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FERNANDA WENDT Os homens livres de cor e seus espaços de sociabilidade em Curitiba: relações com a população e com a Irmandade do Rosário, 1797 – 1820. Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica do Departamento de História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Profº. Dr. Carlos Alberto Medeiros Lima. CURITIBA 2006

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FERNANDA WENDT

Os homens livres de cor e seus espaços de sociabilidade em Curitiba:

relações com a população e com a Irmandade do Rosário, 1797 – 1820.

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica do Departamento de História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientador: Profº. Dr. Carlos Alberto Medeiros Lima.

CURITIBA 2006

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Agradeço a todos os professores da escola

até a universidade que alimentaram certezas e, mais importante, dúvidas. Especialmente ao meu orientador Carlos Lima com quem tive o privilégio de trabalhar, que me ajudou tanto nesse período de incertezas, cedeu seu tempo e suas sugestões. Todos que estiveram de alguma forma me apoiando em toda caminhada, meu companheiro Diogo Faria com quem divido há tantos anos meus devaneios, angústias, alegrias. E principalmente agradeço imensamente meus pais Marili e Luiz, pelo apoio em toda a vida, minha mãe minha razão, meu pai minha emoção.

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“não tem um, tem dois,

não tem dois, tem três,

não tem lei, tem leis,

não tem vez, tem vezes,

não tem deus, tem deuses,

não tem cor, tem cores,

não há sol a sós.”

Arnaldo Antunes – Inclassificáveis

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SUMÁRIO

Resumo _________________________________________________________________ 05

Introdução ______________________________________________________________ 06

Capítulo I. A bibliografia das relações entre escravos, libertos e livres _______________ 07

1.1.1. Senhores e escravos – posições, classes_______________________________ 08

1.1.2. Senhores e escravos – interação _____________________________________ 13

1.2.1. Escravos e outros livres ___________________________________________ 18

1.2.2. Escravos e outros livres – Igreja e Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos

Pretos de Curitiba _________________________________________________________ 20

1.3. Libertos e outros livres _____________________________________________ 22

1.4. Conclusões ______________________________________________________ 29

Capítulo II. Cruzamento entre lista do censo de Curitiba de 1797 e a lista dos mortos não

brancos de 1765 até 1820 em Curitiba e São José dos Pinhais_______________________ 31

2.1. Indivíduos e fogos encontrados no cruzamento das listas – narrativa de casos __ 32

2.2. Indivíduos e fogos encontrados no cruzamento das listas – análise dos dados e dos

casos 34

Tabela 1. Domicílios dos confrades encontrados comparados aos fogos de

Curitiba – 1797 ___________________________________________________________ 36

Tabela 2. Domicílios do Bairro de Tinguiquera______________________________ 37

Capítulo III. Processos civis e judiciais de Curitiba e São José dos Pinhais entre 1797

e 1815 __________________________________________________________________ 38

3.1. Processos – narrativa de casos _______________________________________ 40

3.1.1. Dos processos que contém escravos _________________________________ 41

3.1.2. Dos processos que contém forros____________________________________ 45

3.1.3. Dos processos que contém não-brancos ______________________________ 49

3.2. Processos – análise dos casos e indivíduos _____________________________ 51

Tabela 3. Dados gerais sobre os integrantes dos processos – cores e condições ____ 55

Tabela 4. Dados gerais sobre os integrantes dos processos – naturalidades ________ 55

Tabela 5. Dados gerais sobre os integrantes dos processos – ocupações___________ 56

Tabela 6. Dados gerais sobre os 18 forros que aparecem nos processos ___________ 57

Tabela 7. Dados sobre os tipos dos processos _______________________________ 57

Conclusão ______________________________________________________________ 58

Fontes __________________________________________________________________ 60

Referências bibliográficas__________________________________________________ 61

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RESUMO

O objetivo desta monografia é delinear espaços em que o homem de cor escravo, liberto

ou livre se relacionava com outros atores sociais e entre indivíduos de mesma cor ou condição na Curitiba de 1797 a 1820. Analisando confrades da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Curitiba e seus domicílios, baseando essas conclusões no cruzamento nominativo entre a lista de óbitos de Curitiba de 1765 a 1820 do Arquivo da Catedral Cúria Metropolitana de Curitiba e, a lista do censo dos habitantes de Curitiba de 1797 do Arquivo do Estado de São Paulo1. Detalhando também processos civis e jurídicos que possuem não-brancos fazendo parte ativa, de Curitiba e São José dos Pinhais do Arquivo Público do Estado do Paraná, do período entre 1797 a 1815, observando interações, contatos, entre classes e cores, procurando situações e relações espontâneas aquém de visões romanceadas ou marginais. Para tal usando novas correntes de pesquisa que atentam para a autonomia, como em Helena P. T. Machado e João José Reis, o cotidiano, em Maria Odila Leite da Silva e Robert Slenes, e a formação da identidade, em Russel-Wood e Carlos Lima.

Palavras-chave: Homens de cor, espaços de sociabilidade, autonomia e Irmandade do

Rosário.

1 Cópia microfilmada pertencente ao DEHIS/UFPR.

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INTRODUÇÃO

O objetivo desta monografia é delinear espaços em que o homem de cor escravo, liberto

ou livre se relacionava com outros atores sociais e entre indivíduos de mesma cor ou condição

na Curitiba de 1797 a 1820. Escolhendo dois espaços para serem tratados: a Irmandade de

Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Curitiba e a própria sociedade local do período, para

tanto procedemos a cruzamento entre listas de óbitos e censo, leitura de processos civis e

judiciais.

Para trabalharmos essas informações escolhemos construir uma revisão bibliográfica no

primeiro capítulo com alguns autores e conceitos que achamos devidos ao tema, a discussão

da autonomia em Helena P. T. Machado e João José Reis, o cotidiano, em Maria Odila Leite

da Silva e Robert Slenes, e a formação da identidade, em Russel-Wood e Carlos Lima.

No segundo capítulo, delineando o perfil de confrades da Irmandade de Nossa Senhora

do Rosário dos Pretos de Curitiba e de seus domicílios, baseando essas conclusões no

cruzamento nominativo entre a lista de óbitos de Curitiba de 1765 a 1820 do Arquivo da

Catedral Cúria Metropolitana de Curitiba e, a lista do censo dos habitantes de Curitiba de

1797 do Arquivo do Estado de São Paulo2, analisando 09 casos dos confrades encontrados,

alforriados ou aparentemente descendentes, ou não-escravos (maioria da irmandade). A

escolha dos confrades foi devido à especificidade de participarem de uma irmandade, local de

interação, e somente com seu cruzamento junto com o censo conseguiríamos informações

suficientes para o estudo, trabalho difícil devido a falta de sobrenomes e de detalhes pessoais

ou sociais que levassem à certeza de identificação de pessoa.

Detalhamos no terceiro capítulo alguns processos civis e jurídicos de Curitiba e São José

dos Pinhais do Arquivo Público do Estado do Paraná, do período entre 1797 a 1815. Foram

escolhidos 28 para trabalharmos nesta monografia, somente os processos que possuem não-

brancos fazendo parte ativa dos documentos, como testemunhas ou como parte da ação.

Observando interações, jogos de alianças, relacionamentos, vizinhanças, contatos, entre

classes e cores diversas, razões que fizeram essas pessoas se envolverem em processos

perante a justiça e na vida cotidiana.

Acreditamos que através desse levantamento de fontes fica mais claro enxergar o

cotidiano desses personagens, procurando situações e relações espontâneas aquém de visões

romanceadas ou marginais de outras bibliografias.

2 Cópia microfilmada pertencente ao DEHIS/UFPR.

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CAPÍTULO I.

A bibliografia das relações entre escravos, libertos e livres.

O enfoque desta revisão historiográfica são as relações entre livres, libertos e escravos,

do período entre o final do século XVIII e início do XIX no Brasil, da relação entre brancos,

mulatos e, negros, na sociedade escravista. Cada um dos autores que tratam desse sistema

elegeu fatores importantes sobre tal movimento em diferentes locais brasileiros, os quais

usamos para observar um panorama generalizado deste momento histórico. Discordando ou

concordando em diferentes assuntos, cabe ao pesquisador ler tais trabalhos da forma que

achar mais pertinente à sua visão.

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1.1.1. Senhores e escravos – posições, classes.

Creio que para compreender o pensamento do senhor e a realidade escravocrata é

preciso rever noções antropológicas sobre cultura, rapidamente tomo alguns acertos de Roque

de Barros Laraia que enxerga a cultura como o modo que o homem percebe o mundo. A

cultura nos condiciona, no caso revisto deprecia o outro, o que nos parece fora do padrão a

que somos habituados. Faz parte da construção da cultura os costumes, valores,

comportamentos sociais, posturas corporais, todos os conhecimentos adquiridos e passados

através das gerações formando a herança cultural de um dado grupo. Acontece que a

propensão a achar que um modo de vida é o mais correto pode criar um etnocentrismo, muitas

vezes usado para justificar a violência contra grupos diferentes3.

Para Artur Ramos as culturas negras no Novo Mundo, não permaneceram em estado

puro por não serem transportadas em proporções equivalentes, pela opressão que sofreram

passando a serem disfarçadas em formas caricatas, pela separação dos indivíduos de seus

grupos e através de contatos com outras raças e culturas. Dessa “aculturação” chamada pelo

autor, surgem três tipos de resultados possíveis: a aceitação, onde acontece a perda da herança

mais velha e a assimilação da nova cultura a que entraram em contato; a adaptação, quando

culturas se combinam harmonicamente; e a reação, quando surgem movimentos de

contracultura em razão da opressão sofrida ou da aceitação dos traços estranhos, dessa forma

a cultura original mantém força psicológica para compensar sua situação de inferioridade.

Como exemplos o autor cita os Estados Unidos como aceitação, Cuba e Haiti como

adaptação, Jamaica e Guiana Holandesa como reação e, o Brasil com um pouco de todas, mas

principalmente da adaptação4.

Gilberto Freire em “Casa Grande e Senzala” investiga o cotidiano social dividindo o

Brasil em dois, um romântico tradicional que centraliza o Nordeste, outro moderno e realista

que engloba sul e sudeste, combinando extensa teoria na tentativa de justificar as relações

entre elite e classes populares, em toda narrativa beirando o ufanismo ao modelo patriarcal e

ao Nordeste. O país teria absorvido culturas que ao ver do autor seriam híbridas e adocicadas,

adaptáveis em convivência perante todas as áreas, até mesmo no intercâmbio sexual. Este

livro revelou um Brasil desigual e diversificado visto através de um romance social,

reescrevendo momentos históricos e abandonando os antigos conceitos de “raça” e “meio”,

3 LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Um conceito antropológico. 15 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. 4 RAMOS, Arthur. As culturas negras no Novo Mundo. 2 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1946. p. 351-364.

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para adotar uma nova base metodológica das Ciências Sociais, onde entram termos como

modernização, classes sociais e cultura.

Não era o negro e sim o branco a fonte de todo o mal da ordem escravista para Joaquim

Nabuco, isto porque havia ele montado esse sistema, o impacto disso em cima de toda a

sociedade, principalmente sobre a família, tanto escrava quanto livre, era a libertinagem que

estava no proprietário de escravos e estimulada até nas relações entre os filhos dos senhores e

as escravas5. Também para Caio Prado a casa-grande é o local da perpetuação dos males do

sistema, da dissolução moral6.

O foco econômico da “marginalização dos homens livres pobres e a vitimização do

escravo” é promovida pela chamada Escola Paulista de Sociologia, sendo expoente dessa

linha o sociólogo Florestan Fernandes que dá atenção à família escrava e o impacto por ela

sofrido no cativeiro, onde as regras de conduta de origem foram destruídas, dessa forma não

incentivando os valores e a formação da família7.

O sociólogo Fernando Henrique Cardoso objetivou a “análise estrutural das relações

sociais no escravismo”, sustentando colocações categóricas e de desqualificação dos grupos

populares como atores passivos na história8. Como Gilberto Freire, salienta o papel do

sistema como agente determinante da perversão de costumes9. Cardoso juntamente com

Octavio Ianni no livro “Cor e mobilidade social em Florianópolis”, discutem relações entre

negros e brancos nesta localidade, onde a população escrava teria sempre se mantido pequena,

a mudança da sociedade não ofereceu muitas oportunidades de ascensão social aos ex-

escravos, os libertos (geralmente mulatos) em posição superior aos escravos como artífices e

assalariados. As restrições legais de acesso à determinadas carreiras eram dirigidas aos

escravos, porém, era fácil controlar a não ascensão do liberto, este controle na população era

verificado também nas relações matrimoniais, não eram usuais os casamentos inter-raciais,

fenômeno atribuído pelos autores à devassidão sexual do branco que o grande número de

mulatos confirmaria10. Fernando Henrique Cardoso acaba generalizando escravos e libertos

como categorias homogêneas internamente, incapazes tanto de pensamento como de ação,

5 MOTTA, Flávio José. Família escrava: uma incursão pela historiografia. In: História: questões e debates. Curitiba, ano 9, n° 16, jun. 1988, p. 104-159. 6Ibid. p. 29-30. 7 Ibid. p. 30-31. 8 Ibid. p. 32. 9 Ibid. p. 104-159. 10 CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Octávio. Cor e mobilidade social em Florianópolis. Aspectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São Paulo: Editora Nacional, 1960. p. 76 a 226.

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teriam acabado por se aceitarem inferiores delegando a si próprios os males a que a sociedade

os impunha.

A historiografia sobre a família escrava é revista por José Flávio Motta. A temática que

trata do caso onde à família escrava é atribuída pouca importância, enfatizando relações

sexuais temporárias de promiscuidade generalizada, geralmente senhor/escrava. A família

escrava em suas relações é vista por Kátia Mattoso, para ela a criança é criada no conjunto da

comunidade dos escravos, pois fruto de uniões efêmeras, além de indicar que alguns motivos

desencorajavam uniões estáveis entre cativos, como a perspectiva da venda, a idéia do

companheiro dividir sua mulher com o senhor. Diferentemente dos anteriores, Stuart

Schwartz mostra que o desinteresse dos proprietários e a ausência de casamentos legalizados

pela igreja não podem ser considerados indicativos de que não houvesse laços afetivos,

associativos ou de sangue entre os cativos. Motta também expõe análises sobre a escravidão

nos Estados Unidos, acentuando a estabilidade, autonomia e predomínio das relações de

monogamia. Dentre os motivos para o encorajamento dessas ligações estavam a estimulação

da reprodução e a manutenção das disciplinas nos plantéis, de acordo com J. Blassingame.

Neste país, diferentemente do que ocorria no Brasil, a ameaça da separação era usada como

instrumento de controle, a monogamia foi uma instituição arraigada que permitiu a

manutenção da cultura dos escravos11.

Pertinente a essas questões acerca da família escrava está Robert Slenes em “Na senzala

uma flor”, onde seu foco central é a procura da formação de uma identidade africana no

Brasil, através da análise de traços culturais e materiais africanos, admitindo que as famílias

de escravos poderiam favorecer aos senhores. Porém, a longo prazo esta razão se apaga,

havendo uma formação de identidade própria, através do resgate de tradições e normais

africanas, longe dos interesses senhoriais, o que na sociedade escrava transparece também nos

laços de solidariedade e de difusão cultural12.

De acordo com Maria Helena P. T. Machado, no artigo “Em torno da autonomia

escrava: uma nova direção para a história social da escravidão”. Na década de 80 a

delimitação da dinâmica interna da sociedade é analisada como centro das mudanças

históricas, os estudos superaram os modelos em que a escravidão era explicada tendo o

escravo como figurante do processo histórico, dentre os novos temas do período que

apontavam para atividades informais de autonomia e inserção do escravo, estavam a

11 MOTTA, op. cit. p. 104-159. 12 SLENES, Robert W. Na senzala uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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constituição das famílias de cativos, cultura escrava e ocupação dos libertos13. “Baseados

numa visão integracionista da sociedade escravista, alguns estudiosos têm sugerido que os

grupos escravos, na busca de forjar espaços de autonomia econômica, social e cultural,

interagiam com o regime de trabalho que estavam submetidos, respondendo às diferentes

conjunturas com acomodação e resistência, moldando, em última análise, o sistema escravista

que procurava reduzir-los a meros instrumentos de produção das riquezas coloniais14”,

atividades realizadas durante o tempo livre. Seguindo o mesmo raciocínio a autora vai mais

longe: “a prevalência de determinados tipos de atividades independentes de escravos podem

ter interferido fortemente no processo de desagregação da escravidão”, “plantar e criar

associado ao pequeno comércio, sugerem as possibilidades de formação de um

protocampesinato negro”, “a prestação de serviços remunerados podem ter preparado essa

mão de obra para a entrada no mercado de trabalho livre como proletários rurais15”.

