Os Feitiços de Oxun

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  • 7/21/2019 Os Feitios de Oxun

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    Feitio de Oxum

    Um estudo sobre oIl Ax Iy Nass Oke suas relaes em rede

    com outros terreiros

    DOUTORADO EM CINCIAS SOCIAIS

    ALUNO: RAFAEL SOARES DE OLIVEIRA

    PROF. DR. ORIENTADOR: ORDEP SERRA

    PROFS.DRS. EXAMINADORES:

    LUIS NICOLAU PARS

    RENATO DA SILVEIRASERGIO F. FERRETI

    ZWINGLIO M. DIAS

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    Resumo

    Este um estudo etnogrfico sobre o Terreiro Il Ax Iy Nass Ok, conhecido comoTerreiro da Casa Branca do Engenho Velho da Federao, ou simplesmente a CasaBranca, e sobre a sua rede de relaes com outros Terreiros. A literatura lhe dispensalugar de destaque: abunda em citaes doTerreiro da Casa Branca; no entanto, averdade que nessa bibliografia especializada contam-se poucos estudos sobre o toreferido Terreiro. Este trabalho busca preencher, em parte, esta lacuna, trazendoelementos atuais de sua histria e de sua organizao do espao e do tempo, bem como

    busca analisar seus modos de constituio como grupo tnico-eclesial e a configuraodas suas relaes em rede com outros Terreiros de candombl.

    Abstract

    This is an ethnographic study about Il Ax Iy Nass Ok [an African Brazilian templein Salvador, Bahia], known as Casa Branca do Engenho Velho da Federao, or simplyCasa Branca, and its network of relations with other African Brazilian temples. The

    literature gives it special distinction: the Casa Branca temple is often mentioned inthe ethnographic studies; however, what really happens is that on this specializedbibliography there are few studies about this much quoted temple. Is this worksintention to fill at least a part of this gap, bringing elements from Casa Brancas historyand of its organization of time and space, as to analyze its ways of constitution as anethnic-ecclesiastic group and the configuration of its network of relations with otherAfrican Brazilian temples.

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    Agradecimentos

    Agradecer risco, de esquecer algum importante. Arriscar viver.

    Comeo pelas instituies. Agradeo a oportunidade de retorno ao mundo da pesquisaacadmica proporcionada pelo PPGCS da UFBa e ao apoio conferido pelo CNPq emforma de bolsa de doutorado e taxa de bancada. Em especial agradeo a KOINONIA Presena Ecumnica e Servio por seu investimento em liberar-me para minhaformao, e aos companheiros de trabalho que compensaram minhas ausncias nessetempo de pesquisas e elaborao desse trabalho.

    H pessoas a destacar. Primeiramente agradeo aos argutos, pacientes e incansveisolhares orientadores do Prof. Dr. Ordep Serra, bem como as primeiras crticas do examede qualificao feitas pelos Profs. Drs. Luis Nicolau Pars e Renato da Silveira.Antecipo o agradecimento pela presena na Banca Examinadora e pela leitura crticados Profs. Drs. Sergio Ferreti e Zwinglio Dias.

    Mas h outros que ajudaram a finalizar esta tarefa acadmica e entre elas destaco aamiga Jussara Rgo Dias, com quem travei dilogos imprescindveis para a elaboraodos mapas constantes do texto.

    Contam tambm com minha gratido e apreo aqueles que, mais que amigos, setornaram meus irmos no trabalho, pessoas que so os verdadeiros detentores dossaberes que procurei decifrar nesses quatro anos de pesquisa. So os sacerdotes esacerdotisas do Il Ax Iy Nass Ok, cuja lista dos mais freqentes no Terreiro desde2001 inclu em agradecimento a cada um no Apndice, evitando repetir aqui todos osnomes. Mas quero fazer destaques dentre tantos. Primeiramente Venervel IyalorixAltamira Ceclia dos Santos, Me Tat, por sua acolhida e carinho. Em segundo lugar, eespecialmente, sou grato Venervel Equede Gersonice de Azevedo Brando, EquedeSinha com quem mantenho grande amizade, por suas pacientes e sempre sbias ehospitaleiras orientaes. E em terceiro lugar ao Venervel Ogan Antnio Marques,Ogan Tonho, vigoroso defensor da grandiosidade do candombl, com quem aprendi

    sobre humildade e rigor.

    Finalmente agradeo ao mais importante dos apoios: o esteio da minha famlia.

    A meus filhos Daniel e Raphael Simonato de Oliveira pelos momentos de convvio,compreenso e carinho dentre tantas ausncias e horas de trabalho.

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    Sumrio

    I - A CASA BRANCA NA ENCOSTA DA AVENIDA DO VALE 011 -ALM DO OLHAR HORIZONTAL 012 - RAA E COR EM UMA ESTRUTURA ECLESIAL 173 - SEGREDOS DE FAMLIA 284 -ARA KETU 315 - PATRIMNIO DE SO JORGE 366 -ESCRITOS SOBRE A CASA E SUA NAO 457 - NEGROS BARROCOS NA BARROQUINHA DEIY NASS 568 -UMA BREVE PASSAGEM PELO SCULO XIX 729 - PRIMEIROS OLHARES DE INTERPRETAO 74

    II - TERRITRIO DE ORIXS, ORISEAX 801 -CALENDRIO RITUAL 812 - CALENDRIOS VIVOS 1003 - ESPAO: TOMBADO, MUTANTE E TERRITRIO DEAX 107

    III- O CANDOMBL DEIY NASS: TEMPO DE SER 1221- OUTRO TEMPO 1222 - DILOGOS INTERPRETATIVOS 1383 - APRENDENDO SOBRE PRESENTES: PASSADO E FUTURO 152

    IV- O TECIDO DA GENTE QUE FAZ A CASA 1731- OUTRAS LUZES DA CIDADE DE SALVADOR 1752- INGRESSO, RECRUTAMENTO E ACOLHIDA 2023 - TECENDO A FAMLIA: CRITRIOS EM MOVIMENTO 2054 - FORJANDO A CASA: FORMANDO OS COMPETENTES 2315- O ALICERCE DAS RELAES: COMPETNCIA EM CANDOMBL 2426 AESCOLINHADE CANDOMBL 2487 - ARREMATE DO TECIDO ALINHAVADO 253

    V - TECENDO REDES: DE RELAES DA CASA COM OUTRAS CASAS 2571- REDE DE PARENTESCO 2662- RELAES DE IDENTIDADE OU DIPLOMTICAS 291

    3 REDE E TERRITRIO: UMA NOTA MICA 3124 - DILOGO INTERPRETATIVO: DA CAPACIDADE DEPROPAGAO DA REDE

    314

    5- NOTAS CONCLUSIVAS: DESVENDANDO OFEITIO DE OXUM 326REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 337ANEXO 1 - DEFINIO DE PADRO DE HABITABILIDADE 345

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    I - A CASA BRANCA NA ENCOSTA DA AVENIDA DO VALE

    1 ALM DO OLHAR HORIZONTAL

    Convidado a visitar pela primeira vez a Casa Branca do Engenho Velho, tomei uma

    conduo at a Avenida Vasco da Gama, n 463.

    A Avenida dividida por um canal no qual se vem as marcas de um processo de

    deteriorao de um rio que outrora fora de gua lmpida e potvel em um tempo

    em que cham-lo de canal seria ofensa capaz de abalar seus vizinhos e fazer

    estremecer divindades.

    primeira vista, esta parece ser uma avenida na

    qual no mais se instalam moradores, apenas

    i d i i ( l

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    (transpirando ansiedade e fumaa poluda), e fez juntar-se percepo dos sons

    estridentes a imagem da poeira convivendo com o asfalto. Para ver mais, preciso

    levantar a vista bem acima do asfalto, e ali identificar um vale.

    Um ato simples, mas capaz de gerar um estranhamento.

    ... Um endereo, o veculo para alcan-lo, o dinheiro necessrio para viabilizar o

    translado, a roupa que se pode escolher para sair de casa, e outras escolhas, por si s

    simples, so vividas como naturais... Seguindo meus costumes aparentemente

    naturais, eu veria ali uma rea insalubre constituda, de forma desordenada, pelo

    crescimento de mais uma cidade metropolitana no final do sculo XX, no Terceiro

    Mundo. O ato singelo de perceber-me em um vale me fez capaz de imagin-lo a fruir

    um tempo silencioso em noites frescas de luar, ventilado e aconchegante, em meio a

    muitas rvores.

    Confesso que a imaginao me capturou e subverteria todas as impresses que me

    chegavam, caso elas no fossem to impactantes: os montes que ladeiam o vale so

    densamente habitados Salta aos olhos a aglomerao de casas esquerda de quem se

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    Marcas de habitaes de famlias sem condies financeiras de reproduzir o padro

    esttico hegemnico da cidade formal, instaladas em ruas estreitas e de difcil

    acesso... Impresses que, melhor refletidas, permitem mais um estranhamento.

    Afinal, o critrio de dificuldade de acesso fez-me eludir o recurso ao automvel, e

    induziu-me a privilegiar a contemplao de um pedestre.

    Parado ali, a visualizar o vale, vi-me de costas para o endereo que buscava; no

    entanto, era preciso encontr-lo...

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    Novamente, senti-me trado pelo hbito. Este me fez assumir uma (naturalizada)

    linha de horizonte e deparar-me, pela primeira vez, com um terreno que no

    combinava muito com seus vizinhos imediatos, os comerciantes mais prximos.

    Parecia um enclave na Avenida, um ndulo que se pode imaginar surgindo, de sbito,

    na seqncia visual obtida por um observador sentado em um veculo a percorrer

    aquela via. Um corte na monotonia de imagens urbanas da regio, um hiato de quase

    100 metros de grades brancas, sem qualquer identificao especial. Grades que nada

    escondem ao transeunte: da calada, este pode avistar aquilo que elas cercam.

    direita, surge um terreno cimentado de uns 200 m2

    , onde, prximo parede que o

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    com os contornos semelhantes a um

    duplo z arredondado, a alongar-se

    como um rabo; sobre um pedestal

    de 1 metro, na cabeceira deste

    espao escavado (na extremidade

    mais distante do observador que

    chega de fora), est a imagem de

    uma sereia de uns 2 metros de

    comprimento.

    Olhando em frente (desde a

    calada, atravs da grade), no

    trmino dessa rea cimentada,

    podem-se avistar rvores, alguns

    entulhos e materiais de construo,

    cuja presena se justifica pela placa

    de obras de recuperao e por outra

    (que impede, desse ngulo, avistar-

    se o alto) com dizeres relativos

    preservao cultural e histrica da

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    esquerda, no entanto, se avista

    mais: uma construo em forma de

    barco, de concreto, branca, de uns 8

    metros de comprimento por 3 de

    largura, a navegar, na imaginao

    de quem a divisa, com suas bordas

    azuis bem marcadas e uma bandeira

    amarela hasteada no centro . O

    barco delimita, esquerda, o

    terreno cimentado; ali, entre os

    dois, como uma fronteira

    imaginria, h a marca bem visvel

    de dois pares de bancos de praa,

    tambm de cimento.

