Os Judeus Da Amazônia

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OS HEBRAICOS DA AMAZÔNIA Henrique Veltman INTRODUÇÃO Em 1981, o Beth Hatefutsot pediu ao fotógrafo Sérgio Zalis, na época aluno da escola de arte Betzalel, em Jerusalém, uma documentação do judaísmo brasileiro. Sérgio veio ao meu encontro, em São Paulo, sem maiores recursos além de sua boa vontade, e eu fiz ver a ele que a comunidade judaica brasileira estava espalhada pelos quatro cantos do país, e seria interessante estabelecer qual comunidade seria objeto de sua pesquisa. Elaboramos uma relação de possíveis registros, e Tel Aviv foi consultada. O Beth, depois de várias reuniões, decidiu-se pelo Norte do Brasil. Em janeiro de 1983, finalmente, o Beth Hatefutsot, o Museu da Diáspora da Universidade de Tel-Aviv,Israel, encomendou-nos a realização de uma documentação sobre o que até então era uma história muito pouco conhecida: a saga dos judeus marroquinos e de seus descendentes, os hebraicos, na longínqua e misteriosa Amazônia. Com o apoio do empresário Israel Klabin, durante um mês, percorremos aquela imensidão, começando por Belém do Pará, seguindo depois para Cametá, às margens do rio Tocantins. Dali, partimos para Abaetetuba, Alenquer, Santarém, Óbidos, Maués, Itacoatiara, Manaus, Porto Velho e Guajará Mirim. Em todos esses lugares, encontramos judeus, descendentes de judeus e registros impressionantes da passagem dos judeus de origem marroquina pela Amazônia. Elaborei um texto, quase crônica, e Zalis produziu as fotos. Com esse material, o Museu de Tel-Aviv realizou, em outubro de 1987, uma exposição sobre os judeus na Amazônia. Essa exposição, que depois percorreu o mundo, de Londres a Paris, Roma a Madri, ao Marrocos e aos Estados Unidos, ainda é desconhecida do público brasileiro. Foi uma das exposições transitórias do Museu, de maior afluência de público. O rei Hassan V, do Marrocos, tomou conhecimento da exposição, daí resultando um convite para que prosseguíssemos em nossas pesquisas sobre a presença judaico-marroquina na Amazônia. Isto aconteceu em 1988, quando uma equipe de televisão, comandada por Fábio Golombek e acompanhada por mim, viajou pelo Marrocos, buscando os elos de ligação entre os judeus, o Marrocos, o Brasil e o Estado de Israel. Dessa viagem resultou um documentário de TV, "Marrocos, uma nova África". Em 1990, a RAI, televisão estatal italiana, encomendou a uma produtora local a realização de um pequeno documentário sobre os hebraicos da Amazônia. Esse documentário, produzido por Carlos Nader e dirigido pelo cineasta Henrique Goldman, foi exibido em diversos países, tais como Inglaterra, França, Itália, Bélgica, EUA; Foi exibido pela TV Cultura de São Paulo; em Israel, em 1991, foi o programa especial de Tishabeav (dia de lembrança da queda dos Templos de Jerusalém). Rei Hassan V

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OS HEBRAICOS DA AMAZÔNIA

Henrique Veltman

INTRODUÇÃO Em 1981, o Beth Hatefutsot pediu ao fotógrafo Sérgio Zalis, na época aluno da escola de arte Betzalel, em Jerusalém, uma documentação do judaísmo brasileiro. Sérgio veio ao meu encontro, em São Paulo, sem maiores recursos além de sua boa vontade, e eu fiz ver a ele que a comunidade judaica brasileira estava espalhada pelos quatro cantos do país, e seria interessante estabelecer qual comunidade seria objeto de sua pesquisa. Elaboramos uma relação de possíveis registros, e Tel Aviv foi consultada. O Beth, depois de várias reuniões, decidiu-se pelo Norte do Brasil. Em janeiro de 1983, finalmente, o Beth Hatefutsot, o Museu da Diáspora da Universidade de Tel-Aviv,Israel, encomendou-nos a realização de uma documentação sobre o que até então era uma história muito pouco conhecida: a saga dos judeus marroquinos e de seus descendentes, os hebraicos, na longínqua e misteriosa Amazônia. Com o apoio do empresário Israel Klabin, durante um mês, percorremos aquela imensidão, começando por Belém do Pará, seguindo depois para Cametá, às margens do rio Tocantins. Dali, partimos para Abaetetuba, Alenquer, Santarém, Óbidos, Maués, Itacoatiara, Manaus, Porto Velho e Guajará Mirim. Em todos esses lugares, encontramos judeus, descendentes de judeus e registros impressionantes da passagem dos judeus de origem marroquina pela Amazônia. Elaborei um texto, quase crônica, e Zalis produziu as fotos. Com esse material, o Museu de Tel-Aviv realizou, em outubro de 1987, uma exposição sobre os judeus na Amazônia. Essa exposição, que depois percorreu o mundo, de Londres a Paris, Roma a Madri, ao Marrocos e aos Estados Unidos, ainda é desconhecida do público brasileiro. Foi uma das exposições transitórias do Museu, de maior afluência de público.

O rei Hassan V, do Marrocos, tomou conhecimento da exposição, daí resultando um convite para que prosseguíssemos em nossas pesquisas sobre a presença judaico-marroquina na Amazônia. Isto aconteceu em 1988, quando uma equipe de televisão, comandada por Fábio Golombek e acompanhada por mim, viajou pelo Marrocos, buscando os elos de ligação entre os judeus, o Marrocos, o Brasil e o Estado de Israel. Dessa viagem resultou um documentário de TV, "Marrocos, uma nova África". Em 1990, a RAI, televisão estatal italiana, encomendou a uma produtora local a realização de um pequeno documentário sobre os hebraicos da Amazônia.

Esse documentário, produzido por Carlos Nader e dirigido pelo cineasta Henrique Goldman, foi exibido em diversos países, tais

como Inglaterra, França, Itália, Bélgica, EUA; Foi exibido pela TV Cultura de São Paulo; em Israel, em 1991, foi o programa especial de Tishabeav (dia de lembrança da queda dos Templos de Jerusalém).

Rei Hassan V

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UMA PEQUENA HISTÓRIA DOS JUDEUS NO BRASIL A história dos judeus no Brasil deve ser contada a partir do descobrimento ou até mesmo antes disso. Portugal, é bom que se diga nestes tempos de globalização, esteve à frente das expedições ultramarinas porque foi o primeiro Estado-Nação moderno. A primeira revolução burguesa ocorreu lá, em 1383, onde já havia capital comercial que justificasse as expedições. A questão que se coloca, talvez seja: por que tal poderio se desfez em tão pouco tempo ? E a resposta é clara: por intolerância religiosa, pelo reacionarismo da aristocracia portuguesa, que expulsou os judeus do país. Para contar a aventura judaica no Brasil, sou obrigado a me repetir. Quem leu minha “ História dos Judeus em S.Paulo” ou a "História dos Judeus no Rio de Janeiro" vai encontrar, aqui, a repetição de alguns fatos. Não há como escapar disso. Afinal, a história é a mesma. Em 1496, os judeus são expulsos de Portugal. Quatro anos antes, os reis católicos, Isabel e Fernando, assinavam o édito da expulsão dos judeus de Castela e Aragão. Ao mesmo tempo que o terror espalhava-se pelas judiarias da Espanha e Portugal, Colombo descobria o Novo Mundo, seguido por Cabral. Não por acaso, os principais tripulantes de Cabral eram judeus: mestre João, médico particular do rei de Portugal e astrônomo, e Gaspar da Gama, o verdadeiro comandante da expedição lusitana. Não por acaso, os principais aventureiros que, na esteira de Colombo, Vasco da Gama e Cabral, seguiram por mares nunca dantes navegados, eram judeus assumidos ou conversos. Uma aventura que começa com a Escola de Sagres e com o infante D.Henrique. Gaspar da Gama, por exemplo, foi personagem de uma aventura só comparável à de Marco Polo. Judeu polonês, de Posna, originário de Jerusalém, passou a vida entre Portugal, Espanha, Índias e África. Aprisionado pelos portugueses, o judeu polonês

transformou-se no “ língua”, o intérprete de Vasco da Gama,participando das descobertas nos mares da Índia. Mais tarde, torna-se piloto de Cabral e de Américo Vespúcio, tudo isto tendo como pano de fundo o drama da Inquisição, com a conversão forçada dos judeus. Um estudo dessa personagem, tal como feito pelo historiador Elias Lipiner Z'L, em “Gaspar da Gama, um converso na frota de Cabral”, mostra-nos que o ambicioso projeto ultramarino português só foi possível graças à participação concreta dos judeus. E mais: os judeus vinculavam o sucesso desses projetos às suas próprias aspirações de redenção, com o restabelecimento da soberania nacional, perdida com a queda do Segundo Templo, na antiga pátria bíblica. É importante perceber que, paradoxalmente, as perseguições anti-

judaicas acabaram por fortalecer os empreendimentos portugueses - os filhos de Israel enxergaram nos descobrimentos e nas conquistas uma finalidade e uma escapatória. “ Os portugueses são a um só tempo os mais arrojados navegantes dos mares e os mais cruéis opressores dos judeus. Decretam expulsões e batismos violentos nunca vistos e, qual açougueiros, cortam e retalham sem piedade a carne da infeliz nação hebraica de Portugal”, correspondência do sábio Abraham Halevi, citada pelo escritor Elias Lipiner. Já em 1504, Fernando de Noronha, por conta da Companhia das Índias Ocidentais, um empreendimento judaico-holandês (e, segundo o historiador Leôncio Basbaum, uma primeira iniciativa capitalista), iniciava o transporte regular de pau-brasil entre a Terra de Santa Cruz, Portugal e Europa. Pau-brasil, então conhecido como “ a madeira judaica”.

Gaspar da Gama

Dom Henrique

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Enquanto a Polônia e a Holanda transformavam-se em centros de vida e de sabedoria judaicas, mercê, basicamente, da expulsão dos judeus ibéricos, Caramuru, na Bahia, João Ramalho, em São Vicente, apóiam os primeiros colonizadores do Brasil. INSISTINDO NA TESE Há muitos anos venho defendendo a tese, (nada original, aliás), de que nossas escolas, principalmente as da comunidade judaica, deveriam oferecer aos seus alunos uma matéria extra-curricular, "A história dos judeus no Brasil". Na verdade, nenhum outro país do mundo pode registrar tamanha participação dos judeus ao longo de toda a sua existência. E claro, contribuindo de forma notável para o seu desenvolvimento econômico, político e social. Desde o achamento do Brasil, do qual os judeus participaram nos seus preparativos, até épocas mais recentes, os judeus, aberta ou disfarçadamente, estiveram integrados nos processos de formação da nacionalidade. O período da ocupação holandesa, que para a História oficial foi um desastre para o país, constituiu-se no ponto mais alto do desenvolvimento da coletividade judaica brasileira. E claro, quando, foram expulsos os holandeses, sobreveio a decomposição, o êxodo e a dispersão dos judeus do Brasil. Da mesma forma, as perseguições religiosas da primeira metade do século XVIII, que praticamente não afetaram a população do país, tiveram uma forte influência sobre a vida dos judeus brasileiros. Por fim, mas não menos importante, a implantação do regime liberal no Império, no início do século XIX, a proclamação da Independência,determinou a assimilação quase completa dos judeus. Podemos estabelecer, para melhor compreensão da vida judaica no Brasil, algumas fases bem marcantes, de 1500 a 1900, como muito bem assinalaram vários historiadores, entre eles Salomão Serebrenick, Elias Lipiner e Nachman Falbel, em seus estudos sobre a História judaica do Brasil. Assim, o achamento do Brasil acontece numa época em que Portugal estava no auge da sua expansão no mundo. Mais do que a glória militar ou simplesmente o espírito de aventuras, o que impelia os portugueses às suas expedições marítimas, por "mares nunca dantes navegados", era o espírito comercial que dominava as expedições. Os portugueses visavam quebrar o monopólio que até então, por intermédio das caravanas árabes, mantinham venezianos e genoveses sobre o intercâmbio mercantil com os portos do Levante, e desse modo assegurar a Portugal a posição de centro das grandes atividades econômicas da época, a função de empório de produtos e especiarias intensamente procurados pelos meios consumidores da Europa. Como assinala José Gonçalves Salvador no seu "Os cristãos-novos e o comércio no Atlântico meridional" (Pioneira/Mec,1978) era uma época de profundas mudanças em Portugal. "Nação agrícola, enveredou gradativamente rumo aos mares e se converteu numa monarquia mercantilista. O acontecimento teria sido impossível sem a participação dos judeus, porquanto aos cristãos da velha etnia faltavam a necessária experiência do trato e a mentalidade requerida para os grandes negócios em vista de certas normas baixas pela Igreja". Os judeus figuraram, assim, entre os mais verdadeiros empreendedores do ultramar. Entretanto, fossem quais fossem os móveis do alargamento marítimo de Portugal, o certo é que ele não lograria produzir-se sem o longo período de descobertas e aperfeiçoamentos científicos, que precedeu o grande ciclo das conquistas, e no qual tiveram papel de sumo relevo os sábios da época. Desde o século XII, vinham os judeus da península ibérica se distinguindo nos domínios da matemática, astronomia e geografia, ciências básicas para a arte náutica, especialmente para a navegação oceânica. Por exemplo, Abraham Bar Chia , autor de "Forma da Terra", "Cálculo

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do Movimento dos Astros" e "Enciclopédia"; Abraham Ibn Esra , autor de "Utensílios Éneos", "Tratado do Astrolábio", "Justificação das Tábuas de Kvarismi" e "Tábuas Astronômicas"; João de Luna, autor de "Epítomes de Astrologia" e "Tratado do Astrolábio"; Jacob Ben Machir, autor de "Tratado do Astrolábio" e inventor de um instrumento de observação, o assim chamado "Quadrante de Israel"; Isaque Ibn Said , que elaborou um resumo das obras sobre astronomia dos gregos e árabes; rabi Levi Ben Gerson, o Gersônides autor do "Tratado sobre a Teoria e Prática do Cálculo", "Dos Números Harmônicos", "Tábuas Astronômicas sobre o Sol e a Lua" e "Tratado sobre a Balestilha", além de ter construído dois importantes instrumentos: a câmara escura e o telescópio, cuja invenção, geralmente, é atribuída a terceiros; Isaque Zaddik, autor das "Tábuas Astronômicas", "Tratado sobre Instrumentos astronômicos" e "Instruções para o Astrolábio de Jacob ben Machir". Todo este movimento científico foi fundamental para os projetos dos governantes portugueses de disputar a posição de grande potência naval. O infante D. Henrique, "O Navegador", ao fundar, em 1412, a primeira academia de navegação, a "Escola de Sagres", designou seu diretor um dos mais famosos cartógrafos do século XV, o judeu Yehuda Crescas, que vivia, então, nas Ilhas Baleares, entre a peninsula e o Marrocos. Yehuda Crescas, também conhecido como mestre Jácome de Malorca e apelidado de "El judio de las Brújulas" graças à sua notável experiência na fabricação de bússolas - teve por missão ensinar aos pilotos portugueses os fundamentos da navegação e a produção e manejo de cartas e instrumentos náuticos.

Outros cientistas judeus já então famosos prestaram sua colaboração à Escola de Sagres, entre eles José Vizinho, mestre Rodrigo e, sobretudo, Abraham Zacuto, o autor do "Almanaque Perpétuo de todos os Movimentos Celestes" , uma figura de grande influência em todas as decisões que diziam respeito aos interesses do Estado, basicamente, às expedições oceânicas, entre elas, a bem sucedida viagem de Vasco da Gama , com a descoberta do caminho marítimo à Índia. Viagem que foi por Zacuto inteiramente planejada. Vale registrar o que diz o Francisco Moreno de Carvalho sobre esta notável

figura. Francisco Moreno, médico, pesquisador e historiador da ciência, depois de dez anos de trabalho, está concluindo a transcrição de um manuscrito até agora inédito: o primeiro texto de medicina do Brasil. ”Trata-se do "Tratado de Medecina que Fez o Doutor Zacuto para seu Filho Levar Consigo Quando se Foy para o Brazil", um guia de medicina escrito em português, em 1638, pelo médico judeu-português Zacuto Lusitano, à intenção de seu filho Jacob Zacut, que veio para Pernambuco, durante a ocupação holandesa, para atuar no tráfico de escravos”. "Para a história da medicina no Brasil, esse manuscrito possui uma importância comparável à que a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha tem para a história da colonização portuguesa no país", afirma o Francisco Moreno de Carvalho. “O documento, preservado em duas cópias também manuscritas, é o registro médico mais antigo de que se tem notícia sobre o Brasil - antes acreditava-se que o mais antigo era de 1683 - e, por meio de sua publicação e seu estudo, será possível conhecer melhor as práticas terapêuticas utilizadas no país durante o período colonial, do século 17 ao 19, quando nem existiam faculdades de medicina no país, muito menos médicos e hospitais para toda a população”. Nessa época, as ervas medicinais e os rituais místico-religiosos - frutos do conhecimento popular herdado da mistura das culturas indígena, africana e européia - eram os únicos remédios contra os males tropicais que afligiam os brasileiros. É nesse contexto que se situa o documento que vem sendo transcrito por Francisco Moreno de Carvalho. Embora redigido como uma guia prático de uso pessoal, o "Tratado" remete aos procedimentos terapêuticos usados no período, tanto no Brasil quanto na Europa. "Zacuto

Abraham Zacuto

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Lusitano já havia estudado casos clínicos oriundos do Brasil antes desse manuscrito e publicado, em latim, os usos recém-descobertos de algumas plantas brasileiras".. Doutor em Pensamento Judaico e História da Medicina pela Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e versado em sete línguas (entre elas o hebraico fluente), Francisco Moreno de Carvalho foi mais longe em suas pesquisas, percorrendo todo o caminho feito pela comunidade judaica de Portugal na época da conversão forçada dos judeus. Eles foram obrigados, no século 15, a se converter ao Cristianismo. Reunidos em Amsterdã, os cientistas judeus acabaram contribuindo largamente para o desenvolvimento da medicina ocidental, incorporando, inclusive, o conhecimento das ervas medicinais advindo das civilizações pré-colombianas da América do Sul e de países orientais, como a Índia. Acho que não é preciso dizer mais nada para estabelecer o notável papel dos sábios e cientistas judeus do século XV que tornaram possível as viagens transoceânicas e as descobertas realizadas pela frota portuguesa. A contribuição judaica ao descobrimento de novas rotas e de novas terras para a coroa portuguesa não se limitou ao campo científico de feição preparatória, senão também se traduziu na participação direta das temerárias viagens, nas quais os judeus se revelaram de vital utilidade, graças ao conhecimento que tinham das línguas e costumes de vários países e povos. E foi assim que os judeus tiveram papel importante na expedição que resultou no descobrimento do Brasil. Na frota comandada por Pedro Álvares Cabral, viajaram como conselheiros e especialistas pelo menos dois judeus: Mestre João, médico particular do rei e astrônomo equipado com os instrumentos de Abraham Zacuto, e que tinha como incumbência realizar pesquisas astronômicas e geográficas; e Gaspar de Lemos, também conhecido como Gaspar da Gama e Gaspar das Índias, intérprete e comandante do navio que levava os mantimentos, e justamente considerado pelos historiadores como co-responsável pelo descobrimento do Brasil. Leia-se, para melhor conhecimento desta figura notável, o livro de Elias Lipiner, "Gaspar da Gama , um converso na frota de Cabral".

Gaspar de Lemos ou da Gama ou das Índias foi o primeiro explorador do Brasil . Como relata outro Gaspar, o Correia ,nas "Lendas da Índia": "El-Rei entregou ao Capitão-mór Gaspar da Gama (Gaspar de Lemos), o judeu, porque sabia falar muitas línguas, a que El-Rei deu alvará de livre e fôrro de sua comédia em terra dez cruzados cada mês, muito lhe recomendando que o servisse com Pedralves Cabral, porque se bom serviço lhe fizesse, lhe faria muita mercê; e porque sabia as coisas da Índia, sempre bem aconselhasse ao Capitão-mór o que fizesse, porque êste judeu tinha dado a El-Rei muita informação das coisas da Índia mórmente de Gôa". Gaspar de Lemos era judeu nascido na Polônia, de onde foi

expulso ou teve que fugir em 1450, quando criança, por não ter querido sua família converter-se ao cristianismo. Após uma

longa peregrinação através da Itália, Palestina, Egito e outras terras, teria resolvido permanecer em Gôa, na Índia, ali adquirindo prestígio e vindo a ocupar a função de capitão-mór de uma armada pertencente a um rico mouro na ilha de Arquediva. Foi nessa ilha que Vasco da Gama, em 25 de setembro de 1498, ao regressar de uma viagem à Índia, conheceu Gaspar de Lemos, que se lhe apresentou a bordo como cristão e prisioneiro do poderoso Saboya, proprietário da ilha. Não tendo conseguido burlar a perspicácia de Vasco da Gama, este depressa forçou-o a confessar que tinha sob suas ordens quarenta navios com instruções de Saboya para, na primeira oportunidade, atacar a frota lusitana. No entanto, o incidente acabou gerando uma sólida amizade de Vasco da Gama por Gaspar de Lemos, a quem levou consigo para Portugal, onde o apadrinhou no batismo, deu-lhe o seu

Cabral

Mestre João

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nome - pelo que passou a chamar-se Gaspar da Gama - e apresentou-o ao rei, D. Manoel, que o fez persona grata na côrte, nomeou-o "cavalheiro de sua casa". Vários historiadores acham que apoiado na sua enorme experiência de viagens marítimas, tivesse Gaspar intencionalmente induzido Pedro Álvares Cabral a afastar-se da África por acreditar na existência de outras terras na direção oeste da vastidão do Oceano. Gaspar da Gama fez jús ao epíteto de "o primeiro explorador da terra", que lhe deu Afrânio Peixoto, e mesmo ao de "co-descobridor do Brasil", que lhe atribuiu Alexandre von Humboldt. Não podemos esquecer, também, a figura do também judeu Bartolomeu Dias, o primeiro a atravessar o Cabo das Tormentas. Na prática, o homem que possibilitou não apenas a viagem de Vasco da Gama às Índias, mas a própria expedição de Cabral. Foi Bartolomeu quem concebeu a Volta do Mar, o percurso original que, afastando-se da Costa africana, permitiu às naus portuguesas escaparem da calmaria nas proximidades daquele litoral. ERA JOÃO RAMALHO JUDEU ? Horácio de Carvalho, jornalista e diretor do Diário Oficial do Estado de São Paulo, afirmava: “sim, é judeu”.O sinal encontrado na assinatura do velho paulista nada mais seria do que um káf, letra do alfabeto hebraico. O geógrafo Teodoro Sampaio concordou com a tese.O Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo dividiu-se quanto à questão, que permanece em aberto. O fato, porém, é que João Ramalho e seus filhos participaram ativamente da absorção (klitá) dos judeus, primeiros colonizadores do Brasil. O historiador Rocha Pombo admite que João Ramalho tenha vindo antes da descoberta do Brasil, possivelmente em 1497, época da expulsão dos judeus de Portugal.

Leôncio Basbaum aponta como iniciativa capitalista pioneira o ciclo do açúcar. Foram os judeus que introduziram a cana-de-açúcar, construíram os engenhos, financiaram toda a operação e transportaram o açúcar demerara (mascavo) para a Europa, onde foi refinado e vendido a peso de ouro. Não ficam apenas no açúcar e no pau-brasil, os judeus colonizadores. Cultivam o fumo, montam os primeiros fornos de fundição e introduzem em 1530, as primeiras oficinas de lapidação de pedras

preciosas. E, enquanto na Ibéria fecham-se as garras da Inquisição, no Brasil, seu primeiro

educador, o jesuíta José de Anchieta, opõe-se energicamente à instalação de tribunais do Santo Ofício no país. A emigração de judeus e cristãos-novos assume tal vulto que, em 1567, D.Henrique, regente de Portugal, proíbe essa fuga de conversos. O braço da Inquisição era longo e chegou ao Brasil, inicialmente ao Rio de Janeiro e à Bahia. “Vínculos de Fogo”, de Alberto Dines, e “Santa Inquisição”, de Elias Lipiner, são dois dos vários livros que tratam do assunto com muita seriedade e emoção. Instalado o Santo Ofício na Bahia, em 1591, os judeus migram. Uma parte foge para São Paulo, outros ainda mais para o sul e uma parte significativa para o Nordeste. Menos de 40 anos depois, os holandeses invadem vitoriosamente Pernambuco e arredores. Os marranos

Bartolomeu Dias

João Ramalho

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baianos retornam ao judaísmo. Maurício de Nassau proclama a igualdade de direitos e a liberdade de culto; fundam-se, imediatamente, duas sinagogas e chegam ao Recife o primeiro rabino das Américas, Isaac Aboab da Fonseca, e o cantor ritual (chazan ou hazan), Moisés Rafael de Aguiar.

Sob o domínio holandês, o judaísmo prosperou e afirmou-se. Foi criada a congregação Zur Israel, e marranos e cristãos-novos abandonaram os disfarces.

Mas, em 1645, os holandeses são batidos por Henrique Dias e Felipe Camarão. Os judeus fogem com os holandeses. O êxodo dirige-se para as Guianas, as Antilhas e a Nova Holanda. Evidentemente, os judeus fogem, levando suas riquezas materiais e o seu know-how. E não é à toa que o ciclo do açúcar reproduz-se na América Central.

O BEQUIMÃO

Em 1684, no Maranhão, no norte do Brasil, explodiu, segundo o historiador Varnhagen, “ a mais séria revolução operada” no país. Seu protagonista “ foi o homem mais popular do Maranhão naqueles tempos, por sua coragem cívica”, o judeu Manoel Beckman, autor do primeiro discurso político brasileiro, segundo o historiador João Francisco Lisboa. Beckman, na linguagem da gente simples conhecido simplesmente como o Bequimão, morreu "pelo povo do Maranhão", segundo suas próprias palavras, proferidas antes de subir à forca.

Como relata Maria Liberman, em sua tese de Mestrado na USP, "no final do século XVII deu-se no Maranhão uma Revolução, resultante do protesto do povo contra a miséria e a exploração. Neste levante tomaram parte senhores de engenho, clero e povo. Os idealizadores deste levante público foram dois judeus, Manoel e Thomaz Beckman, que sonhavam em mudar as condições de vida da região, pois a população em geral, pobres e ricos, eram prejudicados pela política econômica".

Manoel nasceu em Lisboa, pai alemão e mãe portuguesa. Chegou ao Maranhão em 1662,

casou-se com Maria de Almeida Cáceres e já em 1668 ocupava o cargo de vereador no Estado. Seu irmão Thomas chegou alguns anos mais tarde, casando-se com Helena de Cáceres, irmã de sua cunhada.

Manoel Beckman conduziu o povo na revolta contra as atividades da Companhia de Jesus, contra a Companhia de Comércio do Maranhão e contra a corrupção política dos representantes da Coroa. Foi enforcado sem julgamento em 1684, por ordem do governo. Suas últimas palavras: "Morro feliz pelo povo do Maranhão".

Há registros de que os descendentes do Bequimão vivem hoje no Brasil e o seu papel heróico ainda continua sem ser estudado nas escolas do país.

Zur Israel

Manoel Beckman

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ANTONIO JOSÉ Em 1739, Antonio José da Silva, O Judeu, primeiro e mais destacado homem do teatro brasileiro, em seu tempo, é queimado vivo em Lisboa. Entre as vítimas brasileiras da Inquisição portuguesa, na fase da sua mais negra atuação, figura Antônio José da Silva, nascido no Rio de Janeiro, em 1705. Aos oito anos de idade, mudou-se ele com seu pai para Lisboa, para onde acabava de ser enviada como prisioneira a sua mãe, acusada de judaísmo pelos agentes da Inquisição. Em Portugal, freqüentou Antônio José colégio e universidade, sempre revelando excepcionais dotes de inteligência e invulgar pendor literário. Em poucos anos, seu espírito criador enriqueceu a literatura portuguesa de numerosas peças teatrais de singular valor, galgando ele os mais altos degraus da fama e da popularidade. Como de suas peças, genialmente arquitetadas, com freqüência extravasasse um sarcasmo

sem rebuços contra a torpe atividade da Inquisição, esta o marcou e não mais descansou no afã de eliminá-lo.E ela conseguiu o seu intento, não obstante o prestígio imenso do poeta. Tentara a princípio intimidá-lo, confiscando-lhe os bens e esmagando-lhe os dedos - ato este praticado na igreja de São Domingos em 13 de outubro de 1726 - na esperança de que assim não mais viesse a manejar a sua pena mordaz. Vendo, porém, que com isso ainda mais haviam acirrado o seu ódio ao monstruoso tribunal, os inquisidores enredaram Antônio José da Silva numa complicada trama de denúncias e falsos testemunhos, entre os quais o de que ele ria do nome de Cristo, jejuava às segundas e quintas-feiras, vestia roupa limpa aos sábados, e rezava o Padre Nosso substituindo, no fim, o nome de Jesus pelo de Abraão e do Deus de Israel.

E assim, inapelavelmente condenado à pena capital em 11 de março de 1739, foi Antônio José da Silva - cognominado "O Judeu" - queimado, em 21 de outubro do mesmo ano, na praça pública, não tendo faltado sequer alguns requintes de crueldade: foram obrigadas a assistir ao ato - a sua mãe, septuagenária, sua mulher e sua filha de quatro anos.

O ARRENDAMENTO DO BRASIL Achado o Brasil, o interesse do rei D. Manoel pela nova terra diminuiu drasticamente. A expedição enviada à costa do Brasil no ano de 1501, e que regressou a Portugal em 1502, não apresentou resultados que entusiasmassem o Governo português, que estava muito interessado em ouro, mas no Brasil "nada fôra encontrado de proveito, exceto infinitas árvores de pau-brasil, de canafístula, as de que se tira a mirra e outras mais maravilhas da natureza que seriam longas de referir" (carta de Américo Vespucci a Soderini). O que foi extremamente benéfico aos judeus que, em 1502, propuseram o arrendamento do Brasil por um consórcio dirigido por Fernando de Loronha. Uma proposta para a exploração da nova colônia mediante contrato de arrendamento, a colonização do Brasil a expensas de particulares, sem riscos e sem ônus ou quaisquer encargos para o erário público, e ainda com a possibilidade de lhe serem proporcionados lucros e de ser sustentada a autoridade portuguesa na nova possessão. O acordo, um monopólio de comércio e de colonização, foi firmado em 1503, pelo prazo de 3 anos. Na verdade, era a ação inteligente

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de um grupo de judeus interessado em acomodar centenas, senão milhares de israelitas, refugiados das perseguições anti-semitas que voltavam a se manifestar na Ibéria e outras regiões da Europa e do norte da África. A empresa de Fernando de Loronha passou a enviar seis navios anualmente; iniciou a exploração e o cultivo, a cada ano, de uma nova região de 300 léguas; construiu fortalezas e, claro, comprometeu-se a destinar à Coroa, a partir do segundo ano do arrendamento, a sexta parte das rendas auferidas com os produtos da terra, e, no terceiro ano, a quarta parte das mesmas. Esse contrato foi, com algumas modificações, sucessivamente renovado em 1506, 1509 e 1511, estendendo-se até 1515. Em maio de 1503 partiu de Portugal a primeira frota, composta de seis navios, tendo aportado em 24 de junho de 1503 a uma ilha até então desconhecida, que inicialmente recebeu o nome de São João, mais tarde trocado para "Fernando de Noronha" , seu descobridor. A ilha lhe foi doada pelo rei em 1504. Já nesse mesmo ano, os navios de Fernando de Noronha voltaram para Portugal com enorme carregamento de pau-brasil (também conhecido como a "madeira judaica"). O comércio do pau-brasil durante o arrendamento do Brasil a Fernando de Noronha cresceu muito, exportavam-se nada menos de 20.000 quintais por ano - e de tal importância econômica ele se revestiu, que deu origem à denominação de "ciclo do pau-brasil", sob a qual é conhecido aquele período, além de ter se tornado o nome definitivo da terra - Brasil. Fernando de Noronha, também chamado Fernão de Noronha ou Fernão de Loronha, foi uma personalidade marcante na vida pública de Portugal. Até 1530, a Coroa pouco se importou com o aproveitamento do Brasil. Aí por volta de 1515, Portugal acordou para a realidade: ou se ocuparia do vastíssimo território do Brasil ou se arriscaria a perder o comércio com ele e, por via de conseqüência, a soberania. O perigo era real, o litoral brasileiro era intensamente freqüentado por corsários franceses, que traficavam com os indígenas, quebrando o monopólio português do pau-de-tinta. É então que o governo português tomou uma série de medidas. De um lado, organizou armadas guarda-costa, em cujo comando se destacou Cristóvão Jaques; de outro lado, tomou medidas de incentivo à colonização do Brasil, facilitando o embarque de todos quantos quisessem partir como colonos. Um decreto baixado em 1516 por Dom Manuel I, rei de Portugal, estabelece que todo aquele que emigrasse para o Brasil receberia, por conta da Coroa, o equipamento necessário para aí construir um engenho de açúcar, não se tendo o decreto descuidado de ordenar que fosse enviado um perito à nova colônia a fim de dar a necessária assistência. O decreto dizia em dado momento: "Machadinhas, enchadas e outros instrumentos deverão ser dados às pessoas que vão popular o Brasil e um homem experiente e capaz deverá ser enviado ao Brasil para dar início a um engenho de açúcar. Deverá receber toda a assistência e materiais e instrumentos necessários para a construção do engenho". A despeito das facilidades concedidas pelo Governo, sabe-se que eram raros os portugueses cristãos que quisessem emigrar para o Brasil - provavelmente, estavam mais interessados na Índia - daí por que, ao lado de criminosos, condenados ou exilados, se destacaram os voluntários judeus, constituindo a maioria das levas imigratórias. As providências tomada pelo Governo de Portugal deram bons resultados, documentos de 1526 já se referem a direitos alfandegários pagos em Lisboa sobre açúcar importado do Brasil.

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OS JUDEUS E O CICLO DA CANA DE AÇÚCAR A suposição de que predominavam os judeus entre esses primeiros colonizadores é corroborada pelo fato de que a indústria do açúcar já vinha sendo, desde muitos anos antes, a ocupação preferencial dos judeus das ilhas da Madeira e de São Tomé, de onde provavelmente foi a cana de açúcar transplantada para o Brasil. Assim, de 1515 a 1530, coube aos judeus uma parcela fundamental no cumprimento da tarefa,

organizada por Portugal, como primeiros colonizadores do Brasil. Visando uma colonização sistemática e em larga escala, o rei de Portugal, D. João III, em 1530, mandou aprestar uma armada com 400 homens, sob o comando do seu amigo, o cristão novo Martim Afonso de Sousa, a quem nomeou "Capitão-mór e Governador das Terras do Brasil", dando-lhe autorizações especiais de muita amplitude, que abrangiam "o direito de tomar posse de todo o país, fazer as necessárias divisões, ocupar todos os cargos, exercer todos os poderes judiciários, civis e criminais". A expedição de Martim Afonso de Sousa, dando cumprimento à sua missão, cobriu, em 2 anos, todo o litoral brasileiro, estendendo-se desde o Amazonas até o rio da Prata, Bahia e São Vicente. Martim Afonso de Sousa concentrou as suas atenções em dois pontos do litoral, pontos esses que perdurariam ao longo de toda

a história do Brasil como focos de progresso: o Nordeste (Bahia-Recife) e o Sudeste (Rio-S. Paulo). Tal bicentrismo econômico e social teve uma influência decisiva sobre a história econômica do país, até os nossos dias: o Nordeste predominando nos séculos XVI e XVII - ciclos do pau-brasil e do açúcar; o Sudeste se sobressaindo no século XVIII, à época da mineração do ouro; um curto ressurgimento setentrional; e, finalmente, um predomínio meridional definitivo no século XIX, ao influxo da grande agricultura, especialmente da cultura do café; tudo isso, sem prejuízo das perspectivas de franco progresso que tornam a desenhar-se para o Nordeste, embora sem afetar o centro-sul. A existência de dois centros econômicos importantes merece especial atenção: os judeus, sempre que acossados pelas perseguições no Nordeste, escolhiam como refúgio a província de São Vicente; por outro lado; é importante registrar que em cada um dos pontos - Bahia e São Vicente (S. Paulo) - Martim Afonso de Souza encontrou judeus influentes - respectivamente, Diogo Álvares Correia, o Caramuru e João Ramalho - que lhe prestaram decisivo apoio na sua tarefa colonizadora. CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Em 1532, resolveu D. João III, criar capitanias situadas ao longo da costa, medida que pôs em prática entre os anos de 1534 e 1536, mediante a divisão do litoral entre o Maranhão e Santa Catarina em 14 lotes, de 10 a 100 léguas de costa, doando essas 14 capitanias hereditárias a 12 "donatários", escolhidos entre os nobres e valorosos vassalos, os quais deviam explorar e colonizar à sua custa as regiões que lhes haviam sido confiadas, tudo fazendo pelo seu rápido e seguro progresso. Novamente, um atrativo e motivo de estímulo para a vinda de judeus ao Brasil. Os donatários, desejosos de imprimir prosperidade às suas capitanias, disputavam colonos patrícios. Como já foi registrado, os portugueses cristãos preferiam a Índia, cujos efeitos atrativos perduravam. Assim, não restava aos donatários senão recorrer mais uma vez às famílias judias, às quais se concediam direitos e vantagens iguais aos dos demais colonos.