Além disso, Machado comenta novas vertentes de pesquisa, nas quais cabem as fontes

escolhidas no presente trabalho, “ao mesmo tempo que a análise dos autos criminais permitiu

contornar determinadas questões relativas às transgressões escravas nas fazendas, apontou a

importância das atividades independentes16”. “Assim, novas pesquisas interessadas na

reconstituição da vida social escrava apontam hoje para a necessidade da ampliação dos

conhecimentos a respeito das atividades informais de escravos tanto enquanto instrumento de

construção da autonomia escrava, quanto em sua inserção17”.

Na América Portuguesa Eugene D. Genovese explica, assim como Tannenbaum também

o fez, que a fazenda de escravos influiu em todos os aspectos da vida, gerando um espírito

próprio de comunidade. A escravidão e o colonialismo forneceram o saldo econômico que

estabilizou a classe dominante, permanecendo senhorial.

Octavio Ianni ao descrever o sistema escravista e as transições sofridas pelos seus

agentes em “As metamorfoses do escravo”, indica o que considera componentes básicos do

escravismo: propriedade privada de brancos sobre os meios de produção, seus produtos e os

trabalhadores, produção social por um único segmento, aparelho repressor sob o

comportamento social do cativo, não mobilização social vertical e, endogamia intra-racial.

Sob essas características o escravo e o senhor dependem um do outro, mesmo após a

libertação o ex-cativo esse continua sendo rotulado assim pela sociedade. Os contatos entre

13 MACHADO, Maria Helena P. T. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história social da escravidão. In: Revista brasileira de história. São Paulo, v. 8, n° 16, mar./ago. 1988, p. 143-160. 14 Ibid. p. 146. 15 Ibid. p. 149. 16 Ibid. p. 153-4. 17 Ibid. p. 154.

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senhores e escravos aconteciam somente nas atividades produtoras, se ocorriam em outros

planos eram somente se aqueles precisassem ou permitissem, assim o autor não deixa espaços

para interações18.

Através de listas nominativas de habitantes do Arquivo do Estado de São Paulo, Horácio

Gutierrez discute o perfil do mercado interno, as taxas de crescimento, a procedência dos

escravos. Falando sobre o Paraná do início do século XIX, o Estado foi uma região de

economia periférica e poucos escravos em comparação com outros estados19, no litoral a

predominância era da agricultura de subsistência, no planalto era da pecuária, nos Campos

Gerais escravos e libertos poderiam ser capatazes e tropeiros20. As listas de naturalidades no

Paraná são muito negligentes, não indicando a procedência de todos os habitantes,

aparentemente a maioria dos residentes era formada por nascidos e criados nesta região e

redondezas, gente que nasceu escrava. Havia muito mais escravos mulheres e jovens, que

indicavam pela sua faixa etária nascimentos regulares, quanto aos africanos, a maioria era

homens que já haviam ultrapassado a juventude, estavam em plena idade produtiva, a maioria

descendia de grupos bantos. Entre os africanos 80% os que haviam sido adquiridos por

pequenos e médios proprietários, em meio aos crioulos 80 a 90% do total estavam em mãos

de médios e grandes donos. O mercado de escravos no Estado era basicamente interno no

inicio do XIX, com as áreas de fornecimento coincidindo com os caminhos dos tropeiros.

Entre 1803 e 1806 todos os escravos negociados passaram ou ficaram em Castro, é ínfima a

probabilidade de o Paraná ter negociado diretamente a importação de africanos, isso teria

aumentado muito a densidade demográfica dessa população. Além do mais, os proprietários

paranaenses não representavam um grande mercado comprador, com poucos recursos,

produziam para consumo próprio. Em Castro os escravistas pequenos (1 a 4 cativos) detinham

26,5% da escravaria em 1804, e negociam aproximadamente 39,6% dos cativos vendidos, os

de médio porte (5 a 19 escravos), 41,5% e ofereciam 44,8%, os grandes (20 ou mais) com

32% e venderam 15,5%, mostrando uma correlação inversa entre tamanho dos plantéis e

impacto das vendas, como acontece com as compras21.

18 IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil Meridional. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1988. p. 108-130. 19 IVAN, Milton. Escravidão no Paraná. Panorama, Curitiba, n. 303, p. 6-8, 27, abr. 1981. 20 NOVACKI, Luis Henrique. “Como se liberto nascesse de ventre livre”: escravos libertos na Freguesia da Palmeira/PR (1831-1848). In: Dossiê escravidão. Revista Vernáculo: história e reflexões, Imprensa UFPR, n. 3, p. 69-70, set/dez. 2000. 21 GUTIERREZ, Horácio. Crioulos e africanos no Paraná, 1798-1830. In: Revista brasileira de história. São Paulo, v. 8, nº. 16, mar/ago. 1988, p. 161-188.

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1.1.2. Senhores e escravos – interação.

Os sociólogos Roger Bastide e Florestan Fernandes no livro “Brancos e negros em São

Paulo” tratam de relações entre senhores e escravos e sobre o próprio sistema escravocrata,

assuntos que cabem ressaltar neste estudo. Apesar dos contatos sempre presentes entre

brancos e negros, viviam socialmente e culturalmente em mundos “coexistentes e

superpostos”, onde os diversos tipos de discriminação tinham por objetivo continuar ou

aumentar esta separação. A discriminação econômica se dava na diferenciação dos alimentos,

vestimentas, alojamentos, a legal e a política através da própria condição do ser escravo, um

incapacitado civil, e a social abrangendo todas as esferas da vida. Para estes autores os

escravos estavam em estado de anomia social, não regidos por regras ou normas próprias,

corroborando a tese de que esses personagens deveriam ser dirigidos e dominados pela classe

escravocrata.

Os escravos na maioria eram tidos como dependentes de seu senhor, mesmo forros ainda

continuavam “inferiores” sob os olhos da sociedade. A convivência entre o mundo de

senhores e escravos era difícil, o regime comportava desde o tratamento paternalista até o

controle pelos castigos físicos, dependendo de inúmeros fatores22, cuidando assim para que

não houvesse muitas fugas ou brigas, do mesmo modo, os casamentos entre escravos também

podiam ser usados como forma de prender a família23. Contudo, nem todos os senhores

tratavam seus escravos de forma desumana, obviamente como em toda história existiam

exceções, além disso, escravos também possuíam inteligência suficiente para gerar

autonomia, “enganando” a submissão em diversos campos e situações cotidianas.

No caso urbano a forma mais usual de libertação era a compra da alforria pelo escravo,

sendo preferência dos escravos casados emanciparem suas mulheres para que seus filhos

nascessem livres. Nos casos em que o proprietário se recusasse a receber um preço justo o

escravo poderia apelar para justiça. Frequentemente idosos ou doentes eram simplesmente

libertos simplesmente, isso livrava o proprietário do ônus do tratamento. Mesmo os libertos

em testamento tinham com o que se preocupar, porque a maioria não recebeu um legado, não

conhecia ofícios, nem tinha capacidade intelectual de aproveitar-se da nova condição24.

Ao escrever sobre o oeste paulista colonial, em “História da Vida Privada”, Robert W.

Slenes pondera que a alforria era representada como uma concessão do senhor quando era

22 IANNI, op.cit., p. 136-7, 240. 23 FERNANDES, Florestan; BASTIDE, Roger. Brancos e negros em São Paulo. 2 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1959. p. 77-162. 24 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

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dada sem ou mediante pagamento. Como expõe Sidney Chalhoub, havia possibilidade de

revogação mediante “ingratidão”, o que estava previsto pelo título LXIII do Livro IV das

Ordenações Filipinas, posteriormente revogado dentro da Lei do Ventre Livre. Do mesmo

modo houve inúmeros casos de cartas de alforria desaparecidas, de promessas orais não

cumpridas por herdeiros, de filhos de libertos escravizados, de africanos livres ilegalmente

postos em cativeiro, por isso era tão importante o apadrinhamento com pessoas de recursos ou

posição social, ao mesmo tempo mantendo suas antigas ligações, porque nunca sabiam

quando poderiam utilizar essa rede de influência25. Apenas em casos excepcionais o Estado

intervinha, quando seus interesses do Estado pudessem ser feridos, como foi o caso na Guerra

do Paraguai26, fora esses episódios a manumissão era exclusividade dos senhores. Outra

prerrogativa era a idéia de que a transformação do escravo em liberto devia ser gradual,

passando um tempo para a educação do cativo à vida em liberdade, percebe-se nisso a crença

na infantilização do negro. Difícil precisar o quanto o cativo compartilhava dessa ideologia

patriarcal, onde a alforria era vista como continuidade da relação senhor/escravo, modificada

para protetor/liberto, dando continuidade nessa mentalidade, alguns abolicionistas achavam

que somente eles com suas iniciativas esclarecidas sabiam o que era melhor aos escravos,

devido a fatores a eles atribuídos como barbarismo, falta de consciência, e morte civil27. A

libertação significava uma aquisição de um novo corpo, diferente do que foi de propriedade

do senhor, segunda a autora Lígia Bellini, que examina momentos das relações senhor escravo

nas cartas de alforria. Nas 356 cartas entre 1684 e 1707 da secção judiciária do Arquivo

Público do Estado da Bahia que a autora usou em sua pesquisa, 400 escravos foram

alforriados, em 116 deles é sugerido algum tipo de relação de cumplicidade e afeto, ao final

destes estão 71 que parecem ter sido alforriados “por amor”. As variações no número das

concessões de alforria dependiam das variações do mercado de escravos, crises do setor

exportador, idade avançada, ou doenças dos cativos, fatores discutidos por Kátia Maria de

Queirós Mattoso em “A propósito das cartas de alforria” e, Stuart Schwartz em “A

manumissão dos escravos no Brasil colonial”. Das 116 cartas que sugerem afeto na

manumissão 64% são de mulatos, 21% de crioulos, 15% de africanos, essa maioria de

25 SLENES, op. cit., p. 234-290. 26 Os escravos eram arregimentados à força ou com a promessa de alforria após a guerra. Para saber mais sobre o conflito ver: ALAMBERT, Francisco. O Brasil no espelho do Paraguai. In: Mota, Carlos Guilherme. Viagem incompleta: A experiência brasileira. São Paulo: Senac, 2000. DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. TORAL, André Amaral de. A participação dos negros escravos na guerra do Paraguai. Revista de estudos avançados, maio/ago. 1995, vol.9, no.24, p.287-296. 27 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: senhores, escravos e abolicionistas da corte nas últimas décadas de escravidão. In: História: Questões e debates. Da casa grande à senzala: a escravidão em debate. Curitiba, ano 9, n° 16, p. 5-37.

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mulatos toma maior proporção ao lembrarmos dos padrões gerais da escravidão brasileira,

onde os mulatos ficariam entre 10 e 20%, números devidos talvez à crença de os nascidos no

Brasil estariam mais identificados e adaptados28.

O escravo sempre foi visto pela historiografia através de dois modelos totalmente

opostos, como lembra João José Reis em “Negociação e Conflito”, ou “como vítima

igualmente absoluta; ou ao contrário, (...) enfatizam o heroísmo épico da rebeldia29”, não

havia analise fora desses extremos, por isso esse livro abriu campo para as trocas cotidianas,

negociações, percepções de vida e de cultura, retirando do escravo o peso da diferença e

colocando-o como homem sujeito à sociedade, mas também com esperteza e sutileza

suficientes para reverter suas provações. “O escravo aparentemente acomodado e até

submisso de um dia podia tornar-se o rebelde do dia seguinte, a depender da oportunidade e

das circunstâncias”, “ao lado da sempre presente violência, havia um espaço social que se

tecia tanto de barganhas quanto de conflitos30”. “Quando a negociação falhava, ou nem

chegava a se realizar por intransigência escrava, abriam-se os caminhos da ruptura31”. As

formas de resistência dos escravos mais eficientes eram as que atacavam diretamente a

propriedade, revoltas, quilombos, a mais usada foi a evasão, era o rompimento total, que não

tendo sucesso acarretava pesados castigos, podia trazer retaliações32, o usual era que houvesse

apenas a ameaça da evasão e a negociação com o proprietário. Tantos eram seus motivos,

melhores condições de trabalho e vida, pressão para a venda, ir encontrar algum parente ou

afeto distante, um escravo que podia comprar a liberdade e esta lhe foi negada.

Novamente de acordo com Lígia Bellini, o escravo, ao contrário de seu papel de vítima,

soube seduzir seus senhores de acordo com seus interesses, no cotidiano criava seus espaços,

cozinhando, amamentando filhos dos donos, na convivência, nas relações sexuais, lugares de

negociação, cumplicidade e criatividade, onde as maiores beneficiadas eram as mulheres em

razão da intimidade com a família. Nos casos que a autora teve oportunidade de analisar,

existem alguns exemplos, o mulato Bento iria ser vendido, mas pediu alforria por querer

casar, pagou 60 mil réis de economias, já o menino Joaquim, simplesmente pediu a alforria

para seu senhor, e Luzia recebeu pelos inúmeros cuidados diários dedicados ao Padre

Francisco, que ainda lhe concedeu vários objetos de valor, os quais foram devidamente 28 BELLINI, Lígia. Por amor e por interesse: a relação senhor-escravo em cartas de alforria. In: REIS, João José (org). Escravidão e invenção da liberdade. Estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. 29 REIS, João José; SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 7. 30 Ibid. p. 7. 31 Ibid. p. 9. 32 SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: NOVAIS, Fernando A. (org). História da vida privada no Brasil 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 276.

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nomeados para indicar não terem sido roubados. A maioria dos alforriados analisados pela

autora tinham ocupações urbanas quando escravos, de ganho ou domésticos que circulavam

pelas ruas para comprar mantimentos, levar recados, aqueles podiam acumular economias

para compra de sua liberdade, muitos sustentavam seus donos, ganhavam alforria mediante

pagamento e sob a restrição de só poder gozar da liberdade após a morte do senhor. As cartas

que sugerem afeto na manumissão geralmente libertavam os que foram, ou estavam sendo

criados pelos senhores, contudo, na maioria dos casos a relação que aparecia associada à

manumissão era entre o dinheiro e o amor33.

Em grupo as fugas eram pouco usuais por serem de mais fácil percepção e captura, só

passaram a ser em maior número quando do final do período escravocrata, onde o sistema

dava sinais de falência e muito mais pessoas também estavam compactuando com idéias

abolicionistas, ajudando na fuga e na ocultação dessas pessoas. O escravo sozinho podia ser

camuflado pela própria urbe em crescimento, que contava com grande trânsito de pessoas de

cor, libertos, escravos de ganho, “disfarçado” entre esses personagens podia trabalhar de

acordo com suas habilidades. Esse conflito aberto sofria repressão imediata e a legislação

ficava mais apurada34, como diz Sidney Chalhoub em “Medo branco de almas negras”, em

que analisa o Rio de Janeiro, principalmente entre 1800-60. Os administradores da cidade

possuíam um medo freqüente de levantes de escravos, com a suspeita constante de que

possuíssem um caráter internacionalista vindo do Haiti, medo alimentado pelas notícias de

outros países35.

Quanto às liberdades condicionais, possivelmente refletem outro mecanismo de controle

dos proprietários, consistia em dar alforria aos poucos, em porcentagens pequenas, assim

continuavam explorando os serviços do cativo, por outro lado este acabava ficando mais

submisso em razão da promessa da liberdade36.

Famílias escravas são o tema do livro de Manolo Florentino e José Roberto Góes, “A

paz nas senzalas”. Em seu prólogo fazem uma apreciação de caso, no qual o pai livre

Marcelino confidenciou que matou os dois filhos para que não fossem escravos, num primeiro

interrogatório em 1847 negou tudo e acusou o denunciante de inimizade, dizendo estar

embriagado quando tudo aconteceu, seu advogado julgou como única explicação para o crime 33 BELLINI, op. cit. 34 REIS, João José. Fugas, revoltas e quilombos: os limites da negociação. In: Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 62-78. 35 CHALHOUB Sidney. Medo branco de almas negras: escravos, libertos e republicanos na cidade do Rio”. In: LARA, Silvia Hunold (org). Escravidão. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, vol. 8, nº 16, mar./ago. 1988. p. 88. 36 WAGNER, Ana Paula. Diante da liberdade. Um estudo sobre libertos da Ilha de Santa Catarina, na segunda metade do século XIX. Curitiba, 2002. Dissertação mestrado em História. UFPR.