    A sensao ficaria impregnada de

    um certo peso com tanto

    cimento , se o giro da viso no

    alcanasse as reas verdes e

    ajardinadas que surgem ao fundo e

    (ainda mais intensamente)

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    convivendo com uma toua de bambus de mais de 6 metros de altura; de perto, pode-

    se ver que o bambuzal est cingido por um pano branco como se lhe pusessem uma

    faixa com lao na cintura. A toua de bambus, que ocupa um trecho de cerca de 25

    m2, finda junto a um porto lateral, num dos extremos do gradil. Se avanarmos

    paralelamente s grades, progredindo

    rumo esquerda, ento contornaremos o

    terreno, entrando por uma ruela calada

    onde, direita de quem chega, temos

    ainda as grades (que se infletem nesta

    direo, a fechar o campo ) e, esquerda,

    moradias; ao final da ruela, e do

    semicrculo percorrido por fora, avista-se,

    novamente, o porto que d acesso ao

    terreno.

    Depois adentraremos o porto... Por ora,

    ainda me (re)encontro na calada paralela

    ao gradil. Da eu vi que, no espao

    cercado, ao fundo, entre o bambuzal e o

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    Assim como pouco antes (na contemplao da avenida inteira), tambm nesse novo

    lance de aproximao refiz minhas primeiras impresses ao erguer os olhos em

    direo ao aclive. Pois ali, encravadas na encosta, esto as construes maiores e mais

    contrastantes do stio, todas em branco, incrustadas numa mancha verde de rvores e

    mato baixo, e vem-se os caminhos que lhes do acesso, pouco perceptveis desde a

    calada da avenida. Detendo-me assim, a olhar para cima, logo me foi possvel

    comparar esta nova viso com o que antes j percebera, isto , que no endereo da

    Avenida a imensa maioria de moradores estava acima do nvel do asfalto, nas

    encostas do vale. Reformulei a idia que tivera de sua vizinhana: afinal, a quem as

    pessoas que vivem naquelas encostas do stio espraiado at a Avenida consideram

    vizinhos, seno aos (outros) moradores dos montes?...

    Aquele terreno cingido pelas grades, visto da calada da avenida, enquanto acessvel

    mirada direta do observador posto de p a sua frente, era esdrxulo em relao a seus

    confrontantes laterais, mas comeava a fazer algum sentido pens-lo avistado do alto,

    do outro lado do vale; ou, ao contrrio, subindo-lhe a encosta, era significativo avistar

    o aglomerado urbano de habitaes no entorno do vale.

    Do alto, com o mesmo olhar horizontal, os semelhantes se reconhecem como quem

    habita as encostas daquele mundo desigualmente ordenado e caoticamente

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    Estas e outras perguntas comearam a invadir-me desde os primeiros momentos em

    que parei de olhar apenas horizontalmente: esse estranho modo de ver que, a

    princpio, iguala todo o avistado, para, em seguida, classificar as coisas vistas em

    melhores ou piores, como se as inevitveis comparaes no ocorressem j na

    mirada preliminar, e o ponto de vista ento assumido fosse o natural, a base de toda a

    referncia possvel1. Tambm me vi colhido no inevitvel enredo do convvio

    humano, em que os olhares separam tudo entre ns e eles, nosso e deles,

    ainda que de forma involuntria. Portanto, convenci-me de que olhar para os

    moradores e semelhantes a ponto de pens-los como vizinhos era um procedimento

    sempre relativo. Era necessrio olhar horizontalmente, sim, mas, a cada vez, em um

    nvel de altitude diferente em relao ao rio/canal que corta (cortava) o vale (diriam os

    moradores do alto), ou Avenida Vasco da Gama (diriam os transeuntes e

    comerciantes).

    Segui pela calada, beirando a grade, at atingir o porto de acesso pela ruela lateral...

    Vejo-me, agora, a repetir esta abordagem em outro momento.

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    Dessa vez (nessa nova ocasio, tempos depois), eu integrava um cortejo, na chegada

    de uma pequena multido enfeitada com roupas de festa suas melhores roupas,

    envergadas para a ida missa de So

    Jorge, ou missa de Oxssi como se

    ouvia de todos aos cochichos.

    Franqueada a entrada lateral, pode-se

    ainda subir por uma escadaria para a

    qual todos, ento, se dirigiam,

    seguindo a imagem do Santo, trazida da missa. A passagem pela frente da casa que eu

    avistara da calada, o trecho entre ela e o barco de cimento, levava as cerca de 400

    pessoas referida escadaria, que, logo no incio, tem uma pequena construo

    direita, recinto onde se encerra uma fonte; em cada degrau cabem trs, ou, no

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    cerca de 10 m2); junto a ela, a maioria dos que chegavam arrastava os ps por trs

    vezes. Esta casa est sobre um plat; do lado oposto a este, esquerda de quem sobe,

    e num plano um pouco mais alto, pode-se ver outra casa maior, de mais de 20 m2 . S

    depois vim a saber que essa era aFonte de Oxum, que a segunda casa era a de Exue a

    outra, maior (que se divisa da olhando para o outro lado), era de Xang Air.

    Dali para cima, a procisso se alterou substancialmente. Podiam-se ouvir os atabaques

    do terreiro. Muitos dos visitantes, ainda em meio escadaria, entravam em transe,

    incorporando deuses logo acolhidos para danar na grande casa s ento tornada bem

    visvel: uma casa de cerca de 35 metros de extenso por uns 14 de profundidade, ao

    final dos quase 80 degraus, branca, como as trs edificaes divisadas antes.

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    Detive-me no tal plat, e num giro de viso, de costas para a encosta, descortinei o

    outro lado do vale.

    Neste nvel estavam as

    moradias... E pus-me a

    imaginar os que anualmente

    avistavam, desde o monte

    oposto, o que ali se passava,

    e, embora algo distantes,

    compartilhavam da mesma

    condio de moradores em vizinhana... Que significados teria para eles aquele

    espao ali instalado h anos, cheio de ritos, reas verdes (principalmente abaixo da

    grande casa e direita de quem sobe) com rvores frondosas e uma capoeira cerrada a

    esconder outros monumentos sagrados?

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    cumeada ... por um espao que, em um croqui, mal comporia um q ou um 9)2.

    Vejamos tal esboo, assim como pude elaborar, sobre uma planta da rea.

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    1. Pequeno lago encimado pela imagem de uma sereia (Oxum)1a. Praa de Oxum2. Bambuzal:Dank3. Barco:Iku iluai(ou Barco de Oxum)

    4. Fonte de Oxum5. Casa deExu6. Fonte de Oxumar6a. Assentamento de Ossain7. rvore sagrada:Iroko8. Casa de Ogun8a. rvore sagrada:Apaok9. Casa deXang Ayr10. Praa de Obaluai: Casa de ObaluaieNan

    11a. Barraco11b. Partes internas: X (Xang); O (Oxal); R (Runc); S (Saleta dosOgans- entrada pelo Barraco);M (Moradias); D (dispensa); C (Cozinha Ritual); I (Residncia daIalorix)

    12. Casa de Bale: assentamento dos ancestrais13. Casa de Oxssi13a. Assentamento deIbualama(qualidade de Oxssi)

    Mas devo voltar ao momento da chegada festiva de que vinha falando.

    Segui, com o pblico, para o interior da grande casa, onde tive acesso a um salo de

    uns 12 por 12 metros. Ao centro do mesmo, acha-se uma coluna de sustentao do

    teto, cingida, no alto, por uma grande coroa esculpida em madeira compensada

    marrom, e cravejada de bijuterias aplicadas sobre recortes ondulares. V-se na figura

    extrada do artigo de Capinan e Ribeiro (CAPINAN; RIBEIRO, 1986).

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    18b16

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    1

    183

    12

    20

    4

    5

    6a

    1- Entrada2- Bancos para os homens visitantes

    3- Assentamento das imagens de santos catlicos4- Cadeira daIalorix5- Porta do assentamento deXange dasAyabs6a- rea onde se coloca a cadeira de Ogansem seu primeiro ano de confirmao;6b- rea onde coloca a cadeira deEquedesem seu primeiro ano de confirmao7- Cadeiras reservadas a autoridades religiosas convidadas8- Bancos reservados a convidados da Casa9- Banco onde se sentam Ogansda Casa para tocar instrumentos10- Assentamento deLoguned

    11- Cadeira daIy Keker12- Assentamento cercado, onde se situa a orquestra ritual13- rea reservada aos Ogansda Casa e a autoridades convidadas (geralmente homens)14- Porta do fundo, de onde se pode saudar os assentamentos de Oxssi15- Janela lateral, de onde se podem saudar os assentamentos de ObaluaieNan.16- Bancos para as mulheres visitantes17- Assentamento deExu

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    Reproduzo tambm a figura da coroa que encima esse conjunto:

    [Coroa deXangencimando Barraco e cadeiras de autoridades da Casa Branca do Engenho Velho da

    Federao (Fotos: Regina Serra)]

    2 RAA E COR EM UMA ESTRUTURA ECLESIAL

    de um terreiro de candombl, o Terreiro da Casa Branca, todo o espao

    sumariamente descrito at aqui. Mais do que indicado pelas placas, ocupado por

    eventos litrgicos.

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    movimentam os acontecimentos no interior de tal espao. Quem a populao de

    moradores do terreiro, quem se ocupa dos rituais?

    Em uma aproximao grosseira, notria, a, a concentrao de indivduos de cor ou

    ascendncia negra bem visvel4, e de origem pobre (renda familiar de at 4,5 salrios

    mnimos)5. Isto, porm, no traduz o perfil complexo das condies de vida e

    educacionais das famlias encontrveis no dito espao: desde desempregados a (raros)

    trabalhadores de nvel superior; de universitrios a analfabetos. Famlias cujos filhos,

    por vezes, no mais ali moram, mas retornam episodicamente para rever os seus; e

    famlias cujos descendentes dispersos no mais retornaram.

    Entre os responsveis pelos acontecimentos litrgicos, foi possvel encontrar uma

    minoria de gente de origem racial fenotipicamente branca. Mas quanto s

    ocupaes rituais, precisamos de mais tempo para situ-las. Era bem possvel deixar-

    se invadir por outra interrogao, ineludvel para quem nada conhece:

    -Formariam todos aqueles moradores, sozinhos ou somados aos visitantes(quase

    400) um corpo coeso? Teramos, ali, um grupo social bem determinado6?

    E mais:

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    Que regime de uso tinham todas aquelas habitaes?

    Pois algumas estavam sem moradores no dia da missa de Oxssi...

    A essa altura, o espao estava cheio de significados e o grupo de pessoas entre as

    quais eu me encontrava recebia do evento ritual o seu maior signo identificador.

    Tratava-se de um grupo de culto, um grupo eclesial de caractersticas peculiares, cujos

    princpios normativos deveriam explicar os sentidos da apropriao social daquele

    lugar de... moradia, culto, hospedagem, convvio... qui com outros usos, ainda por

    se revelar.

    Foi, ento, por esse rumo que meu olhar e minhas interrogaes seguiram.

    Era preciso voltar quele stio muitas vezes, at que me fosse possvel dialogar melhor

    com meus estranhos olhares e perceber os enredos do que ali se passava como

    mistrio.

    ...

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    (de hspede), mais de uma vez me foi dado acompanhar, desde a vspera, um dia

    inteiro da vivncia do grupo eclesial, inclusive na data dedicada a Oxssi. Volto

    agora, na minha lembrana, a uma oportunidade dessas.