Martim Afonso de Sousa

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Além disso, os judeus se revelaram excelentes colonizadores, hábeis no trato com o gentio, a cujos hábitos e línguas logo se adaptavam, passando a contar depressa com a sua amizade. Portanto, as possibilidades de progresso das capitanias dependia em bom grau dos judeus, e, graças a esta circunstância, puderam eles gozar de ampla liberdade de costumes. Das capitanias, duas se desenvolveram com resultados apreciáveis: Pernambuco e São Vicente, justamente os dois focos de progresso - Nordeste e Sudeste. Excepcional foi o desempenho da capitania de Pernambuco, dirigida por Duarte Coelho Pereira. Ele logo percebeu que a região era favorável à agricultura - fumo, algodão e cana de açúcar - para esta última, Duarte Coelho implantou o cultivo intenso e sistemático de cana e incrementou a indústria açucareira. Duarte Coelho determinou o estabelecimento de grandes plantações de cana de açúcar e a construção de bom número de engenhos, mandando trazer, das ilhas da Madeira e de São Tomé, mecânicos, capatazes e operários especializados - em sua maioria judeus - para dirigirem engenhos e impulsionarem a produção do açúcar. Já assinalei antes, mas insisto na observação do historiador marxista Jacob Gorender: esta foi, provavelmente, a primeira experiência capitalista realizada no Novo Mundo. Registro importante: o judeu Diogo Fernandes, o maior técnico em produção de açúcar de seu tempo, foi trazido por Duarte Coelho ao Brasil. Por vários motivos - tamanho excessivo dos territórios, falta de recursos para repelir os ataques dos selvagens ou as invasões estrangeiras, falta de união entre os donatários - falhou totalmente o sistema de colonização das capitanias, mesmo com as exceções que representavam as de São Vicente e Pernambuco. Resolveu, então, D. João III, em 1548, criar um governo geral, com sede na Bahia, capaz de, em torno dele, reunir os esforços dos donatarios, dando-lhes "favor e ajuda" e deles recebendo auxílios, inclusive "gente e mantimentos". Com a implantação do novo sistema de governo em 1549, não sofreu alteração a situação dos judeus no Brasil, muito embora na mesma ocasião se fixassem no país os jesuítas. E as condições então existentes eram tão complexas que os jesuítas se viram forçados a uma política de transigência e prudência, merecendo destacar a atividade do padre José de Anchieta e do primeiro bispo do Brasil - Pero Fernandes Sardinha - que se opuseram energicamente à instalação de tribunais inquisitoriais no país e a quaisquer outras formas de discriminação e perseguição. Em 1554, escrevia o padre José de Anchieta "ser grandemente necessário que se afrouxasse o direito positivo nestas paragens". Da mesma forma, o bispo Pero Lopes Sardinha opinava que "nos princípios muitas mais coisas se hão de dissimular que castigar, maiormente em terra tão nova como esta". Esse panorama de tolerância contrastava vivamente com a onda de ódio e discriminação que varria Portugal, "onde crepitavam ininterruptamente as fogueiras dos autos de fé", registra Salomão Serebrenick em seu livro sobre a época. Ou seja, diante da fúria da perseguição religiosa, sentiam-se os judeus de Portugal impelidos a tentar vida nova no Brasil, como refúgio seguro, onde poderiam concretizar-se os seus anseios de liberdade, as suas esperanças de paz e de tranqüilidade. Tudo jogava a favor do estabelecimento de uma intensa e ininterrupta corrente imigratória de judeus portugueses para o Brasil, onde, prosperando rapidamente, passaram a formar numerosos núcleos, dando mesmo início a uma vida coletiva que com o tempo viria assumir nitidamente características judaicas como o testemunham as esparsas referências encontradas sobre uma sinagoga que funcionava em uma casa de propriedade do cristão-novo Heitor Antunes, na cidade do Salvador, sede do Governo Geral, sobre uma outra que fazia parte de um centro marrano em Camaragibe, capitania de Pernambuco, que chegou a contar com um rabino, Jorge Dias do Caia, cristão-novo, calceteiro.

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Martim Afonso de Souza, como já disse, teve o apoio de duas extraordinárias figuras, o Caramurú e João Ramalho, que lhe prestaram decisiva ajuda na sua função de colonizar o Brasil. Esses dois vultos, de vida lendária, são justamente considerados os primeiros colonizadores de fato do país. Ambos aportaram à costa brasileira como náufragos, e na mesma época, por volta de 1510; ambos tiveram que se acomodar com os indígenas, aos quais acabaram impondo a sua autoridade: ambos integraram-se na vida dos selvícolas, inclusive casando com índias; um e outro realizando uma extraordinária obra de pacificação e aproximação entre os indígenas e os representantes do Governo de Portugal. De João Ramalho falamos, algumas páginas atrás. Cabe, agora, falar do judeu Diogo Álvares Correia. CARAMURU A História registra uma interessante lenda: em 1509 ou 1510, um navio português naufragou junto da atual Bahia de Todos os Santos. Quase todos os homens morreram afogados ou foram devorados pelos índios Tupinambás. Entre os poucos deixados para serem sacrificados posteriormente, em espetáculo festivo, estava Diogo Álvares Correia. Quando se aproximava a hora de ser ele sacrificado, uma idéia salvou-lhe a vida: Disparou Diogo o mosquete que retivera do naufrágio e matou um pássaro em pleno vôo. Os selvagens foram tomados de grande terror, pondo-se a gritar: "Caramuru! Caramuru!", ou seja, "homem do fogo" ou "filho do trovão". (Para alguns estudiosos, o apelido Caramuru se deriva do fato de ser esse o nome com que os indígenas designavam um peixe comum no recôncavo da Bahia, a moréia, freqüentadora das águas baixas, numa das quais teria sido encontrado Diogo Álvares depois do naufrágio). Seja como for, Diogo Álvares Correia passou a ser altamente considerado pelos índios que, daí em diante, o respeitavam como a um chefe. Mais tarde, casou-se com Paraguassu, filha do chefe Taparicá, com o que se tornaram mais íntimas e sólidas as suas relações com os indígenas. Quando da chegada de Martim Afonso de Souza, Caramuru serviu de intérprete e elemento de ligação entre esse primeiro Governador do Brasil e os chefes índios, acertando medidas para a introdução de trabalhos agrícolas na região com o aproveitamento de sementes trazidas por Martim Afonso. A partir de 1538, no período do primeiro Capitão-mór, D.Francisco Pereira Coutinho, o Caramuru desempenhou papel muito importante: foi um governo tumultuado, pleno de sucessivos desentendimentos entre os portugueses e os indígenas. Nomeado em 1548 o primeiro Governador Geral do Brasil - Tomé de Souza - o rei dirigiu-se em carta a Caramuru, pedindo sua cooperação, nestes termos: "Diogo Álvares. Eu, El-Rei, vos envio muito saudar. Eu ora mando Tomé de Souza, fidalgo da minha Casa, a essa Bahia de Todos os Santos(...) E porque sou informado pela muita prática que tendes dessas terras e da gente e costumes delas o sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando que, tanto o dito Tomé de Souza lá chegar, vos vades para êle e o ajudeis no que lhe deveis cumprir e vos encarregar, porque fazeis nisso muito serviço... Sendo necessária vossa companhia e ajuda, encomendo-vos que ajudeis no que virdes que cumpre, como creio que o fareis. Bartolomeu Fernandes a fêz em Lisbôa a 19 de novembro de 1548. Rei".

Diogo Álvares Correia, o Caramuru

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Caramuru, é claro, atendeu ao pedido do rei e tão proveitoso foi o auxílio prestado a Tomé de Souza que, em meio a uma plena cooperação dos índios, pôde rapidamente ser fundada, em 1549, a cidade do Salvador, Capital do País, no lugar onde anteriormente Caramuru estabelecera a aldeia "Vila Velha". O prestígio de Caramuru foi de tal ordem que ele, acompanhado da esposa índigena, Paraguassu-Catarina, foi recebido com todas as honras na Corte, em Lisboa. O período de 1530 a 1570 é talvez o único em toda a história dos primeiros quatro séculos do Brasil, do qual se pode dizer que, no seu decorrer, a evolução da vida judaica se entrosou plenamente com a do país, numa cooperação ativa, uma coexistência pacífica e uma integração harmoniosa. Vale destacar que do casamento de Diogo Álvares Correia com Catarina, a filha do Chefe da tribo, nasceram muitos filhos e esses tiveram muitos outros, constituindo uma estirpe que incluiu, por exemplo, os poderosos Ávilas da Casa da Torre. O clã primordial derivado de Catarina e Caramuru influenciou de forma extraordinária na formação da sociedade brasileira. Neto de Catarina e Caramuru, Melchior Dias Moréia'é o descobridor das lendárias minas de prata. Entra na História com o apelido de Moribeca, quase revela a localização dessas minas, morre sem revelar o aonde. É o nascimento da lenda da cidade perdida que, em 1983, me é contada pelo rabino Hamu, lamentando que a hidrelétrica de Tucuruí vá sepultar a "cidade Moribeca"... (Quem quiser se deliciar e se informar mais com a aventura de Caramuru, deve ler "Caramuru e Catarina", lendas e narrativas sobre a Casa da Torre de Garcia d'Ávila, de Francisco Antonio Doria, Editora Senac, São Paulo). Para a formação do Brasil, esse período foi decisivo. No seu transcurso, fez-se sentir o poderio da metrópole, primeiro através das capitanias hereditárias e depois por intermédio do Governo Geral, que unificou politicamente o território, exercendo o poder da Coroa sobre o dos capitães-móres. É da maior importância verificar que, durante esse período de expansão, os judeus tenham desempenhado um papel honroso e atuante na vida econômica e social do país. No período da colonização sistemática (1530-1570), criaram-se todas as condições favoráveis à expansão de uma sólida comunidade israelita no Brasil. O número dos judeus, graças à intensa imigração e ao crescimento natural, alcançou uma proporção razoável vis-à-vis a população geral, o suficiente para se opor ao risco de assimilação. Havia tolerância e liberdade suficientes para que os judeus mantivessem abertamente suas práticas religiosas, ainda que algo sincretizadas com o catolicismo. As sucessivas levas imigratórias de judeus portugueses exerciam um papel de reativação do cotidiano israelita, evitando, até onde isso era possível, a aculturação.Graças a esta conjuntura, estavam se desenhando perspectivas seguras para que, nos fins do século XVI, passasse a existir no Brasil uma coletividade judaica, numerosa e estável. No entanto, novos fatores adversos intervieram para tumultuar esse processo em marcha. Por volta de 1570, sobreveio uma alteração na política emigratória de Portugal. Às normas liberais até então em vigor, surgiu uma longa série de medidas restritivas, volta e meia entremeadas de permissões, condicionadas e efêmeras, concedidas a troco de subornos. Em 30 de junho de 1567, na regência do Cardeal D. Henrique, foi expedido o primeiro alvará que proibia a saída do reino, por mar ou por terra, a todos os cristãos-novos. Em 1573, foi essa proibição reforçada por D. Sebastião. E, embora quatro anos mais tarde, em 1577, o próprio D. Sebastião a revogasse, mediante a contribuição de 250 mil cruzados para o custeio da malograda expedição à África, voltou o alvará a ser revigorado em janeiro de 1580, pelo Rei-Inquisidor D. Henrique. Nesse mesmo ano de 1580, perdeu Portugal sua

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independência para a Espanha e, em 1587, foram confirmadas todas as leis anteriores sobre a proibição da saída de judeus. Em julho de 1601 foi, por Carta-Patente, concedida aos judeus licença para sair do reino, a troco de 200 mil cruzados. Mas, nove anos mais tarde, em março de 1610, foi promulgada uma lei que revogou a concessão de saída, apesar das promessas de que a proibição não mais se repetiria. Somente em 1627, voltou a ser concedida aos judeus uma permissão condicionada de saída e, finalmente, em 1629, a lei estabeleceu definitivamente a livre saída do reino, benefício para cuja concessão tiveram os judeus que contribuir com a quantia de 250 mil cruzados. Tudo, fruto da freqüente incompatibilidade entre a igreja e a coroa - pela situação precária das finanças do país, que impelia ao recurso da extorsão de dinheiro judaico, em alternância com a necessidade de reter os judeus no país, eis que, emigrando para outros países, eles concorriam para sua prosperidade, enquanto se depauperava o reino, como chegou a confessá-lo o Conselho de Fazenda nestes termos: "...estar o comércio empobrecendo e terem os homens de mais cabedal deixado o País". Apesar de tudo, o êxodo dos judeus de Portugal em busca do Brasil prosseguia intenso. Tão crescentes eram as perseguições a que os judeus se viam expostos, que eles sempre encontravam os meios de contornar as proibições, nos períodos em que não o conseguiam oficialmente através das já mencionadas contribuições de vulto Na última década do século XVI, a corrente emigratória dirigiu-se basicamente para a França e aos Países Baixos, onde florescia o comércio e reinava tolerância religiosa, o que permitiu a rápida formação de uma ampla comunidade na cidade de Amsterdã, aí conhecida como a "Nova Jerusalém". Mesmo nesse período, continuava a vinda de judeus portugueses ao Brasil. Há indícios de que, de um modo geral, os países europeus, e em especial a Holanda, eram preferidos pelos emigrantes mais abastados, enquanto ao Brasil se dirigiam os pertencentes às camadas sociais mais modestas, sobretudo os que tinham propensão à agricultura. Fosse como fosse, o certo é que essa simultânea emigração de judeus portugueses, para o Brasil e os Países Baixos, propiciou o estabelecimento de um elo comercial e afetivo entre os judeus brasileiros e holandeses, o qual nos anos seguintes veio a ter importante repercussão político-social, decorrente do conflito de consciência em que se viram lançados os judeus brasileiros em virtude do triângulo Brasil-Portugal-Holanda que passou a dominar os seus interesses individuais e suas aspirações coletivas. As sucessivas restrições à emigração dos judeus de Portugal, as quais cobriram todo o período de 60 anos (1570-1630), não foram de molde a afetar substancialmente a entrada contínua de judeus no Brasil, onde prosseguia crescendo seu número e sua prosperidade. Entretanto, fatores outros passaram a prejudicar a vida judaica no Brasil, até então tranqüila e serena. Começaram a surgir sinais indiscutíveis de restrição à liberdade, que com o tempo se reforçaram, fazendo definhar a vida coletiva judaica, justamente quando parecia aproximar-se a sua consolidação, e forçando os judeus a retornarem, qual na sua mãe-pátria, a uma vida disfarçada, dupla, de forma a guardarem as tradições apenas no recesso da família e assim mesmo com a devida cautela. A primeira manifestação de intolerância verificou-se logo em 1573, na cidade do Salvador, onde foi instalado um auto de fé. Paradoxalmente, mas talvez de propósito, não era israelita a primeira vítima; era um francês que, acusado de heresia, foi condenado e queimado vivo. O balão de ensaio não surtiu, porém, os esperados efeitos. Os espetáculos dos autos de fé em si não exerciam nenhuma emoção especial sobre os índigenas, habituados à incineração de prisioneiros e que,por outro lado, permanecia incompreensível para os gentios que se queimassem pessoas por respeitarem e servirem outro Deus, o que os levava a simpatizar com os prisioneiros da Inquisição. Assim, esta encerrou brevemente a sua cruel tentativa. Restabeleceu-se, então, o ambiente de tolerância, com o franco apoio da opinião pública.Em 1591, acabou vindo ao Brasil o Santo Ofício, sendo essa missão conhecida como "Primeira

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visitação do Santo Ofício às Partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça". Na Bahia, permaneceu a Inquisição durante dois anos, até 1593, seguindo então o Inquisidor para Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, onde ficou até 1595. Decorridos 25 anos, a Bahia, então capital do Brasil, foi, entre 11 de setembro de 1618 e 26 de janeiro de 1619, alvo de uma nova visitação do Santo Ofício, que ficou a cargo do Inquisidor de Évora, o bispo D. Marcos Teixeira. Diante desta segunda comissão inquisitorial, foram denunciados nada menos de 90 marranos, entre eles muitos senhores de engenhos de açúcar. Registre-se que o Santo Ofício limitou suas visitas ao Nordeste, jamais tendo tentado instalar-se no Sudeste do país, talvez para não se expor a um fracasso completo, dado o ambiente hostil que certamente ali iria encontrar. Essa circunstância propiciou o primeiro movimento migratório interno dos judeus do Brasil. Todavia, cabe registrar aqui a tragédia de Izaque de Castro, o adolescente que veio embarcado preso na caravela do mestre Antônio Borges, vinda da Bahia para Lisboa em março de 1645. Tragédia esta que foi descrita nos seus mínimos detalhes por Elias Lipiner em "Izaque de Castro, o mancebo que veio preso do Brasil". É uma história extraordinária, escrita com todas as peças do seu processo no Santo Ofício em mãos de Lipiner. É a história de um jovem judeu luso-holandês, profundo conhecedor da Lei de Moisés e que jamais, em momento algum, cedeu à tortura e às chantagens da Inquisição. E terminou queimado vivo em Lisboa, em 15 de dezembro de 1647. É provável que o movimento migratório interno viesse se processando, em condições normais. Sobretudo por motivos econômicos, pois não se ocupavam os judeus somente de agricultura; o seu senso inato de mobilidade e de ubiqüidade certamente os levara a monopolizar o comércio entre os núcleos rurais e urbanos, assim penetrando nas mais recônditas partes do país. Mas eram migrações lentas,de caráter voluntário. Já por ocasião dos inquéritos da Inquisição no Nordeste deve ter sido de forma forçada, e em mais rápido rítmo, a saída de judeus daquela região em direção da parte mais liberal do país, onde não medravam preconceitos, e que era sobretudo a capitania de São Vicente - justamente o segundo foco de progresso do país. Não se sabe ao certo dos motivos das visitações do Santo Ofício ao Brasil, pois tornaram os inquisidores ao reino sem que viessem a lume os efeitos das sindicâncias.É todavia de se presumir que tivessem fundo político, receosa como se achava a Coroa quanto aos negócios dos cristãos-novos com a Holanda e quanto a certos indícios de que o inimigo encontraria no Brasil aliados e guias. A conjetura tinha fundamento, e os registros da visitação de 1618-1619 revelaram, efetivamente, que, durante cerca de 25 anos, os marranos do Brasil vinham se mantendo em constante comunicação com os judeus praticantes de Flandres e, em especial, com os ex-marranos portugueses que tinham escapado para Amsterdã e recuperado a sua condição judaica. As suspeitas foram reforçadas mais tarde com a criação da Companhia das Índias Ocidentais, aprovada em 1621 pelo governo holandês. Em face do programa e dos poderes dessa Sociedade - entre os quais se incluíam os de nomear e depor governadores, fazer tratados de aliança com os indígenas, erguer fortalezas e construir colônias - e da circunstância de que o capital da empresa era constituído em grande parte com os cabedais de judeus espanhóis e portugueses, era lógico desconfiar que o íntimo intercâmbio entre os judeus do Brasil e da Holanda pudesse vir a ajudar os propósitos conquistadores dessa última. A primeira prova real desse receio foi de fato obtida em 1624, quando os holandeses invadiram e conquistaram a cidade do Salvador, capital do Brasil. A população israelita, que na Bahia era então mais numerosa do que em qualquer outra cidade do País, submeteu-se alegremente aos conquistadores, com os quais haviam vindo muitos judeus. Perto de duzentos cristãos-novos aceitaram desde logo o jugo holandês e passaram a induzir os demais habitantes de origem judaica a seguirem o seu exemplo.

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Esse longo período de 60 anos foi altamente favorável ao desenvolvimento e à prosperidade da população judaica do Brasil, mas, em contraste com o período anterior (1530-1570), ele não constituiu uma fase tranqüila de evolução. Foi um período muito tumultuado, pleno de sobressaltos que, se não impediram o progresso material dos judeus - os quais em 1600 chegaram a possuir uma ponderável porcentagem dos 120 engenhos então existentes no Brasil - solaparam todavia a sua organização coletiva, que

vinha tomando corpo, e feriram fundo as suas esperanças de liberdade. - perseguições. A esperança dos judeus no Brasil de que sua sorte melhoraria graças a alguma forma de intervenção holandesa não falhou. Finalizando uma série de tentativas frustradas com que visavam tornar a conquistar a Bahia no decorrer do ano de 1627, os holandeses, após verificarem que a façanha seria mais exeqüível em Pernambuco - ponto pior defendido e mais fácil de ser depois fortificado - atacaram-no em 15 de fevereiro de 1630 com uma poderosa esquadra de 70 navios, tripulada e guarnecida por 7.000 homens, iniciando assim a ocupação do Nordeste brasileiro, a qual iria durar até 1654, centralizada na próspera capitania de Pernambuco. Esse período singular da vida judaica no Brasil é de ser considerado em inteira conexão com a ocupação holandesa,

com ela tendo começado e também tido fim, quase abruptamente. Mas, o que impressiona não é simplesmente essa coincidência, senão a rapidez com que os judeus lograram constituir no Nordeste do Brasil uma comunidade das mais florescentes do mundo de então. De fato, cabe descontar a tumultuada fase de 1630 a 1635, em que se processou a consolidação da conquista e que foi assinalada por lutas incessantes, que a resistência tenaz dos pernambucanos tornou inevitáveis; se deve deduzir, também, a fase de decadência do domínio holandês, a qual se estendeu de 1645 a 1654; resta, assim, o período de 1635 a 1644, que abrangeu o governo liberal e progressista do Conde Maurício de Nassau, espaço esse de apenas 10 anos, o qual, entretanto, bastou aos judeus para alçarem a um nível excepcional a sua vida econômica, social e cultural, dentro do arcabouço de uma organização coletiva. A ocupação holandesa do Nordeste do Brasil introduziu profundas modificações na vida econômica dos judeus, alargando o seu âmbito, diversificando os seus ramos ocupacionais e erguendo a sua potencialidade a um grau singular. Antes da conquista holandesa, os judeus exerciam, em larga escala, as atividades de plantadores de açúcar, mas os donos de engenho representavam apenas uma percentagem razoável, e os magnatas não passavam de uma escassa minoria. No mais, a colônia judaica era constituída de pequenos comerciantes e de profissionais manuais mal remunerados. Com o advento dos holandeses e a decorrente implantação de uma grande tolerância religiosa, o panorama foi se alterando. Levas ininterruptas de judeus afluiam a Pernambuco de vários países, especialmente da Holanda, trazendo capitais, experiência comercial e um prodigioso espírito de realização. Esses judeus vindos da Holanda - e que em grande parte eram ex-refugiados de Portugal, Espanha e França - tinham a vantagem de falar vários idiomas: espanhol, francês, ladino e holandês, e claro, português, que era a língua falada no Brasil; era-lhes fácil assim servir de intérpretes para os 7 mil homens do exército e da marinha holandeses, constituídos de mercenários - holandeses, ingleses, franceses, alemães,polacos e outros - que não falavam o português. De simples intérpretes, foram rapidamente passando a comerciantes, de um modo geral a intermediários, profissão que se tornou quase monopólio dos judeus, com os quais não podiam competir os pequenos negociantes e operários brasileiros e flamengos.Por volta de 1638, aproveitando-se do confisco dos engenhos pertencentes aos portugueses, feito pelos governantes holandeses, que puseram essas propriedades em hasta pública, os judeus fizeram grandes aquisições por preços irrisórios. Não tardou assim que os judeus se tornassem grandes proprietários urbanos e rurais, controlando a vida econômica da Nova Holanda; merece lembrar, como testemunho disso, que a principal rua

Sinagoga Tsur Israel (interior)

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do Recife era conhecida como a "rua dos Judeus" (depois de 1654 - "rua da Cruz"e, finalmente, "rua do Bom Jesus") e o porto era chamado "cais dos judeus". Um documento da época, vazado em linguagem pitoresca, ainda que algo exagerada, dá um retrato expressivo da rapidez com que se efetuou a ascensão econômica dos judeus no Brasil Holandês: "Haviam vindo com os holandeses, quando tomaram a Pernambuco, alguns judeus, os quais, não trazendo mais do que um vestidinho roto sobre si, em breve se fizeram ricos com seus tratos e mofatras, o que sabido por seus parentes, que viviam em Holanda, começaram a vir tantos, e de outras partes do Norte, cada um com suas baforinhas, que em quatro dias se fizeram ricos e abundantes, porque, como os mais deles eram portugueses de nação e haviam fugido de Portugal por temor da Santa Inquisição, e juntamente sabiam falar a língua flamenga, serviam de línguas entre os holandeses e portugueses e por esta via grangeavam dinheiro, e como os portugueses não entendiam os flamengos, nem eles aos portugueses, e não podiam negociar nas compras e vendas, aqui metiam os judeus a mão comprando as fazendas por baixo preço e, logo, sem risco nem perigo, as tornavam a revender aos portugueses com o ganho certo, sem trabalho algum". A prosperidade dos judeus na Nova Holanda não se processou todavia sem incômodos. O acréscimo do seu bem estar e o desenvolvimento extraordinário do seu poderio econômico despertaram inveja e geraram uma perigosa inimizade da concorrência cristã. Se tais ondas de ódio coletivo não tiveram maiores conseqüências, o fato se deve à ação equilibrada de Maurício de Nassau, que, durante a sua regência de sete anos, trabalhara honestamente para fazer a união de todas as oposições religiosas na colônia, distribuindo justiça imparcial: era o primeiro a exigir reparação quando provadas infrações legais cometidas por judeus, mas também sabia defendê-los com o seu braço poderoso quando os via vítimas de atiçamento. PESQUISA Num texto apresentado no Seminário O mundo que o Português criou, o pesquisador pernambucano Leonardo Dantas Silva, da Fundação Joaquim Nabuco, destaca que “perseguidos pela Inquisição, os judeus, disfarçados em cristãos-novos, tentavam estabelecer-se no Brasil onde, em algumas partes, detinham 14% da população economicamente ativa. Quando da Dominação Holandesa (1630-1654), a comunidade do Recife veio a ser conhecida internacionalmente, sendo o seu passado objeto do interesse dos estudiosos dos nossos dias”. Leonardo destaca que “em Pernambuco, a primeira presença documentada de cristãos-novos, com animus de fixar permanência, data de 1542 quando da doação das terras a Diogo Fernandes e Pedro Álvares Madeira, nas quais pretendiam erguer o Engenho Camarajibe. O primeiro, originário de Viana do Castelo, era marido de Branca Dias, então respondendo processo por práticas judaizantes perante o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa só se transferindo para o Brasil por volta de 1551; o segundo, talvez oriundo da Ilha da Madeira, era especialista no fabrico de açúcares”. Ele registra que, em 1555, um ataque dos índios destruiu as suas plantações, o que motivou carta de Jerônimo de Albuquerque, cunhado do primeiro donatário então no governo da capitania, ao Rei de Portugal, pedindo auxílio para Diogo Fernandes, "gente pobre de Viana", então com seis ou sete filhas e dois filhos, que, com sua mulher Branca Dias, vieram a ser acusados de práticas judaizantes anos mais tarde. O pesquisador conta mais: além desses, outros cristãos-novos tornaram-se senhores de engenho em Pernambuco, permanecendo também como mercadores, atividade peculiar dos judeus por todo o mundo. Outros, porém, se transformaram em rendeiros na cobrança dos dízimos e faziam empréstimos, sendo denunciados como onzeneiros, isto é, agiotas, como o James Lopes da Costa, João Nunes Correia e Paulo de Pina. Grande parte deles dedicava-se ao comércio de exportação de açúcares, indústria que se encontrava em franco desenvolvimento na capitania. Alguns chegavam muito jovens e, com a exportação desse produto, se transformavam em representantes das grandes famílias de capitalistas da época, como João da Paz, sobrinho de Miguel Dias Santiago, e Duarte Ximenes, ligado por laços de parentesco aos Ximenes de Aragão, grandes comerciantes de Antuérpia.

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“Um deles, James Lopes da Costa, o mesmo que aparece em 1591 como onzeneiro (Denunciações), era senhor do Engenho da Várzea, tendo-se transferido para Lisboa, residência de sua mulher e filhos, e de lá para Amsterdam, onde se encontrava em 1598. Nesta cidade, conhecida como a Jerusalém do Ocidente, declarou-se judeu passando a usar o nome de Jacob Tirado, e aí fundou a primeira sinagoga portuguesa daquele grande centro, chamada Bet Yahacob (Casa de Jacob). Era natural do Porto (Portugal), tendo nascido em 1544, transformando-se, assim, num dos mais ilustres membros da comunidade de Amsterdam. Nesta cidade foi alvo de significativa homenagem do rabino alemão Uri Phoebus Halevi, que dedicou-lhe o seu livro ali editado em 1612”. Foi ainda James Lopes da Costa que, em 1615, constituiu um grupo de quinze judeus portugueses, a Santa Companhia de Dotar Órfãs e Donzelas, mais conhecida entre os sefarditas pela sigla Dotar, no qual foram acrescidos os nomes de quatro judeus ausentes, dois dos quais residentes em Pernambuco, João Luís Henriques e Francisco Gomes Pina. No final do século XVI, quando da Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil (1593-95), era considerável o número de cristãos-novos em Pernambuco. Numa amostragem com base nos depoimentos, constantes das denunciações e confissões, pode-se estimar em 14% da população desta capitania. Leonardo conta que, na segunda metade do século XVI atuaram em Pernambuco dois mestres-escolas leigos, ambos cristãos-novos: Branca Dias, que mantinha uma escola para moças, e Bento Teixeira, um erudito que atuou como mestre-escola em Olinda, Igaraçu e Cabo.

Também em Pernambuco residiu por muitos anos o também cristão-novo Ambrósio Fernandes Brandão, proprietário de terras em São Lourenço da Mata (Denunciações e Confissões de Pernambuco p. 231 e 260), que em 1618 veio a escrever o livro Diálogos das Grandezas do Brasil (Recife: Imprensa Universitária, 1962), um dos mais importantes relatos sobre a flora, fauna, paisagem e vida econômica do país naquele primeiro século de sua colonização, obra hoje de consulta obrigatória pelos estudiosos dos mais diversos misteres. Bento Teixeira é o autor da primeira obra poética produzida no Brasil que veio a alcançar as honras do prelo, Prosopopéia, escrita em Pernambuco, entre 1585-94, e publicada em Lisboa (1601) com a

dedicatória a "Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador de Pernambuco", numa produção da oficina de Antônio Álvares

Que eu canto um Albuquerque soberano Da fé, da cara pátria firme muro, Cujo valor é ser que o céu lhe inspira, Pode estancar a lácia e grega lira.

Diogo Barbosa Machado (1682-1772), em sua Biblioteca Lusitana (Lisboa 1741), declara ser Bento Teixeira, a quem ele acresceu o sobrenome "Pinto", natural de Pernambuco, dando causa à repetição de um erro que se arrasta ao longo de dois séculos. Somente em 1960, quando da publicação do seu livro Estudos Pernambucanos (Recife: Imprensa Universitária; 2ª ed. Recife: Fundarpe, 1986), coube ao historiador José Antônio Gonsalves de Mello esclarecer a real naturalidade do poeta Bento Teixeira. Ao compulsar o processo n.º 5206 da Inquisição de Lisboa (ANTT), em que aparece como réu um Bento Teixeira originário de Pernambuco, em seus depoimentos ele se declara natural da cidade do Porto (Portugal) onde nascera em cerca de 1561.

Em meio desta obra alpestre e dura, Uma boca rompeu o mar inchado Que na língua dos bárbaros escura, Paranambuco de todas é chamada: De Pará, no que é mar; Puca, rotura, Feita com a fúria desse Mar Salgado,

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Que sem derivar, cometer mingoa, Cova do Mar se chama em nossa lingoa. Prosopopéia

Bento Teixeira, erudito dos mais brilhantes do seu tempo, conhecedor dos clássicos, do latim e de outras línguas, dado a fazer trovas e sonetos, foi o autor do poema épico, Prosopopéia, editado nas oficinas do impressor Antônio Álvares, "o primeiro escrito no Brasil a merecer as honras do prelo", infelizmente publicado no ano seguinte ao da sua morte: 1601. MAURÍCIO DE NASSAU Se o governo do Brasil Holandês ia mal, em face dos insucessos provocados pela resistência dos portugueses e naturais da terra, e os seus responsáveis, geralmente pouco experientes e inclinados ao abuso, não auferiam os lucros esperados, o mesmo não se pode dizer do comércio estabelecido no Recife, cuja prosperidade tornava o seu porto tão importante como o de Amsterdam sendo centro de organização de expedições e paragem de frotas com destino às Índias. Apesar de senhores da terra, os Conselheiros da Companhia das Índias Ocidentais não pareciam satisfeitos com a administração dos seus diretores no Brasil. Daí surgiu a necessidade da contratação de um administrador civil e militar, caindo a escolha no conde João Maurício de Nassau-Siegen para o posto de governador-geral. Com trinta e três anos de idade, educado em universidades européias, testado nas guerras de Flandres, o futuro príncipe era a pessoa ideal para estabelecer a paz na conquista e desenvolver a agricultura. Chegando a Pernambuco a 23 de janeiro de 1637, o conde trouxe consigo a mais importante missão científica que até então pisara em terras da América, ainda hoje objeto de atenção de todos que se dedicam ao estudo daquele período. Na ocasião fazia-se acompanhar do latinista e poeta Franciscus Plante, do médico e naturalista Willem Piso, do astrônomo e naturalista George Marcgrave, dos pintores

Frans Post e Albert Eckhout, do médico Willem van Milaenen, do humanista Elias Herckmans, aqui encontrando os artistas amadores Zacharias Wagener e Gaspar Schmalkalden, tendo incorporado posteriormente à missão o cartógrafo Cornelis Sebastianszoon Golijath e o arquiteto Pieter Post. Na administração de João Maurício de Nassau um surto de progresso tomou conta do Brasil Holandês, cujas fronteiras foram estabelecidas do Maranhão à foz do Rio São Francisco. O Recife, "coração dos espíritos de Pernambuco" na observação de Francisco de Brito Freyre, veio a sofrer inúmeros melhoramentos e testemunhar vários pioneirismos, como a instalação do primeiro observatório astronômico das Américas. Uma nova cidade veio a ser construída na ilha de Antônio Vaz, onde os franciscanos haviam estabelecido em 1606 o convento de Santo Antônio. A nova urbe, projetada por Pieter Post, veio a receber a denominação de Cidade Maurícia, em 17 de dezembro de 1639, a Maurits Stadt dos holandeses; cujos mapas, aspectos e panorama (94 x 63 cm.) aparecem na obra de Gaspar Barlaeus, publicada em Amsterdam (1647), e em outras produções artísticas de sua época. A produção do período desenvolveu-se em outros centros, com a publicação de memórias, mapas, livros científicos e uma infinidade de pinturas, desenhos e gravuras diretamente ligadas ao Brasil holandês, hoje espalhados por bibliotecas, galerias, museus e coleções particulares de todo o mundo. Aos melhoramentos urbanísticos, inclusive a construção dos palácios das Torres (Friburgo) e Boa Vista, de um horto zoobotânico, de canais e viveiros, a instalação de duas pontes em grandes dimensões, a primeira ligando o atual bairro do Recife à nova cidade e a outra ligando esta ao continente, vieram juntar-se os trabalhos dos artistas que faziam parte da comitiva. Uma intensa produção de uma arquitetura não religiosa, de pinturas e desenhos documentando a paisagem, urbana e rural, retratos, figuras humanas e de animais, naturezas mortas, serviram para documentar e divulgar esta parte do Brasil em todo o mundo. Estudos sobre a flora, fauna, a medicina e os naturais da terra, bem como observações astronômicas e

Mauricio de Nassau

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um detalhado levantamento cartográfico da região, dizem da importância da presença do conde João Maurício de Nassau à frente dos destinos do Brasil Holandês. GENTE DA NAÇÃO Quando da tomada de Pernambuco pela força das armas das tropas holandesas, financiadas pela Companhia das Índias Ocidentais, e consolidação das fronteiras do Brasil Holandês, após a vitória contra os naturais da terra em 1635, mais de 7.000 pessoas vieram morar na estreita faixa de terra da zona portuária do Recife. José Antônio Gonsalves de Mello conta, em “Gente da Nação”, que "ocupado Pernambuco pelas armas da Companhia das Índias Ocidentais muitos cristãos-novos, que aqui moravam, declararam-se publicamente judeus, fazendo-se circuncidar. Possivelmente essa confissão de fé que secretamente professavam foi feita quando da consolidação da conquista, no início de 1635. Essa decisão foi possível graças à concessão de liberdade de consciência pelos Estados Gerais dos Países Baixos. No 'Regimento do governo das praças conquistadas ou que foram conquistadas' concedido pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado de Haia, 13 de outubro de 1629, permitia-se aos que residiam nas terras onde se viesse a estabelecer a soberania holandesa, quer fossem espanhóis, portugueses e nativos, católicos ou judeus, 'que não sejam molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas particulares'"( Gente da Nação p. 212-213). A tomada de Pernambuco ecoou como uma boa-nova e veio a despertar a atenção dos judeus portugueses (sefarditas) e alguns outros migrados da Polônia e da Alemanha (ashkenazitas), residentes na Holanda, que logo se apressaram em vir tentar a sorte em terras do Nordeste do Brasil. A situação desses judeus, estabelecidos em Amsterdam e em outras localidades dos Países Baixos, era, por vezes, de extrema penúria, como bem demonstra Elias Lipiner, em artigo publicado na revista Comentário( Rio, 1972). A liberdade religiosa concedida aos judeus na Holanda atraía para esse asilo os fugitivos da Inquisição em número constantemente crescente. Aumentava, em conseqüência, na mesma proporção, a quantidade de pessoas necessitadas. Cabe lembrar aqui que entre as associações judaicas existentes em Amsterdam nos séculos XVII e XVIII, a maioria visava ao socorro dos pobres. As denominações hebraicas destas associações revelavam as suas finalidades beneficentes: Avi-Ydthomim (Pai dos Órfãos), Avodáth-Hakhéssed (Ação Caritativa), Baalé-Zedaká (Os Benfeitores), Bikúr-Kholim (Auxílio aos Doentes), Khonén-Dalim (Protetor dos Pobres), Éven-Yekará (Pedra Preciosa), Guevúl-Almaná (Asilo das Viúvas), Guemilúth-Khassidim (Obra Beneficente), Maassim Tovim (Ações Boas), Maréi-Néfesh (Pessoas Aflitas), Maskil-el-Dal (Protetor dos Necessitados), Mezón-Habanóth (Alimentação das Órfãs), Meli-Zedaká (Roupas para os pobres), Menakhém-Avelim (Consolo aos Enlutados), Mishéneth-Zekenim (Amparo aos Velhos), Móhar-Habethulóth (Dote para as Donzelas), Nothén-Lékhem-Ladái (Pão para o Pobre), Ozér-Dalim (Auxílio aos Pobres), etc. SINAGOGAS DE CURUÇAU E SURINAME Lipiner cita ainda o opúsculo do filósofo e economista judeu holandês Isaac de Pinto (1715-1787) que, ao analisar a situação de pobreza de alguns judeus de Amsterdam, onde "800 famílias que vivem ou morrem a nosso cargo", aconselha uma emigração organizada a ser conduzida ao "Suriname, Curaçao, Jamaica, Barbados e outras colônias da América, onde já existissem comunidades judaicas". Deixa de mencionar o Brasil, visto que a comunidade formada na primeira metade do século XVII, havia sido extinta quando da expulsão dos holandeses em 1654. Estabelecido o governo holandês, muitos cristãos-novos de Pernambuco vieram a declarar-se publicamente judeus, fazendo-se circuncidar, dentre os quais Gaspar Francisco da Costa, Baltasar da Fonseca e seu filho, Vasco Fernandes [Brandão] e seus filhos, Miguel Rodrigues Mendes, Simão do Vale [Fonseca], Simão Drago e muitos outros.

