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Os Índios dos Sertões: Os Puris de Campo Alegre na visão dos
Memorialistas do Século XVIII e XIX
Enio Sebastião Cardoso de Oliveira
Doutorando em História Política UERJ
INTRODUÇÃO
No final do século XVIII e início do XIX foi marcado pela passagem da Antiga
região de Campo Alegre, que hoje seria a macro região centro sul do Vale do Paraíba
Fluminense, de viajantes e cronistas que desenvolveram vários relatos e iconografias dos
índios Puris que habitavam a região. No contexto de virada do século e grande parte dos
oitocentos, esses trabalhos tornaram-se importantes referências historiográficas na
construção da visão do colonizador em relação aos índios Puris de Campo Alegre,
freguesia que em 1801 tornou-se vila, e em 1848 foi elevada a categoria de município de
Resende. Na visão desses cronistas, também chamados de memorialistas, esses índios eram
classificados em duas formas: como “índios bravos”, que viviam numa região considerada
ainda como Sertão, que possuíam hábitos tidos como “selvagens”, bem diferentes dos que
o colonizador estava acostumado, ou eram vistos como índios mansos, que em condições
de aldeados, no caso do aldeamento de São Luís Beltrão de Campo Alegre, onde eram
mantidos em contatos relativamente amistosos de trocas sociais, de comportamento
amigável e muitas vezes receptivo ao homem europeu que se via como “civilizado”.
Dentro de uma análise historiográfica, neste trabalho, discordamos da máxima de
que esses cronistas tratavam os índios como se fossem apenas dois blocos com
características gerais no final do século XVIII e XIX, divididos em tupis no litoral
fluminense e tapuias no interior, mas sim, ao contrário disso, no referido período, esses
viajantes já possuíam ângulos e olhares diferenciados, explicitados a partir de suas
iconografias e relatos, do interior dos “sertões” da província, onde procuraram descrever a
vida dos puris e outras etnias da antiga Campo Alegre, onde hoje é o médio vale do Paraíba
fluminense. Numa região que no século XIX, passou a sofrer de forma cada vez mais
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acentuada e sistemática do avanço das fronteiras agrícolas, levando a diminuição de sua
área com a formação de outras freguesias, diminuição que não reduziu sua importância
econômica e política, fato comprovado com a formação do município de Resende no
antigo arraial e freguesia de Campo Alegre. Neste quadro não podemos deixar de levar em
consideração conceitos e modelos de uma sociedade colonial e pós-colonial do período em
que esses cronistas memorialistas estiveram na região que direta e indiretamente
influenciaram em suas observações, mas que mesmo assim romperam com apreciações
anteriores que, em certa medida, influenciaram uma nova historiografia que tirou a
temática indígena de um posicionamento pouco crítica por parte dos pesquisadores, saindo
do campo meramente antropológico para um modelo historiográfico com uma visão crítica
dessas sociedades indígenas.
“OS ÍNDIOS EXÓTICOS E OS ÍNDIOS BRAVOS”
Na visão desses cronistas os ameríndios que viviam nessas terras tinham hábitos
bem diferentes dos costumes ditos “civilizados” europeus, desta forma por muito tempo
eram considerados seres sem almas (Sem Deus, Lei e Rei) dentro dos conceitos do século
XVI e XVII, uma visão colonizadora e rasa sobre as diferentes etnias, praticamente
colocando o índio como elemento nativo pertencente a dois blocos: o do litoral que foi
rapidamente dominado e o do interior, o “índio bravo” que ocupava o desconhecido sertão.
Porém, com o advento do Diretório Pombalino (1755), ocorreram algumas mudanças
significativas como o casamento misto, a utilização da língua portuguesa nas aldeias, a
transformação de aldeias em vilas e freguesias, criação do cargo de Diretores de Aldeia e
retirada da catequese dos índios das mãos da poderosa ordem Jesuítica, dentro de um
caráter assimilacionista (ALMEIDA, 2007, p. 191 – 212) numa tentativa de transformar os
índios em verdadeiros vassalos do rei (DOMINGUES, 2000, p.68 ).