    ... Desde o dia anterior, dos mais variados cantos do Brasil acorriam pessoas para

    hospedar-se, de alguma forma, no Terreiro. Uns alojaram-se nas residncias dos

    moradores permanentes, outros em moradias prprias, apenas utilizadas por ocasio

    de festas, e os demais nas dependncias internas do grande casaro. Era a realizao,

    em um espao de 48 horas, da reunio de membros de uma comunidade como eu a

    ouvira ser chamada por alguns de seus integrantes em parte dispersa, mas ligada

    por fios fraternos.

    A manh daqueles que se envolvem no conjunto do trabalho festivo comea com o

    nascer do sol. Desde esse momento, diferentes mobilizaes se processam,

    envolvendo os membros presentes da comunidade. Mulheres mais velhas, e alguns

    dos homens se destacam do conjunto maior, como protagonistas de rituais internos

    que no podem ter a participao de todos, em ambientes sagrados a que no se

    franqueia o acesso de qualquer um. Esse subgrupo, dirigido pela me-de-santo,

    coordena todas as aes do dia. Os outros membros da comunidade seguem

    trabalhando, orientados segundo uma hierarquia em que os mais experientes se fazem

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    tambm se afanam, envolvidos nas compras e servios de adequao do espao

    funo ritual, realizados (aparentemente) de ltima hora.

    Ali eu me encontrava na qualidade de visitante e amigo de alguns, com os acessos

    restritos a momentos coletivos de orao e participao em alguns servios braais,

    facultados a qualquer um que se dispusesse a ajudar. As conversas, todas comedidas,

    eram conduzidas de um modo a nunca ultrapassar um limite ainda invisvel para mim,

    cingindo contedos que no me eram revelados. Era contagiante a alegria dos

    encontros. Eram efusivos os cumprimentos e as lembranas de encontros anteriores,

    seguidos de comentrios e perguntas por terceiros, que revelavam a intimidade de

    quem faz parte de um crculo de pessoas conhecidas. Assim se repetiam cenas de

    acolhimento a pessoas vindas do Rio de Janeiro, de So Paulo, de Alagoas, e alguns

    da Europa ou dos Estados Unidos da Amrica do Norte, que se integravam maioria

    oriunda da Bahia (na maior parte, da Grande Salvador, com alguns poucos

    provenientes do interior).7

    Antes mesmo de se iniciarem as atividades rituais pblicas no interior do salo

    descrito, todo aquele movimento me fazia pensar sobre o significado do que ali

    chamavam de comunidade. Quem estaria dentro, quem estaria fora?

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    pertena comunidade. As conversas de que participei apontavam claramente quem

    era contado como da comunidade, e quem no era. E se eu no podia identificar

    exatamente todos os critrios de incluso, ao menos ficava claro que estariam inclusos

    adeptos e participantes nos rituais. A comunidade e o grupo eclesial se

    sobrepunham. Ser morador era um critrio possvel, mas insuficiente. Por outro lado,

    eram contadas como da comunidade pessoas vinculadas s atividades clticas que

    vieram de outros estados, e at de outros pases.

    O burburinho aumentava significativamente. J se alcanara a metade da manh;

    grande parte do grupo se mobilizava para ir missa encomendada para Oxssi. Uma

    parcela, no entanto, permaneceria junto me-de-santo, cuidando de atividades rituais

    internas. A espera do grupo da missa por um nibus para o translado at a igreja de

    Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos, no Pelourinho deu-se entre a

    ansiedade de quem solicitara o nibus gratuito a uma empresa e a tranqilidade e

    misturas de perfumes da maioria, vestida nos melhores trajes de seus guarda-roupas.

    Digo outra vez: pareceria a um estranho o critrio racial um signo exclusivo de

    pertena... Meu tipo fsico mesmo, de predominante aparncia branca, contrastava

    com os ocupantes do nibus8.

    Mas se um aspecto relevante a ser tomado (numa primeira aproximao) como

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    A missa transcorreu em clima solene, convivendo com elementos da renovao

    litrgica catlica, em que se permitiram msicas ritmadas e acompanhadas por

    percusso o que eu sabia no ser uma orientao especial para o ofcio ento

    celebrado, mas atitude j corriqueira em outras ocasies, naquela igreja. Os mais

    antigos do Terreiro se posicionaram na parte da nave mais prxima do altar, e dali

    participaram da cerimnia... A celebrao no compunha com minhas expectativas:

    eu no conseguia compreender o motivo que levava aquela comunidade a estar em

    uma missa. Foi preciso questionar-me para re-significar as coisas... Parecia-me

    cansativo e redundante definir missaem um contexto cultural como o nosso. No

    entanto, senti ali que o conceito de missa para a comunidade era distinto. Em

    conversa com gente mais antiga do Terreiro, ouvi que se j levamos tanto tempo para

    colocar a igreja do nosso jeito, ns no vamos sair, eles que nos ponham para fora...

    E a partir do que eu conseguia observar, o rito da missa se integrava no contexto de

    um ato pblico declarativo. Era uma auto-afirmao da comunidade (no sentido

    que eu apreendera at ento) diante dos que se poderiam chamar de autoridades da

    sociedade baiana; uma celebrao encomendada, assim como se encomendam

    outras missaspor ocasio de inauguraes, festejos etc.

    A noo da celebrao como um ato de afirmao do grupo em um contexto pblico

    maior, produziu, para mim, alguma explicao, mas fiquei curioso por apurar as

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    comparada com as reflexes dos que foram... No entanto, mesmo sem os argumentos

    teolgicos, um ponto ficou claro: todos reconheciam a dignidade da cerimnia

    pblica, e mesmo os que diziam (com um qu de desdm) no ter costume de ir a

    igreja participaram dos rituais internos dedicados aos que saam para a missa e aos

    preparativos de seu retorno.

    Retornar da missa em meio ao cortejo ento formado j no era novidade para mim,

    nessa ocasio; menos ainda a quantidade de pessoas que se somara ao grupo vindo da

    igreja na caminhada em direo ao Terreiro. Repetiam-se os fenmenos de anos

    anteriores, quando divindades se manifestavam, ao toque dos atabaques, em plena

    escada de acesso grande casa, a partir do patamar daquela menor, dedicada aExu. J

    no interior da sala maior da grande casa (chamada pelos fiis de Barraco) as pessoas

    espremiam-se, tantas eram as que chegavam. Eram muitos os que se manifestavam em

    transe, alm dos que eu sabia ligados ao Terreiro. Era permitido a visitantes em transe

    danar no Barraco eles compunham quase a metade dos extticos... Tudo se

    passava com a fora de um momento pblico em que todos esto convidados a vir

    danar na festa sagrada...

    Sem muita demora, os presentes adentraram as instalaes da grande casa, onde lhes

    foi servido um abundante caf da manh (caf, leite, pes, queijos, bolos). Ali se

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    O dia transcorrera rpido, em meio a muito trabalho interno. As atividades na cozinha

    ritual se intensificavam, sem descuidar das visitas que chegaram no incio da tarde

    para comer ofeijo de Oxssi. Servir as visitas e os que trabalhavam, cuidar dos ritos

    internos: tudo se processava segundo uma diviso de trabalhos gil, e difcil de

    discernir...

    No demorou (no tempo medido por uma seqncia de diversos afazeres) para que

    chegasse o momento de culto pblico noturno... Eram quase nove e meia da noite

    quando irromperam os toques de atabaques e a abertura da celebrao foi feita pela

    me-de-santo. Seguiram-se toques, cnticos e danas distintas. A cada seqncia de

    cnticos, ritmos adequados eram executados, ora repetidos, ora novos ritmos, e a cada

    ritmo uma nova coreografia, todas com passos de execuo complexa9.

    O que ocorria noite era semelhante, mas apenas semelhante, ao que se passara pela

    manh. Nem todos os que entravam em transe tinham oportunidade de danar. Os

    Orixs que se manifestavam em visitantes eram recolhidos educadamente aos

    aposentos internos da grande casa. Ficava claro que aquele ato pblico era expresso

    reservada aos integrantes da comunidade (diferentemente do acontecido pela

    manh). Apenas algumas excees eram aceitas, e justificadas por explicaes que

    aludiam a vnculo quase direto do privilegiado com o Terreiro, o que era o caso de um

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    atabaques, numa fileira que compunha uma espcie de tribuna de honra. Nas laterais

    do salo ficam os homens direita, as mulheres esquerda; ao centro (ao p da

    Coroa, junto ao complexo do Poste Central), em altas sedes, apenas dirigentes e

    hierarcas da Casa; mas sentar-se a permitido aos poucos lderes de outros Terreiros

    considerados comofilhosdiretos da Casa Branca segundo me segredaram alguns

    sacerdotes da comunidade.

    Participar, desde a vspera, de to intensa mobilizao possibilitou-me comparar

    algumas caractersticas daquele grupo eclesial com as de outros. Todos os rituais

    internos seguem como um fluxo crescente em direo festa, ou culto pblico, que se

    torna sua expresso e expanso. No dizer de uma das sacerdotisas mais antigas (mais

    de 25 anos de sacerdcio) os Orixs vm noite para danar e comemorar conosco,

    confirmar que a nossa comunidade tem ax, e que todos os nossos ritos do dia foram

    aceitos: um momento de muita alegria e beleza...

    Isto me faz dizer, por comparao com outros grupos eclesiais (de caractersticas mais

    introspectivas), se que posso arriscar exprimi-lo assim: na festa noturna se reza para

    fora. A gente ali cresce em alegria e sente-se abenoada pela presena confirmadora

    dos Orixs, extasiando-se com a sua beleza de expresso. um conjunto de presenas

    em espelho que refletem e brilham aos olhares de todos os presentes, que at ali foram

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    Oxssidanava em torno do barraco, na pessoa da sacerdotisa mais antiga de seu

    culto na Casa Branca, quando fui apontadopelo mesmo; este me entregou um de seus

    adereos e apresentou-me aos dirigentes do culto... Imediatamente os homens mais

    antigos da comunidade se aproximaram, elevaram-me do cho e, carregando-me

    nos braos, circularam pelo barraco, a me apresentar assistncia e aos Orixs. Eu

    estava sendo suspenso ogan do Oxssida Casa.

    A partir da, tornei-me mais um membro da comunidade, a qual no era mais

    referida pelos que de mim se aproximavam dessa forma. Eu passei a ser tratado como

    participante da famlia. Esta, sim, passara a ser a categoria designativa do grupo

    nuclear, a mais marcante. Percebi que ultrapassara uma cortina de desconhecimentos e

    que, embora eu no tivesse acesso imediato a todo e qualquer assunto, o tratamento

    dispensado a mim no era mais o que se dedica a um visitante ou amigo... H coisas

    que s se pode conversar em famlia logo me diria um Ogan.

    Sersuspensono significara participao plena na famlia. Era necessrio passar

    por um ritual de iniciao para que se confirmassem laos em um nvel de sagrao

    sacerdotal. isto: todos e somente os iniciados podem ter participao nos ritos com

    alguma forma destatussacerdotal, seguindo uma diviso tradicional de trabalho

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    Os contornos da comunidade se tornavam mais claros. Havia o grupo sacerdotal (a

    famlia), os adeptos e os simpatizantes.