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a idéia de libertar seus filhos, mesmo que através da morte, o júri concluiu que o crime foi

premeditado e condenou o réu à morte, em segundo julgamento, no ano seguinte, teve pena

reduzida às galés perpétuas, pois esse júri considerou não ter havido premeditação. Outro

capítulo que me chamou a atenção foi o que o autor denomina “Da guerra e da paz entre os

escravos”, seu título é sugestivo, nele são debatidas as relações inter-escravos, laços parentais

que criavam bases de relacionamento pacifico, trocas materiais que se convertiam em tratos.

Como não criavam laços estáveis de ligação a população escrava estava sujeita a vários e

freqüentes conflitos internos, as diferentes nuances de cores entre os cativos eram um dos

motivos de conflitos, o mulato considerava o africano como inferior, e o escravo importado

cria que ele e o crioulo não tinham origem em comum, crença incentivada pelos brancos para

a manutenção freqüente e paranóica de sua segurança, achavam que os mantendo desunidos

não promoviam ameaça. O cativeiro era a permanente produção do estrangeiro, a contínua

instauração de diferenças pelo senhor, laços de solidariedade a auxilio mutuo configuraram

importantes para sobrevivência em cativeiro, ao produzir um “nós” ficava menos complicado

superar as dificuldades do cotidiano. Dessa forma Manolo Florentino e José Roberto Góes

defendem a idéia central de que a família escrava, enquanto formada dentro das propriedades

e sob autorização do senhor, segregava o domínio do escravo pelo sistema escravista, já que

funcionava como um acordo entre senhores e escravos, pela “paz nas senzalas” 37.

37 FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.

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1.2.1. Escravos e outros livres.

Ao tratar os escravos de ganho no Rio de Janeiro no século XIX, para Luiz Carlos

Soares havia certa autonomia nessa categoria para procurar e executar tarefas, a colocação

desse escravo dependia de vários pontos: especialização do cativo, capacidade física,

condições de mercado, a prática comum era mandar ensinar ofícios aos cativos, para depois

conseguir serviços nas oficinas e manufaturas. Na primeira metade do século XIX o Rio de

Janeiro contava com grande presença desses escravos, mandados à rua pelos seus senhores

trabalhavam como carregadores, vendedores ambulantes, marinheiros, cirurgiões, prostitutas,

mendigos. A documentação do Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro apresenta que era

proibido ao senhor colocar seu escravo na rua sem autorização prévia da Câmara Municipal

do Rio de Janeiro, mediante pagamento de licença que era renovada a cana ano, ao que

ganhavam uma placa identificando a data da concessão, que o escravo de ganho deveria portar

sempre, sendo vigiado por fiscais da Câmara. Muitos senhores, pobres ou ricos, asseguravam

a sobrevivência de suas famílias com o lucro desses cativos. Mesmo mantendo uma rotina de

assalariados, esses indivíduos continuavam conservando a relação de coisificação com seus

proprietários, obrigados a entregar pagamentos diários ou semanais e, prestando obediência ao

dono, nestas condições a sobrevivência e a formação de um pecúlio eram muito difícil, muitos

deles recorriam a meios desonestos para conseguir dinheiro para tanto, como também para a

quantia do proprietário38.

Quanto à São Paulo do século XIX, Maria Odila Leite da Silva Dias mostra que existia

um pequeno comércio entre os próprios escravos para supri-los das necessidades básicas,

cachaça, fumo, frangos, a preços mais acessíveis que os cobrados pelo comércio em geral,

praticado por escravos de ganho, forros, ou mesmo brancos pobres. Tradições culturais

africanas já delegavam às mulheres cuidarem da alimentação e da circulação de gêneros

necessários. Comércio muitas vezes clandestino e com artigos roubados, que também

alarmava os moradores em razão de seu contato freqüente com fugidos e quilombolas

moradores dos arredores, porém, as autoridades não controlaram essa esfera, que na sua

mentalidade estava associada ao banditismo no geral, existiram tentativas de influência

através de posturas e ações mas sem muito efeito. Esses escravos tinham assim a

possibilidade de construir laços fora do espaço doméstico, que se estendiam ao convívio39.

38 SOARES, Luiz Carlos. Os escravos de ganho no Rio de Janeiro do século XIX. In: Revista brasileira de História. São Paulo, v. 8, n° 16, mar./ago. 1988, p. 107-142. 39 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 114-120.

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Quanto aos casados, difere no Paraná a postura vista em locais de maior

desenvolvimento, aqui escravos geralmente casavam entre si, apenas 10% apareceram nas

listas de óbitos casados com um liberto, Carlos Lima então supõe que a ligação entre o mundo

escravo e o liberto estava em grande parte condicionada à pobreza, a riqueza faria o

movimento inverso40.

40 LIMA, Carlos A. M. Hierarquia social, incorporação e estratégias de reprodução no sul (Paraná, 1730-1835).

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1.2.2. Escravos e outros livres – Igreja e Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos

Pretos de Curitiba.

A Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito localizada em Curitiba, foi erguida por

escravos e cuidada pela Irmandade de mesmo nome, sem data de construção precisa atribui-se

que tenha sido entre 1737 (edificação da Igreja da Ordem, segunda de Curitiba) e 1762, data

de seu registro mais antigo no livro da Catedral, quando o Bispo de São Paulo D. Frei Manoel

da Ressurreição permitiu o sepultamento dos Irmãos do Rosário no templo41. Em dois de

dezembro de 1762 o bispo D. Frei Manoel da Ressurreição determinou que a Irmandade do

Rosário rezasse pelos fiéis mortos com preces diárias, assim virou igreja para encomendar os

mortos de Curitiba devido a estar no trajeto de cortejo para o Cemitério Municipal de São

Francisco de Paula, Capela das Almas durante as epidemias de tifo e gripe espanhola da

década de 191042, além de ter sido local de culto para imigrantes europeus católicos. Teve sua

primeira missa celebrada em 1 de outubro de 1882 por Dom Alberto José Gonçalves, 1° Bispo

de Ribeirão Preto43. O interior da igreja era humilde e abrigava três altares, Virgem e Senhora

do Rosário, São Benedito, e Senhor Bom Jesus dos Perdões. De 1931 até 1946 passou por

uma reforma geral patrocinada por fundos angariados pelo Monsenhor Celso Itiberê da

Cunha, projetada pelo engenheiro Francisco Chaves44, o estilo colonial foi substituído por um

barroco tardio. A primeiro de abril de 1951, a Igreja foi entregue aos cuidados dos padres

jesuítas, subordinada à Catedral.

Os assentamentos mais antigos dos livros da Irmandade do Rosário datam de 1764, ano

em que começaram as reuniões para reza do terço45. Encontra-se registro da Irmandade de

Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Curitiba em 1727, quando era tesoureiro o capitão

Diogo da Costa Rosa46. O compromisso das irmandades do Rosário e São Benedito de

41 Igreja do Rosário (Curitiba). A arquidiocese de Curitiba na sua história. Curitiba: 1958. p. 181. MACEDO, Rafael Valdomiro Greca de. Igreja do Rosário. Voz do Paraná, Curitiba, 9 a 15 mar. 1975. Igrejas de Curitiba. 42 DESTEFANI, Cid. A Igreja dos defuntos. Gazeta do povo, Curitiba, 24 nov. 1991. Coluna Nostalgia. 43 Igreja do Rosário, op. cit. 44 BRASIL JÚNIOR, Pedro. Igreja do Rosário: Do tempo dos escravos a atual edificação, um elo importante para a nossa história. Jornal dos bairros, Curitiba, 15 jun. a 4 jul. 1979. Memória da Cidade. Igreja do Rosário (Curitiba). A arquidiocese de Curitiba na sua história. Curitiba: 1958. p. 181. MACEDO, op. cit. O monumento que ainda está de pé. Diário do Paraná, Curitiba, 26 mai. 1977. A única fonte que encontrei discordando desta data, 1946, atribui o término ao início dos anos 1940: DESTEFANI, op. cit. 45 MACEDO, op. cit. NASCIMENTO, Maria Luiza. Igreja do Rosário. In: Linha vermelha, pegadas da memória. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1991. 46DESTEFANI, op. cit.

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Curitiba foi verificado e arrumado pelo Doutor Vicente Pires da Motta, presidente da

Província de São Paulo, em 23 de agosto de 185147.

As irmandades de negros eram uma das únicas formas permitidas de vida comunitária a

eles, ao escravo poderia garantir liberdade, ao liberto conferia alguma proteção contra

explorações. Assim, a irmandade melhorava a condição social dos membros, esperando que

tais libertos contribuíssem mais generosamente com a irmandade. A criação dessas confrarias

era bem vista pela Coroa, que via nisso o sucesso das conversões, e também representava a

estabilidade na população negra e mulata, muito proprietários pagavam a filiação e

contribuição de seus escravos para essas irmandades48. Em paralelo, ajudando a preservação

dos escravos, mas impedindo a ebulição da consciência política e, consequentemente, de uma

autoridade negra legitima, favorecendo a manutenção do sistema opressor, ao mesmo tempo

em que ensinava a lutar, de modo indireto, na preservação defensiva49. Afinal, tem-se que não

estavam ligadas ao igualitarismo, mas à diferenciação entre cor e condição da sociedade. No

Brasil, negros e mulatos falando pouco o português e sendo adeptos de crenças africanas

misturadas ao catolicismo, acabaram seguindo os estatutos das irmandades elaborados em

Portugal. No geral, para ser aceito o candidato deveria ser temente a Deus, de bom caráter e,

pagar a taxa regular. As irmandades podiam ter o mesmo nome, mas não seguirem as mesmas

políticas e compromissos, frequentemente no inicio utilizavam altares de outras irmandades,

ainda que as rivalidades fossem comuns, até que conseguissem a construção da própria sede.

O principal evento era a missa anual em homenagem ao santo padroeiro. O membro, sua

esposa, e dependentes menores de 16 anos tinham garantida a extrema unção, funeral,

sepultamento e missas pela sua alma, se o membro estivesse com o pagamento da taxa em

dia50. Cabia às irmandades durante os séculos XVIII e XIX muitas das atividades culturais e

de assistência social no Brasil, a partir da metade final do século XIX, o Estado passou a

ocupar essas funções, o que juntamente com o aumento no número de paróquias e clérigos

fixos, culminou com o desaparecimento de tais confrarias 51.

47 Arquivo Público do Estado do Paraná. Caixa 11, códice 1383. 48 RUSSEL-WOOD, op. cit, p. 226-231. 49 GENOVESE, Eugene. A terra prometida. O mundo que os escravos criaram. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 257-400. 50 RUSSEL-WOOD, op. cit, p. 193-226. 51 POLINARI, Marcelo. A irmandade de São Benedito de Morretes e sua Igreja. In: I Colóquio da produção científica dos estudantes de história. Curitiba: Departamento de História, UFPR, nov. 1985, p. 15-6.

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1.3.Libertos e outros livres.

A condição da pessoa e sua cor influíam no seu cotidiano, numa época em que a

distinção da justiça entre um escravo e um liberto era frágil, a população branca do Brasil

colônia em regra considerava escravos os indivíduos de ascendência africana, possuindo ou

não alforria, de acordo com A. J. R. Russel-Wood, em “Escravos e libertos no Brasil

colonial”. Todas as normas sociais e comerciais que regiam a sociedade do período eram

feitas por e para brancos, a diferenciação era evidente: em medidas fiscais e jurídicas

diferenciadas, em leis que impediam certas vestimentas e “extravagância doméstica”,

acusados sem provas suficientes pela justiça52.

Havia uma política oficial de erradicação de características culturais africanas através de

leis civis, ditames teológicos e costumes, adotando mecanismos sociais de persuasão e/ou

coação para assimilação dos africanos à cultura branca, contudo, na prática a maioria desses

editos não funcionavam53. Transformado juridicamente, mas possuindo uma personalidade de

escravo, o liberto continua a agir como a sociedade o via, apenas como um ex-escravo54. De

acordo com Florestan Fernandes e Roger Bastide, a definição social da raça era feita muito

mais através do status do que propriamente da cor, mas esta contribuía para a proibição do

negro e do mulato de terem certos direitos e ocuparem determinadas funções, entretanto, seus

direitos nunca se equipararam aos dos livres55. A posição social é o que orientava a definição

de si e o cotidiano do liberto, suas atitudes e emoções básicas, e a ordem escravocrata tinha

mecanismos que permitiam alterações nessa posição, as alforrias, os mestiçamentos, usados

de forma discreta para não afetar o regime mas ao mesmo tempo controlar os anseios dos

cativos. A eventual entrada de um escravo para o núcleo periférico das famílias patriarcais

também era permitida em ocasiões isoladas, porém, ao se afastarem do grupo de origem

podiam gerar inveja ou rejeição, passavam então a viver de acordo com o grupo social

almejado56. A transição que passava o recém liberto era um processo que englobava o seu

físico, mental e psicológico em sua adaptação para a nova realidade econômica e social a que

fora arremessado. Brancos e negros não viam com bons olhos os mulatos, frutos de alianças

inter-raciais, tinham-lhes como uma soma das piores características das duas raças, além de

serem uma ameaça ao herdarem posses de seus entes.

52 RUSSEL-WOOD, op. cit. 53 RUSSEL-WOOD, op. cit. 54 IANNI, op. cit, p. 220. 55 FERNANDES, op. cit, p. 77-162. 56 IANNI, op. cit, p. 108-226.

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Enquanto escravo sua iniciativa e intelectualidade eram reprimidas, pensava através das

ordens do senhor, isso dificultava muito a sua adaptação quando libertos, além da grande

parte não conhecer as bases de costumes e hábitos sociais da sociedade livre da qual passaram

a participar. As áreas que davam aos libertos mais chance de ganhar sustento regular eram o

comércio e a agricultura, e no artesanato especializado tinham um meio de vida garantido

mesmo que pouco lucrativo. Alguns cativos podiam usufruir de responsabilidades e

negociações no comércio de seu senhor, no entanto, corriam o risco de fomentar a inveja de

outros que não tinham tal confiança depositada em si, mas assim, ganhavam experiência que

ajudava muito sua posterior adaptação à vida de liberto, uma vez que não havia uma política

de recuperação social ou de ajuda financeira por parte da Coroa.

Uso alguns trechos de artigo de Carlos Lima para o estudo de libertos e descendentes,

em que o autor descreve a hierarquização social em Guaratuba e Castro do primeiro terço do

século XIX57. Primeiramente, para o autor a “qualificação de alguém como pardo ou negro,

em liberdade, dá segurança ao pesquisador de que se estava tratando de pobres”, idéia que uso

em toda a pesquisa documental desenvolvida neste trabalho. Outra questão é a de que estudar

os descendentes de libertos traz uma gama muito maior de informações, os processos de

migração desse setor eram mais intensos do que para os próprios forros, provavelmente nessa

mobilidade estava a tentativa de prosperidade e de desligamento de raízes sociais anteriores,

procurando locais de “caráter ainda aberto do assentamento” para estabelecimento, como o

interior do Paraná. Ainda de acordo com Carlos Lima esses libertos e descendentes, em sua

leitura acerca de texto de Chayanov58, estariam no interior de uma faixa, cada família podia

inserir-se, até mesmo movimentar-se e ascender, pois todas passariam pelas mesmas fases de

um mesmo processo. Concluindo, o autor afirma que a hierarquização era reafirmada pelos

processos de mobilidade, por exemplo, a própria ascendência poderia produzir um novo

senhor de escravos59.

Os primeiros recenseamentos do século XVIII ajudam a definir o perfil dos libertos na

vida social do Brasil Colonial, Herbert Klein percorre esse panorama, e acrescenta mais

informações sobre suas interações com a sociedade, onde através das quais formariam uma

classe intermediária quanto à condição entre os brancos dominantes e os escravos. Proibidos

de ingressar no serviço público, judiciário, e eclesiástico, apesar da insistência na “pureza de

sangue” existia flexibilidade principalmente em cargos recusados pelos brancos. Escravos e

57 LIMA, Carlos A. M. Hierarquia social em duas vilas do Paraná no primeiro terço do século XIX. 58 Apud (CHAYANOV, Alexander V. Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas. In: SILVA, José Graziano da e STOLCKE, Verena (org). A questão agrária. São Paulo: Brasiliense, 1981.) 59 LIMA,op. cit.