No entanto, o diretório Pombalino não atingiu o efeito esperado, pois além de ser
adaptado as necessidades e aos interesses políticos locais (OLIVEIRA, 2012, p. 54), não
conseguiu assimilar o índio, principalmente no interior da província fluminense, onde a
resistência cultural indígena dentro de um campo multicultural e até mesmo intercultural
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sobrepôs a uma cultura “monolítica” (SORIA, p.2) assimilacionista proposta pelo
Diretório.
Neste cenário retornamos a região de Campo Alegre onde se pode observar a
formação de uma política indigenista que levou a formação do Aldeamento de São Luís
Beltrão, habitada em sua maioria pelos índios puris do tronco linguístico macro-gê (jê)
(FREIRE, MALHEIRO, 2010, 7 e 8).
Sobre esses índios foram relatados e também retratados por muitos cronistas do
século XIX como “exóticos” de comportamento “manso” para alguns, dentro do
pensamento Ilustrado europeu, dignos de estudos antropológicos e outros como “bravo”,
selvagens de comportamento quase animal que seriam mais bem classificados pela
zoologia (MOREL, 2001, p.1039-1058).
Podemos perceber a existência de uma linha tênue entre o que seria um “índio
bravo”, guerreiro, que não deixava se submeter e que atrapalhava a marcha colonizadora e
os “índios mansos”, aqueles que tinham aspectos e atitudes amigáveis, em certa medida, o
índio negociador, comportamento explicado pela própria necessidade da manutenção de
sua sobrevivência, que no século XIX, seriam feitas com líderes locais, presidentes de
provinciais e a coroa do novíssimo Império Brasileiro. Mas, bravo ou manso, exótico ou
selvagem, esse índio era algo que atrapalhava a tal macha colonizadora, e o seu extermínio
ou a sua assimilação, isto é, o seu completo desaparecimento, era algo inevitável, para
muitos, e a saída para o crescimento do Império Brasileiro e suas províncias.
A posição de personalidades como José Bonifácio, que defendia métodos brandos
no domínio dos índios, mas que ao mesmo tempo acreditava no seu desaparecimento como
algo inescapável. Desta forma, vários mecanismos foram utilizados para afastar a
indesejável presença dos índios, uma delas é ter o índio sob uma perspectiva de
invisibilidade, isto é, tentar acaboclá-lo, identificá-lo como mestiço, ou como pardo, não
reconhecendo sua etnicidade, ou fazendo desaparecer dos documentos oficiais
(MALHEIROS, 2008, p.3), era o índio sem identidade oficial, o índio sem
reconhecimento, que viabilizava a retirada do direito a terra, patrimônio indígena
sustentado enquanto este fosse reconhecido como tal. (CASTRO, 2006, p.13).
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A IMAGEM E O IMAGINÁRIO PURI
O primeiro registro dos índios puris feito por um viajante ocorreu ainda no século
XVI, onde o corsário Inglês Antonio Knivet, em expedição pelo interior do que seria a
Capitania do Rio de Janeiro, no Vale do Rio Paraíba, contatou grupos de índios conhecidos
como “Porie” nas florestas marginais ao rio Paraíba do Sul. O encontro foi uma
consequência da missão ordenada por Martim de Sá, que segundo o relato de Knivet:
“Vendo Martim de Sá que eu o servia com solicitude, ordenou-me que com oito dos
seus escravos, carregados de machados e facas, fosse buscar um outro gênero de
selvagens chamados Pories (Puris), que haviam igualmente assentado pazes com os
portuguezes; desde muito, porém, os portuguezes os não procuravam”. 1
A existência de índios Puris na região do Médio Vale do Paraíba, no Sul e Centro-
Sul do atual Estado do Rio de Janeiro, do conhecimento por parte do colonizador, é bem
mais antiga que os apontamentos dos viajantes do final do século XVIII e principalmente
do XIX. Vejamos o mapa de Knivet ,que andou pelo vale entre os anos de 1596 a 1597.2
1KNIVET, Antonio. Narração da viagem que, nos annos de 1591 e seguintes, fez AntonioKnivet da
Inglaterra ao mar do sul, em companhia de Thomaz Candish. RIHGB, Tomo XLI parte 1ª. Typ. De Pinheiro
& C. Rio de Janeiro, 1878, p 211. 2Anthony Knivet e a região do Vale do Paraíba. Almanaque Urupês, em dezembro 27, 2012. http:/
/www.almanaqueurupes.com.br/portal/textos/anthony-knivet-e-a-regiao-do-vale-do-paraiba
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Porém, um conflito com outra etnia, poderia ter sido o motivo da ocupação Puri na
região. Joaquim Norberto de Sousa Silva defende a tese de que os Puris, depois de serem
fustigados pelos Botocudos, deixaram a “Serra da Mantiqueira”2, e se deslocaram para a
Região de Campo Alegre, região demonstrada no mapa de 1824, que compõe o acervo da
Biblioteca de Lisboa, mostrando onde hoje é o Centro-Sul do Vale do Paraíba Fluminense.