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Com a notícia de uma colônia holandesa no Nordeste do Brasil, um grande número de judeus sefarditas e alguns poucos ashkenazitas resolveram embarcar para a nova colônia. Isso se depreende do grande número de solicitações, feitas ao Conselho Político da Companhia das Índias Ocidentais em Amsterdam, no período de 1º de janeiro de 1635 a 31 de dezembro de 1636, cujo único livro de atas se conservou até os nossos dias. Na significativa lista de judeus que solicitam transferência para a "terra do açúcar", naqueles dois anos, trazendo consigo suas famílias, se depreende os requerimentos assinados por Abraão Serra, dois filhos e um irmão; Jacobus Abecanar, quatro filhos; Jacob Moreno, com a mulher, desejando estabelecer-se como cirurgião na Paraíba; Pedro de Lafaia, a mulher, dois sobrinhos e duas sobrinhas; a mulher e dois filhos de Diogo Peixoto , cujo marido já se

encontrava no Recife; três ourives portugueses Moisés Neto, Isaac Navarro e Matatias Cohen; Arão Navarro e um criado; Abraão Gabid; Miguel Rodrigues Mendes; Bento Rodrigues; Benjamim de Pina; João Carvalho; Abraão Cardoso e Isaac de Cáceres; Daniel Gabilho que ia ao Brasil a serviço de Duarte Saraiva; David Ferdinandus; Simão Gomes Dias e Jacob Serra, com mulheres, filhos e toda a

mobília; Rodrigues da Costa e Moisés Franco de Wit; Abraão Serra e um filho de 16 anos; David Levy Bon Dio; Jacob Fundão; Abraão Gabai, com sua mulher, sua mãe e cinco filhos; Moisés Alves; Salvador de Andrade e Davi Gabai "seu camarada"; Isaac da Costa e seu primo Bento Osório; Simão Gomes Dias, sua mulher e uma criada; Jacob Serra e seu sobrinho, Mardocai Serra; Samuel Namias; Jacques Rodrigues e seu empregado, Moisés Rodrigues; David Gabai e Salvador de Andrade; Jacob Rodrigues e Manuel Henriques, com o seu criado Moisés Rodrigues; os comerciantes David Atias, Jacob e Moisés Nunes. Grande parte dos solicitantes pediam à Câmara de Amsterdam passagem gratuita, havendo alguns que se comprometiam em pagar as despesas de alimentação; sendo registrado casos, como Duarte Saraiva, cujo nome judeu era David Senior Coronel e que em 1635 já se encontrava no Recife, de judeus que pagavam todas as suas despesas. A RUA DOS JUDEUS Com a consolidação da ocupação de Pernambuco, milhares de judeus aqui se estabeleceram no ramo do comércio, particularmente do açúcar e do tabaco, chegando alguns a possuir engenhos e a dedicar-se à cobrança de impostos e ao empréstimo de dinheiro. Alguns deles dedicavam-se ao comércio de escravos que, trazidos pelos barcos da Companhia da costa da África, eram aqui arrematados em leilões e vendidos a prazo aos senhores de engenho; atividade retratada pelo artista Zacarias Wagener, que viveu no Recife entre 1634 e 1641, no seu "Mercado de escravos na Rua dos Judeus". Por sua vez, tornou-se crescente o número de judeus que se transferiam para Pernambuco, a partir de 1635, originários principalmente dos Países Baixos, conforme se comprova em depoimentos da época; a exemplo de Manuel Mendes de Castro que, em 1638, trouxe de uma só vez em dois navios 200 deles, entre ricos e pobres, mulheres e crianças ( Gente da Nação p. 218 - 223). Tal era o número de judeus que chegavam ao Recife que o Conselho Político, em sua reunião de 9 de novembro de 1635, assim decide: "como a extensão e área do Recife é pequena para acomodar os comerciantes livres em suas necessidades e negócios, resolveu-se vender um terreno medindo oitenta pés de comprimento e sessenta de largura [2.434,40 cm. x 1.828,80 cm.], situado fora de portas onde se costuma fazer a 'guarda do bode' (bochenwacht), ao Senhor Duarte Saraiva, comerciante livre aqui, pelo preço de 450 reais e oito, para que construa uma casa segundo o seu gosto, ou para vender o terreno ou casa e o terreno para seu lucro". Esse terreno estava localizado fora da "porta de terra", ao Norte do Recife, no istmo que ligava a povoação a Olinda, e, graças às construções nele realizadas, já a partir de 1636, veio dar origem à Rua dos Judeus, denominação que se manteve até 1654, quando da expulsão dos holandeses de Pernambuco.

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Duarte Saraiva, conhecido entre os do Recife e da Holanda pelo nome de David Senior Coronel, judeu português nascido em cerca de 1572 e cujo filho, Isaac Saraiva, era rabino e mestre-escola entre os judeus portugueses de Amsterdam, veio a ser um dos principais líderes da comunidade de então. Na sua casa funcionou a primeira sinagoga, em 1636, antes de ser construído o prédio onde veio estabelecer-se de forma definitiva a Kahal Kadosh Zur Israel , ou seja, a "Santa Comunidade o Rochedo de Israel", talvez em alusão ao próprio Recife; bem de acordo com a visão de outro contemporâneo, o reverendo Joannes Baers (1580-1653), que assim sintetiza a descrição da cidade de então: "o Recife é um arrecife". Segundo José Antônio Gonsalves de Mello, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro ( Rio 1988), "na Rua dos Judeus residiam aqueles que tinham alcançado as melhores condições econômicas e muitas de suas casas foram construídas pelos proprietários, pois que a área da Rua dos Judeus foi incorporada à cidade após a ocupação holandesa. Nessas casas a parte residencial colocava-se no andar ou andares superiores, ao rés-do-chão ficava a casa de negócio. Vários judeus ricos moravam nessa rua, como Gaspar Francisco da Costa (aliás José Atias), Moisés Navarro, Abraão Azevedo e Duarte Saraiva (aliás David Senior Coronel), dentre outros". A SINAGOGA A SINAGOGA A SINAGOGA A SINAGOGA Com o aumento da comunidade fez-se necessário uma casa de orações, daí ter-se estabelecido uma sinagoga na casa do capitalista Duarte Saraiva, o mesmo que comprara o terreno "na guarda do bode" e que, segundo o autor de Gente da Nação , "pela sua idade [c 64 anos] e sua ação entre os correligionários, era pessoa prática no judaísmo, um pregador leigo, sendo um dos seus filhos, Isaac Saraiva, haham, isto é, rabino e mestre-escola entre os judeus portugueses de Amsterdam". É desta época o surgimento da nova sinagoga do Recife, estabelecida no primeiro semestre de 1636, segundo denúncia dos predicantes do Conselho da Igreja Reformada, Schagen e Poel, feita ao Conselho Político em 23 de julho daquele ano: "Em primeiro lugar, observa-se que os judeus que residem aqui começam a estabelecer uma assembléia em forma de sinagoga, o que deve ser impedido" ( Dag Notule ). Em princípio funcionou a sinagoga em casa alugada, mas, logo depois, veio a ser construído um templo próprio em pedra e cal, possivelmente entre 1640 e 1641, conforme documento enviado ao Conselho dos XIX, com data de 10 de janeiro de 1641. Em 1839, quando da publicação do Inventário dos prédios que os holandeses haviam edificado ou reparado até o ano de 1654 , manuscrito raríssimo que teve a sua segunda edição em 1940, aparece a indicação local onde funcionou a primeira sinagoga do Novo Mundo: "Umas casas grandes de sobrado da mesma banda do rio, com fronteira para a Rua dos Judeus, que lhes servia de sinagoga, a qual é de pedra e cal, com duas lojas por baixo, que de novo fabricam os ditos judeus". - Hoje, como veremos adiante, a antiga sinagoga ocuparia os prédios de nº 197 e 203 da Rua do Bom Jesus, no bairro do Recife. A sinagoga estava situada no sexto lote de terreno, construído a partir do norte, funcionando no primeiro andar de um prédio geminado, servido por uma só escada, no qual funcionava no andar térreo duas lojas, bem próxima à "Porta de Terra", que dava saída para o istmo que ligava o Recife a Olinda. Estabelecida no andar superior, o salão da sinagoga, a exemplo da primitiva sinagoga de Amsterdam, tinha encostada à parede da frente, voltada para o leste, a arca com os rolos da Torá e, ao centro, o local de leitura e pregação. - Após a expulsão dos holandeses em 1654, a Rua dos Judeus veio a ser denominada de da Cruz e, a partir de 1870, teve o seu nome mudado para do Bom Jesus. Nesta primeira sinagoga em terras das Américas exerceu o rabinato Isaac Aboab da Fonseca que era português de nascimento. Natural de Castro Daire, distrito de Viseu, na Beira Alta, Isaac Aboab da Fonseca nasceu em 1605, tendo emigrado com os seus pais para a França e, em 1612, para Amsterdam. Era filho de David Aboab e Isabel da Fonseca. Tendo estudado nas

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escolas judaicas daquela cidade holandesa, denominada de " A Jerusalém do Ocidente ", em 1626 foi designado rabino da Congregação Beth Israel, função que ocupou até 1638 quando da unificação de três sinagogas ali existentes. Em 1641 aceitou o convite da comunidade do Recife para vir presidir os serviços religiosos da sinagoga local, construída em 1636, que tinha a denominação de Zur Israel , recebendo para isso o estipêndio de 1.600 florins anuais. Exercia ainda a função de Mohel, ou circundador, e vivia, ao que parece, exclusivamente do culto e do ensino - do hebraico, da Torah e do Talmud - para os que se iniciavam. Na sinagoga Zur Israel , do bairro do Recife, serviam personagens ilustres como o Hazan (o leitor), Jehosua Velosino; o Rubi (o mestre-escola), Samuel Frazão e o Shames (guarda) Isaac Nehamias, segundo relação do ano de 1649. O famoso erudito Menasseh ben Israel (1604-1657), rabino de Amsterdam, cujo nome português era Manuel Dias Soeiro que esteve para partir para Pernambuco em 1640, onde já se encontrava o seu genro, Ephraim Soeiro, ao publicar a segunda parte de sua obra em 1641, O Conciliador , em quatro volumes (Amsterdam, 1632-51), faz uma dedicatória "aos anciãos da Nação Judaica" do Recife, David Senior Coronel, Dr. Abraão de Mercado, Jacob Mocat e Isaac Castanho. Com o retorno do conde João Maurício de Nassau à Holanda, em 1644, teve início, logo no ano seguinte, o movimento chamado de Insurreição Pernambucana que, liderado por João Fernandes Vieira e outros representantes da nobreza da terra, visava a expulsão das tropas da Companhia das Índias Ocidentais do território da então capitania de Pernambuco. O ano de 1646 foi de grande crise para os holandeses e judeus residentes no Recife. Depois das vitórias conquistadas no monte das Tabocas, na Casa Forte e no Cabo de Santo Agostinho, nos meses de agosto e setembro de 1645, os insurretos isolaram o Recife, deixando os seus habitantes sem acesso aos alimentos produzidos na zona rural, o que resultou em grande fome para cerca de 6 a 8.000 pessoas, quando até ratos foram consumidos pela população. Esse momento de privação é descrito em cores vivas e pungentes na coletânea hebraica sob o extenso título: "Memória que compus acerca dos milagres de Deus e seu imenso favor com graça e misericórdia concedida à Casa de Israel, no Estado do Brasil, quando sofreram o ataque das tropas de Portugal, gente indigna que despreza Seu nome, para exterminar , matar e aniquilar todos que eram de origem de Israel, inclusive crianças e mulheres, num só dia, no ano de 5406 [1946], eu o humilde Isaac Aboab". Nos seus versos, os primeiros escritos em aramaico e hebraico nas três Américas, descreve o rabino, que "os que estavam habituados a comer à mesa de ouro, davam-se por felizes com um pedaço de pão seco e bolorento, num ambiente agitado. Mas também isso faltou em nossas casas, que faltou o azeite na botija e a farinha na panela acabou"... A sorte parecia traçada quando, em 22 de junho de 1646, aportaram no Recife os barcos holandeses Gulden Valk e Elizabeth trazendo alimentos para aquela população de esfomeados. Em agradecimento, novamente o rabino Aboab da Fonseca escreveu no estilo bíblico de sua época:

No nono dia do quarto mês dois navios dos Países Baixos trouxeram a salvação para o meu povo. Se não tivessem chegado a tempo, ninguém teria escapado. Gravai tudo isso e estejais lembrados, meus congregados, que naquele dia manifestou- se o favor de Deus. Lembrai-vos do caminhar milagroso. Evocai com louvores Seu nome. Cantarei ao Deus Majestade o dia em que Ele afogou o faraó no Mar Vermelho e salvou Seu povo. Seu nome não será esquecido pelos seus descendentes. Ele nos salvou do campo da morte e sobre nós estendeu a Sua nuvem para garantir nossa salvação, E não deixou de iluminar o nosso caminho com Seu clarão e fogo

luminoso. E meu povo cantava caminhando terra afora: não há ninguém semelhante a Ti, entre os deuses.

Isaac Aboab da Fonseca

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Além do poema, deixou Isaac Aboab da Fonseca uma oração, em forma de confissão, quando da chegada a Pernambuco dos regimentos portugueses, em julho de 1645. "Dirigindo-se a Deus confessa seus pecados, isto é, os do povo de Israel, por ter estado voltado para os interesses materiais, para os gozos mundanos esquecido dos mandamentos, tal qual os demais habitantes do país; e conclui por pedir o perdão a Deus misericordioso". A prece de Aboab da Fonseca, lida na sinagoga da Rua dos Judeus, obrigatoriamente por disposição regimental da comunidade, a partir de então, em dia de ação de graças, tem o título Mi Kamókha ; ou seja, Quem é semelhante a Ti ?.

Quem é como Ti e não há como Ti Quem se assemelha a Ti e não há semelhante a Ti Deus dos deuses, Senhor meu. Altíssimo, descansas no meu lar. Teu nome pronunciarei entre os que crêem. Com cânticos serás lembrado. Por meus pecados fui abandonado numa nação longínqua. Cumpriam-se, assim, as palavras dos Teus profetas Quando precipitei-me abismo abaixo. Feliz aquele que pode dizer que Tu és o seu escudo. As ondas do mar cobriram minha cabeça. Isto acontecia de acordo com Teu desígnio. Não reneguei meu Deus. Permaneci fiel à aliança Unido intimamente. Não me desviei do caminho. Tuas palavras alegram minha alma. Espero, portanto, por ti. Todos evocam o Todo Poderoso que poupando a própria ira Sorriu novamente para o povo eleito por Ti, como predileto. No ano de 5406, Manifestou-se o poder terrificante de Tua espada. Tínhamos pecado contra Ti. Lembrou-se Deus do rei de Portugal, cuja ira nos aterrorizou. Que Deus se abata sobre os seus nobres e chefes do exército. Ele tramou aniquilar os sobreviventes, do meu povo e queimar, os meus mais queridos; Enviou regimentos em perseguição aos meus. Seu coração é pleno de maldade; Preparou-me uma cilada em combinação com um outro degenerado, semelhante a ele, Que foi retirado e elevado da imundície para se tornar apoio às suas maquinações, Conhecido como homem sem coração, um sádico e embusteiro de mão negra, Cujo próprio pai desconhece seu paradeiro e o tem como um insulto para si mesmo. Com prata e ouro saqueados, tramava-se astutamente uma conspiração, A qual meus chefes não davam crédito e ridicularizavam a notícia Da reunião em blocos de grupos de negros. Quando esta notícia se espalhou, Ele fugiu sorrateiro para as matas, servindo-lhe de refúgio à escravidão. Por toda parte, sua gente foi perseguida até que chegassem os tão esperados regimentos, Ordenados pelo rei, para fazerem o cerco em torno deste solitário. E a Casa de Jacó tomou-se de ira, com lágrimas, pranto e terror. Foi designado um dia de jejum e de oração para acalmar a ira do seu Deus. O terror tomou-me o corpo. Esquecera-me de meu Criador, quando tudo estava bem. Instintos satânicos seduziram-me e lhes dei atenção. Saquear meu povo, eis o intento do inimigo. Seu plano é o extermínio dos meus que se encontram em refúgio, E nem imaginou que Deus está comigo e que estabeleceu seu lar entre nós. Medo e pavor assaltaram-me. Senti dores como as de uma mulher grávida. E o inimigo querendo tirar minha vida, tão cansada e cheia de fé, Vigia meus passos, amargura-me a vida.. Chegou, porém, o dia que o mar lhe preparara como armadilha, Quando pensara matar-nos de sede. Deus não quer perdoá-lo. O anjo salvador ouviu nosso clamor e diante dos nossos sofrimentos rompeu em soluços: Israel é abandonado pelo seu Deus. Choro e suplico diante d'Ele. O pastor de Israel é um Deus Poderoso e Aterrorizante que envia salvação para o seu povo, Aos inimigos e adversários, um dia infeliz, ao qual não podem opor resistência. Ó Sempre, Eterno e Onipotente, vem e olha para Teu povo que é vendido como animal, Forçado a aceitar uma água maldita, Não os ajudarás? Abre Teus olhos e ouve com atenção. Só, então, descansaremos felizes na Tua bem-aventurada Tranqüilidade, E com Teu braço forte protegerás os pobres abandonados.

A primeira versão livre do texto em hebraico, escrito no Recife em 1646, foi feita para a língua inglesa, de forma bastante resumida, por M. Kayserling, quando da publicação do seu artigo

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"Isaac Aboab, the first Jewis author in America", in Publications of the American Jewish Historical Society, (Baltimore, 1897). No seu artigo, o autor transcreve o texto em hebraico, o que deu condições ao professor Isaac Halper Filho, do Colégio Israelita do Recife, de fazer uma primeira tradução para a língua portuguesa, em 1946, a pedido do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, que nos dá uma versão sucinta das orações de Aboab da Fonseca, em seu livro Gente da Nação - Cristãos -novos e judeus em Pernambuco. O manuscrito, anteriormente guardado na Livraria Montesinos, do Seminário Português Israelita de Amsterdam, fundado em 1637, foi posteriormente transferido para a Biblioteca da Universidade Hebraica de Jerusalém, onde hoje se encontra. Elias Lipiner recuperou o códice que reúne três partes: a) Poemas litúrgicos em geral incluindo o referente à guerra da restauração. Este seguido de uma prece em prosa, cujo conteúdo é genérico, embora no título se anuncie que foi composto para ser recitado "na aflição pelo ataque contra nós dos exércitos do Rei de Portugal, e que Deus nos pôs a salvo de sua ameaça"; b) lamentações comemorativas da destruição do Templo, e c) resenha especializada da língua hebraica. Com a rendição dos holandeses, em 27 de janeiro de 1654, Isaac Aboab da Fonseca retornou a Amsterdam, onde deu continuidade a sua ação pastoral, fundando a atual Sinagoga Portuguesa de Amsterdam em 1675, e transformando-se numa das mais importantes figuras da comunidade israelita do século XVII. Segundo a inscrição do seu túmulo, faleceu aos 88 anos, em 9 de abril de 1693, na cidade de Amsterdam. Sua biblioteca foi vendida em leilão, logo após a sua morte. Dela constavam 18 manuscritos em hebraico, 373 livros em hebraico e 53 em outras línguas. (A Sinagoga da Zur Israel está sendo restaurada, hoje, no Recife, no programa de recuperação urbanística do centro da capital pernambucana. Resultado do trabalho conjunto da Associação para a Restauração da Memória Judaica nas Américas, Federação Israelita de Pernambuco, Prefeitura do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional e Ministério da Cultura, patrocínio da Fundação Safra. Todo o trabalho está sendo coordenado pelo arquiteto José Luiz da Mota Menezes, e a restauração do Kahal Kadosh Zur Israel fica devendo, também, ao trabalho pioneiro de Ariano Suassuna, então Secretário da Cultura na gestão do governador Miguel Arraes). Em 1645, começa a entrar em declínio a vida judaica no Brasil. A bem dizer, já a data de 6 de maio de 1644 - em que Maurício de Nassau, após uma série de desinteligências com a Companhia das Índias Ocidentais, deixa o governo - marca o início simbólico dessa fase que iria terminar um decênio mais tarde com a melancólica liquidação da pujante comunidade que se havia implantado - aparentemente com tanta solidez - no Nordeste do Brasil. A saída de Nassau favoreceu sobremodo o nascimento da insurreição pernambucana, pois, em substituição àquele estadista que havia grangeado as simpatias gerais da população, ficara a administração do domínio holandês entregue ao Supremo Conselho do Recife, composto do negociante Hamel, do ourives Bass e do carpinteiro van Bollestraten, indivíduos incapazes para a missão, segundo a História registra. Nassau, no seu testamento político, havia apontado a tolerância como uma das diretrizes mais importantes do Governo. O triunvirato que o sucedeu implantou um regime opressor e tirânico, inclusive passando a tratar os católicos como infiéis, dificultando aos seus sacerdotes a celebração de missas e expulsando os frades do país, como suspeitos do Governador da Bahia. Os judeus de Pernambuco cedo deram-se conta do que a nova situação viria representar para eles. Previram facilmente que, sem a política tolerante e apaziguadora do príncipe de Nassau, seria inevitável o enfraquecimento e a queda do domínio holandês, ficando eles irremediavelmente expostos à sanha dos insurrectos pernambucanos. Em vista disso, iniciaram o processo de retorno à Holanda, tendo emigrado em alguns anos cerca de metade da população judaica, sobretudo os negociantes mais ricos. O comércio começou então a decair, o dinheiro passou a escassear e as tropas já se recusavam a combater; ainda mais - mediante suborno, os soldados holandeses desertavam com freqüência para o exército português, que, em verdadeira antítese, possuía moral elevadíssima.

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Para agravar a situação, a Holanda, que então se achava em guerra com a Inglaterra, não podia prestar a necessária ajuda à colônia decadente e os reforços, que todavia lhe mandava, eram insuficientes e extemporâneos. Embora a conjuntura se apresentasse nitidamente desfavorável aos holandeses, os judeus que permaneceram em Recife - cerca de 700 - resignaram-se a aguardar até o último instante o desfecho da luta, ficando fielmente ao lado dos holandeses e com eles compartilhando de todos os horrores do longo cerco da cidade. Sobre a atitude de inteira fidelidade aos holandeses, assumida pelos judeus remanescentes de Recife, não faltam pronunciamentos desfavoráveis. Há, com efeito, quem a considere uma espécie de deslealdade ou ingratidão ao Brasil. É um erro que cabe corrigir. Merece notar desde logo que o Brasil não estava propriamente em jogo. Aos judeus impunha-se escolher entre dois ocupantes, entre duas potências estrangeiras: Portugal e Holanda. De um lado - o país que perseguia, expulsava e queimava vivos os judeus; do outro - a nação que agia para com os judeus, tanto na metrópole como nas colônias, com a maior tolerência religiosa. De um lado - a inquisição e os autos de fé; do outro - a liberdade de consciência. Com a queda de Recife e subseqüente capitulação dos holandeses, entrou em plena desagregação a comunidade israelita no nordeste do Brasil.Viram-se então os judeus dessa região, após vários anos de privações e sofrimentos, em face de uma dolorosa encruzilhada: permanecer no Brasil, onde presenciaram a calamitosa destruição da sua vida coletiva e dos seus bens pessoais, e onde os ameaçavam os horrores de uma implacável perseguição - não obstante o arranjo feito pelos holandeses com os portugueses no sentido de ficarem impunes os judeus remanescentes - ou emigrar em busca de refúgio, onde pudessem reconstruir as suas vidas. Uma pequena parcela resignou-se à permanência no Brasil, dispersando-se pelo seu território, enquanto o grosso optou pela emigração. Destes, um grupo - constituído provavelmente dos mais ricos e mais relacionados na Holanda, entre eles o próprio chefe da comunidade rabino Isaac Aboab da Fonseca - decidiu retornar a esse país - ilha de liberdade no vasto oceano de intolerância que então era o continente europeu - ao passo que a maioria, a parte mais pobre, preferiu enfrentar o desconhecido, aventurando-se em direção das mais longínquas paragens das três Américas. Os que regressaram à Holanda, ali se reintegraram na comunidade israelita, sem deixarem maiores vestígios. Os outros, pulverizados entre diversas colônias francesas, inglesas e holandesas das Américas, lançaram nas novas pátrias a afirmação pujante da sua vitalidade, contribuindo eficazmente para o desenvolvimento econômico das mesmas e implantando aglomerações judaicas, uma das quais viria a ser nos tempos modernos a extraordinária comunidade judaica dos Estados Unidos da América do Norte. O êxodo dos judeus brasileiros para as colônias européias nas Américas tomou três rumos: Guianas, Antilhas e Nova Holanda (América do Norte), dos quais o segundo foi que atraiu a maioria. De início, um grupo de judeus fugitivos, sob a direção de David Nassib, fixou-se em Caiena (1657), de onde, por ter sido hostilizado pelos habitantes locais, passou mais tarde para o Suriname, que naquele tempo era uma colônia inglesa, somente vindo a ser conquistada em 1667 pelos holandeses. Lá, os judeus contribuíram substancialmente para o desenvolvimento da colônia, à base da cultura da cana de açúcar, e, graças à absoluta liberdade de que gozavam, foram crescendo em número e se organizando em uma comunidade duradoura que, em fins do século XVIII, chegou a contar mais de 1.300 almas. O núcleo mais importante - com 1.045 judeus numa população de 2.000 - ficava nos arredores de Paramaribo e era conhecido como "Savana Judea". A primeira leva de judeus procurou atingir a Martinica, que gozava da fama de ser bem administrada pelo governador Parquet. Este, entretanto, embora a princípio disposto a aceitá-los, resolveu, por influência dos jesuítas, não permitir o desembarque, o que fez com que os

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forasteiros, em número de 900, seguissem para Guadalupe, onde foram acolhidos e, bem depressa, prosperaram. Mais tarde, Parquet, arrependido, permitiu que outras levas de judeus se estabelecessem na ilha, a qual passou então a experimentar enorme progresso na agricultura e no comércio.

Outro grupo atingiu Barbados, onde já havia alguns cristãos-novos trazidos pelos ingleses e que, acrescidos agora dos judeus brasileiros, deram um forte incremento à indústria do açúcar.

Vários outros grupos estabeleceram-se em Jamaica e São Domingos, dedicando-se, como sempre, à sua tradicional ocupação - indústria açucareira.

Graças a esse concurso dos judeus foragidos do Brasil, conseguiu a América Central estabelecer o seu monopólio no mercado mundial de açúcar, monopólio esse que antes estava nas mãos do Brasil.

Forneceram, assim, aqueles judeus às colônias centro-americanas os elementos de riqueza que, por influência da desastrada política dos monarcas portugueses, o Brasil desprezara.

CURAÇAUCURAÇAUCURAÇAUCURAÇAU

Olhem por um momento, o mapa da América do Sul. Localizem a Venezuela e percebam, em frente a ela, a ilha de Curaçau. Essa ilha foi descoberta em 1499 pelo espanhol Alonzo de Ojeda. Em 1634, onze anos antes da derrota holandesa no Recife, Samuel Cohen tomou posse da ilha, a mando da Companhia das Índias Ocidentais. E foi Samuel Cohen, em pessoa, quem tratou da recepção dos judeus e holandeses que batiam em retirada das terras brasileiras. Uma primeira e extraordinária experiência agrícola foi tentada em Curaçau pelo brasileiro João da Ilha. Mas as condições eram muito ruins - até hoje, Curaçau praticamente não tem água potável, é da água do mar, através de uma usina de dessalinização montada por Israel, que os habitantes de Curaçau abastecem-se. Por isso mesmo, apesar da tranqüilidade de que os judeus passaram a gozar em Curaçau, desde então, um grupo pioneiro foi enviado à Nova Amsterdã.

Em Curaçau e nas ilhas próximas e por toda a América Central, os judeus brasileiros e holandeses espalharam-se, e com eles, a cultura da cana-de-açucar.

Vinte e três judeus brasileiros seguiram viagem para Nova Amsterdã. Não foram muito bem acolhidos por Peter Stuyvesant, o governador holandês. Mas, por pressão da comunidade judaica de Amsterdã, receberam o green card, ficaram e participaram da fundação do que hoje é a cidade de Nova York.

Hoje, na esquina do Central Park com a 70th St encontra-se a Congregação Shearit Israel. Ali, aos domingos, pode-se acompanhar uma interessante palestra, na qual um dos diretores da Congregação conta um pouco de sua história. Até 1730, a Congregação reunia-se em casas particulares. Em 1730, Shearit Israel foi consagrada como primeira sinagoga, na Mill Street (hoje, South William Street). Muitos dos objetos dessa primeira sinagoga foram preservados e podem ser observados na “pequena sinagoga” da 7oth St.

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SINAGOGA SHEARITH ISRAEL

De 1654 (atentem para a data) até 1825, Shearit Israel foi a única congregação hebraica de Nova York. Durante esse longo período, os judeus de Nova York pertenciam à Congregação, que provia todas as necessidades da comunidade, do nascimento à morte. Ela fornecia educação (religiosa e secular), providenciava alimentos casher e supervisionava os festejos do Pessach, a Páscoa, além de uma dezena de outras atividades. Muitos judeus americanos participaram ativamente da Revolução da Independência e, até hoje, um Memorial Day é realizado no histórico cemitério judaico de Chatam Square, bem no meio de Manhattan. Vale a pena visitá-lo e observar os nomes das lápides; todos, excelentes judeus descendentes dos nossos foragidos do

Recife: da Silva, Mesquita, Maduro, Fonseca, Henriques, Costa... No ano de 2001, a comunidade judaica de Curaçau organizou um programa comemorativo de sua presença naquela paragem antilhana. Nesse programa, os judeus curaçalenhos de hoje dizem que "um grupo de judeus, numericamente pequeno, porém de importância significativa para a história dos judeus no Novo Mundo, deixou o Recife, logo depois da sua queda, em direção à longínqua Nova Amsterdã (atual Nova York), então capital da Nova Holanda norte-americana. Quando esse grupo de 23 judeus, levado pelo

navio de guerra francês "St.Charles", acampou em 12 de setembro de 1654, à margem do Hudson, era sua esperança encontrar ali boa acolhida, por se tratar de uma colônia holandesa. Entretanto, o governador, Peter Stuyvesant, autócrata e anti-semita, fanático e inflexível em matéria de religião, exigiu a retirada desses "inimigos e blasfemadores do nome de Cristo". E foi somente graças à intervenção da Companhia das Índias Ocidentais - em cujo seio acionistas judeus exerciam influência - que afinal se permitiu a permanência dos 23 judeus brasileiros na aldeia de Nova Amsterdã, com a condição de que "os pobres entre eles fossem mantidos por sua própria nação", que não exercessem cargos públicos, que não se dedicassem ao comércio a varejo, e que não fundassem congregação. Evidentemente, tais restrições passaram em breve a ser letra morta, pois, decorridos apenas dois anos, já haviam os judeus, sob a liderança de Asser Levy, conseguido adquirir um terreno para um cemitério próprio. Pouco mais tarde, tendo os ingleses se apoderado em 1664 das colônias holandesas da América do Norte, os judeus passaram a gozar de absoluta liberdade de consciência, podendo assim consolidar a sua comunidade e disseminar-se pelo país, onde, com o correr dos séculos, viria desenvolver-se a maior das coletividades israelitas do mundo, tendo como principal centro a cidade de Nova York, justamente a antiga aldeia de Nova Amsterdã onde, em meados do século XVII, um punhado de judeus brasileiros fugitivos estabelecera a primeira aglomeração judaica da América do Norte". O ano de 2001 marcou o 350º. aniversário da Comunidade Judaica em Curaçau, uma ilha holandesa do Caribe, na costa venezuelana. Esse evento histórico está sendo celebrado durante todo o ano, mas teve como ponto alto uma programação de uma semana especialmente desenhada e organizada pela Congregação Judaica Sephardic Mikvè Israel-Emanuel em abril, e por uma programação sobre o mês da Herança Judaica, em toda a ilha, nos meses de maio e junho.

Cemitério judaico de Chatam Square

Cemitério judaico de Chatam Square

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“O que está sendo comemorado são os três séculos e meio da saga dos descendentes de algumas famílias judaicas, que, buscando uma nova vida, na qual pudessem viver em liberdade e praticar sua religião em paz, embarcaram em uma longa e arriscada jornada rumo aos limites do mundo conhecido. Saíram da Espanha durante a Inquisição, viajando através de Portugal , nordeste brasileiro, até o paraíso seguro de Amsterdã. De lá começaram a jornada novamente e, contentes, deram início as suas novas vidas em Curaçau. Como reconhecimento da importância desse evento para o mundo judeu, o Estado de Israel anunciou que irá cunhar uma moeda como registro desta etapa/desafio. Mas suas histórias não são apenas histórias "judaicas". Os judeus curaçalenhos são um exemplo, para toda a humanidade, do poder do espírito humano, da força e resistência de um povo oprimido no passado, mas, hoje, livre para perseguir uma vida na qual possam demonstrar abertamente suas tradições e crenças religiosas e sua lição de sobrevivência, 350 anos depois e distante meio mundo de suas raízes”, registra o documento que a comunidade de Curaçau produziu e divulgou em todo o mundo. A Congregação Mikvè Israel-Emanuel organizou uma programação rica em eventos durante a Semana de Comemoração, que aconteceu de 22 a 29 de abril. O visitante teve uma extensa programação com tours, palestras, eventos sociais e religiosos, organizados para passar a cada um o conhecimento e reconhecimento do significado dessa ocasião. ACOMODAÇÃO Voltemos ao Brasil: a segunda metade do século XVII foi um período de lenta e discreta acomodação dos judeus. Um período certamente sem brilho e sem quaisquer manifestações de vida coletiva judaica, mas também sem grandes abalos, sofrimentos e dissabores. A acomodação, tão bem levada a efeito pelos judeus brasileiros na segunda metade do século XVII, não logrou transpor o umbral do século seguinte, quando, afinal, a Inquisição de Lisboa, cujas garras até então mal haviam conseguido arranhar a população judaica do Brasil, acabou estendendo sobre este país a sua implacável rede de perseguições. Essa onda de terror que, com algumas intermitências, se desdobrou por longos 70 anos, com especial virulência nos períodos de 1707 a 1711 e 1729 a 1739, conferiu à primeira metade do século XVIII as características de época negra da história dos judeus no Brasil. Várias razões, entre essenciais e subsidiárias, contribuíram para esses trágicos eventos. Em primeiro lugar, a perseguição aos cristãos-novos em Portugal atingira então justamente o seu apogeu, assumindo ali a obra diabólica da Inquisição aspectos verdadeiramente pavorosos. "Despovoavam-se extensas zonas do país e a Europa contemplava atônita uma nação que se destruía à ordem de broncos frades". Não admira, pois, que tal fúria acabasse também repercutindo neste lado do oceano. Os judeus brasileiros, graças ao seu ajustamento econômico e social, operado na segunda metade do século XVII, haviam voltado a constituir uma parcela das mais opulentas da colônia; havia, pois, bens a confiscar, e com facilidade, E, se isso não bastasse, fôra designado bispo do Rio de Janeiro - D.Francisco de São Jerônimo, que exercera, em Évora, o cargo de qualificador do Santo Ofício, ali se distinguindo pela sua intolerância religiosa e pelo seu rancor contra a raça judaica. Tão furiosa passou a ser então a caça aos judeus brasileiros, principalmente no Rio de Janeiro e na Paraíba, que, só entre 1707 e 1711, mais de 500 pessoas foram levadas prisioneiras para a Inquisição de Lisboa. O pânico se fez geral, paralisando por completo o desenvolvimento das relações mercantis da colônia com a metrópole, e a esta causando tão sérios prejuízos que a coroa portuguesa afinal se viu forçada a proibir que prosseguisse o confisco dos engenhos de açúcar, na maioria pertencentes a indivíduos de origem judaica. Sucedeu então uma relativa calma, que, entretanto, não chegou a durar 20 anos. Tendo neste período os judeus se refeito dos abalos anteriores e mesmo voltado a enriquecer graças ao incremento da exploração das minas de

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ouro e do comércio de diamantes, recomeçou a sanha dos inquisidores, atraídos pelas renascidas perspectivas de maciços confiscos. A nova fase de perseguições, mais intensa durante o decênio 1729-1739, prosseguiu, praticamente até 1770, quando outras condições vieram extirpar, e para sempre, o cancro da inquisição, que tanto manchara a história de Portugal e tanto fizera decair esse grande império dos tempos manoelinos. Até hoje não se sabe ao certo quantos judeus oriundos do Brasil caíram vítimas da Inquisição de Portugal. Ainda agora, existem nos arquivos da Torre de Tombo, em Lisboa, 40.000 processos da Inquisição, cujos mistérios aguardam o trabalho paciente dos que se disponham a investigá-los para revelar à história toda a sua hediondez. Como a conversão forçada dos judeus, a captura de seus filhos menores de 14 anos e seu exílio forçado na ilha de São Tomé, os suicídios e matanças promovidos pelos desesperados judeus que não queriam ver suas proles convertidas à força...Elias Lipiner, em seus livros, relata com detalhes esta tragédia, calçado em pesquisas realizadas em muitos anos, no Tombo. É preciso lê-lo e discutí-lo amplamente. A tragédia da Inquisição só encontra paralelo na tragédia do Holocausto. O MARQUÊS DE POMBAL

Em 1770, teve início um novo ciclo para a vida judaica no Brasil, sem nenhuma semelhança com todo o seu passado. As cinco décadas seguintes constituem uma fase de transição para uma política liberal, que não mais sofreria retrocessos, ampliando cada vez suas conquistas até a eclosão definitiva em 1824, após a proclamação da independência do Brasil e sua constitucionalização. Em Portugal, o cenário mudara e a Inquisição acabava de entrar nos seus últimos estertores, golpeada de morte pelo poderoso ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como o Marquês de Pombal.