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libertos de cor estavam em grande número entre as milícias coloniais e exércitos voluntários

no século XVII, o alistamento era muito procurado por proporcionar oportunidade de

emprego e de mobilidade social, os mulatos poderiam ascender dentro da corporação ou

mesmo da política. À exceção de algumas tropas, as forças armadas brasileiras eram formadas

por milícias, unidades sem soldo ou carga horária fixa. Nas funções dos miliciantes estavam a

pesca, agricultura e artesanato, mas principalmente foram unidades importantes na função

policial, mantendo a ordem, protegendo as fronteiras de invasões, caçando índios e escravos

fugidos60. A mistura de etnias dentro delas variava de região para região, e podia acarretar,

como em outros setores, em brigas internas desses diferentes grupos61.

A incerteza da colocação no mercado de trabalho podia gerar insegurança econômica,

pois após a libertação o individuo teria de prover suas necessidades, muitas vezes sem o

menor auxilio. Mulatos mais claros incorporavam-se mais facilmente (mas sempre sendo alvo

de ironias) principalmente devido a casamentos, posse de terras, recursos econômicos,

prestigio social, formação acadêmica, sofrendo sempre com preconceitos de cor e de classe,

enquanto inseriam-se no “mundo branco” 62.

Divergente dessas opiniões, Carlos Lima chega à conclusão de que quanto mais

disparidade houvesse entre os libertos de cor, mais eram as chances de mobilidade social em

determinado local. Usando estudos de caso retirados da interpretação das listas de habitantes

de Guaratuba (1782-1832) e Castro (1804-1835) em relação aos libertos e seus descendentes,

o autor comenta que por muito tempo no Brasil o que prevaleceu foi a interpretação que os

colocava condenados à inserção no mercado de trabalho como quase escravos, sujeitos à

trabalhos duros e de sujeição dentro da agricultura patriarcal de monopólio. Contudo, a maior

parte desses sujeitos era constituída por migrantes de outros locais com maior presença de

escravaria, que se mudavam para povoações menores com maior chance de estabelecimento,

podiam contar com a solidariedade escrava em alguns casos, principalmente quando recém

alforriados, já que muitos não tinham sustento imediato e dependiam de alianças. Ao analisar

os dados sobre Castro confrontados com os de Guaratuba, o autor conclui que naquela

localidade devido a sua maior riqueza e possibilidades de mercado a mobilidade social

60 KLEIN, Herbert S. Os homens livres de cor na sociedade escravista brasileira. In: Dados. n° 17. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas, 1978. p. 3-27. 61 RUSSEL-WOOD, op. cit. 62 FERNANDES, Florestan; BASTIDE, Roger. Brancos e negros em São Paulo. 2 ed. São Paulo: Editora Nacional, 1959. p. 77-162.

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também era maior, inclusive aparecendo alguns descendentes de libertos possuindo

escravos63.

O recenseamento de 1872 indicava uma alta na população de cor livre do Brasil, no total

74% em relação ao total da população de cor, a maioria desses libertos eram mulatos, sempre

prevaleceram mulheres, jovens, em seguida crianças, entre eles os filhos declarados

enjeitados. A maioria das manumissões em crianças se dava no batismo, continuavam a viver

com a mãe no cativeiro, tornando-se aprendiz, geralmente apenas uma era liberta por vez64. O

maior índice de reconhecimento de paternidade esteve nas áreas de fronteira ou de súbito

enriquecimento, sugerindo grande concubinato nesses locais. Aproximadamente metade

recebeu a liberdade gratuitamente, outra vez a maior parte de mulheres e mulatos, sugerindo

ligações familiares. Entre os que compraram sua alforria a maior parte era de africanos e

negros, devido ao exercício de ofícios úteis e remunerados, mesmo que aprendidos

tardiamente conseguiam juntar seu pecúlio a duras penas65.

Mesmo o aprendizado sendo carente, fazia concorrência aos brancos, tendo grande

importância nos ofícios especializados, sobretudo na medicina, isso porque não existiam

escolas no Brasil colonial, os doutores importados eram raros, negros e mulatos aprendiam

com a prática do dia a dia, superiores muitas vezes a seus colegas portugueses devido à

experiência. Com a estratificação sofrida pela sociedade brasileira do século XIX, esse

contingente passou a integrar as classes médias dos profissionais.

Uma categoria ainda não trabalhada nesta revisão bibliográfica foi a dos agregados, para

tanto usei dados do artigo de Carlos Lima, “Hierarquia social, incorporação e estratégias de

reprodução no sul”. Viviam junto com famílias e nesse momento passavam por uma transição

antes de tornarem-se chefes de fogo, a autonomia almejada pelos libertos e descendentes em

situação de agregados podia ser alcançada mesmo que tardiamente, a própria condição de

agregação era possivelmente uma de suas etapas, um período de aprendizado e acumulação de

capital para posterior autonomia66. Usado como um dos meios do aprendizado da vida social

do ex-escravo, que se conhecesse previamente e se adaptasse à vida de liberdade acabaria por

tornar-se um assalariado semi-escravo como forma de sobrevivência, comum principalmente

63 LIMA, Carlos A. M. Hierarquia social, incorporação e estratégias de reprodução no sul (Paraná, 1730-1835). 64 WAGNER, Ana Paula. Diante da liberdade. Um estudo sobre libertos da Ilha de Santa Catarina, na segunda metade do século XIX. Curitiba, 2002. Dissertação mestrado em História. UFPR. 65 KLEIN, Herbert S. Os homens livres de cor na sociedade escravista brasileira. In: Dados. n° 17. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas, 1978. p. 3-27. 66 Diferentes de filhos ou cônjuges.

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nas cidades67. Entre os homens a maioria dos agregados se concentrava na faixa entre dos 0

aos 29 anos, levando em conta os dados sobre a população de Castro e Guaratuba, indicando a

idéia da aprendizagem antes mencionada, pequena parte inseria-se entre os 30 e os 60,

possivelmente em situação de dependência e indicando terem tido uma trajetória de vida sem

sucesso capital. Quanto às mulheres dessas localidades existem momentos diferentes nas

agregações, em Guaratuba o aumento dava-se entre os 0 aos 19, decaindo e depois voltando a

crescer entre os 30 e os 39, para novamente sofrer queda; em Castro, a maioria se concentrava

entre os 0 e 9 anos, diminuindo de forma lenta e gradual para depois sofrer um pequeno

aumento a partir dos 50 anos, até o auge que se concentrava acima dos 60. O crescimento

entre elas tinha mais a ver com a ajuda mútua que com autonomia, pois o maior índice de

agregação se concentrava na infância e na maturidade, nesta última formada por ligações com

filhos ou genros na velhice68. As agregadas negras e pardas forras permaneciam ligadas a

maridos e filhos escravos, a que tentavam também alforriar, e nem sempre moravam no

mesmo local, devido a essas condições que os separavam69.

As maiores cidades sempre absorveram mais rapidamente os libertos e livres de cor em

geral, caso de Recife, Rio de Janeiro. Em revisão feita por Carlos Lima o autor demonstrou

que no Sul negros e pardos livres eram maioria absoluta sobre os escravos, proporção tão

divergente que indica que tais livres eram migrantes e não descendentes. Ao trabalhar o Rio

de Janeiro tem-se que em locais de maior e mais antiga escravaria haviam poucos libertos

vivendo, em áreas de escravidão recente e em menor escala residiam muito mais homens de

cor livres, fato que demonstrado pelo autor em números acaba por concluir que só se explica

através da idéia da migração intensa. Quanto ao Paraná, o autor discute as listas nominativas

de 1822 que mostram “5716 cativos e mais de oito mil não-brancos livres e libertos”,

corroborando a tese anterior, o que poderia acontecer em razão da busca pelo estabelecimento

e acesso a terra, facilitados em regiões de menor mercantilização e” de povoamento mais

esparso”, demonstrando grande mobilidade e independência desses agentes70.

O aumento no número de casamentos inter-raciais indicava uma mudança de atitude na

sociedade, uma tolerância estava sendo substituída por uma aceitação gradual, observada em

todas as áreas, mas ainda era minoria, mesmo os brancos pobres tendiam a casar entre si, mas

acontecendo, as referências aos envolvidos podiam mudar para terem ou não alusão quanto à

67 IANNI, op. cit, p. 131-149. 68 LIMA, op. cit. 69 DIAS, op. cit, p. 123-124. 70 LIMA, Carlos A. M. Pequena diáspora: migrações de libertos e de livres de cor (Rio de Janeiro, 1765-1844).

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cor e condição em documentos e processos. Ao alforriado havia a necessidade social de

lembrar a sua condição, acompanhando uma classificação para tal que levava em conta

também a cor atribuída, filhos de pretos forros já não seriam mais pretos, tornavam-se pardos,

sempre tidos como forros mesmo não tendo sido escravos. Em processos judiciários a

qualificação das testemunhas também era relevante, e considerava fatores como a etnia e o

lugar social do indivíduo, lembrando que a cor indicada não era necessariamente a física71,

mas a atribuída socialmente.

As diferenças sociais entre os libertos, livres e escravos, podiam ser diluídas na urbe,

onde não havia o tratamento pessoal entre senhor e subordinado, as pessoas e as situações

eram rapidamente identificáveis, ao mesmo tempo a cidade nutria uma desconfiança que

transformava os negros em suspeitos72. A “cidade negra” tecia formas de solidariedade das

mais variadas, em contraposição à paranóia branca de defesa da propriedade, cumplicidade

que também ocorreu com o setor livre, permitindo a circulação de objetos e pessoas. Mostra-

se dessa forma uma guerra entre sujeitos históricos que concebiam a vida de formas

totalmente diferentes73. O temor que os libertos pudessem ameaçar a estabilidade econômica e

a renda dos quais eram produtores além da supremacia comercial dos brancos, aumentava

com os mulatos, pois estes quando filhos ilegítimos ou adotivos podiam herdar várias posses.

Esse receio vinha do exagero dos defensores dessas opiniões, assim, o conceito e não a

realidade incomodava e conduzia o pensamento da sociedade.

O estudo dos libertos na Ilha de Santa Catarina na segunda metade do século XIX é

tema da dissertação de mestrado de Ana Paula Wagner, onde levanta questões importantes

acerca da relação entre essa categoria e a sociedade. Primeiramente, afirmando que o liberto

enfrentava dificuldades comuns aos escravos e pobres em geral, a forma como era visto é que

o distinguia: diferente do nascido livre, se crioulo a alforria o levava a uma condição mais

adaptada à sociedade, se africano permanecia estrangeiro74, a cor da pele tendia a indicar o

status político e social. Outra questão é que a família para escravos e libertos não

acompanhava somente a consangüinidade, as relações entre escravos, libertos e livres podiam

71 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p. 135-9. 72 Idéia também sugerida por: ALGRANTI, Leila M. O feitor ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro: 1808-1821. Dissertação de mestrado, USP, 1983, p. 45. 73 CHALHOUB Sidney. Medo branco de almas negras: escravos, libertos e republicanos na cidade do Rio”. In: LARA, Silvia Hunold (org). Escravidão. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, vol. 8, nº 16, mar./ago. 1988. p. 91-102. 74 Apud (WAGNER, Ana Paula. Diante da liberdade. Um estudo sobre libertos da Ilha de Santa Catarina, na segunda metade do século XIX. Curitiba, 2002. Dissertação mestrado em História. UFPR): OLIVEIRA, Maria Inês de. O liberto, o seu mundo e os outros. São Paulo: Corrupio, 1988. p. 11

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criar laços de parentesco afetivo, como o compadrio religioso ou material, formando opções

de proteção, ajuda e estabilidade, mesmo que estes personagens não participassem do

cotidiano familiar75.

Na sociedade curitibana o modo de produção escravista esteve intimamente ligado

durante longo tempo à produtividade e organização social, formando grupos definidos e

separados de proprietários, trabalhadores livres, agregados e escravos. Nesse contexto Octávio

Ianni continua afirmando a tentativa do liberto em parecer-se com o branco, uma vez que não

se encaixava mais entre os escravos e também não se inseria ao conjunto dos senhores

brancos, os que conseguiam possuir escravos ou manter agregados subiam alguns degraus na

escala social. Os mesmos personagens que permanecem em mundos distantes todo tempo,

aproximam-se em dados momentos, batuques, jogos proibidos, no artesanato, devido às

condições de vida na Vila de Curitiba o grupo social intermediário conviveu próximo aos

escravos, e em dados momentos podia estender-se às famílias de senhores, principalmente nas

fazendas, onde o convívio era mais intimista. Com a mudança da sociedade saindo do

escravismo o escravo torna-se negro, mulatos se misturam à população branca76.

75 WAGNER, op. cit. 76 IANNI, op. cit, p. 108-226.

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1.4. Conclusões.

Existem “escolas” que pensam o escravismo e seus agentes de forma diversa, entre os

autores abordados nessa revisão decidi colocar as mais variadas interpretações. Com Arthur

Ramos e Gilberto Freyre temos uma busca da identidade nacional, o sistema escravista

aparece romanceado, o indivíduo de cor transforma-se no herói, no mártir, e a fusão cultural

entre as diferentes “raças” forma a brasilidade nos textos desses autores. Para Ramos a

aculturação e a adaptação são as fontes dessa descoberta, em Freire, o cotidiano nas fazendas,

o desregramento, a mestiçagem, transformam as culturas anteriores em uma terceira, híbrida,

um mulato com suas qualidades e defeitos, onde o sistema opressor acabou formando algo a

que não previu. Ambos mantém pensamentos preconceituosos, continuam a idéia de

submissão inerente a essa geração de escritores, onde o escravo foi visto apenas como um

objeto sofredor, nada além das vontades e desmandos do senhor. Esquecia-se o que foi

lembrado por gerações posteriores, que o cativo e o liberto também tinham autonomia,

também tinham inteligência e iniciativa, novo enfoque dado por pesquisadores como Maria

Helena P. T. Machado e João José Reis, que colocam esses atores sociais como agentes de sua

história, analisando fora dos estereótipos de herói sofredor ou marginal, colocando pela

primeira vez o indivíduo como agente de sua vida, indo além das dificuldades impostas.

Da mesma forma que lidam com a autonomia, tais autores voltam-se para o cotidiano,

Maria Odila Leite da Silva e Robert Slenes são exemplos, este discute a formação da

identidade dos setores, deixando a idéia da infantilização do negro, de alguém submisso e sem

voz própria, do que também compartilha o pensamento de Russel-Wood e Luiz Soares. Temas

novos como os movimentos migratórios e o cotidiano dos libertos e descendentes são

trabalhados por Carlos Lima, novamente não mais colocando tais personagens à margem da

sociedade branca.

Florentino e Góes tem a família escrava como algo formada pelos senhores para

segregação e domínio, uma paz velada e mentirosa, Joaquim Nabuco e Florestan Fernandes

analisam esse cotidiano mas ainda dentro do contexto da libertinagem, sem regras de conduta,

com um tom animalesco para as relações, como também Roger Bastide, Fernando Henrique

Cardoso e Octavio Ianni, que desqualificam o negro e o mulato de forma homogênea,

generalizam de forma a depreciar sua autonomia, estes autores vêem a sociedade do período

como dois mundos hermeticamente separados, onde a segregação e a discriminação formam

anômalos sociais, assim, acabam por corroborar a idéia de que os homens de cor precisavam

ser dirigidos, portanto, subjugados. Díspar dessa visão é Stuart Schwartz, que também não

concorda com Kátia Mattoso, de que os motivos levantados como as uniões fabricadas pelos

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senhores, a ameaça freqüente de separação, seriam suficientes para desencorajar relações

estáveis.

Assim, temos que por muito tempo perdurou a visão do homem de cor romanceado,

formador de uma identidade nacional a ele inerente, algo feito pela própria sociedade,

somente com as últimas gerações de pesquisadores começamos a ver os cativos, libertos e

descendentes fabricando seu cotidiano, indo além da submissão, formando alianças,

pensamentos, culturas próprias, indo de encontro com a simples vida cotidiana, como pessoas

normais que ultrapassam as dificuldades cotidianas, humanizaram-se os personagens. Do

mesmo modo, tento com esta exposição demonstrar um pouco de cada aspecto do movimento

como um todo que visto com maior atento acomodam histórias menores, importantes para

embasar a análise do cotidiano em que foco a atenção daqui por diante.

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CAPÍTULO II.

Cruzamento entre lista do Censo de Curitiba de 179777 e a Lista dos mortos não

brancos de 1765 até 1820 em Curitiba e São José dos Pinhais78.