2 SOUSA SILVA, Joaquim Norberto, Revista do Instituto Histórico e Geográphico do Brazil. Memória Histórica das Aldeias do Rio de Janeiro, 3ª Série, Nº 14 – IHGB, 1852. p. 243.
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De forma geral, Joaquim Norberto de Silva e Sousa deixou um importante trabalho
oitocentista sobre os índios do Rio de Janeiro, a sua obra “Memória Histórica
Documentada das Aldeias do Rio de Janeiro”, publicada pela IHGB, um importante
instrumento de consulta de pesquisadores, pois relatam, mesmo em alguns casos de forma
sucinta, a formação de vários aldeamentos, inclusive os chamados “tardios de fronteira”,
do final do século XVIII e começo do XIX.
No entanto, outros memorialistas e viajantes deixaram importantes contribuições,
algumas em forma de imagens e outras em relatos sobre os índios. Cronistas que viajaram
pela região da província do Rio de Janeiro como foi o caso de Jean-Baptiste Debret (1768-
1848) no início do século XIX, importante pintor que liderou a “Missão Artística
Francesa”, procurou
demostrar em suas
pinturas e relatos o
cotidiano do Brasil
joanino. Debret retrata e
seu livro Viagem
pitoresca e histórica ao
Brasil (DEBRET, 1989),
um importante trabalho
que, dentro de um
contexto oitocentista,
procura mostrar cenas de
índios, numa
interpretação do que seria
uma condição exótica para a época, num misto de atitudes
Imagem: Índios Civilizados – Botocudos, Puris, Maxacalis e Pataxós
“bravas” e “selvagens” e ao mesmo tempo “mansas” e “civilizadas”. Podemos perceber
que apesar da figura, no texto explicativo a imagem reporta como tribos de índios
civilizados “Botocudos, Puris, Maxacalis e Pataxós".
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A representação da cena é feita de forma sombria, com índios vivendo em uma
floresta esfumaçada devido à presença de fogueiras, onde estão assando algum animal,
parecendo ser de um macaco, muito consumido pelos índios ou de um tatu, trazendo
aspectos dicotômicos já que existem expressões que para os critérios oitocentistas
representariam o caráter de selvageria, como analisa Celestina Almeida; “a prancha 10
apresenta um ambiente de floresta escura e esfumaçada com fogueiras, em torno das quais
índios nus, com expressões rancorosas ou apáticas, alguns com botoques nos lábios, assam
pedaços de carne” (ALMEIDA. 2009, p. 12). Também é ressaltada a forma voraz que um
dos índios come a carne. Valéria Lima observa que, pelo tamanho do osso nas mãos do
índio que o consome, levanta a possibilidade da imagem sugerir a prática do canibalismo
(LIMA. 2007, p. 260), muito embora no texto explicativo de Debret refere-se a imagem
como índios civilizados. Dicotômico porque ao mesmo tempo em que há uma atmosfera
sombria ocorrem aspectos suaves, com a presença de criança demonstrando brandura,
afetuosidade e tranquilidade com os adultos, com uma mãe amamentando seu filho e outra
criança dormindo no ombro de outra índia, minimizando a forma abrupta da cena
demonstrando pontos de civilidade, o que mostra que os índios no século XIX, mexendo
muito com o imaginário de homens contemporâneos como Debret, o que o leva a captação
dessa imagem a esse imaginário.
