma clara visão de até que ponto temos a liberdade de criar imaginários e dotá-los depropriedades sobrenaturais”. Ele perguntou: “Se com sua alquimia você pode fazer três potes de ouro,por que parar por aí?”.

Assim como Cardano antes dele, Graves pôs suas preocupações de lado tempo suficiente para conjuraralgum louro para si mesmo. Em 26 de dezembro ele escreveu novamente a Hamilton, descrevendoum novo sistema numérico octodimensional que hoje é conhecido como octônios. Entretanto, Gravesnão foi capaz de fazer Hamilton se interessar por suas ideias. Hamilton prometeu falar sobre osoctônios de Graves na Irish Royal Society, maneira como os resultados matemáticos eram tornadospúblicos na época. Mas Hamilton continuou deixando isso de fora e, em 1845, o jovem gênio chamadoArthur Cayley redescobriu os octônios e publicou os resultados antes de Graves. Por essa razão osoctônios são, às vezes, conhecidos como números de Cayley.

Por que Hamilton não gostou dos octônios? Por um lado, ele estava obcecado com a pesquisa de suaprópria descoberta, os quaternions. Mas ele também tinha uma razão puramente matemática: osoctônios quebram algumas leis da aritmética.

Os quaternions já eram um pouco estranhos. Quando você multiplica números reais, não importa emqual ordem o faz: 2 vezes 3 é igual a 3 vezes 2, por exemplo. Dizemos que a multiplicação comuta. Omesmo vale para números complexos. Mas os quaternions são não comutativos, ou seja, a ordem damultiplicação interfere no resultado final.

Ordem é importante porque os quaternions descrevem rotações em três dimensões e, para essasrotações, a ordem faz diferença para o resultado final. Você mesmo pode checar isso (ver quadroabaixo). Pegue um livro, vire-o de cabeça para baixo, de modo que você agora veja a capa de trás, edepois gire um quarto de volta no sentido do relógio (faça esse giro vendo o livro de cima). Agoratroque a ordem dessas operações: primeiro gire um quarto de volta, e depois vire o livro. A posiçãofinal é diferente. Porque o resultado depende da ordem, as rotações não comutam.

Os octônios são muito mais estranhos. Não apenas eles são não comutativos como quebram outrafamiliar lei da aritmética: a lei associativa (xy)z=x(yz). Todos nós vimos uma operação nãoassociativa em nosso estudo em matemática: a subtração. Por exemplo, (3 - 2) -1 é diferente de 3 -(2 - 1). Mas estamos acostumados com a multiplicação sendo associativa, e a maioria dosmatemáticos ainda pensa desse modo, mesmo acostumados com operações não comutativas.Rotações são associativas, embora não sejam comutativas.

Mas talvez o mais importante: na época de Hamilton não estava clara a utilidade dos octônios. Elesestão intimamente relacionados com a geometria de sete e oito dimensões, e podemos descreverrotações usando multiplicação de octônios. Mas por mais de um século isso foi um exercício puramenteintelectual. Levaria tempo até o desenvolvimento da física de partículas – e da teoria de cordas, em

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particular – para demonstrar a utilidade dos octônios.

SIMETRIA E CORDASNOS ANOS DE 1970 E 1980, físicos teóricos desenvolveram uma belíssima ideia chamadasupersimetria. (Mais tarde os pesquisadores aprenderiam que a teoria de cordas exige asupersimetria.) Ela afirma que nos níveis mais fundamentais, o Universo exibe uma simetria entre amatéria e as forças da Natureza. Cada partícula de matéria, como um elétron, tem uma partículaparceira que carrega a força. E cada partícula de força, como um fóton (o transmissor da forçaeletromagnética), tem uma partícula de matéria como gêmea.

A supersimetria também engloba a ideia de que as leis da física permaneceriam imutáveis setrocássemos todas as partículas de matéria e força. Imagine ver o Universo em um estranho espelhoque, em vez de trocar o lado esquerdo pelo direito, trocasse cada partícula de força por uma dematéria e vice- versa. Se a supersimetria for verdadeira, se ela realmente descreve o Universo, esseuniverso espelho funcionaria do mesmo modo que o nosso. Mesmo que os físicos ainda não tenhamencontrado qualquer evidência experimental que suporte a supersimetria, a teoria é tão bela e temconduzido a tão encantadora matemática que muitos físicos acreditam que ela seja real.

Uma coisa que sabemos ser real, entretanto, é a mecânica quântica, e, de acordo com ela, aspartículas são, também, ondas. Na versão padrão tridimensional da mecânica quântica, que os físicosusam no dia a dia, um tipo de número, chamado espinor, descreve o movimento ondulatório departículas de matéria. Outro tipo de número, os vetores, descreve o movimento ondulatório departículas de força. Se quisermosentender as interações entre as partículas, temos de combinar esses dois tipos usando uma imitaçãoremendada da multiplicação. Embora o sistema que usamos agora pareça funcionar bem, ele não émuito elegante.