    3 SEGREDOS DE FAMLIA

    Depois daquele dia, a relao entre mim e as pessoas do Terreiro se tornaram

    diferentes. Os estranhamentos minha presena se diluram e as possibilidades de

    intimidade se abriram. Assuntos que antes me eram proibidos se franquearam (ou

    melhor: uma seleo tradicional daqueles temas que se podem revelar a um Ogan

    suspenso) e laos novos se constituram. A famlia se movia e se reconhecia entre

    amizades e ensinamentos bsicos de regras de conduta10. A me-de-santo, como

    sacerdotisa mxima e propiciadora de toda e qualquer relao com os Orixs,

    acumulava, aos olhos da famlia, mais que o papel percebido pelo conjunto maior

    dos adeptos: para estes, ela tinha o papel genrico de intermediria dos humanos com

    a divindade, e fonte de bnos; para o grupo sacerdotal (a famlia), ela era,

    tambm, a responsvel pelos rituais de iniciao de todos os sacerdotes, e quem se

    capacitava a dar a ltima palavra: teolgica, litrgica em diversas questes, at

    mesmo sobre atos profanos.

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    Ainda entre os momentos de convvio, foi inevitvel ter notcias de namoros,

    casamentos, relacionamentos, e advertir, enfim, que os membros daquela famlia,

    aparentemente, estavam longe de se preocupar muito com tabu de incesto simblico11.

    O vnculo inicitico desse grupo de famlia do candombl da Casa Branca do

    Engenho Velho, no meu entender, se exprime muito mais pelo controle hiertico da

    circulao de segredos de culto. Os mecanismos propiciatrios de incluso, de

    ascenso no crculo sacerdotal e de evitao, do-se muito mais por meio de tabus

    vinculados aos segredos rituais, ou conhecimento de fundamentos, do que sob

    outras formas de tabu. Ser filho ou filha-de-santo da famlia submeter-se a um

    processo de iniciao, cujos graus definem posies hierrquicas. No entanto, o

    amlgama das relaes e seus eixos hierrquicos so garantidos pelo desvelar

    progressivo de segredos apresentados aos iniciados, sob determinadas condies. o

    que se poderia figurar como as camadas de uma cebola de conhecimentos, a ser

    descascada a fim de atingir nveis mais profundos no momento propcio. Este

    processo de vnculos progressivos estabelecidos sob a gide de informaes secretas

    vale para a comunidade, e respeitado como tabu intransponvel.

    O tempo para o acesso a segredos, e o tipo de vinculao ao Orixtambm definem

    caractersticas da famlia. Independentemente do Orixde cada um, existem, na

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    no o fazem. As primeiras so adoxes[< adosu] e as seguintes so chamadas de

    equedes[

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    reduzir ao mnimo as atribuies de ttulos aos seus sacerdotes e sacerdotisas13.

    Porm, mantm-se a hierarquia superior totalmente feminina: as mulheres tm o poder

    central do Terreiro.

    4 ARA KETU

    Aps um longo percurso de aproximaes (e confesso que, tambm, de adeses

    religiosas pessoais) aquela comunidade comeara a se revelar um tanto mais para

    mim. As conversas comeavam a fazer sentido e a preencher lacunas que antes

    passavam por mim como invisveis.

    Recapitulo: aps algum tempo de convvio, nos primeiros dois anos, passei a ser

    chamado de da Casa. Mas sentia-me confuso com relao aos significados de ser da

    comunidade, da Casa e, agora, da famlia. Ao rememorar posteriormente

    minhas vivncias, pude identificar com que nuances estava sendo tratado.

    Enquanto era um freqentador assduo, cliente dos servios religiosos da me-de-

    santo, eu podia ser includo no crculo dos da Casa. Falar em da Casa era referir-

    se ao Terreiro como um todo, sem designar o grupo interno, a comunidade ou a

    famlia. A referncia Casa uma contrao simplificada de Terreiro da Casa

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    contrao podia ser usada como referncia ao templo, e os que a ele acorrem, se

    passassem a ser usurios de seus servios religiosos, poderiam ser chamados de da

    Casa. A minha entrada na famlia me fez perceber que comunidade era um

    designativo que diferenciava os moradores adeptos do culto, em particular o grupo

    eclesial do Terreiro, dos outros moradores. Assim, estes no usavam comunidade

    para identificar-se publicamente, extramuros; o termo era apenas um diferenciador de

    uso que os distinguia dos outros habitantes (temporrios ou permanentes) do espao

    do Terreiro. Comunidade tinha um uso explicativo; por vezes, quando eu era apenas

    hspede no Terreiro, me vi includo na comunidade, designado assim por via de

    diferenciao com respeito a outra categoria de habitantes do lugar. Publicamente,

    extramuros doIl Ax, os termos apropriados para a caracterizao do grupo seriam

    famlia e Casa14, ainda que famlia, em geral, aparea como uma referncia

    indireta: mais corrente ouvir falar, a, de irmos e filhos (e ver empregados

    outros termos, menos usuais, de parentesco em contextos que transcendem o

    parentescostricto sensu).

    Mas no foram s as idas e vindas ao Terreiro que me envolveram nas relaes com

    seu grupo eclesial.

    ...

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    dos terreiros atingidos peloProjeto Egbforam reveladoras... Ali se encontram

    representantes de diferentes terreiros de distintas tradies. Estar presente a elas

    oportunidade especial para ouvir e ver, por exemplo, como as outras Casastratam os

    da Casa [Branca], e como os seus membros se vem nesse contexto pblico.

    ... Incio de reunio: os representantes de terreiros presentes ao encontro do Projeto

    Egbforam convidados a se apresentar, de forma aleatria. Imediatamente ocorreu

    uma advertncia: Que seja pela ordem! Um dos participantes do encontro (de outro

    Terreiro), depois de exprimir-se assim, alegou que os representantes da Casa Branca

    deveriam ser os primeiros a se apresentar, porquanto deveria ser usado o critrio de

    antiguidade. Todos se puseram de acordo: aquele Terreiro era o mais antigo... Assim

    se procedeu, e os representantes da Casa se apresentaram como de nao Ketu,

    seguidos de outros de nao Angolae ainda de nao Jeje...

    Alm disso, ficou logo evidente que, para alguns assuntos especficos de carter

    estritamente religioso, os presentes no referido encontro (com raras excees,

    expressas por lderes de um movimento de recuperao das tradies angola)

    tomavam como referncia s posies dos representantes da Casa. Era um momento

    pblico em que se reconhecia em um grupo focal de lderes de candombl15que a

    Casa Branca do Engenho Velho da Federao era de naoKetu, e era considerada a

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    tamanho... mas tambm de prestgio e idade. A Casa era contada entre os grandes

    e como a mais antiga. Outras (vrias) reunies desse Projeto vieram a confirmar essas

    constataes16.

    Em uma de tais oportunidades, pude ouvir uma das representantes do Terreiro do

    Engenho Velho referir-se ao povo da Casa, como quem usa uma gria baiana para

    grupo ou pessoal. Interroguei-a, pensando ter ela usado a palavra povo em

    outro sentido, mais ligado a nao. Imediatamente ela me corrigiu, dizendo que

    falava das pessoas ligada Casa; mas acrescentou que Ketu nossa nao, somos

    povodeKetu (ouAra Ketu,se usarmos a sua linguagem de culto).

    A essa altura, eu ainda entrevia um cenrio coberto por alguns vus. Algumas

    perguntas encontraram respostas, e outras acorreram, vindo a seu encalo.

    Desde o meu primeiro encontro com a Casa at ento, ela se tornara muito mais que

    um endereo... Em uma sntese de impresses poderia dizer:

    - O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho da Federao um centro de

    culto religioso de candombl da naoKetu. A sua localizao na Avenida

    Vasco da Gama, 463, em Salvador, se d em meio a uma populao de baixa

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    renda, a qual habita as encostas de um vale. s festas pblicas desse centro de

    culto acorrem pessoas da Grande Salvador e de fora do Estado da Bahia,

    podendo at mesmo vir de fora do Brasil. Os freqentadores e participantes,

    em geral, so de maioria quase absoluta negra, ou negro-mestia, e entre eles

    sempre se pode encontrar lderes religiosos de outros Terreiros, at mesmo de

    outras naes(comoJeje eAngola). O Terreiro delimita um permetro no qual

    se inserem moradores permanentes, casas de ocupantes temporrios (em poca

    de festas) e monumentos sagrados dedicados a divindades. Nem todos os

    moradores do permetro so fiis do candombl, o que se pode perceber

    atravs do emprego diacrtico do termo comunidade, usado para diferenciar

    os moradores adeptos dos outros. A direo do Terreiro tambm chamado

    de Casa por seus fiis mais prximos exercida por um grupo de

    sacerdotes, mulheres e homens, com preeminncia ritual das mulheres em

    que a me-de-santo a lder mxima. O grupo de fiis, no qual se incluem osusurios dos servios religiosos e todos os membros do grupo sacerdotal,

    compem o grupo eclesial (lato sensu) do Terreiro. No entanto, somente a sua

    frao sacerdotal (incluindo os candidatos ritualmente indicados) mais

    propriamente chamada de famlia; na estruturao desta famlia, tem um

    papel decisivo o tabu dos segredos em torno das atividades rituais... A Casa

    reconhecida, em meio comunidade mais abrangente do conjunto de

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    Quando cheguei a este ponto, ainda no me era possvel arriscar alguns porqus.

    Afinal, que histria estaria por trs de tanta dignidade simblica atribuda quela

    Casa? Donde lhe viria ostatusde patrimnio histrico e etnogrfico, que uma

    placa, na entrada de seu terreno, apontava aos visitantes? O que significava mesmo ser

    de nao Ketu? Por que uma rea delimitada em uma Avenida de casas comerciais

    era inesperadamente (para a lgica daquela implantao urbana) ocupada por um

    grupo eclesial de gente de baixa renda? Que formas jurdicas assumiam todas aquelas

    relaes? E, enfim, como as notcias de suas festas atingiam a tantos, e to distantes?

    Que crculos de comunicao eram mobilizados? E os representantes de outros

    Terreiros que at ali acorriam, que a freqentavam, que vnculos mantinham com a

    Casa, ou que vnculos a Casa mantinha com eles?

    Outros olhares se faziam necessrios para dar conta de tantas interrogaes. Apesquisa na literatura histrica e antropolgica, e em documentos oficiais, se fazia

    necessria. Porm, mais que isso, eu carecia de depoimentos dos integrantes daquele

    grupo eclesial. Informaes que ajudassem a reinterpretar, em termos atuais, a prpria

    literatura etnogrfica sobre o templo do Engenho Velho.