Mas nesse imaginário, tratando da origem do nome “Puri”3, segundo Freire e Malheiros,
ocorreu a partir de uma designação pejorativa, dada pelos seus vizinhos Coroados.
Segundo Teodoro Sampaio, a partir do verbete de Métraux, a análise etimologica da
palavra puri, era usada para designar: povo miúdo, gentinha, fraco, de pequena estatura4. A
descrição etimológica de Sampaio confirma o que diz Bessa Freire e Márcia Malheiros5.
Porém, os cronistas e viajantes deixaram em seus apontamentos várias descrições físicas
para os índios Puris,
3 FREIRE e MALHEIROS. Op Cit. P. 17. 4 SAMPAIO, Teodoro Fernandes, O Tupi na Geografia Nacional, Gráfica da Escola de Aprendizes
Artífices, Bahia, 3º edição, 1928. Verbete Purys. Segundo Métraux, “ OPurieraumnomepejorativoConcedidoa eles pelaCoroado”. p. 534. 5. O nome Puri é uma designação pejorativa dada a eles pelosCoroado. Os Puris, Telikong ou Paqui estavam
divididos em pelo menostrês sub-grupos: Sabonan, Uambori e Xamixuna, que ocupavam umterritório na área
do rio Paraíba e Serra da Mantiqueira. No séc. XVIII,antes de serem vendidos como escravos, foram
estimados em mais de5.000 índios. No séc. XIX, foram aldeados em São Fidelis e na Missão deSão João de
Queluz, registrando-se 655 índios Puri em Resende, em1841. Em 1885, Ehrenreich localiza remanescentes
Puri no baixo Paraíba. FREIRE e MALHEIROS. Op Cit. p. 17.
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mas a pequena estatura dos Puris em relação às outras etnias é a que acabou generalizando,
segundo Paulo Pereira dos Reis, e pontuada por vários autores, tidos como frágeis e
pequenos: De (...) porte acaçapado (...) descrita por Von Spix e Von Martins;(...)
Geralmente muito Baixos (...) Eschwege; (...) pequenos como nas outra partes (...) Casal;
(...) Pequena Estatura (...) Joaquim Noberto6. Entretanto, o príncipe Maximiliano afirma na
sua observação sobre a questão da pequena
Imagem: ACabana dos Puris de Maximiliano Alexandre PhilippWied-Neuwied
estatura dos Puris: “Devo confessar que nenhuma diferença nesse particular observei entre
os Puris e as outras tribus”.7Porém, retornando sobre a questão do imaginário podemos
perceber como essa imagem ao lado, representa uma parte dos ditos “civilizados” de
origem branca europeia em relação aos índios como, por exemplo, a segunda imagem
conhecida como Las Cabanas dos Puris, retratada pelo Príncipe de Wied-Neuwied
Maximiliano, em seu livro Viagem ao Brasil: nos anos de 1815-1817. Trata-se de uma
representação de um casal em sua choça, uma iconografia bem conhecida que representa o
dia a dia dos Puris,bem afastado de seu aspecto selvagem e bravio, que despertava o
imaginário do colonizador na região de Campo Alegre. Podemos observar nessa imagem
um índio deitado em uma rede – um legado cultural das etnias indígenas. A mãe cuidando
do que parece ser o seu filho–(sambee) na língua puri e uma fogueira com a caça sendo
assada, tendo esta caça a aparência de um macaco, muito apreciado pelos Puris. Uma
situação bem bucólica e aparentemente tranquila. Porém, o índio na rede cria um
estereótipo e a representação dada pelos conquistadores e por alguns viajantes cronistas
conta o índio preguiçoso e não dado ao trabalho, um argumento muito utilizado para
ocupar suas terras. A análise feita, dentro de um contexto eurocêntrico, não só dos índios
Puris, mas também para outras etnias que, inevitavelmente entra no campo do poder
simbólico desenvolvido por Bourdieu, que define poder simbólico como “uma forma
transformada e legitimada de outras formas de poder” (BOURDIEU, 1998. P. 15).