Já em 5 de outubro de 1768, como medida precursora, havia esse estadista excepcional desarmado os denominados "puritanos", isto é, os nobres que timbravam em não se alinhar a sangue suspeito de cristão-novo: determinou o Marquês um prazo de 4 meses àqueles que tivessem filhos em idade casadoura, para que procedessem a enlaces com famílias até então excluídas. Poucos anos depois, em 25 de maio de 1773, conseguiu ele junto ao rei, D.José I, a promulgação de uma lei que extinguiu as diferenças entre cristãos-velhos e cristãos-novos, revogando todos os decretos e disposições até então vigorantes com respeito à discriminação contra os cristãos-novos. As penalidades pela simples aplicação da palavra "cristão-novo" a quem quer que fosse, por escrito ou oralmente, eram pesadas: para o povo - chicoteamento em praça pública e banimento para Angola; para os nobres - perda dos títulos, cargos, pensões e condecorações; para o clero - banimento de Portugal. Finalmente, um ano mais tarde, em 1 de outubro de 1774, foi a referida lei regulamentada por um decreto, que sujeitava os veredictos do Santo Ofício à sanção real. E assim, com essa restrição, estava praticamente anulada a Inquisição portuguesa. Sobre o especial empenho do Marquês de Pombal junto ao rei em favor da extinção de quaisquer discriminações contra os cristãos-novos, encontra-se na "História Universal do Povo Judeu" de Simon Dubnov, a seguinte conjetura: "Mas, consta que o rei manifestou o desejo de que os marranos fossem pelo menos reconhecíveis por um sinal especial. Então, Pombal tirou três chapéus amarelos, dos que usavam os judeus em Roma, explicando que um seria destinado a ele próprio, outro ao inquisidor geral e o terceiro ao rei, visto como ninguém - disse ele - podia estar certo de que nas suas veias não corria o sangue dos marranos".

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A repercussão das disposições pombalinas no Brasil foi automática e eficaz. Após setenta anos de perseguições tremendas, estavam os cristãos-novos brasileiros ansiosos de se igualarem aos demais habitantes do país, dos quais, na realidade, freqüentemente em nada se distinguiam, a não ser pela discriminação que lhes era imposta. Assim, nesse ambiente já por si propício - favorecido ainda pelos intensos cruzamentos étnicos e processos culturais que se vinham verificando naquela época, graças à mutação econômica parcial da base agrária para a de mineração - o liberalismo da nova lei foi um franco estímulo à completa assimilação dos cristãos-novos. Bem entendido, esse processo de integração não se fez de pronto, nem de maneira cabal, pois que não desaparecera a desconfiança com relação às reviravoltas políticas da coroa portuguesa.Tanto assim que, mesmo 25 anos mais tarde, quando, pelo tratado de comércio formado em 19 de fevereiro de 1810, na cidade do Rio de Janeiro, entre a Inglaterra e Portugal, foi dado mais um passo à frente no caminho da liberalização, ficando oficialmente proibidas as atividades da Inquisição no Brasil, o governo de Portugal ainda receava os judaizantes. É como se explica que, no mesmo artigo nº 12 do aludido tratado, em que se dispunha que: "nem os vassalos da Grande Bretanha, nem outros quaisquer estrangeiros de comunhão diferente da religião dominante dos Domínios de Portugal, serão perseguidos ou inquietados por matérias de consciência, tanto nas suas pessoas, como nas suas propriedades, enquanto eles se conduzirem com ordem, decência e moralidade, e de uma maneira conforme aos usos do País e ao seu estabelecimento religioso e político",acrescentou-se: "porém, se se provar que eles pregam ou declamam publicamente contra a religião católica, ou que eles procuram fazer prosélitos ou conversões, as pessoas que assim delinqüirem poderão, manifestando-se o seu delito, ser mandadas sair do País..."Foram necessários mais outros 15 anos para que, alcançada a independência do Brasil em 1822 e promulgada a constituição de 1824, desaparecesse, pela via aberta da assimilação, o problema judaico brasileiro. Não será demais lembrar que foi marcante a contribuição dos próprios judeus brasileiros para o movimento que viria trazer a sua extinção como grupo pela completa integração na coletividade nacional. Assim o testemunha o historiador Rocha Pombo: "Os primórdios da rebeldia para constituir uma nação independente tiveram por parte dos israelitas e dos seus descendentes destacada contribuição", e assim o reforça o historiador Adolfo Varnhagen: "Os judeus foram os pioneiros da independência do Brasil. A sua valiosa contribuição, a sua tenacidade de raça eleita, de povo perseguido, constituíram os alicerces onde colocou-se o lábaro ardente da esperança na Libertação do Brasil do jugo da mãe-pátria". Uma vez constitucionalizado o país e implantada a total liberdade de consciência, nada mais restava que pudesse sustentar a sobrevivência da população judaica, já bastante reduzida em conseqüência da assimilação que se vinha operando, lenta mas continuamente, nos 50 anos precedentes, à sombra do crescente liberalismo pós-pombalino. Esses judeus remanescentes, cujo espírito coletivo já estava muito debilitado - pois, como mencionado atrás, eles quase só se consideravam judeus em virtude da discriminação vinda de fora - tão logo perceberam que desta vez a liberdade viera em caráter duradouro, cortaram aquela última amarra, de odioso fundo discriminatório, que os prendia ao passado judaico e difundiram-se rapidamente no seio da população geral, com a qual, de resto, já se achavam inteiramente identificados, sob todos os aspectos histórico-culturais. Nada obstante essa integração total, muitos assimilados continuaram e continuam, pelos anos afora, a declinar a sua condição de ex-cristãos-novos. Decorridos mais de um século e meio, em pleno século XXI, encontravam-se e encontram-se descendentes que, com sentimentalismo, evocam a sua origem e testemunham o seu enternecimento pelos sofrimentos dos antepassados. Eles comparecem às sinagogas e templos por ocasião do Rosh Hashaná e, principalmente, do Yom Kipur – na véspera do Kipur, quando se celebra o Kol Nidré, o ritual estabelece que as portas da congregação estão abertas a todos, inclusive àqueles que abjuraram de uma ou de outra forma à fé judaica. Os votos são anulados. E os cripto-cristãos comparecem... O único fator que, nessa conjuntura criada após a Constituição de 1824, talvez ainda lograsse reacender a chama passada e preservar aqueles judeus da assimilação total, teria sido uma imigração maciça e homogênea de judeus, de nível elevado e de tradições afins.

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Mas essa hipótese única, assim mesmo de efeito problemático, inexistiu de todo, pois que, depois da Independência, enfraqueceu de muito o movimento de imigração no Brasil, sendo que a imigração judaica praticamente se anulou.

Logo após a Independência, principiaram a afluir para a Amazônia elementos judaicos provenientes do Marrocos. E a história dessa corrente vai contada, em detalhes, neste livro.

Na segunda metade do século XIX, por volta de 1855, começou a modificar-se a situação judaica no Brasil.

A população israelita, até então reduzida unicamente aos judeus marroquinos, na Amazônia, passou a crescer em número e a espalhar-se pelo território brasileiro. Foram chegando ao Rio de Janeiro - de onde irradiavam para os estados vizinhos, especialmente para São Paulo e Minas Gerais - judeus procedentes de vários países da Europa Ocidental - franceses, ingleses, austríacos e alemães, e sobretudo, alsacianos. O encontro deles com o imperador D.Pedro II já foi narrado no início deste trabalho.

Em 1857, funda-se uma sinagoga no Rio de Janeiro, por estes judeus alsacianos. Seu primeiro presidente, Leopoldo Hime, o bisavô do compositor Francis Hime...

Esses judeus, originários do oeste europeu, vinham antes com o objetivo de prosperar e de em seguida regressar aos países de origem. Na realidade, a maioria acabou permanecendo no Brasil, seja porque não houvessem logrado o desejado enriquecimento rápido, fosse porque já se sentissem dominados pelo apego à nova terra. Limitavam-se os judeus do Rio de Janeiro e dos estados vizinhos às ocupações comerciais, sem nenhuma tentativa de integração em outras atividades econômicas, de feição mais estável e caráter mais fundamental, e muito menos procuravam imiscuir-se na vida pública do país.

Na última década do século XIX, a imigração judaica cresceu de vulto, multiplicando-se os países de procedência e também as regiões em que os imigrantes passavam a fixar-se no Brasil. Enquanto, até então, os imigrantes judeus provinham quase exclusivamente do Norte da África e do Ocidente europeu, já agora, afora aquelas regiões, chegavam levas de judeus do Mediterrâneo oriental - Grécia, Turquia, Síria e Líbano e da própria Palestina e ainda da Rússia e países vizinhos do leste europeu, localizando-se de preferência na zona sudeste do país - Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais - mas também se disseminando por muitos outros estados, tanto do Sul como do Nordeste. Ficou assim o Brasil, no final do século XIX, pontilhado de núcleos judaicos multicolores. É digno de registro que, ao findar o século XIX, já existia no Brasil uma coletividade judaica em potencial, que abarcava todo o território nacional; uma rica infra-estrutura, sobre a qual viriam em breve apoiar-se as vastas e homogêneas ondas imigratórias do leste europeu - Bessarábia, Ucrânia, Lituânia, Polônia - as quais, nas primeiras décadas do século XX, ergueriam no Brasil o arcabouço de uma sólida comunidade israelita.

A partir da criação da Jewish Colonization Association, a JCA, em 1891, abriram-se as portas das Américas aos judeus perseguidos na Europa. Foi assim que surgiram as colônias do Rio Grande do Sul e da Argentina, onde foi nascer o judeu de bombachas, no dizer de Alberto Gershunoff, los gauchos judios. Este momento da História Judaica brasileira, felizmente, tem sido bastante estudado, nos últimos anos. Desde o :"Numa clara manhã de abril", de Marcos Iolovitch, passando por "Filipson" e os vários romances de Moacir Scliar, chegamos ao trabalho desenvolvido em Porto Alegre pelo Instituto Marc Chagall, promovendo a edição de livros, vídeos, conferências, exposições e palestras, onde a memória judaica no Sul está muito bem construída.

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HASSIDISMO E ILUMINISMO Na Polônia, Israel ben Eliezer, o Baal Shem Tov, cria o movimento hassídico, enquanto em Viena, Frederico II, o Grande, promulga um privilégio, dividindo os judeus em três categorias: ordinários, extraordinários e desamparados. Ordinários, as pessoas comuns; extraordinários, os que prestavam serviços à Coroa; e desamparados, os párias. Surge na Alemanha o movimento iluminista, a hascalá, que pretende orientar o judaísmo para a cultura universal. Na Polônia e no leste europeu, continuam surgindo movimentos fundamentalistas, como o de Jacob Frank, buscando encontrar o Messias redentor dos judeus. Nesse contexto, finalmente, o Marquês de Pombal, em Portugal, decreta a abolição da distinção entre cristãos-novos e cristãos-velhos. É importante falar dessa distinção que Pombal fulminou. A Inquisição cultuava a pureza do sangue. Os réus eram classificados segundo a “quantidade” de sangue judaico que tinham nas veias - a heresia era medida segundo essa proporção. “Cristão-velho dos costados” era o cristão de sangue puro, sem nenhuma gota de sangue hebreu. Ao contrário, o cristão-novo era o que tinha sangue judaico, sem nenhuma gota de sangue cristão. Essa distinção entre “velhos” e “novos” foi estabelecida quando da conversão forçada ordenada pelo rei D.Manoel,em 1497. Pombal, que era um homem moderno e de visão, percebeu, em seu governo, que Portugal só tinha alguma chance de prosperar se,entre outras medidas, liquidasse com essa sinistra e ridícula qualificação dos portugueses: cristãos-novos, cristãos-velhos, meio novos, meio velhos, um quarto novos, um quarto velhos etc. Seu decreto, entretanto, foi acompanhado de medidas que, hoje, os historiadores lamentam; Pombal, simplesmente, mandou destruir toda a documentação de origem dos portugueses. Enquanto isso acontecia em Portugal, nos Estados Unidos editava-se a Declaração dos Direitos Humanos, que outorga aos judeus a igualdade dos direitos civís.Doze anos depois, explode a Revolução Francesa: em 27 de agosto de 1792, é proclamada a Declaração dos Direitos Humanos e Cívicos, que atribui liberdade e igualdade de direitos aos judeus. Começam, efetivamente, a cair os muros dos guetos por toda a Europa. Dez anos depois, Napoleão declara os judeus “ legítimos herdeiros da Palestina”.

D.D.D.D. PEDRO E OS JUDEUS DAPEDRO E OS JUDEUS DAPEDRO E OS JUDEUS DAPEDRO E OS JUDEUS DA ALSÁCIA ALSÁCIA ALSÁCIA ALSÁCIA----LORENALORENALORENALORENA

Em 1887, uma delegação de judeus da Alsácia-Lorena foi recebida, em grande estilo, pelo Imperador D.Pedro II. O monarca surpreeendeu a comitiva, falando-lhes em hebraico clássico. Registram as crônicas o embaraço daqueles israelitas (Simonsen, Haar,Whitaker,Hime, entre outros) que não dominavam a língua sagrada. “ D.Pedro II desde a sua juventude acalentava o desejo de conhecer a língua hebraica”, destaca Kurt Loewenstamm no seu “ O hebraísta no trono do Brasil”. “Amo a Bíblia, leio-a todos os dias, e quanto mais a leio, mais a amo”, disse certa vez o monarca. Seu conhecimento do hebraico começou por acaso, quando encontrou num banco de jardim do Palácio de São Cristovão uma gramática hebraica, esquecida por um missionário sueco.

Convocado ao palácio, o clérigo acabou por aceitar convite de D.Pedro para tornar-se o seu professor.

Baal Shem Tov

D.Pedro II

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Rapidamente, D.Pedro iniciou-se no idioma sagrado. Loewenstamm conta que o imperador, em pouco tempo, vertia do hebraico para o latim vários livros da Bíblia, entre estes o de Isaías, Jó, os Salmos, o Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos e outros. Já em Petrópolis, sob a orientação de outro professor, também sueco, chamado Akerblom, D.Pedro mostrou progressos extraordinários. Foi contratando, sucessivamente, novos professores. A história registra os nomes do orientalista Dr.Koch e depois, do Dr. Henning. Quando Koch faleceu, em Petrópolis, D.Pedro escreveu o epitáfio do amigo em latim, grego e hebraico... Quando esteve em São Francisco, na Califórnia, o imperador visitou uma sinagoga. Nela, foi-lhe proporcionado pelo rabino o ensejo de fazer a preleção do capítulo da Tora daquele dia. O estudo do hebraico levou o monarca a estudar também a história e a literatura judaicas. Em 1877, em Paris, estudou a obra de Rabinowitz, “La législation Criminelle du Talmud”. Em Cannes, em 1888, encontrou-se com o rabino-chefe de Marselha, Benjamin Mossé, numa reunião que durou mais de duas horas. Ao sair, o rabino Mossé, segundo atesta o historiador Eduardo Prado, declarou: “ Majestade, sois mais que um Imperador, sois um filósofo e um sábio !”. Coerentemente, o imperador foi ao Oriente, visitando a Síria, o Egito e,principalmente, a Palestina. Claro, o ponto alto de sua visita foi Jerusalém: “Jerusalém”, escreveu ele em carta ao ministro francês Gobineau, “ pela sua posição elevada, domina quase toda a Terra Santa, e produz o efeito mais surpreendente, qualquer que seja o lado pelo qual se lhe aproxima. A ela cheguei três vezes”. Depois da queda da monarquia, no seu exílio europeu, D.Pedro estudou o hebraico e o provençal, editando em 1891 um pequeno livro, “Poésies Hebraico-Provençales du Rituel Israélite - Contadin, Traduites et transcrites par S.M. Dom Pedro II d’Alcantara, Empereur du Brésil” (Avignon). O volume, de 76 páginas, contém uma introdução na qual o imperador faz observações sobre os seus estudos do hebraico, esclarece sobre os poemas traduzidos - dos quais dá as versões hebraica e provençal. São Piutim, cânticos liturgicos sinagogais, um comentário sobre o livro de Esther e o chad-gad-yá, cantiga tradicional nas noites de Pessach.O provençal era um idioma judaico falado na Provence, França, enriquecido por termos hebraicos e árabes, escrito com caracteres hebraicos (com o que se assemelha, estruturalmente, ao idiche, ao ladino e à hakitia). Hoje em dia, só é falado - e assim mesmo, por poucos judeus - na região de Marselha. Esse amor do imperador à cultura judaica explica a política amistosa para com os israelitas, desenvolvida pelos vários governos da monarquia, inclusive e sobretudo no estímulo à imigração e à cooperação com as várias entidades envolvidas na questão judaica.

Com a declaração da Independência, em 1822, e a promulgação da Constituição do Império, em 1824, ficou estabelecida a tolerância religiosa,e as primeiras práticas públicas de judaísmo começaram a aparecer em terras brasileiras. Uma das figuras proeminentes desse período foi Denis de Samuel (1782-1860), um jovem imigrante inglês, que conquistou grande prestígio na Corte, inclusive o título de barão. A grande corrente imigratória, originária principalmente da Europa Oriental, começou na década de 80 do século 19. Milhões de judeus foram deslocados da Europa para as Américas, especialmente para os Estados Unidos, no hemisfério norte, e Argentina, no sul. Essa imigração era conseqüência da situação em que os judeus viviam na Zona de Residência do Império Czarista, caracterizada por uma grande concentração de população sem os meios mínimos de subsistência e acossados por pogroms e legislação discriminatória.

Barão Hirsch

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As zonas de residência eram um artíficio dos governos czaristas, que não admitiam a liberdade de ir-e-vir dos súditos judeus. Eles podiam viver e trabalhar em regiões determinadas. O acesso a Moscou, São Petersburgo e outras grandes cidades do império, era proibido por lei. Exceções eram abertas, ao custo de suborno e tráfico de influências. Poucos judeus podiam sair das zonas de residência para cursar a Universidade -onde, de qualquer forma, vigorava o regime de numerus clausus, ou seja, os estudantes israelitas contavam com pouquíssimas vagas. Era uma ação de relações públicas internacionais do Czar, para provar que judeus tinham acesso até a universidades.. . O judaísmo da Europa Ocidental mobilizou-se, considerando viável encaminhar grandes massas ao Novo Mundo. No caso da América do Sul, a Argentina demonstrou, a partir de 1881, interesse em receber imigrantes judeus. Assim, em agosto daquele ano, um agente argentino estabeleceu-se na Europa e contatou lideranças judaicas em São Petersburgo, “ para tratar de induzir a essa população a trasladar-se ao nosso país sob o amparo e a proteção de nossas leis” Na mesma época, o governo imperial russo autorizou o funcionamento de um Comitê Central do Jewish Colonization Agency, em São Petersburgo, e filiais nas principais províncias. Um projeto de colonização foi elaborado pelo dr. Guilherme Loewenthal, aprovado pelo Barão Hirsch (que afinal, foi quem criou o JCA e deu-lhe recursos) e os trabalhos foram iniciados. Em 1890, em Moises Ville, na Argentina, já estavam vivendo 68 famílias, ocupando quase 4.500 hectares de terra.

Dez anos depois, o JCA ( no Brasil,também conhecido como ICA,Instituto de Colonização Agrícola), iniciou o seu projeto no sul do Brasil, no Rio Grande. As primeiras famílias começaram a chegar em 1904, em Pinhal, na região de Santa Maria. Outros assentamentos ocorreram em Philipson (nome do vice-presidente do JCA) e em Quatro Irmãos e, uma década depois, no núcleo Baronesa Clara. Uma última experiência ainda seria tentada pelo JCA no Brasil,às vésperas da Segunda Guerra, em Resende, no Estado do Rio, no ano de 1936. A idéia era salvar algumas centenas de judeus alemães, já vivendo, então, o pesadelo nazista. SOBRE A AMAZÔNIA Algumas reflexões sobre a Amazônia, tal como a conhecemos hoje, antes de partirmos para a saga dos hebraicos. Como ressalta Otávio Velho (1976), "a não ser como mito e no curto período do auge da borracha, o Brasil e o mundo viveram quase como se a Amazônia não existisse". É verdade, há muitos depoimentos de cronistas, aventureiros e cientistas que a percorreram. A vida dos numerosos e dispersos grupos indígenas foi sendo revelada, em sua grande maioria por uma ótica colonizadora ou "racional". Os contingentes populacionais mestiços, os caboclos e o campesinato ribeirinho foram igualmente identificados e progressivamente catalogadas suas atividades e descobertas. A partir de então, esses viajantes puderam classificar os primeiros recursos naturais e matérias-primas de um mundo aparentemente infinito. Contudo, essa divulgação era extremamente restrita e, na trilha enunciada por Otávio Velho, pouco se disseminou em termos de conhecimento, nos principais centros nacionais de então, sobre a natureza, o meio e o homem dessa fantástica região. A Amazônia continuou sendo o território por excelência dos mitos, dos sonhos e da fortuna. Até o período das reformas pombalinas, em meados século 18, o atual território amazônico correspondia, em sua parte já apropriada, a um Estado à parte do Estado Colonial Brasileiro, diretamente subordinado à metrópole lusitana.

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Aí acontece o ciclo da borracha, o qual desvendou uma nova Amazônia. Ao lado dos mitos, fantasias, lendas e sonhos de enriquecimento rápido, inaugurou-se uma nova sociedade, opulenta para os padrões da época nas capitais e principais centros urbanos e ativa, organizada, expansionista nas imensas áreas dos seringais que avançavam do território paraense aos altos rios. Uma nova sociedade e uma nova geografia, com a consolidação da incorporação da Província do Amazonas e do norte matogrossense, incluindo Rondônia e a incorporação de novos territórios, como o Acre. Tudo, conseqüências inevitáveis do chamado surto da borracha. Mas, à sua sombra, plasmou-se um novo quadro demográfico regional e sobretudo, configurou-se uma absolutamente original questão social. As centenas de milhares de imigrantes, em sua grande maioria nordestinos vivendo em condições semi-compulsórias de trabalho, subsistência e reprodução, constituíram a dramática evidência da perversidade social subjacente ao auge extrativista. A outra face da moeda eufórica da borracha ficou testemunhada em importantes depoimentos da época, como os de Euclides da Cunha e Oswaldo Cruz, ambos escritos nos primeiros anos do século. Mais tarde, uma vasta historiografia, depoimentos e romances revelou as dimensões gerais desse processo, enfatizou aspectos específicos e particulares, registrou exceções e aspectos contraditórios, enfim, fixou o quadro econômico, social, cultural e político do ciclo da borracha na Amazônia. Após mais de um século da ascensão do ciclo da borracha, passando por sua decadência e pelo predomínio, durante décadas, de uma sociedade agro-extrativista semi-isolada, a modernização acelerada das últimas décadas coloca uma questão que é contemporânea das sociedades onde as relações capitalistas se afirmam hegemonicamente: qual o papel e a natureza das políticas públicas na Amazônia ? Isolada dos núcleos integradores da economia e da sociedade nacional, a Amazônia desenvolveu, também secularmente, formas originais de organização social e comunitária. As relações típicas da economia extrativista plasmaram a hegemonia de formas de "patronagem", estabelecendo relações de dependência econômica, social, cultural e psicológica entre as populações caboclas e os imigrantes nordestinos com comerciantes, seringalistas e proprietários em geral. O aviamento é a expressão concreta da rede de dependência criada, simbolizando um sistema de crédito - adiantamento de bens de consumo e instrumentos de trabalho - que durante muito tempo se identificou com a própria Amazônia. No auge do período da borracha, o aviamento funcionou como mecanismo de fixação semi-compulsória do trabalhador, imobilizado pelas dívidas intermináveis. Findo o esplendor da economia da borracha, a patronagem e o aviamento foram assumindo formas mais suaves - que de resto já existiam anteriormente em áreas tradicionais amazônicas de ocupação anterior à aventura febril dos altos rios - traduzidas na constituição de clientelas, no sentido clássico. A fidelidade comercial do freguês pressupõe "obrigações morais que os patrões tem para com seus clientes em casos de dificuldades...constitui relação de poder sujeita a uma moralidade que dispõe prescrições morais de ajuda aos fregueses em casos de perigo (doenças, carestia, etc) em troca de uma relação comercial monopolista". O domínio mercantil, basicamente exercido primeiro pelos judeus e, mais tarde, também pelos árabes e adiante pelos japoneses, estabeleceu uma rede informal de proteção social, em troca de exclusividade da comercialização dos bens agro-extrativistas produzidos nos núcleos de seringueiros, castanheiros, colonos, ribeirinhos, extratores diversos e outros, ligados em geral à vida de povoados, vilas e pequenos centros urbanos de apoio. Em que consistia essa rede de proteção? Em primeiro lugar, a partir dos anos 20, praticamente dissolveram-se alguns vestígios da fase ""dura" dos seringais, sendo então possível, em toda a região, a construção de núcleos familiares de organização doméstica, trabalho e reprodução. Inaugurou-se assim um novo estágio demográfico regional, com o declínio da alta razão de masculinidade, uma tendência à distribuição mais homogênea por sexo e através das uniões, o surgimento de um regime de fecundidade e natalidade extremamente intenso. A fixação dos

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grupos familiares e a reprodução demográfica assegurou a organização de uma divisão social do trabalho à nível familiar, base da subsistência e comercialização de excedentes. O fato desses grupos familiares se constituírem em uma situação de abundância de terras e recursos extrativos, possibilitou um regime de reprodução social que viabilizou a existência de centenas de milhares de pessoas por todo o interior amazônico. Iniciativas comunitárias e algumas de caráter religioso mantinham uma modesta oferta de serviços (escolas, associações, clubes) nas pequenas vilas e cidades, substituindo a ausência de poderes públicos na prestação de serviços. Rabinos, curiosos, curandeiros e pessoal com rudimentares conhecimentos de saúde exerciam uma medicina curativa de forte conteúdo empírico e artesanal. O rabino Hamu teve a oportunidade, durante uma visita ao mercado de Belém, de nos demonstrar seus amplos conhecimentos dessa medicina popular. Os rios, as matas e o regime de chuvas equivaliam a sistemas naturais de saneamento ambiental, de resto favorecido pelas baixas densidades demográficas que criavam obstáculos ao contágio e a disseminação de infecções. Apesar da espantosa frugalidade dos recursos médico-sanitários disponíveis, os níveis de mortalidade geral e infantil na Amazônia, desde as décadas de 20/30, situam-se em torno da média brasileira, inferiores aos da Região Nordeste e de diversas áreas específicas de risco em regiões mais desenvolvidas do País. Pairando acima desse quadro estrutural, o judeu patrão exercia o papel de proteção social em relação à sua clientela, quando as condições "naturais" acima descritas mostravam-se insuficientes. Nas palavras de Aramburu,"a acumulação do comerciante há de servir para atender seus fregueses em momentos de dificuldades e perigos... Nesse sistema, os trabalhadores delegam ao patrão o poder de resolver as fatalidades. O patrão deve amparar os fregueses no caso de passarem por apuros como crise na produção, necessidade de dinheiro urgente. O poder patronal manifesta-se sobretudo na assistência a doenças, pois é nesses casos que as famílias estão mais vulneráveis e necessitadas de ajuda". É importante perceber, também, que desde há muito, os judeus marroquinos vinham se misturando às populações caboclas, daí nascendo o hebraico, a quem ele, o patrão, devia um cuidado e uma atenção maiores. Afinal, família... A SERPENTE DE CAMETÁ

Vamos voar de Belém a Cametá, no baixo rio Tocantins. É uma viagem de hora e meia, acompanhando o rio e com o rádio de bordo sintonizado na única rádio de Cametá - é um pequeno monomotor, numa viagem emocionante. A primeira versão da história que vamos contar, é do hebraico Carlindo Cohen, de quem falaremos mais adiante.

Fim de tarde, o calor intenso indo embora, uma jovem mãe judia, educada na Europa, amamenta o seu bebê de oito meses sentada no cais. É lindo o por-do-sol nos rios da Amazônia. Depois de longas horas de um torpor provocado pelo calor intenso, as águas do rio voltam a fluir, as pessoas (que desaparecem durante horas), reaparecem, há vida na beira do cais. Vendem-se frutas típicas e algum pescado. Sopra uma leve brisa e a jovem mãe quase adormece naquele ato sublime de amamentar a sua cria. De repente, ela percebe que o outro seio também está sendo sugado. E por quem ? Por uma serpente ! Algumas semanas depois de termos ouvido esse causo, num elegante restaurante de Belém, uma jovem socióloga nos conta, à guiza de curiosidade, que uma tia-avó de Cametá se

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divorciara do esposo e regressara ao Marrocos, depois de passar pela traumatizante experiência de amamentar uma cobra. E mais alguns dias depois, já em Santarém, estamos no escritório de Fortunato David Serruya, importante fotógrafo da região. Ele nasceu em Santarém, em 1930, filho de David Jacob Serruya, natural de Tetuan, e de Suzanne Cohen Serruya, de Granada, de origem francesa. Ele conta que seu pai veio ao Brasil a chamado do irmão, o tio Isaac, de Cametá. Isto, nos anos 20. Quando ele, Fortunato, tinha oito meses, seus pais se separaram e ele, com os irmãos Jacob e Leão, voltou ao Marrocos. Lá, ele estudou até regressar ao Brasil, na década de 50. "Meu pai", conta Fortunato, "vendia linha de costura a metro. De 1920 a 1940, vivia num sítio chamado Tapará, e navegava de Belém a Santarém, levando e trazendo carga da região". A pergunta surge e Fortunato sorri, concorda. Sim, é ele o bebê da história de Cametá. Sua mãe foi a protagonista da narrativa que corre o Amazonas, como lenda. Não foi lenda, nem excesso de imaginação das pessoas. Efetivamente, Suzanne não suportou o episódio da cobra - ela chorava todos os dias, lembrando-se da Europa, de Gibraltar, da Sorbonne , lamentando-se do destino terrível que a levara a viver em Cametá, no baixo Tocantins. São histórias como a de Suzanne, David e Fortunato que são contadas, neste livro, resultado de nossa pesquisa na Amazônia, em janeiro de 1983. Lendas e narrativas de serpentes sugando seios de jovens mães estão presentes nas tradições de muitos povos, antigos e modernos. No próprio Midrash (livro do Talmud que registra lendas e fábulas), vamos encontrar histórias semelhantes. Mas é no fabulário caboclo da Amazônia que essas narrativas aparecem com muita freqüência. 1808 Quando, em 1808, a família real portuguesa, fugindo das tropas de Napoleão, transferiu a Corte para o Brasil, elevando-o à condição de reino unido a Portugal e Algarves, os judeus de Tetuan, porto e cidade do norte do Marrocos, onde a história hebraica remonta ao ano de 1399, defrontavam-se com dramática situação discriminatória, sendo obrigados a viver fechados num pequeno quarteirão da cidade, a judiaria, aljama ou melah. Este gueto existiria, aliás, de agosto de 1807 até o ano de 1912. Foi o Concílio de Trento (entre 1545 e 1563) que oficializou a instituição do gueto, um bairro com área determinada, cercado geralmente por muros altos, com portão, onde os judeus, aglomerados em vielas estreitas, viviam com suas famílias, desenvolviam as poucas atividades profissionais permitidas, rezavam em suas sinagogas e enterravam os seus mortos. Com os seus vários nomes, o gueto existiu em países tão diversos como o Marrocos, Portugal, Espanha, Polônia, Rússia etc. Em Portugal, as judiarias foram estabelecidas em Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Viseu, Faro, Beja, Moncorvo, Covilhã e Santarém. Na Espanha,as aljamas espalhavam-se por todo o país. Em 1492, dá-se a expulsão dos judeus do reino espanhol, seguida, em 1496, pela expulsão de Portugal. Expulsos da Ibéria, onde viveram durante séculos (e pacificamente, mesmo sob o domínio islâmico), os judeus fugiram para vários cantos do mundo, inclusive e principalmente, para o norte da África, para o Marrocos. No Marrocos, os expulsos eram conhecidos como megorachim, isto é, os espanhóis exilados sem pátria. Apesar de tudo, conseguiram prosperar, sobretudo em Tanger, Tetuan, Ceuta, Melila, Arcila, Azemur, Mogador, Rabat, Marrakesh, Fez, Agadir e Casablanca.

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Mesmo assim, nos melahs de Tetuan, Fez, Marrakesh, em muitas vilas e povoados, os judeus continuaram a sofrer constrangimentos, humilhações, confisco de seus bens - fora os massacres rotineiros. Doze gerações, mais de trezentos anos, viveram assim no Marrocos.

Os megorachim traziam consigo a língua castelhana, sua ciência, suas instituições, seus usos e costumes - e sobretudo, seu espírito empreendedor.

Não foram bem recebidos pelos judeus nativos, os tochabim, berberes judaizados, norte-africanos convertidos e descendentes dos comerciantes que, centenas de anos passados, vinham de Israel nos barcos fenícios, ou ainda dos sobreviventes da queda do Segundo Templo, no ano 70. Os espanhóis rapidamente assumiram a liderança nas judiarias. Os tochabim, que falavam árabe e bérbere, mais pobres e sem grande acesso à educação, tinham poucos profissionais.

Realizamos, em 1987, um documentário no Marrocos, visitando o antigo cemitério de Tetuan. Lá, a divisão era clara: de um lado, as sepulturas dos megorachim, com lápides inscritas em português ou espanhol; do outro, as do tochabim. Um pequeno ato religioso foi solicitado (e pago) a um judeu marroquino. Fez questão absoluta de apenas rezar diante do túmulo de um tochab...Jamais rezaria para um espanhol...

Quando iniciaram suas viagens para a Amazônia, os judeus marroquinos levaram consigo as rivalidades e divergências entre os arabizados e berberizados, e os espanhóis. Que foram se refletir, por exemplo, na criação das duas primeiras sinagogas de Belém, uma dos bérberes, Essel Avraham, fundada em 1823, outra dos espanhóis, Shaar Hashamaim, fundada em 1824.

Foi a situação de extremo desconforto no Marrocos que teve papel decisivo na organização e realização de uma tarefa que, aos olhos do estudioso de hoje, parece quase impossível: a emigração metódica e racional dos judeus de Tetuan,e também de Tanger, para o longínquo, misterioso e perigoso Amazonas, no Brasil.

Somado a isso,a Carta-Régia de 1808 e o Decreto de 1814 fizeram inserir o Brasil no comércio internacional, com reflexos imediatos na Europa. Esse livre comércio e a abertura dos portos "às Nações amigas", criaram boas perspectivas para as judiarias marroquinas, especialmente Tetuan e Tanger, cidades portuárias, onde os judeus já estavam envolvidos no comércio de importação e exportação - além de falarem espanhol e hakitia. Mais ainda: em 1810, é assinado o Tratado de Aliança e Amizade entre o Reino Unido (Grã Bretanha) e o Brasil, que autoriza a prática de outras religiões que não a católica, "contanto que as capelas sejam construídas de tal maneira que exteriormente se assemelhem a casa de habitações e também que o uso de sinos não lhes seja permitido". O Tratado assumia o compromisso de que, no futuro, não haveria inquisição no Brasil. Em 26 de abril de 1821, D.João VI extinguiu finalmente a Santa Inquisição e os Tribunais do Santo Ofício de todo o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Como salienta Samuel Benchimol em "Eretz Israel", "estava finalmente aberto o caminho para os que os judeus do Marrocos apressassem a sua partida do exílio marroquino, que durou mais de 300 anos". Verdadeira carta de alforria principalmente para esses judeus marroquinos de origem ibérica, que viveram durante séculos sob o peso da Inquisição.

É importante também registrar que, proclamada a República brasileira, em 15 de novembro de 1889, o Decreto 119 do governo provisório de Deodoro da Fonseca aboliu a união legal da Igreja com o Estado e instituiu o princípio da plena liberdade de culto.Neste mesmo momento os judeus oriundos do Marrocos viviam, na Amazônia, o pleno apogeu do ciclo da borracha, o que serviu para incentivar ainda mais a contínua emigração.