    5 PATRIMNIO DE SO JORGE

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    Na esfera civil, o Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho representado pelaSOCIEDADE SO JORGE DO ENGENHO VELHO, fundada a 25 de julho de 1943 eregistrada (em 2 de maio de 1945) sob o nmero 518, no Cartrio de Ttulos eDocumentos, com o nome de SOCIEDADE BENEFICENTE E RECREATIVA SO

    JORGE DO ENGENHO VELHO. Esta entidade foi registrada, tambm, noDepartamento das Municipalidades, sob o nmero 428, s folhas 155 do Livro deRegistro, na forma do disposto no artigo stimo do Decreto Municipal 16521 (de 28de junho de 1956); preencheu as formalidades previstas no artigo quarto do referidoDecreto em 21 de agosto de 1958. Foi declarada de utilidade pblica municipalpeloDecreto 759 de 31 de dezembro de 195917.Tem sede no prprio Terreiro da CasaBranca do Engenho Velho (Avenida Vasco da Gama, 463). Em abril de 1999, umaAssemblia Geral alterou o Estatuto da que at ento se chamara Sociedade

    Beneficente e Recreativa So Jorge do Engenho Velho e passou a denominar-seSOCIEDADE SO JORGE DO ENGENHO VELHO. O primeiro Presidente destaSociedade foi o Sr. Joo Capistrano Pires Dias. Seu atual Presidente o Sr. AntonioAgnelo Pereira. A Ialorix do Terreiro da Casa Branca tambm a SupremaDirigente da Sociedade So Jorge do Engenho Velho. Tem hoje este cargo aVenervel Altamira Ceclia dos Santos. A Sociedade So Jorge do Engenho Velhono tem fins lucrativos e tem por finalidade, de acordo com seus Estatutos (Art. 1o.),

    ... manter ritos e preceitos do Culto dos Orixs segundo a liturgia naginstituda pelos fundadores do Il Ax Iy Nass Ok; defender os direitos einteresses da comunidade religiosa do Il Ax Iy Nass Ok,tradicionalmente designada como Egb Iy Nass Ok.

    O conjunto monumental do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho constitui umpatrimnio por cuja preservao a Sociedade S. Jorge do Engenho Velho se obriga azelar. O imvel que corresponde ao Il Ax encerra uma rea de 7. 184, 38 metrosquadrados que, segundo consta de Escritura lavrada pelo Tabelionato do VI Ofcio de

    Notas (Livro 573, folhas 02-4), foi desapropriada pela Prefeitura Municipal doSalvador e doada Sociedade Beneficente e Recreativa So Jorge do Engenho Velho,em virtude do disposto no Decreto Municipal nmero 7.321 de 05 de junho de 1985,publicado no Dirio Oficial do Estado da Bahia em 08 e 09/11/85, retificado peloDecreto Municipal de nmero 7.402, de 16/10/85, tambm publicado pelo DirioOficial deste Estado. A desapropriao e a doao do terreno em apreo tiveram comofinalidade, explcita nos referidos decretos, a preservao e conservao do acervocultural do stio de valor histrico e etnogrfico do Il Ax Iy Nass Ok, Terreiro

    da Casa Branca do Engenho Velho.

    Soma-se referida uma outra rea de 1316 metros quadrados (a Praa de Oxum)tambm integrante do Terreiro. O imvel como um todo goza de imunidade fiscal porfora do Decreto Municipal nmero 6666, de 08 de setembro de 1982, retificado peloDecreto Municipal 6830 de 17 de dezembro de 1982

    O T i d C B d E h V lh f i b d l I

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    O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho foi tombado pelo INSTITUTO DOPATRIMNIO ARTSTICO E CULTURAL, rgo do Ministrio da Cultura, atravs doProcesso nmero 1.067-T-82, Inscrio nmero 93, Livro Arqueolgico, Etnogrficoe Paisagstico, fls. 43, e Inscrio nmero 504, Livro Histrico, fls. 92. Data: 14. VIII.

    1986. Este tombamento teve lugar em 31 de maio de 1984 e foi homologado em 27 dejunho de 1986 pelo ento Ministro da Cultura, Celso Monteiro Furtado, nos termos daLei nmero 6292, de 15 de dezembro de 1975, e para os efeitos do Decreto-Leinmero 25, de 30 de novembro de 1937.

    Atravs do Decreto nmero 292 de 08 de setembro de 1987, o Governador do Estadoda Bahia, Waldir Pires, declarou de utilidade pblica, para fins de desapropriao, oposto de gasolina de numerao 459 da Avenida Vasco da Gama, com uma rea de

    terreno de 1.316 metros quadrados, especificando no Pargrafo nico do ArtigoPrimeiro desse decreto que a expropriao da rea a descrita visava preservao econservao do stio de valor histrico e etnogrfico do Il Ax Iy Nass Ok Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, bem como a devoluo da reahistoricamente ocupada pelo Terreiro. Efetuada a desapropriao, o posto de gasolinaque a fora edificado em 1970, foi demolido em 1989, e a rea respectiva foiincorporada ao Il Ax Iy Nass Ok, reintegrando-se Praa de Oxum. O Projetode urbanizao da Praa de Oxumfoi feito pelo arquiteto Carlos Niemeyer, que opresenteou Sociedade So Jorge do Engenho Velho.

    O terreno do Il Ax Iy Nass Ok acha-se demarcado, com limites definidos eespecificados em legislao que diz respeito ASRE onde se encerra, com plantas delocalizao e situao, levantamento planialtimtrico, planta baixa de seu monumentoprincipal (oBarraco). A rea foi ainda objeto de estudos etnobotnicos conduzidospor uma equipe tcnica da Universidade Federal da Bahia [(cf. PACHECO, 1999);ver tambm Laudo Etnobotnico em anexo].

    O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho foi reconhecido pelas autoridadesconstitudas da Unio, do Estado da Bahia, e do municpio de Salvador, umverdadeiro templo religioso e um conjunto monumental digno de preservao. A LeiMunicipal nmero 6. 830, de 4 de janeiro de 1983, conferiu ao stio do referidoTerreiro imunidade fiscal. O Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho obteve assimum pleno reconhecimento oficial do seu estatuto de templo e de seu valor depatrimnio histrico, de monumento digno de preservao por sua importncia para aCidade do Salvador, o Estado da Bahia e o Brasil. Diplomas legais, documentos

    histricos, etno-histricos e etnogrficos comprovam esses fatos, constatados tambmdiretamente na percia que os confirma.

    Este trecho parte de um laudo elaborado pelo Professor Doutor Ordep Serra, laudo

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    ...

    No ano de 1943, a Casa optara por ter uma representao civil. Em anos anteriores,

    as formas de relao com a ordem legal vigente seguiam outros meios, menos

    formais. A instituio de uma sociedade civil, a atual So Jorge do Engenho Velho,

    significou um processo de maturao da autoconfiana interna do grupo eclesial, a

    ponto de este sentir-se encorajado a se afirmar, reclamando espao em um contexto

    institucional de (ensejada) liberdade religiosa. Isto porque, mesmo aps as garantias

    legais da Constituio de 1934, a perseguio policial aos candombls da Bahia

    apenas diminura, no terminara, conforme veio lembrar-me o depoimento de um

    velho presidente da Sociedade, a quem se deve a iniciativa de diversas campanhas de

    defesa do candombl baiano, em uma longa militncia.

    Reporto-me ao momento da colheita de um testemunho precioso. OElemax,

    sacerdote mximo do culto a Oxalda Casa, OganAntnio Agnelo Pereira,

    recordava, ao falar-me, muitas de suas lutas em defesa do culto dos Orixs, entre os

    relatos que ainda habitavam sua memria (debilitado que estava fisicamente por um

    derrame); ele era ainda capaz de evocar sua entrada para a Polcia a fim de atenuar,

    li i l tit d i t C F l d t d d

    alegremente dos incmodos que causava aos apresentadores de rdio e outros que lhe

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    alegremente, dos incmodos que causava aos apresentadores de rdio e outros que lhe

    perguntavam que que o senhor, branquinho, tem a ver com essa gente? Como que

    o senhor sabe tanto?... Eu sou de l, eu estudei respondia oElemax(de posse

    desse cargo desde 1947). Falar da Casa, da Vasco da Gama do tempo do bonde, e

    de diversas articulaes poltico-religiosas em que esteve envolvido, era algo que

    ligava esse homem vida (precariamente vivida ento, em casa, na cama de seu

    quarto), deixando-o com um brilho mido nos olhos... Mas nenhuma histria o

    emocionava tanto quanto a que ele chamava de luta do posto.

    Nada incomodara tanto a esse representante civil da comunidade eclesial quanto a

    instalao de um posto de gasolina na rea frontal do Terreiro, no ano de 1970. Todo

    o terreno doIl Ax(de quase um hectare) fora mantido como arrendamento durante

    anos sucessivos, desde a dcada de 1850. A rea onde toda a terra de a Oxssie a

    casa grande deXang (conforme ele e todos os da Casa repetiam e repetem),

    confinava com a margem direita do Rio Lucaia, e compreendia, na parte plana do

    terreno, um espao que se estendia desde a fonte hoje protegida por uma pequena

    edificao at o dito rio: um espao dedicado ao OrixOxum.

    O suposto proprietrio das terras, seu arrendador, conforme as palavras doElemax,

    instalou revelia da Casa, com a conivncia das autoridades, um posto de gasolina

    corresponde ao assentamento do Orix Dak ou Dank Mais adiante se encontrar

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    corresponde ao assentamentodo OrixDak, ouDank.Mais adiante se encontrar

    uma descrio do stio todo, como hojeele se acha estruturado).

    A praa atual foi construda na rea do posto, aps uma longa luta de retomada,

    confrontando uma estratgia de expropriao arquitetada pelo arrendador do terreno

    doIl Ax. J de posse do posto de gasolina, segundo relata o OganAgnelo, o

    arrendador me chamou a um escritrio no Rio Vermelho para ver os planos de um

    conjunto habitacional que queria fazer na rea [...]. Fiquei besta de ver, acabava com

    tudo, e ficava s a casa do Barraco para o candombl. Era um plano ousado e foi

    preciso ousadia para enfrent-lo.

    As mobilizaes que se seguiram em torno da Sociedade So Jorge do Engenho

    Velho, desde o primeiro ano da dcada de 1980, visavam a garantir e preservar a rea

    do Terreiro. Foram mobilizados apoios de toda ordem. Articulaes no meio do

    candombl, nos meios polticos, intelectuais, artsticos... A campanha encontrava eco

    na sociedade e todas as iniciativas visavam garantia da integridade do Terreiro.

    Assim se deve compreender o conjunto de esforos e medidas adotadas, medidas

    estratgicas que fomentaram o progressivo desinteresse comercial pela rea,

    viabilizando economicamente a desapropriao, e sua re-significao como um

    Patrimnio Histrico e Etnogrfico do Brasil.

    REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Estado da Bahia

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    DIRIO

    OFICIAL

    ANO LXXII SALVADOR QUINTA-FE1RA, 10 DE SETEMBRO DE 1987 N. 13.687

    Waldir com a me-de-santo: o abrao da gratido e do reconhecimento... ... a quem devolveu a Casa Branca seu espao sagrado perdido h muitos anos

    O ax da Casa Branca a Waldirvisa " preservao do stio de valorhistrico e etnogrfico do Il Ax lyNass Ok, conhecido como TerreiroCasa Branca, bem como a devoluo darea historicamente ocupada pelo terreiro.

    que por isso de h muito vinha sendoreivindicada pelos seguidores da religio.

    Mes e filhas de santo do Terreiro CasaBranca (Il Ax ly Nass Ok) e assacerdotizas Juliana Silva Barana,Maria da Conceio Azevedo eMargarida da Anunciao, em nome daialorix Altamira Ceclia dos Santos,estiveram ontem tarde no Palcio daAclamao, para agradecer aogovernador Waldir Pires a

    desapropriao de um terreno ondehoje funciona um posto de gasolina, naAvenida Vasco da Gama, rea deinfluncia daquele templo de culto afro.