Voltando a imagem, sobre a alimentação dos Puris podemos ressaltar os dois
episódios narrados por dois cronistas do século XIX, que mostram as muitas interpretações
6 REIS. Op. Cit. 69. 7 WIED-NEUWIED, Maximiliano Alexandre Philipp: Viagem ao Brasil. Tradução de Edgar Süssekind
de Mendonça e Flávio Poppe de Figueiredo. Coleção Brasiliana, Ed. Nacional, São Paulo, 1940. p 108
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sobre o modo de vida e a cultura do índio, em especial dos puris, pode ser narrado por Ida
Pfeiffer, que ceou com os Puris da Serra da Flecheira, em 1846, numa típica refeição Puri:
“Os meus hospedeiros prepararam o macaco e o papagaios, atravessando-os com espetos de
madeira e assando-os no fogo, Com visitas a fazerem a refeição bem gostosa, eles puseram
ainda no carvão mais algumas espigas de milho e alguns tubérculos. Em seguida,(...)
partiram o macaco assado com a mão em várias partes, (...) Além de papagaio, milho e
tubérculos, puseram tudo na minha frente (...) achei absolutamente delicioso”. (PREIFFER,
v.1)
No entanto, o Príncipe Maximiliano descreve: Que os índios “ofereceram-nos
diversos pedaços mal assados desses animais (...). Era com efeito repugnante! Sobre tudo
porque assaram a caça com pele, que ficava, assim, esturricada e preta”.
(MAXIMILIANO, 1985). É interessante as diferentes observações desses dois viajantes
sobre a mesma alimentação oferecida pelos índios Puris, observações sob diferentes
ângulos que só aguçam o imaginário dos europeus e colonizadores que viveram no século
XIX , que contribuíram com suas diferentes imagens e o seu modo de pensar.
PURI: A IMAGEM E
SEMELHANÇA DOS CRONISTAS.
A imagem dos Puris foi
retratada de várias formas pelos
viajantes, que tiveram sua presença
aumentada de forma expressiva,
principalmente de cronistas e
naturalistas, com a chegada da corte
portuguesa no Brasil em 1808, e que a
princípio se dedicaram a questão das
ciências naturais mas posteriormente
passaram a tecer importantes
considerações políticas, culturais e
econômicas da população das terras
além mar, presença que continuou
10
ocorrendo ainda mais tarde no novo Império Brasileiro.(PEREIRA, 2011). Faremos
alguns comentários sobre os aspectos levantados a partir das imagens apresentadas por
esses homens que tiveram contato com a etnia Puri, como foi o caso de Johann Moritz
Rugendas, pintor alemão que chegou ao Brasil em 1821 e dedicou parte de sua vida
retratando a cultura brasileira, entre eles a imagem de índios Puris. Em sua obra (Viagem
pitoresca ao interior do Brasil) de 1833, Rugendas traduziu nas suas impressões a
exuberância do povo brasileiro. E os índios Puris foram retratados assim como os negros
foram expressos em suas litografias, além de cenas pitorescas da sociedade brasileira.
Índio Puri de Rugendas
Sob a ótica de Rugendas chegou sua contribuição a imagem do rosto dos índios
Puris de forma bem simples sem se preocupar em retratar um determinado momento ou
acontecimento do cotidiano dos índios. Na imagem acima, limita-se a mostrar o traço na
forma de gravuras de rostos de índios, com traços simples, mas com grande significado
historiográfico e antropológico. Porém, bem depois de Rugendas em viagem pelo Brasil,
Paul Max Alexander Ehrenreich, alemão natural da cidade de Berlim, também fez algumas
gravuras, que segundo o historiador Marcelo Lemos é da autoria do pesquisador, que
também fotografou várias etnias em diversos pontos do Brasil
Porém, o que podemos observar
nesses diferentes registros dos
pesquisadores da época que há múltiplos
olhares é que havia uma grande
heterogeneidade nas populações indígenas
em vários aspectos não se limitando apenas
ao físico. Algumas dessas diferenças
poderiam ser frutos das contradições nas
análises entre as diversas narrativas de
cronistas, viajantes e naturalista
confundindo-as no momento de classificá-
las, como por exemplo, ocorrera com os Coroados, que segundo Norberto, passou a
designar toda a tribo que utilizasse um corte de cabelo característico que lembrava uma
11
coroa. (NORBERTO, p.88). “No Rio de Janeiro o nome Coroado foi generalizado a todos
os selvagens que se distinguiam pela maneira de cortar o cabello”8. O nome Coroado, foi
dado pelos portugueses, segundo Saint Hilaire aos índios que tinham o hábito de “Cortar os
cabelos no meio da cabeça, à maneira dos nossos sacerdotes, ou seja antes, de não
conservar mais do que uma calota de cabelos, como fazem ainda hoje os Botocudos”.9
Devemos ressaltar, apesar de não ser o objeto desse trabalho, que a grande
diversidade, fruto de uma classificação confusa dos viajantes e cronistas do século XIX, os
Coroados aos quais nos referimos são aqueles que eram linguisticamente vinculados ao
tronco macro-jê, que Marcelo Sant’ana Lemos adota como da família Puri-Coroado,
proposto por André Metraux10. Bessa e Malheiros também classificam os Coroados
pertencentes à família Puri, que habitavam as ramificações da Serra do Mar e nos vales dos
rios Paraíba, Pomba e Preto.