Mediante o cruzamento entre a lista do Censo de Curitiba em 1797 e a lista dos

sepultados não brancos de 1765 até 1820 em Curitiba e São José tento delinear o perfil de

fogos compostos por libertos e/ou descendentes79, todos estes que por cor ou condição são

descritos como tal e que consegui encontrar em fogo autônomo, que fossem confrades da

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Curitiba mesmo que só um

componente do casal, desde que surgissem no cruzamento entre a lista de óbitos e o censo. A

escolha de membros da irmandade para a pesquisa e o desenvolvimento desse capítulo leva

em consideração locais de sociabilidade de libertos e descendentes, novamente, analisamos as

relações entre as diversas classes e as ligações interclasses nesses exemplos encontrados.

Os nomes encontrados são poucos, isso porque a dificuldade de informações é imensa, a

maioria das pessoas na lista de óbito não tem sobrenome, ou se tem é comum e não é

acompanhado por mais detalhes, portanto, alguns poucos são nomeados aqui. Tais

documentos foram escolhidos por atenderem às informações necessárias para a montagem dos

perfis, devido à falta de várias informações que poderiam auxiliar na distinção desses

personagens. Um total de 591 óbitos de Curitiba de não brancos foi estudado e destes, 50

foram encontrados no cruzamento com o censo de 1797 totalizando 8,4%, neste trabalho uso

09 óbitos de confrades do Rosário, 1,52% do total visto.

Algumas colocações devem ser feitas para apreensão da construção da pesquisa. Trato

de categorias que classifico como escravos, libertos e descendentes em fogos autônomos,

fogos chefiados por brancos sem escravos e fogos chefiados por brancos com escravos, esses

domicílios tem como moradores os casais e filhos, parentes, agregados, os escravos não se

encaixam nessa contagem por examinarmos somente as pessoas livres, justificado pelo fato de

que enquanto escravos não fazem parte do núcleo familiar. Os termos pretos, pardos, brancos,

expostos, agregados, entre outros, aparecem nas fontes dessa forma e são conservados

igualmente no presente texto.

77 Arquivo do Estado de São Paulo. Lista de habitantes de Curitiba, 1797 (cópia microfilmada pertencente ao DEHIS/UFPR). 78 Arquivo da Cúria Metropolitana de Curitiba. Freguesia de Nossa Senhora da Luz – óbitos, 1765-1820. Ambas as listas, de habitantes e de óbitos, já foram usadas em: LIMA, Carlos A. M.; MOURA, A. M. S. Devoção e incorporação: igreja, escravos e índios na América Portuguesa. Curitiba: Peregrina, 2002. 79 Mesmo a maioria dos encontrados no cruzamento das listas de óbito com o censo de 1797 sendo escravos não os uso neste texto, porque este trabalho já foi feito pelo meu orientador em LIMA, Carlos A. M.; MOURA, A. M. S. Devoção e incorporação: igreja, escravos e índios na América Portuguesa. Curitiba: Peregrina, 2002.

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2.1. Indivíduos e fogos encontrados no cruzamento das listas – narrativa de casos.

A disposição dos casos segue o ano de falecimento, a descrição de cada confrade do

Rosário é feita primeiramente com as informações encontradas nos registros de óbito, nome

do indivíduo falecido, dados pessoais e familiares, também elementos sociais quando existem,

no decorrer usando as informações encontradas no censo de 1797 de Curitiba e São José dos

Pinhais, a exposição desses dados, seus pais, proprietários quando escravos, da composição

dos fogos autônomos.

Joana Pereira, 80 anos, viúva, morta em 31 de janeiro de 1798 e enterrada na Igreja do

Rosário. No seu domicílio no bairro do Butiatuba ainda mora seu neto Joaquim, 18 anos, que

considero assim agregado. Viúva chefiando fogo, os dois moradores sem indicação de cor.

Nataria Nunes, 80 anos, casada com José Lima de Silva, morta em 21 de maio de 1798 e

enterrada na Igreja do Rosário. Fogo no bairro Tinguiquera chefiado pelo marido, que no

censo estava com 50 anos, o casal e os filhos são apresentados como pardos, moram no local

3 filhos: Vitoriana 30 anos, Maria 7 anos e Antônio de 5.

Apolônia Dias Camargo, 60 anos, viúva, faleceu em 13 de novembro de 1799 e foi

enterrada na Igreja do Rosário. Aparece no censo morando no bairro do Tinguiquera, parda e

com sete filhos, Maria 27 anos, Manoel 20, Vicente 17, Salvador 14, Paulo 8, Maria 7 e

Luciano com 5. Mulher parda e chefe de fogo autônomo.

Salvador, 50 anos, pardo, casado com Tereza Forra, faleceu em 7 de dezembro de 1801

e foi enterrado na Igreja do Rosário. Escravo de Isabel Martins Valença, 78 anos, viúva, três

filhas, Maria de 49 anos, Francisca de 47 e, Ana de 41, proprietária de catorze escravos no

total, os pardos: Josefa 31, Fortuoso 20, José 19 anos, Inácia 7, Joana 7, Benedita 6, Francisco

3, Elias 1, além das pretas Sebastiana, 51 anos e Rosa 20, e Ângela 41, Antonia 18 e Ana 8 .

Neste mesmo fogo ainda viviam Tereza, parda, 64 anos, e as expostas Maria de 21 anos,

Brígida 19 e Inácia de 18. Tereza Forra, mulher de Salvador, provavelmente é a mesma que

aparece no censo como solteira, 42 anos, preta, forra, com duas filhas também pretas vivendo

no mesmo fogo chefiado por ela na Fazenda de Nossa Senhora da Conceição Tamanduá

pertencente aos religiosos de Nossa Senhora do Carmo, Benedita, 18 anos, e Maria de 12.

Francisco Gonçalves, 74 anos, mulato, viúvo, morto em 8 de abril de 1819 e enterrado

na Igreja Matriz. No censo atribuo à ele a identidade de Francisco Roiz, 56 anos, casado com

Inácia Gonçalves, 48 anos, de quem provavelmente adotou o sobrenome posteriormente. No

seu domicílio no bairro do Tinguiquera moravam seus filhos, Maria 24 anos, Ana 22, Maria

19, Isabel 16 e Salvador com 12 anos.

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Tomás Pereira, 80 anos, casado com Liberata Bicuda, morto em 29 de novembro de

1820 e enterrado na Igreja do Rosário. Aparece no censo chefiando fogo autônomo com 70

anos, casado com a mesma mulher mas que nesta data usava outro sobrenome, Liberata

Brigita, 50 anos.

Catarina Cardosa, 70 anos, morta em 26 de novembro de 1817 e enterrada na Igreja do

Rosário. Aparece com 59 anos no censo, casada com Caetano Nunes (il), 60 anos, em seu

fogo no Rocio ou circunvizinhança mora um filho de nome José, 20 anos e uma exposta,

Maria de 2 anos.

Joana Cabral da Assunção, 60 anos, viúva de João Gonçalves Lopes, morta em 8 de

fevereiro de 1801 e enterrada na Igreja do Rosário. Pela falta de informações temos duas

identidades como hipótese, a primeira como Joana Cabral no censo com 62 anos, no seu fogo

no Bairro do Palmitar ainda moravam Mecia de 26 anos e Ana 24, a segunda probabilidade é

Joana casada com João Gonçalves 70 anos, branco, neste fogo na Freguesia de São José,

distrito da vila de Curitiba, ainda moram dois agregados, Antônio e Domingas de 15 anos.

Neste caso, como temos duas prováveis identidades, resolvi não colocar esses domicílios nas

estatísticas posteriores que aparecem na tabela, somente uso as informações que já constam da

lista de óbitos.

Bernarda, 20 anos, filha de Maria Dias, morta em 30 de junho de 1799 e enterrada na

Igreja do Rosário. No censo aparece sua mãe chefiando fogo autônomo no bairro de

Tinguiquera, com 50 anos, parda, viúva, morando somente com sua filha Bernarda, parda, 24

anos.

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2.2. Indivíduos e fogos encontrados no cruzamento das listas – análise dos dados e dos

casos.

Analisando os 09 casos dos confrades da Irmandade do Rosário, postos aqui por

possuírem alforriados ou aparentes descendentes, ou porque não são escravos (maioria da

irmandade), temos pessoas na maioria viúvas e mais velhas dos 50 aos 80 anos, chefiando

pequenos domicílios com uma média de quatro moradores, geralmente, contando com seus

filhos como residentes. Concentrados principalmente no bairro de Tinguiquera que contava

com 124 fogos de acordo com o censo, área camponesa de escravarias pequenas e moradores

brancos em geral, com uma proporção de 16% de fogos de descendentes de libertos, muito

baixa comparando com os padrões de Curitiba de aproximadamente 24%. Esta tendência de

uma área majoritariamente formada por camponeses brancos ter vários confrades do Rosário

não tem explicação factual, muitas probabilidades podem ser revistas, local de fácil

estabelecimento facilitaria essa migração dos descendentes de libertos para a região, como já

levantado no primeiro capítulo deste trabalho80, portanto, muitos libertos e descendentes sem

outra oportunidade, como a população pobre em geral, acabavam migrando e cultivando em

pequenas propriedades para seu sustento, talvez também em razão da pobreza que sofriam

possuíssem tão raros agregados. O grande número de mulheres chefiando fogos entre os

confrades indica pela idade e viuvez, juntamente com um pequeno número de filhos morando

junto com as mães, os outros já poderiam ter se estabelecido em fogo autônomo, demonstra o

manejo desta agricultura familiar. O quadro sobre o bairro Tinguiquera ao final deste capítulo

elucida os dados e números mais importantes para definir o perfil da localidade.

Quando de seus falecimentos apenas um foi enterrado na Matriz, todos os outros foram

enterrados na Igreja do Rosário, prática usual aos membros. Sobretudo pardos, temos que pela

idade quando da morte dos membros encontrados que provavelmente sejam libertos, seus

filhos seriam a geração de descendentes que teria a indicação de pardo, mas não contaria mais

com a enumeração de forro. Nesse levantamento apenas uma mulher tem Forra no seu

sobrenome, exatamente Tereza, casada com um confrade escravo, mostrando que o

esquecimento social da condição é uma realidade, principiada talvez por casamentos com

libertos ou livres.

Revendo os domicílios encontrados temos mais da metade dos fogos autônomos sendo

chefiados por mulheres viúvas, solteiras, ou sem indicação, talvez libertas pelos companheiros

escravos, talvez mantendo relações instáveis, devo lembrar do fato que muitos escravos

80 Para mais informações sobre migrações de libertos e seus descendentes: LIMA, Carlos A. M. Hierarquia social em duas vilas do Paraná no primeiro terço do século XIX.

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optavam por comprar a liberdade de suas companheiras também escravas para que seus filhos

nascessem livres, como também para liberta-las dos senhores que podiam usar sexualmente

suas escravas, mesmo as que mantinham relacionamentos estáveis dentro das propriedades. A

compra dessas alforrias pode ter sido auxiliada pela irmandade a que eram filiadas, prática

comum libertar alguns membros todos os anos, poderia ser preferível libertar mulheres pelo

mesmo motivo de filiação levantada logo acima. Outra conclusão é de que muitos

relacionamentos estáveis, ainda considerando que seriam libertos, podiam começar nas

propriedades entre os escravos, mesmo que num primeiro momento não fossem oficializados

pela Igreja, mas, num segundo momento tem-se que o casamento cristão era prática recorrente

entre os irmãos, obviamente por influência de suas práticas e crenças religiosas católicas

ligadas à irmandade.

Terminando as questões levantadas neste capítulo creio que para ilustrar melhor todo o

contexto em que os confrades e os domicílios a que pertenciam estavam inseridos, montamos

algumas tabelas com as principais informações dos envolvidos.

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Tabela 1. Domicílios dos confrades encontrados comparados aos fogos de Curitiba-1797.

Confrades Todos n. de homens81 5 974 n. de mulheres 4 272 n. sem indicação de sexo 0 18 n. de fogos com escravos

0

243

n. de fogos sem escravos 9 1021 n. de chefes brancos

0

111

n. de chefes não-brancos 5 312 n. de chefes forros 1 11 n. de chefes sem informação de cor 3 841 n. de chefes homens solteiros

0

32

n. de chefes homens casados 3 864 n. de chefes homens viúvos 1 52 n. de chefes homens sem indicação 0 26 n. de chefes mulheres solteiras

0

43

n. de chefes mulheres casadas 0 2 n. de chefes mulheres viúvas 3 167 n. de chefes mulheres sem indicação 0 60 n. de chefes com filhos co-residentes

6

993

n. de chefes sem filhos co-residentes 3 271 n. total de filhos co-residentes 21 3568 n. médio de filhos co-residentes 2,3 3,6 n. de chefes com agregados82

1

368

n. de chefes sem agregados 8 896 n. total de agregados 1 773 n. total de agregados parentes 1 146 n. médio de agregados 0,11 2,1 n. de chefes com expostos

1

53

n. de chefes sem expostos 8 1211 n. total de expostos 1 76 n. médio de expostos 0,11 1,4 Fontes: Arquivo do Estado de São Paulo. Lista de habitantes de Curitiba, 1797 (cópia microfilmada pertencente ao DEHIS/UFPR); Arquivo da Cúria Metropolitana de Curitiba. Freguesia de Nossa Senhora da Luz – óbitos, 1765-1820.

81 Homens, e abaixo mulheres, que chefiam os domicílios dos confrades. Para as demais informações individuais levo em conta o casal quando existe. 82 Considero agregado qualquer parente que não seja filho do chefe de domicílio.

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Tabela 2. Domicílios do Bairro de Tinguiquera.

Informações sobre os chefes de domicílios Quantidade Total de domicílios 124 Chefiados por homens 98 Chefiados por mulheres 25 Sem indicação de sexo 1 De 17 até 30 anos 33 De 31 até 50 anos 46 Acima de 51 anos 45 Pardos 20 Sem indicação de cor 104 Solteiros 3 Casados 90 Viúvos 31 Agregados nos fogos 7 Média de agregados 1,4 Expostos nos fogos 3 Fogos com escravos 3 Fogos sem escravos 121 Média de filhos co-residentes 2,83 Média de escravos 5,5 Fontes: Arquivo do Estado de São Paulo. Lista de habitantes de Curitiba, 1797 (cópia microfilmada pertencente ao DEHIS/UFPR); Arquivo da Cúria Metropolitana de Curitiba. Freguesia de Nossa Senhora da Luz – óbitos, 1765-1820.

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CAPÍTULO III.

Processos civis e judiciais de Curitiba e São José dos Pinhais entre 1797 e 181583.

As fontes processuais são 178 documentos em bom estado de conservação, guardados

no Arquivo Público do Estado do Paraná, consultados no período entre Abril e Maio de 2006,

processos judiciais e civis de Curitiba e São José dos Pinhais do período entre 1797 e 1815

descritos como: ação, agravo, apelação, autuação, crime, despacho, devassa, embargo,

execução, injúria, justificação, libelo, livramento, mandado, reclamação, requerimento e

translado84. Foram escolhidos 28 para trabalharmos neste texto, 16,29% do total, somente os

processos que possuem não brancos, escravos, forros e descendentes, por cor ou condição,

fazendo parte ativa dos processos, como testemunhas ou como parte da ação, dentre estes, 11

documentos possuem forros fazendo parte, 6,17% do total.

Os processos judiciais, bem como outros documentos que pudessem ter sido

contemplados apresentam-se como documentos sociais, armazenando informações preciosas

sobre o cotidiano social da pessoa, além de sua função primeira de inquirir, nos processos

analisados neste trabalho muitas informações e características são encontradas nos meandros

do texto judiciário. A escolha de determinados tipos de processos em detrimento de outros

ocorreu para atender algumas exigências, como o tempo para conclusão da pesquisa e a sua

pertinência para com o tema, concluímos que processos como inventários ou testamentos não

se encaixavam no nosso esquema, por mostrarem informações no momento relevantes ou,

como com os testamentos, mostrarem como o autor do processo queria ser visto e lembrado,

83 Arquivo Público do Estado do Paraná. 84 Ação: processo forense, intentar uma ação contra alguém. Agravo: recurso a juízo ou a tribunal superior em casos expressamente determinados, contra sentença ou defeito na forma de processo, para que se modifique ou reforme despacho ou sentença de juiz ou instância inferior. Apelação: recorrer à instância imediatamente superior para pedir reforma de decisão definitiva de juízo inferior. Autuação: processar. Crime: transgressão de um preceito legal; infração da lei e da moral; delito; ato punível, que merece repreensão ou castigo. Despacho: nota de aprovação ou reprovação dada por autoridade em petição ou requerimento; despacho no qual o juiz, antes da sentença final, se pronuncia sobre as irregularidades e nulidades, legitimidade das partes e sua representação, mandando sanar o que puder. Devassa: sindicância para averiguação de ato criminoso; inquérito. Embargo: impedimento à execução de uma sentença, do uso livre de bens; retenção do uso de bens ou de rendimentos. Execução: cumprimento de sentença, depois de transitada em julgado. Injúria: ofensa, insulto, afronta, detrimento. Justificação: justifica-se perante a justiça sobre algo. Libelo: exposição articulada do que se pretende provar contra um réu. Livramento: ato ou efeito de livrar; libertamento; resgate. Mandado: ordem de autoridade judicial ou administrativa; ordem imperativa de superior para inferior. Reclamação: protesto de uma decisão junto do próprio órgão que a proferiu. Requerimento: petição por escrito dirigida a alguma autoridade. Translado: Transcrever, transportar, transferir. FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 25 ed. São Paulo: Globo, 1992. Magno. Dicionário brasileiro da língua portuguesa. Globo distribuidora de livros. Priberam. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx?pal=execu%E7%E3o> Acesso em: 9 jul. 2006.)