    O governador ao ler o decreto, salientouque estava dado o primeiro passo para quea Casa Branca venha a ter a expresso e oapreo da Bahia e do pas em v-laintegrada ao espao que lhe era devido.Segundo Agnelo Pereira, a comissodesignada pela ialorix Altamira Cecliafoi transmitir ao governador o agradeci-mento pelo resgate da praa de oxum,revelando que a iala Caetana Sauzerenviou mensagem do deus da advinhaopara dizer a Waldir que seu ato era corretoe estava previsto que antes que o temploda Casa Branca tombasse apareceriam ossalvadores daquele territrio sagrado.

    A Secretaria da Cultura ficouautorizada a promover a efetivao dadesapropriao da rea, de acordo com alegislao federal vigente. O Terreiro

    Casa Branca o primeiro monumento deculto afro tombado no Brasil, decisotomada em 1984 numa reunio doConselho Consultivo da Secretaria doPatrimnio Histrico e Artstico Nacional(SPHAN). Segundo os pesquisadores, oterreiro existe h cerca de 150 a 200 anos.El t id d K t lt

    Waldir Pires foi saudado pelo presidentedo terreiro, Antnio Agnelo Pereira, quemanifestou a satisfao dos membros da

    A i d d i

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    Outros personagens, mais e menos ilustres, poderiam ser citados nessa luta, mas a

    imprensa e a memria da Casa j tratou de lembr-los. Detive-me no presidente da

    Sociedade, que tinha sua moradia na casa beira do porto, ao lado do barco de

    cimento (singular santurio de Oxum, chamado Ok Iluai). Ali situada, esta moradia

    encarna a prpria histria de seu antigo habitante, lder das relaes da Casa com as

    instncias pblicas, institucionais e polticas. Assim como se fora o porteiro, ou a

    linha de frente, do Terreiro, em suas conexes com a sociedade envolvente19.

    A estranha relao que me intrigara, daquele espao com a Avenida Vasco da Gama,

    se explicava. Um trecho de assentamento expropriado para fins comerciais (segundo a

    lgica manifesta nos dados sobre a histria da Avenida20), e ocupado por um posto de

    gasolina, condizia com a paisagem esperada por um olhar inadvertido... O espao

    plano reincorporado ao trecho de encosta conexo, preservado, este, em seu uso mais

    antigo, era de fato um enclave, um monumento da luta de moradores do alto do vale

    pela reconquista de um endereo na rua (na avenida): um espao deles, antes

    expropriado. Afirmao de uma conquista no plano material, de uma luta histrica

    atualizada na dcada de 1980, mas j antes efetuada no plano simblico.

    ...

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    O ato de inaugurao da Praa de Oxum, quando de seu resgate, atualizou um

    simbolismo da Casa, convalidou sua importncia no meio do candombl baiano.

    Constituiu uma referncia decisiva. OutrosEgb, contados entre os mais antigos, se

    fizeram presentes, conforme testemunho vivo de muitos membros do Engenho Velho.

    Nessa festa da Praa de Oxum, os Terreiros do Gantoise doIl Ax Op Afonj, em

    particular, reconheceram a maternidade e o lugar da Casa como primeiro

    candombl deKetuda Bahia21Essa referncia a mesma que, procedente da

    etnografia, corroborara o tombamento da Casa como monumento negro, no

    processo de luta referido...

    Mas que testemunhos a etnografia reservara ao TerreiroIl Ax Iy Nass Ok?

    como esperava. A leitura de documentos e de um trecho da histria recente da

    Casa me permitira compreender muitos aspectos de sua existncia hoje,

    principalmente as configuraes de seu espao atual. A mesma histria evidenciou a

    capacidade daquele grupo de estender-se para alm dos limites estritamente religiosos,

    afirmando-se na esfera poltica, e alm... No revela, no entanto, as estratgias do

    hierarquia... Manifesta esta lgica a atitude da me-de-santo, que encaminha a maior

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    parte dos assuntos no religiosos atinentes ao Terreiro Presidncia da Sociedade

    Civil So Jorge do Engenho Velho.

    ...

    Entre as coisas que revelara, a leitura do estatuto da sociedade trouxe-me uma dvida.

    O que era aquela referncia liturgia nag instituda pelos fundadores? Nos

    depoimentos de membros da Casa, encontrei sempre a auto-atribuio do rtulo de

    [gente da] naoKetu. O que justificaria aquela referncia liturgia nag? Seria

    uma atribuio externa, frmula de emprego em domnio pblico, que ali, no estatuto,

    servia como operadora de um reconhecimento?...

    A literatura etnogrfica poderia ajudar a elucidar melhor esse ponto... Quem sabe, ao

    menos, explicitar melhor o valor simblico-histrico daquela Casa e de sua auto-

    atribuda pertena naoKetu e suas ligaes com a dita liturgia nag.

    6 ESCRITOS SOBRE A CASA E SUA NAO

    poucos estudos sobre o to referido Terreiro. Quanto a isso, pode-se destacar, na

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    primeira extremidade, o clssico trabalho de Bastide (BASTIDE, 1961), ao menos em

    parte referenciado a ele e, na outra ponta, os estudos de Silveira (SILVEIRA, 2000);

    no meio, contamos apenas (alm do laudo j citado e dos documentos do PROJETO

    MAMNBA (PREFEITURA, 1981)) com os dados de trabalhos como o Relatrio do

    Projeto Iy Nassda UFBA (PACHECO, op. cit.) e do Projeto EGB - Territrio

    Negrosde KOINONIA, ainda inditos, aos quais tive acesso.

    As referncias Casa (ou ao Candombl da Barroquinha, de que ela a

    continuadora reconhecida) como origem de outros grandes Terreiros confirmada

    formalmente na literatura, na qual no falta referncia aos casos exemplares das

    iniciaes daIalorixMaria Jlia da Conceio Nazar, fundadora do Terreiro do

    Gantois, e da Ialorix Eugnia Ana dos Santos, fundadora do Ax Op Afonj.

    (CARNEIRO, 1979; SANTOS, 1993). Muitos outros terreiros, no apenas da Bahia,

    mas tambm do Rio de Janeiro, de So Paulo e de outras partes do Brasil, originaram-

    se da mesma matriz, da Casa Branca do Engenho Velho. Edson Carneiro (op. cit.: 63)

    chegou a dizer que deste Il Ax se originaram, de um modo ou de outro, todos os

    demais terreiros de candombl. No h pesquisa to vasta sobre o candombl no

    Brasil, de modo que cabe reconhecer grande exagero nesta afirmao; isto no nega,

    porm, a sua relevncia, visto como ela traduz um entendimento popular

    Bahia, ou sobre o candombl em geral, que no faam nenhuma referncia a esse

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    famoso Terreiro. Tentei evitar tal empresa gigantesca e buscar as abordagens

    clssicas entre as quais merecem contar-se alguns estudos recentes. Assim foi

    possvel alinhar um conjunto significativo de ttulos.

    Os trabalhos histricos de Raymundo Nina Rodrigues (NINA RODRIGUES, 1900;

    1938; 1988), embora privilegiem o Gantois, reportam-se (tambm) ao terreiro do

    Engenho Velho (da Barroquinha). Este tem um lugar central nos estudos iniciais de

    dison Carneiro (CARNEIRO, 1937; op. cit.). Disso dava testemunho, no candombl,

    o ElemaxAntnio Agnelo Pereira (com 78 anos, quando o entrevistei) segundo o

    qual esses estudos estiveram referenciados a observaes feitas na convivncia com

    a Casa, que o doutor dison freqentou, antes mesmo de ligar-se mais a Aninha

    (referncia a Me Aninha, Eugnia Ana dos Santos, fundadora do Ax Op

    Afonj)22. Somam-se s citadas as obras de Pierre Verger (VERGER, 1957; 1987),

    oriundas de estudos feitos entre frica e Bahia, em que as referncias baianas

    remetem obrigatoriamente ao Il Ax Op Afonj e s mesmas origens remotas da

    Casa Branca; e as obras de Vivaldo da Costa Lima (COSTA LIMA, 1966; 1976;

    1977; 1984) voltadas para o estudo de uma tradio histrica dos candombls

    gestados na Bahia, lanando mo do conceito de naes e retomando, e atualizando,

    a noo de matriz jeje-nag, proposta por Raymundo Nina Rodrigues23.

    O mesmo se v no trabalho Os Nag e a Morte, de Juana Elbein dos Santos, que

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    afirma serem os grupos tradicionais (como ela significativamente diz) bem

    representados pelas comunidades agrupadas nos trs principais terreiros, lugares de

    culto Nag [...]. E continua a etnloga: Do terreiromais antigo que se conhece

    [...], o Il Iy Iy-Nass [sic: refere-se ao Il Ax Iy Nass Ok], derivaram o Il

    Oxossi nas terras conhecidas com o nome de Gantois e enfim o Ax Op Afonj

    (ELBEIN DOS SANTOS, 1986:14).

    Esta indicao expe um aspecto importante dos estudos sobre o candombl: a

    constituio de um debate em torno da existncia de um nag-centrismo ou

    etnagosmo, querendo significar viso etnocntrica do candombl na qual a forma e

    a fonte ideal de referncia seriam os cultos criados pelos negros nags. Neste debate,

    parecem inevitveis as referncias ao Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho...

    Antes de seguir, farei uma pausa para expor uma chave de leitura da etnografia do

    candombl relacionada com o tema da Casa. Pode-se estabelecer esta chave (ainda

    que alguns aspectos da problemtica pertinente fiquem de fora), em torno das

    posies assumidas quando prpria existncia de um modelo [jeje]-nag que teria

    constitudo o culto a que hoje se atribui o nome de candombl, como dois grandes

    plos. De um lado, podem ser alinhados os que defendem a idia de um modelojeje-

    nag operante nas origens, ou num certo momento das origens do candombl, e

    permite matizar a prpria constituio interna dos referidos blocos. Tentemos faz-lo

    i t t

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    sucintamente.