Nesse aspecto, remeteremos às impressões do naturalista Von Martins que verificou
em seu trabalho que os índios brasileiros apresentavam uma grande diversidade de
caracteres físicos: (....) alguns altos e baixos, esbeltos e corpulentos, vermelhos acobreados
amarellados e até brancos, com pouca barba ou se constantemente não a depilam,
apresentam-na regulamente basta”11.
Em suas viagens pelo Brasil, o
Príncipe Maximiliano Wied-
Neuwied, retratou os Puris em
várias regiões da Província do
Rio de Janeiro, mostrado seus
aspectos cotidiano dessa etnia.
Na figura ao lado intitulada -
8 SILVA. Op. Cit p. 88. 9 SAINT HILAIRE, Auguste de. Viagem às nascentes do Rio São Francisco. Belo Horizonte. Ed. Itatiaia, EDUSP. São Paulo. 1975. p. 38. 10 LEMOS. Op. Cit. p. 50 11 REIS, Paulo Pereira dos. O Indígena do Vale do Paraíba: apontamentos históricos para os estudos
indígenas do Vale do Paraíba Paulista e regiões circunvizinhas. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo,
1979. p. 61.
12
Famílias de índios Puri em viagem pela mata - podemos perceber no olhar desse
naturalista o deslocamento de uma família Puri pela mata, destacando-se a divisão de
trabalho através dos gêneros, onde os homens (caçadores e guerreiros) vão na frente do
grupo dando proteção e as mulheres levam os filhos e carregam utensílios de uso do bando.
Todos aparecem nus, o que seria uma atitude considerada selvagem e fora dos padrões da
Corte, mas as posições das lanças podem presumir que eles não estão em posição de ataque
e sim de deslocamento. Essa pintura exprime a visão desse cronista, dentro de princípios
oitocentistas onde o exótico e o selvagem se separam por uma linha bem tênue para o
homem branco que se dizia civilizado, e principalmente a classe letrada influenciada pelo
pensamento Ilustrado.
Considerações Finais
Muitos desses viajantes que vieram ao Brasil consideravam as viagens e o contato
com os a população, principalmente o índio, a fauna e flora algo insubstituível, um
pensamento desenvolvido pelo naturalista alemão Alexandre Von Humboldt, que foi
apropriado por outros naturalistas que estiveram por aqui nesse período vindo da Europa
como, por exemplo, Von Martius, Spix e Auguste de Saint-Hilaire. Ser uma testemunha
ocular, “ver com os próprios olhos” (PEREIRA, 2011, p.3) assim podemos compreender
como os valores do pensamento eurocêntricos se refletiram nos trabalhos do novo Império
Brasileiro e ainda nos tempos de D. João VI. Encerramos esse breve trabalho com as
palavras do botânico francês Auguste de Saint-Hiliare, ao descrever a vegetação nos
trópicos: “nada aqui lembra a cansativa monotonia de nossas florestas de carvalhos e de
pinheiros.”(1938, p.11),
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