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atendendo às exigências sociais de postura e colocação que nada tinham de “naturais”, mas de

auto-afirmação perante a sociedade do período.

Alguns pontos pedem esclarecimento para o leitor da pesquisa, decidimos padronizar

nomes e expressões para o português atual, mesmo quanto à grafia, por exemplo Joam

transcrevo aqui como João. Quanto à interpretação das informações contidas nos documentos,

deve-se atentar que algumas letras são muito parecidas o que pode levar a erros de leitura por

parte da autora, mas que não comprometem diretamente o andamento do trabalho, caso do “s”

e do “z”. Entre parênteses seguido de “?” estão termos que não consegui distinguir com

certeza e (il) uso para palavras totalmente ilegíveis na leitura do documento. Os processos

seguem alguns padrões, dentre eles estão as colocações das testemunhas, aparecem divididas

entre as partes que corroboram ou acusam, seguindo o contexto social da época algumas

testemunhas tem mais crédito quanto à sua palavra e são preteridas à escolha das partes, tais

critérios de qualificação podem ser a cor, condição social, estado conjugal, ocupação, sexo,

idade. Lembrando que todos os aspectos dos envolvidos nos processos contam para sua

conclusão, a conduta moral pode agravar um crime, por exemplo. Neste capítulo abordamos

homens de cor, escravos85, libertos, descendentes, ou livres, retirei os processos que possuíam

apenas brancos por não fazerem parte do enfoque deste estudo.

85 Neste capítulo, bem como no primeiro, também trato de escravos mesmo não sendo o centro deste trabalho, porque creio que estes ajudam na construção do contexto do período e posteriormente do perfil dos homens de cor inseridos na sociedade, para definirmos a postura geral quanto aos não-brancos e localizarmos alguns que estavam transitando para a liberdade, caso de duas tentativas de compras de alforria, por exemplo.

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3.1. Processos – narrativa de casos.

A narrativa dos casos trabalhados está ordenada por temas gerais e por data, a descrição

segue o critério básico de organização do próprio documento, aqui extremamente simplificado

até mesmo para facilitar a leitura, além de cortar partes técnicas que são comuns à todos.

Primeiro o tipo do processo, logo em seguida o nome das partes envolvidas, depois o que está

ocorrendo, testemunhas arroladas, assim por diante até a conclusão quando há. Todos

julgados na vila de Curitiba, comarca de Paranaguá. Os números totais de testemunhas em

cada processo levam em consideração somente as testemunhas nomeadas nos documentos

originais.

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3.1.1. Dos processos que contém escravos.

Primeiro de agosto de 1799, requerimento entre João Banguella e Joana Cordeira. João

teria 6.400 contos de sua avaliação para comprar sua liberdade, da viúva de seu falecido dono

João de Meira Collaço, pede também para não ser castigado, diz ainda que um tal Miguel

andava galanteando a escrava com quem se casou. Porém, a dona afirma que nunca soube de

avaliação, nem entrou em acordo para compra da alforria do escravo, este se achava com seu

marido quando este morreu e daí deve ter vindo o dinheiro que diz ter, que compraram o

escravo porque precisavam dele, e que o cativo só disse ter ciúmes Miguel, filho da

proprietária, para ter motivo perante o juiz de comprar a alforria dele e de sua mulher, tanto

não concorda como o quer novamente em sua casa para que volte a cumprir suas obrigações

de escravo a que vem faltando:

“Este escravo nunca me tocara em partilha pelo falecimento de meu marido, mas sim foi adjudicado para pagamento de dívidas, do mesmo casal, as quais eu remi pelas rogativas do mesmo escravo, para que me ficasse conservado na minha casa, e escravidão em que se acha, retorquindo me agora a beneficio com se levantas comigo. Eu quando pedi dinheiro emprestado para compra do suplicante foi porque precisava dele para me servir, não tem este direito algum para me obrigar a que o vendo, nem lhe de alforria, pois tenho a meu favor a Luz do Rei no Lº 4º ttº (?) em princípio, que determina ninguém seja obrigado a vender o que é seu, contra sua vontade. O suplicante em sua freguesia tão pobre, em que os servimos de um escravo doente/como ele confessa no seu requerimento pode avultar para que licitamente adquirisse ad inventário que inculca, salvo se o furtou a suplicado ou a seu (inventário?) em Taubaté, quando este morreu para se achar só com ele. O segundo fundamento (havendo portanto?) dos ciúmes que diz tem de um dos meus filhos, é pretexto para conseguir o que intenta: porém senhor Juiz Ordinário eu trato (verde?) e tenho vivido sem nota do meu procedimento e por isso a (diante?) responderia, e aos magistrados pela conduta da minha família, e ao suplicante que trate de cumprir com os deveres de bom escravo se quiser também que lhe trate com ele humanidade. É o que posso responder (...)”86.

Tratando do mesmo tema, a compra da liberdade, contrariamente ao anterior, neste

processo de vinte e sete de maio de 1812 houve acordo. Em libelo do suplicante Manoel

Cardoso Teixeira perante a Ouvidoria Geral, Manoel, escravo que foi do falecido Capitão Mor

Francisco Teixeira Coelho teria sido avaliado em 153.600 réis, discute a compra de sua

liberdade e de sua mulher Constancia, com a viúva do falecido, Gertrudes Maria dos Santos, e

seus herdeiros. Pagaram a quantia e foram declarados livres pois tiveram aceitação dos donos,

o processo termina em 8 de agosto de 1811, existem mais textos até o final mas parecem ser

somente trâmites legais87.

Três de fevereiro de 1803, agravo entre Felisberto, escravo do Reverendo Francisco

Pacheco de Oliveira, e a Justiça, agravada, sobre um arrombamento seguindo de roubo na

casa de Anna Maria da Luz e pelo ferimento feito em Manuel, escravo do Tenente Manuel

Teixeira de Oliveira Cardoso. Dentre as trinta testemunhas estão sete portugueses e um pardo

86 Arquivo Público do Estado do Paraná. Caixa 7, JP 111. 87 Ibid. Caixa 208-B, JP 6024.

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forro vindo do Continente do Sul, todos acusando, de acordo com a justiça se enganaram de

pessoa, não existiriam provas suficientes, decretando absolvição em 16 de março de 180388.

Também tratando de um arrombamento, mas dessa vez em uma cadeia, seguida de fuga

de presos, é o processo de dezesseis de novembro de 1807, translado do auto de prisão de

catorze de maio de 1807, a Justiça como autora e Lucio como réu, este mulato, natural de

Porto Alegre, solteiro, 20 anos, escravo do Reverendo José Joaquim de Escobar. Em oito de

novembro de 1807 teve seu livramento principiado, porque todas as 27 testemunhas lhe

abonaram em defesa, entre elas estando 6 portugueses e 6 crioulos89 sendo absolvido da culpa

e solto pelo Alferes Francisco da Costa Pinto, em 23 de novembro de 180790.

Vinte e seis de março de 1811, auto de devassa entre João de Medeiros Gomes, autor, e

os réus Gertrudes Batista, seu filho José, Francisco Costa e seu escravo Antônio, por

ferimentos feitos em Joaquim Ribeiro e sua mãe Maria Nunes, moradores de São José dos

Pinhais. De acordo com os 30 depoimentos, dentre os quais muitos moradores da mesma

localidade, os réus deveriam ser presos, porém, há uma anotação ao lado da sentença que diz

“Estes quatro réus estão livres por sentença” do Ouvidor, ao final pede que venham

testemunhas91. Dos mesmos autuados é o livramento de dois de julho de 1811, do promotor

de justiça como autor e Francisco Bueno, Antônio, Gertrudes Batista, e José, apresentam carta

de perdão sobre os ferimentos feitos em Joaquim Ribeiro e sua mãe Maria Nunes. Constam do

translado da culpa as mesmas testemunhas referidas acima mais uma, foram então absolvidos

já que perdoados pelos que sofreram o crime, em treze de julho de 181192.

Nove de julho de 1811, Vicente, escravo do Reverendo Padre José Ribeiro da Silva pede

seu livramento, estava preso por dois crimes, ferimentos feitos em Alberto, escravo que foi de

Dona Gertrudes Baptista e hoje é de João Damaceno Monteiro, e também em Dona Ignácia

Ferreira de Loiola. Teve perdão e estava em tempo de indulto93, do que foi contemplado,

sendo absolvido e “ficando sempre direito salvo a queixosa D. Ignácia”, em 13 de julho de

181194.

88 Ibid. Caixa 12, JP 189. 89 Considero como tais todos os possuem a denominação de crioulo, bem como, os indicados como de naturalidade brasileira. 90 Ibid. Caixa 20, JP 322. 91 Ibid. Caixa 21, JP 337. 92 Ibid. Caixa 22, JP 369. 93 Comutação ou redução de pena; perdão; concessão de graça. (PRIBERAM. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx?pal=indulto> Acesso em: 10 jul. 2006) 94 Ibid. Caixa 21, JP 348.

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Dezenove de março de 1814, libelo entre a Justiça e o suplicado Manoel, escravo de

Manoel Antônio que teria sido perdoado de pancadas que deu em Bernarda de Lima, parda

forra. Foi absolvido da culpa em 22 de março de 181495.

Quinze de janeiro de 1808, justificação de Aurélio da Costa Portela para a Ouvidoria

Geral, o proprietário de uma escrava chamada Joaquina quer provar que em sua ausência esta

teve três crias, e que as consumiu sem ele ver. A escrava confessou que teria entregue uma

filha a Joaquim Leme, pai das 3 crianças, que se batizou por filha de Vitória Mendes, parente

de Joaquim, assim, o autor pede que sejam inquiridas as pessoas e os familiares envolvidos.

Dentre as testemunhas está Inocêncio Antônio, casado, natural de Portugal, lavrador, 31 anos,

que afirmou estar na noite do suposto parto fulgando com Vitória Mendes, irmã de Francisco

Mendes, e ao amanhecer com Anna Mendes, outra irmã, além de ter visto Vitória com uma

criança nos braços. Vitória Mendes, forra, solteira, vivendo debaixo de patrio poder, 25 anos,

disse que pariu sua filha entre a casa de Antônio Pinto e Manoel Pereira e que o pai era Rafael

de Mello Soares, filho de Catherina de Mello. As outras testemunhas se dividem, alguns

afirmando que Vitória estava realmente grávida de sua filha, outros falando que não tinham

notado prenhez nenhuma. Sua mãe, Francisca Mendes, viúva, vivendo de suas agencias, 50

anos, relata que sua filha Vitória teria parido na rua, na volta de uma novena na casa de

Manoel Pereira, e na casa de Antônio Pinto Bandeira uma escrava também de nome Vitória as

recolheu e ajudou, trouxe panos limpos, cortaram o cordão do bebê e enterraram os restos do

parto por lá, sendo assim Joaquim Leme é seu neto. Diante destas declarações o autor então

pede que mostrem onde enterraram os restos para ser provado que houve um parto, mais uma

vez Vitória Mendes depõe e relata a mesma versão que a mãe deu no depoimento anterior.

Joaquim, que a escrava disse ser o pai da criança pronuncia que nunca teria recebido criança

alguma. Foi então feito o exame de vistoria e realmente foram achados os vestígios do parto,

dessa forma considerada sem efeito a justificação em 21 de janeiro de 180896.

Cinco de setembro de 1812, apelação entre Miguel Francisco Braga, apelante, e João

Pinto Ribeiro, apelado, este teria recebido a escrava Lourença, de Miguel e Anna Maria

Gonçalves, para curar feridas “horrendas” feitas nela pela mulher, porém, os proprietários se

recusaram a pagar as despesas, expõe inclusive que a escrava se achava muito maltratada.

Anna Maria alega que tem direito de castigar e de curar as moléstias, pede que a escrava lhe

seja entregue. Em sete de setembro de 1812 é revogada decisão anterior de pagamento de

95 Ibid. Caixa 22, JP 364. 96 Ibid. Caixa 201, JP 5844.

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4160 réis de penhora e custas, fica dito que os embargos estão provados e que o apelado

pague as custas97. O proprietário fala com ironia à justiça:

“seria bom os snros dos escravos não tivessem poder para os castigar, ou se os escravos tivessem favor da justiça para poderem querelar de seus sres por qualquer pequena ferida que podia resultar de castigo por que nesse caso não averia quem pudesse conservar escravo algum porque eles procurarião meios com que os senhores os ferissem para se queixarem e criminarem a seus senhores, e aos poucos passos ficariam os mesmos senhores destituídos, porque os escravos viveriam em tal libertinagem que nunca conheceriam senhorio, e nem os mesmos senhores lhes poderião por preceito, e nem responderiam por eles. E como os senhores estão obrigados aos malefícios dos seos escravos e a responder por eles em toda ocasião logo os devem castigar, e indo que deste castigo lhe resulte alguma ferida não deve a justiça conhecer porque as leis lhe não autorizam para isso, e por isso nem aquele juiz devera tomar conhecimento da pequena ferida quer casualmente aconteceu fazer a mulher do Embgte em sua escrava e por isso além das nulidades da penhora não deve o embgte pagar cousa alguma por ter presente quem tratasse da sua escrava como consta dos dois requerimentos juntos”.

Sete de outubro de 1805, justificação de Antonio Joaquim do Nascimento ao Juiz

Ordinário. Antonio, soldado de regimento da cavalaria paga de São Paulo, estava preso na

cadeia e queria provar que se achava no destacamento no comando do Cabo Bueno, quando

da morte do escravo Fortunato Justo dos Santos, além de informar que Quitéria, parda, a que

também culparam do delito foi perdoada e se achava solta. O final do processo parece

inconclusivo98.

97 Ibid. Caixa 208-B, JP 6025. 98 Ibid. Caixa 199, JP 5801.

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3.1.2. Dos processos que contém forros.

Vinte e três de julho de 1802, libelo entre Domingas parda forra, moradora de Santo

Antônio da Lapa, autora, e Joaquim Barbosa Leite, assistente na fazenda dos Carlos Velhos,

réu, sobre a restituição de um menino filho de Domingas que lhe foi tirado de forma violenta

e de má vontade por que a autora se acha vivendo em casa de João Vieira Gonçalves. A autora

diz que vivendo na paragem de Jagoaraiba o réu a inquietou com agrado exterior para que o

acompanhasse à freguesia de Santo Antônio da Lapa, onde naquele tempo residia, estando

prenha e pariu na casa do réu, este conseguiu que ela o servisse por dois anos

aproximadamente como se fosse sua própria escrava, não recebeu nada mais que uma saia e

uma camisa de pano de algodão de pagamento todo esse tempo, por fim sem mais causa que o

ardente gênio do réu e de sua mulher foi expulsa à força. O menino “por se ter apartado do

leite não o quiserão entregar a autora sua mãe”, esta por meios judiciais alcançou que fosse

depositado99 o menino à Joaquim José Leite, porém, depois descobriu que o réu estava em

acordo com o depositário, a autora então queixou-se em juízo do procedimento e conseguiu

removimento do deposito para ficar em poder do Capitão Francisco Teixeira Coelho, a quem

foi entregue pelo alcaide Miguel Gonçalves de Sampaio, mas o réu estava de acordo com este

também, que sem mandado entregou a criança para o réu. A autora se diz miserável, e que o

réu abundante de bens, desobedece aos mandados e despachos, pede que lhe entreguem seu

filho e que o réu pague pelo dolo e malicia com que se tem portado perante a justiça. Já o réu

replica que tentou tirar a autora da prostituição, como esta não conseguiu viver recolhida ele a

expulsou, como o filho era de seu cunhado Serafim José de Oliveira, teria levado a criança

para educar, não quer entregar o mulatinho e diz que o próprio pai o levou temendo que a

autora o roubasse:

“porque a autora é mulata e vive desonestamente e por isso dela se não pode esperar que de boa educação ao filho”.