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TETUAN

Tetuan é uma cidade bérbere, situada à margem do Mediterrâneo, antiga capital do Marrocos espanhol. Ali, a comunidade judaica de Tetuan tornou-se muito importante a partir de

1511. O comércio, e basicamente o comércio marítimo, esteve nas mãos da comunidade israelita local até o início do século vinte.Nas sangrentas lutas que se estabeleceram entre os marroquinos e os espanhóis, que viriam a ocupar aquela região norte-africana, a comunidade judaica teve papel de destaque, financiando e armando as tropas do Mulá Yazid, que acabou derrotado pelas forças espanholas. Mais de oito mil judeus chegaram a viver em Tetuan, quando sua população total girava em torno de 30 mil almas. Seu primeiro "av bet din", corte talmúdica com jurisdição sobre os judeus da região, foi presidida pelo rabi Hayym Bibas, ele mesmo um dos que foram expulsos da Espanha. Por várias gerações, a liderança espiritual e temporal da comunidade foi ocupada por membros das mesmas famílias - Abudaraham, Almosnino, Bendelac, Bibas, Casé, Coriat, Crudo, Falcon, Hadida, Hassan, Nahon e Teruel. Em nenhuma outra comunidade no mundo puderam os judeus descendentes de espanhóis e portugueses conservar, de forma tão marcante, sua língua, seus costumes e suas tradições. Até meados do século 18, os judeus de Tetuan continuavam a apoiar e a financiar o regresso físico e o retorno espiritual dos marranos portugueses. Marranos eram os judeus que assumiram o cristianismo à força, mas continuavam a professar sua fé judaica secretamente. O marranismo foi basicamente português, embora haja também o caso de marranos no mundo islâmico, especialmente no Irã.O Brasil moderno é considerado o maior país marrano do mundo, pelos especialistas da Universidade Hebraica de Jerusalém. É verdade que os recém-chegados assimilavam facilmente o ethos e o pathos do núcleo original, mas acabaram, finalmente, introduzindo numerosas superstições e crenças.Principalmente, trouxeram e implantaram em Tetuan, e depois em Tanger, a Hakitia. Em 1982, o general Abraham Ramiro Bentes publicou em Belém, pela Mittograph Editora, o livro "Os sefardim e a hakitia", uma pesquisa filológica sobre o dialeto hispano-árabe-judaico, e que nos confins da Amazônia, acabou sendo enriquecido por vocábulos portugueses e indígenas. O general Bentes editou ainda, em 1987, o livro "Das ruínas de Jerusalém à verdejante Amazônia"(Bloch, Rio de Janeiro), um alentado volume de quase 400 páginas, onde traça a trajetória judaica a partir do profeta Elias até chegar à instalação da primeira comunidade israelita brasileira. TANGER Tanger, situada na entrada do estreito de Gibraltar, é uma cidade muito antiga.Nos tempos

bíblicos, era conhecida como Tingis, e foi habitada por fenícios e, mais tarde, por cartagineses.Uma comunidade judaica existia em Tingis - o assunto é facilmente comprovado pelas muitas e antigas cerâmicas ali encontradas, ornadas com objetos de culto, como a clássica menorah,símbolo até hoje de Israel A presença judaica tornou-se marcante a partir da chegada dos judeus expulsos da Espanha. Mais adiante, essas relações se intensificaram com a comunidade de Amsterdam, ela também região que atraiu multidões de judeus espanhóis e portugueses. A prosperidade dos judeus de Amsterdam traduziu-se,também, no financiamento da emigração marroquina para o Novo Mundo. Em 1808, viviam 800 judeus em Tanger. Era uma comunidade muito pobre,apesar de ali existirem algumas famílias ricas, como

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os Nahon, engajados e conhecidos pelo comércio marítimo em grande escala que praticavam. Nessa mesma época, destacam-se também Joseph Mogador Chriqui, as famílias Abensur, Siscu, Azancot e Benchimol. Afinal, foram eles precisamente que, apoiados e financiados por correligionários europeus, organizaram e deram início à grande aventura dos hebraicos na Amazônia.

A influência espanhola sobre Tanger, iniciada pelos judeus de Tetuan, fortaleceu-se com as vitórias de Madri e, por volta de 1820, o espanhol já era o idioma mais difundido na região. Papéis destacados foram, ainda, os de Ben-Ayon, editor do primeiro jornal de Tanger, em 1820; Levy Cohen, editor do segundo jornal, "Le Reveil du Maroc"; Pinhas Assayag, Abraham Pimenta, Isaac Laredo, José Benoliel, Samuel Toledano, Salomão Pinto. Todos eles atuaram de forma muito importante na saga amazônica, seja financiando,estimulando e apoiando a emigração de jovens e casais para a Amazônia, seja dando o exemplo, eles próprios, e seguindo para o mais fundo da "jungle", munidos exclusivamente de fé em Deus e muita coragem.

Para o historiador, professor e empresário Samuel Benchimol, de Manaus, a imensa maioria dos judeus marroquinos que vieram para a Amazônia eram originários de Tanger e Tetuan.

Diz Celso Furtado na sua "Formação Econômica do Brasil" que a economia amazônica entrou em decadência desde os fins do século l8. "Desorganizado o engenhoso sistema de exploração da mão-de-obra indígena estruturado pelos jesuítas, a imensa região reverte a um estado de letargia econômica". O algodão e o arroz tiveram sua etapa de prosperidade, durante as guerras napoleônicas, "sem contudo alcançar cifras de significação para o conjunto do país".

A base da economia da Amazônia era, em 1808, a exploração de especiarias, a extração de cacau e, logo em seguida, a borracha.O aproveitamento dos produtos da floresta deparava-se sempre com a mesma dificuldade: a quase inexistência de população e a dificuldade de organizar a produção baseada no escasso elemento indígena.

Este era o desafio que se oferecia aos judeus de Tanger e Tetuan: nas sinagogas de suas cidades norte-africanas; faziam o seu bar mitzvá, cerimônia de confirmação e maioridade, aos 13 anos, colocavam os "tefilin" (filactérios) e, dez ou quinze dias mais tarde, embarcavam nos vapores da Mala Real Inglesa. Muitos deles, imberbes mas recém-casados, outros, solteiros, apenas com a roupa do corpo. Muitos dos recém-casados deixando as jovens esposas entregues aos cuidados de suas famílias, por absoluta falta de recursos para levá-las imediatamente. Dezenas dessas moças foram esquecidas, quando seus jovens esposos, na Amazônia, morreram vítimas de enfermidades desconhecidas; outras, simplesmente foram "trocadas" pelas caboclas. A grande maioria, porém, foi chamada por seus noivos e esposos.

Em muitos casos, a noiva era simplesmente "encomendada" para casamentos arranjados pelas famílias.

Em Belém, os judeus ligados a interesses ingleses e franceses, tais como Nahon, Serfatty, Israel e Roffé, já os aguardavam com alojamentos, roupas e apoio comunitário. Os meninos eram alojados numa hospedaria da travessa Santo Antonio e recebiam rápidas e singelas informações sobre como deviam se comportar nos sítios ao longo dos rios onde iriam viver nos próximos anos.

Não havia maiores dificuldades quanto ao idioma: todos falavam espanhol e hakitia. Nos dias que se seguiam, devidamente escalados pelas casas aviadoras às quais se filiavam, embarcavam num vaporzinho (no melhor dos casos) ou num simples regatão (grande barco, na época, a vapor, hoje movido a diesel), já com sua mercadoria a bordo e um barracão como destino.

Casa aviadora era a organização comercial, em Belém, a quem ficaria ligado para a compra e a venda de mercadorias, que supriria também suas demais necessidades e seria o seu "consulado" na capital.

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OS SERINGAIS O barracão - misto de residência do comerciante, do armazém que avia (fornece mercadorias ao seringueiro caboclo) e do depósito de borracha, castanha etc,era até bem poucos anos atrás, o núcleo social e econômico do seringal. Próximo a ele ficava o centro, onde se concentravam as atividades de extração e coleta de castanha, onde estavam os tapiri para a moradia e o tapiri para a defumação, as bocas ou estradas de seringa, um caminho ou picada que ligava as seringueiras onde se extraía o latex. Não existiam vínculos empregatícios entre os seringueiros caboclos e os seringalistas. O extrativismo amazônico constituia-se numa corrente contínua, cujas principais figuras eram o seringueiro, o seringalista, a casa aviadora, a casa exportadora, a casa importadora, as conexões nacional e internacional do comércio da borracha. De um ponto de vista secundário, estavam o regatão e os aviadores, que intermediavam - ora entre o seringalista e o seringueiro, ora entre o seringalista e a casa aviadora. O sistema sustentava-se basicamente no crédito. A estrutura econômica da Amazônia, pelo menos até o fim dos anos 50, caracterizava-se pelo sistema de aviamento: o aviador era a pessoa que efetuava o aviamento, isto é, fornecia os bens de consumo e de produção; o aviado era o que recebia. Na produção e circulação da borracha, o seringueiro extrator era sempre o aviado, pois as suas relações econômicas restringiam-se ao fornecimento dos produtos extraídos da floresta como pagamento das mercadorias que lhe foram aviadas. O aviador era aviado do comerciante que lhe fornecia as mercadorias e aviador para aqueles que adquiriam suas mercadorias. Havia os grandes aviadores, pequenos em número e estabelecidos nas grandes cidades, e os pequenos aviadores, que intermediavam as mercadorias até chegar às mãos do produtor ou do extrator. O judeu, e logo em seguida o seu descendente caboclo, o hebraico, era sempre seringalista, patrão, muitas vezes ligado às casas aviadoras e , em raros casos, às empresas exportadoras, dominadas pelos coronéis de barranco, ingleses, portugueses e nordestinos. Os judeus foram os primeiros regatões da Amazônia. Ou seja, suas embarcações levavam as mercadorias para trocar nos seringais mais distantes por borracha, castanha, copaíba (cujo bálsamo era, então, a medicação por excelência das doenças venéreas, na Europa), sorva, balata, ucuquirana, peles e couros de animais silvestres. Muito freqüentemente, os regatões entravam em choque com o grande poder e o monopólio dos aviadores que "fechavam os rios" e eram "os donos da praça". No fundo, os judeus regatões nada mais fizeram do que reproduzir de certa forma, no cenário fantástico da Amazônia, o papel do judeu prestamista, nas cidades do sudeste e do sul. No início, o jovem judeu vivia sózinho, regateando. Depois, formada a família, ia comerciar no interior mais afastado, comprando e vendendo mercadorias. Quando sua situação se consolidava, tratava de transferir esposa e filhos para cidades maiores, onde a criançada nascia a cada dois anos, "gerados em cada visita do pai à esposa, durante as páscoas e celebrações religiosas de Rosh Hashaná, Iom Kipur, Pessach, Purim, Chanuká ou para as cerimônias de Brit-Milá (circuncisão) de seus filhos, ou para o Bar Mitzvá", assinala Benchimol no seu livro "Eretz Amazônia". E observa: esses dias festivos eram os dias de fazer nenê com as esposas parideiras, que tinham uma média de 6 a 8 filhos antes de completar 40 anos de idade. BENGUIGI Um dos patriarcas dos hebraicos da Amazônia, Moisés Benguigui chegou a Belém no dia 9 de junho de 1909, vindo de Manaus. Hospedou-se na sinagoga da rua das Indústrias e, dias depois, a chamado do seu tio, embarcou para Marapani, um lugarejo situado às margens no rio Solimões, na região conhecida como Coari. Lá, Moisés abriu uma bodega: servia cachaça, fumo e farinha aos caboclos, e deles recebia o sernambi ( a borracha), alguma castanha, óleo

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de copaíba. Dez anos ficou Benguigui em Coari. Em 1919, a convite de David Azulay, mudou-se para Oriximiná, próximo a Óbidos, no rio Amazonas, e meteu-se na charqueação de gado. - A borracha já estava em crise, explicou Moisés. Era preciso buscar outros meios de ganhar a vida. Em 1931, ele foi até Alenquer, na mesma região, para casar. Com dona Esther Alves, filha de Alenquer, cujos pais vinham de Rabat e de Lisboa. Com Esther Alves (na origem, El Baz), teve oito filhos, cinco homens e três mulheres. As três vivem hoje em Israel. Em 1983, já tinha mais de trinta (ou seriam quarenta ?) netos, indagava ele mesmo, incrédulo. Na sinagoga Shaar Hashamayim, na rua Arcipreste, em Belém, já centenário, Moisés Benguigui, lúcido, acompanhava todo o serviço. E a cada tropeço do rabino Hamu, não hesitava em corrigi-lo, publicamente... CAMETÁ Cametá, no baixo Tocantins, fica a 40 minutos de Belém, de monomotor. De barco,é uma viagem que pode durar de 18 a 30 horas, dependendo da corrente fluvial. Cametá foi, na primeira metade deste século, a segunda maior cidade do estado do Pará e, sem dúvida, a mais importante cidade comercial da região. Segundo o rabino Hamu, nascido em Mocajuba, do outro lado do rio Tocantins, viviam ali perto de sete mil judeus. Cametá teria, no máximo, 30 mil habitantes, então. A cidade guarda as lembranças do fausto do início do século. As ruas são largas, bem planejadas. Resistem ainda as velhas residências de porte senhorial. Há praças bem desenhadas, onde à noite, em quase todas elas,reina absoluto um grande aparelho de TV, sintonizado na Globo... E uma enorme quantidade de pessoas acompanha, ali, as novelas passadas no Sul maravilha. "Ninguém falará com vocês em Cametá. Não há mais judeus lá", afirmou o rabino Hamu. Na verdade, ao desembarcarmos em Cametá, abordados por Calixto,misto de chofer de praça, contrabandista, agiota e "fac-totum",revelamos que buscávamos judeus e seus descendentes. "Hebraicos ? Pois vamos vê-los". De pijama leve, sentado à beira da cama do hospital municipal, Moisés Silva treme à menção da palava Israel. "Vocês são hebraicos ?" Nascido em 1919, ali mesmo em Cametá, Moisés nos conta que seu pai era Leão Pinto, de tradicional família rabínica, chegado ao Brasil com 12 anos de idade e falecido aos 56 anos. Leão, filho de Salomão, de Tanger. Leão não teve uma esposa judia. Sua cabocla não queria (ou não conseguiu realizar a sua conversão. Nem por isso Moisés teve outra educação que não a judaica. Com o pai, e até 1983, ele seguia os preceitos que conhecia, jejuava no Iom Kipur (Dia do Perdão, o mais solene do calendário religioso), acompanhava "as páscoas"(os judeus sefaraditas designam como "páscoas"as principais celebrações judaicas, como o Pessach, o Purim, o Rosh Hashaná (Ano Novo), o Iom Kipur, Sucot (festa das cabanas) e o Chanucá (a festa das luzes, comemorativa da vitória dos macabeus sobre os sirio-gregos). Não sei se Moisés ainda vive, hoje, no início do novo século. Seus filhos chamam-se Menassé, Menahem, Esther e Bendita. Seu neto, como determina a tradição marroquina, chama-se Moisés e vive em Belém.

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Trêmulo, no leito hospitalar, Moisés pede que se lhe conte a história do moderno Estado de Israel. Ele possui uma pequena fazenda onde planta pimenta, a riqueza de Cametá. Seus olhos brilham: "Então é verdade, existe mesmo um país de hebraicos ?!" Calixto, o motorista-contrabandista-faz tudo não tem dúvidas a respeito do Estado de Israel. Afinal, ele serviu no Batalhão Suez, do Brasil, que patrulhou a faixa de Gaza, em 1958. Até namorou uma judia brasileira, de um kibutz fronteiriço. "Moça fina, estudou no Mackenzie", faz questão de esclarecer. E enquanto conta as suas aventuras no Oriente Médio, Calixto nos conduz ao cemitério de Cametá. Um cemitério bem cuidado, limpo, onde o nosso trabalho logo atrai a atenção de dezenas de crianças e adultos, que ficam a olhar como se nada mais tivessem a fazer. Também o gado zebu, que transita livremente pelas ruas, se sente atraído pelas máquinas fotográficas, pelos flashes. Defronte ao cemitério, uma casa pequena e bem cuidada, ostenta na parede uma inscrição: BETEL. A Casa de Deus.Perguntamos aos moradores do que se trata, será uma igreja evangélica ? Absolutamente. Sabem apenas que é uma lembrança dos tempos dos judeus, porisso a casa é mantida em ordem (pela prefeitura). Ela é pintada todos os anos, a inscrição é sempre renovada, "dá sorte". É apenas onde, há décadas, morava o zelador do cemitério e onde eram realizados os rituais de purificação dos corpos. "A Prefeitura sabe que o cemitério judaico é um monumento da cidade e que os hebraicos foram importantes para o nosso desenvolvimento". Quem faz a observação é outro hebraico de Cametá, Carlindo das Mercês Cohen. Titular do Cartório Cohen, Carlindo nasceu em 1915, ali mesmo. Filho de Joseph Cohen e de Vitória Maria Cohen. O pai era de Tanger, a mãe, de origemcatólica, de Cametá. A esposa de Carlindo é a judia Luna Bensabat Cohen, filha de Jaime Bensabat, neta de Manassé Cohen. Mas uma imensa imagem de Jesus domina o cenário de sua sala de jantar. Carlindo exibe, com satisfação, as revistas e calendários que, periodicamente, recebe de instituições judaicas, principalmente do Chabad. "Mas eu não sei ler hebraico", assinala. Ele se recorda, com prazer, do pai acompanhando o minyan (o quorum mínimo de dez judeus maiores de 13 anos, indispensável ao serviço religioso) na casa de Abraham Zancor. Conta de suas travessuras quando ia brincar na sinagoga, "uma que desapareceu, sem fazer barulho, numa certa noite". É que o rio Tocantins está "comendo"as terras do cais. Foi assim que numa noite, nos anos 60, parte da rua beira-rio ruiu e o prédio da última sinagoga de Cametá foi tragado, em poucos minutos, silenciosamente, pelas águas do Tocantins. Cametá chegou a possuir várias esnogas (o mesmo que sinagoga) , pelo menos três, como sugere o rabino Hamu. "E havia hebraicos leprosos em Cametá", recorda Carlindo Cohen. "Viviam isolados,lá no meio do mato. A comunidade mandava para eles tudo o que necessitavam, mas estavam isolados". "Acho isso estranho, pois os judeus são gente limpa, higiênica, dizem que a lepra é doença de sujeira". Uma tradição local estabelece que os hebraicos não comiam um peixe extremamente abundante nas águas do Tocantins, o mapará (ou macapará). Um peixe liso, sem escamas. Alguma relação entre o peixe e a doença ? Cohen não sabe, mas na sua casa não se come o mapará. Recente pesquisa divulgada pelo Jornal Americano de Medicina traz uma nota assinalando que pode haver alguma relação entre a hanseníase e a ingestão de certas espécies de pescado.

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O GOLEIRO DO REMO

Se Carlindo Cohen não é, do ponto de vista haláchico, judeu, isso já não se pode dizer do Dr. Mimon Elgrably, médico e farmacêutico em Cametá, mas nascido em Belém. O seu pai foi goleiro do Clube do Remo - uma goleada de 7 a 0 para o Paysandu encerrou a sua carreira e o inscreveu nos anais esportivos do Pará.

Mimon vive desde 1972 na cidade. Seu pai é de Belém e a mãe de Macapá. Seu avô, rabino, veio do Marrocos, é o que sabe informar. Seus seis irmãos vivem espalhados pela Amazônia, num território do tamanho da Europa: em Itaituba, o engenheiro Mayer Jaime Elgrably; em Belém, o engenheiro Salomão Peres Elgrably; também na capital, a irmã Simy Elgrably.Outra irmã, Zahara Elgrably Correia, vive numa localidade próxima de Belém. O irmão mais novo, Moisés, engenheiro, trabalhava no Projeto Jari. Ele mesmo, Mimon, já viveu em Santarém, Óbidos, Itaituba e Castanhal.

"Mas, se você quer mesmo conhecer a nossa história, fale com a mamãe. Ela, dona Ester Peres Elgrably vive lá em Belém, na rua Padre Eustáquio, e lembra de tudo".

O calor é forte, quase insuportável, durante a tarde, em Cametá. Em compensação, no finzinho da tarde, sopra uma brisa. E a noite é extremamente agradável. Dona Raimundinha, "gerente"do bordel,é amiga de todos, madame muito respeitável e respeitada. É ela quem, informada do nosso trabalho, esclarece: "Desde o princípio, não há homens sérios na noite de Cametá". O que explica, em parte, a multidão de caboclos com sangue hebraico na região.

"Em Mocajuba, cidade que fica do outro lado do rio, próxima a Cametá", confirma o rabino Hamu, "todos os goyim (gentios) têm sangue hebraico".

Em Mocajuba, em Baião e, principalmente em Cametá, os goyim e os descendentes dos hebraicos falam de tesouros escondidos, de pregos e dobradiças de ouro maciço, de uma riqueza extraordinária dos judeus.

E porque os hebraicos foram embora?Só a decadência da borracha é explicação suficiente ?

Olhares se entrecruzam. Carlindo Cohen conhece a explicação, hesita em fornecê-la, mas solta a informação, discretamente: o anti-semitismo... A perseguição religiosa movida pela Igreja. Por último, e não menos importante, movimentos como a cabanagem, onde o caboclo, revoltado com a exploração que lhe era imposta pelo dono do barracão (e o judeu era sempre dono do barracão), um dia rebelou-se e foi acertar as contas na ponta da faca. Onde os hebraicos puderam resistir, sua presença prosseguiu por várias décadas.

Onde foram fracos, partiram. Como em Cametá, decadente desde a saída dos hebraicos.

Eles se espalharam por toda a Amazônia. Fica difícil até mesmo acompanhar a sua saga, pelos mapas. Eles estiveram em Alenquer, Altamira, Brasil Novo, Curuá Una, Faro, Itaituba, Juriti, Monte Alegre, Óbidos, Oriximiná, Porto Trombetas, Porto Vitória, Santarém, Terra Santa, Maués, Itacoatiara, Gurupá, Buiussu, Boim, Aveiro, Manacá Puru, Manicoré, Macapá, Teffé...

"No Alto Solimões", informa Moisés Mendes, de Parintins, "os índios tem características físicas judaicas. Em Ma'aparim, as palavras hebraicas preenchem o vocabulário indígena. O cemitério de Abunã, entre Guajará Mirim e Costa Marques, acima de Porto Velho, tem túmulos judaicos do século 18".

Há túmulos do século 17 em pleno centro de Belém, no meio da rua. Não é força de expressão. Na realidade, onde hoje está a praça principal, no seu canto extremo oeste enterravam-se os não católicos. Há pedras tumulares de protestantes e de judeus. Junto à escola Kennedy, ao lado do velho cemitério judeu, "Necrópole Judaica", há um cemitério misto de judeus e não católicos.

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NAS ÁGUAS DE OPHIR Saindo de Cametá para Abaetetuba, de barco a motor, numa jornada de dezoito horas pelo rio Tocantins, vamos conversando com o comandante.Um homem de mais de cinquenta anos, filho da região. "O mais longe que eu já fui na Amazônia, foi a Monte Alegre",explica. É um homem inteligente, vivido e letrado. Sabe das coisas. Falamos das tribos indígenas de aspecto diferente, de idiomas orientais mesclados ao vocabulário dos silvícolas, de certos hábitos e costumes. Falamos do ouro que brota em todos os pontos da região, e com mais evidência na Serra Pelada e em Maués. "Na sua opinião", pergunta o comandante, "os judeus e os fenícios estiveram por aqui, nos tempos bíblicos ?" Não respondo. Penso nas minas do rei Salomão, nas regiões que os barcos fenícios, partindo de Ezion-Gerber, iam palmilhar em busca de ouro, de pedras preciosas e de sândalo. Há muitas hipóteses sobre onde seriam essas terras, se uma ilha no Mar Vermelho, ou na Índia, quem sabe na China ?Entre Sheba e Havillah, dizem as Escrituras. Na Somália ? Na península arábica ? O comandante do barco sorri. Chegamos a Abaetetuba.É noite.Nos despedimos. Ele pede meu nome, eu peço o seu: "Ophir". Estou, simplesmente, nas terras, nas águas, de Ophir... Um historiador antigo, Diodoro da Sicília, descreveu uma expedição fenícia que, saindo de uma região africana próxima a Dacar, seguiu para sudoeste até chegar a terras desconhecidas, numa rota parecida com a seguida, séculos mais tarde, por Cabral. Os fenícios teriam alcançado o Amazonas, onde há vestígios de civilizações antigas - por exemplo, os marajoaras. Na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, inscrições foram identificadas em 1839, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, como sendo "Badezir-Jethbaal-Tiro-Fenicia". Justamente os nomes dos nobres fenícios de uma época muito antiga: o príncipe Badezir era o filho mais velho de Jethbaal, da cidade de Tiro, Fenícia, e seus restos estariam sepultados ali, na zona sul do Rio de Janeiro. CORTA-CABEÇAS "O Iom Kipur, na casa de Alegria Zagury, era o mais extraordinário do rio Amazonas", afirma Isaac Serrulha. Ele chegou à cidade em 1916. Havia minyanim (quoruns) permanentemente, em Parintins. E as famílias mais importantes, observantes da lei mosaica, eram os Sayad ou Sayag, Serrulha, Zagury e Mendes (com a observação de que Mendes é a forma portuguesa de Afriat. Segundo Moisés, todo Mendes é Afriat, todo Afriat é Mendes). A nobreza judaica dos marroquinos é baseada no número ou na importância de rabinos, de chachamim (sábios, eruditos) que se tenha entre os ancestrais. Moisés Mendes, aliás Afriat, nasceu em Parintins, em setembro de 1938. Seus pais eram Salomão Mendes, nascido no Rio Grande do Sul, e Simy Mendes, de Macapá, de solteira Pazuello. Seus avós paternos ele conheceu bem: Alberto Afriat, de Rabat, Sol Azulay, de Tanger. Ou seria de Casablanca ? Ele pode ter dúvidas quanto à cidade natal da avó, mas de suas histórias e aventuras, não. Moisés fala do que foi o anti-semitismo na região. Do saque ao comércio hebraico em Paraná do Ramo, em 1918. Ao comércio hebraico da barreira do Andirá. Das lutas em Boca do Lago do Paulo. Seu pai, Salomão, ainda era solteiro. Certa noite, teve de sair para fazer uma entrega. A mãe, avó de Moisés, Sol, ficou em casa, com o esposo, os filhos menores e a criadagem. Mais ou menos às três da manhã, perto de cem caboclos avançam. É o ataque. O pai, Alberto, sai para a primeira defesa. Recebe sete facadas e cai, parece morto. Dona Sol não teve dúvidas: armou-se com um terçado, um facão de 128 centímetros de lâmina e

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colocou-se estrategicamente à porta de sua casa-barracão. Um primeiro caboclo investiu, ela zap ! Cortou-lhe a cabeça.Mais um, e de novo zap !. E ainda mais uma vez, zap ! Três caboclos tiveram suas cabeças decepadas pela avó judia, na madrugada de Parintins. Os demais, assustados, fugiram. Alberto não estava morto. Curou-se das sete facadas. A família, bem como as outras famílias hebraicas da região, tratou de partir. Parintins, como Oriximiná e outros locais, não eram cidades para judeus. O rumo primeiro foi Óbidos, depois Juriti, finalmente Belém, Manaus - e às vezes, o regresso à Europa. E Parintins ? E Oriximiná ? "Decadentes", diz Moisés, com um sorriso amargo. A escritora Sultana Levy Rosenblatt, que vive hoje nos Estados Unidos, conta uma história iniciada em Muaná, na ilha de Marajó e completada em Belém. "Meu avô David tinha um barracão e um dia apareceu na Capital fora de época. "Por que viera ? Vim por causa da safra. Safra, agora, que safra ? A safra do me ceda. Esta é a estação do me ceda, a grande safra. Me ceda um quilo de farinha, me ceda um quilo de arroz, me cesa querosene, me ceda aí um dinheirinho..." "Em realidade, ele deixou sua casa não para escapar somente `a safra do "me ceda", mas principalmente para evitar que a sua família ficasse exposta a um pogrom, que o povo chamava de "mata judeu". "Embora não fossem atacados fisicamente, as mulheres e as crianças se apavoravam tanto que adoeciam. Meu avô contava que o pânico começava de manhã ainda cedo, quando ele podia perceber, pela quietude em volta, que alguma coisa terrível estava para acontecer. Apressadamente, os donos do barracão escondiam as coisas mais valiosas. A mulher trancava-se no quarto com as crianças. O homem abria o Sidur (livro de rezas) e mergulhava nas orações. Quando o cão ladrava, o judeu preparava-se para o confronto.Os caboclos chegavam e atiravam-se com sanha à pilhagem. O dono da loja, mergulhado na leitura, fingia não se aperceber do que estava acontecendo". "Logo, porém, que o assalto terminava, ele agradecia a Deus ter-lhe salvo a família, e procurava esquecer tudo". Escritor da Amazônia, Paulo Jacob, um não-judeu, conta em seu livro "Um pedaço de Lua Caía na Mata", Nórdica, 1990), a história da família Farah, Salomão e Sara, e seus filhos Jacó e Raquel, em Parintins. É ficção, claro, mas calcada na vida real. Muito parecida com as memórias de Sultana Levy. Salomão luta para preservar sua tradição judaica, enquanto o meio ambiente trabalha no rumo da assimilação. A história é contada em 46 capítulos, cada um deles com títulos alusivos ao calendário judaico: Iom Kipur, Bar Mitzvá, Tishá Beav, Halom Tob. Pode-se traçar uma analogia entre a luta familiar de Salomão, no coração do planeta amazônico, e o encontro dos rios Negro e Solimões, cujas águas correm paralelamente, sem misturar-se por quilômetros sem fim. A cultura judaica e a cultura amazônica, ali, têm contato direto e constante, andam lado a lado, tocam-se, reconhecem-se. Por fim, mesclam-se, inevitavelmente. ÓBIDOS Situada na margem esquerda do rio Amazonas, onde o rio é mais profundo, a cidade de Óbidos é um verdadeiro cartão postal. Lembra Ouro Preto, as cidades coloniais de Minas, Paraty, as paulistas Parnaíba e São Luís do Paraitinga. As ruas do centro histórico são calçadas de "pé de moleque", pedras irregulares. O casario, se não é de taipa, assemelha-se a esse material. Respira-se história em Óbidos.

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Três famílias judaicas viviam em Óbidos, em 1983. José Jaime Belicha nasceu no sertão de Óbidos, em Paraná-Mirim, em 1916, "junto com as capivaras". Seus pais eram Marcos Belicha (Ben-Lichah, no documento marroquino) e Sarah Bittencourt Belicha. O pai era de Tanger, e veio ao Brasil em 1904, com o irmão, passando primeiro por Belém, depois pelo Maranhão e até pelo Rio de Janeiro. Belicha tem importante comércio em Óbidos. Sua casa de negócios não é mais o barracão dos pais e avós, mas, na essência, é ainda o empório que vende de tudo. Claro, ele dá crédito ao caboclo e acerta as contas na colheita da castanha, da copaíba, da borracha. A esposa e suas duas filhas estão em Belém.Nesta altura dos acontecimentos, aliás, esta é uma regra geral para os judeus: os filhos ficam em Belém ou Manaus, os pais resistem no interior.Nas férias,a criançada vem para o interior. Quando crescem, porém, preferem o Rio de Janeiro, São Paulo, o exterior. A médio prazo, a presença judaica está condenada em lugares como Óbidos, Santarém, Alenquer. O que não impede Belicha de sonhar e planejar. Acaba de adquirir uma maravilhosa casa vizinha à sua, onde viveu um judeu rico e de bom gosto. Belicha está reformando a casa. Não sabe se fará uma nova casa comercial ou um hotel - afinal, modernos catamarãs, barcos confortáveis com ar condicionado, serviço de bordo etc, trafegam hoje pelo Amazonas. Se eles pararem em Óbidos, na ida e na volta, um hotel moderno será, com certeza, um bom negócio... Quem faz companhia a Belicha é seu cunhado Isaac, que viveu sete anos em Jerusalém,em Ramot, e não vê a hora de regressar. Casado. Enquanto não volta, ele, que nasceu em Juriti, filho dos marroquinos Eliezer e Sara Benitah, pratica o "cooper" diariamente no beira-rio de Óbidos. "É pra não perder a forma", diz sorrindo, pensando nas necessidades da Tzavá (exército israelense). Vizinho de Belicha, Fortunato Chokron nasceu em Manaus, em 1940. Seu pai, Abraham Fortunato Chokron, nasceu em Tetuan. Sua mãe, Mary Assayag Chokron, é de Manaus, os avós de Tetuan. É orgulhoso que Fortunato abre o baú e de lá retira o documento firmado por Sua Majestade,o Imperador D.Pedro II, autorizando o avô Fortunato a residir e comerciar em terras brasileiras. O pai de Fortunato sempre trabalhou em Óbidos. Ele segue a tradição familiar. Possui uma usina de beneficiamento de castanhas, uma serraria e industrializa peixe congelado que é exportado para os Estados Unidos dali mesmo, de Óbidos. Fortunato explica que em Oriximiná, onde há muito ouro e bauxita, há uma renovação econômica. E ele tratou de instalar uma usina na pequena cidade, o que gerou um comentário otimista do prefeito: "até que enfim, um judeu volta para cá. Pode ser que Oriximiná, agora, se desenvolva". A vida dos Chokron foi sempre vivida em Óbidos. O pai de Fortunato viveu ali 60 anos redondos. Ele não planeja sair da cidade, mostra as suas belezas naturais,comenta as dificuldades e aponta o morro onde, há duzentos anos, os portugueses colocaram canhões para a defesa da Amazônia contra as investidas espanholas. "Na Segunda Guerra, os canhões foram reativados para enfrentar a ameaça nazista", diz Fortunato. E conclui: "há muitos anos, os canhões foram doados à USP. Mas, ninguém sabe como removê-los daqui. Aliás, não dá para entender como eles conseguiram levá-los até em cima do morro". Óbidos foi cenário do filme de Werner Herzog, "Fitzcarraldo", de 1982, que contava a história de Brian Sweeney Fitzgerald, um irlandês obcecado pela idéia de construir um teatro de ópera em plena selva amazônica. A cena de uma multidão arrastando um barco montanha acima sugere bem o que pode ter sido o levar os canhões ao alto do morro. Seja como for, na vida real os canhões subiram - e se Fitzcarraldo não construiu sua ópera na selva, ela acabou surgindo, de verdade, em Manaus: o Teatro Amazonas, inaugurado no final do século 19, em 31 de dezembro de 1896, com a apresentação de "La Gioconda", de Ponchielli.

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Como tem negócios em Oriximiná, Chokron fala do único judeu que lá ainda vive (em 1983), "o Benzaquen, nascido no Sapucaí, um homem forte, com dose dupla de fé. Vive completamente afastado do mundo hebraico, mas cumpre todas as mitzvot (obrigações religiosas), como meu pai fazia - sozinho. A única preocupação por toda a Amazônia é não ter quem lhe diga o "shemá" ("Escuta, Israel") na hora da morte". Os judeus de Óbidos chegaram a ter uma sinagoga. Depois, à medida que a comunidade foi diminuindo, os serviços transferiram-se para a casa de dona Ricca Hamoy, e é assim até hoje. Na realidade, só celebram junto o Kipur. "A casa de dona Ricca é relativamente afastada", explica Fortunato. Assim, os goyim não entendem bem o que acontece por lá... Remexendo no baú, Fortunato Chokron encontra um documento de Simão Benjó. Faz o comentário: era importante aviador de Belém, conhecido como o "pai dos judeus". "Tinha navio próprio e um imenso coração. Quem colonizou a Amazônia foi Simão Benjó, e isto até hoje não está registrado nos livros de istória...". Chokron é muito cuidadoso. Entre os seus guardados, o talit (xale de orações), os tefilin (filactérios) e o sidur marroquinos, de seu pai e de seu avô. Na casa (retirada) de dona Ricca Hamoy, um ambiente de serenidade e beleza. Ela nasceu em Alexandria, no Egito, em 1905. Em 1923, casou-se com Yomtob Hamoy, também de Alexandria, mas cujos pais eram sírios, de Alepo. "Troquei o Promenade des Anglais, em Alexandria, pela prainha, em Sapuquã, perto de Oriximiná. Vivi quatro anos em Faro, no limite do Amazonas. E desde 1930, vivo em Óbidos". Ricca Hamoy tem seis filhos, vinte e três netos, cinco bisnetos. "Não foi difícil viver na Amazônia", diz sorrindo. "Tudo era novidade, e afinal, o caboclo é mais gente que o muçulmano...". Dona Ricca explica melhor: os muçulmanos que conheceu, eram "mais bravos e menos gentís. Os caboclos são gente simples, amoráveis". O clima da Amazônia, ao contrário do que alguém pode supor, é agradável, "adorável mesmo". "Aqui se trabalha, não há muito tempo para diversão". O filho Max é vereador em Óbidos e detém um canal de televisão, o 7, TV Sentinela da Amazônia. Seu genro Jaime Elmescany, nascido em Óbidos, mas originário de Rabat, é um dos seus braços direitos. Outro genro, Claude Messody Jamany, é natural de Casablanca. Líder espiritual da pequena comunidade de Óbidos, dona Ricca reúne em sua casa, especialmente nos iamim noraim (os dias temíveis, que vão do Iom Kipur ao Rosh Hashaná), os hebraicos da região. Mas, se ela é feliz e diz que tudo é bom e bonito na região, o contrário é proclamado por uma estranha, bizarra figura, o ashkenaz (judeu europeu) Meyer Finkelstein, então com 80 anos de idade, polonês, madeireiro, que vive numa localidade difícil de ser apontada no mapa, no interior de Juriti, com o curioso nome de Nova Galiléia. Ali,Meyer possui 30 hectares de terra há oito anos, explora madeira e castanha, buscando transportar sua riqueza num pequeno caminhão de 1928. Praticamente sustentado por Choukron e Belicha, Meyer proclama que ali, onde vive, "é o verdadeiro campo de concentração nazista". Ele sonha em ganhar "dois milhões de dólares, o mínimo que precisa para não chegar em Israel com uma mão na frente e outra atrás". É importante registrar que Óbidos e Santarém, no oeste do Pará, são hoje (1999) o principal centro de contrabando de insetos e plantas da Amazônia para a Inglaterra, Suiça, França, Estados Unidos e países asiáticos. Essa atividade já levou à extinção milhares de espécies, revela o Ibama. Santarém, além disto, é o grande centro exportador de ouro da Amazônia - da exportação legal e, principalmente,do contrabando.