    Quem funda os trabalhos em torno de um modelo jeje-nag Raymundo Nina

    Rodrigues, que certamente s viu negros nagsna Bahia, seguindo, de certo modo,

    suas convices naturalistas: ele destaca esses negros com juzos de valor que

    indicariam sua superioridade em relao aos outros. Essa linha seguida, em parte,por dison Carneiro, que at v negros bantos na Bahia, mas no lhes confere

    prestgio: privilegia os nags. Esta linha, de certo modo, tambm seguida por Roger

    Bastide, principalmente em O Candombl da Bahia(BASTIDE, 1961). A expresso

    mais atual da eleio de um modelojeje-nag encontrvel nos trabalhos de Juana

    Elbein dos Santos: de seu mais importante livro extraiu-se a afirmao acima evocada,

    que remete noo de grupos tradicionais (logo, os outros seriam no-

    tradicionais) e destaca trs terreiros nags: ela confere noo de modelo nag24o

    prestgio de paradigma ou ortodoxia ideal. Este o prprio eixo de matizao do plo

    pr-jeje-nag, pois no vai ser encontrada a defesa de uma tal idia de modelo,

    diria eu, capaz de identificar o candombl mais verdadeiro, nas obras de Vivaldo da

    Costa Lima e de Ordep Serra. Costa Lima no afirma tal modelo como forma ideal;

    antes, se refere assim a um construto explicativo de evidncias empricas, no campo

    de uma taxionomia (cf. COSTA LIMA, 1977: 20). E Serra (1995: 40) explicitamente

    O outro plo de argumentao a respeito do candombl concentra aqueles que negam

    q e se de a destacar entre o tras a rele ncia de m modelo j j Entre os

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    que se deva destacar, entre outras, a relevncia de um modelo jeje-nag. Entre os

    autores mais representativos desse plo pode-se destacar Patrcia Birman (BIRMAN,

    1980), Peter Fry (FRY, 1982; 1984), Beatriz Gis Dantas

    (DANTAS,1982;1984;1988), Joclio Teles dos Santos (TELES DOS SANTOS, 1989;

    1992) e Stefania Capone (CAPONE, 1999). Como a chave de leitura aqui apresentada

    v constitudo este plo a partir da crtica que faz ao outro, a partir dos contedosdessas crticas que se lhe pode atribuir uma matizao interna. Assim, destacam-se a

    aqueles que vo alm da crtica de um etnocentrismo nag (atribuda aos outros), e

    agregam interpretao dessa idia (de um modelo de culto jeje-nag) a alegao

    de que a referida matriz litrgico-ritual s se constitui como tal a partir das

    sistematizaes dos intelectuais acadmicos25, sistematizaes essas que teriam sido

    aprendidas e usadas pelos hierarcas dos terreiros. Essa ltima formulao uma das

    mais criticadas, recentemente, nas disputas polares aqui evocadas. Alguns estudiosos

    negam veementemente a atribuio de tal gnese aos intelectuais, com argumentos

    histricos, bastante difceis de refutar (ver SERRA, op. cit.; FERRETI, 1992). A

    continuidade do debate entre esses plos poder aportar rica contribuio etnologia

    brasileira, caso ele evolua para uma boa polmica produtora de conhecimento.

    Para o estudo do candombl, o dilogo com as obras acima indicadas obrigatrio,

    etnografia brasileira ainda est a dever um trabalho especfico sobre o famoso

    Terreiro

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    Terreiro.

    A obra de Roger Bastide (BASTIDE, op. cit.) muito importante para o estudo em

    apreo, por ser o primeiro ensaio que incide sobre a Casa Branca no contexto de

    um trabalho acerca do que o autor considerou ocandomblda Bahia. Mas embora

    se trate de um clssico, esse estudo no encerra etnografia do grupo de culto daCasa.

    Como j se disse, os estudos posteriores sobre o TerreiroIy Nass Okconstituem-

    se de relatrios no publicados de pesquisas realizadas pelo Projeto MAMNBA

    (PREFEITURA, op. cit.), peloProjeto Iy Nass(PACHECO, op. cit.), peloProjeto

    Egbde KOINONIA, e pelo Projeto Ossain (SERRA, 2003), desenvolvido este pelo

    Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas Etnocientficas da Universidade Federal

    da Bahia (GIEPE/UFBA); alm desses relatrios, h o estudo recente de Renato da

    Silveira, (SILVEIRA, op. cit.) dedicado reconstituio histrica do candombl

    originado na Barroquinha, suas origens africanas, suas invenes e articulaes

    anteriores transferncia para o Engenho Velho da Federao.

    Uma viagem um tanto frustrante mergulhar em tanta produo literria que valoriza

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    Foi esclarecedor ler Vivaldo da Costa Lima (COSTA LIMA, 1977: 21). Este diz que

    os terreiros de candombl da Bahia foram fundados por africanos angolas, congos,

    jjes, nags sacerdotes e iniciados de seus antigos cultos,e que nao, antes um

    termo de conotao poltica, se transformou num conceito quase exclusivamente

    teolgico.Assim, como uma autodefinio, passaram a fazer sentido as referncias

    que os membros de tais grupos eclesiais faziam a etnnimos, especialmente o grupo

    da Casa. No entanto, a auto-referncia enunciada pelos membros do Terreiro do

    Engenho Velho, de conhecimento pblico e notrio no meio do candombl, concernia

    nao Ketu. Socorri-me de novo do professor Vivaldo (COSTA LIMA, op.

    cit.:22): este afirma que, dentre os iorubs-nags,

    ... nao Ketu passou a significar o rito de todos os nags...

    Em suma: a autodesignao da famlia da Casa remete a uma matriz teolgica

    prpria, a que se refere seu culto, e d conta do seu empenho em ligar-se a um

    passado africano. A impreciso no esconde a conexo da auto-referncia cifrada no

    rtulo em apreo (naoKetu) a um lugar histrica e geograficamente determinado,

    ou seja, a Ketu Il, antiga cidade capital de Estado africana de onde (claro que no

    apenas de l) aportaram na Bahia dos sculos XVIII e XIX diversos negros

    cidades-Estado nags(e, certamente, naesdistintas poderiam ser citadas),

    mantm-se ativo na etnografia especializada, desde dison Carneiro, passando por

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    mantm se ativo na etnografia especializada, desde dison Carneiro, passando por

    Pierre Verger e Vivaldo da Costa Lima, entre outros. Este ltimo tenta dar a tal

    problemtica outras explicaes menos preconceituosas (como deduzo do intento de

    sua crtica a Carneiro) e menos apologticas (como se infere de sua crtica a Verger).

    Mais que reproduzir esse debate, na viagem de compreenses que procurei ir

    acumulando, as indicaes de Costa Lima sobre as origens da Casa e sua remisso aKetufoi o que desde logo me interessou. Assim eu resumiria o que, na literatura

    etnogrfica pertinente, coincide com as informaes por mim obtidas em conversas

    que travei no Terreiro:

    OIl Ax Iy Nass Oktem este nome devido fundao deste templo por

    IY NASS,que teria tido, para isso, a ajuda de outras sacerdotisas, vindas de

    KETU: IY ADET eIY ACAL, e de um sacerdote ligado aos cultos de

    XANG e de IF, que tinha o ttulo de BAMBOX OBITIK (cf.

    CARNEIRO, 1979). As razes msticas do Terreiro da Casa Branca do

    Engenho Velho o ligam, portanto, com as antigas cidades africanas (iorubanas)

    deKETUe de OI.KETU consagrada a OXSSI, considerado o fundador

    da dinastia ioruba que a reinou, o seu primeiro soberano (Alaketu). Esta antiga

    cidade iorubana fica hoje na Repblica do Benin, perto da fronteira com a

    primeiramente, na Barroquinha (Centro Histrico de Salvador), mas veio a ser

    transferido, tempos depois, para o lugar conhecido, naquela poca, como a

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    , p p , p g , q p ,

    Roa do Engenho Velho (sita no Caminho do Rio Vermelho; ver, a propsito,

    CARNEIRO, op. cit.), onde se encontra at hoje. Conforme as informaes

    vigentes no Terreiro, a primeiraIalorixda Casa foiIy Nass, sucedida por

    Iy Marcelina da Silva, Ob Tossi. Depois, veio a Iy Maria Jlia

    Figueiredo, Omoniqu, sucedida por IyUrsulina Maria de Figueiredo. Aesta sucedeu, por sua vez, Iy Maximiana Maria da Conceio (Oin

    Funqu). Seguiu-se-lhe Iy Maria Deolinda Gomes dos Santos (Ok),

    sucedida pelaIyMarieta Vitria Cardoso, (Oxum Niqu), cuja sucessora a

    atual Ialorix da Casa, a Venervel Altamira Ceclia dos Santos, Oxum

    Tominw (cf. COSTA LIMA, op. cit.; SERRA, 1995).

    Essas informaes podem estar assentadas nas areias da praia do mito de

    origem28, banhadas por algumas ondas de informaes verificveis na histria.

    De qualquer modo, so contedos que constituem simbolicamente um aspecto

    importante da auto-imagem do grupo eclesial que estou focalizando. Destarte

    que se pode inferir a sua fora e significado... Como, de resto, o de qualquer

    genealogia: importa menos sua exatido factual que sua mtica fora constituinte

    de uma identidade.

    importncia at mesmo nacional da Casa e sua nao, e organizar um conjunto

    complementar de dados sobre sua genealogia, ainda no fora possvel compreender

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    p g g p p

    mecanismos de informao, divulgao e multiplicao de um grupo eclesial que

    estava longe de possuir condies materiais bvias de comunicao, intercmbio e

    poder. Ou seja, no parecia que recursos financeiros (dadas as condies atuais do

    grupo eclesial e as condies histricas de vida dos negros baianos, limitadas por

    muitas carncias) viabilizassem os processos que se reproduziram por tanto tempo, athoje.

    ...

    O encontro com Renato da Silveira tornou-se para mim um marco. Pude entrevistar

    esse autor, de quem obtive uma verso preliminar de um trabalho em construo, cujo

    objetivo traar, de um modo bem concatenado, o processo histrico de conformao

    do candombl da Barroquinha. Antes de encontr-lo e receber esse texto, li uma sua

    verso resumida (SILVEIRA, 2000); mas a verso ampliada, comparada com o que h

    sobre o tema, causou-me a impresso de uma obra definitiva (SILVEIRA, 2001).

    Tenho certeza de que, quando for concluda, a dita obra se tornar referncia

    obrigatria para quem quiser saber alguma coisa sobre a Casa do Engenho Velho.

    horizonte dela. Foi especialmente o aspecto poltico dos fenmenos focalizados por

    Silveira que me interessou: a meus olhos, sua anlise erigiu robustas hipteses quanto

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    articulao negro-baiana em torno do candombl, especialmente o Candombl da

    Barroquinha. Porm algumas dessas hipteses, mais referenciadas em intuies

    pertinentes ao campo teolgico (mtico, simblico), e algumas poucas relativas ao

    aspecto poltico da etno-histria em apreo, merecem reconsiderao, e mesmo

    ajustes, que procurei fazer especialmente incorporando aportes do trabalho de Luis

    Nicolau Pars (NICOLAU, 2002).

    Vou fazer uma breve resenha do ensaio de Silveira, acrescida das crticas eventuais de

    Nicolau, coisa que me permitir tambm tomar posio quanto etnografia pertinente

    ao assunto.

    7 NEGROS BARROCOS NA BARROQUINHA DEIY NASS30

    Perodo caracterizado por uma atmosfera artstica e cultural carregada de

    conflitos entre o espiritual e o temporal, entre o mstico e o terreno Barroco,

    sendo Barroco Brasileiro: sc XVII, XVIII, E INCIO DO XIX(HOLLANDA

    FERREIRA, 1986).

    A Bahia conheceu, no sculo XVIII, uma virada no trfico de escravos. Do conjunto

    Brasil. Foram essas pessoas que, aqui se reorganizando em meio a uma colnia

    escravocrata, fizeram a fantstica histria ancestral baiana doIl Ax Iy Nass Ok.

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    Conhecer a gnese da Casa Branca conhecer tais origens... Quem eram aqueles

    homens da Costa da Mina? Por que se destacaram eles dos angolas, em um

    contexto que antes os reunia? Estabeleceram algum marco histrico especfico?

    O que e quem, afinal, a igrejinha da Nossa Senhora da Barroquinha

    acobertava?...