A autora responde que vive recolhida em casa de João Vieira Gonçalves e sua mulher,

que a estimam como padrinhos de seu filho. De acordo com o réu o pai da criança é que vai

responder o processo, pois tem direitos sobre seu herdeiro já que solteiro na época, o réu vira

então procurador de Serafim que mora na Vila da Faxina, Capitania de São Paulo. A justiça

decide que o réu exiba o menino para proceder ao depósito judicial. Figuram apenas 3

testemunhas chamadas por Serafim, ao que parece não deu tempo da justiça inquirir as

testemunhas da autora, pois o processo termina por falecimento da criança, aos sete dias de

novembro de 1803 em Itupava, bairro da Faxina, com 5 anos, pelo registro de óbito era 99 Depósito é onde se acha a criança, um local para deixa-la enquanto corre o processo, geralmente em fogo alheio ás partes, alguém neutro do caso e dos envolvidos, escolhido pela justiça.

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agregado de Serafim, se mostrava ser branco, foi sepultado na Igreja Matriz. Domingas é

condenada a pagar as custas, já que devido ao falecimento a autora não tem o que litigar, além

de julgar improcedente a ação porque intentou sem motivo porque o menino ficou com o pai

natural100.

Do mesmo tema e de iguais partes é o processo do dia 27de agosto de 1802, agravo

entre Domingas Maria parda forra e Joaquim Barbosa Leite, também pedindo a restituição do

menino Joaquim, dessa vez da casa do Capitão Francisco Teixeira, a autora reclama que foi

concedido 8 meses ao invés dos 30 dias de praxe. O procurador da autora, José dos Santos

Leme fala sobre o processo dizendo que a autora se acha injustiçada, posteriormente

argumenta que o processo é um ultraje contra ela, porque se passaram 9 meses do prazo que

deveria ter sido de 30 dias101.

Vinte e três de março de 1804, o réu Vicente Francisco, pardo, forro, casado, lavrador,

48 anos, pede seu livramento. José Carvalho Pinto em querela contra o réu afirmou veio a seu

conhecimento que o réu foi quem emprenhou sua filha Maria Libania, 13 anos, ambos

moradores de Campos de Ambrosio. As mulheres que entendiam de partos fizeram o exame

do corpo de delito, confirmando que Maria havia sido “penetrada” e estava de 4 meses. De

acordo com as testemunhas do réu, este é casado pela Igreja, vive com muita honra, não

obstante ser mulato preto, seria incapaz de ofender a filha do autor, e que este está sempre

fora de casa, não cumprindo com suas obrigações. Os depoimentos em favor do autor dão

conta que o réu persuadiu a menina a ter cópula carnal, voltando a fazer outras vezes, e que o

réu é acostumado a fazer danos em mulheres casadas. A justiça decidiu que o autor José

Carvalho esteve ausente de suas obrigações de homem casado e pai, que foi por vontade

própria não havendo estupro, além de que as testemunhas apenas ouviram os dizeres da

querelante, que o réu teve a moça como filha pois seu, o querelante que é descuidado do

recato de sua filha, o réu é pessoa honesta e de família, sendo absolvido em vinte e dois de

abril de 1804102.

Dezesseis de agosto de 1805, libelo entre a Justiça e Antônio das Neves, pardo forro, réu

preso na cadeia de Curitiba por culpa em ferimento feito em Manoel Dias da Costa. Neste

processo trata de seu livramento, porque se achava enfermo e ignorar sua culpa. O ferido teria

100 Ibid. Caixa 194, JP 5644. 101 Ibid. Caixa 193, JP 5619. 102 Ibid. Caixa 14, JP 232.

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perdoado o réu, além de não ter ficado com seqüelas, assim, foi absolvido em 11 de março de

1808103.

Seis de maio de 1814, devassa com a Justiça de autora e João Baptista Branco como réu,

auto de corpo delito sobre facadas dadas num homem. Neste caso são inquiridas 28

testemunhas, destas 1 de São José dos Pinhais, 5 de São Paulo e, 16 de Nossa Senhora da

Conceição de Tamanduá, existindo também uma diversidade de cores e condições, 7 brancos,

17 pardos, 3 pretos e, 8 forros. Obrigam as testemunhas à prisão de Modesto Ribeiro e

Joaquim Ribeiro, que sejam presos em segredo de justiça, 15 de maio de 1814104.

Três de Março de 1815, devassa entre Justiça e Domingos José dos Santos. Foram

colhidos depoimentos de 29 testemunhas no total, vemos grande variedade de naturalidades, 1

de Portugal, 1 de Antonina, 1 de Minas Gerais, 1 da Ilha de Santa Catarina, 1 da Bahia, 2 de

Paranaguá e, 8 de São José dos Pinhais, e como no caso anterior também de cores e condições

entre elas, 24 brancos, 4 pardos e 2 forros. De acordo com o testemunho dos inquiridos deve

ser preso o crioulo Bento, escravo do Capitão Luis Ribeiro da Silva por ferir Domingos no

braço com objeto cortante105.

Treze de maio de 1814, libelo entre José Gonçalves do Espírito Santo autor, casado com

Anna Gonçalves, e Joaquim José do Porto, casado com a ré, Josefa Maurícia. Em nove de

maio houve uma festa pública de máscaras onde Josefa induziu e pagou a um “masera”

(João?) Lourenço, filho de Antônio Lourenço, e por este mandou dizer em voz alta à mulher

do autor, falando publicamente que ela havia dormido com um forro, Antônio, sapateiro, fato

que não teria acontecido segundo o autor, não satisfeita a ré teria saido às ruas falando que tal

recado era verdadeiro, convidando os mascarados da rua para falarem junto com ela. A ré

quer separar o casal, a que é acostumada, o autor pede prisão e degredo para ela. Em 8 de

abril de 1814, Joaquim José do Porto desiste dos autos, tendo “sofrido vários desgostos e

trabalhos por causa de minha mulher Josefa Maurícia”, esteve presa e ficou cada vez pior,

vindo o (amigo?) dela me ameaçar com espada dizendo que me mataria se eu a repugnasse,

todos a temem pela má língua, desisto de pagar as custas ou tomar parte dos autos, que ela e o

amigo se defendam. A ré declara que não tem quem a defenda, declarou que Anna teve uma

filha chamada Agostinha enquanto solteira, também andou amancebada com Joaquim dos

Santos, talvez com consentimento do marido, de quem recebeu várias roupas, seis bestas e um

par de esporas de prata, dadas em troca de asneiras carnais, ao que se queixou com o Capitão

103 Ibid. Caixa 15, JP 245. 104 Ibid. Caixa 22, JP 361. 105 Ibid. Caixa 25, JP 405.

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Mor Antônio Ribeiro de Andrade, este teria chamado o marido da autora, constatando que era

“cornudo para seo gosto”, além disso, afirmou que ela também teve ajuntamento carnal com o

preto forro Antônio. O autor rebate e diz que é a ré que vive em mancebia com parente em 3º

grau consangüíneo Cláudio José de Almeida a mais de três anos, o amante não satisfeito que o

marido consentia mandou-a sair de casa, e sobre as roupas que a esposa do autor ganhou foi o

próprio quem as deu, as esporas comprou de Rafael de Siqueira e as bestas de Lucas Baptista,

tabelião, Antônio Ferreira e Joaquim Bellem, por fim, o autor ainda acusa que Cláudio se

gabava publicamente de dormir com a ré mesma cama, o marido dela era humilde quem

sempre brigou foi ela. Há um preto forro envolvido com a ação, foram inquiridas 20

testemunhas, 8 brancos, 1 forra, 1 natural de Pernambuco, 1 de Igoupé e 1 de Portugal, Josefa

acabou sendo condenada ao dobro das custas dos autos mais pena106.

Vinte e oito de janeiro de 1803, processo entre Antonia Maria de Albuquerque, mulata

clara, Anna da Rosa, mulata clara, natural de São José dos Pinhais, viúva, 30 anos, filha de

Antonia, casada com Salvador da Rosa, 50 anos, Manoel da Rosa, mulato, pardo, liberto, 13

anos, filho menor de Antonia, agravantes, e a Justiça, agravada. Os réus pedem seu

livramento, consta terem culpa de uma querela com Mariana de Jesus Costa, por alcoviteiros e

aliciadores de seu filho tomando sua casa e vivendo amancebado com Maria Brites, filha de

Anna da Rosa, e também por serem ladrões formigueiros (furto de quintais alheios). O juiz

concluiu que as provas se mostravam débeis, das duas culpas, por não declararem onde,

quando e, como aconteceu, ordenou que fossem soltos em quatro de fevereiro de 1803107. Do

mesmo dia e dos mesmos personagens é o processo de agravo, entre Justiça, apelante, e

Manoel Pardo, Anna da Rosa e Antônia Maria de Albuquerque, apelados108, bem como o

processo de 31 de janeiro de 1803, agravo entre Salvador da Rosa, agravante, e a Justiça,

agravada, onde trata de seu livramento, a justiça declara-o do mesmo modo inocente em 11 de

fevereiro de 1803109, e por último, ainda do mesmo dia e envolvidos é o livramento entre

Salvador da Rosa e a Justiça, onde houve a baixa na culpa em onze de fevereiro de 1803110.

106 Ibid. Caixa 212-B, JP 6138. 107 Ibid. Caixa 12, JP 194. 108 Ibid. Caixa 13, JP 202. 109 Ibid. Caixa 12, JP 199. 110 Ibid. Caixa 12, JP 196.

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3.1.3. Dos processos que contém não-brancos.

Primeiro de abril de 1807, libelo entre a Justiça e Ricardo da Rosa, 20 anos, pardo,

natural de São José, em que trata os termos de seu livramento por deflorar Francisca. Rosa

Maria, mãe de Francisca (da Rosa?), 12/13 anos, filha de pais incógnitos, exposta em casa de

Maria de Conceição, viúva de José Rodrigues, daria o perdão ao réu se o delinqüente casasse

com a menina, pois estavam juntos à tempos de acordo com seu depoimento. Réu absolvido

em 20 de abril de 1807, no entanto, em dois de fevereiro de 1808 o ouvidor Antônio Ribeiro

de Carvalho revoga a sentença por não ter perdão crimes de devassa especial, por vários

motivos: foi deflorada em campo ermo e despovoado, para assegurar a segurança de todos,

das famílias e dos bons costumes, mesmo prometendo se casar não é isento da pena.

Condenou o réu a 50 mil réis para despesas e degredo de 7 anos para a ilha de Santa Catarina,

advertindo aindo o juiz e o escrivão para que passassem ordem de prisão em segredo para

evitar fuga, termina o documento em 4 de fevereiro de 1808111.

Seis de julho de 1811, livramento de Joaquim Miranda de Almeida, o réu possuía

escritura de perdão de Joaquim César de Oliveira, acerca de ferimentos insignificantes feitos

em Manuel Ferreira e outros irmãos, foi absolvido de acordo com indulto em doze de julho de

1811112.

Catorze de outubro de 1814, libelo entre a Justiça e Escolástica Pedrosa, por um

ferimento feito pela ré em Anna Maria de Almeida. Escolástica declara que foi buscar água

para casa e acidentalmente o pote bateu em Anna, que mostra tê-la perdoado. José Roiz’113

Lanhozo, cabeça da ré sua mulher, pede que seja feita vistoria em Anna Maria de Almeida,

para atentar se lhe ficou algum ferimento ou seqüela. Culpada num primeiro momento, após

recebe exceção e sendo absolvida em 25 de outubro de 1814114. Há neste caso uma variedade

de naturalidades, cores e condições entre as testemunhas inquiridas, 5 naturais de Portugal, 1

natural de Pernambuco, 1 de Sorocaba, 1 de Castro, 1 de Paranaguá, 1 de Campos Oitacazes,

1 de São Paulo, 1 pardo de Minas Gerais e 19 brancos, somando 22 testemunhas no total.

Três de junho de 1803, translado de agravo entre a justiça, agravada e apelante, e João

Fernandes de Morais agravante e apelado, sobre arrombamento e fuga de cadeia de presos

facilitados por Antonio Alves Pereira, 45 anos, mulato, casado. Nenhuma das 9 testemunhas o

viu, foi então absolvido em 15 de junho do mesmo ano115.

111 Ibid. Caixa 20, JP 318. 112 Ibid. Caixa 21, JP 351. 113 Geralmente Roiz ou Roiz’, indicam o sobrenome Rodrigues abreviado. 114 Ibid. Caixa 12, JP 183. 115 Ibid. Caixa 12, JP 195.

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Quinze de fevereiro de 1812, translado de justificação de João Manoel Coelho,

justificante, e Antônio Camargo Moura, Manoel Ferreira Pisco, Tenente Manoel Rodrigues, e

Manoel Antônio de Oliveira, justificados, estes seriam inimigos do suplicante. Julgado como

justificado em 24 de fevereiro de 1812116.

Vinte e cinco de maio de 1812, devassa com autor Juiz José Antônio Pinto, onde foram

inquiridas testemunhas acerca de um corpo achado em sepultura nova atrás dos campos de

Alexandre Dias Ribeiro, no Goujevira, encontrado com vários ferimentos na cabeça, esta

deslocada do pescoço, braço direito quebrado, e que por estar podre não se podia definir se

branco ou pardo. Trinta testemunhas foram inquiridas neste processo, dentre elas 25 brancos e

3 pardos, 1 do Rio de Janeiro, outra natural do Continente do Sul, 2 paulistas, 1 de Paranaguá

e, 1 de Paranapanema. O juiz entendeu pelos depoimentos que devia mandar prender

Victorino Alves, pardo, andante, (forro?)117, natural de Paranapanema, 27 anos, casado,

morador de Castro, pela morte de um Rodrigo de tal com quem vinha para Curitiba118.

116 Ibid. Caixa 208, JP 6015. 117 Por não ter certeza da escrita deste termo no documento, não conto nas estatísticas sobre os forros esta indicação. 118 Ibid. Caixa 21, JP 335.

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3.2. Processos – análise dos casos e indivíduos.

Ao rever os dados sobre os integrantes dos processos temos que escravos não são usados

como testemunhas pela justiça, aparecem envolvidos na ação, quanto aos forros e portugueses

o maior número é de testemunhas, bem como os brancos em geral que aparecem somente

como depoentes, porém, todos esses dados nos revelam uma parte da informação, já que tanto

autores como réus raras vezes possuem nos processos informações mais detalhadas como

ocorre com as testemunhas. Os de naturalidade local não são indicados em razão de serem

imensa maioria, em segundo lugar estão 56 nascidos em São José dos Pinhais. Outros locais

com grande migração para Curitiba são Portugal com 26 naturais, Paranaguá com 21, Nossa

Senhora da Conceição de Tamanduá com 16, São Paulo com 9 e Minas Gerais com 7. Quanto

aos ofícios e ocupações dos presentes nos processos estão 151 lavradores, mostrando que a

composição de Curitiba e arredores era principalmente de famílias camponesas, outros 68

vivem de seus negócios, 18 de seu próprio trabalho e o mesmo número debaixo de pátrio

poder, entre outros. Trabalhando somente com as informações dos libertos temos quatro

vivendo de seus trabalhos, 4 lavradores, 2 costureiras, entre outros, com uma média de idade

de 32 anos, aparecem 5 solteiros, 4 casados e 2 viúvos. A maioria dos documentos acabou em

absolvição e com decisões a favor dos autores, as razões de abertura dos processos judiciais

foram principalmente por ferimentos, encontram-se também 2 arrombamentos, 2 fugas de

presos, 2 roubos, 2 defloramentos e duas compras de liberdade.

Mais importante que informações individuais são as que envolvem o conjunto de cada

documento, os nomes, ocupações, naturalidades, combinados auxiliam a entendermos qual

relação entre as partes, autor e réu, e os demais envolvidos e testemunhas, onde se inserem na

sociedade, quais relações de vizinhança e compadrio, razões que fizeram essas pessoas se

envolverem em processos perante a justiça e na vida cotidiana. Demonstrando, que o homem

de cor não se achava tão excluído como a historiografia pensou durante longo tempo, ao

contrário, participando da ação e construindo sua realidade, nesta analise acreditamos que

muitas das dificuldades pelas quais passavam eram as mesmas sofridas por grande parte da

população pobre de Curitiba do período.