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DE FIAT, NA FLORESTA Num Fiat 147 disfarçado de táxi, resolvemos enfrentar uma viagem de duas horas e meia até Alenquer, outra cidade do Amazonas onde, segundo nossos informantes de Belém, "não há mais judeus". É uma viagem, no mínimo, empolgante. A mais de 120 km horários, o Fiat voa por um caminho de terra apelidado de estrada. Macacos, saguis, araras, periquitos, cobras, caititus, espiam assustados durante todo o tempo. Num certo momento,o carro precisa ser transportado de balsa,pelo rio Curuã-Una. E às 11 horas de uma manhã especialmente quente, chegamos a Alenquer. A cidadezinha é feia.Não há árvores, o caboclo ali odeia o verde que o cerca e sufoca. Na cidade, pois, ele não dá tréguas: as árvores inexistem e o calor assume proporções extraordinárias. Por onde começar o garimpo de hebraicos ? Descemos uma rua, chegamos ao cais e o impulso nos conduz a uma casa baixa, muitas janelas, uma placa à porta: "Esta é a residência de Abrahão Fima e família. Alenquer, 1967". A porta está aberta e um caboclo lê, vestido apenas de short. Batemos palmas, pedimos licença. Somos calorosamente recebidos. O que procuramos, hebraicos ? Pois já encontraram. Abraham Fima é falecido e a viuva está em Manaus. Mas,os filhos, caboclos, sabem de tudo. Abraham era filho de Rachel e Jacob Fima, ambos de Tanger. Nasceu em 1909, chegou ao Brasil em 1930, faleceu em 1972. A esposa não era judia,"não havia hebraicas em Alenquer",explica o filho Max Diniz Fima, que por sua tez escura é conhecido na cidade como o "judeu preto". Abraham era judeu praticante e culto. Nas diversas reuniões dos clubes de serviço da cidade, tipo Lions e Rotary, era ele quem, em nome da comunidade hebraica, apresentava e defendia os pontos de vista dos israelitas. Foi um homem importante e conhecido, que sabia como era vã a glória do mundo. Tanto que não teve dúvidas, ele próprio mandou fazer e colocar a placa na porta de sua casa. Porque não há ruas ou escolas em Alenquer que lembrem o seu nome. Teve cinco filhos, Jacob Diniz, José Diniz, Jackson, Carlos Alberto e Rachel. Três desses filhos retornaram ao judaismo, mudando-se para Manaus e integrando-se ao ishuv (comunidade) local. Jacob, em Alenquer, herdou o patrimônio do pai e toca os negócios da família. Seu "feeling"judaico é extraordinário. Sente-se judeu, arranha alguma coisa em hakitia e guarda com grande zelo os sidurim e os livros do pai. É o próprio Jacob quem nos conduz a outros hebraicos de Alenquer, especialmente Ruth Athias, ex-professora e alta funcionária do Banco do Brasil. Enquanto aguardamos Ruth, Jacob nos conta que até a morte do seu pai, os judeus de Alenquer reuniam-se na casa do "seu" Shalom. Em Belém, ele e Jacob freqüentavam as duas sinagogas e o Grêmio Azul e Branco. Jacob jejua no kipur e coloca, quando pode, os tefilin. Seu pai Abraham passou 30 anos sem sair de Alenquer. Ruth Athias nasceu em Alenquer em 1950. Era filha de Jacob Amram Athias e de Aduzinda Coelho Athias. Tem dois irmãos, Rubens e Noemi. Sabe que o pai veio do Marrocos francês e viveu, a partir dos 12 anos, numa olaria em Oriximiná. Foi casado duas vezes: do primeiro casamento teve dois filhos, um dos quais vive no Rio.O outro, Jonathas Athias, falecido há alguns anos, foi Secretário de Educação do Estado do Pará. Ruth sempre procurou fazer o jejum do Kipur, "sem muito sucesso". Mas, fala com carinho de Pessach (Páscoa), do matzá (pão ázimo) e do vinho casher (ritualmente puro). Ela se corresponde regularmente com o primo Yehuda Athias, que vive em Haifa, e mostra com orgulho o bronze comemorativo da Guerra dos 6 Dias. Ela demonstra claramente que se envaidece da origem judaica e não precisaria de muito esforço para retornar ao judaísmo praticante.

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BENZAQUEN Na mesma Alenquer, uma figura extraordinária: Ambrósio Benzaquen. Seu avô "foi vizir na corte do sultão de Marrocos". Seu pai, David Benzaquen, um chacham que enriqueceu no Brasil.A mãe, uma cabocla chamada Maria Nepomucena Rodrigues. Ele nasceu em Barreirinha, no Amazonas, em 1913.

"Viveram ajuntados 18 anos", conta Ambrósio. Tiveram cinco filhos (Fortunato, Rachel, Amélia, Rafael e Ambrósio), separaram-se em 1922. E por que ? "Papai conheceu, em 1922, uma moça judia. Casou com ela. Não quís nos desamparar, mas mamãe ficou furiosa e não quís aceitar o "arranjo" que ele propôs". Ambrósio teve dez filhos, 56 netos, 4 bisnetos. Vive numa maloca de Alenquer, onde fabrica vassouras. Antigamente, trabalhava para Isaac Hamoy, de Óbidos, na comercialização de castanhas. "Meu pai era um homem rico,tinha 17

"negócios". E muitas canoas de regatão. Tinha um empregado, Clodoaldo, cuja única função era nos levar a passear pelo rio". Benzaquen lembra com detalhes a figura do primo David Zara Benzaquen, a quem chamava de tio, e que era o responsável pelas festas. Faziam Sucot (festa das cabanas) , Pessach (Páscoa), jejuavam no Iom Kipur. Ambrósio sabe que teria direito a uma parte da herança do pai, casado em Parintins com uma judia da família Mendes. Mas não é homem de brigar por essas coisas, "especialmente nesta fase da minha vida", resmunga. A BELÉM JUDAICA Para o então presidente do Centro Israelita de Belém, a comunidade local está resumida a 250 famílias, umas mil almas. O rabino Hamu foi mais radical, acha que não há mais do que 660 judeus 'de verdade". Como já foi registrado, a comunidade dispõe de duas sinagogas, as mais antigas do Brasil, Essel Avraham (Bosque de Abraão) e Shaar Hashamaym (Porta dos Céus). Uma é a dos judeus de Belém, ligados às casas aviadoras - portanto, a dos "ricos". A outra, Eschel Avraham, da rua Campos Sales, é a dos "pobres", dos que viviam nossítios e barracões ao longo dos rios... Essas colocações não têm mais nenhuma razão de ser, hoje em dia. Não há mais essa divisão na comunidade. Não há judeus ricos, na acepção mais nítida do termo. Há pobres, geralmente remediados. Reza-se de manhã numa das sinagogas e à tardinha na outra. O shabat é celebrado em Shaar Hashamaym. O reduto mais fechado da comunidade pratica um judaísmo cativante e emocionante. Não é tanto uma prática religiosa, mas uma forma de ser. A obediência à cashrut, aos preceitos alimentares, não chega a ser um peso, mas uma defesa. A sinagoga cumpre a função básica de reunir os judeus. É onde, todos os dias, as pessoas se encontram "e rendem graças a Deus". A Shaar Hashamaym foi erguida em 1824, obra de Judah Eliezer Levy. O rabino Hamu, de tempos em tempos, promove a matança ritual de gado, no matadouro municipal. É auxiliado sempre por um jovem, e os preceitos adquirem uma consistência maior. Na verdade, toda a comunidade de Belém vive um cotidiano essencialmente judaico.Vai-se à sinagoga, de manhã bem cedo, antes do trabalho, para rezar e para estar com os patrícios.

A família Benzaquem, em Alenquer

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Volta-se à sinagoga, ao entardecer, para rezar e conversar com os patrícios. A sinagoga, mais que um recinto religioso, é um centro comunitário, onde a tradição se mantém e os valores são transmitidos pelo exemplo. Quem cuida do açougue é Shalom, que viveu em Israel e lutou em várias guerras. Ele se sente mais feliz e mais judeu em Belém. Para Isaac Barcessat, então presidente do Centro Israelita, o que trouxe os judeus à Amazônia foi a atração do El-Dorado. As histórias mirabolantes das fortunas realizadas em semanas ou meses. O pai de Isaac, Moisés, chegou ao Brasil com 14 anos e se estabeleceu em Ituquara, no sítio que recebeu o nome de "Doce Laranjal". Na verdade, a atração da fortuna fácil deve ter sido um fator importante na vinda dos judeus marroquinos. Não foi a única, mas foi a principal.Por trás dessa emigração semi-organizada, estavam interesses comerciais ingleses, razoavelmente apoiados economicamente por algumas famílias estabelecidas em Belém e no Rio de Janeiro, que viram, no terreno fértil das agitações que sacudiam Tanger e Tetuan, mão de obra abundante, barata e de confiança. "Doce Laranjal" ficava próximo de Breves, cidade onde viviam algumasfamílias hebraicas, quando Barcessat chegou: Athias, Roffé, Zagury, Sarrafe,Farat, Lancry, Gabbay. Nem sempre se fazia o minyan, mas se respeitava o Iom Kipur. Na Páscoa, na impossibilidade de se realizar o seder (a céia tradicional) ao menos não se comia hametz (alimentos fermentados) e fabricava-se o vinho cerimonial, a partir de passas. NAHON E BIBICO Manassé Nahon descende, em linha direta, de dirigentes espirituais da comunidade de Tetuan. Ele nasceu em Belém, em 1933, filho de José Manassé Nahon e de Esther Namir Nahon. O pai foi, toda a sua vida, comerciante em Belém do Pará, morreu no Rio de Janeiro. Ele, Manassé, teve duas irmãs, Messody e Julia. É casado com Ieda Nahon e tem cinco filhos, José Maurício, Ester, Hugo, Emanuel e Max. Seu pai, em homenagem à mãe, Julia, mandou construir em Belém uma Vila, a Vila Julia Nahon, onde residem até hoje judeus menos afortunados. Como Bibico, por exemplo. Que trabalhava,"antigamente, na Sociedade Israelita. Depois que fiquei ruim da vista, nãopude fazer mais nada. Não posso andar sozinho na rua, nada'. Ele tem 76 anos e lembra dos tempos em que havia festas no Centro Israelita, quando se ocupava da limpeza. Bibico é de Belém mesmo, nascido no Mosqueiro. Sua mãe era de Tanger, o pai de Santarém. Bibico, na verdade Issachar Azulay, lembra com dificuldade do sobrenome da mãe, Ester Bensayad. Mas se recorda do seu "serviço" na Chevra Kadisha: "Quando tinha alguém mal, pra morrer, eu ia tomar conta até a hora de expirar. Eu rezava". Bibico lembra das rezas, do "shemá". Se emociona ainda mais com o "Shir Hashirim" que aprendeu com o pai, na sinagoga. Sultana, sua vizinha de Vila, ocupa-se de cumprir "mitzvot"na Chevra Kadisha de Belém. É ela quem prepara os corpos das mulheres falecidas. O general Isaac Nahon é de Belém, dessa tradicional família judaica. Na sucessão do General Costa e Silva, foi um dos três militares de alta patente cogitados pelo Comando da Revolução, para ocupar a presidência da República - que acabou sendo conquistada pelo General Emílio Garrastazu Médici. O General Nahon foi comandante do Exército da Amazônia. SIONISMO Se as lembranças de Bibico são repletas de religiosidade, e as de Sultana, amargas - "as pobres moças que já passaram pelas minhas mãos, no triste ritual da morte", as recordações de dona Anita Levi Soares são as melhores possíveis. Dama autêntica da mais refinada aristocracia hebraica do Amazonas, seu pai, o Major Eliezer Moisés Levi foi duas vezes prefeito de Macapá e uma vez prefeito de Afurá. O irmão Moisés Eliezer Levi foi prefeito de Igarapé Mirim. Anita conta, com orgulho, que a sua família, originária de Tanger, tem cinco gerações

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nascidas em Belém. Sua avó casou aos 13 anos, com um esposo de 25. "Ela morria de ciumes dele. Tiveram sete filhos. Eliezer Levi fundou o jornal "A Voz de Israel"e, já em 1922, era o principal líder sionista do Pará. O fato merece uma análise na medida em que, no contato com a comunidade belenense, hoje em dia, há uma procura de minimizar o sionismo. "Para nós", diz um destacado dirigente, "judaísmo é maneira de viver, é religião, é fé". Sem dúvida, mas por comodismo ou lá o que seja, busca-se escapar do nacionalismo judaico. Daí o espanto de encontrar nas comemorações do Primeiro Centenário da Independência do Brasil, em 1922, reproduzido no jornal "A Provincia do Pará", uma foto do carro alegórico e a legenda: "A Palestina livre no Brasil independente". Anita Levi vestida de azul e branco, o pai Eliezer descrito como "o fundador do sionismo no Pará" e a referência à Escola Israelita Dr.Weizzman ! A atuação do major Levi no Amapá foi amplamente destacada pela imprensa paraense e brasileira ao longo dos anos. Realizou muitas obras de engenharia, na região, inclusive o indispensável trapiche de Macapá, que leva justamente o seu nome. O irmão de Anita, já falecido, engenheiro Judá Levi, construiu o primeiro edifício de concreto armado de Belém. Foi ele ainda que concluiu as obras da sinagoga Shaar Hashamaim e traçou a planta da sinagoga de Manaus. De uma beleza serena e altiva, Anita Levi gosta de lembrar que fundou, com o primo David José Perez, o Deborah Clube, só de moças, embrião das Pioneiras e da WIZO. Seu primo, Isaac Soares, é o mais conhecido colunista social da cidade, escrevendo em O Liberal. E se chegamos à "aristocracia" judaica de Belém, é hora de falar de Leão e Isaac Israel, o primeiro nascido em 1917, o segundo em 1922. Os pais foram professores de hebraico e religião em Belém.Os avós paternos vieram de Gibraltar, os maternos de Marrocos.O avô paterno, especialmente,Leão Israel, era um judeu extremanente religioso e foi quem deu os primeiros passos no sentido da organização da comunidade como kehilá (congregação). Ele fundou a Chevra Guemilut Hassadim, comprou e organizou o velho cemitério da rua José Bonifácio e apoiou, encontrando alojamento e fornecendo até gêneros de primeira necessidade, os imigrantes, à medida em que chegavam. Era para a casa de Leão Israel que vinham as crianças do interior, para receberem educação judaica numa forma primária de escola. A firma Israel & Cia., foi uma das mais importantes da colonização. Uma bisneta de Leão Israel, Sol Ester, serviu com destaque ao exército de Israel. PARENTESCO A maioria dos judeus de Belém não conhece, ou não quer conhecer, o destino dos seus parentes mais ou menos próximos, que vivem por toda a Amazônia.Os que sabem da existência de muitos hebraicos ao longo das vilas e cidades ribeirinhas, preferem não se aprofundar no assunto. Até por que, do ponto de vista legal, da halachá (lei talmúdica) não são judeus. Para aqueles que consideram a religião como seu traço singular, é difícil descobrir laços muito próximos de parentesco com convertidos a outras religiões. Nada obstante, nos últimos anos, é muito comum que surjam nas sinagogas, especialmente nos sábados e nos dias festivos, jovens caboclos razoavelmente vestidos, com uma maleta nas mãos. São os "primos" que vão fazer exames vestibulares na capital, e procuram, é claro, o apoio de seus parentes. De um modo geral, são bem acolhidos. Do ponto de vista social e antropológico, o que se encontra é surpreendente.Um cálculo tranquilo, feito pelo rabino Hamu, nos dá uma cifra extraordinária: 50 a 60 mil descendentes de hebraicos ! Metade de TODA a população judaica do Brasil de hoje. E o que é mais interessante: em sua maioria, sabendo de suas origens e buscando alguma forma de retornar ao seio da família hebraica...

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Já o professor Samuel Benchimol acredita que os judeus-caboclos da Amazônia passem de trezentos mil ! Passeando pelo mercado tradicional de Belém do Pará, o Ver-o-Peso, o rabino Hamu é saudado por todos os populares e freqüentadores do lugar. - Rabino, macumba funciona ? A pergunta é feita por Henrique Goldman, que dirigiu em 1990 o documentário da TV italiana sobre os hebraicos da Amazônia. - Macumba, se a pessoa acredita, funciona. Numa tenda de "milagres" vendem-se genitálias de boto, ervas e garrafadas. O rabino pergunta à cabocla: - Você tem macumba pra fazer um amor voltar ? Ela diz que sim, o rabino concorda. - Você tem macumba pra melhorar o humor de uma pessoa ? Ela diz que sim, o rabino concorda. - E macumba pra ganhar dinheiro ? Ela ri, desconversa. Não, não tem macumba pra ganhar dinheiro. Hamu nasceu no início do século, num sítio entre Baião e Mocajuba, às margens do baixo Tocantins. Ele estudou na França, onde formou-se rabino. Mas sempre foi um apaixonado pela Amazônia, suas lendas e tradições. Falando de Tucuruí, no baixo Tocantins, onde se construía então a mega usina hidrelétrica, Hamu lamentava que as águas do rio iriam fazer submergir sítios arqueológicos importantes. "Na Biblioteca Nacional, no Rio", contava Hamu, "está um documento que registra a existência de uma grande povoação, muito antiga, sem sinal de moradores, a provável cidade perdida dos Muribeca, com suas minas de ouro e prata". O documento existe, realmente, é a "Relação Histórica de huma occulta, e grande Povoação antiquíssima sem moradores, que se descobriu no ano de 1753". O documento está registrado sob o número 512, e seria o relato de um explorador de nome Muribeca, que teria encontrado riquezas extraordinárias na região. Só que, preso pelas autoridades da época, esse Muribeca jamais revelou o caminho até as minas. Mas Hamu afirmava que, garoto, várias vezes passou por lugares onde havia ruínas de casas coloniais , ruas largas, minas abandonadas. "As águas do Tocantins, agora, cobrem tudo". PESSACH EM BELÉM Não posso deixar de reproduzir aqui um trecho de uma excelente crônica de Sultana Levy Rosenblatt, escritora paraense que vive hoje nos Estados Unidos, sobre suas lembranças de um Pessach, na casa paterna. Conta ela: "Nossa mesa de jantar era enorme, sempre com comensais adventícios, e nas noites de Pessach toda a parentela que não sabia rezar a Hagadah, acorria para a nossa casa". "O café da manhã, então, para compensar a falta de pão, tinha uma variedade de iguarias. A criançada detestava a matzá, geralmente dura e sem sal. Havia bolos de macacheira, tapioquinha, canjica e, infalivelmente, arroz doce, que no primeiro dia era devorado, no segundo, comido com menos gosto e, nos últimos, intocado. A semana parecia sem fim. Na rua não se podia sequer beber água. Nunca se desejava tanto sorvete e gulodices". "Até que chegava, depois da espera infinita, o dia de Mimona. Era a festa de nosso pai. Cedo ele ia ao mercado e voltava sobraçando ramos de rosas. Nós fazíamos, o dia todo, doces que não levavam trigo, "olhos de sogra" e frutinhas de castanha que eram penduradas em ramos de pintagueira decorando o centro da mesa. Ao meio dia, o trigo entrava em casa. Os pães chegavam entre aclamações, à tardinha. Mas não podiam ser tocados. Eram pães grandes, redondos, que iam para a mesa reinando entre símbolos - um jarro com leite (paz), um peixe cru (abundância), um prato com trigo e, sobre o trigo, cinco ovos e moedas de ouro

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(prosperidade), uma vasilha com trigo fermentado (que quanto mais subisse, melhor seria o próximo ano), um vaso com mel, e folhas aromáticas (em geral, hortelã) espalhadas sobre a toalha, representando a doçura e o perfume da vida. Meu vinha já noite fechada, "cheteneando", trazendo dúzias de brancos merengues, e a mesa estava pronta para Mimona, linda, bem arrumada, cheia de encantadoras superstições. A casa, de janelas e portas abertas, toda iluminada, cheia de flores. Aguentavamos a vontade de comer pão até que meu pai fizesse as respectivas orações. Nos doces não se tocava enquanto as visitas não chegassem. As visitas eram sempre grupos alegres de homens (as mulheres ficavam em casa) que saíam para cumprimentar parentes, amigos e entravam em algazarra, cantando, "a Mimona, a Shalona". Faziam votos de prosperidade em haquitia: "Ciento nueno, ciento viejo, ciento para los ainihins"... Só brincadeira. Assim era Pessach sefardita em Belém do Pará". (Sultana Levy foi considerada por Dalcidio Jurandyr como a mais importante revelação da literatura brasileira, no início dos anos 50) SANTARÉM Em Santarém, segunda cidade em importância do Pará, os Bemerguy já deixaram de ser judeus. Raimundo Eros Bemerguy, nascido em Itaituba,em 1934, tem uma vaga lembrança do avô, descrito como rabino.Já seu irmão mais velho, Elias, nascido em Anajás, em 1907, tem lembranças muito nítidas. Conta que viveu em Itaituba, dos 5 anos até 1928, quando se transferiu para Fordlândia. Registra que eram, ao todo, 16 irmãos, e que o pai, Vital, "sempre seguiu a religião judaica'. Sua irmã Ester também, casando-se com Isaac Mendes. Elias lembra de mais detalhes: seu pai foi casado três vezes: a primeira, ainda em Tetuan, daí nascendo três filhos; do segundo casamento, teve 13 filhos. O terceiro casamento durou até a sua morte. Vital prescrevia ervas e remédios homeopáticos, realizava casamentos dentro do rito e batizava."Meu pai era meio rabino". Até 1919, o comércio em Itaituba era inteiramente judaico. Em Santarém,ainda, Flávio Flamarion Serique, deitado na rede e lambendo os beiços com um sorvete de graviola, mostra que tem boa memória. Ele nasceu em 22 de dezembro de 1899, em Boim, distrito de Santarém. Seu pai era Júlio Serique, nascido em Tanger e que chegou a Boim aos 17 anos. Foi casado duas vezes, a primeira com a judia Ester Azancor Serique, a segunda com a católica Umbelina Ferreira Serique, natural do Crato, Ceará. Com a primeira mulher, teve seis filhos, "todos judeus conforme a Lei": José, Moisés, Israel, David, Simi e Rica. Com a segunda, Elias Garibaldi Serique, Flávio Flamarion Serique, Daniel Cristovão Serique e Carlos Fernandes Serique, Coronel do Exército. Flávio foi seringueiro, lavrador, empregado e, aos 22 anos, entrou para o exército, onde seguiu carreira. Ele se recorda bem dos amigos do pai, especialmente Jacob Cohen, Abrahão Cohen, Abraão Benaion, Abrão Serrulha, os Azulay, os Benchimol. Flávio sabe, inclusive, que a pronúncia correta do seu nome Serique é Echerique. "Meu pai, conta ele, era o chacham, uma espécie de rabino, que atendia a todos em nossa casa. Até os 90 anos, rezava de cor e cumpria diariamente os preceitos". Flávio lembra que, um dia, seu pai foi até a pista de vôo de Santarém para, literalmente, tirar Jacob Serruya de um avião, para completar um minyan: era necessário para o enterro de Jayme Assayag. O que não aprendeu com o pai, Flávio aprendeu com a prima, Sol Nahmias, nos 12 anos em que viveu em Belém. "Com ela, aprendi a meldar (rezar)". No período em que viveu no Rio de Janeiro, Flávio contribuía para a Sinagoga da União Shel Guemilut Hassadim (a mais antiga do Rio, de 1848, em Botafogo). Ele nos repete brachot (bençãos) com pronúncia perfeita. Os filhos de Flávio não comem carne de porco ou peixe sem escamas. Foi casado duas vezes. Do primeiro casamento, não teve filhos. Do segundo, com Olindina Castro Serique, teve oito filhos, todos com curso superior. Faz política em Santarém, vereador em várias legislaturas. Ele

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conta, com detalhes, a dramática história de Jacob Cohen, homem que foi extremamente rico e poderoso, e que se arruinou por completo, "tornando-se vegetariano porque não tinha dinheiro para comprar carne". Conta como ele ajudou Jacob a se recuperar, com o apoio também de um cunhado da Argentina. No fim da vida, Jacob voltou a arruinar-se. Flávio Serique "tem pavor de padre" e guarda curiosas lembranças do interventor Barata (Magalhães Barata), de quem foi amigo e adversário político. "Se o Barata fosse vivo", comenta ele a propósito das eleições, "os padres que apoiaram o PMDB estariam todos na cadeia"... O sobrinho de Flávio, Rui Serique, é filho do hebraico Moisés Julio Serique, e da católica Ana Sirottheau Serique, ambos de Santarém. Ele se lembra do pai, comemorando as "páscoas" em casa de David Azulay e faz questão de recordar que ele morreu "dentro do rito". Rui lembra ainda, brincando, que quando era criança, "furava" o Iom Kipur, roubando (e comendo) galinhas, para desespero do pai. Quando terminou a Guerra de Secessão, nos EUA, americanos insatisfeitos com a derrota para os nortistas emigraram para o Brasil, onde se estabeleceram em duas cidades: Americana, em São Paulo, e Santarém, em Belém do Pará. Descendentes daqueles americanos, na Amazônia, protestantes, aproximaram-se dos hebraicos, até por afinidade de minorias discriminadas. Não foram raros os casamentos entre judeus e americanos, e muitos de seus descendentes até hoje vivem em Santarém, onde os rios Tapajós e Amazonas correm paralelamente, sem se misturar, e o tucunaré é o rei dos peixes. FORDLÂNDIA

Numa pequena habitação de madeira, em Santarém, logo depois do cemitério, vive Olga Cohen. Ela nasceu em Fordlândia, em 1932, filha de Jacob Salomão Cohen e de Joaquina Moura Cohen, ele de Tanger, ela de Portugal. Os pais de Olga e mais os tios Fortunato e Abrahão vieram para Aveiro, onde se estabeleceram por muitos anos. A primeira esposa de Jacob morreu no parto,deixando oito filhos. Do segundo casamento, nasceram nove filhos, entre

eles Olga. Ela, por sua vez, casou-se, teve quatro filhos e logo separou-se, "por questões de religião". O filho mais velho trabalha em Alenquer, numa

oficina mecânica, Salomão Cohen Neto. O segundo é gerente do Banco da Amazônia, em Rurópolis, Samuel Cohen Neto. Sergio Jacob Cohen Neto estuda e Sandar Suely Cohen Neto é casada com o dono da Padaria Progresso, em Santarém. A casa de Olga é simples, despojada. Mas a pose é de grande dama. Olga fala com firmeza e orgulho. Não gosta da palavra sacrifício, mas dedicou a vida aos filhos. E deles teve todas as satisfações. Não tem queixas. Quando o pai faleceu, Manassé Nahon e o filho mais velho de Fortunato Serruya lavaram o corpo com água de alfazema, costuraram a mortalha e o sepultaram de acordo com o rito mosaico. "Manassé e o filho dos Serruya estavam do meu lado e disseram o "shemá". Estou tranqüila". O que diz a halachá a respeito de Olga Cohen ? Ao longo da história, o processo de desenvolvimento da Amazônia foi caracterizado pelo ritmo irregular da colonização, fruto de ciclos exploratórios: o período áureo da borracha, por exemplo, gerou em 1928 a fundação de Fordlândia, onde se pretendeu cultivar racionalmente a seringueira. O projeto de Henry Ford fracassou, suas ruínas são hoje visitadas por turistas interessados em conhecer uma verdadeira cidade-fantasma. O nome, hoje, é Belterra - o da

Fordlândia hoje casa dos engenheiros

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principal fazenda da Ford, e onde viveram dezenas de hebraicos, com sua escola, cemitério e sinagoga. Fordlândia ou Belterra, como é conhecida hoje, é uma cidade parada no tempo. Um lugar onde a selva amazônica ameaça engolir as belas casas da década de 20, o velho hospital, o porto e a imensa caixa d'água, símbolo do poder da Ford no ciclo da borracha. Mas sua população ainda luta contra o esquecimento e, todos os dias, realimenta as lembranças de uma era de ouro. Localizada a 12 horas de barco de Santarém, no Pará, e praticamente perdida no meio da mata, a cidade foi sede de um projeto ambicioso de Henry Ford, criador da multinacional automobilística e um dos maiores consumidores de borracha no mundo. Em 1928, ele escolheu o lugar para o cultivo de cerca de 1,5 milhão de seringueiras. O projeto era tão ambicioso que Ford implantou um padrão de qualidade de vida compatível com qualquer cidade dos Estados Unidos. Em uma época que água tratada e energia elétrica eram raridade mesmo em grandes cidades brasileiras, Fordlândia era um oásis de modernidade. Possuía hospital, escolas, telégrafo, telefone e até cinema. Fordlândia/Belterra está parada no tempo. A cidade chegou a ser quase um Estado americano em plena selva, até suas leis eram as mesmas dos Estados Unidos. Além disso, abrigou 6 mil moradores. Hoje, cerca de 800 pessoas vivem lá, aproveitando benfeitorias realizadas há mais de 70 anos. Em 1947, um fungo pôs fim ao progresso de Fordlândia. Como as mudas de seringueiras tinham sido trazidas da Ásia, as espécies não estavam preparadas para reagir aos fungos brasileiros e lavoura foi toda destruída. Assim, a Ford entregou Fordlândia para o governo brasileiro e transferiu o projeto para outra cidade do norte do País. Mesmo sem função, Fordlândia resiste. As poucas pessoas que ficaram são, na maioria, aposentados, que vivem literalmente de lembranças. Dona América, de 87 anos; Bispo, de 91; Dona Olinda, de 89, e vários outros, contam essa história que ainda não terminou. Percorremos as ruas da cidade, chegamos à Vila Americana, onde os técnicos norte-americanos moravam. Sobraram poucas casas da época. Em uma das que ainda resistem, encontramos uma bandeira dos Estados Unidos quase destruída pelo tempo. ITACOATIARA "Terra que não tem judeu, acaba", sentencia Chunito. É o apelido de Rubens José Ezague, 74 anos, o último judeu de Itacoatiara. Em 1980, ele deixou a cidade, transferindo-se para Manaus. Vive e trabalha num bar típico do Amazonas, um barraco de madeira, onde se bebe cerveja, petica-se, joga-se dominó e aceitam-se apostas do jogo do bicho. Chunito nasceu em Itacoatiara em 1909. Nos bons tempos, dedicava-se ao comércio, viajando com o seu regatão pelo interior. Ele lembra que havia minyamim, antigamente, na casa de Ester Ezague, sua prima. E como todos os que um dia viveram ou tiveram negócios em Itacoatiara, ele lembra, com saudades, de Isaac Leon Peres. Que foi uma figura, sem dúvida. Irmão de David José Peres, o intelectual que editou, em 1916, o primeiro jornal judaico em língua portuguesa - A COLUMNA -, Isaac foi eleito Prefeito de Itacoatiara. E a vila, que não passava de um barranco, transformou-se, sob a sua administração, numa bela cidade, moderna e ativa. Está na memória de todo o Amazonas. O filho de Isaac formou-se em Paris, em química industrial. Na viagem de regresso ao Brasil, contraiu febre amarela e morreu. Não havia cemitério judaico em Manaus; ele o conseguiu das autoridades. O túmulo de seu filho é o primeiro que se encontra, quando se entra no campo santo. E Isaac Peres nunca mais saiu de Manaus, para ficar perto do túmulo de seu filho.

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Leão Pacífico Esaguy nasceu em Itacoatiara em 1918. Naquela época, o principal negócio dos judeus era venda e troca de castanhas, peles e pedras preciosas. Seu pai veio de Cabo Verde e sua mãe de Tanger. Seu pai, que veio ao Brasil com onze anos, enriqueceu com a borracha e a castanha, e foi a Lisboa para casar. Não pensava em regressar ao Brasil, mas o fato é que, rapidamente, dissipou a pequena fortuna que construíra, provavelmente afetado pela desastrada política econômica do governo português, logo após a Primeira Guerra. Leão publicou, em São Paulo, um livro de contos, em 1981 -"Contos Amazonenses" - onde narra muitas histórias envolvendo os judeus e a selva amazônica.É interessante reproduzir aqui a oração pronunciada por uma personagem judia, diante da ameaça real de uma onça, no conto "Satã, o Felino Maldito": "A Deus, que abeberou o meu espírito de tanta sede de beleza e harmonia, que como cibo (alimento) da minha mente me deu o pasto imenso da majestosa mataria amazônica e que embalou toda a minha estrutura sentimental, desde a minha infância, ao cantochão melodioso e grave das águas cantantes dos igarapés, que formou a minha personalidade sob o influxo da majestática grandeza do ambiente dela, que me fez um homem simplório, despretencioso e sentimental graças a Deus". Hoje, graças à soja, Itacoatiara revive em função de um terminal onde chega e é exportado em grande escala aquele grão. Mas, aparentemente, os judeus (ainda) não regressaram à cidade. O ‘SANTO’ A comunidade judaica de Manaus, embora proceda do mesmo tronco que formou a de Belém, é diferente. Judeus de Tanger e Tetuan criaram a primeira sinagoga de verdade em 1925, a esnoga Beth Yacov, na avenida 13 de Maio. Um segundo templo só veio a surgir em 1950, a Rebi Meyr, na praça 15 de Novembro. Só muitos anos depois, em 1962, as duas se uniram na Sinagoga Beth Yacov/Rebi Meyr, na rua Leonardo Malcher, 630, por inspiração do então líder da comunidade, Isaac Israel Benchimol. O Comitê Israelita do Amazonas foi fundado em Manaus em 15 de julho de 1929. Seu primeiro presidente foi Raphael Benoliel, proprietário da então mais rica e próspera firma exportadora e de aviamentos para o interior. A Sinagoga, hoje (1983) só funciona no shabat e nos dias festivos. Há um clube moderno, praticamente construído por um homem só - e que é uma lenda viva na Amazônia, Samuel Benchimol. No shabat, gente boa e agradável participa do rito simples e simpático. Não há rabino em Manaus (em 1983). Quem cuida do culto é Moisés Elmescany (seu pai, genro de dona Ricca Hamoy, de Óbidos). Ele foi formado "shaliach" na comunidade de Belém. Não tinha 30 anos, em 1983. Antes dele, do rabinito como é chamado, de 1972 a 1981, a comunidade foi dirigida, religiosamente, pelo hoje médico Isaac Dahan, nascido em Alenquer em 1948. Nada menos que o sobrinho de Abraham Fima, primo de Max Fima, o judeu preto... Em 1972, ele foi convidado a cantar em Manaus, no Rosh Hashaná e no Iom Kipur. Seu pai, Shalom, já estava cego e Isaac era "os olhos de meu pai". Assim mesmo,convidado pela comunidade a ficar e a cuidar de sua orientação, aceitou quase que por imposição paterna. "Criamos o segundo seder de Pessach em Manaus. É o único dia, no ano, em que tudo é casher nesta comunidade". Em 1974, Isaac foi a Israel e do seu contato com a Agência Judaica surgiu uma revitalização comunitária. Vários jovens de Manaus foram estudar no Seminário (Yeshivá) de Petrópolis, outros foram e ficaram em Israel. Em 1983, foi iniciado um censo da comunidade. Isaac

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assinala que, durante quarenta anos,os judeus de Manaus se distanciaram das tradições religiosas.

Desde então, há um trabalho de recuperação em andamento. Há apoio do rabinato liberal do Rio de Janeiro (ARI), com vistas à reintegração dos hebraicos. "Gente casada há 15 ou 20 anos regularizou a sua situação com o saudoso rabino Lemle e depois com os rabinos que o sucederam". Em 1976, na gestão de Samuel Isaac Benchimol, foi fundado o Clube A Hebraica, na avenida Joaquim Nabuco, 1842.

Dahan conta que, até os anos 80, os sepultamentos judaicos em Manaus eram feitos exclusivamente com a mortalha. "Lembro de um dia chuvoso em que o corpo escorregou e caiu. Foi um desastre". Desse dia em diante, Isaac "reinterpretou"a Lei e hoje se enterra com caixão de fundo falso.

Manaus contribui para o folclore judaico do Brasil de forma destacada. No cemitério cristão, há dezenas de túmulos de judeus. Não são poucos os túmulos de jovens moças, geralmente ashkenazis, de profissão duvidosa, prostitutas. Em compensação, há o túmulo de um santo extremamente popular entre os goyim, e que foi reformado em 1982 por alguém que recebeu uma extraordinária graça.

O santo é o reb Shalom H. Moyal, mais conhecido na cidade como o "santo Moisézinho". Nos jornais, diariamente, há pequenos anúncios com "graças alcançadas". No cemitério, junto ao túmulo, dezenas de placas, muitas velas, flores e as inevitáveis pedrinhas. Os gentios aprenderam a deixar pedras sobre o túmulo.

Reb Moyal veio a Manaus em março de 1910 para fazer tsedaká, angariar fundos para a caridade. A gripe espanhola grassava e ele foi uma de suas vítimas. O curioso é que, depois de morto, quase criou um sério problema para os judeus de Manaus. É que sendo de família importante em Israel (um sobrinho, Ely Moyal, foi vice-ministro das Comunicações), pretendeu-se remover os seus restos mortais para a Terra Santa. Isto iria criar sérios problemas com os manauaras. Os parentes israelenses foram discretamente alertados para a necessidade de se deixar o santo, bendito seja, em paz, aqui, realizando o seu nobre e desinteressado trabalho...

MAUÉS

O calor é intenso, busca-se um pequeno hotel. Depois, um bar onde se possa comer um peixe, beber uma cerveja. O bar, Panorama,é o indicado, ao lado da praia das Maresias. Cai-se na água, há uma sensação de alívio. Do lado, fundeado, um barco, o "Levy III".