    A variedade tnica da populao que, na mencionada regio africana, foi submetida

    escravido no se pode deduzir dos limitados registros dos traficantes, que os

    classificavam genrica e principalmente em dagoms, jejes e minas. Na

    verdade, eram muitos povos distintos, de uma regio onde j se registrou mais de 57

    dialetos (na reagbe31); ainda assim, eram povos em sua maioria capazes de

    comunicar-se uns com os outros, pois falavam lnguas semelhantes,pertencentes

    grande famlia lingstica Niger-kordofaniana, subdiviso do grupo Niger-congo(op.

    cit.:26).

    Em uma mesma e extensa regio, portanto, grandes grupos tnicos constituram

    territrios: o caso dos adj-ewou gbe (jeje na Bahia), que tinham osiorubaa

    leste e os akansa oeste. Esse complexo cultural onde se destacavam os referidos

    povos situava-se na regio ocidental da frica, sobretudo em territrios das hoje

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    repblicas de Gana e Nigria,rea

    ocupada por [...] reinos independentes, a maioria de pequeno porte, os

    maiores sendo os reinos de Allad, mais para o interior (que nos mapas

    antigos aparece s vezes com o nome de Ardra ou Ardres), e Uid

    (Whydah para os ingleses, Ouidah para os franceses e Ajud ou Jud paraos portugueses), na regio costeira. (SILVEIRA, op. cit.:26)

    Esses reinos, matrizes histricas do candombljeje, somados s influncias de

    interao (cultural e de guerras) com o Reino de Oi, vieram a ser matrizes culturais

    de tradies teolgicas que iriam configurar-se no candomblcomojeje-nag, ioruba-

    tap,Efan(Ef) e ijex.

    A dispora negra, na Bahia, acabou por abrigar toda a diversidade dessa migrao.

    Organizaes tradicionais que se reconstituram na clandestinidade escravocrata,

    dirigidas por uma lgica de poder e territorialidade, gestadas com estruturas similares

    s africanas, foram capazes de criar, em torno daIrmandade do Senhor Bom Jesus dosMartrios, numa igrejinha na Barroquinha, um candombl, centro de articulao e

    recriao de uma unidade daquela diversidade.

    A histria da irmandade dos Martrios32est intimamente ligada cobertura

    institucional ou formal necessria ao abrigo do candombl que se criava na

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    Barroquinha onde, por quase um sculo, um egbse constituiu e funcionou.

    As devoes dos negros da Costa da Mina, em Salvador, a princpio aconteciam em

    um altar lateral da Igreja de Nossa Senhora do Rosrio das Portas do Carmo; eles se

    achavam instalados de forma secundria junto aos angolas que ali dirigiam a mais

    antiga irmandade baiana de negros(op. cit.:10), a Irmandade do Rosrio dos Homens

    Pretos33. J aIrmandade do Senhor Bom Jesus dos Martrios deve ter sido fundada

    entre 1740 e 1764(op. cit.:10), ano em que o grupo dos negros da costa conseguiu

    autorizao para constitu-la e transferiu-se, daquele altar lateral, para a Barroquinha.

    Esses movimentos iniciais j revelam que no estamos diante de opes acidentais e

    casuais. A escolha de organizarem-se como irmandadeassinala uma deciso poltica

    do grupo daCosta da Mina, semelhante j tomada pelos angolas. Explico. Como

    a mim pareceu de princpio, tal organizao, canonicamente catlica, seria apenas um

    recurso para acobertar um culto de origem africana, mas a forma era tambm muito

    relevante. Existiam outros modos de articular os fiis catlicos de acordo com as leis

    da Igreja Catlica Apostlica Romana (ICAR), tais como as devoes,por exemplo.

    No entanto, as irmandadeseram grupos especiais. Para sua constituio, era

    A irmandade ou confraria era uma instituio poltica bsica na sociedade

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    colonial, uma organizao pblica plurifuncional, ou seja, tinha vrias

    funes sociais importantes, englobando vrios aspectos da representaopoltica e da assistncia social, enquanto que a devoo permaneceu

    apenas uma organizao privada. (op. cit.:15)

    Tratava-se, pois, de uma forma de articulao poltica de relaes entre um segmento

    da sociedade e o Estado Colonial. Era necessrio passar por burocracias e exigncias,

    de que aIrmandade s alcanou o pleno cumprimento em 1788.34

    Oriundos de uma regio africana onde se davam intensas atividades comerciais nas

    cidades e portos, os negros da Costa da Mina encontraram, na nova organizao, sob a

    proteo daIrmandade dos Martrios, a possibilidade de ocupar um espao tambm

    urbano, mais propcio sua tradicional vocao econmica. A exemplo daIrmandade

    do Rosrio dos Homens Pretos, referncia negro-crioula de hegemonia angolana, e

    distinguindo-se dela nesse nvel de contraste tnico, os integrantes daIrmandade dos

    Martriosbuscaram constituir-se em referncia similar, vlida para os negros que se

    entendiam em idiomas de outro tronco lingstico e tinham origem ocidental africana.

    Segundo Silveira, diferentemente de outros egressos da escravido35, eles buscaram

    aliar-se em um nico centro de culto, que consolidaria, no plano espiritual, uma

    base bem definida, aproveitando-se da experincia acumulada em anos de tradio do

    culto de multidivindades em um nico centro experincia teolgica difundida no

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    Brasil segundo os rituais de origemjeje modelo estabelecido no interior baiano e em

    provveis ncleos da atual Salvador (cf. NICOLAU, 2002:7)36.

    De acordo com os atuais sacerdotes do Engenho Velho, os fundamentos do

    candombl da Barroquinha escondiam-se em suas salas internas e em um subterrneo

    cuja entrada era ocultada por uma rvore...

    Vejamos, pois, com minhas palavras, mais um pouco da reconstruo ensaiada por

    Silveira:

    Antes da dcada de 1790, j devia haver, na Barroquinha, ritos sagrados dedicados

    aos ancestrais; a implantao defundamentos, por membros da famlia real Aro

    (como se supe) devem datar dessa dcada. Segundo as conjeturas de Silveira, as

    primeiras sacerdotisas do Reino deKetuque vieram para o Brasil acompanharam

    as meninas gmeas da famlia real, raptadas, aos 9 anos de idade, na incurso

    blica dos daomeanos aIwoy,por volta do ano de 1789. Vrios membros da dita

    famlia viviam naquela cidade natal da me doAlaketu. Devido idade das

    gmeas, embora a uma delas, Otamp Ojar, a tradio atribua o ttulo de

    fundadora do candombl doAlaketu, o rito de fundao do candombl da

    Barroquinha deve ter sido executado por alguma sacerdotisa adulta, com auxlio

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    de sacerdotes tambm adultos, integrantes do sqito que compartiu o destino

    dessas princesas37.

    - Os integrantes da famlia real deKetudevem ter dirigido o candombl da

    Barroquinha at as cercanias do ano de 1830. Nessa poca, intensificaram-se as

    migraes de escravos do reino de Oipara a Bahia, para onde, ento, teriam

    vindo duas proeminentes figuras da estrutura imperial de Oi:Iy Nasse

    Bambox Obitik. A primeira, conforme j elucidado por Costa Lima (cf. COSTA

    LIMA, 1977: 24) era a sacerdotisa doXangdo Rei:Iy Nass um titulo dado

    dama que assume tais atribuies. O segundo considerado por seus descendentes

    na Bahia como um prncipe do reino de Oi. Outra personagem dessa histria que

    poderia constar de um livro de aventuras (com toques trgicos, talvez) Marcelina

    Obatossi, que consta, na tradio oral, como a suposta proprietria do escravo, por

    ela alforriado, chamadoBambox38.

    recursos entre o poder civil e o poder religioso. Houve, portanto, uma tradio que foi trazida einfluenciou a gestao do candombl no Brasil.37Silveira baseia-se nas informaes de Costa Lima (COSTA LIMA, op. cit.) e em tradies orais, e nadeduo de que no seria possvel a responsabilidade dos ritos de fundao de um assentamento ritualserem atribudas a uma princesa de nove anos, a qual necessitaria, pois, de sacerdotes adultos a lhe

    - Os migrantes do reino de Oi, na dcada de 1830, trouxeram para a irmandade da

    Barroquinha uma disputa de poder, que se deu entre eles e os remanescentes

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    baianos da famliaAr (deKetu); desde o incio, porm, essa disputa foi decidida

    em favor dos dignitrios de Oi-Il ou, ao menos, parecem ter prevalecido a

    estratgia e o equilbrio de poderes que eles representavam39. Implementar tal

    processo poltico s foi possvel por causa das condies materiais atingidas

    por negros baianos (libertos) desse grupo40, a partir de meados do sculo

    XVIII.

    Na Bahia da segunda metade do sculo XVIII, e at meados do sculo XIX, os

    oriundos da Costa da Mina, junto com negros de outras origens, ocuparam

    importantes posies no comrcio local, praticamente garantindo a circulao de bens

    de primeira necessidade. At o governo, quando reprimiu mais fortemente a

    organizao dos negros (por volta de 1835), desistiu de intensificar a represso em

    todos os nveis, pois desorganizaria completamente o fornecimento de gneros

    alimentcios para a populao de Salvador(:73)41.

    39Para Silveira, o fato de que Oi, mesma poca, estava em pleno processo de recomposio, nafrica, e com uma estratgia de poder que inclua acordos com outros reinos, entre eles o Reino deKetu, enseja a hiptese de que, no Brasil, os lderes oriundos de Oiteriam ensaiado a mesma

    Homens e mulheres negras, libertos e libertas, compunham a liderana dos nag-

    iorubasna Bahia da poca. Prestadores de servios (como ferreiros, sapateiros etc.) e

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    comerciantes (de carne, de iguarias e de produtos oriundos da Costa da Mina, por

    exemplo), esses homens e mulheres alcanaram postos econmicos que viabilizariam

    articulaes mais ousadas: caso daIrmandade de Nosso Senhor dos Martrios. Esse

    contexto scio-econmico sustentou estratgias e sonhos. Tanto em termos de

    alforrias como na acolhida de eminentes personagens dos reinos africanos.

    Concordamos, at aqui, com o que diz Silveira sobre a histria da Irmandade do

    Senhor Bom Jesus dos Martrios, na medida em que seus registros e conjeturas

    deixam transparecer um processo conduzido de forma articulada, e com propsitos

    polticos. As intenes, as alianas e mesmo a ordenao poltico-jurdica como

    irmandadeface ao estado colonial, seguiam uma ao afirmativa de um conjunto de

    etnias marcadas na dispora com o signo da escravido, capaz de comunicar-se por

    via de algumas tradies e de idiomas de tronco lingstico comuns. Falta ainda

    compreender: que lgica e que estruturas polticas assim se gestaram, segundo

    tradies africanas, e repercutiram no Brasil?

    Torno ao estudo de Silveira, que volto a sintetizar:

    posio Oeste. Desse reino que vieram, segundo as tradies orais, as

    sacerdotisas fundadoras do Il Ax Iy Nass Ok: Iy Adet, Iy Acal

    e Iy Nass 42. Ketu-Il, fundada por Ed, o stimo Alaketu43, chegou a

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    contar, em 1851, com dez a quinze mil ha