Analisando alguns casos processuais, temos uma tentativa de compra de alforria, de

João Banguella com sua senhora Joana Cordeira119, o escravo além de aborrecer a proprietária

com o pedido, ainda alimentou nela a idéia de que teria roubado o dinheiro que estava

oferecendo para sua compra do falecido marido de Joana, a quem aparentemente

119 Caixa 7, JP 111.

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acompanhava quando faleceu. A senhora chamou o escravo de ingrato e mentiroso, pois teria

inventado que um filho seu, Miguel, estava importunando sua esposa, também escrava da

mesma, para enganar a justiça e conseguir um motivo perante a lei para compra da alforria da

esposa. Ao que parece toda essa irritação é conseqüência de uma negativa em aceitar as

alforrias, combinada com a indignação da evasão do escravo e da ação judicial a que estava

sendo submetida. Ao contrario, o pedido de Manoel Cardoso Teixeira120 foi aceito

pacificamente pela dona e seus filhos, inclusive, aceitando também a manumissão de

Constância, sua mulher, mediante o pagamento das alforrias. Ambos os casos não precisaram

de testemunhas, foram ouvidos apenas os envolvidos por se tratar de um assunto tão privado,

como falado no primeiro capítulo deste trabalho, as alforrias eram de exclusiva conta dos

donos de escravos, a justiça ou o Estado raramente se intrometiam nessa questão,

considerando uma invasão no direito de propriedade do senhor, por isso são poucos processos

que dão conta da ligação senhor cativo, já que esta era principalmente resolvida no âmbito

privado. Do mesmo modo, processos do escravo contra seu dono são raros, ir até a justiça

representava um perigo de retaliação contra ele ou sua família ainda cativa, pois levantar-se

contra o dono irritava o ego, o bolso, e o direito de propriedade do senhor.

Na justificação de Aurélio da Costa Portela121, este pede a inquirição de testemunhas

acerca do sumiço de supostas três “crias” de sua escrava, a própria teria lhe confessado a

atitude. Porém, o que mais chama a atenção neste caso é a suspeita do autor recair sem

motivos aparentes sobre uma forra, Vitória, talvez demonstrando a desconfiança da sociedade

sobre forros e pessoas mais humildes em geral. Os depoimentos mostram que Vitória estava

grávida, mas muitos depoentes não tinham percebido o fato, por isso, quando apareceu com a

criança na época da intriga entre o senhor e sua escrava, recaiu sobre Vitória a fúria do senhor

que se sentia lesado, este só se viu satisfeito quando junto com os nomeados pela justiça foi

até o local do parto e encontrou os restos enterrados ao lado da casa onde a moça e sua mãe

disseram que foram auxiliadas após o parto.

O último exemplo que cito sobre a relação entre escravo e seu dono é a apelação de

Miguel Francisco Braga e João Pinto Ribeiro122, começa em razão de João ter feito uns

curativos na escrava de Miguel e não ter recebido pelo serviço, conforme a leitura do processo

entendemos que as feridas foram feitas pela esposa do proprietário, Anna Maria, que teria

sempre maltratado a escrava. A escrava estava de posse de Manoel para garantir o pagamento

120 Ibid. Caixa 208-B, JP 6024. 121 Ibid. Caixa 201, JP 5844. 122 Ibid. Caixa 208-B, JP 6025.

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da dívida, e os donos pedem sua devolução, além de discorrerem sobre o direito de ferir e

depois curar qualquer escravo. A justiça da ganha de causa aos donos.

O dinheiro e o poder conseguem algumas vezes fazer a justiça pender para o lado mais

fraco. Um bom exemplo disso são os dois processos de Domingas123, parda forra, sobre a

restituição de um filho seu, Joaquim. Durante todo texto dos documentos percebemos como a

justiça favoreceu o ex-proprietário e seu irmão, pai da criança, ambos com muitas posses e de

família aparentemente bem respeitada e com muitas relações sociais. Conseguiram prazos

maiores que os comuns, foram estendendo o processo por anos seguidos. A criança morreu

aos cinco anos ainda em posse do pai, fazendo o processo se extinguir, a autora foi

desacreditada pela justiça que acreditou que o pai da criança não devia nada por ter pego a

criança e criado, estaria no seu direito de pai e não devia mais explicações à Domingas.

Obviamente, nem todos desconfiavam ou menosprezavam homens de cor, a ligação

cotidiana contribuía para isso, no livramento de Vicente Francisco124, pardo, forro, casado,

lavrador, ele é defendido por vizinhos de um defloramento feito em uma menina de 13 anos,

tido como homem honesto por alguns, e o contrário por outros, sendo estes desacreditados

pela justiça que interpretou que os depoimentos contra Vicente foram diretamente

influenciados pelos dizeres da menina. O réu foi absolvido porque a justiça entendeu que o

pai da moça é que não havia cuidado bem dela e de sua família, deixando-a solta. Também

quanto a um defloramento, mas com uma decisão desfavorável foi o processo de libelo de

Ricardo da Rosa, pardo, este acusado e condenado por deflorar e manter várias vezes relações

com Francisca de 13 anos, a mãe da menina tentou um acordo com a justiça, temendo por sua

filha que havia perdido o recato e estava mal vista pela sociedade, perdoou o rapaz se ele se

casasse com a moça, mas a justiça não aceitou e ainda aumentou a pena, para em seus dizeres,

servir de exemplo para assegurar os bons costumes.

Chamamos a atenção para a quantidade de homens de cor e forros que depõem no caso

de devassa sobre facadas dadas em um homem, ao ver da justiça eles obrigam à prisão dois

homens Modesto Ribeiro e Joaquim Ribeiro125. Através desse processo concluo que havia

grande quantidade de libertos e descendentes morando na região da freguesia de Nossa

Senhora da Conceição de Tamanduá, das 30 testemunhas arroladas no documento 16 são

naturais desta localidade, 8 são forros e 20 são não-brancos. Um número muito grande em

comparação com todos os outros processos, aparece inclusive alguns migrantes de São Paulo:

123 Ibid. Caixa 194, JP 5644; Caixa 193, JP 5619. 124 Ibid. Caixa 14, JP 232. 125 Ibid. Caixa 22, JP 361.

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uma parda forra, um preto forro, e uma parda, mostrando que além de concentrar grande

número de não-brancos e libertos, também atraía-os de outras partes do país. De acordo com

os dados do censo e dos processos tem-se que a maioria dos não-brancos concentrava moradia

em São José dos Pinhais, quanto aos forros, estavam principalmente na Fazenda de Nossa

Senhora da Conceição de Tamanduá.

Tentamos demonstrar que o preconceito e a exclusão existiam, entretanto, parecia

importar mais a cor do que a condição, ou então tínhamos pouquíssimos forros em Curitiba,

hipótese pouco provável. Nos processos muitos homens de cor tem seus depoimentos

considerados igualmente aos demais, a convivência nos bairros não aparece tão segregada

também, como demonstrado no segundo capítulo no bairro do Tinguiquera. Nas relações e

aparições dos indivíduos vemos que a marginalização estava direcionada, em Curitiba e

arredores, aos mais pobres e humildes, tanto quanto aos homens de cor.

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Tabela 3. Dados gerais sobre os integrantes dos processos – cores e condições.

Réus/xxados Autores/xxantes Testemunhas Outros envolvidos

Escravos 4 3 - 8 Forros 2 1 13 4 Pretos - - 3 1 Pardos 2 2 33 2 Mulatos 1 - 3 2 Brancos - - 91 - Crioulos 1 1 142 - Portugueses - - 35 2 Espanhóis - - 1 - Cores diferentes para mesma pessoa

1 - - 1

Fonte: Arquivo Público do Estado do Paraná. Processos judiciais e civis, 1797 – 1815.

Tabela 4. Dados gerais sobre os integrantes dos processos – naturalidades.

Local Quantidade Antonina 1 Bahia 1 Campos dos Itacarés 1 Campos do Oitacazes/Goitacazes

2

Castro 1 Continente do Sul 3 Correntes de Castilha 1 Guimarães 1 Igoupé 1 Iguaçu 1 Ilha da madeira 1 Ilha de Santa Catarina 3 Ilhas 2 Itacares 1 Lisboa 3 Minas de Goiazes de Meia Ponte

1

Minas Gerais 7

Nossa Senhora da Conceição de Tamanduá

16

Paranaguá 21 Paranapanema 1 Pernambuco 3 Porto 1 Porto Alegre 1 Portugal 26 Rio de Janeiro 4 São José dos Pinhais 56 São Paulo 9 Santa Catarina 1 Santo Ildefonço 1 Sorocaba 2 Viamão 1 Vila da Carranca 1 Vila do Rio de São Francisco

1

Fonte: Arquivo Público do Estado do Paraná. Processos judiciais e civis, 1797 – 1815.

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Tabela 5. Dados gerais sobre os integrantes dos processos – ocupações.

Ofício Quantidade Lavrador 151 De seu(s) negócio(s)/ de fazenda/ mercantil/ de venda/ de secos e molhados

68

De seu trabalho 18 Debaixo de patrio poder 18 Carpinteiro 13 Ferreiro 10 Alfaiate 7 Sapateiro 7 Latoeiro 6 De suas agências 5 Tropeiro 4 De suas agonias 3 De suas costuras 3 Músico 2 Pedreiro 1 Organista 1 Procurador de causas 1 De andar com seu negócio 1 Ourives 1 Pintor 1 Escrivão e cuida de dízimos e de patrocinar causas nos auditórios 1 Capataz do mato 1 De trabalho de jornal 1 Caldeireiro 1 Capitão de ordenanças 1 Cria animais 1 De tirar madeiras 1 De seu oficio de Carapina 1 De seu oficio 1 Fonte: Arquivo Público do Estado do Paraná. Processos judiciais e civis, 1797 – 1815.

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Tabela 6. Dados gerais sobre os 18 forros que aparecem nos processos.

Informações sobre os forros Quantidade Média de idade 32,6 Naturais da Fazenda de Nossa Senhora da Conceição de Tamanduá

5

Naturais de São Paulo 2 Naturais de Antonina 1 Naturais do Continente do Sul 1 Pardos 10 Crioulos 4 Pretos 3 Mulatos 2 Solteiros 5 Casados 4 Viúvos 2 Lavradores 4 Vivem de seus trabalhos 4 Costureiras 2 Alfaiates 1 Vivem debaixo de pátrio poder 1 Capataz do mato 1 Fonte: Arquivo Público do Estado do Paraná. Processos judiciais e civis, 1797 – 1815.

Tabela 7. Dados sobre os tipos dos processos.

Razão do processo Quantidade Aliciamento 1 Arrombamentos 2 Fugas de presos 2 Roubo/ladrões 2 Defloramentos 2 Ferimentos 8 Devedor de dinheiro 1 Compras de liberdade 2 Senhor reclama crias de escrava 1 Restituição de filho 1 Injúrias 1 Inquirição acerca de um corpo encontrado 1 Justificação que estava em serviço quando de um assassinato 1 Justificação de como vive e de quem são seus inimigos 1 Fonte: Arquivo Público do Estado do Paraná. Processos judiciais e civis, 1797 – 1815.

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CONCLUSÃO

Neste trabalho tentamos mostrar relações e contatos entre os homens de cor e as demais

cores e condições, brancos, libertos, escravos e livres, tomando primeiramente a Irmandade

do Rosário, um dos poucos espaços de convívio em comunidade permitido aos escravos e

demais homens de cor, instituição que além de auxiliar no cotidiano destes personagens,

melhorando a condição social do membro e de sua família, servia ao Estado e à Igreja como

forma de adaptar e moldar essas pessoas de acordo com o modo de viver do “homem branco”.

Analisando casos de óbitos de confrades da irmandade, alforriados ou descendentes,

encontramos a maior parte de mulheres acima dos 50 anos, talvez libertas por companheiros

escravos ou com a ajuda da irmandade, chefiando domicílios autônomos. A grande

concentração destes fogos no bairro de Tinguiquera é curiosa, o local contava com 124 fogos

de maioria camponesa branca, e a moradia de vários confrades do Rosário na região não tem

resposta por enquanto, muitas probabilidades podem ser revistas, poderia ter sido um local de

fácil estabelecimento que atrairia essa migração de descendentes de libertos para a região,

contudo, não nos parece consistente ainda.

Dos dados recolhidos no terceiro capítulo nos processos judiciais temos, quanto aos

forros, que o maior número era de testemunhas, dentre as pessoas que aparecem os de

naturalidade local são imensa maioria, depois estão 56 nascidos em São José dos Pinhais,

Portugal com 26 naturais, Paranaguá com 21, Nossa Senhora da Conceição de Tamanduá com

16, São Paulo com 9 e Minas Gerais com 7. Mostrando que a composição de Curitiba e

arredores era principalmente de famílias camponesas, temos 151 lavradores, e em segundo

lugar nas ocupações 68 vivem de seus negócios. A combinação entre as informações das

testemunhas, partes envolvidas, autores, réus, nos dá uma grande ajuda para esboçar as

relações entre as pessoas, as circunvizinhanças, as classes sociais, onde se inserem na

sociedade, encontrando os homens de cor construindo sua própria realidade cotidiana, onde

muitas das dificuldades que enfrentavam eram as mesmas da população pobre de Curitiba do

período.

Durante toda a pesquisa e construção do trabalho a intenção foi mostrar como os

homens de cor se relacionavam entre si e os demais indivíduos. Ao início pensamos encontrar

pessoas mais submissas, tentando ainda se inserir na sociedade, saindo das amarras dos

senhores de escravos, porém, conforme encontramos diversas informações individuais e

coletivas temos que, mesmo que certo respeito ou medo ainda ocorressem, muitos dos passos

dos libertos e descendentes eram em direção à sua autonomia. Percebemos o

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desvencilhamento dos locais onde os forros foram escravos, seus descendentes morando em

localidades mais distantes, deixando os traços do cativeiro. Muitos libertos de Curitiba

migravam para locais distantes da escravaria local, onde conseguiam mais chance de

estabelecimento e sobrevivência, isto porque em Curitiba e região temos uma divisão comum

à outros locais, a faixa central era ocupada por brancos e grandes proprietários, em volta se

distanciavam até os limites da região os de menor poder aquisitivo e social, principalmente

em São José dos Pinhais e em Nossa Senhora da Conceição de Tamanduá, atual região de

Campo Largo.

Outro dado importante encontrado e que pode favorecer pesquisas mais intensas foi um

documento em especial, o caso de devassa sobre facadas dadas126, onde as testemunhas

obrigam à prisão dois homens, nesse processo muitos dos depoentes moram na freguesia de

Nossa Senhora da Conceição de Tamanduá, 16 são naturais, 8 são forros e 20 são não-

brancos, também aparecem alguns migrantes de São Paulo: uma parda forra, um preto forro, e

uma parda, mostrando que além de concentrar grande número de não-brancos e libertos,

também atraía-os de outras partes do país. Em razão da região ter estado no caminho de

passagem dos tropeiros é admissível que muitos libertos e outros homens de cor tenham se

dirigido à ela para estabelecer moradia, trabalhar como tropeiros, ou em vendas de

abastecimento para eles.

Existem ainda muitos documentos que podem ser usados em pesquisas futuras sobre os

espaços e a sociabilidades dos indivíduos de cor, provavelmente muitas de nossas dúvidas

sejam esclarecidas com uma maior leitura e articulação de tais informações. Tentamos

demonstrar que o preconceito e a exclusão existiam, entretanto, existem nos processos muitos

homens de cor com seus depoimentos considerados igualmente aos demais, vemos que a

marginalização estava direcionada, em Curitiba e arredores, aos mais pobres e humildes,

mesmo que brancos ou não-brancos.

126 Ibid. Caixa 22, JP 361.

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FONTES

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Arquivo do Estado de São Paulo. Lista de habitantes de Curitiba, 1797 (cópia microfilmada pertencente ao DEHIS/UFPR).

Arquivo Público do Estado do Paraná. Processos judiciais e civis, 1797 – 1815. • Caixa 7, JP 111. • Caixa 12, JP 183, 189, 194, 195, 196, e 199. • Caixa 13, JP 202. • Caixa 14, JP 232. • Caixa 15, JP 245. • Caixa 20, JP 318 e 322. • Caixa 21, JP 335, 337, 348, e 351. • Caixa 22, JP 361, 364, e 369. • Caixa 25, JP 405. • Caixa 193, JP 5619. • Caixa 194, JP 5644. • Caixa 199, JP 5801. • Caixa 201, JP 5844. • Caixa 208, JP 6015. • Caixa 208-B, JP 6024 e 6025. • Caixa 212-B, JP 6138.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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