Come-se o peixe, tranqüilamente. Pede-se a nota e a surpresa: "Bar Panorama, de Samuel Levy". O rapaz que faz de garçon dá as informações: o barco, o bar, são do Levy. E Levy é hebraico, mora na casa ao lado.

É uma casa de madeira, ampla, arejada, pintada de amarelo. Os Levy lá estão, crianças por entre as pernas, aguardando a nossa visita. De uma forma ou de outra, já sabiam que iríamos visitá-los. E surgem os álbuns de fotografias, os refrescos, as informações.

Samuel e Moysés Levy nasceram ali mesmo, em Maués,o primeiro em 1928, o segundo em 1937. São sete irmãos, ao todo. Os pais, Isaac Moisés Levy e Candida Ferreira Gato. Ele de Tanger, ela de Maués. Antes de chegar a Maués, em 1926, viveu em Marapanim. Veio com Salvador Abecassis, seu cunhado.

Faleceu Isaac aos 80 anos, deixando 40 netos e 6 bisnetos. A que se dedicava ? Agricultura, pecuária e comércio de guaraná. Claro,pesca também. O restaurante já foi invenção dos filhos.

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Os Levy cultivam em 18 hectares pés de guaraná com mais de oitenta anos de produção. Toda a produção é artesanal e a família de hebraicos está intimamente ligada à produção da fruta que fez a fama de Maués como a capital do guaraná.

Isaac Levy seguia a religião, jejuava, fazia as páscoas. Alguns dos filhos seguem os preceitos, outros, nem tanto. - O rio é tudo no Amazonas, diz o jovem Abrahão Levy. É a estrada que comunica as casas e as pessoas. É por onde trafega a economia. É de onde a gente retira o alimento básico, o peixe. Foi ao longo desses rios, imensos e largos e profundos, que nós, judeus, nos instalamos e criamos nossos negócios e nossas famílias. O rio, enfatiza, é a única possibilidade da região. Abrahão é casado com uma nissei, Sumoto, filha do "seo" Pedro. Nem porisso se sente menos judeu. Pretende, até, construir uma sinagoga em Maués. Mas, enquanto isto não acontece, vai tocando um novo negócio da família Levy:

- O jogo do bicho. É uma loteria popular, muito difundida no Brasil e absolutamente ilegal. A gente

contribui com as obras sociais e dá uma grana para a polícia. Samuel e Moysés Levy, caboclos inteligentes, contam a história dos hebraicos de Maués. Dos Abecassis, dos Benchaia, dos Belezrah, dos Pinto, dos Hatchwell, dos Assayag. São discretos ao comentar um crime de morte, onde um genro matou o sogro por questões de negócio e reservam a melhor informação para o final, como convém: "vamos visitar dona Mazal". E quem é dona Mazal ? - Ora, simplesmente a filha do finado Isaac Sayag Aboab, natural de Tanger e descendente, em linha direta, do rabino Isaac Aboab da Fonseca, o primeiro rabino do Brasil ! A sensação é a de que estamos sendo enganados. Afinal de contas, como veio Aboab da Fonseca aparecer ali ? Moysés Levy não se perturba. Sabe da expulsão dos holandeses em 1654 e dos judeus da Congregação Zur Israel, no Recife. Sabe dos caminhos do rabino Isaac Aboab (sabe até que ele participou do processo de excomunhão contra Spinoza !) e afirma que seu pai lhe contou a história de como, onde e quando descendentes do rabino foram parar em Tanger e Tetuan. E assim, Isaac Sayeg Aboab veio parar em Maués, aí casou com uma cabocla do Arari e produziu três filhos, entre eles Mazal, que cozinhava para a comunidade, nas páscoas. E lá vamos nós conversar com dona Mazal Aboab, nascida no Arari em 1909, uma mulher extremamente simpática, inteligente e ágil para a sua idade. Mazal confirma tudo. Ela sabe quem foi o antepassado ilustre, corrige a informação de que seu pai era casado - "ele só ajuntou, a mãe não era da nação"- e explica que recebeu educação formal judaica. Aprendeu a cozinhar rigorosamente dentro dos preceitos da cashrut e ainda hoje prepara uma dafina (prato típico da culinária judaica marroquina) de dar água na boca ! Vamos ao cemitério de Maués ver os túmulos. Não somos necrófilos, mas a pesquisa exige. Não encontramos o túmulo de Aboab. Moysés o localiza e nota que não há uma matzeiva.Imediatamente, dá ordens para que uma pedra seja construída. Decide conosco o que vai escrever nela. E informa Mazal de sua ação. Ela concorda, feliz. Sim, o pai terá a sua matzeiva, coisa que ela não providenciaram até então por absoluta falta de recursos.

"Uma família, de nome Levy, proprietária de uma companhia de barcos fluviais."

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Em Maués, ainda hoje, há um costume interessante. Do anoitecer de sexta feira ao anoitecer de sábado, fecha todo o comércio local. Mas, não há prejuízos: o comércio reabre na noite de sábado e é o melhor dia da semana, garantem os negociantes...

O ÚLTIMO MARROQUINO

Albert Moise Abecassis é, provavelmente, o último judeu nascido no Marrocos que ainda vive na Amazônia. Descendente direito de uma personagem dramática na história dos judeus de Tânger: Solica la Tzadiká, Solica a Justa. Da família dos Hatchwell (Hachuel), aos 14 anos, em 19834, quando se iniciava a emigração dos judeus marroquinos para a Amazônia, o sultão Muley Abderrahman encantou-se com a menina e pediu-a em casamento, claro, convertida ao Islã. Ela se recusou, foi perseguida, torturada e decapitada. Esse episódio, por si só, provocou uma onda de emigração de judeus para a Amazônia e para Gibraltar.

A história de Abecassis é idêntica a da maioria dos seus amigos e conterrâneos. Ele veio de Tânger diretamente para Maués, onde seu pai já vivia,em 1946. Ali ficou até o final da década de 70. Ele conta: "Vim para o Brasil com 18 anos de idade, fui educado no Marrocos". Seu pai vivia há muitos anos no Brasil, mas viajava com frequência ao Marrocos, seja para ver a família, seja para fazer negócios. A mãe de Albert recusava-se a emigrar - seu irmão Moise havia sido assassinado em Maués. Era casado com uma portuguesa e teve oito filhos. Depois de assassinado, os filhos abandonaram os vínculos com o judaísmo, sobrando apenas os seus nomes: Raquel, Rivka, Haim, David...

Moise Albert ainda mantém (em 2003) vínculos com familiares no Marrocos. Mais precisamente, com Tânger, onde ainda vivem,segundo ele calcula, perto de 200 judeus.

Hoje ele vive em Manaus, trabalhando na exportação de castanhas e guaraná. Mas recorda que havia antisemitismo em Maués, especialmente nas proximidades da Semana Santa.

CIRCUNCISÃO

Em Óbidos, tivemos a oportunidade de ver de perto velhos instrumentos de pedra, utilizados para a circuncisão dos meninos judeus em épocas antigas.

Vale a pena reproduzir uma cena emocionante, narrada pela escritora Sultana Levi, em texto que nos foi entregue por sua prima Anita Levi Soares: "Estava de compras com uma prima, quando ela lembrou que devia ir a uma sinagoga improvisada (no Marajó), onde umas crianças vindas do interior iam ser circuncisadas, e fui com ela. Para minha surpresa, os meninos deviam ter de 9 a 12 anos. Eram três. E os três se aconchegavam um ao outro, calados, trêmulos de medo. Quando um velho de queixo comprido, contando os presentes, anunciou: - Já temos minyam, vamos começar. Desencadeou-se uma verdadeira tourada, ou "com que se prende o touro". Os meninos corriam, gritando, proferindo palavrões, defendendo com as mãos o lugar a ser operado, repetindo, "não me cape, seu desgraçado, seu filho da puta, não me cape". E os homens rindo, corriam atrás, cercavam, fechavam a saída nas portas, até conseguirem agarrar os três. De pés atados, ao som das orações próprias, foram circuncisados, diante de todos e sem qualquer anestesia. Minha prima era chachamá (sábia, estudiosa). Era descendente do grande rabino Eliezer Dabela, de quem herdou poderes sobrenaturais. Sua presença ao ato era necessária, porque ela tinha o dom de acalmar dores com a força de suas preces. Eu me escondi na outra sala, apavorada. Mas não ouvi gritos, pelo contrário, sons de alegria. Dentro em pouco, tudo estava terminado. Quando vieram me chamar para tomar parte na festa, fiquei surpreendida ao ver os três garotos comendo e bebendo entre os convivas.Já então sorriam e pareciam felizes. É que, mesmo vivendo no interior, na selva, eles aspiravam por este dia. Sentiam orgulho de ser judeus. Mas este orgulho não nasceu da liberdade de religião prometida aos imigrantes. Absolutamente. Eles tinham que lutar para manter o seu judaísmo".

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GUAJARÁ-MIRIM Em Guajará-Mirim, na fronteira com a Bolívia, encontramos David d'Israel. É um homem velho, nascido em 1900. Judeu, "não como querem os homens, mas como manda a Lei de Deus". Seu pai, Menahem, nasceu em Tebas, no Egito. Sua mãe, Ricca, na Europa, mas ele não lembra onde. Ele mesmo é natural de Borba, no Amazonas, e serviu ao Exército brasileiro. Teve três filhos, um deles vive em São Paulo, tem uma neta. Vive em Guajará Mirim desde 1940, na companhia de Sarah Azulay. Criou o filho de Sarah, Abrão, vereador por três legislaturas seguidas, chegou a presidente da Câmara. A história de David d'Israel é confusa, estranha. Ele vive mal, em condições precárias, há dona Sarah, netos e netas que ninguém sabe exatamente de quem são, nem convém perguntar muito. Enxerga mal, mas ouve o noticiário da televisão. Considera-se um profeta de Israel e amaldiçoa os rabinos. E quando a gente se convence de que está louco, atravessa a rua, entra no banco e renova uma excelente aplicação no open-market... Nessa mesma Guajará Mirim, de 25 mil habitantes e onde se tropeça nos dormentes da estrada de ferro Madeira-Mamoré (cada dormente custou uma vida humana), o extraordinário complexo industrial-comercial criado por Saul Bennesby, nascido em 1888 em Casablanca.Saul foi trazido ao Brasil pelo tio, em 1914 já estava em Manaus. Em 1916, fazia o regatão nos rios Juruá, Machado, foz do Madeira. Entre 1937 e 1938, estabeleceu-se em Abunã. Casou-se com Estrela Salgado, ela morreu de parto deixando o filho, Moisés. Saul casou-se com a cunhada, Anna, e com ela teve mais sete filhos.No total, 22 netos. Bennesby foi representante do importante grupo empresarial I.B.Sabbá. Hoje, o grupo Bennesby emprega diretamente 2.300 pessoas no Acre, Rondônia, Rio de Janeiro e São Paulo. Possui várias concessionárias da GM, usinas de beneficiamento da borracha e castanha,empresas de construção, indústrias de cerâmica e madeira, projetos agropecuários. Isaac Bennesby, que comanda a operação em Guajará-Mirim, está na política, presidiu o antigo PDS, foi suplente de senador. Ele sorri, posa ao lado do sernambi na mais moderna fábrica de borracha do mundo.Para ele, a brachá do menino bar mitzvando em Tetuan, deu absolutamente certo: parnassá tová. OS HEBRAICOS DO MARROCOS "Ao longo das semanas que permaneci no Marrocos, não tentei aprender árabe nem os dialetos berberes. Não quís perder nada do poder exótico de seus gritos. Queria ser atingido por eles, tal como eram, sem enfraquecê-los devido a um saber artificial e insuficiente. Mas restou-me a palavra Alá e esta eu não pude evitar".

(Elias Canetti, VOZES DE MARRAKECH, L & PM Editores, 1987) Nossa exposição no Museu da Diáspora, transportada para várias capitais européias, repercutiu na imprensa mundial, e alcançou o governo de Rabat: o rei Hassan V, pela seu embaixador em Brasília, Mohamed Larbi Messari, convidou-nos a prosseguir nosso trabalho de pesquisa sobre os hebraicos da Amazônia no seu local de origem, o Marrocos. Assim, em 1988, uma equipe de TV, liderada pelo cineasta Fábio Golombek e por mim, saiu do Brasil no dia 18 de novembro, e percorreu o Marrocos de norte a sul.

Em Guajará Mirim, David d'Israel e neto

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Nada obstante, já no início da viagem, uma coisa ficou clara: a "ponta"que se pretendia encontrar no país norte-africano não seria encontrada ali - ela deveria ser procurada, sim, em Israel, para onde se dirigiu, a partir de 1948, a comunidade judaica marroquina. Ainda assim, continuam vivendo no Marrocos ao redor de cinco mil judeus. Vários deles, e de suas instituições, foram entrevistados em Fez, Marrakesh e, sobretudo, em Tetuan e Casablanca. No Marrocos, a judiaria continua existindo, o mellah fica ao lado do palácio real e é protegido pelo rei. Os cemitérios, sobretudo o de Tetuan, estão bem cuidados e respeitados. Participamos de um culto de shabat, em Tetuan, numa sinagoga bem instalada - só que, externamente, aparentava ser uma casa de família. Havia na ocasião, e aparentemente continua havendo hoje, um interesse genuíno do governo real em atrair a simpatia, a boa vontade e sobretudo, investimentos empresariais, dos judeus de origem marroquina espalhados pelo mundo. O Direito Islâmico prevalece no país, mas os judeus são regidos pelo Direito Talmúdico. Os jornais, em seus cabeçalhos, apresentam as datas dos calendários muçulmano, cristão e judaico. Nos dias mais solenes do judaísmo, o príncipe herdeiro Abdullah, hoje rei, participava das cerimônias, inclusive jejuando no Iom Kipur. O documentário "Marrocos, uma nova África" foi realizado e mostra esse país interessante.É uma viagem aos mais diferentes aspectos de um povo que enfrenta a contradição entre a tradição e a modernidade. É um país pobre, mas de uma pobreza digna. Quem chega ao Marrocos, vindo de um país tropical como o Brasil, leva uma cacetada logo de cara. Não é apenas a visão do exótico, mas uma experiência que nos atinge em todos os sentidos. É um festival de sons, formas, cores, que nos acompanham em todas as cidades, vilas e povoados. E nos obrigam a rever e redefinir conceitos e referências. De imediato, um mundo bíblico. Camelos e burricos nas areias do deserto, nos contrafortes do Monte Atlas. Montanhas cujo cume está coberto de neve. Vales verdejantes, planícies arenosas que se estendem até a beira-mar, nas costas do Atlântico e, sobretudo, do Mediterrâneo. De vez em quando, um grito no ar. Na paz das noites e das madrugadas, quase um murmúrio. De dia, forte e claro. É a voz do muezim, chamando os fiéis muçulmanos à oração, à abstinência, à procura de perfeição divina. Alá, o nome ressoa por todos os lados. É impossível compreender o Marrocos sem o Islã, sem a sua visão de Deus, do homem e do mundo. O Islã fez florescer no norte da África uma cultura esplêndida. Neste cenário, vamos encontrar os hebraicos. Vamos conhecer, de imediato, contrariando todos os nossos preconceitos e preocupações, um país onde o Corão determinou o espírito de abertura e de tolerância. O Corão que rege o dia-a-dia dos marroquinos e que recomenda que sejam respeitados e protegidos os povos do Livro - dos herdeiros da fé de Abraão/Ibrahim. COLONIZAÇÃO Em 1894, quando a colonização francesa na África ocidental estava por começar, diversos projetos envolvendo os imensos territórios do que hoje é o Marrocos, Argélia, Tunisia, Saara, foram discutidos e elaborados em Paris. Um destes projetos visava instalar os judeus do Marrocos no Senegal e no Sudão. O empresário Jules Forest, foi a Mogador e, com o apoio da Aliança Francesa, organizou um grupo pioneiro de dez jovens, solteiros, com a idade variando entre 19 e 31 anos, sabendo ler e escrever francês, ou inglês, ou espanhol.

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Nada obstante, este projeto não saiu dos papéis, mas serve para ilustrar o cenário em que se iniciou a saga dos hebraicos da Amazônia. Ao contrário do que muitas fontes insistem em registrar, não era cômoda ou tranqüila a vida dos judeus no Marrocos, no final do século 19. Por isso mesmo, os jovens sonhavam em buscar, além fronteiras, riqueza e segurança. Falando do projeto francês, que fracassou, o então residente-geral da França, Ferdinand Suhard, esclarece, num memorando a Paris: "É importante registrar que não se trata de marroquinos, mas de jovens judeus de Mogador e que se trata de raças diferentes. Os judeus do Marrocos emigram frequentemente para a América do Sul, regressam após alguns anos ao Marrocos depois de adquirirem a nacionalidade brasileira. Não estando mais submetidos às leis do Marrocos, podem se dedicar a qualquer ramo de atividade, explorando a população árabe. Felicitamos a Aliança Francesa por sua feliz iniciativa de salvar os jovens do fanatismo e da estreiteza de espírito do mellah, mas eu duvido que possamos fazer destes colonos que são sem dúvida inteligentes (todos os judeus são inteligentes), mas não tem dinheiro ou conhecimentos, se insistirão em regressar para morrer no Marrocos". As atitudes dos judeus marroquinos face à penetração européia, que surge e se intensifica ao final do século 19, foram, no mínimo, complexas. Os que receberam das escolas da Aliança Israelita Universal uma primeira formação ocidental, acolheram a chegada das tropas francesas com entusiasmo. Em 1912, em Marrakech, a divisão comandada pelo general Laperrine foi recepcionada por estudantes judeus cantando a Marselhesa... Uma parte importante, mais tradicionalista, manteve suas reservas. Habituados, há séculos, a tratar com as lideranças árabes e bérberes, professando um judaísmo antigo, místico e supersticioso, não via com bons olhos o racionalismo francês e não confiava na cidadania francesa outorgada pela Revolução de 1792. Pode-se dizer, até, que resignavam-se de boa vontade às restrições impostas pelos árabes. Eram apelidados, pejorativamente, de os "béni-oui-oui". E viviam mal, nos mellah, sem grandes perspectivas. Enquanto isto, o tratado do protetorado assinado em Fez em 30 de março de 1912, entre o representante francês em Tanger e o sultão Moulay-Hadid, situa-se na linha de uma série de tratados diplomáticos firmados durante a segunda metade do século 19, pelas grandes potências que passaram a ocupar, na realidade, o Marrocos. O acordo de Fez dava ao Moulay-Hadid uma certa soberania nos territórios "protegidos" pela França, mas criava um sistema complexo de competências: a do sultão e a do residente-geral. A Espanha instalou-se na zona norte do território, dividindo o poder com um califa designado pelo sultão. Como se observa, um cenário propício ao êxodo dos jovens judeus. OS ESPANHÓIS SEM PÁTRIA O êxodo dos judeus ibéricos em 1492, expulsos pelos reis da Espanha, e em 1496 por D.Manuel, de Portugal, é uma das páginas mais dramáticas da história do povo judeu. Expulsos da península, onde sofreram durante séculos torturas, massacres e humilhações, a sua transferência para o Marrocos não foi mais que uma seqüencia de sofrimentos e atribulações. Confinados nos mellahs de Fez, Tetuan, Marrakech, passaram a sofrer toda a sorte de humilhações, confisco de bens - e massacres. Os expulsos escolheram o Marrocos, antes de mais nada, pela proximidade geográfica. Basta olhar o mapa. Depois, o idioma também contou como ponto importante: o espanhol era a língua franca do nordeste marroquino, o português era muito difundido por ser o idioma dos comerciantes. A hakitia, finamente, uma mistura de espanhol, português, hebraico e árabe, também facilitava (aparentemente) a inclusão no mundo marroquino.

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Os sefarditas instalaram-se em Tetuan, Tanger, Fez, Rabat, Salé,Marrakech, Arcila, Larache, Ceuta e Melila. Durante uns trezentos anos, doze gerações, viveram nas vilas e povoados, isolados e discriminados, não apenas pelos árabes e bérberes, mas até por seus irmãos tochabim, isto é, os nativos. Um documento reproduzido pela Encyclopedia Judaica (Jerusalém, 1996), registra que "os expulsos - megorachim, trazem consigo a língua castelhana, sua ciência, suas instituições comunitárias, usos e costumes, seu espírito empreendedor, que fazem deles em relação aos tochabim - judeus nativos, moradores e autóctones - um grupo social dominante: a elite cultural e a burguesia dos notáveis que desempenharão um grande papel nos domínios do comércio, das finanças e da diplomacia". É deste grupo de sefarditas (que no cemitério de Tetuan ocupam uma ala distinta da dos tochabim) que vão sair, a partir de 1810, os quase quatro mil judeus que vieram tentar a sorte na Amazônia, um pouco antes e logo depois do boom do ciclo da borracha. Como registra Samuel Benchimol em Eretz Amazônia (Manaus, 1998), "o êxodo dos judeus marroquinos é explicado pelos diferentes fatores de expulsão: pobreza, fome, perseguição, discriminação, destruição de sinagogas, como de forças de atração e favorecimento, tanto de ordem política e econômica oferecidos pelo Brasil e Amazônia, como a abertura de portos, tratados de aliança e amizade, extinção da Inquisição, liberdade de culto, abertura do rio Amazonas à navegação exterior e outros elementos que contribuíram para buscar a Amazônia - a nova terra da Promissão, a Eretz Amazônia". MIMONA Este é um texto de Elie Benchetrit, autor marroquino, que recorda um dos aspectos da Mimona, tal qual ela era comemorada nos anos 60, em Tanger e no norte do Marrocos. Uma ligeira brisa sopra sobre o pequeno vilarejo numa noite de abril. As sinagogas abrem suas portas e os fiéis, apressados, deixam seu trabalho. É sábado, "noche de Alhad", como se costuma dizer em Tanger e na zona norte do Marrocos. É a Mimona, festa que marca o fim do Pessach e que todos celebram em grande estilo. As padarias e confeitarias estão abertas, de modo que os judeus possam comprar o seu pão. Vendedores ambulantes oferecem os mais diferentes pães, espigas de trigo e frutas, que vão decorar as mesas. Rahamim Bahtot, mendigo e ao mesmo tempo personagem folclórico em Tanger e arredores, apressa-se a deixar a esnoga de Souiri, a mais antiga sinagoga da cidade, carregando um enorme bouquê de arrahan (mirta). Ele se dirige ao boulevard, nome que designa o bairro europeu de Tanger. No seu caminho, ele oferece a outros judeus uma pequena folha de mirta, dizendo: Shavuá To , Moad Tov, Besiman Tov, Eliyaou Hanavi Zakhor le Tov. Cada um dos judeus lhe dão algumas moedas e Rahamim os abençoa com fervor. Tão logo ele acabe de distribuir a sua mercadoria, ele se dirige a um imóvel onde residem famílias judias. Ele sobe ao primeiro andar e entra num apartamento que está de portas abertas, segundo o costume da Mimona. Ele entra, quase gritando: Ya Mimon, Ya Shalom, Ya Baba Tarbah ! Ou seja, Dinheiro, Paz, Sejam todos cobertos de bens. A dona da casa convida-o a passar à sala de jantar, onde uma mesa tradicional está montada. O leite, o mel, um prato de farinha com favas verdes, espigas de trigo, um pote de manteiga fresca embebida com folhas de figo. Um grande peixe cru reina sobre uma bandeja, uma variedade de doces de mel, de tortas que recordam a renomada patisserie francesa. Doces que recordam a mais pura tradição hispânica, merengues, toucinho do céu e braço de cigano, honram, por sua vez, a tradição da confiteria espanhola. Um delicioso aroma de "terit" vem da cozinha onde duas mulheres preparam deliciosos crepes, as iguarias tradicionais que a maioria das família se apressam a degustar cobertas de manteiga e de mel. Seja benvindo, Rahamim, exclama a dona da casa, e oferece um assento ao mendigo. Claro, ela conhece Rahamim há muito tempo e conhece, sobretudo, o seu proverbial apetite...

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Em poucos minutos, ele engole uma meia duzia de mofletas acompanhadas de dois copos de chá com hortelã, o thé à la menthe, e mais alguns docinhos para rebater... Um pequeno cálice de aguardente ou "mahia" lhe é oferecido, para ajudar na digestão. Em seguida, ele se levanta e repete suas bençãos habituais. " Que el Dio vos dé riqueza y ganancia en zéjut de esta noche y de Eliahou hanavi, amen, amen, amen ! ". Após os agradecimentos da dona de casa, e ainda próximo à porta de saída, ele retira de seu bolso um saquinho de plástico e o entrega à senhora. "No se olvide dek awin para la mujer y los niños", ou seja, não se esqueçam de me dar alguns docinhos para minha mulher e meus filhos". Depois, ele sobe para os demais andares do prédio. A noite apenas começou e ela promete ser vantajosa. "Ya Mimon, Ya Shalom, Ya Baba Tarbah" Onde estão as Mimonas de antigamente, se interroga Rahamim, muitos anos depois, agora um homem de negócios que fabrica industrialmente (e exporta) mofletas para todo o mundo. Sentado numa poltrona em sua residência em Miami, ele sente saudades dos velhos tempos FEZ Os primeiros judeus instalaram-se em Fez, no nordeste do Marrocos, no final do século VIII. Rapidamente, eles se tornaram influentes e respeitados. Viviam, é claro, no seu bairro exclusivo, Al-Funduk Al, que se transformou rapidamente num centro cultural e comercial de primeira grandeza. Algumas figuras rapidamente se tornaram conhecidas, como David B. Abraham Alfasi, rabi Salomon B. Judah (que chegou a dirigir a Academia de Jerusalém) , Dunash Judah Hayyuj. Durante o que se convencionou chamar de a Era Dourada em Fez, alguns acontecimentos terríveis tiveram lugr, quando a maior parte da comunidade acabou exilada para Ashir, na Argélia. Por volta do ano 987, 6 mil judeus foram massacrados pelos fanáticos que conquistaram Fez. A cidade foi sucessivamente invadida e saqueada pelos Almorávidas (1068 e 1127). É quando surge a figura de um pseudo-messias, Moses Dari, que tenta atenuar as aflições e tristezas dos judeus. Inutilmente, e muitos judeus de Fez foram, inclusive, obrigados a converter-se ao islamismo ou abandonar a cidade. Já em 1244, sob o domínio dos merinidas, a situação sofre uma mudança, e a comunidade judaica recebe a proteção do sultão. Mas, com o declínio dos merinidas e o ressurgimento do fanatismo, os judeus são expulsos de seu bairro, em 1438. A difícil situação começa a ser revertida a partir da chegada dos refugiados sefarditas, que gozam de boa acolhida por parte dos governantes marroquinos. É criado o cargo de Nagid e a Yeshivá de Fez cresce em importância, e seus dayyanim tem sua autoridade reconhecida e respeitada em todo o Norte da África. Altos e baixos se sucedem na vida judaica de Fez. Assim, em 1790, o mulay Yazid destrói as sinagogas, mas autoriza o regresso de judeus que haviam fugido, já em 1792. Há uma renovação espiritual e econômica dos hebreus, com a instalação de escolas, cinco Yeshivot e uma sociedade de benemerência. Influência da revolução francesa, surge a Escola Francesa, inicialmente sustentada pelas figuras mais ricas da cidade, logo depois incorporada e apoiada pela Aliança Israelita Universal. Em 1912, duas semanas após o estabelecimento do Protetorado francês sobre Fez, uma revolta explode e os judeus são alvo do ódio marroquino ao invasor europeu. Mas a força dos franceses restabelece a ordem. Em 1925, a maioria dos judeus instalam-se na cidade nova de Fez;apenas os mais pobres permanecem no velho bairro, o Mellah. Em 1947, viviam 22.484 judeus em Fez e arredores, muitos deles médicos, advogados, industriais e agricultores. Segundo o censo de 1951, 5,8% dos judeus marroquinos viviam na cidade. Nesta altura, as principais escolas eram a Ozar-Ha-Torah e Em-Ha-Banim, mantidas pela Aliança Israelita Universal e atendendo a 2.823

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escolares. Antes da emigração para Israel ali existiam organizações como a Bnei Akiva, Wizo e até um escritório do Congresso Judaico Mundial. Após o estabelecimento de Israel em 1948, a maioria dos judeus emigrou para o novo estado, um número expressivo preferiu seguir para a França (gozando do fato de terem dupla nacionalidade, francesa e marroquina, outorgada por Napoleão). Outros, ainda, foram para os Estados Unidos, Canadá e Brasil. Hoje em dia, judeus de origem marroquina costumam realizar peregrinações a sítios judaicos no país, e o mais popular de todos estes lugares é justamente o túmulo de Yehuda Benatar, em Fez. Uma das mais antigas sinagogas do norte da África está em Fez, é a Ibn Danan, construída no século 17 e recuperada na sua forma atual no final do século 19. Uma réplica dela pode ser vista no Beth Hatefutsót, em Tel Aviv. Ela foi tombada pelo World Monuments Watch como exemplar único de uma arquitetura única. Uma obra de arte. MARRAKECH "Ao longo das semanas que permaneci no Marrocos, não tentei aprender árabe nem dos dialetas berberes. Não quís perder nada do poder exótico de seus gritos. Queria ser atingido por eles, tal como eram, sem enfraquecê-los devido a um saber artificial e insuficiente. Mas restou-se a palavra Alá, e esta eu não pude evitar" (Elias Canetti, em Vozes de Marrakech, L&PM Editores, 1987) Uma visita ao Marrocos é um golpe certeiro no viajante ocidental. Não se trata só do exótico, mas de uma experiência que atinge todos os sentidos. São sons, formas e cores, e aromas, que nos acompanham por toda a parte e nos obrigam a redefinir nosso mundo de referências. É um mundo quase bíblico, e não foi a toa que Steven Spielberg elegeu o Marrocos, e Marrakech especialmente, como cenário de seus filmes da arca perdida. Camelos e burricos, extremamente pacientes, estão presentes no cenário, que se estende das areias do deserto aos contrafortes do Monte Atlas. Uma cadeia de montanhas com os cumes recobertos de neve. E girando a cabeça, a gente vê vales verdejantes, planícies arenosas, e o mar - o Atlântico e o Mediterrâneo. Como lembra Canetti, um grito ecoa sempre no ar. De madrugada, é quase um murmúrio. O muezim vai chamando os fiéis à oração, a abstinência, ao mergulho na perfeição divina. Alá, Alá...o nome ressoa por todos os cantos. É Alá quem dá forma às artes, à poesia, às ciências, a tudo. É impossível compreender o Marrocos, sua história, a presença antiga e moderna dos judeus ali, sem o Islã, sua visão de Deus, do mundo e do homem. Neste cenário, judeus sefarditas e judeus nativos, viveram (e ainda vivem), capítulos extraordinários da História do povo de Israel. Capítulos sangrentos e dramáticos, capítulos radiosos, plenos de arte e de ciência. Roger Garaudy, que já foi comunista e hoje é muçulmano, escreveu: "Um dos traços do Islã que explica a sua rápida disseminação é o espírito de abertura e de tolerância. O próprio Corão recomenda que sejam respeitados e protegidos todos os povos do Livro, quer dizer, a Bíblia, herdeiros também eles da fé de Abraão (Ibrahim), que é a referência comum a todos. Tolerância que se aplicava, também, aos discípulos de Zoroastro, na Pérsia e na Índia". Tolerância e perseguição, que se alternaram sempre na história marroquina, desde os tempos anteriores às quedas do Primeiro e do Segundo Templos.

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Com os judeus de Marrakech fui, ao cair da tarde, à grande praça Jemaa el-Fna. A equipe de cinegrafistas de Fabio Golombek subiu no teto da estação de polícia, um feito inédito, segundo informação do guia oficial de turismo que nos acompanhava, em 1988. Na praça, um espetáculo. Acrobatas, encantadores de serpentes, músicos andaluzes e berberes, contadores de histórias, dançarinos, punguistas e místicos religiosos. Todas as sensações se confundem. Quando a noite desceu, a praça se transformou.No ar, um forte cheiro de hortelã e açafrão. Naquele instante, desapareceu o passado e o presente. Como numa mágica, o mundo, por um instante, parou. Puro sonho. ISRAEL Em dezembro de 1943, antigos militantes nacionalistas marroquinos, inclusive muitos de origem judaica, fundam o Partido Istiqlal que, num manifesto datado de 14 de janeiro de 1944, reclama a Independência do país. É o que finalmente veio a ocorrer em 2 de março de 1956, após uma longa série de tratativas diplomáticas, de um lado, de uma curta mas intensa guerra de libertação nacional. De 1944 a 1947, a França atendeu a uma série de reivindicações dos nacionalistas, muitas delas francamente favoráveis aos judeus. Uma decisão de 20 de dezembro de 1947, por exemplo, instituiu, na renovação do Conselho de Governo, com atribuições econômicas e consultivas, uma representação de seis delegados judeus, eleitos pelos comitês das seis comunidades israelitas mais importantes (Casablanca, Rabat, Fez, Meknés, Oujda e Marrakech). Pela primeira vez, os judeus eram chamados pelo Protetorado a participar efetivamente da vida pública. Até ali, eles eram apenas admitidos a participar de pequenos conselhos municipais. Mas, as reformas propostas pelos franceses foram, é claro, consideradas insuficientes pelo Istqlal. A situação foi ficando tensa e se compararmos as reações hostís dos marroquinos com a benevolência dos notáveis judeus, pode-se imaginar a distância que separava os dois grupos étnicos. Apoiando-se na tradição muçulmana, afirmando seus laços com o mundo árabe, com a Liga Árabe, o movimento nacionalista reclamava a independência, enquanto os dirigentes judeus tendiam a obter o reconhecimento oficial de sua ocidentalização e o reforço de seu status de "protegidos", que lhes permitia escapar do nacionalismo árabe... As reivindicações da dirigência judaica estavam muito próximas do programa de reformas proposto, desde 1945, pelo residente-geral francês, e que comportava propostas de modernização em matéria de administração, ensino, Justiça e estruturas econômicas. Todavia, o judaísmo marroquino estava profundamente dividido quanto as atitudes que deveria tomar diante do movimento nacionalista de independência. Algumas tendências podem ser estabelecidas: o judaísmo dito "oficial", que buscava obter o máximo de vantagens da administração francesa, mesmo ignorando as susceptibilidades marroquinas; os partidários do movimento de independência marroquina; os representantes do judaísmo marroquino que tendia a reforçar seus laços com as organizações judaicas internacionais e, finalmente, os sionistas, que declaravam, sem temor, suas simpatias para com o Estado de Israel e organizavam a emigração, sobretudo das camadas mais pobres da comunidade. Entretanto, os limites entre as várias tendências foram ficando difusos, à medida em que um período de turbulências foi se acentuando, nos dias anteriores á proclamação da independência. É importante notar que mesmo o rápido "afranzessamento" não eliminou a lembrança dos judeus marroquinos de sua coexistência milenar com os muçulmanos nas terras do magreb. Burgueses muçulmanos e burgueses judeus tinham estreitas e cordiais relações. No curso do aprendizado dos modos de vida importados do Ocidente, o muçulmano procurava o vizinho judeu, adotando seus usos e costumes modernos. Voluntariamente, o muçulmano buscava no judeu o conselho. De seu lado, mesmo manifestando sua simpatia para com o Protetorado (que, por sua vez, buscava dividir os grupos étnicos), os judeus marroquinos sempre reafirmavam sua boa relação com os muçulmanos.