Como alternativa, imagine um estranho universo desprovido de tempo, contendo apenas o espaço. Seesse universo tem dimensão um, dois, quatro ou oito, então ambas, partículas de matéria e força,seriam ondas descritas por um único tipo de número – ou seja, um número em uma álgebra dedivisão, o único tipo de sistema que permite a adição, subtração, multiplicação e divisão. Em outraspalavras, nessas dimensões os vetores e os espinores coincidiriam: eles seriam, cada um, apenasnúmeros reais, números complexos, quaternions ou octônios, respectivamente. A supersimetriaemerge naturalmente, provendo uma descrição unifi cada da matéria e das forças. Uma simplesmultiplicação descreve as interações, e todas as partículas – não importa o tipo – usam o mesmosistema numérico.

Ainda assim, nosso universo de brinquedo não poderia ser real porque precisamos levar em conta otempo. Na teoria de cordas, essa consideração tem um efeito intrigante. Em qualquer momento notempo, uma corda é um objeto unidimensional, como uma curva ou linha. Mas essa corda traça umasuperfície bidimensional conforme o tempo passa (ver ilustração acima). Essa evolução muda asdimensões nas quais a supersimetria aparece, ao adicionar duas – uma para a corda e uma para otempo. Em vez da supersimetria em dimensão um, dois, quatro ou oito, temos, com essa adição, asupersimetria em dimensão três, quatro, seis ou dez.

Coincidentemente, os teóricos de cordas vêm dizendo, há anos, que apenas as versões com dezdimensões (decadimensionais) são autoconsistentes. As demais sofrem de anomalias, nas quais omesmo cálculo, quando efetuado de duas maneiras diferentes, dão resultados diferentes. Em qualqueroutra versão que não a decadimensional a teoria de cordas falha.

Mas a decadimensional é, como acabamos de ver, a versão da teoria que usa octônios. Assim, se ateoria de cordas estiver correta, os octônios não são uma curiosidade inútil; pelo contrário, elesfornecem uma razão profunda por que o Universo deve ter dez dimensões: em dez dimensões,partículas de matéria e força estão embebidas no mesmo tipo de números – os octônios. Mas esse nãoé o fim da história. Recentemente os físicos começaram a ir além das cordas para considerar asmembranas. Uma membrana bidimensional, por exemplo, ou 2-brana, parece com uma folha a cadainstante. Conforme o tempo passa, ela traça um volume tridimensional no espaço-tempo.

Enquanto na teoria de cordas tínhamos de adicionar duas dimensões à nossa coleção padrão de uma,duas, quatro ou oito, agora temos de adicionar três. Assim, quando lidamos com membranas,esperaríamos que a supersimetria emergisse naturalmente em dimensão quatro, cinco, sete e onze.E, como na teoria de cordas, temos uma surpresa na história: pesquisadores nos dizem que a teoria-M(o “M” geralmente significa membrana) requer 11 dimensões – o que implica que ela deveria fazer,naturalmente, uso dos octônios. Infelizmente, ninguém entende a teoria-M bem o suficiente atémesmo para escrever suas equações básicas (de onde poderíamos pensar que “M” significa

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misteriosa). É difícil dizer precisamente que forma ela deve tomar no futuro.

Nesse ponto devemos enfatizar que a teoria de cordas e a teoria- M não fi zeram nenhuma prediçãoexperimentalmente testável. Elas são belos sonhos – mas até agora apenas sonhos. O Universo emque vivemos não parece ter 10 ou 11 dimensões, e ainda não vimos qualquer simetria entre partículasde matéria e de força. David Gross, um dos maiores especialistas em teoria de cordas, colocou asestatísticas de detectar alguma evidência de supersimetria no LHC do Cern em 50%. Céticos dizemque é muito menos que isso. Apenas o tempo dirá.

Devido a essa incerteza ainda estamos distantes de saber se os estranhos octônios são imprescindíveispara o entendimento do mundo que vemos ou se são apenas um ramo da matemática. É claro que abeleza matemática compensa por si só, mas seria melhor se os octônios estivessem, de fato,incorporados ao tecido da Natureza.

John C. Baez, John Huerta John C. Baez, físico-matemático, trabalha no Centro para TecnologiasQuânticas de Cingapura. Antes disso, explorou questões em física fundamental.

John Huerta está terminando seu Ph.D. em matemática na University of Califórnia em Riverside. Seutrabalho aborda os fundamentos da supersimetria.

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