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Em 1933, os nacionalistas marroquinos divulgaram a sua "L'Action du Peuple", onde os judeus eram considerados marroquinos, com os mesmos direitos e os mesmos deveres dos muçulmanos. No moderno estado que deveria ser o novo Marrocos, os judeus seriam cidadãos e não dhimmis. Desde esta época, os nacionalistas marroquinos apelaram à participação dos judeus em sua ação política. Em 10 de abril de 1947, Mohammed V pronuncia em Tanger um discurso onde ele não disfarça as suas simpatias para com os nacionalistas. E os judeus estavam profundamente ligados à figura do sultão, lembrando, por exemplo, suas atitudes corajosas em favor dos israelitas durante a Segunda Guerra mundial. Acreditando firmemente nas suas declarações e dos dirigentes políticos de que, no novo Marrocos, os judeus seriam considerados cidadãos de primeira classe. Em maio de 1948, na seqüência da proclamação do Estado de Israel, e a fim de evitar tumultos, o sultão lançou um apelo ao povo marroquino, no qual recorda aos muçulmanos que os judeus marroquinos, vivendo há séculos no Magreb, "testemunharam sua devoção e fidelidade ao trono". Mais: os judeus marroquinos tem no sultão, no trono, em todas as circunstâncias, "o melhor defensor de seus interesses e seus direitos". Estas declarações, a reafirmação da amizade do sultão ao povo judeu marroquino, suas atitudes de defesa da comunidade ante o regime pró-nazista de Vichy, foram interpretadas de uma forma liberal pelos dirigentes marroquinos, os quais tinham todo o interesse em divulgar que "o Marrocos de amanhã, democrático, tanto no plano ecnômico como no político e social, permitirá a todos os seus filhos de desenvolver seus talentos e colocará uns e outros, judeus e muçulmanos, diante de suas responsabilidades, com direitos iguais e deveres iguais" (palavras de Pacha Bekkai, publicadas pelo jornal Évidences). No mês anterior à independência, este tipo de declarações se multiplicaram. As entrevistas de Abdel Kader Benjelloun, dirigente do Partido Democrático de Independência, ao Jewish Chronicle, e de Bouabid, membro do birô político do Istqlal, ao Jewish Observer, foram reproduzidas pelas imprensas francesa, judia e marroquina. Belafrej, secretário-geral do Istqlal, declara na ocasião que "no Marrocos independente os judeus não sofrerão discriminação de espécie alguma". No Congresso do Istqlal de dezembro de 1955, uma moção foi aprovada declarando que os judeus são parte integrante da sociedade marroquina. Enquanto o movimento pela independência se organizava, os partidos apelavam à colaboração dos judeus, convidando-os a formar uma frente comum. Do outro lado, a "União pela Presença francesa"oferecia seus serviços ao judaísmo marroquino. Espremida entre a bigorna e o martelo, a maioria dos judeus ficou passiva e atenta. Os incidentes sangrentos que se multiplicavam nas grandes cidades não eram dirigidos contra os judeus - muçulmanos e judeus sofreram juntos, da mesma forma. O espetáculo cotidiano de violência, contudo, marcou de forma profunda as massas pobres do mellah, onde emergia o medo atávico do Árabe. Certos elementos, sobretudo os de classe social e econômica mais elevada, responderam afirmativamente aos chamados dos partidos marroquinos, sobretudo dos partidos de esquerda. Desde 1943, o judeu Léon Sultan liderava o Partido Comunista do Marrocos. Em 1952, o Partido Democrático contava 2.352 judeus filiados. Animados por Joe O'Hana, o Movimento Nacional Marroquino se propunha a despertar a consciência nacional no seio da população judaica, de lutar contra o preconceito - e contra as instituições judaicas "separatistas". O Movimento se propunha, também, a criar associações mistas e a organizar cursos de árabe para os israelitas. Durante a reunião de Aix-les-Bains, em agosto de 1955, quando foi decidida a volta do Sultão Moahmmed V, exilado em Madagascar, e a constituição de um governo marroquino, os delegados do judaísmo marroquino e representantes do Congresso Mundial Judaico mantiveram vários encontros com os dirigentes marroquinos. Estes declararam solenemente que no Marrocos indeendente, os judeus seriam considerados como cidadãos iguais com os mesmos direitos e os mesmos deveres que os outros marroquinos, que nada seria feito no

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sentido de restringir sua liberdade religiosa. De seu lado, os dirigentes judeus reafirmaram sua lealdade ao sultão. No dia 30 de outubro de 1955,os representantes das comunidades judaicas, ao ensejo de uma assembléia plenária, saudaram "com uma alegria profunda, o regresso à França de Sidi Mohammed" e "convidam as populações israelitas a se associar aos seus compatriotas muçulmanos para festejar, com alegria, o regresso do Sultão". Em novembro de 1955, já em terras francesas, Mohammed V recebia em Saint-Germain-en-Laye uma delegação do Conselho das Comunidades Israelitas, ocasião em que declara que "os judeus terão todos os direitos, na legalidade mais absoluta e serão associados à vida nacional, inclusive aos postos diretivos do governo". Mais adiante, o sultão reafirmava os direitos e os deveres dos judeus. O regresso do sultão ao Marrocos foi marcado por extraordinárias festas, inclusive por parte dos judeus dos mellahs Em dezembro, 700 judeus de todos os partidos enviaram a Si Bekkaï, presidente do Conselho, uma moção afirmando sua participação na ação das organizações políticas e sindicais, expressando sua vontade de ver os Comitês judaicos e seu Conselho agindo nos limites da legalidade, notadamente nos assuntos de assistência social e de culto religioso. O Istqlal mesmo contava com militantes judeus, e mantinha uma seção, a Al Wifaq (O Acordo), criada pelos dirigentes em fevereiro de 1956 com o objetivo de promover a aproximação entre as elites muçulmanas e judaicas. Apesar disso, Joe O'Hana, secretário-geral do Movimento Nacional Marroquino, acusava seus adversários de tentarem fazer dos judeus "uma minoria distinta", criando um "estado dentro do estado". Ele pleiteava a supressão do Conselho das Comunidades e dos comitês responsáveis "pelo isolamento dos judeus dentro da nação marroquina". "Devemos, nós, judeus, afirmar sem equívocos nossa nacionalidade marroquina. Devemos participar de um estado moderno,que será nossos(...) no novo Marrocos, não precisaremos mais de escolas judaicas e escolas muçulmanas(...) é preciso que nos reunamos nos mesmos clubes e associações, judeus e muçulmanos". Ele sonhava com uma fusão, inclusive, dos elementos religiosos, condenando os que "tentam nos fechar novamente num mellah político-intelectual". Outras vozes se faziam ouvir, alguns dirigentes proclamando que "quarenta anos de Protetorado podem destruir 20 séculos de coexistência ? Apesar das aparências ocidentais, o judeu marroquino continua profundamente um oriental". De imediato, a situação não apresentava maiores preocupações à comunidade judaica. O Sultão e o Istqlal reafirmavam sua promessa de considerar os judeus como cidadãos de primeira classe e o primeiro ato neste sentido foi o da nomeação de um ministro judeu. Mas,o patriotismo marroquino dos judeus logo se defrontaria com o seu amor por Israel. Durante os anos 1944-1945, a Organização SIonista Mundial havia estabelecido contato com o judaísmo local. Seus emissários trabalhavam não apenas nos setores de categoria social mais elevada, que justamente eram os que resistiam mais à cantilena sionista, mas sobretudo junto às massas empobrecidas, onde sua mensagem soava como a realização de um velho sonho messiânico. No mesmo instante em que o Marrocos se organizava no pós-guerra, da luta pela sua independência, outra luta se travava no solo da Terra Prometida. E ao mesmo tempo em que o Marrocos afirmava seus laços com a Liga Árabe, os irmãos judeus a combatiam. No dia 15 de maio de 1948, foi proclamado o Estado de Israel. Os judeus marroquinos não ocultaram sua alegria, os muçulmanos, seu desapontamento. Numa declaração de 23 de maio de 1948, o Sultão ordena a seus súditos muçulmanos que não cometam quaisquer atos de desordem pública. Ao mesmo tempo, dirige-se aos seus súditos israelitas, lembrando-lhes "que não percam de vista que são marroquinos". Portanto, que

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deviam se abster de apoiar a ação sionista ou de manifestar sua solidariedade, "porque assim o fazendo, estarão agindo contra seus direitos particulares e sua nacionalidade marroquina". De imediato,o apelo não foi levado em consideração pelo povo, e tumultos explodiram em todo o país, provocando graves incidentes nos dias 7 e 8 de junho em Oujda e em Djerada, no Marrocos oriental. Morreram mais de quarenta pessoas. Os incidentes foram rapidamente superados, mas chamaram a atenção das organizações judaicas internacionais para a situação do judaísmo marroquino. Entre 1948 e 1956, mais de 90 mil judeus da zona francesa deixaram o Marrocos, destinando-se principalmente a Israel. As autoridades francesas não estimularam essa emigração, tentaram mesmo impedi-la, mas finalmente fecharam os olhos - et laissez faire. Mohammed V ordena, a partir de 23 de maio de 1948, o impedimento da emigração para Israel - que passa a ser organizada clandestinamente. Na verdade, a decisão do sultão não foi determinada apenas pela solidariedade ao mundo árabe, mas por motivos econômicos: o novo Marrocos não podia se deixar ao luxo de ver uma fuga de capitais. Mais: o Marrocos precisava, para se tornar um estado moderno, dos seus elementos mais ocidentalizados, os judeus, que detinham um avanço de pelo menos uma geração de escolarização face à população muçulmana. Situação semelhante, aliás, aconteceu na Tunísia, no Egito e no Iraque. As dificuldades para a obtenção de passaporte foram impostas (não apenas aos judeus, aos muçulmanos que queriam emigrar, também). Entre 1957 e 1961, essas dificuldades eram quase intransponíveis. E claro, o Marrocos continuava com suas estruturas feudais e teocráticas de pé, apesar de várias reformas e veleidades de modernização. O judeu continuava a ser o dhimmi, o pobre israelita "protegido" do sultão. A ação da Organização Sionista, a incerteza quanto ao futuro, acabaram provocando o êxodo de dois terços da comunidade judaica do país onde havia vivido durante vinte séculos... Este êxodo não foi provocado pela ameaça de uma perseguição sangrenta, deve-se frisar. Fato único na história judaica contemporânea, os judeus do magreb colocaram-se em marcha sem uma ordem de expulsão. Bem verdade que vários incidentes, como o naufrágio do navio "Pisces", em 1959, quando morreram 43 emigrantes ilegais que se dirigiam a Israel e as humilhações sofridas pelos judeus quando da visita de Gamal Abdel Nasser a Casablanca, em 24 de dezembro de 1960, estimularam os setores sionistas a defender o direito de emigração dos judeus marroquinos. O governo israelense, a Agência Judaica e as diversas organizações judaicas pressionaram o rei Mohammed V no sentido de deixar os israelitas partir do país, seja para a França, Estados Unidos, Canadá - e principalmente, Israel. A opinião pública marroquina estava dividida, o que facilitou as gestões no sentido de partida dos judeus, legal e ilegalmente. A "Opération Eclair" foi organizada pelos sionistas e entusiasmou a comunidade. Houve casos de judeus que ousaram declarar publicamente que não necessitavam de passaportes para partir, "podemos partir por nossos próprios esforços e competência". Houve forte repressão, muitas prisões e várias mortes. Nada obstante, os judeus marroquinos puseram-se a caminho. Apesar disso tudo, com o correr dos anos, o rei Moahmmed V voltou a buscar o dialogo com os judeus. Em 18 de fevereiro de 1961, ele recebeu em audiência uma delegação de seis notáveis liderados pelo Dr. Léon Benzaquen e mais David Amar, presidente do Consistório Judaico, Méir Ovadia, antigo presidente do Comitê Judaico de Casablanca e o rabino Shalom Mashah. A delegação queixou-se ao rei das detenções em massa e das numerosas humilhações inflingidas aos judeus por ocasião da visita de Nasser. O rei, cansado e já doente, expressou suas desculpas pelos acontecimentos, mas insistiu em que cessasse a imigração ilegal. A este encontro se sucederam outros, extremamente discretos, envolvendo já agora o governo de Israel. Ben Gurion e Golda Meir, apoiados neste mistér pelo embaixador norte-americano

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em Rabat, Charles Just, e até mesmo por gestões diretas do presidente John Kennedy, buscou reabrir o dialogo entre Rabat e Tel Aviv. De Gaulle também foi acionado pela diplomacia israelense para buscar uma atitude melhor do governo marroquino frente aos cidadãos judeus. O resultado foi positivo, o Marrocos assinou a Convenção dos Direitos do Homem e o ministério do Interior, apesar de todos os pesares, reiniciou o fornecimento de passaportes aos judeus que quisessem partir. Com uma restrição facilmente contornável: livres para emigrar, salvo para Israel... Anos mais tarde, os primeiros e mais concretos projetos de dialogo entre Israel e os países árabes, passaram necessariamente pelo Marrocos. Moshe Dayan, em pessoa, esteve várias vezes em Rabat onde, com o apoio discreto do rei Hassan, conseguiu adiantar o relógio do diálogo entre árabes e israelenses. Ainda hoje, o Marrocos abriga uma grande comunidade judaica, a maior em um país islâmico e que vive e sobrevive sem grandes sobressaltos - e sem maiores perspectivas. Apesar dos esforços do governo marroquino em atrair os descendentes (e seus capitais) para uma volta ou uma parceria com Rabat. Neste sentido, no atual governo, alguns judeus ocupam várias e importantes pastas ministeriais. Por outro lado, a emigração dos marroquinos mudou a face de Israel, seja com a emergência de crenças populares e religiosas, vestimentas, joalheria, música, literatura, seja na arena política, onde hoje há vários ministros e lideranças de origem marroquina, inclusive partidos de militância nitidamente marroquina. O culto dos santos, por exemplo, mesclou-se às tradições sefarditas e orientais, num sincretismo que já atinge, hoje, o movimento sefardita mundial, inclusive no Brasil. Vivem hoje no Marrocos, segundo informa o Beth Hatefutsot, 6.500 judeus, dos quais 5 mil em Casablanca. SEFARDITAS E ASQUENAZITAS Como regra geral, costuma-se dividir o povo judeu em dois grupos básicos e distintos, os asquenazistas e os sefarditas. Os sefarditas seriam os descendentes dos antigos judeus que habitavam Sefarad, a peninsula ibérica, conservando até hoje sua cultura, sua língua (o espanholito ou ladino e a sua vertente marroquina, a hakitia) e seus costumes. Há registros da presença judaica na Ibéria desde o período do rei Salomão. Após o édito de expulsão da Espanha,em 1492, e o de Portugal, em 1496, os sefarditas iniciaram o período marcado como o galut dentro do galut, o exílio dentro do exílio. Sempre conservando a riqueza espiritual conquistada ao longo dos séculos na península. Ao serem dispersados, dirigiram-se para o norte da África (Marrocos), Grécia, Turquia, os Balcãs, Egito e a Palestina. Apesar de todo o terror da Inquisição, os sefarditas mantiveram o que se pode chamar de saudosismo que perdura até hoje. Já o judaísmo português acabou praticamente absorvido pelo espanhol - nada obstante, persistem até hoje as Comunidades Sagradas de Évora e de Lisboa. E a sinagoga de Botafogo ostenta, orgulhosa, os termos: sinagoga de rito português. Contudo, costuma-se incluir entre os sefarditas os judeus orientais ou mizrahim, por desconhecimento ou comodidade. Estes, viveram em países árabes próximos do Mediterrâneo e possuem costumes semelhantes aos dos sefarditas. Os mizrahim já habitavam o Oriente Médio desde os tempos mais remotos, bíblicos, e nunca se distanciaram muito da Terra Santa. Usam o árabe como língua do dia a dia e habitavam o Iraque, Líbano, Síria, Iêmen e Egito. No Marrocos, onde ainda existe outro ramo judaico importante, o dos bérberes judaizados, costuma-se dizer que os mizrahim são mais religiosos que os sefarditas. No cemitério de Tetuan, as alas são divididas, e podemos imaginar que, num passado não muito remoto, era difícil o casamento de um sefardita com um mizrahi. Quanto aos asquenazitas, atribui-se sua origem à conversão da tribo dos khazares e a uma pequena imigração de judeus ibéricos. O idiche descende do alemão, e as diferenças de costumes entre os asquenazitas é pequena e irrelevante. O que não impediu, até recentemente (criação do Estado de Israel, fundamentalmente), que existissem divisões entre asquenazitas russos e romenos, de um lado, poloneses de outro e, é claro, alemães e lituanos distantes de todos, graças aos seus fôros de cidadãos mais instruídos... O nazismo não levou estas diferenças em conta.

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FAMÍLIAS JUDAICAS DA AMAZÔNIA Em seu "Eretz Amazônia", Samuel Benchimol elaborou uma lista das famílias marroquinas que se instalaram na Amazônia, a partir de 1820. Por oportuno, reproduzimos aqui essa relação, fruto de uma pesquisa incomum e extremamente valiosa:

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Relação de famílias judaicas de Belém Nome Cônjugue

Aarão Isaac Serruya Orovido Serruyo

Aarão Malul Gabbay Maria Alice Gabboy

Aba Rascovschi Oro Rascavschi

Abraham Aniiar Abraham Assayag Durvalina Assayag Abraham Barcessat Bemergui Abraham Bemergui Abraham Dinar Ohana Estrelo Ohono Abraham Fabrizia Bendayan Abraham Isaac Benzecry Abraham Pepe larrat Abraham Serfaty Maria das Graças Serfaly Acéa Raichel Azulay Agostinho Ribeira Barros Esther Benchimal Barras Agostinho Ribeiro Barros Jr. Valéria Maria P. Barras Aida Zagury Pará Alon Kabacznik Zatz Albert Samuel Gabbay Ceci Gabbay Alberto de Matos Serruya Myriam Serruya Alberto Jacob Serruya Orly Israel Serruya Alberto Menasseh Zagury Alegria Aniiar Benzecry Alegria Bemerguy Gabbay Alegria Dahan Alegria Nahon Zagury Alegria Soares Allredo Abitbol Alida Levy

Alirio Saraiva Serruya Mercedes Serruya

Amélia Bemerguy

André Teixeira Dias Jaqueline Orengel Dias

Anita Aniiar Antonio Carlos R. da Costa Ruth Larrot da Casto Ari Zugman Noêmia Zugman Arlete Melul Aurenir Soares Serruya Bitran Aziza Clara Bitran Aziza Serruya Aziza Serruya Benmuyal Barbara Gambôa Serruya Bela Serruya Benjamin Abraham Ohana Waldenice Ohana Benjamin Joseph Israel Eliane Israel Brunno Serruya Carlos Alberto da Rocha Bonina B. Rocha

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Carlos Antônio de Araújo Anelte S. de Araújo Carlos de Matos Serruya Marilia Serruya Celeste Serqueira Serruya Charles Hamú Charles leon Serruya Cidalia Saraiva Serruya Bitran Clara Aguiar Benchimol Clara Benoliel Vascancelos Claude Messod Hamanie Mery Hamanie CIaudio Rodrigues de Souza Raquel Bemerguy Souza CIóvis Amorim de Oliveira Pérola Zecry de Oliveira Cota Larrat Cota levy Cota Melul Dahan Dan Raphael levy Daniel Barcessat Danielle Serfaty Darcy Bitran David Aarão S. Serruya Bitran David Aben-Athar Nícia Aben-Athar David Benzecry David Gabbay Rulh B. Gabbay David Jacob Serruya Myrian Barcessat Serruya David José Tobelém Clara Tobelém David Leon Serruya Rosa Maria Nunes Serruya David Marcos Nahon David Marcos Tobelém Coaracy Tobelém David Moysés Tobelém David Pereira Serfaty Deborah Bemerguy Gabay

Demerval Dalledone Raquel Pazuella Dalledone

Dêmio Maués Viana Gabriela Athias Víana

Dinah Aflalo Ohana

Dione Pereira Serfaly Disraely Menasseh Zagury Sarah Noemi C. Zogury

Donnina Amzlak Douglas Leão Serruya Edgar Contente Clara Aguiar Contente Edmundo Barros Maia Celeste Obadia Maia Edmundo Lauria Sobrinho Lilian Clara lauria Eduardo M Jacob Benzecry Ana Unger Benzecry Efraim Bentes Eli Chocron Elias Aorão Serruya Nádia de A Serruya Elias David Dohan Marlene Tobelém Dahan Elias Elmescay Helena Karp Elmescany Elias Farage Syme Benchaya Faroge Elias Gerordes Gabboy Elias Isoac Serruya Eljas Jacob Benchoya Elias José David Israel Sarah Israel Elias Leão Israel Adriana Farag Israel Elias Leão Serruya Orovida Serruya Elias Marcos Pinto Alegria Cohen Pinto Elias Messod Benzecry Safira Benzecry Elias Meyr Ohana

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Elias Ohona Elias Pozuello Elias Pinto de Almeida Renne Pazuella Elias Salomõo Bemuyal Helena Benzecry Almeida Elias Salomõo Mendes Raquel Azulay Bemuyal Eliezer Athias Clara Nahan Mendes Eliza Sarraf Vera Maria Alice Athias Elizer Jayme Levy Emanoel Zogury Tourinho Emília Beljcha Nahon Esmerolda Cohen Esther Bemuyal Esther Benchimol Barros Esther Eigronby Esther Melul Esther Moysés Benmuyal Esther Rossy Esther Serruya Esther Serruya Sjcsu Esther Zagury Silvo Estrela Bentes Estrela Bentes Serruya

Estrela Pozuello

Estrela Tobelém Fábio Unger Esther Unger

Fábio Vasconcelos Nina Vasconcelos Fernando A C Miranda Michele Larrat Miranda

Fernando Botelho

Fernando Brasil Couto Sandra Orengel Couto

Fernando Carnut Rêgo Simone Soares Rêgo

Fernando E da Silva Esther Zagury Silva

Fernando José Elarrat Cristina Elarrat Fortunoto Athias Raquelita Athias

Fortunoto Chocron Fortunato Lancry Vilma Lancry

Francisco Cal Raquel Barcessat Cal Francisco de Canindé G Pimentel Franklin Samuel Levy Virgínia Levy Geraldo Oliveira Suely Larrat Oliveira Gersino Ferreiro Júnior Orovida Benmuyal Ferreira Gerson Menasseh Zagury Nancy Zagury Gerson Pinto Gimol Bemerguy Gobboy Gimol Benhimol Halia Fima Hanna Levy Soares Harry David Serruyoa Ana Serruya

Hector Soul Morel Esther Lúcia A Mohel Helena Aben-Athar Bemerguy Henrique Berman Dina Berman Herman Bendayan Nair Rodrigues Bendayan Inácio Obadio Isaac Abrão Serruyo Isaac Abraham Serruyo Dafna Serruya Isaac Abtibol Maria das Graças Abitbol Isaac Aguiar Consuelo C Aguiar

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Isaac Borcessot Clara B Barcessat Isaac Benguigui Pérola Nahon Benguigui Isaac David Azuloy Isaac David Nahon Rosangela O Nahon Isaac Elias Israel Messod S. Israel Isaac Elmescony Myriam Elmescany Isaac Jocob Serruyo Milda Franco Serruya Isaac Joyme Serruyo Orovida Serruyo Isaac Joseph Israel Ângela Israel Isaac Pepe Larrat Isaac Roichel Azulay Simone R Azulay Isaac Romiro Bentes Milene Soares Bentes Isaac Solomão Mendes Ivone Gabbay Mendes Isaac Somuel Benchimol Zilma Gomes Benchimol Isaac Serruya Célia leite Serruya Isaac Soares Itajai de Albuquerque Esther B Albuquerque Jacinto Aben-Athar Creuza Aben-Athar Jocob Aben-Athar Cota Nahon Aben-Athar Jocob Benchaya Mery J Benchaya Jocob Dahan Alegria Zagury Dahan Jocob David Serruya Esther Cohen Serruya Jocob Gabbay Jocob Jayme Pinto Maria Pinto Jocob Lancry Syme Bemuyal Lancry Jocob Maluf Gabbay Esther Gabbay Jocob Messod Benzecry Helena Obadia Benzecry Jocob Orengel Margareth Serruya Orengel Jocob Rafael Soares Vera Lúcia Soares Jayme Benathar Assayag Sarah Assayag Jayme Elias Bentolila Ivanilda Vélia Bentolila Jayme Elmescany Esther Elmescany Jayme Isaac Benzecry Jayme Ruben Pazuello Jovina M Pazuello Jayme Soares Vera Alice B Soares Jimmy Joseph Israel Júlia Stela Israel João Augusto Lobato Silva Simile Aben-Athar Joel Leão Serruya José Abraham Benchimol Irani Benchimol José Aflalo Pérola Tobelém Silva José Assayag Sobrinho Aioledes Quadros Assayag José B Serruya Fleuryce Serruya José Bemuyal Zagury José Bencid José Bohadana José Canen Raquel Gabbay Canen José Elias Zagury Syme Aben-Athar Zagury José Inácio Nardi Clara Pinto Nardi José Isaac Benzecry Vera B Benzecry José Isaac Serruya Lise Borcessat Serruya José Jacob Benzecry Jaqueline Benzecry José Jacob Essucy Esther Vânio Essucy José Jocob Serruya Gênia Serruya José Jayme Levy CIáudia Levy José leão Serruya CIáudia Aboul Serruya José Messod Azulay Messody Azulay José Orengel Belizia Abitbol Orengel José Samuel Benzecry Orovida S Benzecry José Serruya Bitran José Tobelém Mery Alcomumbre Tobelém

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Júlia Bemuyal Zagury Júlia Tobelém Julius Serruya

Kedma Faria Tavares

Léa Obadia Aben-Athar

Léa Serruya

Leão Aguiar

Leão Aguiar Neto Reina Abtibol Aguiar

Leão Dinar Ohana

Leão Elias Israel Alice A. Israel

Leão Isaac Serruya Alegria Serruya

Leão Salomão Aguiar

Leão Unger

Ledicia Serruya

Ledicia Zagury Benzecry

Léo de Matos Serruya Conceição Serruya

Levy Anijar Levy Mayer Obadia Ruth Alves Obadia

Lia Serruya Bemuyal

Lidia Essucy

Luciola Teixeira Serruya

Lucy Prienken Larrat

Luiz A Barile de Carvalho Silvia Helena Benchimol

Luiz Afonso Sefer Camile Bemerguy Sefer

Luiz Eduardo Santos Silva Syme Soares Silva

Luiz Felipe de Melo Filho Messody Bemerguy Melo

Luiz Fonseca Pérola Serfaly Fonseca

Luiz Gonzoga da Silva Pérola Athias Silva

Luiz Otávio Pontes Bonina Bemerguy Pontes

Luna Nahmias

Luna Zagury

Luz Abensur Bemerguy

Mair Serfaty Ana Maria C Serfaty Monoel Marques Silva Neto Vanja Rachel Bentes Mara Lucia Benchimol Marcelo Berman Kátia Correa Berman Marcelo H Liboa dos Santos Gina Júlia S. Santos Marcelo Serruya Marcelo Serruya Bitran Márcio Guerra Frida Azulay Guerra Marcos Abitbol Neto Maria Helena Abitbol Marcos Alcaim Mery Azulay Alcaim Marcos Belicha Alves Alegria Gabbay Alves Marcos Benguigui Maria das Graças Benguigui Marcos David Nahon Sandra Serruya Nahon Marcos Jayme Belicha Alegria G Belicha Marcos José Nahon Graça Nazaré Nahon Marcos Orengel Laura Cézar Orengel Marcos Salomão Pinto Marcos Serruya Celeste Pinto Serruya

Marcos Soares Edna L B Soares

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Margareth Serruya Orengel Maria do Carmos Lima Pinto Mariana Benarrós Mário Femandes Medeiros Jr Suely Serruya Medeiros Maurício Berman Clara Berman Max Barcessat Bemerguy Paula M Bemerguy Max Gabbay Max Jacob Pinto Telma Suely Pinto Mayer Levy Obadia Haziza Anijar Obadia Menahen Serruya Erna Serruya Menasseh José Nahon Menasseh José Zagury Messody Athias Zagury Menasseh Leon Nahmias Darkler Aires Nahmias Mendel Eliasquevici Rubida Eliasquevici Mercedes Zagury Mery Levy Bentes Mery Melul Mery Serfaly Cohen Messody Bemerguy Gabbay Pereira Messody Levy Barcessat Myriam L Barcessat Messody Mendes Azulay Messody Roffé Messody Serruya Bentes Messady Serruya Bitran Silva Moacir Stein Ruth Linda Benchimol Stein Moisés Auday Moisés Cohen Moisés David Nahon Graciete O Nahon Moisés Elmescany Moisés Hernan Bandayan Moisés Isaac Bemerguy Alita Bensimon Bemerguy Moisés Leon Nahmias Conceição Nahmias Moisés Levy Moisés Marcos Alves Raquel B Alves Moisés Pepe Larrat Morse Shimon Israel Sigalitte Israel Moyses Barcessat Belizia Aben-Athar Moysés Isaac Benchimol Moysés Isaac Benzecry Suely Benzecry Moysés Leão Melul Moysés Maurício Hamoy Rivetle G Benchimol Myriam Athias Bendahan Myriam Barcessat Bemerguy Myriam Bensimon Myriam Gabbay Assayag Myriam Nahmias Myriam Serruya Bitran

Narciso Nahon

Natan Levy

Nazareno Tourinho Myriam Zagury Tourinho Nelson de Matos Serruya Maria Perpétuo S. Serruya Nelson Pinto lana Barcessat Pinto Nissim Aben-Athar Nissim Marcos Tobelém Nissim Pepe Larrat Valdiva Faraco Larrat Norma Suely Serruya Sicsú Odilson Ferreiro Jr.

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Oro Bemerguy Gabbay Orovida B Serruya Oscar Luzi Goldemberg Eliane Martins Goldemberg Osmar Tadeu Miranda Nadia Larrat Miranda Oswaldo Alcântara Luciléia Athias Alcântara Paulo Carneiro Freitas Cota Benzecry Freitas Paulo César Arruda Pérola Bendayan Arruda Paulo Loureiro Myriam Bentes Loureiro Paulo Roffé Borges Paulo Sérgio Weyl A Costa Susane Serruya Weyl Casta Pepe Marcos Tobelém Sunny Obadia Tobelém Pérola Tobelém Benchimol Preciada Levy Athias Rachel Laredo Rachel Moysés Benmuyal Rachel Ohana Rafael M Ohana Rafael Moisés Alves Raif Jorge Mauad Léa Benarrós Mauad Raimundo F Serruya Jandira S Serruya Raimundo Salin Kalili Ramiro Bentes Janete Serruya Bentes Ramiro Jayme Bentes Esther Bemerguy Bentes Raphael lsaac Bemerguy Marieda F Bemerguy Rophael Levy Alida Viégas Levy Raquel Aben-Athar Pinto Raquel Fima de Castro Raquel Isaac Bemerguy Raquel Serruya Gabbay Raquel Soares Raquel Tobelém Raul dos Santos Júnior Léa Serfaty Ferreira Rebeca Coeli Alves Reina Benzecry Reina Serruya Reina Silva Renée Alves Ricardo Unger Simone Assayag Unger

Ricas Bibas de Castro

Roberto Maluf Gabbay

Rodinaly da Silva Maia Ronaldo Luongo Raquel Kabaczinik Luongo Rosilene R Serruya Bitran Ruben Ronaldo Serruya Rosângela Serruya Ruth Léa Bemerguy Ruy Aguiar Deise Oliveira Aguiar Sabrina Serruya Salomão Elias Benmuyal Elaine Benmuyal Salomão José Tobelém Salomão José Zagury Salomão Mendes Salomão Soares Raquel Larrat Soares Salvador Leon Nahmias Vera Nahmias Samuel Abraham Semuya Samuel Aguiar Maria José Aguiar Samuel Albert Gabbay Myriam S Gabbay Samuel Athias Samuel Elias Gabbay

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Samuel G Rodrigues Sonia Suley Pinto

Samuel Hilel Benchaya Edna Hilel Benchaya

Samuel Joseph Israel Hanna Belicha Israel

Samuel Kabacznik Alegria A Kabacznik

Samuel Moysés Levy Débora Levy

Samuel Ramiro Bentes Vera Lúcia Cruz Bentes

Sandra Raquel Sicsú de Paula

Sarah Benchimol

Sarah Benfenaty

Sarah Roffé Borges

Scott Anderson Lilian Serruya Anderson

Sebastião Carvalho Felicidade B. Carvalho

Sérgio Elarrat

Sérgio luiz Meneschy Lyliam Bemerguy Meneschy

Simão Bentes Fortuna Larrat Bentes

Simão de Oliveira Deborah Pinto Oliveira

Simão Hernan Bandayan

Simão Isaac Benzecry Maria Rasa F Benzecry

Simão Jacob Benchaya Sonia Maria Benchaya

Simão Zatz Elka Zatz

Sonia Abadia

Sultana Bentes

Sultana Cohen

Sultana Serruya

Syme Alves

Syme Gabbay

Syme Larrat Tobelém

Syme Pazuello Mendes

Syme Soores Rossi

Vanja Bentes

Walter Vidal Foinquinos Lourdes Foinquinos

Welton Pimentel Helena Obadia Pimentel

Yeda Kaalz Nahon

Yossef Kabacznik Jóia Kabacznik

Zacarias Elmescany

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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OS HEBRAICOS DA AMAZÔNIA – por Henrique Veltman – março/2005 - www.veltman.qn.com 81

Relacão das famílias judaicas de Manaus Nome Cônjugue Aarão Leão Foinquinos Regina Glauce Fainquinos Aarão Leão Ohana Aaron Benchimol Inah Benchimol Abraham Benzion Júlia Benzion Abraham Bohadana Abraham E Melul Renée Hanan Melul Abraham Jayme Benemond Abraham Larrat Maria de Lourdes Larrat Abraham M Benmuyal Veridiana Cassas Abraham M Benzecry Clarice Pozuello Benzecry Abraham Moysés Cohen Mario Mirtes Cohen Abraham Pinto Abraham S Serrulha Meryane Z Serrulha Adelino J Garcia Aida Pazuello Luiz FIávio B Simões Aida Renée A Hanan Albertino Azulay Mello Alberto Abecassis Alegria Israel Alice Benchimol Ambrósio Assayag Débora Baraúna Assayag Arão Abtibol Aron Hakimi Sandra Hakimi Asher Benzaken Adele Schwartz Benzaken Augusto Pacífico Ezaguy Joaquina Ezaguy Aziza Serruya Abtibol Azury Benzion Amanda Ladeira Benzion Beniamin Benchimol Natasha Benchimol Beniamin Benzecry Alice Benzecry Bonina Serruya Rodrigues Celeste Elgaly Celso Neves Assayag Sheyla Vieira Assayag Clara Azulay Mello Liberal MelIo Cota Pazuello Dani Schwarcz Hellen Benzecry Schwarcz Daniel lsrael Amaral Danielle Amaral David Bensadon David Gerzvolf

David Oliveira Benchimol

David Pinheiro Israel

David Salgado

David Simão Benoliel

David Tayah

Davis Benzecry

Deborah Laredo Jezine

Denis Fred Benzecry

Denise Benchimol Resende

Eduardo Abraham Kauffman

Eduardo Csasznik

Elias Abraham Azulay

Elias Simão Assayag

Ely Hizkiano

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Esther Benchimol

Esther Cohen

Esther Cohen

Esther Nilza Levy

Ezra Benzion

Flora Israel

Frank I Benzecry

Franklin Isaac Pazuello

Fred I Benzecry

Giza Abtibol

Hermes Israel Amaral

IIko Mintschev Minev

Isaac Abraham Benchimol

Isaac Bemerguy Ezaguy

Isaac Benarrós

Isaac Beniamin Benchimol

Isaac Dahan

Isaac Moysés Cohen

Isaac Raphael Assayag

Isaac Sidney Benchimol

Isaac Tayah

Ivan Fred Benzecry

Jacob Abraham Benzecry

Jacob Cohen Assayag

Jacob Edelman

Jacob Fortunato Cohen

Jacob Laredo

Jacob Larrat

Jacob Moysés Cohen

Jaime Samuel Benchimol

Janete Israel

Janete Silva

Jayme Benchaya Filho Margarida Benchaya

Maria Duarle Santos Jéssica Sabba Tayah Alba Terceira Benzecry Rochesler Jezine Paulo iemini Resende Claudia Csasznik Rulh Azulay Amanda Benzian Cley Said Benzecry Léa Maria Pazuella Lúcia Obadia Benzecry Amari!is Amara!

Nara Benchima! Minev

Soro Bentes Dohon

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Creuzo Barbosa Cohen lrlena Leal Benchimol Genine Portela Tayah Silvana Benzecry Creuza Farias Benzecry Piedade Abecossis Cohen Mônica laredo Mo José Carvalho Larrat Piedade Abecassis Cohen Anne G Benzecry Benchimol Jayme Isaac Pazuella Janathan Saul Benchimol Jorge Ney A Bentes José Laredo José Maria Assayag José Pacífico Ezaguy José Pazuello José Rafael Siqueira Filho Josué Maxwell Israel Joy Israel Juarez Frazão Rodrigues Jr Júlio Benoliel Silva Karlo C Ohana Léa C Abecassis Leão Aorão Ohana Leão Israel Lívio Assayag Lucinda Tayah Luna Cagy Cohen Mo Gina Cardoso Vasques Marcelo Daniel Laredo, Morcela Gerzvolf Marcio Galdbach Maria Rosa Lozano Barros Mariel Benayon Mello Maria Abraham Cudek Mario Antonio Sussman Marlene Fortunato Cohen Mathilde Esther B Ezaguy Maxim Mamam Gonçalves Mery Helena Koifman Mery Ohana Messod Gilberto S Benzecry Messod Pazuello Meyer Isaac Pazuello Meyr David Israel Michael Schwarcz Mirian Abtibol Mirian Laredo Sousa Moisés Salgado Moysés Benarros Israel Moysés Elias Azulay Moysés Fortunato Cohen Moysés Gonçalves Sabba, Moysés Laredo Moysés Leão Ohana Moysés Oliveira Benchimol Moysés Santos

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OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Deusenir Benchimol Sonia Laredo

Fatima Assoyag

Bonina Bemergui Ezoguy Anne M Israel Lopes Francisca Assis B Silva Zulmira Ohana Elisabeth R Gonçalves Luzione Benzecry Roimundo Pozuello Rivka Schwarcz Júlio Césor de A Dios Selmo Salgodo Phillsrael Marineide Azulay Salete Mangueiro Cohen Vânia Sabba Margoreth Ohana Voniro Benchimol Antonio Santas Myrian Kaifman C da Cunha Naftaly Ohev Zian Nathan Abraham Benchimol Nathan Samuel Benzecry Nathan Toyoh Nilzo Levy Nina Laredo Pinto Njssim J Benoliel Njssim Pazuello Njssim Venouziou Noeme Israel Noval Benoyon Mello Otto Fleck Paulo Frederico C da Silva Pedro Houser Pérola Cohen Assayag Pérola Serruya Rodrigues Piedade Ohana Ralph Assayag Raoul Woreczek Rejno Ohana Reno Abtibol de Brito Ricardo Samuel Benzecry Roberlo Fleck Ruben Eljas Azuloy Ruth Abecassis Oliveira Ruth Benzecry C Sousa Ruth Israel Lopes Sofira Ohana Salomão Eigaly Salomão Forlunato Cohen Salomão Israel Benchimol Salomõo Jacob Benoliel Salomão Laredo

Page 85: Os Judeus Da Amazônia

OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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Salomão Soares Abecassis

Samuel Afalo Marques

Samuel Aguiar

Samuel Appenzeller

Samuel Assayag Honan

Samuel David Israel

Samuel Eigaly

Samuel Elias Azulay

Samuel Benchimol

Samuel Koifman

Samuel Messod Benzecry

Samuel Pereira

Sandra Mello Pinheiro

Saphira Assayag

Page 86: Os Judeus Da Amazônia

OS HEBROS HEBROS HEBROS HEBRAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIAAICOS DA AMAZÔNIA

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OS HEBRAICOS DA AMAZÔNIA – por Henrique Veltman – março/2005 - www.veltman.qn.com 86

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